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Folha Fev 1

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FOLHA 01-02-2015

HLIO SCHWARTSMAN

Tu, cobarde
SO PAULO - "Tu choraste em presena da morte?/ Na presena de estranhos
choraste?/ No descende o cobarde do forte;/ Pois choraste, meu filho no s!".
O leitor de boa memria deve ter reconhecido os versos de "I-Juca Pirama", em
que Gonalves Dias captura o paradoxo da bravura: ela s existe porque existe a
possibilidade de covardia.
O heri do poema, I-Juca Pirama, era to valente que no temeu passar por
covarde, a fim de cumprir suas obrigaes filiais. No final, tudo se inverte e o
ndio opta pela morte com honra, mas fica o registro das incongruncias da
coragem.
Chris Walsh, autor de "Cowardice" (covardia), no menciona Gonalves Dias,
mas recorre a Homero, Plato, Aristteles, Dante, Montaigne e, principalmente,
histria militar para destrinchar a noo de covardia. Ele at prope uma
definio: "o covarde aquele que, por excesso de medo, deixa de fazer aquilo
que deveria". o primeiro, porm, a reconhecer que a definio no resiste aos
testes da realidade.
Walsh mostra que possvel ser covarde por ter pouco medo. A introduo do
conceito de dever na definio tampouco ajuda. Para falar em dever, afinal,
necessrio ter mais ou menos claro o que significam agncia moral e livrearbtrio.
Gostei particularmente da observao do marechal Georgi Jukov: "No Exrcito
Vermelho, preciso ser muito valente para ser covarde". que os soviticos,
aps a proclamao da ordem n 227, que proibia os soldados de recuar,
puseram em campo as temveis companhias penais, que fuzilavam
imediatamente qualquer homem que parecesse fugir. Estima-se que centenas de
milhares tenham sido mortos por esses pelotes.
"Cowardice" erudito, bem escrito e gostoso de ler, ainda que seja algo
inconclusivo. Traz elementos suficientes, porm, para perceber que Stlin e o
pai de I-Juca Pirama foram severos demais. O homem, afinal, precisa de vcios
para ser virtuoso.
BERNARDO MELLO FRANCO

O papel do historiador

BRASLIA - Quatro deputados disputam hoje a presidncia da Cmara. Um


deles admite que vai perder: o historiador Chico Alencar, 65.
Eleito para o quarto mandato pelo PSOL-RJ, Chico um anticandidato
assumido. Lanou-se para protestar contra o nvel do duelo entre os favoritos
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Ele acusa os rivais de competirem para ver quem promete mais benesses aos
colegas, sem discutir os problemas que interessam sociedade.
"A campanha se d na base das negociaes internas e do corporativismo.
dominada por jantares, viagens de jatinho e promessas de cargos e de
mordomias", reclama.
Chico descreve Cunha como um deputado que "faz do mandato um
investimento". "Ele um smbolo da pequena poltica. Representa a poltica dos
negcios, onde o pblico e o privado perdem fronteiras", afirma.
O azaro diz respeitar a histria de Chinaglia, de quem foi colega no PT, mas o
acusa de usar a mquina do governo para cooptar aliados.
"Os dois esto fazendo a pequena poltica, o fisiologismo. So mtodos rasteiros
que, se forem exitosos, revelaro o baixo padro de cultura poltica do
Parlamento", critica.
Sem chances de vitria, Chico defende ideias impopulares entre a maioria dos
colegas. contra o aumento das verbas de gabinete e defende a cassao de
quem for denunciado por corrupo na Petrobras.
"Quanto mais digo isso, menos votos tenho", brinca o anticandidato. "A Lava
Jato pode revelar, de modo assustador, a degradao profunda dos grandes
partidos. Parece que o pessoal no est atento a isso. O abismo entre os
representantes e representados ficou muito grande. Se a gente no prestar
ateno, o trem da histria nos atropela", alerta.
um discurso incmodo, mas Chico promete repeti-lo hoje na tribuna. "O Eric
Hobsbawm dizia que o papel do historiador lembrar o que os outros querem
esquecer. A razo da minha candidatura est a", afirma.
CARLOS HEITOR CONY

Prestao de contas
RIO DE JANEIRO - O general Figueiredo ao se despedir do povo brasileiro
pediu que o esquecessem. Que estava ressentido, estava. Tanto que se negou a
transmitir o poder ao seu substituto Jos Sarney. Sua assessoria de relaes
pblicas exibiu em rede nacional um documentrio de quase uma hora,
mostrando as grandes realizaes do seu governo.

Evidente que soube encerrar sua passagem pelo poder sem grandes traumas,
com exceo do caso do Riocentro, finalizando o perodo militar da ditadura.
Negando-se, inclusive, a passar a faixa presidencial ao seu sucessor
constitucional.
O documentrio mostrou suas realizaes: o Po de Acar, o Cristo Redentor,
Itaipu, o rio Amazonas, as Cataratas do Iguau, o Maracan, algumas aves
exticas, cartes postais como obras de sua administrao.
Dona Dilma no ficou atrs. Na primeira reunio com o novo ministrio pintou
um quadro paradisaco com seus feitos, sem mencionar os defeitos, citando
enfaticamente algumas maravilhas dos 12 anos da hegemonia do PT. Entre as
quais, Bolsa Famlia, Minha Casa, Minha vida, ascenso da classe mdia e o
combate a corrupo, que est sendo uma batalha perdida. Todas elas de seu
sucessor e condestvel Luiz Incio Lula da Silva.
Praticamente, no mencionou as promessas de sua campanha eleitoral. O maior
acontecimento de seu governo foi o rombo criminoso da Petrobras, no qual, de
certa forma ela estava envolvida, pois exercia o topo da nossa maior estatal. Em
verdade, reagiu energicamente contra os Estados Unidos indecente
intromisso nos assuntos da poltica e das finanas do Brasil.
No incio de seu segundo mandato est enfrentando violentas cobranas, no s
dos seus adversrios mas de sua decantada base aliada. Incluindo novos
escndalos e o assustador receio de uma inflao insustentvel.
ELIO GASPARI

O paraso da energia, segundo a doutora


Dilma vive no mundo real mas alimenta outro, fants-tico, no qual
seus adversrios so inimigos do povo
H dois anos a doutora Dilma apareceu em rede nacional de televiso
anunciando que o Brasil entrara no paraso do energia eltrica. Ela disse coisas
assim:
"A partir de agora a conta de luz das famlias vai ficar mais barata. a primeira
vez que isso ocorre no Brasil."
"Isso significa que o Brasil tem e ter energia mais que suficiente para o
presente e para o futuro, sem nenhum risco de racionamento, de qualquer tipo
de estrangulamento, no curto, no mdio ou no longo prazo."
"Estamos vendo como erraram os que diziam meses atrs que no iriamos
conseguir baixar os juros e nem o custo da energia. Tentavam amedrontar nosso
povo."

Passados dois anos os juros esto onde esto, as tarifas de energia vo subir e o
"risco do racionamento" est a.
Com m vontade pode-se ver no pronunciamento da doutora uma sucesso de
lorotas. Com um pouco de boa vontade v-se outra coisa, diferente e, sob certos
aspectos, at pior: a f numa realidade virtual. Ela queria baixar as tarifas e
acreditava no que dizia, mas acreditava demais. Bastava que tivesse evitado os
superlativos, tais como "tem e ter energia mais que suficiente", "sem nenhum
risco (...) no mdio ou no longo prazo".
A doutora governa com trs realidades. Na da racionalidade sabe perfeitamente
que no se deve dizer o que disse. Na da autoglorificao, cria um mundo
virtual. No campo da militncia poltica, manipula a fantasia compondo um
conflito no qual apresenta-se como uma princesa combatendo as foras das
trevas que querem "amedrontar nosso povo". Isso no debate poltico, mas
videogame.
do embaixador Marcos Azambuja a explicao de que os diplomatas
produzem bl-bl-bls, mas no os consomem. At que ponto a doutora acredita
nos seus bl-bl-bls, no se pode saber, mas sua f na fantasia mais complexa
que a pura enganao. tambm um estado da mente. Todo governante
acredita demais no que diz, mas a gua ferve quando diz algo em que no pode
acreditar. Por exemplo: no haver problemas com a energia "no curto, no
mdio ou no longo prazo".
O marqueteiro Joo Santana, cujas impresses digitais esto na fala do paraso
energtico, pode acreditar que Elvis Presley est vivo, mas a doutora no podia
acreditar no que disse. No seu depoimento ao livro do reprter Luiz Maklouf
Carvalho ("Joo Santana - Um marqueteiro no poder"), ele diz que tem "uma
relao misteriosa e cotidiana" com o fsico italiano Ettore Majorana. O baiano
Santana tem um p na cincia poltica, outro no mundo mgico e vive bem nos
dois. Sua fascinao pelo caso de Majorana mostra como se pode ser feliz
acompanhando ora a razo, ora a fantasia.
Erro
Estava errada a informao aqui publicada segundo a qual dos campos africanos
que a Petrobras vendeu metade de sua participao em 2013 saa 60% do
petrleo que importa e 25% do que refina. Os erros eram dois: as duas
percentagens referiam-se situao de 2013, quando deu-se a venda, e no de
hoje. A percentagem do refino (25%) relacionava-se com a processamento de
petrleo importado, e no com o total do refino da Petrobras, que muito
maior.
Eremildo, o idiota
Eremildo um idiota e alistou-se para a batalha da comunicao da doutora
Dilma. Ouvindo seu discurso de tera-feira convenceu-se de que vai tudo bem
com o governo, menos o teleprompter que a ajuda a ler discursos. Eremildo
encanta-se com o estilo da doutora. Na noite de sua reeleio ela foi a primeira
candidata vitoriosa que se impacientou com os aplausos da plateia.

Lula e Dilma
Mesmo pessoas que no acreditam na possibilidade de um rompimento entre
Lula e a doutora Dilma esto tensas com o tamanho da amargura que se
instalou entre os dois. Esto tensas, mas continuam achando que ambos sabem
que no existem sem o outro.
O povo sabe
O Planalto e alguns governadores esto perplexos diante de um cenrio no qual
tero que fazer racionamentos. Um diz uma coisa, outro diz outra e
frequentemente algum est querendo empulhar a patuleia. Trata-se de um
problema inexistente. Nos ltimos 50 anos os brasileiros j tiveram seis
moedas, falta d'gua em diversas cidades, apago no tucanato. Aguentaram
firme. A crise de hoje incomoda sobretudo porque os governos mentem.
O MISTRIO DO SUMIO DE ETTORE MAJORANA
Na sua fala a doutora Dilma anunciou como poltica pblica uma realidade
fantasiada. Com o caso de Majorana pode-se manipular fantasias e, para quem
est atrs de uma obsesso, um prato cheio. Trata-se de um mistrio sem fim,
mas apenas um brinquedo pessoal. Majorana era um fsico italiano, da turma
de Enrico Fermi, prmio Nobel de 1938 e chefe da equipe que em 1942 libertou
a energia do urnio. Da at a exploso da bomba atmica sobre Hiroshima
passaram-se trs anos.
Majorana tinha 31 anos, e Fermi colocava-o na categoria dos gnios como Isaac
Newton e Galileu. Ainda criana, extraa razes cbicas de cabea. Misantropo e
depressivo, sumiu em maro de 1938. Estava na Siclia e tomaria uma barca
para Npoles. Sumiu. Passaram-se 77 anos, e o enigma persiste. Ele teria
antevisto a bomba atmica, talvez at achado que detinha seu segredo e matouse. Ou saiu do mundo recolhendo-se a um mosteiro. Um padre viu um sujeito
parecido com ele pedindo abrigo. Teria fugido para a Unio Sovitica, pois anos
depois outro fsico da equipe de Fermi sumiu e apareceu em Moscou. Duas
pessoas juram que viram Majorana depois do seu desaparecimento. Na mo do
escritor Leonardo Sciascia, isso valeu um grande livro. H poucos mistrios
melhores e o lance do cientista que v a bomba e some de grande beleza.
Dois fatos simplificam a histria. Quando ia de Npoles para a Siclia, Majorana
mandou uma carta de despedida a um colega dizendo que tomara uma deciso
"inevitvel" e que desapareceria. Noutra carta, aos pais, pediu que no usassem
luto por mais de trs dias. No dia seguinte escreveu um telegrama ao professor
pedindo que desconsiderasse o assunto e, numa nova carta, contou-lhe que "o
mar me rejeitou". Comprou passagem para a barca de volta a Npoles e sumiu.
Seu corpo nunca foi achado.
De todas as hipteses, a mais plausvel , de longe, que Majorana queria matarse na viagem de ida, desistiu, e matou-se na da volta.
Falta explicar por que estava com todo o dinheiro que tinha no banco e por que
viajou com o passaporte. Com a fantasia, ganha-se um grande enigma para

exercitar a imaginao. A "relao misteriosa e cotidiana" de Joo Santana (ou


de qualquer outro curioso) com Majorana alimentada por intrigantes
conjecturas que no fazem mal a ningum.
No caso do paraso energtico a doutora cometeu a imprudncia de achar que
sua conjectura era uma verdade. Na Argentina garante-se que Majorana morreu
em Buenos Aires.

Empresa fez consulta sobre impeachment, diz revista


Segundo a 'Veja', parecer pedido por firma da Lava Jato favorvel a processo
contra Dilma
DE SO PAULO
Uma das construtoras acusadas na Operao Lava Jato encomendou um parecer
jurdico sobre a viabilidade de um pedido de impeachment contra a presidente
Dilma Rousseff com base nas descobertas sobre crimes e irregularidades na
Petrobras e est divulgando o material, segundo a revista "Veja".
A edio da revista que chegou s bancas neste sbado (31) no aponta qual
empresa pediu o estudo, mas diz que o trabalho foi feito pelo jurista Ives Gandra
Martins.
Procurado pela Folha, o jurista confirmou a elaborao do parecer sobre o
tema, mas afirmou que foi pedido por um advogado amigo dele, Jos de Oliveira
Costa, que no revelou quem seria o destinatrio do estudo.
O parecer de Martins favorvel abertura do processo de impeachment contra
a presidente da Repblica.
"Considerando que o assalto aos recursos da Petrobras, perpetrado durante oito
anos, de bilhes de reais, sem que a Presidente do Conselho e depois Presidente
da Repblica o detectasse, constitui omisso, negligncia e impercia,
conformando a figura da improbidade administrativa", concluiu.
VERA GUIMARES MARTINS

Preconceito entre aspas


Certas coberturas passam a impresso de que h 'licena para zoar'
se o personagem for branco, rico ou conservador
O que vem a ser um "liberal", assim, ilhado por aspas?

Nem os que se sentiram ofendidos pelo uso do sinal grfico sabiam com certeza,
mas reagiram com a intensidade e a convico de que boa coisa no devia ser.
Foram 115 mensagens ombudsman (60 delas com contedo idntico), em
protesto contra o que qualificaram de deboche e falta de iseno jornalstica.
O alvo da ira foi a reportagem "Jovens 'liberais' do aula pblica sobre
transporte", que relatava um evento promovido pelo Movimento Brasil Livre, no
vo do Masp.
Reza a norma que aspas devem ser usadas para abrir e fechar citaes, destacar
uma palavra fora de seu contexto usual ou exprimir ironia. Citao no era, e o
MBL um grupo que prega o liberalismo econmico e a reduo do tamanho do
Estado --mais dentro do contexto, impossvel. Sobrou a ironia.
"Ao usar o termo entre aspas, o reprter manifestou condescendncia e falta de
respeito com aqueles que so reconhecidos como proponentes de ideias
liberais", escreveu o consultor de empresas Ricardo Castro, 44. "O que os
editores pensariam a respeito de manchetes como: 'Encontro mundial rene
jovens 'catlicos'" ou "Folha recebe prmio por jornalismo 'investigativo'"?
Para corroborar o vis depreciativo, a reportagem descreveu o MBL como um
movimento de "jovens de classe mdia que se dizem liberais". Se dizem?
"Imagino que o reprter acredite que, em algum outro lugar, haja verdadeiros
liberais e que aqueles eram impostores", concluiu o mesmo leitor.
Os simpatizantes do MBL ficaram particularmente incomodados com o
destaque dado a um dos organizadores e palestrante, o estudante de economia
Kim Kataguiri, 18. Avaliaram que o foco em sua juventude era uma forma de
ridicularizar o evento --e aqui discordo muito.
Salientar a precocidade de um militante ainda adolescente, que expe teorias
econmicas ou cita filsofos modernos, dar o destaque correto a um
personagem incomum. Basta lembrar a projeo mundial conferida a Joshua
Wong, 18, lder do movimento Scholarism e figura de frente na onda das
manifestaes pr-democracia em Hong Kong.
O problema, noves fora as aspas indevidas, que a matria focou Kim, e ali
ficou, descurando de dados que completariam o cenrio, como os outros
palestrantes ou o nome da banda "de terno e gravata borboleta, cantando em
ingls".
A editoria "Cotidiano" afirma que no houve inteno de desqualificar o evento,
mas reconhece o erro. "A Folha se prope a exercer um jornalismo crtico em
relao a todos os partidos polticos, grupos, acontecimentos e tendncias
ideolgicas. Esse princpio orienta a cobertura das manifestaes sobre a
questo do transporte em So Paulo --sejam promovidas pelo Movimento Passe
Livre, o Movimento Brasil Livre ou outras organizaes. No entanto, o uso de
recursos de estilo inadequados, como as aspas em liberais e aula pblica, deram
margem interpretao de que houve deboche em relao ao grupo. No essa
a posio do jornal."

Vale mencionar que os liberais tambm repisaram um argumento defendido por


parte do leitorado, o de que a Folha no imparcial nas coberturas de fatos ou
manifestaes identificados com a direita do espectro poltico. No tm toda a
razo, mas no esto de todo errados.
A defesa da imparcialidade norma do jornal, mas os deslizes so mais
frequentes do que deveriam. Algumas reportagens passam a impresso de que a
Redao se concede uma espcie de "licena para zoar" quando o personagem
da notcia branco, rico e conservador.
reflexo de uma viso baseada em falta de empatia, afinidade ideolgica com o
iderio da esquerda e tambm em comodidade: gozar quem est no topo da
pirmide social no desafia o politicamente correto, e a cobrana costuma ser
menor. Ou costumava.
No caso em questo, alm das mensagens ao jornal, alguns militantes mais
inflamados partiram para a presso direta, postando insultos e ameaas no
perfil do reprter em uma das redes sociais.
Pressionar o jornal regra do jogo democrtico. Ameaar a integridade do
profissional coisa de fascista, no de liberal.
ENTREVISTA ALPHA COND, 76

Ebola estigmatizou a Guin perante o mundo


Presidente diz que epidemia est sob controle, mas h o temor de a populao
acreditar que o perigo j passou
ADRIANA FERREIRA SILVACOLABORAO PARA A FOLHA, EM PARIS
Em 2012, dois anos aps ser eleito presidente da Guin, Alpha Cond, 76, disse
ao jornal ingls "The Guardian" que gostaria de ser uma mistura de Nelson
Mandela e Barack Obama.
Teria de superar uma herana de mais de 50 anos de ditadura, iniciada aps o
fim da colonizao francesa, em 1958, e que s terminou com as eleies de
2010.
Cond afirmou que poderia fazer do pequeno pas africano uma democracia
estvel e uma potncia econmica. "Serei Mandela, por sua luta pela liberdade,
e Obama, pelo que fez pela esperana".
No esperava, porm, que o pas seria vtima do ebola.
Em um ano, a epidemia matou quase 1.900 pessoas e levou a maioria das
multinacionais de minerao --setor responsvel por 30% do PIB-- a
suspenderem as atividades.

A previso de crescimento do PIB em 2014 caiu de 4,5% para 1,3%.


A caminho do Frum Econmico Mundial, o presidente recebeu a Folha para
uma entrevista exclusiva.
Folha - A epidemia de ebola est sob controle na Guin?
Alpha Cond - Posso dizer que sim. Em janeiro, tivemos apenas trs novos
casos. Na regio de floresta, onde se concentrou a maioria das ocorrncias, a
situao melhorou muito, apesar da resistncia das pessoas em seguir as
recomendaes dos mdicos. Na capital, no temos mais registros.
Mas ainda h muito a fazer. Esse o momento mais perigoso, porque o
problema pode voltar a se agravar se as pessoas comearem a acreditar que
agora est tudo bem.
Lanamos, em 10 de janeiro, o programa Ebola Zero, para erradicar
completamente o vrus. Em primeiro lugar, devemos isolar os agentes de
contaminao. Se a pessoa tiver contato com a doena, deve ser mantida em
isolamento completo por pelo menos 20 dias.
O mais importante ter o apoio da populao para informar sobre novos casos.
O financiamento do programa vem dos US$ 200 milhes do Banco Mundial
destinados luta contra o vrus nos trs pases mais afetados.
Quais as consequncias dessa epidemia para a Guin?
O investimento feito por empresas internacionais desapareceu. Milhes de
dlares dos contratos do setor de minerao foram suspensos. E h ainda as
perdas sociais.
Todas as escolas tiveram de ser fechadas, e os estudantes ficaram sem aulas
durante trs meses.
Alm disso, o pas fica estigmatizado perante a comunidade internacional.
Quais medidas econmicas o pas deve tomar?
Tenho um encontro em Davos com Christine Lagarde [presidente do Fundo
Monetrio Internacional; a reunio ocorreu no ltimo dia 22], no qual farei o
pedido de anulao total da dvida externa dos trs pases afetados pelo ebola.
Essa demanda foi feita em dezembro de 2014 pela Comisso Econmica para a
frica (CEA), rgo da ONU.
A Frana tem feito muitos esforos para ajudar a Guin, mas o pas tambm no
se encontra em boa situao financeira. O suporte, no entanto, deve ser global,
aos trs pases mais atingidos pela epidemia.
Quais lies o pas tirou dessa crise?

Em primeiro lugar, que devemos reforar o investimento em saneamento bsico


e no sistema de sade. Se nossos hospitais e laboratrios fossem mais
desenvolvidos, teramos controlado a epidemia rapidamente.
Por isso, meu principal objetivo formar mdicos e criar e equipar laboratrios
para que a Guin seja capaz de detectar rapidamente essa e outras doenas e
mant-las sob controle. Devemos criar centros de sade comunitrios em reas
rurais isoladas. Tambm temos de construir e reformar os centros de sade das
prefeituras.
Em sua opinio, o ebola ainda pode se tornar ainda uma epidemia
mundial?
Espero que todos os pases se mobilizem para desenvolver uma vacina. Acredito
que somos capazes de impedir que o ebola se torne uma epidemia mundial.
Logo aps o atentado ao jornal "Charlie Hebdo", o senhor lembrou
que na sua juventude, quando morou em Paris, foi colaborador do
jornal...
Hoje (dia 19) me encontrei com o presidente Franois Hollande para apresentar
minhas condolncias. Evidentemente ns condenamos esses atentados. Somos
solidrios Frana e a favor da liberdade de expresso. A comunidade
internacional deve se unir para combater tudo o que possa nos dividir.
O senhor teme que na Guin, pas onde cerca de 85% da populao
muulmana, tambm possam ocorrer manifestaes contra o jornal
como as que aconteceram em outros pases, como o Nger?
Temos o hbito de praticar a tolerncia. No acredito em manifestaes na
Guin. Somos um povo tolerante.
Como esto as trocas comerciais entre o Brasil e a Guin?
A Vale veio Guin nos anos 2000 para explorar as minas de ferro de Simandou
por meio de uma parceira comercial [a israelense BSGR], investigada por
corrupo [a Vale desfez a sociedade e arcou com um prejuzo de US$ 1,2
bilho].
Queremos que esse caso se resolva e que a Vale volte a atuar na Guin. Temos
tambm a presena da OAS em projetos de obras pblicas.
CLVIS ROSSI

Levy e a travessia do deserto


No entorno do ministro, h dvidas sobre o apoio de Dilma durante
o perodo de inevitveis ms notcias

Um amigo do ministro Joaquim Levy, e que interlocutor eventual tambm da


presidente Dilma Rousseff, demonstra muita insegurana em relao
possibilidade de que a presidente respalde Levy neste ano que promete ser a
travessia do deserto.
Que o ano ser difcil parece certo. O prprio Levy j admitiu que poder haver,
a princpio, uma queda do PIB.
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, por sua vez, disse, em
almoo no Frum de Davos, que a inflao tende a ter um aumento a princpio,
embora ele esteja certo de que cair mais adiante.
Ou seja, o ajuste que a nova equipe econmica est comeando a fazer coincidir
com um perodo de inflao mais alta e crescimento negativo ou ainda mais
baixo do que o nanico nvel dos ltimos anos.
Seria tentador, para os crticos do ajuste, culp-lo por essa desagradvel
combinao. No verdade (os maus resultados previstos para 2015 foram
semeados em 2014, antes, portanto, do ajuste).
No importa. O que importa que Dilma, que nunca foi f da austeridade nos
termos em que Levy est trabalhando, pode no segurar as mos do ministro
enquanto ele atravessa o deserto.
sintomtico dessa possibilidade o fato de que a assessoria de imprensa da
Fazenda viu-se forada a emitir dois desmentidos que no desmentem nada a
entrevistas que o chefe dera ao "Financial Times" e agncia Dow Jones.
Neste segundo caso, a assessoria diz que no procede a informao de que
"ficar mais claro em um ms se haver necessidade de um racionamento de
eletricidade".
O ministro de fato no fez tal afirmao com todas as letras, mas soltou um
"yaa" (um "yes" americanizado) para a pergunta " cedo para saber sobre
racionamento?".
Alm do "yaa", Levy acrescentou: "Ns ainda temos dois meses".
Vem o "FT" e publica que o Brasil est pronto para uma "controvertida reforma
dos programas de bem-estar social" [especificamente quanto ao mercado de
trabalho].
Levy de fato no falou em reforma, mas foi explcito: o desenho dos benefcios
por desemprego "est completamente desatualizado" ("out of date").
Se assim, qualquer governante srio iria reform-lo, certo? Logo a concluso
do "FT" correta.
Fica claro que Levy pisa em ovos ao abrir a boca, com evidente receio de sofrer a
mesma reprimenda que seu colega Nelson Barbosa, quando este falou sobre
mudana no reajuste do salrio mnimo.

Seus desmentidos no se destinam ao pblico em geral, mas a UM pblico em


especial, que atende pelo nome de Dilma Vana Rousseff.
S pode significar que o ministro, como seu amigo, no est seguro de que a
presidente segurar as pontas at que a travessia do deserto se complete. Se
que se completar.
Ajustar as contas pblicas tornou-se necessrio, mas s uma f cega no valor
teolgico de ajustes oramentrios faz acreditar que bastam para conduzir a um
crescimento robusto.
Se fosse assim, a Europa estaria vivendo um "boom" gigantesco, pelo tamanho
do ajuste que est fazendo h cinco anos.
ANTONIO PRATA

Trinta e quantos?
Voc faz 35 e entra numa zona cinzenta (ou seria grisalha?) em que
idade no significa mais muita coisa
Outro dia, numa mesa de bar, hesitante e assustado, me dei conta de que eu no
sabia a minha idade. Trinta e seis parecia pouco, 38 parecia muito e 37, sei l
por que, me soava meio estranho. Que era alguma coisa por a, eu tinha certeza.
Trinta e cinco eu tive j faz muito, muito tempo, mas no tanto, tanto tempo
para que eu j pudesse estar com 40; no, se eu fizesse 40, eu iria perceber, ou,
no mnimo, iria ouvir algum comentrio dos mais prximos. Cus, como pode, a
esta altura do campeonato -qual altura, exatamente?- a pessoa ignorar quantos
anos tem?
Quando voc criana, a idade um negcio fundamental. o dado mais
importante depois do seu nome. Voc aprende a mostrar nos dedos e passa uma
dcada dizendo "quatro, vou fazer cinco", "cinco, vou fazer seis", "seis, vou fazer
sete" e assim por diante. Lembro que, na poca, eu achava de uma obviedade
tacanha esse "vou fazer", mas hoje entendo: o desejo de crescer uma parte
fundamental do software com o qual viemos ao mundo. "Seis, vou fazer sete"
menos uma constatao bvia do que uma saudvel aspirao.
Na adolescncia, a idade continua sendo importante. Afinal, a diferena entre 14
e 16 , geralmente, a diferena entre Mario Bros e o sexo. Pense no Mario Bros,
pense no sexo, e fica evidente que h certas coisas que s dois aniversrios
fazem por voc.
Dos 20 aos 30, avana-se lentamente, com sentimentos contraditrios. A escola
foi h sculos, mas ser adulto ainda estranho. Pelo menos, adulto como
aqueles ancios de 30 que usam grias "de pai", danam de um jeito engraado e
parecem ter aprendido a se vestir em algum sitcom da Warner. A resposta
sincera a quantos anos voc tem, nessa fase, seria: "26, queria fazer 25", "25,

queria fazer 24", at chegar a 20 -acho que ningum, a no ser dopado por doses
cavalares de nostalgia e amnsia, gostaria de ir alm, ou melhor, aqum, e voltar
adolescncia.
Trinta anos uma idade marcante. Agora inegvel que voc ficou adulto, e se o
seu quarto ainda guarda algum vestgio da escola (uma coleo de latinhas? Um
cone de trnsito? Uma bandeira da Jamaica?) o caso de refletir seriamente
sobre a sua autoimagem. Trinta e um, 32, voc vai anotando, sem perder a
conta. Mas a voc faz 35 e entra numa zona cinzenta (ou grisalha?) em que
idade no significa mais muita coisa. A impresso que eu tenho, a esta altura do
campeonato -qual altura, exatamente?-, que todo mundo tem a minha idade.
Meus amigos de 60 e poucos, meus amigos de 20 e muitos. Trinta e dois?
Quarenta e oito? No sendo pbere nem gag, to todos no mesmo barco, uns
com mais dor nas costas, outros com os dentes mais brancos, mas no mesmo
barco, trabalhando, casando, separando e resmungando no Facebook. Deve ser
por isso que, sem perceber, parei de contar.
"Trinta e sete, Antonio! Voc tem 37!", interveio minha mulher, l no bar, meio
brava com o meu lapso. Ainda fiz as contas no celular, pra ter certeza. Era isso
mesmo. Trinta e sete, vou fazer 38, se Deus quiser e no morrermos todos sem
gua e sem luz at agosto de 2015.

Paran recebe nova onda de imigrao de muulmanos


Trabalhadores deixam pases asiticos e africanos em busca de emprego em
frigorficos no norte do Estado
Ao menos 9 mesquitas e casas de orao foram abertas; chegada ao
Brasil envolve muitas vezes servio de coiotes
ESTELITA HASS CARAZZAIENVIADA ESPECIAL AO NORTE DO PARAN
De colonizao alem, a cidade de Rolndia, no norte do Paran, tem pouco
mais de 60 mil habitantes e um calor de 35 graus no vero. Em meio a casas em
estilo germnico, produo de salame e Oktoberfest, vivem agora cerca de 200
muulmanos, que percorrem as ruas de terra vermelha vestindo tnicas e
taqiyahs (gorros de orao).
Chegado nos ltimos cinco anos, o grupo integra nova onda migratria de
islmicos, que tem mudado a cara de pequenas cidades do Paran e j provocou
a abertura de pelo menos nove mesquitas e casas de orao.
"Brasil, muito bom. Tudo gente boa, trabalho. S ruim feijo, tudo dia feijo
[sic]", afirma o bengals Abdus Samad, 29, no pas h dois anos.
Os novos islmicos so de pases africanos e asiticos, como Bangladesh,
Paquisto e Gana, e fogem da instabilidade poltica ou da pobreza.

Em cidades como Rolndia, procuram trabalho em frigorficos que fazem o


abate halal de frangos, obrigatrio para muulmanos e feito preferencialmente
por fiis.
Antes do abate, realizado manualmente e com um nico corte, preciso dizer:
"Em nome de Deus, Deus maior".
O norte do Paran, onde a Folha esteve, tem grande concentrao de
frigorficos halal, que vm aumentando exportao para pases muulmanos -por isso precisam da mo de obra.
Com os novos islmicos, o Estado tambm o segundo em templos
muulmanos no Brasil, s atrs de So Paulo.
Os novos imigrantes so na maioria homens, tm entre 20 e 30 anos, e
trabalham com afinco. Adesivos com a inscrio "funcionrio do ms" decoram
a casa do bengals Atiquer Rahman, 24.
Com o salrio, eles compram celulares para falar com a famlia, enviam dinheiro
e pagam as contas. Por causa do fuso em relao terra natal, preferem
trabalhar de madrugada, geralmente no setor de limpeza dos frigorficos.
Muitos dividem o aluguel em at seis pessoas. Cozinham, comem no cho, por
costume, e fazem as cinco oraes dirias que prega o Alcoro em tapetinhos em
casa. Para achar a direo de Meca, qual devem se voltar, usam a bssola do
celular.
Embora a comunidade hoje seja receptiva, no comeo alguns moradores
fechavam a janela quando os imigrantes passavam. Mas eles relevam o receio
inicial. Dizem que os brasileiros no esto acostumados a estrangeiros, mas que,
quando conhecem, "respeitam mais", como afirma o paquistans Haji
Muhammad, 36.
COIOTES
Muitos dos imigrantes chegaram ao Brasil pelas mos de coiotes, gastando at
R$ 20 mil. Em Bangladesh, havia anncios em jornais que prometiam salrios
de R$ 5 mil. De avio, chegaram Bolvia e depois atravessaram a fronteira
brasileira de nibus, a p ou at a nado, cruzando rios.
Aqui, no viram nada da promessa de bons ganhos e emprego imediato. A
maioria teve de pedir ajuda para sobreviver nos primeiros dias e, agora, recebe
entre R$ 1.000 e R$ 1.500 ao ms.
Hoje, dizem que o Brasil a sua casa. A maioria recebeu visto de permanncia
definitiva do governo federal.
Alguns j se renderam ao sertanejo, popular na regio. Outros abrem um sorriso
quando se fala em churrasco --desde que seja com abate halal e sem carne de
porco.

O bengals Sumsul Hoque Khokon, 28, que abriu um salo de beleza h duas
semanas, mostra a foto do jogador Neymar. "Corto igual ele, se quiser", a R$ 10.

Seis maneiras de morrer com um buraco negro


Novos telescpios ampliam a cincia dos buracos negros e, de quebra, permitem
a um professor da USP ampliar sua bem-humorada palestra sobre como eles
podem ser assassinos
GABRIEL ALVESGABRIELA MALTADE SO PAULO
" a pedagogia do fatalismo", afirma o astrofsico Rodrigo Nemmen, professor
da USP que lota auditrios universitrios contando as diversas formas como um
buraco negro poderia matar algum.
"Busco apresentar as descobertas cientficas de forma menos maante", afirma.
E no caso dos buracos negros, h muito o que apresentar.
Isso porque uma srie de novos telescpios esto possibilitando uma nova
compreenso desses objetos.
A Nasa lanou o satlite Nustar, especializado em raios-X, em 2012. O Glast, de
raios gama, de 2008.
Analisando os diferentes espectros de radiao emitidos pelos buracos negros,
eles ajudaram os cientistas a descobrir, por exemplo, que buracos negros no
so uma draga de energia. Na verdade, ejetam mais energia do que absorvem -esto, na verdade, consumindo sua massa.
Uma consequncia que buracos negros um dia se consomem por inteiro. O
curioso que nunca um deles acabou, pois ele levaria mais tempo transformar
toda sua massa em radiao do que a idade do Universo --14 bilhes de anos!
Voc no gostaria de estar no caminho dessa radiao. Se um humano
conseguisse no morrer tostado, acabaria sofrendo mutaes.
ESPAGUETE
A ansiedade pelo Telescpio do Horizonte de Eventos, na verdade um
conjunto internacional de telescpios, que deve estar plenamente operacional
na prxima dcada.
Ele deve ampliar a compreenso sobre o tema e, assim, permitir a Nemmen
ampliar a sua lista assassina.
Analisar buracos negros por telescpios o nico caminho disponvel. O mais
prximo est a 1.600 anos-luz --um ano-luz o espao que a luz percorre nesse
perodo.

Levaria milhes de anos para uma sonda ir at l. Mesmo que chegasse, ela seria
engolida ao se aproximar do horizonte de eventos --a "fronteira" do objeto-- e
no conseguiria mandar dados de volta. Milhes de anos em vo.
At se sabe como isso ia acontecer: a sonda seria espichada pela gravidade,
virando um espaguete sendo sugado pelo centro do buraco negro. (O nome
cientfico disso mesmo "espaguetificao").
Mas fique tranquilo: se voc no for se meter de bobo perto de um buraco negro,
este nosso canto do Universo bem pouco arriscado. Tais objetos surgem a
partir da morte de estrelas, mas o Sol magrinho demais para virar um. Ele
teria de ter pelo menos trs vezes sua massa para isso.
Se hipoteticamente o Sol virasse um buraco negro, nem sugaria a Terra, que
seguiria a orbitar, bem fora do horizonte de eventos. O chatinho que o planeta
viraria um picol espacial, a quase -273C.
Alm disso, na sua formao o buraco negro ejetaria raios gama. Eventuais ETs
entusiastas de pirotecnia ficariam embasbacados: mesmo a centenas de anosluz, seria possvel ver um claro mais forte do que cem sis.
REINALDO JOS LOPES

Deu zebra
Saber por que zebras tm listras era algo que deixava os zologos
perdidos. Est nas moscas, porm, o motivo
Em momentos de perplexidade, um velho amigo costumava desfiar um rosrio
jocoso de perguntas existenciais: de onde viemos? Para onde vamos? Por que
mulheres usam bobes no cabelo? Proponho incluir na lista outra dvida cruel
que assola a humanidade desde a noite dos tempos: por que as zebras tm
listras?
"Para confundir predadores na savana", possvel que voc tenha respondido,
caso tenha se interessado alguma vez por equdeos listrados. Boa tentativa, mas
no o que indica o estudo mais completo j feito sobre o tema. Ao que parece,
o modelito caracterstico foi projetado pela seleo natural para enganar
inimigos muito menores, e s vezes at mais perigosos, do que lees: moscas
sugadoras de sangue.
o que concluiu a equipe capitaneada por Tim Caro, da Universidade da
Califrnia em Davis, em artigo na "Nature Communications". Caro e companhia
basicamente realizaram uma anlise estatstica sofisticada de todos os fatores
que poderiam estar por trs do visual.
E, acredite, os fatores j propostos so muitos, sinal de que os zologos
andavam meio perdidos na tentativa de explicar o padro de pelagem dos

bichos. A lista inclui, bvio, a hiptese da camuflagem --a ideia que o padro
de listras claras e escuras mimetizaria a alternncia de luz e sombras tpicas de
reas florestais relativamente abertas e ensolaradas.
H ainda a proposta de que, quando as zebras esto em bando e em movimento,
aquela mistura de listras confunde a cabea de um predador, que no consegue
mais ter certeza de onde terminam as ancas de um bicho e comea a cabea de
outro. Experimentos mostraram que humanos, por exemplo, tm dificuldade de
acertar objetos listrados em movimento que aparecem em uma tela.
Outra ideia vai na contramo da hiptese anterior: listras ntidas e bonitas
seriam, na verdade, sinal de qualidade gentica da zebra, uma "propaganda" de
sua agilidade e rapidez para o predador, do tipo "srio que voc vai tentar
capturar um exemplar magnfico feito eu?".
O fato que as ideias acima so engenhosas, mas no se encaixam na montanha
de dados levantados por Caro. As trs espcies de zebra existentes hoje passam
a maior parte do tempo em reas abertas, e no em bosques, o que lana por
terra a ideia da camuflagem. Os pobres bichos, alis, so mais capturados por
lees do que seria esperado considerando a populao de equinos e de felinos -ou seja, se era para confundir os bichanos, no funciona.
Por outro lado, a distribuio geogrfica das zebras bate direitinho com a das
moscas ts-ts (transmissoras da clebre "doena do sono" em humanos) e das
regies com excelentes condies para a proliferao de mutucas.
O mais intrigante que h evidncias experimentais de que listras brancas e
pretas confundem os insetos --eles tm mais facilidade de pousar em superfcies
de uma cor s, e listras com largura similar s presentes no corpo das zebras so
as mais eficazes em atrapalhar as manobras de aproximao das moscas.
Se parece capricho no visual por causa de umas mosquinhas, considere que,
alm de transmitir parasitas, moscas que sugam sangue podem afetar para valer
a sade do gado --vacas leiteiras americanas deixam de produzir 200 litros de
leite por ano por causa desses insetos, por exemplo. De repente, at que os lees
no parecem to perigosos assim.

Caros, estdios da Copa abrigam agora Estaduais para pouco pblico


LEGADO Situao financeira de arenas de capitais como Cuiab e Manaus
preocupante
SRGIO RANGELENVIADO ESPECIAL A CUIAB
Depois de gastar quase R$ 2 bilhes para erguer estdios da Copa do Mundo
com o argumento de que tambm serviriam para revitalizar o futebol regional,
Amazonas, Rio Grande do Norte e Mato Grosso comeam os seus Estaduais sem
a festa prometida.

Times praticamente amadores, jogadores desconhecidos, pouco dinheiro e


estdios vazios sero a realidade.
Em Braslia, onde o Estadual comeou h uma semana, a situao ainda mais
delicada. O Candango j teve quase a metade dos jogos com os portes
fechados por causa de falta de segurana.
O Man Garrincha, construdo com mais de R$ 1 bilho, s deve receber a final.
"Nos viramos da forma que d", admitiu o presidente da Federao Brasiliense
de Futebol, Jozaf Dantas.
Menos de um ano depois do Mundial, o governo fechou o cofre para o futebol
local.
Em janeiro, s vsperas do incio da competio, o Banco Regional de Braslia
(BRB) suspendeu patrocnio de quase R$ 1 milho aos clubes.
No Amazonas, a realidade no muito diferente. Os cartolas j anunciaram que
s vo jogar a fase final na arena local. Com o incio do torneio marcado para o
dia 21, as outras partidas sero em estdios modestos.
"At agora, temos apenas a vontade de jogadores e dirigentes em fazer tudo bem
feito", disse o diretor de futebol da Federao de Futebol do Amazonas, Ivan
Guimares.
A entidade negocia com o governo local verba para o torneio --em 2014, o
Estado gastou mais de R$ 2 milhes.
"Continuamos conversando na esperana de conseguir uma ajuda", acrescentou.
No Rio Grande do Norte, o presidente da federao, Jos Vanildo da Silva,
reclama da falta de ajuda financeira do governo, mas otimista. Ele acredita que
a edio do torneio, a ser aberto neste domingo (1), ter aumento de pblico.
Mesmo assim, a Arena das Dunas no deve lotar antes da final.
O campeonato do Mato Grosso o mais simblico do clima de ressaca psCopa.
Principal palco do futebol do Estado, a Arena Pantanal chegou a ser interditada
h uma semana em virtude de uma srie de problemas, que vo de infiltraes
na cobertura a roubo de equipamentos. O estdio ser reaberto hoje com menos
da metade da capacidade numa rodada dupla com quatro times.
Mesmo assim, os cartolas acham difcil voltar a jogar l antes da final por causa
do alto custo, estimado em cerca de R$ 100 mil por partida.
Alm do estdio, Cuiab um canteiro de obras inacabadas da Copa. A
ampliao do aeroporto no foi concluda. Pelas ruas da capital possvel
percorrer quilmetros ao lado das obras abandonadas do VLT (Veculo Leve

sobre Trilhos). Orada em mais de R$ 1 bilho, a empreitada cercada de


denncias de desvios de recursos.
As quatro capitais foram escolhidas pela Fifa aps presso de Ricardo Teixeira,
ex-presidente da CBF e um dos responsveis pela organizao da Copa.
Em 2010, o TCU (Tribunal de Contas da Unio) j havia alertado que os quatro
estdios corriam risco de virar "elefantes brancos".
No relatrio, as arenas foram identificadas como obras que dificilmente
cobririam os custos de manuteno depois da realizao da Copa.
Atualmente, os governos de Braslia, Mato Grosso e Amazonas tentam se livrar
do alto custo dos estdios. Todos planejam ced-los para a iniciativa privada.
Apenas o estdio de Natal administrado por uma empreiteira.
" tudo uma vergonha. A Copa foi uma enganao", disse Geovani Benegas,
presidente do Operrio, um dos clubes mais populares do Estado do Mato
Grosso.
PAULO VINCIUS COELHO

O mapa do semestre
Nos ltimos anos, planejar tem sido mais importante do que
priorizar; isso que forja um time campeo
Ser no dia 19 de abril a descoberta dos dois finalistas do Paulisto. Quatro dias
antes, o So Paulo estar em Montevidu para enfrentar o Danbio, e o
Corinthians receber o San Lorenzo, em Itaquera --claro, se eliminar o Once
Caldas.
Como a provvel chave de Corinthians e So Paulo ter a companhia do San
Lorenzo, atual campeo da Libertadores, legtimo imaginar que s a ltima
rodada pode decidir os classificados. E isso acontecer exatamente entre os
mata-matas de oitavas e semifinais do Campeonato Paulista. Uma coisa pode
atrapalhar a outra.
Mas, diferente do que se imagina, a Libertadores no costuma interferir no
resultado do Paulisto. Nem o inverso.
Dos ltimos dez campees paulistas, cinco estavam na Libertadores e ganharam
o ttulo estadual mesmo assim.
Dos cinco campees estaduais que compartilhavam as disputas estadual e
continental, quatro chegaram pelo menos semifinal do torneio internacional -o So Paulo de 2005 e o Santos de 2011 foram campees, o So Paulo de 2006
foi finalista, o Santos de 2007 e 2012 foi s semifinais.

diferente a situao no Rio de Janeiro. Dos ltimos dez campees do Estado,


s o Flamengo em 2008 e 2014 estava na Libertadores. Mas no houve
representante carioca em quatro dos dez ltimos torneios continentais.
Mesmo que em alguns casos seja lenda a necessidade de priorizar um torneio,
bom olhar as datas e entender em que momento qual clube vai sofrer mais.
A segunda fase da Copa do Brasil tem reservadas as datas de 22 e 29 de abril, 6 e
13 de maio. Significa que Santos e Palmeiras podem precisar viajar no intervalo
entre as duas finais do Paulisto.
Em 29 de abril, trs dias antes da finalssima, o Palmeiras pode ter de jogar fora
de casa contra o Vitria, e o Santos contra o Maring.
H Estados onde a prioridade para a Libertadores mais evidente. O Grmio
no ganha nada desde 2010 e seu ltimo Gaucho foi conquistado no ano em
que o Inter ganhou a Libertadores pela ltima vez.
Em Minas diferente. O Atltico disputou as duas ltimas edies do torneio
continental e ganhou seu ltimo estadual em 2013, quando o Cruzeiro
concentrava-se apenas na disputa domstica. Quando o time de Marcelo
Oliveira foi eliminado pelo San Lorenzo, no ano passado, j fazia um ms da
taa mineira.
Todos j tm seu mapa e basta olhar para os prximos meses para saber quando
vai ser necessrio o time chegar fisicamente mais firme para suportar viagens
longas e adversrios difceis. isso que forja um time campeo no primeiro
semestre, mais do que a tentao de abandonar um torneio para ganhar o outro.
O mapa das conquistas dos ltimos anos mostra que planejar tem sido mais
importante do que priorizar.
TOSTO

No perca o show
Os antigos pontas-de-lana e meias armadores so os responsveis
pela grandeza do futebol brasileiro
Escrevi que Gerson, Cruyff e Xavi foram os atletas que melhor entenderam o
jogo enquanto jogavam. Seria como se eles sassem da partida para a
arquibancada e voltassem para atuar, algo parecido com o personagem que saa
da tela de cinema e retornava, no belssimo filme de Woody Allen, "A Rosa
Prpura do Cairo".
Cruyff , entre os ex-jogadores, o que tem melhores ideias sobre futebol, apesar
de muito criticado, s vezes ridicularizado, no Brasil. Foi o grande inspirador de
Guardiola, que difundiu muitos conceitos, aos poucos, incorporados por

grandes treinadores. uma das razes do timo momento do futebol, pelo


menos nos maiores times e selees do mundo, como vimos na ltima Copa.
Cruyff muito criticado pelas declaraes polmicas, que, com frequncia, no
so bem explicadas e/ou compreendidas. Quando criticou a escolha, pela
segunda vez seguida, de Cristiano Ronaldo como melhor do mundo, no foi
porque achou injusto nem porque no goste do atacante portugus. Penso que
ele quis dizer que, diferentemente de Messi, Cristiano Ronaldo apenas um
excepcional artilheiro, que geralmente no brilha quando no faz gols e que d
poucos passes decisivos. Para Cruyff, Cristiano Ronaldo no teria o refinamento
dos grandes artistas do futebol.
Cruyff deve ter se enganado quando criticou a contratao de Neymar, por achar
que dois astros juntos fariam mal ao Barcelona. Sua preocupao era correta. A
ambio humana, que, com frequncia, no respeita a tica, um fato
corriqueiro. Mas existem tambm craques muito inteligentes, como Neymar e
Messi, que sabem a enorme importncia de um para o outro e para a equipe. Os
dois se admiram e esto, a cada dia, mais entrosados. Cruyff mostrou que tinha
tambm grande admirao pelo talento de Neymar, por pensar que ele logo
seria uma estrela mundial, como agora .
Para satisfazer meu exagero didtico, que pode ser uma virtude ou uma
deficincia, no se devem confundir os grandes pontas-de-lana, artilheiros,
atacantes, que voltam para receber a bola e do excepcionais passes, como
Messi, Neymar, Pel, Zico e Maradona, com os clssicos meias de ligao, como
Alex, Riquelme e Ronaldinho, nem com os antigos meias armadores, como
Gerson e Rivellino, nem com os atuais meio-campistas, mistura de volantes e de
meias, como Kroos e Pogba.
Os pontas-de-lana e os clssicos meias so iguais apenas pela camisa 10. Os
grandes pontas-de-lana e os meias armadores do passado so os principais
responsveis pela fama e sucesso do futebol brasileiro.
Comearam os Estaduais. uma grande chance de se ver grandes craques,
partidas de altssimo nvel tcnico, timos gramados (at os dos pequenos
estdios), arquibancadas lotadas, confortveis, sem violncia e com ingressos
acessveis.
Imperdvel!

Por cima da carne seca


Reprisada tarde, novela 'O Rei do Gado', de 1996, tem audincia maior que a
de tramas atuais
FERNANDA REISDE SO PAULO
Na televiso brasileira, atualmente, o rei peo, com um lao na mo. Exibida
originalmente entre 1996 e 1997 na Globo, a novela "O Rei do Gado", de

Benedito Ruy Barbosa, chega a bater as tramas inditas do canal em audincia


com suas reprises tarde no "Vale a Pena Ver de Novo".
No ar desde 12 de janeiro, o folhetim registrou na semana passada mdia de
16,8 pontos, frente de "Malhao" e "Boogie Oogie", que marcaram
respectivamente 14,7 e 16,5. Cada ponto equivale a 67 mil domiclios na Grande
SP.
A participao entre os televisores ligados durante a exibio de "O Rei do
Gado" tambm superior da novela das 18h da Globo, um dos principais
produtos do canal.
De cada cem TVs ligadas, 35,5 estiveram sintonizadas na reprise na ltima
semana. Para "Boogie Oogie", a participao foi de 32,6. Durante a exibio de
"Alto Astral", no horrio nobre das 19h, foi de 36.
"O Rei do Gado" no caso isolado quando se fala em sucesso de novelas
antigas. Em setembro, o canal Viva, voltado a reprises de programas da Globo,
chegou nona posio no ranking das emissoras mais vistas da TV paga.
Em agosto, o canal bateu recorde de audincia com as novelas do passado
"Dancin' Days" (1978), "Histria de Amor" (1995) e "A Viagem" (1994), exibidas
tarde.
Ciente do retorno, a Globo lanou tambm 14 novelas em DVD, entre elas
"Roque Santeiro" (1985), "Tieta" (1989), "Vale Tudo" (1988) e "Selva de Pedra"
(1972), que somadas venderam mais de 200 mil cpias.
Nos ltimos anos, porm, no se via uma novela to bem-sucedida no "Vale a
Pena Ver de Novo", programa vespertino de reprises de folhetins.
O ltimo grande sucesso foi "Mulheres de Areia", em 2011. A trama teve mdia
de 15,5 pontos. A antecessora de "O Rei do Gado", "Cobras & Lagartos" ficou na
faixa dos 12 pontos de audincia.
Em suas ltimas duas semanas, "Cobras & Lagartos" foi exibida logo antes de "O
Rei do Gado", e teve sua audincia alavancada. Entre os dias 19 e 23 de janeiro,
o folhetim apresentou um aumento de ibope e alcanou os 15,7 pontos de mdia.
Na novela, Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) um grande criador de gado
que se apaixona pela boia-fria Luana (Patricia Pillar), herdeira da famlia
Berdinazi, com a qual mantm uma rixa.
A questo social tem tanto destaque quanto a histria de amor dos dois. Entre
os personagens h o senador honesto envolvido na luta pela reforma agrria e o
lder dos sem-terra contrrio radicalizao do movimento.
A novela estreou dois meses aps o massacre de Eldorado dos Carajs (PA), em
abril de 96, quando 19 sem-terra foram assassinados por PMs, gerando grande
repercusso sobre a questo fundiria.

Para Patricia Pillar esses temas ainda empolgam o pblico. "Benedito um


apaixonado pelo povo brasileiro e pelas questes do Brasil."
"Jogou o assunto da reforma agrria para o centro das atenes, escutando e
respeitando os dois lados, usando a novela como instrumento de educao e
informao", afirma. "Conseguiu fazer uma histria de amor como pano de
fundo para uma importantssima questo brasileira."
Para Cristina Mungioli, estudiosa de telenovelas da USP, o folhetim --que ela
assistia com toda a famlia-- resgata uma memria afetiva do pblico. Ela diz
ainda que o texto de Ruy Barbosa no envelheceu. "E a questo agrria continua
em pauta. O embate ideolgico continua."
Patricia, que assistiu a alguns episdios na reprise ("Uma festa para os olhos",
diz), conta que continuou sentido o impacto da novela ao longo dos anos.
"Ainda hoje, volta e meia alguma menina chamada Luana vem falar comigo.
muito gostoso."
Fagundes descreve algo parecido. "Durante muito tempo me chamaram de Rei
do Gado. Agora esto voltando a chamar por causa da reprise."

Nero (ou Narciso?)


O ator Alexandre Nero, catapultado ao posto de gal nacional com o
protagonista politicamente incorreto de 'Imprio', a novela das nove da Globo,
gente como a gente nas redes sociais
KARLA MONTEIRODE SO PAULO
"Cada like no Facebook um shot de narcisismo", j disse o escritor carioca
Francisco Bosco. Partindo desta premissa, o ator Alexandre Nero, o
comendador Jos Alfredo da novela das nove "Imprio", da TV Globo, est perto
de se afogar em si mesmo.
Com quase 100% de aprovao do pblico, segundo pesquisas de avaliao do
elenco da emissora, e protagonista de uma atrao que alcana 35 pontos no
Ibope, Nero tem 100 mil seguidores em sua pgina no Facebook.
A cada postada, ingere uma mdia de 7.000 shots. Alguns posts alcanam at 30
mil curtidas. O ator tem um assistente, mas ele escreve a maioria pessoalmente,
diz sua assessoria.
O que tanto Nero, o ator curitibano de 44 anos, catapultado ao posto de gal
nacional com um personagem politicamente incorreto e sedutor, tem a dizer,
afinal? Tudo. um sujeito de opinio. Seu assunto predileto, porm --como a
maioria dos frequentadores de redes sociais--, a prpria vida.
DEMASIADO HUMANO

Nero costuma estar sempre de olho na notcia. No incio de janeiro, aps o


atentado sede da revista francesa "Charlie Hebdo", com 12 mortos, o ator
postou artigos e caricaturas de si mesmo.
s 12h53 de 7/1, data do atentado, publicou na sua pgina um artigo do UOL,
destacando, entre aspas, uma frase para expressar a sua opinio: "Enquanto
houver hipcritas, idiotas e intolerantes, a ousadia, o humor e a crtica de
homens raros como Wolinski sero necessrios".
Em geral, sua personalidade "facebookiana" varia entre sarcstica e zombeteira.
Ou as duas coisas juntas. Uma de suas marcas desdenhar da fama postando
atestados de sua condio de celebridade, como capas de revistas.
Costuma falar de si na terceira pessoa. No dia 23/12, s 0h37, divertiu-se:
"Posso ser franco, Nero? No, no pode! No mximo, um Alexandre".
Em 21/12, s 15h21, comentou uma foto sua num jornal. "Esse Nero s sabe
fazer cara de mau. Ele tambm deve ser mau na vida real", escreveu.
Em 25/1, s 13h51, parecia bravo e irritado:
"No novidade que at pouco tempo atrs os nicos que me seguiam eram os
meus credores e que o meu nome s circulava na boca de sapo e pginas
policiais. Pois bem, agora que me tornei comendador temporal apareceram
muitos seguidores, fs clubes e 'fakes'. No tenho problema com perfis 'fakes'.
Acho divertido, se o sujeito captar a maneira com que me comunico pelas redes
sociais. Mas esses exemplos abaixo NO admito. guerra!".
No dia 27/1, o assunto foi diarreia. Segundo sites de celebridade noticiaram com
furor, Nero passou mal. "ESCLARECIMENTO: Aps meu piriri ter sido
amplamente noticiado pela imprensa-especialista-marrom-piriri, acordei timo
e j estou gravando normalmente."
Aps a festa Melhores do Ano, do "Domingo do Fausto", em que recebeu o
prmio de melhor ator, Nero confessou aos fs o seu lado "gente como a gente",
s 20h30 de 28/12:
"Eu no melhores do ano sou aquele funcionrio que d vexame na festa de fim
de ano na firma. Open bar, gente, no sei lidar".
E quando a sua morte virou boato na internet, em 26/11, esbanjou
espirituosidade: "Gente, algum sabe me dizer se essa notcia real? Se me
confirmarem at as 14:00 no preciso gravar, n, Globo?".
Com dez novelas, oito filmes, oito peas e uma carreira musical que inclui trs
CDs solo, Nero tornou-se o gal unnime da Globo, que agrada jovens e
senhoras. No final do ano, conquistou detratores ao fazer um dueto com o Rei
no especial de TV de Roberto Carlos. Cantou, e bem, "Mulher de 40".

No dia 6/1, s 12h59, resumiu seus votos para 2015, ao mencionar os memes
(piadas que circulam na rede) do comendador Jos Alfredo: "Gostando do
mimimi do meme de mim mesmo".
MAURICIO STYCER

Mordomo e ex-marido da patroa


A reviravolta em 'Imprio' d oportunidade para Othon Bastos
mostrar o que faz um grande ator de TV
Quem assiste novela "Imprio" sabia, desde o incio, que havia algum mistrio
entre uma das protagonistas da histria, a ricaa Maria Marta, vivida por Llia
Cabral, e o seu mordomo, Silviano, interpretado por Othon Bastos.
Aguinaldo Silva distribuiu vrias pistas ao longo dos ltimos meses, sugerindo
que os dois personagens escondiam algo alm da relao profissional. Pela
diferena de idade entre os atores, 24 anos, suspeitava-se que poderiam ser pai
e filha ou tio e sobrinha.
Depois de 160 captulos, o autor esclareceu o segredo. Optou por uma soluo
menos bvia e bem mais rocambolesca: Silviano e Marta foram casados no
passado.
O pblico tinha a informao desde o incio de que Marta havia sido
abandonada e humilhada pelo primeiro marido. Ao mesmo tempo, o mordomo
Silviano sempre se comportou como um admirador e devoto da patroa,
chamando-a de "milady" e enchendo-a de mesuras e rapaps.
A deciso de Aguinaldo Silva aceitvel dentro da (falta de) lgica do folhetim,
mas causou certo desconforto aos dois atores, especialmente a Bastos. Em
entrevista ao site do prprio autor, ele deixou isso claro: "Como no sabia de
nada, fui fazendo uma relao delicada, para que as pessoas achassem que eu
poderia ser o pai, um parente, da Marta. Ele nunca demonstrou um sentimento
de amor entre homem e mulher" Agora no sei como vou agir. Estou na
expectativa dos prximos captulos (risos)".
No vou aqui entrar em muitos detalhes sobre o currculo de Othon Bastos --so
quase cem filmes e outra centena de trabalhos na televiso, alm de
participaes em dezenas de montagens teatrais.
O ator que fez o Corisco em "Deus e o Diabo na Terra do Sol" um dos mais
experientes e talentosos profissionais em atividade no pas. Mesmo na pele de
um mordomo, personagem anacrnico, mas quase obrigatrio em telenovelas
brasileiras, vinha sendo um prazer ver Othon Bastos em cena.
Alis, louvado seja quem escalou um veterano para este papel --os atores mais
velhos raramente tm boas oportunidades na TV.

Aos 81 anos, Othon Bastos criou um mordomo que fugia aos clichs
consagrados --nem excessivamente afetado nem bisbilhoteiro nem autoritrio.
Agora, ao saber que seu personagem o primeiro marido da patroa, est
justificadamente aturdido.
Num dos poucos livros dedicados a este ofcio especfico, o ator de televiso,
Artur da Tvola, pseudnimo de Paulo Alberto Monteiro de Barros (19362008), observa: "Na telenovela, o ator comea a criar o personagem com base,
apenas, na sinopse, numa conversa com o autor e com o diretor. Ele tem que
cri-lo antes de conhecer o todo da obra".
"Se difcil para qualquer ator e lhe exige muito talento e intuio, tal prtica,
por outro lado, permite uma composio nova na histria da interpretao: a
descoberta gradual do personagem enquanto vai sendo vivido no prprio
processo da obra", continua em "O Ator" (editora Nova Fronteira, 1988,
esgotado).
E conclui: "O (bom) ator pode fazer descobertas, vivncias prprias, revelaes
de seu personagem enquanto se desenrola o processo interpretativo". Agora no
papel do mordomo que era marido da patroa, tenho certeza, Othon Bastos vai
tirar essa maluquice de letra.
CRTICA SERIAL
LUCIANA COELHO - coelho.l@uol.com.br

'Togetherness' quer conquistar indies trintes


O roteiro parece receita de bolo, mas a srie acerta em outros
pontos. A qumica entre os atores excelente
VOC ASSISTE a sries para qu? Pensar, se distrair, rir, se esquecer da vida?
Ou, ao contrrio, constatar que a sua vida at que no to ruim assim?
Quem achar que a segunda resposta faz sentido e estiver perto (ou passado) dos
30 tem boa chance de gostar de "Togetherness", comdia em oito episdios que
a HBO estreou no ms passado e da qual acaba de encomendar uma nova
temporada. Em caso de hipsters e gente vidrada em coisas indie em geral, as
chances redobram.
"Togetherness" obra dos irmos Jay e Mark Duplass, que fizeram fama
primeiro como curta-metragistas, depois com filmes independentes e mais
adiante como os charlates que competem com a clnica da protagonista em
"Projeto Mindy". Jay, o mais velho, pode ser visto como o filho de um pai
transgnero em "Transparent", da Amazon.
Aqui, Mark interpreta Brett, um tcnico de som s voltas com uma carreira
medocre no cinema, dois filhos pequenos, uma mulher descontente (Melanie

Lynskey, a adolescente perturbada de "Almas Gmeas"), um melhor amigo


desempregado (Steve Zissis, coautor) e a cunhada ftil (Amanda Peet).
Todos vivendo juntos (eis o ttulo, "proximidade"), todos flertando com a crise
da meia-idade.
O argumento/roteiro parece receita de bolo --e , com o agravante de uns 70%
das sries americanas tratarem de famlias disfuncionais. "Togetherness",
porm, acerta em outros pontos.
A qumica entre os atores excelente. Em muito ajudada pelo fato de Duplass e
Zissis serem amigos antigos, mas tambm porque Peet e Zissis formam aquele
tipo de anticasal que no combina em nada, primeira vista, mas se entende
perfeitamente em cena e pelo qual se torna impossvel no torcer um
pouquinho.
Segundo, como os diretores j admitiram, o material para a srie foi
escarafunchado em vidas de verdade, a comear as da prpria dupla.
O casal principal ainda sofre com a falta de sono das noites interrompidas pelo
choro do caula; a cunhada envelhecendo preocupada por no ter par; o amigo,
que ator, no conseguiu corresponder profissionalmente s expectativas
criadas quando adolescente. As neuroses explodem na convivncia.
A melhor parte coube a Melanie Lynskey. Como a dona de casa Michelle, meio
frustrada, meio feliz, desajeitada e dona de uma sensualidade muito sutil, ela
tem dominado os episdios.
, ao menos nesses primeiros captulos despretensiosos, a nica que promete
surpresas e algumas camadas alm das piadas fceis e do humor fsico.
Lynskey tambm --e no Zissis, cuja vida parece to imperfeita-- a responsvel
pelas notas melanclicas da srie.
A HBO estava com duas comdias geniais em sua grade de domingo, "Veep" e
"Silicon Valley", que ambicionam um pblico mais variado. Ambas voltam com
novas temporadas em abril. "Togetherness" uma obra menor, mas que pode
cativar de forma indefectvel um pblico bastante especfico, porm numeroso,
atrs de conforto.
LITERATURA

Sherlock em srie
A permanncia pop do detetive de Baker Street
RESUMO Criado no sculo 19, o personagem de Sherlock Holmes conhece hoje
uma nova fama com sries de TV que reencarnam suas histrias e outras, de
investigaes, baseadas em suas caractersticas. Irascvel, o investigador de

Arthur Conan Doyle influenciou figuras como o doutor House e mesmo o jogo
Detetive.
RICARDO BONALUME NETO
"VOC UM PSICOPATA!"
"Sociopata altamente produtivo!", corrigiu Holmes.
O curto dilogo foi tirado da srie britnica de TV "Sherlock", na qual o ator
Benedict Cumberbatch interpreta o clssico detetive ingls Sherlock Holmes,
criado pelo escritor escocs Arthur Conan Doyle (1859-1930) no hoje distante
sculo 19. A srie, cuja terceira temporada foi ao ar em 2014, adapta as histrias
do detetive para o momento atual --todos os episdios esto disponveis no
servio por assinatura Netflix.
No existe semelhante dilogo no cnone, isto , os nove livros de Conan Doyle
contendo os 56 contos e quatro romances de Holmes, o "primeiro detetive
consultor" da histria. Os casos foram apresentados nos livros pelo amigo do
detetive, o mdico John Watson --interpretado pelo ator Martin Freeman nessa
srie recente.
O mdico Watson tinha servido no Exrcito britnico na campanha do
Afeganisto de 1878-80, onde foi ferido por bala de fuzil. Como a histria gosta
de se repetir, o Watson vivido por Freeman tambm era mdico do Exrcito de
sua majestade e foi ferido no Afeganisto --na campanha ainda em curso. O
novo Watson no publica suas histrias dos casos de Holmes em revistas ou em
livros, como o Watson vitoriano. Ele tem um blog.
INSULTOS Um dilogo semelhante ao do comeo deste texto seria plausvel
nos livros, assim como Holmes se assumir um sociopata. Pois o Holmes de
Doyle tem um lado bem irascvel. Ele realmente detesta gente burra.
Logo, os Holmes modernos da TV e do cinema agem do mesmo jeito. No
faltam Holmes na recente indstria cultural, ou seus discpulos, mesmo que
estejam longe de serem detetives ou policiais --como o mdico Gregory House,
da srie "House" (uma espcie de "detetive mdico" baseado no personagem de
Conan Doyle --e igualmente ou at mais irascvel).
"Cala a boca! Voc diminui o QI da rua inteira!", diz Holmes/Cumberbatch a um
desafeto em outro episdio. Irascvel, sem dvida.
Quando surgiu o que hoje tem vrios nomes --"romance policial", de "crime", de
"detetive" ou de "mistrio"--, tudo girava basicamente em torno de desvendar
uma ocorrncia misteriosa como se fosse uma equao matemtica, ou um
quebra-cabeas.
O detetive --embora ainda sem esse nome--, conhecido como o primeiro de
todos, Auguste Dupin, apresentado em 1841 pelo escritor americano Edgar
Allan Poe (1809-49), era um crebro sem grande charme mas capaz de resolver
enigmas. Ou melhor, algum sem grandes maneirismos.

Holmes tornou-se o mestre disso. No faltam manias na caracterizao do mais


famoso personagem do romance policial: recluso e deprimido, toca violino, foi
viciado em cocana, bom em disfarces, boxeador e atirador, fuma cachimbo,
no tem interesse em mulheres etc. um homem de intelecto e de ao.
Foi graas a essa paixo por resolver mistrios que surgiram na "era dourada"
do romance policial --ps-Conan Doyle/Holmes-- os casos de "quartos
fechados". exatamente o que o jogo de tabuleiro Detetive (originariamente
Clue, "pista", em ingls) procura fazer. H possveis criminosos, vrias opes
de armas do crime (revlver? faca? castial?) e cenas aristocraticamente
britnicas: a biblioteca, a sala de armas, a sala de jantar. Misture as cartas, jogue
os dados e escreva um romance.
A mera nfase em saber quem cometeu a coisa --a literatura policial do
"whodunit", "quem fez?"-- foi um abastardamento do legado de Sherlock
Holmes. Mas, como se sabe, apesar de serem autores menores, tiveram grande
sucesso de vendas --por exemplo, britnicos como Agatha Christie e Dorothy L.
Sayers, ou americanos como S. S. van Dine, John Dickson Carr e Ellery Queen.
IMBATVEL Holmes era bem mais fascinante. O caso a ser revolvido e o
mtodo para resolv-lo eram importantes, claro, mas o carter do personagem e
do seu auxiliar, o doutor Watson, eram fundamentais. Mais do que o quebracabea, a histria o que importava no cnone holmesiano.
"As histrias de Holmes deviam seu imenso sucesso aos talentos de Doyle como
um contador de contos", afirmou o tambm autor de romances policiais
britnico Julian Symons (1912-94) em uma pequena biografia do escritor
("Conan Doyle - Portrait of an Artist"). O enigma nos contos nem sempre
muito enigmtico, lembra Symons. H mesmo erros factuais. Mas a maneira
como Sherlock Holmes deduz fatos a partir de pequenas pistas que esto na
frente de todos algo nico.
DA POLTRONA O padro detetive irascvel, cheio de manias e brilhante
continuou a existir na literatura em personagens que descendem de Holmes em
suas habilidades de deteco e deduo, como Nero Wolfe, criado pelo
americano Rex Stout (1886-1975). Wolfe o clssico "detetive de poltrona", que
nunca sai de casa para resolver os crimes. Protagonizou mais de 50 livros de
1934 a 1975.
Nero Wolfe nasceu em Montenegro, nos Balcs; coleciona milhares de
orqudeas, muito, muito, genioso, gosta de comer (pesa algo entre 130 e 140
kg), detesta mulheres (assim como Holmes, assexuado, no homossexual).
Seria mais um detetive inverossmil que soluciona mistrios se no tivesse o
assistente Archie Goodwin, verso jovem e atltica de Watson, para coletar fatos
na rua.
Por "detetive inverossmil" leia-se um monte de velhinhas, padres, jornalistas,
aristocratas "blass". Um squito de amadores criados para resolver crimes da
tradio do "whodunit", enquanto na vida dita real quem costuma fazer isso so
os detetives das foras policiais estatais --ou, em casos bem mais raros, detetives
particulares.

O comissrio Salvo Montalbano um bom exemplo do detetive verossmil --ele


de fato um policial. Criado pelo italiano Andrea Camilleri, mora na Siclia e
rene traos de Holmes e de Wolfe: tambm irritadio e aprecia culinria. Mas
tem namorada e fiel a ela.
Alm dos aspectos de personalidade, a figura fsica de Sherlock Holmes foi
muito caracterizada em imagem --no papel, no cinema ou na televiso. Conan
Doyle tem parte da "culpa", pois avalizou as ilustraes que acompanhavam
seus contos publicados na revista popular "Strand".
Ou seja: o Holmes de que todos se lembram o sujeito magro e alto desenhado
por Sidney Paget na "Strand". Paget acrescentou detalhes importantes no visual:
a capa de "tweed", o bon de pano de caador de veado, o cachimbo curvo -elementos que aparecem muito pouco nos textos.
Apesar do longilneo perfil consagrado, o investigador britnico foi interpretado
por mais de 70 atores no cinema e na TV, to diferentes como os britnicos
Michael Caine ou Roger Moore (que tambm fez James Bond, outro cone
clssico da cultura pop britnica). Graas a Paget, o ator Basil Rathbone -verso perfeita em carne e osso das ilustraes-- deu vida ao personagem em
filmes das dcadas de 1930 e 1940.
Os filmes com Rathbone tambm levaram Holmes atualidade da poca das
produes. Neles o detetive, que o cnone informa ter se aposentado nos anos
1920 para criar abelhas, combate nazistas dcadas mais tarde.
VICIADO "Eu sou um viciado, no um acadmico; e este um registro de
entusiasmo e de desapontamento ocasional, no um catlogo", escreveu Julian
Symons na introduo de seu clssico livro sobre o romance policial "Bloody
Murder - From the Detective Story to the Crime Novel" (assassinato sangrento da histria de detetive ao romance policial). Holmes e Doyle eram dois dos
vcios do escritor Symons.
Em seu "registro de entusiasmo", ele deixa claro como a imagem que ficou do
personagem descolada do texto cannico: "Se a concepo original de Conan
Doyle tivesse sido totalmente realizada, teramos um personagem mais duro e
menos intelectual em aparncia. Era a combinao, em Holmes, do grande
pensador com o homem de ao que apelava aos seus primeiros leitores".
O assistente Watson tambm foi modificado pelo cinema. Nos filmes
protagonizados por Rathbone ele aparece como um colaborador bobo, sempre
assombrado pelos poderes de deduo do amigo. Culpa do ator Nigel Bruce,
perfeito no papel de bobalho.
Quem conta um conto aumenta um ponto --ou mais. Nunca constou do cnone
o "elementar, meu caro Watson!". H "elementar, Watson"; e "meu caro
Watson"; mas nenhum "elementar, meu caro Watson". Isso surgiu depois, no
cinema e em outros autores.
O detetive mais "puro" est na srie de TV britnica "Sherlock Holmes", filmada
entre 1984 e 1994 com o ator Jeremy Brett (1933-95). Watson no um

paspalho. Holmes alto e magro. E as histrias so razoavelmente fiis ao


original, como todo bom holmesiano de carteirinha gostaria.
MITO REVISITADO Depois dessa dcada de um Holmes ortodoxo, a melhor
opo da indstria cultural era revisitar o mito, deixando de lado a
representao anterior. Cumberbatch, o Holmes de "Sherlock", alto --no
entanto bem mais jovem e bonito que o padro criado por Paget/Rathbone. Mas
no assustaria os ortodoxos.
J a srie americana "Elementary" (que tambm tem suas duas primeiras
temporadas no Netflix --a terceira ir ao ar no canal Universal a partir de
maro), de deixar os fs puristas palpitando.
O ator que interpreta Holmes, Jonny Lee Miller, mais baixo e tem entradas de
calvcie; o personagem se veste mal, e cultiva uma eterna barba por fazer, com
esmerado e trabalhoso desleixo.
Pior, muito pior: apesar de Holmes ser ingls, ele est exilado em Nova York...
Muito pior ainda: Watson mulher! Em vez de um dr. John Watson, temos uma
dra. Joan Watson, e ainda por cima de origem asitica, interpretada por Lucy
Liu.
Bem, Rex Stout escreveu um ensaio certa vez argumentado que "Watson era
uma mulher"; portanto, a idiossincrasia americana em relao ao doutor
antiga.
Joan Watson tem a mesma exasperao que John Watson com as
excentricidades de Holmes, e seus poderes aparentemente sobrenaturais de
deteco.
Logo no comeo da primeira temporada de "Elementary", depois de uma srie
de revelaes pessoais bombsticas, ela pergunta como ele "adivinha" as coisas.
"Eu no adivinho, eu observo. E depois que observo, eu deduzo", responde o
Holmes de Nova York. Tudo perfeitamente adequado ao cnone. Mas Joan
pergunta sobre como ele soube algo difcil de deduzir sobre o pai dela. "Google.
Nem tudo deduzvel."
O Sherlock Holmes original, como este moderno, uma pessoa que entende
muito de qumica e outras disciplinas cientficas. Mas ele assume ser ignorante
em muitos assuntos, como arte ou literatura. Sua tese clssica de que os
escaninhos do crebro tm espao limitado e no convm preench-los com
"besteira" ("como arte, literatura etc").
Muitas frases clssicas do sujeito saem direto do livro para as telas de cinema e
TV. Por exemplo: "Quantas vezes eu te disse que, quando voc eliminou o
impossvel, o que quer que tenha restado, por mais improvvel que seja, deve
ser a verdade?". Em algum momento voc vai ouvir isso na boca de um dos
atores citados acima.

ANCESTRAL A primeira vez que Conan Doyle pensou em Holmes data de


1886. O Brasil poca vivia tempos de escravido e monarquia. Os personagens
nasceram como Sherrinford Holmes e dr. Ormond Sacker. Os nomes mudaram,
mas no o endereo da dupla --Baker Street, 221B.
Conan Doyle no conseguiu vender o livro imediatamente. Foi rejeitado pelo
primeiro editor.
O primeiro livro de Holmes j deixa claro no ttulo o "diferencial" do
personagem: "Um Estudo em Vermelho" se refere a um teste que o detetive cria
para conseguir diferenciar uma mancha de sangue de outra coisa vermelha
qualquer.
por isso que Holmes o verdadeiro pai de muita coisa que veio depois na
cultura pop, mais especificamente a enorme quantidade de sries de TV
americanas ligadas cincia forense ou que se baseiam fortemente nela.
"CSI" (Crime Scene Investigation, a investigao de cena de crime) em todas
suas variantes --Las Vegas, Miami, Nova York; "NCIS" (Naval Criminal
Investigative Service, servio naval de investigao criminal) nas variantes
Washington, Los Angeles e Nova Orleans; ou outras como "Bones", "Body of
Proof", "Law and Order" etc. Quem nunca tinha ouvido falar em teste de DNA
com certeza descobriu depois de ver uns poucos episdios de uma dessas sries.
E foi um feito notvel ser o ancestral dessa linhagem, pois, quando o qumico
Sherlock Holmes desenvolvia seu teste de deteco de sangue, no existia ainda
nem o sistema de identificao de pessoas por impresso digital. Havia muita
pseudocincia na criminologia, como as ideias de Cesare Lombroso ou Alphonse
Bertillon, segundo as quais determinadas medidas do corpo humano --com
destaque para as do crnio-- poderiam identificar "criminosos natos".
"A reverncia geral vitoriana pela cincia era forte, por isso um detetive que
alegava lidar com casos de crime por mtodos cientficos tinha uma audincia
sua espera", escreve Symons. "As referncias nas histrias de Holmes sua
monografia sobre 140 variedades de tabacos de cachimbo, charuto e cigarro, sua
capacidade de fazer anlises qumicas e de reconhecer diferentes tipos de jornal
com uma olhada, tudo ajudava a assegurar aos leitores que Sherlock Holmes era
um homem verdadeiramente excepcional", exemplifica.
EXCEPCIONAL Homens excepcionais so raros, pois "demandam uma
combinao de qualidades que no se acha na mesma mente", como argumenta
outro clssico autor de romances policiais, de uma escola bem diferente,
altamente realista: o americano Raymond Chandler (1888-1959).
Chandler foi um crtico rigoroso do romance policial da "era dourada" ou da
"escola britnica", o que demonstrou em uma das mais brilhantes anlises sobre
essa forma de literatura de todos os tempos, o curto ensaio de 1944 "The Simple
Art of Murder" --o texto depois serviu de introduo e deu ttulo a uma
coletnea de contos, publicada no Brasil como "A Simples Arte de Matar" pela
L&PM (2009).

"Cada escritor de histria de detetive comete erros, e nenhum nunca vai saber o
tanto que deveria. Conan Doyle cometeu erros que invalidavam completamente
algumas de suas histrias, mas ele era um pioneiro, e Sherlock Holmes, no
fundo, principalmente uma atitude e algumas poucas dzias de linhas de
dilogo inesquecveis", escreveu Chandler.
Para ele, o "detetive cientfico" pode at ter seu "brilhante laboratrio novo; mas
me desculpe se eu no consigo lembrar seu rosto". simples, diz o americano.
Se voc conhece tudo sobre algo bem extico --como cermica egpcia antiga--,
dificilmente sabe como a polcia funciona no dia a dia.
Curiosamente, o detetive de Chandler, Philip Marlowe, de Los Angeles, no
deixa de ser um sujeito excepcional. Marlowe era irnico, duro, no to
irascvel quanto os demais detetives acima. Mas era sentimentalista, "um sir
Galahad com uma pistola automtica". Como Chandler disse, um sujeito que
poderia seduzir uma duquesa, mas nunca deflorar uma virgem.
Marlowe bebia usque, brandy, bourbon --e tinha verdadeiro horror a qualquer
coquetel cuja apresentao inclusse um pequeno guarda-chuva.
Chandler e Dashiell Hammett (1894-1961) so os dois grandes nomes da escola
realista que Symons chamou "revoluo americana". Chandler tem muita
admirao pelo colega mais novo: "Hammett devolveu o assassinato s pessoas
que o cometem por motivos, no apenas para providenciar um cadver; e, com
os meios mo, no com pistolas de duelar artesanais, curare, e peixes
tropicais".
SEM JOGUINHO Chandler ficaria indignado com o jogo Detetive. Para ele, "a
fico em qualquer forma sempre teve a inteno de ser realista"; e no existe
literatura de mero entretenimento ou "escapismo". Todo mundo escapa da
realidade para se entreter lendo um livro, seja ele de Marcel Proust ou de Paulo
Coelho.
Realista, Hammett certamente era. Ele trabalhou como detetive particular da
agncia Pinkerton, serviu no Exrcito americano e at se filiou ao Partido
Comunista. O PC tambm enriqueceu as fileiras dessa literatura com o italiano
Camilleri e seu comissrio Montalbano, por sua vez uma homenagem a outro
autor comunista, o espanhol Manuel Vzquez Montalbn (1939-2003), criador
do detetive particular galego, gourmand e algo irascvel (com certeza o adjetivo
mais usado neste texto) Pepe Carvalho.
Holmes, convm relembrar, o pai de todos. A literatura policial nasceu e tem
sua espinha dorsal no mundo anglo-saxo, de onde se expandiu para o resto do
mundo. A Frana, com seu "roman noir" (romance negro), fornece o exemplo
bsico. Mas o belga Georges Simenon (1903-89) e o seu comissrio Maigret,
estrela de incrveis 75 romances e 28 contos, oferece um caso parte, uma
literatura quase mais social do que policial.
Um dos autores mais interessantes fora do universo anglo-saxo JeanFranois Parot, criador do detetive Nicolas Le Floch, policial que revela casos na
Paris do sculo 18, durante o reinado de Lus 15. Floch um Holmes

literalmente "avant la lettre" --antes de ser inventado. Faz dedues com base
em pistas quase irrelevantes, analisa cadveres como um moderno membro do
CSI e tem at sua tropa de mendigos e meninos de rua informantes, como os
"BakerStreet Irregulars" de Holmes. Tambm virou srie de televiso.
Como Symons previra, muitos outros pases criaram sua literatura do gnero. O
Brasil, por exemplo, demorou, mas hoje tem dois autores excepcionais, Luiz
Alfredo Garcia-Roza e Joaquim Nogueira.
Nada, contudo, escapa inclume aos modismos da indstria cultural. Nem
Sherlock Holmes.
O diretor de cinema Guy Ritchie produziu filmes recentes com o ator Robert
Downey Jr. (o mesmo de "Homem de Ferro") como um Holmes meio dndi,
meio boxeador; e um Jude Law como um Watson mais bonito e mais homem de
ao. Perfeito para o momento atual, sem fugir demais do cnone.
Esses filmes, assim como as sries "Sherlock" e "Elementary", abusam, porm,
da influncia da cultura das novelas, dos quadrinhos e dos super-heris.
Neles, personagens menores e pouco citados na obra literria de Conan Doyle
ganham importncia e relevncia. Moriarty, o "Napoleo do crime", o
arquirrival, arquivilo, por quase ter matado o detetive; Irene Adler, "a mulher"
descrita por Holmes, por ter conseguido engan-lo, vira um par romntico; e o
irmo igualmente gnio que pouco aparece nos livros, Mycroft Holmes, surge o
tempo todo no vdeo (no caso, com razo, os roteiristas e atores criaram
personagens muito divertidos para o irmo mais velho). Elementar, meu caro
leitor.
CINCIA

Artifcios da inteligncia
O que ser da mente se mquinas pensarem?
RESUMO A busca do ser humano por ampliar sua capacidade fsica e
intelectual deu origem a tecnologias transhumanas. Apesar disso, as mquinas
no devem ser capazes de destruir a humanidade, j que s conseguiro evoluir
junto ao crebro que conhecemos hoje, sem uma inteligncia superior
independente.
MARCELO GLEISER
Considere a seguinte situao: voc acorda atrasado para o trabalho e, na
pressa, esquece o celular em casa. S quando engavetado no trfego ou
amassado no metr voc se d conta. E agora tarde para voltar. Olhando em
volta, voc v pessoas com celular em punho conversando, mandando torpedos,
navegando na internet. Aos poucos, voc vai sendo possudo por uma sensao
de perda, de desconexo. Sem o seu celular, voc no mais voc.

A juno do humano com a mquina conhecida como "transhumanismo".


Tema de vrios livros e filmes de fico cientfica, hoje um tpico essencial na
pesquisa de muitos cientistas e filsofos. A questo que nos interessa aqui at
que ponto essa juno pode ocorrer e o que isso significa para o futuro da nossa
espcie.
Ser que, ao inventarmos tecnologias que nos permitam ampliar nossas
capacidades fsicas e mentais, ou mesmo mquinas pensantes, estaremos
decretando nosso prprio fim? Ser esse nosso destino evolucionrio, criar uma
nova espcie alm do humano?
bom comear distinguindo tecnologias transhumanas daquelas que so
apenas corretivas, como culos ou aparelhos de surdez. Tecnologias corretivas
no tm como funo ampliar nossa capacidade cognitiva: s regularizam
alguma deficincia existente.
A diferena ocorre quando uma tecnologia no apenas corrige uma deficincia
como leva seu portador a um novo patamar, alm da capacidade normal da
espcie humana. Por exemplo, braos robticos que permitem que uma pessoa
levante 300 quilos, ou culos com lentes que dotam o usurio de viso no
infravermelho. No caso de atletas com deficincia fsica, a questo se torna bem
interessante: a partir de que ponto uma prtese como uma perna artificial de
fibra de carbono cria condies alm da capacidade humana? Nesse caso, ser
que justo que esses atletas compitam com humanos sem prteses?
Poderia parecer que esse tipo de hibridizao entre tecnologia e biologia coisa
de um futuro distante. Ledo engano. Como no caso do celular, est acontecendo
agora. Estamos redefinindo a espcie humana atravs da interao --na maior
parte ainda externa-- com tecnologias que ampliam nossa capacidade.
Sem nossos aparelhos digitais --celulares, tabletes, laptops-- j no somos os
mesmos. Criamos personalidades virtuais, ativas apenas na internet, outros eus
que interagem em redes sociais com selfies arranjados para impressionar;
criaes remotas, onipresentes. Cientistas e engenheiros usam computadores
para ampliar sua habilidade cerebral, enfrentando problemas que, h apenas
algumas dcadas, eram considerados impossveis. Como resultado, a cada dia
surgem questes que antes nem podamos contemplar. O ritmo do progresso
cientfico est diretamente relacionado a nossa aliana mquinas digitais.
Somos j transhumanos.
Aonde isso nos levar? Em livro recente, o filsofo sueco Nick Bostrm,
professor na Universidade de Oxford, no Reino Unido, soa o alarme: se
criarmos inteligncias superiores nossa, poderemos nos tornar obsoletos.
Em "Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies" [Oxford University Press,
352 pgs., R$ 110; e-book R$ 44,45] (Superin- teligncia: caminhos, perigos,
estratgias), Bostrm faz uma analogia entre ns e gorilas e entre ns e as
inteligncias artificiais sobre-humanas: do mesmo modo que a sobrevivncia
dos gorilas depende de nossa benevolncia, se mquinas mais inteligentes e
poderosas do que ns existirem, nossa sobrevivncia depender delas. O que

garante que elas nos preservaro? o mito do Frankenstein revisitado,


cientistas criando nosso fim. Considerando, claro, a premissa de que seja
possvel criar tais mquinas superinteligentes.
Nisso, a comunidade cientfica e filosfica est dividida. De um lado, temos os
que acreditam que apenas questo de tempo: assim como a natureza "criou"
ao menos uma espcie inteligente (sim, golfinhos, baleias, cachorros e gatos so
inteligentes, mas no desenharam computadores ou sondas espaciais, ou
escreveram sinfonias e poesia), no h qualquer empecilho fundamental para
que possamos repetir a faanha, criando outras entidades inteligentes. As leis da
natureza no probem a construo de inteligncias artificiais.
Crticos rebatem dizendo que a questo no assim to simples. Primeiro, no
sabemos exatamente o que a inteligncia. E, se no temos uma definio, fica
bem difcil recri-la artificialmente. Por exemplo, o supercomputador da IBM
Deep Blue, que ganhou do campeo mundial de xadrez Garry Kasparov em
1997, no era inteligente. Ao menos no no sentido de ser uma entidade
autnoma, capaz de tomar suas prprias decises. O Deep Blue reunia uma
velocidade incrvel de processamento de informao com um programa
altamente sofisticado de seleo de estratgias, escolhendo seus movimentos
com base num processo refinado de otimizao. A inteligncia era de seus
programadores, e no da mquina em si.
Na Europa e nos EUA, duas grandes iniciativas tentam criar uma mquina
inteligente baseada na desconstruo do crebro humano. Em essncia, trata-se
de mapear o crebro minuciosamente, detalhando cada neurnio, suas ligaes
sinpticas com outros neurnios (sua "cognitividade"), o fluxo de substncias
neurotransmissoras de neurnio a neurnio, recriando toda essa informao
num gigantesco programa de computador, uma simulao do crebro humano
em uma entidade de silcio.
Uma pesquisa fascinante, que leva a uma pergunta essencial: como saber que
temos toda a informao requerida para recriar um crebro humano, o objeto
mais complexo do universo conhecido?
mapa No famoso conto "Sobre o Rigor na Cincia", de Jorge Luis Borges,
observa-se que um mapa perfeito, contendo todos os detalhes do original, teria
que ser do tamanho do que se prope a mapear, sendo, portanto, intil. No caso
do mapeamento do crebro, esse tipo de iniciativa extremamente importante e
vlida, e nos trar muita informao valiosa sobre seu funcionamento e
estrutura. Mas seu objetivo final, a compreenso completa do crebro humano,
me parece um mito.
Afinal, sabemos que nossa aferio do que existe sempre limitada: o que
vemos do mundo, mesmo com nossos instrumentos, jamais tudo o que
poderia ser visto. Portanto qualquer simulao de uma entidade real ser
necessariamente incompleta. No mximo, podemos tentar captar o essencial,
recriando um modelo parcial do que existe --e talvez no seja possvel concluir
que esse modelo parcial teria funes cognitivas idnticas ao crebro real; nem
mesmo sabemos se podemos entender o crebro destitudo do corpo que
comanda.

Ainda que programas de computador cheguem a ser inteligentes, sua


inteligncia no ser como a nossa. Ser uma outra coisa, desprovida de um
corpo. E o que um humano sem um corpo? Impossvel contemplar. O que
uma inteligncia que no sofre ou sente dor? At que ponto essas emoes
podem ser capturadas num programa, numa sequncia de instrues? Esse
objetivo --a construo de mquinas autnomas inteligentes-- parece bem mais
distante do que o fato j em curso da nossa hibridizao com tecnologias que
expandem nossas habilidades cognitivas.
No filme "Ela" [dir. Spike Jonze, EUA, 2013, Sony, 125 min., 14 anos, DVD R$
39,90, Blu-ray R$ 69,90], um homem se apaixona por uma mquina, um
sistema operacional inteligente capaz de aprender com a informao que recebe.
A histria trgica, explorando a solido humana e como a tecnologia do futuro
-- medida em que nos definimos pelas nossas interaes com os outros-- ir
redefinir quem somos. Ao menos no filme, os "outros" podero no ser mais
humanos.
Apesar da beleza do filme, bom no confundi-lo com a realidade. Como
argumentei acima, muito possvel que a premissa das mquinas inteligentes,
ou mais inteligentes do que ns, seja falsa. Bem mais provvel que o futuro da
inteligncia esteja dentro do crebro humano, e no fora. Seremos ns, ou
nossos hbridos, a nos tornarmos superinteligentes, estendendo nossa
capacidade mental atravs da unio do biolgico com o ciberntico.
O futuro no est nas mquinas, mas na inteligncia humana artificialmente
ampliada. No estamos desenhando nosso fim, mas uma nova espcie, capaz de
transcender os limites evolucionrios que determinam o funcionamento do
crebro e do corpo. Com isso, no devemos temer o futuro da pesquisa em
inteligncia artificial, mas v-la como uma oportunidade de emancipao, de
crescimento da espcie. Certamente, nossos descendentes sero mais
inteligentes e, esperemos, mais sbios.

FOLHA 02-02-205
LUIZ FERNANDO VIANNA

Nei Lopes
RIO DE JANEIRO - No custa registrar que, ao se falar aqui de "Bilac V
Estrelas", em cartaz no Rio, a ideia no agradar o colega de coluna Ruy Castro,
autor do livro que deu origem ao musical. O assunto Nei Lopes, criador das
canes.
No deveria haver qualquer surpresa em se afirmar que Nei, carioca do
subrbio do Iraj, um dos maiores compositores brasileiros em atividade.
Profcuo sem perder o rigor, j produziu sucessos como "Senhora Liberdade",
"Gostoso Veneno" (ambos com Wilson Moreira) e "Tempo de Dondon", dentre
dezenas de exemplares da melhor msica popular. Logo, por que se escrever
sobre ele?
Por causa do espanto. Ouvir, em apenas uma hora e meia, 15 canes novas, no
menos do que excelentes, um acontecimento rarssimo, espantoso. Lembra o
tempo antediluviano em que comprvamos discos, pnhamos no aparelho de
som e ficvamos chapados ao escutar um trabalho deslumbrante.
Pode ser que nenhuma das 15 tenha vida longe dos palcos, to perfeitas que so
para a pea. No importa, pois trilha de musical feita para funcionar no teatro,
no necessariamente fora dele --embora esse seja um efeito colateral desejvel.
Mesmo sem conhec-las antes, o pblico improvisa coros, sai do Sesc Ginstico
cantarolando-as e conferindo as letras no programa.
Faz lembrar a figura do "bvio ululante", de Nelson Rodrigues. Como no
chamar de grande um autor capaz de produzir --em menos de dois meses, pelo
que foi informado-- um repertrio dessa qualidade e com esse poder de
seduo? Nei estar entre os maiores o bvio ululante.
E, embora sempre tratado pela imprensa como "sambista" (rtulo redutor e algo
racista), ele no fez sambas para o espetculo, pois o gnero no existia em
1903, ano da trama.
Cole Porter, quem diria, acabou no Iraj. E se deu bem.
PAULO GHIRALDELLI
TENDNCIAS/DEBATES

O MEC na poltica "arroz com feijo"

Se o Ministrio da Educao quer ter maior importncia para o


ensino brasileiro, precisa de uma relao mais estreita com a
escola bsica
O recm-empossado ministro da Educao, Cid Gomes, diferentemente de
outros at ento, foi extremamente comedido. Em entrevista ao "Bom Dia
Brasil", da TV Globo, disse estar ali s cumprindo ordens da presidente Dilma.
Disse que vai incentivar o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Tcnico e Emprego), fazer a reforma do ensino mdio e encaminhar projetos de
valorizao do professor. Tudo isso, segundo ele, em clima de dilogo, "sem
imposio". Sobre aquilo que vai administrar diretamente, as universidades
federais, nada falou.
Cid Gomes foi simptico nisso tudo. Inclusive se explicou por ter dito que
"professor deve trabalhar por amor". Deixemos, ento, essa declarao infeliz de
lado e sigamos em frente. Nada de ideias mirabolantes, como muitos que
passaram no Ministrio da Educao, causando confuso, desperdcio de
dinheiro e resultados pfios.
Cid Gomes no Ministrio da Educao , talvez, o que realmente o MEC no
Brasil: uma rainha da Inglaterra. A corte tem Oramento e chega at a
comandar as Foras Armadas, mas no tem poder algum no cotidiano da
poltica.
O Brasil enxerga o MEC como o mandachuva da educao. A imprensa contribui
para essa imagem. Mas, na prtica, o MEC tem a ver nica e exclusivamente
com uma rede de ensino universitria que est se tornando apenas um conjunto
de escolas que tenta substituir a no existncia do ensino mdio.
Para que o ministrio tenha algum peso na educao brasileira, e assim
corresponder imagem que dele faz o brasileiro, preciso ter uma relao mais
estreita com o cho da escola bsica.
A soluo federalizar o ensino bsico, ou seja, fundamental e mdio? Talvez.
Mas j de pronto o que pode ser feito a modificao dos convnios entre
governo federal e governos estaduais e municipais.
Na gesto de Fernando Haddad no MEC fui convidado a fazer a avaliao crtica
do Plano Nacional de Educao (PNE). Produzi um documento massudo que,
claro, foi engavetado. Recebi o dinheiro pelo servio, mas o servio virou nada.
Minha crtica ao PNE no podia mesmo ser levada em conta, uma vez que
apontei para algo que o governo federal nunca quis mexer, independentemente
de partidos ou presidentes: a forma pouco eficaz pela qual a Unio repassa
recursos para Estados e municpios.
Os convnios so, em geral, uma forma de doao de dinheiro sem a existncia
de mecanismos de cobrana de retorno. Cobrana burocrtica e papel para

preencher existem, mas uma medida que faa com que prefeitos e governadores
apresentem resultados de melhoria da capacidade intelectual dos alunos e da
condio de estudos dos professores, no h.
Se no me enganei com a entrevista de Cid Gomes, ele parece saber disso mais
do que eu. S que, ao contrrio do que estou dizendo, ele confessa que no far
outra coisa que aquilo que a lei vem chancelando: o ensino popular
regionalizado, estadualizado e minguado --e assim ser. No se pode quebrar
isso, um tabu. Cid Gomes parece no ter nenhuma inteno revolucionria de
quebrar isso.
ANLISE/ELEIO NA CMARA

Dilma ter Casa ressentida e desafeto com srie de desafios


Rejeio na disputa foi alm da esperada pelo mais pessimista dos governistas
IGOR GIELOWDIRETOR DA SUCURSAL DE BRASLIA
A humilhao sofrida pelo governo na eleio da Cmara no poderia ser maior.
Derrota em primeiro turno com o terceiro colocado nos calcanhares de Arlindo
Chinaglia, traio aberta de aliados e, cereja do bolo, ausncia do PT na
composio da Mesa da Casa. Uma rejeio alm da esperada pelo mais
pessimista dos governistas.
Agora, o governo que temia ver uma Cmara tocada por um Eduardo Cunha em
modo solerte ter de lidar com uma Casa ressentida com o Planalto e um
presidente com sangue nos olhos.
Foi o custo da estratgia gestada na Casa Civil de Aloizio Mercadante e operada
pelo aparelho da Democracia Socialista instalado na articulao poltica do
Planalto.
O governo optou pelo tudo ou nada contra Eduardo Cunha, um desafeto pessoal
da presidente. Ganhou em troca mais dificuldade para tocar sua agenda
legislativa em ano de duro ajuste fiscal.
E pior: o risco de ouvir a palavra impeachment a cada momento de agravamento
de uma das vrias crises que rondam Dilma Rousseff.
No o caso de subestimar as armas que o governo tem para conter cenrios
mais trgicos. Emendas parlamentares, cargos, todo o arsenal fisiolgico est a
para uso. S ficou mais caro --e arriscado.
Por fim, se certamente est irritado com a campanha violenta do Planalto contra
sua candidatura, Eduardo Cunha no um carbonrio.

Est cacifado para impor seu ritmo de trabalho, o que apontado por
adversrios como algo perigoso para o pas, mas tender a compor com o
governo para exercer seu poder com tranquilidade.
Cunha ter desafios. Dever dialogar com o PT e com uma oposio mais ativa
(a votao de Jlio Delgado foi significativa), mas principalmente com a nova
base encarnada nas foras aglutinadas por Gilberto Kassab.
Alivia tambm para o governo saber que Renan Calheiros suou frio, mas
permaneceu na cadeira no Senado, servindo de contraponto a iniciativas
incmodas da Cmara. Seguir assim, exceto que venha a ser abatido pela
Operao Lava Jato.
NOIVA

Com casamento marcado, ministra Ktia Abreu fura a fila de votao


DE BRASLIA - Com casamento marcado para s 19h30 deste domingo (1), a
senadora Ktia Abreu (PMDB-TO) furou fila e votou nas eleies para a
presidncia do Senado antes dos demais colegas.
"O cabelo ainda vai arrumar. Mas aqui no tem senadora de spa, ministra de
spa, noiva de spa. noiva do trabalho", disse a ministra licenciada da
Agricultura ao deixar s pressas o plenrio do Senado.
Ela se casou com o engenheiro agrnomo Moiss Pinto Gomes ao som de
violinos na capela de uma chcara no Distrito Federal. A presidente Dilma
Roussef chegou 16 minutos antes do incio da cerimnia e sentou-se na primeira
fila. O vice Michel Temer sentou-se duas fileiras atrs. Vestida de marrom,
Dilma posou para fotos e deixou a festa s 21h.
O presidente do senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-presidente Jos
Sarney (PMDB-AP), e o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, estavam
presentes. Gilmar Mendes, ministro do STF, e o senador Atades Olveira (PSDBTO) foram ao evento de carro oficial. Eles no foram localizados.
FOCO

Aps posse, parlamentares e familiares apostam em selfies


MARIANA HAUBERTJOO CARLOS MAGALHESDE BRASLIA
Terminada a cerimnia de posse dos novos deputados, no comeo da tarde deste
sbado (1), a mesa do plenrio e as tribunas, onde os deputados discursam,
foram disputadas por parentes e convidados dos congressistas.

Todos encenaram discursos e fingiram assinar papis, para ter fotos em poses
comuns aos parlamentares.
Mesmo deputados fizeram seus registros; entre os novatos, houve quem se
sentasse na cobiada cadeira de presidente da Cmara.
Floriano Pesaro (PSDB-SP) simulou um discurso na tribuna e recorreu a um
"pau de selfie" para uma foto com a famlia no meio do plenrio.
Pela primeira vez no cargo de deputado federal, o cantor Srgio Reis (PRB-SP)
disse que a carreira poltica ser uma "emoo nova", mas que continuar
fazendo shows.
"Eu viajo todo o pas e conheo de perto os problemas da populao. Eu, que j
tive o carinho do povo durante 55 anos de carreira, quero dedicar quatro anos
da minha vida para retribui-lo", afirmou.
O palhao Tiririca (PR-SP), que se apresentou para um segundo mandato,
afirmou estar "muito feliz" em permanecer na Cmara --e que trabalhar para
conseguir aprovar algum projeto seu.
Questionado sobre fazer seu primeiro discurso na tribuna do plenrio neste
mandato, Tiririca desconversou.
"Vou sim", contou, para logo negar: "Claro que no".
"Eu venho do circo, que muito organizado. Tem hora para entrar, para sair.
Por isso demorei a entender como a Cmara funcionava. As pessoas fazem o
discurso e ningum presta ateno", disse.
Apesar de acostumado ao protocolo da Casa, o lder tucano, Carlos Sampaio
(PSDB-SP), chegou atrasado cerimnia e teve de ser empossado
separadamente.
Deputado mais novo da legislatura, Uldurico Jnior (PTC-BA), 23, se disse
confiante; relatou que no fez o curso preparatrio oferecido pela Cmara aos
novos deputados, porque acompanhou o trabalho do pai, Uldurico Pinto,
deputado por trs vezes.
"Acho que a maior carncia do nosso povo a corrupo. Vou tentar focar o meu
mandato em aes para combat-la, principalmente no meu Estado", afirmou.
RICARDO MELO

Podemos, mas queremos?


A revolta europeia um alerta para quem diz falar em nome do
povo, mas caminha no sentido oposto

Os nmeros, como sempre, so conflitantes. Segundo a polcia, foram 100 mil


pessoas. Os organizadores da manifestao contaram 300 mil. O jornal "El
Pas", valendo-se de critrios prprios de medio, calculou em mais de 153 mil
o nmero de presentes ao ato do Podemos em Madri no sbado (31). A capital
espanhola tem cerca de 3,3 milhes de habitantes.
A gigantesca manifestao contra as polticas de austeridade na Europa foi
vitaminada pela vitria estrondosa do partido Syriza na Grcia. Assim como
este, o Podemos rene um pouco de tudo: ex-militantes de partidos tradicionais,
manifestantes indignados, jovens desiludidos, desempregados e muita gente
que podia nem estar a, mas insiste em pensar no futuro.
Segundo a reprter Luisa Belchior Moskovics, desta Folha, os "manifestantes
eram sobretudo adultos e idosos". Uma aposentada de 66 anos, Ascensin
Fernndez, contou jornalista: "Ainda temos nossa aposentadoria, mas isso no
est mais garantido a nossos filhos, e por isso viemos. No queremos mais ser
empregados da Merkel". [Angela Merkel, chanceler alem e smbolo da poltica
de arrocho, para os outros, claro, que devasta a Europa.]
Parece longe, do outro lado do oceano. Falso. O fenmeno tem tudo a ver com o
Brasil. Tanto o Syriza como o Podemos surgiram da insatisfao de povos
cansados do jogo poltico tradicional, da coreografia repetitiva de eleies para
presidente de Cmara, da subservincia de legendas autoproclamadas
populares, mas que na prtica curvam-se aos status quo da plutocracia e da
ciranda financeira.
Guardadas certas propores, o momento histrico e diferenas sociais, foi mais
ou menos um movimento parecido que criou o PT brasileiro. O PT, hoje no
poder, nasceu do encontro de militantes de origens variadas, de catlicos a
ultraesquerdistas, passando por uma maioria revoltada com "o que est a".
Detalhe essencial: a origem no confere um selo de qualidade vitalcia ao
rebento. Exemplos no faltam. Desde a traio dos velhos partidos socialdemocratas ao papel destruidor exercido pelo stalinismo quanto esperana de
um mundo solidrio, mais justo e menos desigual.
Nada disso trava a histria. De tempos em tempos, o cenrio sacudido pela
ao da esmagadora maioria insatisfeita com o poder do 1% sobre o restante. De
uma ou de outra forma, isso que est por trs de eventos como a queda do
Muro de Berlim, a Primavera rabe e a resistncia dos povos europeus ao plano
de terra arrasada proposto pela troika.
A questo o futuro. Uma vez no poder, a expresso poltica destes movimentos
esbarra em carncias doutrinrias, indefinio programtica e rendio ao
dinheiro fcil e a benesses do poder. O PT, no Brasil, sofre este risco. A
proliferao de movimentos sociais descolados do partido impressionante.
Grupos de sem-teto, articulaes culturais fora do eixo e at sem eixo, mdias
alternativas --h uma efervescncia correndo por fora e que de repente explode
como em junho de 2013.

Syriza, Podemos e outros tantos so exemplos de vida pulsante pelo mundo. A


incgnita, mais uma vez, como essa ebulio ser orientada. Curvar-se ao
manual da austeridade, ajuste fiscal e metas de superavit o caminho mais fcil
para a desmoralizao. Veja-se o fiasco dos partidos de "esquerda" tradicional
em todas as eleies europeias. Lev Davidovitch Bronstein escreveu que a crise
da humanidade a crise da direo revolucionria. Diante dos fatos, impossvel
no lhe dar razo.

Fiscal da Prefeitura de SP tem R$ 20 mi em imveis


Com salrio de R$ 21 mil, ele comprou casas e apartamentos aps assumir cargo
Auditor o investigado nmero 1 de rgo anticorrupo; ele atua
no setor municipal de cadastros imobilirios
ARTUR RODRIGUESDE SO PAULO
Um auditor fiscal da Prefeitura de So Paulo acumulou ao menos 55 imveis,
avaliados em cerca de R$ 20 milhes, desde que assumiu esse cargo, h quase
30 anos.
Outros 28 imveis, entre apartamentos, escritrios, casas e terrenos na capital e
no litoral, foram vendidos por ele por R$ 11 milhes, segundo levantamento
da Folha.
O fiscal Jos Rodrigo de Freitas, 54. Considerado o nmero 1 entre os
investigados por enriquecimento ilcito pela Controladoria Geral do Municpio,
ganhou apelido de "rei dos fiscais".
Ele recebe salrio de R$ 21 mil da prefeitura. Sem gastar em mais nada, teria de
trabalhar 113 anos para juntar a soma de dinheiro que movimentou em imveis,
aproximadamente R$ 31 milhes.
Os imveis em nome dele, localizados pela reportagem em diferentes cartrios
nas duas ltimas semanas, foram adquiridos somente no perodo em que atua
como fiscal.
Funcionrio de carreira da Secretaria Municipal de Finanas desde 1988, ele
trabalha no setor de cadastros imobilirios da prefeitura. esse o setor que
define, por exemplo, valores base para a cobrana de impostos sobre imveis
como IPTU e ITBI.
Ao mesmo tempo, numa atividade paralela, atua como incorporador. Ele
compra terrenos que depois so transformados em novos imveis.
Na mira da controladoria da cidade, o fiscal ainda investe na compra e venda de
apartamentos e escritrios.

Boa parte dos imveis comprados por ele fica na regio de Santana, bairro de
classe mdia da zona norte que sofreu um boom de novos empreendimentos na
ltima dcada e hoje tem ruas entre as mais valorizadas da cidade.
Entre os 83 imveis que negociou, 50 deles foram comprados nos ltimos dez
anos.
Em 2006, por exemplo, com alguns scios, comprou nove apartamentos de luxo
na Riviera de So Loureno, em Bertioga, litoral norte.
A Folha mapeou a venda de oito deles nos anos seguintes, cujos valores
somados chegam a R$ 4,7 milhes.
Em outro negcio imobilirio, na Vila Guilherme (zona norte), o fiscal foi scio
de Amilcar Canado Lemos, auditor fiscal suspeito de ter idealizado o esquema
de cobrana de propina de construtoras da mfia do ISS, que deu R$ 500
milhes de prejuzo aos cofres municipais.
Assim como a Folha, a Controladoria tambm encontrou dezenas de imveis
no nome de Freitas, colocando-o no topo da chamada matriz de risco utilizada
pelo rgo --alm do patrimnio, as possibilidades que determinado cargo tem
para cometer atos de corrupo so levados em considerao.
Atualmente, alm dos imveis, ele tambm tem algumas empresas em seu
nome, entre incorporadoras, assessorias imobilirias e SPEs (Sociedades de
Propsito Especfico), geralmente abertas para a criao de novos
empreendimentos imobilirios.
Folha, Freitas diz que no ter problema para explicar a origem do seu
patrimnio --segundo ele, vindo de negociaes imobilirias e de seu salrio
como auditor.
"Quisera eu ter tudo isso que voc [reprter] falou aqui. Infelizmente no , mas
alguma coisa tem", afirmou o fiscal, que no soube dizer o nmero total de
imveis que possui atualmente.
Paralelamente apurao na prefeitura, o fiscal investigado pela Promotoria
do Patrimnio Pblico, rgo que apura a mfia do ISS desde fevereiro do ano
passado.
Ele afirma ter sido comunicado oficialmente da investigao na ltima semana.
OUTRO LADO

'Renda no vem s da prefeitura', diz fiscal


Funcionrio pblico diz que investe em imveis h 25 anos e que declara bens
ao municpio e Receita Federal

ARTUR RODRIGUESDE SO PAULO


O auditor fiscal Jos Rodrigo de Freitas justifica sua renda a uma composio
do salrio de auditor e o trabalho no ramo imobilirio.
"Eu mexo com imveis desde 1990. Eu trabalho na prefeitura, mas a minha
renda no vem s da prefeitura, graas a Deus", afirma.
De acordo com Freitas, nem todos os imveis encontrados em seu nome nos
cartrios --um total de 83 matrculas-- pertencem de fato a ele.
"Se tivesse 80 imveis estava vivendo de renda", afirma. "O que acontece em
cartrio? Nem sempre o que est l meu. s vezes a pessoa que compra pode
no ter dado baixa", completa.
O fiscal, porm, no soube detalhar quantos imveis tem atualmente. Ele se
ofereceu a checar a situao e inform-la com detalhes na prxima semana
reportagem.
"Quisera eu ter tudo isso que voc falou aqui. Infelizmente no , mas alguma
coisa tem", disse o fiscal.
Freitas afirmou que pretende se inteirar sobre a investigao a seu respeito, j
que foi informado sobre o assunto apenas na ltima semana.
O auditor fiscal afirmou ainda que entrega anualmente declaraes de todos os
seus bens prefeitura de SP e Receita Federal.
A reportagem apurou que ele informou prefeitura paulistana um nmero de
imveis semelhante ao mapeado agora pela Folha.
CONFLITO
Freitas afirma que no h conflito de interesses entre suas funes como auditor
da prefeitura e o trabalho no ramo imobilirio. "Eu s no posso ter funo de
gerncia", afirma o fiscal.
Atualmente, situaes como essa de Freitas se repetem dentro da prefeitura, que
prepara um cdigo de tica para inibir esse tipo de caso.
Sobre a sociedade com Amilcar Canado Lemos, acusado de integrar a mfia do
ISS, ele diz que foi uma coincidncia. "Ele [Amilcar] foi um colega nosso,
trabalhou com a gente at pouco. Ele tinha alguns imveis na regio e acabou
sendo uma enorme coincidncia", diz o fiscal.
Procurado pela reportagem na semana passada, Amilcar Lemos no foi
localizado at ontem para comentar sobre a sociedade com Freitas.

Confie em algum com mais de 30

Os trintes Luis Fabiano, do So Paulo, e Jadson, do Corinthians, se destacam


na rodada
DE SO PAULO
No incio dos anos 70, o cantor Marcos Valle lanou "Com mais de 30", msica
cujo incio uma frase que virou jargo: "No confie em ningum com mais de
30 anos".
Foi um grande sucesso entre os jovens da poca.
O primeiro domingo do Paulista mostrou que no faltam motivos para botar f
nos trintes do futebol --ao menos entre os torcedores corintianos e sopaulinos.
Na equipe tricolor, Luis Fabiano, 34, marcou o segundo gol na vitria por 3 a 1
diante do Penapolense.
Foi um gol de peso histrico, o nmero 200. Outro que se destacou no So
Paulo foi o meia Michel Bastos, 31.
No Corinthians, a escalao de Tite trouxe novidade: Jadson no lugar de
Lodeiro, vendido ao Boca Juniors. Antes desacreditado, o meia de 31 anos
entrou e convenceu.
JUCA KFOURI

Trio de Ferro estreia bem


Exceo feita ao So Paulo, Palmeiras e Corinthians passaram de
passagem por Audax e Marlia
A PR-TEMPORADA dos grandes com cara, de fato, de pr-temporada,
permitiu ao Trio de Ferro estrear sem sustos diante dos pequenos que
costumavam endurecer nas primeiras rodadas, beneficiados por voltar aos
treinos muito antes dos grandes.
Exceo feita vitria do So Paulo sobre o Penapolense sob um sol inclemente
h quase 500 quilmetros da capital, com um grau de dificuldade razovel,
Palmeiras e Corinthians passaram de passagem pelo inibido Audax e o frgil
Marlia.
Os dois rivais que faro o primeiro Drbi da Arena Palmeiras no domingo que
vem receberam 25 mil torcedores em suas casas na rodada inaugural e os
contemplaram cada um com trs gols, a exemplo do que fez o So Paulo em
Penpolis.

Se foram vitrias indiscutveis, empolgante mesmo s o primeiro tempo do


Palmeiras, com 45 minutos quase perfeitos do argentino Allione e com um 3 a 0
que no foi o dobro por detalhe --e por um gol desperdiado por Maikon Leite
que ser candidato ao gol mais perdido deste ano. Menos mal que, em seguida,
ele se redimiu ao fazer o terceiro gol da equipe alviverde para desfazer a m
impresso.
Quando o Audax diminuiu para 3 a 1 o jogo j estava acabado e o segundo
tempo cauteloso do Palmeiras no empalideceu a bela exibio do perodo
inicial.
J o Corinthians jogou evidentemente com duas preocupaes: ganhar ritmo
para a partida que realmente importa, depois de amanh, na Arena Corinthians,
contra o Once Caldas, da Colmbia, pela pr-Libertadores, e evitar contuses ou
desgaste excessivo.
Deu tudo certo. O 1 a 0 dos 45 minutos iniciais convenceu e o 3 a 0 final, sem
forar, mostraram Renato Augusto e Jadson em tarde feliz e novo gol de
Guerrero. De quebra, o bom negcio da venda do plido uruguaio Lodeiro para
o Boca Juniors, da Argentina.
Quem sofreu mais foi o So Paulo, por causa do calor. Depois de Manaus,
Penpolis, porque a vida dura.
Mas alm do 200 gol de Lus Fabiano, o so-paulino tem a comemorar mais
uma atuao decisiva de Michel Bastos, o polivalente que veio da Roma e no
por acaso tem o apelido de Coringa.
Ontem ele abriu o placar e deu o passe para o segundo gol tricolor, o do 2 a 0.
Quando as coisas pareceram que ficariam complicadas, com o tento do
Penapolense ao faltarem 12 minutos para o jogo acabar, eis que mais uma vez o
So Paulo revelou-se eficaz e, em vez de se limitar a defender o resultado, foi
frente e fez o 3 a 1.
Com sorte? Sim, com a sorte de Muricy Ramalho que acabara de trocar
Carlinhos por Reinaldo e viu o substituto ir linha de fundo para cruzar a bola
que, desviada na zaga adversria, liquidou o jogo.
O Paulistinha poder ser uma oportunidade para o Trio de Ferro aprimorar as
pr-temporadas que cada um dos trs times teve neste 2015.
Para Corinthians e So Paulo com vistas Libertadores.
Para o Palmeiras em busca de entrosar a legio de jogadores que contratou com
mais competncia do que em 2014.

Aps vitria, Anderson se dedica aos realities e cogita deixar as lutas

UFC Lutador brasileiro venceu Nick Dias na madrugada do domingo (dia 1)


em Las Vegas
EDUARDO OHATAENVIADO ESPECIAL A LAS VEGAS
H muitas indefinies sobre os prximos passos de Anderson Silva em sua
carreira aps seu retorno vitorioso na madrugada deste domingo. O que h de
mais concreto sua participao imediata em realities shows.
Aos 39 anos, Spider vai agora bater ponto na TV.
Na madrugada deste domingo, o ex-campeo dos mdios do UFC derrotou por
deciso unnime o norte-americano Nick Diaz, 31, em sua primeira luta em
mais de um ano, em Las Vegas (EUA).
O resultado manteve Anderson como o primeiro do ranking dos mdios do UFC
e desafiante natural do vencedor do duelo entre o campeo Chris Weidman e
Vitor Belfort, que aconteceria no fim deste ms ( a terceira vez que o combate
no acontece na data marcada, agora por conta de uma contuso nas costelas
sofrida por Weidman).
Logo aps a luta, ao ser questionado sobre seu futuro, o brasileiro explicou,
reiteradas vezes, que precisaria conversar "seriamente" com sua famlia para
decidir se prosseguir com a carreira.
"Meu filho me pediu chorando para voltar para casa e parar de lutar. Isso
srio...", justificou o Spider.
Lembrou que seu compromisso imediato a participao na verso brasileira do
reality show "The Ultimate Fighter" (TUF), no qual ser um dos treinadores.
"Tenho muito trabalho [nos prximos meses]", disse o lutador, que se recusou a
definir prazo para anunciar se volta a lutar.
Neste domingo (dia 1), estava prevista uma visita dele casa onde ser filmado
o TUF, em Henderson, uma cidade vizinha a Las Vegas.
Alm do reality que ser transmitido na TV aberta pela TV Globo, Anderson
participa do "Spider Life Show", reality show multiplataforma cujos episdios
so disponibilizados via Youtube e tambm por meio de mdias sociais do
lutador.
Os primeiros episdios mostraram a preparao para a luta com Nick Diaz. J
foram produzidos oito episdios --a previso de que, at o final deste ano, o
nmero de programas chegue a 16.
Parte das imagens que integraro os episdios que faltam j foram captadas
para no conflitar com a agenda do reality da Globo.

J est planejada uma continuao do "Spider Life Show" para o ano que vem,
com mais 13 episdios. Nela, Anderson mostraria a histria do muay thai (boxe
tailands), uma das principais modalidades de seu arsenal.
Tambm provvel que ele participe em um terceiro reality show, sobre forma
fsica, exerccios e alimentao no canal americano AXS. Mas, oficialmente, o
time do lutador afirma desconhecer sua participao.
Trata-se do "Celebrity Sweat" ("Suor das Celebridades"), que tem prevista a
participao de atletas, atores e celebridades como o guitarrista e lder da banda
musical Kiss, Paul Stanley.
Por fim, Spider pode cair no samba. Ele receber, em breve, um convite da
escola carioca Unidos da Viradouro, que planeja homenagear grandes
personalidades negras em seu desfile no Carnaval deste ano.
GREGORIO DUVIVIER

Abrao caudaloso
O problema do casamento entre palavras o mesmo do casamento
entre pessoas: sempre algum ama mais
Amizade entre cronistas um perigo: todo papo esbarra em crnica, j que toda
crnica uma espcie de papo. Foi numa conversa com o Antonio Prata, meu
ex-amigo-platnico --"ex" no por no ser mais amigo mas por no ser mais
platnico-- que a bola comeou a quicar. "Isso d uma crnica", ele disse. Mas
nenhum dos dois escreveu, por escrpulos de estar roubando a ideia do outro.
Eu, que tenho menos escrpulos e menos ideias, resolvi escrever.
Palavras, percebemos, so pessoas. Algumas so sozinhas: Abracadabra. Eureca.
Bingo. Outras so promscuas (embora prefiram a palavra "gregria"): esto
sempre cercadas de muitas outras: Que. De. Por.
Algumas palavras so casadas. A palavra caudaloso, por exemplo, tem unio
estvel com a palavra rio --voc dificilmente ver caudaloso andando por a
acompanhada de outra pessoa. O mesmo vale para frondosa, que est sempre
com a rvore. Perdidamente, coitado, um advrbio que s adverbia o adjetivo
apaixonado. Nada ledo a no ser o engano, assim como nada crasso a no ser
o erro. Ensejo uma palavra que s serve para ser aproveitada. Algumas
palavras esto numa situao pior, como calculista, que vive em constante
mnage, sempre acompanhada de assassino, frio e e.
Algumas palavras dependem de outras, embora no sejam grudadas por um
hfen --quando tm hfen elas no so casadas, so siamesas. Casamento
acontece quando se est junto por algum mistrio. Alguns diro que amor,
outros diro que afinidade, carncia, preguia e outros sentimentos menos
nobres (a palavra engano, por exemplo, s est com ledo por pena --sabe que

ledo, essa palavra moribunda, no iria encontrar mais nada a essa altura do
campeonato).
Esse o problema do casamento entre as palavras, que por acaso o mesmo do
casamento entre pessoas. Tem sempre uma palavra que ama mais. A palavra
rvore anda com vrias palavras alm de frondosa. O casamento aberto, mas
para um lado s. A palavra rio sai com vrias outras palavras na calada da noite:
grande, comprido, branco, vermelho --e caudaloso fica l, sozinho, em casa,
esperando o rio chegar, a comida esfriando no prato.
Um dia, caudaloso cansou de ser maltratado e resolveu sair com outras
palavras. Esbarrou com o abrao que, por sua vez, estava farto de sair com
grande, essa palavra to gasta. O abrao caudaloso deu to certo que ficaram
perdidamente inseparveis. Foi em Manuel de Barros. Talvez pra isso sirva a
poesia, pra desfazer ledos enganos em prol de encontros mais frondosos.
LUIZ FELIPE POND

Humildade
O sucesso fsico, financeiro, intelectual ou imaterial, sempre foi um
desafio: o risco deformar a alma
A humildade uma das virtudes mais difceis na vida. Principalmente porque
est fora de moda, confundida com baixa autoestima. Somos ensinados a buscar
o orgulho como autoafirmao. Nada mais distante de uma personalidade
razoavelmente madura do que o orgulho.
A humildade uma das virtudes bblicas. O filsofo judeu Martin Buber, quando
elenca em seu maravilhoso "Hasidism and Modern Man" (Prometheus Books),
de 1988, as quatro principais virtudes do mstico hassdico, coloca a humildade
como a mxima entre elas.
O hassidismo uma escola judaica tpica do leste europeu dos sculos 18 e 19, e
o termo vem da palavra hebraica "hesed", que pode ser traduzida por "piedade".
As quatro virtudes so: xtase na contemplao ("hitlahavut"), trabalho
("avod"), a inteno reta do corao ("kavan") e a humildade ("shiflut").
Segundo ele, algum que tem intimidade com D'us (no judasmo, no se escreve
o nome de Deus completo) tem gosto pelo trabalho, seja ele qual for, porque
sente que ser parte do mundo colaborar com ele.
O xtase o que acontece com quem v D'us e sua piedade com frequncia. O
ato de contemplar D'us --a palavra "hitlahavut", em hebraico, remete ao fogo-"incendeia a alma". A intimidade com Deus leva o mstico a no conseguir
mentir aquilo que sente e pensa, ele diz. Da a ideia de um corao reto.

Por fim, a humildade. As trs anteriores convergem para o que Buber se refere
como a conscincia de que D'us carrega o mundo na palma da Sua mo, imagem
comum na Bblia hebraica (o Velho Testamento dos cristos).
comum personagens como Davi e Abrao usarem essa imagem ou similares
para descrever a relao entre D'us e o mundo. A humildade marca suprema
da alma que se conhece sem mentir para si mesma.
A humildade tambm pode ser vista como grande virtude e desafio para pessoas
distantes de qualquer sensibilidade religiosa, mas que tm grande sucesso na
vida.
Se voc algum que no teve sucesso na vida, dizer que humilde mais falta
de opo do que qualquer virtude de fato. Por isso, a humildade sempre foi
cobrada de grandes guerreiros e mulheres lindas.
O sucesso, seja ele fsico, financeiro, intelectual ou "imaterial", sempre foi um
desafio: o risco do sucesso deformar a alma. Sobre isso, basta ver o horror que
o mundo intelectual e seu profundo desprezo (ao contrrio do que querem
transparecer) pelo "povo".
A chamada "segurana de si" vai melhor com a humildade do que com o selfmarketing. Qualquer pessoa sabe que no se pode falar das prprias virtudes,
porque o autoelogio signo de desespero.
A humildade o manto com o qual a alma virtuosa se cobre e esconde sua face.
E isso nada tem a ver com tristeza ou falta de percepo do sucesso. A felicidade,
quando verdadeira, sempre uma forma de generosidade.
Assim como D'us esconde a sua face, segundo o hassidismo, para nos "proteger"
de sua grandeza, o virtuoso esconde seu rosto "em chamas", seja ele incendiado
por D'us, seja pelo sucesso, para que no saibam que ele est acima do homem
comum.
No outro o sentido de se dizer, no cristianismo, que Jesus era um humilde.
Qualquer homem comum que fosse alado a condio de D'us seria um
miservel orgulhoso.
Porm, existe um outro tipo de humildade, de que no se costuma falar muito,
mas que considero to essencial quanto o que mais falado no mundo da
filosofia moral. Trata-se da humildade da qual fala Freud. Estranho? Nem tanto.
Na psicanlise, a humildade tambm essencial.
O sbio de Viena dizia que se ele conseguisse levar seu paciente a trabalhar e a
amar razoavelmente, estaria satisfeito como psicanalista.
Alm do fato de que grande parte dos psicanalistas to horrorosamente
orgulhosa quanto minha tribo de filsofos e afins (em alguns casos, o orgulho de
alguns beira o grotesco), acho que essa fala de Freud no serve apenas para
esses profissionais, mas tambm para os pacientes.

Muitas vezes, se concentrar em conseguir levantar de manh e trabalhar,


conseguir olhar para as pessoas sua volta e ser generoso, pode ser o maior dos
milagres na Terra.

FOLHA 03-02-2015
HLIO SCHWARTSMAN

Facilidades venda
SO PAULO - A eleio de Eduardo Cunha para a presidncia da Cmara no
vai facilitar a vida do governo nos prximos e difceis meses que Dilma Rousseff
ter pela frente.
Se as anlises que li esto corretas, Cunha representa (e coordena) aquela massa
de parlamentares que no hesita em criar dificuldades para depois neutralizlas, cobrando, claro, o devido preo na forma de verbas, cargos e sabe-se mais
o qu.
Se isso j incmodo em condies normais, torna-se um tremendo estorvo
numa conjuntura em que a crise econmica, que limita severamente a
capacidade do Estado de gastar, se soma s incertezas polticas geradas pelas
investigaes do escndalo da Petrobras. Ainda que discretamente, a palavra
"impeachment" j vai aparecendo nos jornais.
Penso que Dilma desperdiou as chances que teve para tentar melhorar a
paisagem institucional do pas. O cenrio mais otimista agora que ela termine
seu mandato equilibrando-se tropegamente entre vrias crises. Mas isso no nos
deve impedir de discutir o que pode ser feito para evitar que, no futuro, figuras
como Cunha, que exploram com competncia as vulnerabilidades do sistema,
possam prosperar. O pas, afinal, continuar a existir depois de Dilma.
A resposta para o problema, por paradoxal que parea, passa por reduzir o
poder do Executivo. Temos de tentar transformar decises discricionrias hoje
na mo de governantes em rotinas institucionais. surreal, para dar um s
exemplo, que existam 20 mil cargos de confiana cujos ocupantes so definidos
pela caneta da presidente ou seus ministros.
No preciso ser um gnio da administrao pblica para perceber que tanto o
governo como o pas estariam melhor se esses postos fossem em sua grande
maioria preenchidos por critrios impessoais e objetivos, como concursos, e no
por indicaes polticas. O espao para a chantagem diminuiria, e os servidores
seriam, em tese, mais competentes.
CARLOS HEITOR CONY

Ad petendam pluvium

RIO DE JANEIRO - "Deus, in quo vvimus movmur et sumus, plviam nobis


tribue congruntem; ut praesntibus subsdiis sufficinter adjti, sempiterna
fiducilius appetmus."
Dona Dilma e o pessoal da base aliada no devem estranhar o latim desta orao
cannica para implorar ao Todo Poderoso que mande uma boa quantidade de
chuva que abastea nossos reservatrios, enchendo rios, lagos e lagoas para
acabar com a crise da falta de gua. A orao vai em latim mesmo, que deve ser
a lngua oficial do cu.
Deus adquiriu notvel "know how" em matria de chuva. Vendo que os homens
e mulheres estavam fornicando demais, mandou um dilvio que durou quarenta
dias e quarenta noites, poupando No e alguns animais, um de cada espcie, o
que explica a sobrevivncia de tantos burros.
To pouco valer adquirir uma frota de arcas para salvar os poucos Nos que
escaparo das cataratas do cu que se abriro sobre o Cantareira. Sero
necessrios editais e licitaes to suspeitas que nem os tribunais de Contas da
Unio, as promotorias, a Polcia Federal, a Ordem Nacional dos Advogados e a
Miriam Leito podero explicar.
Digamos que o Todo Poderoso, apesar do latim castio de dona Dilma, precise
de um atestado de mos limpas, poder apelar, em vernculo mesmo, para a
delao premiada.
Um jornalista estava em Jerusalm quando Jnio Quadros renunciou
presidncia. Sabendo que havia um brasileiro hospedado no King David, BenGurion mandou cham-lo e quis saber porque houvera a renncia de um
presidente moo, com apenas sete meses no poder. O jornalista disse que Jnio
estava com problemas e como era um homem imprevisvel, decidira deixar o
governo.
Ben-Gurion espantou-se: "Mas como tinha problemas? O Brasil tem tanta
gua!".
VLADIMIR SAFATLE

Presos polticos
Na semana passada, em artigo nesta prpria Folha, o colunista Gregorio
Duvivier lembrou com propriedade uma das mais aberrantes heranas da Copa
do Mundo de 2014: 23 ativistas processados por associao criminosa armada.
Alguns deles, como a professora de filosofia Camila Jourdan, impedidos de sair
do Estado do Rio de Janeiro mesmo para ministrar palestras. Outros, como
Rafael Braga, preso e condenado a cinco anos de priso at hoje por ser pobre,
analfabeto e participar de protestos portando uma periculosa garrafa de Pinho
Sol, alm de gua sanitria. de se esperar que mais pessoas falem contra tal
situao intolervel.

Poucos foram os momentos nos quais a mscara democrtica do Estado


brasileiro foi jogada no lixo de forma to tranquila. Colocando frente da
Polcia Militar oficiais, como o coronel Fbio de Souza, que exigiam de seus
subordinados "Padro Alemanha de 1930" no combate aos manifestantes,
declarando-se candidamente a favor da "instaurao do Reich" em mensagens,
o Estado brasileiro no viu problemas em montar inquritos nos quais um
cidado chamado Bakunin, quem sabe escondido em Santa Teresa, era acusado
de ser o mentor de quadrilhas prestes a acabar com a paz em nosso territrio.
Vinagre e garrafa de Nescau foram elevados a estatuto de armas cujo porte
justificava priso.
Depois das manifestaes de 2013, o Estado brasileiro colocou em operao sua
conhecida ttica de infiltrao entre manifestantes e incitao a fim de justificar
aes cada vez mais brutalizadas. Como estamos atualmente na era do vdeo
fcil, fomos brindados com cenas nas quais policiais infiltrados saiam de grupos
de manifestantes para, em meio ao conflito, ocupar seu lugar na tropa. Todos
viram, mas muito agiram como se no houvessem visto.
Esta aposta no aumento da violncia foi a nica resposta encontrada pelos
governos para as demandas e a revolta social que explodiu no pas h dois anos.
Infelizmente, ela parece ter dado certo. Mas como praxe, o Estado e sua polcia
parecem ter se animado e continuam a agir como se todos acreditassem em suas
histrias farsescas. Faz parte do modo brasileiro de governar esta capacidade
cnica de continuar a agir em nome da legalidade mesmo sabendo que os
primeiros a sarem da legalidade so os prprios representantes do poder.
O que estas pessoas fizeram foi, basicamente, protestar contra o absurdo que foi
o gasto com a Copa do Mundo e contra o desprezo para com o
descontentamento social em nosso pas. Trat-los como criminosos e
prototerroristas a nica resposta que o Estado brasileiro tem a dar.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A hiptese de culpa para o impeachment


luz de um raciocnio exclusivamente jurdico, h fundamentao
para o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff
Pediu-me o eminente colega Jos de Oliveira Costa um parecer sobre a
possibilidade de abertura de processo de impeachment presidencial por
improbidade administrativa, no decorrente de dolo, mas apenas de culpa. Por
culpa, em direito, so consideradas as figuras de omisso, impercia, negligncia
e imprudncia.
Contratado por ele --e no por nenhuma empreiteira-- elaborei parecer em que
analiso o artigo 85, inciso 5, da Constituio (impeachment por atos contra a
probidade na administrao).

Analisei tambm os artigos 37, pargrafo 6 (responsabilidade do Estado por


leso ao cidado e sociedade) e pargrafo 5 (imprescritibilidade das aes de
ressarcimento que o Estado tem contra o agente pblico que gerou a leso por
culpa --repito: imprudncia, negligncia, impercia e omisso-- ou dolo). a
nica hiptese em que no prescreve a responsabilidade do agente pblico pelo
dano causado.
Examinei, em seguida, o artigo 9, inciso 3, da Lei do Impeachment (n
1.079/50 com as modificaes da lei n 10.028/00) que determina: "So crimes
de responsabilidade contra a probidade de administrao: 3 - No tornar efetiva
a responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos
funcionais ou na prtica de atos contrrios Constituio".
A seguir, estudei os artigos 138, 139 e 142 da Lei das SAs, que impem,
principalmente no artigo 142, inciso 3, responsabilidade dos Conselhos de
Administrao na fiscalizao da gesto de seus diretores, com amplitude
absoluta deste poder.
Por fim, debrucei-me sobre o pargrafo 4, do artigo 37, da Constituio
Federal, que cuida da improbidade administrativa e sobre o artigo 11 da lei n
8.429/92, que declara: "Constitui ato de improbidade administrativa que atente
contra os princpios da administrao pblica ao ou omisso que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade s instituies".
Ao interpretar o conjunto dos dispositivos citados, entendo que a culpa
hiptese de improbidade administrativa, a que se refere o artigo 85, inciso 5,
da Lei Suprema dedicado ao impeachment.
Na sequncia do parecer, referi-me destruio da Petrobras, reduzida a sua
expresso nenhuma, nos anos de gesto da presidente Dilma Rousseff como
presidente do Conselho de Administrao e como presidente da Repblica, por
corrupo ou concusso, durante oito anos, com desfalque de bilhes de reais,
por dinheiro ilicitamente desviado e por operaes administrativas desastrosas,
que levaram ao seu balano no poder sequer ser auditado.
Como a prpria presidente da Repblica declarou que, se tivesse melhores
informaes, no teria aprovado o negcio de quase US$ 2 bilhes da refinaria
de Pasadena (nos Estados Unidos), evidncia, restou demonstrada ou
omisso, ou impercia ou imprudncia ou negligncia, ao avaliar o negcio.
E a insistncia, no seu primeiro e segundo mandatos, em manter a mesma
diretoria que levou destruio da Petrobras est a demonstrar que a
improbidade por culpa fica caracterizada, continuando de um mandato ao
outro.
luz desse raciocnio, exclusivamente jurdico, terminei o parecer afirmando
haver, independentemente das apuraes dos desvios que esto sendo
realizadas pela Polcia Federal e pelo Ministrio Pblico (hiptese de dolo),
fundamentao jurdica para o pedido de impeachment (hiptese de culpa).

No deixei, todavia, de esclarecer que o julgamento do impeachment pelo


Congresso mais poltico que jurdico, lembrando o caso do presidente
Fernando Collor, que afastado da Presidncia pelo Congresso, foi absolvido pela
suprema corte. Enviei meu parecer, com autorizao do contratante, a dois
eminentes professores, que o apoiaram (Modesto Carvalhosa, da USP, e Adilson
Dallari, da PUC-SP) em suas concluses.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 79, advogado, professor emrito da
Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exrcito e
da Escola Superior de Guerra
CONRADO HBNER MENDES

O dono da bola
Gilmar Mendes luta com as armas que tem e no gosta de perder.
Quando perde, solta o verbo, e o seu verbo calculado para
polemizar
O STF abriu nesta segunda-feira (2) o ano judicirio. O tribunal teve uma pauta
conturbada em 2014 e a de 2015 no ser diferente.
Na medida em que ganhou envergadura poltica na ltima dcada, muito se
discutiu sobre o papel que o Supremo Tribunal Federal conquistou, seu volume
ocenico de casos e a qualidade de suas decises.
Um aspecto, porm, ainda pede maior cuidado crtico: o modo como alguns de
seus ministros frequentam e manipulam, sem parcimnia, a mdia cotidiana. O
ano de 2014 foi exemplar nessa superexposio pblica e a conduta de um
ministro, em particular, serve como bom ponto de partida para essa reflexo
institucional.
Gilmar Mendes, como de costume, fez-se onipresente. O tiroteio retrico lhe
encanta e dele participa com artilharia pesada. Seu vocabulrio recheado de
clichs da hiprbole poltica. Jornalistas no mais o procuram por sua
clarividncia, mas, sim, por uma manchete.
Tanto faz se o assunto est para ser decidido pelo Supremo ou se nem chegou ao
tribunal. Sente-se autorizado a mandar recados pela imprensa. Entende, pelo
visto, que a Lei Orgnica da Magistratura a ele no se aplica. Princpios de
circunspeco judicial, que buscam promover no s a imparcialidade mas
tambm a imagem de imparcialidade, servem para os outros.
Por exemplo, quando provocado a opinar sobre a validade de uma constituinte
para a reforma poltica, ponderou: "No razovel isso, ficar flertando com uma
doutrina constitucional bolivariana". E concluiu com ironia: "Felizmente no
pediram que na Assembleia Constituinte se falasse espanhol".

Instado a falar sobre o decreto de participao social do governo Dilma, voltou


ao seu mais novo slogan de algibeira: "Tudo que vem desse eixo de inspirao
bolivariano no faz bem para a democracia".
Nesse ltimo processo eleitoral, como ministro do Tribunal Superior Eleitoral,
aps deciso que rejeitou candidatura de Jos Roberto Arruda com base na Lei
da Ficha Limpa, da qual opositor contumaz, afirmou, em ataque ao colegiado:
"Quem tem responsabilidade institucional, justifica. No faz de conta que hoje
estava votando assim e hoje eu estava votando assado. Isso brincadeira de
menino". E completou: "Quem faz jurisprudncia ad hoc tribunal nazista".
Gilmar Mendes luta com as armas que tem e no gosta de perder. Quando
perde, solta o verbo, e o seu verbo calculado para polemizar. Pouco importa
que afete a integridade do tribunal e de seus prprios colegas. A dvida,
matria-prima para um bom juiz, no o atormenta.
Como numa "brincadeira de menino", quer ser sempre o dono da bola. Uma
cultura constitucional governada por donos da bola, contudo, corri o projeto da
Constituio de 1988 e o delicado capital poltico do STF. Sobreviver a ministros
assim hoje um dos maiores desafios do tribunal.
O jornalismo que cobre o Judicirio se deixa seduzir muito fcil pelas palavras
do ministro. Poderamos deixar de ouvir o Gilmar Mendes miditico e passar a
ler o Gilmar Mendes juiz. Seus votos proporcionam descobertas mais
interessantes para o bom debate e a boa crtica. Ali esto as polmicas que
precisam ser captadas pelo radar pblico e pelo jornalismo diligente.
A poltica est na temperatura ideal para os "mancheteiros" de planto, veremos
quais sero as prximas de Gilmar Mendes. Ignoremos a superfcie e
conversemos sobre o que vale a pena conversar, pela dignidade do direito
constitucional.
CONRADO HBNER MENDES professor de direito constitucional da
Faculdade de Direito da USP

Papa far bate-papo com estudantes em projeto de melhoria de ensino


Francisco detalha na quinta (5) parceria de escolas e empresas como Google
para desenvolver aplicativos
Iniciativa Scholas Labs tenta atacar dificuldade de aprendizagem dos
estudantes com o uso de tecnologia
FBIO TAKAHASHIDE SO PAULO
O papa Francisco lana nesta semana projeto que visa a atacar um problema
que aflige pases no mundo todo: a dificuldade de aprendizagem dos estudantes.

A opo escolhida foi o uso de tecnologia por meio de parcerias entre empresas
do setor (como Google e IBM) com colgios membros de uma rede ligada ao
papa.
A ideia do projeto, chamado Scholas Labs (aluso s palavras "escolas" e
laboratrios"), permitir que alunos e professores desenvolvam aplicativos ou
ferramentas educacionais, com apoio dessas companhias.
Os detalhes sero apresentados nesta quinta (5), num bate-papo on-line do
papa com estudantes, incluindo um brasileiro. No ano passado, Francisco j
participara de uma conversa virtual na primeira fase da iniciativa.
A articulao feita pela Scholas, rede de colgios lanada pelo papa em 2013,
que rene hoje 400 mil escolas no mundo, segundo os organizadores (2.000 no
Brasil).
A rede foi criada para que colgios em diversos pases trocassem experincias,
tanto educacionais quanto de cultura. Alunos e professores conversam com
colegas em outros pases por meio de uma plataforma virtual.
Nessa segunda fase, haver desenvolvimento de novas ferramentas, por meio
das parcerias com as empresas, que ajudem no ensino.
A iniciativa conta com o apoio de figuras pblicas como os jogadores Messi, da
Argentina, e Buffon, da Itlia.
"Queremos usar a tecnologia como meio de integrao das pessoas. Colocamos
em contato colgios da China e da Argentina, por exemplo", disse Folha Jos
Maria del Corral, diretor do Scholas.
A maior parte da rede de colgios catlicos, mas ela aberta --h escolas
judaicas, islmicas ou sem inclinao religiosa, afirmou Corral.
O embrio da rede surgiu quando o papa ainda era arcebispo de Buenos Aires.
Junto com Corral, eles criaram programa em que alunos de diferentes escolas
discutiam problemas da comunidade.
O uso da tecnologia para melhorar a educao visto por educadores como
processo irreversvel. Mas estudos indicam que sua simples adoo no
assegura ganhos no ensino. Uma pesquisa que analisou conjunto de programas
de computador usado nos EUA para melhorar a leitura dos alunos mostrou que
os estudantes no tiveram melhora significativa.
CLVIS ROSSI

Capitalismo, o nosso e o deles

H um chocante contraste entre as prioridades de Obama e de


Dilma para os prximos anos
chocante o contraste entre as prioridades desenhadas para o futuro imediato
pelos governos de Barack Obama e de Dilma Rousseff.
Na teoria, um pas emergente como o Brasil deveria ter o desenvolvimentismo
como primeiro ponto de sua agenda. J a uma economia madura como a norteamericana bastaria, sempre em tese, apenas surfar nas guas da estabilidade.
No entanto, Barack Obama chega a anunciar, nas mensagens que acompanham
sua proposta oramentria para os dois anos finais de mandato, o que chama de
capitalismo do sculo 21.
Dilma Rousseff, ao contrrio, se v obrigada, pelos erros cometidos no primeiro
mandato, a adotar uma agenda do sculo 20, caracterizada pela prioridade ao
ajuste das contas pblicas. Ajuste necessrio, sem dvida, mas que fica a anosluz de qualquer possibilidade, por si s, de levar o pas a finalmente emergir no
sculo 21.
Mais contrastes: Obama afirma que criar empregos que paguem bons salrios
o melhor caminho para fazer crescer a economia e a classe mdia. A propsito: o
tal capitalismo do sculo 21 seria o capitalismo para a classe mdia.
No Brasil, ao contrrio, os empregos que brotam so, principalmente, os de
baixos salrios. E a classe mdia, a que cresceu nos anos Lula e a que sempre
existiu, quem paga o custo maior do ajuste (ricos, bom deixar claro, quase
sempre escapam dos ajustes).
Nos EUA, Obama est propondo um imposto, a ser cobrado uma nica vez,
sobre os ganhos das multinacionais norte-americanas no exterior, alm de
aumentar de 23,8% para 28% a taxao mxima sobre capital e dividendos.
O dinheiro ser empregado na melhoria da infraestrutura, uma espcie de PAC
gringo, com investimentos de US$ 478 bilhes (R$ 1,3 trilho). Por mais que a
infraestrutura norte-americana tenha se deteriorado, superior brasileira,
para cujo conserto, no entanto, no se v dinheiro novo. Nem velho, alis, ainda
mais agora que a Petrobras, grande investidora no passado, anuncia que est
encolhendo.
Enquanto o Brasil se concentra na austeridade mesmo em uma economia em
desacelerao (ou coisa pior), Obama anuncia que, "para competir na economia
do sculo 21 e para fazer da Amrica um m para criao de emprego e
oportunidade, necessitamos investir na inovao, fortalecer nossa base
manufatureira [a do Brasil encolhe], manter nossa nao na ponta do avano
tecnolgico, e lder no desenvolvimento de alternativas energticas limpas e na
promoo de eficincia energtica" (no Brasil, o que se comenta o risco de
racionamento --e no s de energia).

Pode ser tudo parolagem, como diria Elio Gaspari, mas, parolagem por
parolagem, mais sedutora a de Obama, no? Ao menos pe esperana de
melhores dias no horizonte. Como se fosse pouco, Obama mostra uma ponta de
simpatia pelo novo governo grego e sua rejeio austeridade. "Em algum
momento, necessria uma estratgia de crescimento para poder pagar suas
dvidas", disse o presidente CNN.
essa estratgia que faltou na Grcia e falta no Brasil.

Livraria em So Paulo 'esconde' edio do jornal 'Charlie Hebdo'


Semanrio ter pausa para luto; segundo jornalista, prximo nmero sair no
dia 25
LUCAS FERRAZDE SO PAULO
A histrica edio do jornal satrico francs "Charlie Hebdo", a primeira aps o
atentado terrorista em sua redao no ms passado, est disponvel na Livraria
Cultura do Conjunto Nacional, em So Paulo, mas vendida como uma
publicao maldita: o jornal fica escondido e no pode ser folheado pelo cliente
nem na fila do caixa.
No sbado (31), o "Charlie Hebdo" no estava exibido em nenhuma estante da
livraria. Para os interessados, um vendedor tirava o exemplar de uma gaveta da
revistaria da loja e dizia que o cliente deveria retir-lo no caixa, aps o
pagamento.
A explicao do vendedor foi genrica: o jornal estava sendo vendido daquela
forma para evitar "problemas", sem especificar quais. Segundo ele, o dono da
livraria, judeu, no queria comercializar o "Charlie Hebdo", mas teria sido
convencido pelo departamento comercial.
A edio comeou a ser vendida no Brasil (por R$ 29,90) na ltima semana.
O empresrio Pedro Herz, dono da Cultura, uma das principais redes de
livrarias do pas, afirmou Folha que o jornal est sendo vendido dessa
maneira por segurana, no por ideologia.
"O jornal parece um tabloide de distribuio gratuita, mas no gratuito, por
isso o cuidado. Aqui um pas de ladres, o sujeito entra com m inteno e
leva. Ou quer sentar num pufe e ler o jornal, sem compr-lo. No temos posio
poltica, vendemos contedo", disse Herz.
Alm de satirizar Maom, profeta do isl, o "Charlie Hebdo" j se envolveu em
polmicas por crticas religiosas contra catlicos e judeus.
Anne Hommel, porta-voz do "Charlie Hebdo", disse que a publicao precisa de
tempo para lidar com "o luto, o cansao e a superexposio".

O jornalista Laurent Lger, que estava na sala quando os terroristas entraram


atirando, informou em seu Twitter que a prxima edio sair no dia 25 deste
ms.
A primeira edio do "Charlie Hebdo" aps o atentado (ocorrido no dia 7 de
janeiro) saiu no ltimo dia 14, com uma tiragem de cerca de 7 milhes de
exemplares. Antes, a mdia da publicao era de 60 mil exemplares.

Promotor espanhol apresenta nova denncia no caso Neymar


INVESTIGAO
Barcelona e dois cartolas teriam deixado de pagar R$ 37 milhes em impostos
DE SO PAULO
O promotor Jos Perals, do Ministrio Pblico da Espanha, denunciou nesta
segunda-feira (2) uma suposta fraude milionria na contratao de Neymar pelo
Barcelona.
Ele pediu o indiciamento do atual presidente do clube, Josep Maria Bartomeu,
sob a acusao de crimes financeiros. No total, sua gesto teria deixado de pagar
ao fisco espanhol 2,8 milhes (R$ 8,5 milhes) em impostos devidos pelo
Barcelona.
Perals tambm pediu a abertura de aes contra o clube e contra o ex-presidente
Sandro Rosell, por supostos delitos fiscais e societrios.
Os pedidos de Perals esto fundamentados em relatrio da Agncia Tributria
do pas, que revela que a transferncia de Neymar custou ao Barcelona
aproximadamente 83 milhes (R$ 253 milhes).
O clube teria deixado de pagar cerca de 12 milhes (R$ 37 milhes) em
impostos, o que elevaria o valor da transferncia para cerca de 95 milhes (R$
290 milhes).
Trata-se de valor superior aos 57,1 milhes (R$ 174 milhes) que o clube
indicou ter gastado. As investigaes em torno dos valores no declarados
levaram renncia de Rosell em janeiro de 2014 (confira ao lado os captulos
anteriores do caso).
H um ano, o clube anunciou que o valor investido era de 86,2 milhes (R$
263 milhes), incluindo impostos, ainda abaixo do que agora calculado pelo
promotor.
OS PRESIDENTES
Sob o comando de Bartomeu, o clube teria deixado de pagar 2,6 milhes (R$
7,9 milhes) em impostos referentes transferncia de Neymar. Alm disso, o

Barcelona tambm no teria pago cerca de 250 mil (R$ 763 mil) em impostos
relativos aos direitos de imagem do atacante.
Com a inteno de agilizar os processos contra o Barcelona e Rosell, Perals pede
que seja aberto um processo parte para Bartomeu.
Segundo Perals, Rosell teria ocultado os custos da transferncia em 2013,
mantendo o valor de 57,1 milhes na prestao de contas aprovada em
assembleia geral do clube, mesmo diante de questionamentos de associados.
Para o promotor, Rosell quis se assegurar da transferncia do jogador
aumentando os valores, mas deixou de informar esse incremento ao fisco de
modo que as contas do clube no fossem afetadas.
"Para realizar esse plano e com a inteno de ocultar o custo real do jogador,
Rosell fragmentou o pagamento em diversas parcelas, formalizando uma srie
de contratos com o Santos e com Neymar", disse o promotor.
As negociaes teriam envolvido trs empresas de propriedade do pai de
Neymar.
"A finalidade dessas empresas era fragmentar o valor real do jogador. Elas
operavam unicamente como intermedirias nos pagamentos feitos pelo clube",
afirmou.
At a concluso desta edio, o Barcelona no havia se pronunciado sobre o
caso.

Morre Dalmo, 82, heri do 2 ttulo mundial do Santos


MEMRIA
Ex-lateral marcou de pnalti gol da vitria sobre o Milan em 1963
RAFAEL VALENTEDE SO PAULO
Dalmo Gaspar, 82, lateral esquerdo que fez o gol que deu ao Santos o ttulo do
bicampeonato mundial em 1963, morreu nesta segunda (2), em Jundia, em
decorrncia de infeco sangunea.
Ele estava internado em Jundia desde o incio do ano e teve uma piora na
ltima semana. O enterro ser nesta tera-feira (3), s 10h, no Cemitrio Nossa
Senhora do Desterro, em Jundia.
A sade do ex-jogador j estava debilitada. Em maro de 2014, foi diagnosticado
com mal de Alzheimer. Desde ento tinha acompanhamento de uma cuidadora.
Dalmo morava com a mulher, em Jundia. Deixou dois filhos e trs netos.

AUTOR DA PARADINHA
Natural de Jundia, Dalmo jogou por Paulista e Guarani. Chegou ao Santos em
1957, onde viveu sua melhor fase. Fez parte da gerao de ouro, com Gylmar,
Lima, Mauro, Calvet, Zito, Dorval, Menglvio, Coutinho, Pel e Pepe.
Deixou o Santos em 1964 com cinco Paulistas, um Torneio Rio-So Paulo, duas
Taas Brasil, duas Libertadores e dois Mundiais de Clubes.
Diante do Milan, em 1963, marcou de pnalti o gol da vitria por 1 a 0, no
Maracan, no terceiro e decisivo jogo da final do Mundial de Clubes.
"Aquele foi o maior feito da minha vida", disse Dalmo Folha, em novembro de
2013, ao reencontrar os vencedores do Mundial-63, no aniversrio de 50 anos
do ttulo.
A cobrana foi com "paradinha", semelhante ao milsimo gol de Pel, em 1969.
Os amigos de Santos, inclusive, dizem que Dalmo quem criou essa forma de
bater.
"Nos treinos, ele sempre batia com 'paradinha'. Como os cobradores oficiais
eram Pel e eu, poucos sabem disso. O Pel observava o jeito do Dalmo e passou
a usar a 'paradinha'. A ela ficou famosa. Esse foi um legado que o Dalmo
deixou", disse Pepe.

Fabio Santos busca exorcizar dois 'fantasmas' na Libertadores


CORINTHIANS
Lateral confessa traumas da 1 fase e do Once Caldas
ALEX SABINODE SO PAULO
O lateral Fabio Santos no tem boas lembranas do Once Caldas e da primeira
fase da Libertadores.
Nesta quarta (4), s 22h, no Itaquero, o atleta entra em campo pelo
Corinthians contra o mesmo adversrio colombiano e na etapa inicial do torneio
sul-americano.
"Eu voltei da Colmbia pensando que nunca mais ia vestir a camisa do
Corinthians", disse Fabio.
Em 2011, ele foi titular em Ibagu, quando o clube brasileiro foi surpreendido,
perdeu por 2 a 0 para o Tolima e acabou eliminado da competio. Foi a ltima
partida oficial da carreira de Ronaldo.
Fabio Santos substituiu Roberto Carlos, que no atuou mais pela equipe.

Sete anos antes, uma derrota contra o Once Caldas praticamente selou a sada
do jovem jogador, ento com 19 anos, do So Paulo.
Ele falhou no gol da vitria do rival, no ltimo minuto da semifinal, em
Manizales.
"So coisas que acontecem no futebol. Eu era muito jovem e no tenho muitas
lembranas da partida em si", desconversa o jogador.
No Corinthians, depois da eliminao em Ibagu, Fabio Santos fez parte de uma
sequncia de ttulos que o colocam como um dos laterais esquerdos mais
importantes da histria do clube.
Nos ltimos quatro anos, conquistou o Mundial de Clubes (2012), a
Libertadores (2012), o Campeonato Brasileiro (2011), a Recopa (2013) e o
Paulista (2013).
"Fica um trauma. A derrota [para o Tolima] foi complicada. Foi uma noite ruim
para mim e para o Corinthians", assegura, esperando que no se repita em 2015.
A decepo da diretoria e da comisso tcnica com Roberto Carlos e a proposta
do futebol russo fizeram com que o ex-lateral da seleo brasileira deixasse o
Parque So Jorge em 2011. Desde ento, Fabio virou titular e no largou mais
essa condio.
Se exorcizar os "fantasmas" do Once Caldas e da primeira fase da Libertadores o
ala deve manter a posio.
"Talvez a gente no tenha se preparado como deveria [em 2011]. Com certeza,
isso no vai se repetir agora", garantiu.

Once Caldas chega e treina no Palmeiras


DE SO PAULO
O elenco do Once Caldas (COL) desembarcou no Brasil na manh desta segunda
(2) empurrando o favoritismo para o Corinthians, adversrio desta quarta (4),
pela primeira fase da Libertadores.
"Logicamente, o Corinthians o favorito. um time grande, que tem sua
histria, uma das principais equipes do Brasil. Mas futebol no o nome. no
campo que as coisas acontecem", disse o tcnico Jose Flabio Torres.
A delegao treinou tarde na Academia de Futebol do Palmeiras.
Os times disputam uma vaga no Grupo 2, que tem Danubio (URU), San Lorenzo
(ARG) e So Paulo.

A equipe colombiana far o reconhecimento do gramado do Itaquero nesta


tera (3), s 20h. A preocupao do treinador como parar Paolo Guerrero.
"Ele se tornou um jogador de muito perigo. Tem boa tcnica, bom cabeceio. E
Renato Augusto tambm est em um bom momento", disse.

Livro descortina mulheres oprimidas por narcotrfico


Jennifer Clement mistura fato e fico ao retratar cultura de drogas no Mxico
Nascida nos EUA e criada no pas vizinho, autora foi regio onde
ocorreu o massacre dos 43 estudantes, em 2014
SYLVIA COLOMBODE SO PAULO
Naquela pequena cidade, no interior do Estado de Guerrero (Mxico), existe um
salo de beleza chamado "A Iluso". Sua dona, Ruth, havia sonhado criar um
lugar de onde as mulheres sassem maquiadas e bem arrumadas.
Hoje, porm, resigna-se apenas a desajeitar os cabelos e estragar as unhas das
meninas locais. "Este no um salo de beleza, um salo de feiura", conclui.
Naquela regio, por medo de terem as filhas sequestradas e escravizadas por
narcotraficantes, as mes mancham os dentes das filhas com canetas "Pilot",
cortam seus cabelos como se elas fossem rapazinhos, e as escondem em casa ou
as metem em buracos enquanto saem para trabalhar.
"Talvez eu tenha tambm que quebrar seus dentes", vive repetindo a me de
Ladydi, a garota protagonista de "Reze pelas Mulheres Roubadas" (Rocco), da
escritora americana-mexicana Jennifer Clement.
Lanada agora no Brasil, a obra mistura jornalismo e fico para contar como as
mulheres do interior mexicano vivem a guerra contra o narcotrfico --conflito
entre Exrcito e cartis da droga que j deixou mais de 60 mil mortos e 30 mil
desaparecidos no Mxico desde 2006.
O Estado de Guerrero, um dos mais pobres do pas, tambm onde vm
estalando os mais sangrentos massacres, como a morte de 43 estudantes, em
setembro ltimo, numa ao conjunta entre autoridades locais, polcia e os
cartis.
ALERTA
"Eu me sinto um pouco profeta, porque para escrever este livro estive muito
tempo em contato com as pessoas e a situao em Guerrero, e via que algo grave
poderia acontecer logo. Sua publicao, em 2012, foi tambm um chamado de
alerta", conta Clement, 54, em entrevista Folha, por telefone.

Nascida nos EUA, a escritora cresceu no Mxico, estudou literatura em Paris, e


ganhou projeo com a obra "Widow Basquiat" (viva Basquiat), que reconstri
a trajetria do artista plstico Jean-Michel Basquiat (1960-88) por meio da
histria de sua parceira, Suzanne Mallouk, e da Nova York dos anos 80.
"Gosto de misturar investigao com poesia. No caso de 'Reze pelas Mulheres
Roubadas', queria retratar as mulheres no contexto da cultura das drogas, mas
chamando a ateno para a beleza que h nos detalhes do seu dia a dia", explica.
Ladydi, assim batizada em homenagem princesa britnica morta tragicamente
em Paris em 1997, convive com o medo de ser sequestrada e uma espcie de
encanto mrbido no qual vivem as poucas meninas que foram amantes de
narcotraficantes, mas conseguiram voltar a seus lares depois.
A me de Ladydi uma espcie de rsula Iguarn, a matriarca da linhagem dos
Buenda, no romance "Cem Anos de Solido", de Gabriel Garca Mrquez (19272014). Possui fora para levar a famlia adiante depois que o marido desaparece,
mas extremamente mstica e intuitiva.
As personagens do livro de Clement vivem a pouca distncia de Acapulco,
balnerio onde endinheirados mexicanos passam frias. A me de Ladydi
trabalha limpando a casa de veraneio de uma famlia. Por l, tambm, passa
Ladydi at que sua sorte muda e ela vai parar atrs das grades, na Cidade do
Mxico.
HOMENAGEM
"Queria que o livro fosse amoroso, por isso a narrativa feita por meio da
adolescente, suas fantasias e iluses. Ao mesmo tempo, tinha de refletir a dureza
dos relatos que ouvi, de ex-mulheres de traficantes e meninas que vivem ali.
Antes de tudo, tambm uma homenagem aos jornalistas que esto morrendo
no Mxico", conclui a autora.
Desde 2010, 25 jornalistas perderam a vida cobrindo assuntos relacionados ao
narcotrfico. Nenhum responsvel pelas mortes, at agora, foi condenado.
"Est cada vez mais difcil fazer jornalismo no pas", diz Clement, que conseguiu
realizar sua pesquisa por meio de uma bolsa de uma instituio norteamericana.
"O caso dos 43 estudantes mortos de Ayotzinapa pode mudar algo, porque fez
com que todos sentssemos vergonha do nvel de gravidade a que chegou a
situao. um comeo para mudar algo."
JOO PEREIRA COUTINHO

O triunfo dos porcos

Razo tinha George Orwell, quando dizia que a tirania dos homens
comea com a tirania das palavras
1. Todos os domingos, presto homenagem ao mundo lusfono. Como? Fazendo
um churrasco aqui na Inglaterra, embora os meus vizinhos talvez no apreciem
o gesto. Por causa do cheiro?
No. Por causa das carnes. Os meus vizinhos so a Oxford University Press, que
pelo visto tem problemas com "porcos", "salsichas" e outros produtos
associados.
Em recomendao editorial aos seus autores, e sobretudo aos escritores de
histrias infantis, a vetusta Oxford University Press aconselha que tais palavras
sejam evitadas para no ofenderem muulmanos e, v l, judeus. Segundo a
empresa, os livros so vendidos em mais de 200 pases. preciso ter
"sensibilidade" para respeitar a "sensibilidade" de culturas diferentes.
Eu, por mim, concordo e prometo moderar as minhas gulas sunas. S no
entendo por que motivo a editora se limita ao inocente porco. Em nome de uma
agenda verdadeiramente multiculturalista, o pessoal da Oxford University Press
deveria apagar dos seus livros tudo aquilo que ofende algum, algures, em
qualquer religio ou sociedade.
Porcos, sim. Mas tambm o uso abusivo de vacas (sagradas na ndia); marisco
(que os judeus mais rigorosos condenam); e vrias classes de peixes (que muitas
tribos africanas no consomem).
Depois dos bichos, a empresa poderia avanar com iguais limpezas na sua
literatura (apagando personagens homossexuais; cenas de sexo fora do
casamento; casos de aborto ou eutansia); nos seus livros cientficos (Darwin
seria o primeiro a ser jogado no lixo); e at nos manuais mdicos (todos
sabemos que a menstruao pode provocar exploses em Cabul ou Riad).
No final dessa purga, no sei quantos livros a Oxford University Press teria para
vender. Mas, como dizem os eruditos, quantidade nunca foi qualidade.
2. Em Paris, dois homens encapuzados fizeram 12 mortos no ataque ao jornal
"Charlie Hebdo". No fim, gritaram palavras heroicas em nome do profeta.
Confrontados com esse episdio, qual a melhor palavra para descrever os dois
autores do massacre?
Se o leitor pensou na palavra "terroristas", a BBC discorda: em entrevista ao
jornal "The Independent", um dos diretores da casa afirmou que a palavra um
pouco "pesada" e que basta dizer "dois homens armados" para arrumar o
assunto. Sem nenhuma carga pejorativa.
O sr. Tarik Kafala tem toda a razo. E o que vlido para Paris vlido para a
Nigria, onde o pessoal do Boko Haram continua a degolar "infiis" com uma
impressionante eficcia. Se uma pessoa comea a chamar "terrorista" a algum

s porque ele gosta de degolar "infiis" em nome da sharia, eu pergunto com


tristeza onde este mundo vai parar.
3. O ator Benedict Cumberbatch, que assina um papel estimvel como o
matemtico Alan Turing em "O Jogo da Imitao", concedeu uma entrevista
radiofnica onde lamentava a ausncia de "coloured actors" ["atores de cor"] na
indstria cinematogrfica.
Desastre: no dia seguinte, os jornais vergastaram Cumberbatch pelo uso da
expresso e ele, desolado, pediu desculpas pelo sucedido.
Fez muito bem: de que vale defender as minorias quando tudo que importa a
correo das palavras?
Claro que, aqui entre ns, eu honestamente no sei que palavra teria sido mais
apropriada para defender atores, digamos, que tm a pele, digamos, com um
tom ligeiramente mais, digamos, inclinado para a direita na paleta cromtica.
"Negros" seria imperdovel. "Pretos" seria um suicdio. "Pessoas de cor" seria
erro semelhante --e, alm disso, um pouco circense. "Afro-americanos" poderia
deixar de fora os "afro-ingleses"--ou ento partir do pressuposto, ofensivo e
colonialista, que todos eles vieram da frica.
A verdade que, no meio da discusso, no encontrei uma nica proposta capaz
de garantir terreno livre. O que permite concluir que o melhor no falar da
discriminao que existe contra atores, digamos, voc sabe. Esse silncio, em
rigoroso respeito pela etiqueta politicamente correta, ser muito til na luta pela
igualdade de atores, digamos, enfim, desisto.
Razo tinha George Orwell, quando dizia que a tirania dos homens comea com
a tirania das palavras. Sim, Orwell, aquele escritor que imaginou o mundo em
que vivemos: um mundo dominado por porcos, por mais que isso custe Oxford
University Press.

Sndrome de WhatsApp
03/02/2015 02h49
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Mais opes
Hoje apelei para uma profissional de enorme competncia, a Lili. Comecei de
novo um tratamento de fisioterapia. Em dezembro, a mdica j tinha me
receitado tambm uma injeo de anti-inflamatrio, alm de bolsas de gua
quente e exerccios. Mas os exerccios s comecei agora, porque piorei.

Estou com vrias tendinites de novo, alm de dor nas costas. No vou pr a
culpa no excesso de trabalho nem em ningum. O problema sou eu mesma.
Passei as frias lendo os trs grossos volumes da biografia do Getlio, escrita
pelo Lira Neto (Companhia das Letras). tima, alis. S que li metade na cama e
a outra metade na esteira de praia. Deitada.
O resto do tempo, quando no estava dormindo, cozinhando ou lavando loua,
passei lendo notcias no iPad, checando o Instagram e trocando mensagens por
SMS, WhatsApp e e-mail, entre outras atividades no celular. Algum pode
imaginar a posio do meu pescoo?
A Lili me contou que hoje mesmo atendeu um rapaz de 18 anos com uma baita
hrnia de disco no pescoo. O rapaz alto, mas o agravante, segundo ela, o
tempo que ele passa checando o WhatsApp. Sndrome de WhatsApp, me disse
com a maior naturalidade.
Escrevo WhatsApp e na imaginao ouo vozes pronunciando What's Up! Mas
melhor seria dizer Whats Down! Para baixo! para o celular que a gente dobra
o pescoo. com o celular que a gente tambm tensiona o indicador, ou o
polegar, ou ambos: para digitar. A propsito, tambm estou com tendinite na
mo direita.
Voltei ao trabalho e passo o dia inteiro em frente a um computador enorme,
lindssimo. Pescoo projetado para a frente do corpo, esse um dos meus vcios
posturais. Outro problema que a mega tela do computador, descobri hoje,
mais de dois anos depois de compr-lo, que grande demais para mim. Eu,
que sou pequena, tenho de levantar a cabea para enxerg-la direito, e com isso
tensiono o pescoo.
A alternativa seria levantar a altura da cadeira, mas a os meus ps no
alcanariam o cho e detesto aqueles apoios de p. Sinto que fico engessada.
Quem acredita que um mobilirio "padro" serve para quem pequeno ou para
quem grande? Quantos sero os "normais"?
Outra alternativa para o meu caso, pensei agora, seria abaixar a altura da mesa,
mas a eu no poderia dividi-la com outras pessoas, como fao hoje.
O custo de passamos mais tempo conectados no s de eletricidade, telefonia,
troca de equipamentos com obsolescncia programada, atualizaes de
softwares etc. O custo de sade fsica.
Mas tem trs coisas que eu adoro no WhatsApp. 1) Funciona. At em
circunstncias em que o SMS no funciona (no me pergunte por que o SMS

anda to ruim); 2) Ele no tem publicidade! Que delcia no ser interrompida


por mensagens que no estou interessada em receber 3) uma forma de
comunicao mais barata que SMS e telefonia.
Mas sou do tipo que entende o WhatsApp como instrumento de comunicao
um a um. No gosto de receber no WhatsApp mensagens que no foram escritas
especificamente para mim.
Minha filha diferente. Acho que meu assistente tambm, porque os dois vivem
com o celular sem som, mas sempre tremendo em cima da mesa por conta do
grande nmero de mensagens que recebem. No gosto disso porque me
interrompe o fluxo do raciocnio, da memria, do trabalho. Distrai. Tira a
concentrao e a produtividade. chato, viu?

FOLHA 04-02-2015
HLIO SCHWARTSMAN

Nada vai dar certo


SO PAULO - Como vem ocorrendo nos ltimos anos, o Conselho Regional de
Medicina de So Paulo (Cremesp) divulga a taxa de reprovaes no exame de
final de curso a que submete os futuros mdicos e todo o mundo se escandaliza.
Neste ano, 55% dos candidatos acertaram menos de 60% das respostas,
resultado que est em linha com os das duas edies anteriores.
O quadro realmente desalentador, mas cabe uma observao. Por uma questo
legal, a prova sofre de um defeito insanvel: o recm-formado obrigado a
comparecer no dia do teste e entreg-lo, mas tanto faz tirar zero ou dez. Ele
recebe o diploma de qualquer jeito e a nota secreta. lcito supor, portanto,
com base no que sabemos sobre a natureza humana, que, se estivssemos diante
de um exame para valer, os resultados seriam um pouco melhores.
Para mudar essa situao esdrxula, o Congresso teria de aprovar uma lei que
tornasse a aprovao no exame precondio para o exerccio da medicina. Sem
isso, a prova mera formalidade burocrtica, que o Cremesp usa para pr em
evidncia o problema da formao mdica.
E por que a prova no se torna obrigatria, como j ocorre no caso dos
advogados? A questo complexa e existem vrios elementos. Destaco o mais
bvio. Governantes das esferas federal, estadual e municipal precisam
desesperadamente de mdicos. Nessas condies, no faria muito sentido
instituir um filtro que barre algum que j fez seis anos de curso e est a um
passo de poder, seno exercer boa medicina, ao menos ajudar a resolver as
escalas abertas dos postos de sade e hospitais.
Ao contrrio, com as medidas adotadas pelo Planalto para formar mais mdicos,
sero aceitos nos cursos alunos menos preparados que a mdia atual, que se
convertero em profissionais tambm menos preparados. O problema, no
fundo, que nosso ensino bsico ruim. Se no acertarmos isso, nada vai dar
certo.
RUY CASTRO

Terror no Carnaval
RIO DE JANEIRO - Algum ligado ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerver,
ora domiciliado na Polcia Federal de Curitiba devido Operao Lava Jato,
ameaou processar quem o usasse como modelo de mscara de Carnaval. Os

principais fabricantes do gnero, que j tinham comeado a produo do


adereo, logo pararam as mquinas. Foi pena. Tratando-se de Cerver, a venda
de suas mscaras a milhares de folies serviria para, finalmente, movimentar
algum dinheiro acima de qualquer suspeita.
Pena tambm para Cerver. Ele s teria a ganhar se as centenas de blocos do
Carnaval carioca sassem s ruas ostentando a sua cara. Primeiro, porque, ao
vulgariz-la, desapareceria a relativa sensao de estranheza que ela provoca.
Segundo, porque, misturando-se ao clima de msica, alegria e cerveja, a
mscara poderia emprestar alguma simpatia a um elemento que o pas detesta e
quer ver na cadeia.
No passado, vrios polticos se beneficiaram de sua imagem em mscaras de
Carnaval. Um deles foi PC Farias, tesoureiro de Fernando Collor e, ento,
foragido do pas. Enquanto a Interpol vasculhava o mundo sua procura, uma
multido de PCs, muitos de calo e chinelo, abundava nas ruas do Rio. Era
engraado. Outra que lucrou ao ser adotada pelas massas foi a impaciente,
impulsiva e inclemente candidata presidncia em 2010, Dilma Rousseff. Pelo
menos por algum tempo, as mscaras pareceram atenuar o seu permanente
jeito de maus fgados.
No mnimo, bom saber que j no dependemos de filmes como "Sexta-Feira
13", "Pnico" ou "A Hora do Pesadelo" --quase infantis diante de Lula, Sarney,
Z Dirceu-- para instaurar o terror na folia. No tem Cerver? A indstria vai de
Graa Foster.
Mas, como este o Brasil, o que no tem faltado por aqui so mscaras e at
culos de Cerver. E, bem de acordo, todos piratas.
PETROLO

Advogado de FHC solicitou parecer sobre impeachment


Pea diz haver razes para pedir afastamento de Dilma por desvios em estatal
Ex-presidente diz que s soube do documento pelo jornal e que
impeachment 'no matria poltica'
MARIO CESAR CARVALHODE SO PAULO
O parecer jurdico que diz haver fundamentos para o pedido de impeachment da
presidente Dilma Rousseff (PT) por causa dos escndalos na Petrobras foi
encomendado por um advogado que trabalha para o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) e integra o conselho do Instituto FHC.
O documento, escrito pelo advogado Ives Gandra da Silva Martins, foi solicitado
por Jos de Oliveira Costa. O prprio Costa confirmou Folha que trabalha
para FHC: "Sou advogado dele".

Ele nega, no entanto, que o ex-presidente soubesse do parecer. Refuta tambm


que o documento tenha carter poltico: "No tenho ligao nenhuma com o
PSDB. Nem sei onde fica o diretrio."
Martins nega que a pea tenha pretenses polticas: "Meu parecer
absolutamente tcnico. Para mim, indiferente se o cliente o Fernando
Henrique Cardoso ou uma empreiteira".
O parecerista diz que cobrou pela pea, mas no revela o valor. Advogados
ouvidos pela Folha dizem que uma pea dessas assinada por Martins pode
custar de R$ 100 mil a R$ 150 mil.
Questionado pela reportagem, FHC disse em nota que soube nesta tera (3)
pela Folha que Costa encomendara o parecer --Martins citou o nome do
advogado em artigo publicado nesta tera no jornal. Para o ex-presidente, "neste
momento", o impeachment "no uma matria de interesse poltico".
AT O FIM
Em artigo publicado neste domingo (1), FHC incita juzes, procuradores e a
mdia a ir at as ltimas consequncias na apurao dos desvios da Petrobras:
"Que tenham a ousadia de chegar at aos mais altos hierarcas, desde que
efetivamente culpados".
O parecer de Martins conclui que h elementos para que seja aberto o processo
de impeachment contra Dilma por improbidade administrativa "no decorrente
de dolo [inteno], mas de culpa".
Culpa, em direito, detalha Martins, so as figuras da "omisso, impercia,
negligncia e imprudncia".
Segundo ele, Dilma tem culpa nesse campo porque ocupava a presidncia do
conselho da Petrobras em 2006 quando foi comprada a refinaria de Pasadena,
nos EUA, por um valor que chegaria a US$ 1,18 bilho dois anos depois. No ano
passado, a presidente disse que no aprovaria a compra se tivesse melhores
informaes sobre a refinaria.
A compra resultou num prejuzo de US$ 792 milhes, de acordo com o TCU
(Tribunal de Contas da Unio).
A presidente, para o parecerista, manteve uma diretoria na estatal "que levou
destruio da Petrobras".
O advogado de FHC diz que encomendou o parecer a partir de uma dvida que
surgiu numa reunio: "Juridicamente possvel iniciar um processo de
impeachment por responsabilidade civil, ou seja, por culpa?" Segundo ele, a
pea seria usada se algum cliente tivesse interesse por essa mesma dvida.
EMPREITEIRA

Costa nega que haja alguma empreiteira investigada na Operao Lava Jato por
trs do pedido.
A legislao prev que tanto as empreiteiras quanto os seus diretores sejam
condenados se a Justia concluir que houve fraude em licitaes da Petrobras e
que as empresas agiam como um cartel.
ELIO GASPARI

O Janeiro Negro do Planalto


Se algum planejasse, no armaria tantas trapalhadas para que
tantas coisas dessem errado em to pouco tempo
A eleio do deputado Eduardo Cunha para a presidncia da Cmara foi apenas
um detalhe na trajetria de um governo que parece ter feito uma opo
preferencial pela trapalhada. Vale a pena atrasar o relgio.
A doutora Dilma ainda estava de frias e, em seu nome, saiu do Planalto a bala
perdida que acertou a testa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.
Levou-o a um recuo pblico desnecessrio, apenas humilhante, por causa de um
comentrio genrico sobre o salrio mnimo. Pouco depois, veio outra bala
perdida, desta vez na direo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por ter
dito que os critrios do seguro-desemprego estavam ultrapassados, coisa j
anunciada pelo seu antecessor. Isso num governo que pretende carregar a
bandeira de uma "Ptria Educadora" e cortou verbas do Ministrio da Educao.
Deu-se um apago no sistema eltrico, e o ministro de Minas e Energia
prontamente informou que foi um acidente. A rea tcnica do governo
desmentiu-o no ato.
Nenhuma dessas coisas precisava ter acontecido. "Ptria Educadora" conversa
fiada. O Planalto no precisa atirar nos seus prprios ministros. O doutor das
Minas e Energia no precisava dizer o que disse. Finalmente, se Eduardo Cunha
tinha uma "ascendncia irreversvel" na Casa, a doutora deveria ter percebido
que iria para frigideira com o petista Arlindo Chinaglia. Quem seria prefervel
para presidir a Casa: um petista, ou qualquer um? Conseguiu-se o milagre de
dar contedo oposicionista ao doutor Cunha. Se a desarticulao poltica do
Planalto e do PT tornavam a derrota inevitvel, o ronco de poder emitido pelo
comissariado nas ltimas semanas foi apenas uma opo preferencial pela
trapalhada. Um miado de leo, rugido de gato.
Essas foram iniciativas equivalentes do sujeito que resolve atravessar a rua
para escorregar na casca de banana da outra calada. Verdadeira mgica,
porque do outro lado da rua havia s a banana de Cunha. Na calada em que
anda o Planalto h cachos. O ano de 2014 fechou com o maior deficit das
ltimas dcadas, desmentindo 12 meses de sucessivas lorotas. A Petrobras teve
seu crdito rebaixado e suas aes valem menos que dois cocos em Ipanema.

Isso e mais a certeza de que a Operao Lava Jato vai desentranhar as contas do
PT. (A regulamentao da Lei Anticorrupo est engavetada h um ano.)
O governo resolveu inflar seus desastres porque, na batalha da comunicao,
egocentrismo e megalomania abafam a rotina. Mesmo assim, nem tudo so
espinhos. Esse mesmo governo mandou passear o lobby das concessionrias de
energia que pretendia espetar na Viva uma conta de R$ 2,5 bilhes. Mandou
passear tambm os clubes de futebol com suas dvidas de pelo menos R$ 1,5
bilho. Muito justamente reduziu o crdito estudantil para jovens com
desempenho pouco acima do medocre no Enem. Contrariou os bares das
escolas privadas, mas conteve a privatizao de seus recursos. Essa batalha
ainda no terminou, como ainda no entrou em cena a das operadoras de sade,
comeada nos dias das festas de fim de ano.
Resta doutora Dilma um consolo. Na oposio, a nica novidade que Acio
Neves deixou a barba crescer.

Mangabeira aceita convite de Dilma para secretaria


Presidente faz 1 troca no seu novo ministrio
DE BRASLIA
A presidente Dilma Rousseff decidiu nesta tera-feira (3) fazer a primeira troca
ministerial do seu segundo mandato. O ministro Marcelo Neri, da Secretaria de
Assuntos Estratgicos (SAE), deixar o cargo. Em seu lugar, assumir
Mangabeira Unger, ex-ministro da pasta.
A informao foi divulgada na noite desta tera pelo ministro da Secretaria de
Comunicao da Presidncia, Thomas Traumann. Ele no deu mais detalhes
sobre a troca de comando na pasta.
"A presidente Dilma Rousseff convidou o professor Mangabeira Unger para
assumir a Secretaria de Assuntos Estratgicos em substituio ao ministro
Marcelo Neri. A presidenta agradeceu a competncia, dedicao e a lealdade do
ministro Neri", diz nota oficial divulgada por Traumann. A posse acontecer
nesta quinta (5), s 10h.
Mangabeira Unger foi o primeiro ministro da SAE. Ele assumiu a secretaria em
2007, quando ela ainda se chamava Secretaria de Planejamento de Longo Prazo,
e permaneceu no cargo at 2009.
Desde 1971, Unger professor da Universidade Harvard, nos EUA. Ele
interrompeu seu perodo na academia para assumir o cargo e retornou assim
que saiu do governo. Unger filiado ao PMDB.
Dilma conversou com Neri na tarde desta segunda-feira (2). A reunio no foi
registrada na agenda oficial da presidente e nem na do ministro. Neri estava na

SAE desde 2013 e foi confirmado na pasta durante a reforma ministerial que a
petista fez no fim de 2014 para compor seu segundo governo.
A SAE responsvel por assessorar diretamente o presidente da Repblica no
planejamento nacional e na formulao de polticas pblicas de longo prazo
voltadas ao desenvolvimento nacional.
A secretaria responsvel pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econmica
Aplicada).
ANLISE

Com mtodos cruis, milcia aprendeu a atrair olhos do mundo


DIOGO BERCITOEM MADRI
As cenas que vm a pblico envolvendo o Estado Islmico provocam reaes
como "brbaros", "selvagens" ou "medievais".
Mas, a despeito da interpretao rgida e violenta do isl que a milcia radical
prega, h um clculo sofisticado por trs de queimar prisioneiros ou decapitlos.
O EI mostra que entendeu de que forma pode sair do deserto e ganhar destaque
em todos os grandes veculos de comunicao do mundo.
Algumas das mortes divulgadas recentemente -como a dos prisioneiros
japoneses e a do piloto jordaniano- encontram eco no Alcoro, o livro sagrado
do isl, e em outros textos que formam a tradio islmica.
H trechos do Alcoro que podem explicar a decapitao como a reao
adequada diante de infiis.
O que est claro que alternativas violentas, que parecem progredir cada vez
mais para variaes mais cruis, so bem-sucedidas em chamar a ateno
internacional para a faco e testar a vontade poltica de lderes mundiais para
det-los.
Abdullah, rei da Jordnia, e Barack Obama, presidente dos EUA, tero agora de
fazer seus clculos para responder brutalidade do EI e conseguir o que, por
ora, no tiveram xito: impedir que militantes sigam impondo as suas leis no
territrio que tomaram entre Sria e Iraque.
Mas a viso que o EI tem do isl no corresponde quela da maioria dos
muulmanos.
Para quase todos, a morte no pode ser justificada pela religio e contraria,
inclusive, sua mensagem.

No Alcoro, dito que uma pena tradicional a homossexuais seria arremess-los


de um lugar alto.
No entanto, a maioria dos muulmanos dificilmente v isso como norma.
FRANCISCO DAUDT

Espontaneidade
A psicanlise, com sua influncia na cultura, tem culpa no cartrio
desse espontanesmo todo
"Ah, eu boto mesmo pra fora! Eu estou sentindo a coisa, no estou? Pois ento:
a minha verdade. Eu sou muito espontnea, no disfaro que nem muita gente
falsa que eu conheo. No quero nem saber. Isso afasta? Isso magoa? Dane-se!
A verdade mais importante. Eu sou autntica!"
A psicanlise, com sua influncia na cultura, tem culpa no cartrio desse
espontanesmo todo. A crena na "verdade por trs das coisas", e naquilo que se
oculta "no fundo, no fundo", mais a viso reichiana de que " preciso se livrar
das couraas de defesas, e se expor", tudo isso foi atropelando, passando por
cima da boa educao e da cerimnia, do jeito diplomtico de lidar com
divergncias, que so suavizadores sociais, facilitadores da convivncia.
Esses ltimos so vistos como "hipocrisia", "mscaras e disfarces". Claro que se
aproxima da hipocrisia a minha atitude corts de aturar um espontanesta
desses --s pelo tempo necessrio para poder tomar distncia sem me fazer
notar-- porque ofend-lo de volta seria dar-lhe uma intimidade imerecida.
Never complain, never explain ("nunca se queixe, nunca se explique"), o
precioso conselho que Disraeli, primeiro-ministro ingls, deu rainha Vitria
para que ela no concedesse intimidade sem querer. "Quem se explica, ou quem
se queixa, abre a possibilidade de debate, uma porta para que invadam sua
intimidade."
Intimidade, esse bem precioso que precisa de muito zelo, carinho e cuidados
nessa poca de redes sociais, tuter, uotizap e feicibuques de exposio extensa
em frases curtas, que estimulam a reatividade, a inveja e o rancor "espontneos"
junto com um triunfalismo felicssimo que d para desconfiar.
No nego a utilidade potencial dessas ferramentas, mas me parece que ainda
estamos na fase de muito ensaio e muito erro, que ainda no acertamos a mo
no bom uso delas.
Convenhamos: um mximo de cento e quarenta caracteres no propriamente
um estmulo ao pensamento reflexivo. O mesmo serve para o dilogo pinguepongue, digitado com rapidez, que est deixando muita gente consu- mida e
viciada em sua aparncia de no solido.

E, afinal, que verdade essa que surge no espontanesmo? Ser mesmo "a
essncia" da pessoa, sua "natureza"? Algo menos construdo que a educao, a
cortesia, a considerao pelo prximo, a diplomacia? Algo mais autntico
(significando algo que no veio de fora, que prprio da pessoa)?
Levando em conta que a obsesso, a paixo doentia, a compulso perversa e
vrios outros sintomas de doenas psquicas so total- mente espontneos,
posso dizer que o espontanesmo tambm traz tona algo que foi construdo e
que veio de fora: todos os atropelos e sofrimentos que passamos na nossa
infncia, que nos feriram um dia e que hoje aparecem como doloridas cicatrizes.
Faz emergir uma histria que no foi escrita por ns, e sim a nosso despeito, ao
nosso atropelo, sobre a qual nunca pudemos opinar, pois quem a escreveu era
mais forte: uma histria que nos foi impingida e que agora o espontanesta quer
impingir aos outros... Mas no assim que se libertar dela. S a repetir.
FAUSTO CASTILHO (1929-2015)

Filsofo de sucesso, ajudou a criar a Unicamp


MAURCIO TUFFANICOLABORAO PARA A FOLHA
Aos 17 anos, Fausto Castilho foi aprovado no vestibular da Faculdade de Direito
da USP, mas deixou a famlia perplexa ao desistir da graduao. O que ele
queria mesmo era estudar filosofia na Sorbonne, em Paris.
A escolha do jovem foi acatada graas aos escritores Oswald de Andrade e Srgio
Milliet, que convenceram seu av, o patriarca que decidia tudo na famlia.
A deciso revelou-se correta. Castilho teve uma carreira de sucesso, apaixonada
pelo ensino e pela pesquisa. E foi um dos criadores da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), tornando-se o primeiro diretor do Instituto de Filosofia
e Cincias Humanas (entre 1969 e 1972) e professor emrito.
Em 1947, o jovem paranaense de Cambar chegou Frana, onde foi aluno de
importantes pensadores como Gaston Bachelard, Ferdinand Alqui, Martial
Gueroult e Henri Gouhier.
Aconselhado pelo filsofo Maurice Merleau-Ponty, seu amigo, seguiu em 1949
para Friburgo, na Alemanha, a fim de estudar com Martin Heidegger (18891976), um dos pensadores mais relevantes do sculo 20.
Castilho retornou ao Brasil em 1952. Lecionou na UFPR (Universidade Federal
do Paran), USP, Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Unicamp,
instituio pela qual se aposentou em 1997.
Casado desde 1959 com Carmen, no teve filhos.

Fausto Castilho morreu nesta tera (3), aos 85 anos, em Campinas, onde estava
internado desde 25 de janeiro. Seu enterro ser nesta quarta (4), s 11h, no
cemitrio do Ara, em So Paulo.

Antes dispensvel, Sheik vira esperana


CORINTHIANS
Time abre mata-mata da Libertadores contra o Once Caldas com o heri do
ttulo de 2012 no ataque
ALEX SABINODE SO PAULO
Quando foi emprestado ao Botafogo, em abril de 2014, era difcil dizer que
Emerson Sheik, 36, voltaria a vestir a camisa do Corinthians.
Brigado com Mano Menezes, tcnico poca, ele estava em m fase e havia
cado em desgraa com as torcidas organizadas por ter postado nas redes sociais
foto dando "selinho" em um amigo.
Dez meses depois, Emerson retornou ao clube e ser titular do ataque contra o
Once Caldas (COL), nesta quarta (4), s 22h. Ser a estreia do Corinthians no
torneio.
A lembrana do atleta em campo na Libertadores boa para o corintiano.
Emerson foi o heri de uma das noites mais memorveis da histria do clube.
Fez dois gols na final contra o Boca Juniors (ARG), em 2012. Mesmo que tenha
cado de rendimento nos dois anos seguintes, a memria do ttulo ficou.
"Conheo bem a Libertadores. uma competio que tenho experincia",
definiu.
A frase foi dita no embarque da delegao para a pr-temporada nos Estados
Unidos, em janeiro.
A assessoria de imprensa do clube tem evitado que ele d declaraes. No
concedeu nenhuma entrevista coletiva desde a volta ao Parque So Jorge.
O atacante tem um histrico de opinies polmicas. Quando estava no Botafogo,
por exemplo, disse publicamente que a CBF era uma "vergonha". Afirmou que
Mano Menezes, que foi seu tcnico no Corinthians, tem "carter duvidoso".
MOTIVADO
A chance de voltar ao Corinthians e trabalhar com Tite motivou Sheik.
Ele tem impressionado bem o treinador com o esforo nos treinos. Ao contrrio
dos primeiros meses do ano passado, quando perdeu o lugar na equipe.

Durante algum tempo, virou uma brincadeira de bastidores entre os atletas os


atrasos do atacante para os treinos. Nada disso foi visto na atual temporada.
Prova disso foi o amistoso de pr-temporada contra o Bayer Leverkusen (ALE).
Em jogo que ningum queria colocar o p em divididas, Emerson quase saiu no
tapa com o zagueiro croata Spahic.
Ele tambm se beneficiou dos problemas encontrados pela diretoria no
mercado.
Nenhum dos jogadores de ataque que interessavam ao Corinthians foi
contratado. Nem mesmo o garoto Malcolm, principal revelao de 2014, est
disposio. Ele disputa o Sul-Americano sub-20 com a seleo brasileira.
Como resultado disso, o Corinthians comea a Libertadores deste ano com dois
atacantes do ttulo Mundial de 2012: Emerson Sheik e Guerrero. Ambos ficam
sem contrato com o clube em julho deste ano.
Ser a primeira vez que o time vai disputar um jogo do torneio sul-americano no
Itaquero. At a ltima tera-feira (2), 33 mil ingressos j haviam sido vendidos.
A partida de volta ser na prxima quarta (11), em Manizales. Se passar pelo
rival, o Corinthians entra no Grupo 2, com Danbio (URU), San Lorenzo (ARG)
e So Paulo.
TOSTO

Os fantasmas existem
O Corinthians precisa ganhar bem para no se amedrontar com o
fantasma do Tolima no jogo de volta
Tite, com seu rigor ttico, uma virtude, desde que no iniba a criatividade e a
improvisao, queria transformar Lodeiro em um Jorge Henrique melhorado,
para atuar pelos lados. Jadson, que estava na reserva, superior a Lodeiro e a
Jorge Henrique, mas no esse tipo de jogador. um meia clssico, pelo centro.
Como, hoje, o Corinthians vai pressionar desde o incio, os trs meias atuaro a
maior parte do tempo no campo do adversrio, sem precisar de tanto rigor na
marcao pelos lados.
O Corinthians tem de conseguir uma boa vantagem para no se amedrontar
com o fantasma do Tolima no jogo de volta. Os fantasmas existem e incomodam
mais que os vivos.
PROVOCAES

Um reprter do jornal "El Pas", de Madri, lembrou-me que Neymar gosta muito
mais do confronto individual que Romrio, Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo, que
tambm brilharam no Barcelona. Neymar, sem querer querendo, irrita o
adversrio com seu repertrio enorme de dribles. Diferentemente de Messi, que
muito marcado, porm, sem violncia, os adversrios adoram derrubar e
provocar Neymar.
Em todos os jogos, cria-se um atrito, que pode ser bom para Neymar, pois,
quanto mais faltas sofre, mais dribla e joga melhor, ou ruim, pelos riscos de
contuses, expulses e de se tornar antiptico a todos os rivais.
Neymar acrescentou muito com seu talento e velocidade nos contra-ataques. O
Barcelona no mais apenas o time de troca de passes e de infiltraes em
pequenos espaos para fazer gols. No contra-ataque, Messi tem dado passes
espetaculares para Neymar, atrs dos defensores. O grande desafio do tcnico
Luis Enrique manter o excepcional trio de atacantes, com Messi, Neymar e
Surez, sem fragilizar a marcao, quando enfrenta grandes equipes.
LTIMA CHANCE
No documento final sobre o refinanciamento das dvidas dos clubes, que est
sendo discutido em Braslia, com as contrapartidas relevantes e necessrias,
essencial, para ficar claro, clarssimo, que, se continuarem irresponsveis e no
cumprirem o combinado, o governo, alm de aplicar as penalidades, no faa
nada para evitar que os clubes quebrem, seja quais forem. Deveria ser a ltima
chance.
CRISE DO PASSE
Independentemente da colocao final do Brasil no Sul-Americano sub-20, o
time um retrato da crise do passe, como bem disse Carlos Eduardo Mansur, no
"Redao SporTV".
mais que uma crise. nosso estilo de jogar nos ltimos tempos, com excesso
de bolas longas, areas, chutes, estocadas isoladas e individuais. Raramente se
trocam trs passes. E ainda temos de escutar Gallo dizer que a equipe joga um
futebol moderno.
IRONIA
Um leitor me perguntou se foi ironia minha exaltao aos Estaduais. Pensei que
era bvio. Ironia e piada no se explicam. Perdem a graa.

Anderson Silva pego em exame antidoping


UFC
Lutador testou positivo para substncia proibida durante treinos para a luta
contra Nick Diaz

DE SO PAULO
O lutador brasileiro de MMA Anderson Silva foi pego em exame antidoping
realizado no dia 9 de janeiro.
Foi detectada na urina do atleta o esteroide Drostanolona. Sites especializados
informaram que traos da substncia Androsterona tambm foram encontrados
na urina do lutador, mas essa informao no foi confirmada pelo UFC. As duas
substncias so proibidas pela Wada (Agncia Mundial Antidoping).
O teste foi realizado no perodo em que o lutador treinava para a luta da
madrugada do ltimo domingo (1) contra o americano Nick Diaz, em Las
Vegas, vencida pelo brasileiro.
O adversrio de Anderson tambm foi pego no doping. Em exame realizado no
dia da luta, foi detectado no exame de urina de Nick Diaz o uso de maconha.
Ambos ainda podem pedir a contraprova dos exames.
Se o doping for confirmado, o resultado da luta pode ser anulado e nenhum dos
dois ser declarado vencedor.
Anderson Silva passou ainda por outros dois testes antidoping, nos dias 19 e 31
de janeiro. Os resultados destes exames no foram divulgados pelo UFC.
A informao sobre o doping de Anderson foi divulgada em comunicado no site
do UFC no fim da noite de tera (3). A organizao informa que s foi notificada
pela Comisso Atltica de Nevada sobre o resultado positivo de Anderson nesta
tera (3).
A entidade afirma ainda que mais testes sero realizados para confirmar o
resultados do exame.
"Anderson Silva tem sido um excelente campeo e um verdadeiro embaixador
do esporte das artes marciais mistas e do UFC. O UFC est desapontado por
saber destes resultados iniciais", disse a organizao no comunicado.
Caso o doping de Anderson Silva seja confirmado, o lutador poder sofrer
sanes devido ao teste positivo.
Entre as punies aplicadas pelo UFC esto a suspenso e at banimento das
lutas de MMA. Em casos como o de Anderson, a suspenso costuma ser de at
um ano.
O lutador e seu estafe no comentaram o resultado do exame antidoping.
Casos de doping no so raros no UFC. No dia 6 de janeiro o campeo dos pesos
meio-pesados, Jon Jones, anunciou que havia sido pego em exame antidoping
por uso de cocana. Outros lutadores, como os brasileiros Wanderlei Silva e
Vitor Belfort, tambm j testaram positivo em exames antidoping.

Beijinho, beijinho. Tchau, tchau?


Depois de 29 anos na Globo, onde foi do reinado geladeira, Xuxa acerta
mudana para Record; s falta assinar o contrato para ganhar dois programas,
entre eles um 'talk show' la Ellen DeGeneres
KEILA JIMENEZCOLUNISTA DA FOLHA
Na noite da ltima segunda-feira (1), representantes da apresentadora Xuxa
Meneghel, 51, saram da sede da Rede Record, em So Paulo, com um contrato
em mos.
Aps meses de negociao, as partes chegaram a um consenso e a apresentadora
apalavrou, por meio de seus interlocutores, um acordo com a nova emissora,
podendo deixar para trs quase 29 anos de Globo --estreou na emissora em
junho de 1986.
Segundo fontes da Record, Xuxa, que deve voltar dos EUA nesta semana, j
acertou sua ida para o canal, onde ter dois programas, um dirio, na faixa da
tarde, com cerca de uma hora de durao, e uma atrao noturna, semanal, na
linha de shows.
O programa dirio seria de entrevistas, no estilo do "talk show" da comediante
americana Ellen DeGeneres. Na atrao, que ser gravada no Rio, Xuxa
receber celebridades e pessoas comuns com boas histrias de vida.
Alm de um salrio milionrio, cujo valor no foi divulgado, ela ter
participao na venda de publicidade dos programas.
A apresentadora est fora do ar desde janeiro de 2014, quando deixou de
apresentar o "TV Xuxa" (Globo) para tratar de uma inflamao nos ossos
sesamoides (ossos pequenos do p), causada por traumatismos constantes na
parte anterior do p, devido prtica de dana combinada com o uso excessivo
de salto alto.
Quando comeou a perder a majestade na Globo, no final de 2013, Xuxa j
estava distante do reinado que a consagrou na TV de 1986 a 1993, no "Xou da
Xuxa", quando registrou 22 pontos de audincia na faixa da manh.
SEM SEDUO
Mas a loira deixou de interessar s novas geraes de crianas, e o "TV Xuxa"
no seduzia os adultos como a Globo esperava.
O programa mantinha a liderana de audincia nas tardes de sbado com
mdias na casa dos 9 pontos, mas seguia com uma produo cara, e o salrio da
apresentadora girava em torno de R$ 2,5 milhes mensais. Cada ponto equivale
a 67 mil domiclios na Grande SP.

Em dezembro, Xuxa voltou a conversar com a Globo e chegou a apresentar o


projeto de um novo programa direo da emissora, que no pareceu disposta a
dar uma atrao para a loira em 2015.
Xuxa ficou com a promessa de participaes nos especiais de 50 anos da Globo,
reprises no canal Viva e uma possvel volta em 2016.
Nos ltimos dias, a Record seguiu insistindo na contratao da loira, cedendo a
todo tipo de exigncia feita por ela e seu poderoso staff.
Alm de poder voltar TV, Xuxa tem interesse em ampliar seus negcios na
internet e no setor de licenciamentos. Tudo isso faz parte do contrato proposto
pela Record, com durao inicial de trs anos.
Na Globo, a virtual sada de Xuxa dividiu opinies. H quem acredite que perder
um de seus maiores smbolos justamente em 2015, quando completa 50 anos,
causar um grande prejuzo para a imagem da emissora.
Outros defendem que a Globo no podia nem queria dispensar Xuxa, mas j no
sabia mais o que fazer com ela em sua programao.
SEM MULTA
Pelo acordo atual em vigor com a Globo, assinado no final de 2013, Xuxa pode
deixar a emissora sem ter de pagar multa contratual.
Procurados, nem Globo, nem Record, nem a apresentadora comentaram o
assunto. As minutas do novo contrato esto com os advogados para a assinatura
dela.
A Record pretende anunciar a nova contratao nesta quinta (5), quando lana
sua programao de 2015.
ANLISE

Sada marco do final das atraes infantis na TV aberta


O QUE A GLOBO TEM DE MAIS FORTE NO SEGMENTO EST
AGORA NA TV PAGA
NELSON DE SDE SO PAULO
No final de 2014, o infantil "Planeta Xuxa", exibido originalmente at 2002,
ressurgiu para colocar o canal Viva, da Globo, entre os dez mais vistos da TV
paga, no horrio.
Foi uma audincia inesperada, para um programa e uma apresentadora
anacrnicos, hoje mais conhecidos como piada em gifs e listas on-line.

E foi um ltimo suspiro. A sada de Xuxa da Globo, para a Record, marca o


ponto final da programao para crianas na TV aberta brasileira.
Segundo o site de memria da Globo, a despedida da apresentadora dos
"infantojuvenis" foi com "Conexo Xuxa", em janeiro de 2008, mas nos ltimos
dias ela esteve perto de voltar ao gnero.
Nas conversas para manter a apresentadora, a emissora teria aventado um
programa com desenhos, na manh de sbado. seu nico horrio ainda
voltado a crianas.
Mas iria contra sua estratgia atual, que prioriza "talk shows" como o de Ftima
Bernardes --que tomou a vaga do "TV Globinho" nos dias de semana em 2012.
O que a Globo tem de mais forte, em produo infantil, est agora no canal pago
Gloob, criado naquele ano para responder ao fenmeno dos canais infantis no
Brasil.
Por enquanto, o Gloob segue distante da concorrncia. No ano de 2014, a
liderana de audincia na TV paga foi do Discovery Kids, seguido pelo Cartoon.
A extino gradual da programao infantil na TV aberta nos ltimos anos, com
excees como a Cultura, reflete tambm o cerco propaganda direcionada s
crianas.
Um cerco que chegou ao auge no ano passado, com a resoluo do Conanda
(Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente) que proibiu
qualquer publicidade infantil.
A deciso enfrenta pedidos de suspenso, inclusive na Cmara dos Deputados. E
j estaria constrangendo investimentos em propaganda e licenciamento.
o caso dos produtos vinculados "Turma da Mnica", de Mauricio de Souza -ou imagem da apresentadora, do xampu "Turma da Xuxinha" a um aparelho
que se diz "Meu Primeiro Laptop".
A opo da prpria Xuxa por programas para adultos tambm se explica por a.
E j estimulava ontem especulaes no mercado publicitrio, sobre novos
licenciamentos. Xuxa gospel, por exemplo.

Escritora de clssico racial vai publicar 2 romance


Harper Lee anuncia continuao de 'O Sol para Todos' 55 anos depois
Segundo autora, livro foi escrito nos anos 1950 e era tido como
perdido; ela vive reclusa desde anos 60
DE SO PAULO

A reclusa escritora norte-americana Harper Lee, 88, vai publicar seu segundo
romance em 14 de julho, 55 anos depois de lanar o clssico "O Sol para
Todos" (1960), anunciou a editora Harper Collins nesta tera (3).
O novo romance, "Go Set a Watchman", embora tenha sido escrito antes, uma
sequncia de "O Sol". A personagem Scout Finch, a menina narradora do
primeiro livro, reaparece adulta, 20 anos depois, para visitar o pai, o advogado
Atticus. Outros personagens do livro anterior voltaro na histria.
"Go Set a Watchman" (arrume um vigia) foi concludo nos anos 1950, mas o
editor de Lee na poca a convenceu a modificar o livro e contar a histria na
perspectiva de Scout ainda menina.
As mudanas resultaram em "O Sol para Todos", um fenmeno de crtica e
pblica como raras vezes j se viu.
O romance recebeu um prmio Pulitzer, vrias vezes foi classificado como um
dos dez mais importantes publicados no sculo 20, foi traduzido em quase 50
lnguas, vendeu mais de 40 milhes de exemplares no mundo e inspirou um
filme homnimo de sucesso vencedor de trs Oscar em 1963, incluindo melhor
ator (Gregory Peck) e roteiro adaptado.
O romance, ambientado em uma cidadezinha do Estado do Alabama dos anos
30, retrata um negro acusado de estuprar uma mulher branca.
Atticus Fincher, interpretado por Peck no cinema, um advogado idealista que
ir defender o acusado. Pelos olhos da pequena Scout, filha do advogado, Lee fez
um retrato do preconceito racial acirrado do sul dos EUA.
Apesar de todo o sucesso de seu romance de estreia, Lee nunca mais publicou
outro livro. Passou os ltimos 50 anos numa recluso quase total.
Segundo o comunicado divulgado pela editora Harper, Lee julgava que "Go Set a
Watchman" estivesse perdido ou destrudo. Os originais teriam sido descobertos
pelo advogado da escritora.
"Depois de muita hesitao eu compartilhei o livro com algumas pessoas de
confiana e fiquei satisfeita ao ouvir que eles o consideravam digno de
publicao. Fico maravilhada por ele ser publicado depois de todos esses anos",
divulgou por nota.
Ainda no h indcios para aferir se a inusitada histria ou no um golpe de
marketing, mas certamente ser um timo negcio para editora e escritora.
A Harper Collins classifica o livro como um "acontecimento literrio
extraordinrio" e planeja imprimir 2 milhes de cpias.
Quando conversou brevemente com jornal ingls "Daily Mail" em 2010, Lee
morava em um modesto apartamento de uma residncia para idosos em
Monroeville, sua cidade natal no Alabama.

A terra natal teve forte influncia na criao de Lee. L, conheceu Truman


Capote (1924-1984), o grande incentivador de sua escrita, de quem inclusive foi
assistente nas pesquisas do livro "A Sangue Frio".
E foi nas tenses raciais da pequena cidade que Lee buscou inspirao para seu
clssico. O pai da escritora, advogado como o Atticus do livro, defendeu negros
acusados de assassinato em 1919. Mas relatos informam que ele era um
segregacionista convicto.
ANLISE

'O Sol para Todos' coloca dedo em ferida dolorosa dos EUA
CADO VOLPATOESPECIAL PARA A FOLHA
Monroeville, Alabama, sul dos Estados Unidos, tem menos de 7.000 habitantes.
Porm, dois dos maiores escritores americanos passaram a infncia na cidade e
foram amigos: Truman Capote (nascido em Nova Orleans) e Harper Lee, cidad
de Monroeville.
O tempo na cidade foi decisivo na vida de ambos. O primeiro romance de
Capote, "Outras Vozes, Outros Quartos" (1948), trabalha os climas
fantasmagricos do sul profundo e tem uma personagem inspirada na amiga.
E Harper Lee transformou Monroeville em Maycomb no clssico "O Sol para
Todos" (Jos Olympio, R$ 45, 364 pgs.), lanado com tremendo sucesso em 11
de julho de 1960. At agora, era o nico livro publicado por ela.
O livro no gentil com Monroeville. A fictcia Maycomb uma tpica cidade
sulista nos anos 30: velha, pobre, indolente e racista. Lee conta a histria de
uma famlia sem me, formada pelo pai, Atticus, um advogado de provncia
(inspirado no pai da autora), e os filhos, Scout e Jem.
Nas primeiras cem pginas, vemos a menina Scout liderando o irmo e o amigo
Dill (baseado no pequeno Capote) em aventuras. H um vizinho misterioso, que
costuma deixar presentes para eles no buraco de um tronco.
Nas demais pginas, a tenso racial da Grande Depresso explode. quando o
pai de Scout defende um negro acusado de estupro, e a cidade se volta contra ele
e a famlia.
Tolerncia, empatia e o dedo numa das feridas mais dolorosas da histria
americana, o racismo, so os temas fundamentais. Mas o livro no seria to bom
sem o ponto de vista escolhido por Lee. Tudo o que vemos pelos olhos
assombrados da menina Scout.
V-la na idade adulta, nesse inesperado segundo livro, um presente ao qual
seus leitores fiis ainda vo demorar para se acostumar.

'Gordinho gostoso do Brasil' lana o arrocha ostentao


Hit sobre formas avantajadas de Neto LX j ganhou verses de Ivete Sangalo e
Gusttavo Lima e quer desbancar a 'sofrncia' no Carnaval
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIERDE SO PAULO
O que que o baiano tem? Se voc perguntar a Neto LX, ele vai ajeitar o palet
italiano de elastano brilhante, estalar os dedos ornados com quatro anis de
ouro na mesma mo (um para cada letra do seu nome) e enumerar:
Um hit reproduzido por Ivete Sangalo, Gusttavo Lima e Claudia Leitte, contrato
recm-fechado com a Som Livre, equipe com 30 funcionrios a seu dispor, um
cach que chega a R$ 150 mil e dois carres importados --no revela as marcas
"para no fazer patrocnio de graa".
Tem tambm um filo musical que cunhou, o arrocha ostentao, unio do
ritmo baiano com o funk fissurado em grifes e vida boa. S ostentar que vira
"luxar" no vernculo de Neto LX --seu sobrenome artstico, alis, uma
abreviao para "luxo".
O que o baiano mais tem, contudo, que faz dele candidato a prxima grande
sensao do Carnaval brasileiro, algo que a maioria de ns possui tambm.
Banha. De sobra. E com muito orgulho.
H quatro anos, o msico de 26 anos percebeu que suas medidas espichavam no
compasso da sua conta bancria.
Hoje, com 110 kg e 1,80 m, o autointitulado "gordinho mais gostoso do Brasil"
no s sente o peso da fama, como obrigado a mant-lo.
Caso emagrea, quem o levar a srio ao cantar "eu no sou Friboi, mas t na
moda" e "no frequento academia, mas as novinha pira em mim"? Com os
versos de "Gordinho Gostoso", Neto defende a honra daqueles que cansaram
"do esteretipo de beleza do cara malhado".
"A maioria, quer queira, quer no, gordinha", diz. Mais slfides so as
danarinas que chacoalham a beleza ao lado de Neto, no clipe gravado no Club
A, boate paulistana do apresentador Amaury Jr.
Com chapu panam e gola sobreposta sobre o terno, Neto sada os
espectadores "do papai": " muita luxria. A felicidade de vocs, mulheres, t
aqui no meu bolso".
Neto tem dez formas diferentes de passar a mesma mensagem, que pode ser
resumida assim: "Quero levantar a autoestima para meu pblico". Voc a
assimila enquanto tenta adivinhar quanto pesa o pingente de coroa, pendendo
de sua corrente de ouro "verdadeirssimo" (provavelmente algo entre um saco
de feijo e uma modelo da So Paulo Fashion Week).

Conhecido por apelidos como "Rabic", Elmiro Costa Ferreira Neto por pouco
no dispensou "Gordinho Gostoso". Um amigo lhe apresentou a msica, e ele
ficou meio assim no comeo. "Poxa, cara, vou cantar isso, e a galera vai zoar com
a minha cara", reproduz sua resposta inicial.
Mudou de ideia e de vida. Ele, que j fazia barulho no circuito nordestino, viu
seu hit viralizar Brasil afora. Na internet, encontra-se verses que vo do
camarada no vaso sanitrio a policiais balanando a pana no quartel.
Ao exaltar quem no v graa quando o garom pergunta se a Coca normal
(como se a Zero fosse uma alternativa...), Neto traa um paralelo entre ele e
aquele cantor que s queria chocolate.
"Tim Maia uma inspirao de gordinho famoso e gostoso. No Carnaval, quero
sair fantasiado como ele."
Outro plano para a folia momesca: desbancar o sofredor Pablo ("Homem No
Chora") e emplacar a ode s gordurinhas como o novo "Ai, Se Eu Te Pego" da
estao.
NA GRINGA
A opulncia aparece sobretudo no estilo de vida que Neto canta. o tal do
arrocha ostentao, que rende letras como "Vida Mais ou Menos" ("vem beber
usque, vem ver como rico vive") e "Frias em Las Vegas" ("mandei um
WhatsApp pro coroa, e ele transferiu um milho pra minha conta em Dubai").
Neto s saiu do pas uma vez, para "estourar o limite do carto em Miami". Isso
mudar: seu prximo clipe ser gravado em Dubai.
Beijo (no ombro) do gordo.
MARCELO COELHO

Tiques e taques
Mesmo com o mximo de desencanto e realismo, impossvel viver
sem uma dose forte de fico
Qual seria a histria mais simples do mundo? Ou, para modificar um pouco a
pergunta, qual o modelo de enredo mais bsico que se pode imaginar?
Para o crtico literrio sir Frank Kermode (1919-2010), a resposta poderia bem
ser o tique-taque de um relgio. O tique, escrevia ele em "The Sense of an
Ending", corresponde "a uma humilde gnese", e o taque, "a um dbil
apocalipse".

Claro: na alternncia desses dois rudos, h um comeo e um fim. Isso todo


mundo pode ver, ou melhor, pode ouvir. O mais interessante no est no som
que o relgio "objetivamente" produz.
Com alguma honestidade, poderamos reconhecer que o barulho do relgio
apenas "tique-tique"; a batida sempre igual.
Se chamamos isso de "tique-taque", porque j estamos inventando uma
historiazinha para o nosso relgio; j produzimos uma forma, extremamente
elementar, sem dvida, de fico.
Mais ainda, essa "narrativa" tem um sentido. Por mais vago que seja o
"contedo" dessa sequncia de rudos, sabemos o que esperar: sabemos que
depois de um "tique" deve vir o "taque".
Kermode usa o exemplo para mostrar que uma histria, um romance --e mesmo
a nossa prpria vida-- no podem se resumir a uma sucesso temporal. Um dia
depois do outro, um tique e outro tique em seguida, no levam a lugar nenhum.
O "sentido" da histria exige um mnimo de fico, de imaginao, de propsito,
para que no se esgote na mera passagem mecnica do tempo. A fico
humaniza, e d forma, ao escoar desorganizado dos instantes e dos dias.
Ou, como diz Kermode lindamente, o romancista sempre um "herdeiro de
dom Quixote, inclinando-se na sua cavalaria desesperada contra os invariveis
moinhos de vento de uma realidade submissa ao tempo cronolgico".
Resumindo, a mera realidade do dia a dia, sem projeto, sem fico, perde o
sentido --e foi mais ou menos isso o que eu estava dizendo quando reclamei do
filme "Boyhood", no artigo da semana passada.
Por mais fiel que seja realidade de um adolescente americano, "Boyhood" no
convence, porque ningum, na vida real, to "real" assim.
Somos todos personagens de ns mesmos: contribumos com nossas invenes,
nossas iluses, nossos projetos, para construir o que somos de fato. Sem essa
fico, seramos apenas fantasmas cronolgicos, arrastando atrs de ns as
correntes do calendrio.
Elaboro do meu jeito o que estou lendo num livro ao mesmo tempo audacioso e
cheio de bom senso, escrito pelo ensasta e antigo colaborador do jornal "O
Estado de S. Paulo", Gilberto de Mello Kujawski.
Chama-se (apenas!) "O Sentido da Vida", e sai agora em segunda edio revista
pela editora Migalhas.
"No, a vida no tem nenhum sentido", comea o autor. "A vida no tem lgica,
acontece a esmo, sempre imprevisvel, sem nenhum trao de racionalidade."
Como faz bem (a mim, pelo menos), topar com afirmaes to claras e corajosas
logo na abertura de um livro assim... como se abrssemos a janela para deixar

entrar um vento de inverno --de que estamos mais precisados do que nunca
nestes dias.
Mas claro que Kujawski no se limita a esse efeito de choque --e logo
estaremos admitindo, junto com o autor, a presena de seu velho mestre, o
filsofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955).
Com muita clareza, "O Sentido da Vida" mostra o quanto j havia de "sartreano"
nas primeiras obras de Ortega y Gasset --incluindo-se a a famosa noo de que
o ser humano "est condenado liberdade". Mais importante ainda a ideia de
"projeto".
No se trata, claro, de um mero "capricho": posso desejar ardentemente ser
um grande pianista, mas no serei capaz de inventar um Marcelo-pianista que
no sou.
Ao mesmo tempo, para viver a prpria vida, preciso constru-la. "A vida nos
dada", diz Kujawski, "mas no nos dada feita".
Desse modo, completa o autor, inventamos, dia a dia, o que vamos ser. Mas essa
frase seria algo banal (e tambm irrealista), no fosse um adendo
importantssimo. Essa inveno se d conforme aquilo que somos.
Uma pessoa tem (muito teoricamente) a liberdade de ser qualquer coisa --mas o
que importa que ela se transforme naquilo que tem de ser.
Mal comparando, isso deveria ser to fcil quanto cada um ter sua prpria voz.
Mas sabemos, infelizmente, o quanto estamos merc de uma dublagem
constante, que nos ensurdece para ns mesmos.

FOLHA 05-02-2015
KENNETH MAXWELL

O desafio de Atenas
Em 25 de janeiro, o parlamento grego viu a conquista de 149 dos 300 assentos
pelo Syriza de Alexis Tsipras, de extrema esquerda e antiausteridade.
Novo ministro das Finanas, o economista poltico Yanis Varoufakis, 53, se
recusou a receber os representantes da chamada "troika" --Unio Europeia,
Fundo Monetrio Internacional (FMI) e Banco Central Europeu (BCE)--,
revelou propostas para encerrar o conflito entre a Grcia e seus credores por
meio da converso das dvidas em novos ttulos vinculados ao crescimento, e
prometeu manter superavit oramentrio permanente e reprimir os ricos
sonegadores de impostos.
Varoufakis, que se descreve como "libertrio marxista", est fazendo uma visita
crucial s grandes capitais da Europa. Em Londres, George Osborne, ministro
da Fazenda britnica, disse depois do encontro que "o impasse entre a Grcia e a
zona do euro a maior ameaa economia mundial". Varoufakis disse acreditar
em um "acordo rpido para acabar de vez com a crise grega".
Mas Angela Merkel j indicou que no est disposta a perdoar dvidas gregas. E
seu ministro da Fazenda, Wolfgang Schuble, disse que "quem quer que
entenda dessas coisas conhece os nmeros e a situao". Varoufakis apontou o
banco de investimento norte-americano Lazard para assessorar a Grcia em
suas negociaes sobre uma dvida que sobe a mais de 175% do PIB do pas.
Barack Obama declarou que "no se pode continuar pressionando pases que
esto em meio a uma depresso. Em algum momento, preciso haver uma
estratgia de crescimento a fim de pagar suas dvidas e eliminar parte de seu
deficit". A maioria dos gregos concordaria, como a maioria dos espanhis. Uma
coisa certa: negociaes muito duras aguardam a Grcia e a zona do euro.
Varoufakis especialista em teoria dos jogos, mas o tempo para negociar
curto, tanto por conta da expectativa popular intensificada, da parte dos gregos,
quanto pelos prazos que esto se esgotando para os acordos atuais do pacote de
resgate Grcia.
A Grcia j flertou com o abandono da zona do euro. As consequncias
econmicas seriam menos catastrficas hoje do que teriam sido em 2009,
quando a crise anterior de dvida do pas estava em seu pico. A zona do euro
agora conta com mais mecanismos para se defender. Isso pode fazer com que a
linha dura de Berlim e Frankfurt se disponha menos a transigir. Mas, de 2009
para c, os perigos polticos de uma sada grega se multiplicaram. O confronto
entre a Rssia de Putin e a Ucrnia, bem como o conflito na Sria e no Iraque,

fazem da Grcia um parceiro inescapvel, nem que apenas por sua proximidade
geogrfica. Rssia e Otan esto bem cientes disso. Os gregos tambm.
SYLVIO BACK
TENDNCIAS/DEBATES

Direitos de autor, direito vida


Ns, diretores de cinema, somos rfos dos proventos de filmes que
dirigimos. Por esse motivo, estamos articulados para preencher
esse hiato
Quando menino eu perguntava para a minha av Charloth, que fora violonista
na Alemanha: para que serve um maestro? Eu queria saber o porqu daquela
figura estranha que no toca instrumento algum.
No raro, cineastas somos fulminados por essa dvida. Para que servimos se,
com roteiro em mos, o produtor levantou o dinheiro, o elenco conhece os
personagens, o fotgrafo rege a luz? O que fazemos ns, parecendo autnticos
"figurantes invisveis", antes, durante e depois das filmagens? A pergunta
pertinente, mas o que deve ficar claro que sem diretor no h filme!
Por que agora os diretores de cinema e do audiovisual resolveram se mobilizar
coletivamente para reivindicar sua chancela de autor?
Os profissionais de cinema e TV brasileiros se diferem dos demais da Amrica
Latina e do resto do mundo, onde quem assina audiovisual veiculado em
cinemas, TVs, blue-ray, celular, streaming e holograma remunerado por aquilo
que desde sempre se chama criao, talento, cultura e conhecimento.
Ns, diretores, somos rfos dos proventos autorais de filmes que dirigimos,
recurso inextricvel de nossa prpria sobrevivncia.
Para reparar essa defasagem histrica, protagonistas do audiovisual de vrias
pegadas estticas preparamos a criao de uma entidade especfica para a
garantia dos respectivos direitos sobre suas criaturas. Ou seja, est se formando
uma empresa, inexistente hoje no pas, desde j batizada DBCA (Diretores
Brasileiros de Cinema e do Audiovisual) pelos seus incentivadores, egressos da
diretoria da Abraci (Associao Brasileira de Cineastas).
a partir do lastro moral dela, cuja fundao remonta a 1975, ento sob a
presidncia do mestre Nelson Pereira dos Santos, que retomamos o iderio de
concretizar a "arrecadao e defesa do direito autoral dos cineastas", projeto que
vingou at o fechamento da Embrafilme, em 1990, pelo governo Collor.

A DBCA uma sociedade de gesto coletiva, sem ecos gremistas nem laivos
polticos e/ou partidrios, mas, inspirada e explicitamente apoiada pelas
maiores e mais atuantes entidades do mundo: ADAL (Alianza de Directores
Audiovisuales Latinoamericanos), DAC (Argentina), Directores Mxico, DASC
(Colmbia), ATN (Chile), Writers & Directors Worldwide (Frana) e CISAC -confederao de profissionais da Inglaterra, Itlia, Alemanha, ustria, Espanha.
Outra pergunta sobre a esdrxula falta de retorno pecunirio pela veiculao
pblica de nosso audiovisual que deve ser feita por quem nos assiste esta:
quando no filmam, como sobrevivem os diretores fora da preparao e do set
de filmagem ou das ilhas de edio?
No Brasil, acumulamos a funo de produtor e de diretor, expediente crucial
para respirar em uma cinematografia sempre em construo, ao contrrio das
redes de TV, que so indstria. Cada um se v, ento, compelido a engendrar
sua prpria indstria, provocando o terrvel interregno de trs a cinco anos a
separar cada filme do prximo.
Por isso estamos articulados para, com a DBCA, preencher esse hiato
civilizatrio pela defesa da vida, tanto a nossa como a dos nossos rebentos
audiovisuais.
SYLVIO BACK, 77, cineasta, roteirista e poeta, autor de 38 filmes, entre
curtas, mdias e 12 longas-metragens. Est em fase de preparao de "A
Histria Teimosa", docudrama sobre a Guerra do Paraguai
JANIO DE FREITAS

Reino do 'nonsense'
A desgraa lanada sobre a Petrobras decorre de que a gatunagem
foi constatada e abriram-se inquritos
Se a Petrobras ainda estivesse sob a ao ignorada e tranquila de gatunos, a
realidade dos ltimos 11 meses seria assim: suas aes em altas cotaes na
Bolsa, bafejadas pelo crescimento da produo a despeito da queda de preo do
petrleo, os corruptos embolsando seus ganhos com a segurana de sempre, e
bancos e corretoras festejando em vez de derrubar os dirigentes da empresa. Ou
seja, toda a desgraa lanada sobre a Petrobras decorre de que a gatunagem foi
constatada, abriram-se inquritos com numerosas prises de corruptores e
corrompidos.
Era possvel, anteontem, ouvir a notcia da reunio de Dilma Rousseff e Graa
Foster, para o afastamento da presidente da Petrobras, e logo a notcia de que "a
Petrobras bateu o recorde de produo em dezembro". Que associao se
poderia fazer entre os dois fatos to ntimos entre si, a no ser sua naturalidade
brasileira?

Pior para quem ouviu tais notcias e no mesmo dia leu, do autor pago de um
parecer favorvel a impeachment de Dilma, que a "insistncia, no seu primeiro e
segundo mandatos, em manter a mesma diretoria que levou destruio da
Petrobras" caracterizou improbidade. Essa Petrobras "levada destruio"
conseguiu em 2014, portanto quando os diretores a destruam, o recorde da
produo de derivados com 2,17 milhes de barris de petrleo por dia. O sexto
recorde anual seguido, sendo este ltimo, deduz-se, de produo
fantasmagrica.
A "insistncia" de Dilma, "no seu primeiro e segundo mandatos", em "manter a
mesma diretoria que levou destruio da Petrobras" contm importante
revelao: a empresa tinha duas diretorias paralelas. Uma, presidida por Graa
Foster, substituiu a existente no governo Lula. A outra, imperceptvel a olhos
comuns como os nossos, mas captada pela viso de pareceristas bemaventurados e ficcionistas consagrados.
Neste ltimo caso se encontrou a tambm novidadeira informao, por um dos
nossos cronistas, de que "o maior acontecimento" do governo Dilma "foi o
rombo criminoso da Petrobras". No creio (bem, s porque no sou homem de
f) haver alguma ponta de inteno na constante falta de clareza, quando citada
uma gatunagem, sobre o perodo em que se deu. Nem por isso se fica impedido
de ver que o maior acontecimento do governo Dilma deu-se no governo Lula.
primeira vista, s um escorrego crnico, mas que pe Graa Foster, uma
pessoa a ser respeitada, sob a acusao de presidir "o rombo criminoso da
Petrobras".
No se sabia que o petrleo torna as pessoas sentimentais. Mas ontem se teve a
notcia de que a Petrobras recebeu o OTC-2015, o Distinguished Achievement
Award for Companies, Organizations and Institutions, "o mais importante para
operadoras off-shore". O prmio foi em reconhecimento ao "conjunto de
tecnologias desenvolvidas para a produo na camada pr-sal". Mas, percebe-se,
foi s por nostalgia, para uma empresa que deixou de existir, para a destruda
Petrobras.
PETROLO

Parecer flerta com golpismo, diz petista


Anlise sobre viabilidade de eventual pedido de impeachment de Dilma foi
encomendada por advogado de FHC
Presidente do PT afirma no haver base jurdica, mas internamente
classifica documento como 'ovo da serpente'
DE BRASLIA

O presidente do PT, Rui Falco, classificou de "flerte com o golpismo" o parecer


jurdico que afirma haver fundamentos para pedido de impeachment da
presidente Dilma Rousseff por causa do escndalo da Petrobras.
"No vejo nem base jurdica nem base poltica para isso. A presidente Dilma foi
eleita e est conduzindo o pas conforme o programa vitorioso nas urnas. Essas
tentativas que so aqui ou ali ensaiadas, de flerte com o golpismo, no levo a
srio porque a populao brasileira est muito firme com a ideia da democracia.
So chuvas de vero", afirmou o petista.
Conforme a Folha revelou nesta quarta (4), o parecer em questo foi produzido
pelo advogado Ives Gandra da Silva Martins por solicitao de Jos de Oliveira
Costa, que advoga para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (19952002), do PSDB.
Costa nega que o documento tenha carter poltico. Diz que o encomendou o
parecer a partir da dvida sobre se possvel iniciar um processo de
impedimento por responsabilidade civil. Segundo ele, a pea seria usada se
algum cliente que tivesse essa mesma dvida.
'OVO DA SERPENTE'
Falco comentou o caso com a imprensa aps reunio com a bancada de
deputados federais do partido.
Segundo relato de parlamentares que estavam no encontro, a portas fechadas
ele classificou o parecer como "ovo da serpente" a ser combatido pela militncia
petista.
O parecer de Martins conclui que h elementos para que seja aberto o processo
de impeachment por improbidade administrativa "no decorrente de dolo
[inteno], mas de culpa". Culpa, em direito, escreve Martins, so as figuras da
"omisso, impercia, negligncia e imprudncia".
Um dos principais temores do Planalto que o presidente da Cmara, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), que nunca teve boa relao com o governo, d sequncia a
eventual pedido de impedimento de Dilma.
ILUSTRADA - EM CIMA DA HORA

Deputado, Tiririca ser integrante do 'Pnico'


Humorista vai estrear no prximo dia 22
DO "F5"

Reeleito deputado federal com a segunda maior votao de So Paulo em 2014,


o humorista cearense que virou poltico Tiririca (PR-SP) ter que dividir seu
tempo entre o mandato na Cmara e trapalhadas na televiso.
O comediante foi anunciado nesta quarta-feira (4) como o novo integrante do
elenco do programa humorstico "Pnico" (Band), que tenta se reformular para
reverter os baixos ndices de audincia.
"Estou feliz para caramba, a expectativa boa, de coisas boas, voltando para a
TV. Passei um tempo afastado e volto com gs, com tudo", disse o deputado
rdio Jovem Pan.
"Eu gosto de desafios. O 'Pnico' no tem nada a ver comigo. Eu sou mais
popular, mas acho que essa mistura vai ser legal", acrescentou.
O "Pnico" conhecido pelo humor escrachado e pelas stiras aos programas de
TV.
Segundo Tiririca, conciliar a poltica e as gravaes no ser um problema. "Eu
no brinco com nada daqui [da Cmara]. Deixei bem claro isso com o
[apresentador da atrao, Emlio] Surita. Estou fazendo um trabalho bonito,
no tenho nenhuma falta."
A nova temporada do "Pnico" estreia ao vivo na Band no prximo dia 22.
Tiririca teve 1 milho de votos nas eleies de 2014. S perdeu em So Paulo
para Celso Russomanno, eleito deputado federal pelo PRB com 1,5 milho de
votos.
Russomanno apresenta o quadro "Patrulha do Consumidor" no "Programa da
Tarde" (Record).

Jordnia executa 2 terroristas islmicos


Medida foi tomada um dia aps Estado Islmico divulgar vdeo em que mostra
piloto do pas sendo queimado vivo
Os dois militantes da rede Al Qaeda j haviam sido condenados
morte por atentados no Iraque e na Jordnia
DAS AGNCIAS DE NOTCIAS
Um dia aps a faco radical Estado Islmico (EI) divulgar vdeo em que mostra
o piloto jordaniano Muath al-Kaseasbeh, 26, sendo queimado vivo, a Jordnia
enforcou dois terroristas da Al Qaeda que estavam em seu poder.
Um dos enforcados Sajida al-Rishawi, uma terrorista suicida que participou de
um triplo atentado contra um hotel na Jordnia, em 2005, que deixou 60

mortos. Seu cinturo no explodiu. Ela foi detida e acabou sendo condenada
morte em 2006.
O outro executado Ziad al-Karbouly, um ex-assessor de Abu Musab alZarqawi, lder da Al Qaeda no Iraque j morto.
Ele foi condenado morte em 2008 por planejar ataques contra jordanianos no
Iraque.
Mohammed al-Momani, porta-voz do governo da Jordnia, informou que as
execues ocorreram na priso de Swaqa, a 80 km de Am, a capital do pas,
onde os dois estavam presos.
Os extremistas sero enterrados em local no divulgado pelas autoridades.
'RESPOSTA SEVERA'
O rei da Jordnia, Abdullah 2, que na tera (3) j dissera que a morte do piloto
seria vingada e que a presso contra os terroristas aumentaria, prometeu
"resposta severa" para o assassinato, mas sem detalhar aes.
Em comunicado lido na TV estatal nesta quarta (4), ele afirmou que o EI no
est lutando apenas contra o seu pas, mas est em guerra contra o prprio "isl
nobre".
Lderes polticos e religiosos disseram que o brutal assassinato do piloto vai
contra os ensinamentos do isl.
Da mesquita de Al-Azhar, no Cairo, um dos maiores centros de ensinamento do
isl sunita, o im Ahmed al-Tayeb disse que os militantes do EI merecem a
punio da morte, da crucificao ou da amputao dos braos previstas no
Alcoro por serem inimigos de Deus e do profeta Maom.
"O isl probe a eliminao de uma vida inocente. Ao queimarem vivo o piloto,
os militantes do EI violaram a determinao do isl que veta a imolao ou a
mutilao de corpos, mesmo durante uma guerra", afirmou o im.
Aps a divulgao da morte do piloto, centenas de jordanianos foram ao palcio
real pedir maior presso contra o Estado Islmico. Alguns manifestantes
pediram que a faco seja destruda.
Em Karak, cidade natal do piloto, dezenas de manifestantes atacaram um prdio
do governo e culparam as autoridades por no fazer nada para salv-lo.
CLVIS ROSSI

A falncia e o deboche

Neste incio de fevereiro, trs runas combinaram de se encontrar


em um pas chamado Brasil
Sejamos absolutamente francos: o Brasil uma runa (ou, na melhor das
hipteses, est uma runa).
Um pas na iminncia do racionamento de gua e de energia eltrica encontrase em estado falimentar. Mas, se fosse apenas uma crise hdrica e/ou energtica,
ainda dava para acreditar que Deus, tido como cidado brasileiro, daria um
jeito, mandando chuva suficiente para abastecer os reservatrios.
Acontece que a runa tambm moral/tica, econmica, social, poltica, de
ideias, de tudo, a rigor.
Para no voltar muito ao passado, examinemos rapidamente o cenrio
econmico, tal como lembrado por Delfim Netto, na sua coluna desta quartafeira (4), na Folha.
"No possvel ignorar que em 2014, quando a nica preocupao do governo
foi a sua vitria numa intensa e cruel campanha eleitoral, as consequncias
foram muito ruins: deficit primrio de 0,6% do PIB; deficit fiscal total de 6,7%
do PIB; gasto com juros para o pagamento da dvida de R$ 250 bilhes, em
torno de 5% do PIB, acompanhados por um aumento da relao dvida pblica
bruta/PIB para 63,4% do PIB, por uma taxa de inflao de 6,41% e por um
surpreendente deficit em conta corrente de US$ 91 bilhes, 4,2% do PIB".
Faltou dizer que o crescimento, se for zero, ser um bom resultado.
Passemos para outra runa, a tica, e citemos outro colunista da Folha, Matias
Spektor:
"Estima-se que a roubalheira envolvendo cofres pblicos tenha custado at 5%
do PIB s na ltima dcada. E quando Collor foi posto para fora, em 1992, o
ndice de confiana nos polticos era de 31%.
Treze anos depois, durante o mensalo, era de apenas 8%".
Spektor lembra que ainda est para ser contabilizado o pai de todos os
escndalos, o "petrolo".
Digo o pai de todos porque o primeiro, pelo menos at onde vai minha
memria (que de longo alcance), em que foram para a cadeia executivos de
grandes empresas.
Ou seja, uma das primeiras vezes em que so apanhados no apenas os
corruptos de costume (em geral funcionrios pblicos ou polticos) mas tambm
os corruptores (o lado privado da corrupo).

Nesse cenrio, o que se poderia esperar da classe dirigente seriam


demonstraes de preocupao, a busca urgente de respostas, providncias
capazes de estancar uma e outra sangria.
O que se viu, no entanto, neste domingo, foi o deboche.
Pelo excelente relato de Bruno Boghossian, na festa da vitria de Eduardo
Cunha (ela, em si, j um deboche), os dois principais articuladores polticos do
governo foram ridicularizados.
Aloizio Mercadante (Casa Civil) foi chamado de Freddie Mercury, vocalista j
morto do grupo Queen, pelo seu bigode, ao passo que Pepe Vargas (Relaes
Institucionais) virava Pepe Legal, o desastrado personagem de desenho
animado.
Quando o deboche se d entre companheiros de base governista, tem-se um
retrato acabado da runa poltica em que se encontra a ptria amada.
Tudo somado, o fato que trs runas combinaram encontro neste fevereiro.

Acionista deve ter cuidado com euforia na Petrobras


Momento propcio a boatos e instabilidade
ANDR CABETTE FBIOTONI SCIARRETTADE SO PAULO
O pequeno investidor deve tomar cuidado para no embarcar em momentos de
euforia com a mudana na direo da Petrobras, como ocorreu na ltima tera
(3), quando as aes subiram 15%.
Os papis da empresa devero ter forte oscilao ao sabor de boatos, sendo que
alguns so plantados para mexer com o mercado.
Nesta quarta (4), as aes preferenciais (sem voto) chegaram a subir 7,8% logo
aps o comunicado sobre a renncia da presidente Graa Foster, mas
terminaram o dia com alta de apenas 0,2%. J os papis ordinrios (com voto),
que subiram 8,27%, fecharam em alta de 1,12%.
Grande parte da valorizao da manh foi devolvida tarde pela venda macia
dos que compraram o papel para vend-lo minutos aps registrarem algum
ganho. Lucrou mais quem vendeu antes.
Roberto Altenhofen, consultor da Empiricus, v a sada de Foster e a perspectiva
de entrada de um nome respeitado com cautela. "Quando a Graa assumiu, era
vista como uma presidente que iria tomar o lugar de uma gesto irreal do [Jos
Srgio] Gabrielli [ex-presidente], que no cumpria metas havia dez anos. As
aes subiram, mas deu no que deu", disse.

O consultor no recomenda a compra de aes da empresa, apesar de elas


estarem em baixa. Para quem j comprou, sua recomendao vender nos
momentos favorveis e recuperar parte do prejuzo em outra aplicao.
Erasmo Vieira, consultor financeiro, no entanto, sugere que quem j tem os
papis aguarde antes de vend-los.
A compra de aes da empresa deve ser encarada, afirmou, como aplicao de
alto risco, a ser feito por quem tem dinheiro sobrando. " difcil saber o que est
ocorrendo. O balano no contabilizou as perdas com corrupo."
"Sem a definio [dos diretores], as aes continuaro com alta volatilidade.
Uma deciso rpida e um nome forte so importantes para a Petrobras comear
uma nova fase", disse Adriano Moreno, da AZ Futurainvest.
MARCELO MITERHOF

Minha tentativa de adoo


A adoo consensual deveria acabar; alm do risco de comrcio,
injusta com os demais adotantes
No dia 26, nasceu minha segunda filha, encerrando uma jornada de seis anos
com minha mulher tentando engravidar e adotar. A ideia original era ter pelo
menos uma cria de cada jeito. Mas desistimos da adoo. Tal relato o tema de
hoje.
Por causa da idade, a tentativa inicial era engravidar naturalmente. Diante da
dificuldade, passamos a buscar a habilitao para a adoo.
Procuramos um grupo de apoio adoo perto de casa, o que foi uma
experincia animadora. Um psiclogo judicial destacou que a prioridade pblica
conseguir famlias para as crianas, e no filhos para os candidatos a pais. O
desejo dos adotantes fundamental para as coisas funcionarem. No entanto,
quanto mais restritivo ele for --em termos de idade, ausncia de doenas, sexo
ou cor--, mais demorado ser. Vale refletir: quem sabe uma criana mais velha?
Ou um grupo de irmos?
Queramos um beb sem doenas graves incurveis, o que basta para tornar a
espera longa, porm isso poderia ser reavaliado durante a habilitao.
O diabo foi que at ela ser concluda foram quase dois anos desde a reunio
informativa inicial.
Na Vara da Infncia de onde residimos, antes de dar entrada na documentao
para a habilitao, preciso participar de trs encontros de grupos de apoio,
cuja periodicidade mensal. uma exigncia til. S que na reunio

informativa foi dito que somente seis meses depois seria possvel comear a
frequent-los de forma a valer para seu cumprimento. A alegao era falta de
vaga.
Mesmo com dezenas de grupos na cidade, apenas trs contavam oficialmente. E
no estavam lotados. Como funcionam independentemente das regras da
habilitao, decidimos ir a reunies de um deles, o que foi possvel sem
problema.
O objetivo era retardar a entrada oficial dos documentos para a habilitao.
Assim, as estatsticas de desempenho melhoram, embora no correspondam
realidade.
Outro exemplo foi a demora de quatro meses para ser concludo o relatrio da
visita de 20 minutos do assistente social. Mesmo o juiz extrapolou o tempo que
tinha para deferir ou no a habilitao e, quando o fez, colocou a data do
primeiro dia de prazo.
Claro, o Estado precisa avaliar com cuidado as pessoas para quem sero
entregues crianas que j enfrentam uma situao de abandono ou risco. Ainda
assim, quase desnecessrio lembrar o quanto essas crianas so prejudicadas
por tamanha demora numa etapa preliminar da adoo.
O segundo problema foi que no meu Estado a Justia ainda permitia, embora o
sistema de assistncia social dificulte, a adoo consensual: pais biolgicos que
querem dar o filho para a adoo de um determinado casal ou pessoa. Nesse
caso, a habilitao pode ser agilizada.
Em outros lugares isso proibido em razo, por exemplo, do risco de comrcio.
Sou testemunha disso. Por um advogado, conhecemos uma jovem que j tinha
dado um beb adoo consensual e estava grvida novamente. Em troca,
queria uma ligadura de trompas. Dissemos que por lei no poderamos pagar
por isso. Mas era possvel orient-la a procurar no SUS.
Ao nascer, o beb precisou de dez dias de internao com a me para
amament-lo. Apesar de nossas visitas e do acerto dos procedimentos, os pais
desistiram na ltima hora. Como no nos avisaram, fomos at sua casa para
ouvir o que no queramos acreditar. Vendo a criana que j tinha como filho,
no posso garantir que, se tivesse ocorrido, teria recusado um pedido de
dinheiro.
A adoo consensual deveria acabar de vez. Soa como atalho para quem capaz
de acionar uma rede de relaes, em particular via advogados da rea. Porm,
alm do risco de comrcio, injusta com os demais adotantes e no traz ganho
para a criana. Seu caso mais comum, o de bebs, tem adoo rpida.
Se os pais biolgicos no querem criar um filho, devem entreg-lo ao Estado,
que o destinar adoo conforme as filas de espera. Havendo agilidade, todos
(crianas, pais biolgicos e adotivos e a sociedade) so atendidos.

Conheci timos profissionais. O sistema tem vrias coisas boas. Contudo, minha
experincia ruim no deve ser to rara.
Foi a fertilizao in vitro que acabou nos dando nossas filhas. A elas, a recmchegada Rosa e Dolores, dedico a coluna. E tambm ao filho que chegamos a ter,
a quem desejo que esteja muito bem com a famlia que decidiu se esforar para
ficar com ele.
PASQUALE CIPRO NETO

Falta gua na sede do governo?


E como se conseguiria o 'milagre' de informar o fato verdadeiro,
com as mesmssimas palavras? Bastaria inverter a ordem
Como diz um velho ditado, seria cmico, se no fosse trgico. Na semana
passada, um site estampou este ttulo: "Grupo protesta contra falta de gua na
sede do governo". A sede do governo sem gua? Como assim? Nossas vigilantes
autoridades no merecem passar por isso!
Eta batalha inglria, caro leitor! Lutar contra essas surradas barbaridades no
texto brasileiro impresso mais ou menos como ter esperana de que as coisas
neste pas um dia mudem, melhorem etc.
Mas voltemos ao ttulo citado. H erro gramatical nele? No h, caro leitor,
como tambm no h em algo como "Eu nasci em 1655" ou "Lula e Dilma no
sabiam de nada". Em nenhum dos casos, o problema de gramtica; de outra
natureza.
Lido ao p da letra, o ttulo informa que a razo do protesto a falta de gua na
sede do governo. Quando se vai para o texto a que remete a "chamada" de capa,
descobre-se o que de fato ocorreu: algumas dezenas de pessoas foram at a sede
do governo paulista para protestar contra a falta de gua.
E como se conseguiria o milagre de informar o fato verdadeiro, com as
mesmssimas palavras? Bastaria inverter a ordem: "Na sede do governo, grupo
protesta contra a falta de gua"; "Grupo protesta na sede do governo contra a
falta de gua".
Algum dir que o contexto faz o leitor entender a inteno do redator. Esse
contexto, obviamente, no o do texto, que no h; o que h um ttulo, que
remete a uma realidade sobejamente conhecida de todos. O fato de a realidade
nos impor a leitura "correta" do ttulo no ameniza o desastre. No possvel
nem preciso redigir assim.
Agora veja o que ocorreu em Guarabira-PB, tambm na semana passada. Uma
loja estampou um cartaz com estes dizeres: "Oferta imperdvel - Chip Vivo - R$

1,00 - com - aparelho" (no havia esses tracinhos; eu os pus para indicar as
quebras de linhas que havia no cartaz).
Munido de R$4, um cliente entrou na loja e foi logo pedindo quatro aparelhos,
com os respectivos chips, claro. Estabeleceu-se a confuso. A polcia foi
chamada etc. Um atendente da loja disse que a inteno era informar que, na
compra de qualquer celular, o chip custaria R$1, mas, como diz um velho
ditado, de boas intenes o inferno est mais que cheio.
A construo no mnimo ambgua. As frases que expressam a real inteno do
redator exigem um verbo ou um substantivo que designe "o ato de". Nesse tipo
de mensagem, a ausncia desses termos muito comum e se explica pelo
imediatismo que se quer alcanar.
Posto isso, convm citar algumas das possveis solues (que vou escrever com a
forma e a pontuao de um texto "corrido"): "Oferta imperdvel: na compra de
um celular, chip (da) Vivo por R$1"; "Oferta imperdvel: na compra de um
celular, o chip (da) Vivo sai por R$1".
A imprensa noticiou o fato como "erro de portugus". muito mais do que um
simples erro de portugus; na verdade nem propriamente erro de portugus.
erro de pensamento, de lgica, de raciocnio.
Pergunto, pela ensima vez: no difcil ser claro quando se escreve, ? E por
que ser que esses desvios que vimos so to frequentes? Arrisco um palpite:
falta raciocnio complexo, falta desconfiar da obviedade da linearidade, falta
releitura da prpria escrita, falta... isso.
ANLISE

Obra de atriz foi marcada por desejo de liberdade e superao


INCIO ARAUJOCRTICO DA FOLHA
Antes de se tornar a estrela que se tornou, existem fatos dramaticamente
marcantes na vida de Odete Lara.
Foi depois da morte do pai que ela comeou a trabalhar como secretria no
Masp. Ali, fez um curso de manequim e participou de desfile, um dos primeiros
do pas, promovidos por Pietro Maria Bardi.
Desde ento, as coisas em sua vida passam pela beleza, pois ela que a leva a ser
contratada pela TV Tupi como garota-propaganda, e logo atriz.
o diretor teatral Ablio Pereira de Almeida (1906-77) quem a indica a
Mazzaropi, com quem faria "O Gato de Madame", sua estreia no cinema.
Trabalhando nos dramas de Walter Hugo Khouri ("Na Garganta do Diabo") ou
em comdias ("Absolutamente Certo", de Anselmo Duarte), no Cinema Novo

("O Drago da Maldade contra o Santo Guerreiro", de Glauber Rocha), em


adaptaes ("Boca de Ouro", de Nelson Pereira dos Santos, baseado em Nelson
Rodrigues), Odete afirma no apenas sua competncia, como uma presena
singular.
MISTRIO
Seduz os diretores e o pblico com a mesma intensidade. Possui essa qualidade
que faz as estrelas. Sua beleza, agressiva,tinha um qu de mistrio; seu olhar era
de uma altivez rara, sua voz, extremamente sensual.
Tudo isso a coloca no mesmo patamar de Norma Bengell, na condio de estrela
intocvel, num tempo em que o cinema ainda construa mitos.
Ao contrrio de Norma, no entanto, logo se enfastia do cinema e, ainda nos anos
1970, abandona a carreira.
Voltaria a filmar esporadicamente e a receber homenagens, mas marcante foi
sua descoberta do budismo.
Ela negava ter abandonado o cinema pela religio, que conheceu tempos depois
de encerrar a carreira. E tambm no aceitava que o budismo fosse considerado
uma religio convencional: considerava-o "uma prtica", e escreveu livros sobre
sua experincia.
A sexualidade que aparecia nas telas com tanta evidncia foi um aspecto
marcante em sua vida. Seus diversos casamentos e inmeros romances talvez
justifiquem a autodefinio de "escrava do sexo" que se atribuiu em dado
momento.
Talvez seja, mais do que um exagero, uma impreciso. A vida de Odete Lara,
assim como sua obra, foram essencialmente marcadas pelo desejo de liberdade
e pela superao dos traumas de juventude.
Deixa o registro de sua beleza e de seu talento, em filmes, e de sua busca
interior, nos livros que publicou. No um legado pequeno, longe disso.

Aps trote, jovem pode perder viso de um olho


Caso ocorreu em Adamantina (SP), em que uma aluna teve pernas queimadas
Veteranos jogaram cido em calouros, segundo relato das vtimas;
estudantes podem ser expulsos
KAIO ESTEVESCOLABORAO PARA A FOLHA, EM ARAATUBA
Um estudante de 18 anos corre o risco de perder a viso do olho esquerdo por
causa de um trote violento em Adamantina, a 594 km da capital.

O ataque ocorreu durante o trote com calouros da FAI (Faculdades


Adamantinenses Integradas), na segunda (2) --mesmo dia em que outra aluna,
Nathlia de Souza Santos, 17, teve as pernas queimadas.
Morador de Tup (a 533 km da capital), o jovem, que calouro do curso de
engenharia ambiental e pediu para no ser identificado, contou que os alunos
veteranos abordaram os calouros na chegada do campus da faculdade, que tem
4.000 alunos.
Depois, um grupo de alunos do curso obrigou os novatos a se organizarem em
fila e jogou um lquido cido na cabea deles.
"Aquilo cheirava muito mal, fedia muito. A acabou escorrendo no meu olho. No
outro dia eu no aguentava de dor", disse o estudante.
Nesta quarta-feira (4), um mdico constatou que 70% da crnea de um olho foi
afetada pelo produto.
"A gente ainda no sabe o que vai acontecer. Vamos fazer o acompanhamento
do caso e torcer para que tudo d certo", disse a tia do jovem, Keila Castilho.
O estudante disse que no sabe quando poder voltar faculdade, mas garantiu
que no vai abandonar o curso.
Ele no registrou a agresso na polcia.
Segundo Keila, a FAI informou famlia que vai abrir uma sindicncia
administrativa para apurar o caso.
Em nota divulgada na tera (3), a instituio afirmou que, caso fique
comprovado que os autores dos trotes violentos so alunos veteranos, sero
tomadas medidas administrativas que podem acarretar na expulso deles.
A estudante Nathlia, que teve as duas pernas queimadas, disse que tem medo
de voltar faculdade. "Depois do que aconteceu, senti certa insegurana", disse
Folha.
A caloura, que estava comeando a faculdade de pedagogia na FAI, vai ficar um
ms de repouso em casa para se recuperar e voltar a andar normalmente. Nesta
quarta, ela retirou as ataduras que cobriam os ferimentos.
FOCO

Bandidos sequestram ovelha e pedem R$ 10 mil de resgate


DE CAMPINAS

Ela filha de Leci Brando e irm gmea de John Lennon. Usa culos de sol,
carrega um celular a tiracolo e passa at perfume. Tem seis anos e traumas de
infncia --foi abandonada pela me.
No ltimo sbado (31), a ovelha Madonna viveu outro acontecimento triste: foi
sequestrada. Agora, os autores do crime pedem R$ 10 mil para libert-la.
O pedido de resgate foi escrito num pedao de papelo, com local e hora para o
pagamento. Madonna dcil e conhecida na rea rural de Jundia (a 58 km de
So Paulo).
O prazo venceu e o dono, um cuidador de animais que diz no ter o dinheiro do
resgate, acionou a polcia. Ainda no h pistas dos suspeitos.
Osvaldo Nelson Igncio Matioli, 59, se diz "despedaado" com o
desaparecimento de sua ovelha.
"Ela foi arrastada. Arrombaram a cocheira onde ela estava e levaram a
Madonna. Todo mundo a conhece porque vou para a cidade com ela. Ela virou
uma popstar."
O sumio foi notado na manh de sbado por um primo do cuidador. Ele chegou
para tratar do animal, que estava numa chcara prxima de Matioli, mas no o
encontrou.
Mais tarde, Matioli achou o bilhete, que levou polcia.
O dinheiro, dizia o cartaz, deveria ser colocado debaixo da ponte do rio Jundia
at o fim de domingo (1). O cuidador afirmou que foi at o local, mas no
encontrou ningum. "No tenho dinheiro. S tenho uma Parati 68 que est
muito velha", disse.
O delegado Daniel Juns, do 3 DP de Jundia, informou por meio de assessoria
que o caso de Madonna ser encaminhado para investigao na DIG (Delegacia
de Investigaes Gerais) da cidade.

Sem trauma
Corinthians espanta 'fantasma' com goleada e est perto de entrar no grupo do
So Paulo na Libertadores
ALEX SABINOMARCEL RIZZODE SO PAULO
Salvo tome uma virada de propores picas, o Corinthians garantiu que far
um clssico contra o So Paulo no Itaquero, no prximo dia 18, Quarta-Feira
de Cinzas.

Sem grandes dificuldades, a equipe paulista goleou o Once Caldas, da Colmbia,


por 4 a 0, nesta quarta (4), na partida de ida pela primeira fase da Libertadores.
Isso significa que pode perder por at trs gols de diferena na prxima quarta
(11), em Manizales, que garante classificao na fase de grupos da competio.
Dever entrar em chave que j tem Danubio (URU), San Lorenzo (ARG) e o So
Paulo.
A lembrana do Tolima era palpvel antes do jogo. Na ltima vez que disputou
esta fase do torneio sul-americano, em 2011, o Corinthians passou por um dos
grandes vexames de sua histria. Foi eliminado pelo pequeno time colombiano.
Mas h quatro anos, a equipe no tinha Emerson Sheik. Um atacante que em
alguns momentos caiu em desgraa com parte da torcida, mas que parece ter
uma relao de amor com jogos decisivos da Libertadores.
Heri do ttulo e autor de dois gols na final de 2012, ele foi protagonista na
goleada de ontem. Fez um e participou, mesmo que indiretamente, de outros
dois. Na viso de Tite, to importante quanto isso, foi a entrega. No parou de
voltar defesa para ajudar a marcao.
SEM GUERRERO
Sheik no deu chance para a torcida sentir qualquer nervosismo. Abriu o placar
com menos de um minuto. Foi mais um cruzamento do que um chute para o gol,
mas a bola entrou no ngulo direito de Cuadrado.
A dedicao de Sheik ajudou tambm a salvar a pele do atacante Guerrero,
expulso ainda no primeiro tempo por dar uma cotovelada em Camilo Prez. O
peruano no joga em Manizales e pode ser suspenso por mais partidas pela
Conmebol, dependendo do relatrio do rbitro argentino Patrcio Lostau.
O Once Caldas tentou se organizar em campo. Continuou com o mesmo
problema da ltima temporada do Campeonato Colombiano. Parece incapaz de
fazer gols. Mesmo tendo criado chances, como aconteceu no Itaquero --teve
um gol anulado que seria o do empate.
O principal reforo da equipe para a Libertadores, o atacante argentino
Sebastian Penco, mais atrapalhou do que ajudou.
Foi uma noite em que tudo deu to certo para o Corinthians que o segundo gol
foi marcado por Felipe, o zagueiro que Tite bancou entre os titulares. Edu
Dracena foi contratado para atuar ao lado de Gil. Mas quem estreou na
Libertadores foi o ex-defensor do Bragantino que ainda luta para conquistar a
torcida. Ele desviou de cabea cobrana de escanteio conquistado por Emerson
Sheik.
Quando Murillo foi expulso pelo Once Caldas, o jogo ficou mais fcil para o
Corinthians. O golao de Elias, aps tabela que envolveu boa parte do ataque, e
o toque de Fgner por cima do goleiro, apenas confirmaram que a vaga est bem
perto.

Quando acabou o jogo no Itaquero, o sistema de som avisou que os torcedores


precisavam se apressar para garantir os ingressos para os prximos jogos no
estdio. Um deles dever ser contra o So Paulo.
JUCA KFOURI

Luz no fim do tnel


O grupo interministerial de trabalho para a reforma do futebol
pode sair melhor que a encomenda
Baro de Itarar dizia que de onde nada se espera que no sai nada.
No que fosse esta a expectativa sobre o grupo de trabalho montado pelo
governo federal para reformar o futebol, porque nascida do exemplar veto
presidencial ao contrabando tentado pela CBF.
Recordemos: numa Medida Provisria, a 656, que trata de iseno de imposto a
importao de aerogeradores, a bancada da bola quis aprovar o refinanciamento
das dvidas dos clubes sem contrapartidas na gesto.
Dilma Rousseff vetou sabendo que o gesto valeria o apoio da cartolagem ao novo
presidente da Cmara dos Deputados, Eduardo Cunha, como o futuro
presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, explicitou.
Mas na derradeira reunio do grupo de trabalho, anteontem, ficou mais
explcita ainda a vontade de fazer uma reforma para valer, mesmo com a
conscincia do governo de que a MP a ser encaminhada ao Congresso Nacional
enfrentar dura batalha para virar lei.
O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, foi taxativo: "O veto da presidenta
foi o sinal de que faremos, agora, tudo o que for possvel".
O que significa apoiar as reivindicaes do Bom Senso FC e ir alm, com a
criao de uma agncia nacional reguladora para fiscalizar a administrao do
futebol. No se trata, como j se quer envenenar, da criao de nenhuma
"Futebrs", por ridculo, mas, sim, de acabar com a terra de ningum que
caracteriza nosso futebol.
A melhor surpresa da reunio ficou por conta do ministro do Esporte, George
Hilton, alvo de justas crticas ao ser anunciado e objeto de desconfiana dos
esportistas do pas.
Era dele que no se podia esperar nada e foi dele a atitude inesperada.
Ao saber que estava engavetado em seu ministrio o excelente relatrio sobre
violncia de torcidas feito por Marco Aurlio Klein, que hoje cuida da

Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem no governo, Hilton manifestou


interesse em saber mais.
O que poderia ter sido apenas para ficar bem na foto, como os polticos fazem
corriqueiramente, transformou-se numa ordem para que Klein, j nesta
segunda-feira, apresente a ele o trabalho engavetado por dois ex-ministros do
Esporte do PCdoB, Orlando Silva e Aldo Rebelo, aos quais faltou coragem para
enfrentar a questo.
O relatrio de Klein, sem exagero, a verso brasileira do famoso Relatrio
Taylor, at porque baseado nele, que significou o pontap inicial para combater
o descalabro do hooliganismo na Gr-Bretanha.
Se do grupo de trabalho resultar, alm do imprescindvel choque de gesto, o
comeo do fim da violncia das torcidas, o governo far mais que os sete gols
alemes.
Em tempo: representaram a chamada sociedade civil, na reunio
interministerial os jornalistas Paulo Calade ("O Estado de S. Paulo"/ESPN),
Erich Beting (Mquina do Esporte), este colunista, e Walter de Mattos Junior
(Grupo "Lance!"), alm de Marcelo Campos Pinto (Globo Esporte).
Vamos cobrar.

Anderson Silva afirma que no se dopou


UFC
Lutador brasileiro de 39 anos foi flagrado em exame antidoping; atleta pode
pegar nove meses de suspenso
EDUARDO OHATACOLABORAO PARA A FOLHAMARCEL
MERGUIZODE SO PAULO
Em comunicado oficial imprensa norte-americana, o lutador brasileiro
Anderson Silva, 39, negou que tenha utilizado substncias proibidas para
aumentar o seu desempenho nas lutas de MMA (artes marciais mistas).
"Eu venho competindo neste esporte h muito tempo. Passei por vrios exames
e nunca tive um resultado positivo. Eu no tomei nenhuma droga para melhorar
a minha performance", disse.
"Minha posio sobre drogas , e sempre ser, a mesma. Sou um defensor do
esporte limpo", afirmou.
Teste realizado por Anderson em 9 de janeiro apontou uso do esteride
drostanolona e tambm de androsterona. Com isso, ele fica sujeito a suspenso
de nove meses, alm de pagamento de multa, se for comprovado o uso das
substncias proibidas.

Segundo a equipe do lutador, Anderson pedir a contraprova do exame. Ele est


suspenso temporariamente.
"Estou consultando meus assessores para ver quais so minhas opes.
Pretendo lutar contra essa alegao e limpar o meu nome", completou.
O lutador ser ouvido por membros da comisso em uma audincia no dia 17.
RETORNO AO OCTGONO
Conhecido como o maior lutador de MMA da histria, Anderson retornou ao
octgono do UFC na madrugada de domingo (1), aps mais de um ano inativo,
na vitria sobre o americano Nick Diaz, que tambm foi pego no antidoping por
uso de maconha.
Anderson comeara na segunda a participar das gravaes do reality show "The
Ultimate Fighter". A Folha apurou que o lutador participou normalmente do
programa at tera (3). Segundo o UFC, ele continuar no show.
No fim da noite de tera-feira o UFC divulgou nota informando que Anderson
Silva havia sido flagrado no teste fora de competio.
O UFC alega ter sido informado do resultado positivo no exame na prpria
tera-feira pela Comisso Atltica do Estado de Nevada, nos Estados Unidos.
A comisso o rgo regulador do esporte ligado ao governo. a comisso que
"encomenda" os testes para o Laboratrio de Pesquisa de Medicina Esportiva e
Exames de Utah e que depois repassa para o UFC, procedimento idntico ao
adotado com as firmas que promovem lutas de boxe.
EXAME ATRASADO
O laboratrio justificou a demora em apresentar o resultado do teste do
"Spider".
"Quem faz a coleta marca a prova com um nmero, no com o nome. O analista
no laboratrio no faz ideia de quem est sendo examinado", justificou Daniel
Eichner, diretor-executivo do laboratrio, ao explicar que no pautado pela
data em que acontecem os eventos.
"Por isso no tem como impor mais ou menos urgncia aos exames. Na
Olimpada tem gente que corre dopada e que depois tem a medalha cassada",
completou.
Como uma empresa privada, sem estar ligada Agncia Mundial Antidoping
(Wada, na sigla em ingls), o UFC pode aplicar a punio que desejar ao
brasileiro.

No entanto, se fosse um esporte olmpico, o lutador pegaria no mnimo quatro


anos de suspenso, afirma o advogado brasileiro especializado em antidoping,
Thomaz Sousa Lima Mattos de Paiva.
"Como o UFC no vinculado Wada, a situao obscura. No respeitam
padres internacionais do cdigo antidoping. Agora esto tentando seguir, mas
no respeitam ainda. Como tm aspirao de ser esporte olmpico,
provavelmente vo tentar se adequar. O caminho longo", diz Mattos de Paiva.
O laboratrio que fez o exame de Anderson, por exemplo, no credenciado
pela Agncia Mundial Antidoping.

Filho de lutador chama crticos de falsos e reclama de fs na web


DE SO PAULO
A famlia de Anderson Silva reagiu s crticas que o lutador recebeu aps o
anncio do doping. O filho, Kalyl, 15, usou sua conta em uma rede social para
desabafar contra as palavras dos antigos fs.
"Alguns de vocs dizem ser #TimeSilva, mas assim que um rumor como esse
surge... Vocs tm que pensar duas vezes sobre isso... Gente falsa... Mas
acreditem no que vocs quiserem acreditar", escreveu Kalyl, em ingls.
J Kaory Silva, 18, a filha mais velha do lutador, replicou mensagem do prprio
pai aps sofrer a fratura na luta contra Chris Weidman.
"Brasil, sinto muito. No queria ter desapontado vocs. Dei o meu melhor, eu
juro", diz o texto de Silva.
Alguns lutadores de MMA se mostraram decepcionados com Anderson Silva.
"Parte o meu corao que o melhor de todos os tempos sucumbiu presso",
afirmou o americano Tim Kennedy.

Decifra-me ou te devoro
'O Jogo da Imitao' leva ao cinema o enigma Alan Turing, matemtico que
desvendou cdigos nazistas e foi condenado por ser homossexual
MARCELO GLEISERESPECIAL PARA A FOLHA
"s vezes, so aqueles que ningum imagina poder fazer algo que fazem algo
que ningum pode imaginar." Essa a frase central de "O Jogo da Imitao", o
filme sobre o matemtico britnico Alan Turing, um dos mais ilustres e mais
desconhecidos cientistas da histria.

Lanado em novembro nos Estados Unidos, acumulou oito nomeaes para o


Oscar, incluindo melhor filme, ator, diretor e atriz coadjuvante. Finalmente
Turing recebe a ateno que merece.
Um dos pioneiros da teoria da computao, Turing criou tambm o famoso teste
com o seu nome, essencial na pesquisa de inteligncia artificial: um interlocutor
isolado tem que determinar se conversa com uma mquina ou uma pessoa. Essa
uma das imitaes a que o ttulo do filme se refere. A outra vem da
homossexualidade de Turing, que escondeu por toda a vida. Ou quase.
ENIGMA
O filme foca o trabalho de Turing em Bletchley Park, onde agentes civis e
militares do servio secreto ingls tentavam decodificar as mensagens de rdio
que os nazistas usavam para orientar ataques de suas foras armadas. Os
cdigos, considerados inquebrveis, eram gerados por uma mquina chamada
Enigma. Se Enigma fosse decifrada, os aliados venceriam a guerra.
Turing um heri sem hino, ao menos at agora. O homem que desvendou o
maior dos segredos era cheio deles. Sem insistir em detalhes tcnicos --mais
apropriados para um documentrio-- o filme dramatiza as tenses de Turing no
trabalho (algumas inventadas) para relatar o progresso na construo da
mquina que o ajudaria a decifrar Enigma.
O perfil do gnio solitrio, excntrico e socialmente inepto cabe bem no caso
dele. Com sua sexualidade reprimida, seu maior prazer era correr, terminando
maratonas em apenas 11 minutos a mais do que o recorde mundial da poca.
Condenado pela sua homossexualidade, Turing foi submetido castrao
qumica.
Morreu em 1954, aos 41 anos, oficialmente por suicdio, segundo sua me por
acidente. Em 2009, o ento primeiro-ministro britnico Gordon Brown pediu
desculpas em nome do governo pelo modo com trataram Turing. A rainha
Elizabeth 2 perdoou-o em 2013. Seria bom saber do que foi perdoado,
exatamente.
MARCELO GLEISER professor titular de fsica, astronomia e filosofia
natural no Dartmouth College, EUA e autor de "A Ilha do Conhecimento"
(Record)

a histria de um deslocado social, afirma roteirista


GUILHERME GENESTRETIDE SO PAULO
O matemtico ingls Alan Turing (1912-54) era abertamente gay diante dos
amigos e no tinha pudores em fazer avanos --em geral malsucedidos-- sobre
outros homens. Tambm era afvel e, ainda que tmido e excntrico, tinha seus
momentos de piadista, segundo sua principal biografia, "Alan Turing: The
Enigma", de Andrew Hodges.

"O Jogo da Imitao", filme que estreia nesta quinta (5), passa por cima desses
detalhes para contar a histria do cientista que decifrou cdigos militares
usados pelos nazistas e ajudou os Aliados a vencer a Segunda Guerra. Na tela,
Turing (Benedict Cumberbatch) retratado de forma bem mais pudica e agindo
de maneira absolutamente aptica, alheio a todos ao redor.
"No pretendemos ser a ltima palavra sobre ele, apenas a primeira", diz
Folha o roteirista e produtor-executivo do longa, o americano Graham Moore,
indicado ao Oscar por roteiro adaptado --uma das oito estatuetas a que "O Jogo
da Imitao" concorre, incluindo melhor filme.
F de Turing desde a poca em que era "um adolescente estranho e sem muitos
amigos", Moore, 33, conta que escreveu a primeira cena do roteiro aps
"algumas doses de usque" numa viagem de avio. " a histria de algum que
nunca se encaixou socialmente e por isso via o mundo de forma diferente e pde
conquistar o que conquistou."
Em 2011, o roteiro, o primeiro escrito por Moore, encabeou a lista do site "The
Black List", que rene scripts ainda no rodados.
MANIFESTO OU EQUVOCO?
A maior parte da trama, com clima de filme de espionagem, envolve Turing e
sua equipe tentando desvendar o Enigma, o tal dispositivo alemo que enviava
mensagens em cdigo para coordenar os ataques militares aos Aliados.
Fora um frustrado amor na infncia e a meno a um amante de 19 anos que
nunca aparece em cena com o protagonista, o filme ignora sua vida afetiva e
prefere centrar fogo na relao platnica entre Turing e sua assistente,
interpretada por Keira Knightley.
Em janeiro, Andrew Hodges, autor do livro que embasou o roteiro, disse
Folha que o filme pecava por no dar o devido peso vida sexual do
matemtico, que se submeteu a uma castrao qumica aps ser condenado
pelas leis "anti-indecncia" da Inglaterra dos anos 50.
Apesar da omisso, a organizao Human Rights Campaign abraou o filme
como uma espcie de manifesto gay, publicando anncios de pgina inteira nos
jornais "The New York Times" e "Los Angeles Times" pedindo aos membros da
Academia para votar em "O Jogo da Imitao" para o Oscar.
"A campanha fantstica, mas no h filme mais equivocado em que se apoiar",
escreveu Tim Teeman, editor de cultura do site "The Daily Beast". "No h
nenhuma fagulha sequer de desejo gay nas telas."
Graham Moore se defende: "Tudo indica que ele era celibatrio, mas no por
opo, e sim porque ser gay era ilegal. Ainda assim, sua mente era muito lgica,
matemtica: ele no conseguia conceber nada de errado nessa orientao."
CRTICA - CINEMA/FICO CIENTFICA

Diretores de 'Matrix' criam algo constrangedor de to medocre


THALES DE MENEZESEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"
"O Destino de Jpiter", novo filme dos criadores da trilogia "Matrix", s tem
chances de agradar se o pblico no cinema aceitar uma srie de coisas
improvveis.
necessrio acreditar em reencarnao, que Jpiter pode ser habitado por
homens, que a humanidade no nasceu na Terra, que policiais podem ter asas e,
o mais difcil de crer, que Channing Tatum e Mila Kunis so atores.
muita coisa para resumir, mas eis uma tentativa. Mila Jpiter, imigrante
russa que trabalha como faxineira em Chicado. Um belo dia, aliens surgem
tentando mat-la.
A moa salva por Caine (Tatum), um guerreiro modificado com genes de lobo
e cheio de armas malucas. Ele vai lev-la ao espao, para entreg-la a trs
irmos que so "donos da Terra".
Sim, a humanidade s um bando de pessoas que foi "plantado" aqui e agora os
donos vo fazer a "colheita", ou seja, matar todo mundo.
Jpiter entra nessa baguna como a suposta reencarnao da me dos irmos,
assassinada h sculos --sim, eles vivem milhares de anos.
Eddie Redmayne, ator indicado este ano ao Oscar pelo filme "A Teoria de Tudo",
aparece logo na primeira cena. Ele o mais poderoso dos irmos e atua com
caras e boca insuportveis.
O visual de tudo ridculo --as naves se parecem com peixes ornamentais de
aqurio-- e exagerado, colorido.
Claro que o casal vai se apaixonar. Em vrias situaes, Jpiter est prestes a
ser morta e Caine est longe, tendo de superar vrios inimigos e percalos para
salv-la.
Isso repetido tantas vezes que o filme fica definitivamente com cara de game.
Um game ruim, que fique claro.
E o que ruim pode sempre piorar. A concluso quase constrangedora. At
mesmo Tatum e Mila devem ter passado vergonha ao faz-la.
Depois de 127 minutos de "O Destino de Jpiter", s falta os diretores
anunciarem que se trata de mais uma trilogia. Nesse caso... Socorro!
CRTICA - CINEMA/AO

'Coraes de Ferro' pertence linhagem de filmes que no acreditam em seus heris


O GRUPO DE CINCO COMBATENTES LIDERADOS PELO
SARGENTO WARDADDY (BRAD PITT) NADA MAIS QUE UMA
MQUINA DE MATAR
CSSIO STARLING CARLOSCRTICO DA FOLHA
"Ideais so pacifistas. A histria violncia." A frase, cuspida por um sargento
veterano na face de um jovem recruta, define a ambiguidade que desorienta os
personagens de "Coraes de Ferro".
Ambientado durante a invaso das tropas aliadas ao territrio alemo na fase
final da Segunda Guerra, o longa pertence linhagem dos filmes de guerra que
no acreditam em seus heris.
Por uma coincidncia no calendrio de estreias, "Coraes de Ferro" chega ao
circuito logo antes do lanamento de "Sniper Americano", ao qual ope um
ponto de vista negativo ao do guerreiro fascistide retratado no filme de Clint
Eastwood que estourou nas bilheterias dos EUA.
Pois o tratamento niilista escolhido pelo diretor e roteirista David Ayer mantm
o longa afastado da tradicional defesa do bem que sempre assegura aos
americanos o lugar de guardies do humanismo e da humanidade.
O grupo de cinco combatentes liderados por "Wardaddy" (Brad Pitt, longe da
imagem sedutora) nada mais que uma mquina de matar.
Apelidado de Fury (fria, nome original do filme), o tanque no qual se movem
os soldados funciona como o lugar onde foram abolidas as razes humanas
admitidas para derrotar o inimigo.
Aqui, a barbrie deixa de ser a caracterstica exclusiva dos nazistas que justifica
sua destruio e se impe desde o campo "civilizatrio" representado pela
Amrica.
A chegada de Norman (Logan Lerman), um jovem ingnuo, a essa zona de
horror oferece o contraste que falta. As crenas que ele guarda na inocncia
infantil, no amor ao prximo e no interdito moral ao assassinato tero de ser
ultrapassadas para que o garoto enfrente o combate em que s vale matar ou
morrer.
Assim, o conflito se desloca do habitual "ns contra eles" dos filmes de ao para
as entranhas desse "ns" e introduz um bocado de dvidas na cabea de quem
s sente prazer na pancadaria.
Como em "Os Reis da Rua" (2008) e "Marcados para Morrer" (2012), filmes
dirigidos antes por Ayer, o perfeccionismo visual e o ritmo das cenas de ao

deixam a impresso de que se trata de apenas mais um competente realizador


especializado no gnero.
No entanto, o modo como seus filmes deixam na sombra as motivaes dos
personagens ou como foram a clssica identificao com tipos brutais e
amorais so sempre mais fascinantes do que a magia de fadas e elfos.
CONTARDO CALLIGARIS

O Oriente muito prximo


Degolas e massacres so uma ameaa contra o isl, bem mais sria
do que as stiras em filmes e escritos
1) Acabo de devorar, em dois dias, "Imprios do Mar", de Roger Crowley (Trs
Estrelas). Subttulo: "A Batalha Final Entre Cristos e Muulmanos pelo
Controle do Mediterrneo (1521-1580)".
Crowley conta a histria violentssima de um choque entre homens e naes. Os
homens, o leitor descobrir no livro. As naes eram, de um lado, a Espanha
(com os mercenrios de Gnova), os cavaleiros da ordem de Rodes e Malta, o
papa e Veneza; do outro, havia o Imprio Otomano, com o apoio da Frana.
Ora, cuidado: a histria que Crowley conta no nem a de um conflito de
culturas, nem a de uma guerra entre religies. Certo, na hora do vamos ver,
alguns invocavam Cristo, e outros, Al, mas, para todos, segundo Crowley, o que
estava realmente em jogo era o domnio do Mediterrneo --militar e comercial.
Voc j deve suspeitar que, desde o sculo 11, as nove cruzadas fossem mais
projetos de conquista e de saque do que sonhos religiosos de retomar o Santo
Sepulcro. Para Crowley, no sculo 16, tanto a Espanha quanto o imprio
Otomano queriam ser a nova Roma, os venezianos queriam que a guerra
parasse e todos voltassem a fazer negcios, e s o papa parecia acreditar que a
guerra fosse "santa".
Ser que o conflito de hoje entre o Ocidente e o mundo islmico pode ser
"apenas" uma guerra entre imprios?
Nos anos 1950, depois da crise de Suez, a Unio Sovitica parou de defender
Israel e passou a defender os pases rabes, e o Ocidente fez o inverso. Talvez
Israel e o mundo islmico fossem apenas pees na luta entre imprios.
Mesmo assim, eu tendo a pensar que o conflito entre o Ocidente e todos os
fundamentalismos (no s o islmico) seja hoje um enfrentamento de culturas e
princpios opostos, mas...
2) "Eis que, nesta mesma semana, li o novo romance de Michel Houellebecq,
"Submisso", a ser publicado no Brasil em 2015 pela Alfaguara.

O romance, no qual a Frana acaba sendo governada por um partido islmico,


foi publicado em 7 de janeiro deste ano. Em quatro dias, 250 mil exemplares
foram esgotados. Claro, 7 de janeiro foi o dia do massacre da redao de
"Charlie Hebdo". Mas esse ato de terror no era necessrio para "sensibilizar" os
leitores franceses.
Dois exemplos. O livro de ric Zemmour, "Le Suicide Franais" (o suicdio
francs, em portugus; editora Albin Michel), publicado em outubro de 2014, j
vendeu 400 mil exemplares: um ensaio de 520 pginas sobre a dissoluo
progressiva da Frana pelo pensamento de maio de 1968 e pelo descontrole da
imigrao.
Fato mais significativo, acaba de sair outro romance, "Les vnements" (os
eventos, editora P.O.L.), de Jean Rolin, que apresenta uma Frana transformada
em campo de batalha de milcias armadas (entre as quais as muulmanas).
Alguns desavisados anteciparam que o romance de Houellebecq incentivaria a
islamofobia --talvez porque o ttulo lembre que "submisso" o sentido da
palavra isl. No o caso.
Houellebecq imagina uma Frana em que um partido islmico toma o poder por
via eleitoral, com o apoio da esquerda e de sua conscincia culpada, e com a
nica oposio da extrema direita.
No romance de Houellebecq, como na viso de Crowley, a vitria do partido
islmico francs tem pouco a ver com um sonho de primazia religiosa, e tudo a
ver com um projeto de expanso imperial, Mediterrneo afora.
Para confirmar essa viso materialista do conflito, o protagonista de
Houellebecq, na hora de considerar a possibilidade de uma converso, no
pensa em princpios e crenas, mas em vantagens salariais.
Enfim, talvez a batalha relatada por Crowley em "Imprios do Mar" no tenha
sido a batalha final...
3) Em matria de Oriente, a outra novidade da semana "Timbuktu", o filme de
Abderrahmane Sissako. Por uma vez, o absurdo (tragicmico) fundamentalista
exposto por um cineasta muulmano. Imperdveis: os dilogos entre os
jihadistas e o xeque da mesquita de Timbuktu, assim como as reaes populares
s regras da polcia religiosa.
Em 2006, quando o "Charlie Hebdo" reproduziu as caricaturas de Maom
publicadas inicialmente na Dinamarca, a capa da revista era um desenho de
Cabu, em que Maom, exasperado, com as mos na cabea, dizia: " duro ser
amado por babacas"... Maom, em Timbuktu, no diria diferente.
Depois do atentado contra "Charlie Hebdo", o lder do Hizbullah, que no um
moderado, declarou que as degolas e os massacres so hoje uma ameaa contra
o isl bem mais sria do que as stiras em filmes, desenhos e escritos.

FOLHA 06-02-2015
EDITORIAIS

Duros golpes
Dilma sofre forte desgaste ao longo da semana, e situao do PT se
complica ainda mais com desdobramentos do escndalo da
Petrobras
Os papeis da Petrobras se valorizaram mais de 20% na Bolsa desde a sexta-feira
da semana passada, quando haviam atingido seu menor preo em 11 anos.
Ainda assim, o governo federal, principal acionista da empresa, no teve
nenhum motivo para comemorar.
Na tera-feira (3), a presidente Dilma Rousseff (PT) recebeu as cartas de
renncia de diretores da estatal. Precisando de tempo para encontrar
substitutos, combinou com Graa Foster, chefe da Petrobras, que o grupo sairia
no final deste ms, aps a publicao do montante desviado por corrupo.
Menos de 24 horas depois do acerto, contudo, cinco dos sete diretores
rejeitaram o cronograma, e a troca no comando da empresa ser confirmada
nesta sexta-feira (6).
Se se tratasse de uma estatal qualquer, j seria uma situao indigesta para
Dilma; estando em jogo o futuro da maior companhia do pas, a abdicao
coletiva representou um durssimo golpe contra a petista. E era s o primeiro.
Na prpria quarta-feira (4), 182 deputados federais preencheram requerimento
para a abertura de nova Comisso Parlamentar de Inqurito sobre o escndalo
da Petrobras. Prostrado, o Planalto viu o nmero mnimo de assinaturas (171)
ser ultrapassado com a ajuda de 52 parlamentares governistas.
Por dever de ofcio e provvel satisfao pessoal, o presidente da Cmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criou a CPI no dia seguinte. Sua instalao, porm,
deve ficar para depois do Carnaval, quando sero indicados seus integrantes.
Com alguma razo, o ministro Pepe Vargas (Relaes Institucionais) lembrou
que as CPIs perderam o protagonismo que tiveram no passado --mas talvez
tenha se esquecido de que a base de Dilma no Congresso mostra-se a cada dia
mais alheia aos interesses do PT.
Seja como for, Vargas tambm observou que, atualmente, ganharam destaque
os rgos de investigao, como a Polcia Federal e o Ministrio Pblico. De
fato.

Soube-se nesta quinta-feira (5), por exemplo, que Pedro Jos Barusco Filho, exgerente da Petrobras, estima que o PT tenha recebido at US$ 200 milhes, de
2003 a 2013, a ttulo de propina em contratos da estatal. O clculo consta de
depoimento prestado em novembro, fruto de acordo de delao premiada feito
com procuradores.
Em seu testemunho, Barusco d detalhes precisos sobre o esquema, incluindo a
participao de Joo Vaccari Neto, tesoureiro do PT j citado por outros
delatores.
No pouco sendo esta somente a primeira semana de trabalho do Judicirio e
do Legislativo em 2015. Prestes a completar 35 anos, o Partido dos
Trabalhadores tem poucos motivos para comemorar.
HLIO SCHWARTSMAN

Impeachment golpe?
SO PAULO - "Qualquer deputado pode pedir Mesa da Cmara a abertura
de processo [de impeachment] contra o presidente da Repblica. Dizer que isso
golpe falta de assunto." A frase no de um tucano em busca do 3 turno,
mas de um petista insuspeito. Ela foi articulada por Jos Dirceu em 1999,
quando o PT liderava um movimento para afastar o ento recm-reeleito
Fernando Henrique Cardoso, que, como Dilma, perpetrara um estelionato
eleitoral ao manipular o cmbio em favor de sua candidatura.
Trago essas incmodas lembranas numa tentativa de flagrar o militante,
petista ou tucano, no ato de aplicar pesos diferentes mesma medida. Se
deixarmos de lado a paixo poltica para tentar pensar os conceitos com rigor,
teremos de concordar com Dirceu. O impeachment o contrrio de um golpe.
Trata-se de um mecanismo constitucionalmente previsto que pode ser utilizado
para sair de certas crises. Embora seja um processo traumtico, certamente
prefervel a tanques nas ruas.
Como toda relquia institucional, o impeachment encerra ambiguidades. Ele
surgiu na Inglaterra medieval como um procedimento penal. Para que seja
aplicado, a autoridade precisa ser acusada de um "crime de responsabilidade".
Mas a definio do que seja esse tal de crime de responsabilidade
suficientemente aberta para comportar qualquer coisa, o que permite que o
instituto seja utilizado como instrumento poltico.
Na prtica, o impeachment um mecanismo de revogao de mandato
travestido de trmite judicial. Seria legal troc-lo pelo mais moderno recall de
voto, que existe na Venezuela e em pores dos EUA, mas improvvel que
legisladores transfiram populao um poder que hoje seu.

Quanto a Dilma, no creio que ela ser afastada nem o desejo. sempre mais
didtico quando o governante conclui seu mandato. nessas horas que o eleitor
decide se vai ou no rejeitar as polticas por ele adotadas.
LUIZ FERNANDO VIANNA

O vazio poltico
RIO DE JANEIRO - A Petrobras perdeu diretoria e muito dinheiro. O governo
federal desmorona. Governantes estaduais e municipais esto com um olho na
falta de gua e outro na Lava Jato --ambos os olhos quase fechados de tanto
medo. O Congresso virou um navio de piratas orgulhosos de sua podrido.
Como diria Agamenon Mendes Pedreira, jornalista inventado pelo Casseta &
Planeta, at a tudo bem.
O mais doloroso a inexistncia de ofertas (e de interesse?) de sadas polticas,
no sentido maior do adjetivo, no no dado pelo PMDB e pelos PQPs que o
seguem.
Nas ltimas duas dcadas, o PT e o PSDB, apesar de tropeos, foram as legendas
que mantiveram a poltica institucional num nvel um pouco acima do volume
morto. E agora?
O PT parece aquele cachorro que, depois de anos fazendo coc atrs da cortina,
espanta-se por ter sido descoberto. Est com o rabo sujo entre as pernas e sem
coragem de botar o focinho na rua, seja para o que for: pedir desculpas,
defender conquistas, propor metas de governo e de ao poltica mais limpas e
concretas, assumir-se como um ator que no tem o direito de se esconder.
A revolta do maior lder do PSDB se resume a deixar crescer a barba e dizer que
as denncias de corrupo so "estarrecedoras". penria esttica e estilstica
se somam os flertes do partido com o golpismo. No custa lembrar a Acio
Neves que, quando Carlos Lacerda tentou enxotar Getlio Vargas, era do lado da
legalidade que estava seu av Tancredo Neves.
Ficaram, governo e oposio, refns de Eduardo Cunha. O primeiro, por
covardia e burrice; a segunda, por oportunismo. Entregaram o ouro ao bandido.
Sobramos ns, populao, divididos, perplexos, receosos, sem saber por onde
retomar o fio das manifestaes de 2013. Mas no ser dos gabinetes que vir
uma sada.
ALCINO LEITE NETO

Acelerao versus poltica

O socilogo alemo Hartmut Rosa um dos pensadores atuais que merecem


ateno. Ele publicou poucos livros at agora, mas o debate de suas ideias cresce
a cada dia, em especial as expostas em "Acelerao Social: Uma Nova Teoria da
Modernidade" (na traduo do ttulo da edio americana de "Beschleunigung:
Die Vernderung der Zeitstrukturen in der Moderne").
O ttulo j antecipa o contedo rico e complexo do estudo, que aqui evoco
livremente. Rosa prope uma "sociologia sistemtica do tempo" para explicar a
era moderna como o confronto entre as foras de acelerao (as revolues
tcnicas, as mudanas sociais e o ritmo de vida) e as instituies (direito,
mecanismos de governana, famlia etc.).
As instituies servem para tornar a experincia da acelerao capitalista
tolervel aos indivduos e para garantir a eles segurana no presente e confiana
nas expectativas de futuro. Quando se tornam um entrave acelerao, as
instituies so foradas a se transformar, adaptando-se s mudanas sociais e
gerando novas estabilizaes.
Hoje, porm, a acelerao do ritmo de vida ganha tal proporo que as
instituies, incapazes de se transformar e impor qualquer resistncia s foras
desestabilizadoras, comeam a entrar em colapso.
A acelerao tambm intensifica a alienao do indivduo, presa que ele de
uma celeridade que no controla, esvazia seus contedos, o impede de
aprofundar relaes e dificulta o planejamento da vida no longo prazo. o curto
prazo que predomina, seja no cotidiano pessoal e coletivo, seja no exerccio
institucional da poltica.
A impossibilidade de submeter todas as esferas sociais a uma acelerao
idntica do ritmo dominante de vida gera uma srie de "dessincronizaes" -principalmente entre as esferas tcnico-cientfica e econmica, de um lado, e
poltica e educacional, de outro.
Escreve Hartmut Rosa: "O ritmo acentuado das mutaes socioeconmicas e
tecnolgicas excede permanentemente as possibilidades das estruturas e dos
horizontes temporais da poltica democrtica e deliberativa, que tende ela
mesma, na sociedade da acelerao, e justamente em razo da forte dinmica
social, a reduzir o ritmo dos processos de formao da vontade e da tomada de
deciso".
Isso explicaria talvez o desnimo de muita gente com a lentido da classe
poltica e o crescente alheamento desta classe em relao s urgncias do
mundo atual. Tambm explicaria tanto a expanso do conservadorismo no
mundo --devido, em parte, dificuldade de as pessoas entenderem a realidade
complexa e mutante--, quanto a impotncia das esquerdas para fixar um projeto
de futuro comum para grupos sociais com demandas to imediatas e
heterogneas.
PETROLO

PT recebeu at US$ 200 mi em propina, afirma delator


Valor teria sido pago por firmas que tinham os 89 maiores contratos da estatal
Policiais pularam o muro da casa do tesoureiro do partido, Joo
Vaccari Neto, para lev-lo a depor em SP
DE BRASLIADE SO PAULODE CURITIBA
O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco disse em depoimento prestado aps
fazer acordo de delao premiada na Operao Lava Jato que o PT recebeu de
propina entre US$ 150 milhes e US$ 200 milhes, no perodo de 2003 a 2013,
paga por empresas que detinham os 89 maiores contratos da Petrobras. Os
valores correspondem hoje a R$ 411 milhes e R$ 548 milhes.
Segundo ele, o tesoureiro do partido, Joo Vaccari Neto, teve "participao"
direta no recebimento do suborno.
Nesta quinta (5), Vaccari foi levado sede da Polcia Federal em SP para prestar
depoimento sobre "doaes legais e ilegais" ao PT, segundo o delegado Igor de
Paula. Os agentes encarregados de conduzir Vaccari Neto PF tiveram que
pular o muro da casa do tesoureiro porque ele resistira a abrir a porta.
A ao da PF fez parte da nona fase da Lava Jato, batizada de My Way. A msica
cantada por Frank Sinatra, segundo Barusco, lembrava-lhe Renato Duque, exdiretor de Servios da estatal, indicado ao cargo pelo PT.
O tesoureiro e a direo da legenda negam que tenham recebido doaes ilegais.
De 2003 a 2010, Barusco foi gerente da diretoria de Duque. Segundo ele, Duque
recebeu US$ 40 milhes em contas no exterior e de R$ 10 milhes a R$ 12
milhes no Brasil, o que o ex-diretor nega. Duque foi preso em novembro e solto
pelo Supremo.
Barusco fechou um acordo de delao em novembro, no qual aceitou devolver
US$ 97 milhes que recebera de suborno. Nos depoimentos, ele contou que, na
diretoria de Servios, a propina foi paga at fevereiro de 2014. O trecho do
depoimento tornado pblico nesta quinta (5) foi prestado em 20 de novembro.
"O pagamento de propinas dentro da Petrobras era algo endmico e
institucionalizado", disse o ex-gerente.
Barusco detalhou a suposta participao de Vaccari em um acerto fechado entre
funcionrios da Petrobras e estaleiros nacionais e internacionais relativos a 21
contratos para construo de navios, no valor de US$ 22 bilhes.
"Essa combinao envolveu o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Joo
Vaccari Neto, o declarante [Barusco] e os agentes de cada um dos estaleiros",

contou Barusco. A propina no caso dos navios foi de 1%, mas em outras
diretorias chegava a 2%, segundo ele.
O ex-gerente tambm forneceu documentos que, diz ele, comprovam os
pagamentos realizados pelos estaleiros em contas na Sua.
Segundo o delator, o 1% sobre o valor dos contratos era dividido da seguinte
forma: "2/3 [dois teros] para Vaccari; e 1/3 para 'Casa 1' e 'Casa 2'". A "Casa 1",
para o ex-gerente, era o termo usado para o pagamento de propina para Duque
e Roberto Gonalves. Citado pela primeira vez, Gonalves substituiu Barusco no
cargo de gerente.
A "Casa 2" referia-se "ao pagamento de propinas no mbito da Sete Brasil".
Barusco citou Joo Carlos de Medeiros Ferraz, presidente da empresa, e
Eduardo Musa, diretor de participaes.
Barusco aposentou-se da Petrobras em 2010 e foi diretor da Sete Brasil de 2011
a 2013. A Sete Brasil foi criada para atuar no mercado de sondas do pr-sal e
tem como scios fundos de penso como o Previ e os bancos BTG Pactual e
Bradesco.
O ex-gerente entregou aos procuradores planilha em que detalha a diviso de
propina num total de 89 contratos.
REINALDO AZEVEDO

O chefe do galinheiro
As empreiteiras so, at aqui, as vils do petrolo. Mas o Estado
quem foi tomado de assalto
Uma espcie de jacobinismo sem utopia --formado de preconceitos contra o
capital e sem nenhuma imaginao-- estava tomando conta do noticirio sobre a
Operao Lava Jato. Algum ainda acabaria sugerindo que se enforcasse o
ltimo defensor do Estado burgus com a tripa do ltimo empreiteiro. A
distoro era fruto da hegemonia cultural das esquerdas no geral e do petismo
em particular, financiada, em parte, pelos... empreiteiros! A histria no
plana.
Era assim at ontem --refiro-me ao tempo fsico propriamente, no ao histrico.
Nesta quinta, veio luz parte do contedo do depoimento de Pedro Barusco
Justia. Ele estima que, entre 2003 e 2013, Joo Vaccari Neto, o tesoureiro do
PT, recebeu entre US$ 150 milhes e US$ 200 milhes de propina decorrente
de contratos das empreiteiras com a Petrobras.
As empreiteiras so, at aqui, as vils do petrolo --e no sugiro que sejam
transformadas nem em vtimas nem em heronas. A questo saber quem

dispe do aparato legal para regular, punir e reprimir. o Estado. E esse


Estado, fica cada vez mais evidente, foi tomado de assalto.
Permito-me uma citao em texto prprio. Na sexta passada, escrevi aqui: "
preciso distinguir a ilegalidade como desvio da norma --por obra de salafrrios
agindo sozinhos ou em bando-- daquela outra, sistmica, que se revela como
forma de conquista do Estado, com a constituio de um governo paralelo,
gerenciado por um ente de razo degenerado."
No meu blog, enrosquei com a pgina do Ministrio Pblico que est na
internet. Segundo o que vai l, as empreiteiras teriam se organizado num cartel
para corromper servidores pblicos. Depreende-se que a safadeza envolveu,
sim, partidos, mas que as aes penais que correm na 13 Vara da Justia
Federal apuram crimes que poderiam ter existido sem os polticos. uma
fantasia. Querem saber? Chamar a roubalheira institucionalizada, liderada por
um partido, de "cartel" ou erro de tipo criminal ou licena potica.
Ao arrolar como testemunhas de defesa os petistaos Jaques Wagner, Jos de
Filippi Jnior e Paulo Bernardo, o empresrio Ricardo Pessoa, da UTC, deve
estar querendo algo mais do que anunciar que esses trs indivduos podem
abonar a sua conduta.
Barusco --que aceitou devolver US$ 97 milhes aos cofres pblicos-- afirma que
Vaccari foi uma espcie de celebrante de um acordo entre a quadrilha que
tomava conta da Petrobras e agentes de estaleiros nacionais e estrangeiros. Em
pauta, 21 contratos, orados em US$ 22 bilhes, para a construo de naviossonda. Um por cento teria de ser convertido em propina: dois teros para o
tesoureiro e um tero dividido entre Paulo Roberto Costa e agentes da Sete
Brasil.
Dilma quer socorrer a Sete Brasil com quase R$ 9 bilhes de dinheiro pblico.
Barusco foi diretor de operaes da empresa entre 2011 e 2013. Nesta quarta,
Rui Falco, presidente do PT, veio a pblico para defender a poltica de
"contedo nacional" da Petrobras, que deu origem Sete Brasil.
No se trata de saber se empreiteiros corrompem porque o PT se deixa
corromper ou se o PT se deixa corromper porque empreiteiros corrompem.
besteira indagar quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. A resposta no est
entre a ontologia e a zoologia. A questo que importa saber quem mandava no
galinheiro.

Twitter pssimo com assdio, diz presidente


Executivo assume responsabilidade por problemas com comentrios violentos
na rede
DE SO PAULO

O presidente-executivo do Twitter, Dick Costolo, afirmou que ele e seus


funcionrios so "pssimos" (em ingls, disse "we suck") na preveno aos
comentrios violentos e ao dos chamados "trolls" na rede social.
"Somos pssimos e viemos sendo pssimos por anos ao lidar com o abuso e os
'trolls' na plataforma. No nenhum segredo, e o resto do mundo fala sobre isso
todo dia", disse em nota interna obtida pelo site "The Verge".
Ele respondia a uma pergunta enviada por um funcionrio em razo de artigos
da escritora feminista Lindy West publicados em jornais como o britnico "The
Guardian", em que ela relatava ataques sofridos no site.
Ela recebeu uma enxurrada de comentrios sarcsticos envolvendo estupro -algum chegou a criar uma conta com o nome do pai dela, que j havia morrido,
para intimid-la.
"Estou francamente envergonhado pelo quo pobres fomos ao lidar com essa
questo durante minha vigncia como presidente-executivo. No h desculpa.
Assumo total responsabilidade por no ter sido mais agressivo nesse front. No
culpa de ningum seno minha, e isso vexaminoso", disse Costolo.
RESULTADOS
O episdio coloca ainda mais presso sobre o executivo, que vem sendo
colocado em dvida em razo dos nmeros da rede social.
O Twitter informou nesta quinta-feira (5) que terminou 2014 com 288 milhes
de usurios mensais, alta de 1,4% na comparao com 30 de setembro. No
mesmo perodo de 2013, a alta havia sido de 4,7%.
A empresa tem se esforado para ampliar seu pblico, mas levanta questes
sobre se pode alcanar a escala do Facebook, a maior rede social do mundo, com
1,39 bilho de usurios.
A receita nos trs meses encerrados em 31 de dezembro totalizou US$ 479
milhes, alta de 97% em relao ao ano anterior. Ainda assim, a companhia teve
prejuzo de US$ 125 milhes no perodo.
De acordo com a empresa de pesquisas eMarketer, a rede social dos 140
caracteres ficou com 0,84% do total gasto em publicidade digital no mundo em
2014 (o Facebook teve 7,75%).
FOCO

Consultoria usa banner de Graa Foster para conquistar investidores em dvida


MARIANA BARBOSADE SO PAULO

Em tom de galhofa, a consultoria Empiricus Research, especializada em anlise


de aes, est aproveitando o desgaste da imagem da presidente demissionria
da Petrobras, Graa Foster, para atrair novos clientes.
Nos ltimos dias, a empresa tem veiculado um anncio digital, em forma de
banner, com a imagem de Graa e a pergunta "Trunfo ou Mico? hora de
comprar?".
Conhecida por anlises diretas e bastante crticas ao governo, a Empiricus
ganhou fama durante as eleies ao despertar a ira da campanha de Dilma
Rousseff com um relatrio sobre "como proteger seu patrimnio em caso de
reeleio de Dilma".
A coligao da presidente entrou com ao no TSE alegando se tratar de
propaganda eleitoral antecipada, mas o tribunal entendeu que a pea no feria a
legislao.
Especializada na venda de anlises do comportamento de aes para o
investidor no profissional, a Empiricus tem como modelo de negcio uma
estratgia de marketing conhecida como "call to action". Os anncios em forma
de banner em sites e blogs e por meio do Google so o chamariz para obter o
cadastro de potenciais clientes.
Para estimular o cadastro, a empresa oferece em troca relatrios gratuitos. Ela
ento usa os e-mails de potenciais clientes para tentar vender relatrios mais
detalhados, cujos preos variam de R$ 10 a R$ 1.000 mensais.
A estratgia de marketing foi introduzida pela americana Agora Inc, que
adquiriu parte da Empiricus em 2012.
"Nosso negcio produo de contedo, mas o capex [investimento]
marketing", diz Felipe Miranda, scio fundador. A empresa possui uma base de
400 mil e-mails cadastrados, que vm aumentando ao ritmo de 50 mil por ms.
Desses, cerca de 10% se convertem em clientes.
Miranda diz que as campanhas so dinmicas e duram enquanto do resultado.
A empresa espera a sada de Graa para bolar a prxima.
CRISE DA GUA

Quadrilha usa at broca de dentista em fraude hdrica


Criminosos ainda oferecem 'combo', com desvios de gua e de luz
Desde 2013, polcia abriu 147 inquritos para apurar crimes
praticados por 46 'agentes fraudadores'
ROGRIO PAGNANDE SO PAULO

Integrantes da inteligncia da Polcia Civil e da Sabesp, empresa do governo


paulista, investigam ao menos 46 pessoas da regio metropolitana de So Paulo
"altamente" suspeitas de atuarem em quadrilhas especializadas no furto de
gua.
A maioria delas composta de ex-prestadores de servio da prpria companhia
de gua do Estado que, aps deixarem o emprego com informaes
privilegiadas, passam a vender sistemas para burlar registros de medio.
Desde o final de 2013, h 147 inquritos abertos pela polcia paulista para
apurar os crimes praticados por essas quadrilhas. Em todos esses casos, houve
priso ou indiciamento dos proprietrios e responsveis pelo furto de gua, mas
as investigaes continuam focadas nos 46 "agentes fraudadores".
"O agente fraudador aquele que vai na lavanderia, vai no restaurante, vai no
hotel e vende esse servio para o cliente dele. Vende a gesto do consumo", disse
o superintendente de Auditoria da Sabesp, Marcelo Fridori, um dos envolvidos
nesse trabalho.
Entre os servios oferecidos por essas quadrilhas esto desde as mais simples
intervenes na rede, como as ligaes diretas de canos, a visitas mensais com
esquema manipulaes do relgio do hidrmetro.
Tambm esto entre as tticas a utilizao de ms (que interferem nos
medidores) e at brocas de dentista para perfurar o vidro do relgio e permitir o
travamento do sistema de medio de tarifa.
'COMBO'
Para os funcionrios do grupo de investigao de fraudes, h quadrilhas
especializadas em vrios tipos de crime que vendem at um "combo de gatos":
fraude nos sistemas de gua e de luz no mesmo pacote irregular.
S no ano passado, segundo dados do governo, foram detectadas no Estado
mais de 15,6 mil fraudes. A estimativa que essas irregularidades tenham
desviado do sistema 2,6 bilhes de litros de gua, suficientes para abastecer 260
mil pessoas por um ms.
De acordo com os funcionrios da Sabesp, existe ao menos um caso de um
suspeito que conseguiu montar um patrimnio milionrio s com a venda de
fraudes no sistema.
O "rei da fraude", segundo apurao preliminar da Sabesp, est no mercado h
20 anos, tem uma casa de altssimo padro em condomnio fechado, carro
importado e outros funcionrios atuando em sua firma ilegal.
E por que ainda no foi preso? "Ele burla os dgitos com tanta perfeio que at
a prpria polcia tcnica tem dificuldades em dar laudo positivo de
irregularidades", disse o analista da Sabesp Adilson Rodrigues. "O nmero 1
consegue mandar fazer lacres prximos da qualidade dos nossos", completou.

Segundo o delegado Jos de Godoy Pereira Neto, chefe de gabinete de Delegacia


Geral e quem articular aes com Sabesp, a polcia faz uma investigao de
alguns nomes e prepara ao especfica contra essas quadrilhas.
TATI BERNARDI

Motivos para amar Olive Kitteridge


Se voc sente a sua bile dando piruetas no seu fgado com papinho
de elevador, essa minissrie pra voc
Olive, a personagem-ttulo dessa obra-prima da HBO, uma ode aos
impacientes com "gente simples". Se voc se irrita quando no entendem sua
ironia, sente a bile ganhando vida prpria e dando piruetas dentro do seu fgado
com aquele papinho furado de salo de beleza ou de elevador, s semiesboa um
sorriso falso e aturdido pra gente bronzeada trincada em alegria que te chama
de "lindaah" e fala "ma-giiii-naaaah", essa a sua minissrie.
Se, por alguma razo obscura, papo de doena te seduz, se, por algum motivo
misterioso, voc no pode ver uma entrevista com psiquiatra na TV que logo j
aumenta o som, se livros sobre fobias e vcios te chamam a ateno, se
biografias de suicidas ofuscam toda a seo de autoajuda nas livrarias, a histria
dessa professora de matemtica severa (e to doce pra quem consegue enxergar)
que ensina os alunos a temerem sobretudo "ser mais um" foi feita pra voc.
Dirigida por Lisa Cholodenko (se voc no chorou em "Minhas Mes e Meu Pai"
voc no tem um rgo torcico), com a monumental Frances McDormand
(alm do Oscar por "Fargo", ela casada com o Joel Coen e eu acho muito luxo
pertencer a essa famlia), a minissrie de quatro captulos (densos, lentos,
maravilhosos) uma adaptao do livro homnimo de Elizabeth Strout (que
apenas ganhou o Pulitzer de melhor fico).
Dito tudo isso, vamos a mais um nobre motivo: Bill Murray. Por favor, me diga
se voc no ama em absoluto a cara dele de "preferia estar em casa cortando as
unhas" no Globo de Ouro. O olhar dele de "cinismo o meu melhor terno" no
Oscar. O enfado dele recebendo um fax sobre a cor do piso ou do azulejo (no
lembro) no "Encontros e Desencontros". Sempre tomado por uma arrogncia
refinada infinitamente perdovel. Ele est acima daquela patuscada toda e sabe
e sabe que a gente sabe.
Enfim, me responda: apesar do seu analista achar que isso atrasa a sua
maturidade, voc continua, l no fundo, dividindo o mundo entre gente louca e
gente chata? Amando os loucos apesar de ser impos- svel ficar perto deles e
odiando os chatos apesar de atur-los tempo demais apenas porque a solido
uma merda (e os chatos sempre esto disponveis)? Te entendo. E ns amamos
Olive.

Se, de todos os seus primos, aquele que tem cara de que pode assassinar a
famlia inteira a qualquer momento o seu preferido, e, se de todas as suas
namoradas, aquela que faria da tua vida um inferno a nica que vez ou outra
aparece num sonho ertico, no deixe de assistir essa maravilha.
Voc j se pegou querendo dar uma joelhada no queixo dos civis da-casa-prafirma-da-firma-pra-casa-sempre-pensando-positivo-e-postando-foto-de-prdo-sol-irado? Procura veneno na alminha alheia, o tempo todo, pra no morrer
de tdio? Acha gente muito bonita e muito magra e muito rica e muito sem
glten e muito "acordo cedo pra correr" e muito suco detox a coisa mais
invejvel do mundo por dez segundos at ter muita vontade de explodi-los todos
numa balada trance em Jurer Internacional? Em suma: valoriza mais o que a
pessoa ao lado faz com a prpria angstia do que com os msculos e a conta
bancria? Ento Olive na cabea!
ILUSTRADA - EM CIMA DA HORA

Bigrafo 'persona non grata', diz Roberto Carlos


Cantor participou de entrevista coletiva em cruzeiro no Rio nesta quinta (5)
Rei tambm comentou polmica sobre sua apario no filme 'Tim
Maia', que teve verso exibida pela TV Globo
DO RIO
O cantor Roberto Carlos, 73 anos, afirmou que apoiou a deciso de sua
assessoria de imprensa de proibir a participao do jornalista Paulo Csar de
Arajo, autor da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", da entrevista coletiva
que d todo ano a bordo de um cruzeiro.
A declarao foi dada durante essa mesma entrevista, realizada nesta quinta(5)
no Rio, qual Arajo teve acesso negado na semana passada, quando
a Folha tentou credenci-lo para cobrir o evento para o jornal.
A tradicional entrevista acontece desde 2005 em uma das paradas do cruzeiro
em que apresenta o show "Emoes em Alto Mar".
"No partiu de mim [a deciso de vet-lo], foi um cuidado especial da minha
assessoria. Mas no posso negar que concordei totalmente com isso. Ele
considerado persona non grata em certos lugares onde estou. Este navio a
minha casa. Recebo principalmente as pessoas que no me causam nenhum tipo
de constrangimento", disse.
Por considerar que o livro invadia sua privacidade, o cantor moveu processo
contra Arajo por causa da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", de 2006. O
ttulo foi retirado de circulao aps acordo entre a editora Planeta e os
advogados de RC.

Roberto tambm falou sobre autobiografia em dois volumes que prepara.


"Ningum pode escrever a minha vida melhor do que eu."
O cantor abordou a polmica que envolveu sua apario na verso exibida em
janeiro na TV Globo do filme "Tim Maia", dirigido por Mauro Lima. Em
determinada cena, um funcionrio de Roberto amassa notas de dinheiro e as
joga no cho quando Tim o procura pedindo ajuda. Na verso exibida pela
Globo, essa passagem foi cortada.
Segundo Roberto, "aquela cena nunca aconteceu". " falta de tica de quem
colocou isso no filme sem pesquisar."
Alm da imprensa, fs que estavam no navio para assistir ao show do cantor
participaram da entrevista, vaiando perguntas delicadas e aplaudindo
principalmente as que davam a Roberto a oportunidade de falar sobre mulheres.
Sobre os diversos testes de paternidade ao qual j se submeteu, comentou:
"Quando me pedem eu j estico o brao para fazer o exame e ver no que d",
disse, aos risos.
Catlico fervoroso, Roberto Carlos disse ser a favor do casamento gay e que no
descarta a ideia de compor uma cano em homenagem comunidade LGBT.
Declarou que "Inimitvel" (1968) e "Roberto Carlos" (1971) so seus discos
favoritos. Sobre planos futuros, RC anunciou que far um show na Itlia e que
planeja um lbum de inditas, que deve ter parcerias com Erasmo Carlos.
O Rei tambm negou os rumores de que se apresentar na prxima edio do
festival Rock in Rio, que completa 30 anos, em setembro de 2015.
MERCADO 2

Lder do Bom Senso, zagueiro Paulo Andr acerta com Cruzeiro


DO UOL - O Cruzeiro acertou a contratao de Paulo Andr para o decorrer
desta temporada. O zagueiro de 31 anos desembarcar em Belo Horizonte nos
prximos dias para suprir a ausncia de Ded, que se recupera de uma leso no
joelho direito.
Oferecido ao clube no incio do ms, o defensor no havia agradado diretoria
por conta da idade.
Diante das dificuldades para acertar com os atletas pretendidos (Henrique,
Leandro Almeida e Dria), o clube voltou atrs em sua deciso e acertou a vinda
do zagueiro, que estava na China jogando pelo Shanghai Shenhua.
Ex-atleta do Corinthians, Paulo Andr se notabilizou nos ltimos dois anos
como lder do Bom Senso, movimento formado por jogadores que reivindica
mudanas no futebol brasileiro.

Corinthians deve renovar futebol no Brasil, diz Citadini


ELEIO
Candidato presidncia do clube critica estrutura do esporte no pas
ALEX SABINODE SO PAULO
Antonio Roque Citadini, 64, no tem fotos de ttulos do Corinthians na parede
de seu apartamento no bairro da Bela Vista, em So Paulo.
A imagem do atacante Edlson com a bola parada sobre a nuca na final do
Campeonato Paulista de 1999 entre Corinthians e Palmeiras.
Foram as embaixadinhas que detonaram uma batalha campal no Morumbi.
"H alguns momentos que ficam mais na memria do que o ttulo em si",
relembra.
Neste sbado (7), Citadini vai tentar ser presidente do Corinthians, cargo hoje
ocupado por Mrio Gobbi. Candidato da oposio, ele enfrenta o situacionista
Roberto de Andrade.
O discurso dele colocar contas em ordem, montar time competitivo,
conquistar ttulos. Mas no apenas isso.
Citadini quer usar a presidncia do Corinthians como plataforma para mudar o
futebol brasileiro. "O futebol s muda pelos clubes ou pelo governo. O
Corinthians sempre teve fora inovadora. Falamos de democracia quando no
havia democracia. No temos problema em olhar para o futuro com perfil de
mudana", diz.
A crena de Citadini poder liderar um processo de modernizao a partir do
Parque So Jorge. "Se o Corinthians defender um conjunto de mudanas,
duvido que no atraia gente e no atraia apoio. O clube tem o poder de romper
com essa mesmice que vivemos no futebol."
Vice-presidente de futebol na poca em que o presidente era Alberto Dualib
(1998-2007), Citadini ficou conhecido por no ter papas na lngua.
Caracterstica que pretende manter no cargo mais importante do clube.
Para ele, o presidente eleito da CBF, Marco Polo Del Nero, "binico, como nos
tempos da ditadura". As federaes estaduais so meros "escritrios da CBF" e
no possuem qualquer importncia.
Ele quer que a eleio para o comando do futebol seja feita pelos clubes que
disputam os torneios nacionais. E sem direito a reeleies.

"Sem desrespeito, mas o [voto do] Corinthians no pode valer menos que o da
Federao do Acre. A Federao do Acre no deveria participar de nada. Os
clubes, sim", opina.
No que pretenda negligenciar o que acontece dentro de campo no Corinthians.
"Os ttulos viro", garante.
O OUTRO CANDIDATO
A Folha pediu tambm uma entrevista ao candidato da situao, Roberto de
Andrade. Alegando estar com a agenda lotada antes da eleio, ele disse que no
poderia atender reportagem.

Ainda em marcha
Subestimado pelo Oscar, filme sobre Martin Luther King acirra debate sobre
questo racial
SYLVIA COLOMBODE SO PAULO
1965 ou 2015?
O filme "Selma", que retrata as marchas comandadas por Martin Luther King
(1929-1968), no Alabama, para assegurar o direito de voto dos negros, ganhou
uma incmoda atualidade.
Ao chegar aos cinemas dos EUA, em novembro passado, as ruas ainda ferviam
por conta dos protestos motivados pela srie recente de assassinatos de
cidados negros desarmados por parte da polcia.
As crticas, a maioria positivas, pegaram carona no grito das ruas e ressaltaram
o quanto o pas ainda tem de avanar para cumprir o "sonho" de King, e para
afastar-se do nefasto bordo do ento governador do Alabama, George Wallace,
interpretado no filme por Tim Roth: "Segregao hoje! Segregao amanh!
Segregao para sempre!".
A bronca sobe de tom agora, quando as indicaes para o Oscar menosprezaram
a obra. O filme, que estreou nesta quinta-feira (5) no Brasil, concorre no
prximo dia 22 em apenas duas categorias --melhor filme e melhor cano
original.
O escritor e colunista do jornal "The New York Times" David Carr foi um dos
que atacaram duramente a Academia "composta por 93% de brancos, 76% de
homens e com uma mdia de idade de 63 anos".
Para Carr, a diretora negra Ava DuVernay deveria figurar entre os indicados.
"No h um negro entre os 20 indicados a melhor ator e coadjuvante.
Indicaes importam, e significariam muito no momento que estamos vivendo."

Mas barulho mesmo esto fazendo apoiadores de Lyndon B. Johnson (19081973). Segundo eles, o ento presidente est representado de forma equivocada,
e muito negativa, na obra.
Interpretado por Tom Wilkinson, o personagem surge como principal obstculo
na campanha levada adiante por Luther King.
"O filme, de fato, no muito justo com relao a ele. Johnson amenizou as
posies mais extremas e segregacionistas que existiam na poltica", diz o
professor de cinema e histria da Universidade de Michigan, Fernando Arenas.
AULA DE HISTRIA
Mark Updegrove, diretor da biblioteca de Johnson, e Joseph Califano, assistente
do presidente, saram a defender o ex-chefe e acusaram DuVernay de faltar com
a verdade histrica.
Numa carta ao jornal "The New York Times", o jornalista Gay Talese, que cobriu
os protestos em 1965 e retratado no filme, respondeu a Updegrove e Califano,
defendendo a leitura da diretora.
DuVernay admite que tomou liberdades, mas que seu filme no se props a ser
um documentrio ou uma aula de histria.
"Entendo a defesa de uma liberdade potica no cinema. Porm, num filme como
esse, que vai virar referncia para explicar o movimento negro nos anos 1960, a
cineasta deveria levar em conta que tem, sim, um compromisso com a histria",
diz Arenas.

'Eu estava l, eu vi tudo', conta reprter Gay Talese


DE SO PAULO
O jornalista Gay Talese, 82, que cobriu as marchas de Selma a Montgomery ao
lado de Martin Luther King, explicou Folha por que acha o filme fiel aos fatos.
Leia trecho.

Folha - "Selma" um retrato realista?


Gay Talese - Sim. Eu estava l, eu vi tudo. O filme oferece um retrato muito
realista do que aconteceu. Eu estava observando, ao lado da ponte Edmund
Pettus, naquela tarde de domingo, dia 7 de maro de 1965, quando os homens
do xerife atacaram os que vinham marchando e os derrubaram no cho, depois
perseguiram os que escaparam pelas ruas da cidade e pelo bairro negro de
Selma.
Escrevi dezenas de matrias para o jornal "The New York Times", e voltei para
Selma muitas vezes, nos anos 70, 80 e tambm neste sculo 21.

E quanto aos bastidores polticos, o filme fiel aos fatos?


Quem pode ter absoluta certeza do que aconteceu nas salas da Casa Branca?
As cmeras de TV levaram a histria para as casas de milhes de norteamericanos, negros e brancos, e subitamente o sonho de Martin Luther King
motivou os brancos da Amrica.
Obviamente, o seu presidente oportunista, [Lyndon] Johnson, pulou, tentando
agarrar o vago histrico e quis liderar a nao para uma concluso a seu favor.
Johnson queria a marcha para ele.
CRTICA - CINEMA/DRAMA

Esquecvel, 'Selma' se perde na biografia de Luther King


Filme de Ava DuVernay aborda marcha em prol dos direitos civis nos EUA
INCIO ARAUJOCRTICO DA FOLHA
A primeira reao foi de surpresa: "Selma" foi indicado ao Oscar de melhor
filme e, praticamente, a nada mais (a outra indicao: melhor cano). Vendo-o,
isso se explica: muito mais ao assunto que o prmio d importncia do que
propriamente ao filme de Ava DuVernay.
Com efeito, sempre importante, de certa maneira, um filme que trate da
segregao e do racismo. No entanto, "Selma" pouco mais que um telefilme
sobre um momento decisivo da luta dos negros dos EUA pela igualdade.
No centro dela, Martin Luther King e sua estratgia pacifista. Do lado contrrio,
o resistente racismo do Alabama, com sua Ku Klux Klan, seus xerifes ferozes e
seu governador George Wallace.
Fechando o tringulo poltico do drama, temos em Washington o presidente
Lyndon Johnson, pressionado por todos os lados, e o FBI de Edgar Hoover
(tambm racista).
Se no incio vemos Luther King recebendo o Nobel da Paz em 1964, pouco
depois descobrimos que, no sul dos EUA, esse papo de prmio no cola: a
promessa de chumbo grosso.
O "chumbo grosso" inclui ameaas, escutas telefnicas e intrigas sobre a vida
pessoal de King, que reage percebendo que quanto mais intolerantes forem os
brancos, melhor ser para a sua causa.
Por isso, Selma uma cidade estratgica para King: ali d as cartas um xerife
tipo co raivoso. Ele planeja a decisiva marcha de Selma capital Montgomery,
que determina enfim o envio ao congresso, por Lyndon Johnson, da lei que abre
nacionalmente o direito de voto populao negra.
DuVernay conduz esse drama frouxamente. Ora parece investir na pica
implcita na luta dos negros nos anos 1960, ora parece recuar e, acompanhando

os fatos, fixa-se na violncia policial sulista. Ora focaliza o melodrama familiar,


ora destaca a poltica.
possvel que cada um desses aspectos faa sentido. No entanto, essa espcie de
indeciso sobre que aspecto colocar em evidncia tira ao filme toda a
perspectiva que no meramente sentimental.
Por isso, podemos todos concordar com a causa referida em "Selma" e, no
mesmo movimento, esquecer o filme meia hora depois.
DEPOIMENTO

Odete foi uma herona; se o cu no existe, ela vai cri-lo


LEILAH ASSUMPOESPECIAL PARA A FOLHA
Odete Lara, morta na quarta (4) aos 85 anos, foi uma grande atriz e um ser
humano de rara qualidade.
Como verdadeira monja budista, viajou o mundo inteiro estudando e ajudando
as pessoas. Teve uma vida riqussima, posicionou-se contra a ditadura, viveu a
contracultura com profundidade e espiritualidade.
Minha amizade com ela comeou com nossas doenas, a minha sndrome do
pnico e a bipolaridade dela. Mas logo virou alegria, graas ao nosso humor.
Namorou os melhores homens de sua gerao. E de outras geraes tambm.
O pai e a me dela se suicidaram e ela prometeu que jamais seguiria essa sina, e
conseguiu. Uma herona.
Morreu dormindo, uma bno.
De manh, quando sua melhor amiga Letcia Fontoura --mulher do cineasta
Antnio Carlos da Fontoura, ex-marido de Odete-- me telefonou para avisar da
morte, eu pensei: "Vou ligar para a Odete para avisar que ela morreu". Quem j
perdeu algum muito prximo, sabe o que isso.
Se o cu existe, ela foi para l. Se o cu no existe, a Odete vai cria-lo.
LEILAH ASSUMPO dramaturga, autora de peas como "Fala Baixo,
Seno Eu Grito" e "Intimidade Indecente".

Marley, 70
Americano ocupa seis quartos com arquivos do jamaicano; a coleo j recebeu
visitas de Keith Richards e foi base para livros e documentrios

FERNANDA EZABELLACOLABORAO PARA A FOLHA DE LOS


ANGELES (EUA)
Roger Steffens liga o som, e Bob Marley, que faria 70 anos nesta sexta (6), canta
uma bossa nova indita. Peter Tosh ri numa foto, enquanto a voz de Bunny
Wailer descansa em 60 horas de fitas com entrevistas exclusivas.
A casa de Steffens em Los Angeles uma meca do reggae, com seis quartos
dedicados a sua coleo de mais de 40 anos, que j recebeu visitas de Keith
Richards e foi base de livros e documentrios.
Entre caixas com 1.500 camisetas, paredes com 4.000 broches e gavetas lotadas
com 30 mil flyers do mundo, Steffens guarda o maior arquivo de gravaes do
grupo The Wailers, banda criada pelos trs jamaicanos (Marley, Tosh e Wailer)
em 1963.
O americano de 72 anos, respeitado especialista em Marley, foi essencial na
difuso do reggae nos EUA, como cofundador de um show de rdio e uma
revista, alm de presidir por 27 anos o comit do gnero no Grammy.
Do seu caos organizado, Steffens conta que as joias so duas fitas de dez
polegadas que achou na casa da me de Marley em Miami, em 1989. H mais de
uma hora de msicas inditas, incluindo a bossa nova "Pray for Me" --especulase que foi gravada aps sua visita ao Brasil, em 1980, um ano antes de sua
morte.
"As fitas estavam em pedaos. Achei um engenheiro de som que tinha uma
mquina antiga para toc-las. Comeamos a ouvir e logo estvamos com
lgrimas nos olhos", disse Steffens Folha.
Os arquivos de Steffens, avaliados pelo Grammy Museum em US$ 3,2 milhes,
esto venda, mas s para quem garantir mant-los reunidos e abertos ao
pblico. Sua vontade que ficassem na Jamaica, embora saiba que o pas no
cuida das razes culturais.
"O reggae na Jamaica foi substitudo pelo grosseiro dancehall, homofbico,
misgino, que celebra homens armados. So estrangeiros que mantm o reggae
vivo", afirma, citando Alborosie (Itlia), Gentleman (Alemanha) e Mighty Crown
(Japo).
Outra curiosidade da coleo um pster do show de Marley em Berkeley,
assinado por 39 pessoas --filhos, integrantes de banda e amigos.
O prprio Marley foi o primeiro a autografar, quando Steffens o encontrou pela
primeira vez, em 1978. "Fui ao backstage e parecia conveno de zumbis, todos
quietos em volta da mesa, cada um com seu montinho de erva. Bob parecia
muito chapado."
O americano conta que fumou maconha na presena de Marley, quando o
acompanhou numa turn nos EUA.

"Bob teve sorte de morrer quando morreu porque sua reputao ficou intacta.
Anos mais tarde e ele no seria a figura que reverenciamos", diz Steffens,
conhecido pelas fotos psicodlicas que tirou ao longo da vida, reunidas neste
ano no livro "The Family Acid" (ed. SUN Editions).
FERNANDA TORRES

O Imprio Colonial
Existe o mito de que, nesta terra, em se plantando, tudo d. Ainda
vivemos as fantasias da poca colonial
A memria do monarca que transferiu a corte portuguesa para o Rio de Janeiro,
salvando a coroa das garras de Napoleo, desaparece dos livros didticos de
Portugal no momento em que ele deixa o porto de Lisboa.
Nenhum puto aprende na escola o que a presena de D. Joo 6 significou para
o Brasil.
Como que por desforra, ns tambm, colonos, ignoramos o destino de D. Pedro
1, tornado 4 em Portugal, assim que ele abandona o Brasil para garantir os
interesses reais da famlia na Europa.
Uma esttua imponente de Pedro 4 a cavalo domina a praa do Rossio, em
Lisboa, mas os brasileiros que circulam por ali, todos os dias, o encaram como
um ilustre desconhecido.
O desprezo ao passado comum ainda mais acentuado quando se trata da
frica.
Janto com o escritor angolano Jos Eduardo Agualusa na capital lusitana.
Agualusa um intelectual branco, perseguido por suas posies contrrias ao
partido que se perpetuou no poder aps as guerras de independncia e civis, que
se estenderam desde 1970 at o ano 2002 em Angola.
Seu ltimo livro narra a saga de uma guerreira de nome Ginga, que se aliou aos
holandeses desejosos de interromper o lucrativo trfico negreiro entre Portugal
e Brasil.
Contempornea daquele que visto como nosso maior traidor, Domingos
Fernandes Calabar, Ginga foi derrotada por foras lideradas por Salvador
Correia de S, descendente de Estcio e Mem, fundadores da cidade do Rio de
Janeiro.
Foram os brasileiros que reconquistaram Angola, afirma o escritor.

Agualusa me explica que Luanda uma das cidades mais caras do planeta. A
populao se divide entre o povo carente e uma casta ligada ao partido poltico
que, apesar das eleies, nunca deixou o poder.
Ao contrrio do Brasil, a concentrao de riqueza em Angola no se divide por
cor. A aristocracia africana fez fortuna com o comrcio de escravos e goza dos
mesmos privilgios da elite branca daqui.
A herana escravocrata define, at hoje, as relaes sociais das colnias. A
diferena que o Brasil formou uma classe mdia capaz de impulsionar o
consumo e exercer presses democrticas. Angola, no.
Dona de uma das maiores reserva de petrleo e de diamantes do planeta, a
potncia africana vive um perodo de expanso econmica, mas o furor
predatrio dos seus governantes deixa qualquer petrolo no chinelo.
Isabel dos Santos, a mulher mais rica da frica, filha do presidente angolano,
Jos Eduardo dos Santos. Os privilgios no se limitam famlia do presidente.
O primeiro canal pago de TV angolano, por exemplo, tem como acionista o
general Manuel Hlder Vieira Dias, mas Isabel um caso especial.
Em 1999, sem explicaes ou concorrncia pblica, a jovem se tornou scia da
estatal Endiama, que detm os direitos sobre a explorao de diamantes no pas.
O mesmo ocorreu com a empresa de telefonia, a Unitel.
Desde ento, sua participao no controles de bancos e grupos no para de
crescer. E seus interesses atravessaram fronteiras, chegando at Portugal, onde
comanda empresas de eletricidade e telefonia.
O estopim da crise que levou a falncia do Banco Esprito Santo, o BES, em
2014, teve origem em Angola.
Fundada no sculo 19, a maior instituio privada de Portugal maquiava sua
sade financeira promovendo emprstimos entre empresas do grupo. O BES fez
um mtuo bilionrio para o BESA, o Banco Esprito Santo de Angola, com
garantia pessoal do presidente africano.
Para surpresa do BES, Eduardo dos Santos revogou o aval aps a transferncia
do valor, e o banco ficou a descoberto. A crise acendeu o alerta dos investidores
que abriram a caixa de pandora da financeira.
O caso terminou em falncia. Parece vingana histrica, talvez seja.
Os descalabros revelados pelas denncias da Operao Lava Jato no diferem
da maneira com que Eduardo dos Santos confunde os seus interesses com os do
povo.
Os partidos polticos tendem a repetir o mesmo no Brasil.

Desconfio que a descoberta do pr-sal criou a falsa impresso de que os recursos


da Petrobras eram infinitos. O mito de que, nesta terra, em se plantando, tudo
d.
Ainda vivemos a fantasia e os desmandos do Imprio Colonial.

FOLHA 07-02-2015
HLIO SCHWARTSMAN

Ainda o impeachment
SO PAULO - Como o espao desta coluna meio apertadinho, no deu para
desenvolver no texto de ontem as razes pelas quais no acredito muito que a
presidente Dilma Rousseff venha a sofrer impeachment e nem os motivos pelos
quais no desejo que isso ocorra. Como alguns leitores escreveram me
indagando sobre esses pontos, volto ao tema.
Hoje, a cada desdobramento da Operao Lava Jato, a situao parece ficar pior
para o governo do PT e para Dilma. preciso considerar, porm, que nossa
amostra , por assim dizer, viciada. Por enquanto, esto sendo divulgadas s
acusaes referentes a indivduos que no tm foro privilegiado. Dentro de
algumas semanas, quando vier luz a parte atinente a polticos, que tramita no
STF, a distribuio das suspeitas deve ficar um pouco mais democrtica.
Se as informaes de bastidores publicadas na imprensa so corretas, gente
importante de outros partidos tambm vai ganhar espao no noticirio.
Especula-se at que os nomes dos presidentes da Cmara e do Senado podero
aparecer. No impossvel que o Legislativo saia to ou mais fragilizado quanto
o Executivo.
E esse o tipo de situao que gera pizza. Sem um fato novo que ligue
diretamente Dilma a um malfeito, o mais provvel que parlamentares faam
algum teatro, mas, no fundo, trabalhem para que o "status quo", do qual so
beneficirios, seja mantido.
E por que o impeachment indesejvel? Destituir a presidente no seria o
melhor meio de "cortar o mal pela raiz", como escreveram alguns leitores? No
gosto da ideia de reduzir o problema da corrupo ao nome de Dilma. Nada
indica que ela seja a mentora nem a maior favorecida pelo esquema. Creio que
faz mais sentido que as pessoas possam ver o resultado das polticas que ela
adotou e tenham a chance de rejeit-las. Esse processo de excluso de ms
ideias, que a base do avano institucional, fica mais transparente quando os
governantes concluem seus mandatos.
RUY CASTRO

O Sinatra que eles queriam ser


RIO DE JANEIRO - Em fins dos anos 70, quando as multinacionais do disco
decretaram a ditadura do rock em escala mundial, a arrogncia de certos

roqueiros chegou ao auge. Um deles, Rod Stewart, disse com desprezo: "Ns no
somos Frank Sinatra". Queria dizer que no eram caretas, no cantavam
canes romnticas, no usavam smoking, no faziam shows em Las Vegas e
no eram amigos de presidentes dos EUA. Eram "rebeldes". Embora o rock os
tivesse tornado milionrios, era preciso manter a aura de "rebeldia".
Mas, j ento, um certo padro se afirmara. Se a carreira de um deles parecia
emburacar, ele se convertia aos standards --o repertrio de Sinatra. O primeiro
foi Ringo Starr, o nico Beatle incapaz de sobreviver sem os Beatles. Em seu
disco "Sentimental Journey", de 1970, ele -- cantando!-- submeteu clssicos
como "Night and Day" e "Stormy Weather" a um massacre que Lennon e
McCartney nunca o deixaram fazer com as canes deles.
Depois, foi a cantora Linda Ronstadt. Em 1983, com suas vendas minguando,
ela gravou um LP, "What's New", todo de standards e com arranjos de... Nelson
Riddle --o mesmo de Sinatra--, com o qual voltou s paradas. E, de 2002 a
2010, quem lanou cinco lbuns intitulados "The Great American Songbook",
destruindo dezenas de canes com sua voz de lata? Rod Stewart. Que faz show
hoje em Las Vegas, de smoking e cantando standards.
Agora a vez de Bob Dylan assassinar canes indefesas, como "Autumn
Leaves" e "Why Try to Change Me Now?", em seu novo disco "Shadows in the
Night".
Pensando bem, what's new? Roberto Medina contou outro dia a "O Globo" que
s conseguiu produzir o primeiro Rock in Rio, em 1985, porque Sinatra (que ele
trouxera ao Rio em 1980) garantira sua seriedade para os empresrios
americanos --inclusive o de Rod Stewart.
PETROLO

Dilma escolhe presidente do BB para chefiar Petrobras


Opo por Bendine tambm tem como objetivo blindar o Planalto em CPI
Presidente decidiu o sucessor de Graa sem ouvir ningum, prtica
que vem se tornando cada vez mais comum
NATUZA NERYANDRIA SADIDE BRASLIA
Em uma deciso solitria, a presidente Dilma Rousseff nomeou nesta sexta-feira
(6) Aldemir Bendine, 51, para o lugar de Graa Foster no comando da Petrobras.
Ex-chefe do Banco do Brasil, o novo executivo assume a empresa na maior crise
de sua histria com o desafio de rever o plano de negcios da petroleira.
Segundo a Folha apurou, Bendine se dedicar a resolver os problemas de caixa
e a apresentar, em curto prazo, nmeros confiveis relativos ao tamanho dos
desvios derivados da corrupo.

A meta considerada crucial para que o balano da companhia possa,


finalmente, ser auditado. Sem isso, a Petrobras perder acesso a emprstimos e
ter de ser socorrida pelo governo.
A indicao de Bendine, nome da estrita confiana da presidente, tem como
objetivo adicional blindar minimamente o Planalto diante de uma CPI no
Congresso.
Dilma tinha apenas dois dias para executar a substituio aps a antiga diretoria
se recusar a permanecer na companhia por mais tempo.
Apesar dos rumores de que a petista ainda buscava um nome na quinta (5),
Bendine j estava confirmado no cargo desde o dia anterior.
Para evitar vazamentos imprensa, algo que a tira do srio, pouqussimas
pessoas souberam da articulao.
Ela escolheu o sucessor da amiga Graa Foster sem ouvir ningum, prtica que
vem se tornando cada vez mais comum medida que as dificuldades do governo
se aprofundam. Nem mesmo ministros prximos foram informados com
antecedncia, muito menos o ex-presidente Lula.
Alm da confiana, Bendine assumiu a maior empresa do Brasil pela atuao
bem sucedida frente do Banco do Brasil. Sua indicao mantm intocada a
influncia do Planalto nas decises da empresa e, ao mesmo tempo, amplia a
interlocuo da Petrobras junto ao mercado.
Bendine j demonstrou experincia em pegar uma instituio em apuros e
reergu-la. Foi assim no BB, sua casa desde os tempos de office-boy. A partir de
2009, quando assumiu, triplicou os ativos do banco. Foi alado ao posto de
presidente do BB para executar o plano do governo de reduzir os juros nos
emprstimos e, assim, forar bancos privados a fazer o mesmo.
Sua escolha fez as aes da Petrobras carem quase 7%. Investidores esperavam
soluo nos moldes de Joaquim Levy, ministro da Fazenda sem proximidade
poltica com Dilma, e leram a nomeao como sinal de que o governo continuar
interferindo nas decises da petroleira.
Crticos pontuam que a origem de desmandos administrativos nos ltimos anos
se deu justamente pelo grau de ingerncia da presidente.
O exemplo mais evidente foi o controle do preo da gasolina, segurado a rdeas
curtas para evitar contratempos polticos e impactos inflacionrios no perodo
eleitoral.
Bendine possui boas relaes com o Bradesco -- prximo de seu presidente,
Luiz Traduco. Na poltica, costuma frequentar o Instituto Lula.
Nos ltimos meses, ele ganhou pontos junto chefe ao liderar uma operao
com bancos privados para salvar a Sete Brasil, empresa que toca a cadeia do
pr-sal.

Muitas das empreiteiras acusadas de envolvimento no esquema de corrupo


so parceiras da Sete. Para evitar o colapso da companhia, Dilma escalou
Bendine para ajudar a destravar emprstimos.
A escolha da presidente pegou petistas de surpresa. "Ele no tem perfil para
gerenciar uma crise dessa dimenso", disse um dirigente da cpula da sigla. A
oposio afirmou que o objetivo da indicao blindar PT e governo das
denncias sobre a estatal.
DEMTRIO MAGNOLI

Corpo de delito
Dilma desperdiou a chance de queimar sua bandeira mais
querida, apontando um homem de preto para resgatar a Petrobras
Joaquim Levy um homem de preto; Aldemir Bendine, no. Ao nomear Levy,
Dilma Rousseff abdicou do comando da poltica econmica. A escolha de
Bendine, pelo contrrio, indica que Dilma no queimou todas as bandeiras. O
executivo subserviente ao Planalto, alado presidncia do BB por Lula, no
equivale a Sergio Gabrielli, mas algo como uma Graa Foster sem a
experincia no setor petrolfero. A presidente almeja conservar o controle direto
sobre a Petrobras. Ela no compreende a raiz da crise --e ainda imagina que
pode ter um almoo grtis.
Gabrielli, o anjo que presidiu a Petrobras entre 2005 e 2012, desfiou a verso
lulopetista sobre a crise. Ao jornal "Valor", o "amigo do povo" disse que a
oposio inflaciona episdios perifricos de corrupo com as finalidades
destruir a estatal e abrir o pr-sal explorao gananciosa das empresas
petrolferas internacionais. O jornalismo oficialista reproduz a essncia do
diagnstico fantasioso, com a prudente ressalva ocasional de que, talvez, a
corrupo seja mais que insignificante. A opo por Bendine evidencia a adeso
de Dilma a esse conto de fadas.
Na entrevista de Gabrielli, existe uma noz de verdade: por maiores que sejam,
os nmeros do "petrolo" empalidecem sobre o pano de fundo da
movimentao financeira da Petrobras. Os desvios de bilhes de dlares em
contratos superfaturados, abastecimento de partidos e formao de patrimnios
privados catalizaram o desenlace, mas o colapso financeiro da estatal estava
escrito nas estrelas. A sua raiz encontra-se na diretriz poltica definida pelos
"amigos do povo" desde, pelo menos, a descoberta das jazidas do pr-sal. A
Petrobras ingressou em espiral falimentar porque metamorfoseou-se de
empresa pblica em ferramenta do neonacionalismo reacionrio.
O crime, premeditado, foi cometido em meio aos acordes do verde-amarelismo
balofo e entre imagens de Lula e Dilma com macaces laranja e as mos sujas de
petrleo. No corpo de delito, destacam-se os superinvestimentos no pr-sal, a
sangria de capital provocada pela poltica de contedo nacional, a diversificao

improdutiva e, por fim, os subsdios embutidos nos preos de combustveis. A


corrupo aparece na cena do crime, mas apenas como um detalhe significativo:
a chave de decifrao das alianas de negcios entre o lulopetismo e as grandes
empreiteiras.
A Petrobras dos "amigos do povo" deveria monopolizar os campos do pr-sal,
estender as operaes de baixo retorno em refino, transporte e petroqumica,
estimular a produo interna de plataformas e equipamentos, alm de corrigir
os desequilbrios inflacionrios da "nova matriz econmica". O delrio ufanista,
sustentado por preos do barril superiores a US$ 100, desmanchou-se no
compasso da reverso do ciclo do mercado petrolfero. Enquanto assenta-se a
poeira de uma mentira persistente, despontam os esqueletos brancos de uma
dvida monumental, de refinarias perdulrias, do casco destroado da Sete
Brasil e de um balano sem assinatura.
Dilma teve meses para refletir sobre o fracasso, mas preferiu o caminho da
negao. Na hora decisiva, desperdiou uma ltima oportunidade de queimar a
sua bandeira mais querida, apontando um homem de preto para resgatar a
estatal, que continua a possuir excepcionais competncias na prospeco e
extrao de petrleo em guas profundas. A seleo de Bendine atesta o poder
encantatrio da ideologia. Tanto quanto sua amiga Graa Foster, Dilma acredita
no oportuno conto de Gabrielli --e ilude-se imaginando que o cortejo macabro
dos Costas, Duques e Baruscos no passa de um infortnio casual.
Na esfera do Direito, discute-se se o impeachment requer dolo ou apenas culpa.
Na arte da poltica, sabe-se que uma condio necessria a perda da
legitimidade para governar. Deve ser por isso que Eduardo Cunha anda todo
pimpo.
PETROLO

Lula critica PT e diz que partido tem se tornado igual aos outros
Nos 35 anos da sigla, ex-presidente afirma que petistas praticam vcios que
sempre criticaram
Dilma defende estatal e diz que quem errou tem de pagar, mas que
preciso preservar a histria da legenda
CATIA SEABRAANDRIA SADIENVIADAS ESPECIAIS A BELO
HORIZONTE
Em um discurso para militantes no aniversrio de 35 anos do PT, o expresidente Luiz Incio Lula da Silva admitiu que o partido sofreu desgastes no
governo, lamentou a repetio de desvios e disse que a sigla est se tornando
igual a outras.

Lula esteve com a presidente Dilma Rousseff nas comemoraes dos 35 anos do
partido, em Belo Horizonte.
Segundo ele, o PT pratica vcios que sempre criticou na poltica tradicional. "
neste ambiente que alguns cometem desvios que nos envergonham. Precisamos
dar um fim a essa situao", discursou, sem citar casos de corrupo, como a
crise na Petrobras.
O ex-presidente lamentou que "o PT tem se tornado cada vez mais um partido
igual aos outros". "Cada vez mais deixando de ser um partido de base para se
transformar num partido de gabinete."
Segundo Lula, muitos petistas "esto mais preocupados em se manter nos
cargos. E essa a origem dos vcios da militncia paga".
Ele comparou a adoo de medidas amargas na economia ao tratamento contra
o cncer a que ele e Dilma foram submetidos. Para justificar, disse que os dois
so obrigados a tomar medidas que no querem. "Faa o que tiver que fazer.
Faa, Dilma. Um erro desastroso nosso seria no atender ao povo brasileiro."
Lula disse que ficou to indignado com a "conduo coercitiva" do tesoureiro do
PT, Joo Vaccari Neto, para depor Polcia Federal, que preferiu ler seu
discurso.
"Eles esto repetindo o mesmo ritual que comeou em 2005, quando
comearam as denncias que eles chamaram de mensalo", afirmou,
acrescentando: "na campanha, Dilma foi vtima disso como poucas vezes vi ser".
Lula tambm criticou a atuao da imprensa. "Eles trabalham com a convico
de que preciso criminalizar o partido, no importa se verdade ou no
verdade. O que importa a construo da narrativa".
Aps chamar o ex-presidente FHC de "prncipe da sociologia", Lula disse que a
oposio no tem autoridade para atacar o governo. "No se incomodam do
prejuzo que causaram Petrobras e ao Brasil. Eles vo prestar contas
histria".
Ao discursar, Dilma defendeu a Petrobras e, sem citar nomes, disse que quem
errou tem que pagar, mas que preciso preservar a histria do PT. "Se tiver
erro, aqueles que erraram paguem por eles. Mas devemos preservar a histria
deste partido e dos nossos governos."
A presidente no fez meno ao tesoureiro do PT. Ele estava presente no evento.
A petista disse que o partido tem que ter orgulho e no pode aceitar que
"alguns" coloquem a Petrobras como "vergonha". Afirmou ainda repudiar a
"tentativa de golpe contra a manifesta vontade popular", em recado a quem
prega que ela seja alvo de processo de impeachment.
Ela defendeu apurao das irregularidades: " fundamental que no deixemos
repetir nenhuma irregularidade dentro da Petrobras".

Hollande e Merkel levam plano a Putin


Um dia aps se reunirem com presidente da Ucrnia, francs e alem discutem
situao da regio com lder russo
Lderes concordaram em preparar proposta a ser discutida no
domingo entre eles e o presidente Poroshenko
DAS AGNCIAS DE NOTCIAS
O presidente da Frana, Franois Hollande, e a premi da Alemanha, Angela
Merkel, se encontraram em Moscou nesta sexta-feira (6) com Vladimir Putin,
presidente da Rssia, para discutir a crise no leste da Ucrnia.
O encontro veio um dia aps os lderes ocidentais terem se reunido com o
presidente da Ucrnia, Petro Poroshenko.
Aps mais de trs horas de reunio, os trs dirigentes no apresentaram
nenhuma proposta, mas concordaram em preparar um plano para encerrar o
conflito na regio.
Esse plano, que inclui implementar medidas decididas em Minsk (Belarus) em
setembro, ser discutido neste domingo (8) em um telefonema conjunto que
envolver Merkel, Hollande, Putin e tambm Poroshenko.
As negociaes, porm, foram classificadas como "construtivas e substanciosas"
pelo porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
"Neste momento, se prepara a redao de um possvel documento conjunto, que
incluir as propostas do presidente Petro Poroshenko e as formuladas hoje pelo
presidente Vladimir Putin", afirmou Peskov.
O site de Poroshenko informava que na reunio de quinta os lderes
concordaram com a necessidade de um rpido cessar-fogo na regio, o
fechamento da fronteira com a Rssia, a libertao de todos os prisioneiros e a
retirada dos armamentos pesados e das foras estrangeiras.
NOVAS LINHAS
Em carta enviada nesta semana a Hollande e a Merkel, o presidente russo
apresentou, segundo diplomatas, propostas que incluiriam mudanas nas linhas
de cessar-fogo que abrangesse as reas recm-conquistadas pelos separatistas,
alm de autonomia poltica para as regies de Donetsk e Lugansk.
Um funcionrio de um grande pas da UE que no quis se identificar disse que
Putin teria pouca razo para exortar os rebeldes a recuarem no momento em
que esto avanando na regio.

"Os separatistas esto no controle de vrias reas e tomando mais territrios.


Ele [Putin] pode sentar e esperar que a presso aumente de forma constante
sobre a Ucrnia e sobre seus lderes", disse o funcionrio.
O embaixador da Rssia na Frana, Alexander Orlov, disse rdio Europe 1 que
havia uma necessidade urgente de evitar a guerra. "Eu no diria que este um
ltimo encontro, mas no estamos muito longe", afirmou.
RETIRADA
Em Debaltseve, cidade sob ataque dos separatistas, uma breve trgua foi
organizada nesta sexta para a retirada de civis. Ambos os lados enviaram
comboios de nibus. Os do governo partiam cheios para Slaviansk, enquanto os
dos rebeldes se dirigiam para Horlivka.
"As duas ltimas semanas foram um inferno", disse Artem Nikishin, 31, ao
embarcar com a mulher e os dois filhos para Slaviansk, em poder do governo
ucraniano. "Esta nossa propriedade agora", disse, apontando para vrias
sacolas no cho.

Charles quase cancelou casamento, diz livro


Biografia no autorizada diz que prncipe britnico estava 'desesperado' na
vspera de unio com Diana, em 1981
Obra afirma que rainha acha que Reino Unido no est pronto para
sucesso; monarquia questiona a autora
LEANDRO COLONDE LONDRES
O prncipe Charles quase cancelou em cima da hora o casamento com a princesa
Diana, em 1981, e sua me, a rainha Elizabeth 2, acredita que o Reino Unido
no est pronto para que ele assuma o trono.
Essas so as principais polmicas levantadas pelo livro "Charles, The Heart of a
King (Charles, o Corao de um Rei)", que chegou na ltima quinta-feira (5) s
livrarias britnicas.
A obra foi escrita pela jornalista americana Catherine Mayer, ex-diretora da
revista "Time" em Londres.
Alm de uma entrevista com Charles, 66, cujos trechos j haviam sido
publicados na revista, ela afirma ter tido acesso a assessores do palcio Clarence
House, residncia oficial dele, e pessoas de seu convvio ntimo.
A assessoria do prncipe divulgou comunicado atacando a jornalista. Afirmou
que a biografia no foi autorizada por ele e negou que a autora tenha tido acesso
a funcionrios da famlia real.

Os jornais britnicos publicaram trechos durante a semana, mas com crticas e


ressalvas sobre at que ponto a jornalista realmente recebeu informaes
precisas.
Catherine Mayer se defendeu em canais de televiso, entre eles a BBC.
Segundo o livro, de 448 pginas, o prncipe "quase abandonou no altar" a
princesa Diana (morta em 1997), com quem se casou em 29 de julho de 1981.
"Eu no posso ir adiante com isso", teria dito a um assessor pouco antes da
celebrao da unio.
De acordo com a autora, Charles estava "desesperado" na vspera do
casamento.
O casal se divorciou em 1996, quatro anos depois de anunciarem a separao.
Desde 2005, ele casado com Camilla Parker Bowles, hoje duquesa da
Cornualha, que teria sido o piv do rompimento do casal.
SUCESSO
O livro ainda diz que a rainha Elizabeth 2, 88, acredita que os britnicos no
esto "prontos" para ter seu filho no papel de rei.
A monarca, que em setembro bate o recorde da rainha Victoria (1837-1901) -cujo reinado durou 63 anos--, estaria preocupada com o "choque" na diferena
de estilo.
"Ao definir seu papel como herdeiro, o prncipe tem sinalizado uma redefinio
da monarquia, mais atuante mesmo em temas polmicos. Ele no ser um rei
em silncio, no ser neutro", diz um trecho do livro.
A biografia diz ainda que Charles tornou-se depressivo aps a morte da rainha
Elizabeth, conhecida como rainha-me, em 2002, ao 101 anos.
O livro afirma tambm que a Clarence House (residncia oficial do prncipe)
um ambiente de intrigas e disputa de poder entre os funcionrios, algo que seria
estimulado pelo prprio Charles.
"Ele acredita que as rivalidades promovem um melhor desempenho", diz um
trecho.

Harvard veta relaes entre estudantes e professores


Ao revisa regras sobre assdio na universidade
DAS AGNCIAS DE NOTCIAS

A Universidade Harvard, um dos melhores centros de ensino superior dos


Estados Unidos, proibiu na ltima semana que seus professores tenham
"relaes sexuais ou romnticas" com os alunos de graduao.
A medida uma reviso da poltica contra assdio sexual e de gnero da
instituio e vale para todos os professores, independente de que eles deem
aulas para os alunos com quem eles se relacionam ou no.
Alm dos professores, Harvard tambm proibiu as relaes sexuais e romnticas
entre ps-graduandos que exeram trabalhos de monitoria e graduandos.
No caso da ps-graduao, a regra vale para casais formados por professores e
seus orientandos.
A universidade no comentou qual ser a pena para membros da comunidade
acadmica que violarem a regra.
Para Anita Levy, diretora-adjunta da Associao Americana de Professores
Universitrios, a medida vlida, mas pode no obter o resultado desejado.
"Tenho a preocupao de que esta proibio a relaes consensuais possa levar
ironicamente a um incentivo para mais unies entre professores e alunos, alm
de torn-las mais atrativas", diz Levy.
DENNCIAS DE ABUSO
A mudana ocorre em um momento em que as principais universidades
americanas se colocam na defensiva devido a denncias de violncia sexual nos
campi.
Em maio de 2014, o Departamento de Educao dos Estados Unidos publicou
uma lista de 55 universidades que estavam sendo examinadas pelo governo por
supostamente fazer uma gesto ruim das denncias de assdio e abuso sexual.
Localizada no estado de Massachusetts, Harvard est na lista. Sua
"concorrente", a Universidade Yale, j havia proibido relaes entre estudantes
e professores em 2010.
CIFRAS & LETRAS
CRTICA INTERNET

Web no cumpriu os objetivos e piorou a sociedade, diz autor


Notrio crtico da rede prope regulamentao estatal como sada possvel
ALEXANDRE ARAGODE SO PAULO

Quando o historiador Andrew Keen lanou seu penltimo livro ("Vertigem


Digital", Zahar Editora, R$ 29,90), j era possvel imaginar o ttulo do que
escreveria a seguir. "The Internet is Not the Answer" ("a internet no a
resposta") saiu do prelo em janeiro, mas s reformulou o que o autor expressara
antes.
Primeiro ponto, o ttulo. A internet no a resposta para qual pergunta --ou
quais perguntas? To importante quanto: quem perguntou?
Nos dois captulos iniciais, o autor monta o alicerce do raciocnio narrando a
criao e o desenvolvimento da rede, no trecho mais interessante da obra --e,
talvez, o nico digno de destaque positivo.
Partindo do iderio de cientistas do MIT (Instituto de Tecnologia de
Massachusetts) dos anos 1940 que, depois, participaram de programas do
governo norte-americano considerados tataravs da internet, Keen descreve
diretrizes gerais do que, ele acredita, o objetivo da rede.
Desse modo, a questo cuja resposta no a internet jamais formulada. Isso
no um problema, porque os princpios que comporiam esse objetivo inicial da
rede so elencados. Vamos a eles.
AS PERGUNTAS
A internet tornou o mundo mais transparente? Ela fortaleceu as democracias
ocidentais? O mundo desenvolveu uma cidadania global conectada? possvel
dizer que h mais diversidade por causa da rede? Aqueles que antes no tinham
voz agora tm?
Todos eram objetivos postos, mais ou menos claramente, pelos estudiosos que
em algum momento ajudaram a construir o que hoje a internet, ele ensina.
Keen defende ainda que, ao contrrio do que a maioria dos especialistas diria, a
internet atrapalhou na busca de todos eles.
O autor afirma que, ao tornar tudo mensurvel --de passos a batimentos
cardacos--, a web e os dispositivos criados em decorrncia dela tornam "o
invisvel visvel". Esse fato, conclui ele, diminui a transparncia sobre o que
empresas sabem e compartilham sobre usurios.
Alm disso, a democracia piora medida que companhias tornam-se quase
monoplios. Para ele, a rede propicia o surgimento de corporaes que
dominam segmentos e aniquilam concorrentes. H exemplos em profuso. Da a
dizer que necessariamente minam a democracia h um salto: a questo aparece
no s na tecnologia.
Paradoxalmente, Keen sem querer cria um argumento que pode ser usado para
justificar a censura na rede.
"O uso efetivo das mdias sociais por parte do Estado Islmico reala o problema
central da internet", comea. "Quando o 'gatekeeper' retirado e qualquer um

pode publicar qualquer coisa on-line, muito desse 'contedo' (sic) ser
propaganda ou puramente mentiras", termina.
Quem definiria o que contedo, sem aspas, e o que "contedo" --propaganda
ou puramente mentiras? O governo. Para ele, a regulamentao estatal a chave
para acabar com a maioria dos problemas da rede, desde os monoplios at o
"bullying" adolescente em redes sociais.
Os modos de fazer isso na prtica, entretanto, no so abordados. Em resumo, a
internet falhou em suas misses primordiais e mais importantes, o autor
conclui.
QUEM PERGUNTA
O livro permeado por um misto de amargura e arrogncia, soando falso
desdm pelos empreendedores da web, o que no justificado pelas credenciais
do autor. O que nos leva segunda questo posta a partir do ttulo do livro,
sobre quem pergunta.
Keen historiador com mestrado em cincia poltica pela Universidade da
Califrnia em Berkeley. Nos anos 1990, tentou empreender na web, da qual j
era considerado especialista. Falhou.
Em dado momento, qui em um surto de "sincericdio", Keen confessa: "No
era difcil ser especialista em internet naquela poca. Principalmente em teoria".
No eplogo, ele informa que pensou em dar ao livro o ttulo de "Epic Fail"
("fracasso pico"), uma popular gria da web. Seria mais apropriado.

Programador 'ressuscita' Orkut e atrai 170 mil 'rfos' do site


Orkuti foi criado por morador do ES que sonha em ter rede social
FELIPE MAIAEDITOR-ADJUNTO DE "MERCADO/TEC"
O programador Alex Becher, 35, conseguiu atrair 170 mil usurios para a rede
social Orkuti (sim, com "i"), abertamente inspirada na original, do Google, que
fechou em setembro de 2014.
Becher, que mora em So Mateus (a 220 km de Vitria, no Esprito Santo),
conta que tinha vontade de ter um site assim desde que viu o filme "A Rede
Social" (2010), que conta a histria da criao do Facebook. Evanglico, ele
fundou em 2011 a comunidade on-line ISAY, mas conseguiu apenas 5.000
usurios em dois anos.
Quando o Google anunciou que iria desistir do Orkut, ele resolveu trabalhar
para "ressuscit-lo".
"Pensei: agora a minha chance", afirma. Em 30 de setembro, o dia da "morte"
do Orkut, ele lanou o Orkuti e recebeu 10 mil cadastros.

Foi atrs de investidores e conseguiu dois --um deles, um empresrio, est


pagando pelos servidores, que aguentam at 1 milho de usurios simultneos.
Becher afirma que at tentou entrar em contato com Google para avisar da
ideia, mas nunca recebeu resposta. Questionado se no teme ser processado por
usar o visual e a marca indevidamente, ele responde que est "esperando para
ver". "O mximo que eles podem fazer cobrar por algum tipo de cpia em
relao ao nome e marca."
Procurado, o Google no comentou o assunto.
OSCAR VILHENA VIEIRA

Desencantamento
Que incentivo tm os polticos para reformar um sistema que lhes
tem gerado tantos benefcios?
Temos vivido um perigoso processo de desencantamento com a poltica. Razes
no faltam para esse mal-estar generalizado.
evidente que todos assistem bestializados dilapidao da principal joia da
coroa. O que causa mais perplexidade, no entanto, que o esquema de
rapinagem, que aparentemente irrigou as burras de partidos e polticos, no
tenha se sentido intimidado pela condenao de figuras importantes do
governo, no caso do mensalo. Isso aponta para verdadeiro deboche das
instituies de aplicao da lei.
Na caso da falta de gua, a desolao no menor. A crise de abastecimento
denota no apenas a incompetncia do governo em face das mudanas
climticas e da reduo da disponibilidade de recursos hdricos, mas tambm
uma falta de responsabilidade poltica em manter os cidados devidamente
informados sobre a situao.
A lista poderia ser longa, incluindo as reiteradas tragdias na rea de segurana,
como a das trs crianas mortas por balas perdidas numa mesma semana, no
Rio de Janeiro, mas pouparei o leitor.
O fato que nosso sistema poltico no tem demonstrado ser mais capaz de
selecionar bons governantes. E, mesmo quando o faz, impe limites quase
intransponveis para que consiga atender o interesse pblico. Reformas,
portanto, so necessrias.
Os altssimos custos de entrada no jogo poltico parecem afastar aqueles que
no disponham de abundantes recursos e que no estejam associados a
estruturados grupos de interesses.

Partidos e parlamentos, lembrando Max Weber, deveriam servir como celeiros


de novas lideranas. Aqui, no entanto, tm servido, sobretudo, para coroar a
astcia de Renans, Cunhas e Kassabs.
Que incentivo tm esses polticos para reformar um sistema eleitoral e
partidrio que lhes tem gerado tantos benefcios? Da por que propostas de
reforma poltica, como a levada a cabo por Eduardo Cunha, como primeiro ato
de sua gesto esta semana, devem ser recebidas com grande desconfiana e
ceticismo.
Como aprendemos com Maquiavel, ningum na poltica abre mo do seu
prprio poder, exceto sob ameaa de perd-lo por completo.
Sem uma consistente presso das ruas e dos movimentos sociais, assim como a
articulao das organizaes da sociedade civil, que nos foram to importantes
na derrubada do regime militar e mesmo no impeachment de Collor,
dificilmente conseguiremos qualquer avano na qualificao das regras que
organizam nossa desacreditada poltica.
O problema que muitos desses movimentos e organizaes encontram-se
anestesiados por afinidades ideolgicas ou mera dependncia de recursos
governamentais. As ruas, por sua vez, parecem ter sido interditadas pela
violncia de "black blocs" e policiais. Essa, porm, no uma realidade
imutvel.
Se a atuao da mdia independente e de esferas revitalizadas do sistema de
Justia tem se demonstrado essencial para desestabilizar a incompetncia,
punir a corrupo e mesmo infundir valores republicanos no jogo poltico, no
suficiente para promover e superar nosso deficit representativo.
Resta saber se a insatisfao latente na sociedade poder nos sacar da letargia
ps-eleitoral. Deixar tudo nas mos do juiz Moro no parece razovel. A
democracia depende de participao para sobreviver.

Chance de W.O. levou federao a recuar sobre a torcida nica


PAULISTA
Cpula do Corinthians ameaou no botar time em campo no jogo contra o
Palmeiras
DE SO PAULO
Aps a direo do Corinthians ameaar no entrar em campo se os seus
torcedores no pudessem comprar ingresso para o clssico de domingo (8)
contra o Palmeiras, a FPF (Federao Paulista de Futebol) voltou atrs.
O jogo na arena palmeirense no ser, portanto, o primeiro com torcida nica
na histria do futebol paulista.

O dia foi marcado por fortes presses para que a deciso fosse revertida.
Inicialmente, as torcidas organizadas do Corinthians, que sero as beneficiadas
com os ingressos vendidos aos visitantes (nmero que ser redefinido),
ameaaram no permitir no domingo a sada do nibus do time do centro de
treinamento, onde o time estar concentrado.
No meio da tarde, o Corinthians divulgou nota oficial revelando deciso da juza
Luza Barros Rozas, que concedeu parcialmente a tutela antecipada pretendida
pelo Corinthians.
No texto, a juza determinava que a FPF deixava de correr risco de sanes,
conforme desejava o Ministrio Pblico, caso realizasse a partida com a
presena de torcedores das duas equipes.
Mas a liminar no exigia mudana na deciso sobre torcida nica. Cabia
federao, como de costume, definir o modelo.
Ao fim da mesma nota, saltava aos olhos a ameaa corintiana. Assinada pelo
presidente Mrio Gobbi, o texto informava que o time no entraria em campo se
seus torcedores no tivessem acesso ao setor de visitante, o que acarretaria
derrota por W.O. com 3 a 0 contra no placar.
A presso corintiana gerou uma "operao de guerra" na sede da FPF, na Barra
Funda.
Uma reunio com participao do vice-presidente da entidade, Reinaldo
Carneiro Bastos, que assumir a presidncia em abril, do vice-financeiro,
Rogrio Caboclo, e do chefe do departamento de segurana, Marcos Marinho,
chegou ao fim com a concluso de que a melhor sada era reverter a proibio,
usando como argumento a deciso da juza Luza Rozas.
A Folha apurou, porm, que a repercusso negativa de um W.O. em um clssico
pesou para que a federao recuasse, apesar de a entidade sempre ter sido
contra a recomendao do Ministrio Pblico de que o jogo tivesse torcida
nica.
Na entrevista que concedeu, no momento que a FPF definia que os corintianos
entrariam no estdio, o presidente do Corinthians, Mrio Gobbi, criticou o
palmeirense Paulo Nobre, inclusive o acusando de ter influenciado na deciso
do Ministrio Pblico (leia mais acima dir.).
Antes disso, contudo, em entrevista na sede do Ministrio Pblico, os dois
promotores que recomendaram torcida nica, Paulo Castilho e Roberto Senise,
disseram que Nobre no tinha pedido a eles que os corintianos no entrassem
no jogo, apesar de o Palmeiras admitir ser essa a sua vontade para o jogo.
O clube estima que perder cerca de R$ 1,2 milho de receita com a venda de
ingressos, j que no poder vender bilhetes em setores ao lado de onde ficaro
os corintianos --ao menos seis mil cadeiras estaro inativas.

Segundo o Palmeiras, no houve venda antecipada a palmeirenses dos setores


que estaro inativos no domingo.
CONTRA AS CARAVANAS
Castilho disse que a promotoria no a favor de torcida nica, mas que a ideia
de impedir visitantes acontece para tentar minar financeiramente as
organizadas, que tm a maior parte de suas receitas oriundas de caravanas que
fazem para jogos em que seu time atua como visitante.
Na manh desta sexta (6), a Polcia Militar, junto com as organizadas dos dois
times, definiram o esquema de segurana sem a presena dos corintianos no
estdio.
A PM j havia elaborado um plano de acompanhamento da ida dos corintianos
at a arena palmeirense, que no foi divulgado. O efetivo destacado para ficar
em outros locais retornar para o estdio e proximidades.

O anti-Garca Mrquez
nico romance do colombiano Andrs Caicedo, 'Viva a Msica!' chega ao Brasil,
vira filme e traz prestgio tardio ao autor cult, o avesso de Gabo
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA
Pense na maior referncia possvel da literatura colombiana --o realismo
fantstico de Gabriel Garca Mrquez-- e, ento, esquea tudo o que diz respeito
a essa referncia.
a melhor maneira de comear a entender Andrs Caicedo, autor de um
romance s, "Que Viva la Msica!" (1977). A obra ajudou a causar uma
reviravolta na produo literria latino-americana, mas passou dcadas
despercebida no Brasil.
Narrado por uma garota rica e loira que se joga no submundo de festas e drogas
da Cli dos anos 70, o romance foi eleito pelo jornal colombiano "El Espectador"
o segundo mais importante da literatura daquele pas no sculo 20 --o primeiro
foi "Cem Anos de Solido", de Gabo.
Apesar disso, s agora chega ao Brasil, pela editora Rdio Londres, com o ttulo
"Viva a Msica!", na traduo de Luis Reyes Gil, e na esteira de um indito
reconhecimento internacional para o autor.
Editado h tempos pela Alfaguara em pases hispnicos, influncia declarada
para escritores como o argentino Fabin Casas e o chileno Alberto Fuguet, "Viva
a Msica!" chegou a Frana, Itlia, Holanda, Inglaterra e Finlndia a partir de
2012. Alm disso, acaba de ser adaptado ao cinema.

Caicedo ele prprio um personagem e tanto. Tmido e gago, era conhecido no


crculo intelectual de Cli como talento precoce. Aos 20 e poucos, j tinha criado
um cineclube e uma revista de cinema e publicado o livro de contos "El
Atravesado" (1975), bancado pela me.
Escreveu "Viva a Msica!" antes dos 23 anos. "Ele sabia que tinha feito algo
importante", diz a irm Rosario Caicedo, 64. Em 4 de maro de 1977, aos 25, ele
recebeu a primeira cpia da edio feita pela Colcultura. Horas depois, caiu
morto sobre sua mquina de escrever, aps ingerir 60 plulas de sedativo.
O romance explicava: "Antecipe a morte, marque um encontro com ela.
Ningum quer saber de crianas envelhecidas", diz a narradora. "Se voc deixar
uma obra, morra tranquilo, confiando em uns poucos bons amigos."
O suicdio no foi surpresa para ningum que o conhecesse --nem poderia, visto
que fora a terceira tentativa--, mas certamente ajudou a tornar Caicedo um
autor cult.
"A morte de Caicedo faz parte, hoje, da obra de Caicedo", argumenta o escritor
colombiano Sandro Romero Rey, autor de "Andrs Caicedo o la Muerte sin
Sosiego".
"'Viva a Msica!' uma espcie de 'O Apanhador no Campo de Centeio'
colombiano", define o cineasta Luis Ospina, diretor de dois documentrios
sobre o autor. "Todo mundo aqui l."
Para Ospina, antes de "Viva a Msica!" "toda a literatura na Colmbia era rural".
"Esse foi nosso primeiro romance urbano, jovem, precursor do movimento
McOndo", diz, em referncia ao jogo de palavra entre a Macondo de "Cem Anos
de Solido" e o McDonalds, e que nomeou a corrente literria latina contrria ao
realismo mgico.
Rey e Ospina organizaram a obra pstuma de Caicedo, que inclui "Destinitos
Fatales", de histrias curtas, e "Ojos al Cine", com 774 pginas de crticas de
cinema.
SALSA
Mara del Carmen, a protagonista de "Viva a Msica!", se deslumbra com o rock
ingls, embora no entenda nada das msicas dos Rolling Stones (o que a faz
dar colher de ch para Ricardito, o Miservel, pretendente que lhe traduz as
letras ao p do ouvido). At que descobre a salsa da dupla popular Richie Ray e
Bobby Cruz, vivendo uma transformao cultural.
Um apndice ao fim do romance aponta mais de cem msicas citadas no texto,
direta ou indiretamente, infiltradas na fala da narradora.
Elas servem, na viso de Rosario Caicedo, para florear uma mensagem muito
mais profunda. "O livro trata da angstia existencial de algum que tenta
sobreviver s presses da sociedade", diz.

Ospina resume essa angstia de modo contundente: "O mundo no foi feito
para Caicedo". Isso ajuda a explicar por que, enquanto Gabriel Garca Mrquez
morreu aos 87 anos, seu oposto literrio quis viver menos que um tero disso.
CRTICA - LITERATURA/ROMANCE

Obra de colombiano pedra angular da fico hispano-americana do sculo 21


JOCA REINERS TERRONESPECIAL PARA A FOLHA
"Viva a Msica!" desses raros instantes em que a realidade invade a literatura,
arrastando a fico pelo colarinho a um mundo desconhecido. A msica, desde o
ttulo, no pouca no romance de Andrs Caicedo: do ritmo oral que turbina a
voz da adolescente Mara del Carmen festa infinita de Cli, cuja trilha sonora
no passa de desespero e violncia descontrolada rumo ao fim da noite.
providencial ler em voz alta este "tour de force" de 1977 para notar que o
colombiano nunca escreveu de boca fechada. Evidncia disso a fala incessante
da narradora, lourinha-belzebu que prima pelas marcas da juventude dos anos
70: dio s convenes familiares, prtica sexual pr-Aids (promscua at dizer
chega mais) e abuso da cocana envolvida.
No que tais coisas sejam exclusivas do perodo, mas Caicedo as trata com a
crena de que o consumo de drogas carrega qualquer sentido libertrio. Eram
tempos de formao de cartis e da ascenso de Pablo Escobar, afinal, alm da
derrocada do esprito da dcada anterior. No romance, a droga representa
oposio das mais puras, enquanto hoje est prxima da situao, usada
politicamente pelas Farc e estatizada em outras partes do globo.
Rebeldes mesmo s a salsa e a desfaatez feminista da bailante protagonista e
de algumas personagens secundrias, bem vontade em ambientes to
machistas quanto as baladas ou as gangues.
Ao som das "pachangas" de Richie Ray e Bobby Cruz, por exemplo, a
personagem Maringela diz a Mara del Carmen: "Os homens so uns tontos.
Voc pode manejar melhor do que eles aquele pintinho que eles te enfiam com
tanto mistrio".
Pedra angular da fico hispano-americana recente, influncia de figuraas do
sculo 21 como o argentino Washington Cucurto e seu realismo "atolondrado"
(descuidado), "Viva a Msica!" prova que a noite, "acmulo de substncias
negras fuliginosas na atmosfera" (como disse dr. De Selby, criao do irlands
Flann O'Brian), tambm soma desesperada de alegrias que implodem na mais
incontornvel tristeza.
JOCA REINERS TERRON escritor, autor de "A Tristeza Extraordinria do
Leopardo-das-Neves" (Companhia das Letras), entre outros.
CRTICA - LITERATURA/ROMANCE

Estreia de escritora de 'Garota Exemplar' no convence leitor


'Objetos Cortantes' peca por dilogos artificiais e tom que resvala no kitsch
A IMPRESSO QUE GILLIAN FLYNN AQUELA 'GAROTA
EXEMPLAR', QUE FAZ O DEVER DE CASA, MAS QUE NO
CONVENCE QUERENDO POSAR DE 'DROGADINHA'
SANTIAGO NAZARIANESPECIAL PARA A FOLHA
O estranho assassinato de uma criana na cidadezinha de Wind Gap, no
Missouri, desperta o faro do editor de um jornal em Chicago, que manda sua
reprter investigar o caso, esperando novos desdobramentos (e vtimas).
Escolhida a dedo por ser nativa de Wind Gap, Camille Preaker tem de voltar a
cenrios de sua infncia, relao conflituosa com a me dominadora e
estabelecer laos com sua irm adolescente, que ela mal conhece.
Primeiro romance da escritora Gillian Flynn, conhecida pelo livro "Garota
Exemplar" --lanado no Brasil antes deste romance de estreia--, "Objetos
Cortantes" um thriller clssico de investigao jornalstica.
Chega a ser genrico no primeiro quarto do livro, at que comeam a ser
revelados traos bizarros dos personagens, como a tendncia de Camille de se
mutilar e a prtica precoce das meninas da cidade no sexo e nas drogas.
No uma transio sutil, e deixa a impresso de que a autora decidiu
"vitaminar" a trama no meio do processo, para fugir da banalidade. E no o
nico problema do romance, que tem dilogos bastante artificiais e um tom
geral que beira o surrealista, mas resvala no kitsch.
Ainda assim, "Objetos Cortantes" no deixa de trazer surpresas. A identidade do
criminoso oscila durante todo o livro entre trs ou quatro personagens e a
autora joga bem com isso.
H tambm um erotismo latente, todos os personagens tm moral dbia e
flertam uns com os outros. A prpria protagonista uma alcolatra depressiva e
jornalista medocre, que mais se envolve com o caso como vtima do que como
herona.
uma boa histria, escrita de forma pouco convincente. Bem adaptada, pode
gerar um filme melhor do que o livro. A impresso final da obra que Gillian
Flynn aquela "garota exemplar", que faz o dever de casa, mas que no
convence querendo posar de "drogadinha".
SANTIAGO NAZARIAN escritor, autor, entre outros, de "Biofobia"
(Record).

Srie levanta debate sobre limite entre plgio e citao


Referncia a 'Anticristo', de Lars von Trier, marca cena de 'Felizes para
Sempre?'
Diretor da obra, Fernando Meirelles afirma que no havia notado
semelhana at uma assistente avisar; passagem foi repensada
GUSTAVO FIORATTICOLABORAO PARA A FOLHA
"Bela homenagem do Fernando Meirelles ao Lars von Trier. Ou seria plgio?",
tuitou um internauta que se identifica como Fernando Rufino aps a Globo
exibir, no dia 26/1, o primeiro captulo da minissrie "Felizes para Sempre?".
Dirigida por Meirelles, a trama em torno de casais em crise chegou nesta sextafeira (6) a seu ltimo episdio deixando uma pulga atrs da orelha do
espectador mais atento.
Como Rufino, muita gente questionou no Twitter se a cena criada pelo
brasileiro, em que uma criana morre por descuido dos pais, poderia
caracterizar plgio de um trecho inicial de "Anticristo" (2009).
No filme do diretor dinamarqus, um menino se atira de uma janela enquanto
os pais transam. Em "Felizes para Sempre?", um menino cai em uma piscina
enquanto os pais dormem. Em ambos os casos, cmera lenta e imagens em
preto e branco.
Assim como na minissrie, outros internautas tambm acusaram plgios em
cenas de novelas da Globo como "Avenida Brasil", "Imprio", "O Astro" e
"Gerao Brasil".
Em entrevista Folha, Meirelles afirma que no havia se dado conta da
semelhana at ser avisado por uma assistente --o que ocorreu antes das
filmagens.
Para evitar cair em uma cpia idntica, retrabalhou o cenrio e a luz, dividiu a
cena em duas partes e retirou a morte do garoto do trecho inicial do episdio.
"Um visual meio de sonho tambm distanciaria a cena do estilo mais naturalista
do dinamarqus."
No entanto, a associao continuou sendo "bvia". Ento, o diretor resolveu
assumir o risco. "'Anticristo' foi visto por apenas algumas mil pessoas no Brasil,
e a ideia da cena to forte que merecia ser vista por alguns milhes."
O longa de von Trier, exibido no Brasil em 2009, atraiu 73 mil pessoas aos
cinemas.

A situao retratada, prossegue o diretor, "no foi inventada por ningum". "Ela
me especialmente cara pois perdi um irmozinho quando eu tinha dois anos.
Cinquenta e cinco anos depois, o tema ainda tabu entre meus pais."
TECNOLOGIA
O pesquisador de teledramaturgia brasileira Nilson Xavier, autor do livro
"Almanaque da Telenovela Brasileira" e do site "Teledramaturgia", reconhece
que essa situao, em que um autor faz meno obra de outro, tornou-se
comum na televiso brasileira.
"Mas no vejo como plgio", diz. "Esses autores sabem que as pessoas vo
reconhecer na hora a referncia que est sendo feita", explica.
Para Xavier, a reincidncia de situaes similares na Globo tambm deriva de
uma vontade de mostrar capacidade tecnolgica. Desde 2007, quando as
novelas da emissora passaram a ser gravadas em alta definio (HDTV), o canal
passou a buscar uma qualidade de produo e imagem antes vista s na telona.
" como se esses autores dissessem 'ns podemos fazer igual'. A televiso tenta
se aproximar esteticamente do cinema, tambm na fotografia e na iluminao",
explica.
Para o dramaturgo Zen Salles, que fez parte da equipe de roteiristas da srie
"Sesso de Terapia", Fernando Meirelles "foi honesto" ao deixar "bem evidente a
sua homenagem ao colega dinamarqus".
"Apesar de 'Anticristo' ser um filme recente, a cena em questo j se
transformou em um clssico, assim como Norma Desmond descendo as escadas
em 'Crepsculo dos Deuses' e dizendo 'estou pronta para o close', cena j
reproduzida na novela 'Duas Caras', de Aguinaldo Silva."
Segundo Thiago Jabur, advogado especializado em direito autoral, "a lei no
protege ideias". "O plgio se caracteriza quando a semelhana deixa de ser uma
inspirao para ser uma cpia integral ou maquiada."
CAIXA DE BOMBONS
O recurso comum tambm no cinema. Em uma cena de "Kill Bill: Vol. 2"
(2004), de Quentin Tarantino, por exemplo, a protagonista vivida por Uma
Thurman enterrada viva, uma referncia aos filmes de terror como "O Silncio
do Lago" (1988), do francs George Sluizer, e o clssico "Carrie, a Estranha"
(1976), de Brian de Palma.
Se as novelas "Imprio", atualmente no ar, e "Avenida Brasil" (2012) resgataram
a mesmssima cena recriada por Tarantino, elas esto, na opinio de Meirelles,
demonstrando "como funciona a dinmica da cultura" ou representando uma
"maneira de a sociedade ruminar e deglutir suas prprias imagens e mitos", diz.
Ele promete bombons a quem conseguir lhe mostrar uma cena "100% original".

A ORIGEM
Semelhanas entre cinema e TV
'Felizes para Sempre?'
Enrique Diaz e Maria Fernanda Cndido deixam o filho sozinho e ele acaba
morto na piscina. A cena similar ao incio de "Anticristo", de Lars von Trier,
pelo tema e pela cmera lenta
'Imprio'
Quando o Comendador (Alexandre Nero) enterrado vivo na novela de
Aguinaldo Silva, copiou-se a claustrofbica cena dentro do caixo do filme "Kill
Bill: Vol. 2", de Tarantino
OUTROS CASOS
'O Astro'
A morte de Salomo Hayala na verso de 2011 lembra cena de "Watchmen",
filme de Zack Snyder, em que um personagem cai da janela, de costas, com um
boto da roupa em destaque
'Gerao Brasil'
Cena da novela, exibida em 2014, copia "Breaking Bad", em que o ex-traficante
Hector Salamanca (Mark Margolis), imobilizado por causa de um derrame, se
comunicava com uma campainha
'Avenida Brasil'
De novo o filme "Kill Bill" copiado, na cena em que sua protagonista
enterrada viva. Na novela brasileira, a vil Carminha (Adriana Esteves) enterra
a personagem Nina (Dbora Falabella). Depois, um take da novela mostra a mo
da vtima saindo da cova
DRAUZIO VARELLA

Obesidade, antibiticos e o microbioma


Atribuir as causas de um fenmeno complexo como a obesidade s
glutonaria dos obesos ignorncia
As causas da obesidade so mais complexas do que sonha nossa v filosofia.
Fatores genticos e exageros mesa guardam relao direta, mas no explicam
inteiramente o fenmeno.
Nos ltimos anos, diversos pesquisadores tm estudado os efeitos metablicos e
a influncia no aproveitamento de energia exercidos pelos trilhes de microorganismos que residem em nossos intestinos. So tantos que o nmero deles
maior do que o total de clulas existentes no corpo humano.

Um dos grupos mais ativos o de Laurie Cox, da Universidade de Nova York, o


primeiro a demonstrar que doses baixas de penicilina administradas a
camundongos jovens alterava-lhes a flora intestinal e a quantidade de tecido
gorduroso acumulado no corpo.
No ano passado, o mesmo grupo publicou um artigo na revista "Cell",
mostrando que os primeiros meses de vida so perodos crticos para a
formao do microbioma intestinal e das caractersticas metablicas do
indivduo.
A questo, entretanto, saber se a idade em que a terapia com antibiticos foi
administrada tem influncia especfica no aparecimento da obesidade e se esta
persiste por mais tempo.
Cox e seus colaboradores demonstraram que existe uma janela ao redor do
nascimento, na qual os camundongos so vulnerveis ao obesognica da
penicilina. Animais cujas mes receberam o antibitico durante a gravidez e a
amamentao apresentaram aumento do peso corpreo e da massa de gordura
na vida adulta.
O grupo procurou identificar se o tratamento com penicilina na fase pr-natal
aumenta o risco de obesidade em camundongos alimentados com dietas
gordurosas. Descobriram que os dois fatores exercem efeitos seletivos e
independentes na composio da flora intestinal e na porcentagem de gordura
corprea.
Finalmente, os autores questionaram se a flora intestinal dos camundongos
tratados provocaria efeitos semelhantes ao ser transferida para os intestinos de
camundongos criados em ambientes estreis.
Os resultados revelaram que animais com trs semanas, criados livres de
germes, ao receber a flora intestinal do grupo tratado com penicilina ganhavam
peso e gordura com mais facilidade.
Esses resultados deixam claro que as alteraes metablicas no so causadas
diretamente pelo antibitico, mas por modificaes do microbioma intestinal.
A identificao dos fatores que modificam a flora do aparelho digestivo pode
esclarecer as diferenas individuais na vulnerabilidade s dietas de alto teor
calrico.
Em seres humanos, os estudos epidemiolgicos sugerem que o risco de
obesidade infantil estaria ligado a intervenes associadas composio do
microbioma intestinal --como o tratamento com antibiticos nos primeiros anos
de vida e o parto cesariano, que impede o contato com os microrganismos
maternos presentes no canal de parto.
At o momento, no entanto, no h evidncias diretas de uma relao de causa e
efeito entre a composio da flora intestinal e a obesidade de seres humanos.
Alm do mais, transferir para o homem dados obtidos em camundongos um
desafio cientfico considervel.

Embora o tratamento com antibiticos nas mais tenras idades possa guardar
relao com a obesidade futura, a janela crtica e a durao dos efeitos
certamente sero diferentes em camundongos e homens.
H que considerar ainda o impacto da descoberta dos antibiticos na reduo da
mortalidade infantil. No caso de uma infeco grave, quem deixaria de
prescrev-los por medo de que a criana se tornasse obesa mais tarde?
Podemos tambm especular que, nas famlias com grande nmero de obesos,
antibiticos administrados logo aps o nascimento poderiam reverter os efeitos
obesognicos da flora materna transferida para o beb no parto vaginal.
A obesidade fenmeno de alta complexidade associada a fatores evidentes,
como o excesso de aporte calrico, a hereditariedade e a outros ainda nebulosos,
como os descritos nesta coluna.
Atribui-la exclusivamente glutonaria dos obesos ignorncia. Como disse o
jornalista H. L. Mencken: "Para todo problema complexo existe sempre uma
soluo simples, elegante e completamente errada".
LENTE

Amor de laboratrio
TESS FELDER
Voc est assistindo a um filme romntico. Enquanto acompanha a histria de
amor, pensa que uma ligao desse tipo deve ser fruto do acaso, algo que foge ao
controle das pessoas. Mas ser que ? O psiclogo Arthur Aron diz que no.
Ele conduziu um estudo, anos atrs, em que duplas de pessoas que no se
conheciam respondiam a perguntas de natureza cada vez mais pessoal e depois
se olhavam profundamente nos olhos, em silncio, por quatro minutos. A
hiptese de Aron era que a interao entre as duas pessoas criaria um
relacionamento estreito, e os resultados se evidenciaram em pelo menos um
caso. Como escreveu Mandy Len Catron no "New York Times", "seis meses mais
tarde, dois participantes do estudo se casaram".
Aron publicou seus resultados h mais de 20 anos, mas Catron achou suas
ideias to provocantes que no ano passado sugeriu a um conhecido seu que
fizessem a experincia. Diferentemente dos participantes no estudo original,
eles no eram desconhecidos. Fizeram o experimento em um bar, no em um
laboratrio.
Comeando com perguntas como "voc gostaria de ser famoso?", os tpicos em
pouco tempo levaram Catron e seu companheiro para terreno mais srio,
incluindo o relacionamento de cada um deles com suas mes. "As perguntas me
lembraram do infame experimento da r fervida, em que a r s sente que a
gua est ficando mais e mais quente quando j tarde demais", escreveu.

Depois veio o contato olho no olho. Saindo do bar, eles caminharam at uma
ponte, onde ficaram parados, olhando-se nos olhos, por um tempo que pareceu
uma eternidade: quatro minutos. "O mais importante do momento no foi
apenas que eu estava enxergando algum, mas que estava vendo esse algum
me enxergar de verdade", escreveu.
Eles se apaixonaram? Sim.
Catron no pensa que eles se apaixonaram unicamente devido experincia,
mas diz que ela foi crucial por ter criado um vnculo forte entre eles. " verdade
que no podemos escolher quem nos ama, se bem que eu tenha passado anos
torcendo para que isso fosse possvel", escreveu. Mas, acrescentou, "o amor no
foi algo que nos aconteceu. Estamos apaixonados porque cada um de ns fez
essa opo."
Mas como encontrar algum com quem tentar um experimento desse tipo? Os
sites de namoro so uma opo, como observou o colunista David Brooks.
Para aqueles que conseguem identificar por meio desses sites uma pessoa para
conhecer melhor, ainda falta o encontro cara a cara. Para que ocorra qualquer
vnculo duradouro ser preciso algo que Brooks chama de "salto do encanto":
"Quando algo seco e utilitrio explode em algo cheio de paixo, inescapvel e
marcado pela devoo". Para que isso ocorra, preciso vulnerabilidade -"a
passagem do egosmo ao altrusmo, do pensamento prudente ao pensamento
potico".
Se o romance no der certo, esse pensamento potico pode ser aproveitado na
escrita, como props Anna North no "NYT". David A. Sbarra, da Universidade
do Arizona, fez um estudo que estimulou pessoas que tinham passado por
separaes recentes a falar de seus sentimentos. Ele sugeriu que "escrever
detalhando seus sentimentos", pode ajudar a reconstruir o senso de identidade e
a superar o rompimento.
Mas isso no quer dizer passar o tempo todo transcrevendo seus pensamentos.
Como escreveu Anna North: "Passe um pouco de tempo com seu dirio -e
depois saia para caminhar".

Amizade interespcie intriga cientistas


Por ERICA GOODE
Uma cabra brinca com um filhote de rinoceronte. Um porco se aninha a um gato
domstico. Uma serpente faz as pazes com um pequeno hamster.
Vdeos de improvveis duplas de animais brincando se tornaram to populares
que esto despertando o interesse de alguns cientistas. "No h dvida de que
estudar esses relacionamentos pode revelar fatores que se do em
relacionamentos normais", disse Gordon Burghardt, professor da Universidade
do Tennessee.

Outras pesquisas j derrubaram algumas barreiras entre o Homo sapiens e


outros animais. Hoje sabe-se que outras espcies partilham de habilidades antes
consideradas exclusivamente humanas, como algumas emoes, o uso de
ferramentas, a capacidade de contar, certos aspectos de linguagem e mesmo o
senso de moral.
No Zoolgico e Parque de Safri de San Diego, adestradores tm aproximado
guepardos e ces desde que so filhotes. Os ces tm um efeito socializador
sobre os felinos ariscos, segundo o zoolgico. Os cachorros conseguem
identificar a linguagem corporal e desempenham um papel dominante sobre
seus companheiros.
Um co e um guepardo pouco a pouco encontram uma forma de brincar juntos,
segundo a adestradora Janet Rose-Hinostroza. Cachorros gostam de lutar, mas
a brincadeira preferida dos guepardos a perseguio -maneira de aprimorar
suas habilidades como predador. "Os guepardos meio que dizem: 'No, no,
voc precisa ser a gazela!'", disse.
Mas o asseio, no a brincadeira, que solidifica a amizade co-guepardo.
Inicialmente, os guepardos jovens morrem de medo das tentativas de
brincadeira dos cachorrinhos, mas pouco a pouco os dois bichos comeam a
confiar um no outro e, num dado momento, o guepardo comea a lamber e
limpar o co. "Quando voc v isso acontecer, pensa: 'Sim, o gato realmente
gosta do cachorro agora'", disse Rose-Hinostroza.
Alguns cientistas permanecem cticos. Clive Wynne, professor de psicologia da
Universidade Estadual do Arizona, disse que todos os vdeos que viu mostram
interaes que acontecem "em um ambiente controlado por humanos".
"Para mim, o tipo de coisa que elimina o que de outra forma seria
interessante", afirmou. "Porque deixa de ser uma histria sobre comportamento
animal e se torna uma histria sobre o impacto humano no ambiente."
Mas outros veem um terreno frtil para pesquisas. "Existem muitas perguntas",
disse a primatologista Barbara Smuts, da Universidade de Michigan, que em
1985 chocou alguns de seus colegas ao usar a palavra "amizade" para descrever
os laos entre fmeas de babunos. "Sabemos que isso est acontecendo entre
todas as espcies. Acredito que a comunidade cientfica acabar indo atrs."
A antroploga Barbara King, da Faculdade William e Mary, no Estado da
Virgnia, disse que esse tpico pode se beneficiar de uma definio rigorosa
sobre o que constitui "amizade" entre membros de espcies diferentes. Um
relacionamento, segundo ela, precisa ser mantido por certo tempo, ambos os
animais precisam estar envolvidos e algum tipo de acomodao entre eles deve
acontecer.
Em alguns vdeos populares na internet, observou King, esses critrios esto
ausentes. Num clipe no YouTube que mostra um hamster nas costas de uma
cobra, por exemplo, no est claro se os dois so bons amigos ou se a cobra
simplesmente no est com fome.

Para Marc Bekoff, professor da Universidade do Colorado, em Boulder,


exemplos que envolvem animais criados juntos desde filhotes mostram que
muitas espcies esto abertas a esse tipo de contato durante algum tempo
depois do nascimento.
"Animais jovens so portas abertas", disse Bekoff, que h muito tempo estuda as
emoes dos animais. Segundo ele, os vdeos de interaes entre espcies
permitem que as pessoas se conectem com um mundo natural do qual esto
cada vez mais afastadas.
"As pessoas esto vidas para se tornarem selvagens", disse. "Esto vidas para
se reconectarem natureza, e esses exemplos estranhos so sedutores."

Emoes ajudam crebro a preservar recordaes


Por BENEDICT CAREY
Segundo um novo estudo, a onda de emoo que torna as lembranas de
constrangimento, vitria e decepo to vvidas tambm pode voltar no tempo,
reforando a recordao de coisas aparentemente banais que aconteceram
anteriormente e que, em retrospecto, so relevantes.
As concluses, publicadas na revista "Nature", corroboram a teoria de que a
memria um processo adaptativo, que se atualiza continuamente. O novo
estudo sugere que a memria humana de fato tem um arquivo de reserva com
vises, sons e observaes aparentemente triviais que podem vir a ser teis
posteriormente.
O experimento no enfocou o efeito dos traumas, que moldam a memria de
maneiras imprevisveis. Ele visava sobretudo imitar os estmulos da vida
cotidiana. O estudo utilizou choques eltricos brandos para gerar apreenso e
mensurou como a emoo afeta a memria de fotografias vistas previamente. "O
estudo forneceu forte evidncia de um tipo especfico de realce retroativo", disse
Daniel L. Schacter, da Universidade Harvard, que no participou da pesquisa.
Ele e outros especialistas ressaltaram que os detalhes do processo ainda no
esto claros. Ningum sabe se lembranas passadas so desencadeadas por uma
experincia emocional, at que ponto possvel retroceder no tempo ou se a
memria tambm suprime alguns detalhes.
De acordo com especialistas, as lembranas codificadas no so fixas e podem
esmaecer ou se intensificar devido a eventos posteriores. O estudo foi feito em
vrias etapas na Universidade de Nova York. Na primeira, os 119 participantes
se sentaram diante de um computador vendo uma srie de fotografias e
classificaram cada uma como ferramenta (martelo, serra) ou animal (cavalo,
guia). Eles viram 30 ferramentas e 30 animais, sem ordem definida.
Cinco minutos depois, os homens e as mulheres sentaram-se novamente diante
do computador, desta vez com fios de eletrodos presos em um dos pulsos.

A equipe de pesquisa, liderada por Joseph Dunsmoor, calibrou um nvel


desconfortvel de choque para cada pessoa. Os participantes ento classificaram
um novo conjunto de 60 fotografias, 30 ferramentas e 30 animais, em ordem
aleatria. Metade do grupo recebeu um choque na maioria das vezes em que via
um animal, e a outra metade recebeu um choque na maioria das vezes em que
via uma ferramenta.
A equipe de pesquisa ento aplicou um teste-surpresa, mensurando o quo
vividamente os participantes se lembravam de todas as fotografias. Os
resultados variaram dependendo de quando as pessoas fizeram o teste.
Aqueles que o fizeram de imediato se lembraram tanto das ferramentas quanto
dos animais, ou seja, os choques no tiveram efeito aparente. Mas aqueles que
fizeram o teste seis horas ou um dia depois se recordaram de cerca de 7% mais
itens da categoria que envolvia choques. Eles se lembravam, por exemplo, de
mais ferramentas se tivessem recebido choques ao ver ferramentas.
"A experincia emocional dos choques fortaleceu ou preservou as lembranas de
coisas que, no momento que estavam sendo codificadas, pareciam banais",
afirmou Dunsmoor.
Schacter comentou: "A descoberta que mais me surpreendeu que a
intensificao depende de algum processo de consolidao ainda desconhecido".

Filme revela trechos censurados de biografia


"Sniper Americano" conta trajetria de militar no Iraque
Por ROBERT ITO
Em "Sniper Americano", Chris Kyle (Bradley Cooper) mira com seu fuzil um
menino. Membro do Seal (tropa de elite da Marinha americana) em seu
primeiro perodo de servio militar no Iraque, ele foi encarregado de proteger a
vida dos colegas, e o menino est correndo em direo a um comboio de
militares com uma enorme granada nas mos.
Qualquer espectador relativamente intuitivo j sabe como isso acaba. Kyle atira
no menino. Quando uma mulher pega a granada e tenta terminar o servio, ele
tambm atira nela. Menino e mulher morrem.
A cena crucial, mas no h qualquer meno de um garoto sendo morto no
livro "Sniper Americano", a autobiografia que inspirou o filme.
Depois de Kyle ter encaminhado a obra para ser revista pelo Departamento de
Defesa, esse trecho foi cortado, segundo?o roteirista do filme, Jason Hall.
No a nica diferena entre a verso cinematogrfica de "Sniper Americano",
dirigida por Clint Eastwood, e o best-seller de 2012.

Muitas coisas da vida de Chris Kyle j fazem parte dos mitos das Foras
Armadas americanas: certa vez, ele acertou um tiro em um homem a uma
incrvel distncia de 1.920 metros.
Mas o Chris Kyle que o espectador v no filme uma figura muito mais
complexa que aquela que os leitores encontram no livro. Kyle comeou a
escrever sua autobiografia em 2010, um ano depois de concluir seu quarto
perodo de servio militar no Iraque.
No livro, ele alude aos inimigos como "selvagens" e descreve o "mal desprezvel"
que encontrou no Iraque.
"O que temos um vislumbre desse homem em um momento particular no
tempo", explicou Hall. "Ele tinha passado uma dcada em guerra ou treinando
para a guerra. Em alguns trechos, ele soa brutal, mas isso foi o que ns criamos.
isso o que essas pessoas precisam ser."
Hall entregou o primeiro rascunho de seu roteiro no dia 1 de fevereiro de 2013.
No dia seguinte, Chris Kyle foi morto por um ex-marine que vinha tentando
ajudar. Brad Cooper, que estava produzindo o filme e seria seu protagonista, s
tinha tido um encontro de cinco minutos com Kyle.
A viva de Kyle, Taya, deu aos responsveis pelo filme acesso a vdeos caseiros,
cartas e uma dcada de e-mails. "Jason e eu passamos horas ao telefone",
contou. "Ele me ligava a qualquer hora do dia ou da noite, em momentos em
que eu s precisava chorar, desabafar ou discutir alguma coisa."
Hall contou que, depois disso, o roteiro mudou. "A primeira verso, que eu tinha
escrito sob a tutela de Chris, era um filme de guerra." Ento, o enfoque do filme
se deslocou para o relacionamento entre Chris e Taya e as dificuldades que Chris
enfrentou para se readaptar vida de civil.
Mustafa, sniper iraquiano que uma figura de destaque no filme, aparece
apenas de passagem no livro. "Eu realmente peguei no p de Chris sobre esse
assunto. Ele disse que achava muito possvel que esse sujeito tivesse matado seu
amigo e que no queria eterniz-lo no livro", disse Hall.
O filme tambm mostra o irmo de Kyle, Jeff, um marine, se queixando sobre a
guerra. "Jeff no teve esse momento na vida real", comentou Taya Kyle. Mas
milhes de outros veteranos de guerra, sim. "Jeff entende que havia necessidade
disso no filme", acrescentou. "Mas vai ser difcil para ele suportar isso."
Polticos e analistas discutem o significado e as intenes do filme, que j
recebeu indicaes ao Oscar por seu roteiro e ator principal, entre outras
categorias.
" muito fcil dizer que o filme isso ou aquilo", disse Cooper.
"Para mim, Chris foi uma figura totalmente humana. Em nenhum momento
precisei passar do cone ao humano. Eu estudei um homem e tentei encarn-lo."

FOLHA 08-02-2015
HLIO SCHWARTSMAN

Ideologia e sade
SO PAULO - A ideologia um troo esquisito. Ela no se limita a turvar a
viso das pessoas em relao aos assuntos de sempre, como papel do Estado,
aborto, legalizao das drogas, mas tambm est sempre em busca de novos
temas sobre os quais possa lanar seus feitios.
Um caso bem documentado desse fenmeno a atitude dos norte-americanos
em relao ao aquecimento global. Mais ou menos at os anos 80, a proteo
ambiental em geral e o efeito estufa em particular no constituam questes
ideolgicas. A probabilidade de um poltico defender uma plataforma
ambientalista era praticamente a mesma fosse ele democrata ou republicano.
Do final dos anos 90 para c, porm, o panorama mudou bastante. Pesquisa do
Instituto Gallup mostra que, em 1998, 47% dos eleitores republicanos e 46% dos
democratas concordavam com a afirmao de que os efeitos do aquecimento
global j se faziam sentir. Em 2013, os nmeros eram 67% para os democratas e
39% para os republicanos.
Agora, assistimos praticamente ao vivo a um movimento semelhante em relao
a um tema improvvel: as vacinas. Os EUA vivem hoje um surto de sarampo que
pode ser diretamente ligado queda nas taxas de vacinao. E h dois tipos de
pais que deixam deliberadamente de vacinar seus filhos. Pela direita, temos
ultraconservadores religiosos que desconfiam de tudo o que venha de cientistas
ou do governo e, pela esquerda, h, principalmente na Califrnia, bolses de
liberais desmiolados que acreditam sem base ftica que a vacina trplice viral
est associada a casos de autismo.
Em comum, ambos colocam suas convices, que tm muito mais de emocional
que de racional, frente de slidas evidncias cientficas. Pior, sua obstinao
faz com que ponham em risco no s seus prprios filhos como tambm
terceiros. Nunca foi to verdadeira a mxima segundo a qual a ideologia faz mal
sade.
CARLOS HEITOR CONY

Salzburgo
RIO DE JANEIRO - So trs horas de trem, saindo de Viena. A paisagem
quase alpina, arrumada, assptica como um postal. O trem para numa cidade
mais ou menos amaldioada pela histria: Linz. Ela no tem culpa de nada.

Apenas foi a cidade que Hitler amava, que considerava a "sua" cidade. Na
verdade, o ditador nazista nasceu em outro canto, viveu em Viena, Munique e
Berlim.
Linz uma cidade como outra qualquer, sem o fascnio de Viena, sem a glria de
Salzburgo. uma cidade cinza, no fosse a parada do trem e seria apenas uma
tabuleta na plataforma. Mas Salzburgo a cidade de Mozart, das igrejas que
marcam seu cho, as belas fontes copiadas dos italianos, o rio que a atravessa
sem pressa, mais paisagem do que rio e a enorme fortaleza l em cima, falando
de tempos passados e passadas glrias.
No outono, o palcio do festival est fechado, todos j debandaram em busca de
outras emoes e Salzburgo resta, inclume, para os curtidores de Mozart. A
sim, pegar a programao, no Palcio Mirabell, na mesma Marmorsaal onde
Mozart estreou aos cinco anos.
Tudo est l: o diabo que sempre aparece um turista querendo ver os cenrios
de "The Sound of Music" ("A Novia Rebelde"). Um austraco, como Robert
Wise, teria de aproveitar os cenrios de Salzburgo para contar a histria da
famlia Trapp.
Mas alm de Mozart, a cidade em si, pequenina, boa de ch, boa de chocolates,
velhinhas coradas vendem castanhas e figos, as lojas se preparam para o Natal,
no longe dali nasceu o hino oficial da grande noite crist, o "Noite Feliz".
Ao longe, a fronteira com a Alemanha, a Baviera alpina, azul e branca. O carro
me leva at Berchtesgaden, o santurio nazista. Ali foi a casa de Hitler. L de
cima ele via as montanhas da ustria, contemplava Salzburgo e ouvia Wagner.
Eu prefiro Mozart.
BERNARDO MELLO FRANCO

O mensalo virou fichinha


BRASLIA - No s no volume de dinheiro desviado que o assalto Petrobras
j se tornou maior que o mensalo. Seu impacto sobre a avaliao do governo
tambm ultrapassa de longe o do escndalo de 2005, mostra a nova pesquisa
Datafolha.
Quando Lula vivia o pior momento, com seu principal ministro acusado de
comprar apoio de polticos no Congresso, 29% dos brasileiros consideravam o
governo ruim ou pssimo. Agora so 44% os que reprovam a administrao de
Dilma Rousseff.
A corrupo encostou na sade como o problema que mais preocupa as pessoas.
E o petrolo comeou a contaminar a imagem da presidente, que passou a ser
vista como "desonesta" por 47% dos entrevistados.

A indignao com os desvios se soma apreenso com a economia. O medo do


desemprego disparou, e quatro em cada cinco pessoas acreditam que a inflao
vai subir mais.
Na sexta-feira, o IBGE informou que a alta de preos em janeiro bateu um
recorde de 12 anos. O que est ruim deve piorar em breve, com o reajuste nas
contas de luz.
Na campanha, o PT dizia que a comida sumiria da mesa das famlias se a
oposio chegasse ao poder. As famlias reelegeram Dilma e agora reagem ao se
ver sob a mesma ameaa.
Nem o tucano mais fantico poderia imaginar um quadro como o de hoje: a
presidente se reelegeu e, depois de apenas trs meses, seu governo parece se
desmanchar.
A falta de gua, o risco de apago e um Congresso mais hostil do que nunca
completam a equao explosiva. No toa que a hiptese de um processo de
impeachment passou a rondar as conversas em Braslia, embora ainda no haja
provas de envolvimento da presidente no petrolo.
Em 2005, Lula se disse trado, jogou aliados ao mar e usou seu carisma nico
para reagir. A economia ajudou, e ele conseguiu se erguer da lona. Mergulhada
em uma crise mais grave e sem a fora poltica do padrinho, Dilma aparenta no
ter ideia do que fazer para sair do buraco.
PETROLO

Delator detalha R$ 1,2 bi em propina para PT e executivos


Lista entregue por ex-gerente mostra valores obtidos por meio de 89 contratos
Planilha indica que desvios na Petrobras renderam R$ 455,1 mi ao
partido, que nega ter obtido dinheiro ilegal
MARIO CESAR CARVALHOGABRIELA TERENZIDE SO PAULO
Os 89 maiores contratos da Petrobras foram a fonte para um volume total de
propina que chega a R$ 1,2 bilho, segundo valores contidos em planilha
entregue aos procuradores da Operao Lava Jato por Pedro Barusco, exgerente da petroleira, e corrigidos pela inflao do perodo.
Os contratos listados por Barusco somam R$ 97 bilhes. O suborno equivale a
1,3% deste valor. Em depoimento que prestou aps acordo de delao premiada,
o ex-gerente citou que a propina variava de 1% a 2% do valor contratado.
A tabela de cinco pginas detalha em que acertos houve propina, quem pagou, o
nome do intermedirio, em que data e como o dinheiro foi dividido entre o PT, o

ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, o ex-diretor de Servios,


Renato Duque, e o prprio Barusco.
Duque ocupou o cargo por indicao do PT, o que seus advogados negam.
No acordo que assinou, Barusco se comprometeu a devolver US$ 97 milhes
que recebera de suborno.
De acordo com a planilha, o PT ficou com a maior parte dos recursos: R$ 455,1
milhes, equivalente hoje a US$ 164 milhes. O partido nega ter recebido
doaes ilegais.
No depoimento aos procuradores, Barusco disse que a parte do suborno que
ficara com o PT era de US$ 150 milhes a US$ 200 milhes.
A empreiteira que mais pagou propina, segundo a lista de Barusco, a Engevix.
A empresa ocupa essa posio porque conquistou o maior contrato citado pelo
ex-gerente na planilha, de R$ 9 bilhes, para a construo de cascos de navio
para a explorao do pr-sal.
Nesse caso, detalha Barusco, a propina foi de 1% do valor do contrato (R$ 90
milhes), dividida em partes iguais entre o PT e a diretoria de Servios da
estatal.
Os pagamentos listados ocorreram entre maio de 2004 e fevereiro de 2011, nos
governos Lula e Dilma Rousseff.
Os dados mostram que a maior parte da propina foi paga em 2010, ano da
primeira eleio de Dilma. De acordo com a tabela, foram embolsados R$ 374
milhes. Desse total, o PT teria ficado com R$ 120 milhes.
METDICO
O material apresentado por Barusco organizado ao ponto de apresentar os
centavos de obras bilionrias da Petrobras. Onze agentes que intermediavam a
propina so mencionados, entre os quais Julio Camargo --ligado empresa
Toyo Setal e tambm delator do esquema-- e Idelfonso Colares, presidente da
Queiroz Galvo at 2013.
J na coluna sobre a diviso do suborno, Barusco usa cdigos: "part" para
Partido dos Trabalhadores, "PR" para Paulo Roberto Costa e "casa" para
identificar a diretoria de Servios.
Em alguns casos, a diviso da "casa" aparece detalhada. Em uma obra na
refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por exemplo, h a indicao "(0,6MW
0,4Sab)" ao lado do registro de uma propina de 1% para a diretoria.
"MW" uma referncia a Renato Duque, a quem Barusco se referia como "My
Way", ttulo de cano interpretada por Frank Sinatra. "Sab" identifica o prprio
ex-gerente da Petrobras, numa aluso a Sabrina, nome de uma ex-namorada,
segundo ele relatou Polcia Federal.

Assim, s nesse contrato Duque levou R$ 7,9 milhes e Barusco, R$ 5,3


milhes.
ANLISE

Opinio pblica reflete choque de realidade do ps-eleio


MAURO PAULINODIRETOR-GERAL DO DATAFOLHAALESSANDRO
JANONIDIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA
O Datafolha traz hoje a maior taxa de pessimismo quanto inflao que
registrou em mais de 20 anos. Nota-se tambm recorde negativo na percepo
sobre o poder de compra dos salrios.
O cenrio se completa pelo ndice expressivo dos que esperam alta no
desemprego nos prximos meses. O percentual supera, pela primeira vez na era
petista, os 60%.
Dilma Rousseff inicia o segundo mandato com a maior parte da populao
reprovando seu governo, algo que no acontecia a um presidente desde maro
de 2000, quando 43% consideravam ruim ou pssima a gesto FHC.
O atual momento, alis, guarda semelhanas com o incio do segundo mandato
do tucano. Pesquisa do Datafolha em fevereiro de 1999 mostrava abalo na
popularidade de FHC logo aps a reeleio, alm de um pessimismo crescente
na economia.
Em relao ao desemprego, a taxa dos que esperavam o pior alcanou, na
ocasio, 72%. O resultado refletia a poltica cambial adotada aps a vitria nas
urnas, iniciativa descartada na campanha.
Agora, a maioria identifica mentiras no discurso de Dilma na corrida eleitoral.
A composio polmica do ministrio, alta de preos, apages e estiagem em
reas populosas so fatores que frustram parcela significativa do eleitorado,
inclusive os mais fiis --no Nordeste, a aprovao da petista caiu de 53% para
29% e a de reprovao subiu de 16% para 36%.
compreensvel, assim, o fato de 54% julgarem Dilma "falsa" --ante 13% em
2012. Mas o desgaste dos atributos de imagem da petista e do PT guardam
correlao tambm com a repercusso da Operao Lava Jato e de suas
consequncias para a Petrobras.
O episdio elevou a corrupo ao patamar de um dos principais problemas do
pas para os brasileiros, com percentual de meno espontnea prximo ao da
sade e superior ao da segurana.

Nessa espcie de ressaca democrtica que o Brasil vive s vsperas do Carnaval,


resta saber o quanto a populao absorver das propostas para remediar a
economia e a credibilidade do pas.
A eficincia demonstrada pela equipe de comunicao na campanha de Dilma
est posta prova, agora para reverter o prprio feitio.
ANLISE

Elementos que derrubaram aprovao esto a para ficar


IGOR GIELOWDIRETOR DA SUCURSAL DE BRASLIA
Os nmeros do Datafolha sobre o desempenho do governo Dilma impressionam
negativamente, mas o contexto no qual eles se apresentam que gera o
adensamento das nuvens negras que se instalaram sobre o Planalto desde a
reeleio da presidente.
No outro momento de grande baque em sua popularidade, na esteira dos
protestos de junho de 2013, havia margem de manobra de mo dupla. De um
lado, o governo podia empacotar medidas reativas; do outro, o flego das ruas
perdeu-se.
Agora no h esse espao. Todos os elementos que derrubaram a aprovao da
presidente a nveis inditos esto a para ficar: a destruio da Petrobras, os
impactos polticos do petrolo e as dificuldades econmicas.
Inflao e desemprego iro subir para a maioria esmagadora dos pesquisados, e
essas so percepes de vida real que nenhum programa eleitoral consegue
nublar.
A segunda posio da corrupo como maior problema do pas chama a ateno.
Nem no mensalo isso ocorreu.
Concorrem tambm os efeitos da crise hdrica. Falta de gua problema
estadual na ponta, mas o governo central paga a conta simblica. J um
eventual racionamento de energia ganha a aura de uma bala de prata federal.
As dificuldades polticas superam, e muito, as de 2013. Se no h ruas, h o
Congresso com as dificuldades personificadas em Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
pela frente.
Lanamento de pacotes ou medidas no inspiram tampouco confiana. Para os
entrevistados, sai a Dilma decidida e sincera de 2011 e surge a presidente
indecisa e falsa --e desonesta, segundo nova aferio que contraria a avaliao
que pesquisas internas do Planalto sempre fizeram.
Pior para o governo, no h margem fiscal para bondades como o aumento do
salrio mnimo ps-mensalo.

Uma dificuldade extra toma forma no estilo da presidente, que est


crescentemente isolada na poltica, como a escolha de Aldemir Bendine para o
lugar de Graa Foster na Petrobras mostrou.
Uma sada comodista, e incerta, seria a abertura das comportas fisiolgicas para
o Congresso, deixar o loteamento dos ministrios tomar seu curso, convocar o
marqueteiro Joo Santana e seguir o conselho do ministro das Minas e Energia:
rezar para chover.
ELIO GASPARI

Distrito, boa ideia para ser discutida


O assunto chato, mas desta vez o debate da reforma poltica pode comear
para valer, sem os truques do PT
Tudo indica que o presidente da Cmara, deputado Eduardo Cunha, destravar
o debate da reforma poltica, obstrudo h um ano pelo PT, que sonha com
plebiscitos e votos de lista. Tramita na Cmara um projeto que pode ser
discutido, emendado e aprovado at agosto deste ano.
um assunto chato e cheio de detalhes. Um dos seus principais pontos o
sistema eleitoral para a escolha de deputados. Hoje a pessoa vota no seu
candidato e so eleitos aqueles que tiveram mais votos na totalizao recebida
pela chapa do partido ou da cumbuca da coligao. Poucos elegem-se s com
votos dados a eles. Disso resultou que j houve gente votando em Delfim Netto e
elegendo Michel Temer, ambos do PMDB. Na eleio passada Tiririca teve mais
de um milho de votos, elegeu-se deputado federal por So Paulo e carregou
consigo o Capito Augusto, que tentara fundar o Partido Militar Brasileiro.
Pela proposta da comisso da Cmara, cada Estado seria dividido em distritos.
Seriam de quatro a sete, e em cada um deles funcionaria o regime da cumbuca.
Assim, o efeito Tiririca ficaria reduzido ao seu distrito. uma coisa meio girafa.
Renasceu a proposta do distrito, concebida pelo vice-presidente Michel Temer.
Ela est na mesa h anos e simples. Cada Estado passa a ser um distrito. Os
partidos apresentam candidatos, os eleitores fazem suas escolhas e votam.
Levam as cadeiras aqueles que conseguem mais votos. So Paulo, por exemplo,
tem direito a 70 deputados. Elegem-se os 70 candidatos mais votados, e acabou
a conversa. Assim, Tiririca pode ter um milho de votos, mas elege s Tiririca.
O distrito pode ser uma boa ideia. Quem quiser pode tambm deixar tudo
como est. O que parece ter desaparecido da agenda o sonho petista do voto de
lista, no qual simplesmente confisca-se o direito do eleitor escolher seu
candidato, transferindo-se essa prerrogativa, total ou parcialmente, para as
direes partidrias.

NOMES NA RODA
No ano passado, quando o empreiteiro Ricardo (UTC) Pessoa chegou
carceragem da Polcia Federal, sabia-se que um homem-bomba entrara no
elenco da Lava Jato. Para o bem de todos (sobretudo dele), o doutor est
colaborando com as autoridades.
Sabe-se agora que o petro-comissrio Pedro Barusco botou um novo nome na
roda, o de Zwi Skornicki, operador do estaleiro coreano Keppel Fels. Zwi guarda
uma memria bem maior que a de Ricardo Pessoa. A Receita Federal conhece-o
bem, por conta de uma negociao formal feita h alguns anos.
Engenheiro que trabalha com plataformas de explorao de petrleo desde a
poca em que elas eram uma novidade no Brasil, sabe tudo do assunto.
um tipo inesquecvel, pelo Rolex de ouro cravejado de brilhantes que carrega
no pulso.
O SENADOR NO INFERNO
Quem tiver trs minutos para perder em busca de talento e bom humor pode
entrar no YouTube em busca do vdeo em que o repentista Maviael Melo recita
seu poema "Campanha eleitoral".
Maviael um pernambucano de 41 anos, poeta da grande tradio dos
cordelistas nordestinos.
USP
Um dia essas denncias de trotes violentos e estupros em universidades,
inclusive na USP, cairo nas mos de um juiz tipo Sergio Moro. Quando os
jovens delinquentes e seus pais descobrirem que podero passar o tempo de
durao do curso na cadeia, a festa acabar.
E acabaro tambm os ilustres professores, sobretudo da Faculdade de
Medicina, que, como o petrocomissariado petista, atribuem tudo a exagero da
imprensa.
LAVA TUDO
O PSDB sabe que no sair ileso da Operao Lava Jato. Suas petrofortunas
recentes eram conhecidas antes mesmo do surgimento do juiz Moro.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo um idiota e se deu conta da frequncia com que sai do Planalto a
informao de que a doutora Dilma ficou "contrariada", "irritada", "aborrecida",
"atnita" ou mesmo "furiosa".
O cretino se pergunta: E da?

NAUFRGIO
Terminado o primeiro ms do segundo mandato da doutora Dilma, uma vbora
assegura ter ouvido a seguinte histria de um sobrevivente da viagem inaugural
do navio mais famoso da histria, aquele do filme com Leonardo DiCaprio:
-- Uma jovem da tripulao embarcou em Southampton e eu lhe perguntei se
estava emocionada com a viagem at Nova York. Ela me disse que achava a ideia
boa, mas o que gostava mesmo era de naufrgios.
(Na vida real, a garonete Violet Jessop j naufragara um ano antes e
naufragaria novamente em 1916. Morreu em 1971, em terra firme, aos 84 anos.)
EUREKA
Joo Carlos Meireles, secretrio de Energia do governador Geraldo Alckmin,
matou a charada da falta de gua que a imprevidncia de seu patro cevou:
"Tem gente que acha 'eu sou rico e pago quanto for por essa gua', mas no
assim. sobretudo esprito de comunidade. Mas parece que tem gente que vive
no mundo de Marte e no tem solidariedade nenhuma."
A culpa do povo.
Bem que ele poderia reunir a imprensa amanh e exibir as contas de gua do
secretariado de Alckmin durante os ltimos 12 meses.
A POROSIDADE DA CABEA PETISTA
Nas manobras para a indicao do novo presidente da Petrobras apareceram
perto de dez nomes. No se sabe de onde eles saram, pois no incluam o nome
de Ademir Bendine, que acabou escolhido. Nessa roda de fogo, entrou o
economista Paulo Leme, do banco Goldman Sachs. Ele teria a simpatia do
ministro Joaquim Levy. A menos que tenha sido uma brincadeira, essa simples
referncia reflete a geleia em que se transformou o centro de decises do
governo.
O PT tenta associar a Operao Lava Jato a um processo de destruio da
Petrobras, de forma a permitir sua privatizao. Para quem gosta de teoria
conspirativa um bom roteiro.
Leme tem mais de vinte anos de destacada militncia no mercado financeiro.
Em 1998, quando o real estava indo para o ralo, a Goldman Sachs divulgou uma
anlise da crise dizendo que eram "necessrias medidas de grande impacto,
como a incluso da Petrobras, da Caixa Econmica e do Banco do Brasil no
programa de privatizaes". Ele era o diretor da Goldman para a rea de
mercados emergentes e, segundo a reprter Vera Magalhes, estimou que a
estatal pudesse valer entre US$ 20 bilhes e US$ 60 bilhes.
Naquela ocasio o nome do doutor entrou na lista de candidatos de Armnio
Fraga para a diretoria de assuntos internacionais do Banco Central. Foi abatido

em voo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Repetindo: Fernando


Henrique Cardoso, aquele que, segundo o PT, queria vender a Petrobras.
Conta a lenda que um dia o governador Carlos Lacerda foi visitar o prdio da
Polcia Central e, subindo as escadas do saguo, disse ao delegado Cecil Borer,
que fora chefe da represso poltica quando ele militava na esquerda:
-- Quem diria, Borer, que um dia estaramos aqui nesta situao...
Borer teria respondido:
-- . Mas quem mudou no fui eu.
JANIO DE FREITAS

As linhas da dificuldade
Um erro de Dilma foi no impedir, e at facilitar, que a Petrobras ficasse
tratada como parte do governo
Os ingredientes da conturbao poltica crescem em nmero e peso a cada dia,
sem cessar. De fontes variadas. Com direes, ou propsitos, que se cruzam e
ainda assim se combinam. Que situao esta? Difcil tentar entend-la no
espao possvel. Tende a dar em qu? No h como prever.
O peculiar da atual situao comea em que ilusria a impresso de um bloco
de fatores interligados, criando a situao problemtica do governo e, em
particular, de Dilma Rousseff. O que h, de fato, no assdio que perturba o
governo so duas linhas mestras e paralelas. Uma, claro, o direcionamento,
contra o governo, de toda a ressonncia proveniente da Lava Jato. Outra so os
problemas propriamente polticos, decorrentes do movimento conduzido pelo
novo presidente da Cmara, Eduardo Cunha.
O canhonao de US$ 200 milhes que o delator premiado Pedro Barusco lanou
no PT desvia parte do ataque at aqui dirigido a Dilma, no envolvida pelos
delatores, e no ao PT j acusado por vrios desde o comeo. Foi a escolha til
feita pela oposio e predominante na imprensa. Mas o que abriu caminho a
esse desvio foi um erro de Dilma, ao no impedir, e at facilitar, que a Petrobras
ficasse tratada, no escndalo, como parte do governo, o que no .
Com isso, para todos os efeitos, no houve o assalto a uma empresa com direo
prpria, urdido por grupo de dirigentes seus, mas corrupo no governo. O
desgaste causado por esse erro custou muito a Dilma, e repar-lo, se no
continuar crescendo, no seria simples. At porque Dilma corre o risco de
receber parte do desgaste a que o PT estar sujeito se a farta parte que lhe cabe
na Lava Jato for adiante no escndalo e no processo.

Para o movimento de Eduardo Cunha, a Lava Jato secundria. Importa-lhe o


poder, para efetivar seus objetivos. CPIs lhe sero convenientes, como tudo que
enfraquea Dilma e o PT. A meta, porm, impedir aprovaes indesejadas por
grupos que o apoiam, caso do fim de dinheiro empresarial nas eleies, e fazer
aprovar um conjunto de projetos, sobretudo referentes a costumes, desejados
pelo conservadorismo das lideranas evanglicas.
Ao se dar conta do plano de Gilberto Kassab, na Folha, para dotar a base do
governo de um novo e forte partido, Eduardo Cunha mostrou o que o distingue
no conjunto dos polticos. Em 24 horas, foi ao encontro do presidente do PMDB,
o vice-presidente Michel Temer, para articular contra a espervel fuga de
peemedebistas rumo ao novo partido; pediu um jantar-reunio com as
principais figuras do PMDB e providenciou a imediata apresentao, feita pelo
DEM, de um projeto exigindo cinco anos de quarentena entre a criao de um
novo partido e sua fuso com um j existente (como planejado por Kassab). Sob
a aparente proteo ao PMDB, tudo para impedir o fortalecimento do governo, e
de Dilma, na Cmara.
O cerco oposicionista com uso da Lava Jato tem mais estridncia, mas os
problemas maiores para Dilma esto na frente poltica. Sua ao, a, ou inexiste
ou desastrada e incompreensvel. parte a competncia que Aldemir Bendine
tenha ou no (jamais ouvi cit-lo a respeito, em seus quase seis anos como
presidente no Banco do Brasil), o oposto do necessrio Petrobras e prpria
Dilma neste momento: algum capaz de boa interlocuo com a sociedade, o
restante os tcnicos fazem. A injusta demisso de Graa Foster, que recebeu,
ainda bem, a digna reao de cinco dos seus companheiros de diretoria da
Petrobras. Mangabeira Unger outra vez nos ditos Assuntos Estratgicos. O que
vir amanh?
Se a conturbao no se tornar mais do que isso, Dilma Rousseff dever muitos
agradecimentos adjetivosa oposio.
OMBUDSMAN
VERA GUIMARES MARTINS

Uma semana do co
Ebulio incomun do noticirio poltico requer dose extra de cautela para no
incorrer em desequilbrios jornalsticos
Era sabido desde o ano passado que a conjuno de fatores polticos e
econmicos prometia uma segunda gesto tumultuada para Dilma Rousseff.
Nem o mais renhido inimigo podia, porm, sonhar com o surto de ms notcias
que soterrou o governo na semana.
O marco zero foi um artigo em "O Estado de S. Paulo", em que o ex-presidente
Fernando Henrique criticava a deteriorao do sistema poltico e defendia a

punio pelos desmandos na Petrobras para os "mais altos hierarcas culpados".


O texto, cujo ttulo "Chegou a hora", poderia permanecer s como firme defesa
dos valores republicanos, mas ganhou nova leitura com notcias engatadas na
sequncia.
A revista "Veja" revelou que, a pedido de uma empreiteira, o advogado Ives
Gandra Martins produziu um parecer que d sustentao "exclusivamente
jurdica" para um pedido de "impeachment" de Dilma. A razo legal:
improbidade administrativa, configurada por omisso, impercia, imprudncia e
negligncia no caso Petrobras.
Na tera (3), Gandra exps sua tese em artigo na seo Tendncias/Debates
(pg. A3), ressalvando que o julgamento de um "impeachment" pelo Congresso
mais poltico que jurdico. Informou tambm que o parecer havia sido
encomendado por Jos de Oliveira Costa. Segundo a Folha revelou no dia
seguinte, Costa do conselho curador e um dos diretores do Instituto FHC.
Publicar o artigo de Gandra foi um acerto: era notcia e saiu no lugar certo, a
tradicional arena de debates do jornal. Mas o destaque dado a ele na "Primeira
Pgina" conferiu peso jornalstico desproporcional a uma questo que no
alcana idntica dimenso institucional. O prprio FHC reconheceu isso ao
dizer que o afastamento, "neste momento, no matria de interesse poltico".
Ok, a declarao provavelmente parte do jogo de cena, mas ela revela que o
tucano tem conscincia de que o cavalo no est encilhado.
No h condies polticas para detonar um processo de "impeachment". A
oposio pode estar tentando afinar os instrumentos, mas o (des)concerto
continua sendo mais obra do prprio governo do que competncia dos
adversrios. Desde o domingo passado, Dilma perdeu a eleio para a
presidncia da Cmara, enfrentou rebelio e renncia coletiva na cpula da
Petrobras, viu ser criada a terceira CPI para investigar a petroleira e terminou a
semana com a denncia de que seu partido recebeu at US$ 200 milhes em
propina de empreiteiras.
Com o noticirio em plena ebulio (sonho de qualquer jornalista, por sinal),
desde quarta este jornal passou a adotar o selo "Petrolo", em substituio a
"Escndalo da Petrobras", usado at ento. A Secretaria de Redao diz que
decidiu pela mudana porque o termo se consagrou nas menes ao escndalo e
expressa a conexo poltica dos desmandos na empresa.
O apelido usado pela "Veja" e, com alguma frequncia, pela "poca". Nos
grandes jornais, apareceu em textos de dois colunistas e em editorial de "O
Globo". No chega a ser uma "consagrao", e sua adoo neste momento,
querendo ou no, carrega uma carga poltica incmoda.
tradio jornalstica procurar eptetos que dispensem explicaes, carimbem
um caso e caiam na boca do povo. Petrolo tem as condies para virar o selo
pop, curto e definitivo do escndalo, mas, no atual contexto, no acho que lustre
a imagem de iseno e imparcialidade perseguida pela Folha.

CLVIS ROSSI

A barbrie como seduo


Estado Islmico usa um terror selvagem (e medieval) porque a selvageria
horroriza, mas tambm atrai
Gillian Tett, colunista do "Financial Times", lana uma proposta que parece (ou
) ingnua, mas que tem l seu fundamento lgico.
Ela sugere que as pessoas parem de acessar, nas redes sociais, os vdeos
postados pelo EI (Estado Islmico) mostrando o assassinato selvagem de seus
prisioneiros, seja pela decapitao seja queimando vivo um deles.
Tett apoia-se no antroplogo Frances Larson, da Durham University, estudioso
de decapitaes (as antigas), para quem "s h vitria nas aes dos assassinos
quando ns as assistimos".
uma tese corrente no mundo acadmico e jornalstico: o EI filma suas aes
violentas no apenas porque brbaro, mas porque a barbrie uma arma de
captao de adeptos.
Escreve, por exemplo, Khalil al-Anani, professor-adjunto da Escola de Estudos
Internacionais Avanados da Johns Hopkins University:
"Apesar de seu comportamento brutal e brbaro, o apoio ao Estado Islmico
est crescendo em toda a regio, do Imen Arglia. De fato, por meio dessa
barbrie e agressividade que o EI pode atrair e persuadir apoiadores a somar-se
s suas fileiras e a experimentar eles prprios sua audcia como se fosse um
jogo de entretenimento".
Vale acrescentar que videogames de uma selvageria inusitada tem um pblico
crescente, o que s faz aumentar a tentao de jogar um jogo semelhante na vida
real.
Como diz o antroplogo Larson, "embora as pessoas se horrorizem com as
decapitaes, elas tambm so fascinadas por elas".
Um fascnio antigo, alis, como lembra, no "El Pas", o escritor Luis Goytisolo:
"Ao longo dos mil anos da Idade Mdia, a queima de bruxas e hereges e demais
suplcios pblicos foi um espetculo" que fazia com que "as principais praas
pblicas de cidades como Paris, Londres ou Madri se convertessem em
anfiteatros lotados".
O que o EI est fazendo ao mergulhar em prticas medievais mudar o
tamanho e o alcance do anfiteatro: era uma praa pblica limitada a uma
cidade, hoje o mundo todo, conectado virtualmente.

O que torna ingnua, a meu ver, a proposta de Gillian Tett de pararmos de clicar
nos vdeos postados pelo EI o fato de que h uma diferente reao a eles: a
maior parte dos espectadores se horroriza (pelo menos espero que se horrorize),
mas uma parcela bem menor (espero) fica fascinada e atrada pela barbrie.
Essa parcela exatamente o pblico que os terroristas querem atingir, o que
tornaria incua a no visualizao pela maioria.
O que lamentvel que a selvageria fascina quem no vtima direta dela, no
caso jovens ocidentais desorientados.
Nos pases muulmanos, o apoio a atos terroristas cai verticalmente depois de
um deles no prprio pas, mostra o Centro Pew de Pesquisas.
Na Jordnia, por exemplo, 57% achavam que, s vezes, se justificava o
terrorismo at que houve, em 2005, atentados em trs hotis de Am. Na mais
recente pesquisa (2011), s 13% tinham idntica opinio.
Descobriram, pelo caminho rduo, que terror no videogame.

Grupos armados com fuzis levam terror a cidades do interior de SP


Alvo so caixas eletrnicos; ao menos 11 municpios da regio de Ribeiro
tiveram crimes assim
Policiais militares dizem j ter recuado e at se escondido para no
serem mortos pelos bandos de criminosos
ROGRIO PAGNANDE SO PAULO
"Prefeito, acorda a. Mataram todos os policiais da cidade e estamos merc dos
bandidos. V o que voc pode fazer a." Esse o dilogo que o comerciante Joo
Luiz de Oliveira, 42, diz ter tido na madrugada de 10 de dezembro com o
prefeito de Pedregulho, Jos Raimundo de Almeida Jnior (PMDB) --o gestor
confirma o teor da conversa.
O municpio de 15.940 habitantes, a 433 km de So Paulo, conhecia naquela
madrugada o que pelo menos outras dez cidades da regio de Ribeiro Preto j
tinham passado em meses anteriores.
Um grupo com cerca de 20 criminosos armados, boa parte deles com fuzis (que
conseguem perfurar at blindados), invadiu a cidade em um comboio de
veculos para furtar caixas eletrnicos.
Os PMs no foram mortos --o comerciante havia exagerado em seu relato ao
prefeito--, mas fugiram, o que deixou a cidade sob domnio dos criminosos por
20 minutos.

Nesse perodo, os bandidos fizeram disparos para o alto para demonstrar o


domnio do territrio, ameaaram moradores e fugiram levando o dinheiro de
caixas eletrnicos. "Voltamos ao tempo do Lampio", disse um policial.
Os PMs, que temem ser punidos pela corporao, pediram anonimato.
Em pequenos municpios do interior paulista, o patrulhamento feito, muitas
vezes, por apenas dois PMs em carro sem blindagem e armados com pistolas. Os
coletes prova de balas no suportam armas potentes.
So vrios os relatos dos policiais que precisaram recuar dos criminosos, muitas
vezes fora da cidade. "A gente queria chegar at l, sabia o que estava
acontecendo, mas tambm sabia que iramos morrer. uma sensao muito
desagradvel, de impotncia", afirmou outro PM.
Em pelos menos uma cidade, Buritizal, os colegas relatam que bandidos
chegaram a perseguir os PMs, que s escaparam porque se esconderam num
canavial com faris dos carros apagados.
O ltimo registro de aes do grupo do "Fuzilzo", como alguns policiais o
chamaram, foi em 23 de janeiro em Orlndia --o segundo caso na cidade em
menos de seis meses.
Na madrugada, o grupo com fuzis se instalou em importante avenida da cidade,
fez a PM recuar e explodiu os caixas. "Isso aqui virou o inferno", afirmou um
policial.
Em algumas cidades, em razo das aes das quadrilhas, os PMs esto sendo
obrigados a estacionar em frente aos bancos na madrugada. "Agora viramos
alvo ainda mais fcil", disse um PM.
ANTONIO PRATA

Daniel
Esta crnica t meio confusa, verdade. que difcil esse negcio de
dar boas-vindas a quem chega ao mundo
Se esta crnica est sendo publicada hoje, porque nasceu o meu filho, Daniel.
(Se esta crnica no est sendo publicada hoje, porque ele ainda no nasceu,
mas, se ele ainda no nasceu e esta crnica no est sendo publicada hoje, esta
frase no tem razo de ser, uma vez que no ser lida por ningum alm de mim
e da Andressa, do "Cotidiano", a quem mando o texto no fim da gravidez, por
precauo. Tudo bom, Andressa? No, Andressa, eu no quis dizer que a gente
era ningum. Ah, o correto "a gente no era ningum"? Com a dupla negativa
mesmo? Hmmm. Obrigado, Andressa. Eu no quis dizer que a gente no era
ningum, mas que as crnicas costumam ser pra mais do que duas pessoas. Se
bem que, pensando melhor, nem todas. Esta aqui, por exemplo, pra uma

pessoa s. Afinal, como eu ia dizendo at ser interrompido pela visita


inesperada de uns parnteses, se esta crnica est sendo publicada hoje,
porque voc nasceu, Daniel.)
Voc era ningum, agora voc algum --e, acredite, filho, essa a coisa mais
fantstica que pode acontecer com ningum em todo o universo. Eu digo
"acredite" porque no exatamente um consenso por estas bandas
ultrauterinas. H quem fique na dvida entre ser ou no ser, h quem diga que
chove muito ou pouco e que h dor de dente e nas costas e tantas outras dores
do mundo que o melhor seria no ser ou ser granito ou fumaa, o que d na
mesma. Um homem muito sabido chegou a dizer que o que todo mundo quer
voltar praquele lugar morninho do qual voc acabou de sair. Talvez ele tenha
razo, mas, como a via de mo nica, eu digo para o seu alento: tem muito
programa bom por aqui.
No sei nem por onde comear, porque no sei ainda do que voc gosta. Eu e a
sua me vamos tentar mostrar um pouco de tudo, a voc decide. Carne, peixe,
frango; Palavra Cantada, Ramones, Cartola; mar, campo, cidade; arara, camelo,
avestruz; tinta, massinha, carvo; Corinthians, Corinthians, Corinthians -lamento, filho, mas, por mais pluralistas que sejamos, h algumas regras que
precisam ser seguidas. Brincadeira, eu vou te amar mesmo que o seu av te
converta num so-paulino. Mas saiba que isso vai dificultar um pouco a nossa
relao. E muito a minha relao com o seu av. uma escolha sua. E do seu
av. (T dado o recado, Mario Luiz.)
Daniel, prometo que vamos fazer o que estiver ao nosso alcance pra te ajudar,
mas desde j peo desculpas por nossos inmeros tropeos. Embora estejamos
mais experientes depois da Olivia --duvido, por exemplo, que em vez de pomada
pra assaduras passemos pasta de dentes no seu bumbum (as bisnagas eram
idnticas! Caramba, Weleda!)--, alguns deslizes so inevitveis.
Esta crnica t meio confusa, verdade. que difcil esse negcio de dar as
boas-vindas a algum que chega ao mundo. No sei se falo do Drummond ou do
dedo na tomada, se calo ou te compro uma bicicleta. Tudo bem, faz parte. A vida
tambm confusa, Daniel. confusa, chove, di dente, costas e outros costados,
mas vale muito a pena. Voc no existia, agora existe: esse o grande milagre
diante do qual nos curvamos, crentes ou ateus, corintianos ou so-paulinos. Seja
bem-vindo, meu filho, seja o que voc quiser, seja o que voc puder, desculpa
qualquer coisa --e cuidado com as tomadas.

Tia de executado na Indonsia diz ter sido extorquida na priso


Maria de Lourdes Archer diz que pedido foi feito horas antes de o brasileiro ser
fuzilado
Ela afirma que Marco no acreditava que seria morto e pensava que
o papa poderia salv-lo de execuo
RICARDO GALLODE SO PAULO

A advogada Maria de Lourdes Archer Pinto, 61, diz ter sido obrigada a pagar
propina a um motorista da priso na Indonsia para conseguir ver o sobrinho,
Marco Archer Cardoso Moreira, 53, horas antes de ele ser ter sido executado,
em 18 de janeiro (tarde do dia 17 no Brasil).
"Sofri toda a sorte de humilhaes", disse. Dois funcionrios do governo
brasileiro testemunharam o episdio --um deles tambm o relatou Folha. Na
sexta (6), a reportagem no conseguiu contato com a embaixada da Indonsia
em Braslia.
Maria de Lourdes foi a ltima a ver Marco vivo, no complexo penitencirio de
Nusakambangan, em Cilacap, a 400 km de Jacarta.
Ao relembrar os ltimos dias, agradeceu a ajuda do Itamaraty e diz que deixou o
sobrinho supor que ela o visitaria no dia seguinte.
Primeiro brasileiro executado em tempos de paz, Archer fora preso em 2003, ao
tentar entrar no pas com 13,4 kg de cocana. Ele foi cremado --as cinzas sero
depositadas em um cemitrio de Manaus nas prximas semanas.
Folha - Como foram as ltimas horas da senhora antes da visita ao
Marco?
Maria de Lourdes Archer Pinto - No sbado, vspera da execuo, foram
duas horas de tremenda tortura e sofrimento espera da liberao da visita
pelas autoridades. Para completar, fui extorquida no momento em que o nibus
me levaria at a priso, para v-lo pela ltima vez.
Como foi?
O nibus no saa do lugar e ficou simulando esperar outras pessoas --e o tempo
estava passando. Ao propor dinheiro, imediatamente me levaram priso. Se
no pagasse, eles no sairiam. Foram to corruptos que sabiam que no levava
dinheiro --era proibido levar bolsa visita-- que foram buscar a propina no
hotel em que estava, no mesmo dia [antes de Marco ser morto]. Pediram 500
mil rpias indonsias (R$ 109) e dei 300 mil (R$ 66).
E a ltima visita ao Marco?
No houve clima de ltimo encontro, ltimo pedido, porque deixei que ele
pensasse que eu voltaria domingo para visit-lo e que o Papa poderia reverter o
quadro [o Itamaraty chegou a pedir ao Vaticano que interviesse]. Mas nosso
encontro foi em clima de muito amor, abraos, beijos e choro.
Como ele estava?
Estava muito nervoso e agitado. No acreditava no que estava por vir. Perguntei
se ele havia se arrependido do que fez [do trfico de drogas]. Ele disse que sim.
A rezei uma Ave Maria. O Marco disse que seria morto, mas que os chefes da
droga continuariam vivos na priso.

De que maneira a senhora soube que ele seria executado?


Recebi uma mensagem urgente de um guarda da priso de que o Marco havia
sido retirado da cela e isolado para execuo. Foi um desespero, mas consegui
antecipar minha viagem para l [ela j iria visit-lo]. Cheguei l depois de 48
horas de avio, mais dez horas de carro, sozinha e sem saber falar ingls.
Ele nunca escondeu envolvimento com o trfico de drogas. Como foi
a relao da senhora com ele?
Foi tudo muito difcil desde o incio, primeiro por nunca ter sido me e pela
pouca convivncia com Marco nos ltimos 30 anos. Eu morava em Manaus e ele
em Bali. Passei a ter contato com ele depois que minha irm morreu, em 2010.
Tivemos conflitos no incio, mas graas a Deus tivemos tempo para reconstruir
nossa relao familiar. Agora estou me recompondo, embora com muitas
saudades, pois nos falvamos quase que diariamente.
MARCELO LEITE

A ressurreio do volume morto


bvio que o rodzio teria de comear muito antes de julho; nenhum
governante deixaria uma represa secar
A semana terminou com duas boas notcias para aplacar a aflio dos
moradores da regio metropolitana de So Paulo. Continua faltando gua, mas
as coisas comeam a acontecer, finalmente.
Primeiro, no cu. Choveu pra burro a partir de quinta-feira (5), o que trouxe
algum refresco para o sistema Cantareira e seu famigerado volume morto, que
vive na segunda reencarnao. No o bastante para exorcizar a terceira, mas v
l.
Qualquer notcia boa bem-vinda, nesta altura de uma estiagem esquisita (com
inundaes). A segunda foi que o governo paulista j fala em racionamento
("rodzio") para enfrentar a seca ("estresse hdrico"). Se no o fim dos
eufemismos, pode ser o da procrastinao.
De todo modo, j se acumulavam 80 mm nos seis primeiros dias de fevereiro,
ou 40% da mdia de precipitao do ms sobre o Cantareira. Foram 25 mm,
13% da mdia mensal num nico dia. So os dados publicados pela Sabesp.
Cabe ao poder pblico preparar-se para o pior, e no animar-se e adiar as
providncias necessrias porque choveu um pouco mais. At porque essas cifras
da meteorologia, alm de muito variveis e imprevisveis, so imprecisas.
O quadro pintado pelo centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres
Naturais (Cemaden, um rgo federal) um pouco menos animador. At o dia

5, quinta-feira passada, indicava 45,8 mm de precipitao acumulada no ms na


rea do Cantareira. Pela Sabesp, o acumulado era de 54,8 mm.
Onde foram parar os 9 mm de diferena? So 9 litros por m, o mesmo que
consigo coletar com um balde debaixo do chuveiro enquanto espero jorrar a
gua quente.
A discrepncia decorre de haver sistemas diversos de coleta de informao. A
Sabesp usa pluvimetros prximos das represas do Cantareira. J o Cemaden
montou uma rede prpria com trs dezenas de aparelhos espalhados por toda a
bacia, ou seja, o territrio de mais de 2.000 km drenado pelos rios que
alimentam os reservatrios, como o Juqueri, o Atibainha, o Camanducaia, o
Jacare e o Jaguari.
(No confundir os dois ltimos rios com os de mesmo nome em outros lugares.
Eles so uma espcie de "Jos da Silva" fluvial, com muitos homnimos, pois os
nomes querem dizer "rio de jacars" e "rio de onas", respectivamente, em tupi.)
Reunindo os dados de seus pluvimetros automticos com os de sete aparelhos
do Daee (Departamento de guas e Energia Eltrica de So Paulo), o Cemaden
tem produzido periodicamente cenrios sobre o que pode acontecer com o
Cantareira. Com a vantagem de que seus modelos de computador no levam em
conta s a gua que entra e sai das represas, mas tambm a precipitao, uma
estimativa da gua que evapora e a umidade do solo ("efeito esponja", como se
diz).
No d para ficar animado. Se as chuvas daqui para a frente repetirem o padro
50% abaixo da mdia histrica, o volume morto 2 ter a sua segunda morte em
meados de julho --ainda na vigncia da estao seca. Mas mais ou menos
bvio que o racionamento teria de comear muito antes disso, porque nem o
mais irresponsvel dos governantes deixaria uma represa secar.
A no ser que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) encare as ltimas chuvas
como um refrigrio e reviva a assombrao do volume morto 3. Seria mesmo de
arrepiar.
PAULO VINCIUS COELHO

O alambrado a lei
A questo no a torcida visitante, hoje liberada; a nica soluo prender os
assassinos
A deciso de instalar as torcidas visitantes no anel inferior das arenas de
Corinthians e Palmeiras era um dos argumentos da diretoria de segurana da
Federao Paulista para defender a torcida nica nos clssicos.

Balela! Nos clssicos Manchester United x Manchester City, a torcida visitante


fica bem perto do campo. S vo os hooligans, mas ningum ameaa invadir o
campo.
A este argumento, o diretor de segurana da federao, Marcos Marinho,
responde: "L, o alambrado a lei!"
A frase significa que quem colocar o p no campo est preso e condenado na
Inglaterra. Aqui...
Bem, aqui h tambm assassinos do dia a dia soltos. S no mais verdade
absoluta que todos os crimes ligados ao futebol esto impunes.
Em 17 de agosto de 2014, o professor Gilberto Torres Pereira foi assassinado
numa briga entre corintianos e palmeirenses em Franco da Rocha. Acusado pelo
homicdio, o ex-vereador de Francisco Morato, Raimundo Csar Faustino, est
preso.
Era uma briga entre corintianos e palmeirenses. Detalhe: naquele dia, o clssico
era So Paulo x Palmeiras.
A questo no a torcida visitante, hoje liberada.
possvel listar outras brigas de palmeirenses e corintianos que no tinham
nada a ver com o estdio. Em 2011, Douglas Karim foi morto e atirado no rio
Tiet na noite de 28 de agosto, depois da ltima vitria do Palmeiras sobre o
Corinthians. O clssico aconteceu em Presidente Prudente, a 512 km do local do
crime.
Torcida nica no resolveria.
A histrica incapacidade da Justia brasileira para colocar criminosos atrs das
grades s menos grave, no caso do futebol, que a incompetncia para informar
as prises.
A impunidade no total, mas a sensao de impunidade de 100%.
E ento os (ir)responsveis por organizar o futebol pem a culpa nas novas
arenas e quase criam a torcida nica.
O discurso at faz certo sentido: "Como aqui a Justia no funciona, temos de
nos antecipar", diz Marcos Marinho. Quer dizer que vamos viver para sempre
num pas sem lei?
Na madrugada de 25 de janeiro, o corintiano Felipe, conhecido como Dime, foi
assassinado numa briga com palmeirenses. Dois dias antes, o temor da
federao era haver clssico na final da Copa So Paulo de Juniores.
O Palmeiras foi eliminado e a deciso foi Corinthians x Botafogo-SP. Teve morte
mesmo assim! No foi no estdio nem por causa do jogo!

O Palmeiras defende a torcida nica para vender ingressos no estdio inteiro.


Foi a mesma razo de o So Paulo parar de dividir o Morumbi ao meio, em 2009
--a arquibancada passou a ter espao para scios-torcedores.
No pode ser pelo comrcio. Tem de ser pela vida. E a sada no fazer de conta
que as mortes so por causa dos estdios. A nica soluo prender os
assassinos.
JUCA KFOURI

Clssico destratado
Primeiro drbi na nova casa alviverde merecia tratamento competente dos
responsveis pela segurana
Maior confisso de incompetncia no poderia haver: no fosse a Justia,
Palmeiras e Corinthians jogariam hoje s para palmeirense ver.
Pedido do promotor Paulo Castilho, que h anos descuida da questo de
violncia de torcidas no Ministrio Pblico paulista --e no do Esporte, poca
em que assumiu a diretoria de Direitos do Torcedor da pasta durante o infeliz
perodo de Aldo Rebelo.
Agora Castilho est cotado para assumir a Secretaria de Futebol do ministrio
do Esporte e, apstolo da paz dos cemitrios, talvez sonhe com jogos sem
torcida alguma e sem bola, para evitar que algum se machuque numa dividida
mais rspida.
Em vez de tomar medidas que afastem a minoria bandida entre os torcedores
uniformizados, Castilho prope outras que probem a presena da maioria, os
torcedores comuns.
E lana livro sobre o tema na sede da entidade que deveria fiscalizar, a
Federao Paulista de Futebol, em relao promscua com a cartolagem.
Castilho alega ter detectado, nas redes sociais, o agendamento de embate entre
os vndalos alvinegros e alviverdes. Vndalos mais que conhecidos e que,
frequentemente, se renem com as autoridades, que acabam por avaliz-los,
embora se saiba da participao at do PCC nas chamadas torcidas organizadas.
claro que, diante de um problema que sobrevive j h mais de duas dcadas,
medidas como a da exigncia de torcida nica encontra defensores e a direo
do Palmeiras estava feliz por poder preservar seu estdio que, no entanto, pelo
bem do futebol, tem de abrigar, como o corintiano abrigou no ano passado, as
duas torcidas.

Entre outras coisas porque no havia nenhuma garantia de que os marginais


dos dois lados deixariam de se encontrar antes ou depois do jogo --porque fica
at mais fcil para os bandidos banidos de um jogo identificar todos os que se
dirigirem ao campo do rival como inimigos.
De tudo, de mais um passo atrs dos cartolas e dos responsveis pela
insegurana dos torcedores comuns, fica a esperana de que, enfim em vias de
ser desengavetado, o relatrio Klein, pronto h uma dcada, seja posto em
prtica no pas por iniciativa do governo federal.
Porque, por enquanto, Castilho que fez bem ao futebol brasileiro s o lendrio
goleiro do Fluminense e da seleo brasileira nos anos 50 e 60.
DERBINHO
Veio em boa hora a derrota do Palmeiras para a Ponte Preta, no primeiro jogo
do time verde, literalmente, contra outro da primeira diviso nacional.
O Palmeiras est em construo e tem de ter os ps no cho.
J o Corinthians, com a cabea na lua da cidade colombiana de Manizales, que
fica bem mais perto dela que de So Paulo, deve jogar com um time mesclado,
embora, diante do desrespeito ao seu torcedor, devesse mesmo ir s com
reservas, como resposta ao Ministrio Pblico e FPF.
O Paulistinha teria assim um indito e mutilado derbinho altura da
competncia dos que o diminuram.
TOSTO

Complicar no preciso
Fazer mais de uma funo em uma mesma partida diferente de atuar em
vrias posies em jogos diferentes
A evoluo no futebol, nos ltimos anos, tem sido diminuir a importncia dos
jogadores que atuam em pequenos espaos, embora, s vezes, eles sejam
decisivos, e valorizar mais os que fazem mais de uma funo, desde que tenham
talento.
No adianta correr sem pensar. Mas no se deve confundir os atletas que,
durante um jogo, fazem mais de uma funo com os que atuam em vrias
posies em partidas diferentes.
Quando o atacante Rooney, um timo finalizador, volta para receber a bola em
seu campo para, depois, chegar ao ataque, no significa que ele possa fazer, com

a mesma eficincia, o sentido inverso, ou seja, atuar de volante para, depois,


chegar frente, como tem sido escalado por Van Gaal, no Manchester United.
Rooney, por ser um jogador inteligente, joga bem tambm de volante, mas no
seu lugar. Isso o prejudica e ao time. Os moderninhos adoram elogiar o tcnico
que muda a posio dos jogadores, mesmo sem motivo, como se isso fosse
moderno.
Tenho muita admirao pelo criativo Guardiola, mas discordo quando ele
exagera em suas invencionices, ao colocar dois excepcionais laterais, Alaba e,
especialmente, Lahm, no meio-campo ou na zaga, como algumas vezes joga
Alaba. Pior, os laterais escalados so fracos para o nvel do Bayern. Lahm est
contundido. O tcnico da seleo alem fez o mesmo na Copa, percebeu o erro,
voltou Lahm para a lateral, e o time ficou muito melhor.
Mourinho, o "number one", apelido dado por ele prprio, improvisa o lateral
direito Azpilicueta, apenas um bom marcador, pela esquerda e deixa na reserva
Filipe Lus, muito bom na marcao e no apoio. Dunga est certo em escal-lo
na seleo, mas erra ao no convocar Marcelo, excelente opo, em algumas
situaes, por ser um excepcional apoiador.
Ancelotti no tem a fama de Mourinho nem de Guardiola, mas um tcnico que
executa muito bem tudo o que essencial, no momento certo.
Entre vrios motivos, critico os tcnicos brasileiros por terem, durante os
ltimos tempos, contribudo para a queda do nosso futebol, mas colocar
jogadores nos lugares errados no uma de suas deficincias. Alm disso,
muitos tm evoludo. De vez em quando, vejo equipes com tima qualidade
coletiva. preciso que isso se torne quase uma rotina.
PRMIO
Sei que colunista no deveria falar de si mesmo. Porm, como tenho minhas
fraquezas e preciso esclarecer, informo que recebi o prmio, anual e tradicional
em toda a Espanha, "Manuel Vzquez Montalbn", concedido pelo colgio de
jornalistas da Catalunha, com apoio da Fundao Barcelona. Fiquei orgulhoso,
contente, principalmente pela enorme surpresa.
Para quem no sabe, Manuel Vzquez Montalbn foi um grande escritor
espanhol, especialmente, de fico policial. Jos Trajano adora seus
personagens, como o Detetive Pepe Carvalho.
Manuel Vzquez Montalbn o Rubem Fonseca da Espanha. Esclareo, ainda,
que no um prmio de melhor colunista, como foi noticiado. para qualquer
profissional que, com seus textos, tenha contribudo, de alguma forma, com o
futebol.
MNICA BERGAMO

Purpurina nunca mais


A eterna Globeleza Valeria Valenssa lana livro e conta como entrou
em depresso quando foi demitida da Globo na frente do prprio
marido com o argumento de que o Brasil tem muitas outras
mulheres bonitas
Dos 15 anos em que foi a estrela das vinhetas de Carnaval da Globo, de 1990 a
2005, Valeria Valenssa guarda o essencial: a habilidade de sambar com saltos
altssimos, a desenvoltura profissional com que posa para fotos e a relao de 20
anos com o marido, o designer austraco Hans Donner.
Do resto da experincia como Globeleza --purpurina e lantejoulas em
quantidades industriais, muita pele exposta e pacincia para ter o corpo pintado
por mais de 30 horas--, a danarina de 43 anos mantm boas lembranas, mas
"distncia saudvel".
"No tenho mais o corpo que tinha antes e sou muito exigente! Tambm penso
nos meus filhos. No mais o momento para eu me expor. Vivi isso
intensamente e nunca iria ignorar uma parte to importante da minha vida. Mas
sou me e vivo um outro perodo", explica reprter Marcela Paes na sesso de
fotos feitas em um hotel em So Conrado, no Rio.
A ex-musa fez uma volta ao passado para contar sua trajetria no livro "Valeria
Valenssa. Uma Vida de Sonhos", (Editora Tinta Negra). A obra, que ser lanada
na tera-feira (10), um depoimento dela s jornalistas Laura Bergallo e Josiane
Duarte.
"Quero colher o que eu plantei como Globeleza. Acho que o livro pode abrir
portas. Quero voltar ao mundo artstico, talvez fazer um musical. No livro de 141
pginas, a carioca que nasceu no bairro da Pavuna e hoje mora no Jardim
Botnico relata, por exemplo, como foi dispensada do posto pela Globo, dois
anos antes do previsto por ela.
"Eles disseram assim: 'Valeria, queremos te dispensar porque o Brasil tem
muitas mulheres bonitas. Vamos te substituir'. E o Hans do meu lado. (...) Ele
ficou to nervoso! J eu no tive reao. E, sem me dar conta direito de que era
uma situao imposta, de que era um fato consumado, ainda perguntei: 'Mas eu
no posso pensar?'. Eles responderam: 'Voc no tem que pensar, ns j
decidimos'. Foi desse jeito. Eu no estava preparada."
E veio a depresso: ela ficou seis meses sem sair de casa, insistindo para que o
marido, que at hoje trabalha na Globo, revertesse a situao.
"Fiquei completamente fora do ar. Ligava para ele [Hans] na Globo,
perguntando se no ia falar com ningum. Fiquei descontrolada, sem cho, pela
maneira como tudo foi feito", afirma tambm na obra.

Na opinio da danarina, os quilos ganhos na gestao do segundo filho --na


poca ela estava pesando 70 kg e enquanto era a estrela das vinhetas se
mantinha com 49-- foram a razo para o corte.
"Eu ainda fiz muitos sacrifcios para gravar pela ltima vez, na vinheta em que
eu passava o posto para a nova Globeleza. Fiz lipo, coloquei prtese de silicone.
Queria provar que estava bem fisicamente. No me arrependo das plsticas, mas
no faria novamente. Foi muito difcil".
"Mas no tenho nada contra cirurgias." Aproveita para arregalar os olhos e
apontar para a testa que tenta, em vo, franzir: "Tenho botox! S ruim quando
vou fazer uma careta de brincadeira para os meus filhos e no consigo!".
Apesar da surpresa com a demisso repentina, Valeria no guarda mgoa da
emissora. "O susto foi mais pelo jeito que foi feito. Hoje sei que foi na hora certa.
Eu precisava daquilo para me dedicar aos meus filhos e a outras coisas que
apareceram na minha vida. Devo muito ao Boni [ex-diretor-geral da Globo]. Sou
grata por todos os anos que fui contratada exclusiva."
O episdio gerou uma "rara" crise conjugal com Hans, a quem se refere como "o
prncipe de olhos azuis com quem sempre sonhei" e a quem dedica um captulo
inteiro em seu livro.
"Na poca, eu no entendi que era uma situao muito difcil para ele. Mas o
Hans sempre foi muito paciente, nunca ficou nervoso, nunca me destratou", diz.
Atualmente, o casal vive, segundo Valeria, primordialmente em funo dos
filhos, Joo Henrique, 12, e Jos Gabriel, 11.
"Ns adoramos estar com os meninos, viajar com eles. Ser me sempre foi um
projeto meu. No queria ter filhos para outros criarem", afirma.
Ela conta na obra que, logo na primeira vez em que saram, o designer avisou
que no pretendia se casar nem ter bebs. "Mas voc j sabe o que deu! Agora
quero muito uma menina... Vamos ver!"
Afastada do Carnaval desde que deixou o posto, a carioca diz que no sente a
menor vontade de voltar avenida. "Pendurei as sandlias", brinca. Nos
feriados, ela diz que relaxa e viaja, normalmente para a casa que mantm com o
marido em Itaipava, regio serrana do Rio.
"Nem recebo convites. As pessoas respeitam, sabem que isso est no passado.
Tambm no vejo pela televiso. bom manter a saudade."
Alm da maternidade, Valeria dedica seu tempo Igreja Batista. Apesar de se
considerar um pessoa que "sempre teve f", ela s mergulhou na religio
durante o perodo de crise em sua vida.
" como relacionamento. Sabe quando voc conhece algum e quer sair com a
pessoa o tempo todo? Foi assim. Atravs da palavra da Bblia, me apaixonei por
esse Jesus."

No caso de Valeria, o primeiro encontro com o novo amor aconteceu,


curiosamente, em um culto evanglico realizado por funcionrios dentro da
prpria Globo, j depois de sua sada.
"Cantaram um louvor lindo. Comecei a chorar. No conseguia parar. Fiquei
preocupada com o que os funcionrios da Globo iriam pensar. Mas, de repente,
esqueci de tudo. Parecia que ali s estvamos eu e Deus", conta.
A mais longeva das cinco danarinas que j passaram pelo posto se esquiva
quando o assunto o motivo da alta rotatividade das sucessoras.
"Acho que no meu caso foi mais tranquilo porque eu fui a primeira e no existia
comparao", contemporiza.
Em seguida, emenda, enftica: "Sabe qual o real problema? que ser
Globeleza no um trabalho fcil mesmo, amada".
OUTRO CANAL

No quero estragar 'Breaking Bad', diz criador


Vince Gilligan, diretor de hit da TV, teme recepo de 'Better Call Saul', srie
derivada que estreia nesta segunda
Trama sobre advogado falastro Saul Goodman conta perodo
anterior ao encontro com Walter White e Jesse Pinkman
RODRIGO SALEMCOLABORAO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES
O diretor e roteirista Vince Gilligan nunca esquecer o dia em que divulgou a
srie "Breaking Bad" pela primeira vez. A ideia de contar a histria de um
professor de qumica (Bryan Cranston) que decide cozinhar metanfetamina para
pagar seu tratamento de cncer no chamou a ateno dos crticos de TV.
"Ningum estava interessado na gente", recorda-se Gilligan sobre os dias que
antecederam a estreia da atrao, em janeiro de 2008. "Mal cheguei a dar
entrevistas, s estava feliz de terem me deixado filmar um piloto, porque no
tinha muita esperana de que a srie durasse."
Sete anos depois, o diretor est em um hotel de luxo em Beverly Hills, Los
Angeles. Dezenas de jornalistas se espremem em uma sala esperando por quatro
horas para poder conversar com ele sobre "Better Call Saul", srie derivada de
"Breaking Bad", que estreia nesta segunda (9) na Netflix.
" um nvel diferente de ateno", admite Gilligan, 47, Folha. "Mas no deixa
de ser assustador, porque no quero estragar tudo que construmos com
'Breaking Bad'."

O americano de Richmond, na Virgnia, sabe que derivaes de uma srie de


sucesso no significam audincia. Ele cuidou de "Os Pistoleiros Solitrios",
produo derivada de "Arquivo X". A brincadeira s durou uma temporada.
Em "Better Call Saul", ele traz frente o advogado criminal --e criminoso-- Saul
Goodman (Bob Odenkirk), um dos personagens mais queridos de "Breaking
Bad".
"No posso reclamar de ter uma base de fs, mas o lado ruim que as pessoas
podem se desinteressar rapidamente caso no seja a srie que esperavam", diz.
"Em 'Breaking Bad', na maior parte do tempo, me sentia pendurado em um
penhasco preso apenas pelas unhas. Estou acostumado com a presso."
Ele surpreende o espectador ao abrir a srie em algum perodo misterioso psfim de "Breaking Bad" para depois centralizar a ao em 2002, seis anos antes
de Walter White (Cranston) e Jesse (Aaron Paul) encontrarem Saul --ainda
usando o nome real de Jimmy McGill e trabalhando como defensor pblico.
"Na srie anterior, Saul j era um advogado com as mos sujas e conhecia todos
os criminosos de Albuquerque (EUA)", diz Peter Gould, cocriador do
personagem. "Mas o que aconteceu para virar isso? Certamente algo srio."
"Tinha vergonha de torcer por Walter White, mas no por Saul. Walt era
tomado por raiva e cncer. Jimmy diferente, est mais prximo de ser um
heri. No um sociopata", completa Gilligan, que dosar as aparies de faces
conhecidas --o nico recorrente, alm de Saul, o detetive Mike (Jonathan
Banks).
"No teremos Walt e Jesse na primeira temporada. No queramos enganar o
espectador. Mas existe uma gama de personagens conhecidos que vai aparecer",
esclarece.
A segunda temporada, prevista para 2016, j est garantida pela Netflix. Mas
nem isso deixa Gilligan calmo. "Todos meus sonhos viraram realidade nos
ltimos quatro anos e isso poderia me colocar em um salto alto, mas ainda no
aprendi nada com o sucesso de 'Breaking Bad'. O fracasso traz as melhores
lies."
CRTICA

Longa mostra de forma rasa a batalha por arte na 2 Guerra


INCIO ARAUJOCRTICO DA FOLHA
"Caadores de Obras-Primas" ("The Monuments Men", 2014, 12 anos, TC
Pipoca, 0h25) convoca um elenco estelar (George Clooney, Matt Damon, Bill
Murray etc.) a entrar na 2 Guerra em busca das obras-primas da arte ocidental
roubadas pelos nazistas.

Sai da uma aventura simptica, com direo impessoal do prprio Clooney, que
chama a ateno para um aspecto pouco conhecido da guerra, que a luta pela
arte.
pena que Clooney no tenha querido mostrar o quanto profunda essa
batalha. No se trata s de salvar quadros, mas de uma disputa central pela
herana simblica produzida no Ocidente.
a beleza dos valores que a arte produz: no so nada, no valem a conquista
de um ponto estratgico, na guerra; ao mesmo tempo, quem os detm, carrega
sinais da beleza, do conhecimento. Da civilizao. uma razo e tanto para
lutar.
MAURICIO STYCER

Muito barulho por pouco


A boa forma de Paolla Oliveira chama mais a ateno que os clichs de 'Felizes
para Sempre?'
Nas ltimas duas semanas, o Brasil falou muito mais de Paolla Oliveira do que
de Eduardo Cunha ou Graa Foster. Por Brasil, entenda-se a Globo, os grandes
portais da internet e as redes sociais.
Famosa por encarnar diferentes "mocinhas" em novelas da emissora, Paolla
conquistou o noticirio --e o imaginrio popular-- depois de aparecer de costas,
apenas de calcinha, caminhando em direo janela em uma cena do segundo
episdio de "Felizes para Sempre?".
A atriz vive na minissrie uma prostituta de luxo, especializada em atender
casais. tambm estudante universitria e namora uma mulher, que
desconhece suas atividades profissionais. Entende de artes plsticas, sabe tocar
piano e, num momento de folga, investiga as atividades de um empresrio
corrupto.
"Ela tudo de 'osa', galera: ela famosa, talentosa, gostosa, cheirosa,
maravilhosa", festejou Fausto Silva ao receber a atriz em seu auditrio, no
primeiro domingo de fevereiro, depois de exibidos cinco dos dez episdios de
"Felizes para Sempre?".
A surpresa com os talentos da atriz no ofuscou apenas o raciocnio de Fausto.
Euclydes Marinho, autor da minissrie, se deu conta do problema. "No posso
me queixar do sucesso da Paolla e de seus belos atributos fsicos. sinal de que
as pessoas esto assistindo. um pouco frustrante este ser o maior atrativo,
pelo menos no mundinho das redes sociais", disse em entrevista ao jornal
"Correio Braziliense".

O diretor do programa, Fernando Meirelles, tambm sentiu o golpe. Ele


explicou ao jornal que a inteno da cena era propiciar uma piada ao
personagem Cludio (Enrique Diaz). Observando a caminhada de Paolla, ele
diz: "Linda a vista".
"Se eu soubesse que aquela imagem, que dura menos que trs segundos, teria a
repercusso que teve, teria cortado da montagem. Nenhum moralismo nisso,
que me incomoda ver um trabalho de construo de personagem to bem feito
pela Paolla ser quase ofuscado por essa bobagem."
Entendo a decepo tanto do autor quanto do diretor, mas o burburinho em
torno da bunda de Paolla Oliveira no diz muito apenas sobre o pblico, mas
tambm sobre a prpria minissrie.
"Felizes para Sempre?" entrecruzou histrias de crises de relacionamento de
quatro casais. Desde o ponto de interrogao no ttulo, o programa procurou
facilitar a vida do espectador de todas as formas.
O texto reuniu um amontoado de situaes-clich que a Globo, nos ltimos
anos, parecia ter confinado ao universo das suas novelas mais populares.
Marido descobre que estril e se d conta que seu filho no dele. Ex-marido
no se conforma que a mulher o trocou por outro e passa a assedi-la.
Empresrio poderoso vive tdio na cama com a mulher e encontra prazer com
prostitutas.
A srie, ambientada em Braslia, tratou superficialmente, como mero pano de
fundo, das relaes promscuas entre polticos e empreiteiros. Como se a revista
"Caras" fizesse uma reportagem sobre o escndalo na Petrobras. Meirelles
aproveitou da srie "House of Cards" o efeito de imprimir na tela mensagens de
texto de celulares, e s.
Colocar a bunda de Paolla Oliveira em primeiro plano jeca. Ainda assim, para
uma srie que privilegiou a embalagem em relao ao contedo, nem acho que
foi to ruim assim ter causado tanto barulho por causa de uma cena.

Um inqurito sobre a polcia


Estudiosos e policiais discutem como reformar a instituio
FERNANDA MENA
RESUMO Num quadro de violncia social e falhas institucionais, as polcias
brasileiras matam demais, ignoram direitos, prestam servios deficientes e no
tm a confiana dos cidados. A reportagem faz um diagnstico da situao e
expe as propostas de reformas, que vo desde mudanas estruturais a
melhorias localizadas.
Os meninos comearam a chorar mal foram trancados na caamba do carro de
polcia.

"A gente nem comeou a bater em vocs e j to chorando?", gritou um policial


para os adolescentes negros capturados como suspeitos de praticar furtos na
regio central do Rio. O camburo subia as curvas da floresta da Tijuca, na
capital fluminense.
Para os garotos, aquele desvio de percurso, da delegacia para a mata, seria um
passeio fnebre, registrado por cmeras instaladas no veculo --determinao de
lei estadual de 2009, criada para vigiar os vigilantes e fornecer provas tanto de
aes policiais legtimas como das consideradas ilegais.
Em uma parada no morro do Sumar, contudo, a gravao interrompida. Dez
minutos depois, cmeras religadas, as imagens mostram os oficiais sozinhos no
carro, descendo as mesmas curvas.
"Menos dois", diz um deles ao parceiro. "Se a gente fizer isso toda semana, d
pra ir diminuindo. A gente bate meta, n?", completa.
Dias depois, o corpo de Matheus Alves dos Santos, 14, foi encontrado no local
graas a informaes de M., 15, que levou dois tiros, mas sobreviveu porque
conseguiu se fingir de morto mesmo ao ser chutado por um dos policiais.
S em 2013, 2.212 pessoas foram mortas pelas polcias brasileiras, segundo o
Anurio Brasileiro de Segurana Pblica. Isso quer dizer que ao menos seis
foram mortas por dia, ou uma a cada 100 mil brasileiros ao longo do ano. No
mesmo perodo, a polcia norte-americana matou 409 pessoas. J as
corporaes do Reino Unido e do Japo no mataram ningum.
O ano de 2014 promete elevar ainda mais o patamar dessa barbrie: mortes
cometidas por policiais paulistanos subiram mais de 100% em relao ao ano
anterior. No Rio, o aumento foi de 40%, na comparao com nmeros de 2013.
No Brasil, como se sabe, no h pena de morte. O furto, infrao no violenta
que teriam cometido os meninos do Sumar, tem como pena mxima oito anos
de recluso. Apenas juzes podem determinar as penas, aps processo que
contemple o direito de defesa.
O marco jurdico, porm, parece no coibir aes como a dos cabos Vincius
Lima e Fbio Magalhes: a naturalidade com que desaparecem com os dois
adolescentes na mata deixa claro que o procedimento no era excepcional. A
falta de pudor com que comentam a ao diante da cmera levanta outra
hiptese perversa: a de que contavam com a impunidade.
"No podemos dizer que esses sejam casos de desvio individual de policiais",
avalia Renato Srgio de Lima --professor da FGV-SP, ele integra o Frum
Brasileiro de Segurana Pblica, que produz o anurio estatstico. "Trata-se de
um padro institucional. uma escolha encarar o crime como forma de
enfrentamento."
Para o coronel Jos Vicente da Silva, da reserva da Polcia Militar de So Paulo,
o nmero de mortos por policiais no pode ser visto isoladamente. "
desonestidade intelectual dizer que a polcia brasileira mata cinco vezes mais

que a dos EUA porque aqui temos seis vezes mais homicdios do que l. E
nossos policiais morrem mais que os de qualquer outro lugar do mundo",
protesta ele, citando dados: s no ano passado, diz, 1.500 PMs pediram
demisso motivados pelos baixos salrios e pelo constante risco de morte.
Nessa dinmica, 490 policiais civis e militares foram mortos em servio ou
durante folgas em 2013.
"Para outras sociedades inadmissvel que se mate um policial, porque quer
dizer que ningum respeita mais nada", diz Alexandre de Moraes, secretrio de
Segurana Pblica de So Paulo. "No Brasil, quem mata policial tatua um
palhao para mostrar para quem quiser ver que matou um tira ou um PM",
compara ele, favorvel a alterao no Cdigo Penal que aumente em 50% as
penas para crimes contra autoridade pblica.
Os nmeros de ambos os lados se inscrevem num contexto aterrador: o Brasil
um campeo mundial de homicdios. Em 2013, 54.269 pessoas foram
assassinadas no pas. O nmero corresponde a um estdio do Itaquero lotado,
como no jogo de abertura da Copa do Mundo --s que de cadveres. Trata-se de
uma taxa de 26,9 mortes por 100 mil habitantes, quase seis vezes a dos EUA, de
4,7.
FORA DE CONTROLE A Organizao Mundial da Sade considera
epidmica, ou fora de controle, a violncia que faz mais de 10 vtimas por 100
mil habitantes. Em rankings elaborados pela OMS e pelo Banco Mundial, o
Brasil ocupa as primeiras posies em taxa de homicdios, ao lado de pases
como Honduras, Venezuela, Jamaica, El Salvador e frica do Sul.
Somam-se aos nmeros estatsticas que ilustram a relao negativa dos
brasileiros com suas polcias: segundo o ndice Confiana da Justia, realizado
pela FGV em 2012, 70% da populao do pas no confia na instituio, e 63% se
declaram insatisfeitos com a atuao da polcia.
O medo diante da polcia tambm registrado em cifras: um tero da populao
teme sofrer violncia policial, e ndice semelhante receia ser vtima de extorso
pela polcia --os dados so da Pesquisa Nacional de Vitimizao
(Datafolha/Centro de Estudos de Criminalidade e Segurana Pblica da
Universidade Federal de Minas Gerais, 2013).
Especialistas em segurana pblica dos mais diversos matizes ideolgicos
convergem em seus diagnsticos: salvaguardados alguns avanos pontuais e
localizados, seja na diminuio de certos crimes, seja no aumento da
coordenao e da transparncia em um ou outro aspecto, a polcia mata demais,
ineficiente no atendimento populao e nas investigaes, tem setores
racistas e corruptos, alm de outros que desprezam leis e regulamentos. Como
se no bastasse, as corporaes perdem tempo e desperdiam recursos com
rivalidades entre si.
"A polcia tem vcios e defeitos inegveis", afirma Jos Mariano Beltrame,
secretrio de Segurana Pblica do Rio de Janeiro. "S que existe um
reducionismo no conceito de segurana pblica, que hoje sinnimo de polcia,

quando deveria englobar controle de fronteiras, Ministrio Pblico, Tribunal de


Justia e sistema carcerrio", afirma.
"A situao que vivemos resultado de uma srie de polticas descontinuadas e
de uma tradio brasileira de falta de dilogo entre as instituies. cada um na
sua. E tudo vira jogo de poder e vaidade."
As polcias, de fato, no se encontram ss nesse quadro tenebroso, em cujo
verso esto os baixos salrios, o treinamento deficiente, a falta de equipamentos
e o duro enfrentamento de criminosos cada vez mais organizados e armados,
que no vacilam em atirar, na certeza de que, ao escaparem vivos de um cerco,
dificilmente sero pegos por uma investigao.
O embrutecimento dessa polcia tambm o da sociedade brasileira, um pas
em que se banalizaram o assassinato, o racismo, o desrespeito s leis e a
corrupo. O que deveria causar assombro e repdio virou folclore ou "coisa do
Brasil".
"Apesar de 26 anos de democracia, os brasileiros so capazes de se mobilizar
mais pelos simpticos cartunistas mortos em Paris [na sede do 'Charlie Hebdo']
do que pelas centenas ou milhares de negros j mortos pelas polcias militares
nas favelas e periferias", diz o cientista poltico Paulo Srgio Pinheiro, exsecretrio de Estado de Direitos Humanos do governo FHC e um dos
coordenadores da Comisso Nacional da Verdade (CNV).
Uma situao bem diferente da de Nova York, onde milhares foram s ruas no
final do ano passado para protestar contra a deciso da Justia de no indiciar
um policial responsvel pela morte, na cidade, de Eric Garner, um negro.
O episdio do morro do Sumar emblemtico porque, ainda que a ao tenha
chocado parte dos telespectadores do "Fantstico", que revelou o caso num
domingo noite, na segunda-feira a Secretaria de Segurana Pblica do Rio de
Janeiro j havia sido inundada por e-mails de apoio ao criminosa dos
policiais.
DESCOMPASSO Sem alarde, o Ministrio da Justia criou no fim do ano
passado um grupo de especialistas para estudar as razes e os remdios do
morticnio brasileiro.
A discrio da iniciativa reitera o descompasso entre a ausncia de um debate
pblico, amplo e propositivo, e o fato de segurana pblica ser a segunda maior
preocupao dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha de 2014.
Isso sem falar nos custos sociais da violncia, estimados em 5,4% do PIB
(Produto Interno Bruto) ou R$ 258 bilhes em 2013, segundo clculos de Daniel
Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada, registrados no Anurio
Brasileiro de Segurana Pblica.
A relevncia do tema se reflete na produo cinematogrfica brasileira do ano
passado, quando ao menos oito produes colocaram a polcia como
protagonista (no exatamente no papel de mocinho) ou pano de fundo de aes

e debates. o caso de documentrios como "Sem Pena", " Queima-Roupa" e


"Junho" e de fices como "Branco Sai, Preto Fica", vencedor do prmio de
melhor filme na ltima edio do Festival de Braslia.
"O Brasil est esttico nessa rea. Os partidos que pretendem representar as
classes populares so incapazes de reconhecer a prioridade desse tema que, por
outro lado, absolutamente central no cotidiano das massas, para as quais essa
questo de vida ou morte, de chegar ou no vivo em casa", avalia o
antroplogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretrio nacional de Segurana Pblica
(2003) do primeiro governo Lula.
Mobilizaes de vtimas do crime comum ou daquele cometido pelas foras do
Estado parecem se resumir a slogans como "queremos Justia", sem traduzir
esse sentimento em propostas concretas. " nessa fonte que bebem os
demagogos e os oportunistas que advogam por penas mais duras e mais armas
para as polcias. Isso mais do mesmo e no rompe o ciclo vicioso", avalia
Soares.
O artigo 144 da Constituio de 1988 dispe, genericamente, sobre as
atribuies das instituies responsveis por prover a segurana pblica no pas.
A Carta herdou um sistema bipartido, com duas polcias, uma militar e outra
judiciria ou civil, cada uma executando uma parte do trabalho. Um quarto de
sculo depois, o artigo ainda aguarda regulamentao.
"Os constituintes, por temor ou convico, no mudaram uma vrgula da
estrutura da segurana pblica herdada do regime militar", explica Paulo Srgio
Pinheiro, que, durante o trabalho da CNV, contou 434 mortos e desaparecidos
nas mos de agentes da ditadura. "O resultado que temos esse traste, e 15
projetos de reforma que nunca so tocados pelos congressistas."
"Nos Estados Unidos, a coisa comeou a mudar quando os governos passaram a
perder processos e a pagar boas indenizaes para vtimas de violncia policial.
Pegou no bolso", conta Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos
de Segurana e Cidadania da Universidade Candido Mendes.
Com esse arranjo institucional, a Unio tem pouca responsabilidade nos rumos
da segurana pblica, municpios se limitam a criar guardas civis, enquanto
cabe aos Estados o desenho das polticas e o controle das polcias. Nesse
contexto, entre os que pensam perspectivas para a segurana pblica e para as
polcias, emergiram duas correntes conflitantes.
REFORMAS A primeira corrente prega reformas que envolvam mudanas de
arquitetura do sistema legal e das instituies. Nesse vetor se inscrevem as
propostas de desmilitarizao e de unificao das polcias militar e civil em uma
nova corporao, sem sobrenome.
A proposta mais completa nessa linha est na PEC 51, desenhada pelo
antroplogo Luiz Eduardo Soares e apresentada pelo deputado Lindbergh
Farias (PT-RJ).

Ela inclui o fim do vnculo e do espelhamento organizacional entre PM e


Exrcito e cria o ciclo completo, quando uma s polcia faz o trabalho
preventivo, ostensivo e investigativo. Cada Estado poderia eleger um modelo
prprio, seja ele o de corporaes divididas por territrio ou por tipos criminais.
"Mudanas significativas no podem ser feitas sem reformas do modelo, que
pedem alteraes estruturais e constitucionais", avalia Soares.
A bandeira da desmilitarizao da polcia, proposta pela PEC, foi resgatada aps
junho de 2013, quando parte das manifestaes foi reprimida com violncia
exacerbada pelas PMs de So Paulo, Rio e Minas, principalmente. O relatrio da
CNV trouxe tambm essa recomendao, que ficou em segundo plano, porm,
em meio ao tmido debate gerado pelo trabalho final do grupo que investigou os
crimes da ditadura militar.
H variaes no entendimento sobre o que desmilitarizar as polcias, mas
todas compreendem a mudana do regime disciplinar, que permite priso
administrativa para questes ligadas hierarquia, vestimenta e
administrao, alm da extino das instncias estaduais da Justia Militar, que
julga policiais em crimes graves, como o homicdio de um PM por outro. A
Justia Militar Federal seria mantida como tribunal voltado a membros das
Foras Armadas.
Segundo a pesquisa Opinio dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e
Modernizao das Polcias, da FGV, quase 64% dos policiais defendem o fim da
Justia Militar, 74% apoiam a desvinculao do Exrcito e quase 94% querem a
modernizao dos regimentos e cdigos disciplinares. Essas vozes interessadas,
porm, parecem sub-representadas no debate.
"A desmilitarizao importante, mas no uma panaceia e ainda depende de
presso popular, porque o Congresso funciona por inrcia e tem muita
representao de setores que so contrrios a isso", diz o socilogo Igncio
Cano, coordenador do Laboratrio de Anlise da Violncia da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro.
O surgimento da "bancada da bala", formada por parlamentares que pregam
medidas como reduo da maioridade penal, recrudescimento das penas e at
pena de morte, promete barrar o andamento de mudanas estruturais.
Outra proposta dessa linha, baseada na crena de que cada territrio tem
necessidades muito especficas que s um administrador local conhece, a
municipalizao das polcias. Seus opositores argumentam que, por questes
oramentrias, esse tipo de reforma aumentaria muito a desigualdade no
servio policial alm de dificultar sua coordenao. Afirmam tambm que o
municpio j tem papel fundamental na segurana pblica ao cuidar da
iluminao, das caladas e da coleta de lixo.
Mas h, ainda, outros caminhos. "Na Colmbia, por exemplo, h um modelo em
que a polcia nacional, mas as prefeituras podem investir nela e influenciar seu
trabalho sem que a corporao seja municipal", informa Cano.

CHOQUES A segunda corrente de pensamento sobre segurana pblica e


polcia a das reformas gerenciais, que se propem a incrementar a eficincia
dos processos valendo-se de choques de gesto. Nessa linha entram o aumento
de recursos e de pessoal, a valorizao das carreiras, a melhoria da formao, a
maior participao da sociedade civil nas polticas de segurana pblica e a
integrao do trabalho das duas polcias.
Na opinio de Leandro Piquet Carneiro, do Ncleo de Pesquisas de Polticas
Pblicas da USP, "d-se muita nfase a reformas estruturais quando existem
aspectos de microgerenciamento que podem ser implantados com mais
rapidez". "So medidas de alterao de procedimentos e regras e de cobrana de
resultados feitas dentro do marco institucional atual."
Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, prega o
envolvimento da populao por meio de conselhos --mecanismo que funciona
com muito efeito em metrpoles como Nova York.
" preciso ampliar o debate e envolver a sociedade civil, seja com audincias
pblicas ou no mbito dos Conseg [Conselhos Comunitrios de Segurana], que
j vm se reunindo em cada bairro de So Paulo para discutir solues para
problemas locais, algo incentivado pela gesto passada da Segurana Pblica do
Estado", avalia.
Ainda nessa chave, esto medidas como a que chegou a tirar das ruas de So
Paulo policiais que cometiam a terceira morte em servio, supostamente em
legtima defesa ou de um terceiro --alm da formao continuada e da melhoria
dos sistemas de controle interno, via corregedorias, e externo, por meio das
ouvidorias de polcia.
Na qualidade de ex-ouvidora do Rio, a sociloga Julita Lemgruber defende que
as ouvidorias tenham poder de investigao. "Sem isso, recebem as denncias,
mas ficam amarradas", argumenta.
H ainda experincias de georreferenciamento, em que estatsticas sobre
ocorrncias, com o local de cada uma delas, permitem um planejamento mais
racional das equipes de investigao e patrulha, otimizando recursos.
Entre esses extremos, no entanto, h uma terceira via. "Essas propostas no so
excludentes. possvel avanar em reformas normativas que garantam a
continuidade de determinadas polticas e implementar reformas gerenciais para
dar mais eficincia s polcias", avalia Renato Srgio de Lima, do Frum
Brasileiro de Segurana Pblica.
Comum s duas pontas do debate o imperativo de que as polcias trabalhem
juntas, seja unificando-as em uma nova corporao, seja com processos
graduais de integrao --medida com o qual 75% dos policiais civis e militares
concordam, segundo a pesquisa realizada pela FGV.
"Ter duas polcias um acidente histrico. Desenvolvemos essa duplicidade
institucional, criando ineficincia. Uma s polcia seria mais racional e
econmica em pelo menos 20%", estima o coronel Jos Vicente da Silva. Com 52

anos de servio, ele viveu em 1970 a fuso, imposta pela ditadura, da Fora
Pblica, ento com 25.000 homens, com a Guarda Civil, que tinha 9.000
membros --da nasceu a atual PM. "Houve mal-estar, houve dvida sobre quem
iria mandar, se o inspetor ou o coronel, mas tudo foi, aos poucos, se
acomodando."
Os exemplos de ineficincia na diviso do trabalho policial so cristalinos.
Enquanto a Polcia Militar atua na preveno e no patrulhamento, a Polcia Civil
ou Judiciria investiga, tudo com troca de informaes mnima. A simples
criao de bancos de dados conjuntos revelou-se uma epopeia.
"As polcias se detestam no Brasil inteiro, ento a coisa no funciona", avalia o
especialista em segurana pblica Guaracy Mingardi. A PM a primeira a
chegar ao local do crime e quem o resguarda para a Polcia Civil e a percia.
"Mas, quando elas chegam, no conversam com a PM porque acham que no
tem nada a ver. Ento muito PM no preserva direito o local dos crimes, j que
uma atividade desvalorizada", explica ele, que trabalhou por dois anos na
Polcia Civil em So Paulo, coletando dados para seu mestrado.
FORMAO Em 2010, foi inaugurada a Academia Estadual de Segurana
Pblica do Cear. Celebrada como uma experincia exitosa, ela aposta na
integrao entre policiais civis e militares logo na formao, para que aprendam
desde os primeiros treinamentos a trabalhar juntos.
Para Jos Mariano Beltrame, "quando no h entendimento entre as polcias, h
temor, e cada uma se fecha do seu lado". A soluo no vir de uma "canetada".
"Tem de mudar a cultura, e isso se obtm mudando prticas", diz o secretrio da
Segurana Pblica do Rio, que v na valorizao salarial um fator fundamental
para aperfeioar o servio prestado pelas polcias. "Enquanto a diferena salarial
entre polcia e Judicirio for ocenica, como hoje, o resultado do trabalho
deixar a desejar. Voc tem de levantar essa polcia, pagar bem, dar condies, e
ela entregar um resultado melhor."
Nas polcias da maioria dos Estados verificam-se diferenas salariais entre as
carreiras, o que alimenta ainda mais as rivalidades. Pior: cada corporao
fraturada internamente. As carreiras civil e militar tm duas entradas, numa
espcie de sistema de castas, em que status e salrios so diferentes entre si e
entre os Estados.
Na Polcia Militar, ingressa-se como soldado ou tenente. Mas o soldado nunca
chegar a ser tenente por progresso ou mrito. Enquanto um soldado gacho
pode ganhar apenas R$ 1.375,71, o salrio de um coronel, topo da carreira
iniciada como tenente, pode ser de at R$ 21.531,36 no Paran.
Na Polcia Civil, o concurso para investigador ou delegado, e o melhor
investigador do pas jamais se tornar um delegado, a no ser que preste novo
concurso, para o qual necessrio ser bacharel em direito. O soldo de
investigador varia de R$ 1.863,51 no Rio Grande do Sul, a R$ 7.514,33 no
Distrito Federal. J um delegado pode ganhar R$ 8.252, 59 em So Paulo, o
salrio mais baixo da categoria no pas, ou R$ 22.339,75 no Amazonas.

"Isso faz da polcia um lugar em que no se entra pensando em construir


carreira", opina Mingardi, para quem a corporao atrai ou gente pouco
qualificada ou "concurseiros profissionais" espera de oportunidade melhor.
A Polcia Federal, que hoje tem plano de carreira e salrio inicial de mais de R$
7.500, exige como pr-requisito o diploma de ensino superior e coleciona em
seus quadros mdicos, contabilistas, engenheiros e advogados.
"Se as carreiras das polcias civil e militar so, na maior parte dos casos,
desprestigiadas, como que voc mantm um sujeito l ganhando pouco?",
pergunta ele, que responde: "Simples: voc permite o bico e cria uma escala de
trabalho que acomode atividade extra". Essa uma das explicaes para escalas
como as de 12 horas de trabalho para 24 ou 36 de folga.
So agentes de segurana pblica atuando no setor de segurana privada -servio que s faz sentido onde as polcias falham. O conflito de interesses
evidente.
"Trata-se de um 'gato' oramentrio, um acordo entre o Estado e a ilegalidade.
O Estado faz vista grossa para manter a estabilidade de um oramento que
irreal", avalia Luiz Eduardo Soares. "H, dessa forma, uma autorizao tcita
para a criao de agncias de segurana privada que esto na base das milcias."
Segundo a pesquisa da FGV, 95% dos policiais afirmam que a falta de integrao
entre as diferentes polcias torna seu trabalho menos eficiente, 99,1% avaliam
que os baixos salrios so causa deste problema e 93,6% apontam a corrupo
como causa do mau servio prestado sociedade. Outro problema quase
unnime nas corporaes, segundo a avaliao dos prprios policiais, a
formao deficiente (98,2%).
PACTO Em 2007, Pernambuco criou um programa de reduo de homicdios
que previa metas, premiaes e trabalho conjunto das vrias instncias da
segurana pblica. No Pacto pela Vida, elaborado pelo socilogo Jos Luiz
Ratton, o ento governador Eduardo Campos (1965-2014) passou a coordenar
pessoalmente reunies entre as duas corporaes, o Ministrio Pblico, a
Defensoria Pblica, o Tribunal de Justia e secretarias de Desenvolvimento
Social e Direitos Humanos, entre outras, no combate aos homicdios que
sangravam o Estado --ento um dos campees em mortes violentas do
Nordeste.
" impossvel pensar no desenvolvimento do pas com taxas de homicdio como
as que temos. uma tragdia que, para ser combatida, precisa de um esforo
interinstitucional. preciso ter uma viso sistmica da violncia no Brasil e
articular reas de desenvolvimento social com polcia e Justia", diz o mineiro
Ratton, que professor do departamento de sociologia da Universidade Federal
de Pernambuco.
Desde o pacto, as mortes por agresso no Estado caram 39%, e o ndice de
elucidao dos crimes contra a vida subiu para mais de 60% --a mdia brasileira
de mseros 8%. No Reino Unido, 90% dos homicdios so esclarecidos. Na
Frana, 80%. Nos EUA, 65%.

O ndice brasileiro quase todo fruto de prises em flagrante, e no de


investigaes --cujo resultado pfio produto no s do caldo de rivalidades,
corrupo e m formao das polcias mas tambm de uma fraca participao
do Ministrio Pblico. O MP falha tanto na funo de controle externo da
atividade policial como na cobrana por diligncias especficas. Na prtica,
pouco tem feito para cobrar ao da polcia, limitando-se a concordar com a
extenso dos prazos regulamentares sem exigir qualidade na investigao.
"No sei o que aconteceu com a promotoria criminal", comenta Alexandre de
Moraes, secretrio da Segurana paulista, que trabalhou no Ministrio Pblico.
"Parece que a rea perdeu o charme. Vemos a promotoria do meio ambiente,
por exemplo, fazendo timo trabalho, mas no a criminal."
Trata-se de um sistema que, alm de pouco eficiente, favorece a famigerada
lentido da Justia brasileira. Pesquisa recm-divulgada pelo Ministrio da
Justia, que monitorou o tempo de trmite de casos de homicdio doloso em
cinco capitais brasileiras, no deixa dvidas: a fase de inqurito policial, que
leva ao menos 30 dias, chega a 700 dias em Belo Horizonte, onde a durao de
um processo de assassinato intencional, da descoberta do crime sentena, de
mais de nove anos.
TRABALHO DOBRADO Uma parte dessa lentido se deve ao fato de o
delegado de polcia funcionar como espcie de juiz de instruo ou de
primeirssima instncia. Isso quer dizer que todos os procedimentos feitos na
delegacia durante a investigao, como o depoimento de vtimas e testemunhas,
so repetidos no Judicirio, fase do processo em que a defesa pode se
manifestar.
"O delegado brasileiro uma figura 'sui generis' porque um operador de
direito dentro da polcia e, como seus atos so feitos fora da estrutura do
Judicirio, tudo tem de ser repetido quando o caso chega Justia", explica o
delegado Orlando Zaccone. Trabalho dobrado demora, claro, o dobro do tempo,
o que ajuda a girar a mquina da impunidade, por um lado, e a punio
desproporcional dos desprivilegiados, por outro.
Pesquisa do Ncleo de Estudos da Violncia da USP monitorou casos de priso
em flagrante feitas com base na Lei de Drogas, que determina recluso para
traficante e prestao de servios para usurios. Dois casos acompanhados pelo
estudo ilustram bem essa lgica.
Um homem de 30 anos, desempregado, primeiro grau completo, com uma
passagem por roubo e sem residncia fixa foi preso em flagrante por dois PMs
com 8,5 gramas de maconha e R$ 20. Na delegacia, apesar da pequena
quantidade de droga, ele foi enquadrado como traficante. Aguardou seis meses
para ser ouvido por um juiz, respondeu ao processo preso e foi condenado a
cinco anos e dez meses em regime fechado.
Dois jovens de 19 e 25 anos, universitrios, moradores dos bairros de Perdizes e
Lapa, zona oeste de So Paulo, sem antecedentes criminais foram presos em
flagrante por dois PMs com 475,2 gramas de maconha, mais pores separadas
que somavam 25,8 gramas e uma balana de preciso. Na delegacia, foram

enquadrados como traficantes. Seus advogados obtiveram sua liberdade


provisria um dia aps o flagrante, sob o argumento de que a droga era para uso
pessoal. Eles respondem ao processo em liberdade e, passados nove meses do
flagrante, a sentena ainda no havia sido proferida.
Segundo estudo do Instituto Sou da Paz, 37% dos detentos de So Paulo so
presos provisrios que aguardam julgamento. Desses, apenas 3% foram presos
aps alguma investigao. A maior parte das prises foi feita por abordagem,
que se baseia no discernimento do policial para eleger quem ou no parado e
revistado.
"A falncia da investigao endmica. Como as polcias so sobrecarregadas,
so seletivas, e essa seletividade abre espao para critrios discricionrios e para
a corrupo", explica Igncio Cano. "Alm disso, a polcia ostensiva sempre
recebeu preferncia em relao polcia de investigao. As PMs tm um
contingente sempre maior que o da Polcia Civil."
Para o antroplogo Luiz Eduardo Soares, a prevalncia do flagrante sobre a
investigao gera uma distoro. Ele explica que "os crimes passveis de
flagrante so aqueles que acontecem nas ruas, portanto, sob um filtro social,
territorial e racial".
Abordagens policiais em So Paulo resultam, segundo estudo, na priso
preferencial de jovens (62,9% tm de 18 a 25 anos) e, apesar de ocorrerem em
sua maioria em locais pblicos e durante o dia, 76,6% tm como nicas
testemunhas policiais militares.
A polcia de So Paulo fez 15 milhes de abordagens em 2013 (mais de um tero
da populao do Estado, estimada em 44 milhes em 2014). Segundo a
pesquisadora Tnia Pinc, major da PM paulista, que j comandou a Fora
Ttica, "em Nova York, a polcia aborda 2,3% da populao da cidade ao ano".
Para ela, as abordagens so uma prtica rotineira banalizada. Basta ver seu
resultado: enquanto os policiais do Estado de So Paulo fazem 100 abordagens
para cada priso, a polcia de Nova York faz 12. "Abordagem conta como
indicador de desempenho policial, e tanto a polcia como o governo usam esses
nmeros para dizer que esto trabalhando."
Premiar desempenho o tipo de poltica que tem de ser feita com cautela e
critrios bem pensados. O maior absurdo nessa rea foi apelidado de
"gratificao faroeste". Criada em 1995 no Rio de Janeiro, premiava policiais
por "atos de bravura", o que inclua envolvimento em casos nos quais a ao
policial terminava com o corpo do suspeito no cho. A partir do prmio, o
nmero de bitos pelas polcias fluminenses, em casos registrados como
resistncia priso seguida de morte, aumentou at atingir, em 2007, o pico de
1.330 mortos. Desde ento, esse nmero vem caindo, apesar de ter subido,
simultaneamente, o registro de homicdios a esclarecer no Estado.
A maior parte dos casos de mortes envolvendo policiais arquivada ao chegar
ao Ministrio Pblico, que muitas vezes acata procedimentos de exceo como
quebra de sigilo e invaso de domiclio. Hoje, 98% das prises realizadas em

residncias so feitas sem mandado judicial --expedido apenas quando uma


investigao comprova que a priso necessria. Invade-se a casa sem
autorizao, o que ilegal, no raro com base em denncias annimas.
O caso das mortes, no entanto, segue como o mais grave. Em uma pesquisa na
qual avaliou 300 processos de bito por interveno policial, o delegado
Orlando Zaccone identificou que 99% dos autos que chegavam ao MP foram
arquivados em menos de trs anos.
"O Judicirio tem de ser mais rigoroso com essas mortes, porque hoje participa
delas", diz. Segundo ele, a condio de vida de quem morreu, o local onde se
deram os fatos ou a existncia ou no de antecedentes criminais j so
suficientes para que o Ministrio Pblico identifique a morte como legtima e
arquive o caso.
"Como vamos reformar as polcias se a ideia de que o criminoso matvel no
s dela, mas do promotor, do jornalista e da sociedade como um todo?", avalia
ele. "Policial bom, no Brasil, aquele treinado como guerreiro. Nossos dolos
so os operadores da guerra."
No coincidncia, portanto, que o segundo deputado estadual mais votado em
So Paulo, coronel Telhada (PSDB), seja aquele que, ao ser entrevistado pelo
correspondente do jornal "The New York Times", sorri para dizer que matou 30
"bandidos" ao longo de sua carreira na Polcia Militar.
De acordo com pesquisa realizada pelo Ministrio da Justia em 2009, 44% dos
brasileiros concorda com a mxima que diz que "bandido bom bandido
morto".
GUERRA E PAZ O quartel-general da Polcia Militar do Rio de Janeiro uma
construo fortificada de 1740, no centro da cidade. A sisudez das escadas de
madeira escura, das bandeiras e dos brases destoa dos objetos escolhidos para
a decorao de uma sala em particular.
Naquelas paredes, um quadro vermelho com a imagem de Lnin faz par com
uma imagem de Nossa Senhora das Dores. Sobre a mesa larga, um pequeno
porta-retratos com a foto de Nelson Mandela e a citao "Aprendi que coragem
no ausncia de medo, mas o triunfo sobre ele" divide espao com pilhas de
livros, entre os quais "A Repblica", de Plato, "Guerra e Paz", de Tolsti, e
outros de Nietzsche, Fernando Pessoa e Simone Weil.
Sentado atrs dos livros e diante das fotos dos 48 oficiais que o antecederam no
posto de chefe de gabinete, o coronel bis Pereira da Silva se vangloria de duas
aes ocorridas quando esteve no comando da PM do Rio, em dezembro do ano
passado. "Fizemos duas desocupaes de prdios para reintegrao de posse
sem usar uma bomba de efeito moral nem disparar uma bala de borracha
sequer. Tenho o maior orgulho disso", gaba-se.
Para ele, uma das tragdias do modelo atual de segurana pblica que, nele, "a
polcia tem de prender, e no proteger as pessoas --e a polcia que no promove

nem protege direitos, sejam eles das vtimas ou dos criminosos, uma ameaa
cidadania e democracia".
O coronel bis integra a primeira gerao de policiais treinados no apagar das
luzes do regime militar que chega aos comandos da corporao. Quando
ingressou na Academia de Polcia, em 1982, estava sendo descontinuado o
manual de segurana interna e defesa territorial cuja capa estampava a imagem
de um vietcongue, comunista vietnamita, sentado sobre um mundo que
sangrava. Sua primeira aula foi de direitos humanos.
"Mas houve uma coincidncia terrvel e desastrosa. No momento em que
saamos da ditadura e da viso ideolgica de guerra contra os comunistas, o
presidente [norte-americano] Ronald Reagan declarou a guerra s drogas",
conjectura bis. "Ento, o sistema de segurana que vinha operando contra um
inimigo apenas mudou sua figura, mas a mquina continuou a rodar com as
mesmas violaes de direitos e a mesma lgica de combate", avalia o coronel.
Para ele, a dinmica da guerra altera os marcos morais e a noo de certo e
errado. "Quem acha que est em combate, como o caso das nossas polcias,
capaz de cometer atos brutais e ofensivos porque acredita que aquilo que se
espera dele. Isso acontece comigo, com voc, com um monge", diz.
A peculiaridade do trabalho policial, que pede resolues imediatas para
situaes complexas e imprevisveis, contribui para desvios de conduta e uso
excessivo de armas de fogo, pondo tanto policial como suspeito em perigo.
Quando comeou a pesquisar abordagem policial, a major Pinc identificou
problemas no treinamento. Havia protocolos e mtodos, mas no eram
seguidos. Props, ento, um supertreinamento para uma equipe e comparou seu
trabalho com o de outra. "Descobri que a premissa de que treinamento resolve
est furada", revela.
Ela classificou os oficiais em diferentes padres, quanto ao quesito letalidade.
Vo do primeiro, que s age dentro da legalidade, ao quarto, o de policiais que
matam intencionalmente. "So pessoas doentes, transformadas, que, se no tm
oportunidade para matar, criam. Esses tm que sair", diz.
No meio esto os que devem ser objeto de programas que combinem
treinamento com estratgias de superviso, monitoramento por cmeras e
premiao de boas prticas. O segundo o tipo despreparado, que mata para se
defender, mas no assume que atirou no susto. O terceiro aquele que atira por
sucumbir presso. "Ele tem controle da situao, mas sabe que, se no atirar,
vai chegar no quartel e um colega vai dizer: 'P, voc teve a chance e no matou,
por qu?'", diz a major, que entrevistou centenas policiais. "Se esse tipo de ideia
existe na sociedade, claro que existe na polcia tambm."
"As polcias matam porque trabalham em locais violentos; porque h nas
corporaes uma doutrina do combate, e combate se faz atirando; porque no
h fiscalizao eficiente de suas atividades; e, sejamos sinceros, porque, na
sociedade brasileira, isso responde a uma demanda social", avalia Igncio Cano,
da Uerj. "A polcia violenta desde a sua formao."

"Ainda que consideravelmente melhorada, a polcia no goza de grande


prestgio junto populao, sem dvida por causa da lembrana de antigos
abusos. alis difcil conseguir que os policiais faam uma distino perfeita
entre a razo e o erro, e sobretudo lhes fazem falta o tato e a amenidade no
trato." O diagnstico foi registrado em 1912 pelo viajante francs Paul Walle.
Mais de cem anos depois, ele permanece atual.

FOLHA 09-02-2015
LUIZ FERNANDO VIANNA

O ndice Turuna
RIO DE JANEIRO - O Carnaval carioca no seria o mesmo sem a Casa
Turuna. uma loja que vende fantasias h cem anos --o centenrio se completa
em abril. Fica a um quilmetro do edifcio-sede da Petrobras e est sentindo os
efeitos do mau momento da economia.
No ano passado, para cortar custos, reduziu seu terreno de 450 para 190 m,
desfazendo-se do resto. A ampla entrada pela avenida Passos est fechada. Os
acessos so laterais, pelas ruas da Alfndega e Senhor dos Passos. J teve 66
funcionrios. Aps o Carnaval, ter 15.
"Reajustei os preos das fantasias abaixo da inflao, seno ia vender menos. E
90% das compras so com carto de crdito, parceladas em trs vezes sem
juros", conta o proprietrio, Marcelo Servos.
Ele bisneto dos fundadores, dois imigrantes portugueses que se tornaram uma
s famlia aps o filho de um se casar com a filha do outro. Abriram a Casa
Turuna no ento epicentro do Carnaval carioca, a Praa Onze. Na dcada de
1940, a praa foi destruda para a passagem da avenida Presidente Vargas.
Desde ento, a loja est na principal regio de comrcio popular do Rio,
conhecida como Saara.
A loja ganhou o nome que tem por causa de um famoso bloco da poca, Os
Turunas. E um dos scios era chamado de "Turuna", o que significava ser um
valento.
A fora do Carnaval de rua do Rio, com seus 456 blocos, mantm a Turuna viva.
As fantasias mais procuradas no so as de momento, mas as tradicionais:
melindrosa, marinheiro, bailarina, ndio, baiana, rabe... Existem cerca de cem
tipos.
"Mscara de poltico bom s para a imprensa. Vende pouco", diz Servos, 46
anos, desde os 15 trabalhando na Turuna.
Sem filhos, ele planeja vender a marca daqui a uns dez anos, torcendo para que
no acabe a Turuna e uma parte da histria da cidade.

71% dos brasileiros no tm partido de preferncia


ndice era de 61% em dezembro; nas manifestaes de junho, chegou a 64%

Parcela que diz ter o PT como sigla favorita caiu de 22% para 12%; no
mensalo, nvel mais baixo foi de 15%
RICA FRAGADE SO PAULO
A percepo de aumento da corrupo combinada expectativa de piora nas
condies de vida deflagrou uma crise de representao no pas, evidenciada
pelo aumento na rejeio aos partidos polticos.
A fatia dos brasileiros que dizem no ter um partido de preferncia saltou de
61% em dezembro de 2014 para 71% em janeiro deste ano. Trata-se do maior
patamar desde o incio da srie histrica do Datafolha para essa pergunta, em
agosto de 1989.
A rejeio representao poltica j tinha dado um salto em junho de 2013 -poca dos protestos que pararam o pas--, quando passou de 55% para 64%.
Desde ento, oscilou prxima a esse patamar, mesmo durante a eleio
presidencial de 2014.
O aumento registrado agora foi silencioso, sem novas manifestaes
abrangentes de rua, mas confirma o desalento da populao brasileira. Isso se
refletiu nas respostas a outras perguntas do Datafolha, como as expectativas em
relao ao futuro da economia e ao da prpria situao financeira de cada um.
Todas indicaram um crescimento do pessimismo. O novo sentimento contrasta
com o verificado at o fim do ano passado.
Trs meses e meio aps a reeleio da presidente Dilma Rousseff, o apoio da
populao ao PT recuou para o patamar de dezembro de 1998, pouco antes de o
partido ter conseguido tirar do PMDB a preferncia do eleitorado. Isso acabou
pavimentando o caminho para a eleio de Luiz Incio Lula da Silva em 2002,
em sua terceira tentativa.
Entre dezembro de 2014 e janeiro deste ano, a parcela dos eleitores que dizem,
em resposta espontnea, ter o PT como seu partido favorito caiu de 22% para
12%. Na poca do mensalo, o nvel mais baixo tinha sido de 15%.
SEM BENEFICIRIOS
A queda de apoio ao partido no beneficiou as legendas rivais. Principal sigla de
oposio, o PSDB viu sua base de apoio ir de 7% para 5%. Algumas siglas
pequenas oscilaram de 0% para 1%, mas o movimento tem sido pendular.
A dificuldade da oposio em capitalizar a desidratao do PT pode se explicar
em parte porque, embora generalizado, o aumento do desalento em relao
sigla foi forte entre seu eleitorado mais fiel.
Na pesquisa de dezembro de 2014, entre os simpatizantes do PT, 71%
consideravam o desempenho do governo timo ou bom.

Agora, esse ndice de 52%. Na via oposta, a fatia dos petistas que avaliam a
administrao atual como ruim ou pssima quadruplicou, passando de 3% para
12%.
A queda na avaliao de Dilma foi intensa entre a populao de renda baixa e
pouca escolaridade.
Embora permanea em patamar mais elevado do que nos demais estratos, o
recuo da aprovao entre os brasileiros que tm o ensino fundamental
despencou de 54% para 31%.
No recorte dos que tm renda familiar mensal de at dois salrios mnimos, a
queda foi de 50% para 27%.
Regionalmente, o recuo foi mais marcante no Nordeste, com queda na
aprovao de 53% para 29%.
Com isso, o Norte, onde a queda foi de 51% para 34%, ultrapassou o Nordeste
como regio onde o PT conta com seu maior apoio.
Os dados foram levantados pelo Datafolha em pesquisa realizada entre os dias 3
e 5 de fevereiro, com base em 4.000 entrevistas feitas em 188 municpios.
A margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
RICARDO MELO

Seta esquerda, caminho direita


Governo Dilma est na encruzilhada entre manter compromissos ou virar
uma biruta ao sabor da oposio
Parece paradoxal, mas quanto mais se aprofunda a investigao sobre a
Petrobras, mais o PT ganha msculos para tentar se manter vivo. Resta saber se
ele quer --e pode-- seguir este caminho.
Seis de fevereiro de 2015. Neste dia, praticamente todos os jornais do pas
estamparam na manchete que o PT teria recebido US$ 200 milhes de propina
em dez anos. A afirmao vinha do ex-gerente da estatal Pedro Barusco, o
showman da moda na Lava Jato, My Way ou outro nome qualquer.
Conforme somos informados, o depoimento de Barusco, um doente terminal, foi
colhido em 20 de novembro de 2014. Por que veio a pblico apenas agora cabe
turma do juiz Srgio Moro explicar.
O mais intrigante no isso. Nas pginas internas dos jornais, a salvo as
manchetes, deparamos com outras declaraes de Barusco. "Afirma que

comeou a receber propina em 1997 ou 1998 da empresa holandesa SBM,


enquanto ocupava cargo de gerente de tecnologia de instalaes, no mbito da
diretoria de Explorao e Produo (...) Sendo uma iniciativa que surgiu de
ambos os lados e se tornou sistemtica no segundo contrato (...) firmado entre a
SBM e a Petrobras no ano 2000." (Folha, pg. A8, 6/2).
Barusco nada mais faz do que afirmar: o esquema da Petrobras velho de
guerra. Alis, foi facilitado por uma lei de 1998. "Esse modelo de concorrncia
passou a ser usado a partir de 1998, aps o fim do monoplio do petrleo,
quando um decreto livrou a estatal da lei de licitaes que rege o setor pblico.
A inteno era dar mais agilidade companhia para enfrentar concorrentes.
Uma das inovaes foi a licitao por convite, na qual a Petrobras no
obrigada a divulgar edital nem a aceitar propostas de qualquer interessado. Ela
decide quem pode se candidatar. Depoimentos das delaes premiadas de Pedro
Barusco, ex-gerente executivo de Engenharia da Petrobras, e de Augusto
Mendona, executivo da Setal, revelados na semana passada, apontam que o uso
desse tipo de licitao fortaleceu o cartel que direcionava licitaes e
superfaturava contratos, segundo as investigaes". ("O Globo", 8/2).
Nem preciso um calendrio para saber quem governava o pas nos momentos
citados por Barusco. De tudo o que ele supostamente falou, descontando os
interesses na delao premiada, fica a evidncia de que a Petrobras sempre foi
alvo de um esquema combinando cobia do grande empresariado e os
polticos/executivos de turno. A roda da fortuna, como lembra a reportagem
acima, foi azeitada em 1998. O PT assumiu o governo em 2002...
Nada disso isenta o partido no poder de acusaes que, se comprovadas,
merecem uma justa punio nos tribunais. Situam, no entanto, a extenso dos
delitos pelo tempo e seus personagens.
O que est em questo, quanto mais o juiz Moro extravasa na cenografia, a
relao promscua histrica entre os donos do dinheiro e o aparelho estatal. O
PT tem responsabilidade pela falta de coragem, ou vontade, de romper com este
crculo vicioso. Ao mesmo tempo, as provas de que o esquema envolve "todo o
mundo" mantm Dilma acima da linha d'gua.
Por quanto tempo? No h resposta para esta pergunta. Mas de nada adiantam
discursos inflamados de Lula convocando militantes a reagir enquanto o
governo que ele defende, desde a reeleio de 2014, s tem feito atacar
conquistas do povo humilde. Seta esquerda e rumo direita: eis uma mistura
que no costuma dar certo.

Ex-escravas relatam rotina de horror do EI


Vtimas de milcia radical que proclamou Estado no Iraque e na Sria so
estupradas, agredidas e obrigadas a casar

Mais de 2.000 mulheres da minoria yazidi, tida como infiel pelo


Estado Islmico, continuam prisioneiras da faco
PATRCIA CAMPOS MELLOFABIO BRAGAENVIADOS ESPECIAIS AO
IRAQUE
Sanaa se preparava para almoar com a famlia quando eles chegaram em
picapes brancas Toyota e Kia. Armados com metralhadoras, os milicianos do
Estado Islmico gritavam: "Vocs so infiis, vocs so infiis!".
Separaram mulheres e crianas para um lado, homens para o outro.
Foi a ltima vez que Sanaa viu seu pai e seu irmo de 15 anos. Sanaa, 21, e suas
irms, Hanaa, 25, e Hadyia, 18, foram levadas do vilarejo iraquiano de Kocho
para Mossul, sob controle do EI. L, ficaram presas em uma casa com mais de
cem mulheres.
De vez em quando, os milicianos levavam uma das mulheres para uma sala e a
estupravam. "Diziam que tnhamos de nos converter", conta Sanaa, os olhos
baixos.
Enquanto milhes se horrorizam com cenas do piloto jordaniano queimado vivo
e dos jornalistas decapitados pelo EI, mais de 2.000 mulheres iraquianas
continuam vivendo um pesadelo bem longe das cmeras.
Elas so mantidas como escravas sexuais, "esposas" ou servas de integrantes do
EI na regio de Mossul, no Iraque, e em Raqqa, na Sria, as "capitais" da faco
terrorista.
As mulheres fazem parte da minoria religiosa yazidi e foram sequestradas em
agosto de 2014 perto de Sinjar.
A Folha falou com algumas das 279 mulheres que escaparam e vivem em
campos de refugiados em Khanke e Sharia, no norte do Iraque.
"Era como se fosse um mercado, eles vinham e escolhiam as mulheres que
queriam comprar", diz Sanaa.
As mais jovens e bonitas eram dadas de "presente" para milicianos estrangeiros.
As restantes eram "usadas" pelos locais.
Sanaa foi vendida com suas irms e levada para Raqqa. L, era frequentemente
estuprada por estrangeiros.
"Acho que eles eram russos ou do Cazaquisto", diz. Milhares de estrangeiros,
muitos deles ocidentais, se uniram ao EI.
O EI publicou comunicado afirmando que as mulheres yazidis, ao contrrio de
judias e crists, que so das religies de Abrao, poderiam ser escravizadas. Os
radicais consideram os membros da crena "adoradores do diabo".

"Deveramos lembrar que escravizar as famlias dos infiis e tomar suas


mulheres como concubinas est firmemente estabelecido na Sharia [lei
islmica]", diz o texto.
O EI informa que, se a capturada for virgem, o soldado "pode ter relao sexual
com ela imediatamente aps a captura; se no for, o tero precisa ser purificado
antes" e " permitido comprar, vender e dar de presente as capturadas, j que
elas so apenas uma propriedade".
BRUTALIDADE
"Estamos falando dos piores tipos de violncia: sodomizar com objetos,
espancamentos, estupros por vrios homens mltiplas vezes, queimar genitais",
diz o psiclogo canadense Sean Moore, da ONG Med East, que d apoio s
yazidis.
O ativista yazidi Khidher Domle estima que 5.000 da minoria tenham sido
sequestrados desde agosto e 3.500 sigam desaparecidos. Ele integra uma equipe
que tenta libertar e dar apoio s fugitivas ou resgatadas.
As crianas so levadas para campos de treinamento, onde aprendem a usar
armas e so doutrinadas na verso fundamentalista do isl pregada pelo EI.
"Algumas delas, quando chegaram aqui, continuavam rezando cinco vezes por
dia; ns dizamos: vocs so yazidis, no precisam fazer isso. Mas eles
afirmavam que o EI ia voltar."
Para Domle, o EI est enfraquecido depois dos ataques areos da coalizo
internacional, mas vai usar refns como escudos humanos.
Segundo Noori Abdulrahman, enviado do Curdisto (rea autnoma curda no
norte do Iraque) para refugiados do EI, h 1,8 milho deles apenas de origem
iraquiana. So yazidis, cristos, muulmanos xiitas e tambm sunitas (mesmo
ramo do EI) que discordam da milcia.
Segundo ele, o Exrcito iraquiano colabora pouco com os peshmergas (soldados
curdos). A ajuda militar internacional insuficiente. " como dar aspirina para
apendicite", diz.
As yazidis sequestradas que conseguem voltar para casa enfrentam mais um
desafio: o preconceito. Muitas no conseguem conceber a humilhao e se
suicidam.
Kazhal Sharif, 18, que ficou trs meses com outras 300 mulheres em Mossul,
conta que era agredida com um taco de bilhar.
s vezes, lembra, traziam roupas de noiva e punham em meninas de 10 anos,
levadas para a Sria para casar.
A av de Kazhal, Gazala, de 80 anos, tambm foi sequestrada --ficou 75 dias
com o EI e sua famlia pagou US$ 3.500 para resgat-la.

Para as que escaparam, as perspectivas so sombrias. "Ns nunca mais vamos


voltar para casa, mesmo que derrotem o EI. No podemos mais confiar nos
nossos vizinhos rabes que os apoiaram", diz Sanaa.
Ela foi a primeira mulher da famlia a entrar na universidade. Estava no
primeiro ano de geografia em Mossul. Agora no sabe quando retomar os
estudos. No tem nimo nem para assistir a novelas e filmes de Jean-Claude
Van Damme, que adorava.
"Estamos sozinhas no mundo", diz, ao lado da irm Hanaa. Sua irm Hadyia
continua escrava do EI. Os pais e o irmo esto desaparecidos.
FOCO

Aps presses, holands desiste de batizar navio com nome de pai nazista
Considerado o maior navio guindaste do mundo, embarcao levava nome de
ex-membro da SS, a tropa de elite dos nazistas
DO "FINANCIAL TIMES"
O holands Edward Heerema aceitou "rebatizar" o navio que levava o nome de
seu pai, Pieter Schelte, um antigo membro da SS, tropa de elite do nazismo,
aps presso do governo britnico.
Considerado o maior navio guindaste do mundo, a embarcao pertence
companhia Allseas, presidida por Heerema.
As crticas comearam aps a companhia Shell anunciar que iria utilizar a
embarcao em um campo petrolfero do mar do Norte, em territrio britnico.
Porm, Heerema se mostrou inflexvel ao anunciar que no tiraria o nome de
seu pai do navio. A mudana ocorreu somente com a interveno do governo
britnico, em apoio a protestos de entidades judaicas.
O secretrio de Energia do Reino Unido, Ed Davey, chegou a dizer que o nome
dado ao navio era "totalmente inapropriado e ofensivo".
A companhia Allseas informou sobre a troca de nome em comunicado divulgado
na sexta-feira (6). "Como resultado das diversas reaes nos ltimos dias,
Edward Heerema, presidente do grupo Allseas, anunciou que o nome em
homenagem a Pieter Schelte ser retirado. A empresa ainda afirma que nunca
houve a inteno de ofender ningum", diz o texto. O novo nome do navio deve
ser divulgado nos prximos dias.
Esther Voet, diretora do Cidi (Centro para Informao e Documentao em
Israel, na sigla em ingls), disse que a atitude foi "correta".

" somente uma pena que o dono tenha demorado a perceber que o nome da
embarcao era totalmente inapropriado. Ele deve ter orgulho em possuir o
maior navio do mundo. O nome que ele escolheu deixou uma mancha, e estou
muito feliz que agora est sendo retirado."
PASSADO
Pieter Schelte Heerema foi um criminoso de guerra que serviu na SS durante a
Segunda Guerra Mundial ao lado de Josef Mengele, mdico alemo famoso por
experincias com prisioneiros que morreu no Brasil. Heerema trabalhou ainda
no envio de trabalhadores forados para a Alemanha e cumpriu um ano e meio
de priso aps a guerra.
ENTREVISTA DA 2 JULIAN ASSANGE, 43

Ainda levar tempo para se ter privacidade na internet


Criador do wikileaks critica google em novo livro e diz que Brasil deve proteger
pessoas da ambio de outros estados
LEANDRO COLONDE LONDRES
Asilado na embaixada do Equador em Londres desde junho de 2012, o fundador
do site WikiLeaks, o australiano Julian Assange, 43, afirma que "impossvel"
ter privacidade na internet. "Isso ainda vai levar muito tempo", disse, em
entrevista exclusiva Folha, na sexta-feira (6).
Assange recebeu a reportagem para falar sobre seu novo livro, "Quando o
Google encontrou o WikiLeaks" (Editora Boitempo), que chega ao Brasil na
prxima semana. O livro aborda um encontro dele com executivos do Google em
2011.
A empresa, para Assange, tornou-se a vil do controle de dados pessoais e aliada
do governo dos EUA, com quem o fundador do WikiLeaks trava batalha jurdica
em razo da revelao de documentos sigilosos, muitos deles segredos militares
e diplomticos.
Assange pediu asilo ao Equador em Londres para evitar a extradio para a
Sucia, onde vivia e acusado de crimes sexuais em 2010.
Ele se diz inocente e teme ser enviado aos EUA para ser julgado devido ao
WikiLeaks.
Por questes de segurana, Assange pediu que no fosse feita imagem do local
da entrevista. Do lado de fora da embaixada, um policial britnico fazia a
vigilncia.

FOLHA - Por quanto tempo o senhor conseguir viver na


embaixada?
JULIAN ASSANGE - O presidente Correa (Rafael Correa, presidente do
Equador) fala em 200 anos, mas espero que no seja por muito tempo. H uma
questo interessante, alguns benefcios, por questes de segurana nacional.
No h polcia britnica dentro da embaixada, no h intimaes, tribunais.
como uma terra de ningum. No h lei formal, h apenas relao entre seres
humanos.
H uma certa curiosidade sobre sua rotina.
Brinco com minha equipe quando me perguntam isso e digo: vamos mostrar
meu lado humano. Eles brincam: 'estamos procurando isso nos ltimos quatro
anos'. Mas no tenho que falar disso. Estou comprometido com o que estou
fazendo, tenho famlia, me preocupo com ela.
O sr. tem visto seus parentes?
No posso falar por questes de segurana.
O sr. no pode sair daqui. No se parece com uma priso?
Em alguns momentos, sim, porque recebo visita, h um aparato policial l fora
vigiando 24 horas por dia. No um ambiente saudvel. uma situao difcil,
mas outras pessoas tambm esto em situaes difceis e estou confiante que
vou sobreviver.
vivel uma soluo no curto prazo, como uma negociao com as
autoridades?
Os pases envolvidos, como Reino Unido e Sucia, querem mostrar firmeza. J
as autoridades dos EUA se recusam a conversar. importante destacar que
organizaes de direitos humanos revelaram ONU preocupao com minha
situao.
O que tem feito o Wikileaks?
Trs coisas: uma desenvolver recursos mais sofisticados de sistemas de
pesquisa para nosso material, por um assunto ou uma palavra. Temos 3,1
milhes de documentos publicados, e desenvolver isso importante para o
jornalismo e pesquisas acadmicas. A outra trabalhar em cima de novas
publicaes, relacionadas a setores de inteligncia. Em terceiro, estamos nos
defendendo na Justia pelo mundo.
E como esto os processos?
So vrios, espalhados, mas sobretudo nos EUA, onde h uma acusao
interessante de conspirao e que poderia ser aplicada a qualquer empresa de
mdia: um jornalista que trabalha para um veculo obtm uma informao de
uma fonte e dizem que a fonte conspirou com o jornalista. No. O jornalista

discutiu com seu editor, que trabalhou nesse material para publicar. Essa
chamada conspirao parte normal do processo. Se os americanos forem bemsucedidos nessa teoria, qualquer mdia poder sofrer essa acusao.
Quantas pessoas trabalham hoje para o Wikileaks?
Tenho orgulho disso. Apesar de tudo, de bloqueio bancrio, eu aqui na
embaixada, esse apoio tem crescido. No um nmero alto, mas significante.
S no posso falar.
Durante esse tempo asilado, o sr. se arrependeu de algo em relao
ao WikiLeaks?
No tenho arrependimentos, tenho muito orgulho do que fiz. E sobrevivi a isso.
Mas tiro lies das estratgias do passado. s vezes, voc tenta voltar no tempo
e percebe que, em situaes especficas, foi forado pelas circunstncias.
Poderia dar exemplos?
Eu subestimei o quanto a Sucia tinha mudado nos ltimos 30 anos. A Sucia
ficou famosa nos anos 70, quando o premi Olof Palme aceitou refugiados do
Vietn e o pas promoveu sua reputao. Mas, desde seu assassinato, em 1986, a
Sucia se transformou no pas mais prximo dos EUA na Europa, com exceo
do Reino Unido. Foi um equvoco de minha parte. Eu tambm no entendi
direito a natureza do "The Guardian" (jornal que rompeu parceria com
Wikileaks). Sou australiano e o via como um jornal "antiestablishment", mas
isso no era verdade. um jornal que representa parte do establishment
britnico. Quando voc estrangeiro, leva tempo para entender noes de poder
do pas.
O seu novo livro aborda a possvel "morte" da privacidade na
internet. Como as pessoas podem proteg-la?
Isso impossvel para a maioria das pessoas e ainda vai levar muito tempo. Por
outro lado, as pessoas esto acordando para o que est acontecendo com o
Google e criando demandas para algo que preserve a privacidade e reprima o
apetite do Google, cujo negcio coletar informao privada. Pelo menos 80%
dos smartphones so controlados pelo Google, que grava as localidades,
contatos, e-mails, o que pesquisaram.
Essas informaes so integradas com outras coletadas no Gmail e no Youtube
para construir um perfil sobre voc. No s uma empresa de tecnologia. a
segunda maior companhia dos Estados Unidos, com conexes com o
Departamento de Estado, trabalhando com projetos de inteligncia nos ltimos
12 anos.
Por isso afirma no livro que o Google no o futuro da internet?
Seu modelo uma armadilha do servio gratuito, oferecendo maneiras de
pesquisa que parecem ser de graa, mas no so. um anzol, e voc o peixe
que morde a isca com informao pessoal.

No comeo, parecia que o Google no atuava como organizao lucrativa,


porque oferecia servios gratuito com simples tcnicas de pesquisas, um logo
colorido. Mas o fato que essa organizao est levando a poltica externa
americana para outros pases.
Como v a repercusso do caso de espionagem dos EUA no Brasil?
Ou o Brasil define suas instituies e tem o seu governo ou os EUA vo sempre
encontrar uma maneira de meter os dedos no governo brasileiro.
O governo de Dilma Rousseff deve proteger a sociedade brasileira da ambio
de outros Estados e das empresas conectadas com esses Estados.
O pas tem de buscar passos para ser independente. Infelizmente, o governo dos
Estados Unidos e as suas instituies privadas tm sido bem-sucedidos em
corromper funcionrios e empresas dos governos, incluindo no Brasil.
Essas pessoas pensam que a independncia do Estado brasileiro acoplada a
suas ambies e esto dispostas a vender e trocar equipamentos militares para
as misses de treinamento e de alta tecnologia com agncias americanas.
Qual sua opinio sobre o debate do "direito de ser esquecido" envolvendo o
Google na Europa, em que as pessoas podem requerer a retirada de links
quecitam seus nomes das pesquisas do site?
O que me parece que a Europa est decidindo formalmente testar o quanto
eles podem empurrar para fora a dominao americana. uma experincia
sobre quo independente o ocidente europeu. O Google tem economicamente
o tamanho de algumas naes, como Nova Zelndia e Portugal. Na verdade,
podemos dizer que o Google como um Estado, e Estados tm obrigaes.
Quando seu poder aumenta, a responsabilidade tambm. O Google tem servios
como efeitos civis em bilhes de pessoas. Ou seja, no caso dele, no publicar
ou no publicar alguma coisa.

As guas vo rolar
Nos blocos de Carnaval, mijes transformam jardins, muros, caladas e at
portas de prdios em banheiro ao ar livre
ROBERTO DE OLIVEIRADE SO PAULO
Chuva, suor e cerveja. E muito xixi nas ruas. A invaso dos blocos abriu alas
para um grupo de folies ganhar mais evidncia no Carnaval de So Paulo: o dos
mijes.
"As pessoas querem se divertir, beber e fazer xixi. Carnaval, mas muito
constrangedor dar de cara com um pipi desconhecido", disse a relaes pblicas
Maria Fernanda Narciso, 25, que curtia o bloco Sargento Pimenta, no Sumar,
na zona oeste de So Paulo, que arrastou uma multido na tarde de sbado (7).

Um jardim recm-plantado na rua Alves Guimares foi destrudo pelos mijes.


Latinha de cerveja na mo, um rapaz de tnis cano alto vermelho, bermuda
xadrez e camiseta branca da Hollister no quis papo com a reportagem. Ao ser
abordado, se saiu com esta: "P, cara! No deu para segurar. Foi mal a."
Foi mesmo. Que o diga o casal Thaina Barbosa, 26, e Silvia Patriota, 46, ambas
engenheiras, que passava ali em frente. " muita falta de educao e um total
desrespeito com o prximo", disse Silvia.
A uma quadra de l, a praa Jos Del Picchia Filho transformou-se num imenso
mictrio ao ar livre, sem distino de gnero. Conforme o clima de festa
esquentava, a turma de mijes ia se despindo de qualquer pudor. Passou, ento,
a se aliviar na claridade das caladas.
"Quando acabar a animao, isso aqui vai virar uma grande imundice", afirmou
Luiza Melo, 25, que trabalha com comrcio exterior.
No deu outra. A chuva veio, e com ela, a fedentina. "Tem muita fila para pouco
banheiro. Acho bem difcil atender a todos os folies", disse a engenheira
Thaina.
Foram distribudos 560 banheiros qumicos ao longo das passagens dos blocos
no sbado (7), nmero reduzido para 465 no domingo (8), segundo a Prefeitura
de So Paulo. Ao trmino da farra, cerca de 800 funcionrios fizeram a limpeza
das vias.
No Rio, 184 mijes foram multados nos desfiles dos blocos neste fim de semana.
--cada um deles em R$ 170.
PATRULHA 'ANIT-XIXI'
Fora do circuito VIP montado pela banda Gueri-Gueri no Ibirapuera, uma
ambulante conseguiu achar graa dos mijes. "Eles s esto regando as
plantinhas." E ainda achincalhou o que considera uma patrulha "anti-xixi".
"Pelo amor de Deus! Vamos implicar at com o xixi? Carnaval. Deixa o povo
mijar em paz", disse ela, que se identificou como Valentina de Jesus da Silva, 51,
de Cidade Tiradentes, na zona leste.
Na regio central, o encontro da rua Martins Fontes com a lvares de Carvalho
virou um grande banheiro aberto. Trs garotas, na faixa dos 20 anos,
organizavam uma rodinha para que a quarta colega fizesse xixi, em meio ao
vaivm de carros e transeuntes.
"A gente perdeu a noo. Banheiro? Sei no", contou uma delas, que, por razes
bvias, no se identificou.
A menos de 150 metros delas, havia um corredor com dez banheiros qumicos
na prpria Martins Fontes. Detalhe: naquele hora, s 20h37 de sbado (7), sem
fila.

"Vivemos numa sociedade muito mal-educada que no sabe lidar com o seu
prprio lixo", disse o fotgrafo Lauro Medeiros, 55. "E dane-se o outro." Nas
palavras da representante comercial Greicy Oliveira, 36, "o comportamento dos
mijes degradante".
Como escreveu Caetano Veloso na letra da msica "Chuva, Suor e Cerveja", "seja
o que Deus quiser".

As estranhas afirmaes de Hawking


Depois se tornar astro pop, Hawking passou a fazer declaraes cientficas
pouco embasadas em evidncias, incomodando os outros fsicos
SALVADOR NOGUEIRACOLABORAO PARA A FOLHA
Stephen Hawking acaba de entrar para mais uma lista seleta de cientistas -aqueles cujas vidas so transformadas em filme. "A Teoria de Tudo", indicado
ao Oscar, conta sua histria. Mas, convenhamos, no foi sua produo cientfica
que o elevou a essa posio.
A imagem do "gnio preso cadeira de rodas" comeou a ser cultivada quando
Hawking publicou seu primeiro livro de divulgao cientfica, "Uma Breve
Histria do Tempo", em 1988.
A fama acabou levando o cientista, que luta contra a esclerose lateral
amiotrfica, a violar um dos mais bsicos princpios do comportamento
acadmico: no se deve fazer afirmaes extraordinrias sem evidncias
igualmente extraordinrias.
PALAVRA DE HAWKING
Os exemplos so vrios. J em 2004, o pop-star britnico anunciou ter
solucionado um dos mais intrigantes problemas ligados fsica de buracos
negros, o chamado "paradoxo da informao".
basicamente a ideia de que a informao no interior das partculas que caem
num buraco negro destruda e desaparece do Universo para sempre. Os fsicos
consideram isso paradoxal porque seria um obstculo prpria aplicao da
cincia. Se voc parte de um estado "desinformado", no h como aplicar as
teorias sobre ele para saber o que acontece depois ou determinar o que ocorreu
antes.
Ao dizer que teria resolvido o dilema, Hawking chamou a ateno dos fsicos do
mundo inteiro. Mas ele nunca apresentou clculos que demonstrassem isso.
Dez anos depois, repetiu a dose, dizendo ter concludo que buracos negros
podem nem existir. Mais uma vez um choque: a imensa maioria dos cientistas j
estava convencida de que esses fenmenos so reais. Mas Hawking, de novo,

no apresentou o devido embasamento matemtico para demonstrar sua


concluso bombstica.
Para Mario Novello, cosmlogo do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas
Fsicas), um sinal dos tempos. "No sculo 20, um cientista pesava suas
afirmaes no comprovadas e no as deixava sair para o grande pblico", diz.
"Hoje, a cincia se tornou miditica. E Hawking atua como uma celebridade,
no mais como um fsico."
Tambm em 2014, Hawking lanou um alerta humanidade ao escrever que a
manipulao do bson de Higgs --partcula descoberta em 2012 no maior
acelerador de partculas do mundo-- poderia levar destruio do prprio
Universo, algo que no conta com o respaldo da comunidade cientfica.
Antes, o pesquisador j tinha insistido que o bson de Higgs jamais seria
encontrado --ele inclusive perdeu US$ 100 que tinha apostado com um fsico da
Universidade do Michigan sobre isso.
Em um embate em 2002, o fsico Peter Higgs, que tinha previso
matematicamente a partcula que leva o seu nome, chegou a reclamar que era
difcil discutir com Hawking porque "seu status de celebridade lhe d uma
credibilidade instantnea que os outros [fsicos] no tm".
RESULTADOS
No se questiona, claro, que Hawking contribuiu muito para a cincia em suas
reas de atuao. Suas principais contribuies, porm, ocorreram durante as
dcadas de 60 e 70. Na poca, Hawking fez a descoberta mais fantstica de sua
carreira, ao constatar que buracos negros no so completamente negros --eles
emitem uma suave torrente de partculas, hoje justamente conhecida como
radiao Hawking.
Embora o fenmeno jamais tenha sido observado (no fcil estudar buracos
negros por telescpio, e mais difcil ainda detectar a sutil radiao Hawking), os
fsicos tm alta confiana nessas concluses do cientista britnico.
"Tem vrios resultados em fsica que portam o nome dele", destaca o fsico
relativista italiano Riccardo Sturani, do Instituto de Fsica Terica da Unesp.
"Com certeza a fsica hoje seria diferente sem os resultados que ele alcanou."
JUCA KFOURI

Casa verde alvinegra


Onze contra 11 o Corinthians foi melhor; onze contra 10 quase que Tite no
deixou o Palmeiras jogar

DOIS MISERVEIS toques de Vitor Hugo permitiram a Petros chegar antes que
Fernando Prass na bola e pass-la a Danilo, em tarde de Zidanilo, para botar o
Corinthians na frente do Palmeiras no 345 drbi e dar a 120 vitria alvinegra,
no primeiro clssico na nova casa esmeraldina.
O Palmeiras ainda tem uma vitria de vantagem na histria, mas, ontem, esteve
longe dela.
Mesmo contra um Corinthians mesclado, o desentrosado Alviverde deu pouco
trabalho, a rigor uma nica grande defesa de Cssio e outra de Walter.
Em compensao, levou bola na trave e sucumbiu diante do toque de bola
alvinegro, fruto de um time sem nenhuma ansiedade, ao contrrio do rival.
Ainda sem Arouca, ainda sem Cleiton Xavier, sem Valdivia e com Dudu em fase
de adaptao, talvez Z Roberto, embora eleito o melhor lateral esquerdo do
Campeonato Brasileiro passado, devesse ter jogado no meio-campo, para tentar
organizar o principal defeito da equipe, a insegurana na sada de bola.
Mas Cssio fez cera e acabou expulso no segundo tempo.
A exemplo do que fizera no jogo com o Once Caldas quando ficou com um a
menos, Tite estacionou o nibus corintiano frente da rea e passou a especular
em torno de um contra-ataque definidor, como Mendoza, a verso colombiana
de Jorge Henrique, teve nos ps e Prass impediu.
Com Dudu em campo j desde o incio do segundo tempo, e as entradas de Alan
Patrick e Rafael Marques, s restava ir para presso.
Que quase deu certo com Lucas, queima-roupa, mas foi a vez de Walter evitar,
com o p esquerdo.
O Corinthians cozinhou o jogo e, de certa forma, a expulso de Cssio foi ruim
para o Palmeiras, porque permitiu ao Corinthians se recusar a jogar, o que no
faria com 11 contra 11.
H muito o que fazer no Parque Antarctica, muito mais do que falta em Parque
So Jorge.
Para tristeza dos anfitries o grito que ecoava ao fim do jogo em sua casa era o
dos corintianos: "Bi mundial!". Faz parte.
BRUCUTUZINHOS
No ser campeo sul-americano sub-20 no importante. Importante, nos
torneios das categorias de base, revelar talentos, proporcionar esperanas
para o futuro prximo.

Terminar em quarto lugar como terminou a seleo brasileira no campeonato


no Uruguai tambm no chega a ser uma catstrofe, embora, a, seja
preocupante.
Agora, levar de 3 a 0 dos meninos colombianos d a medida do que a CBF est
fazendo com nosso futebol.
Porque ruim mesmo ver em um time, como o brasileiro, em que os brucutus
jogam e os mais habilidosos ficam no banco, demonstrao da ideologia de um
treinador que busca em seus comandados jogadores sua imagem e
semelhana.
Se Dunga jamais foi um virtuoso, no se negue a ele uma carreira exemplar,
jogador essencial para a conquista do tetracampeonato nos Estados Unidos,
entre outras faanhas.
J Alexandre Gallo foi apenas um brucutu que agora adestra brucutuzinhos.
Seria melhor criando galinhas.

Briga de torcida no Egito tem ao menos 22 mortes


TRAGDIA Torcedores do Zamalek e policiais entraram em confronto antes
de jogo no Cairo
DE SO PAULO
Trs anos aps tragdia de Port Said,que provocou a morte de 74 pessoas, um
novo confronto envolvendo torcedores voltou a colocar o futebol do Egito em
luto.
Um conflito entre torcedores do Zamalek, um dos maiores clubes do pas, e
policiais, no domingo (8), deixou mais de duas dezenas de mortos.
At a concluso desta edio, haviam 22 mortes confirmadas. Relatos de jornais
locais e europeus apontavam a existncia de at 30 vtimas.
A confuso aconteceu antes da partida entre Zamalek Enppi, no Cairo, vlida
pelo Campeonato Egpcio.
Segundo autoridades do governo, torcedores sem ingresso tentaram invadir o
estdio e foram reprimidos pela segurana, com uso de gs lacrimogneo, o que
deu origem ao confronto campal.
Em sua pgina oficial no Facebook, os ultras do Zamalek (faco semelhante s
torcidas organizadas), conhecidos como "cavaleiros brancos", contestaram a
verso e disseram que o incidente aconteceu porque as autoridades abriram
apenas um porto para a entrada dos torcedores no estdio.

Terra prometida
Africanos enfrentam fome e abandono de agentes em busca de vida melhor no
futebol brasileiro
RAFAEL REISDE SO PAULO
Diederrick Joel Tagueu tinha 15 anos quando se destacou em um campeonato
para adolescentes em Camares e ouviu de um empresrio o convite para vir ao
Brasil.
Sem perspectivas na terra natal, o atacante aceitou a proposta. Em 2009,
desembarcou em Irati, no Paran.
Depois de se destacar no Londrina e Coritiba, o camarons foi contratado pelo
Cruzeiro, bicampeo nacional.
Sua trajetria de sucesso virou inspirao para outros africanos que cruzaram o
Atlntico em busca de oportunidade e, mesmo com sofrimento, continuam a ver
o Brasil como terra prometida.
Alegando alteraes em seu sistema de registros, a CBF no soube precisar
quantos atletas africanos jogam por aqui. Em So Paulo, Estado com o maior
nmero de jogadores federados, so apenas trs: um angolano, um ganense e
outro camarons.
"Aqui o pas do futebol. Tem muitas oportunidades", afirmou Michael Wadier,
22, que vive no Brasil h quatro anos e defende o Tanabi, da ltima diviso
paulista.
Natural de Acra, capital de Gana, ele deixou a terceira diviso de sua terra natal
com outros trs compatriotas depois de um empresrio local, cuja principal
atividade ser comissrio de bordo em voos internacionais, arranjou-lhes um
espao em um pequeno clube do Paran, o Camb.
"A gente ficou l e nosso empresrio nos sustentava. S que houve um problema
de documentao e no pudemos jogar. Como ele achou que no daramos
certo, parou de mandar dinheiro."
A falta de oportunidade fez um dos ganenses voltar frica. Outro, Isaac,
quebrou a perna e abandonou o futebol. Restaram ele e Khalil Folly, que atua no
Operrio (PR). A dupla ganha pouco --Wadier diz receber salrio mnimo--, mas
sustenta Issac, o amigo que ficou pelo caminho. "Ele continua aqui no Brasil,
est estudando. A gente banca ele porque fizemos um pacto: quem desse certo ia
ajudar os outros."
FOME E DOR

Os jogadores de Gana no foram os nicos africanos abandonados por seus


empresrios aps chegar ao Brasil e a passar dificuldades em sua nova ptria.
O atacante Patrick Lukupeta, 27, carinhosamente chamado de Eto'o no
Santacruzense, da terceira diviso paulista, viveu histria semelhante nove anos
atrs, quando emigrou de Camares.
"Vim para o Brasil para jogar na base do Vitria junto com o David Luiz e o
Marcelo Moreno. Mas machuquei o joelho, precisei operar e fiquei um ano e
meio parado. Meu empresrio, tambm camarons, desapareceu."
Sem amigos e com um oceano de distncia para sua casa, Lukupeta viveu os dias
mais duros de sua vida.
"Eu queria voltar. melhor sofrer perto da me. Mas no deu. Passei fome, no
tinha lugar para dormir. Depois, arranjei um lugar para ficar em Santa Ceclia
[regio central de So Paulo]. Mas todo dia eu tinha de cruzar a cidade para
fazer fisioterapia. Ia me arrastando de muleta."
Dos tempos mais duros, Lukupeta guarda a fora para no desistir do futebol,
ainda que sua carreira no tenha decolado e a fama esteja distante. No Brasil,
ele se casou, teve trs filhos e, por incrvel que parea, acredita que encontrou a
terra prometida.
"A situao aqui melhor do que l, com certeza. Hoje, eu no passo mais fome.
Eu no moraria mais em Camares de novo", afirmou.

Babenco sem cortes


Diretor de 'Carandiru', 'Pixote' e 'O Beijo da Mulher Aranha' roda em So Paulo
'Meu Amigo Hindu', filme com toques autobiogrficos protagonizado pelo
americano Willem Dafoe
GUILHERME GENESTRETIDE SO PAULO
"Se voc fizer pergunta idiota, te deixo em Paulnia." De bermuda estampada e
camisa branca, o cineasta Hector Babenco, 69, recebe a Folha numa manh de
tera, s 8h.
O diretor de "O Beijo da Mulher Aranha" (1985), pelo qual foi indicado ao
Oscar, e "Carandiru" (2003) convidou a reportagem a viajar com ele a Paulnia,
interior de SP, onde roda parte de seu prximo longa, "Meu Amigo Hindu", aps
um hiato de oito anos.
No filme com toques autobiogrficos, Willem Dafoe interpreta um diretor de
cinema recm-sado de um tratamento contra uma doena grave. Babenco,
argentino naturalizado brasileiro, teve um cncer no sistema linftico nos anos
90, curado aps transplante de medula ssea.

Folha - Seu novo filme sobre um homem que est se recuperando


de uma doena grave, certo?
Hector Babenco - Estou num processo de construo do filme e ficar falando
penoso. Se voc sabe a trama perde a graa. sobre um homem que vai
morrer, que sofre um tratamento invasivo e que convive com um menino hindu.
O protagonista diretor de cinema.
Por que decidiu rodar em ingls?
um filme urbano, no faz a menor diferena se acontece em Paris, Londres ou
Buenos Aires. Ia ser em portugus, mas foi impossvel achar atores brasileiros
disponveis para o protagonista. Estavam alocados em novelas. A eu fui ver a
pea de Bob Wilson em So Paulo no ano passado, com o Willem Dafoe no
elenco ["The Old Woman - A Velha"]. Sa para jantar com Willem e falei do
filme. Ele pediu pra ler o roteiro e gostou muito.
O que achou do trabalho dele?
Ele tem conscincia das suas responsabilidades, jamais chegou atrasado, jamais
se queixou de esperar para rodar um plano. Os estrangeiros no se veem como
artistas, mas como operrios da representao. Ele no tem vaidade artstica,
tem responsabilidade criativa. Tem um modelo de interpretao muito discreto.
Em "Meu Amigo Hindu" o personagem um cineasta. um filme
autobiogrfico?
Me alimentei de informaes da minha memria. Mas no biogrfico, porque
ficcional. a vida de um diretor que condenado morte.
A rigor o filme isso. No alegre, mas um filme que comea muito escuro e
tem um final muito solar, uma exploso de luz.
"Corao Iluminado" tambm tem elementos autobiogrficos.
Cada um encontra criao onde quer. Eu talvez tenha a limitao de no
conseguir ver alm do meu nariz. No me vejo como artista, renovador da
linguagem, no me vejo como porra nenhuma, mas como contador de histrias.

A inspirao para "Meu Amigo Hindu" veio de suas experincias com


a doena?
Veio de mim. Mas no quer dizer que eu vou contar o que vivi. Com os
momentos difceis que passei e passo ainda hoje eu lido com psicanlise,
autoanlises e sei l.

O cinema no faz parte?


??No, cinema meu quintal, bolinha de gude: eu jogando, eu fazendo
pontaria.
E sua trajetria l fora? "Ironweed" te deu dinheiro?
No me deu dinheiro, me pagaram pra trabalhar. Com esse dinheiro economizei
e consegui ter casa prpria. Dinheiro ningum me deu. No Brasil eu no sou
pago pra trabalhar, porque o governo no me deixa colocar no oramento mais
do que um salrio que eles determinam. Ningum vive com isso, nem o
contnuo do Ministrio da Cultura. Jamais ganhei dinheiro no Brasil.
Nesta quinta comea uma mostra na Cinemateca com retrospectiva
dos seus filmes.?
Fiquei sabendo porque me mandaram um e-mail, pedindo psteres e
perguntando se tinha fotos dos filmes. Fazer o qu? Entrar l com uma
espingarda e matar todo mundo? Deixa eles. Eles vo se consumir na prpria
mediocridade deles. Eles tm os filme e as salas. Poderia eu proibir? No sei,
mas no vou estar presente. Ningum me perguntou o que eu achava.
Que acha da atual poltica cultural de fomento ao cinema?
Vivemos numa cultura de concentrao de recurso pelo Estado e o Estado com
uma vocao gigante de ser a me produtora de tudo. Sou contra qualquer tipo
de controle do Estado para a produo. Brasileiro vive de edital: no h um
colega que no diga que est esperando sair algum edital. Se essas leis de
incentivo no existissem, o cinema brasileiro andaria melhor.
Livre mercado no cinema?
Sim, como h 20 anos. E no se fizeram grandes filmes? No tinha lei de
incentivo. Havia retorno. Porque o ingresso no era obrigado a custar s R$ 10.
Hoje, o governo te d uma merreca: demora dois anos pra sair um edital e
ganhar e poder fazer algo pra depois ter que cobrar R$ 10 o ingresso.
Como "Meu Amigo Hindu" est sendo financiado?
Com economias pessoais e ajuda de amigos. E com o edital do polo de Paulnia.
O que voc acha que h de brasileiro e de argentino no seu cinema?
Sou um exilado no Brasil e um exilado na Argentina. No consigo me fazer
sentindo parte de nenhuma das duas culturas. E as duas coisas existem em mim
de forma poderosa. O argentino tem um humor menos escrachado e muito mais
inteligente que o brasileiro, n? O humor do brasileiro muito mais
"chanchado". O da Argentina mais irnico.

Atribuem a voc a frase de que no Brasil no h ator como Gael


Garca Bernal.
Jamais diria isso, foi uma "filhadaputice". Eu disse que no havia ator que
pudesse trabalhar em espanhol, como ele. Que ator brasileiro poderia falar
espanhol bem? Esto querendo mais te enrabar do que ficar ouvindo a sua
complementao.
GREGORIO DUVIVIER

O sangue que corre em nossas veias


Adoramos creditar a culpa do nosso atraso civilizatrio herana portuguesa;
melhor seria crescer
Toda relao filial passa por trs fases. Um: meu pai a melhor pessoa do
mundo. Dois: meu pai a pior pessoa do mundo. Trs: meu pai talvez no seja a
pior pessoa do mundo nem a melhor, mas alguma coisa entre os dois.
a terceira vez que vou a Portugal, e a terceira vez que me surpreendo. Nunca
vi um pas to engraado. O humor que eles fazem est lguas nossa frente em
inovao, coragem e conscincia poltica. Discute-se poltica nas ruas, na
televiso e no rdio. O rdio no considerado um veculo menor que a
televiso, mas um canal paralelo, to forte quanto, onde os melhores humoristas
falam diariamente --e as msicas que tocam no so ditadas pelo jab.
Apesar da crise econmica persistente, Lisboa continua borbulhante de cultura
e gastronomia. Come-se muito bem, e pela metade do preo do Rio. A noite dura
a noite inteira, e s vezes atravessa o dia. O turismo se incrementa de maneiras
inusitadas: carrinhos eltricos ("tuctucs") circulam numerosos e nibus anfbios
mergulham no rio Tejo. As pessoas marcam de jantar, e chegam na hora, e
durante o jantar quase no tiram o celular do bolso.
Quando falam dos pais "histricos", os brasileiros parecem presos eternamente
na fase 2: meu pai uma besta e a minha vida uma catstrofe por culpa nica e
exclusiva dele. Adoramos creditar a culpa do nosso atraso civilizatrio herana
portuguesa: chegamos ao ponto de inventar o mito da burrice lusitana --e muita
gente acredita nele.
"Se a gente tivesse sido colonizado pelos ingleses, tudo seria diferente" --a gente
tem inveja at da colonizao alheia, como se ela tivesse sido menos brutal. Pior:
o famoso complexo de vira-lata contamina toda a rvore genealgica galho
acima. Atinge negros, ndios, europeus: "O ndio brasileiro era diferente do
ndio americano: o nosso era muito mais atrasado". Ou ainda: "Os negros que
vieram pro Brasil no se comparam aos negros que foram pros Estados Unidos,
os nossos eram mais preguiosos". Acreditamos ser a soma das escrias
africana, indgena e europeia, e isso justifica nosso atraso.

Melhor mesmo seria crescer e chamar a responsabilidade do suposto atraso


para si, fugindo do determinismo gentico. Mas, mesmo que a gente no
conseguisse escapar do que estaria escrito no sangue que corre em nossas veias,
talvez fosse o momento de procurar, nele, a educao, o afeto, a poesia, a
cultura, a profundidade e o humor lusitanos. Temos muito a aprender com
nossos pais --s precisamos fazer um pouco de psicanlise.
LUIZ FELIPE POND

gua Chanel
Direitos humanos, dignidade ou liberdades individuais deveriam estar na
seo de artigos de luxo
Muito j foi escrito sobre os totalitarismos do sculo 20 --de grandes obras,
como a da filsofa Hanna Arendt, at textos de ocasio.
Em meio a isso tudo, gostaria de apontar uma das causas de formas totalitrias
de organizao social que muitas vezes escapa ao nosso entendimento mais
imediato. Apesar de bvia.
Uma das matrizes mais seguras de formas totalitrias de organizao social so
as boas intenes articuladas coletivamente em momentos de escassez de
recursos materiais ou imateriais necessrios vida. Dito de outra forma:
liberdade individual artigo de luxo, caro como bolsa Chanel.
De tudo o que j foi dito sobre as liberdades individuais pelos filsofos,
psiclogos e cientistas sociais nos ltimos 200 anos, falta dizer que uma
analogia entre marcas caras de luxo e ideias como direitos humanos, liberdades
individuais ou dignidade da pessoa humana se faz necessrio.
Antes de tudo, porque muitas vezes o modo como se fala disso faz os mais
jovens pensarem que coisas assim caem do cu ou so fruto das redes sociais ou
manifestaes na avenida Paulista.
Resumindo a pera at aqui: liberdades individuais so coisas de rico. "Rico",
aqui, significa sociedades com razovel estabilidade de recursos que, por sua
vez, produz em uma razovel estabilidade institucional. Dito de forma, talvez,
mais potica: quando se fica pobre, tudo vai para o saco.
Sei que nossa sensibilidade um tanto infantil decorrente da ideologizao da
filosofia e das cincias humanas impede que percebamos como funciona essa
matriz de sociedades totalitrias. Quer ver?
Recentemente, esta Folha publicou uma matria na qual condomnios
pensavam em formas de assegurar a justa economia da gua. Uma dessas
formas seria a criao de "guardies da gua" nos condomnios. Basta uma coisa

como essa para percebermos como funciona o processo totalitrio. Preste


ateno.
O fato de os nazistas e soviticos serem muito maus acabou por embotar nosso
discernimento posterior ao advento das grandes sociedades totalitrias do
sculo 20.
Formas totalitrias se organizam facilmente ao redor de "causas justas" (honra
da Alemanha, justia contra os ricos na Rssia). Essa pea do quebra-cabea
normalmente falta nas aulas dos professores gurus de filosofia por a. porque
est justificada a suspenso das liberdades individuais que voc vira um
"comissrio do povo" ou um "comissrio da gua".
De um dia para o outro, voc est vigiando os rudos dos chuveiros e descargas
na casa do vizinho. Comisses estabelecem multas condominiais para quem
desobedecer a justa norma de economia de gua.
No elevador, comeamos a sentir uma justa antipatia pela pessoa que, ao que
tudo indica, no tem esprito coletivo, e gasta mais do que deve. Facilmente, um
vizinho poder juntar essa justa antipatia a velhos desafetos: essa pessoa
sempre foi metida, tem um carro melhor do que o meu, sua mulher mais
gostosa, seus seios so mais durinhos.
De novo, lembremos: economizar gua uma necessidade justa. Esforos
devem ser feitos nesse sentido, do contrrio, ficamos sem gua. Logo, quem no
colaborar merece sanes. Como garantir esse processo se no fiscalizarmos uns
aos outros? Queria ver Foucault sem gua.
Os regimes totalitrios nunca sobreviveriam sem a adeso do cidado comum a
causas que lhe parecem ou so de fato justas. Num cenrio de falta de gua
generalizada, quem tomar banho muito longo em nome das liberdades
individuais ser considerado um cretino. Porque esse banho seria um luxo. E a
voltamos ao incio.
Perdemos a noo de que so as condies materiais que sustentam o mundo
nossa volta. At o marxismo diz isso, de certa forma, mas, infelizmente, s o diz
para afirmar sua metafsica besta da histria da luta de classes.
Direitos humanos, dignidade da pessoa humana ou liberdades individuais
deveriam estar na seo de produtos de luxo, como os da Chanel, e no em
discusses sobre justia social. Basta faltar gua e todo o bl-bl-bl sobre
valores democrticos ruem como um castelo de cartas. Estamos j h muito
tempo mentindo sobre essas coisas.

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