Ivánov
Ivánov
Ivánov
A. P. TCHKHOV
APRESENTAO
praticando logomaquias e insultos. Apenas Davidov e Glama sabiam os seus papis, enquanto
os demais representavam com a ajuda do ponto ou de acordo com sua inspirao.1
De fato, Tchkhov percebera que faltava, talvez, uma expresso cnica adequada a sua
escritura dramatrgica que, embora significasse, no caso dessa pea, to-somente sua estria
como dramaturgo, j apresentava caractersticas inovadoras e sutilezas de composio que,
apenas anos depois, puderam ser captadas e genialmente transpostas para o palco por Konstantin
Stanislvski e Nemirvitch Dntchenko, diretores do ento recm-criado Teatro de Arte de
Moscou, quando da consagrada montagem de uma das obras-primas da dramaturgia mundial, A
Gaivota, de 1898. Seguiram-se outras experincias bem-sucedidas do T.A.M., a partir de textos
tchekhovianos: Tio Vnia (1899), As Trs Irms (1901) e O Jardim das Cerejeiras (1904).
Ivnov, na verdade, no foi a primeira experincia de Tchkhov no campo da
dramaturgia, embora tenha sido a primeira a ser encenada. J havia escrito uma pea de quatro
atos, entre 1878 e 1881, publicada postumamente, em 1923, conhecida hoje com o ttulo de
Platnov. Havia escrito tambm a primeira verso do monlogo Sobre os Malefcios do Tabaco
(1886) e um estudo dramtico de um ato, Na Estrada Real, de 1885.
Em carta de 12 de outubro de 1887, ele nos relata a propsito da composio da pea
Ivnov:
Escrevi a pea por acaso, aps uma conversa com Korch. Fui me deitar, imaginei um
tema e escrevi. Gastei duas semanas nela ou, mais exatamente, dez dias, pois, nas duas
semanas, houve dias em que no trabalhei ou escrevi outras coisas. No posso julgar as
qualidades da pea. Desconfio que ela tenha sado curta. Todos gostaram dela. Korch no
encontrou nenhum erro e nenhuma infrao contra a cena prova de que meus juizes so bons
e delicados. Foi a primeira vez que escrevi uma pea, ergo, os erros so obrigatrios, O
argumento complicado e no tolo. Termino cada ato como os meus contos: conduzo o ato
inteiro de maneira tranqila e mansa, mas no final dou um tapa na cara do espectador. Usei
toda a minha energia em alguns trechos realmente fortes e vivos, mas as pontes que ligam esses
trechos so insignificantes, frouxas e estereotipadas. Apesar de tudo, estou contente.2
surpreendente a capacidade de Tchkhov, nesta e em outras tantas cartas de sua vasta
correspondncia, de analisar o seu prprio ato criador com tamanha clareza e sensibilidade,
emitindo muitas vezes opinies extremamente agudas e objetivas. no s sobre o seu prprio
trabalho, mas tambm sobre a arte, a literatura, o teatro, a vida.
Se Ivnov no se constitui ainda como a mais completa realizao no campo da
1
2
Apud Sophia Angelides, A. .P Tchkhov: (ditos para uma Potica, So Paulo, Edusp, 1995 (carta 17).
Idem, p. 66 (carta 10).
ARLETE CAVALIERE
EDUARDO TOLENTINO ARAJO
PERSONAGENS
IVNOV
PRIMEIRO ATO
CENA 1
IVNOV E BRKIN
Os empregados tem que ser pagos ou no? Ah, no d pra falar com voc. [Gesto de
impacincia.] Proprietrios de terras... fazendeiros... Organizao racional... que o diabo os
carregue! Mil acres de terra e o bolso vazio! Tem a adega cheia, mas no tem saca-rolha! timo,
amanh vendo a tmika. J vendi a aveia antes da colheita, posso vender o trigo tambm. [D
passos largos.] Acha que vou me preocupar? Voc no me conhece!
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CENA II
IVNOV, BRKIN, CHABLSKI E ANNA
anda muito nervoso, est sempre deprimido, se lamentando. Meu Deus! Ns dois poderamos
fazer grandes negcios. Por voc, eu faria qualquer coisa. Se voc quiser, posso at me casar
com a Babkina! Metade do dote seria seu. No... que metade! O dote todo.
IVNOV
Bobagem!
BRKIN
No, srio. Voc quer que eu case com a Babkina? Repartimos o dote. Mas no adianta
falar com voc. [Provoca.] Bobagem. Voc bom, inteligente, mas falta um no sei o qu...
Voc devia se arriscar mais e que se dane o resto. Voc um demente, vive choramingando, se
fosse normal, em um ano estaria milionrio. Se eu, por exemplo, tivesse 2 300 rublos, em duas
semanas estaria com 20000. Voc no acredita? Pra voc tudo bobagem, no ? Ento me d 2
300 rublos, e em uma semana eu devolvo 20000. Ovsinov est vendendo por 2 300 rublos um
terreno bem em frente ao nosso, do outro lado do rio. Se comprarmos. as duas margens do rio
vo ser nossas; a podemos fazer uma represa e construir um moinho... Assim que souberem da
represa, vai comear o berreiro. Ns vamos dizer Kommen Sie hierher5: se vocs no querem
uma represa, s soltar o dinheiro. Ficou claro? A fbrica Zarevski vai pagar 5 000, Korolkov
3000 e o convento vai dar 5 000.
IVNOV
- Isso canalhice, Micha. Se voc no quer brigar comigo, melhor calar a boca.
BRKIN [senta mesa]
Claro, eu sabia! Voc no faz nada. nem me deixa fazer.
CENA III
IVNOV, BRKIN, CHABLSKI E LVOV
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BRKIN
Uf! Isso mal. At eu j tinha reparado que ela tem o aspecto de quem no vai durar muito.
LVOV
Mas... por favor, fale baixo. D pra ouvir tudo l de dentro. [Pausa.]
BRKIN [suspirando]
O que a vida... A vida uma flor no campo. Um bode vem pastar e no tem mais flor.
CHABLSKI
Bobagem e velhacaria. [Boceja. Pausa.]
BRKIN
Meus senhores, eu fico aqui ensinando a Nikolai como ganhar dinheiro. Dei uma idia
excelente, mas a plvora, como sempre, caiu no molhado. Ele no quer entender. Olhem a cara
dele: melancolia, tdio e desgosto...
CHABLSKI [fica em p e se espreguia]
Gnio! Voc est sempre dando conselhos e ensinando os outros. Quem me dera um dia, voc
me ensinasse um pouco... J que to iluminado, me mostre uma sada.
BRKIN [fica em p]
Eu vou tomar banho. At logo, senhores. [Para o Conde.] Voc tem vinte sadas. Se eu fosse
voc, ganharia 20000 em uma semana. [Sai.]
CHABLSKI [seguindo-o]
Como? Me ensine!
BRKIN
No h nada para ensinar, muito simples. [Volta.] Me empreste um rublo, Nikolai. [Ivnov
d o dinheiro.] Merci. [Para o Conde.] Voc ainda tem muitas cartas na manga.
CHABLSKI [indo atrs dele]
Quais?
BRKIN
No seu lugar, eu ganharia 30000 rublos numa semana. Ou at mais. [Sai com o conde.
Pausa.]
IVNOV
Pessoas inteis, palavras inteis, perguntas imbecis. Isso me cansa, Doutor, me deixa doente.
Ando irritado, irascvel. Passo o dia todo com dor de cabea, tenho insnia, tonteira. No sei o
que fazer. No sei.
LVOV
Nikolai Aleksievitch, eu preciso falar seriamente com voc.
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IVNOV
Fale.
LVOV
sobre Anna Petrvna. [Senta-se.] Ela se recusa a ir para a Crimia, mas com voc ela iria.
IVNOV [depois de refletir]
Se formos os dois fica muito caro. Alm disso, no posso tirar outra licena este ano.
LVOV
Vamos supor que seja verdade. Continuando: o melhor tratamento para a tuberculose o
repouso absoluto. E a sua mulher no tem um s minuto de sossego. Por sua causa, ela vive num
estado de inquietao constante. Desculpe, estou um pouco nervoso e vou falar sem rodeios. Seu
comportamento est matando a sua mulher. [Pausa.] Nikolai Aleksievitch, deixe que eu tenha
uma opinio melhor sobre voc.
IVNOV
Voc tem razo. provvel que eu seja culpado, estou to confuso, to paralisado. No
consigo entender os outros e nem a mim mesmo. [Olha para a janela.] Podem nos ouvir. Vamos
sair daqui. [Eles se levanta.] Eu gostaria de contar essa histria desde o comeo, meu amigo,
mas to complicada que levaria a noite inteira. [Eles andam.] Anna uma mulher maravilhosa,
extraordinria. Por minha causa, ela mudou de religio, de nome, abandonou seus pais e
renunciou a sua herana. Se eu tivesse exigido mais mil sacrifcios, ela teria feito sem hesitar.
Mas eu no tenho nada de extraordinrio e nem sacrifiquei nada. Mas uma longa histria,
resumindo, meu caro doutor. [Mostra sofrimento...] Quando me casei estava loucamente apaixonado. Jurei amor eterno minha mulher... isso foi h cinco anos, ela ainda me ama, enquanto que
eu... [Levanta os braos.] Agora voc me diz que ela vai morrer logo e eu no sinto nem amor
nem pena, s um vazio, um cansao. Pode parecer monstruoso, mas nem eu mesmo sei o que
est acontecendo com minha alma. [Saem pelo do jardim. 1
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CENA IV
CHABLSKI E ANNA
maldade, sem deboche. O que as pessoas fizeram ao senhor? O senhor pensa que melhor que
todo mundo?
CHABLSKI
Em absoluto. Eu sou mais duro comigo mesmo do que com os outros. O que eu sou? Eu fui
rico. livre, at feliz, mas agora... Sou um parasita, um encostado, um palhao. Se eu fico
indignado riem de mim, mas quando sou eu que estou rindo, eles comentam: o velho no est
regulando. Ningum me escuta mais, ningum nota a minha presena.
ANNA [com calma]
Ela ainda est gritando...
CHABLSKI
Quem?
ANNA
A coruja. Ela grita todas as noites.
CHABLSKI
Pois que grite! Pior que est no pode ficar. [Se espreguia.] Ah, minha querida Sara, se eu
ganhasse uns 200000 rublos, voc ia ver: eu ia embora desse buraco, onde s me do migalhas, e
no poria mais os ps aqui at o juzo final.
ANNA
E o que o senhor faria?
CHABLSKI [depois de refletir]
Primeiro, iria para Moscou ouvir os ciganos. E a... daria um pulo at Paris. Alugaria um
apartamento e freqentaria a Igreja Russa.
ANNA
E o que mais?
CHABLSKI
Passaria o dia inteiro sentado no tmulo da minha mulher pensando at morrer. Ela est
enterrada em Paris. [Pausa.]
ANNA
Que tdio! Vamos tocar outro dueto?
CHABLSKI
Est bem, prepare as partituras.
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CENA V
CHABLSKI, IVNOV E LVOV
a boca e alguma coisa me sufoca, [bate no peito] a minha lngua fica presa. Como detesto esse
tartufo, com esse ar superior! Agora ele vai sair. A coitada da mulher s fica feliz quando ele est
por perto, ela precisa dele como do ar, ela implora que ele fique nem que seja uma noite, uma s,
mas ele... ele no pode, porque em casa ele se sente sufocado. Se ele ficar uma noite em casa,
capaz de meter uma bala na cabea de tdio. Coitado... Ele precisa de espao para dar vazo
sua canalhice. Ah, eu sei por que voc vai todas as noites casa dos Libedev. Eu sei.
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CENA VI
LVOV, IVNOV, CHABLSKI E ANNA
CHABLSKI
Afinal, Nicolas desumano. Voc sai todas as noites e ficamos sozinhos. tanto tdio que s
8 horas vamos dormir. uma vergonha. No vida... Por que voc pode sair, e ns no?
ANNA
Deixe, Conde. Deixe ele ir.
IVNOV [para Anna]
Onde voc quer ir doente desse jeito? Voc est proibida de sair depois do entardecer...
Pergunte ao doutor. Voc no uma criana, Anna, tente ser razovel. [Para o Conde.] E voc
quer ir aonde?
CHABLSKI
Eu prefiro ir pro inferno s para no ficar aqui. Estou entediado. Ningum me agenta mais.
Voc me deixa em casa para fazer companhia sua mulher e eu a atormento e a mato de tdio.
ANNA
Deixe ele ir, Conde. L ele se diverte.
IVNOV
Que tom esse, Anna? Voc sabe muito bem que eu no vou l pra me divertir. Eu preciso
discutir a dvida.
ANNA
No sei por que voc est se justificando. Ningum est segurando voc.
IVNOV
Vamos parar com isso! Ser que precisamos nos devorar uns aos outros?
CHABLSKI [choramingando]
Nicolas, meu filho, por favor, me leve com voc. Talvez eu me distraia vendo aqueles bobes
e canalhas. Desde a Pscoa no vou a lugar nenhum.
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IVNOV [irritado]
T, ento venha. Como vocs me cansam.
CHABLSKI
Mesmo? Merci, merci. [Pega Ivnov pelo brao e o leva para um canto.] Posso usar seu
chapu de palha?
IVNOV
Pode, mas no demore. [O Conde corre para dentro.]
IVNOV
Como vocs me cansam. Meu Deus, o que estou dizendo? Anna, eu no devia falar assim
com voc. Eu nunca fiz isso antes... Bom, at logo, Anna. Volto dentro de uma hora.
ANNA
Klia, fique em casa, querido.
IVNOV [agitado]
Meu bem, eu suplico, no me impea de sair noite, por favor. Eu sei que cruel e injusto,
mas me deixe cometer essa injustia. Ficar em casa insuportvel. Logo que anoitece, sinto uma
melancolia profunda. No me pergunte por qu. Eu mesmo no sei, juro que no sei. Aqui eu
fico sufocado, ento eu vou casa dos Libedev e l pior. A eu volto e comea tudo outra vez.
E todas as noites so assim. desesperador.
ANNA
Klia, e se voc ficasse? Conversaramos como antigamente. Jantaramos juntos e leramos.
O velho e eu preparamos vrios duetos pra voc. [Rodeia Ivnov com os braos.] Fique.
[Pausa.] Eu no o compreendo. Isso j dura um ano. Por que voc mudou?
IVNOV
Eu no sei, no sei.
ANNA
Por que voc no quer que eu saia com voc noite?
IVNOV
J que voc quer saber, eu vou dizer. E cruel, mas melhor falar. Quando a angstia toma
conta de mim... eu no te amo mais. Ento eu preciso fugir de voc. Resumindo, eu preciso sair
de casa.
ANNA
Angstia! Eu entendo. Sabe, Klia, voc devia cantar, rir, se irritar, como antes. Fique. Ns
vamos rir, beber, a sua angstia vai acabar num minuto. Ou ento podemos sentar no seu
escritrio, no escuro, como antes, e voc pode me falar da sua angstia. Seu olhar est to triste.
Vou olhar dentro dos seus olhos e vou chorar, e isso vai nos aliviar. [Ri e chora.] Ento, Klia?
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As flores renascem a cada primavera, e as alegrias no... E isso? Est bem, ento v.
IVNOV
Reze por mim, Anna. [Anda, pra e pensa.] No, eu no posso!! [Sai.]
ANNA
V. [Senta perto da mesa.]
Lvov [anda pelo palco]
Anna Petrvna, siga as recomendaes. s seis horas v para o quarto e no saia mais. A
umidade da noite faz mal.
ANNA
As suas ordens.
LVOV
Como s suas ordens? Estou falando srio.
ANNA
Eu no quero ser sria. [Tosse.]
LVOV
Est vendo, j est tossindo.
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CENA VII
LVOV, ANNA E CHABLSKI
absolutamente por tudo. E muito caro. Por que me cobraram juros to altos? Meu amigo, o
senhor tem sido cuidadoso comigo, to cheio de tato; no tem coragem de me dizer a verdade,
mas acha que eu no sei o que tenho? Eu sei muito bem. De qualquer maneira, um assunto
desagradvel. [Com sotaque judeu.] Desculpe, por favor, o senhor sabe alguma piada engraada?
LVOV
No.
ANNA
Nikolai sabe. Eu estou impressionada com a injustia humana. Por que no se paga amor com
amor? Por que se responde a verdade com a mentira? At quando meus pais vo me odiar? Eles
moram a 50 verstas daqui, mas eu sinto o seu dio dia e noite, mesmo dormindo. E essa angstia
de Nikolai? noite, quando a angstia toma conta dele, ele diz que no me ama. Eu posso
entender isso, e at aceito. E se ele parar de me amar de vez? Isso impossvel, claro, mas... e
se acontecer? No, no, melhor nem pensar. [Canta.] Canrio, canrio, onde voc foi parar?
[Estremece.] Que pensamentos horrveis! O senhor no casado, tem coisas que no pode
entender.
LVOV
A senhora est impressionada?... [Senta perto dela.] No, eu que estou impressionado.
Como uma mulher inteligente, honesta, quase uma santa, se deixou enganar e entrou nesse ninho
de corujas? Por que est aqui? O que tem em comum com este homem frio, insensvel... Bom,
vamos esquecer seu marido. O que a senhora tem em comum com esse mundo ftil, vazio?
Meu Deus! Esse Conde maluco que vive se lamentando, esse espertalho do Micha, o mais
canalha dos canalhas, com aquele aspecto repugnante. A senhora pode me explicar por que est
aqui? Como veio parar aqui?
ANNA [ri]
Era exatamente assim que ele falava, assim mesmo. Mas os olhos dele so maiores e quando
ele se empolgava, eles brilhavam como brasas! Fale, fale!
LVOV [fica em p, faz um gesto de desespero]
O que a senhora quer que eu diga? Entre.
ANNA
O senhor diz que Nikolai isso e aquilo. O que o senhor sabe sobre ele? Ser que possvel
conhecer algum em apenas seis meses? Ele um homem maravilhoso, Doutor, lamento que o
senhor no o tenha conhecido h uns dois ou trs anos atrs. Agora ele anda melanclico, calado
e no faz nada. Mas antigamente... ah! Ele era encantador, me apaixonei primeira vista. [Ri.]
Olhei pra ele e ca na armadilha! Ele me disse: vamos. Eu larguei tudo, sabe, como se cortam
folhas mortas e o segui. [Pausa.] Mas agora no mais a mesma coisa. Ele vai casa dos
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Libedev para se distrair com outras mulheres e eu... fico sentada no jardim escutando a coruja
gritar. [Ouvem-se passos de um vigia.] Doutor, o senhor tem irmos?
LVOV
No. [Anua solua.] O que houve? O que a senhora tem?
ANNA [levanta]
No posso mais, Doutor, eu vou at l.
LVOV
Onde?
ANNA
Onde ele est. Eu vou l, mande arrear os cavalos. [Corre para dentro.]
LVOV
No. Eu me recuso terminantemente a cuidar de algum nessas condies. Alm de no me
pagarem um copeque, ainda querem acabar comigo. E, eu me recuso. Pra mim, chega! [Entra.]
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SEGUNDO ATO
27
CENA 1
ENTRE
OS
JOGADORES,
KOSSKH,
AVDTIA
NAZARVNA
mesdames, que quem tem capital hoje em dia est numa situao bem mais crtica do que aqueles
que...
BABKINA [suspirando]
verdade! [O 1 Convidado boceja.] Desde quando se boceja diante das senhoras?
1 CONVIDADO
Pardon, mesdames, foi sem querer.
[ZINADA SE LEVANTA, SAI PELA DIREITA. LONGO SILNCIO.]
IEGRUCHKA
Dois ouros.
AVDTIA
Passo.
2 CONVIDADO
Passo.
KOSSKH
Passo.
BABKINA [ parte]
Meu Deus! Que tdio! Quero morrer!
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CENA II
OS MESMOS E LIBEDEV
31
KOSSKH
revoltante. Eu tinha... Voc tinha... [a Libedev] o s, o rei, a dama e mais oito cartas de
ouros seguidas...
LIBEDEV
Chega! Por favor, me deixe em paz...
AVDTIA
Fui eu que disse um sem trunfo!
KOSSKH frentico]
Eu quero ser excomungado se voltar a jogar com esse esturjo... [Ele sai para o jardim. O 2
Convidado sai atrs. Na mesa s fica Iegruchka.]
AVDTIA
Uff! Eu estou fervendo... esturjo... esturjo voc!
BABKINA
Que gnio, vovozinha.
AVDTIA [percebendo Babkina, levanta os braos.]
Minha linda, meu amorzinho... Voc estava a e essa toupeira no viu. [Beija o ombro e senta
ao seu lado.] Que alegria! Deixe eu olhar pra voc! Minha pombinha! [Bate na madeira.] Para
afastar o mau-olhado.
LIBEDEV
Pra qu? Seria melhor que voc arranjasse um noivo pra ela.
AVDTIA
Vou arranjar! Eu no morro sem arranjar um noivo para ela e para Sacha... [Suspira.] Mas
onde se encontra um noivo hoje em dia. Olhe os nossos noivos: ficam sentados com cara de
frango depenado.
3 CONVIDADO
Que comparao infeliz. Na minha opinio, mesdames, se os jovens de hoje preferem a vida
de solteiros a culpa das condies sociais.
LIBEDEV
T, t, mas sem filosofar... Eu no suporto!
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CENA III
OS MESMOS E SACHA
ZINADA
E ele poderia ser feliz, meu anjo? [Suspira.] Coitado, como se enganou!... Casou com uma
judia certo de que os pais fossem cobrir a filha de ouro, mas desde que ela mudou de religio,
no quiseram mais saber dela e a amaldioaram... Ele no viu um copeque sequer. Ele se
arrependeu... mas agora tarde.
SACHA
Mame, isso no verdade.
BABKINA [vivamente]
Como no verdade, Sacha? Todo mundo sabe disso. Se no fosse por interesse, por que ele
se casaria com uma judia? Ser que existem poucas russas por a? Ele se enganou, meu anjo, se
enganou... [Animada.] Ah, Deus! Como ela est pagando! Chega a ser engraado! Mal ele pe
os ps em casa, comea: Seus pais me enganaram! Fora da minha casa! Mas pra onde ela iria?
Os pais no a aceitariam de volta. Ela poderia se empregar como criada, mas no est habituada... E ele a maltrata at que o Conde intervenha. Se no fosse o Conde, ele j teria se livrado
dela h muito tempo.
AVDTIA
As vezes ele a tranca no poro e grita: Come alho, sua isso, sua aquilo... e ela come at a
alma ficar cheirando a alho.
SACHA
Papai, isso mentira!
LIBEDEV
E da? Que falem. [Grita.] Gavrila! [Gavrila traz gua e vodca.]
ZINADA
por isso que ele est arruinado, o coitado. Seus negcios vo muito mal... Se no fosse o
Micha, ele e a sua judia no teriam o que comer. [Suspira.] E ns que sofremos as
conseqncias minha querida. S Deus sabe o que tivemos de suportar! Faz trs anos que ele nos
deve 9000 rublos!...
BABKINA [espantada]
9000?!
ZINADA
E, coisa do meu querido marido. Foi ele que emprestou. Ele no sabe distinguir a quem se
pode e a quem no se pode emprestar dinheiro. Nem falo pelo emprstimo. Mas se pelo menos
ele pagasse os juros.
SACHA [vivamente]
Mame, voc j disse isso mais de mil vezes.
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ZINADA
O que voc tem com isto? Por que o defende tanto?
SACHA [levantando-se]
Mame, como voc tem coragem de falar assim de uma pessoa que no te fez nada? O que ele
te fez?
3 CONVIDADO
Se me permitem duas palavrinhas! Eu gosto de Ivnov, sempre o respeitei... mas, entre nous,
ele me parece ser um aventureiro.
SACHA
Parabns, pela sua opinio.
3 CONVIDADO
Como prova, vou contar o que me disse seu atach, isto . seu cicerone. o Micha: h dois
anos, durante uma epidemia, Ivnov comprou algumas cabeas de gado e colocou no seguro...
ZINADA
Claro, claro! Eu me lembro dessa histria. J me contaram.
3 CONVIDADO
Ele colocou o rebanho no seguro, e depois o contaminou para receber o dinheiro.
SACHA
Que absurdo! Ningum comprou rebanho nenhum, nem contaminou nada! Foi o prprio
Micha que planejou isso e ficou se gabando por a! Quando Ivnov descobriu, passou duas
semanas sem falar com ele. Ivnov s tem culpa de ser fraco e no ter coragem de mandar Micha
embora. E tambm porque confia demais nas pessoas. Ele tem sido roubado e todos s querem se
aproveitar dos projetos dele.
LIBEDEV
Calma, Sacha! Deixe pra l!
SACHA
Por que falam tanta bobagem? Ah. que tdio! Ivnov, Ivnov... No tem outro assunto. [Vai
porta e volta.] Eu fico abismada. Literalmente abismada com a pacincia de vocs! Vocs no se
cansam de ficar sentados? At o ar est parado de tanto tdio! Faam alguma coisa para divertir
as moas, mexam-se! Vocs no tm outro assunto a no ser Ivnov! Vo cantar, danar, rir, sei
l!
LIBEDEV [rindo]
Isso! Acabe com eles.
SACHA
Se vocs no querem danar. nem rir, nem cantar, ento eu imploro, suplico, pelo menos uma
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vez na vida, s para experimentar, reunam suas foras e inventem alguma coisa espirituosa,
brilhante! Pode ser ousada e at mesmo vulgar, mas tem que ser engraada e nova! Pode ser uma
coisinha -toa, mas que seja interessante, para que as moas possam olhar para vocs e dizer ah!
Se vocs querem agradar, por que no fazem nada pra isso? As moscas morrem e as lamparinas
apagam s de olhar pra vocs. E... Tem alguma coisa errada com vocs... J disse isso mil vezes
e vou continuar dizendo... Tem alguma coisa errada com vocs todos... errada... errada...
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CENA IV
OS MESMOS, CHABLSKI E IVNOV
CHABLSKI [entrando]
Quem que est declamando aqui? voc, Sacha? [Ele ri e lhe aperta a mo.] Feliz
aniversrio, meu anjo, e que Deus s a leve muito tarde e no a deixe nascer uma segunda vez.
ZINADA [com alegria]
Nikolai Aleksievitch, Conde!
LIBEDEV
Quem eu estou vendo? E o Conde mesmo!
CHABLSKI [vendo Zinada e Babkina, estende os braos]
Duas caixas registradoras no mesmo sof! D gosto ver! [Aproxima-se para cumprimentlas.] Boa-noite, Zinada! Boa-noite, pomponzinho!
ZINADA
Estou to contente! O senhor raramente vem nos ver, Conde. [Grita.] Gavrila, ch! Sente, por
favor. [Ela levanta, sai e volta. Parece preocupada. Sacha volta ao seu lugar; Ivnov
cumprimenta a todos sem dizer nada.]
LIBEDEV [a Chablski]
De onde voc surgiu? Como veio parar aqui? Que surpresa! [Beijam-se.] Seu bandido! Isso
no se faz. [Pega o Conde pela mo e o leva at a escada.] Por que voc no veio mais nos ver?
Est zangado?
CHABLSKI
Como voc quer que eu venha? Montado na bengala? Eu no tenho mais cavalos e Nikolai se
recusa a me trazer. Ele quer que eu faa companhia a Sara para ela no se entediar. E s mandar
os cavalos que eu venho.
LIBEDEV [gesto expressivo]
O qu?... Zinada prefere morrer a emprestar os cavalos. Meu velho, meu amigo, voc o
meu melhor amigo! S ns dois sobramos. Eu amo em voc os sofrimentos passados e a minha
juventude perdida. Sem brincadeira, estou quase chorando. [Beija o Conde.]
CHABLSKI
Chega! Chega! Que bafo! Uma destilaria!
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LIBEDEV
Como sinto falta dos meus amigos! Desde que Zinada virou agiota, espantou todas as
pessoas decentes. Ningum vem mais aqui. S esses, no sei l quem, no se sabe de onde
vm!... Mas tome uma xcara de ch... [Gavrila traz o ch.]
ZINADA [preocupada, a Gavrila]
Isso maneira de servir o ch? Traga uma gelia de groselha.
CHABLSKI [rindo para Ivnov]
Eu no disse? [A Libedev] No caminho apostei que, assim que chegssemos, Zinada ia
oferecer gelia de groselha.
ZINADA
Sempre brincalho, Conde... [Ela se senta.]
LIBEDEV
Ela fez vinte tonis de gelia de groselha e agora onde vai enfiar.
CHABLSKI [sentado perto da mesa]
Continua economizando dinheiro? J chegou a um milhozinho?
ZINADA [suspirando]
... Ns estamos milionrios, mas onde est o dinheiro?
CHABLSKI
Claro, claro... Quem no sabe a fortuna que voc perde no jogo de damas... [A Libedev.]
Pvel, confesse que voc j poupou um milho.
LIBEDEV
Eu no sei. melhor perguntar a Zinada.
CHABLSKI [a Babkina]
E o meu pompom gorduchinho, tambm j tem o seu milhozinho? Engordou e embelezou a
olhos vistos! sinal de muito dinheiro.
BABKINA
Muito obrigada, excelncia, mas eu no gosto de brincadeira.
CHABLSKI
Que brincadeira meu cofrinho? E s a expresso incontrolvel da minha paixo. Eu amo
vocs duas. [Brincando.] xtase e encantamento! Eu no consigo olhar pra vocs duas e ficar
indiferente!
ZINADA
O Conde continua o mesmo! Gavrila! Apague essas velas! Por que esto acesas se ningum
est jogando? [Ela apaga as Velas e se senta.] Como vai sua mulher, Nikolai?
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IVNOV
Mal. Hoje o Doutor disse que ela est mesmo tuberculosa.
ZINADA
mesmo? Que pena!... [Suspira.] Ns gostamos tanto dela...
CHABLSKI
Bobagem! Que tuberculose, que nada! O nosso charlato inventou essa tuberculose s pra
ficar por perto. Ainda bem que o marido no ciumento. [Ivnov faz um gesto de impacincia.]
Mesmo em Sara eu no acredito, nem no que ela diz, nem no que ela faz. Alis em toda minha
vida nunca acreditei em mdicos, advogados e mulheres. Bobagens e charlatanismo!
LIBEDEV
Voc estranho! Fica a com esse ar de Misantropo, mas igual a todo mundo. Basta abrir a
boca e no pra mais. Parece bronquite crnica.
CHABLSKI
Voc quer que eu troque beijinhos com esses canalhas, esses vigaristas?
LIBEDEV
E onde esto esses canalhas e vigaristas?
CHABLSKI
Claro, eu no estou falando dos presentes, mas...
LIBEDEV
Ento de quem?... Tudo isso fingimento.
CHABLSKI
Fingimento... bom saber que voc no tem mais princpios.
LIBEDEV
Que princpios? Eu estou aqui sentado esperando a morte. Esse o meu princpio. No temos
mais tempo, meu irmo, para pensar em princpios. S no fim... [Grita.] Gavrila!
CHABLSKI
Voc j est bastante gavrilado. O seu nariz, j est reluzindo!
LIBEDEV [bebe]
No faz mal. No vou me casar.
ZINADA
H muito tempo que o Dr. Lvov no vem nos visitar. Ele se esqueceu de ns.
SACHA
Que antipatia! A honestidade ambulante! Ele no consegue pedir um copo dgua, nem
acender um cigarro sem demonstrar a sua extraordinria honestidade. Na testa dele est sempre
escrito: Eu sou um homem honesto!. insuportvel!
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CHABLSKI
Um mdico direito e estreito. [Imitando Lvov.] Vai passar um trabalhador honesto. Ele grita
aos quatro ventos como um papagaio e se considera um segundo Dobrolibov6. Quem no grita
como ele um patife. Tem opinies de uma profundidade espantosa. Se um mujique vive bem
um oportunista. Se eu tenho um casaco de veludo e um camareiro pra me vestir, sou um
escravagista. Ele to honesto, to honesto, que vai arrebentar de tanta honestidade. Parece uma
alma penada. D medo. Movido pelo senso de dever ele pode te dar um murro ou te jogar na cara
um patife!
IVNOV
Ele me cansa, mas gosto dele. E muito sincero.
CHABLSKI
Bela sinceridade! Ontem noite, ele chegou perto de mim e disse, sem mais nem menos:
Conde, eu definitivamente no gosto do senhor!. Muito obrigado! E no com essa
simplicidade... mas com veemncia: a voz embargada, o olhar brilhando, o corpo tremendo. Que
o diabo carregue essa sinceridade! Eu sei o que sou, mas por que me dizer na cara? Eu sou imprestvel, mas tenho cabelos brancos... A honestidade dele mesquinha e sem piedade!
LIBEDEV
T, t, mas voc j foi jovem... deve entender.
CHABLSKI
E, eu j fui jovem e bobo, j banquei o Tchatski 7, desmascarava os canalhas e os vigaristas,
mas nunca disse na cara de um ladro que ele era ladro. Nem falei de corda em casa de
enforcado. Eu sempre fui educado. Agora esse doutorzinho estpido adoraria me esbofetear na
frente de todo mundo em nome dos princpios e ideais humanitrios.
LIBEDEV
Todos os jovens so assim. Eu tinha um tio hegeliano... enchia a casa de gente... e quando
bebia, subia numa cadeira e dizia: Vocs so uns ignorantes! Foras obscuras, aurora de uma
nova vida! E pa-ta-ti, pa-ta-t e tome de sermo.
SACHA
E os convidados? Diziam o qu?
LIBEDEV
Nem ligavam... Escutavam e continuavam a beber. Uma vez, eu desafiei o meu tio para um
duelo. Foi a propsito de Bacon. Se eu me lembro bem, eu estava sentado assim como Matvei, e
o meu tio em p com o falecido Nilitch, ali no lugar de Nikolai... E ento Nilitch fez uma
6
Personagem da pea A Desgraa de Ser Inteligente, do poeta e dramaturgo russo A. S. Griboidov (1795-1829).
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CENA V
OS MESMOS E BRKIN
groselha, por favor. Quando eu estava vindo pra c, vi uns mujiques perto do rio derrubando as
suas rvores. Por que voc no arrenda seu bosque?
LIBEDEV [para Ivnov]
Por que voc no expulsa esse Judas?
ZINADA [assustando-se]
mesmo, eu no tinha pensado nisso.
BRKIN [fazendo ginstica com os braos]
Eu no consigo ficar quieto. Ns podamos fazer alguma coisa diferente. Marfa, estou
pegando fogo. [Canta.] Eu estou de novo em frente a ti...
ZINADA
Invente qualquer coisa, todo mundo est desanimado.
BRKIN
E mesmo. Senhores por que vocs esto a sentados como um jri de tribunal. Vamos fazer
qualquer coisa! O que vocs preferem: jogo de prendas, cama-de-gato, pega-pega, danar ou
soltar fogos de artifcio?
AS MOAS
Fogos de artifcio, fogos de artifcio! [Correm para o jardim.]
SACHA
Por que voc est to triste?
IVNOV
Estou com dor de cabea, um pouco chateado...
SACHA
Vamos para a sala de estar. [Saem. Os outros foram para o jardim, menos Zinada e
Libedev.]
ZINADA
Esse sim tem um esprito jovem. Mal chegou e j deixou todo mundo alegre! [Apaga a
lamparina grande.] Se esto todos no jardim, por que deixar as velas queimando toa. [Apaga
as velas.]
LIBEDEV
Zinada! Voc precisa servir alguma coisa para os convidados...
ZINADA
Quantas velas! No toa que acham que ns somos ricos! [Apaga mais.]
LIBEDEV [seguindo-a]
Zinada! Sirva alguma coisa para eles comerem. Eles so jovens, devem estar com fome,
coitados.
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ZINADA
O Conde deixou ch na xcara! Quanto acar desperdiado! [Sai.]
LIBEDEV [cheio]
Puf! [Vai para o jardim.]
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CENA VI
SACHA E IVNOV
SACHA [entrando]
Foram todos para o jardim.
IVNOV
Como eu ia dizendo, Sacha, antigamente eu trabalhava muito, pensava muito e nunca ficava
cansado. Agora no fao nada, no penso em nada e estou exausto, de corpo e alma. Dia e noite
me di a conscincia e me sinto profundamente culpado... Mas no chego a compreender por
qu. Alm disso a doena da minha mulher, a falta de dinheiro, as conversas inteis, as intrigas,
as fofocas, esse imbecil do Micha... Minha casa ficou insuportvel e viver pra mim uma
tortura. Francamente, Sacha, eu no agento nem a companhia da minha mulher que me ama.
Somos amigos h muito tempo, espero que voc no se zangue com a minha sinceridade. Venho
aqui pra me distrair, mas tambm me entedio tanto que s penso em voltar pra casa. Desculpe, eu
vou sair sem me despedir.
SACHA
Eu te entendo, Nikolai... Voc est infeliz porque est sozinho. Voc precisa de algum ao seu
lado. Que voc ame e que te compreenda. S o amor pode te fazer renascer.
IVNOV
Era s o que faltava, Sacha! Um velho trapo como eu, envolvido num romance. Deus me livre
de uma desgraa dessas! No, minha menina inteligente, nada de romance. Juro por Deus! Eu
posso agentar tudo: melancolia, angstia, runa, a perda da minha mulher, a velhice prematura,
a solido. Mas no suportaria me sentir ridculo. Morro de vergonha s em pensar que um
homem forte e saudvel como eu possa se transformar em um Hamlet ou em algum
completamente intil. H infelizes que se orgulham disso. Pra mim uma vergonha. Isso me
deixa deprimido e eu sofro.
SACHA [rindo entre lgrimas]
Vamos fugir para a Amrica, Nikolai.
IVNOV
Eu no tenho coragem de sair por aquela porta e voc me fala da Amrica. [Vo para a porta
do jardim.] Deve ser difcil pra voc viver aqui. Quando eu vejo as pessoas em volta, me assusto.
Com quem voc poderia se casar? A nica esperana voc ser raptada por um tenente que
esteja de passagem ou por um estudante.
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CENA VII
SACHA, IVNOV E ZINADA
IVNOV
Desculpe, Sacha. Eu j volto. [Vai ao encontro de Zinada. Sacha sai para o jardim.] Eu
queria pedir um favor Zinada Svichna...
ZINADA
O que Nikolai Aleksievitch?
IVNOV [hesitando]
Bom... que... os juros do meu emprstimo vencem depois de amanh. Seria um grande favor
se voc me desse um prazo maior ou se inclusse os juros na dvida. Estou sem dinheiro agora.
ZINADA [assustada]
O qu? Nem me fale nisso! Pelo amor de Deus!
IVNOV
Desculpe, desculpe... [Sai para o jardim.]
ZINADA
Meu Deus, que susto! Estou tremendo!... Estou tremendo!... [Sai.]
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CENA VIII
KOSSKH
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CENA IX
AVDTIA E O 1 CONVIDADO
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CENA X
ANNA E LVOV
[Entrando.]
ANNA
No, eles vo ficar contentes em nos ver. No tem ningum. Devem estar no jardim.
LVOV
Eu me pergunto por que a senhora me trouxe na casa desses abutres! No h lugar para ns
aqui!
ANNA
Escute, senhor honesto! No muito gentil acompanhar uma senhora e passar o tempo todo
apenas falando da prpria honestidade. Talvez o senhor seja honesto, mas desagradvel. Nunca
fale de suas virtudes para as mulheres. Deixe que elas descubram sozinhas. Na sua idade, meu
Nikolai quando estava com as mulheres vivia cantando e contando piadas e elas sabiam o
homem que ele era.
LVOV
No me fale do seu Nikolai, eu sei muito bem quem ele .
ANNA
Voc uma boa pessoa, mas no entende nada. Vamos para o jardim. Nunca ele dizia: Eu
sou um homem honesto! Este lugar me sufoca. Abutres! Ninho de corujas! Crocodilos! Ele
deixava o Zoolgico em paz e quando se indignava, s dizia: Como fui injusto hoje. Anniouta,
esse homem me d pena! Ele era assim. Enquanto voc... [Saem.]
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CENA XI
AVDTIA E O 1 CONVIDADO
1 CONVIDADO
Na sala de jantar no tem nada. Vamos tentar a despensa. preciso espremer o Iegruchka.
Vamos para o sala de visitas.
AVDTIA
Ah! Eu queria estraalhar essa miservel!
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CENA XII
BABKINA, BRKIN E CHABLSKI
BABKINA
Que tdio! [Gargalha.] Que tdio! Parece que todo mundo engoliu um cabo de guarda-chuva.
Estou morrendo de tdio. [Pulando.] Eu preciso me esticar. [Brkin a pega pela cintura e beijalhe o rosto.]
CHABLSKI [rindo e estalando os dedos]
Que diabo! Bem! Quer dizer...
BABKINA
Tire a mo, tire a mo seu sem-vergonha, o que o Conde vai pensar? Me deixe em paz!
BRKIN
Meu anjo, jia da minha alma. LA beija.] Me empreste 2300 rublos!
BABKINA
N-n-o. Tudo o que voc quiser, mas dinheiro, no. No, no! Tire a mo.
CHABLSKI [em volta dela]
Meu pomponzinho...
BRKIN [srio]
Bom, chega! Vamos falar de negcios! Em termos comerciais! Com franqueza, sem rodeios...
Sim ou no? Olhe... [Aponta o Conde.] Ele precisa de dinheiro, pelo menos uma renda de 3000
rublos anuais. Voc precisa de um marido. No quer ser Condessa?
CHABLSKI [rindo]
Que cinismo extraordinrio!
BRKIN
Quer ser Condessa ou no?
BABKINA [emocionada]
Voc tem cada uma, Micha. No se trata desses assuntos assim. Se o Conde quiser, pode falar
por si mesmo, mas assim, de repente, eu no sei...
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BRKIN
Vamos, vamos! Por que complicar as coisas? um assunto comercial... Sim ou no?
CHABLSKI [rindo e esfregando as mos]
Que tal? Vamos fazer uma loucura, meu pomponzinho? [Beija Babkina.] Meu encanto!
BABKINA
Um momento, um momento, vocs esto me deixando confusa... Saiam, saiam! No, no.
Fiquem.
BRKIN
Depressa! Sim ou no? No temos tempo a perder.
BABKINA
Conde, v passar uns dias na minha casa... L divertido, no como aqui... V amanh... [A
Brkin.] Isso no uma brincadeira ?
BRKIN
No se brinca com coisas to srias!
BABKINA
Esperem, esperem! Estou me sentindo mal! Condessa... Estou me sentindo mal... Vou
desmaiar... [Brkin e Chablski a tomam nos braos, a beijam e a levam para fora.]
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CENA XIII
IVNOV, SACHA E ANNA
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TERCEIRO ATO
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CENA 1
LIBEDEV
ESTO
SENTADOS
NOS
DOIS
LADOS
DA
LIBEDEV
A Frana tem uma poltica clara e definida... os franceses sabem o que querem: Fazer
picadinho daqueles chucrutes. J a Alemanha, alm da Frana, tem outras pedras no sapato.
CHABLSKI
Besteiras! Pra mim, os alemes so to covardes como os franceses... Se ameaam de braos
cruzados, no passa disso. Ningum vai lutar
BRKIN
E lutar pra qu? Para que todos esses armamentos, conferncias e gastos? Sabe o que eu
faria? Juntaria todos os ces do pas, injetaria o vrus da raiva e os soltaria no territrio inimigo.
Em um ms, todos os inimigos teriam contrado raiva.
LIBEDEV [rindo]
A cabea dele pequena, mas tem tantas idias como peixes no mar.
CHABLSKI
E um virtuose!
LIBEDEV
Voc nos diverte, Micha! [Pra de rir] Bem, senhores, ns ficamos falando de poltica e
esquecemos da vodca. Repetatur! [Enche trs pequenos copos.] nossa! [Bebe az e comem.] O
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voc no quer?
BRKIN
Quando ele casar e encher os bolsos, a vocs vo ver o que e mamar na vaca. Vocs vo ficar
babando.
CHABLSKI
Ele est falando srio. Esse gnio tem certeza que vou fazer o que ele quer e me casar com
ela.
BRKIN
Mas claro! E voc ainda no est convencido?
CHABLSKI
Voc est louco... Desde quando eu estive convencido?
BRKIN
Obrigado, muito obrigado! Ento voc vai me aprontar essa? Ora, me caso, ora, no me
caso! Que diabo, j dei a minha palavra! Ento voc no vai se casar.
CHABLSKI [encolhendo os ombros]
Ele est falando srio... Que raio de homem!
BRKIN [indignado]
Nesse caso, por que magoar uma mulher honesta? Ela enlouqueceu com a possibilidade de
virar Condessa. No come, no dorme mais!... Isso uma brincadeira? Ser que isso honesto?
CHABLSKI [estalando os dedos]
E se eu fizer mesmo essa baixeza? Hein? S por desaforo? Eu vou fazer, palavra de honra! A
que vai ser engraado. [Entra Lvov.]
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CENA II
OS MESMOS E LVOV
LIBEDEV
Esculpio, nossos mais profundos respeitos... [Ele pega a mo de Lvov e canta.] Me salve,
doutorzinho, eu morro de medo de morrer...
LVOV
Nikolai Aleksievitch ainda no voltou?
LIBEDEV
No, eu j estou esperando h mais de uma hora. [Lvov anda pelo palco.] Ento, como est
Anna?
LVOV
Mal.
LIBEDEV [suspirando]
Posso cumpriment-la?
LVOV
No, por favor, no v. Acho que ela est dormindo... [Tempo.]
LIBEDEV
Ela simptica, gentil. [Suspira.] Quando desmaiou l em casa, no aniversrio de Sacha,
olhei para ela e vi que no ia viver muito. Eu no entendo por que ela passou mal aquele dia!
Quando cheguei, ela estava cada no cho, muito plida. Nikolai, de joelhos, ao seu lado, muito
plido tambm, e Sacha aos prantos. Sacha e eu passamos o resto da semana abalados.
CHABLSKI [a Lvov]
Venervel servidor da cincia, diga, que grande cientista descobriu que o remdio para curar o
pulmo de uma senhora a visita de um mdico jovem? E uma grande descoberta! Da alopatia
ou da homeopatia? [Lvov quer respondei; mas faz um gesto de desprezo e sai.] Que olhar
fulminante!
LIBEDEV
E por que voc tinha que soltar essa lngua? Por que o ofendeu?
CHABLSKI [irritado]
E por que ele mente? Tuberculose, sem esperanas, ela vai morrer... Ele mente! Eu no
posso suportar isso!
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LIBEDEV
Como voc sabe que ele mente?
CHABLSKI [levanta e anda]
Eu no posso aceitar a idia
de que um ser humano possa morrer de repente. Vamos mudar de assunto.
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CENA III
OS MESMOS E KOSSKH
KOSSKH
Nikolai Aleksievitch est? Bom-dia! [Aperta mo de todos.] Ele est?
BRKIN
No.
KOSSKH [senta e levanta logo]
Ento, adeus. [Ele bebe um copo de vodca e engole alguma coisa.] Estou indo... negcios...
estou exausto! Mal me agento nas pernas.
LIBEDEV
De onde voc vem assim?
KOSSKH
Da casa de Barabnov. Carteamos a noite toda, at agora. Esse Barabanov joga como um
sapateiro. [Se lamentando.] Imaginem: eu sai o tempo todo em copas. [Vira-se para Brkin que
levanta rpido.] Ele ia de ouros, eu copas, ele ouros... E ns no fizemos nenhuma vaza. [
Libedev. Ns pedimos quatro paus. Eu tinha o s e a dama protegida e mais o s e o dez de
espadas...
LIBEDEV [tapando os ouvidos]
Chega, chega, pelo amor de Deus! Chega!
KOSSKH [ao Conde]
Imagine!... O s e a dama de paus e o s e o dez de espadas.
CHABLSKI [o rechaando]
V embora! Eu no quero escutar!
KOSSKH
E de repente a catstrofe! Cortam o s de espadas.
CHABLSKI [pegando uma arma da mesa]
Saia ou vou atirar.
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CENA IV
LIBEDEV, CHABLSKI, BRKIN E AVDTIA
AVDTIA [gritando]
Que o diabo te carregue! Quase me derrubou!
TODOS
Ah! Ah! Ah!... A onipresente!...
AVDTIA
Vocs esto a? E eu procurando pela casa toda. Bom-dia, meus falces.
LIBEDEV
O que voc veio fazer aqui?
AVDTIA
Negcios, paizinho. [Ao Conde.] Um negcio do seu interesse, Excelncia! [Faz uma
reverncia.] Mandaram saber notcias. A minha bonequinha tambm me encarregou de dizer que
se o senhor no vier esta noite, ela vai se desmanchar em lgrimas. Ela disse:
cochiche com ele em segredo. Mas por que em segredo? Aqui so todos de casa. Ningum
ladro de galinha e estamos de comum acordo. Tudo em nome do amor. Deus sabe que nunca
bebo, mas numa ocasio como essa, vou beber.
LIBEDEV
Eu acompanho. [Ele serve.] E voc, sua carroa velha, no muda. H trinta anos, eu conheo
voc assim velha.
AVDTIA
J perdi a conta dos anos. Enterrei dois maridos e me casaria uma terceira vez, mas sem dote
ningum me quer. Eu tive oito filhos. [Bebe.] Esse um bom negcio, que se Deus quiser, ns
vamos fechar. Eles vo ser felizes pra sempre e ns vamos comemorar. Um brinde a eles e ao
amor! [Bebe.] Forte essa vodca!
CHABLSKI [gargalhando]
O mais engraado que eles levaram a srio que eu... E inacreditvel! [Se levanta.] E se eu
acabasse fazendo essa baixeza? S por desaforo... Hein, velho cachorro? Diga l!
LIBEDEV
E tudo bobagem, Conde. Voc e eu s temos que esperar a morte. As Babkinas, com o seu
dinheiro, no so mais para o nosso bico. Nosso tempo j passou.
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CHABLSKI
Nada disso! Eu vou dar um jeito, palavra que vou.
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CENA V
OS MESMOS, LVOV E IVNOV
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LIBEDEV
Eu no sei por onde comear pra que no seja to vergonhoso. Nikolai, eu tenho vergonha,
fico at vermelho, estou com a lngua presa, mas se coloque no meu lugar, meu velho, e tente
entender que eu sou um escravo, um farrapo! Desculpe!
IVNOV
O qu foi?
LIBEDEV
Foi minha mulher que me mandou. Voc meu amigo... Por favor, pague os juros! Ela me
tortura, me maltrata, me atormenta! Livre-se dela, pelo amor de Deus!
IVNOV
Pvel, voc sabe que estou sem dinheiro.
LIBEDEV
Eu sei, eu sei, mas o que eu posso fazer? Ela no quer esperar. E se ela protestar a letra, como
eu e Sacha vamos poder te olhar nos olhos?
IVNOV
Eu tambm tenho vergonha, Pavel, eu preferia estar enterrado... Mas onde arranjar dinheiro?
Me diga. S me resta esperar pela venda do trigo no outono.
LIBEDEV [gritando]
Mas ela no quer esperar! [Pausa.]
IVNOV
Sua situao difcil, delicada, mas a minha pior. [Anda pensando.] No tenho nada para
vender.
LIBEDEV
Por que voc no procura Milbach?... Ele te deve 16000 rublos. [Ivnov faz um gesto de
desalento.] Escute, Nikolai... eu sei que voc vai se irritar... mas satisfaa um velho bbado!...
Por amizade. Eu e voc fomos estudantes, liberais, mesmos ideais, mesmos interesses.
Estudamos na Universidade de Moscou... Alma mater... [Tira a carteira.] Eu tenho algum escondido, mas ningum sabe l em casa, pegue. [Tira o dinheiro e pe sobre a mesa.] Deixe o
orgulho de lado e considere nossa amizade. Palavra de honra que se fosse comigo, eu aceitaria.
[Pausa.] Est a 1100 rublos. Fale com ela hoje mesmo e entregue o dinheiro pessoalmente:
Tome, Zinada, engula. Mas pelo amor de Deus, no deixe ela perceber que fui eu. Se no, vou
passar a gelia de groselha! [Olha para Ivnov.] T bom, t bom, no faz mal. [Recolhe rpido o
dinheiro.] Eu no disse nada! Foi s uma brincadeira!... Desculpe, pelo amor de Deus. [Pausa.]
Voc est confuso, [Ivnov agita o brao.] um momento difcil pra voc, mas um homem
como um samovar, meu irmo, no sempre que fica frio na prateleira... De vez em quando tem
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que pr carvo para esquentar... Pchtt... pchtt... Essa comparao no vale nada, mas no consigo
inventar nada mais inteligente... [Suspira.] A desgraa fortalece a alma... No fim d tudo certo...
Eu no sinto pena de voc, Nikolai, voc vai sair dessa. O que me assusta so as pessoas. De
onde vm tantos mexericos? Falam tanto de voc em toda a regio, que um dia voc vai receber
a visita de um inspetor geral. Parece at que voc um assassino, um vampiro, um bandido...
IVNOV
Isso no tem importncia. Estou com dor de cabea.
LIBEDEV
Voc pensa muito.
IVNOV
No penso nada.
LIBEDEV
Deixe isso pra l e venha nossa casa. Sacha gosta de voc, te compreende, te admira. uma
boa moa, honesta. No parece nem com o pai, nem com a me. Quando olho pra ela, no
acredito que um velho bbado como eu possa ter um tesouro assim. Venha, vocs vo falar de
coisas interessantes e voc vai se distrair. E uma moa leal, sincera... [Pausa.]
IVNOV
Pavel, meu velho, me deixe sozinho, por favor.
LIBEDEV
Est bem, eu entendo. [Olha o relgio rpido.] Eu entendo [Beija Ivnov.] Adeus. Eu ainda
tenho que assistir beno de uma escola. [Vai saindo mas pra.] Que inteligncia!... Ontem,
falando desses mexericos, ela disse [ele ri]: Papai, os vagalumes brilham no escuro para serem
vistos e comidos pelos pssaros noturnos e as pessoas de bem existem para alimentar a calnia e
a maledicncia. Que tal? Um gnio! Uma George Sand!
IVNOV
Pavel [Pra.] O que eu tenho?
LIBEDEV
Eu mesmo queria perguntar, mas confesso que tive vergonha. Eu no sei, meu velho. Por um
lado, parece que voc se deixou abater pela desgraa. Por outro, eu sei que voc no um desses
que... Voc no homem de sucumbir. H algo mais, mas o que... eu no compreendo.
IVNOV
Nem eu mesmo compreendo. Eu acho que... no... [Pausa.] Eu tive um empregado chamado
Semion, lembra dele? Um dia, durante a colheita, ele quis mostrar para as moas como era forte.
Carregou dois sacos de trigo nas costas, mas se arrebentou inteiro. Dois dias depois estava
morto. Eu acho que tambm estou arrebentado. O colgio, a universidade, a fazenda, as escolas,
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CENA VI
IVNOV E LVOV
IVNOV
Como sou miservel. S um bbado como Pvel pode gostar de mim, me estimar. Como me
desprezo, meu Deus! Como detesto minha voz, meus passos, minhas mos, essas roupas, meus
pensamentos. H um ano eu era saudvel e forte, vivo, incansvel, apaixonado. Trabalhava com
essas mos e falava to bem que chegava a comover at os mais indiferentes. Chorava diante da
dor, me indignava com a maldade. Sentava na escrivaninha e, inspirado pelo encanto e pela
poesia das noites calmas, trabalhava at o amanhecer ou apenas sonhava. Eu tinha f e olhava
para o futuro como se olhasse nos olhos da me. Mas agora, meu Deus! Vivo cansado, sem f e
passo meus dias na ociosidade. Meu crebro, meus braos, minhas pernas no me obedecem
mais. Minha propriedade vai falir, a floresta est sendo derrubada. [Chora.] Minha terra me olha
como rf. Eu no tenho mais esperanas, minha alma morre de medo do amanh. E Sara, pra
quem eu jurei amor eterno, prometi a felicidade e um futuro que ela nem sonhava! Nesses cinco
anos, ela sucumbiu sob o peso dos seus sacrifcios, se consumiu na luta com a sua conscincia, e
Deus sabe, ela nunca teve um olhar de crtica, de recriminao. E eu no a amo mais... Como?
Por qu? Eu no sei. Ela est sofrendo, seus dias esto contados e eu, como o ltimo dos
covardes, fujo do seu rosto plido, do seu peito doente, dos seus olhos suplicantes... Que
vergonha! Que vergonha! [Pausa.] E essa menina, Sacha, comovida com a minha desgraa, me
fez uma declarao de amor. A mim quase um velho. E fico embriagado, me esqueo de tudo,
como encantado por uma msica, comeo a gritar: vida nova, felicidade! E no dia seguinte no
acredito mais nessa vida nova e nem nessa felicidade, O que h comigo? Que abismo esse em
que me joguei? De onde me vem essa fraqueza? O que houve com os meus nervos? Basta minha
mulher me contrariar, um empregado me desagradar ou minha espingarda falhar, para eu ficar
grosseiro, mal-humorado, perder o controle... [Pausa.] Eu no entendo, no entendo! Eu devia
dar um tiro na cabea.
LVOV [entrando]
Ns precisamos ter uma conversa sria, Nikolai Aleksievitch.
IVNOV
Doutor, se todo dia ns precisarmos ter uma conversa sria, ns no vamos agentar.
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LVOV
Quer fazer o favor de me escutar?
IVNOV
Eu o escuto todos os dias e ainda no entendi o que voc quer de mim.
LVOV
Eu falo com clareza e s um insensvel, no entende.
IVNOV
Que a minha mulher est morrendo, eu sei, que eu sou culpado disso de forma irremedivel,
tambm. Que voc honesto e franco, eu tambm sei! O que mais voc quer?
LVOV
A crueldade humana me revolta... Uma mulher vai morrer. Ela tem um pai e uma me que ela
ama e gostaria de ver antes de morrer. Eles sabem muito bem que ela vai morrer logo e que ela
sempre os amou, mas que crueldade!... Eles querem mostrar ao inundo a sua firmeza religiosa e
continuam a amaldio-la. Por voc ela sacrificou tudo: a casa paterna e a paz de conscincia. E
todos os dias voc vai casa desses Libedev com os propsitos mais evidentes.
IVNOV
H duas semanas eu no vou l.
LVOV [sem ouvir]
Com pessoas como voc, preciso falar direto, sem rodeios e se voc no quiser, no precisa
me escutar. Eu costumo chamar as coisas pelos seus nomes... Voc precisa dessa morte por causa
dos seus projetos, muito bem... mas ser que voc no pode esperar um pouco? Se voc deix-la
morrer naturalmente, sem tortur-la com o seu cinismo, voc acha que perderia a simpatia e o
dote de Libedev ? Dentro de um ou dois anos, um tartufo como voc ainda pode virar a cabea
dessa menina e se apropriar do seu dote... Ento, pra que tanta pressa? Por que voc precisa que
sua mulher morra logo e no dentro de um ms ou um ano?
IVNOV
Que suplcio! Voc um pssimo mdico se acha que um homem pode se controlar sempre!
Eu tenho que fazer um grande esforo para no responder aos seus insultos.
LVOV
Basta, quem voc quer fazer de bobo? Tire a mscara.
IVNOV
Voc um homem inteligente, pense um pouco: pra voc simples me compreender, no ?
Voc acha que s casei com Anna pelo dote.. Como no me deram o dote, errei o alvo e agora
estou matando minha mulher para pegar o dote da outra... no ? Como simples! O homem tem
um mecanismo to simples, to fcil! No, doutor, cada um de ns no feito de rodas,
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parafusos e vlvulas para que se possa julgar pela primeira impresso ou por dois ou trs sinais.
Eu no entendo voc, voc no me compreende e ns no compreendemos a ns mesmos. Um
homem pode ser um excelente mdico e no entender as pessoas. No tenha tantas certezas e
concorde com isso.
LVOV
Voc acha que to indecifrvel e eu to desprovido de inteligncia que no possa distinguir a
baixeza da honra.
IVNOV
claro que ns nunca vamos nos entender. Pela ltima vez eu peo que me responda, por favor:
O que voc quer de mim? Por que tudo isso? [Com irritao.] Eu estou falando com quem? Com
o inspetor geral ou com o mdico de minha mulher?
LVOV
Eu sou mdico e exijo que voc mude sua conduta... Isso est matando Anna Petrvna!
IVNOV
O que voc quer que eu faa? O que? J que voc me compreende melhor do que eu mesmo,
diga exatamente o que eu devo fazer.
LVOV
Pelo menos ser mais discreto.
IVNOV
Ah, meu Deus! Ser que voc sabe o que est dizendo? [Bebe gua.] Me deixe. Eu sou mil
vezes culpado e por isso eu vou responder a Deus, mas ningum deu a voc o direito de me
torturar todo dia.
LVOV
E quem deu a voc o direito de insultar minha verdade? Voc tem envenenado a minha alma.
Antes de chegar aqui, eu sabia da existncia de gente estpida, louca, exaltada, mas nunca pensei
que pudessem existir criminosos to conscientes, capazes de optar deliberadamente pelo mal. Eu
respeitava e amava as pessoas, mas desde que o conheci...
IVNOV
Eu j ouvi isso!
LVOV
Ouviu? [V Sacha entrar com roupa de montaria.] Acho que agora ns nos compreendemos
claramente. [Sai.]
70
CENA VII
IVNOV E SACHA
IVNOV [assustado]
Sacha!
SACHA
No esperava me ver? Por que voc no apareceu mais l em casa?
IVNOV
Sacha, pelo amor de Deus! Que imprudncia! Sua vinda aqui pode agravar o estado da minha
mulher.
SACHA
Ela no vai me ver. Eu entrei pelos fundos e vou logo embora. Eu estava preocupada. Voc
est bem? Por que no apareceu todo esse tempo?
IVNOV
Minha mulher j est muito magoada, quase morrendo e voc vem aqui! Sacha, Sacha,
leviano e desumano.
SACHA
O que voc queria que eu fizesse? Voc no vai l h duas semanas, no respondeu s minhas
cartas. No pude mais. Achei que voc estava sofrendo, doente, morto! No consegui dormir
nenhuma noite. Eu j vou. Mas pelo menos me diga: voc est bem?
IVNOV
No, eu me torturo e todo mundo tambm me tortura sem parar. No tenho mais foras! E
agora voc vem aqui! Como tudo isso doente, anormal! Sacha, eu sou culpado, culpado!...
SACHA
Voc adora as palavras trgicas! Voc culpado? Culpado de qu?
IVNOV
Eu no sei, no sei...
SACHA
Isso no resposta. Quem culpado deve saber porqu. Voc andou falsificando dinheiro?
IVNOV [Grita.]
No tem graa!
71
SACHA
E sua culpa se parou de amar a sua mulher? Talvez, mas ningum manda nos sentimentos.
Voc no quis deixar de gostar dela. Voc tem culpa se ela nos viu quando eu estava dizendo que
te amava? No, voc no queria que ela visse.
IVNOV [interrompendo]
Etc... etc... Eu amei, eu parei de amar, eu no mando mais nos meus sentimentos. Tudo isso
lugar comum, frases feitas que no servem pra nada.
SACHA
Voc me cansa. [Olha um quadro.] Como esse cachorro est bem pintado. Foi pintado do
natural?
IVNOV
Foi... J o nosso romance uma cpia barata e vulgar. Ele est acabado, no fundo do poo;
ela aparece forte e saudvel e lhe d a mo. Isso bonito e verdadeiro nos livros, mas na vida...
SACHA
Na vida igual.
IVNOV
Voc compreende a vida muito bem! Voc sente compaixo da minha dor e acha que eu sou
um segundo Hamlet, mas pra mim essa minha loucura ridcula. E de morrer de rir e voc grita
por socorro. Salvar um homem, realizar um feito herico! Ah. como eu estou com raiva de mim.
Eu sinto que essa tenso vai acabar mal. Ou eu vou arrebentar alguma coisa ou...
SACHA
E exatamente isso que voc precisa. Arrebentar, rasgar, gritar. Voc est irritado comigo, eu
fiz uma besteira de ter vindo aqui. Ento reaja, grite comigo, bata os ps! Fique irritado!...
[Pausa.] Ento!
IVNOV
Engraada.
SACHA
timo. Acho que vi um sorriso! Voc poderia me conceder a gentileza de rir mais uma vez?
IVNOV [ri]
Quando voc resolve me salvar ou me aconselhar, seu rosto fica com uma expresso muito,
muito ingnua e suas pupilas se dilatam como se estivessem vendo um cometa. Espere, voc tem
poeira nos ombros. [Ele tira poeira dos ombros dela.] Um homem ingnuo um imbecil. Mas as
mulheres conseguem ser ingnuas de um jeito encantador, generoso, equilibrado, e no parece
nada imbecil. Mas que mania vocs tm! Se um homem saudvel, forte, feliz, vocs no
prestam a menor ateno a ele, mas basta ele decair e se fazer de coitado que vocs se lanam
72
nos seus braos. Por acaso pior ser mulher de um homem forte e corajoso do que enfermeira de
um choro fracassado?
SACHA
pior.
IVNOV
E por qu? [Ele ri.] Ainda bem que Darwin no sabia disso. Seno, vocs iam ver. Vocs
degeneram a raa humana. Dependendo de vocs, s deviam nascer os chores e os neurticos.
SACHA
Tem coisas que os homens no entendem. Qualquer mulher prefere um perdedor a um bemsucedido porque se sente atrada por um amor ativo... entende? Ativo. Os homens esto sempre
ocupados. para eles o amor secundrio. Conversar com a mulher, passear com ela no jardim. se
divertir um pouco e chorar no seu tmulo tudo. Para ns o amor toda nossa existncia. Eu te
amo, quer dizer que eu sonho em curar a sua tristeza, em andar cem verstas ao seu lado, em
acompanhar voc at o fim do mundo. Se voc est no alto eu vou junto, voc cai no abismo, eu
caio tambm. Como eu seria feliz em passar a noite copiando seus papis ou vigiando o seu sono
para que ningum o acordasse. Eu me lembro que h trs anos atrs, mais ou menos, voc
chegou l em casa na poca da colheita, coberto de poeira, queimado de sol, morto de cansao,
pedindo gua. Quando eu voltei voc j estava cado no sof. Voc dormiu doze horas seguidas e
eu tomei conta o tempo todo pra que ningum entrasse. E como fiquei feliz! Quanto mais difcil
o amor, melhor ele , quer dizer, mais forte. Entende?
IVNOV
O amor ativo... hum... Filosofia de mocinhas ou talvez, seja isso mesmo... [Balana os
ombros.] Quem sabe? [Brincando.] Sacha, palavra de honra eu sou um homem honesto!...
Julgue voc mesma: eu sempre gostei de filosofar, mas nunca disse: Nossas mulheres so
depravadas ou Essa mulher deu um mau passo . Eu sempre fui grato a elas. Minha boa menina,
voc divertida e eu, ridculo. Eu incomodo os outros e passo o dia me lamentando. [Ele ri.]
Bu, bu. [Ele se afasta rpido dela.] Mas v, Sacha. Ns no vimos o tempo passar.
SACHA
, j est na hora. Adeus. Eu tenho medo de que o seu honesto Doutor, com seu senso de
dever tenha contado a Anna Petrvna que estou aqui. V logo pra junto da sua mulher e fique l
com ela. Fique um ano, dez anos se for preciso. Cumpra o seu dever. Sofra, pea perdo, chore...
assim que deve ser. Mas o mais importante, no se esquea de nos.
IVNOV
Eu estou com aquele gosto horrvel na boca. Outra vez.
73
SACHA
Que Deus o proteja. No se preocupe comigo. Bastam umas linhas de vez em quando, eu vou
ficar agradecida. Eu vou te escrever. [Brkin enfia a cabea na porta.]
74
CENA VIII
IVNOV, SACHA E BRKIN
BRKIN
Nikolai, posso entrar? [Vendo Sacha.] Desculpe, eu no tinha visto... [Entra.] Bonjour.
SACHA
Bom-dia...
BRKIN
Voc engordou, est mais bonita.
SACHA [a Ivnov]
Eu j vou indo, Nikolai... Eu j vou. [Sai.]
BRKIN
Que viso maravilhosa! Vim procurando prosa e encontro a poesia. [Canta.] Voc apareceu
como um passarinho... Na luz [Ivnov anda nervoso. Brkin senta.] Ela tem qualquer coisa de
diferente, no tem? Qualquer coisa de particular... de fantasmagrico. [Suspira.] o melhor
partido da regio, mas a mezinha to terrvel que ningum se aproxima. Quando morrer, tudo
vai para Sacha, mas por enquanto, ela s dar 10000 rublos, um frisador de cabelo ou ferro de
passar roupa, exigindo por isso um reconhecimento eterno. [Mexendo nos bolsos.] Quer fumar?
[Oferece a cigarreira.] Esses so bons. Pode pegar.
IVNOV [se aproxima com raiva]
Voc tem um minuto para sair da minha casa. [Brkin se levanta e deixa cair o charuto.] Um
minuto!
BRKIN
Nicolas, o que significa isso? Por que voc est to zangado?
IVNOV
Por qu? De onde vm esses charutos? Pensa que no sei para onde voc leva o velho todos
os dias e com que propsito?
BRKIN [abanando os ombros]
E que diferena isso faz pra voc?
IVNOV
Canalha! Os projetos que voc espalhou em toda a regio me fizeram passar por um homem
desonesto! Ns no temos nada em comum e eu peo pra sair de minha casa imediatamente.
75
[Anda agitado.]
BRKIN
Eu sei que est nervoso e no vou brigar com voc. Pode me ofender vontade... [Pega o
charuto.] Mas j est na hora de acabar com essa melancolia. Voc no mais um adolescente.
IVNOV
Voc no ouviu o que eu disse? [Tremendo.] Voc est brincando comigo? [Entra Anna.]
76
CENA IX
BRKIN, ANNA E IVNOV
BRKIN
Olhe, Anna est a... Eu j estou indo. [Sai. Ivnov pra perto da mesa de cabea baixa.]
ANNA [depois de um tempo]
Por que ela veio aqui? [Pausa.] Eu estou perguntando: por que ela veio aqui?
IVNOV
No me pergunte nada, Anna,.. [Tempo.] Eu sou profundamente culpado. Me castigue do jeito
que voc quiser... Eu vou suportar tudo... Mas no me faa perguntas. Eu no tenho foras pra
falar.
ANNA [com raiva]
Por que ela veio aqui? [Pausa.] Agora eu compreendi. Agora vejo como voc de verdade.
Sem honra, vil... Lembra como voc mentia dizendo que me amava... Eu acreditei e deixei meu
pai, minha me, minha f e te segui... Voc mentia quando me falava da verdade, da bondade,
quando fazia grandes projetos e eu acreditava em cada palavra.
IVNOV
Eu nunca menti pra voc, Anna.
ANNA
Eu vivi com voc cinco anos. Me consumi, fiquei doente, mas eu te amava e no te deixei um
minuto... Voc era meu dolo... E durante esse tempo, voc me enganou de uma forma aviltante.
IVNOV
Anuta, isso no verdade. Eu errei, mas nunca menti pra voc. Disso voc no tem o direito
de me acusar.
ANNA
Agora tudo est claro... Voc casou comigo pensando que meus pais me perdoariam e me
dariam o dinheiro... Foi isso que voc pensou.
IVNOV
Ah! Meu Deus! Anuta, pacincia tem limites... [Ele chora.]
ANNA
Cale a boca! Quando viu que no teria o dinheiro, mudou o jogo... Agora me lembro de tudo,
compreendo tudo. [Ela chora.] voc nunca me amou, nunca me foi fiel... nunca...
77
IVNOV
Sara... isso mentira! Diga o que quiser, mas no me ofenda com mentiras.
ANNA
Voc desonesto, vil... Voc deve dinheiro ao Libedev e agora, pra se livrar da dvida, voc
quer virar a cabea da filha, para engan-la como me enganou. No verdade?
IVNOV [suspirando]
Cale a boca pelo amor de Deus! Eu no respondo mais por mim. Estou louco de raiva e eu...
eu sou capaz de te insultar...
ANNA
E eu no fui a nica que voc enganou. Todas as canalhices voc jogava sobre Micha, mas
agora eu sei quem era o responsvel.
IVNOV
Sara, cale-se e saia, seno eu no vou me controlar. Vou dizer coisas horrveis, ofensivas...
[Grita.] Cale a boca, judia!
ANNA
Eu no vou me calar... voc me enganou por muito tempo. Eu no vou me calar...
IVNOV
Voc no vai se calar? [Luta contra ele mesmo.] Pelo amor de Deus!
ANNA
Agora v enganar a filha dos Libedev.
IVNOV
Ah! Ento escute: voc vai morrer logo. O doutor disse que voc vai morrer logo...
ANNA [senta e com voz velada]
Quando ele disse isso? [Pausa.]
IVNOV [segurando a cabea]
Como eu sou culpado! Meu Deus, como eu sou culpado! [Solua.]
78
QUARTO ATO
79
CENA 1
LVOV
(UM ANO DEPOIS. SALA NA CASA DOS LIBEDEV UM ARCO SEPARA A SALA DE
VISITAS DO SALO, PORTAS DIREITA E ESQUERDA, BRONZES ANTIGOS,
RETRATOS DE FAMLIA, AMBIENTE DE FESTA. UM PIANO, UM VIOLINO, UM
VIOLONCELO. CONVIDADOS VESTIDOS DE BAILE CIRCULAM PELO SALO
DURANTE TODA A CENA.)
80
CENA II
KOSSKH E LVOV
81
CENA III
KOSSKH, LVOV E BABKINA
82
CENA IV
LIBEDEV, KOSSKH E SACHA
83
LIBEDEV [inflamado]
Vocs duas vo acabar conseguindo que eu me mate ou mate algum. Uma passa o dia
chorando, gemendo, falando mal dos outros e contando os copeques. A outra inteligente,
humana, independente, mas incapaz de compreender seu prprio pai! O que eu digo ofende os
seus ouvidos. Mas antes de vir aqui ferir os seus ouvidos [aponta a porta] eu fui despedaado e
martirizado. Ela nunca vai entender... Pra ela voc perdeu a cabea... Ah! Que vo todos para o
diabo. [Dirige-se para a porta e pra.] Eu no gosto disso, eu no gosto nada do que vocs esto
fazendo.
SACHA
Do que que voc no gosta?
LIBEDEV
De tudo.
SACHA
De tudo?
LIBEDEV
Ento voc acha que eu vou me sentar na sua frente e dizer o que eu penso... Eu no gosto de
nada disso! No quero nem assistir a seu casamento... [Aproxima-se de Sacha com ternura.]
Desculpe, Sacha, talvez o seu casamento seja inteligente, nobre, puro, cheio de boas intenes,
mas tem alguma coisa que no vai. No um casamento como os outros. Voc jovem, leve,
pura como um cristal e ele, um vivo gasto e surrado. Que Deus me perdoe mas eu no o
compreendo. [Beija a filha.] Sacha. me desculpe, mas tem qualquer coisa que no muito clara
nisso tudo. Tem muito falatrio. Sara morreu no se sabe como e, logo depois, no se sabe por
que, ele resolve casar com voc... [Vivamente.] Mas eu estou parecendo uma comadre. No me
d ouvidos. S escute a voc mesma.
SACHA
Papai, eu tambm sinto que tem alguma coisa errada. Se voc soubesse como isso penoso!
insuportvel! Eu tenho medo. Papai, me d coragem, pelo amor de Deus... Diga-me o que eu
devo fazer.
LIBEDEV
O que voc quer dizer?
SACHA
Eu nunca senti tanto medo em minha vida. [Ela olha pra ver se no tem ningum perto.] Eu
acho que no o compreendo e nunca vou compreender. Durante o nosso noivado, ele no me
sorriu nenhuma vez e nem me olhou nos olhos. Ele se lamenta o tempo todo, arrepende-se de no
sei o qu, fala de uma culpa, treme... Eu estou cansada. As vezes parece que eu no o amo tanto
84
quanto deveria. E quando ele vem aqui em casa ou me fala de alguma coisa, eu me aborreo... O
que isso quer dizer, papai? Eu tenho medo!
LIBEDEV
Minha querida, minha criana, escute seu velho pai. Desista dele.
SACHA [assustada]
O que voc est dizendo?
LIBEDEV
E o certo, Sacha. Vai ser um escndalo, todas as ms lnguas da regio vo falar. Mas
melhor suportar o escndalo que arruinar a vida inteira.
SACHA
No diga isso, papai, eu nem quero ouvir. E preciso lutar contra essas idias sombrias. Ele
um homem bom, infeliz, incompreendido. Eu vou am-lo, respeit-lo e ergu-lo. Vou cumprir
minha tarefa. Est decidido!
LIBEDEV
Isso no uma tarefa, uma loucura.
SACHA
Chega. Confessei o que eu no queria dizer a mim mesma. No comente com ningum.
Vamos esquecer.
LIBEDEV
Eu no entendo nada. Ou fiquei idiota depois de velho, ou vocs so inteligentes demais para
mim. Vocs podem me destruir se quiserem, eu no entendo nada.
85
CENA V
LIBEDEV, SACHA E CHABLSKI
CHABLSKI [entrando]
Para o inferno todo mundo e eu tambm! revoltante!
LIBEDEV
O que voc tem?
CHABLSKI
No, falando srio, eu tenho que fazer essa baixeza para que todo mundo se sinta como estou
me sentindo. E eu vou fazer. Palavra de honra! Eu j disse para o Micha que ele pode anunciar
meu noivado hoje. [Ri.] Todo mundo miservel, ento tambm vou ser.
LIBEDEV
Eu estou farto de voc. Voc est chegando a tal ponto que se continuar assim, vai acabar num
hospcio.
CHABLSKI
E o hospcio pior do que aqui? Por favor, me leve pra l agora mesmo. Todos so
mesquinhos, incapazes e eu tambm. Estou enojado at de mim mesmo e no me levo mais a
srio.
LIBEDEV
Sabe de uma coisa, meu irmo. Ponha uma estopa na boca, taque fogo e sopre nas pessoas.
Ou melhor: pegue o chapu e volte pra casa. Isso um casamento; todo mundo se diverte e voc
fica grasnando como um corvo! [Chabeslki se apia no piano e depois solua.] Meu Deus...! O
que voc tem? Meu amigo... eu o ofendi? Ento, me desculpe, eu sou um bobo... Perdoe um
velho bbado... Tome um pouco dgua.
CHABLSKI
No precisa. [Levanta a cabea.]
LIBEDEV
Por que voc est chorando?
CHABLSKI
Por nada.
LIBEDEV
Matvei, no minta... Por qu? Qual o motivo?
86
CHABLSKI
que, de repente, eu vi aquele violoncelo e lembrei da judiazinha.
LIBEDEV
Isso hora de lembrar? Que ela descanse em paz, mas no o momento de lembrar disso.
CHABLSKI
Ns tocvamos duetos... Era uma mulher maravilhosa, encantadora. [Sacha solua.]
LIBEDEV
E voc, o que voc tem? Pare! Meu Deus, agora os dois esto chorando e eu... e eu... Pelo
menos saiam daqui, os convidados podem ver!
CHABLSKI
Pvel, quando o sol brilha, at um cemitrio alegre. Quando existe esperana, at a velhice
boa. Mas eu no tenho nenhuma esperana.
LIBEDEV
Na verdade, voc muito infeliz... Sem filhos, sem dinheiro, sem ocupao. Mas fazer o qu?
[A Sacha.] E voc, o que voc tem?
CHABLSKI
Pvel, me d dinheiro. No outro mundo, ns ajustamos as contas. Eu vou a Paris, vou ver o
tmulo da minha mulher. Durante a minha vida, eu dei muito, distribui a metade da minha
fortuna e tenho direito de pedir. Alm do mais, peo a um amigo!
LIBEDEV [desesperado]
Meu velho, eu no tenho um copeque. Mas, enfim... quer dizer, eu no prometo nada,
entende? [A parte.] Eles me matam.
87
CENA VI
BABKINA [entrando]
Onde est meu cavalheiro? Conde, como pode me deixar sozinha? Voc um malvado. [Bate
com um leque.]
CHABLSKI [com desgosto]
Me deixe em paz! Eu te detesto.
BABKINA [surpreendida]
Como?
CHABLSKI
V embora!
BABKINA [caindo numa poltrona]
Ah! [Chora.] Meu Deus!
ZINADA [entra chorando]
Algum acabou de chegar, acho que o padrinho do noivo. Est na hora da beno. [Solua.]
SACHA [suplicante]
Mame!
LIBEDEV
Agora todo mundo chora! Um quarteto! Vocs vo encharcar aqui de umidade! Matvei! Marfa
Iegrovna!... Se assim... Eu tambm vou chorar... [Chora.] Meu Deus!
ZINADA
J que voc no precisa mais da sua me, nem lhe deve obedincia... Muito bem, seja feliz, eu
te abeno.
88
CENA VII
OS MESMOS E IVNOV
LIBEDEV
Era s o que faltava! O que est acontecendo?
SACHA
O que voc veio fazer aqui?
IVNOV
Desculpem, mas eu preciso falar com Sacha em particular.
LIBEDEV
No se deve ver a noiva antes do casamento! Voc devia estar na igreja.
IVNOV
Pvel, por favor, eu imploro. [Libedev encolhe os ombros e sai com Zinada, Chablski e
Babkina.]
89
CENA VIII
SACHA E IVNOV
SACHA
O que voc quer?
IVNOV
Estou louco de raiva, mas vou tentar falar com calma. Enquanto me vestia para o casamento.
vi meus cabelos brancos no espelho. Sacha, antes que seja tarde, preciso parar com essa
comdia... Voc jovem, pura, tem a vida toda e eu...
SACHA
Nada disso novidade, j escutei isso mil vezes e j chega. V para a igreja e no faa as
pessoas esperarem.
IVNOV
Eu vou voltar para casa e voc explique para sua famlia que no vai haver casamento.
Explique do jeito que voc quiser. J est na hora de recuperar o bom senso. Eu representei o
papel de Hamlet e voc da mocinha sensvel... J chega.
SACHA [com desprezo]
Que tom esse? Eu no quero escutar.
IVNOV
E eu estou falando e vou continuar.
SACHA
Por que voc veio? As suas lamentaes so ridculas.
IVNOV
No, eu no vou me lamentar mais! Ridculo? E, eu me acho ridculo mesmo. E se fosse
possvel, me ridicularizaria mil vezes mais pra fazer todo mundo rir de mim. Enquanto eu me via
no espelho, uma coisa estalava na minha conscincia. Eu ri de mim mesmo e quase enlouqueci
de vergonha. [Ri.] Melancolia!... Grande angstia! S me falta escrever versos. Gemer, chorar,
incomodar as pessoas, ver que a minha vitalidade se foi para sempre, que estou arruinado, que
meu tempo passou, que perdi toda a minha fora de vontade e estou enterrado at o pescoo
nessa tristeza incontrolvel. Ter conscincia disso enquanto l fora o sol est brilhando e uma
formiga carrega seu fardo satisfeita... No, isso no! Uns consideram voc um charlato, outros
tm pena, outros do a mo para ajudar e tem ainda os piores, aqueles que ouvem com respeito,
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consideram voc um grande profeta, e esperam a revelao sbita de uma nova religio. No, eu
ainda tenho orgulho e conscincia! Graas a Deus! Vindo pra c, eu tive a impresso de que os
pssaros riam de mim, e as rvores tambm...
SACHA
Isso no raiva, loucura!
IVNOV
Voc acha? No, eu no estou louco. Agora, eu vejo as coisas claras e meus pensamentos so
to puros quanto a sua conscincia. Ns nos amamos, mas no vai haver casamento. Eu posso
destruir a minha vida vontade, mas no a dos outros! Eu envenenei os ltimos anos de vida da
minha mulher com os meus lamentos. Desde que ficamos noivos, voc parou de rir e envelheceu
cinco anos. Por minha causa, o seu pai, para quem a vida era to simples, no entende mais as
pessoas. Aonde eu vou carrego comigo o tdio, o desnimo, a insatisfao. Escute, no me
interrompa. Eu estou sendo rude, violento, me desculpe, mas a raiva me sufoca e no consigo
falar de outro jeito. Eu nunca menti, nunca reclamei da vida, mas desde que fiquei assim, eu fao
isso sem perceber, mais forte do que eu. Eu me queixo do meu destino e todos que me escutam
se contaminam e comeam a se lamentar da vida tambm. E eu falo de um modo!... Como se
estivesse fazendo um favor natureza. Que o diabo me carregue!
SACHA
Um momento... Por tudo que voc disse, parece que voc cansou de chorar e o momento de
comear uma vida nova. E isso maravilhoso!..
IVNOV
No vejo nada de maravilhoso nisso. E que vida nova essa? Eu estou destrudo pra sempre.
J hora de ns dois percebermos. Uma vida nova!
SACHA
Nikolai, caia em si! Quem disse que voc est destrudo?! Que cinismo esse? No, eu no
quero ouvir nem discutir... V para a igreja!
IVNOV
Destrudo!
SACHA
No grite assim, os convidados podem ouvir.
IVNOV
Quando um homem saudvel, culto, inteligente, comea a se fazer de coitado e decair, ele no
consegue parar, no h nada que possa salv-lo. Hein?! Qual a salvao? Beber? Me d dor de
cabea. Admirar a minha preguia e ver nela qualquer coisa de sublime? No, isso poesia
barata. A preguia a preguia, a fraqueza a fraqueza, eu no encontro outra definio. Estou
91
perdido, estou perdido, isso no se discute. [Olha em volta.] Podem nos interromper de repente.
Escute. Se voc me ama, me ajude. No perca seu tempo, desista de mim! Agora!
SACHA
Ah, Nikolai! Se voc soubesse como est me torturando! Voc bom, inteligente, tente
compreender. Ser que possvel tanto problema? Cada dia um novo problema, cada um mais
complicado que o outro. Eu queria um amor ativo, mas isso um martrio.
IVNOV
E quando voc for minha mulher, os problemas vo ser ainda mais complicados. Desista de
mim! Voc no movida pelo amor, mas pela obstinao da sua natureza pura. Voc se props
devolver-me a vida custasse o que custasse. Voc estava pronta para cumprir um ato herico.
Agora, voc quer recuar, mas um falso sentimento no a deixa. Entende?
SACHA
Sua lgica estranha, absurda! Como eu posso desistir de voc? Como? Voc no tem me,
nem irm, nem amigos... Voc est arruinado, sua fazenda devastada, difamado por todo mundo.
IVNOV
Foi besteira vir aqui. Eu devia ter feito o que queria.
92
CENA IX
OS MESMOS E LIBEDEV
que com ela, se voc no a ama, v embora, no vamos lhe querer mal. E muito simples. Vocs
dois so saudveis, inteligentes, srios e, graas a Deus, tm o que comer e o que vestir. O que
mais falta? Voc no tem dinheiro? Grande coisa. O dinheiro no traz a felicidade... Eu entendo.
Sua propriedade est hipotecada. Voc no tem como pagar os juros. Mas eu sou pai, eu compreendo... a minha mulher faz o que quiser. Que Deus a guarde se ela no quiser dar dinheiro.
No faz mal. Sacha diz que no precisa de dote. Os princpios, Schopenhauer... Tudo isso
besteira. Eu tenho 10000 rublos no banco. [Olha em volta.] Aqui em casa ningum sabe... Era da
sua av... E para vocs dois... Peguem, com a condio de dar dois mil para o conde. [Comeam
a chegar os convidados.]
IVNOV
Essa conversa no leva a nada. Vou agir de acordo com a minha conscincia.
SACHA
Eu tambm vou fazer o que manda a minha conscincia. Voc pode falar vontade, eu no
vou te deixar. Eu vou chamar mame. [Sai.]
94
CENA X
LIBEDEV E IVNOV
LIBEDEV
Eu no entendo nada...
IVNOV
Escute, pobre diabo... Eu no vou tentar explicar se sou crpula ou honesto, saudvel ou
louco. No vai entrar na sua cabea. Eu era um jovem inflamado, sincero e inteligente... Amava,
odiava e acreditava em coisas diferentes dos outros. Trabalhei e esperei por dez anos, lutei contra
moinhos de vento, bati a cabea na parede, sem medir foras, sem pensar, sem conhecer a vida,
carreguei um fardo muito pesado sobre as minhas costas que vergaram. Minhas veias saltaram.
Eu tinha pressa de fazer tudo enquanto fosse jovem, me embriagava, ficava excitado, sem
limites. E podia ser de outro modo? Ns somos to poucos e h tanto a fazer. Tanto, meu Deus! E
agora, a vida, que eu desafiei, se vinga. E me sinto arrasado. Aos trinta anos j era velho, j
usava chinelos, cansado, modo, quebrado, sem f, sem amor, sem objetivo e sem saber quem eu
sou, porque vivo o que quero. Eu j comeo a achar o amor uma bobagem, o carinho enjoativo, o
trabalho sem sentido, as canes e os discursos apaixonados banais e velhos. E onde quer que eu
v, carrego comigo a minha angstia, o meu vazio, o meu desprezo pela vida. Estou perdido para
sempre! Voc tem sua frente um homem de 35 anos que j est esgotado, desiludido,
massacrado pela mediocridade de suas aes, que morre de vergonha e ri da prpria fraqueza.
Ah! Como meu orgulho me revolta! Eu sufoco de tanta raiva. [Titubeia.] Eu estou to fraco que
mal consigo ficar de p. Estou quase caindo. Onde est meu tio? Quero que ele me leve pra casa.
VOZES NA SALA
O padrinho do noivo chegou!
95
CENA XI
Os MESMOS, CHABLSKI, BRKIN, Lvov E SACHA
CHABLSKI [entrando]
De fraque emprestado, sem luvas e eles ficam debochando de mim. Que gentinha!
BRKIN [entra com um buqu, de fraque e com a flor na lapela de padrinho]
Uff... Onde ele est? [Para Ivnov] Esto esperando voc na igreja h um tempo e voc fica
aqui filosofando. Voc muito engraado! Voc sabe muito bem que no deve acompanhar a
noiva at a igreja, mas ir comigo e eu volto pra pegar a noiva. Ser que to difcil entender
isso! Decididamente, voc um muito engraado.
LVOV [entrando, a Ivnov]
Ah! Voc est aqui. [Voz forte.] Nikolai, eu quero que todo mundo oua que voc um
canalha.
IVNOV frio]
Muito obrigado. [Cot fuso geral.]
BRKIN [a Lvov]
Isso um ultraje! Eu o desafio para um duelo.
LVOV
Eu j considero degradante falar com o senhor; quanto mais me bater em duelo. Mas eu estou
disposio de Ivnov.
CHABLSKI
Eu me bato com o senhor.
SACHA [a Lvov]
Por qu? Por que voc o insultou? Senhores, deixem que ele diga. Por qu?.
LVOV
Alexandra Pavlovna, eu no o insultei gratuitamente. Eu vim aqui como homem honesto para
abrir os seus olhos e peo que me escute.
SACHA
O que voc tem a dizer? Que voc um homem honesto? O mundo inteiro sabe disso.
melhor voc dizer com a conscincia limpa se voc se conhece. Voc vem aqui como um homem
honesto e lana contra ele um insulto que quase me mata. At aqui voc o perseguiu como uma
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sombra, atrapalhou sua vida, convencido de que est cumprindo seu dever como homem
honesto. Voc se intrometeu na sua vida particular, falou mal dele, o condenou. Voc nos enviou
cartas annimas e sempre se considerando um homem honesto. Em nome da honestidade, voc,
um mdico, no teve pena sequer de uma mulher doente, no a deixando em paz com as suas
suspeitas. E, apesar de todas as violncias, todas as vilezas que voc cometeu, continuou a se
achar um homem honesto, um progressista.
IVNOV [rindo]
Isso no um casamento. um debate. Bravo! Bravo!
SACHA [a Lvov]
Ento, agora tente responder se voc se conhece. Que gente insensvel! [Pega o brao de Ivnov.] Nikolai, vamos sair daqui! Papai...
IVNOV
Para onde? Espere, eu vou acabar com tudo isso! Minha juventude despertou outra vez. O
Ivnov de antes. [Traz o revlver]
SACHA [grita]
Eu sei o que ele vai fazer! Nikolai, pelo amor de Deus!
IVNOV
Eu ca muito baixo! Agora chega! Est na hora de acabar! Se afastem! Obrigado, Sacha!
SACHA [grita]
Nikolai, pelo amor de Deus! Segurem-no!
IVNOV
Me deixem. [Vai pra fora correndo. Um tiro.]
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