Texto Literário e Texto Não
Texto Literário e Texto Não
Texto Literário e Texto Não
O uso literário da língua caracteriza-se por um cuidado especial com a forma, visando a
exploração de recursos que o sistema lingüístico oferece, nos planos fônico, prosódico,
léxico, morfo-sintático e semântico.
Não é o tema, mas sim a maneira como ele é explorado formalmente que vai
caracterizar um texto como literário. Assim, não há temas específicos de textos
literários, nem temas inadequados a esse tipo de texto.
Os dois textos que seguem têm o mesmo tema - o açúcar: no primeiro, a função poética
é predominante. É uma das razões para ser considerado um texto literário. Já no
segundo, puramente informativo, há o predomínio da função referencial.
"O açúcar" (Ferreira Gullar. Toda poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980,
pp.227-228)
O açúcar
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
"A cana-de-açúcar" (Vesentini, J.W. Brasil, sociedade e espaço. São Paulo, Ática, 1992,
p.106)
A cana-de-açúcar
O texto "O açúcar" parte de uma palavra do domínio comum - açúcar - e vai ampliando
seu potencial significativo, explorando recursos formais para estabelecer um paralelo
entre o açúcar - branco, doce, puro - e a vida do trabalhador que o produz - dura,
amarga, triste.
A título de exemplo, citamos Platão e Fiorin (1991), que dizem: "Graciliano Ramos, em
VIDAS SECAS, inventou um certo Fabiano e uma certa Sinhá Vitória para revelar uma
verdade sobre tantos fabianos e sinhás vitórias, despossuídos de quase todos os bens
materiais e culturais, e por isso degradados ao nível da animalidade."
Apresentamos, a seguir, três textos que exemplificam esse processo: os dois primeiros,
que tratam do mesmo tema, são comparados em relação aos recursos lingüísticos
utilizados, o que os caracteriza como literário e não-literário, respectivamente.
Texto 7
A queimada
Num alvoroço de alegria, os homens viam amarelecer a folhagem que era a carne e
fender-se os troncos firmes, eretos, que eram a ossatura do monstro. Mas o fogo
avançava sobre eles, interrompendo-lhes o prazer. Surpresos, atônitos, repararam que a
devastação tétrica lhes ameaçava a vida e era invencível pelo mato adentro, quase pelas
terras alheias. (...) O aceiro foi sendo aberto até que o fogo se aproximou; a coluna,
como um ser animado, avançava solene, sôfrega por saciar o apetite. Sobre a terra
queimada na superfície, aquecida até o seio, continuava a queda dos galhos. O fogo não
tardou a penetrar num pequeno taquaral. Ouviam-se sucessivas e medonhas descargas
de um tiroteio, quando a taboca estalava nas chamas. O fumo crescia e subia no ar
rubro, incendiado, os estampidos redobravam, as labaredas esguichavam, enquanto a
fogueira circundava num abraço a moita de bambus.
Texto 8
No texto 8, "Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro", o leitor passa pelo plano
da expressão e vai direto ao conteúdo para entender, informar-se. Trata-se, por isto, de
um texto não-literário, cuja finalidade é documentar, transmitir notícias. A linguagem
deste texto é denotativa, não apresenta nenhuma combinação nova ou inusitada de
palavras; seu conteúdo pode ser resumido sem prejuízo da informação que ele contém.
Texto 7 Texto 8
adjetivação metafórica:
troncos firmes e eretos
descargas medonhas
ar rubro
ausência de adjetivação: o incêndio,
o fogo,
o prédio,
propagação do fogo,
a ação dos bombeiros.
Texto 9
Carnaval
Neste texto, os cinco sentidos são explorados de maneira simbólica e inusitada: sons,
cores, cheiros, tatos e gostos vão se sucedendo para descrever o carnaval, seu ambiente,
a mistura de raças, o contato físico entre as pessoas, a euforia da festa.
Sons:
· viola chora e espinoteia
· os sons se sacodem, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro ...
Cores:
· movem-se cores, vivas, ardentes, pulando, dançando, desfilando ...
Cheiros:
· movem-se os cheiros, cheiro de negro, cheiro mulato, cheiro branco,
cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as
náuseas.
Tato:
· o movimento dos tatos violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos,
alucinantes.
Gosto:
· gostos de gengibre, de mendubim, de castanhas, de bananas, de
laranja,
de bocas e de mucosa.
2.4 Plurissignificação
Acrobatismo
Neste poema, há um amplo uso de metáforas, isto é, uso de palavras fora do seu sentido
normal. Segundo Mattoso Câmara Jr. (1978), a metáfora "consiste na transferência de
um termo para um âmbito de significação que não é o seu". Fundamenta-se "numa
relação toda subjetiva, criada no trabalho mental de apreensão."
Assim, por exemplo, entre a folha e o louva-a-deus traços comuns como a leveza de
movimento, a cor, permitem que se estabeleça entre eles uma relação, a partir da qual se
cria uma metáfora. O mesmo acontece entre o trapézio e o galho de onde o inseto se
jogou no ar (um traço comum entre eles é, por exemplo, a forma); entre o palhaço verde
e o louva-a-deus (traços comuns: a cor, a acrobacia de um e outro); entre o tapete de
grama e o chão recoberto de vegetação (têm em comum a cor, a maciez).
Podemos, por exemplo, perguntar a diversas pessoas o que pensam sobre o tema da
separação amorosa. Poderão surgir, a partir de suas respostas, textos líricos, poéticos e
textos não-literários. No Soneto da Separação, Vinícius de Moraes revela a sua maneira
peculiar de tratar esse tema. Pelo trabalho com a linguagem, pelo uso de recursos
poéticos, seu soneto é um texto literário.
Texto 11
Soneto da Separação
Apresentamos, a seguir, um poema de Ferreira Gullar (texto 12) , a partir do qual são
feitos comentários que evidenciam algumas características da expressão literária
apontadas no embasamento teórico.
Texto 12
· ritmos
· sonoridades
· rimas e aliterações
Texto 13
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
(Casimiro de Abreu)
Textos literários em prosa também podem apresentar efeitos sonoros e rítmicos. Como
exemplo, transcrevemos um trecho do romance "Gabriela, cravo e canela", de Jorge
Amado (texto 14)
Texto 14
"Gabriela ia andando, aquela canção ela cantara em menina. Parou a escutar, a ver a
roda rodar. Antes da morte do pai e da mãe, antes de ir para a casa dos tios. Que beleza
os pés pequeninos no chão a dançar! Seus pés reclamavam, queriam dançar. Resistir não
podia, brinquedo de roda adorava brincar. Arrancou os sapatos, largou na calçada,
correu pros meninos. De um lado Tuísca, de outro lado Rosinha. Rodando na praça, a
cantar e a dançar." (Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado)
Este texto, em forma de prosa, apresenta um ritmo e uma sonoridade que nos fazem
lembrar os textos em verso. Existem nele:
· rimas (escutar, rodar, dançar, brincar);
· inversões que contribuem para o ritmo e a rima (os pés pequeninos no chão a dançar,
brinquedo de roda adorava brincar);
· frases curtas com um número aproximado de sílabas:
de um lado Tuísca
de outro lado Rosinha
rodando na praça
a cantar e a dançar
Texto 15
Som
soneto sonouro
sonata sonoro
dissonante sonso
sonidos insolúvel
ressonante sonoterápico
sontinto insondável
sonalhas sona
Há também uma seqüência onomatopaica, reproduzindo o ruído estridente
da música moderna:
ressonante reco
derrapante ronco
raspante rato
rouco superenrolado
c) Rimas e aliterações - fonemas que se repetem com uma freqüência maior que a
esperada podem contribuir para a harmonia do poema; muitas vezes essa repetição serve
para reproduzir o ruído daquilo de que fala o poema, como nestes versos de Murilo
Araújo, em que a insistência do [i] sugere o barulho provocado pelos grilos.
Texto 16
O trilo dos grilos, tímido,
de aço fino,
esgrime, com o raiozinho dos astros, límpido,
argentino.
No poema de Cruz e Souza, a repetição do fonema [v] contribui para o efeito sonoro dos
versos e evidencia, mais uma vez, o uso poético da linguagem.
Texto 17
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Nesta estrofe do soneto de Alphonsus de Guimaraens, Hão de chorar por
ela os cinamomos, a repetição de vogais nasais e fechadas contribui
para reforçar o conteúdo triste e sombrio.
Texto 18
Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.
Além disso, as rimas podem ser classificadas em função da sua riqueza, que é definida
pelo maior ou menor número de fonemas associados, pelas classes das palavras que
rimam pela raridade das terminações. Neste sentido, as rimas podem ser perfeitas,
imperfeitas, pobres, ricas, preciosas.
O texto abaixo exemplifica rimas emparelhadas, porque se sucedem duas a duas, e ricas,
pois as palavras que rimam pertencem a diferentes classes gramaticais (retalha/toalha:
verbo e substantivo; multicores/amores: adjetivo e substantivo; secreta/poeta: adjetivo e
substantivo)
Texto 19
Queixas do poeta
A literatura é o veículo, por excelência, da linguagem em sua função poética, mas não é
o único; podemos perceber também na publicidade, nas brincadeiras infantis, nos jogos
de palavras, nos trocadilhos a presença da linguagem poética.
Fonte:acd.ufrj.br