Auto de Natal Todo Menino È Um Rei
Auto de Natal Todo Menino È Um Rei
Auto de Natal Todo Menino È Um Rei
CENA 1 - ABERTURA
(De um canto do palco surge o Terno de Reis (Aoriano, Castelhano e Vinuta) com
seu canto de louvor. Aos poucos, a cena ocupada pelos habitantes da Estncia
Jerusalm. Pees, roadeiras, lavadeiras, o povo da Estncia em seus afazeres
dirios.)
CENA 3 - NO LAJEADO
E no seio imaculado
Concebeu o redentor
Rosa mstica Maria, me de Deus
A ti eu dou o meu amor
CENA 4 - A ANUNCIAO
(Maria desfalecida. Mulheres sua volta tentam reanim-la. Entra Dona Anja. Traz
consigo um tero e uma botelha dgua.)
DONA ANJA - Permiso, permiso. Deixem passar. (Tentando reanim-la.) Maria,
Maria. (Diz uma reza, joga-lhe gua.)
ISABEL - Agorinha mesmo ela conversava e. Acho que foi o sol.
DONA ANJA - Pois . Nem tudo se explica, minha filha. (Examinando Maria.)
(Mulheres amontoam-se em volta.)
JOS - (Rindo.) (Para Dona Anja.) Eu acho que ela j t bem boa. T
corcoveando, a minha bezerrinha.
(Maria junta sua bacia e sai correndo.)
JOS - la chucra. (Para Dona Anja.) Deixa, eu sei o que est acontecendo.
Depois que eu tive que adiar o casamento, ela ficou assim, ressabiada.
DONA ANJA - Jos, Maria no est ressabiada, est prenhe.
JOS - Isso alguma broma?
DONA ANJA - (Sem pacincia.) No tem broma nenhuma. Maria est grvida.
JOS - Ela no pode estar grvida do vento.Quero saber quem foi?
DONA ANJA - Jos, tu conheceste o velho Isaas, ele era um ndio largado de uma
dessas misses. Era temente ao nosso Deus, e dominava as artes de ver o futuro.
JOS - No faz conversa comprida. Eu s quero o nome. S preciso do nome.
DONA ANJA - O velho Isaas sempre falou, que aqui no Continente de So Pedro,
nas terras de ningum nasceria um Rei Menino, aquele que viria para nos salvar.
JOS - E tu achas que um rei pode nascer aqui, entreverado com todo o tipo de
gente? Almas que de Deus s ouviram o nome.
DONA ANJA - Jos, escuta com ateno. Ele no vir para salvar os justos, os
justos no precisam de salvao.
JOS - A senhora pensa que pode andar por a falando como um enviado de Deus. A
senhora no conhece Deus, velha cachimbeira .
DONA ANJA - , eu sou uma benzedeira velha. Uma que no tem serventia
nenhuma. Mas sei dar graas e eu no estou cega. Afirmo que Deus gerou essa
criana .
JOS - Est dizendo que esta criana o filho de Deus?
DONA ANJA - Sim. E Ele vai trazer uma nova lei, uma lei de amor. E ns, os
abandonados do Continente, os agregados sem nenhum valor, vamos botar outro
sentido na vida. Maria ser a me do filho iluminado e tu sers o pai.
JOS- No, mulher. No vs que nada fiz para que isto acontecesse. (com pesar)
Desta criana eu no serei nada.
DONA ANJA Jos, e quem vai ensinar ao pequeno a dar os primeiros passos na
grama, a cortar as achas de lenha ? Quem vai dizer-lhe como domar os potrinhos e
percorrer com ele as trilhas de gado ? Quem, seno tu, o pai.
JOS- Ento, eu e Maria somos os escolhidos.
DONA ANJA Sim, Jos, aceita a oferta do teu Senhor.
(Msica. Dona Anja benze Jos. O Homem respira aliviado tranquilizando-se.)
CENA 5
- O CASAMENTO
(Jos Parado em cena . Noutro ponto do palco aparece Maria com uma grinalda de
flores na cabea. Est apreensiva. Jos vai at ela. No centro do palco encontram-se
e principiam a valsa do casamento. Mulheres e homens aparecem de todos os lados.
Risos, brindes, felicidade. Os noivos danam e despedem-se felizes.)
CENA 6 - A LICENA
(Coronel Herodes, sentado na varanda de sua casa,descasca uma laranja. Maria e
Jos entram.)
JOS - Com permiso, Coronel Herodes.
(O Coronel mantm-se em silncio.)
JOS - Maria est quase ganhando. Queria lhe pedir licena para ir at o Rio Pardo.
CORONEL HERODES - Por um acaso aqui lhe falta alguma coisa, Jos?
JOS - No, Coronel. Aqui est tudo tranquilo.
MARIA - que eu gostava de ter minha me por perto pra ajudar na hora de nascer
a criana.
CORONEL HERODES - A velha Anja no t boa pra ti, Maria? Vais te dar luxos
agora?
MARIA - No luxo, Coronel, saudades.
CORONEL HERODES - Est bem. A besteira j est feita mesmo.
JOS - Coronel, eu e Maria nos casamos, o senhor sabe.
CORONEL HERODES - Eu sei bem da minha tropa, Jos. Mas se no me engano,
a dvida do teu pai comigo ainda est para ser paga.
JOS - Eu no me esqueci, sou homem de palavra, Coronel.
CORONEL HERODES - A viagem demorada?
JOS- No, s o tempo da criana nascer.
CORONEL HERODES- Olha l, tu j me fez bastante estrago por aqui. No vai me
fazer outro agora.
JOS- No se apoquente, Coronel. Sei das minhas obrigaes.
CORONEL HERODES- Cachorro que come ovelha uma vez, come sempre. Volta
logo que deixar Maria por l. Hay muito trabalho por aqui.
JOS - Posso encilhar a mula pra amanh?
CORONEL HERODES - Pode.
JOS - Gracias, coronel (vo saindo, Coronel os interrompe)
CORONEL HERODES - Pra minha segurana as coisas de vocs ficam na estncia.
Vocs vo s com a roupa do corpo. Mas quando a mulher e a criana voltarem
estars livre da dvida.
MARIA- O senhor vai perdoar Jos?
CORONEL HERODES- Vou. Se esta cria a for macho, vou aceitar ele como paga
da dvida. ( Maria e Jos estacam. Coronel entra para o interior da casa.)
Cano
E um estanceiro rico,
Nome Herodes, Coronel
Machucou com o seu grito
Menino Jesus do cu
CENA 7 - GOLONDRINA E O CORONEL NA CASA
(Entra Golondrina. Corre e grita estridentemente pela casa.)
GOLONDRINA - Coroneeeeeeel, Coroneeeeeeeeel, Coronel Herodes. Vem ver. Os
forasteiros esto vindo pra c.
CORONEL HERODES - (Entrando.) Aplaina essas beiradas e no me berra
dentro de casa.
GOLONDRINA - Perdn, Coronel. (Interrompendo-o, grita ansiosa.) que eu vi
l na porteira. Eles to chegando.
CORONEL HERODES - Posso saber o que se passa na minha estncia?
GOLONDRINA - (Tentando acalmar-se.) So os trs que tocam instrumentos
musicales. Os que esto seguindo o Cruzeiro do Sul.
CORONEL HERODES - Mas que patacoada essa, Golondrina?
GOLONDRINA - (Sem pacincia.) o que eu t dizendo. Eles viajam pelo
Continente seguindo a estrela. (Num grito.) Virgem Santa, so eles, Coronel.
CORONEL HERODES - Vai duma vez receber essa tropilha.
(Golondrina sai.)
CORONEL HERODES - (Observando pela janela.) Tanto alarido por causa de
dois tropeiros e uma mulher.
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CENA 8 -
Cano
A Chegada dos Artistas (Trio de Cantadores)
Letra: Recolhida do folclore popular
Msica: Pablo Capalonga
Agora mesmo chegamos
Na beira do seu terreiro
Para tocar e cantar
Licena peo primeiro
Oh senhor, dono da casa
Faz favor de abrir a porta
Porta aberta e luz acesa
sinal de alegria.
(Coronel Herodes est porta. Chegam Aoriano, Vinuta e Castelhano.)
CORONEL HERODES - Buenas, se forem de paz se manifestem.
AORIANO - (Com sotaque dos Aores.) Como tem passado Vossa Merc?
Aoriano, um seu criado.
(Coronel assente.)
CASTELHANO - Buenas noches, amigo. (O mesmo sinal do Coronel.)
VINUTA - Boas noches, Coronel.
HERODES - Vo falando logo o que querem, que no vou ficar aqui parado na
porta debalde.
AORIANO - Coronel Herodes, se Vossa Merc mo permite , estamos a viajar
pelo Continente, somos artistas.
CORONEL HERODES - Artista. Que artista?
CASTELHANO - Nosotros somos msicos. Tocamos instrumentos musicales.
CORONEL HERODES - (Com falso interesse.) Ah, sim, E o que fazem por estas
bandas?
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AORIANO- Mas quem sabe uma cantoria para amenizar Coronel, acalmar os
coraes...
CORONEL HERODES - Quem tem calma aude. Mais essa agora... E a visita de
vocs j t de bom tamanho. Amanh bem cedo, peguem a montaria e sigam seu
rumo. Agora vo.
(Os visitantes se retiram.)
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CENA 10 - O BOLICHO
(Uma venda. Misto de bolicho e pousada. Mesas, cadeiras.Homens jogam baralho.
Um bbado imvel. Outro homem, esquecido do tempo, dedilha uma milonga. Dois
casais bailam. Mulheres servem s mesas e aos homens.Um menino coxo e sem um
olho ajuda a servir s mesas, Zarolho, motivo de chacota e riso solto. Gritos,
fumaa de palheiros. Entram Jos e Maria, cautelosamente.)
BOLICHEIRO - (Para Jos e Maria.) Buenas, pra onde se atiram, vivente?
JOS - Boa noite. Estamos caminhando desde cedo, viemos da estncia Jerusalm.
Buscamos um quarto para pouso.
MARIA - (Cumprimentando com a cabea.) Eu gostaria de pr meus ps numa
salmoura.
BOLICHEIRO - (Buscando Jos pelo ombro.) No seja por isso, esta venda tem de
tudo. Tome assento. (Servindo aguardente.) E um gole de canha. O calor deste
dezembro est dos piores.
JOS - (Sem beber.) Agradecido. Um pouco dgua para minha esposa seria
melhor.
(Ao sinal do bolicheiro, uma mulher alcana uma caneca dgua para Maria. Ao vla em p, o menino alcana-lhe uma cadeira.)
BOLICHEIRO - E qual mesmo seu destino?
JOS - Vamos at Rio Pardo. Minha mulher quer ter o filho perto da me.
BOLICHEIRO - Ah, sim. Vamos povoar o Continente de So Pedro. s ordens da
Coroa portuguesa. Um brinde ao Vice-Rei. (Brindes de todos os tipos, uivos,
resmungos, etc.)
JOS - Bem, ento podemos passar a noite aqui?
BOLICHEIRO - Quer dizer que o companheiro est na estrada desde cedo. No
tiveram medo dos bandos de castelhanos?
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JOS - Amigo, eu conheo estes caminhos. J tropeei muito gado pela estrada.
Experincia no me falta.
BOLICHEIRO - Mas mulher na garupa chamarisco na certa.
JOS - Agradeo seu interesse, mas eu e minha esposa precisamos descansar. O
senhor tem um quarto?
BOLICHEIRO - Um quarto assim, pra noite toda, bem, no sei se tenho. Agora, se o
patro quiser se acostar por um tempo . . . por menos de uma pataca pode se
esquentar com esta guria. (Pegando no brao de uma mulher, bate-lhe nas ancas.)
Galega das boas.
JOS - O amigo me desculpe.
BOLICHEIRO - Entonces, se prefere uma mais cheinha , tenho esta daqui, cor de
cuia. (Outra mulher sorri maliciosa.)
JOS - ( precipita-se irritado.) O senhor no est entendendo.
BOLICHEIRO - (Interrompendo.) Eu estou entendendo, sim. Estou entendendo que
sua mulher est de pana cheia e um homem precisa se refestelar de vez em quando.
JOS - preciso ser muito ordinrio pra me dizer uma coisa dessas.
(Alvoroo. Principia-se uma briga.)
MARIA - Pelo amor de Deus, Jos.
(Jos dominado, seu punhal retirado e cravado sobre o balco do bolicho)
JOS - Me larguem.
Bolicheiro- (com desdm) Larguem ele, larguem.
JOS- Eu j ouvi coisa demais.( Retira seu punhal e guarda-o na bainha ) Isto aqui
t cheirando mal.
BOLICHEIRO - E de mais a mais, aqui no tem pouso pra bedel da Coroa, nem
cueiro pra recm-nascido. (Risos.) Isto aqui um bolicho, lugar de diverso. Toca
essa porcaria dessa gaita, Juvenal.
JOS - Vamos embora, Maria. Aqui no fico mais nem um minuto.
MARIA - Eu no vou pegar a estrada de novo, Jos . (Senta, ofegante.)
MULHER - (Aproximando-se.) Senhor, eu sei de um lugar onde vocs podem
passar a noite.
JOS - Agradeo. Das gentes daqui no quero favor.
MARIA - Este lugar, muito longe?
MULHER - No, aqui perto, eu lhe levo l.
(Mulher ajuda Maria a deslocar-se.)
JOS - (Interrompendo.) Eu no quero filho meu misturado com china de bolicho.
MARIA - Jos, eu s quero um canto pra ter meu filho em paz. Moa, me mostra o
caminho?
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CENA 11 - NA COCHEIRA
MULHER - aqui.
JOS - No meio da palha e dos bichos?
MARIA - (J sentindo as dores.) Pelo menos aqui ficamos sossegados. (Para a
mulher.) Como teu nome?
MULHER - Ana, minha senhora.
MARIA - O mesmo nome da minha me. (Com dores.) Ai.
MULHER - O senhor puxa uma palha pra ela se encostar.
(Desnorteado, Jos ajeita uma espcie de cama.)
MARIA - (Pegando a mo da mulher.) Pessoa boa como tu, Deus ama demais. Ai.
(Deitando-se.)
MULHER - No se esfora tanto. Eu t lhe ajudando porque me empatizei com a
senhora. E estranho, mas eu at j peguei amor por este pequeno que a senhora
carrega. (Pondo a mo no ventre de Maria,)
MARIA - Ai, t vindo, Jos, t vindo a criana. (Com dores.) Ai, eu quero a
benzedeira. Traz a mulher, ela sabe tirar a dor e cortar o cordo. Chama Dona Anja,
eu quero a Dona Anja.
JOS - (Nervoso e atrapalhado.) Maria, Dona Anja t na estncia. muito longe,
no d tempo.
JOS - Moa, faz alguma coisa, tu no disse que queria ajudar? Ou ser que vou ter
que sair pela noite e pedir auxlio primeira ndia velha que eu encontrar nas moitas
da madrugada.
MULHER - No tem preciso. Eu no sou ndia, o senhor t vendo, tampouco sou
anjo. Mas eu tenho essas duas mos e sei muito bem aparar uma criana. O senhor
atia o fogo de cho l fora, e esquenta gua nessa chaleira. (Alcanando-lhe uma
chaleira.)
JOS - (Olhando fixamente para a mulher.) Obrigado. (Sai.)
(Maria revolve-se de dor. )
MULHER - (Rasgando o prprio avental.) Acho que este pano h de servir.
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Cano
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FIM