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Economia e Cultura: Tropicalismo, Indústria Cultural e o Desenvolvimentismo Brasileiro

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO

Economia e Cultura:
Tropicalismo, Indstria Cultural e o
Desenvolvimentismo Brasileiro

RAFAEL GIURUMAGLIA ZINCONE BRAGA


rafaelzincone@gmail.com

matrcula n.: 109023365

ORIENTADORA: Prof. Maria Mello de Malta


mariammalta@yahoo.com.br

CO-ORIENTADOR: Prof. Bruno Nogueira Ferreira Borja


borja.bruno@gmail.com

AGOSTO 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO

Economia e Cultura:
Tropicalismo, Indstria Cultural e o
Desenvolvimentismo Brasileiro

_________________________________________

RAFAEL GIURUMAGLIA ZINCONE BRAGA


rafaelzincone@gmail.com

matrcula n.: 109023365

ORIENTADORA: Prof. Dr. Maria Mello de Malta


mariammalta@yahoo.com.br

CO-ORIENTADOR: Prof. Bruno Nogueira Ferreira Borja


borja.bruno@gmail.com

AGOSTO 2014

Retocai o cu de anil
Bandeirolas no cordo
Grande festa em toda a nao.
Despertar em toda a nao
O avano industrial
Vem trazer nossa redeno
Pois j temos o sorriso engarrafado
J vem pronto e tabelado
somente requentar
E usar,
somente requentar
E usar,
Porque made, made, made, made in Brazil
Porque made, made, made, made in Brazil
(Parque Industrial, Tom Z)

" chegada a hora da reeducao de algum


Do Pai do Filho do espirito Santo amm
O certo louco tomar eletrochoque
O certo saber que o certo certo
O macho adulto branco sempre no comando
E o resto ao resto, o sexo o corte, o sexo
Reconhecer o valor necessrio do ato
hipcrita
Riscar os ndios, nada esperar dos pretos"
E eu, menos estrangeiro no lugar que no
momento
Sigo mais sozinho caminhando contra o vento
E entendo o centro do que esto dizendo
Aquele cara e aquela:
(O Estrangeiro, Caetano Veloso)

Eu no espero pelo dia em que todos os


homens concordem. Apenas sei de diversas
harmonias bonitas possveis sem juzo final.
Caetano Veloso

AGRADECIMENTOS
Gostaria primeiramente de agradecer meu pai e minha me que foram pessoas
indispensveis em todo meu processo de formao, do jardim de infncia ao presente
encerramento de minha graduao em cincias econmicas. No poderia deixar de me
lembrar do meu av Archimedes Gerumaglia (in memorian) por todo carinho, incentivo e
fora em grande parte desse processo. Toda minha famlia, mais ou menos envolvida,
sedimentou as bases de todo esse percurso.
Agradeo tambm minha orientadora Maria Mello de Malta por me abrir as portas
para um novo olhar de economista ao me apresentar o Laboratrio de Estudos Marxistas
(LEMA IE/UFRJ) e sua equipe. O conhecimento e as trocas que me foram proporcionadas
nesse espao na maior parte da minha graduao simbolizou verdadeira catarse diante da
mesquinhez com que tratada uma cincia social bsica - como a economia mesmo em um
espao pblico de altssima qualidade como o Instituto de Economia da UFRJ. Estudar a
economia com base na histria do pensamento dos autores que sobre ela refletem e seu
contexto histrico material foi uma linha libertadora em meio a tantas curvas IS-LM,
produtividades marginais de capital e trabalho e o to clamado pleno emprego isso sem falar
da mo invisvel smithiana que resolveria grande parte de nossos problemas (nem no longo
prazo).
A partir do perodo em que me mudei para o Rio de Janeiro aps ser aprovado no
vestibular da UFRJ s experincias foram muitas e fico contente em agradecer a todos
aqueles que, ao longo desses anos, tive o prazer de conhecer mesmo que os nomes no
caibam. Pelos anos de IE, agradeo em especial os amigos Renato Brito Gomes, Victor
Guedes, Vincius Cunha Ferreira que me acompanharam e me acompanham desde o incio do
curso. Aos demais que tive a oportunidade de conhecer em viagens em especial aquela que
durou umas dezenas de horas do Rio a Joo Pessoa -, no LEMA e nos espaos comuns da
universidade. Celso(v), Elis de Aquino, Renata Mello, Carla Curty, Larissa Mazolli, Camille
Periss, Mariana Resstom so os nomes que me vm imediatamente cabea. Ao longo
desses anos no Instituto de Economia fui feliz em ver o desdobrar, ainda que paulatino, de um
ambiente acadmico um tanto elitista, misgino e heteronormativo o que ficava
imediatamente claro no carter opressor dos trotes em um ambiente mais acolhedor com um
CASA(Centro Acadmico Stuart Angel) bastante preocupado em acolhimento estudantil no

lugar de trote - e na defesa intransigente de uma educao pblica, gratuita e de qualidade.


Alm de meus amigos e colegas, no posso deixar de me referir aos tcnicos
administrativos Anna Lucia, Marcelo e Moyses que tornam a vida institucional do IE mais
leve e menos burocrtica. Em relao aos professores, meu carinho especial vai para ngela
Ganem de humildade e inteligncia comoventes -; Galeno Ferraz companheiro de bares e
quintas-feiras e Lucia Kubrusly de um carinho inigualvel.
Guardo como momento inesquecvel de minha graduao os meses de ocupao do
Caneco, de julho a setembro de 2012. Para alm da rotina diria dos trabalhos de
manuteno do espao, recordo-me das madrugadas de cinema projeo na parede de
Copacana Mon Amour -, os sbados de Maracangalha pblica e gratuita, o show presenteado
por Jards Macal, alm de uma fuga coletiva para ver o Tom Z no Circo Voador se enrolar
com nossa faixa Tom Z, vem tocar no Caneco ocupado.
Destaco tambm minha ida Frana onde dediquei um ano de estudos na Universit
Paris VIII, um belo ano de minha vida em que tive a oportunidade de conviver e morar com
Marie e Daniel Orantin, pessoas que guardo com enorme carinho. Esse perodo que se
estendeu entre os meses de setembro de 2012 e 2013 me proporcionou o conhecimento no s
de lugares mas de pessoas incrveis. Entre elas, a amiga Debora Santos Martins, com quem
pude ter conversas e debates fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho.
Fao especial meno a meu co-orientador Bruno Borja que orientou diretamente este
trabalho e com enorme pacincia. Seus estudos de economia e cultura foram para mim uma
verdadeira vlvula de escape (da mesmice e de diversos assuntos enfadonhos). Por meio dela
vislumbrei um objeto que pude de fato estudar com desejo e amor: a Tropiclia na esteira do
desenvolvimento brasileiro.
Por fim, peo desculpas antecipadamente a quem eventualmente eu tenha esquecido e
reafirmo nessa sntese de cinco anos de estudos a contribuio de cada uma das pessoas com
que convivi. Peo desculpas tambm pelos erros que por ventura posso aqui apresentar, o que
fica o debate.

RESUMO
O presente trabalho tem como propsito relacionar o objeto da cultura com a anlise
econmica a partir da metodologia do materialismo histrico marxista e do conceito de
indstria cultural de Adorno e Horkheimer. Adoto como recorte a movimentao cultural
tropicalista na MPB e o padro de desenvolvimento econmico brasileiro com base, a priori ,
na substituio de importaes de bens de consumo durveis: de JK ao milagre econmico .
Tendo em vista o processo de industrializao como elemento chave no debate do
desenvolvimentismo no Brasil, considero o campo da cultura, no bojo de uma mesma
economia burguesa, parte integrante desse processo. Assim, no primeiro captulo, a
metodologia terica de Marx e o pensamento da Escola de Frankfurt so apresentados. No
captulo dois, trabalho o percurso de desenvolvimento da economia brasileira a partir de JK e
o debate terico a respeito do carter emancipatrio ou dependente da industrializao
brasileira no bojo da economia internacional. Em seguida, discuto a partir da viso de Roberto
Schwarz, Carlos Nelson Coutinho, Helosa Buarque de Hollanda e Marcos Gonalves, o
contedo e o posicionamento poltico da Tropiclia no esteio da indstria cultural no Brasil.
Por fim, ressaltarei o elemento contraditrio do Tropicalismo em comum com o padro de
acumulao da economia brasileira.

Palavras-chaves:

tropicalismo; modelo de desenvolvimento; modernizao;

milagre econmico; indstria cultural.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: A evoluo dos valores do salrio real (1958-1968) ........................................22


Tabela 2: Taxas mdias de crescimento anual do PIB (1950-1980) ................................27
Tabela 3: Vendas da Indstria Fonogrfica Nacional por unidade 1967 - 1973 (milhes
de unidades) .....................................................................................................................33
Tabela 4: Participao do repertrio internacional na listagem dos 50% LPs mais
vendidos no eixo Rio/So Paulo entre 1965/1973 ...........................................................34

SUMRIO

INTRODUO ...............................................................................................................5
I: Nota de esclarecimento ao leitor ....................................................................................5
II: Economia e cultura: a exploso tropicalista e o modelo de desenvolvimento brasileiro
...........................................................................................................................................6

Captulo 1 : Economia e Cultura: questo de mtodo ................................................13


1.1: Estrutura e superestrutura .........................................................................................10
1.2: Totalidade, historicidade e ideologia ........................................................................13
1.3: A indstria cultural ...................................................................................................15

Captulo 2: O modelo de desenvolvimento brasileiro .................................................18


2.1: O parque industrial nos anos JK: a gestao de um modelo de desenvolvimento
econmico ........................................................................................................................20
2.2: Os anos de baixo crescimento: estagnao do modelo ou crise contingente?..........25
2.3: O golpe de 1964 e a consolidao de um modelo econmico excludente ...............28
2.2: Recuperao econmica e o milagre (1968-1973)................................................30
2.2: A indstria fonogrfica na esteira do modelo de desenvolvimento ..........................32

Captulo 3: Tropicalismo e a indstria cultural: apropriao crtica ou cooptao


de mercado? ...................................................................................................................37
3.1: Roberto Schwarz: o esnobismo de massas e a sntese conformista de Brasil. .........38

3.2: Helosa Buarque de Hollanda e Marcos Gonalves: o tropicalismo e a


inter(mdia)o da indstria cultural ...............................................................................43
3.3: Do intimismo ao amadurecimento da cultura nacional-popular: o tropicalismo visto
por Carlos Nelson Coutinho ............................................................................................46

Consideraes finais ......................................................................................................57

Bibliografia .....................................................................................................................60

INTRODUO
I Nota de esclarecimento ao leitor
A trajetria do presente trabalho se d paralelamente s minhas atividades no
Laboratrio de Estudos Marxistas (LEMA) do Instituto de Economia da UFRJ do qual fui
bolsista no perodo entre agosto de 2010 e agosto de 2012 sob orientao da Prof. Dr Maria
Mello de Malta. A minha participao nas atividades acadmicas do LEMA foi de
fundamental importncia para a compreenso da economia como uma cincia humana ou, em
outros termos, uma cincia social bsica. Reconheo hoje que meu interesse pelo objeto de
estudo entre economia e cultura foi despertado num primeiro momento na disciplina de
Histria do Pensamento Econmico Brasileiro (HPEB) - sob coordenao de Maria Malta e
ministrado pelo corpo de pesquisadores do LEMA, em 2010 - em que desenvolvi um trabalho
de relao da msica Alegria, Alegria de Caetano Veloso com seu contexto histrico
material. Assim, pude ver que nesses trabalhos culturais de relao entre msicas de artistas
brasileiros como Caetano, Chico Buarque, Gilberto Gil, Z Keti, Raul Seixas e os Mutantes;
com o recorte histrico que estudvamos os anos do desenvolvimentismo o objeto da
economia estava para alm dos livros de clculo e dos manuais norte-americanos de macro e
microeconomia. Dois anos depois, na disciplina de Economia e Filosofia: A ordem do
mercado ministrada pela Prof. ngela Ganem me aproximei do conceito de indstria
cultural de Adorno e Horkheimer. Para o trabalho de concluso de curso, elaborei o artigo Um
Passeio entre a Vanguarda e a Indstria Cultural: a propsito da Tropiclia1 publicado em
agosto de 2013 - em que pude iniciar meus estudos sobre a Tropiclia e suas relaes com as
bases materiais.
Em sntese, todo esse trabalho no seria possvel se eu no tivesse um contato mais
profundo com o pensamento de Karl Marx e assim enxergar a possibilidade de relacionar o
campo cultural o produto cultural (na estrutura) e seu contedo ideolgico (superestrutura) com a ordem econmica. Este trabalho est sob co-orientao do Prof. Bruno Borja que, a
partir da obra de Celso Furtado, desenvolve com maior densidade o estudo da dimenso
1

ZINCONE, Rafael.. Um passeio entre a vanguarda e a Indstria Cultural: a propsito da Tropiclia. In:
Revista
Wolfius,
agosto
de
2013.
Rio
de
Janeiro.
Disponvel
para
acesso
em:
http://www.revistawolfius.com.br/index.php/Wolfius/article/view/35/50 acessado em 18 de junho de 2014 s
17:04.

cultural na economia. Segue-se, pois, nesta anlise um estudo entre o Tropicalismo, a


indstria cultural no Brasil e o padro de desenvolvimento da economia brasileira entre os
anos 1950 e o milagre econmico. Adotei como fonte principal para o estudo do
desenvolvimento brasileiro os artigos presentes no livro Ecos do desenvolvimento: uma
histria do pensamento econmico brasileiro desenvolvido pelo corpo de pesquisadores do
LEMA , artigos do livro Economia Brasileira Contempornea trabalhado na disciplina
obrigatria de Economia Brasileira II , alm dos textos originais dos pensadores estudados.

II. Economia e Cultura: a exploso tropicalista e o padro de


desenvolvimento do Brasil nos anos de chumbo.
O Tropicalismo foi um evento cultural mltiplo ocorrido em meados da dcada de
1960 no Brasil. Trata-se de manifestaes no campo do teatro, da poesia, do cinema, das artes
plsticas, e com maior destaque, na msica. Em concordncia com o ensasta e pesquisador
Frederico Coelho, defino o Tropicalismo no como um movimento cultural e sim uma
movimentao cultural (Cf. COELHO, 2008). Num perodo de modernizao econmica,
tratava-se de uma movimentao cultural mltipla que buscava inovar o campo cultural
brasileiro. Em outras palavras, tratou-se mais de uma reunio criativa de oposies
diversificadas ao consenso e inscritas no bojo de um mesmo movimento denominado
Tropicalismo (Cf. COELHO, 2008). Em sntese, entendo o Tropicalismo como diferentes
formas e prticas criativas de se opor ao status-quo.
Na arena musical, o Tropicalismo teve como principais integrantes: Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Tom Z, a cantora Gal Costa, a banda Mutantes integrada por Rita Lee,
Arnaldo Baptista e Srgio Dias Baptista - Jos Carlos Capinam, Torquato Neto, Rogrio
Duprat, alm da participao de Nara Leo e do artista grfico, compositor e poeta Rogrio
Duarte.2 A Tropiclia trabalha com o argumento de autoridade de atualizao da msica
popular brasileira e coetnea Bossa-Nova, Jovem Guarda e a M.P.B. tradicional reivindicada por Edu Lobo, Elis Regina e seus pares. Para fins deste estudo, entendo que a
Tropiclia opera na chave da atualizao reivindicando uma insero nessa M.P.B.(Msica
Popular Brasileira) primeiramente por ser uma msica de alcance de massas, depois por
alinhar-se aos debates do perodo. O Brasil sofria um processo de industrializao de bens de
consumo - inclusive daqueles ligados indstria cultural como a televiso, o rdio, aparelhos
2

Cf. http://tropicalia.com.br/identifisignificados/movimento. Acessado em 10 de junho de 2014 s 15:36.

toca-discos e instrumentos musicais, como a guitarra, caros a esse movimento musical. No


esteio do crescimento industrial brasileiro e atravs das grandes estruturas empresariais do
mercado cultural, como a TV e a indstria fonogrfica, o Tropicalismo operou na construo
de uma nova ideia de nacionalismo, contrapondo-se s linhas de pensamento da ditadura
militar brasileira. Nesse sentido, entendemos que a produo de arte, nesse caso a msica,
organiza essas ideias circulantes que se opem s ideias nacionalistas do status quo.
Dessa feita, compreendendo o Tropicalismo no bojo de uma ditadura civil-militar e de
uma ascendente indstria cultural brasileira, busco neste trabalho relacionar sua esttica com
o seu contexto histrico-material. Em outras palavras, proponho-me analisar tais
movimentaes culturais com base no padro de desenvolvimento econmico adotado no
Brasil a partir de meados da dcada de 1950 e com foco no perodo autoritrio da poltica
brasileira. Neste trabalho, restrinjo-me ao campo da msica popular devido a seu maior
alcance com relao ao grande pblico3.
Para alm disso, aponto a correspondncia do elemento contraditrio existente no
estilo tropicalista e no padro de desenvolvimento brasileiro no ps-guerra. Ambos os objetos
aqui em anlise carregam em si a tenso ou distenso entre o elemento nacional e o
estrangeiro. Da mesma maneira que a msica tropicalista com fortes inspiraes da moda
estrangeira disputava espao na M.P.B, o carter nacional do desenvolvimento brasileiro foi
discutido por tericos da esquerda pelo fato de ser fortemente ancorado no capital estrangeiro.
Dessa feita, investigo, para fins desta anlise, o produto cultural como fonte da anlise
econmica e a anlise econmica como fonte do produto cultural.
Diante das contradies acima apresentadas, coloco as seguintes questes: no campo
da cultura, o contedo da Tropiclia seria esvaziado no bojo da ascendente indstria cultural?
No campo da economia, a industrializao per se daria conta de desenvolver e emancipar o
Brasil com relao ao resto do mundo? interessante observar que em ambos os campos a
indstria era a questo central. Na economia se discute se ela era de fato a chave do
desenvolvimento nacional e na msica tropicalista se ela era esvaziadora da sua proposta.
Nesse sentido, questiono o significado da manifestao cultural inserida no contexto de
indstria e investigo a margem de manobra do produto cultural tropicalista nos parmetros do
mercado fonogrfico.
3

O Tropicalismo alcanou maior pblico na msica popular quando comparado s manifestaes presentes no
campo do teatro, das artes plsticas e do cinema. Cf. COELHO, F. Nota Editorial. In: COHN, S. & COELHO, F.
(Org.) Encontros Tropiclia. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008.

Esse trabalho est organizado por uma introduo, trs captulos e a concluso. O
primeiro captulo expe a metodologia terica em que me baseio: o materialismo histrico
marxista e o conceito de indstria cultural apresentado por Adorno e Horkheimer. No segundo
captulo, apresento o percurso da economia brasileira a partir dos anos 1950 at a passagem
dos anos 1960 para 1970. Discuto, com base no pensamento de economistas e socilogos
brasileiros, o modelo de desenvolvimento adotado pela ditadura civil-militar. Na terceira
seo, analiso o objeto do tropicalismo a partir desse mesmo recorte temporal e discuto com
trs diferentes vises: primeiramente a de Roberto Schwarz, em seguida de Helosa Buarque
de Hollanda e Marcos Gonalves e, por fim, a de Carlos Nelson Coutinho. Alm desses
autores, compartilho das anlises estticas e lingusticas de Celso Favaretto, os dados da
indstria fonogrfica brasileira apresentados no trabalho de Eduardo Vicente e, por fim,
algumas contribuies dos prprios personagens do movimentao Tropiclia, em especial:
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Glauber Rocha e Hlio Oiticica. Na concluso,
apresento a sntese dessa discusso de acordo com as questes aqui propostas.

_CAPTULO 1_

ECONOMIA E CULTURA:
QUESTO DE MTODO

No presente captulo, ser apresentada a metodologia do materialismo histrico de


Karl Marx que me permite relacionar o campo econmico e o campo cultural dentro de um
mesmo sistema. No esteio dessa mesma metodologia, fao uso das contribuies de Lucien
Goldman, Gyrgy Lukcs e Michael Lwy. Ademais, apresento o conceito de indstria
cultural originalmente elaborado por Theodor Adorno e Max Horkheimer - ambos pensadores
da Escola de Frankfurt4.
Assim, sero apresentada na seo 1.1 algumas postulaes do materialismo
histrico marxista. Posteriormente, sero tratadas as contribuies de Goldman a propsito da
totalidade e da historicidade prprias do mtodo e de Lwy no que diz respeito s vises
sociais de mundo; e, por fim, a indstria cultural.

1.1 Estrutura e Superestrutura


Na introduo que faz edio brasileira de Contribuio Crtica da Economia
Poltica, de Marx, Florestan Fernandes considera a Economia Poltica, com o emprego do
mtodo materialista, uma cincia social apta para dar uma explicao cientfica e logicamente
vlida da moderna sociedade capitalista (Cf. FERNANDES, [1946] 2008). Assim sendo,
supera os mtodos naturalistas dos autores da Economia Poltica Clssica, que para Marx
davam uma perspectiva falsa das leis econmicas5.
Partindo da filosofia moral, Adam Smith, em A Riqueza das Naes, defende que o
homem um ser naturalmente propenso troca. Assim sendo, Smith reivindica em sua obra o
livre mercado como ordem social por excelncia tomando como base caractersticas ahistricas com as quais qualifica seres humanos 6. David Ricardo tambm traz em sua
formulao os elementos naturalizantes e ahistricos do capitalismo. Ainda que no enfatize
as questes mais filosficas sobre a natureza humana e a organizao da ordem social a partir
do mercado, tal como Smith, sua anlise do capitalismo tem como essncia a defesa do
iderio burgus e dos benefcios que o desenvolvimento da burguesia podem gerar para a
sociedade como um todo. Sua grande contribuio terica a questo da distribuio do
4

Denominao comum empregada aos pensadores do Instituto de Pesquisa Social (Institut fr Sozialforschung)
fundado por Carl Grnberg em 1923 como um anexo da Universidade de Frankfurt.
5
Os clssicos da Economia Poltica no concebiam as leis econmicas como histricas e sociais mas sim como
naturais e a-histricas.
6
Para Adam Smith, a ordem social estaria no livre mercado e no no estabelecimento do Contrato Social , seja o
de Hobbes ou Locke.

10

excedente entre as classes.7


Em discordncia com a tradio da economia poltica, Marx defende, por sua vez, que
as relaes sociais de produo so histricas e no naturais. O trabalho para Marx uma
atividade imanente do ser humano. Para um indivduo comer, beber, vestir-se e transportar-se
necessria antes uma relao direta entre seres humanos e natureza. Em outras palavras, o
trabalho em Marx prxis fundamental e especfica da espcie humana enquanto um processo
prtico e consciente8 de um mundo objetivo atravs da explorao da natureza inorgnica (Cf.
GOMES, 2013). Assim, o trabalho nada mais seria que a interao entre ser humano e meio
fsico que possibilite a reproduo de sua existncia no planeta terra.
Em uma economia de mercado, no entanto, as relaes de trabalho - estabelecidas por
um contrato de compra e venda da mercadoria fora de trabalho - so histricas e no
naturais como o conceito universal de trabalho anteriormente mencionado. Ao contrrio dos
economistas clssicos, Marx defende que o trabalho em uma sociedade burguesa produto de
seu contexto histrico e pode se transformar ao longo do tempo. As relaes de trabalho tal
qual conhecemos, uma relao de contrato, salarial, entre classes sociais distintas
trabalhadores e os detentores do meio de produo persistem enquanto existir o modo de
produo dentro do qual se inserem: o capitalismo.
Dessa feita, a anlise de Marx sobre o modo de produo capitalista uma mudana
de paradigma em relao abordagem clssica justamente por desnaturalizar as relaes
sociais entre os homens. Por essa razo, Florestan afirma que os indivduos sociais9
substituem o homem metafsico da economia poltica inglesa: o homo economicus.
No por coincidncia, Marx intitula seu livro de 1859 de Contribuio Crtica da
Economia Poltica. Postula, pois, que as leis econmicas manifestam-se enquanto duram as
relaes sobre as quais se exprimem. Para o autor elas so produtos histricos e transitrios
7

Para Ricardo, os salrios tendem a gravitar em torno do valor necessrio para a subsistncia. Assim, medida
que se custa mais caro produzir os alimentos para o consumo dos trabalhadores, o salrio de subsistncia se
elevar, pressionando os lucros do capital para baixo. A forma como o produto agregado se distribui entre
salrios, lucros e renda da terra no interfere na determinao do valor ou do preo desse produto, por isso, o
aumento dos salrios no pode ser repassado ao preo. Mesmo assim, os lucros tendem a cair, porque so
pressionados pelos salrios, mesmo que estes girem em torno do valor mnimo para a subsistncia. A renda da
terra, por sua vez, tende a aumentar progressivamente nas terras mais frteis, medida que terras menos frteis
so incorporadas ao cultivo. A renda proporcional produtividade da terra. Segundo Ricardo, taxas de lucros
cada vez menores desestimulariam o prosseguimento da acumulao de capital. Portanto, para solucionar esse
problema, ele defendia a reduo dos salrios de subsistncia com a finalidade de fazer refluir o cultivo de terras
menos frteis. Com isso, ele tentava revogar a lei dos cereais, defendendo o livre comrcio.
8
Diferentemente da interao sujeito-natureza de outros animais cuja produo no vai alm do que necessitam
imediatamente para si e para suas proles. Neste caso, trata-se tambm de um processo inconsciente.
9
Marx, [1859] 2009.

11

(MARX, [1859] 2008). Com efeito, as leis econmicas do capitalismo constituem o ncleo
duro de sua anlise terica.
Florestan sintetiza sua Introduo Contribuio da Crtica da Economia Poltica de
Marx apontando quatro grandes contribuies advindas do materialismo histrico. So elas:
1) as condies em que a generalizao legtima: as leis sociais e econmicas s so vlidas
para determinadas formas sociais e durante um perodo determinado de seu desenvolvimento;
2) a noo de determinismo: existe regularidade nos fenmenos sociais, mas a vontade
humana intervm nos acontecimentos histricos s na natureza ocorre o inevitvel; em o 18
Brumrio de Lus Bonaparte escreveu a este respeito: os prprios homens fazem a sua
histria, mas no a fazem arbitrariamente, e sim em certas condies determinadas;
3) a noo de interdependncia dos fatos sociais: os fatos sociais articulam-se entre si por
conexes ntimas; a antiga noo de consensus [consenso latim] de Augusto Comte recebe
uma formulao mais objetiva: o resultado a que chegamos no que a produo, a
distribuio, a troca, o consumo so idnticos, mas que todos eles so membros de uma
totalidade, diferenas numa unidade;
4) existncia de fatores dominantes: um fator desempenha a funo de fator dominante a
produo nas modernas sociedades capitalistas atuando sobre os demais fatores em termos de
relaes recprocas determinadas (FERNANDES, [1946] 2008, p. 25-26)

Ou seja, a riqueza do mtodo de Marx est em pautar que as relaes sociais entre os
homens so contradas involuntariamente e sempre admitindo a existncia de um fator
determinante nessas relaes: a produo nas modernas sociedades capitalistas a base
material.
A partir da reviso crtica que faz na sua Contribuio Crtica da Economia Poltica
(1859), Marx conclui que as relaes jurdicas, bem como as formas do Estado, no podem
ser explicadas por si mesmas posto que as mesmas compem a superestrutura - nem pela
chamada evoluo geral do esprito humano; essas relaes, para ele, teriam ao contrrio, suas
razes nas condies materiais de existncia. Disto, resume da seguinte forma o resultado
geral a que chegou:
Na produo social da prpria existncia, os homens entram em relaes determinadas,
necessrias, independente da sua vontade; essas relaes de produo correspondem a um grau
determinado do desenvolvimento de suas foras produtivas materiais. A totalidade dessas
relaes de produo constitui a estrutura econmica da sociedade, a base real sobre a qual se
eleva uma superestrutura jurdica e poltica e qual correspondem formas sociais determinadas
de conscincia. O modo de produo da vida material condiciona o processo de vida social,
poltica e intelectual. No a conscincia dos homens que determina o seu ser; ao contrrio,
o seu ser social que determina sua conscincia. (MARX, [1859] 2008, p.47)

Assim, reitero que a anlise do trabalho e da produo material da vida constitui-se


como um passo inicial no mtodo materialista histrico. No h possibilidades de se pensar a
relao humano-natureza ou sujeito-objeto sem o elemento que origina esta relao: o
trabalho. Isso no quer dizer, todavia, que as outras atividades humanas estejam em um
patamar inferior ao do trabalho, afirma-se apenas que excluda a atividade do trabalho,
12

qualquer objetivao seria uma impossibilidade concreta. Quando o ser-humano interage com
a natureza transforma-se a si mesmo, da mesma forma que adquire experincias e
conhecimentos que possibilitam que essa interao se recoloque em um patamar superior: o
processo de desenvolvimento das foras produtivas. Nas palavras de Marx e Engels: a soma
das foras produtivas acessveis ao homem condiciona o estado social (MARX e ENGELS,
[1845-46] 2007, p.34), ou seja, o somatrio das foras de produo constitui a estrutura de
uma sociedade (Cf. GOMES, 2013).
Em seu prefcio da Contribuio Crtica da Economia Poltica, Marx defende que
no bojo das economias burguesas, as relaes que os homens estabelecem com os fins de
reproduo da vida humana so a base das leis e do Estado poltico a que se submetem na
superestrutura ideolgica. Isso no significa, entretanto, que a superestrutura seja um reflexo
imediato de suas bases. Em outras palavras, equivaleria pensar a relao dessas duas
dimenses de forma determinista conforme o marxismo vulgar: uma via de mo nica em que
as relaes sociais da superestrutura apareceriam como resultados passivos das bases
econmicas.
Tratando-se de lgica dialtica, esta superestrutura no seria um mero resultado da
base material. A superestrutura daria, ela prpria, os contornos definitivos a esta base, onde o
desenvolvimento histrico se apresentaria num processo contnuo de transformao (Cf.
BORJA, 2013).

1.2 Totalidade, Historicidade e Ideologia


Com o propsito de sublinhar a totalidade e a historicidade como caracteres essenciais
no mtodo materialista-histrico e, por conseguinte, fundamentais no desenvolvimento do
presente trabalho, aproveito as contribuies de Lukcs e Goldmann, adeptos da mesma
metodologia terica.
Assim como Lukcs, Goldmann compreende que as diferentes partes da realidade
social devem ser reconstitudas e conformadas dentro de uma mesma totalidade orgnica. Isso
significa que no se pode compreender nenhuma das partes de forma isolada ou alheia ao seu
conjunto. Desse modo, tamanha impossibilidade equivale pensar o fenmeno tropicalista sem
conform-lo no bojo da economia burguesia de seu tempo o que seria pensar o campo
cultural e o econmico como esferas autnomas e isoladas no tempo e no espao.
Nesse sentido, a compreenso acurada de determinada parte s possvel
13

reintegrando-a ao todo, havendo uma prioridade lgica deste sobre a dinmica interna de cada
parte considerada isoladamente.
Parece mais correto comear pelo que h de concreto e real nos dados; assim, pois, na
economia, pela populao, que a base e o sujeito de todo o ato social da produo. Todavia,
bem analisado, este mtodo seria falso. A populao uma abstrao se deixo de lado as
classes que a compem. Essas classes so, por sua vez, uma palavra sem sentido se ignoro os
elementos sobre os quais repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital etc. Estes
supem a troca, a diviso do trabalho, os preos etc. O capital, por exemplo, no nada sem
trabalho assalariado, sem valor, dinheiro, preos etc. Se comeasse, portanto, pela populao,
elaboraria uma representao catica do todo e, por meio de uma determinao mais estrita,
chegaria analiticamente, cada vez mais, a conceitos mais simples; do concreto representado
chegaria a abstraes cada vez mais tnues, at alcanar as determinaes mais simples.
Chegando a este ponto teria que fazer a viagem de modo inverso, at dar de novo com a
populao, mas desta vez no com uma representao catica de um todo, porm com uma rica
totalidade de determinaes e relaes diversas. (MARX, [1859] 2009, p.258)

Como destaca Lukcs, o mais importante do mtodo desenvolvido por Marx no a


predominncia do elemento econmico em sua anlise, mas sim buscar apreender a totalidade
do processo de desenvolvimento histrico em suas mltiplas caractersticas:
Marx e Engels jamais negaram a relativa autonomia do desenvolvimento dos campos
particulares da atividade humana (direito, cincia, arte etc.); jamais ignoram, por exemplo, o
fato de que um pensamento filosfico, singularmente considerado, ligar-se a outro pensamento
filosfico que o precedeu e do qual ele um desenvolvimento, uma correo, uma refutao
etc. Marx e Engels negam apenas que seja possvel compreender o desenvolvimento da cincia
ou da arte com base exclusivamente, ou mesmo principalmente, em suas conexes imanentes.
Tais conexes imanentes existem, sem dvida, na realidade objetiva, mas s como momentos
do tecido histrico, como momentos do conjunto do desenvolvimento histrico, no interior do
qual, no meio do intrincado processo de interaes, o fato econmico (ou seja, o
desenvolvimento das foras sociais produtivas) assume o papel principal. (LUKCS, 2009,
p.88-89)

Isso quer dizer que a essncia da metodologia do materialismo histrico de Marx est
em evidenciar a historicidade no s das partes como tambm a totalidade que as compreende.
O modo de produo material histrico em uma sociedade, assim como a produo cultural
em particular. Para fins deste estudo, as manifestaes tropicalistas - objeto dessa monografia
- somente se desenvolvem dentro das possibilidades dadas por sua realidade objetiva, ou seja,
sua base material.
Em concordncia com o pensamento de Lukcs e Goldmann, Michael Lwy defende a
ideia de que todo conhecimento e interpretao da realidade social esto ligados, direta ou
indiretamente, a uma perspectiva global socialmente condicionada, ou seja, aquilo que chama
de viso social de mundo. Assim, em pleno acordo com esses autores que Lwy define a
14

viso social de mundo de forma metafrica:

(...) a verdade objetiva sobre a sociedade antes concebida como uma paisagem pintada por
um artista e no como uma imagem independente do sujeito; e que, finalmente, tanto mais
verdadeira ser a paisagem, quanto mais elevado o observatrio ou belvedere onde est situado
o pintor, permitindo-lhe uma vista mais ampla e de maior alcance do panorama irregular e
acidentado da realidade social. (LWY, 2009, p.17)

A viso social de mundo para Lwy nada mais seria que a viso do mundo social, isto
, de um conjunto relativamente coerente de ideias sobre o ser humano, a sociedade, a
histria, e sua relao com a natureza. Alm disso, esta viso de mundo estaria ligada a certas
posies sociais: aos interesses materiais e polticos de certos grupos ou classes sociais.
Nesse sentido, Lwy defende que as vises de mundo podem ser ideologias, utopias,
ou mesmo combinar elementos ideolgicos com elementos utpicos. Ademais, argumenta que
uma mesma viso de mundo pode ter um carter utpico num determinado momento histrico
e posteriormente adquirir um carter plenamente ideolgico. Adoto, pois, o conceito de
ideologia a falsa conscincia - tal como elaborado por Marx:
As ideias da classe dominante so, em cada poca, as ideias dominantes, isto , a classe que a
fora material dominante da sociedade , ao mesmo tempo, sua fora espiritual dominante. A
classe que tem a sua disposio os meios de produo material dispe tambm dos meios da
produo espiritual, de modo que a ela esto submetidos aproximadamente ao mesmo tempo o
pensamento daqueles aos quais faltam os meios de produo espiritual. As ideias dominantes
no so nada mais do que a expresso ideal das relaes materiais dominantes apreendidas
como ideias, portanto, so a expresso das relaes que fazem de uma classe dominante, so as
ideias de sua dominao. (MARX e ENGELS, [1933] 2007, p.47)

Seguindo este raciocnio, a definio mais adequada de ideologia para LWY (2009,
p.14) seria, em suas palavras, uma forma de pensamento orientada para a reproduo da
ordem estabelecida. A manifestao cultural e mesmo um produto cultural pode muito
bem dispor de conscincia ou falsear a realidade da qual faz parte.

1.3 A Indstria Cultural


Nos anos 1930, a Escola de Frankfurt inaugurou o estudo crtico da comunicao
combinando economia poltica dos meios de comunicao, anlise cultural dos textos e
estudos de recepo pelo pblico dos efeitos sociais e ideolgicos da cultura e das

15

comunicaes de massa.10 Em outras palavras, o que essa escola traz de indito o estudo do
fenmeno da cultura de massas situando-o no bojo de sua totalidade - o contexto histricomaterial em que se faz ou fez presente. Com este mesmo propsito, trabalho as manifestaes
musicais da Tropiclia no esteio da cultura de massas, sobretudo no que diz respeito ao rdio
e televiso no Brasil no deixando de lado a indstria fonogrfica .
No artigo A indstria Cultural - publicado em 1947 no livro Dialtica do
Esclarecimento - Adorno e Horkheimer elaboram o conceito de indstria cultural preferindoo ao termo cultura de massas. Defendem a ideia de que aquilo que em seus esboos
denominavam cultura de massas no era de fato criao espontnea e autntica das massas, e
sim contedos produzidos por grandes conglomerados industriais e direcionados para esse
pblico com fins de mercado. Defendem, pois, a ideia de que todas as produes culturais de
massa no contexto da produo industrial sofrem o processo de mercantilizao, padronizao
e massificao.
Nessa mesma linha de raciocnio, argumentam que a indstria cultural, por meio de
todo seu aparato tcnico, expressa a viso social de mundo da classe burguesa, ou seja, dos
detentores dos meios de produo.
A expresso indstria no deve ser tomada ao p da letra, como processo de
produo em sentido estrito. O termo significa para Adorno e Horkheimer a estandardizao
do produto cultural. Nesse sentido, defendem a ideia de que toda sorte de manifestao da
indstria cultural idntica sob o domnio do monoplio. Em suas prprias palavras:
(...) a cultura contempornea confere a tudo um ar de semelhana. O cinema, o rdio, as
revistas constituem um sistema. Cada sistema coerente em si mesmo e o so em conjunto. At
mesmo as manifestaes estticas de tendncias polticas opostas entoam o mesmo louvor do
ritmo de ao. (...) O que no se diz que o terreno no qual a tcnica conquista seu poder sobre
a sociedade o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A
racionalidade tcnica hoje a racionalidade da prpria dominao. Ela o carter compulsivo
da sociedade alienada de si mesma. (ADORNO & HORKHEIMER, 2009, p. 99 - 100).

Por essa razo, ambos os autores no vislumbram qualquer contedo de oposio e


crtica social nos produtos da indstria cultural, j que o meio atravs do qual se constituem
coopta de antemo. Assim, tomando como base o raciocnio de Adorno e Horkheimer, a
crtica social veiculada por monoplios culturais seria inautntica, pois estaria subjugada pela
posio poltica da indstria e seus donos: a de legitimao ideolgica das sociedades
10

Sigo as ideias de Douglas Kellner. In: KELLNER, D. A Cultura da Mdia. Bauru: EDUSC, [1998]2001.

16

capitalistas existentes. Portanto, no posso deixar de observar nesta ideia o referencial


marxista de luta de classes: de dominao exclusiva da classe proprietria sobre a cultura do
povo - como gostaria de fazer crer a indstria cultural. A cultura sempre contribuiu para
domar os instintos revolucionrios, e no apenas os brbaros. A cultura industrializada faz
algo a mais. Ela exercita o indivduo na condio sob a qual ele est autorizado a levar essa
vida inexorvel.(ADORNO, T. & HORKHEIMER, M., [1947] 2006, p.126) . Nesse sentido,
as massas constituem o objeto da indstria cultural e no seu sujeito.
Assim, sobre essa coesa unidade com que se configura o sistema cultural, Adorno e
Horkheimer justificam-na pelo crculo de manipulao que opera e por aquilo que denominam
necessidade retroativa, explicam:
O fato de milhes de pessoas participarem dessa indstria imporia mtodos de reproduo que,
por sua vez, tornam inevitvel a disseminao de bens padronizados para a satisfao de
necessidades iguais. O contraste tcnico entre poucos centros de produo e uma recepo
dispersa condicionaria a organizao e o planejamento pela direo. Os padres teriam
resultado originalmente dos consumidores: eis porque so aceitos sem resistncia. De fato, o
que o explica o crculo da manipulao e da necessidade retroativa no qual a unidade do
sistema se torna cada vez mais coesa. (ADORNO&HORKHEIMER, 2009, p.100)

Como em Marx, esses dois pensadores da Escola de Frankfurt consideram as


expresses do produto cultural integrantes da superestrutura ideolgica que se constri na
sociedade. A msica, o cinema e os diversos contedos transmitidos pelo rdio e pela
televiso, sendo componentes do todo social, no estariam isolados e muito menos alheios a
outros componentes da totalidade orgnica. Partindo ento dos pressupostos filosficos do
materialismo histrico, esses autores buscam, primeiramente, uma leitura da totalidade que
compreende o fenmeno cultural, para ento situ-lo em relao ao todo, e deste movimento
estabelecem um ponto de partida analtico. O movimento inicial se faz do todo para as partes.
Veem, pois, a produo cultural como parte do processo produtivo.
Em sntese, Adorno e Horkheimer qualificam o efeito da indstria cultural como antiiluminista. Nela, o iluminismo(Aufklrung), que ambos classificam como o progressivo
domnio tcnico da natureza, torna-se o engano das massas. Assim, a indstria cultural nada
mais seria que o meio para sujeitar as conscincias.

17

_CAPTULO 2_

O MODELO DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO: A


MANUTENO DO ARCAICO EM PROMOO DO MODERNO

18

outra luz inesperada sobre a aventura dos anos 60, j que esse perodo que
s considerado remoto e datado por aqueles que temiam os desafios
surgidos ento, e que ainda os temem por os saberem presentes demais em
sua nova latncia.
(Caetano Veloso)
O desenvolvimento uma viagem com mais nufragos do que
navegantes. (Eduardo Galeano)

No presente captulo, tratei do modelo de desenvolvimento da economia brasileira


verificado entre os fins da dcada de 1950 e a primeira metade da dcada de 1970, para neste
contexto situar a manifestao tropiclia dos anos de 1967 e 1968. Identifico sua gnese no
governo do presidente Juscelino Kubistchek (1956-1962) e seu pice nos anos de chumbo da
ditadura civil-militar brasileira, especificamente o perodo entre os anos de 1968 e 1973,
tambm conhecidos como os anos do milagre econmico. Nesse recorte espao-temporal,
tem lugar no Brasil, primeiramente, o desenvolvimento de um parque industrial com base em
bens de consumo durveis produzidos para um mercado restrito e de altas rendas. No bojo
desta industrializao, destaquei, principalmente, a ascenso - e transnacionalizao - da
indstria fonogrfica que, assim como o rdio e a televiso, foi importante meio de difuso da
manifestao cultural aqui estudada.
Assim, discuti esse modelo de desenvolvimento com base nas contribuies tericas
de Tavares e Serra em Ms all del estancamento: uma discusin del estilo de desarollo
reciente (1970), de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto em Dependncia e
Desenvolvimento na Amrica Latina (1970), de Francisco de Oliveira em Crtica da Razo
Dualista (1972) e, por fim, de Celso Furtado em O Mito do Desenvolvimento
Econmico(1974). Alm destas referncias, aproveitei-me dos trabalhos de Claudio Salm,
Marco Antnio da Rocha e Pablo Bielschowsky presentes no livro Ecos do Desenvolvimento:
uma histria do pensamento econmico brasileiro (2011) e de Andr Villela e Jennifer
Hermann presentes em Economia Brasileira Contempornea: 1945-2004 (2005).
Furtado introduziu, ao longo da dcada de 1960, o debate do modelo de
desenvolvimento em obras como: Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (1961), Dialtica
do Desenvolvimento (1964) e Desenvolvimento e Estagnao na Amrica Latina: um enfoque
estruturalista (1969). Tomando como base este ltimo, Tavares e Serra desconstruram em
19

Ms All a ideia de tendncia estagnao do desenvolvimento capitalista no Brasil e


classificaram suas estruturas arcaicas como pressupostos de um modelo de desenvolvimento
desigual que assumia trajetria pujante. No mbito das relaes internacionais, Cardoso e
Faletto analisaram a internacionalizao do mercado interno brasileiro, da mesma forma que
Furtado o identificou como um satlite cultural dos pases centrais. Por fim, Chico de
Oliveira constri sua viso de um modelo de desenvolvimento partindo da crtica ao dualestruturalismo. Ao contrrio da ideia de Dois Brasis - o arcaico e o moderno -, identificou
as estruturas arcaicas e modernas como partes integrantes de uma mesma totalidade: o
desenvolvimento do modo de produo capitalista de um s Brasil.
Tamanha contradio do modelo econmico brasileiro engendrou, na passagem das
dcadas de 1960 e 1970, os debates em anlise neste captulo cujas palavras de ordem eram:
desenvolvimento auto-sustentado, internalizao dos centros decisrios, integrao
nacional, planejamento, interesse nacional. Verifiquei, assim, o carter nacional e a
contradio entre arcaico e moderno como objetos primordiais dos intelectuais de esquerda do
perodo assinalado.
Esses mesmos elementos contraditrios, inerentes ao modelo de desenvolvimento
capitalista brasileiro, se conformam no campo da expresso cultural na Tropiclia: a
exacerbao do Brasil como um absurdo, por meio de suas alegorias representativas de um
Brasil arcaico em convivncia com a modernizao econmica, assim definida por Celso
Furtado (1974, p.81): processo de adoo de padres de consumo sofisticados (privados e
pblicos) sem o correspondente processo de acumulao de capital e progresso nos mtodos
produtivos.

2.1 O parque industrial nos Anos JK: a gestao de um modelo de


desenvolvimento econmico

Em 1956, Juscelino Kubistchek foi eleito Presidente do Brasil e teve como principal
plano econmico o famoso Plano de Metas cujo slogan era 50 anos em 5 . Tal poltica adotava
como prioridade a transformao estrutural da economia brasileira promoo da
infraestrutura interna, principalmente nas reas de energia e transportes com a finalidade de
consolidar a industrializao, sobretudo de bens de consumo durveis. Ademais, a acelerao
necessria para o cumprimento do Plano de Metas advinha, segundo Francisco de Oliveira
20

([1973]2013, p.73), de uma associao com o capital estrangeiro - sobretudo no fornecimento


de tecnologias que ainda no existiam no Brasil e que s eram ento produzidas nos grandes
centros do capitalismo. Como principal ambio do plano, destaco a construo de Braslia
presente em metfora na msica Tropiclia (1968) de Caetano Veloso11:
eu organizo o movimento
eu oriento o carnaval
eu inauguro o monumento
no planalto central
do pas
viva a bossa-sa-as
viva a palhoa-a-a-a

Nos anos do Presidente Bossa-Nova as prioridades estavam voltadas, segundo


OLIVEIRA ([1973]2013, p.75), para a definitiva converso do setor industrial e das suas
empresas em unidades-chave do sistema, a implantao dos ramos automobilstico,
construo naval, mecnica pesada, cimento, papel e celulose, ao lado da triplicao da
capacidade da siderurgia e, em segundo plano, estava relegada a estabilidade
macroeconmica e o controle das contas pblicas. Como efeito desta poltica, aponta os
seguintes resultados:
A acelerao do perodo Kubitschek no pode ser menos que exagerada, e suas
repercusses pronto se materializaram. O coeficiente de inverso a relao entre a
formao de capital e o produto bruto se eleva de um ndice 100 no quinqunio
anterior para um ndice 122, isto , em cinco anos, a mdia anual do coeficiente,
comparada com a mdia anual do quinqunio precedente cresce quase , o que um
esforo digno de nota para qualquer economia. (OLIVEIRA, [1972]2013 p.74)

A partir destes dados, Oliveira questiona como se daria o processo de acumulao de


capital num pas inscrito na periferia do capitalismo mundial. Vale ressaltar que, no contexto
das relaes econmicas internacionais, as polticas externas estadunidenses relacionadas
Amrica Latina eram essencialmente imperialistas. Assim, argumenta que o ambicioso
projeto, baseado nas indstrias transnacionais, se ancorou em duas bases de financiamento
para fins de sua viabilidade: primeiramente, a aliana com o capital estrangeiro - tanto como

11

A referncia a planalto central do pas continua a mesma, como uma clara aluso a Braslia (o moderno) e
ao interior (o serto, o arcaico): o luxo no lixo e a carnavalizao do monumental; a bossa e a palhoa cada uma
contendo a outra a bossa o novo jeito brasileiro, que, no entanto, pressupe o velho e o contm; a palhoa o
velho que pressupe e contm o novo. (FAVARETTO, [1979] 2007, p.72)

21

fonte de crdito em divisas, como pela importao de know-how - e, por outra, o aumento da
explorao do trabalho por meio do congelamento dos salrios reais - como forma de
diminuir os custos de produo do empresariado. FURTADO (1974, p.81) aponta para o
mesmo caminho em seu O Mito do Desenvolvimento Econmico:

Quanto mais amplo o campo do processo de modernizao (e isso no inclui s a


forma de consumo civis, mas tambm as militares) mais intensa tende a ser a
presso no sentido de ampliar o excedente, o que pode ser alcanado mediante
expanso das exportaes , ou por meio do aumento da taxa de explorao, vale
dizer, da proporo do excedente no produto lquido.

Embora seja presente a ideia de um pacto de classes entre o operariado urbano12 e as


classes dirigentes nos anos pr-1964, Oliveira afirma, que entre os anos de 1958 e 1968 se
verifica uma tendncia de deteriorao do salrio mnimo real agravada a partir do ano golpe,
conforme se observa na seguinte tabela13:
Tabela 1 - Evoluo dos valores do salrio real (1958-1968)

Ano
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968

NDICES (base - 1958 =100)


VARIAO ANUAL
Guanabara
So Paulo Guanabara So Paulo
100,0
100,0
75,8
76,3
-24,2%
-23,7%
100,0
98,1
31,9%
28,6%
115,3
109,7
15,3%
11,8%
98,1
92,9
-14,9%
-15,3%
91,7
85,9
-6,5%
-7,6%
88,9
87,2
-3,1%
1,6%
85,3
84,6
-4,0%
-3,0%
76,4
73,1
-10,5%
-13,7%
74,5
71,8
-2,4%
-1,7%
73,9
70,5
-0,9%
-1,8%
Fonte: Mello e Souza, A.

Com base nos dados expostos, OLIVEIRA ([1972] 2013, p.80) defende o argumento
de que a crescente taxa de explorao do trabalho somente foi contra-arrestada apenas
quando o poder poltico dos trabalhadores pesou decisivamente. Embora os anos JK sejam
12

Os trabalhadores rurais no foram comtemplados nesse pacto.


Selecionei, da tabela apresenta por Francisco de Oliveira em A crtica da razo dualista, a evoluo dos
valores do salrio real a partir de 1958 tomando este ano como ano-base. A tabela original compreende o perodo
entre os de 1944 e 1968. (MELLO E SOUZA, A. apud OLIVEIRA, F., [1972] 2013, p.79)
13

22

conhecidos como os anos dourados e o salrio mnimo tenha sido recorde em 1958, os
determinantes fundamentais do modelo de desenvolvimento brasileiros o aumento da
relao excedente-salrio e protagonismo do capital estrangeiro estavam sendo afirmados.
Nesse sentido, Oliveira defende a ideia da formao das bases de um modelo econmico
assentado no aumento da explorao do trabalho e da manuteno de significativo exrcito
industrial de reserva que ganharia novos impulsos e se consolidaria entre os anos de 1968 e
1973. No se trataria, para o autor, de um modelo econmico da ditadura e sim de um
aprofundamento daquele j existente e em esboo no perodo democrtico anterior ao golpe.
Vale lembrar que a essncia do modelo de desenvolvimento, compreendido no recorte
espao-temporal aqui estudado, era o atendimento das demandas de consumo dos grupos de
alta renda que ao invs de importarem passavam a consumir produtos made in Brazil14.
Recuperando Furtado (1974), o delineamento do desenvolvimento industrial no Brasil se
explica antes pelo comportamento cultural (dependente) de uma classe, motivado por uma
ideologia maior e estrangeira: a reproduo do american way of life na repblica das
bananas. Neste modelo, as classes trabalhadoras no constituam o mercado consumidor da
indstria de bens de consumo durveis. Com salrios prximos ao nvel de subsistncia,
acessavam basicamente mercadorias originrias da indstria de bens de consumo nodurveis como produtos de alimentao e vesturio.
Ademais, mesmo antes do golpe militar, o projeto de industrializao brasileira
apresentava de antemo certa ambiguidade na conduo de seus centros decisrios: tratava-se,
pois, de um projeto de emancipao nacional ou de manuteno da condio de dependncia?
A industrializao per se - o desenvolvimento das foras produtivas industriais - seria
sinnimo de desenvolvimento e soberania econmica nacional? Ao refletir sobre essas
questes, OLIVEIRA ([2003]2013, p.77) nos diz:

inegvel que se o capital estrangeiro entrou sobretudo nos ramos chamados


dinmicos e se esses ramos so os motores da expanso, o capital estrangeiro de
certo modo controla o processo dessa expanso; por oposio, o capital nacional
controla menos a economia brasileira que h vinte anos.

Semelhante questionamento informa a tese central de A Revoluo Brasileira escrita


14

Lembrando que eram esses ltimos estratos da populao os maiores beneficiados em renda desse modelo de
crescimento. Alm da inflao privilegiar os mais ricos, pelo rentismo, em detrimento dos mais pobres. A alta
classe mdia assumia novas ocupaes com a implantao do novo corpo industrial. Ou seja, ganhavam os mais
abastados e perdiam os trabalhadores. (Cf. OLIVEIRA, [1972] 2013, p.78)

23

em 1966 perodo central do debate das ideias em tela do historiador Caio Prado Jnior:

Pelo caminho que vamos seguindo, o processo de industrializao do nosso pas, em


vez de resultar num decisivo ascenso da economia brasileira, e acentuado ritmo de
progresso dos padres de vida do conjunto da populao do pas, ir dar
simplesmente, como j est sendo o caso, em nova forma, embora mais complexa e
menos aparente, de explorao imperialista, a par de outra que vem de longa data e
que vem a ser a de um simples fornecedor de matrias-primas e de gneros
alimentares, ao comrcio internacional. (PRADO JNIOR, C apud ROCHA, M. A.)

Segundo Marco Antnio da Rocha (2011), na base da industrializao brasileira do


perodo JK, est a ideia de que o tratamento dado ao capital estrangeiro deita razes no
processo de formao da burguesia industrial no Brasil: um carter associativo com outras
fraes dessa mesma classe burguesa, tanto a de origem nacional quanto a de origem
estrangeira. Desta feita, a suposta burguesia nacional15, muito longe de ter uma vocao
nacionalista, despontava nesse contexto, dependente do sistema capitalista internacional (Cf.
ROCHA, 2011).
Faz-se necessrio discorrer nesse momento sobre o protagonismo terico da
Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal) nos projetos de
industrializao dos pases latino-americanos. A Cepal, criada em 25 de fevereiro de 1948 e
com sede em Santiago do Chile, postulava que a industrializao era o caminho de superao
do estado de subdesenvolvimento destes pases. Nesse contexto, Celso Furtado escreve no ano
de 1955 e em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
(BNDES), o documento Esboo de um programa de desenvolvimento para a economia
brasileira no perodo de 1955 a 1960 que influenciou diretamente o Plano de Metas (1956).
As vises de Prado Jnior e, por conseguinte, dos pensadores da teoria da dependncia
eram crticas ao pensamento cepalino. Prado Jnior, na sua Revoluo Brasileira, apontou o
carter imperialista da industrializao no Brasil e assim, defendeu que a industrializao per
se no resolveria o problema do subdesenvolvimento. Nesse mesmo sentido, a teoria da
dependncia refora o carter imperialista da industrializao no Brasil, porm contrria
formulao dual-estruturalista um Brasil dividido em dois modos de produo em conflito:
o capitalismo e o pr-capitalismo - no s defendida pelo corpo de economistas da Cepal
como tambm por Prado Jnior. Assim, a teoria da dependncia da Escola de Sociologia da

15

O termo burguesia nacional, no contexto do debate da revoluo brasileira, correspondia a ideia de uma
burguesia nacional-industrial que seria a vanguarda da revoluo burguesa no Brasil em contraposio a
burguesia agrrio-exportadora cujos interesses estavam em manter o status-quo.

24

USP e do posterior Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap) identificou no


Brasil um modo de produo unvoco o capitalismo e uma contradio que inerente ao
modelo de desenvolvimento industrial no Brasil: um desenvolvimento pretensamente nacional
mas voltado para fora e empobrecedor.

2.2 Os anos de baixo crescimento: estagnao do modelo ou crise


contingente?
O perodo que sucedeu o quinqunio de Juscelino Kubistchek foi marcado por fortes
instabilidades decorrentes de um projeto de desenvolvimento econmico sob coordenao
do Estado - ancorado em grande parte no capital estrangeiro e na deteriorao do poder de
compra dos trabalhadores (engolfado pela inflao). Se de um lado h uma abrupta mudana
estrutural no Brasil a modernizao - de outro existe uma turbulncia nos ndices
macroeconmicos, em grande parte consequncia do endividamento, que acentuariam os
conflitos distributivos entre as classes sociais. Assim, alm das instabilidades econmicas e os
anos de baixo crescimento da primeira metade da dcada de 1960 verifica-se, nesse perodo,
uma srie de percalos polticos.
Em janeiro de 1961, Jnio Quadros se elege presidente da repblica pelo pequeno Partido
Trabalhista Nacional (PTN) - mas apoiado pela Unio Democrtica Nacional (UDN). No
campo econmico, seus principais objetivos eram a estabilizao domstica por meio de
uma poltica de austeridade econmica e a recuperao do crdito externo. Pretendia, pois,
retomar o crescimento com base nos capitais estrangeiros, oficiais e privados. No entanto,
Jnio Quadros, com forte oposio no Congresso Nacional, renuncia em agosto do mesmo
ano de 1961 e, em meio a grande turbulncia poltica, assume seu vice Joo Goulart, que fora
eleito vice-presidente de Quadros pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e que passa ento
a governar num regime parlamentarista que s se encerraria em 1963.
Em linhas gerais, a presidncia de Joo Goulart adotou uma linha de governo com perfil
reformista e esquerdizante em meio aos impasses econmicos dos anos de baixo crescimento.
Sem lugar dvida, as reformas de base constituram a bandeira principal do governo Jango
e entre suas principais iniciativas, destaco as seguintes reformas: agrria, bancria, fiscal,
25

urbana, administrativa e universitria. A reforma agrria, carro-chefe das reformas propostas,


visava permitir o acesso terra a milhes de trabalhadores rurais - o que significava, de
acordo com o trabalho dos tericos aqui abordados16, distribuio de renda e ampliao do
mercado interno brasileiro.
A Lei de Remessa de Lucros (Lei n 4.131, de 3 de setembro de 1962) afastou o capital
estrangeiro. Em 1962-1963, cai o investimento e se estanca o crescimento, ao mesmo tempo
em que h assustador aumento da taxa de inflao, que vai superar os 50% em 1963. (Cf.
SALM, 2011).
O que vale ressaltar, de forma esquemtica, que medidas como a distribuio de
propriedade rural, o controle da sada de capitais e, em menor parte, o aumento do salrio
mnimo acima da taxa pr-fixada so incompatveis com um modelo de desenvolvimento
baseado no aumento da explorao do trabalho e a internacionalizao do capital. Por esta
razo, Jango encontrou ao longo de seu mandato dificuldades polticas - sobretudo no
Congresso Nacional - em implementar a agenda de governo, o que o levou a buscar apoio de
diversas agremiaes de esquerda pelo Brasil conforme observado nos comcios que fez ao
longo do pas. Exemplo disso foi o Comcio das Reformas que teve lugar no Rio de Janeiro
em 13 de maro de 1964 e que ficou popularmente conhecido como Comcio da Central.
Diante desse contexto, acirra-se a luta de classes no Brasil: na mo direita, o
acirramento da conspirao militar contra Goulart e a Marcha pela Famlia com Deus pela
Liberdade e, no pulso esquerdo, um bang-bang nas ocupaes de terras e propriedades
estrangeiras promovidas por movimentos de trabalhadores rurais. As reformas de base
alarmavam as foras conservadoras no pas bem como a diplomacia norte-americana. O
carter socializante do governo Jango combinado a um contexto de instabilidade econmica
preparava as foras da reao que viriam instituir em 31 de maro de 1964 o golpe militar.
Nessa primeira metade da dcada de 1960, observou-se no Brasil um esgotamento do
desenvolvimento industrial apoiado na substituio de importaes. A respeito disso,
prevaleceram nesse perodo, construes de modelos tericos de corte estagnacionista em
certos meios intelectuais e polticos conforme verificado em Auge e declnio do processo de
substituio de importaes no Brasil (1963) de Maria da Conceio Tavares e em trabalhos

16

Ver Crescimento, distribuio de renda e progresso tcnico: as controvrsias sobre o padro de acumulao
(2012) de Pablo Bielschowsky e Revoluo Brasileira, dualidade e desenvolvimento: do nacionaldesenvolvimentismo Escola de Sociologia da USP (2012) de Marco A. Rocha presentes em Ecos do
Desenvolvimento: uma histria do pensamento econmico brasileiro (2012), coordenado por Maria Malta.

26

de Celso Furtado com destaque para Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961) e


Subdesenvolvimento e Estagnao na Amrica Latina (1966).
Acreditava-se, portanto, que a economia brasileira, assim como outras economias latinoamericanas, encontrava-se ante uma situao de estagnao estrutural no mdio e no longo
prazo (Cf. TAVARES & SERRA, [1970] 2000). Em sntese, defendia-se a ideia de que as
condies estruturais dos pases latino americanos eram estanques ao desenvolvimento
capitalista nessas regies. Nesse sentido, as economias latino-americanas ao conservarem suas
estruturas arcaicas necessariamente no escapariam da condio de estagnao.
No entanto, a tese que aqui se esboa defende a hiptese de que a crise do processo
substitutivo representa, no essencial, os incios da mudana de configurao de um mesmo
modelo de desenvolvimento que mantm as suas caractersticas fundamentais: a priorizao
da indstria de bens de consumo durveis e a manuteno, em um primeiro momento, de um
mercado consumidor restrito; alm de se aproveitar da manuteno de traos estruturais
arcaicos como a excluso social j mencionada e a concentrao de terra. A transio se
consolidaria mais tarde no fortalecimento da associao do Estado (ditadura) e empresas
transnacionais na impulso do investimento interno, precisamente no perodo entre os anos de
1968 e 1973.
A taxa mdia de crescimento de 4% ao ano do perodo 1962-1967 baixa se comparada
ao resultado dos anos do chamado milagre (1968-1973). Isso fica evidente na seguinte
tabela17:
Tabela 2 - Taxas mdias de crescimento anual do PIB (1950-1980)

1950-1955 6,7%
1956-1961 8,2%
1962-1967 4,0%
1968-1973 12,2%
1974-1980 7,1%
Fonte: IBGE

A transio do modelo no se resultou, todavia, apenas de fatores econmicos. Mudanas


institucionais e polticas imprimiram diretamente seus traos nos contornos do modelo de
desenvolvimento brasileiro em anlise. O golpe civil-militar de 1964 e nova configurao
17

SALM, C. (2011)

27

institucional do Brasil em um regime de governo autocrtico foram determinantes na


maturao do modelo, nos anos do milagre, sobretudo no que diz respeito ao seu carter
excludente.
O Estado brasileiro que emerge com o golpe de 1964 no teria maiores
compromissos com a chamada burguesia nacional e disporia de maior grau de
liberdade para estabelecer novas formas de associao com o capital estrangeiro em
setores estratgicos. Ao empresariado nacional, no novo esquema, restava um papel
secundrio, cabendo ao Estado prover as multinacionais de insumos e infraestrutura.
Estado e multinacionais se associam em grandes empreendimentos (minerao,
petroqumica, transportes, energia), o que vai configurar um novo estilo de
desenvolvimento capitalista no Brasil, cujos traos principais foram o maior peso, a
complementaridade mais ampla de seus setores de ponta e a mais visvel
solidariedade entre o Estado e o capital estrangeiro no que tange aos investimentos
mais dinmicos. (SALM, C., 2011, p.183)

2.3 O Golpe de 1964 e a consolidao de um modelo econmico excludente


O perodo de 1964-1973 compreendeu os mandados dos seguintes ditadores: o
marechal Humberto Castello Branco (1964-1966), os generais Arthur da Costa e Silva (19671969) e Emlio Garrastazu Mdici (1969-1973). A homogeneidade de tal perodo marcada
pela continuidade de um modelo poltico ditatorial e de um modelo comum de
desenvolvimento econmico firmado por uma aliana entre Estado e capital estrangeiro.
O modelo de poltica econmica inaugurado fora formulado por economistas de perfil
ortodoxo: Octvio Gouveia de Bulhes e Roberto Campos respectivamente ministros da
Fazenda e Planejamento no mandato de Castello. Portanto, diante de um contexto de
instabilidade econmica a alta generalizada nos ndices de preos - a ditadura lana o Plano
de Ao Econmica do Governo (PAEG), elaborado por Campos e Mrio Henrique Simonsen,
cujo principal objetivo era o combate inflao.

No que tange ao desempenho da economia, os anos 1964-73 abrigaram duas fases


distintas. A primeira, de 1964 a 1967, caracterizou-se como uma fase de ajuste
conjuntural e estrutural da economia, visando ao enfrentamento do processo
inflacionrio, do desequilbrio externo e do quadro de estagnao econmica do
incio do perodo. Os anos de 1964-67 foram marcados pela implementao de um
plano de estabilizao de preos de inspirao ortodoxa o Plano de Ao
Econmica do Governo (Paeg) e de importantes reformas estruturais do sistema
financeiro, da estrutura tributria e do mercado de trabalho. Nesse perodo, a
economia brasileira teve um comportamento do tipo stop and go, embora o
crescimento mdio do PIB tenha sido razovel (4,2% ao ano). (HERMANN, 2005,
p.70)

28

Os militares buscaram, com esse plano de austeridade, conter o poder de compra da


classe trabalhadora atravs de uma poltica de arrocho salarial tanto na esfera pblica quanto
no setor privado, conforme o diagnstico de inflao de demanda prescrito no plano18.
Alm disso, as reformas tributrias e financeiras presentes no PAEG pretendiam diminuir o
dficit pblico e a emisso monetria, consolidando e aprofundando as bases de um modelo
de desenvolvimento econmico excludente. A reforma tributria, de carter regressivo,
privilegiava os impostos indiretos em lugar da tributao direta, fazendo com que pobres
pagassem proporcionalmente mais impostos que os ricos.
A reforma do Sistema Financeiro Brasileiro (SBF), alm de favorecer a concentrao
de renda, ampliou o grau de abertura da economia ao capital externo, de risco (investimentos
diretos) e, principalmente, de emprstimo. Primeiramente, foram eliminadas restries
entrada de capitais estrangeiros por meio da adoo de diversos incentivos s exportaes. A
abertura financeira era vista como uma condio capaz de contribuir para o aumento da
concorrncia e eficincia do SFB uma vez posto o problema da escassez de poupana como
causa do baixo nvel de investimento agregado: um diagnstico comum entre a viso oficial
(governo) e Furtado19. Um efeito de curto prazo desta reforma foi a criao do Banco Central
e a instituio de um mercado de ttulos de dvida pblica no pas (Obrigaes Reajustveis
do Tesouro Nacional, ORTN), que passaria a financiar a partir de 1965 os dficits do governo,
antes financiados por emisso monetria. Isto posto, alm do problema do combate inflao,
o governo buscou criar condies para sua capacidade de financiar investimentos pblicos.
Promoveu-se, assim, a abertura ao exterior por meio da eliminao de restries entrada de
capitais estrangeiros e mediante a adoo de diversos incentivos s exportaes.
Portanto, as reformas do PAEG fiscal e financeira marcam, inicialmente, a
transio para os anos de milagre no modelo de desenvolvimento brasileiro. Nessa segunda
etapa do perodo econmico da ditadura, passada a fase de estabilizao e de reformas
institucionais, seriam priorizadas polticas voltadas para o crescimento e desenvolvimento
com a finalidade de gerar endogenamente as fontes de expanso dessa economia. Alm
18

Adotou-se uma poltica de correo salarial orientada pelo critrio da manuteno do salrio mdio verificado
no binio anterior acrescido da porcentagem correspondente ao aumento da produtividade. De acordo com
Hermann, essa regra foi aplicada administrao pblica e em 1966 estendeu-se ao setor privado. Num primeiro
momento, os salrios eram corrigidos de acordo com a mdia dos dois anos anteriores, num segundo momento
precisamente 1965 muda-se a regra de correo e os salrios passam a ser corrigidos de acordo com ainflao
prevista pelo PAEG. Mesmo com a mudana de regras, o resultado das polticas foi o mesmo: a perda real do
poder de compra das classes trabalhadoras. (Cf. HERMANN, 2005)
19
O diagnstico de Furtado a respeito da tendncia estagnao, dos anos 1962-1967, e suas supostas causas
distribuio de renda e escassez de poupana sero analisadas na prxima sesso deste captulo.

29

disso, firmada a associao entre Estado e empresas transnacionais em grandes


empreendimentos. Reitero, a partir da anlise de Oliveira, que a poltica seletiva do PAEG
distinguiu, antes de mais nada, as classes sociais, privilegiando as necessidades da produo.
Portanto, ela deu razo classe empresarial em detrimento das demandas das classes
subalternas que, quando respondidas, eram feitas pelo aparato coercitivo do Estado.

2.4 Recuperao econmica e o Milagre (1968-1973)


A partir do ano de 1968, a economia brasileira inaugurou uma fase de crescimento
vigoroso que se estendeu at o ano de 1973. Este perodo ficou popularmente conhecido como
milagre econmico.
Nesse perodo, o PIB brasileiro cresceu a uma taxa mdia da ordem de 11% ao ano,
liderado pelo setor de bens de consumo durvel e, em menor escala, pelo de bens de
capital. A taxa de investimento, que ficou estagnada em torno de 15% do PIB no
perodo 1964-67, subiu para 19% em 1968 e encerrou o perodo do milagre em
pouco mais de 20%. O crescimento do perodo de 1968-73 retomou e complementou
o processo de difuso da produo e consumo de bens durveis, iniciado com o
plano de metas. (HERMANN, 2005, p.82)

No decorrer desse mesmo ano de 1968, foi lanado o Plano Estratgico de


Desenvolvimento (PED) com o fim de promover o crescimento de forma mais arrojada sem,
contudo, deixar de controlar os ndices de preos.20 Entre as principais prioridades do plano
destaco as seguintes: estabilizao gradual dos preos sem o rigor de metas; o fortalecimento
das empresas privadas; a consolidao da infraestrutura a cargo do governo e a ampliao do
mercado interno com fins de sustentao da demanda por bens de consumo principalmente
durveis.
A mudana de nfase na poltica monetria e inflacionria, introduzida pelo ministro
Delfim Netto, aliada aos efeitos da reforma financeira, que facilitou a expanso do crdito ao
consumidor, se refletiu na atividade econmica a partir de 1968, quando o PIB cresceu mais
que o dobro do ano anterior: 9,8%. O crdito total entre os anos 1968-1973, comparado ao
perodo de baixo crescimento (1964-1967) seguiu a mesma tendncia: com crescimento real
mdio de 17%, ante 5% do perodo anterior. Esse crescimento, vale notar, foi concentrado no
20

As polticas fiscal e salarial do Paeg forma mantidas praticamente sem alteraes: os dficits do governo foram
sendo reduzidos e as correes salariais seguiram a regra criada em 1966, baseada na inflao estimada pelo
governo e no na inflao efetiva.

30

crdito ao setor privado (25% no milagre contra 7% antes), j que a manuteno do ajuste
fiscal reduziu a absoro de recursos pelo setor pblico. (Cf. HERMANN, 2005)
Tavares e Serra escrevem, no ano de 1970, Ms all del estancamiento na sede da
Cepal em Santiago do Chile j durante os anos do milagre econmico e, assim, procuravam
compreend-lo. O artigo desconstruiu a ideia de parte da intelectualidade de esquerda, de que
com a necessria tendncia estagnao do desenvolvimento capitalista no Brasil, o poder
dos militares seria enfraquecido, o que abriria novas oportunidades revoluo brasileira.
Contudo, o que ambos os autores buscam demonstrar que estruturas arcaicas prevalecentes
na economia brasileira, como a concentrao de renda e de terras, no constituram
empecilhos ao desenvolvimento capitalista no Brasil, como certamente o caso da falta de
oportunidades de investimento. Pelo contrrio, pobreza, concentrao fundiria e subemprego
propulsionaram a modernizao brasileira acentuando seus traos arcaicos.
Em seu modelo, Furtado (1966) vincula a estagnao estrutura da demanda logo,
distribuio de renda. Assim, argumenta que a industrializao com base na substituio de
importaes no gerou seu prprio mercado (como ocorrido com o mercado de massas
americano) e manteve os padres de consumo das classes de maior renda que eram
culturalmente reproduzidos dos grandes centros. Isso, com efeito, impedia o aumento da taxa
de poupana. Furtado desenvolveu sua anlise tomando como foco a evoluo decrescente da
relao produto-capital (Y/K) na medida em que avanava a industrializao. Assim, quanto
menor fosse a relao Y/K menor seria a taxa de crescimento de uma economia dada a taxa de
acumulao (S/I). (Cf. SALM, 2011)
Tavares e Serra, no entanto, criticam a nfase dada por Furtado na relao produtocapital (Y/K) pois se trataria de um fator ex post que no permitiria a explicao da dinmica
do modelo de desenvolvimento em observao. Antes de mais nada, o empresrio no decide
o quanto poupar e sim o quanto de sua renda destinada demanda (para consumo pessoal ou
investimento).21 Nesse sentido, o empresrio decide o quanto investir de acordo com suas
expectativas sobre a taxa de lucro. Contudo, nas indstrias mais modernas a taxa de lucro
poderia se manter mesmo que a relao produto-capital adotasse uma trajetria decrescente.
Ela vai depender, sobretudo, da relao excedente-salrio e da tecnologia incorporada em
novos equipamentos promovendo uma maior produtividade do capital (Cf. SALM, 2011).
21

De acordo com o Princpio da Demanda Efetiva, no se decide poupar posto que a poupana uma varivel
residual ou seja, o ltimo componente da renda a ser determinado de acordo com a sua variao. O que se
decide a parcela da renda destinada demanda.

31

Isto se verifica com o aumento da explorao do trabalho reforado pelas reformas do PAEG
e pelo desenvolvimento tecnolgico que promove o que Marx denominaria de mais-valia
relativa.
Para alm disso, Oliveira ([1974]2013) argumenta que a industrializao desse perodo
sobretudo a indstria de bens de consumo durveis dependeu fortemente da importao de
insumos industriais que no eram produzidos no Brasil e, portanto, de um contexto
internacional favorvel ao investimento externo e ao comrcio entre naes. Portanto, certo
que as elevadas taxas de crescimento verificadas entre os anos de 1968 e 1973 so, em grande
parte, resultados da expanso do comrcio mundial, da melhoria das relaes de troca e da
entrada de capitais estrangeiros (como emprstimos ou investimentos diretos). No entanto,
explica que o departamento 1 da indstria brasileira indstria de bens de capital no
acompanhou o crescimento do departamento 2 indstria de bens de consumo - o que tornava
esse processo de industrializao bastante dependente do mercado internacional. Tamanho
quebra-cabea refora o carter dependente do desenvolvimento industrial brasileiro cuja
dinmica , grosso modo, ditada pelo comrcio internacional.
Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto tomam como foco em Dependncia e
desenvolvimento na Amrica Latina (1970) a internacionalizao do mercado interno
brasileiro. Assim, explicam que se a condio de dependncia do Brasil tem explicaes
exteriores nao - o sistema centro-periferia -, a configurao entre as classes sociais que
possibilita a dependncia e lhe d fisionomia. Com efeito, as relaes entre as classes sociais
no Brasil de 1970 configura, alm de sua essncia, a condio de dependncia de um modelo
de desenvolvimento econmico baseado na indstria de bens de consumo durveis. A aliana
do Estado ditatorial com o empresariado (principalmente os grupos transnacionais), aliado a
um fraco poder de barganha das classes trabalhadores, define, de acordo com esses autores, os
contornos de um modelo de desenvolvimento capitalista dependente das economias centrais e
baseado no poder de compra das classes dominantes.
Furtado, em 1974, retoma a discusso da dependncia em O mito do desenvolvimento
econmico acentuando o impacto da colonizao cultural:

Nos pases perifricos, o processo de colonizao cultural radica originalmente na


ao convergente das classes dirigentes locais, interessadas em manter uma elevada
taxa de explorao, e dos grupos que, a partir do centro do sistema, controlam a
economia internacional e cujo principal interesse criar e ampliar mercados para o
fluxo de novos produtos engendrados pela revoluo industrial. Uma vez
estabelecida esta conexo, estava aberto o caminho para a introduo de todas as

32

formas de intercmbio desigual, que historicamente caracterizam as relaes entre


centro e periferia do sistema capitalista. Mas, isolar essas formas de intecmbio ou
trata-las como uma consequncia do processo de acumulao, sem ter em conta
como o excedente utilizado na periferia sob o impacto da colonizao cultural,
deixar de lado aspectos essenciais do problema. (FURTADO, 1974, p.85)

2.5 A indstria fonogrfica na esteira do modelo de desenvolvimento


Na esteira desse processo de industrializao, destaquei o crescimento da indstria
fonogrfica no final da dcada de 1960, como reproduo de um movimento geral de
expanso do nvel de produo, de distribuio e de consumo de cultura. De acordo com o
trabalho Organizao, crescimento e crise: a indstria fonogrfica brasileira nas dcadas de
60 e 70 de Eduardo Vicente, o autor defende a ideia de uma cristalizao dos padres de
consumo e organizao da indstria fonogrfica no Brasil no intervalo dessas duas dcadas
durante a ditatura, portanto.
Combinado a um extraordinrio crescimento desse segmento de mercado, Vicente
aponta a preponderncia da empresa transnacional sobre a nacional e do conglomerado sobre
a de orientao nica - independente. No ano de 1968, em especial ano de lanamento do
disco manifesto Tropiclia ou Panis et Circenses a indstria fonogrfica cresce num ndice
superior a 40% em relao ao ano anterior. Tamanha evidncia se encontra na seguinte
tabela22 :
Tabela 3 - Vendas da Indstria Fonogrfica Nacional por unidade 1967 - 1973 (milhes de unidades)

ANO Comp. Simp Comp. duplo LP

LP econ. K7

K7 duplo Total (mi) Var.%

1967

4,0

1,7

4,5

0,02 -

6,4

16,4%

1968

5,4

2,4

6,9

0,09 -

9,5

48,4%

1969

6,7

2,3

6,7

0,2

9,8

3,1%

1970

7,4

2,1

7,3

0,5

10,7

9,2%

1971

8,6

2,8

8,7

1,0

13

21,5%

1972

9,9

2,6

11,6

1,9

16,8

29,2%

1973

10,1

3,2

15,3 -

2,9

21,6

28,6%

Fonte: ABPD

VICENTE (2006, p. 117) informa que os lanamentos de discos internacionais entre

22

Fonte: Associao Brasileira de Produtores de Discos (ABPD). (VICENTE, 2006, p. 115)

33

esses anos tinham vantagens de custos em relao produo de msica nacional j que,
embora os sucessos estrangeiros fossem impressos no Brasil, eles no exigiam custos como o
de gravao das msicas e de produo da arte da capa. Em acordo com a sucessiva denncia
de Furtado sobre o mimetismo cultural verificado no padro de consumo dos brasileiros
sobretudo daqueles de rendas mais altas, apresento a seguinte tabela de Vicente realizada
com base nos dados da empresa de pesquisa de mercado Nopem a respeito da participao
da msica internacional sobre os 50 LPs mais vendidos entre os anos de 1965 e 197323:
Tabela 4 - Participao do repertrio internacional na listagem dos 50% LPs mais vendidos no eixo Rio/So Paulo entre
1965/1973.

Ano

N de LPs (50)

1965

14

1966

17

1967

14

1968

1969

1970

22

1971

23

1972

24

1973

16

Fonte: NOPEM

Isso demonstra que embora o mercado de LPs ainda no fosse massificado e ainda
restrito populao de altas rendas - que reproduzia o padro de consumo dos grandes centros
a msica nacional demostrou significativa hegemonia nesse segmento na dcada de 1960,
com destaque para os anos de 1968 e 1969 no calor da manifestao tropicalista. Contudo,
considero importante observar que a msica importada ganha significativa participao no
repertrio dos brasileiros consumidores de LP, frao essa que se consolida na dcada de
1970. Assim, o mimetismo cultural das classes de alta renda recorrentemente apontado na
obra de Furtado - fica cada vez mais evidente no mercado fonogrfico, conforme se verifica
entre os anos de 1970 e 1973. O efeito-demonstrao sobre a classe consumidora de bens de
consumo durveis no se verifica apenas no fato de se comprar LPs mas tambm em consumir
msica produzida no mercado estrangeiro.
23

Fonte: Nelson Oliveira Pesquisas de Mercado ( NOPEM). (VICENTE, 2006, p.117)

34

Vicente ento explica que com o objetivo de compensar essa diferena e incentivar a
gravao de msica nacional, uma lei de incentivos fiscais foi promulgada em 1967
facultando s empresas abater do montante do Imposto de Circulao de Mercadorias os
direitos comprovadamente pagos a autores e artistas domiciliados no pas (Idart, 1980: 118).
Segundo o autor, as gravaes beneficiadas recebiam o selo Disco Cultura. Assim, nesse
perodo e, sobretudo, na dcada de 1970 , os artistas de maior projeo na msica popular
brasileira concentraram-se nas gravadoras multinacionais - principalmente na Phillips - que
passou a congregar nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Gal Costa,
Maria Bethnia, Jorge Bem e Elis Regina, entre outros.
Em sua totalidade, o processo de desenvolvimento econmico nacional torna-se cada
vez mais ambguo. Se de um lado, dado o fato da existncia de um forte processo de
transformao estrutural da economia brasileira, de outro, discutvel, nessa trajetria, a
internalizao dos seus centros decisrios: o desenvolvimento em bases nacionais. Para fins
desta discusso, apresento outros dados:
A conta de servios e rendas registrou dficits crescentes, passando de cerca de
US$600 milhes em 1967 para US$2,1 bilhes em 1973. A causa desse salto foi o
aumento das despesas com juros e remessas de lucros reflexo da crescente
captao de capital externo e com fretes decorrente do aumento da corrente de
comrcio (soma das importaes e exportaes). Assim, o dficit de conta corrente
saltou de US$276 milhes em 1967 para US$2,51 bilhes em 1973. Portanto, o
milagre no campo das contas externas s foi possvel porque o ingresso de capital
no pas elevou-se acentuadamente: a dvida externa bruta brasileira saltou de US$3,4
bilhes para US$14,9 bilhes no mesmo perodo um aumento de 332%. Esse
endividamento mais do que compensou a necessidade de dficit em conta corrente,
permitindo inclusive o acmulo de reservas internacionais pelo Bacen, que
chegaram a US$6,4 bilhes em 1973, ante US$0,2 bilho em 1967. (HERMANN,
2005, p.88)

Tamanha evidncia a respeito da transferncia de rendas, de remessas de lucros e juros


para o exterior e da evoluo do endividamento externo, colocam bastante em dvida o
carter nacional do desenvolvimento econmico brasileiro. Os centros decisrios dessa
economia estariam no Brasil ou nas potncias capitalistas investidoras? Tratava-se assim da
acentuao do grau de dependncia do Brasil, isto , um pas na periferia do capitalismo cada
vez mais dependente poltica e economicamente dos grandes centros? Mais do que isto tudo:
o desenvolvimento capitalista no Brasil se deu para o bem de todos?
A alegoria tropicalista, por seu posto, conjugava o arcaico e o moderno em sua
metfora de Brasil. O parque industrial e o monumento do planalto central do pas estavam
35

num s corpo a nao - imbrincados ao serto, rua antiga estreita e torta e criana
sorridente feia e morta. Da mesma forma que Cardoso & Faletto e Oliveira defendem o
moderno e o arcaico como determinaes de um mesmo desenvolvimento capitalista tardio e
dependente. Identifico estes opostos reunidos na construo tropicalista de um s Brasil. Sua
roupagem moderna evidencia estes opostos como paralelos de um mesmo processo e no
contrapartes estanques. Mesmo que aparentemente alegre em sua forma, a ironia de um Brasil
que se desenvolve de forma autoritria e empobrecedora est dada.
Da mesma forma que a intelectualidade de esquerda debateu - entre os anos de baixo
crescimento e o milagre - o modelo de desenvolvimento brasileiro, a Msica Popular
Brasileira (e seus rumos) tambm estiveram em discusso no final da dcada de 1960
especialmente nos anos de 1967 e 1968. Alm de questes acerca do significado de msica
popular brasileira e o que nela se encaixaria, o que preocupava artistas e a intelectualidade
ligada msica eram anseios semelhantes aos dos pensadores do desenvolvimento: a linha
evolutiva da M.P.B.
A hiptese acima esboada da Tropiclia como alegoria irnica de um capitalismo
perifrico, autoritrio e dependente do Brasil de seu tempo - antes de ser um consenso se
inscreve na larga controvrsia que discuto no terceiro captulo deste trabalho. Encaminhei,
portanto, algumas questes: a Tropiclia foi capaz de construir uma crtica antropofgica em
relao ao consumo da esttica pop internacional? A Tropiclia apontou alternativas noalienadoras de consumo dos produtos - no somente culturais originados nos grandes
centros imperialistas? Aproveito, assim, a questo da dimenso cultural e ideolgica das
naes imperialistas sobre o padro de desenvolvimento dos pases capitalistas perifricos,
pensada por Furtado e reforada por Cardoso e Faletto, para o estudo da Tropiclia na esteira
do desenvolvimento.

36

_CAPTULO 3_

TROPICALISMO E INDSTRIA CULTURAL: ENTRE A COOPTAO


DE MERCADO E A INSERO CRTICA

37

Tropiclia estilo, no linguagem, porque


simplesmente se liberta da linguagem do consumo cultural.
Tropiclia uma crtica cultural, que ultrapassa os limites
da msica e insere provocao total na msica nativa. Isto
parece exagero, mas no : para mim, Tropiclia est para
a msica brasileira assim como Bout de Soufle est para o
cinema.
(Glauber Rocha)

Na terceira parte desta anlise, trabalho a controvrsia em torno da absoro do


movimento tropiclia pela indstria cultural no Brasil. Busco aqui pensar o espao crtico de
um movimento de contracultura diante do boom da indstria fonogrfica - pensada na esteira
do modelo de desenvolvimento brasileiro, em sua grande parte, coordenado por um Estado
ditatorial.
Para o alcance dessa finalidade, trabalho nessa seo a viso de trs estudiosos do
movimento e seu perodo histrico: Roberto Schwarz, Carlos Nelson Coutinho e Helosa
Buarque de Hollanda. Esses ltimos, assim como os integrantes da Tropiclia, viveram o
perodo em que buscaram analisar.

3.1 Roberto Schwarz e o esnobismo de massas


Essa anlise pretende, objetivamente, discutir as questes centrais abordadas por
Schwarz em seu Cultura e Poltica, 1964-1969 alguns esquemas com relao produo
musical do perodo em tela: a exploso da Tropiclia na msica popular entre os anos de 1967
e 1968.
Conforme dito anteriormente, o tropicalismo surge no cenrio musical brasileiro entre
os anos de 1967 - com a apresentao de Alegria, Alegria de Caetano Veloso e Domingo no
Parque de Gilberto Gil (com a participao dOs Mutantes) no III Festival Popular da Cano
e a impresso do lbum-manifesto Tropiclia e Panis et Circenses em 1968 que alm da
participao de Gil e Caetano, contava novamente com a presena dOs Mutantes (Rita Lee,
Srgio Dias Baptista e Arnaldo Baptista), Gal Costa, Tom Z, Torquato Neto, Rogrio Duprat
e Rogrio Duarte.
Coetneo insurgncia do movimento musical, o ensaio aqui discutido foi escrito por
Schwarz entre 1969 e 1970 e para um pblico francs. Tal reflexo se deu no incio de seus
38

anos de exlio em uma Paris cujo ar estava cheio dos vnements de mai24 (os acontecimentos
de maio de 1968). (Cf. SCHWARZ, [1979] 2009) Assim, Schwarz elabora seu balano
histrico a respeito da cultura e da poltica brasileiras observadas na dcada de 1960.
Sob esse recorte espao-temporal, Schwarz apresenta os seguintes elementos: at o
ano de 1964 parte da produo cultural de esquerda no Brasil atuou diretamente ligada aos
setores camponeses e operrios: a classe trabalhadora. Os Centros Populares de Cultura
(CPCs) da Unio Nacional dos Estudantes (UNE), alm de outras agremiaes de esquerda,
militavam atravs de peas e apresentaes musicais nos teatros mantidos por sindicatos e
organizaes de classe. Aps o golpe militar, essa ligao foi imediatamente cortada com a
proibio das encenaes, exibies e apresentaes dirigidas a este setor e nestes locais. A
produo cultural de cunho esquerdizante permanece hegemnica entre os anos de 1964 e
1968, porm confinada a um segmento de classe restrito: setores ligados a produo
ideolgica tais como estudantes, artistas, jornalistas, parte dos socilogos e economistas, a
parte raciocinante do clero, arquitetos etc mas da no sai nem pode sair por razes
policiais. (Cf. SCHWARZ, [1978] 2009, p.8)

A sua produo de qualidade notvel nalguns campos, e dominante. Apesar da


ditadura da direita h relativa hegemonia cultural da esquerda no pas. Pode ser vista
nas livrarias de So Paulo e Rio, cheias de marxismo, nas estreias teatrais,
incrivelmente festivas e febris, s vezes ameaadas de invaso policial, na
movimentao estudantil ou nas proclamaes do clero avanado. Em suma, nos
santurios da cultura burguesa a esquerda d o tom. Esta anomalia que agora
periclita, quando a ditadura decretou penas pesadssimas para a propaganda do
socialismo o trao mais visvel do panorama cultural brasileiro entre 1964 e
1968. Assinala alm de luta, um compromisso. (SCHWARZ, [1978] 2009, p.8).

Isto posto, mesmo confinada, essa produo cultural de esquerda alcana uma massa
de pblico cada vez maior nos setores da burguesia. Assim, em contraposio ideologia de
esquerda presente nesse circuito, a direita ditatorial decreta o fim das atividades de cunho ou
natureza poltica25 em todos os campos inclusive na cultura atravs do AI-5. Com efeito,
tal decreto instituiu oficialmente a censura no pas que se materializava de diversas formas:
substituio, perseguio, priso, tortura, expulso do meio acadmico aposentadoria

24

Um crtico na periferia do capitalismo. Entrevista de Schwarz concedida a Luis Henrique Lopes dos Santos e
Mariluce Moura na Revista Fapesp.
In:http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Schwarz,%20Roberto/Roberto%20Schwarz%20%20Entrevista%20Revista%20da%20Fapesp.pdf. Acessado em 27 de julho de 2014 s 23:58.
25
Conforme presente no inciso IV do artigo quinto do texto original do AI-5.

39

compulsria sem remunerao de professores, encenadores, escritores, msicos e editores.


(Cf. SCHWARZ, [1978] 2009)
Na esteira desse processo, SCHWARZ ([1978] 2009) indagou no seu Cultura e
Poltica: 1964-1969 qual era o lugar social do tropicalismo, e tambm, qual era o fundamento
histrico de sua alegoria sincretista - a combinao entre extremos e absurdos26: para obter o
seu efeito artstico e crtico o Tropicalismo trabalha com a conjuno esdrxula de arcaico e
moderno que a contra revoluo cristalizou, ou por outra ainda, com o resultado da anterior
tentativa fracassada de modernizao nacional. A respeito de seu locus social, informa:

Diante de uma imagem tropicalista, diante do disparate aparentemente surrealista


que resulta da combinao que descrevemos, o espectador sintonizado lanar mo
das frases da moda, que se aplicam: dir que o Brasil incrvel, a fossa, o fim, o
Brasil demais. Por meio dessas expresses, em que simpatia e desgosto esto
indiscernveis, filia-se ao grupo dos que tem senso do carter nacional. Por outro
lado, este clima, esta essncia impondervel do Brasil de construo simples, fcil
de reconhecer ou produzir. Trata-se de um truque de linguagem, de uma frmula de
viso sofisticada ao alcance de muitos. (SCHWARZ, [1978] 2009, p. 31)

Schwarz quer com isto dizer que o Tropicalismo no campo musical atravs de uma
linguagem simples e de fcil reproduo alcana pblicos diversos: tanto um pblico letrado
e consciente das referncias e intertextualidades presentes em suas letras e atinge tambm
aqueles que iro simplesmente apreci-las e reconhec-las em estilos que lhes so familiares
o pop internacional e a prpria msica popular do Brasil27. Em outras palavras, Schwarz
defende que o tropicalismo, atravs de um estilo compatvel com o gosto popular, atinge um
pblico amplo entre aqueles uma minoria que compreenderiam a alegoria de Brasil de seu
tempo e aqueles a grande maioria que estariam em contato sua obra sem, contudo,
reconhecer sua imanente metfora: de um Brasil que conforma seus absurdos, o arcaico e o
moderno.
Na viso de Schwarz, a roupagem do estilo tropicalista a sua grande novidade num
primeiro momento, que questiona na seguinte passagem:

26

ZINCONE, Rafael. Um passeio entre a vanguarda e a indstria cultural: a propsito da Tropiclia. Rio de
Janeiro: Revista Wolfius, 2013. In: http://www.revistawolfius.com.br/index.php/Wolfius/article/view/35.
Acessado em 14 de agosto de 2014 s 19:28.
27
Um exemplo que considero interessante a msica 2001 dos Mutantes , presente no lbum que leva o nome
do grupo: Mutantes (1968). A msica faz referencia direta msica caipira brasileira, bastante difundida entre a
classe trabalhadora daquela poca principalmente do campo. A msica alia a esttica de origem estrangeira
presente no cotidiano urbano do Brasil de 1968 e faz referncia direta ao ritmo de A Marvada Pinga composta
por Ochelsis Laureano em 1937, que ficou clebre na voz de Inezita Barroso.

40

Sobre o fundo ambguo da modernizao, incerta a divisa entre sensibilidade e


oportunismo, entre crtica e integrao. Uma ambiguidade anloga aparece na
conjugao da crtica social violenta e comercialismo atirado, cujos resultados
podem facilmente ser conformistas, mas podem tambm, quando ironizam o seu
aspecto mais duvidoso, reter a figura mais ntima e dura das contradies da
produo intelectual presente. (SCHWARZ, [1978]2009, p.30)

Argumento comum postulao de Adorno e Horkheimer:


(...) Da regra e da pretenso especfica do objeto, que a nica coisa que pode dar
substncia ao estilo, vazia, porque no chega mais a haver uma tenso entre os
polos: os extremos que se tocam passaram a uma turva identidade, o universal pode
substituir o particular e vice-versa. (ADORNO&HORKHEIMER, [1967]2006,
p.155)

Esta citao de A Indstria Cultural demonstra bem que a indstria da cultura no est
comprometida com a sntese do particular para o universal e a tenso entre esses dois polos,
pelo contrrio, objetiva a no tenso. Assim, o Tropicalismo, na viso de Schwarz, traz essa
distenso nas suas alegorias mesmo que os polos contraditrios existam: o arcaico e o
moderno. Ao refletir sobre o processo de modernizao pelo qual passava o Brasil e a
encruzilhada em que se encontrava a esquerda e suas demandas no imediato ps-golpe, o
movimento opta por absorver a modernizao conciliando seus absurdos, assumindo a
impossibilidade de ruptura com os mesmos.
Em contrapartida, Schwarz indica no cinema contemporneo ao Golpe uma alternativa
verdadeiramente crtica ao status-quo: uma esttica da fome em Vidas Secas, Deus e o Diabo
na Terra do Sol e Os Fuzis respectivamente de Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha e
Ruy Guerra. Tal esttica tem suas linhas de fora na oposio direta modernizao
tecnolgica e econmica vigente no pas e neste ponto que a direo tomada pelo
Tropicalismo contrria para Schwarz: registra o atraso do pas como coisa aberrante,
tomando como contrapontos a vanguarda e a moda internacionais.
Ao ver de Schwarz, o Tropicalismo no discutia diferentes possibilidades para o
Brasil, bem como no vislumbrava alternativas engendradas pela esquerda. A desigualdade
social existente no pas, os resqucios no superados de um passado colonial as relaes
servis de trabalho no campo e o grande latifndio, por exemplo - eram para o movimento,
caractersticas inerentes ao pas, intrnsecas ex-colnia continental da Amrica do Sul, que
conviveria com uma mistura mantenedora de todos esses traos no esteio da modernizao do
pas. Assim, questiona se a modernizao realizada pelo regime civil-militar do Brasil seria
41

necessariamente boa questionamento este que para ele estava ausente na Tropiclia.
Conforme foi argumentado na segunda seo deste trabalho, o processo de modernizao da
economia brasileira foi capaz de aumentar a renda brasileira em nvel absoluto no perodo do
milagre, porm concentrou-a em mdio prazo agravando os ndices de pobreza e a
manuteno de considervel exrcito industrial de reserva que permitia alm dos
dispositivos legais prprios de uma autocracia congelar o salrio dos trabalhadores no nvel
de subsistncia.
importante frisar que alm do Tropicalismo de Gil, Caetano e Tropiclia ou Panis et
Circenses, o cinema novo de Glauber Rocha e o mtodo de alfabetizao Paulo Freire
considerados politicamente de esquerda para Schwarz - so tambm construes tropicalistas.
Em suas palavras:

(...) no mtodo Paulo Freire esto presentes o arcasmo da conscincia rural e a


reflexo especializada de um alfabetizador; entretanto, a despeito desta conjuno,
nada mais tropicalista que o dito mtodo. Por qu? Porque a oposio entre seus
termos no insolvel: pode haver alfabetizao. Para a imagem tropicalista, pelo
contrrio, essencial que a justaposio entre de antigo e novo seja entre contedo
e tcnica, seja no interior do contedo componha um absurdo, esteja em forma de
aberrao, a que se referem melancolia e o humor deste estilo. (SCHWARZ,
[1978] 2009, p.32)

A despeito dessa semelhana de construo apontada por Schwarz entre a msica


tropicalista, o cinema-novo e o mtodo Paulo Freire: o sincretismo, a conjuno do arcaico e
do moderno em uma mesma unidade; a diferena entre eles, na viso do autor, est na
negatividade apresentada pelos dois ltimos, totalmente oposta ao efeito cool dimensionada
pela esttica pop estrangeira - da alegoria de uma suposta misria geral no Brasil sem
qualquer discriminao de classe. Desta forma, entre todas essas construes tropicalistas,
Schwarz aponta de um lado a denncia social e a luta de esquerda como instrumento de
superao do arcasmo brasileiro e, de outro, um conformismo relativista que coloca a falta de
comida e de estilo como vexames equivalentes da pobreza brasileira (Cf. SCHWARZ, [1979]
2009).
Desta feita, posso ento concluir que o Tropicalismo na tica de Schwarz um
microcosmos do processo de modernizao do Brasil, que corrobora o arcasmo e aproveita-se
dele para o crescimento da economia, para a promoo da infraestrutura, alm de uma grande
promessa do regime: a manuteno do status quo. Cito o autor:
42

(...) Na metfora tropicalista os termos opostos de um Brasil existiam alegremente


lado a lado, igualmente simpticos, sem perspectivas de superao. (SCHWARZ,
2012, p.99)

3.2 - Helosa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gonalves: o tropicalismo e


a inter(mdia)o da indstria cultural.
Recusar-se a trabalhar em televiso em pleno
sculo XX , no mnimo, burrice.
(Oduvaldo Vianna Filho)

Sob o mesmo recorte espao-temporal - adotado na pesquisa de Schwarz - Helosa


Buarque de Hollanda e Marcos Gonalves, em Cultura e Participao nos Anos 60 (1982),
chamaram a ateno para o fato de continuidade da hegemonia do pensamento poltico de
esquerda na cultura brasileira do imediato ps-golpe. Apresentam, assim como o crtico
literrio, o lugar social do produto cultural militante: os extratos mdios da sociedade como
universitrios, intelectuais, artistas, profissionais liberais etc. Assim, Hollanda e Gonalves
resumem da seguinte forma o raciocnio cultural engajado - em voga naquele momento:
A ideia de que a arte tanto mais expressiva quanto mais tenha uma opinio, ou
seja, quanto mais se faa instrumento para a divulgao de contedos polticos; a
idealizao, um tanto problemtica, de uma aliana do artista com o povo,
concebido como a fonte autntica da cultura; e um certo nacionalismo, explcito na
referncia de indisfarvel sotaque populista s tradies de unidade e integrao
nacionais. (HOLLANDA&GONALVES, [1982] 1987, p.23)

Assim, defendem a ideia de que era subsistente na produo cultural do imediato psgolpe o contedo ideolgico em voga nos anos pr-1964, sobretudo durante o governo Jango.
Mesmo que nos primeiros anos da ditadura brasileira fossem permitidos espetculos
divulgadores de contedos polticos - como o musical Opinio - concordam diretamente com
Schwarz ao defenderem que o intelectual e o artista de esquerda separaram-se imediatamente
de seu pblico - os trabalhadores com a instalao do regime ditatorial em 1964. Com
efeito, diferentemente dos tempos CPCs, o artista-intelectual no estava mais em contato
direto com o oprimido e sim com parcelas da classe mdia e alta em oposio aos
stablishments da ditadura de direita. Segundo Hollanda e Gonalves, esse pblico restrito
passaria a ser a massa poltica que conheceria seu momento de radicalizao nas passeatas de
1967 e 1968. Em suas palavras:
43

A relativizao da prioridade didtica ou imediatamente conscientizadora insinua um


movimento de readequao do trabalho intelectual e de modo especfico, do
trabalho artstico num momento em que se tornava crtica a relao produo
cultural/militncia poltica, tal como fora colocada no perodo Goulart. No clima de
manifestao por onde enveredava o ambiente cultural, do qual a simples
recorrncia da palavra Opinio (Opinio 65, Opinio 66, Opinio Pblica) poderia
ser um sintoma definitivo, a interveno da vanguarda passava a ser aquela mais
capacitada a fornecer respostas crescente inadequao dos pressupostos que
haviam norteado a prtica cultural de artistas e intelectuais at 1964.
(HOLLANDA&GONALVES, [1982] 1987, p.29)

Ambos os autores apontam como linha evolutiva do processo cultural desse perodo
o Cinema Novo e a musicalidade Tropiclia. Definem o primeiro como tendo um papel de
frente no campo da reflexo poltica e esttica alm de retratar as contradies do intelectualpoltico no contexto de ditadura. J o segundo, seria para eles a renovao da cano popular
no Brasil tendo como eixo temtico os impasses e inquietaes da situao ps-1964.
Embora no me proponha colocar o Cinema Novo em questo, vale lembrar que seus
caracteres de crtica social e seu texto marcado pela informao moderna repercutiram no
ambiente cultural da poca, conforme se observa nas seguintes palavras de Caetano: toda
aquela coisa de tropiclia se formulou dentro de mim no dia em que via terra em transe
(VELOSO, C. apud HOLLANDA, H. B. & GONALVES, M. A., [1982] 1987, p. 51).
De acordo com Hollanda e Gonalves, a vanguarda cinematogrfica influenciou
diretamente aquilo que em 1968 se constituiria em movimento - o Tropicalismo - com a
impresso do lbum manifesto Tropiclia ou Panis et Circenses (1968) . Em suas palavras:

De fato, significativa a influncia da informao cinemanovista na esttica


tropicalista. O corte, a justaposio, o uso do fragmento e do flashback, a narrativa
onrica, presentes na produo cinematogrfica, pareciam atrair a ateno no
apenas do grupo baiano, mas de expressivos setores da juventude interessados
pela cultura. (HOLLANDA&GONALVES, [1982] 1987, p.52)

Para Hollanda e Gonalves, o que separava o Tropicalismo do projeto revolucionrio


pr-64 defendido pela intelectualidade brasileira era a reviso da defesa do nacionalismo
especificamente na esfera cultural - e sua idealizao de uma cultura popular moderna.
Uma autntica cultura popular brasileira seria, para os autores, aquela capaz de elaborar
criticamente as diversas informaes dispostas em sua realidade objetiva o que compreende
elementos originais da formao cultural brasileira desde os tempos de colnia e as inovaes,
de origens estrangeiras, concretamente dispostas em territrio brasileiro. Isso tudo sem que se
44

esquecesse da nova dinmica de dependncia do Brasil, ou seja, o carter do modelo de


desenvolvimento econmico que toma corpo nos fins dos anos 1960 e que se desdobra no
milagre.
Hollanda e Gonalves defendem, portanto, a ideia de que se fomentava, com o Golpe
de 1964, uma cultura de massas voltada para o consumo e o consequente incio da crise do
projeto da arte revolucionria (Cf. GONALVES & HOLLANDA, [1982] 1987):
primeiramente, o fim da arte engajada diretamente ligada aos trabalhadores - como o teatro
dos CPCs - e posteriormente a produo cultural que falava sobre o povo e no mais para ele
a cano de protesto nos palcos da TV Record e as peas engajadas nos grandes teatros e
shoppings centers. Com efeito, uma produo cultural alinhada com a ideia de revoluo
tornava-se, segundo eles, cada vez mais improvvel e fora de lugar. Por outro lado,
afirmavam que a participao de uma arte crtica na emergente indstria cultural brasileira era
problemtica e significativa de traio. Frente a essa polarizao, Hollanda e Gonalves
concluem que o Tropicalismo enfrentou tamanho dilema de forma original:

Entre a exigncia poltica e a solicitao da indstria cultural, optou pelas duas. Ou


melhor: pela tenso que poderia ser estabelecida entre esses dois polos. E aqui tanto
o sentido dessa exigncia quanto a adequao aos sistemas do consumo de massa
foram objeto de um redimensionamento. Na opo tropicalista o foco da
preocupao poltica foi deslocado da rea da Revoluo Social para o eixo da
rebeldia, da interveno localizada, da poltica concebida enquanto problemtica
cotidiana, ligada vida, ao corpo, ao desejo, cultura em sentido amplo. Na relao
com a indstria cultural essa nova forma de conceber a poltica veio a se traduzir
numa explosiva capacidade de provocar reas de atrito e de tenso no apenas no
plano especfico da linguagem musical, mas na prpria explorao dos aspectos
visuais/corporais
que
envolviam
suas
apresentaes.
(HOLLANDA
&GONALVES, p. [1982] 1987, p.66)

Portanto, a simbiose de arte engajada e indstria cultural no foi, para os tropicalistas


ao final dos anos 1960, uma impossibilidade como postulava grande parte da militncia de
esquerda daquele tempo. Em linhas gerais, apresentaram sua arte crtica em todas as
estruturas (imprimindo discos pela Phillips ou se apresentando no Cassino do Chacrinha)
metaforizando um Brasil que se modernizava corroborando seus arcasmos o que valia tanto
para um modelo econmico quanto para uma sociedade, sobretudo a classe mdia, que
consumia o moderno e reproduzia a cultura hegemnica dos grandes centros sem deixar de
flertar com valores conservadores28.
28

Tomo como exemplo A Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade (1964) que reuniu diversos segmentos da
classe mdia brasileira, sobretudo ligados ao clero, e que se opunham as reformas de base propostas pelo ento

45

3.3 Do intimismo ao amadurecimento da cultura nacional-popular: o


tropicalismo visto por Carlos Nelson Coutinho.
Em seu livro Cultura e Sociedade no Brasil, Carlos Nelson Coutinho inicia sua anlise
da relao entre a sociedade brasileira e suas representaes culturais com o pressuposto em
concordncia com a metodologia aqui apresentada - de que no possvel compreender a
problemtica da cultura brasileira sem examinar caractersticas da sua intelectualidade, por
consequncia, ligadas ao modo especifico de desenvolvimento social no Brasil. Assim,
defende que a maneira pela qual a questo cultural vai se resolver no futuro imediato
depender da resoluo dos complexos problemas colocados por aquilo que chama de
renovao democrtica e cultural no pas.
Em

concordncia

com

aquilo

que Adorno

Horkheimer

denominariam

espontaneidade29 do sujeito na arte popular, Coutinho defende que se h uma norma proposta
em seu ensaio, seria, pois, a defesa intransigente da mais ampla e radical liberdade de criao
cultural. Nesse sentido, explica que essa liberdade de criao lhe parece condicionada por dois
limites. Primeiramente, a liberdade de criao estaria implicada por condicionamentos
sociais as bases materiais -, dos quais o criador pode ou no estar consciente. Alm disso,
defende que a liberdade de criao no seria restringida, mas ao contrrio potenciada, se o
criador tomasse conscincia da sua produo cultural.
Para uma justa conceituao da questo cultural no Brasil, Coutinho busca
relacionar cultura brasileira e cultura universal. Sugere, pois, a seguinte pergunta:
De que modo se articulou a evoluo das formas econmico-sociais brasileiras, de
cuja reproduo e transformao a nossa cultura momento determinado e
determinante, com o desenvolvimento do capitalismo em nvel mundial?
(COUTINHO, [1990] 2011, p.36)

Com o fim de respond-la, sugere que a palavra capitalismo - inserida na questo sugere de antemo parte da resposta. Partindo deste ponto, explica que o Brasil emerge na
poca do predomnio do capitalismo mercantil, ou seja, na poca da criao de um mercado

Presidente Joo Goulart.


29
Isso quer dizer que na arte popular a manifestao cultural uma criao espontnea das massas, ao contrrio
do que se observa no produto da indstria cultural. Neste, inexiste uma relao espontnea de criao. A relao
entre as massas e o produto da indstria cultural se estabelece somente pelo consumo.

46

mundial. Situa, dessa forma, a histria do Brasil no contraditrio processo de acumulao


primitiva do capital cujo centro dinmico era a Europa Ocidental. Assim, a dependncia
colonial, em lugar de um antigo isolamento de regies e naes que bastavam a si prprias,
imprimiu seus desdobramentos no plano da cultura. Com efeito, Coutinho admite que o
exclusivismo nacional torna-se cada vez mais impossvel quando h interdependncia entre
naes e admite, em lugar de literaturas nacionais e locais, uma literatura universal.
Uma especificidade do Brasil, da maior importncia para o autor, era a de que no
havia uma formao econmico-social que, mesmo primitiva, fosse capaz de fornecer
excedentes de vulto ao processo de circulao do capital mercantil colonialista. Afirma
Coutinho que o problema era existir de fato um aparelho produtivo que se articulasse
diretamente com o mercado mundial - nas suas palavras tratava-se de cri-lo.30 Tamanha
particularidade do caso brasileiro tem enorme consequncia na anlise do plano da cultura.
Em sntese, o que Coutinho busca evidenciar com tudo isso o fato dos pressupostos
da formao econmico-social do Brasil, por se situarem no exterior, terem desdobramentos
diretos no campo cultural. Assim, a penetrao da cultura europeia que tornava-se cultura
universal no encontrou barreiras no caso brasileiro. O autor quis com isso dizer que no
havia uma significativa cultura autctone anterior colonizao que pudesse ser o nacional
em oposio ao universal ou, em suas palavras, o autntico contra o aliengena. Em
comparao com casos do mundo rabe, da China, da ndia, ou mesmo dos latino-americanos
Peru e Mxico; Coutinho esclarece que no Brasil, mesmo quando o modo de produo interno
no era capitalista, as classes fundamentais da nossa formao econmico-social colonial
encontravam suas expresses ideolgicas e culturais na Europa. Isso no quer dizer para ele,
entretanto, que as culturas negra e indgena no tenham desempenhado papis decisivos na
fisionomia cultural brasileira. Porm, explica que tais papis ocorreram sempre no quadro de
um amlgama com a cultura europeia processo ocorrido, por exemplo, na msica popular.
Quando resistentes a esses amlgamas, as culturas negra e indgena so relegadas ao folclore
ou expresso de grupos marginais.
No campo musical, Gilberto Gil em entrevista concedida a Augusto de Campos e
publicada em o Balano da Bossa no ano de 1968 indica na msica de Joo Gilberto a

30

Coutinho assinala que o objetivo central do colonialismo, na poca do capitalismo mercantil, era extorquir
valores de uso produzidos pelas economias no capitalistas dos povos colonizados tendo por fim transform-los
em valores de troca no mercado mundial. Busca acentuar que a subordinao das economias perifricas ao
capital mercantil metropolitano se dava no terreno da circulao. (Cf. COUTINHO, [1990] 2011, p. 38)

47

percepo desse amlgama cultural da ex-colnia Brasil com as naes hegemnicas no


quadro geopoltico internacional. Em suas palavras:
Quando Caetano fala em retomada da linha evolutiva, eu penso que se deva
considerar como tal o fato de que Joo Gilberto foi a primeira conscincia de uma
formao complexa da msica brasileira, de que essa msica tinha sido formada por
uma srie de fatores no s surgidos da prpria cultura brasileira, como trazidos pela
cultura internacional. Essas coisas todas Joo Gilberto percebeu e colocou em
sntese no seu trabalho. Em Oba-l-l, que j era um bolero, um bguin, e em
Bim bom, a gente identifica uma possibilidade da msica brasileira incorporar
essa espcie de balano perseguido pelas geraes novas da msica internacional.
Isso j foi a abertura inicial de Joo Gilberto. E a retomada se explica, porque depois
de Joo Gilberto houve uma preocupao em voltar quelas coisas bem nacionais. O
samba do Morro. A msica de protesto. A nordestinizao da msica brasileira. A
busca irrefreada de temas ligados ao Nordeste, que culminou, inclusive, com o
aproveitamento direto da coisa caipira: Geraldo Vandr, por exemplo. Foi aquela
busca terrvel de coisas que tivessem nascido no nosso prprio terreno. Ento, a
linha evolutiva devia ser retomada exatamente naquele sentido de Joo Gilberto, na
tentativa de incorporar tudo o que fosse surgindo como informao nova dentro da
msica popular brasileira, sem essa preocupao do internacional, do estrangeiro, do
aliengena (GIL, G. apud COHN & COELHO, 2008, p.78)

Em sntese, Coutinho defende que a histria da cultura popular brasileira pode ser
esquematicamente definida como sendo a histria dessa assimilao mecnica ou crtica,
passiva ou transformadora da cultura universal pelas vrias classes e camadas sociais
brasileiras. Com isso argumenta que quando o pensamento brasileiro, em sua generalidade,
importa uma ideologia universal, isso prova de que determinada classe ou camada social do
pas encontrou nessa ideologia a expresso de seus prprios interesses brasileiros de classe.31
Em suas palavras:
O processo no certamente mecnico, comportando a possibilidade de erros ou
desvios: mas me parece justo dizer que, quando transplantada para o Brasil por
uma classe progressista e anticolonial, uma corrente cultural avanada contribui para
formar em nosso pas uma conscincia social efetivamente nacional-popular,
contrria ao esprito de dependncia, quilo que Nelson Werneck Sodr chamou de
ideologia do colonialismo (ou seja, a adoo por brasileiros de correntes culturais
como o racismo que justificam a nossa situao de dependncia) (COUTINHO,
[1990] 2011, p.42)

Na sua crnica autobiogrfica - Verdade Tropical (1997) - Caetano Veloso demostrou


semelhante apontamento ao relatar ter tido desde cedo viso crtica em relao sociedade na
qual viveu os seus anos de formao: mas o que mais me afastava dessa tendncia de
31

Coutinho alerta para o fato de que no necessariamente esse vinculo com a cultura universal, condicionada
pela relao de dependncia ou de subordinao econmica, impe um carter dependente ou alienado
totalidade de nossa cultura. (Cf. COUTINHO, [1990] 2011, p.41)

48

americanizao era o fato de ela no ter chegado a mim com nenhum trao de rebeldia.
(VELOSO, C., 1997, p.24)
Pode-se inferir que a oposio que procurou marcar no foi sobre a procedncia dos
modelos culturais - o que se restringiria a um nacionalismo simplista - mas sim entre
apropriaes vivas destes modelos e o consumo alienador, seja do externo, seja do interno.
Nesse sentido, sua grande questo era como se posicionar diante da influncia dos grandes
centros sem, contudo, perder a liberdade, inclusive a liberdade, de aproveitar um modelo
interessante e mais adiantado32, segundo a circunstncia. No bojo desse raciocnio Veloso
postulava a incorporao da coisa estrangeira em benefcio do foco nacional, tornando esse
modelo externo fator de autoconhecimento e no de alienao - apontada na juventude de seu
tempo de Santo Amaro da Purificao, no Recncavo Baiano, e exemplificada pelo desejo de
participar de concursos de rock e assumir a esttica dos estudantes americanos do high school.
Veloso procurou pontuar as diferentes atitudes que se podia ter diante da influncia da cultura
universal no seu caso, a americanizao (Cf. ZINCONE, 2013).
Segundo Coutinho, essa dialtica entre adequao e inadequao de cultura estrangeira
e realidade brasileira se transforma medida que o Brasil deixa, nos termos de Marx, sua
condio de subordinao formal direcionando-se para a condio de subordinao real.33
Em outras palavras, quer dizer que as ideias importadas tornam-se mais aderentes s
realidades e aos interesses de classe que buscam expressar. Defende, pois, que as contradies
ideolgicas da vida cultural brasileira do sculo 20 aproximam-se cada vez mais das
contradies prprias do modo de produo capitalista. Partindo desse vnculo, entre cultura
universal e cultura brasileira, estabelecido por um mesmo sistema econmico o capitalismo
-, Coutinho diz poder avaliar o problema da cultura nacional-popular no Brasil na segunda
metade do sculo 20.
O golpe militar de 1964 configurou, para o autor, o aprofundamento do processo de
desenvolvimento capitalista no Brasil por uma via prussiana conforme Lnin - ou revoluo
passiva nas palavras de Antonio Gramsci. Coutinho assim explica:

[...] as transformaes ocorridas em nossa histria no resultaram de autnticas


revolues, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o conjunto
32

SCHWARZ, R. Verdade Tropical: um percurso de nosso tempo. In: SCHWARZ, Martinha versus Lucrcia.
So Paulo: Companhia das Letras. 2012.
33
A economia brasileira passa a se constituir nos marcos do modo de produo capitalista em lugar de uma
economia antes baseada essencialmente no trabalho escravo. (Cf. COUTINHO, ([1990]2011, p.39)

49

da populao, mas se processaram sempre atravs de uma conciliao entre os


representantes dos grupos opositores economicamente dominantes, conciliao que
se expressa sob a figura poltica de reformas pelo alto. evidente que o fenmeno
da via prussiana tal como Lenin o formula tem sua expresso central na
questo da passagem para o capitalismo, no modo de adequar a estrutura agrria s
necessidades do capital. Mas, generalizando o conceito, pode-se dizer que na base
de uma soluo prussiana global para a questo da transio ao capitalismo todas
as grandes alternativas concretas vividas pelo nosso pas, direta ou indiretamente
ligadas quela transio (Independncia, Abolio, Repblica, modificao do bloco
de poder em 1930 e 1937, passagem para um novo patamar de acumulao em
1964), encontraram uma resposta prussiana; uma resposta na qual a conciliao
pelo alto jamais escondeu a inteno implcita de manter marginalizadas ou
reprimidas de qualquer modo, fora do mbito das decises as classes e camadas
de baixo. (COUTINHO, [1990] 2011, p.45-46)

Assim, argumenta que o processo de transformao social no Brasil atravs da


conciliao de suas classes dirigentes a modernizao conservadora prussiana - marca
de diversas formas o contedo da cultura brasileira. Surgem nesse contexto manifestaes
prprias da ideologia prussiana expresses ideolgicas excludentes das massas populares
de qualquer participao ativa nas grandes decises nacionais (Cf. COUTINHO, [1990] 2011,
p.41). Esse modus pensandi se verificava, para o autor, no s em pensadores autoritrios e de
direita, mas tambm em pensadores liberais moderados e at progressistas em construes
irracionalistas. Para o autor, a construo irracionalista estaria em combinar princpios
ideolgicos incompatveis no corpo de uma mesma defesa, intelectual ou artstica
No campo da economia, o pensamento autoritrio e de direita pode muito bem se
encontrar na viso oficial do governo: dos ministros Delfim Netto e Roberto Campos e o
ecletismo irracionalista - nas vertentes moderadas - podia se ver, segundo Coutinho, na
infiltrao de posies irracionalistas na pesquisa sociolgica e filosfica do Iseb. Indico
como exemplos, tambm no campo do pensamento econmico, Guerreiro Ramos e Hlio
Jaguaribe. Este ltimo, em especial, defendia a limitao de direitos como forma de assegurar
a democracia.
O que importante observar em suas reflexes a relao que faz entre a conciliao
social e poltica e sua expresso no plano das ideias o que inclui o plano cultural. Coutinho
trata das diversas presses das condies objetivas de um sistema poltico autocrtico alm
da prpria economia de mercado que artistas e pensadores sofrem, direcionando-os para
snteses eclticas em seus trabalhos que diminuiriam seus caracteres progressistas. Seria o
caso do Tropicalismo? A respeito disso, destaco as palavras de Hlio Oiticica impressas no
texto A trama da terra que treme (O sentido de vanguarda no grupo baiano) publicado no
Correio da Manh, em setembro de 1968:
50

Na msica popular essa conscincia ganhou hoje corpo, o que antes parecia de
artistas plsticos e poetas, de cineastas e teatrlogos, tomou corpo de modo firme na
msica popular com o privilgio do grupo baiano de Caetano e Gil, Torquato e
Capinam, Tom Z, que se aliaram a Rogrio Duprat, msico ligado ao grupo
concreto de So Paulo, e ao conjunto Os Mutantes, e hoje assume uma
dramaticidade incrvel a luta desses artistas contra a represso geral brasileira, to
conhecida minha h dez anos (represso no s da censura ditatorial, mas tambm
da intelligentia bordejante). Aqui tudo se torna mais dramtico, pois est
diretamente ligado ao consumo de massa ou cultura de massa etc., e sujeito
portanto a maior represso. (OITICICA, Hlio apud COHN & COELHO, 2008,
p.154)

Coutinho admite que esse confusionismo ideolgico no resultava simplesmente de


escolhas subjetivas de intelectuais ou mesmo de oportunismo. Em suas palavras, trata-se,
sobretudo, de condicionamentos objetivos de nossa formao histrica e intelectual. Disto
conclui que as consequncias da via prussiana no plano cultural no dependem somente das
aes de intelectuais. Para ele, a superao daquilo que chama de intimismo uma cultura
socialmente assptica e neutralizadora das contradies sociais (Cf. COUTINHO, [1990]
2011) - s seria alcanada pela orgnica integrao dos intelectuais com a luta das classes
subalternas, para assim se tornarem juntos sujeitos de uma evoluo social e poltica no
Brasil.
A partir desse posicionamento, Coutinho defende que o nacional-popular aparece
objetivamente como oposio democrtica, no plano da cultura, s vrias configuraes
concretas assumidas pela ideologia do prussianismo ao longo da evoluo brasileira. A
autntica cultura nacional-popular romperia, na viso do autor, esse distanciamento entre os
intelectuais e o povo.
A importao cultural, por sua vez, quando no tem o objetivo de responder questes
prprias da realidade brasileira , para Coutinho, uma manifestao da cultura elitista. A
conscincia artstica nacional-popular se manifestaria, para ele, no na temtica e sim no
ponto de vista a partir do qual o criador estrutura sua obra.

Assim, quanto mais um artista se vincular totalidade das contradies de seu povo
e de sua nao, quanto mais se tornar (como diria Machado) homem de seu tempo e
de seu pas, tanto mais lhe ser possvel elevar-se quele nvel de particularidade
de universalidade concreta sem a qual no existe grande arte. (COUTINHO, 2011,
p.59)

A grandeza do nacional-popular estaria no em contrapor o nacional ao estrangeiro.


51

Segundo Coutinho, ela estaria em distinguir, no bojo do patrimnio cultural tornado universal,
aquilo que poderia se tornar elemento organicamente nacional popular de nossa cultura. A
arte, antes de tudo, organiza elementos dispostos em sua realidade objetiva. Com base nesse
princpio, a guitarra eltrica compreendida no recorte espao-temporal em anlise no era
uma abstrao e sim um dado concreto inscrito na universalidade concreta de seu tempo.
Pens-la como aliengena e no admitir sua concretude no amlgama cultural brasileiro seria
o mesmo que releg-la de forma racionalmente absurda ao plano das ideias.

No h assim normas a priori para a arte de inspirao nacional-popular: direito e


dever do artista exercer a mxima liberdade de criao, no sentido de encontrar o seu
modo peculiar e prprio de ampliar e de aprofundar as leis estticas do gnero
dentro do qual trabalha. Portanto, a unidade de arte nacional-popular algo apenas
tendencial, que s pode ser estabelecido post festum, e que por isso est em
permanente modificao; alm do mais, uma unidade na diversidade, que retira sua
fora e pluralidade do mais amplo pluralismo de estilos artsticos, de temticas, de
tendncias ideolgicas etc. (COUTINHO, 1990 [2011], p. 57)

Em outro sentido, as expresses daquilo que chamou de doena infantil do nacionalpopular cujas ligaes com o povo era apenas retrica - alm de forjarem uma idealizao
simptica e fantasiosa da nao, demonstraram-se altamente autoritrias. Exemplos destas
manifestaes so encontrados, segundo Coutinho, em msicas de protesto de meados da
dcada de 1960 em grande parte produzidas por artistas que compuseram a controvertida
passeata contra a guitarra eltrica de 1967, em destaque: Geraldo Vandr, Elis Regina, Edu
Lobo e Jair Rodrigues.
A propsito da relao entre msica nacional e as inovaes vindas de fora e
posicionamento dos crticos em grande parte tomados pelo nacionalismo infantil - Caetano
tece o seguinte defesa:

Guitarra eltrica um instrumento muito bonito. E desde que existe utilizada no


samba. Cresci ouvindo os trios eltricos da Bahia, que ainda hoje animam o carnaval
de l: e nunca ningum pensou em dizer que os trios eltricos tocam i-i-i. que
esses msicos no esto cheios de preconceitos tolos, nem de medo, eles apenas
encontraram uma forma excelente de animar uma festa. Assim tambm o violonista
do conjunto de danas da Casa Grande (onde s tocam ritmos brasileiros), que toca
numa guitarra eltrica. Radams Gnatelli escreveu um concerto lindo para guitarra e
orquestra, Radams faz i-i-i? Portanto, est mal informado - ou de m f quem
se v no direito de proibir o uso desse instrumento, em nome de uma pureza
tradicional que no tem mais cabimento. Os trios de piano, baixo, bateria, como
existem hoje centenas no Brasil, tambm no esto ligados a nenhuma tradio do
samba. Noel Rosa, Pixinguinha e outros nunca os utilizaram. (VELOSO, C. apud
COHN & COELHO, 2008, p. 41-42).

52

Com a finalidade de desconjuntar a validade argumentativa dos patrulheiros


ideolgicos sobretudo no que diz respeito adoo da esttica musical estrangeira -,
Caetano aponta exemplos de manifestaes culturais brasileiras que adotaram a inovao
estrangeira sem, contudo, terem sido julgadas i-i-i ou uma importao subalterna da
msica internacional.
Seguindo o raciocnio de Coutinho, o nacionalismo infantil seria tambm uma m
conscincia do intelectual intimista por no se tratar, primeiramente, de uma identificao
autntica com o povo e ser, na realidade, uma expresso cultural paternalista e populista (Cf.
COUTINHO, [1990] 2011, p.60). Afirma que o meio de propagao privilegiado dessa
doena infantil a indstria cultural. Assim, a doena infantil do nacional-popular estaria,
segundo o autor, presente em vrias novelas da televiso e em filmes produzidos para o
grande pblico. O modelo dos grandes festivais de msica tambm exemplo de
manifestao da doena senil por terem privilegiado e divulgado a msica de ideologia
nacionalista . Sobre tal propsito, fao proveito de um depoimento de Veloso:

A vaia que recebi foi dada por um grupo que quis repudiar o que consideravam uma
agresso msica popular brasileira. Infelizmente, foi uma atitude bastante
reacionria. [...] Entrei no festival para destruir a ideia que o publico universitrio
soi disant de esquerda faz dele. Eles pensam que o festival uma arma defensiva da
tradio da msica popular brasileira. Mas a verdade que o festival um meio
lucrativo que as televises descobriram. [...] Muita gente vem dizendo que se deve
fazer msica pensando nas nossas tradies, no folclore. Eu s entendo que se faa
alguma coisa que diga o que est acontecendo agora, no Rio, em So Paulo, no
Brasil. O meu dilogo o de agora, a pergunta: o que est acontecendo.
(VELOSO, Caetano apud FAVARETTO, C., [1979] 2007).

Retomando, assim, a descrio de COUTINHO ([1990] 2011) a respeito do recorte


espao-temporal em anlise, cito a seguinte passagem de seu livro:

Sob muitos e fundamentais aspectos, o golpe de 1964 e a nova situao que ele
instaurou no pas marcou um divisor de guas tambm na vida cultural. O ingresso
do Brasil na poca do capitalismo monopolista de Estado (CME) ingresso
facilitado e impulsionado pelo regime militar trouxe alteraes importantes na
esfera da superestrutura, tanto no estado em sentido restrito quanto no conjunto dos
organismos da sociedade civil; e isso no poderia deixar de ter consequncias no
terreno da produo cultural. [...] A prtica sistemtica da censura, aliada a um claro
terrorismo ideolgico, pode ser considerada como a face aberta da poltica cultural
vigente aps 1964 e, em particular, o perodo posterior a 1968, ou seja, a decretao
do AI-5. Seria simplista reduzir a isso o quadro das relaes entre cultura e
sociedade nos ltimos anos; mas seria ainda mais perigoso dizer que tal face
condicionou, atravs certamente de mltiplas mediaes, a totalidade da produo
cultural sob a vigncia do regime militar. (COUTINHO, [1990] 2011, p.61-62)

53

Para alm da poltica cultural de censura exercida pelo Estado, Coutinho defende a
ideia de que o novo regime reforou o papel das tendncias culturais intimistas descritas,
por ele, como uma cultura neutralizadora e socialmente assptica. Isto equivale a dizer que,
durante a ditadura brasileira, ganharam espao os produtos culturais cujas ideologias
sinalizavam para a manuteno do status-quo do sistema poltico e sobretudo do sistema
econmico. COUTINHO ([1990] 2011, p.63) assim apontou o perodo entre 1969 e 1973
como o momento pice da organizao e expanso da indstria cultural no Brasil. Em suas
palavras:

A poca do chamado vazio cultural, que seria melhor designar como poca da
cultura esvaziada e que domina, no perodo entre 1969 e 1973 -, representou o
momento em que a confluncia da censura/represso com as tradies
intimistas/neutralizadoras atingiu aquilo que um tecnocrata poderia chamar de
ponto timo na tentativa de marginalizao das correntes nacional-populares e,
consequentemente, de remoo do pluralismo como trao dominante de nossa vida
cultural.
Quando aludi a novas determinaes, pensei essencialmente no grande estmulo
emprestado pelo CME expanso e consolidao de uma poderosa indstria cultural
em bases no s capitalistas (o que j vinha ocorrendo antes de 1964), mas tambm
cada vez mais monopolistas. O processo atinge mais duramente, decerto, os grandes
meios de comunicao de massa, como a televiso, a grande imprensa, a produo
de discos, o cinema etc. Mas os efeitos da monopolizao se fazem igualmente
sentir sobre a indstria editorial e a produo teatral, embora aqui a presena de
empresas mdias e at mesmo de pequeno porte assegure um maior pluralismo de
orientaes e, por conseguinte, uma faixa de autonomia bem mais consistente
(COUTINHO, [1990] 2011, p.63)

Partindo desta defesa, Coutinho conclui que essa generalizao da lgica capitalista e
monopolista no plano da cultura privilegiou, de forma imediata, o valor de troca dos objetos
culturais em detrimento de seus valores de uso. De acordo com as ideias do autor, esse
fenmeno de monopolizao comercial da cultura abriu caminho para uma pseudocultura de
massa (Cf. COUTINHO, [1990] 2011) , que assim como a indstria cultural de Adorno e
Horkheimer - manipula conscincias a servio da reproduo do status-quo.
Como consequncia desse processo, Coutinho aponta para a importao em srie de
produtos pseudoculturais o que para o autor quer dizer produtos culturais alienados. Para
ele, a imitao e importao de um produto cultural alienado seria um agravante maior no
empobrecimento cultural brasileiro em comparao difuso da doena senil do nacionalpopular. Argumenta que o poder econmico dos monoplios culturais em funcionamento no
Brasil (nacionais e transnacionais) determinou, em grande medida, a substncia do produto
54

cultural daquele tempo.


A cultura de massas sob controle do estado autoritrio e dos conglomerados culturais
seria, para Coutinho, uma eficiente forma de se cortar a ligao dos intelectuais e artistas de
esquerda com o povo. Contudo, concorda com Hollanda e Gonalves quando defende a
existncia de brechas e margens de manobra na indstria cultural para a insero da arte
crtica, mesmo que limitada:

certo que se trata de um processo contraditrio, j que tambm a indstria cultural


apresenta brechas e tolera margens de manobra; e essas brechas e margens
podero se ampliar medida que o processo de transio para um regime de
liberdades democrticas avanar em nosso pas, ou seja, medida que diminua a
ao repressiva direta do Estado sobre os mass media e estes se vejam obrigados
pela prpria presso dos consumidores a satisfazer presses scias de uma
sociedade civil mais aberta e pluralista. Mas seria perigoso esquecer, em nome
dessas contratendncias, o fato de que a monopolizao capitalista dos meios de
divulgao cultural aumenta objetivamente as j antigas dificuldades para a criao e
divulgao entre ns de uma cultura-nacional popular democrtica e pluralista.
(COUTINHO, [1990] 2011, p.65)

Apesar da forte oposio a uma produo cultural livre e crtica, presente naquele
momento com base em trs fatores principais: (i) censura e represso, (ii) herana elitista da
intelectualidade, (iii) expanso monopolista da indstria cultural; Coutinho diz no poder
ignorar a presena da corrente nacional-popular nos anos do regime militar.
De acordo com a classificao proposta por Coutinho dos produtos culturais
brasileiros divididos entre tendncias culturais intimistas e cultura nacional-popular - onde
se encaixaria o Tropicalismo? Cito o autor:
Vejamos um exemplo concreto: sob muitos aspectos, o movimento tropicalista em
seus incios na medida em que tendia desistoricizar as contradies concretas da
realidade brasileira e a eterniz-las numa abstrao alegrica e irracionalista (o
Brasil como absurdo etc.) pode ser considerado expresso do intimismo. Mas
no se deve deixar de registrar a presena, na evoluo do tropicalismo, de um
saudvel esforo no sentido de conquistar para a arte brasileira novos meios
expressivos e sobretudo, de figurar uma nova temtica, resultante do modo
prussiano de implementao do CME entre ns (coexistncia de um sofisticado
capitalismo de consumo com a conservao do atraso nos meios rurais e nas
periferias urbanas). Malgrado um elemento de unilateralidade, a produo
tropicalista como podemos avaliar hoje, muitos anos aps seu aparecimento
contribuiu para superar os evidentes limites de um populismo que se comprazia
em cantar um otimismo ingnuo e, em ltima anlise, desmobilizador, na esperana
vazia de que esse canto exorcizasse o escuro dominante. Na verdade, o
tropicalismo no se opunha ao nacional-popular, mas quilo que antes chamamos de
sua doena infantil. Essa dialtica interna do movimento tropicalista a
contradio dinmica entre a conquista de uma nova temtica e seu tratamento ainda
tendencialmente alegrico levaria os seus melhores representantes a abandonar

55

progressivamente, em muitas de suas produes, a alegoria irracionalista e a optar


por uma dura crtica, nada populista nem ingnua, da cotidianidade moderna que o
CME ia implantando em nosso pas. (COUTINHO, 2011, p.67)

Isto posto, pode-se concluir que, ao contrrio da exposio de Schwarz, Coutinho


aponta na produo musical tropicalista um amadurecimento da cultura-nacional popular.
Defende, assim, que por meio da indstria cultural e a apropriao da moda de origem
estrangeira, a Tropiclia constitui um movimento bastante criativo ao organizar em sua
alegoria as contradies presentes na realidade objetiva brasileira no contexto do milagre
nos anos de chumbo. Em sntese, considera o Tropicalismo uma superao da cultura
intimista e um contraponto imitao subalterna da cultura pop universal e a um
nacionalismo pretencioso e autoritrio predominante na M.P.B daqueles tempos.

56

_CONSIDERAES FINAIS_
Tomando como base a controvrsia existente entre os trabalhos de Roberto Schwarz,
Carlos Nelson Coutinho, Helosa Buarque de Hollanda e Mrcio Gonalves, procurei discutir
ao longo deste trabalho o Tropicalismo na Msica Popular Brasileira de acordo com o seu
recorte espao-temporal: o Brasil nos anos de endurecimento na ditadura civil-militar e
insurgncia do bastante alardeado milagre econmico. Busquei assim demonstrar que o
produto musical da Tropiclia os LPs produzidos por Caetano, Gil, Gal Costa, Tom Z,
Mutantes e outros assim como a produo da M.P.B tradicional eram frutos de um padro
de desenvolvimento econmico baseado na indstria de bens de consumo durveis para um
mercado consumidor restrito ainda no massificado e reprodutor da cultura mercadolgica
dos grandes centros capitalistas. Nesse sentido, a Tropiclia se materializou em acordo com a
modernizao conceituada por Celso Furtado: a promoo da moderna indstria - sustentada
pela reproduo do padro de consumo do mercado de massa das potncias capitalistas pelas
elites locais coexistente manuteno do arcasmo brasileiro.
Para alm da sua direta insero na indstria, apontei a questo nacional como uma
contradio intrnseca da msica tropicalista que bastante se assemelha ao paradoxo ento
existente no desenvolvimentismo brasileiro: desenvolvimento em bases nacionais ou
dependente da transnacionalizao, por conseguinte, o imperialismo. Procurei, com isto,
evidenciar a problemtica do elemento nacional como uma questo central tanto no campo
econmico como no campo cultural. A questo nacional foi o eixo central dos debates
travados pela intelectualidade brasileira em ambas as esferas: de um lado, o pertencimento da
Tropiclia Msica Popular Brasileira (M.P.B) e de outro a autenticidade de um
desenvolvimento econmico nacional na periferia e nos marcos do capitalismo.
Em concordncia com as viso de Coutinho e o trabalho conjunto de Helosa Buarque
de Hollanda e Marcos Gonalves, identifico na msica tropicalista uma crtica contundente e
irnica em relao momento poltico e social de seu tempo que no pode ser menosprezada
pelo simples fato de se constituir como um produto da grande indstria fonogrfica e por
incorporar o elemento estrangeiro em sua esttica. Conforme argumentado por Favaretto, a
M.P.B tradicional operou nos mesmos meios da Tropiclia: ambos os lados imprimiam seus
discos na Phillips-Phonogram e se dirigiam a um mesmo segmento de mercado, um mercado
consumidor muitas vezes crtico, porm burgus.
57

Schwarz escreve seu Cultura e Poltica: 1964-1969 no calor dos acontecimentos: AI5, exlio, cinema-novo, Tropiclia etc., diferentemente de Buarque e Gonalves, e Coutinho,
cujas anlises apresentam maior distanciamento histrico do objeto por eles estudado.
Schwarz, assim, apontou na construo tropicalista de arcaico e moderno uma sntese
naturalizadora e conformista do Brasil. Ao contrrio, Hollanda e Gonalves em Cultura e
Participao nos Anos 60 (1982) e Coutinho no seu Cultura e Sociedade no Brasil (1990)
identificaram na Tropiclia uma arte crtica e criativa vis--vis o contexto scio-poltico de
sua manifestao. Hollanda e Gonalves creditaram ao movimento um deslocamento do eixo
crtico comum esquerda da poca: do objeto da revoluo social passam a criticar a
alienao cultural da classe mdia brasileira pela rebeldia e o desbunde (e pelas brechas da
indstria cultural). Coutinho, por sua vez, identificou o movimento musical como um
amadurecimento da cultura nacional-popular, diferentemente daquilo que denominou como
doena infantil do nacional-popular e o produto padro da indstria cultural, uma cultura
assptica e neutralizadora.
Concluo essa anlise retomando, antes de mais nada, a ideia de que a arte
necessariamente organiza os elementos que esto dispostos em sua realidade objetiva e de
diferentes formas. A manifestao musical tropicalista, inserida no contexto de endurecimento
do regime militar e nas proximidades do amadurecimento do modelo de desenvolvimento
brasileiro abordado nesta anlise, constituiu em sua metfora a representao do Brasil de seu
contexto: o arcaico de mos dadas com o moderno, questionando o papel de satlite cultural
de um Brasil cujas classes mdia e alta reproduziam, atravs de um consumo chapado e
alienante, os comportamentos ditados pelos centros hegemnicos. O elemento estrangeiro em
meio ao amlgama cultural brasileiro foi assumido pelos tropicalistas de forma original, isso
sem que eles deixassem de dizer onde estavam e em que contexto viviam.
Eu quero dizer ao jri: me desclassifique. Eu no tenho
nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil est comigo, para ns
acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no
Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Ns s entramos no
festival pra isso, no Gil? No fingimos. No fingimos aqui que
desconhecemos o que seja festival, no. Ningum nunca me ouviu
falar assim. Entendeu? Eu s queria dizer isso, baby. Sabe como ?
Ns, eu e ele, tivemos a coragem de entrar em todas as estruturas e
sair de todas. E vocs? Se vocs forem ... Se vocs, em poltica,
forem como so em esttica, estamos feitos! Me desclassifiquem
junto com o Gil! Junto com ele, t entendendo? E quanto a vocs...
O jri muito simptico, mas incompetente. Deus est solto!
Fora do tom, sem melodia. Como jri? No acertaram?

58

Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil


fundiu a cuca de vocs, hein? assim que eu quero ver.
Chega!
( proibido proibir, Caetano Veloso)34

34

Discurso realizado no teatro Tuca, em So Paulo, em setembro de 1968.

59

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