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F. Faversani, Entre A República e o Império Apontamentos Sobre A Amplitude Desta Fronteira

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ENTRE A REPBLICA E O IMPRIO: APONTAMENTOS

SOBRE A AMPLITUDE DESTA FRONTEIRA1


Fbio Faversani2

As separaes das repblicas e dos imprios na historiografia


Harriet Flower, em seu livro Repblica Romana, afirma que:
Periodizao , assim, a mais bsica ferramenta do historiador e deve inevitavelmente servir
como a primeira premissa a partir da qual qualquer anlise de uma srie de eventos ocorrer.
Dividir o passado em segmentos historicamente significativos obedece mesma funo que tem
a pontuao em uma sentena e os pargrafos em uma pgina (2010, pp. 3-4).

O problema de periodizao que pretendo discutir hoje obedece bem ao


preceito colocado por esta autora. A separao entre Repblica e Imprio
posta pelos historiadores bem nestes termos. H um ponto final na Repblica e,
depois, temos outra sentena, que o Imprio. Repblica e Imprio esto
separados em dois pargrafos e, conforme o autor que considerarmos, haver
ainda entre os pargrafos algum separador. H historiadores que parecem
acreditar mesmo que Augusto foi um deus. Citemos um exemplo, retirado da
obra Roma na Repblica tardia: Problemas e interpretaes, de Mary Beard e
Michael Crawford:
Pela metade do primeiro sculo antes de Cristo, a forma republicana de governo em Roma tinha
efetivamente colapsado. Deste colapso emergiu, na sequncia da guerra civil, primeiro a
ditadura de Csar e depois o principado de Augusto. Em uma rpida e violenta transformao,
um sistema poltico fundado sob os princpios fundamentalmente opostos monarquia foi

Este o texto revisto da comunicao que apresentei no IV Colquio do LEIR-MA-USP, cujo


tema era "Processos de integrao no Mediterrneo Antigo: Acelerao e Crise". Tratava-se de
uma tentativa de colaborar com o debate que se desenvolve neste centro de pesquisa sobre o
conceito de fronteiras. Trata-se, como se ver, de uma primeira aproximao ao tema, de um
trabalho que ainda est em curso. Solicitado pelos editores a dar o texto publicao, tentei
convenc-los de que ele no estava pronto ainda. Como percebem, os editores me convenceram
do contrrio, que seria til ao propsito de alimentar uma discusso a partir dos comentrios
que seriam feitos por outros pesquisadores. Agora, caber ao leitor decidir, luz do conjunto
que se produziu, quem tinha razo, se eu ou os editores.
2
UFOP.

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Fabio Faersani. Entre a Repblica e o Imprio.


substitudo por um sistema que era monrquico em tudo, menos no nome (Beard, Crawford,
1999, p. 1).

At a, a narrativa simples e no seria questionada por nenhum


historiador antigo ou moderno.
O fim da Repblica datado pelos historiadores com a vitria de
Otaviano sobre Marco Antnio em cio, em 31 a.C., ou pela atribuio do ttulo
de Augusto a Otaviano em 27 a.C. A partir de ento, teria emergido um novo
regime, erigido no territrio devastado, totalmente vazio da Repblica. Na viso
predominante entre os historiadores contemporneos, h uma ruptura entre
Repblica e Imprio. Esta viso refora os elementos de ruptura, marcada por
mudanas nas formas de articulao e competio poltica da sua elite, em
detrimento da continuidade, quer relativa a estas mesmas formas de articulao
e competio da elite quer quando considerados outros aspectos tambm
importantes. Essa viso que refora os aspectos relativos ruptura em
detrimento daqueles de continuidade deriva fundamentalmente da crtica
construda por Ronald Syme viso constitucionalista de Theodor Mommsen.
A repblica~imprio de Mommsen

Para Theodor Mommsen, Augusto e seus sucessores procuraram


conferir s suas posies privilegiadas uma forma legal por meio da posse de
poderes magistrticos especficos como o imperium proconsulare e a
tribunicia potestas , baseados na estrutura poltica da Repblica. O Senado,
por sua vez, permaneceu soberano sob o Imprio, tratando da escolha de
magistrados e da legislao. Alm disso, ratificava a ascenso de um novo
imperador por uma lex de imperio (pelo menos a partir de Vespasiano).
Portanto, a Repblica teria que criar uma legitimidade republicana na ocasio
da ascenso de cada novo princeps. A relativa continuidade entre Repblica e
Principado, no pensamento de Mommsen, era decorrncia do modo como ele
concebia a prpria estabilidade da Repblica romana, calcada em uma cultura
jurdica que tinha um efeito normativo na ao poltica e social dos indivduos,
conferindo uma excepcional estabilidade estrutural sociedade republicana.
101

Mare Nostrum, ano 2013, n. 4

Mommsen pretendia descrever a essncia do Estado por meio de seu direito


pblico, de modo que, nessa apresentao sistemtica, o problema dos
processos e condicionantes histricos, bem como as interaes estabelecidas
entre os agentes constituindo um universo social mais complexo do que previsto
na norma legal, no tinha qualquer prioridade.
No esquema interpretativo de Mommsen no havia um ponto final na
Repblica. No sei se, usando a metfora de Harriet Flower, teramos entre a
Repblica e o Imprio de Mommsen uma vrgula ou um ponto e vrgula que
introduziria a nova sentena, onde haveria continuidades e rupturas entre
Repblica e Imprio.
A repblica-imprio de Ronald Syme

A crtica a esse paradigma formalista de anlise do Estado romano


ganhou fora na primeira metade do sculo XX, quando os estudos se
deslocaram

das normas jurdicas para os mecanismos concretos de

funcionamento do sistema poltico republicano e imperial. Esta virada, na


opinio de David Potter, que organizou A Companion to the Roman Empire,
publicado em 2006, deveu-se ao fato de que
a legalidade parecia ter pouca importncia para uma gerao que tinha visto Stlin promulgar a
constituio da Unio Sovitica, Mussolini proclamar uma nova viso do futuro da Itlia que se
desenhava a partir da reconstruo dos remanescentes fsicos do passado de Roma e o governo
democraticamente eleito de Hitler chegar ao poder na Alemanha (2006, p. 2).

A anlise dos grupos oligrquicos, e dos conceitos estruturadores das


relaes entre seus membros gratia, amicitia, fides, pietas etc. , passou a um
primeiro plano, no que se pode chamar de uma histria social e poltica da
Repblica e Principado.3 Uma histria bem exemplificada pela obra de seu
principal expoente, Ronald Syme, que teve como foco a elite em especial, a
aristocracia senatorial , estudada por um mtodo prosopogrfico. 4 O
3

Para o perodo republicano, o marco a obra de Mathias Gelzer, The Roman nobility (1969),
originalmente publicada em 1912.
4
Cf. H. Galsterer (1993, p. 19). Luciano Canfora (1991, p. 198) situa a ateno de Syme nas elites
como um desdobramento do debate sociolgico em curso nos anos de 1930 sobre o tema.

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Fabio Faersani. Entre a Repblica e o Imprio.

argumento de Syme, em A revoluo romana, de 1939, ilustra bem o abandono


da perspectiva constitucionalista: A composio da oligarquia de governo
emerge, portanto, como o tema dominante da histria poltica, como vnculo
unificador entre Repblica e Imprio: algo real e tangvel, qualquer que seja o
nome ou a teoria da constituio (1960, p. vii).
A ideia de uma ruptura entre repblica e imprio apresentada por
Ronald Syme foi depois retomada inmeras vezes. Como exemplos marcantes,
podemos citar o fim da poltica defendida por M. Finley em seu A Poltica no
Mundo Antigo (1983), e mais recentemente afirmada como revoluo cultural
por Wallace-Hadrill (2007). Por esta via, o que seria um ordenamento de uma
srie de eventos de forma arbitrria, visando a sua anlise, ou seja, o que seria
periodizao, faz-se evento histrico, ruptura real perceptvel e extensvel para
todas as esferas da experincia humana. Parece que os historiadores criaram
com sua periodizao (e a crena muito comum de que a anlise que fazem a
realidade e no a sua interpretao) uma ruptura na vida das populaes e
territrios dominados por Roma para todas as populaes e para todos os
territrios.
As separaes nas fontes
Ccero, Csar, Salstio e um imprio na repblica.

As fontes, como todos sabem, tratam o imprio mais como continuidade


do que como ruptura com relao repblica. Aquele que seria o principal
artfice

desta

ruptura,

Augusto,

apresentou

sua

atuao

como

uma

reconstituio da Repblica. E a tentativa de reconstituio de Augusto seria


uma entre muitas, como nos lembra Ccero em De re publica, 5, 2. Nesta
passagem, Ccero afirma que a Repblica uma obra-prima que, com o tempo,
foi perdendo as cores e a clareza de seus contornos. Sofrendo sucessivas
restauraes, a pintura no retoma suas cores originais. Pelo contrrio, ao final,
o que restou foram apenas os contornos da obra-prima original.

103

Mare Nostrum, ano 2013, n. 4

Em especial nos cem anos que antecedem a batalha de cio, a obraRepblica foi intensamente restaurada. O quadro que nos apresenta Jurgen von
Ungern-Sternberg (2006), que mencionamos como exemplo, o seguinte:
Quando Tibrio Semprnio Graco assumiu como tribuno da plebe em 10 de dezembro de 134
a.C, tudo na Repblica Romana parecia estar em perfeita ordem. Cartago, a perigosa rival de
Roma, tinha sido destruda; o reino da Macednia tinha se tornado uma provncia; todo o
mundo composto pelos estados helnicos estava agora sob controle romano. [] Na prpria
cidade de Roma, as lideranas das mais proeminentes famlias, a nobreza governante, dominava
a vida poltica de seus assentos no senado. Eles sabiam como conduzir um ou outro magistrado
recalcitrante de volta ao seu lugar, e o mesmo se aplicava para algum tribuno da plebe que
ocasionalmente se mostrasse independente demais. Eles eram flexveis o bastante para integrar
aspirantes ambiciosos e talentosos em suas fileiras e espertos o suficiente para incluir todos os
cidados na tomada de decises polticas atravs dos vrios tipos de assembleias e
particularmente confiava a eles a escolha entre os candidatos rivais na competio pelos cargos
polticos. [E aqui temos o grande ponto final. Abre-se nova sentena temporal] Menos de um
ano depois tudo fundamentalmente tinha mudado, de acordo com o que Apiano de Alexandria
escreveu no prefcio de sua histria das guerras civis romanas. Um embate poltico acabou em
assassinato e morte; outras lutas se seguiram, primeiro na cidade e depois pela cidade,
culminando no final na breve dominao de Csar e finalmente no estabelecimento do
principado por Augusto. Estes eventos ofereceram um grande e sangrento espetculo,
espalhando cenas terrveis e nomes famosos (2006, pp. 89-90)

A crise da Repblica, como fica claro aqui, corresponderia a uma queda


que durou mais de cem anos. Convenhamos que preciso admitir ao menos que
uma queda quase infinitamente longa. difcil pensar um ponto, uma linha
entre pargrafos que corresponda a cem anos. Mesmo sendo adeptas da ideia de
uma ruptura, as narrativas historiogrficas da passagem da Repbica ao
Imprio apontam este processo em dois tempos: o fracasso de Csar e o sucesso
de Augusto. Teramos dois pontos muito prximos, quase confundidos um com
o outro?
Considerando o que pensa Ccero poca de seu exlio, teramos muitos
pontos, que derivariam tanto da natureza da aristocracia romana e da busca
desmedida por glria quanto em razo de seus vcios, que levavam runa e a
buscar retirar dos outros o que no lhes pertencia. Afirma Ccero:
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Fabio Faersani. Entre a Repblica e o Imprio.

Quase sempre eclode to grande contenda que se torna difcil preservar a sociedade inviolvel.
Isto mostrou h pouco a temeridade de Csar, o qual perverteu todos os direitos divinos e
humanos em virtude de um principado que ele mesmo se atribura por um erro de opinio. E h
aqui uma coisa molesta: em nimos superiores e talentos brilhantes, a maior parte do tempo
esto presentes anseios de honra, comando, poder e glria (Off. 1, 26).
Da se deve concluir que, propostos semelhantes prmios [como os que se conseguiam com as
proscries], as guerras civis sempre existiro. Eis que apenas as muralhas da cidade esto de p
e firmes, mas j temem os ltimos crimes daquele homem [Csar] quanto Repblica, ns
sem dvida a perdemos totalmente (Off. 2, 29).

Por outro lado, Csar atribura esta morte derradeira a Pompeu. Afirma
Csar que:
Em razo destes fatos [Pompeu teria aterrorizado o Senado e feito cessar seu funcionamento em
liberdade], exorta-os e pede-lhes que assumam a Repblica e que governem juntamente com
ele. Mas se, de medo, se esquivassem, ele no deixaria de assumir sua responsabilidade e
governaria o Estado com seus prprios meios (Civ. 1, 32, 1-7).

Se quisermos, podemos ento pensar em um Principado de Pompeu, ou


mesmo antes dele em uma tirania de Sula, ou antes deste, tantas outras
rupturas.
Voltando s fontes, vemos inmeras mortes da Repblica. Uma muito
comum representada pela destruio de Cartago, em 146 a.C. Alm de
significar que Roma no tinha mais nenhum rival externo que pudesse ser
levado a srio, o episdio dado muitas vezes como o marco cronolgico a partir
do qual os romanos j no seriam mais uma repblica, uma vez que
abandonariam seus valores tradicionais. Lanados no luxo e nos vcios, iriam
cada vez mais se tornando amantes de ambies desmedidas. Sem almejar o
bem da repblica, mas apenas seus interesses pessoais, se dedicariam a destruir
seus compatriotas quer para eliminar rivais, quer para tomar-lhes os bens. A
repblica seria a sua elite; a boa repblica seria o resultado de uma elite
virtuosa. Esta repblica excelente teria produzido o imprio. O imprio teria
produzido o luxo e o poder desmedidos. Este imprio destruiu a repblica. O
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Mare Nostrum, ano 2013, n. 4

fim da repblica, assim, no corresponderia a um ponto final. Pouco a pouco, o


imprio iria se construindo e, com isto, a repblica se esfacelaria. Como
exemplo desta viso, podemos citar Salstio: Nem a glria, nem poder geravam
disputas entre os cidados [at a destruio de Cartago em 146 a.C.], pois o
medo do inimigo mantinha a cidade no bom caminho (Jug. 41, 2).
Sneca e as repblicas do Imprio

O Imprio, em Sneca, para outro exemplo, no comea com Augusto.


Certamente no comea na batalha de cio. Trata-se de um processo. Isto fica
claro quando ele lista os ingratos que receberam armas da repblica e colocaram
estes mesmos exrcitos contra a repblica. Sneca fala dos homens que foram
capazes de:
Atacar a prpria ptria e produzir facciosos e querer para si mesmo o supremo poder e
dignidade, eles se veem humilhados se no colocam a repblica a seus ps. Os exrcitos que
receberam da repblica serviram para ser jogados contra ela, e se dirigem s tropas para dizer:
Lutem contra as esposas, combatam seus filhos! (Ben. 5,15,4-5).

A lista de pessoas que corresponderiam a este perfil de querer estar


acima da repblica comea com Coriolano, que foi expulso de Roma. Acusado
de almejar a tirania, uniu-se aos volscos e levou os exrcitos contra Roma.
Sendo dissuadido de invadir Roma por sua me e por sua esposa, desmobiliza os
exrcitos e volta para os volscos, que o mataram. Este episdio no relatado
por Sneca, mas o conhecemos pela biografia de Coriolano que foi escrita por
Plutarco. O que chama a ateno que este episdio ocorreu em 491 a.C.,
quando a repblica tinha apenas dezoito anos! Os ingratos seguintes esto
todos no contexto das Guerras Civis, concentrando-se no sculo I a.C.: Mrio,
Sulla, Catilina, Pompeu, Csar e Antnio. Aps Antnio, ele diz que no
continuar a lista porque tomaria um dia inteiro para mencionar todos os
ingratos com a repblica (Ben. 5,17,1). Bem na vez de Otaviano!
O mesmo Imprio que se mostra como o princpio do esfacelamento
do poder de Roma, por outro lado, a oportunidade para a ascenso das elites
que se espalhavam pelo territrio conquistado. Diodoro da Scilia afirma que:
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Fabio Faersani. Entre a Repblica e o Imprio.

Os romanos, quando decidiram aspirar ao domnio do mundo, conquistaram o


imprio com o valor de suas armas, mas para seu prprio benefcio, trataram
com benignidade os povos vencidos (Bibl. hist. 32,4).
Este benefcio que se produz para os povos conquistados possibilitou
tanto uma nova dinmica econmica para aqueles espaos que comporiam o
universo provincial, como novas possibilidades de articulao poltica para suas
elites. No que se refere dinmica econmica com relao ao universo
provincial, a periodizao que cria uma forte ruptura entre Repblica e Imprio
parece inadequada. Do ponto de vista do funcionamento da economia do
Imprio, com a ascenso de diversas reas em ambiente provincial com relao
pennsula Itlica, a passagem da Repblica para o Imprio representada por
Augusto certamente no merece um pargrafo, nem mesmo um ponto; creio que
nem uma vrgula deveria ser colocada aqui. Quer me parecer que teria que se
atribuir uma supervalorizao da capacidade econmica do Estado romano, se
algum quisesse ter em Augusto uma ruptura na economia. O poder do Estado
romano de interferir na economia era bastante baixo e no pode ser
superestimado.
Para dar uma ideia disto, parece-nos pertinente a provocativa
comparao feita pelos editores da Histria Econmica do Mundo GrecoRomano de Cambridge, lanada em 2007. Eles constatam que o oramento de
uma das maiores universidades privadas

americanas

(convertido

em

equivalente-trigo) muitas vezes maior do aquele dos imperadores romanos do


primeiro sculo (2007, p. 10).
Retomando a metfora, o texto que se refere dinmica das elites
locais e suas alianas com a elite sediada em Roma tambm no nos parece
merecer nem mesmo uma vrgula. Diz Ccero, retomando a tpica de
benignidade dos conquistadores com relao aos conquistados, que os nossos
antepassados a quem cidades ou naes se confiavam tornavam-se seus
patronos (Off. 1, 10, 31). O crescimento do Imprio Romano, no o de Augusto,
levou progressivamente constituio de um ambiente provincial em que as
elites locais foram sendo integradas em redes de clientela. Alm das ligaes

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Mare Nostrum, ano 2013, n. 4

institucionais que ligavam Roma s provncias, havia tambm as ligaes


interpessoais entre aristocratas sediados nas diversas partes do territrio
provincial. A construo de um ambiente provincial, a ordenao institucional
destes espaos e sua dinmica econmica e, especialmente, as formas pelas
quais as elites provinciais e elites locais se relacionavam atravs de vnculos de
patronato, no tm como um divisor relevante a consolidao de Augusto no
poder. Assim, a ideia de que com Augusto se coloca um novo mundo, em que
todas as decises se encerram com a voz imperial, no corresponde a um
universo mais amplo de competio e colaborao que marcou a vida das elites
no s em Roma, mas tambm fora da capital. A valorizao da posio imperial
com relao aos outros atores polticos nos parece excessiva.
Tantas repblicas, tantos imprios... balcanizados?

Tratando da emergncia de novos atores polticos, que no comea e


muito menos se encerra com Augusto, Steven Rutledge (2001) falar em uma
balcanizao da poltica em lugar de sua morte. Muito longe do esvaziamento
das arenas de competio poltica, teramos a sua ampliao e multiplicao
para diversos espaos uma vez que o senado deixou pouco a pouco de ser o
espao de deliberao ltimo. O fortalecimento da casa imperial no anula o
poder do senado, mas faz com que novos atores e novos espaos de deliberao
fossem construdos pelos atores polticos. Diz este autor: tudo isto serviu para
balcanizar a poltica sob o Principado, colocando senadores, noui homines, e
libertos imperiais apostando uns contra os outros uma vez que eles competiam
por recompensas e influncia poltica. (Rutledge, 2001, p. 53.) No mesmo
sentido, Timothy P. Wiseman pensava j em 1985 este processo de modificao
da vida poltica como unidade e no como ruptura: mesmo o principado de
Augusto [...] no marca uma ruptura total relativamente continuidade da vida
poltica da oligarquia romana (1985, p. 2).
Concluso
Esperamos ter demonstrado que tem havido uma reificao do que
uma periodizao. Mais do que isto, que a periodizao que se constri como
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Fabio Faersani. Entre a Repblica e o Imprio.

uma ruptura entre Repblica e Imprio, a partir da ascenso de Augusto, deve


ser vista de forma mais matizada, pensando menos como obra de um homem,
de um gnio poltico que tem poderes de instaurao sobreumanos, e mais como
resultado de processos diversos de transformao que em alguns casos tm no
perodo do governo de Augusto um momento importante (mas no singular) e,
em outros casos, no representa qualquer importncia ao que se chama
instaurao do Principado. Propomos pensar Repblica e Imprio como tendo
mltiplas fronteiras, conforme se pense experincias histricas diversas. Ainda
mais, propomos pensar a diviso entre Repblica e Imprio no como uma
ruptura, mas como uma fronteira. Sendo fronteira, h separao e ligao entre
as vrias Repblicas e Imprios que podemos construir analiticamente e,
ainda mais, os espaos que correspondem a estas fronteiras no podem ser
traduzidos por pontos finais, mas sentenas que esto em parte sobrepostas e
em parte apartadas. O texto repblica / imprio no se escreveria assim:

REPBLICA / IMPRIO

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Mare Nostrum, ano 2013, n. 4

A apresentao grfica deste texto, a nosso ver, seria mais prxima de


uma apresentao na qual teramos mltiplas repblicas e mltiplos imprios,
onde nem sempre a repblica sucedida pelo imprio, mas temos momentos
imperiais em meio repblica e momentos republicanos em meio ao imprio.
Teramos um texto bem mais complexo, que demandaria muito mais trabalho
para ser lido. Se nossos argumentos puderem ser aceitos, o texto resultante seria
algo assim:

IMPRIOREPBLICA
REPBLICAIMPRIO

R
R I EP M

E P B I L M IP C A R IO
B

IRMEPPBL I

C R

IMPRIOREPBLICA
REPBLICAIMPRIO
I M

P R R E I P OBLI C
I R M E

REPBIL M I P C A

P PB L

IC R A I

R I O
RIEPMBLIPCARIO

IMPRREIPOBLICA

IMPRIOREPBLICAREPBLICAIMPRIO

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Fabio Faersani. Entre a Repblica e o Imprio.

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