Carlos Ziller Camenietzki Gianriccardo Grassia Pastore. "1625, o Fogo e A Tinta: A Batalha de Salvador Nos Relatos de Guerra"
Carlos Ziller Camenietzki Gianriccardo Grassia Pastore. "1625, o Fogo e A Tinta: A Batalha de Salvador Nos Relatos de Guerra"
Carlos Ziller Camenietzki Gianriccardo Grassia Pastore. "1625, o Fogo e A Tinta: A Batalha de Salvador Nos Relatos de Guerra"
holandeses, por outro lado, tambm foi ocasio para Castela alardear sua superioridade blica e mostrar a inutilidade da rebeldia das Provncias Unidas.2
O problema que nos ocupa no presente est ligado a esta ltima parte
da guerra, disputa pelo acontecido que se seguiu logo aps a dissipao do
fumo dos canhes em 30 de abril de 1625. Essa segunda batalha, o objeto
deste trabalho, no envolveu as foras catlicas contra os herticos de Holanda;
isso fora resolvido no terreno dos fatos, em Salvador. O conflito de que se
trata neste texto ops combatentes que estavam do mesmo lado do campo
quente da guerra e foi travado na pennsula, no corao mesmo dos domnios de Castela: ele ops portugueses a castelhanos. Suas armas foram relaes, crnicas, poemas e o teatro.
O tema j foi matria de um estudo recente de Fernando Cristvo
que bem soube identificar as linhas mestras desta tenso.3 Contudo, o trabalho por demais resumido e concentra o melhor de suas energias nos
arqutipos narrativos, sem muita preocupao com o sentido das controvrsias na situao histrica dada. Por outro lado, um trabalho mais antigo
de Stuart Schwartz busca fazer uma anlise mais abrangente do acontecido,
analisando o feito de Salvador como expresso das tenses entre diversos
grupos sociais e a coroa.4
O assunto ganha importncia, uma vez que as foras da Monarquia
eram originrias, todas elas, de domnios de Felipe IV; eram tropas de Castela,
de Npoles, de Portugal. Os autores das relaes e das crnicas eram todos
sditos, ou vassalos, do mesmo monarca, contudo, foi acirrada a disputa
pela vitria j obtida, ou seja, a disputa pelo papel de cada qual no grande
feito. certo que, tomada isoladamente, essa questo teria importncia
limitada; seria uma passagem curiosa acerca das tenses entre aliados numa
guerra antiga, porm, diversos daqueles que, nos anos 20 do sculo XVII, se
uniram para expulsar o holands de Salvador, nos anos 40 iro se levantar
contra a Monarquia, acelerando sua decadncia na poltica europia.5 Talvez,
coincidentemente, no momento das rebelies, apenas o reino mais diretamente comprometido com a retomada da Bahia Portugal conseguiu
assegurar sua independncia, com isso, o problema desta guerra de tintas
ganha uma projeo para muito alm da curiosidade.
Afinal, haveria j em 1625 um mal-estar significativo entre portugueses com relao ao domnio castelhano? Qual sua extenso real? Qual seu
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Para o jesuta, o problema no se limitava ao assdio hertico s conquistas da verdadeira religio. A decadncia em que caram estes domnios
do Oriente devia-se cobia dos Vice-Reis, dos capites e dos comerciantes
mais preocupados em colher riquezas que em proteg-los. O tema abordado por Guerreiro que mais interessa no presente o descaso da Monarquia
com os domnios de Portugal e os excessos dos ministros na tributao.9 O
abandono do reino expresso no tema recorrente da ausncia da Corte Real
de Lisboa. Diz o padre, apelando a S. Tom: No vos posso negar a divida
...rezam de sentimento, & dor de nam achardes em Lisboa aquelles passados Reys que vos fizeram poderoso, a vs, & vos ricos a elles10. O sermo
carrega um inegvel sentido de protesto. Entre relatos variados dos desacertos dos ministros castelhanos, Guerreiro lembrou ainda a doura de D.
Joo II para com seus vassalos e o quanto disso o monarca se valeu em seus
conflitos com Castela.
O protesto oratrio deste religioso no foi feito isolado num reino
melanclico e entristecido pelas agruras de um presente menos luzido que o
passado. De fato, como assinalou Joo Francisco Marques em seus estudos
sobre a parentica portuguesa do sculo XVII, o plpito fora importantssimo meio de protesto e de agitao poltica contra a degradao de Portugal sob o domnio filipino, e particularmente contra o abandono das conquistas ultramarinas nas dcadas de 1620-40.11 E, neste espao privilegiado
e protegido, jesutas, dominicanos e diversos outros religiosos exerceram
sua liberdade de crtica. Marques lembra que Gregrio Taveira pregara em
termos muito assemelhados a Guerreiro no mesmo ano de 1623. Tambm
Antnio de Oliveira ressaltou o papel do plpito na oposio poltica portuguesa durante o domnio castelhano.12 Estes protestos oratrios exprimiam vivos descontentamentos com reais perdas portuguesas no Oriente. Em
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po: festas, procisses, luminrias, missas etc. Junto com as primeiras notcias tambm vieram as relaes de guerra, as cartas oficiais e, depois, os
homens que participaram dos combates. No segundo semestre de 1625,
parte desse material foi impresso e vendido pelas ruas de Lisboa, Madri,
Sevilha, Cdiz. A Corte festejou intensamente, afinal, no se tratava apenas
da retomada de um porto importante para a economia do Imprio. Conforme j foi dito, a restaurao da Bahia reafirmava o enorme poderio da
Monarquia, num momento em que as foras catlicas retomavam terreno
perdido aos protestantes nos primeiros tempos da Guerra dos Trinta Anos.
Alm destas comemoraes, Madri, a capital, contou ainda com duas peas
de teatro: uma, do renomado Lope de Vega, castelhano, e outra de Joo
Antnio Correia,17 portugus.
Contudo, o feito e o desfeito no interessavam apenas aos peninsulares. Tambm entre os inimigos da Monarquia Catlica a proeza foi relatada
e divulgada em textos impressos, particularmente nos Pases Baixos, por
razes bvias. Talvez a relao mais conhecida entre ns seja aquela de Johann
Gregor Aldenburgk (soldado engajado nas tropas que ocuparam Salvador),
traduzida ao portugus havia uns quarenta anos18. Embora trate de um
feito de guerra, esta relao busca aproximar o sucesso dos relatos de viajantes ao Novo Mundo de finais do sculo XV e do incio do XVII, descrevendo peixes, frutos, tubrculos e ressaltando a antropofagia dos ndios e sua
ao selvagem nos combates. O texto muito detalhado e se revelou bastante til na exposio do problema que interessa ao presente trabalho.
Entre essas relaes publicadas nos Pases Baixos, e com interesse adicional por se tratar de relato dirigido ao pblico da Inglaterra, em 1626
apareceu em Roterdam a Plaine and True Relation, de autor ingls que teria
feito parte das tropas a servio dos holandeses,19 texto curioso que denuncia
os erros dos oficiais e critica seu comportamento durante a ocupao (bebiam e desfrutavam das prostitutas de Salvador). Nesta publicao, o problema das tenses que opunham portugueses e castelhanos aparece logo no
incio com a expressiva passagem: The people that are the naturall inhabitants
thereof are the Brasillians, they which are now the chiefest are the Portugals.
The Spanish King clames soveraigne, though by some denyed, and by the rest
unwillingly acceped of.20 De certa forma, a relao reproduzia um modo de
ver comum diplomacia das monarquias rivais Espanha havia muito.21
***
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Tendo publicado seu relato mais de trs anos depois dos acontecimentos, Tamayo buscou explorar o que sobre o grande feito se havia escrito
anteriormente. Ele afirma ter se baseado em trs relaes mais detalhadas,
entre elas a do padre Guerreiro, sem perder a ocasio de comentar que o
texto do jesuta solamente trata de lo que a Portugal se debio en esta empressa,
com algumas particularidades dignas de su diligencia.29 As particularidades
dignas da diligncia do jesuta portugus provavelmente so os elementos
da Jornada dos Vassalos, e ainda de outros relatos contemporneos, que se
contrapem s narrativas castelhanas, em geral, e quela sua maior sntese
o livro de Tamayo de Vargas. A crtica dissimulada ao escrito de Guerreiro
vem tona no fechamento da dedicatria:
... no admite la historia las singularidades qui aqui se dilatan, confiessolo;
pero esta es mas relacion historial de un sucesso particular, que historia
perfecta, en cuio decoro no caben tales menudencias; aqui son forosas.
Ninguna he dexado por negligencia, o malicia. En todas han estado
lexos de mi animo el odio i la afficion, siendo solo mi cuidado la verdad
de las acciones de cada uno, sin distinccion de naciones. [...] esta vencedora nacion [Castela] solamente jacta por suias las que conservan en las
memorias de los doctos que las aciertan, i de los nobles que las califican; lo
demas es passatienpo de gente ociosa que se dissimula porque no se
puede remediar.30
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Para alguns escritores castelhanos, o retardo da armada real compensou-se numa mal dissimulada crtica navegao da frota que partira de
Lisboa. Juan de Valencia y Guzmn, por exemplo, trata do seguinte modo
o naufrgio de uma embarcao portuguesa:
uma dellas [embarcaes] se le perdio el galeon la conepcion em que
hiba embarcado el maestro de campo Antnio Muiz Bareto ahogaronse
iento y quarenta hombres (...) salbose la Artilleria y perdiose todo ho
demas en que abia muchas cosas de balor...40
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Reunidas as armadas, tomou-se o rumo do Brasil. A viagem, que nunca era tranqila naqueles tempos, tambm se transformou em cenrio de
conflito entre as narrativas. D. Tamayo de Vargas no deixa de assinalar a
pouca destreza dos portugueses na navegao em alto mar: repetem-se as
ponderaes de que a armada reunida avanava com galhardia aunque los
baxeles de Portugal parecian menos veleros por darse siempre atras, ou de
que o comando castelhano procurava no perder la Armada de Portugal,
que seguia con difficuldad la de Castilla. Associado a isso, no faltam consideraes sobre a fidelidade lusitana, sobretudo no que diz respeito ao reconhecimento do comando e da superioridade castelhana. Valencia y Guzmn
descreve do seguinte modo a reunio em Cabo-Verde da armada do Brasil,
depois de registrar o desacerto da frota portuguesa:
... el regocijo y contento que huvo generalmente fue superior y
estraordinario fue nuestra armada siguiendo su capitana general y entrando con el orden y concierto que se acostumbra abatieron la capitania y almiranta de Portugal sus estandartes en conocimiento de
imferiores...41
Curiosamente, na maior parte das crnicas, os feitos dos luso-brasileiros entre a invaso e a chegada dos socorros quando so apresentados o so
antes como vilezas do que como atos de guerra, ou de bravura. Uma proeza
sem dvida significativa, a morte do comandante inimigo, coisa que sempre foi considerada importante nas batalhas, apresentada como feito desfavorvel, por quase todos os escritores, expressivo mais da indignidade que
das virtudes dos combatentes. A queda de Van Dort, o general holands,
por exemplo, referida como evento sanguinrio, injustificado e quase brbaro por Narbona y Zuiga:
... con gran presteza el Portugues le puso el pie sobre el pecho haviendole
herido de una cuchillada y aunque el coronel le pedi que no le matasse
diciendo que era el General no quiso perdonarle la vida, matole al fin y
quitole la espada, y cortole un dedo en que se trahia una sortija para que
fuesen testigos de la victoria, y los demas soldados triumpharon della,
aunque sangrientamente, porque demas de despoxalle le cortaron partes
de su cuerpo, cosa que los Holandeses tuvieron por denuestro afrentoso,
y se quexaron dello con razon...42
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Aldenburgk fala em diversas passagens do medo que atingiu os ocupantes da cidade to logo ficou claro que as expectativas alimentadas por
Moerbeeck no correspondiam aos fatos. Para este autor, a associao entre
os portugueses da Bahia e os ndios era coisa constante que influenciou
decisivamente no desgaste das foras ocupantes. O general Van Dort, por
exemplo, foi surpreendido pelos ndios selvagens, portugueses e pretos, e
ferido, bem como seu cavalo, de muitas flechas ervadas46, antes de ter sua
cabea cortada barbaramente.
Para este militar, os invasores estavam literalmente cercados, sofrendo
com a falta de vveres, impossibilitados de tratar com os sitiantes e temeroTOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 261-288.
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sos de suas pouco galantes formas de combate. Justificando com a barbaridade dos inimigos seus atos de guerra bem pouco aristocrticos, Aldenburgk
sintetiza esta situao na seguinte passagem:
Uma vez que no se podia esperar clemncia dos portugueses, brasilienses,
ou negros, pegamos do resto considervel de prisioneiros que possuamos, levamo-los para fora da cidade, colocamo-los amarrados uns aos
outros, prximo porta do capito Isenach (S. Bento), junto ao convento, e ali os arcabuzamos.47
Alis, a indignidade dos combatentes da terra, daqueles luso-brasileiros que resistiram a partir do Rio Vermelho, tambm ressaltada em
outro momento importante dos acontecimentos. Rendidos os holandeses,
ocupada a cidade pelas foras catlicas, reportam diversos cronistas que os
portugueses desejavam reunir os prisioneiros em suas embarcaes e incendilas. A idia no foi acolhida por D. Fadrique, mas a sua presena nas narrativas castelhanas e nas crnicas dos invasores ressalta aos olhos dos leitores o
barbarismo portugus, j apresentado na proximidade entre os lusos e os
indgenas.
***
As tenses indicadas at o momento entre as variadas interpretaes
do feito de Salvador ganham contornos bem mais ntidos quando as crnicas e relaes referem-se aos momentos finais da empreitada. Para os cronistas de Castela, os rituais dos vencedores coroam as sugestes indicadas ao
longo dos textos: os louros da vitria caberiam aos castelhanos vencedores.
Os escritores de Portugal acusaram o golpe e, em seus textos, demonstraram claro descontentamento com relao ao rumo impresso aos acontecimentos, pelos castelhanos da armada e pelos escritores de Castela.
O cronista-mor, D. Tamayo de Vargas, refere-se entrada catlica na
cidade com muita naturalidade, como se o fato de entrarem primeiro apenas soldados castelhanos fosse algo associado s funes exercidas por eles.
Entraram aqueles que poderiam assegurar a segurana do lugar e controlar
os bens da fazenda real associados retomada de Salvador.48 Se houve algum saque, e D. Tamayo o reconhece, foi apenas o resultado de uma perda
de controle passageira e logo punida exemplarmente:
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Ainda que D. Fadrique, comandante geral das operaes, tivesse remediado o mal-estar portugus ao levantar outra bandeira ao lado da real de
Castela, D. Manuel no se satisfez. Disse ele em sua crnica, com um
indisfarvel descontentamento:
A queixa das armas acudia em parte D. Fadrique mandando pintar huma
bandeira ordinaria as armas de Portugal no lugar acostumado, e no
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A considerar o que afirmaram estes dois soldados de Holanda, a vitria da expedio catlica contra os herticos foi tambm uma vitria sobre
os portugueses! Principalmente sobre os portugueses do Brasil!
***
Conforme ficou exposto no incio deste trabalho, ao disputar pela
verdade, os cronistas disputavam bem mais do que a espessura de uma fatia
do mercado de livros. Tratou-se da supremacia de uma verso. O objeto da
guerra de tintas que seguiu o feito blico de Salvador foi o lugar da nobreza e da fidalguia de Portugal nos domnios da coroa, ocupada por cabea
castelhana; e isso era problema de primeira grandeza.
Seria certamente ingenuidade crer que, de algum modo, os escritores
envolvidos anteciparam, nas letras, os sentimentos e interesses que moveram os atos perpetrados em primeiro de dezembro de 1640: a retomada da
independncia. A guerra de tintas no expressava um sentimento nacional
adormecido ou esmagado; ao contrrio, expressou um mal-estar de fidalgos, e to somente dos membros da nobreza latu sensu. O objeto desse
desconforto, conforme foi exposto mais acima, era o lugar ocupado pelos
vassalos portugueses no exerccio de seu natural e antigo papel na sociedade portuguesa: governar, defender o reino e suas conquistas. A significativa
ausncia de contedo autonomista pode ser ainda intuda do fato de que
um dos registros mais significativos desse desacerto saiu da pena de escritor
famoso e entusiasta do domnio filipino: Manuel de Faria e Sousa. Ainda
mais, ao que se pde constatar, o incmodo tambm foi recproco: os hidalgos
da armada no estiveram satisfeitos com seus pares lusitanos.
Aps a Restaurao, a batalha de Salvador perdeu importncia e a guerra
de tinta que lhe estava associada simplesmente acabou. O que no impediu
uma manifestao, um tanto tardia, mas bastante curiosa de Diogo Gomes
Carneiro, brasiliense e natural do Rio de Janeiro, interessado em conclamar
a nobreza de Portugal causa da independncia. Este autor refere-se bravura lusitana em defesa das conquistas do reino ainda sob o domnio castelhano,
citando o feito da Bahia como exemplo significativo. Diz ele:
... quando na Bahia do Salvador metropoli do estado do Brazil, resistiro
ao Holandes os portugueses, moradores, & filhos daquella dilatada
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Notas
1
12
OLIVEIRA, Antnio de. Poder e oposio poltica em Portugal no perodo Filipino (15801640). Lisboa: Difel, 1991;
_____. Movimentos Sociais e Poder em Portugal no sculo XVII. Coimbra: IHES/FL, 2002.
13
Cf a esse respeito, o texto clssico BOXER, Charles R. O Imprio Martimo Portugus. So
Paulo: Companhia das Letras, 2002, especialmente p. 120-163.
14
SOARES, Pero Roiz. Memorial. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1953, p. 466.
15
Idem, p. 465-75.
16
Note-se que a pea do padre Antnio de Sousa, encenada nesta ocasio, versava sobre as
conquistas de Portugal no Oriente e exaltava D. Manuel I e os grandes portugueses do sculo
XVI ligados a esta proeza. Cf. MIMOSO, Joo Sardinha SJ. Relacion de la Real Tragicomdia com
que los padres de la Compaia de Jesus em su Colgio de S. Anton de Lisboa recibieron a la Magetad
Catlica de Felipe II de Portugal. Lisboa: Jorge Rodriguez, 1620.
17
LISBOA, J. Carlos. Uma pea desconhecida sobre os holandeses na Bahia. Rio de Janeiro: INL,
1961. A pea foi editada no sculo XVII, no volume: Comedias Novas e Escogidas, vol. XXXIII.
Madri, 1670, p. 201-33. El Brasil Restituido de Lope de Vega foi editada diversas vezes em
coletneas do teatro espanhol. A licena de encenao foi emitida em 29 de outubro de 1625,
conforme pode ser visto no estudo BARREIRO, Jos Maria Viqueira. El lusitanismo de Lope
de Vega y su Comedia El Brasil Restituido. Coimbra: FLUC/Coimbra Editora, 1950, p. 217-8.
18
ALDENBURGK, Johann Gregor. Relao da Conquista e perda da cidade do Salvador pelos
holandeses em 1624-5. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1961.
19
A plaine and true relation of the going forth of a Holland fleete the eleventh of november 1623, to
the coast of Brasil with the taking of Salvador, and the chief occurrences falling out there, in the time
of the hollanders continuance therein. As also the coming of the sapnhish armado to Salvadoe, with
the beleaguering of it, the accedints falling in the towne the time of beleaguering... Roterdam, 1626.
20
A plaine and true relation, cit. p. 3.
21
Poucos anos antes dos acontecimentos de Salvador, um impresso circulou em Paris dando
novas da passagem de Felipe III por Lisboa, do juramento das cortes a seu sucessor e da atitude
dissimulada dos lusitanos com relao aos seus verdadeiros sentimentos para com o seu rei
castelhano. Cf. Le serment de fidelit faict au prince dEspagne, louverture des Estats du Royaume
de Portugal. Paris: Nicolas Alexandre, 1619, p. 7.
22
GUERREIRO, Bartolomeu SJ. Jornada dos vassalos da coroa de Portugal, pera se recuperar a
Cidade do Salvador, na Bahia de todos os Santos, tomada pollos Olandezes, a oito de mayo de
1624, & recuperada ao primeiro de mayo de 1625. Feita pollo padre Bertolameu Guerreiro da
Companhia de Jesus. Lisboa: Mattheus Pinheiro, 1625. O jesuta, que esteve embarcado na
frota portuguesa, tinha seu volume pronto em outubro desse mesmo ano, conforme atestam
as primeiras licenas para publicao, datadas de 7 de novembro.
23
Idem, pginas no numeradas.
24
Guerreiro viveu sete anos na corte dos Duques de Bragana, foi confessor de D. Theodsio
e pregou nas exquias celebradas em 1630 em sua memria. O sermo foi publicado dois anos
1625,
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depois: cf. GUERREIRO, Bartolomeu. Sermam que fez o R. P. Bertolameu Guerreiro da Companhia de Jesus nas exequias do anno que se fizero ao serenissimo Principe D. Theodosio segundo
Duque de Bragana em Villaviosa na Igreja dos religiosos de S. Paulo primeiro hermito onde o
dito senhor est depositado em 29 de novembro de 1630. Lisboa: Mathias Rodrigues, 1632. O
sermo faz um elogio exaltado da Casa de Bragana declarando em uma passagem o seu
expressivo posto no reino: Tres grandezas tem o Reyno de Portugal, com ser to pequeno, &
limitado pera quem fora pequena a Monarchia Romana. Primeira a famosa cidade de Lisboa,
cabea do Reyno enchendo todas as partes do mundo com a opulencia de seus comercios,
como se fora senhora do Oceano, como em outros tempos foy [...] A segunda, as conquistas do
Reyno. Senhoreando a monarchia portuguesa os beros donde o sol nos nasce, & as sepulturas onde se nos esconde: dando principio ao seu senhorio, onde a Monarchia Romana pos fim
a seu imperio [...] A terceira, a magnificencia real da casa de Bragana, que a pos os Reys se
segue, & declara por teno sua Depois de vos, nos 26v-27r.
25
Cf. SCHWARTZ Cit. p. 744-5.
26
Joaquim Verssimo Serro, por exemplo, tratando das expedies holandesas sobre as conquistas de Portugal, refere-se perda e recuperao da Bahia nos seguintes termos: Um
ataque de surpresa, em 1624, levou conquista de Salvador, notcia que ao chegar ao Reino
causou a maior emoo. No ano seguinte, uma frota enviada de Lisboa pde reconquistar a
capital do Brasil. SERRO, Joaquim Verssimo. O tempo dos filipes em Portugal e no Brasil
(1580-1668). Lisboa: Colibri, 1994. Este texto foi publicado em 1982, num extenso
manual de Histria de Portugal.
27
GUERREIRO, Bartolomeu. Jornada dos Vassalos, Cit. p. no numerada.
28
VARGAS, Toms Tamayo de. Restauracion d la ciudad Del Salvador, I Baia de Todos-Sanctos,
em la provncia del Brasil por ls armas de Dom Philippe IV, el grande, Rei Catholico de ls Espanas,
ndias etc. Madri: viva de Alonso Martin, 1628, p. no numerada. Este livro foi traduzido ao
portugus e dedicado a D. Pedro II por Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva em 1847.
29
Ibidem, p. no numerada.
30
Ibidem, p. no numerada.
31
A carta no saiu impressa na poca. VIEIRA, Antnio. Cartas. Lisboa: Imprensa Nacional,
1997, vol. I, p. 3-70.
32
VIEIRA, Op. Cit. p. 11.
33
Felipe II, aps a invaso de Portugal pelas foras castelhanas, fez reunir as cortes do reino em
1580. Na ocasio fez-se o acordo que, entre diversos outros itens, estatua o princpio da
nomeao de portugueses para as funes de governo no reino (exceo aberta apenas para o
Vice-Rei, se membro da famlia real) e do ultramar.
34
MOERBEECK, Jan Andries. Redenen Weromme de West-Indisch Compagnie dient te trachten
het Landt van Brasilia den Connick van Spangie te ontmachtigen en data ten eersten. Amsterdam:
Cornelius Lodewycksz, 1624. H traduo brasileira publicada com o ttulo: Os holandeses no
Brasil. Rio de Janeiro, 1942.
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RESUMO
A reconquista da cidade de Salvador pelas foras da Monarquia Catlica em
1625 foi um grande feito blico. A abundncia de testemunhos, relatos e histrias
da batalha so tantos elementos que certificam a importncia do acontecido para
seus contemporneos. Um exame detido dessa literatura capaz de mostrar uma
oposio, ainda que dissimulada, entre fidalgos portugueses e castelhanos: eles disputavam a proeminncia nos feitos blicos e a honra do desempenho vitorioso.
Festejada, narrada e comemorada, a Batalha da Bahia acabou por se transformar
num acontecimento revelador de tenses entre fidalgos de Portugal e de Castela, que
iria alimentar uma dissenso mais que secular e que viria a tomar corpo em dezembro de 1640.
Palavras-chave: salvador, sculo XVII, narrativas histricas.
ABSTRACT
The reconquering of the city of Salvador by the Catholic Monarquic Forces was a
belic enterprise of great impact. The abundance of narrations, stories and live
accounts of the battle testify to its importance for their contemporaries. A detailed
exam of this literature shows the opposition, even if veiled, between the Fidalgos
from Portugal and from Castela: they both claimed proeminence of belic achievements
and the merit of victorious deeds. The Battle of Bahia, narrated and celebrated to
great extent, turned out to be revealing of the tensions between the fidalgos of
Portugal and Castela, which in turn would give rise to a discution more than
secular eventually embodying itself in December 1640.
Keywords: Salvador, XVIIth Century, historical narratives.