Heuristica Do Afeto
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ISSN: 2177-5184
DOI: 10.5585/remark.v12i2.2487
Organizao: Comit Cientfico Interinstitucional
Editor Cientfico: Otvio Bandeira De Lamnica Freire
Avaliao: Double Blind Review pelo SEER/OJS
Reviso: Gramatical, normativa e de formatao
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Revista Brasileira de Marketing - REMark, So Paulo, v. 12, n. 2, p. 29-48, abr./jun. 2013.
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RESUMO
Na literatura recente, encontramos a denominada affect heuristic: respostas afetivas que ocorreriam
rpida e automaticamente, servindo de atalho mental nos processos de deciso (Slovic et al,
2002). Bateman et al. (2007) examinaram o papel do afeto in determinar julgamentos e decises e
apresentaram resultados experimentais demonstrando que a introduo de uma pequena perda como
um componente de um jogo pode aumentar a atratividade do jogo. Neste estudo, ns replicamos os
experimentos de Bateman et al. (2007), com resultados similares e discutimos o conceito de
avaliabilidade (Hsee, 1996, 1998, Slovic et al, 2002 e Bateman et al, 2007), para explicar esses
resultados. No geral, os resultados demonstram a importncia de fatores contextuais na
determinao das impresses afetivas e oferecem suporte para a proposio que destaca a
importncia da heurstica do afeto em processos de julgamento e tomada de deciso.
Palavras chaves: Heursticas, Afeto, Avaliabilidade, Julgamento.
ABSTRACT
Recent literature has discussed the concept of affect as a judgment heuristic: affective responses
tend to occur rapidly and automatically and serve as mental shortcuts in decision processes (Slovic
et al, 2002). Bateman et al. (2007), examined the role of affect in determining judgments and
decisions and described experiments demonstrating that the introduction of a small loss as a
component of a game increases its attractiveness. In this study we replicate these experiments with
similar results and discuss the concept of evaluability (Hsee, 1996, 1998, Slovic et al., 2002 and
Bateman et al., 2007) to explain these findings. In general, the results demonstrate the importance
of contextual factors in determining affective impressions and provide support to the related
proposition regarding the importance of the heuristic of affect in judgment and decision-making.
Key words: Heuristics, Affect, Evaluability, Judgment
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REFERENCIAL TERICO
Slovic et al. (2002), descreve o termo afeto como a qualidade de bom ou ruim que pode
assumir o estado de esprito de uma pessoa (conscientemente ou no) frente a um determinado
estmulo. A manifestao do afeto ocorreria de forma rpida e automtica (exemplo: a sensao que
prontamente experimentamos ao ouvir as palavras tesouro ou morte).
Um dos primeiros autores a propor, de forma sistemtica, a importncia das respostas
afetivas e emocionais no processo de tomada de deciso foi Zajonc (1980), que argumentava que as
reaes afetivas aos estmulos seriam frequentemente as primeiras reaes a se manifestarem,
ocorrendo de forma automtica e subseqentemente guiando e influenciando todo o processamento
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Segundo Zajonc (1980), a viso predominante nas dcadas de 60 e 70 era que processos
cognitivos como reconhecimento e categorizao seriam os primeiros a ocorrer em julgamentos,
atitudes, formao de impresses e tomada de deciso. Zajonc, entretanto, acreditava na ideia de
que os julgamentos afetivos poderiam ser razoavelmente independentes e precederem no tempo as
operaes cognitivas.
Outras contribuies foram geradas pela cincia mdica. O neurocientista Antnio Damsio
observou pacientes com leses cerebrais do crtex pr-frontal que mantinham intactos instrumentos
considerados suficientes para um comportamento racional: conhecimento, ateno, memria,
linguagem e capacidades de executar clculos e de lidar com a lgica de um problema abstrato.
Apesar disso, Damasio percebeu uma profunda deficincia em tomada de deciso.
O raciocnio prtico de cada um desses pacientes se mostrava to prejudicado que produzia
erros sucessivos. Outro sintoma era notado: uma pronunciada alterao da capacidade de
experimentar sentimentos e emoes, juntamente com demonstraes de desrespeito pelas
convenes sociais e princpios ticos. Razo prejudicada e incapacidade emotiva simultnea
sugeriram a Damasio que a emoo seria um componente essencial para possibilitar o
funcionamento da razo, algo novo at ento (Damasio, 1994).
Segundo props inicialmente Simon (1955), os agentes econmicos seriam limitados em sua
capacidade de processamento de informao. Desta forma, quando expostos a problemas
complexos, eles recorreriam a atalhos mentais, denominados heursticas de deciso (Kahneman &
Tversky, 1974).
Em sua palestra por ocasio do recebimento do prmio Nobel, em 2002, Kahneman utilizou
a nomenclatura criada por Stanovich & West (2000) Sistemas 1 e 2, para se referir a diferentes
formas de pensar. Segundo Kahneman (2003, p.1451), haveria considervel consenso a respeito das
caractersticas de ambos os sistemas: o Sistema 1, da intuio, possuiria operaes rpidas,
automticas, sem esforo, associativas e difceis de controlar ou modificar, enquanto as operaes
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automaticamente quando
nos
deparamos
com
situaes/imagens
semelhantes,
evaluability mostra que mesmo atributos muito importantes podem no ser usados pelos indivduos
em situaes de julgamento e deciso, a menos que possam ser traduzidos precisamente em uma
impresso afetiva.
Os conceitos de heurstica afetiva e avaliabilidade tm sido utilizados como novas
explicaes para as reverses de preferncias encontradas em experimentos antigos envolvendo a
avaliao de jogos e apostas (Slovic et al, 1990). Em Bateman et al. (2007), os autores revisitam
este e outros estudos antigos e compilam experimentos realizados com novos desenhos, motivados
pelos conceitos da affect heuristic e evaluability.
EXPERIMENTOS
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3.1.1 RESULTADOS
A Tabela 1 a seguir resume as estatsticas descritivas do experimento:
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Estatsticas
Mdia
Varincia
Desvio-padro
p-valor
0.005
0.076
0.487
De acordo com os resultados, temos que a avaliao mdia de atratividade dada ao Jogo A
difere de forma estatisticamente significante da avaliao mdia dada ao jogo B. O mesmo ocorre
entre as avaliaes dos jogos A e C a um nvel de significncia de 10%, mas no a 5%. J a
diferena entre a avaliao mdia de atratividade dada aos jogos B e C no foi estatisticamente
significante. Com estes resultados rejeitamos a hiptese nula do experimento.
3.1.2
DISCUSSO
De acordo com o raciocnio exposto na seo anterior, a expectativa era de que, no jogo A, a
probabilidade de ganho de 7/36 produzisse uma impresso afetiva razoavelmente precisa: muito
mais provvel no ganhar do que ganhar. A impresso afetiva referente ao ganho de R$9 seria bem
menos precisa, em funo da dificuldade de avaliar essa quantia sem nenhum contexto particular.
Portanto, no jogo A, a expectativa era de que a impresso do jogo fosse dominada pela impresso
(provavelmente negativa) formada pela baixa probabilidade de ganho.
Com relao ao jogo B, de mesma probabilidade de ganho ou perda, verificamos que sua
esperana matemtica menor do que a do jogo A, j que seu payoff em caso de perda de R$0,05. Apesar disso, nos experimentos realizados anteriormente, em trs ocasies diferentes
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EUA
Reino Unido
Brasil
3.2
Em Bateman et al. (2007) uma possibilidade levantada para tentar explicar os resultados
encontrados no Experimento 1 (iguais aos que encontramos) poderia ser que a maior avaliao de
atratividade obtida pelo Jogo B devida no ao aumento de atratividade do payoff de R$9 graas
adio do contexto da perda de R$0,05, mas sim devida atrao despertada pelo fato de se
correr um pequeno risco (a perda dos R$0,05).
Assim, este segundo experimento apresentou aos participantes os dois jogos para uma
avaliao conjunta. A expectativa era, sem dvida, de na avaliao conjunta, a mdia da avaliao
de atratividade do jogo A seria maior que a do jogo B, dado que agora ficaria imediatamente bvio
que o jogo A superior.
Este experimento foi realizado no Reino Unido University of East Anglia (da mesma
forma que o experimento anterior experimento base), e seus resultados foram reportados em
Bateman et al. (2007).
Realizamos o experimento com 49 alunos, aos quais foi solicitado que avaliassem, quanto
atratividade, os jogos A e B, descritos abaixo (iguais aos jogos A e B do experimento anterior):
Jogo A: probabilidade de 7/36 de ganhar R$9,00 e 29/36 de ganhar nada.
Jogo B: probabilidade de 7/36 de ganhar R$9,00 e 29/36 de perder R$0,05.
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3.2.1
RESULTADOS
3.2.2 DISCUSSO
Estes resultados permitem rejeitar a hiptese de que a maior atratividade obtida pelo jogo B
no Experimento 1 (seo anterior) devida ao fato de as pessoas se sentirem atradas pelo risco (da
pequena perda de R$0,05). Nossos resultados so similares aos obtidos pela pesquisa britnica.
Tabela 5: Comparao com Resultados de Experimentos Anteriores - Experimento 2
Reino Unido
Brasil
3.3
Em Bateman et al. (2007), os autores apontam uma possvel limitao dos experimentos
realizados (tanto nos EUA quanto no Reino Unido) e replicados neste trabalho (Experimentos 1 e
2): todos os resultados foram gerados a partir de um nico desenho de experimento, que consistia na
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3.3.1 RESULTADOS
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A Tabela 6 mostra que a proporo de indivduos que optou por jogar quando a opo de
jogo era o jogo B (ganho de R$9 ou perda de R$0,05) foi maior do que a proporo de indivduos
que optou por jogar quando a opo de jogo era o jogo A (ganho de R$9 ou nada) quando a opo
de ganho certo era R$4. Essa diferena no foi, entretanto, estatisticamente significante (teste de
Mann Whitney, p-valor=0,232).
J quando a alternativa de ganho certo consistia em R$2 (ver Tabela 7), a proporo de
pessoas que escolheu jogar o jogo B foi maior e a diferena foi estatisticamente significante a um
=10%, apesar de no ter sido a um =5%, por uma pequena diferena (p-valor=0,051).
3.3.2
DISCUSSO
Os resultados aqui encontrados foram semelhantes aos encontrados nos experimentos tanto
nos EUA quanto no Reino Unido, relatados em Bateman et al. (2007): a diferena entre o
percentual de participantes que escolheu o Jogo A e a Jogo B sobre a quantia de $4 no foi
estatisticamente significante. Entretanto, na escolha entre os jogos e a quantia de $2, o jogo B (com
payoff negativo de $0,05) obteve um percentual de escolha mais alto, tendo sido estatisticamente
significativa a diferena entre os percentuais.
EUA
Reino Unido
Brasil
Comparao com $4
Jogo A
Jogo B
0.299
0.355
0.333
0.367
0.182
0.268
Comparao com $2
Jogo A
Jogo B
0.333***
0.610***
0.417**
0.633**
0.621*
0.775*
Este experimento funciona como uma espcie de teste de robustez do Experimento 1, e seus
resultados sugerem que o aumento da atratividade do jogo com a incluso de uma pequena perda ($0,05) generalizado entre as modalidades de desenhos de experimento.
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3.4.1
RESULTADOS
N
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41
Tabela 10: Estatsticas Descritivas das Avaliaes dos payoffs dos jogos A e B Experimento 4
Jogo
Avaliao A
B
Primeiramente
N
41
43
observa-se
que
avaliao
afetiva
mdia
das
probabilidades
foi
aproximadamente nula (A: 0,22 e B: 0,64, em uma escala de -3 a 3) para ambos os jogos.
Entretanto, observa-se que a avaliao afetiva mdia (gosto) dos payoffs do jogo B (que possui a
perda de R$0,05) foi 5,5 vezes a avaliao afetiva mdia dos payoffs do jogo A.
Como foi verificado atravs dos testes de normalidade que os dados possuem distribuio
normal (com exceo dos dados do grupo A no teste de comparao das probabilidades, pelo
mtodo Shapiro-Wilk), realizou-se o teste t para comparao das avaliaes a respeito das
probabilidades e payoffs dos jogos A e B.
Os resultados mostraram que a mdia das avaliaes afetivas feitas a respeito das
probabilidades envolvidas nos jogos A e B (7/36 de ganhar e 29/36 de perder) no diferiram
estatisticamente, a um nvel de significncia de 5%. Entretanto, a mdia das avaliaes afetivas dos
payoffs do jogo B (R$9,00 ou R$0,05) foi bastante superior mdia das avaliaes afetivas dos
payoffs do jogo A (R$9,00 ou nada), e a diferena entre essas mdias foi estatisticamente
significante a um =5%. Desta forma rejeitamos a hiptese nula do experimento.
3.4.2
DISCUSSO
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EUA
Brasil
Probabilidades
Jogo A
Jogo B
-0.070
-0.160
0.225*
0.639*
Payoffs
Jogo A
Jogo B
0.160***
0.920***
0.229*** 1.275***
CONCLUSES
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Data do recebimento do artigo: 28/12/2012
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32
31
30
29
28
27
26
25
24
23
22
34
35 36 1
5
6
7
8
9
21
20 19 18 17
16
10
11
12
13
14
15
Indique sua opinio a respeito da atratividade deste jogo circulando um dos nmeros da
escala abaixo (de 0 a 20):
(No existe resposta certa ou errada, estamos interessados apenas em sua opinio a respeito da
atratividade deste jogo.)
0
No um jogo
atrativo de jeito
nenhum
(No gostaria de
participar de jeito
nenhum)
10
11
um jogo
moderadamente
atrativo
(Aceitaria
participar, mas
no faria muita
questo)
12
13
14
15
16
17
18
19
20
um jogo
extremamente
atrativo
(Faria o possvel
para participar,
muita disposio
em participar)
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Agora faa o mesmo, porm agora em relao aos possveis resultados do jogo: ganhar R$
9,00 ou no ganhar nada. Quantas pessoas, do total de 100, voc imagina que iriam gostar desses
possveis resultados? Quantas iriam ser neutras? E quantas no iriam gostar, etc.? Indique as suas
respostas colocando nmeros (de pessoas) nos quadrados abaixo. Estes nmeros devero somar
100.
Avaliao a respeito dos resultados possveis (+R$ 9,00 ou nada):
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