Psicologia Econômica PDF
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Psicologia Econômica PDF
PSICOLOGIA ECONMICA:
origens, modelos, propostas
PUC-SP
SO PAULO
2007
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PSICOLOGIA ECONMICA:
origens, modelos, propostas
PUC-SP
SO PAULO
2007
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ii
RESUMO
Esta tese tem como objetivo fornecer subsdios para a construo e instalao da
Psicologia Econmica no Brasil, partindo-se da hiptese de que o conhecimento deste
campo possa despertar o in teresse por ele e facilitar a constituio de uma rede de
pesquisadores com colaborao interdisciplinar. Desenvolvida a partir de uma
perspectiva histrica, adota o mtodo analtico-descritivo. A apresentao da rea, situada
na interface Psicologia-Econo mia, tem incio com uma viso panormica da situao
atual nos pases em que se encontra constituda. A seguir, percorre-se suas origens e
principais modelos, elaborados por autores contemporneos, a partir de obras que se
destacam dentro dela. A perspectiva histrica, definies da disciplina e trs conceitos
bsicos racionalidade, comportamento econmico e tomada de decises esto
presentes em todo o trabalho. Os dois ltimos captulos oferecem propostas: a primeira
um modelo que se pretende que contribua para a investigao das decises econmicas,
fundamentado em teorias e observaes psicanalticas, com foco sobre a polaridade
iluso e pensar, que repousa na concepo do mundo emocional que sobrepe-se razo;
a segunda proposta discute possveis modos de insero da Psicologia Econmica no
Brasil, com nfase sobre a importncia de proporcionar-se condies para informar a
populao acerca de seu comportamento econmico e maneiras como decises so
tomadas neste mbito, que contemplaria tanto dados sobre a Economia, como
conhecimentos sobre nosso funcionamento psquico, com o objetivo de favorecer a
apropriao, por parte de todos os segmentos, das escolhas que fazem. Ainda dentro esta
perspectiva, sugere-se que a reunio destes dados possa expandir as premissas que
sustentam inmeras polticas econmicas, de modo a torn-las mais condizentes com
nossa realidade externa e psquica.
PALAVRAS-CHAVE:
COMPORTAMENTO
ECONMICO.
DECISES
ECONMICAS. EMOO. HISTRIA DA PSICOLOGIA ECONMICA. ILUSO.
PSICANLISE. TEORIA DO PENSAR.
iii
ABSTRACT
The main goal of this thesis is to offer data useful for the constitution and consolidation
of Economic Psychology in Brazil. The underlying hypothesis is that information about
this area may stimulate interest in it and create favourable conditions to build a network
of researchers, based on interdisciplinary cooperation. A historical perspective has been
adopted, employing the analytical-descriptive method. Introduc tion to this area, that
belongs to the interface Psychology-Economics, comprehends an overview of its
situation in countries where it has already been established, historical roots and origins,
and the main models formulated by relevant contemporary authors within it. Historical
perspectives, definitions of the discipline and three essential concepts rationality,
economic behaviour and decision- making are discussed throughout this research. The last
two chapters offer two models: the first one aims to contribute to the issue of decisionmaking and is based on psychoanalytical theories and observations, focusing the polarity
illusion vs. thinking, supported by the conception of emotions prevailing over reason; the
second one discusses potential insertions for Economic Psychology in Brazil,
emphasizing the importance of informing the population on their economic behaviour
and how decisions are made, which would include both knowledge about Economics and
its mechanisms, and psychological operations as well, in order to help people to take over
their own decision- making processes in the economic realm. It is suggested that data
gathered in this research may expand the premises over which economic policies are
routinely elaborated so as to bring them closer to a more realistic level, both externally
and psychologically.
iv
SUMRIO
1. PSICOLOGIA ECONMICA UMA INTRODUO
1.1.Apresentao
1.2. Um rasante panormico
1.3. Relaes dentro da Psicologia
1.4. Linhas de Pesquisa e disseminao
1.5. No Brasil
1.6. Plano de Tese
1.7. Consideraes metodolgicas
p.
p.
p.
p.
p.
p.
p.
p.
1
1
6
11
18
29
32
36
p. 77
p. 77
p. 80
p. 89
p. 97
p. 97
p.103
p.108
p.119
p.121
p.124
p.127
p.133
p.136
p.139
p.144
v
4.6. Um modelo psicanaltico para tomada de deciso e
as decises econmicas
4.7. Um breve debate metodolgico
p.181
p.205
p.214
CONSIDERAES FINAIS
p.265
REFERNCIAS
p.275
p.214
p.230
p.242
p.249
COMPORTAMENTO
p.
I
p.
I
p
III
p. VI
p. VIII
p. XIV
p. XV
p. XVII
p. XXI
p.XXIII
p.XXVI
vi
AGRADECIMENTOS
vii
- no Brasil:
- toda a comunidade psi-econ, tanto da lista de discusso da internet, como colegas que
venho conhecendo e com quem venho trocando figurinhas importantes; em especial e,
vindos da rea econmica e todos ponta firmssima, Daniel Yabe Milanez, que fez uma
das dissertaes pioneiras sobre Finanas Comportamentais e me deu inmeras dicas
timas, l no comeo, quando era quase que meu nico interlocutor, Evelyn Batista, outra
pesquisadora com muito faro que, gentilmente, tambm me cedeu material e muitas
indicaes importantes; Bernardo Nunes, tambm pesquisando em Finanas
Comportamentais, sempre com informaes rpidas e certeiras, quando eu pedia socorro;
Roberta Muramatsu, pesquisadora na rea de Economia Comportamental e emoes, com
quem estamos construindo um frtil dilogo interdisciplinar ;
- os alunos do curso Psicanlise e Psicologia Econmica, na COGEAE da PUC-SP, que
receberam, em primeira mo, as idias contidas na verso inicial da tese e, durante as
aulas, com suas perguntas e comentrios, ofereceram contribuies excelentes para
aprofund- las;
- o grupo de estudos, originado da verso inaugural do curso, com Suely Ongaro, Luiz
Roberto Randazzo, Paula Pavon, Raphael Galhano, Caio Torralvo, Carla Boer e Ceclia
Letelier, com discusses sempre to estimulantes;
- Danilo Fariello, jornalista econmico que h muito tempo se interessa e batalha pela
disseminao da interface e proteo do cidado, ampliando o enfoque sobre questes
econmicas na mdia Paula Pavon, idem!
- os clientes, da clnica e da consultoria, tambm me ajudaram bastante a observar, ao
vivo e de perto e depois, pensar sobre comportamento econmico, decises econmicas,
racionalidade limitada e as reais dificuldades que temos frente a tudo isso;
- e, ainda: Herbert Kimura e Thiago Lisoni (da Economia Comportamental); Alice
Moreira, Ester Jeunon e Iani Lauer, tambm construindo a Psicologia Econmica no
Brasil; Marco Aurlio Velloso e Nilton Filomeno (psicanalistas e psiclogos sociais
organizamos, juntos, o Pr-Encontro de Psicologia e Economia fronteiras,
convergncias, dilemas, em 2002 Leila Bomfim, da Psicologia Social, teve participao
importante no percurso todo tambm); Eric Calderoni, colega de doutorado e pesquisador
de Psicologia Poltica e Amb iental, que me convenceu a oferecer, junto com ele, o
primeiro mini-curso sobre Psicologia Econmica, na ABRAPSO de Belo Horizonte, em
2005, alm de outras figurinhas trocadas; Cssia DAquino, cientista poltica e
especialista em educao financeira, que compartilha preocupaes e desejos de um pas
melhor; o pessoal do GrupoConsuma, da Universidade de Braslia (gente que pensa sobre
consumo com seriedade, para proteger o consumidor Amlia Perez foi a ponte);
Carmem Rittner, que salvou o curso do COGEA E da ameaa de extino, antes mesmo
de se iniciar, e Bronia Liebesny, que tambm deu suporte para que ele ocorresse;
Armando Rocha (da Neuroeconomia); Thomaz Jensen, Gerson Lima, Dante Aldrighi e
Cristina Amorim (economistas); Lucia Barbosa (que me apresentou ao que virou meu
livro de metodologia de cabeceira Laville e Dionne); do mestrado, na USP, minha
viii
orientadora, Maria Ins Assumpo Fernandes, que me recebeu nos primrdios deste
dilogo Psicanlise - Psicologia Social - Psicologia Econmica, e Eda Tassara, que
iluminou os primeiros caminhos metodolgicos; Paulo Sternick, psicanalista com quem
troquei idias no incio; Corbett Williams, que no do Brasil, mas tambm ajudou a
costurar pontes estimulantes entre Psicanlise e Psicologia Econmica, na lista eletrnica
de discusso sobre Bion;
- os colegas do NEHPSI-Ncleo de Histria da Psicologia: Maria Fernanda Waeny,
Arnaldo Motta, Maria Fernanda Mascheretti, Sonia Neves (no s do ncleo, somos
companheiras, de trabalho e amizade, de longa data), Ana Karina Fachini, Marilda
Castelar, Carmem Taverna, Janana, Renato, Clia, Ceclia Vilhena e outros colegas do
doutorado tambm, como Toninho (Antonio Brito), Ana Lucia Artioli, Tiago Matheus,
M. Dionsia e a secretria, Marlene que, sempre que pde, cooperou (isso facilita);
- os professores Leon Crochik , que me apresentou, com todo o rigor, Teoria Crtica
(nunca mais fui a mesma...), e Iza Garcia, com o curso excelente, Produo de Artigos
Cientficos;
Da Amrica Latina:
- os colegas da Red Latinoamericana de Psicologa Econmica: Maria Mercedes Botero,
Julio Cruz (que enviou um artigo chave), Marianela Denedri e, em especial, Carlos
Descouvires que, to gentilmente, presenteou- me com seu livro, em espanhol (ele
chileno), mais prximo da nossa realidade, tambm;
Na famlia, os agradecimentos vo para : Neilon, Nestor Castellan, meu companheiro, que
ficou ao meu lado, agentando me ver todo fim de semana sem sair do sof, com o
notebook no colo e, mesmo assim, me dando TODO o apoio possvel (e como foi
importante!!!); minha me, Coraly Pimentel de Mello Ferreira, a Dona Cora que, aos 92,
segue entusiasmada e interessada, sempre me dando muita fora (para no falar de todas
as cestas de frutas, gelatinas de melancia, balas de caf lendrias e os almoos filados,
claro); Gina e Homer, meus peludos e fiis descansos de alma;
- aos amigos, agradeo por no desistirem de mim, depois desta prolongada ausncia...
- e a Ccero Jos Campos Brasiliano, agradecimentos para sempre!
Por fim, gostaria de registrar a importncia que a bolsa CAPES -flexibilizada teve para a
viabilizao deste trabalho.
Acho que uma sorte ter uma lista to comprida de agradecimentos sinal de que tive
muita ajuda importante, sem a qual no sei se a tese teria sado. Por outro lado, um
perigo e se a gente comete um lapso e se esquece de algum fundamental, a quem se
profundamente grato? Seja pela Teoria do Prospecto ou no, avaliei as perspectivas,
mesmo se enviesadamente..., corri os riscos e, agora, s peo perdo antecipado, caso
tenha acontecido de deixar algum de fora. A Psicanlise, por seu lado, nos mostra que
somos todos frgeis, precrios e limitados como evitar os riscos, ento??
1
CAP.1 - PSICOLOGIA ECONMICA UMA INTRODUO
1.1. APRESENTAO
Este captulo introdutrio tem trs objetivos: primeiramente, situar o trabalho do ponto de
vista cientfico, no que tange sua insero, relevncia, premissas e propsitos; em
segundo lugar, apresentar, em linhas gerais, o objeto de estudo desta tese, ou seja, o
campo da Psicologia Econmica, no que diz respeito sua genealogia, relaes, linhas de
pesquisa e disseminao; por fim, delinear o formato do trabalho, conforme cada captulo
que o compe, encerrando com algumas consideraes de ordem metodolgica.
ANDERY, M.A., MICHELETTO, N., SRIO, T.M.P., RUBANO, D.R., MOROZ, M., PEREIRA, M.E.,
GIOIA, S.C., GIANFALDONI, M., SAVIOLI, M.R., ZANOTTO, M.L. Para compreender a cincia. Rio
de Janeiro: Garamond; So Paulo: Educ, 2004.
2
FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. Trad. Pedrinho
Guareschi e Paulo Maya.
3
WOODWARD, William R. Rumo a uma historiografia crtica da Psicologia. In J. BROEK e M.
MASSIMI (orgs.), Historiografia da Psicologia Moderna (verso brasileira). So Paulo: Unimarco
Editores e Edies Loyola, 1998. Trad. J. A. Ceschin e Paulo J. C. Silva.
4
CHAUVEAU, Agns e TTART, Phillippe. Questes para a histria do presente. Bauru, SP: Edusc,
1999. Trad. Ilka Stern Cohen.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
2
A relao que, para muitos autores, ntima com a Psicologia Social, ter alguns pontos
explorados tambm. J a Psicanlise entra, com maior destaque, na proposta de um
modelo para pensar um dos pontos centrais da Psicologia Econmica a tomada de
decises.
As premissas mais importantes que sustentam este estudo podem ser sintetizadas da
seguinte forma:
- um trabalho com vis histrico tampouco pode furtar-se a apresentar um panorama dos
conhecimentos adquiridos ao longo do tempo, em algum detalhe, examinando seus
autores, a evoluo de suas idias, os compartilhamentos, colaboraes e confrontos
internos;
3
recursos que, ao mesmo tempo em que impem limitaes, quando insuficientes, como
no caso de restrio de financiamentos, por exemplo, podem, por outro lado, desafiar
nossa capacidade de transpor obstculos e descobrir formas originais de levar a
investigao a cabo ;
Gostaramos de defender a incluso de um debate em torno do uso mais amplo do termo comportamento:
em nosso entender, ele poderia abarcar tambm o que no visto ou, necessariamente, mensurvel,
chegando, inclusive, s operaes psquicas que tm lugar em nossa mente. A expresso comportamento
psquico foi sugerida por Laertes de Moura Ferro, da Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo
(da qual foi presidente e analista-didata), num grupo de estudos, em 2002, de que participamos. Ele
chamava a ateno para o uso do termo em contraste com mecanismo, no que o primeiro teria de maior
abrangncia. Esta acepo parece coadunar-se com o conceito de dinmica, proposto pela Profa. Eva
Migliavacca, em banca de qualificao a que este trabalho foi submetido, em 17.08.06. usada, tambm,
por outros autores, inclusive fora do mbito da Psicologia e Psicanlise, como Economia e Medicina (cf.,
por exemplo, KON, Anita. A Economia Poltica do Gnero: determinantes da diviso do trabalho. Revista
de Economia Poltica, 22 (3): 89-106, 2002, p.92; LIN, TchiaY., STUMP, Patrick, KAZIYAMA, Helena
H.S., TEIXEIRA, Manoel J., IMAMURA, Marta, GREVE, Jlia M.A. Medicina fsica e reabilitao em
doentes com dor crnica. Rev. Med. (So Paulo), 80(ed. esp. pt.2):245-55, 2001, p.246; GANANA,
Maurcio M., BALEEIRO, Eduardo M., FUKUDA, Yotaka, SOUZA JR., Agenor A., RESNIK, Rita K.,
ALMEIDA, Clemente I. R. e ALBERNAZ, Pedro L. M. Nefropatias, cardiopatias e tireoideopatias
associadas a alteraes cocleares e/ou vestibulares; principais sndromes e doenas. Revista de
Otorrinolaringologia, 40 (1): 61-64, 1974, p.64. Disponvel em:
http://www.rborl.org.br/conteudo/acervo/print_acervo.asp?id=2900 acesso em 04.10.06). Acreditamos
que tal expanso possa ser benfica ao aprofundamento do estudo dos processos mentais, que incluem o
que observvel e, como temos visto, tambm toda a vastido do que no pode ser observado diretamente.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
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- a necessidade, importncia e possibilidade de haver uma Psicologia Econmica voltada
para a realidade brasileira;
- quando nosso estudo parte de uma rea que, apesar de nascida fora de nosso pas, voltase, em nosso entender, para questes que nos so pertinentes como os componentes
psquicos presentes no funcionamento da Economia, ressaltando-se os inmeros
problemas que esta esfera, a econmica, enfrenta no Brasil torna-se necessrio rastrear
o envolvimento de pesquisadores locais com o assunto, bem como introduzir propostas
para o desenvolvimento do campo aqui;
5
A partir destas premissas, propomos levar o campo da Psicologia Econmica ao
conhecimento da comunidade cientfica, especialmente aquela poro situada na
interseco Psicologia-Economia, oferecendo um panorama de sua histria, objeto de
estudo, modelos e propostas. Nossa meta final colaborar para a prpria constituio do
campo em nosso pas. Se esta pesquisa puder operar como guia aos leitores interessados
em conhecer mais ngulos a respeito de fenmenos econmicos e suas repercusses sobre
os indivduos e as populaes e, mais especialmente, se puder facilitar a comunicao, as
trocas, as parcerias entre os prprios pesquisadores, iniciantes ou veteranos nesta rea,
ter alcanado seu objetivo.
Ao mesmo tempo, esperamos que estas informaes possam, de algum modo, chegar,
tambm, ao grande pblico, como parte da proposta aqui chamada de esclarecimento da
populao.
Quanto relevncia desta tese, pudemos identificar, com certa nitidez, a chamada lacuna
no conhecimento. Em 1999, Fred van Raaij, atuante estudioso da rea, publicou um breve
captulo, History of Economic Psychology6 . At o incio da produo desta tese, em
2003, este parecia ser o nico trabalho inteiramente dedicado ao tema. Havia, em outras
obras (que so estudadas no captulo 2), referncias, ainda mais breves, ao percurso
histrico da disciplina e suas origens. No entanto, no foram encontrados estudos de
maior flego em torno do assunto, nem fora do pas nem, como era de se supor em se
In: EARL, Peter e KEMP, Simon (eds.). The Elgar Companion to Consumer Psychology and Economic
Psychology. Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar, 1999.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
6
tratando de disciplina ainda muito pouco conhecida por aqui, no Brasil. Dessa forma, esta
pesquisa pode mostrar-se relevante como uma primeira tentativa de reunir todo este
material numa s obra que, esperamos, ganhe, em breve, a companhia de outras com que
possa estabelecer dilogo. Espera-se que as informaes desta forma compiladas possam
contribuir para a prpria construo da Psicologia Econmica no Brasil, ao lado de
oferecer este panorama geral que poderia funcionar como uma referncia para outros
pesquisadores e interessados em conhecer esta rea de conhecimento. por esta razo
que o sentido de realizar este trabalho vincula-se importncia que acreditamos existir no
prprio fortalecimento da Psicologia Econmica no Brasil.
No poderamos encerrar esta apresentao sem explicitar de onde fala a autora, como
bem convm a trabalho com perspectiva histrica, que resultado da interseco entre
alguns vrtices: formao original e experincia clnica em Psicanlise; preocupao com
a situao social e econmica do pas, que a levou, desde o mestrado7 , a investigar a
possibilidade
do
conhecimento
psicanaltico
contribuir
para
discusso
FERREIRA, Vera Rita de Mello. O Componente emocional funcionamento mental e iluso luz das
transformaes econmicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e Virtual, 2000.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
7
Definida como o estudo do comportamento econmico de indivduos e grupos (Lea et.
al.8, van Raiij 9 , Kirchler e Hlzl10 ), a Psicologia Econmica pertenceria a uma linhagem
que conta com a Economia Poltica e a Psicologia, particularmente nas suas modalidades
experimental e aplicada, como genitores (Reynaud, 196711 ; Descouvires, 199812
Barracho, 2001 13 ), derivando-se, mais recentemente, da Psicologia Social (Lewis et. al.,
1995 14 van Raiij, 199915 ). A expresso teria sido usada pela primeira vez no final do
sculo XIX, por Gabriel Tarde, na Frana. A disciplina nasce da necessidade, identificada
por pensadores sociais, economistas e psiclogos, de acrescentar um enfoque mais
abrangente Economia, que no daria conta de explicar suficiente e apropriadamente os
fenmenos econmicos, sempre tingidos pela participao humana e, conseqentemente,
pelas limitaes, bem como movimentos, por vezes, inesperados, que lhe so inerentes.
Ao observar que o comportamento econmico de indivduos e grupos divergia
consideravelmente do que seria esperado, caso as premissas das cincias econmicas
fossem tomadas como leis, pensadores sociais e economistas, no princpio e, mais tarde,
psiclogos, passaram a expor seus questionamentos e buscar dados empricos que
refutassem as alegaes dos economistas tradicionais. Estamos nos referindo, aqui, a
economistas tradicionais, como aqueles que aceitam os preceitos da chamada teoria neoclssica, que postula a racionalidade dos agentes econmicos.
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
9
VAN RAAIJ, W. Fred. History of Economic Psychology. In P. EARL e S. KEMP (eds.), The Elgar
Companion to Consumer Research and Economic Psychology. Aldershot: Edward Elgar, 1999.
10
KIRCHLER, Erich e HLZL, Erik. Economic Psychology. International Review of Industrial and
Organizational Psychology. v.18, p.29-81. University of Manchester, 2003.
11
REYNAUD, Pierre Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
Djalma Forjaz Neto.
12
DESCOUVIRES, Carlos com a colaborao de: A. Altschwager, C. Fernndez, M.L. Jimnez,
J.Kreither, C. Macuer, C. Villegas. Psicologa Econmica temas escogidos. Santiago de Chile: Editorial
Universitria, 1998.
13
BARRACHO, Carlos. Lies de Psicologia Econmica. Lisboa, Instituto Piaget, 2001.
14
LEWIS, Alan, WEBLEY, Paul e FURNHAM, Adrian. The New Economic Mind the social psychology
of economic behaviour. London: Harvester/Wheatsheaf, 1995.
15
VAN RAAIJ, W. Fred. History of Economic Psychology. In P. EARL e S. KEMP (eds.), The Elgar
Companion to Consumer Research and Economic Psychology. Aldershot: Edward Elgar, 1999.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
8
desenvolvimento ao longo do tempo, at chegar a um panorama atual que esboa o
estado-da-arte do conhecimento da disciplina hoje, incio do sculo XXI, e as
perspectivas apontadas por essa trajetria.
- todo indivduo prefere ter uma maior quantidade de um bem, o que constituiria o
axioma da ganncia (p.46);
- quanto menor a quantidade de um bem que uma pessoa tiver, menor ser o seu desejo
de renunciar a uma unidade daquilo, para obter uma unidade adicional de um segundo
bem (p.48);
16
9
- maximizao de utilidade todo indivduo procura alcanar o mximo de satisfao,
lucro ou retorno possvel, pelo esforo ou investimento empenhado em suas aes para
obt-lo (p.49);
- sobre a teoria da oferta e da procura, acredita-se que as mercadorias sejam desejadas por
si mesmas, ao invs de s-lo pelos vrios atributos que possam possuir (p.52);
- os mercados onde haja competio perfeita podem ser descritos por meio de teorias
elementares (p.55).
Kirchler e Hlzl (2003 18 ) acrescentam, ainda:
KIRCHLER, Erich e HLZL, Erik. Economic Psychology. International Review of Industrial and
Organizational Psychology. v.18, p.29-81. University of Manchester, 2003.
19
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
10
aprendem a antecipar mudanas das polticas macroeconmicas e modificam seu
comportamento em decorrncia disso.
CRUZ, Julio E. Psicologa Econmica. Suma Psicolgica, 8 (2): 213 -236, 2001. Julio Cruz um
pesquisador colombiano, o que significa um olhar mais prximo ao nosso, no apenas geograficamente,
mas em termos do contexto social, cientfico e histrico tambm.
21
MacFADYEN, Alan J. e MacFAYDEN, Heather W. (eds.) [1986] Economic Psychology intersections
in theory and application. Amsterdam: Elsevier Science Publishing. 2.ed. 1990.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
11
modo, esta meno encontra seu lugar neste trabalho, que tem como objetivo apresentar a
disciplina, possivelmente, pela primeira vez, a alguns leitores.
22
So elas: Economia Comportamental e Economia Psicolgica; Finanas Comportamentais; ScioEconomia; Psicologia do Consumidor; Pesquisa sobre Julgamento e Tomada de Deciso; Economia
Experimental; Neuroeconomia; Economia Antropolgica ou Antropologia Econmica; Nova Economia
Institucional; Economia Ps-Autista.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
12
Buscando fundamentar suas proposies em dados empricos, a Psicologia Econmica
tem
recorrido,
predominantemente,
experimentos
em
laboratrio,
grandes
A autora teve acesso a estes documentos durante o congresso de Psicologia Econmica promovido pela
IAREP em Praga, Rep. Tcheca, em 2005. Eles lhe foram gentilmente cedidos para consulta por Stephen
Lea, ento presidente da Associao. Dado o seu expressivo volume, foram copiados para posterior anlise
no Brasil.
24
A carta de Randell (18.02.80), endereada ao Professor Behrend, agradece a nota sobre psicologia
econmica e recomenda que um simpsio sobre este tema seja introduzido no congresso da IAAP. Ele
acrescenta que est enviando formulrios de inscrio para que se tornem membros da IAAP, caso desejem
faz-lo e, se houver interesse suficiente por parte de membros de sua Associao, uma diviso de
psicologia econmica poderia ser criada dentro dela. Na carta de Singleton (26.11.80), endereada ao Dr.
Verhallen, ele supe que a insero da Psicologia Econmica no referido congresso deveria ocorrer dentro
da Psicologia Industrial/Organizacional mas solicita novas sugestes a este respeito. Em sua resposta a
ele, van Veldhoven (carta de 24.12.80), defende a incluso da Psicologia Econmica como sesso
independente no programa, alegando contatos anteriores feitos junto a outros colegas e explicando que sua
incluso no campo da psicologia industrial/organizacional seria insatisfatria, uma vez que envolve
aspectos sociais e ambientais do comportamento econmico. Caso se mostrasse impossvel realizar a
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
13
Embora alguns membros da IAREP tambm estejam vinculados 9.diviso da IAAP,
no h relaes formais entre os dois grupos 25 . Optamos, neste trabalho, por acompanhar
a Psicologia Econmica primordialmente desenvolvida por pesquisadores ligados
IAREP, no que diz respeito segunda metade do sculo XX, quando esta Associao foi
instituda. A escolha se deve, mais uma vez, impossibilidade de cobrir todos os
segmentos da disciplina numa primeira investida. Um estudo subseqente poderia
analisar semelhanas e diferenas entre o desenvolvimento e produo de ambos os
grupos, ficando aqui o convite para um trabalho nesta direo.
Com relao ao embasamento da disciplina, Lea et. al. (1987 26 ), adotam o
comportamentalismo e criticam a abordagem cognitiva. Para eles, a abordagem de
processamento de informao ou cognitiva, embora estivesse na moda poca e, ao
estudar resoluo de problemas, pudesse descrever, de modo preciso, alguns tipos de
tomada de deciso econmica, no acrescentaria muito compreenso destes problemas
(p.481-2). Por outro lado, Earl, economista psicolgico com importantes contribuies
Psicologia Econmica, tendo sido editor do Journal of Economic Psychology (20012004), em seu extenso levantamento sobre Economia e Psicologia, opta por privilegiar a
Psicologia Cognitiva e a Psicologia Social e no, o comportamentalismo (1990, p.71927 ).
Em 2006, podemos observar o volume crescente da produo que adota o vrtice
cognitivo, como foi o caso, mais recente, no IAREP-SABE Conference Behavioral
Economics and Economic Psychology 28, desde a conferncia proferida por Daniel
sesso independente, optariam por incluir-se junto Psicologia Social Aplicada. Informa que seu grupo
estaria pronto para apresentar entre 4 e 5 trabalhos na sesso e que teriam seu 7.colquio uma semana
antes, na mesma cidade, Edimburgo, Esccia, o que poderia significar que vrios participantes do colquio
poderiam ir ao congresso da IAAP tambm. Sua segunda carta (30.07.81), ao Dr. Cumberbatch, seis meses
mais tarde, expressa preocupao com o fato de no haverem recebido ainda uma notificao formal a
respeito da sesso independente de Psicologia Econmica no congresso que, aparentemente, j teria sido
aceita naquela data. O assunto cessa de receber ateno na correspondncia analisada, depois deste ltimo
documento.
25
Em 2003, no congresso de Christchurch, Nova Zelndia, Christine Roland-Lvy, ex-presidente da
IAREP e tambm participante da diviso de Psicologia Econmica da IAAP, sugeriu que os dois grupos se
aproximassem ou mesmo, se fundissem. Esta proposta foi praticamente ignorada pelos participantes da
Assemblia Geral, onde foi apresentada.
26
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
27
EARL, Peter. Economics and Psychology: a survey. The Economic Journal, 100 (402): 718-755, 1990.
28
Paris, 2006. O congresso foi organizado conjuntamente por IAREP e SABE (Society for the
Advancement of Behavioral Economics).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
14
Kahneman, por ocasio do recebimento do ttulo de Doutor Honoris Causa em Economia
e Psicologia, at grande parte dos demais trabalhos apresentados ali (cf. Proceedings of
the IAREP-SABE Conference, Paris, 2006).
29
LEWIS, Alan, WEBLEY, Paul e FURNHAM, Adrian. The New Economic Mind the social
psychology of economic behaviour. London: Harvester/Wheatsheaf, 1995.
30
O importante livro-texto The Individual in the Economy , Lea, Tarpy e Webley, 1987, teve apenas uma
traduo alm da verso original, em ingls foi para o tcheco, por iniciativa de um departamento de
Psicologia Organizacional ou Industrial, da Charles University, em Praga. Este fato foi mencionado por
Stephen Lea, um dos autores da obra, e por Karel Riegel, professor daquela universidade, durante a Mesa Redonda sobre a Histria da Psicologia Econmica, realizada em 2005, com a presena de pioneiros da
rea. Na mesma oportunidade, foi lembrado que, em outros pases da regio, semelhante proximidade com
a Psicologia Organizacional ou Industrial teria se verificado, o que foi apontado como fator facilitador para
a posterior instalao da Psicologia Econmica propriamente dita.
Ainda sobre este assunto, a autora assinala que seu primeiro contato com um livro de Psicologia Econmica
deu-se numa aula da disciplina O homem e o trabalho na administrao, dentro da rea de Psicologia
Organizacional, ministrada pelo Prof. Sigmar Malvezzi, no Programa de Ps-Graduao em Psicologia
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
15
por exemplo, bem como, em seus primrdios, nos EUA, onde se almejava implantar
sistemas mais produtivos de trabalho, derivados de estudos psicolgicos (cf.
Mnsterberg, 1913, apud Wrneryd, 2005a31 ).
Como pano de fundo para a discusso sobre as relaes delicadas entre Psicologia
Econmica e Psicologia do Consumidor, fazemos um breve retrospecto histrico. A partir
da dcada de 1940, George Katona, considerado como o pai da Psicologia Econmica
moderna (cf. cap.3.2), inicia o desenvolvimento de um instrumento que pretende avaliar o
estado da Economia norte-americana por meio de uma perspectiva fundamentada em
aspectos psicolgicos. Deu a ele o nome de ndice de Sentimento do Consumidor.
Compunha-se de um detalhado questionrio a respeito dos hbitos de consumo e, em
especial, expectativas futuras quanto a gastos e ganhos, sendo aplicado a amplas amostras
da populao do pas (Katona, 197532 ). Propunha-se a explorar o grau de otimismo
presente na Economia por intermdio da mensurao dos recursos poupados ou gastos. O
mtodo ganhou grande notoriedade, poca, porque foi capaz de permitir previses que
se revelaram bastante corretas sobre o desempenho da Economia norte-americana no psguerra ao contrrio daquelas efetuadas por economistas: enquanto estes vaticina vam um
ritmo fraco, Katona e seus colaboradores enxergaram um boom que, de fato, veio a
ocorrer. Um acerto to importante nesta rea vital do pas, que acabava de retornar da
Segunda Guerra Mundial, representou um impulso fundamental para o crescimento das
pesquisas sobre componentes psicolgicos dos fenmenos econmicos. Katona, um
Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP, onde realizou seu mestrado. O livro era LEWIS,
Alan, WEBLEY, Paul e FURNHAM, Adrian. The New Economic Mind - the social psychology of
economic behaviour. London: Harvester/Wheatsheaf, 1995.
31
WRNERYD, Karl-Erik. Consumer image over the centuries. Glimpses from the history of economic
psychology. In K. GRUNERT & J. THGERSEN (eds.) Consumers, Policy and the Environment - A
Tribute to Folke lander, Springer Verlag. 2005.
32
KATONA, George. Psychological Economics. New York: Elsevier, 1975.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
16
hngaro que havia deixado seu pas de origem na dcada de 1930 para radicar-se nos
EUA e gabava-se do acerto tambm desta previso considerado de forma
praticamente unnime talvez o mais emrito psiclogo econmico.
O primeiro editorial do Journal of Economic Psychology (van Raaij, 1981 33 ), por sua vez,
refere-se a um campo que seria, se no o mesmo, pelo menos intimamente compartilhado
por Psicologia Econmica e Psicologia do Consumidor. Seu Resumo inicia-se com as
seguintes afirmaes: Psicologia econmica estuda o comportamento econmico de
consumidores e empreendedores. (...) Psicologia econmica relaciona-se com psicologia
organizacional, pesquisa de mercado, pesquisa de comunicao de massa, sociologia
econmica e a abordagem de produo domstica. (p.1 34 ). Em seguida, no primeiro
pargrafo, indaga-se se seria diferente da psicologia do consumidor, da psicologia
organizacional, da pesquisa de mercado, da economia comportamental nesta ordem (op.
cit., p.1).
Cabe notar que este manual foi patrocinado pelo Departamento de Educao e Emprego
do Reino Unido (UK Department for Education and Employment) e pela IAREP como
parte dos encargos do epTEN (Economic Psychology Training and Education Network),
destinando-se queles que se denominam Psiclogos do Consumidor e Psiclogos
Econmicos, bem como aos docentes de Economia Comportamental, Micro-Economia,
33
VAN RAAIJ, W. Fred. Economic Psychology. Editorial Journal of Economic Psychology. 1: 1-24,
1981.
34
Economic psychology studies the economic behavior of consumers and entrepreneurs. (...) Economic
Psychology is related to organizational psychology, marketing research, mass communication research,
economic sociology and the household production approach. (van Raaij, 1981, p.1).
35
WEBLEY, Paul & WALKER, Catherine M. (eds.) Handbook for the teaching of Economic and
Consumer Psychology. Exeter: Washington Singer Press, 1999.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
17
Marketing, Scio-Economia e outras disciplinas relacionadas ao Comportamento
Econmico e do Consumidor (p.9 36 ).
36
18
Econmica e do Consumidor em 2003 37. Tais idas-e-vindas sugerem fronteiras fluidas
entre os dois campos, com um possvel desconforto por parte dos psiclogos econmicos
em ver-se cerrando fileiras com aqueles colegas. Entre as hipteses sobre tal situao,
podemos citar a conotao redundantemente mercantilista associada Psicologia do
Consumidor. De fato, entre os pesquisadores da Psicologia Econmica, ao menos
naqueles associados IAREP, predomina uma preocupao com o aspecto cientfico e,
quase se poderia dizer, independentemente de qualquer retorno monetrio significativo
(cf. Lea, 2000 38 ). Estes profissionais costumam receber financiamento acadmico para
seus trabalhos e, raramente, dedicam-se a outras atividades voltadas para o mercado, o
setor privado ou mesmo, consultorias prprias. Pelo contrrio, muitas vezes criticam a
postura adotada pela Psicologia do Consumidor que, devido aos seus laos indissociveis
com o mercado e suas fontes de recursos as empresas que pagam por seu trabalho, em
ltima anlise terminam por no revelar a maior parte dos resultados obtidos, uma vez
que eles valem dinheiro. Desse modo, impediriam o desenvolvimento e o progresso da
cincia (Lea et. al. 1987). No Anexo, temos uma exposio ainda mais detalhada deste
campo, desvinculado de sua relao com a Psicologia Econmica.
Informaes fornecidas por Stephen Lea, presidente da IAREP (2003-2005) e professor da Universidade
de Exeter, em 15.02.06, por correspondncia eletrnica.
38
LEA, Stephen E.G. Making money out of psychology: Can we predict economic behaviour? Palestra
proferida para a Annual Conference, British Psychological Society, Winchester, Reino Unido, 2000.
39
KIRCHLER, Erich e HLZL, Erik. Economic Psychology. International Review of Industrial and
Organizational Psychology. v.18, p.29-81. University of Manchester, 2003.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
19
complexos que a Economia utiliza para explicar e prever o comportamento econmico,
tomando como ponto de partida um pequeno nmero de axiomas sobre a lgica do
comportamento humano, no costumam levar a Psicologia em considerao,
restringindo-se a examinar decises sobre a alocao de recursos finitos com base sobre a
premissa da racionalidade e maximizao de utilidade. A Psicologia Econmica, por sua
vez, forneceria modelos econmicos descritivos, ao invs de normativos, como faz a
Economia (p.35-6).
Para propor seus modelos, a Psicologia Econmica recorre, muitas vezes, a experimentos
que visam testar sujeitos e suas escolhas em contextos de loterias, jogos, barganhas e
mercado, geralmente balizados pelos seguintes parmetros: os participantes deveriam se
comporta r normalmente, como no mundo real para tanto, o pesquisador deve
estabelecer uma estrutura de incentivo, com recompensa que depender das aes do
sujeito (no deve levar saciedade e deve ser planejado de modo a impedir que outros
fatores perturbem seu comportame nto, por exemplo); incentivos financeiros so vistos
por alguns pesquisadores como necessrios, para motivar a maximizao de resultados;
os participantes devem ser informados sobre os objetivos da pesquisa.
20
Elencam, como categorias investigadas pela rea, as seguintes: teoria e histria (por
exemplo, quadros de referncia tericos, vida e obra de cientistas); escolha e teoria de
deciso (por exemplo, deciso sob risco, comportamento de escolha, formao de
preferncia); cooperao e teoria do jogo; socializao (por exemplo, teorias leigas,
socializao econmica) ; firma (comportamento de firma, empreendedorismo) ; mercado
de trabalho (oferta de trabalho, experincias de trabalho, renda e salrio, desemprego);
mercado (por exemplo, precificao, competio de preo); atitudes e comportamento
financeiro; comportamento financeiro domstico (por exemplo, poupar, crdito e
emprstimo, dvida); investimento e mercado acionrio ; dinheiro (dinheiro em geral e,
em particular, o euro); inflao; impostos (atitudes frente a impostos, evaso); governo e
poltica econmica (por exemplo, seguridade, crescimento e prosperidade); psicologia do
consumidor (comportamento do consumidor, expectativas do consumidor, marketing e
publicidade, atitudes do consumidor); psicologia ambiental.
Em 2006, a mesma dupla de autores, Kirchler e Hlzl (2006 40 ), retoma, complementa e
atualiza os dados sobre a produo da rea publicada no peridico dedicado ao tema, o
Journal of Economic Psychology. Neste trabalho, somos informados, inicialmente, que
854 trabalhos foram publicados entre 1981, ano de sua fundao, e 2005 (apenas um do
Brasil!), tendo o nmero mdio de referncias bibliogrficas por artigo subido de 23.22,
entre 1981-1985, para 38.35, entre 2001-2005 (os autores observam, porm, que este
nmero ainda fica muito abaixo daquele encontrado, por exemplo, no Journal of
Personality and Social Psychology, que 60). Com relao s regies geogrficas de
origem dos autores dos artigos, temos ampla maioria na Europa (928), seguida pelo
continente americano (497), Austrlia e Nova Zelndia (98), sia (82) e frica (10), num
total de 1617 pesquisadores que contriburam para o peridico. Observam, tambm, que o
sistema de co-autoria aumentou no decorrer dos anos, acompanhando tendncia geral das
cincias (p.2-4).
40
KIRCHLER, Erich e HLZL, Erik. Twenty-five years of the Journal of Economic Psychology (19812005): a report on the development of an interdisciplinary field of research. Journal of Economic
Psychology, 2006, doi: 10.1016/j.joep.2006.07.001. A autora agradece a gentileza de Erich Kirchler que,
lembrando-se de seu interesse no tema, enviou-lhe este manuscrito, antes mesmo de ser publicado.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
21
Quanto s fontes mais citadas, listam: Kahneman e Tversky (1979), sobre Teoria do
Prospecto; Katona (1975), sobre Economia Psicolgica; Fishbein and Ajzen (1975), sobre
atitudes e comportamento 41 (p.6). Observa-se uma mudana nos ltimos cinco anos: no
artigo anterior (Kirchler e Hlzl, 2003), Lea et. al., 1987 42, tinha m a dianteira nesta
ordenao. Como veremos depois (cf. cap.3), esta obra pode ter ficado, com efeito, algo
datada, em que pese sua grande importncia para a disciplina, pois foi o primeiro livrotexto da rea.
Com relao a outros peridicos citados nos artigos do Journal of Economic Psychology,
encontramos, em primeiro lugar, o prprio, seguido pelo Journal of Consumer Research
e Journal of Personality and Social Psychology 43 (p.7).
Kirchler e Hlzl lembram que artigos recentes teriam menos chances de ser citados to
freqentemente, dado que deveria ser levado em conta (p.8). De todo modo, podemos
41
A lista composta por 20 trabalhos. Os demais so: Lea et. al.(1987); Tversky e Kahneman (1981);
Ajzen e Fishbein (1980); Lewis (1982); Keynes (1936); Thaler (1980); Scitovsky (1976); Bettman (1979);
Festinger (1957); Thaler (1985); Kahneman et. al.(1986); Gth et. al.(1982); Kahneman e Tversky (1984);
Tversky e Kahneman (1974); Vogel (1974); Howard e Sheth (1969); Schoemaker (1982) .
42
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. & WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
43
Novamente, a lista contm 20 publicaes: American Economic Review; Journal of Marketing Research;
Advances in Consumer Research; Econometrica; Journal of Marketing; Psychological Bulletin;
Psychological Review; Quarterly Journal of Economics; Journal of Political Economy; Journal of
Economic Behavior & Organization; American Psychologist; Journal of Applied Psychology; Economic
Journal; Journal of Finance; Journal of Public Economics; Management Science; Journal of Economic
Perspectives.
44
Os demais so: Grasmick e Scott (1982); Etzioni (1988); Oliver e Winer (1987); Ger e Belk (1996);
Powell e Ansic (1997); Grunert e Juhl (1995); Wrneryd e Walerud (1982); Belk e Wallendorf (1990);
Leiser (1983); Ng (1983); Veenabeele (1983); Verhallen e Pieters (1984); Chang et. al.(1987); Van Raaij
(1981); Weigel et. al.(1987); Bloemer e Kasper (1995); Davies e Lea (1995); Robben et. al.(1990);
Wallschutzky (1984).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
22
levantar a hiptese de que a disciplina ainda seja vista, fora de seu prprio mbito, como
fonte potencial de informao sobre o consumidor, possivelmente com vistas a utilizar
esta informao em marketing. Esta viso, se verdadeira, diverge de nossa proposta,
como discutiremos ao longo deste trabalho. Seguindo a recomendao dos autores,
porm, devemos considerar que este panorama possa estar sofrendo modificaes, por
exemplo, desde a premiao de Kahneman, em 200245 (cf. cap.3.13), que veio a dar nova
visibilidade e credibilidade Psicologia Econmica caso esta tendncia se verifique
correta, no teria havido tempo, ainda, para manifestar-se em levantamento desta
natureza.
Por fim, recorrendo mesma base de dados (Web of Science), chegam aos peridicos que
mais citam artigos do Journal of Economic Psychology: em primeiro lugar, est o prprio
peridico, com 427 citaes e, depois, grande distncia, o Journal of Business
Research, com 60, e Psychology & Marketing, 5746 . Para reduzir a surpresa com esta
discrepncia, chamam a ateno para o fato de que o nmero deve ser comparado com o
total de citaes de todas as outras publicaes, o que faz a porcentagem cair para meros
3.6% do total, o que estaria perfeitamente dentro do esperado para uma revista cientfica
( equivalente, por exemplo, ao Journal of Behavioral Decision Making, 3.8%, e ao
Journal of Economic Behavior and Organization, 3.5%, ao passo que o Journal of
Personality and Social Psychology apresenta ndice bem mais elevado, 17.9%, op. cit.,
p.9).
23
(embora europeus continuem a predominar), at os temas dos trabalhos, passando pelo
nvel das referncias. Neste artigo, as categorias de temas, por quantidade de trabalhos,
so: teoria e histria; tomada de deciso individual; cooperao e competio;
socializao e teorias leigas; dinheiro, moeda e inflao; comportamento financeiro e
investimento; atitudes do consumidor; comportamento do consumidor; firma;
comportamento no mercado, marketing e publicidade; mercado de trabalho; impostos;
comportamento ambiental; governo e polticas econmicas (p.9). Se compararmos esta
listagem com a anterior (Kirchler e Hlzl, 2003, p.31), verificaremos que firma e
mercado de trabalho perderam posies, enquanto dinheiro e inflao e comportamento
financeiro e investimento, sobem. Os demais no apresentam variaes significativas,
com exceo para o fato de no haver mais distino entre as reas Psicologia do
Consumidor e Psicologia Ambiental, agora reunidas, na mesma categoria.
Os autores afirmam que, aps uma busca de identidade inicial, os principais tpicos da
disciplina teriam ganho contorno, e eles se relacionam prpria Psicologia Econmica,
alm de Economia Comportamental e Psicologia do Consumidor, num vasto escopo que
compreende de tomada de deciso individual a assuntos macro-econmicos (p.9). As
fontes dos trabalhos apontariam para sua natureza interdisciplinar, com Psicologia Social,
pesquisa do consumidor e Economia, entre os principais plos de dilogo. Para eles, o
peridico representa uma ponte nesse sentido, contribuindo tanto para o desenvolvimento
de teorias como para aplicaes.
No que diz respeito aos desafios que emergem desta anlise, Kirchler e Hlzl (2006),
apontam para a necessidade de pensar-se estratgias de atuao frente a: competio com
publicaes mais especficas, tais como aquelas dedicadas, exclusivamente, a tomada de
deciso, marketing, publicidade ou pesquisa do consumidor quanto a isto, deveriam
estabelecer meios para aumentar a visibilidade junto s disciplinas que lhe fazem
fronteira; cuidados com a qualidade dos trabalhos publicados e promoo do peridico
em geral por exemplo, atraindo pesquisadores reconhecidos para publicar nele, ou
convidando-os a submeter trabalhos de reviso ou meta-anlises acerca de determinados
aspectos do campo, bem como informar comunidades de pesquisadores de Economia,
24
Psicologia Social, marketing e Psicologia do Consumidor, enviando-lhes resumos de
artigos destacados, que pudessem ser veiculados em seus respectivos boletins (p.10).
Devemos dedicar especial ateno a estas recomendaes, j que prestam-se, igualmente,
ao nosso objetivo de contribuir para a disseminao do campo no Brasil.
Outro autor da interface Psicologia-Economia, Azar (2006 47 ), tem se voltado para a
questo da produo cientfica da rea publicada em peridicos, comparando trs deles:
Journal of Economic Behavior and Organization, Journal of Economic Psychology e
Journal of SocioEconomics. Tambm fundamentado pela base de dados da Web of
Science, empreende uma anlise minuciosa das citaes de cada um deles, no perodo
2001-2005, e conclui que o mais citado o Journal of Economic Behavior and
Organization, com o Journal of Economic Psychology e o Journal of SocioEconomics
ocupando, respectivamente, segundo e terceiro lugares. Estes dados apontam para uma
multiplicidade de publicaes que se estende para alm do Journal of Economic
Psychology, tradicionalmente mais ligado IAREP.
Da mesma forma, de acordo com Cruz (2001 48 ), ao lado do Journal of Economic
Psychology, trabalhos sobre comportamento e decises econmicas, e assuntos afins,
podem ser encontrados tambm nos seguintes peridicos, com especial destaque para os
dois primeiros: Journal of Economic Behavior and Organization; Journal of
SocioEconomics; Applied Psychology: An international Review; British Journal of Social
Psychology; Journal of Consumer Research; Journal of Consumer Psychology; Journal
of Advertising; International Journal of Advertising; Psychology & Marketing; Journal of
Marketing; European Journal of Marketing; Journal of Consumer and Market Research;
Journal of Applied Psychology; Journal of Product Innovation Management; Journal of
Experimental Analysis of Behavior; Journal of Behavioral Decision Making;
Experimental Economics; Organizational Behavior and Human Decision Processes.
Como fontes, ele cita: Quarterly Journal of Economics; Games and Economic Behavior;
Journal of Mahematical Psychology; Journal of Economic Theory. Acrescentamos
47
AZAR, Ofer. Behavioral Economics and Scio-Economics Journals: a citation-based ranking. Journal of
Socio-Economics (no prelo).
48
CRUZ, Julio E. Psicologa Econmica. Suma Psicolgica, 8 (2): 213-236, 2001.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
25
listagem acima, por ter sido fundado em 2003, data posterior ao artigo de Cruz (2001), o
Judgment and Decision Making, peridico que pertence Society for Judgment and
Decision Making (cf. Anexo 1.5).
49
FERREIRA, Vera Rita M. Is Economic Psychology being born in Brazil? a review of the scientific
production in the economic-psychological area looking into the future. Anais da IAREP-SABE Conference
Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA,
Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes,
Paris, Frana, 2006.
26
economistas comportamentais, predominantemente norte-americanos 50. Abaixo, a lista
completa de locais e ano de realizao51 :
50
No congresso conjunto de 2006, em Paris, Frana, aventou-se a proposta de uma fuso entre as duas
associaes IAREP e SABE. Se da parte dos membros da SABE a adeso pareceu ter sido unnime, o
mesmo no pode ser dito sobre a IAREP. Seus membros solicitaram que a moo fosse objeto de anlise
mais cuidadosa e levantaram, entre outros questionamentos, a questo, vista como problema para muitos,
entre os quais esta autora, de passar a haver congressos nos EUA a cada dois anos, com o que no se
concordaria. Uma proposta de federao foi, ento, levantada, embora tampouco ficasse estabelecida. At o
momento, 2006, todos os membros da IAREP so, automaticamente, membros da SABE, e vice-versa.
(Relato da autora, presente reunio dos representantes de pas, em 06.07.06, quando o assunto foi trazido
baila pela primeira vez, e na Assemblia Geral da IAREP, em 08.07.06, quando foi discutida por todos os
membros presentes. Ambas tiveram lugar na Universidade Ren Descartes, local de realizao do
congresso).
51
Fonte: History of IAREP Congresses, Anais do XXX International Association for Research in Economic
Psychology Annual Colloquium Absurdity in the Economy . Praga, Rep. Tcheca, 2005.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
27
21. 1996 - Paris, Frana
22. 1997 - Valencia, Espanha
23. 1998 - So Francisco, EUA
24. 1999 - Belgirate, Itlia
25. 2000 - Viena (Baden), ustria
26. 2001 - Bath, Reino Unido
27. 2002 - Turku, Finlndia
28. 2003 - Christchurch, Nova Zelndia
29. 2004 - Philadelphia, EUA
30. 2005 - Praga, Rep. Tcheca
31. 2006 Paris, Frana
52
A autora enviou mensagem IAREP -net, rede de comunicao eletrnica desta Associao, em
14.11.06, solicitando que lhe fossem enviadas informaes sobre cursos oferecidos na interface PsicologiaEconomia. Estes dados no pretendem esgotar o assunto, j que fornecem, antes, uma amostra, sem
ambio estatstica, do que est sendo feito hoje [2006], e no um levantamento completo dos cursos.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
28
Leny, Fundamentos de Economia Psicolgica, disciplina obrigatria, e seminrio
optativo sobre fatores psicolgicos que afetam decises financeiras domsticas na
graduao de Economia, e Psicologia do Comportamento de Mercado, na graduao em
Psicologia; na Itlia - Universit del Piemonte Orientale, Alessandria, Economia
Experimental e Cognitiva, na Faculdade de Dire ito, com Marco Novarese; na Alemanha
European University Viadrina, Frankfurt, Economia Comportamental, na graduo e
ps-graduao, com Jonathan Tan, desde 2005; na Dinamarca - Aarhus School of
Business, Aarhus, Psicologia Econmica, em programas re-estruturados de Mestrado em
Marketing e em Medida de Desempenho de Negcios (Business Performance
Measurement), a partir de 2007, com John Thgersen; na ustria Universidade de
Viena, seminrio de tpicos de Psicologia Econmica, em ingls, para alunos avanados
da Faculdade de Psicologia, e prtica de pesquisa na rea, idem, com Erik Hoelzl; na
Rssia Universidade Estadual (State University Higher School of Economics),
Moscou, Psicologia do comportamento econmico, na graduao de Economia, com
Alexander Poddiakov; na Holanda Wageningen University, incluso de tpicos sobre
Psicologia Econmica em diferentes cursos e, a partir de 2007, Tomada de Deciso do
Consumidor, na graduao e Mestrado em Psicologia, com Gerrit Antonides; nos EUA Temple University, Filadlfia, Julgamento, Escolha e Tomada de Deciso e
Comportamento do Consumidor e Armazenamento (Consumer Behavior & Foraging), na
graduao, e Economia Comportamental, no Mestrado em Psicologia, com Donald
Hantula, e Economia Comportamental, na Faculdade de Economia da New School of the
University of South Florida in Sarasota, Florida, com Catherine Elliot; no Uruguai com
Hugh Schwartz, incluso do tema nos cursos de Organizao Industrial, entre 19901993, e aulas especiais, em 1991, 1992, 1995 2000 e 2002, no Depto. de Economia e
Economia Comportamental, no programa de Mestrado em Economia, em 2005, da
Faculdade de Cincias Sociais da Universidade da Repblica, em Montevidu; no
Mxico tambm com Hugh Schwartz, Economia Comportamental e Finanas
Comportamentais, no Depto. de Finanas do Instituto Tecnolgico de Monterrey,
graduao e ps-graduao; e no Brasil, ainda com Hugh Schwartz, curso de curta
durao sobre Economia Comportamental, no Depto. de Economia da Universidade
Federal do Paran, em Curitiba, em 1995.
29
Esta pequena amostragem nos permite depreender que, mesmo onde se encontra melhor
implantada caso do hemisfrio norte a interface ainda no consolidou espao
garantido do ponto de vista acadmico.
Por outro lado, dois Prmios Nobel j foram outorgados a estudiosos dessa rea o
primeiro, a Herbert Simon, em 1978, por sua teoria sobre a racionalidade limitada
(bounded rationality, Simon, 1978 53 ), e o segundo, conjuntamente a Daniel Kahneman,
que desenvolveu suas pesquisas sobre ince rteza e risco, a partir de crenas e escolhas
intuitivas dentro de um contexto de racionalidade limitada, com Amos Tversky, falecido
por ocasio da premiao, deixando, assim, de receb- la (Kahneman, 2002 54 ), e a Vernon
Smith, por seus trabalhos em Economia Experimental (200255 ). Simon tinha formao
tanto em Psicologia, como em Economia, o mesmo se dando com Kahneman (e Tversky),
embora estes ltimos sejam considerados primordialmente como psiclogos econmicos,
e Smith um economista experimental.
1.5.NO BRASIL
53
30
em Psicologia Econmica no Brasil (Moreira, 2000 56 ), alm de ter criado e validado uma
Escala de Significado do Dinheiro (1999 57 ).
Em 2005, esta autora, Ferreira, props, juntamente com o Prof. Sigmar Malvezzi, ento
na Faculdade de Psicologia da PUC -SP, num primeiro momento e, mais tarde,
substituindo-o, com a Profa. Carmem Rittner, da mesma instituio, um cur so semestral
de extenso universitria intitulado Psicanlise e Psicologia Econmica, que comeou a
ser ministrado na COGEAE-Coordenadoria Geral de Especializao, Aperfeioamento e
Extenso, da PUC-SP, em 2006.
Em Belo Horizonte, MG, Ester Jeunon desenvolve e orienta pesquisas, h alguns anos,
dentro do mbito da Psicologia Econmica e Psicologia do Consumidor, na PUC-MG e
Faculdades Novos Horizontes. Sua tese de doutorado tambm situa-se dentro deste
campo (Jeunon, 2003 58).
MOREIRA, Alice MOREIRA, Alice S. Valores e dinheiros: Um estudo transcultural da relao entre
prioridades de valores e significado do dinheiro para indivduos. Tese de doutorado, Universidade de
Braslia, Braslia, 2000. (no publicada).
57
MOREIRA, Alice S. & TAMAYO, lvaro. Escala de Significado do Dinheiro: Desenvolvimento e
validao. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 15 (2), 93-105, 1999.
58
JEUNON, Ester E. Prioridades Axiolgicas e Orientao de Consumo: proposta e validao de um
modelo integrativo. Tese de Doutorado, Universidade de Braslia, 2003. (no publicada).
59
FERREIRA, Vera Rita M. Is Economic Psychology being born in Brazil? a review of the scientific
production in the economic-psychological area looking into the future. Anais da IAREP-SABE Conference
Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA,
Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes,
Paris, Frana, 2006.
60
BOMFIM, Elizabeth M. Histricos cursos de Psicologia Social no Brasil. Psicologia Social. 16 (2): 3236. Porto Alegre, 2004.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
31
colaborava com a Faculdade Nacional de Filosofia, em suas sees de Filosofia,
Educao, Poltica e Economia (Mancebo, 1999 61 ) ou seja, uma nova tentativa de interdisciplinaridade. Anos depois, na mesma instituio, o Professor Nilton Campos teria
oferecido a discip lina Psicologia Social e Econmica, na Faculdade Nacional de
Cincias Econmicas, para Penna (1992)62 , nos anos 1940 e, segundo Bomfim, (2004),
no incio dos anos 1950. Foram, ambos, Ramos e Campos, pioneiros da Psicologia Social
no Brasil.
61
32
No que diz respeito a publicaes brasileiras, temos, at o momento, a traduo,
resumida, do livro de Pierre-Louis Reynaud, La Psychologie Economique 67, da coleo
Que sais-je, de 1967, onde no consta nenhuma informao adicional sobre sua incluso
naquela coleo, ao lado dos demais. Tampouco h livros-texto publicados no pas.
Segundo Ferreira (200668 ) teses, dissertaes e monografias vm send o produzidas dentro
da interface Economia-Psicologia, em especial nos ltimos cinco anos, geralmente por
economistas e administradores (com temas como: Finanas Comportamentais; risco e
incerteza; reaes no mercado de capitais; racionalidade e instituies; anomalias no
mercado de capitais; simulaes de investimentos na teoria do prospecto; processos
decisrios de investidores; emoes e tomada de deciso; incerteza, racionalidade e
escolha; processos decisrios de estudantes; estudo emprico de anomalias no mercado
acionrio ; perfis comportamentais de investidores; decises sobre financiamento e
investimento; modelo comportamental para avaliar risco no mercado acionrio; decises
financeiras sobre custos e capital em cooperativas agrcolas; euforia e timing no mercado
acionrio ; confiana excessiva em profissionais de finanas; averso perda; reao
exagerada a preos no mercado acionrio ; fatores no-econmicos em processos de fuso
e aquisio de empresas; processos decisrios envolvendo incerteza e risco em
telecomunicaes), ao lado de uma minoria de psiclogos (com trabalhos sobre:
significado do dinheiro; inflao; consumo;
REYNAUD, Pierre Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
Djalma Forjaz Neto.
68
FERREIRA, Vera Rita M. Is Economic Psychology being born in Brazil? a review of the scientific
production in the economic-psychological area looking into the future. Anais da IAREP-SABE Conference
Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA,
Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes,
Paris, Frana, 2006.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
33
No captulo 2, Origens da Psicologia Econmica primrdios e primeiros passos,
examina-se as origens da Psicologia Econmica, com base na viso de seus estudiosos,
em quatro tempos: sua pr-histria, ou seja, indcios de preocupaes relacionando
aspectos humanos (ticos, religiosos, morais ou subjetivos) aos fenmenos econmicos
ao longo do tempo, desde a Grcia Antiga at o sculo XVIII; o sculo XIX, quando,
com a cincia econmica j constituda, so feitas algumas tentativas, por parte de
economistas, de agregar-lhe componentes psicolgicos; a virada do sculo XIX para o
XX, que traz um desenvolvimento da perspectiva econmico-psicolgica relativamente
efmero, ainda que vigoroso, para os padres da poca quando, por exemplo, cunha se o termo Psicologia Econmica; a segunda metade do sculo XX at o presente [2006],
com a incluso, portanto, da histria recente da disciplina.
A perspectiva histrica, porm, permeia todos os demais captulos quando, sempre que
for o caso, haver uma retomada da trajetria do personagem, obra, conceito ou debate
em questo.
69
VAN RAAIJ, W. Fred. History of Economic Psychology. In P. EARL e S. KEMP (eds.), The Elgar
Companion to Consumer Research and Economic Psychology. Aldershot: Edward Elgar, 1999.
70
WRNERYD, Karl-Erik. Consumer image over the centuries. Glimpses from the history of economic
psychology. In K. GRUNERT e J. THGERSEN (eds.), Consumers, Policy and the Environment - A
Tribute to Folke lander, Springer Verlag. 2005; Psychology and Economics. In T. TYSZKA (ed.),
Psychologia ekonomiczma , Gdansk, Poland: GDANSKIE WYDAWNICTWO PSYCHOLOGICZNE,
pp.7-38, 2005; Scholars in Economics and Psychology and Little Cross-Fertilization: the Mills and
Economic Psychology. Anais do XXX International Association for Research in Economic Psychology
Annual Colloquium Absurdity in the Economy. Praga, Rep. Tcheca, 2005.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
34
O captulo 3, Obras, Conceitos e Modelos, apresenta modelos de Psicologia
Econmica e sobre Psicologia Econmica a partir de algumas definies e de alguns de
seus conceitos fundamentais (racionalidade, comportamento econmico, tomada de
decises em contextos econmicos), conforme apresentados por autores expressivos
dentro da disciplina. Foram selecionadas obras dentro do perodo chamado Psicologia
Econmica contempornea71 , ou seja, produzidas, particularmente, desde o ltimo
quartel do sculo XX.
Os critrios para sua incluso so igualmente apresentados. Integram a seleo: dois dos
principais livros j publicados dentro da rea Psychological Economics (197572 ), de
George Katona e The individual in the economy (1987 73 ), de Stephen Lea, Roger Tarpy e
Paul Webley; outras obras representativas, como A psicologia econmica (196774 ), de
Pierre-Louis Reynaud; Introduction la psychologie economique (1962 75 ), de Paul
Albou; Rational decision-making in business organizations 76 , de Herbert Simon, que o
seu discurso quando recebeu o Prmio Nobel de Economia, em 1978; Economic
Psychology (198177 ), de Fred van Raaij, que o editorial do primeiro nmero do
peridico Journal of Economic Psychology; Economic Psychology intersections in
theory and application, (1986-199078 ), de Alan MacFadyen e Heather MacFayden;
Economics and Psychology: A Survey (199079 ), de Peter Earl; Psicologa Econmica
71
O perodo compreendido desde a segunda metade do sculo XX at o presente [2006] referido dessa
forma por seus pesquisadores em congressos da IAREP no sculo XXI (cf., por exemplo, comentrios
durante a Mesa-Redonda sobre a Histria da Psicologia Econmica, XXX IAREP Conference Absurdity
in the Economy, Praga, 24.09.05, em transcrio de Ferreira, 2005).
72
KATONA, George. Psychological Economics. New York: Elsevier, 1975.
73
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy. Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
74
REYNAUD, Pierre Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
Djalma Forjaz Neto.
75
ALBOU, Paul. Initiation la psychologie conomique. Bulletin de Psychologie. 1962 vol.16 1- 81.
76
SIMON, Herbert A. Rational decision-making in business organizations. Nobel Memorial Lecture
8.dec., 1978. Carnegie-Mellon University, Pittsburgh, PA, U.S.A. Economic Science 1978. 343-371.
77
VAN RAAIJ, W. Fred. Economic Psychology. Editorial Journal of Economic Psychology. 1: 1-24,
1981.
78
MacFADYEN, Alan J. e MacFAYDEN, Heather W. (eds.) [1986] Economic Psychology intersections
in theory and application. Amsterdam: Elsevier Science Publishing. 2.ed. 1990.
79
EARL, Peter Economics and Psychology: A Survey. The Economic Journal, 100 (402): 718-755, 1990.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
35
temas escogidos (199880 ), de Carlos Descouvires; History of Economic Psychology
(199981 ), de Fred van Raaij; The Elgar Companion to Consumer Psychology and
Economic Psychology (199982 ), de Peter Earl e Simon Kemp; The Economic Psychology
of Everyday Life (2001 83 ), de Paul Webley, Carole Burgoyne, Stephen Lea e Brian
Young; Maps of bounded rationality: a perspective on intuitive judgment and choice
(200284 ), de Daniel Kahneman, tambm um discurso por ocasio do recebimento do
Prmio Nobel de Economia, em 2002.
36
e Horkheimer (1969-1985 87; Adorno, 1995 88 ); a Psicologia Econmica que poderia nos
interessar, em nosso pas, com sugestes de insero profissional e acadmica, tomando
como um exemplo a experincia com inflao alta, que vivemos at 1994; possibilidades
de atuao e aplicao, com destaque para uma proposta de esclarecimento e
emancipao por meio de informao populao; perspectivas futuras.
37
vo da subjetividade do prprio historiador ao Zeitgeist 90 , passando pelas mudanas na
histria da cincia, a abertura implcita no fazer Histria, que sempre se renova a cada
gerao de historiadores e a possibilidade de controvrsias entre eles, presentes tanto na
descrio como na anlise das questes histricas.
Para a anlise dos conceitos e modelos (cap.3), procedeu-se, inicialmente, seleo dos
autores e obras que poderiam oferecer subsdios a esta discusso. A escolha obedeceu a
critrios tais como nmero de citaes (Lea et. al., 1987), ser considerado a obra mais
importante da rea (Katona, 1975), ser o editorial do primeiro nmero do peridico
vinculado ao campo (van Raaij, 1981), discursos por ocasio do recebimento do Prmio
Nobel de Economia por parte de pesquisadores originados da Psicologia (Kahneman,
2002) ou, de alguma forma, na interface Economia-Psicologia (Simon, 1978) e outros,
detalhados naquele captulo.
Em seguida, foram pinados os conceitos que consideramos chave para uma apresentao
da disciplina e de seus modelos: definio, objeto de estudo (comportamento econmico),
90
Esprito dos tempos. Todo historiador influenciado pela filosofia (Weltanschauung) e pelas
condies scio-culturais caractersticas de seu tempo. (Pongratz, 1998, p.340).
91
Estes documentos originais foram disponibilizados autora em 2005, por Stephen Lea, que pretende
deposit-los num acervo no Centro de Psicologia Econmica da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
(cf. nota 23, p.11).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
38
o denominador comum que operacionaliza este objeto (tomada de deciso no mbito
econmico) e aquele que considerado o pomo-da-discrdia fundante do campo, a teoria
da racionalidade. O objetivo, aqui, , tambm, oferecer ao leitor uma reunio,
condensada, dos temos bsicos encontrados em praticamente todas as obras da rea, bem
como um mapa inicial para referncias, no sentido de localiz- lo com respeito a obras
relevantes para o campo (incluindo-se indicaes sobre a disponibilidade das obras ao
leitor brasileiro, quando possvel). Naturalmente, no caberia uma proposta de esgotar
toda a literatura existente e que, felizmente, no pra de crescer! mas delinear alguns
dos debates mais pertinentes ao desenvolvimento da disciplina.
92
OSER, Jacob & BLANCHFIELD, William C. Histria do Pensamento Econmico. So Paulo: Atlas,
1987. Trad. Carmem T. S. Santos.
93
FERREIRA, Vera Rita de Mello. O Componente emocional funcionamento mental e iluso luz das
transformaes econmicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e Virtual, 2000.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
39
O Anexo sobre as reas de fronteira foi elaborado a partir de informaes institucionais
das diferentes associaes cientficas que centralizam a produo de conhecimento das
respectivas ramificaes.
Duas ltimas observaes de carter tcnico: como alguns termos especficos da rea no
receberam, ainda, traduo oficial para o portugus, optamos por apresent- los com
nossas prprias sugestes de traduo, acompanhadas pelo original em ingls (ou
espanhol ou francs). nosso objetivo, desta forma, oferecer subsdios para as futuras
discusses que podero, no futuro prximo, determinar as expresses, em Portugus, que
se consagraro pelo uso. Com relao s citaes, decidiu-se incluir tanto o original, em
geral em ingls, mas em alguns casos em espanhol ou francs, em notas de fim de pgina,
acompanhadas das respectivas tradues, no corpo do texto, feitas pela prpria autora,
diante da inexistncia de tradues para nossa lngua at o momento.
Sobre a incluso de citaes e notas ao longo do trabalho, o recurso foi adotado tendo em
vista tratar-se de um trabalho situado em mbito interdisciplinar. Seu leitor pode ser
psiclogo, economista, psicanalista, ou pesquisadores e profissionais de vrias outras
denominaes. Portanto, tivemos a preocupao de manter as idias to acessveis quanto
possvel a
um
pblico
potencialmente
diversificado,
oferecendo
explicaes
40
CAP. 2 ORIGENS DA PSICOLOGIA ECONMICA PRIMRDIOS E
PRIMEIROS PASSOS
2.1. APRESENTAO
Para realizar este levantamento, recorremos a diversos autores da rea, ou seja, damos
voz a psiclogos econmicos, para traar as origens da disciplina. Neste sentido, as
publicaes utilizadas se tornaram nossas fontes primrias, j que a obtivemos os dados
que sustentam nossa discusso posterior.
Consideramos como origens o perodo que vai desde as primeiras referncias destes
autores ao percurso histrico da disciplina, situadas na Antiguidade, at a dcada de
1930, j que depois desta data considera-se o incio da Psicologia Econmica
contempornea. Aqueles seriam os primrdios mencionados no ttulo do captulo que,
neste perodo, comeam a se transformar em primeiros passos, quando a disciplina
adentra a categoria de rea mais formalmente constituda.
REYNAUD, Pierre-Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
41
consolidao, entre as dcadas de 1940 e 1960; citado por todos os demais em seus
trabalhos, foi um dos introdutores da Psicologia Econmica na Europa, sendo seu livro,
cujo original data de 1954, sido adotado por quase todos os primeiros estudiosos da rea;
- Psychological Economics (1975 2 ), de George Katona, nascido na Hungria, mas tendo
desenvolvido seu trabalho nos EUA, livro considerado como um divisor de guas a
partir dele, a Psicologia Econmica ganha status de disciplina reconhecida dos dois lados
do Atlntico, ainda que venha a se desenvolver mais na Europa; Katona tido, por todos
os autores analisados neste captulo, como o mais importante psiclogo econmico
contemporneo;
- The individual in the economy (19873 ), dos britnicos Stephen Lea, Roger Tarpy e Paul
Webley, a obra (livro-texto) mais citada nas referncias dos artigos publicados no The
Journal of Economic Psychology entre 1981 e 2000, conforme levantamento de Kirchler
e Hlzl (2003 4 ); Lea e Webley so figuras de destaque na Psicologia Econmica
contempornea foram presidentes da IAREP, 2003-2005 e 1999-2001, respectivamente,
tendo organizado dois congressos anuais, em 1982 e 1990;
- The New Economic Mind - the social psychology of economic behaviour (19955 ), dos
tambm britnicos Alan Lewis, Adrian Furnham e Paul Webley, uma reviso de edio
anterior, de 1986, que contava apenas com os dois primeiros autores, e pretende
estabelecer o estado-da-arte do conhecimento na rea na dcada de 1990, com acrscimos
dos resultados de pesquisas recentes; Lewis responsvel pelo centro de pesquisa em
Psicologia Econmica da Universidade de Bath, Reino Unido, e organizou o congresso
42
anual em 2001, Furnham escreveu obras importantes, como The Psychology of Money 6 , e
Webley autor de diversas obras (cf. acima, por exemplo, Lea et. al., 1987);
- Psicologa Econmica temas escogidos (19987 ), do chileno Carlos Descouvires
uma publicao latino-americana uma das nicas at o momento que rene material
de base junto a pesquisas locais, e uma viso que integra tambm a perspectiva deste
continente; Descouvires editou este, que parece ser o primeiro e mais completo manual
sobre o assunto na Amrica Latina, junto com outros colaboradores chilenos;
- History of Economic Psychology (19998 ), de Fred van Raaij, da Holanda, nica obra
que recebe ttulo com referncia explcita histria da Psicologia Econmica, captulo
de livro de reviso da literatura, de 1999 9; van Raaij foi editor do Journal of Economic
Psychology por 10 anos, e presidente da IAREP entre 1993-1995;
- Handbook for the teaching of Economic and Consumer Psychology (1999 10 ),
novamente do Reino Unido, um manual dirigido a professores da rea, com
informaes a respeito da disciplina, em si, e orientaes sobre formas de ministr-la; foi
editado pelo centro de pesquisa e difuso de Psicologia Econmica da Universidade de
Exeter, Reino Unido, que vem ganhando destaque cada vez maior no campo dever
sediar os Archives, documentos histricos sobre a disciplina (cf. nota 23, cap.1.3), alm
de oferecer um dos primeiros programas de mestrado nesta linha, no mundo;
- Lies de Psicologia Econmica (2001 11 ), livro do portugus Carlos Barracho, que pode
ser encontrado em nosso pas, apresenta informaes provenientes, em muitos casos, de
FURNHAM, Adrian & ARGYLE, Michael. The Psychology of Money. Londres: Routledge, 1998.
DESCOUVIRES, Carlos. Psicologa Econmica temas escogidos. Santiago de Chile: Editorial
Universitaria, 1998.
8
VAN RAAIJ, W. Fred. History of Economic Psychology. In P. EARL e S. KEMP (eds.), The Elgar
Companion to Consumer Research and Economic Psychology. Aldershot: Edward Elgar, 1999.
9
EARL, Peter e KEMP, Simon (eds.). The Elgar Companion to Consumer Psychology and Economic
Psychology. Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar, 1999.
10
WEBLEY, Paul. & WALKER, Catherine. (eds.) Handbook for the teaching of Economic and Consumer
Psychology. Exeter: Washington Singer Press, 1999.
11
BARRACHO, Carlos. Lies de Psicologia Econmica. Lisboa, Instituto Piaget, 2001.
7
43
outras obras citadas nesta seleo, embora oferea algumas informaes inditas, como
detalhes a respeito do surgimento da expresso psicologia econmica (ver a seguir, 2.3);
- Economic Psychology (200312 ), de Erich Kirchler e Erik Hlzl, da ustria, um
artigo de levantamento da produo publicada no peridico da rea, The Journal of
Economic Psychology, no perodo entre 1981, quando foi iniciado, e 2000, que oferece
um panorama bastante completo do que vem sendo investigado pela Psicologia
Econmica; Kirchler foi presidente da IAREP entre 2001-2003, e Hlzl, secretrio, na
gesto 2005-2007;
- Economics and Psychology in the 21 st Century (2003 13 ), uma apresentao do ingls
Peter Earl, que trabalha na Austrlia e Nova Zelndia, tendo sido editor do Journal of
Economic Psychology;
- Consumer image over the centuries. Glimpses from the history of economic
psychology (2005a 14 ), Psychology and Economics (2005b 15 ), Scholars in Economics
and Psycho logy and Little Cross-Fertilization: the Mills and Economic Psycho logy
(2005c16 ), so trs obras de Karl- Erik Wrneryd, um dos dois pesquisadores mais
velhos 17 da rea no momento [2006] e, ainda atuante, vem se dedicando, nos ltimos
anos, a uma reviso histrica do campo: a primeira tem clara perspectiva histrica,
voltada para a Psicologia do Consumidor, englobando tambm o percurso da Psicologia
Econmica atravs dos tempos, uma vez que, na viso deste autor, ambas compartilham
12
KIRCHLER, Erich e HLZL, Erik. Economic Psychology. International Review of Industrial and
Organizational Psychology. 2003 vol. 18; 29-80.
13
EARL, Peter. Economics and Psychology in the 21st Century. Congresso Economics for the Future,
organizado pelo Cambridge Journal of Economics, Reino Unido, 2003.
14
WRNERYD, Karl-Erik. Consumer image over the centuries. Glimpses from the history of economic
psychology. In K. GRUNERT e J. THGERSEN (eds.) Consumers,Policy and the Environment - A
Tribute to Folke lander, Springer Verlag. 2005.
15
WRNERYD, Karl-Erik. Psychology and Economics. In T. TYSZKA (ed.), Psychologia ekonomiczma,
Gdansk, Poland: GDANSKIE WYDAWNICTWO PSYCHOLOGICZNE, pp.7-38, 2005 .
16
Scholars in Economics and Psychology and Little Cross-Fertilization: the Mills and Economic
Psychology. Anais do XXX International Association for Research in Economic Psychology Annual
Colloquium Absurdity in the Economy. Praga, Rep. Tcheca, 2005c.
17
O outro o francs Paul Albou, j aposentado, porm ainda combativo pelo desenvolvimento da
disciplina, conforme ficou claro em sua participao crtica e reivindicativa no IAREP-SABE Conference
Behavioral Economics and Economic Psychology, 2006, em Paris.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
44
sua origem; a segunda tambm inclui uma preocupao com a viso histrica, ao
apresentar a Psicologia Econmica ao pblico polons; a terceira, sobre James e John
Stuart Mill e a influncia que tiveram, tanto sobre a Economia, como sobre a Psicologia,
fornece uma interessante sntese sobre a gnese da Psicologia Econmica, que
apresentaremos ao final deste captulo.
Este mtodo de dar voz aos autores foi seguido com relao ao perodo que se estende
desde o que chamamos de Pr-Histria, quando as menes se referem a esboos de
preocupao com aspectos humanos, emocionais, ticos ou religiosos associados a
eventos econmicos, da Antiguidade at o sculo XIX, quando estas preocupaes
ganham contornos mais ntidos e dentro de parmetros que j podem ser vistos como
cientficos em alguns aspectos, atingindo a primeira metade do sculo XX, quando se
considera que a disciplina tenha se estabelecido como campo de conhecimento.
A partir da, tem a ajuda de relatos obtidos durante comunicaes orais em eventos e,
quando possvel, literatura tambm. Uma discusso sobre a pertinncia desta abordagem
encontra-se no incio da seo 2.5.
45
podia ser considerada uma disciplina e campo de pesquisa, em processo de
institucionalizao.
A anlise das origens da rea pode ser relacionada a diferentes momentos: quando os
autores encontram as primeiras evidncias da disciplina comeando a surgir Reynaud
(1967, p.18) cita os trabalhos de Karl Menger, na ustria, em meados do sculo XIX; ou
quando o termo psicologia econmica usado por Gabriel Tarde, na Frana, em 1881
(van Raiij, 1999, p.288); ou ainda, a publicao do livro de Tarde La psychologie
conomique, em 1902 (id.).
Diferentes vises so apresentadas, algumas das quais podendo voltar ao passado mais
longnquo, como ocorre com os autores que pesquisam as primeiras referncias aos
estudos que, de alguma forma, combinavam contribuies psicolgicas ao campo
econmico. Grcia e Roma antigas, e a Idade Mdia, de fato, nos oferecem alguns
exemplos desse tipo de pensamento, embora seja do sculo XVIII em diante que iremos
detectar evid ncias mais concentradas em torno da Economia, que levam em
considerao aspectos comportamentais. No sculo XIX, referncias ainda mais diretas a
tentativas de reunir Economia e Psicologia so encontradas, e chegamos ao final desse
sculo com a expresso Psicologia Econmica tendo sido cunhada por Tarde, que a
utilizou num artigo publicado em peridico de Filosofia (Barracho, 2001, p.20). Ainda
que seu nascimento tenha sido, de algum modo, anunciado neste momento e alguns
esforos empreendidos no sentido de reunir as duas reas Psicologia e Economia
atravs de mtua colaborao, a disciplina teria que esperar mais de meio sculo para
comear a ganhar maior visibilidade e credibilidade.
46
alguma forma. Reynaud menciona a presena de preconceitos de casta em Plato,
Aristteles, Cato e Varro, quando estes pensadores analisam, por exemplo, a situao
dos escravos. Por outro lado, Xenofonte, Virglio, Tcito e Csar apresentavam pontos de
vista relevantes sobre questes tais como inflao, economia rural e psicologia dos povos
(1967, p.17-18).
Descouvires (1998, p.7) observa que, na Grcia e Roma antigas, os indivduos possuam
sua
identidade
diretamente
ligada
ao
processo
econmico
defende
que,
47
Neste momento, o pensamento econmico tem incio. Foi nesta poca, por exemplo, que
o mdico holands Bernard Mandeville alertava para o risco de guardar dinheiro
desnecessariamente. Para ele, o gasto particular poderia ser um vcio, mas ao mesmo
tempo, poderia ser tambm um benefcio pblico (Wrneryd, 2005a, p.11), na medida
em que representaria mais dinheiro em circulao e, assim, um fortalecimento da
economia como um todo.
tambm neste sculo que Adam Smith, considerado o pai da economia, publica sua s
duas grandes obras: An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations
(1776), a mais conhecida mas, antes dela, The Theory of Moral Sentiments (1759). A
importncia de Smith foi mencionada por diversos dos autores pesquisados
Descouvires (1998, p.7), Barracho (2001, p.15-16), Kirchler & Hlzl (2003, p.32) e
Wrneryd (2005a, p.13) todos se referem ao papel de Smith no estabelecimento da
Economia como uma cincia que dizia respeito ao indivduo, o que, conseqentemente,
preparava o terreno para a possibilidade de associ- la ao foco psicolgico sobre esse
indivduo tambm.
Descouvires (1998, p.7) considera The Theory of Moral Sentiments um primeiro estgio
da Psicologia Econmica, ao selecionar como objeto de estudo o leque de problemas
enfrentados pelo homem na sua busca por bem-estar, frente aos desafios sua prpria
sobrevivncia. Wrneryd (2005a, p.13) tambm acredita que este seja um livro sobre
psicologia (moral) se, anteriormente, o pensamento econmico centrava-se na questo
da propriedade, volta-se agora para o comportamento humano. Barracho (2001, p.15-16)
acrescenta que as novas preocupaes reveladas por Smith no livro The Wealth of
Nations e, no apenas ali, mas tambm presentes em Kant e Quesnay, contribuam,
naquele momento, para uma mudana de foco da teoria econmica, antes restrita
exclusivamente ao tema da propriedade.
48
Reynaud afirma ser impossvel referir-se Psicologia Econmica, propriamente, antes do
incio do sculo XIX, uma vez que, at ento, cada autor, fosse ele filsofo ou
economista, tinha sua prpria imagem do homem tal como o deseja ou o teme (1967,
p.18). De modo geral, os economistas insistiam na importncia dos instintos para a
aquisio de bens, um tema muito desenvolvido por mercantilistas, por exemplo. Ao
mesmo tempo, a anlise de Max Weber sobre o encorajamento calvinista em relao
riqueza material, ento entendida como uma beno divina, teria tido um papel muito
importante para as economias bem-sucedidas dos pases anglo -saxes tambm. Esta viso
compartilhada por Barracho (2001, p.18). O componente psicolgico, contudo,
permanece negligenciado pelos economistas desse perodo. Mesmo aqueles, preocupados
com os dados humanos, vo busc-los de outra forma, como seria o caso de Marx e
Engels, que se vo ltam para a Sociologia, enquanto ignoram o trabalho recente de
importantes psiclogos como Fechner e Wundt.
A viso comum da Economia da poca era inspirada pelo utilitarismo, iniciado na GrBretanha , no sculo anterior, concomitantemente Revoluo Industrial, que focava
apena s a questo da produtividade, desconsiderando os aspectos psicolgicos do
comportamento econmico (cf. cap.4.2, frente). luz da Economia Poltica tradicional,
a produo era vista como o fundamento da realidade social, baseada no trabalho e no
capital, bem como na propriedade (Albou apud Barracho, 2001, p.16).
49
John Stuart Mill converteu esta abordagem no conceito do homem econmico (1836 apud
Wrneryd, 2005a, p.17), e W. Stanley Jevons (1871, id.) derivou a teoria de utilidade
marginal dela, acrescentando- lhe clculos matemticos (cf. cap.4.2). Jevons encontrou
suporte na crena de Mill de que a economia deveria se sustentar sobre uma lei
psicolgica bvia (id.), que poderia ser descrita como a preferncia universal por ganhos
maiores, em oposio a ganhos menores. Jevons adicionou matemtica dedutiva a este
objetivo de estabelecer algumas suposies bsicas, que deveriam ser, mais tarde,
testadas estatisticamente como hipteses. Vale notar que Jevons, diferentemente de
outros economistas de seu tempo, refere-se a um importante psiclogo britnico da poca,
Mr. Bain (Wrneryd, 2005b, p.9).
De acordo com Wrneryd ( 2005b, p.5), nesta poca, a economia era o estudo de prazer
e dor, e a psicologia era o estudo de problemas filosficos das relaes entre corpo e
mente. Quando a psicologia se volta para os temas ento estudados pela economia, sua
nfase recai sobre os aspectos fisiolgicos da dor e do prazer, enquanto que a economia
se dedicava aos temas sociais. Alm disso, a economia tendia a acreditar numa natureza
humana universal e em leis gerais que poderiam explic-la, ao passo que a psicologia se
inclinava mais na d ireo do estudo dos indivduos e das diferenas entre eles.
50
no sentido de defender seus interesses materiais, na medida em que o comportamento
racional adaptaria os meios aos fins (1998, p.8).
51
The Laws of Imitation (1890), incluindo elementos psicolgicos numa anlise sobre o
comportamento social e econmico (van Raaij, 1999, p.288). Tais leis so descritas por
Barracho como referindo-se economia da seguinte maneira: imitao, no caso da moda
e atividades de transformao; repetio, para produo; e inovao, para propriedade e
associao (2001, p.20-21).
Um pouco mais tarde, em 1899, Thorstein Veblen, noruegus radicado nos EUA, publica
The Theory of the Idle Class (van Raaij, 1999, p.288; Kirchler & Hlzl, 2003, p.32), onde
critica o estilo de vida excessivo dos milionrios americanos. Para Veblen, o impulso
bsico era na direo de status social e econmico e os meios para atingi- los poderiam
variar conforme a poca e as condies sociais e econmicas (Lea et. al., 1987, p.505).
Wrneryd chama a ateno para a preocupao de Veblen com o consumo conspcuo
ou o desperdcio conspcuo , usados para impressionar as pessoas, tendo este autor
criticado a teoria da racionalidade com o argumento de que os indivduos eram humanos
e, portanto, possuam paixes e emoes, muito distintamente de mquinas de calcular
(2005b, p.10).
Wrneryd afirma, tambm, que a Psicologia Econmica surge no final deste sculo como
campo de pesquisa sobre os fundamentos psicolgicos da Economia Poltica (2005a, p.2).
Devemos observar que nenhum dos autores selecionados menciona dois personagens que
so considerados, por outros pesquisadores, igualmente pioneiros da Psicologia
Econmica, neste perodo: so eles Leon Litwinski e Simon Nelson Patten. Como a
Histria abriga, muitas vezes, pequenas descobertas pouco reconhecidas sua poca ou,
mesmo, depois, pretendemos garantir lugar a estes dados em nosso trabalho.
Rudmin (1990 18 ), que, poca, investigava a psicologia da propriedade, afirma em seu
artigo sobre Litwinski, ter sido ele um pioneiro desconhecido da psicologia econmica,
que defendia a viso da posse e da propriedade como cognitivamente adaptativas, j que
18
RUDMIN, Floyd W. The Economic Psychology of Leon Litwinski (1887-1969) a program of cognitive
research on possession and property. Journal of Economic Psychology, 11 (3): 307-339, 1990.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
52
mantinha-se objetos, afiliaes e idias, por sua utilidade antecipada, embora tal fato
requeresse ateno relaxada e intermitente, para que recursos cognitivos pudessem ser
dirigidos tambm a outras direes (p.307). Filiado tradio cognitiva e utilitria de
Descartes, Hobbes, Malebranche, Locke e Bentham, Litwinski, que nasceu na Polnia,
mas circulou, como estudioso, por toda a Europa, teria prestado um grande servio
Psicologia Econmica, com sua concepo de possesses como produtos de soluo
antecipada de problemas. Abriu, desta forma, uma porta para novas teorias e pesquisa
emprica em marketing e Psicologia do Consumidor, bem como sobre comportamentos
disfuncionais relacionados a consumo (op. cit., p.324-5), alm de incluir perspectivas
acerca de suas origens na Economia Poltica, diferentes estilos e mtodos de pesquisa
(op. cit., p.333).
Deve ser assinalado que Rudmin faz observaes contundentes sobre a importncia do
autor pesquisado para a rea alm de uma defesa apaixonada deste e da prpria Histria
da Psicologia 19 acusando a Psicologia Econmica de possuir vis decididamente
contemporneo, que no contextualiza sua produo no tempo (op. cit., p.307). Para ele,
este descaso representaria srio obstculo ao pleno desenvolvimento da disciplina:
(...) sem uma memria ativa do passado, impossvel desenvolver progressivamente
e refinar a teoria explanatria. Nosso foco estreito sobre pesquisa recente no
apenas degradante, mas tambm aviltante : ao concordar em esquecer o trabalho de
nossos predecessores, ns concordamos que seu trabalho deva ser esquecido.
improvvel que contribuies individuais e carreiras inteiras que possam estar fora
de sincronia com o estilo contemporneo jamais cheguem a ser apreciadas, no
apenas em seu prprio tempo e, certamente, no em retrospecto. Por estas razes, a
histria precisa ser uma parte integral da psicologia, da mesma forma como prtica
comum nas cincias naturais e na maior parte das cincias sociais. particularmente
importante que a psicologia econmica mantenha e aprecie sua herana. Apesar de
parecer jovem, a psicologia econmica , essencialmente, uma extenso emprica
19
Interessante observar, tambm, que Rudmin toma Herbert Mead como referncia, j que este pode ter
sido outro injustiado, neste caso, dentro da Psicologia Social, vindo a ser reconhecido apenas mais tarde
(cf., por exemplo, FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002 . Trad.
Pedrinho Guareschi e Paulo Maya.; SASS, Odair. Crtica da razo solitria, a Psicologia Social segundo
George Herbert Mead. Bragana Paulista: Editora So Francisco, 2004; SOUZA, Renato F. (2006). George
Herbert Mead: Contribuies para a Psicologia Social. Dissertao de Mestrado. Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo, 2006). Mencionamos, tambm, de passagem, uma interessante aproximao que
Farr faz entre a psicologia social de Mead e a obra de Adam Smith, A teoria dos sentimentos morais
(1756). Manifestando-se sobre fenmenos econmicos, Mead, por exemplo, acreditava que o comrcio
havia contribudo mais para unir os homens do que qualquer religio (Farr, 2002, p.87).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
53
moderna do campo milenar da economia poltica. Leon Litwinski, como um dos
pioneiros modernos da psicologia econmica, tinha grande conscincia disso. (op.
cit. , p.307-8 20 ).
S podemos concordar com esta posio do autor e esperamos que esta tese manifeste, de
maneira clara, o mesmo apreo, expressado por ele, pela Histria da Psicologia.
No longo artigo de Tugwell, que versa sobre sua vida e produo cientfica, maneira de
notas biogrficas (e, portanto, diversamente do que conhecemos, hoje, como um artigo
cientfico, j que escrito em 1923), encontramos, apenas ao final, como ltimo item da
seo intitulada Aspectos salientes do pensamento e produo, meno Psicologia
Econmica, que transcrevemos a seguir, para que suas contribuies originais possam ser
melhor apreciadas:
A. Psicologia Econmica a explicao do modo como as foras ambientais atuam
sobre os homens para motivar seu comportamento. uma teoria do mecanismo da
interpretao econmica da histria.
B. O conceito de supervit , no como material, mas como supervit de energia
estocada nos homens, que lana novos e mais completos estoques contnuos de bens
materiais e so transformados em novos nveis mais altos de vida medida que o
supervit cresce.
C. A concepo do sistema endcrino como um mecanismo pelo qual a motivao
iniciada por meio de estmulos do ambiente. O sistema nervoso puramente
20
() without an active memory of the past, it is impossible to progressively develop and refine
explanatory theory. Our narrow focus on recent research is not only debasing but also demeaning: in
agreeing to forget our predecessors' work, we agree that our own work should be forgotten. Individual
contributions and entire careers that might be out of synchrony with contemporary fashion are unlikely to
ever be appreciated, not in their own times and certainly not in retrospect. For these reasons, history needs
to be an integral part of psychology, as is the usual practice in the natural sciences and in most other of the
social sciences. It is particularly important that economic psychology maintains and appreciates its heritage.
Though seemingly new, economic psychology is essentially a modem empirical extension of the millennia
old field of political economy. Leon Litwinski, as one of the modem pioneers of economic psychology, was
well aware of this. (Rudmin, 1990, p.307-308).
21
TUGWELL, Rexford G. Notes on the life and work of Simon Nelson Patten. Journal of Political
Economy, 31 (2): 153-208, 1923.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
54
conectivo; emoo e conscincia so o resultado de mudanas sanguneas criadas
pelos fluxos endcrinos e so acompanhados por mudanas fisiolgicas. Da se
segue que boa nutrio e bom sangue so as bases da normalidade humana.
D. Tem-se, como decorrncia, a concepo geral conseqente do progresso como
sendo possvel por meio de boa nutrio. Por isso pode-se dizer que os economistas
so os profetas do progresso. Os socilogos biologistas que encamparam a noherana das caractersticas adquiridas como uma interdio esto errados. Ambientes
melhorados selecionam os melhores impulsos nos homens com nutrio normal. Isto
contribui para ajustamento contnuo. Tem o mesmo efeito para o progresso, como se
caractersticas adquiridas fossem herdadas, e justifica programas de trabalho social,
reformas no consumo e congneres, j que tudo ajuda a reconstruir e melhorar o
meio que, por sua vez, traz tona as melhores caractersticas dos homens. O lugar do
economista importante, uma vez que ele o especialista moderno em provimento
da base material da existncia. Dele dependem programas de prosperidade e
progresso, os principais organizadores da civilizao. (Tugwell, p.205-6 22).
Pode despertar surpresa encontrar tais propostas tanto pelo lado de Patten, que se refere
desta
maneira
quase
messinica
aos
tamanha
responsabilidade, como pelo lado de Tugwell, que achou por bem inclu-las sob a rubrica
da Psicologia Econmica. No deixa de soar, tambm, como uma espcie de desafio
teria a Economia, com a ajuda da Psicologia Econmica, condies para procurar
implementar mudanas profundas, no exatamente na direo proposta por Patten, mas
com o flego que ele enxerga nestas reas, capazes de contribuir, de fato, para o
progresso, a prosperid ade e a civilizao? Ou teria sido por esta razo por ambicionar
tanto e, em contextos que poderiam escapar do escopo tradicional do alocar recursos
finitos da Economia tradicional , que Patten parece ter ficado margem da cincia
econmica? Quanto a ser ignorado pela Psicologia Econmica, no dispomos de dados
22
"A. Economic Psychology is the explanation of the way environment forces act on men to motivate their
behavior. It is a theory of the mechanism of the economic interpretation of history. B. The concept of
surplus as not a material but as an energy surplus stored in men which issues in continual new and more
complete stores of material goods and is transformed into new and higher levels of living as the surplus
grows. C. The conception of the endocrinal system as the mechanism through which motivation is initiated
through stimulus of the environment. The nervous system is purely connective; emotion and conscience are
the result of blood changes created by endocrinal flows and are the accompaniments of physiological
changes. It follows from this that good nutrition and good blood are the bases of human normality. D.
There follows a consequent general conception of progress as possible through good nutrition. This admits
the economists as prophets of progress. The biological sociologists who have seized on the non-inheritance
of acquired characters as a bar are mistaken. Improved environments select out the finer impulses in men of
normal nutrition. This makes for continual adjustment. It has the same effect for progress as though
acquired characters were inherited and justifies programs of social work, consumption reforms and the like,
all of which help to rebuild and improve the environment which in turn brings out better characteristics in
men. The place of the economist is an important one since he is the modern specialist in the provision of
the material basis of existence. He is the dependence of programs of prosperity and progress, the main
organizer of civilization. (Tugwell, 1923, p.205-6).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
55
para comentar este fato, to somente nos restando assinal- lo.
De todo modo, a existncia, sombra, destes dois pioneiros, que nenhum outro autor da
Psicologia Econmica menciona, pode desvelar alguns pontos: a incompletude da
Histria; a pouca importncia dada perspectiva histrica dentro da disciplina at muito
recentemente23 ; o reforo da importncia da Economia Poltica nas origens da Psicologia
Econmica.
Vale assinalar que Rudmin enviou uma verso inicial de seu artigo para ser apresentada no XIV
Congresso de Psicologia Econmica, em Varsvia, em 1989. Contudo, optou por no apresent-lo, por
considerar que houvera falta de considerao, manifestada no horrio oferecido sua apresentao depois
da cerimnia de encerramento, numa sesso miscelnea, ao invs do lugar proeminente que ele esperava,
dado o fato de Litwinski ser polons, e o congresso ocorrer na Polnia. Ele foi localizado porque
encontramos seu artigo em pesquisa no Journal of Economic Psychology, e lhe enviamos um email. Ele
respondeu prontamente, agradecendo o interesse e revelando que era a primeira vez que algum se
interessava pelo assunto em dcadas. Estas informaes esto contidas em mensagem eletrnica de
30.08.06. Como desconhecamos por completo esta referncia, recorremos ao nosso consultor de planto
sobre a histria da Psicologia Econmica, Karl-Erik Wrneryd, ele prprio um pioneiro moderno da rea, j
citado neste captulo. Ele confirmou todos os dados, em mensagem eletrnica de 08.09.06, comentando ter
achado o trabalho de Rudmin interessante, ainda que no tivesse provocado nenhuma repercusso. Para
Wrneryd, Litwinski teria tratado de temas pertencentes Psicologia Econmica, mesmo que jamais
houvesse usado esta designao para eles. Ele chamou a ateno, ainda, para a viso de Rudmin sobre o
papel da histria da Psicologia Econmica e, no final, acrescentou, na mesma mensagem e, pela primeira
vez, a informao sobre Simon Nelson Patten, afirmando que o conceito de Psicologia Econmica havia
sido, com efeito, utilizado por ele. Em seguida, enviou-nos o artigo de Tugwell.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
56
Lea et. al. (1987, p.xix) observam que, embora Tarde possa ser considerado o pai da
Psicologia Econmica, as razes intelectuais desta disciplina j podiam ser encontradas
muito antes, quando tanto a economia como a psicologia eram estudadas principalmente
por filsofos, que se moviam sem hesitao de uma esfera do discurso outra.
Wrneryd (2005b) salienta que Tarde, o primeiro autor a adotar a noo de Psicologia
Econmica, criticou o fato da Economia no estar fundamentada sobre o conceito de
interao social e, sim, sobre a idia de que a busca individual dos prprios interesses
seria a verdadeira motivao humana econmica, no considerando, desta forma, os
elementos sociais como sendo relevantes ao indivduo (p.10).
Entretanto, foi nos EUA, que Veblen, Clark e Mitchell criaram a Escola Institucionalista,
no incio do sculo XX, sustentados por dados fornecidos por psiclogos como
Mnsterberg, Titchner e Thorndike, visando explicar fenmenos econmicos. No
entanto, ao invs de desenvolver novas idias, limitaram-se a criticar as teorias
econmicas anteriores, em especial a idia do homo oeconomicus. Veblen foi o nico a
57
considerar algumas tendncias instintivas em seu trabalho, tais como a tendncia a fazer
trabalho bem- feito, ou curiosidade desinteressada. Este movimento, porm, no se
mostrava suficiente para criar um novo sistema de Psicologia Econmica (Reynaud,
1967, p.31-32).
Por outro lado, nos pases europeus mais desenvolvidos economicamente, iniciativas no
sentido de reunir Psicologia e Economia tiveram maior sucesso, empreendidas por
estudiosos que se apoiavam mais em Psicologia aplicada, como Bonnardel e Laugier, na
Frana, Giese na Alemanha, Gemelli na Itlia e Rubinstein na ento URSS, tratando de
temas que iam de motivaes dentro das atividades econmicas a organizao do trabalho
(op. cit., p.32).
Para Wrneryd (2005a, p.2-3), tambm foi no incio deste sculo que a Psicologia
Econmica se tornou Psicologia do Consumidor, na medida em que passou a oferecer
informaes teis para fins de marketing, alm da Psicologia Organizacional voltada para
recrutamento e situaes de motivao. Os psiclogos experimentais Walter D. Scott
(1869-1955) e Hugo Mnsterberg (1863-1916), que tinham feito sua formao com o
fundador do primeiro laboratrio de estudos psicolgicos, W. Wundt, tambm
considerado o pai da Psicologia (Schultz & Schultz, 2004 24 ), podiam oferecer, naquele
momento, dados adequados a estes objetivos.
Nos primeiros anos deste sculo, encontramos pesquisa e publicao de alguns exemplos
de juno das duas reas. Wrneryd (2005a) menciona William McDougal [An
introduction to social psychology], em 1908, The psychology of advertising, de
W.D.Scott, tambm em 1908, Psychological and industrial efficiency, de Mnsterberg,
em 1913, tambm mencionado por Kirchler & Hlzl (2003, p.3325 ), que citam,
24
SCHULTZ, D.P. & SCHULTZ, S.E. Histria da Psicologia Moderna. So Paulo, Cultrix, 2003. Trad.
Adail Sobral e M. Stela Gonalves.
25
Estes autores comentam que Mnsterberg inicia este pensamento interdisciplinar no mundo germnico,
abordando a necessidade de cooperao entre psicologia e cincias econmicas, depois de fazer estudos
sobre scio-tecnologia, monotonia no trabalho, seleo e pesquisa experimental sobre publicidade; mas sua
abordagem inclusiva acabou sendo deixada de lado por outros desenvolvimentos da psicologia
organizacional e ocupacional (Kirchler e Hlzl, 2003, p.34).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
58
igualmente, o artigo de W.C.Mitchell, Human behavior and economics: a survey of
recent literature, para o Quarterly Journal of Economics.
Kirchler & Hlzl (2003, p.32) e Wrneryd (2005b, p.10) tambm mencionam o artigo de
J.M.Clark, Economics and modern psychology, publicado no Journal of Political
Economy. Wrneryd descreve a tese de Clark, a respeito de como os economistas
deveriam levar a natureza humana em considerao e como deveriam, igualmente,
apoiar-se em dados psicolgicos, a fim de manter a Economia pura, em especial no que
diz respeito aos desejos dos indivduos.
Reynaud (1967, p.19) acredita que o marginalismo cedeu lugar pesquisa concreta
depois do final da Primeira Guerra Mundial, embora isto no representasse uma maior
aproximao Psicologia cientfica por parte dos economistas, j que estes se mantinham
associados s observaes do senso comum. Este autor e van Raiij (1999, p.288)
mencionam o livro de Veblen, The place of science in modern civilization, de 1919, no
qual ele procura introduzir cincias comportamentais na Economia mainstream da poca.
Opondo-se a Veblen, Knight defendeu, em 1921, que a economia no tratava apenas do
comportamento humano, mas tambm de relaes universais entre conceitos. Neste
sentido, a anlise da curva de indiferena de Slutzky-Hicks-Allen e o desenvolvimento da
Econometria seriam provas do fracasso da tentativa de introduzir Psicologia na Economia
naquele momento e, de acordo com Lakatos (1968), os defensores do paradigma neo-
59
clssico na Economia saram ainda mais fortalecidos deste debate (van Raiij, 1999,
p.289).
Wrneryd (2005b, p.11) discute o golpe infligido por Robbins contra a Psicologia como
parceira potencial das cincias econmicas, em 1935, quando este debateu a respeito da
natureza da Economia, definindo-a como a cincia que estuda o comportamento como a
relao entre meio e fins finitos, no incluindo, nesta definio, a satisfao de
necessidades, o que, anteriormente, havia sido um importante componente nas definies
de Economia. Robbins tambm descrito como hostil Psicologia e, em especial, ao
comportamentalismo, uma vez que, de acordo com esta escola de pensamento, os
aspectos subjetivos da Economia no eram passveis de observao. Para ele, os
economistas eram seres iluminados e podiam, eles prprios, ser psiclogos tambm.
Wrneryd (2005b, p.12) tambm se refere a Keynes, que usou o conceito de espritos
animais para indicar fatores psicolgicos, em 1936, lembrando que poderia ter sido
influenciado por conceitos psicanalticos, uma vez que era prximo do grupo de
Bloomsbury, que inclua, por sua vez, alguns seguidores de Freud.
J Webley & Walker (1999, p.11) defendem que a Psicologia Econmica moderna teria
se iniciado por volta da Segunda Guerra Mundial, com George Katona, quando este
60
pesquisador comeou a se envolver com levantamentos psicolgico-econmicos e
previses a respeito da economia norte-americana.
Tanto Descouvires (1998, p.10), quanto Barracho (2001, p.21), assinalam a importncia
do livro de Reynaud, Economie politique et psychologie experimentale, publicado em
1945. O prprio autor, Reynaud (1967, p.32), destaca sua participao no processo de
desenvolvimento da disciplina, e Barracho (2001, p.21) descreve as trs fases que aquele
propunha para a histria recente da Psicologia Econmica: quando surgiu (1945-46),
quando se torna coordenada (1954-60) e, quando se expande, aps 1965.
Uma decorrncia de fazer-se uma histria do presente diz respeito natureza das fontes
disponveis para este tipo de historiografia. Por tratar-se de temas ainda recentes, pode-se
no encontrar fontes escritas disposio do historiador, ao passo que informaes
importantes poderiam ser obtidas por meio do recurso a fontes orais. Alguns autores,
como Frank (1999 27 ), chegam a defender a utilizao destas ltimas, tanto porque
revelam melhor do que as fontes escritas a complexidade dos mecanismos da tomada de
deciso, pois No h tomada de deciso nica, mas todo um feixe de elementos
conduzindo a estas (p.110), como pelo fato de que tal incumbncia representa uma
maior exigncia para o historiador. Para ele, por compartilhar o momento com suas
fontes, o historiador do presente, trabalharia sob vigilncia e, para alm da descrio,
26
CHAUVEAU, Agns e TTART, Phillippe. Questes para a histria do presente. Bauru, SP: Edusc,
1999. Trad. Ilka Stern Cohen.
27
FRANK, Robert. Questes para as fontes do presente. in Chauveau, A. e Ttard, Ph. (org.), Questes
para a histria do presente. Bauru: EDUSC, 1999. Trad. Ilka Stern Cohen.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
61
deve propor-se a tarefas de compreenso, explicao e seleo do que recebe sob a forma
de depoimentos.
Uma excelente oportunidade para aumentar o conhecimento sobre este perodo mais
recente da disciplina teve lugar no Congresso anual da IAREP de 2005, em Praga, Rep.
Tcheca. Esta autora organizou e coordenou uma Mesa-redonda sobre a Histria da
Psicologia Econmica, que reuniu alguns destes personagens e, agora, assinalaremos
alguns pontos que foram levantados durante o evento.
Dele participaram: Karl- Erik Wrneryd, Folke lander, Fred van Raaij, Stephen Lea 29 . A
discusso abordou o incio das pesquisas na rea, na dcada de 1950, com Reynaud, na
Frana, e Wrneryd, na Sucia, o encontro de estudiosos que possuam interesses
convergentes a partir de ento, sua institucionalizao na dcada de 1970, quando
fundou-se a IAREP, chegando at alguns vislumbres sobre seu futuro.
E, mais recentemente, Paul Albou, que a autora teve a oportunidade de conhecer no IAREP-SABE
Conference Behavioral Economics and Economic Psychology, em Paris, 2006.
29
Assistiram sesso, e participaram, tambm, das discusses que se seguiram: Karel Riegel (Rep.
Tcheca); Gustav Lundberg (Finlndia / EUA); Gerrit Antonides (Holanda); Paul Webley (Reino Unido);
Elena Tougareva (Rssia); John Tomer (EUA); Milos Solz (Rep. Tcheca), alm desta autora.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
62
Wrneryd informou que vem desenvolvendo uma espcie de histria subjetiva da rea.
Em especial nos ltimos dois anos, passou a coletar dados sobre a histria da Economia e
da Psicologia, que deveria chamar-se A Brief History of Economic Psychology, mas cujo
ttulo foi modificado. Encontrou, por exemplo, um livro de 318 A.C. sobre
Administrao, em especial sobre a diferena entre os gneros na diviso do trabalho
comentou que, para Aristteles, a mulher era vista na mesma categoria do escravo. Este
autor trata, tambm, do tema da felicidade, em parte, relacionada ao dinheiro. Santo
Agostinho e So Toms de Aquino foram igualmente mencionados, tendo este ltimo, a
partir de idias de Aristteles, discutido sobre preos, com conceitos que poderiam ser
utilizados ainda em nossos dias. Para Wrneryd, ele teria trabalhado com Economia e
Psicologia em seus escritos.
Sobre Adam Smith, afirmou que, at ento, a Economia no parecia relacionar-se com o
ser humano, vrtice introduzido por aquele estudioso. J Jeremy Bentham, advogado que
desenvolveu o utilitarismo e o conceito de utilidade, presentes nos fundamentos da
Economia, faz alguma referncia Psicologia, embora no em sua vertente acadmica,
que, poca, tratava das relaes corpo- mente.
Wrneryd acredita que foram os Mills, James, e seu filho mais conhecido, John Stuart,
que teriam iniciado a Psicologia Econmica em seus primrdios. James Mill discutiu o
papel do dinheiro, usando noes do senso comum sobre a Psicologia para faz- lo,
enquanto John S. Mill publicou um livro que j continha idias da Psicologia.
No lado da Psicologia, destacou a forma como Wilhelm Wundt levou a realidade para o
laboratrio, em 1879. Mais tarde, em 1913, Hugo Mnsterberg publica um livro sobre
publicidade, em alemo e, na mesma poca, W.D.Scott, educador norte-americano,
tambm publica livro sobre o mesmo tema. Ainda nos EUA, surge George Katona, na
dcada de 1940, com toda a importncia de que desfruta at hoje na Psicologia
Econmica.
63
No que diz respeito sua prpria formao, Wrneryd, 77 anos 30 , estudou, inicialmente,
Administrao de Empresas, tendo Economia sido sua disciplina favorita nesse perodo.
Seu doutorado, concludo em 1955, foi em Psicologia Experimental. Para ele, a
possibilidade de reunir os dois campos Psicologia e Economia surgiu a partir da
sugesto de um professor. Mais tarde, foi a Chicago, onde viu Katona apresentar um
trabalho, antes do qual disse que usaria o chapu do economista para faz-lo e, depois,
afirmou que usaria o chapu do psiclogo para apresentar mas tratava-se do mesmo
trabalho nas duas ocasies! Wrneryd, que encontrou o livro de Mnsterberg
acidentalmente, pretendia reunir este autor e Katona.
Ele mencionou, tambm, que Folke lander foi um de seus primeiros assistentes, o que
teria ocorrido em funo de lander ser psiclogo e ter escrito trabalhos sobre
Administrao, o que despertou sua curiosidade sobre ele. Teve contato com Paul Albou,
na Frana, o que foi muito importante para introduzi- lo ao trabalho de Reynaud, que
compreendia micro e macro Economia. Comentou que Tilburg, na Holanda, instituiu uma
cadeira de Psicologia Econmica, posteriormente a Estocolmo.
Fred van Raaij, 60 anos, doutorado em 1977, explicou que tivera contato com
processamento de dados e informao nos anos 1960 e, mais tarde, lera um livro de Paul
Green sobre consumo. Percebeu, ento, que no havia Psicologia do Consumidor na
Holanda nessa poca e que poderia reunir os interesses que tinha, em Psicologia e
Estatstica, para desenvolver seus estudos nessa vertente.
30
64
Buscou outros interessados no pas, e os primeiros que encontrou foram empresas de
marketing. Pensou em reunir, assim, Psicologia Organizacional, Marketing e Psicologia
Econmica. Foi em 1972 que um professor trouxe a idia de introduzir Psicologia
Econmica em sua Universidade, possivelmente inspirado pela experincia de Estocolmo
[que tinha esta cadeira desde 1958 N.A.]. Iniciaram o curso antes mesmo de ter clareza
sobre o que seria! Ele foi montado quase simultaneamente sua ocorrncia. Gery van
Veldhoven era o catedrtico e, van Raaij, um de seus dois assistentes.
Van Raaij encontrou Katona uma vez e contou a ele que iriam comear a Psicologia
Econmica na Europa, o que o teria deixado muito feliz.
Van Veldhoven teve a idia da reunio pioneira, que ocorreu num restaurante de Tilburg,
em 1976, no que foi considerado o 1.Colquio de Psicologia Econmica. Havia 12
participantes, tendo Wrneryd, lander e van Raaij estado l, alm de van Veldhoven,
Walt Molt e outros, cujos nomes no foram recordados.
65
5 anos. No entanto, foram submetidos poucos trabalhos em francs e, depois disso, a
lngua do peridico tem sido sempre o ingls. Van Raaij foi seu editor por 10 anos.
Stephen Lea, 59 anos, doutorado em 1974, comeou dizendo que sua formao no tinha
sido nem em Administrao de Empresas, nem em Marketing, nem em Psicologia Social
ele iniciou seus estudos em Qumica Orgnica e, posteriormente, foi para Psicologia
Experimental. Fez seu doutorado sobre comportamento de ratos, j com interesse em
optimal decision-making (tomada de deciso otimizada, poderamos chamar em
portugus). Considera este tema, tomada de deciso, to importante, que dois prmios
Nobel o pesquisaram, Simon e Kahneman.
Queria descobrir como medir utilidade e, em busca desta resposta, deparou-se com
economistas que faziam exatamente o que ele buscava. A partir da, passou a dar-se conta
de que havia pontos em comum sobre o comportamento humano na Psicologia e na
Economia. No entanto, estudos em Psicologia Econmica, que envolviam aplicao,
desfrutavam de menor prestgio do que temas mais tericos.
De todo modo, comeou a criar sistemas econmicos em miniatura, com ratos. Como era,
poca, um dos professores mais jovens, cabia- lhe a incumbncia de mostrar o
laboratrio a visitantes desta forma, conheceu van Raaij, que estava, justamente,
visitando o local. Naquele momento, descobriu que havia outras pessoas interessadas em
reunir Psicologia e Economia tambm.
66
Foi conferncia em Louvain, Blgica, quando fizeram o contato com a Elsevier para
publicao do JoEP. Em 1980 conheceu Paul Webley e, quase de imediato, propuseramse a organizar a conferncia de 1982 em Edinburgo, Esccia, data em que a IAREP foi
fundada. Webley juntou-se a ele para lecionar Psicologia Econmica, trazendo consigo a
formao em Psicologia Social.
Folke lander, 70 anos, doutorado em 1963, conta que sua histria com a Psicologia
Econmica foi muito acidental. Originalmente, pretendia ser jornalista, tendo feito o
curso de Cincia Poltica, durante o qual, contudo, conheceu e gostou muito de
Psicologia. Foi, ento, estudar Psicologia Experimental em Estocolmo. Como precisava
de dinheiro, conseguiu trabalho como entrevistador numa empresa de seguros. Foi ento
que conheceu Wrneryd, que o tomou sob suas asas, tornando seu caminho mais fcil.
Este encontro, porm, no foi intencional.
Seu interesse centrou-se em poltica de consumo. Quando se desejou criar uma cadeira de
Psicologia Econmica no curso de Administrao de Empresas, em Aarhus, fo i
convidado a assumi- la. Brincando que no queria competir com a memria de Wrneryd
sobre a histria da rea, lander afirmou que voltaria seu foco para o futuro. Comentou
que alguns colegas haviam indagado as razes para tanto tempo ter sido dedicado ao
passado da Psicologia Econmica naquela conferncia, ao invs de privilegiar-se o
futuro. Resolveu, assim, complementar aquela lacuna.
31
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. & WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
67
Fez um rpido balano sobre o desempenho da IAREP at aquele momento, concluindo
que algumas linhas de pesquisa tm sido bastante exploradas, como poupana, taxao e
socializao econmica, com grande impacto destes trabalhos sobre a disciplina.
No entanto, alguns temas, do seu ponto de vista, ainda no teriam sido integrados, de
fato, ao corpo de conhecimento que a rea procura abranger. So eles:
- Economia Comportamental, que teria vida prpria;
- Contabilidade Comportamental;
- Economia Experimental, que j teve maior importncia no passado;
- Marketing, que ele v da mesma forma que a anterior.
Para lander, falta riam, ainda, estudos sobre o consumo; um exemplo seria estudar de
que forma o consumo afeta o meio -ambiente e, aqui, ele observa que pesquisadores
deste tema renem-se em outro lugar; outro exemplo envolveria os padres de consumo,
uma vez que no se dispe de bons modelos para pesquisas sobre este ponto at o
momento. Ele sugere, ainda, que seja feita uma anlise histrica a fim de se levantar
fatores envolvidos no fato destes temas no terem sido contemplados ou, ainda, terem
perdido o lugar que alguma vez possam ter ocupado.
Citou Wrneryd, que acredita que uma das razes para economistas no se aproximarem
mais da Psicologia seria o fato desta possuir modelos e diagramas muito complicados.
lander questiona, ento, se estes modelos e diagramas no deveriam ser simplificados, a
fim de aproximar os economistas.
Aps a apresentao dos quatro participantes, seguiu-se um debate com os demais, que
estavam na pequena platia. Milos Solz, um dos organizadores do congresso na Rep.
Tcheca, com atuao em Psicologia Organizacional, comentou sobre a importncia da
68
Psicologia Econmica participar em acontecimentos da atualidade e indagou se havia
psiclogos econmicos nos Fruns Econmicos Mundiais de Davos, por exemplo.
Sobre esta questo, van Raaij lembrou que houve um simpsio sobre confiana com o
Banco Central holands.
J Paul Webley, pesquisador e autor britnico destacado no campo, perguntava por que
no haveria mais contatos entre a IAREP e economistas comportamentais dos EUA, por
exemplo. Gerrit Antonides, tambm expoente na rea, holands, afirmou que Psicologia e
Economia so dois campos, localizando o problema mais em torno da questo por que
economistas em geral no se aproximariam da Psicologia Econmica.
Para lander, a IAREP no tem tido astcia suficiente para capitalizar em cima das
descobertas recentes da rea, como a que atribuiu o ltimo premio Nobel de Economia a
Daniel Kahneman, por exemplo.
Chama-nos a ateno o fato de que, quando uma rea ainda no existe formalmente,
aqueles que dela se aproximam neste estgio inicial fazem- no de maneira quase
69
acidental, acabando por traar, desta forma, seu prprio caminho, como vimos ocorrer,
aqui, com estes pioneiros 32 .
2.6. DISCUSSO
Sobre a figura do ancestral, Farr (2002, p.167), observa que existe sempre um risco em
se determinar ancestrais numa cincia. De acordo com ele, os ancestrais seriam
venerveis figuras do passado, que aparecem como legitimando algum projeto do
presente, que a pessoa que os nomeia como ancestrais, pensa ser importante (p.172) e,
assim, distintos de fundadores, uma vez que estes ltimos no criam apenas idias, como
os primeiros, mas lhes do, efetivamente, uma forma institucional.
Mantendo este foco, poderamos, ento, propor Gabriel Tarde e Thorstein Veblen
como os personagens associados s figuras de fundadores da nova disciplina, entre o final
do sculo XIX e incio do sculo XX. Enquanto Smith delineou as diretrizes que
considerou pertinentes ao estabelecimento da economia e algumas delas envolviam
componentes psicolgicos Tarde e Veblen, mais de um sculo depois, envolvem-se,
32
Esta autora identifica nesse formato sua prpria trajetria quando iniciou sua dissertao de mestrado,
em 1994-5, cujo tema foi aspectos psquicos associados experincia da inflao econmica, sequer sabia
da existncia da Psicologia Econmica.
33
As nicas excees esto representadas na descoberta quase acidental dos dois pioneiros da virada do
sculo XIX-XX, que no foram mencionados por nenhum dos autores presentes em nossa seleo: Leon
Litwinski e Simon Nelson Patten, como vimos acima.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
70
efetivamente, com a tentativa de reunir as duas reas Psicologia e Economia.
Naturalmente, j podiam contar tambm com a existncia recente, mas real da
Psicologia firmando-se como cincia autnoma, condio ausente poca de Smith.
Ainda no sculo XIX, vemos Barracho (2001) e Wrneryd (2005a, 2005b) dando
destaque noo de utilitarismo na Economia, com seu foco predominantemente sobre a
produtividade, que assume, assim, o aspecto central nesta disciplina. Embora esta
perspectiva inclusse uma busca hedonista por prazer e evitao da dor, esta base
psicolgica no seria o essencial dentro da teoria. neste contexto, tambm, que John
Stuart Mill cria o conceito de homem econmico, em 1836.
Prximo virada para o sculo XX, Gabriel Tarde e Thorstein Veblen merecero o
reconhecimento unnime da maior parte dos autores pesquisados (Reynaud, 1967; Lea et.
al., 1987; Lewis et. al., 1995; Descouvires, 1998; van Raaij, 1999; Webley & Walker,
1999; Barracho, 2001; Kirchler & Hlzl, 2003; Wrneryd, 2005b), como as figuras
centrais para o efetivo nascimento da nova disciplina.
Aps este consenso sobre o alvorecer histrico da Psicologia Econmica, apenas van
Raiij (1999), Kirchler & Hlzl (2003) e Wrneryd (2005a) acompanham os
desenvolvimentos do novo campo nas primeiras dcadas do sculo XX e, mais tarde,
Webley & Walker (1999) definiro George Katona como o responsvel pelo
estabelecimento da moderna Psicologia Econmica, durante a Segunda Guerra Mundial,
enquanto Descouvires (1998) e Barracho (2001) apontam para a importncia da
publicao de Reynaud (Economie politique et psychologie experimentale), em 1945.
71
Assim, podemos dizer que, embora os autores pesquisados tenham, de modo geral,
perspectivas semelhantes a respeito das origens da Psicologia Econmica, alguns
aspectos podem receber diferentes nfases ou, at mesmo, ser ignorados, por eles. Por
exemplo, apenas Wrneryd (2005a) refere-se criao da Association of Economic
Psychology, em 1916.
Trs pontos, contudo, parecem merecer vises comuns a importncia de Adam Smith,
no sculo XVIII, da escola marginalista, no sculo XIX, e de Tarde e Veblen, na virada
do sculo XIX para XX.
A anlise dos dados reunidos nos permite afirmar que uma preocupao com o fator
humano fosse sob a forma de tica, religio, emoes ou instintos sempre esteve
presente no pensamento econmico, ainda que de forma intermitente. Desde os gregos
antigos, passando pela Idade Mdia, at o sculo XIX, esta preocupao pode ser
encontrada em pensadores, filsofos e, a partir do sculo XVIII, em economistas. Nesse
sentido, uma noo primitiva daquilo que poderamos chamar hoje de Psicologia
Econmica, no se revelaria propriamente como um esforo indito, quando finalmente
veio a receber seu formato prximo do atual, no final do sculo XIX.
Entretanto, pode-se observar que, embora a maioria destes pensadores econmicos tenha
demonstrado interesse por fundamentos psicolgicos para suas teorias econmicas,
34
frente, veremos que esta composio pode ser diversa em nosso pas (cf. cap.5).
72
tentaram, eles prprios, elaborar este suporte, ao invs de apoiar-se em dados que j
estavam disponveis, pelo menos, desde o final do sculo XIX, quando a Psicologia
comea a desenvolver seu prprio campo de atuao.
Razes para adotar tal postur a no esto inteiramente claras e podemos, por ora, oferecer
apenas algumas conjecturas criar sua prpria teoria psicolgica poderia representar
maior facilidade no que diz respeito a uma adaptao ao pensamento econmico,
enquanto que importar linhas de pensamento de outra disciplina demandar ia esforo
muito maior. O conceito de formao em ambas as reas tambm apresenta diferenas
enquanto a Psicologia enfatiza a importncia da observao direta, coleta de dados e
aplicao de teorias, a Economia parece permanecer confortavelmente no mbito da
teoria, se possvel, escorada por frmulas matemticas.
A teoria psicolgica gerada por economistas apresentaria este trao tambm a ausncia
de necessidade de buscar dados na experincia e, mediante sua anlise, verificar suas
teorias ou elaborar novas hipteses, de modo a poder investigar se aquelas noes
podiam, de fato, ser encontradas nas pessoas. Talvez pudssemos acrescentar que,
enquanto a Psicologia evolua e territrios psquicos antes inexplorados eram desvelados
por esta nova disciplina, idias anteriores exigiam constante reviso e, em muitos casos,
transformao, medida que novos aspectos do comportamento humano aguardavam
investigao. Teorias em Psicologia possuem um firme carter de hipteses temporrias,
que se mantm enquanto novos ngulos no so iluminados. Esta viso encontra-se em
oposio direta quela que postula o homem econmico, tal como os economistas tm
procurado estabelecer como modelo sobre o qual fazer repousar suas teorias a respeito do
comportamento humano. O homem econmico refere-se a um modelo baseado na
concepo de natureza humana, o que bastante debatido e controverso dentro da
Psicologia, por exemplo.
De todo modo, podemos detectar, atualmente, uma maior distncia dos aspectos
psicolgicos, seja na forma que for, por parte dos economistas mainstream . Para alm da
73
grande teoria da racionalidade, no tem havido um interesse significativo, por parte de
muitos economistas, em relao s recentes descobertas e conceitos psicolgicos.
Deve ser igualmente observado que o envolvimento inicial com a Economia Poltica,
considerada um dos pilares da nova disciplina entre os sculos XIX e incio do XX (cf.
Reynaud, 1967), aparenta ter se reduzido, de modo significativo ou, pelo menos, assumiu
novas formas, como uma preocupao geral com o meio -ambiente e, numa certa medida,
com questes referentes desigualdade, conforme os temas de recentes congressos da
IAREP nos revelam35 .
Que tendncias poderamos identificar, agora, aps a reviso das origens da disciplina?
cf. XXV IAREP Conference, com tema em torno de Fairness (Igualdade), Viena, 2000 e XXVI
IAREP Conference, cujo tema foi Environment and Well-being (Meio-ambiente e bem-estar, ou
qualidade de vida), Bath, 2001
36
KATONA, George. Psychological Economics. New York: Elsevier, 1975.
37
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. & WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
38
FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. Trad. Pedrinho
Guareschi e Paulo Maya.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
74
Poderamos tentar transportar alguns aspectos destas discusses para a Psicologia
Econmica. Embora a perspectiva positivista no tenha sido mencionada em particular
com referncia ao incio da disciplina, sua presena como inspirao para o modelo de
cincia a ser seguido comea a ser encontrado medida que a investigao se concentra
em pesquisa experimental, de preferncia a respeito de comportamento observvel e
mensurvel.
Esta situao poderia ser explicada tambm em funo das duas tendncias diversas que
o autor identifica dentro da Psicologia Social e que ns poderamos, talvez, ampliar
para o nosso campo enquanto o ngulo sociolgico inclui as vertentes histrica e
coletiva, o enfoque individual se restringe aos dados experimentais individuais. Para Farr,
esta situao reflete, tambm, uma distribuio geogrfica da pesquisa na rea a
primeira tendncia seria encontrada, principalmente, na Europa, ao passo que a segunda
estaria localizada, primordialmente, nos EUA. De acordo com ele, a Psicologia Cognitiva
, hoje, a linha mais influente sobre a Psicologia Social e, novamente, poderamos pensar
em expandir esta observao para a Psicologia Econmica. A opo com relao a
estudar temas mais individuais ou coletivos pode indicar tendncias futuras da disciplina,
que deveremos observa r ao longo dos prximos anos. Retornaremos a este eixo de
discusso no cap.5.
Assim, este primeiro olhar sobre o conjunto das concepes oferecidas por autores da
Psicologia Econmica sobre as origens da disciplina nos permite afirmar que existe,
majoritariamente, uma viso comum sobre o seu nascimento como estando vinculado aos
trabalhos de Gabriel Tarde e Thorstein Veblen, entre o final do sc ulo XIX e incio do
sculo XX. Outras nfases importantes apontam para o papel de Adam Smith, no sculo
XVIII, da Escola Psico lgica Austraca de Karl Menger e da Economia Poltica, na
segunda metade do sculo XIX, de George Katona, nos EUA, e Pierre-Louis Reynaud, na
Frana, ambos na metade do sculo XX.
Estas
referncias
indicariam,
neste
momento,
marcos
significativos
para
75
Para encerrar este captulo, invocamos as concluses reunidas por Wrneryd (2005c 39 )
que, ao oferecer uma linha de evoluo da disciplina, prepara o terreno para nossas
posteriores discusses. Afirma ele que, se Psicologia Econmica for definida como o
apoio psicolgico Economia (p.13), de supor que sua origem no esteja vinculada
vertente acadmica da Psicologia e, sim, s observaes cotidianas, do senso comum.
Para o autor, a Psicologia acadmica do sculo XIX possua pouco contato com
problemas da realidade. J a Economia Poltica voltava-se para problemas na dimenso
macro, com interesse mnimo sobre conhecimento ou insights psicolgicos. neste
sentido que James e John Stuart Mill, foco de seu artigo, teriam tido um papel especial, j
que incluam este vrtice. O segundo, por exemplo, havia conferido espao importante ao
hedonismo de Bentham e aos trabalhos sobre emoo e vontade, do psiclogo Bain, em
sua teoria da utilidade.
Contudo, a nfase sobre o hedonismo vai decrescer nos cinqenta anos seguintes, depois
de Jevons, medida que o uso da matemtica dentro da Economia evolui para a anlise
do comportamento de escolha a partir de lgica pura. Ao mesmo tempo, o enfoque
experimental da Psicologia no chega at a Economia, que s adota este vis
metodolgico a partir dos anos 1950 e, mesmo ento, no parece ter sido influenciada
pela Psicologia. Na virada para o sculo XX, a Psicologia acadmica vem criticar
formulaes da Economia tradicional, o que teve incio com o nascimento da Psicologia
cientfica, em 1879, com Wundt. Segundo Wrneryd, este teria sido influenciado, em seu
trabalho emprico, pelo associacionismo de Mill e pelas descobertas sobre psicofsica de
Fechner, que postulavam associaes estmulo-resposta como mecnicas ou qumica
mental, sem deixar muito espao para consideraes sobre expectativas, intenes ou
finalidades. Esta abordagem experimental teria retirado seus problemas de pesquisa da
Filosofia ou da Fisiologia, e no de situaes do cotidiano ou mesmo, relacionadas ao
trabalho, por exemplo.
39
WRNERYD, Karl-Erik. Scholars in Economics and Psychology and Little Cross-Fertilization: the Mills
and Economic Psychology. Anais do XXX International Association for Research in Economic Psychology
Annual Colloquium Absurdity in the Economy . Praga, Rep. Tcheca, 2005c.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
76
Privilegiar relaes psicofsicas poderia oferecer uma explicao para o afastamento da
Economia em relao s descobertas da Psicologia, j que aquela precisaria de
informaes sobre categorias mais amplas de aes40 . Uma outra razo para a distncia
entre as duas disciplinas poderia ser encontrada na importncia atribuda, pela Economia,
descoberta de uma lei geral que pudesse explicar o comportamento humano, para a qual
a Psicologia, com suas mltiplas teorias, teria dificuldade para contribuir. Apenas na
virada para o sculo XX tem incio a aplicao da Psicologia a problemas prticos, por
exemplo, com os discpulos de Wundt, Hugo Mnsterberg e Walter D. Scott, que se
dedicaram a utilizar alguns conhecimentos psicolgicos a problemas econmicos.
Mnsterberg (1913 apud Wrneryd, 2005c) escreveu um livro inteiro sobre o que
denominou Psicologia Econmica, enquanto Scott (1904, 1908 apud Wrneryd, 2005c)
tratou de publicidade e trabalho. Desta forma, o autor conclui que, de sustentao
psicolgica para a teoria econmica, tal como ocorreu em seus primrdios, a Psicologia
Econmica teria se tornado uma aplicao da Psicologia acadmica.
40
interessante observar que, em 2006, assistimos a uma espcie de retorno dimenso psicofsica, com
a emergncia do novo campo da Neuroeconomia, por exemplo (ver Anexo).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
77
CAP.3 OBRAS, CONCEITOS E MODELOS
3.1. APRESENTAO
78
comportamentos econmicos e palco para operaes psquicas racionais ou no. Tem,
portanto, em nossa discusso, lugar igualmente garantido.
Sobre os autores e obras escolhidos para empreender este debate e a posio que ocupam
na disciplina, temos:
- consideradas obras seminais, com altssimo ndice de citaes por parte de outros
pesquisadores do campo temos Psychological Economics, de George Katona, 19751 ,
divisor de guas dentro da Psicologia Econmica 2 , com os primrdios antecedendo-o,
enquanto que a Psicologia Econmica contempornea teria nascido com ele, e The
individual in the economy, de Stephen Lea, Roger Tarpy e Paul Webley, 19873 , obra mais
citada nos artigos do peridico Journal of Economic Psychology, desde sua fundao, em
1981, at 2000, conforme levantamento realizado por Kirchler e Hlzl (2003 4);
79
editado por Alan MacFadyen e Heather MacFadyen em 1986 9, do Canad, ou seja, numa
perspectiva fora da Europa, do outro lado do Atlntico, porm tampouco nos EUA;
Economics and Psychology: a survey, artigo de Peter Earl, 199010 , que trabalha entre
Austrlia e Nova Zelndia, embora tenha atuao internacionalmente destacada como
pesquisador da produo da rea11 (cf. tambm a prxima obra, Earl e Kemp, 1999); The
Elgar Companion to Consumer Research and Economic Psychology, compndio
organizado por Peter Earl e Simon Kemp, em 199912 ; The Economic Psychology of
Everyday Life, publicado em 2001 13 e considerado por dois de seus autores, Webley e
Lea, uma tentativa de atualizar o volume inicial de 1987 (ver acima);
- A Psicologia Econmica 14, peque no livro de Pierre-Louis Reynaud, para nossa surpresa,
traduzido para o portugus j em 1967 15 , e Initiation la psychologie conomique 16 ,
artigo de 1962 17 , do tambm francs Paul Albou, que fora discpulo de Reynaud, so
includos devido ao fato da Psicologia Econmica ter falado francs durante sua
infncia, por assim dizer, ainda que esta circunstncia tenha se perdido no tempo mais
especificamente, na dcada de 1980. Nos primrdios de sua institucionalizao, porm, o
francs e, naturalmente, pe squisadores originados na Frana pareceram ocupar lugar
de destaque, possuindo, tambm, pontos de vista prprios a respeito da disciplina, nem
sempre convergentes com aqueles expressos por seus colegas das demais regies da
Europa Ocidental;
A obra citada por Webley et. al., 2001, p.18, como parte do primeiro fluxo de textos sobre Psicologia
Econmica no meio da dcada de 1980, ao lado de Lea et. al., 1987, e alguns outros.
10
EARL, Peter. Economics and Psychology: A Survey. The Economic Journal, 100 (402): 718-755, 1990.
11
Earl foi, tambm, editor do Journal of Economic Psychology, de 2001 a 2004, quando teve que se afastar
por problema de sade.
12
EARL, Peter & KEMP, Simon (eds.). The Elgar Companion to Consumer Psychology and Economic
Psychology. Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar, 1999.
13
WEBLEY, Paul, BURGOYNE, Carole, LEA, Stephen & YOUNG, Brian. The Economic Psychology of
Everyday Life. Hove: Psychology Press, 2001.
14
REYNAUD, Pierre Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
Djalma Forjaz Neto.
15
O livro revela -se uma pequena preciosidade: traduo da obra sucinta de divulgao cientfica publicada
dentro da coleo Que sais-je?, da extinta Difuso Europia do Livro, oferece uma interessante introduo
ao campo, igualmente valiosa do ponto de vista his trico. importante assinalar que no se conhece outras
iniciativas dessa natureza at o momento, ou seja, livros especficos sobre Psicologia Econmica no Brasil.
16
ALBOU, Paul. Initiation la psychologie conomique. Bulletin de Psychologie. 1962 vol.16 1-81.
17
Este artigo encontra -se disponvel na biblioteca da PUC-SP, um outro fator que nos leva a consider-lo,
alm de sua importncia pela extenso e abrangncia das discusses propostas.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
80
- Psicologa Econmica temas escogidos, livro de Carlos Descouvires, de 199818 , o
representante da produo latino-americana que, alm de explorar uma larga gama de
tpicos, introduz alguns vrtices de discusso que nos dizem respeito de modo especial, a
ns, latino-americanos, como veremos adiante (cf. cap.5);
81
at aquele momento (p.vii). Ele relata interessar-se pela inter-relao entre economia e
psicologia desde bem antes de seus estudos em economia psicolgica, quando ainda vivia
na Alemanha mergulhada em hiper- inflao 22 . Autor, tambm, das obras Psychological
Analysis of Economic Behavior (1951), The Powerful Consumer (1960) e The Mass
Consumption Society (1964) (apud Katona, 1975, p.vii), publicadas anteriormente,
concentra-se, agora, em discutir temas levantados nas obras anteriores, com o suporte de
dados adicionais e de outros aspectos ainda no abordados, em torno de desenvolvimentos
e descobertas feitas aps 1964.
Como jovem doutor na rea de psicologia experimental, viveu a hiper-inflao alem de 1923 e publicou,
naquela poca, um artigo que ele descreve como amplamente citado mas equivocado (p.viii), sobre a
inflao como um fenmeno resultante de histeria de massa. Segundo ele, o sucesso deste artigo o levou a
estudar economia e, nos anos seguintes, atuou, ora exclusivamente como psiclogo, ora como jornalista
econmico, ainda na Alemanha. Neste breve comentrio auto-biogrfico, Katona brinca que em 1933, logo
aps a ascenso de Hitler ao poder, fez sua previso mais importante: que a vida na Europa se tornaria
insuportvel, o q ue o fez mudar-se para os EUA (id.).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
82
teria introduzido nos estudos econmicos do mundo real (id.). Por fim, enfatiza no ter
trabalhado sozinho, ressaltando a importncia do Survey Research Center of the Institute
for Social Research da University of Michigan, fundado, em 1946, pela Division of
Program Surveys e responsvel por proporcionar condies favorveis a pesquisas
interdisciplinares e constante intercmbio de idias entre acadmicos de diferentes reas.
Destaca Rensis Likert e Angus Campbell como figuras proeminentes nesse trabalho,
enquanto que Eva Mueller, John B. Lansing e James N. Morgan so citados como
colaboradores prximos no Economic Behavior Program of the Survey Research Center,
dirigido por Katona entre 1946 e 1972. Jay Schimiede skamp e Burkhard Strmpel
juntaram-se a eles nos ltimos anos. Katona menciona, ainda, Ernest Zahn, da
Universidade de Amsterd, Holanda, como o primeiro a integrar conceitos sociolgicos
anlise do comportamento econmico (op. cit., p.x), no que teria contribudo para
ampliar de modo significativo a sua viso.
No incio de seu livro, descreve, da seguinte forma, o campo estudado e seu objeto :
A abordagem psicolgica anlise econmica rompe as barreiras tradicionais das
duas disciplinas, economia e psicologia. Ela considera processos econmicos como
manifestaes do comportamento humano e os analisa do ponto de vista da moderna
psicologia. Economia como cincia comportamental estuda o comportamento de
consumidores, negociantes, e responsveis por polticas pblicas no que diz respeito
a gastar, poupar, investir, precificar, e outras atividades econmicas.
Embora comportamento econmico seja eliciado pelo ambiente e suas mudanas, os
seres humanos no reagem aos estmulos como autmatos. Seus motivos e atitudes,
mesmo seus gostos, esperanas e medos, representam variveis intervenientes que
influenciam tanto sua percepo do ambiente como seu comportamento. Para
entender processos econmicos, consideraes psicolgicas e variveis subjetivas
devem ser incorporadas anlise. (op. cit., p.323 ).
23
Although economic behavior is elicited by the environment and its changes, human beings do not react
to stimuli as automatons. Their motives and attitudes, even their tastes, hopes, and fears, represent
intervening variables that influence both their perception of the environment and their behavior. In order
to understand economic processes, psychological considerations and subjective variables must be
incorporated in the analysis. Although economic behavior is elicited by the environment and its changes,
human beings do not react to stimuli as automatons. Their motives and attitudes, even their tastes, hopes,
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
83
Indaga-se, tambm, se, ao estudar os fatores que determinam as diferentes formas de
comportamento da percepo, aprendizagem e pensamento, relacionados ao
comportamento mental, s diferenas individuais e estados normais e anormais da
mente, passando por motivao, emoo e desenvolvimento , a psicologia poderia ser
considerada a matriz da economia e de todas as demais cincias sociais. A resposta, de
seu ponto de vista, negativa, tendo em vista a riqueza e diferenas encontradas no
comportamento humano, que demarcam uma profunda distncia entre leis psicolgicas
e a observao dos fatos. Como resultado, ele aponta a necessidade de estudos sobre
comportamentos econmicos especficos (op. cit., p.8).
Da mesma forma que postula a inviabilidade de uma economia sem psicologia, o autor
afirma no ser possvel ter uma psicologia sem economia, isto , que no explique
alguns dos aspectos mais comuns do comportamento humano. A psicologia poderia ser
til anlise econmica ao iluminar, de maneira dinmica, causas, alm das descries
de situaes para ele, disto que a pesquisa econmica precisa descobrir e analisar as
foras por trs de processos econmicos, responsveis por aes, decises e escolhas
econmicas (op. cit., p.9).
Sobre decises econmicas, Katona afirma que outra compreenso dos processos
econmicos obtida quando o foco colocado sobre os atores humanos e sobre a anlise
psicolgica de suas tomadas de deciso e aes, pois os processos econmicos seriam
resultado do comp ortamento das pessoas e influenciados pelos diferentes padres de
comportamento. Para ele, seres humanos no seriam determinados apenas por foras
externas, e diferenas entre suas percepes, motivos e comportamento poderiam ser
medidos e relacionados a fatores causais (1975, p.3).
O autor estabelece, assim, uma espcie de paradigma (cf. Carone, 2003 24 ) para a ento
muito jovem disciplina, enfatizando sua vertente emprica, ao afirmar que o estudo
and fears, represent intervening variables that influence both their perception of the environment and their
behavior. In order to understand economic processes, psychological considerations and subjective
variables must be incorporated in the analysis. (Katona, 1975, p.3).
24
CARONE, Iray. A Psicologia tem paradigmas? So Paulo: Casa do Psiclogo / FAPESP, 2003.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
84
psicolgico do comportamento e das decises humanas seria possvel devido ao fato de
serem governados por leis, ou seja, no seriam arbitrrios, imprevisveis ou
indeterminados (Katona, 1975, p.8). Com estes postulados, defende uma psicologia
aquela que capaz de medir e de estabelecer relaes de causalidade no que diz respeito
aos aspectos psicolgicos, por exemplo . Em outras palavras, uma psicologia que se insere
num modelo positivista de cincia 25 .
Ele discute a relao entre psicologia, psicologia social e economia (op. cit., p.41-43),
estabelecendo como princpios bsicos da psicologia, os seguintes: uma disciplina
emprica, o que envolveria observao controlada, excluindo, desta forma, observao
possvel apenas a um indivduo 26 (p.42-3); o comportamento caracterizado por
plasticidade dentro de limites amplos, o que significa que no se repete obrigatoriamente,
podendo modificar-se, em especial por meio de aprendizagem e maturao, de modo que
o organismo adquire conhecimento, emoes e formas de comportar-se a partir da
experincia, tendo como limitaes, por exemplo, a estrutura neuro-fisiolgica para ele,
o comportamento econmico aprendido (p.43-4); a anlise psicolgica faz uso do
esquema [comportamental] representado por estmulo organismo resposta, ou
mudana no ambiente variveis intervenientes comportamento manifesto, no qual as
variveis intervenientes englobariam traos de personalidade, experincias passadas,
motivaes, atitudes e expectativas, deduzidas a partir das diferenas individuais frente a
estmulos semelhantes, ou respostas diferentes, do mesmo sujeito, em diferentes
momentos; e, para completar, as formas de aprendizagem, o indivduo e o grupo, anlises
nos nveis micro e macro, tanto na psicologia como na economia e a lei dos grandes
nmeros, no sentido das regularidades dos grandes nmeros, seriam outros componentes
de interesse central para economistas e suas previses o comportamento individual
pode ser incerto, mas isso no importa, uma vez que o comportamento de uma grande
25
Cf. Adorno e Horkheimer, 1969. ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. (1969) Dialtica do
esclarecimento fragmentos filosficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. Trad. Guido A. Almeida.
26
O autor parece excluir, portanto, qualquer conhecimento obtido por meio do mtodo clnico, conforme
pode ocorrer na experincia analtica, por exemplo. Desnecessrio dizer que esta autora discorda desta
posio, se no para a psicologia de modo geral, certamente para o que diz respeito Psicologia
Econmica que, conforme desejamos argumentar, poderia se beneficiar com a ampliao do campo, de
modo a incluir observaes obtidas no laboratrio do setting analtico.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
85
populao poderia ser mais facilmente previsto, de acordo com os axiomas da economia
em contraposio, Katona argumenta que uma mudana de atitude ou expectativa pode
dever-se a informaes da mdia, experincias individuais ou fatores randmicos,
destacando, assim, o importante papel da aquisio de informao, que pode dificultar a
previso tanto de comportamento individual, como de grandes nmeros (op. cit., p.5358).
Identificamos, aqui, seu papel pioneiro dentro da disciplina: a princpio, uma iniciativa
isolada do centro de pesquisa em Michigan, EUA, este tipo de levantamento de dados
comeou a espalhar-se pelo Canad e pases da Europa Ocidental, como Frana, a ento
Alemanha Ocidental, Holanda, Blgica e Itlia e, mais tarde, Austrlia (op. cit., p.80-1).
Podemos observar, tambm, que a Psicologia Econmica encontra-se atuante, em 2006,
27
Os primeiros levantamentos sobre as intenes de compra dos consumidores foram delineados em 1944,
pela Division of Program Surveys do Departamento de Agricultura dos EUA [equivalente ao nosso
Ministrio da Agricultura], que precedeu o Michigan Survey Research Center, patrocinados pelo Federal
Reserve Board. Katona foi o diretor do projeto (p.66, nota 3). O autor tambm relata que estes
levantamentos foram realizados trs vezes por ano na dcada de 1950 e quatro vezes ao ano na dcada de
1960. Os questionrios incluam perguntas, entre abertas e fechadas, num total entre 30 e 40, sobre finanas
pessoais, tendncias de negcios e condies do mercado; dependendo das caractersticas especficas da
poca em que eram conduzidos, podiam receber questes a respeito de mercado acionrio, taxa de juros,
eventos polticos domsticos ou internacionais etc. importante assinalar que os sujeitos eram, tambm,
indagados por qu davam aquelas respostas, ou seja, havia uma tentativa de aprofundar as informaes
fornecidas . (Katona, 1975, p.77).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
86
em todos estes pases (cf. IAREP-SABE Conference 2006 Behavioral Economics &
Economic Psychology).
87
consumidores fazem. Nesta situao, a anlise psicolgica das atitudes e do
comportamento dos consumidores representa um tarefa grande e importante. (op.
cit., p.401 29 ).
Racionalidade definida por ele como o homem racional que almeja um fim especfico
a maximizao de utilidade pelo emprego de meios bem definidos, ou seja,
ponderando sobre as alternativas disponveis; primeiro, ele lista todos os cursos de ao
concebveis e suas conseqncias, escolhe o melhor e mantm sua escolha de forma
consistente (op. cit., p.217 30 ).
Psychological economics will have to play a role in accomplishing what is required. The progress of this
new discipline as related in this book must be viewed as a beginning. Advances in theory and in their
practical application must go hand in hand. It will remain true in the future that fluctuations in
unemployment as well as in prices depend on a large extent on what consumers do. In this situation, the
psychological analysis of consumer attitudes and of consumer behavior represents a major and important
task. (Katona, 1975, p.401).
30
the rational man aims at a specific end the maximization of utility by employing well-defined means,
namely, the weighing of available alternatives. He first lists all conceivable courses of action and their
consequences, chooses the best, and sticks to his choice in a consistent manner (op. cit., p.217).
31
The consumer is a human being, influenced by his past experience. His sociocultural norms, attitudes
and habits, as well as his belonging to groups, all influence his decisions. He is apt to prefer shortcuts,
follow rules of thumb, and behave in a routine manner. But he is also capable of acting intelligently. When
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
88
Podemos apenas comentar que bom seria se assim fosse, realmente... Na verdade,
ainda que se demonstrasse verdadeira a possibilidade de conhecer-se de forma to
abrangente e eficaz todos os desvos da alma humana, a situao poderia assemelha r-se,
por analogia, teoria do caos existe uma causa, mas to difcil alcan-la, que
vivemos como se desconhecida fora. Da mesma forma, ainda que todo comportamento
pudesse ser compreensvel por exemplo, dentro da prpria psicanlise, acredita-se no
determinismo psquico, portanto, numa raiz para cada ao, embora fora do alcance de
nosso conhecimento consciente ainda que assim fosse, ns nos perguntaramos de que
nos adianta saber que tudo pode ter uma causa se, efetivamente, ela se nos escapa
conscincia?
Esta caracterstica, alis, parece ser responsvel pelo fato de ocupar lugar de destaque no
panteo das obras de Psicologia Econmica uma vez que teria sido a primeira
publicao a conter resultados de pesquisas diretas especificamente dentro daquele
campo. Utilizando mtodos quantitativos respeitados, com grandes amostras e tratamento
estatstico rigoroso, chegava -se, pela primeira vez, a levantar o qu a populao fazia,
sentia e esperava com relao a assuntos econmicos. Tal enfoque, que marcaria o rumo
da disciplina pelo menos nos 30 anos seguintes, inaugurava o carter explicitamente
he feels that it really matters, he will deliberate and choose to the best of his ability. () psychology, just
as economic theory, refuses to acknowledge the existence of irrational behavior in the sense of behavior
that is incomprehensible. (Katona, 1975, p.218).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
89
emprico da nova rea, distanciando-a de especulaes e, no nosso entender,
possivelmente, de algumas reflexes tambm, em alguns momentos, como aquelas que
poderiam advir de anlises mais aprofundadas sobre o contexto histrico dos estudos, sua
inter-relao com fatores sociais e polticos, suas implicaes quanto a aplicaes e
alegaes de neutralidade etc., que pouco encontramos aqui.
autores 35 ,
32
De acordo com Kirchler e Hlzl (2003), que analisaram toda a produo do peridico Journal of
Economic Psychology, de sua fundao, em 1981 a 2000, a obra mais citada pelos trabalhos ali
publicados.
33
Atualmente esgotado, dois de seus autores, Lea e Webley, no acreditam que ser reeditado, pois seus
dados precisariam de reviso ao invs, sugerem o livro de 2001, The Economic Psychology of Everyday
Life, do qual ambos so co-autores, junto a Burgoyne e Young, como uma espcie de verso atualizada
da anterior.
34
Originalmente, o livro destinava-se a servir como livro-texto para um de seus autores, Tarpy, que
necessitava de obra de sua autoria para ministrar seu curso nos EUA. Ele foi escrito ao longo de alguns
anos, desde 1982, enquanto os trs ensinavam uma disciplina optativa sobre Psicologia Econmica na
Universidade de Exeter, Reino Unido, a partir de esboos preparados semanalmente.
35
MacFadyen e MacFadyen (1986), publicado originalmente no ano anterior, composto por contribuies
de diversos autores, comentados pelos organizadores da obra (cf. adiante 3.4).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
90
dentro da rea embora ressaltem procurar manter-se neutros tanto quanto possvel (op.
cit., p.60-61).
A abordagem cognitiva , que vinha ganhando terreno quela poca, nos anos 1980,
embora, conforme estes autores, negligenciasse a possibilidade de que condicionamento
clssico e instrumental, aprendizagem vicria e soluo de problemas pudessem ocorrer
ao mesmo tempo, em qualquer situao (p.28), merece inmeras crticas ao longo do
livro, sendo chamada de abordagem da moda dentro da psicologia (op. cit., p. 480 36 ).
Para eles, ela alcanaria apenas as questes sobre o que as pessoas sabem , e no sobre o
que fazem, ao contrrio, portanto, dos objetivos da Psicologia Econmica, que
compreenderiam motivao e ao 37 .
Quando Lea et. al. resumem sua definio de psicologia e destacam a mensurao
psicomtrica da personalidade como idia atraente para um psiclogo econmico (op.
cit., p.35) fazem- no por meio de uma imagem de rede bem tecida de conceitos
interrelacionados e resultados empricos e no, como um tema com princpios bsicos
bem-estabelecidos dos quais o resto das idias pode ser derivado, no que divergiria
amplamente da economia (id.).
36
Cf. tambm, por exemplo, p.27 e seguintes, ou p.481, quando o alvo das crticas so Tversky e
Kahneman (1974), este ltimo, o futuro ganhador do prmio Nobel.
37
Por outro lado, como vemos em Earl (1990, p.725), defensor da abordagem cognitiva, Lea et. al.teriam
assumido, na verdade, uma posio parcial na obra ora analisada, ignorando a maior parte da literatura com
este enfoque, em prol da vertente comportamental, que adotam.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
91
No que se refere definio do novo campo, os autores inovam oferecem uma rara
definio do psiclogo econmico, ao invs da disciplina, em si:
O que , ento, Psicologia Econmica? Ns no acreditamos que uma pessoa que
estude um problema que tenha, tanto uma dimenso econmica, como uma
dimenso psicolgica, seja, necessariamente, um psiclogo econmico. Tal definio
incluiria quase todo mundo em ambas as disciplinas. Tampouco sustentamos que,
para ser um psiclogo econmico, deva-se ser um completo expert nas duas
disciplinas (ou mesmo, que voc precise denominar-se psiclogo econmico). Esta
definio no deixaria quase ningum no campo. Um psiclogo econmico, ns
acreditamos, algum que reconhece que o problema que ele ou ela est estudando
, ao mesmo tempo, um problema econmico e psicolgico, e est preparado para
utilizar tanto mtodos econmicos como psicolgicos para investig-lo. Psicologia
Econmica o corpo de conhecimento que resulta desta investigao
interdisciplinar. Psicologia Econmica, neste sentido, que tenta comunicar. Ns
esperamos que muitos de nossos leitores descubram que tm sido psiclogos
econmicos h anos, mesmo sem dar-se conta disto. (Lea et. al., 1987, p.xx 38 ).
Devemos atentar para o fato de que estas idias foram apresentadas em 1987. Vinte anos
mais tarde, com a rea consolidada, pesquisadores identificam-se como psiclogos
econmicos com maior facilidade e freqncia at mesmo, a fim de encontrar seus
pares e interlocutores. J quase ao final do livro, oferecem a seguinte definio da
disciplina :
Psicologia Econmica uma empreitada inter-disciplinar. No parte nem da
economia, nem da psicologia (Reynaud, 1981, p.4-5). Quando a abordamos como
psiclogos, ns a tratamos como qualquer outro tipo de psicologia aplicada. Isto ,
usamos conceitos e princpios empricos derivados de condies abstratas de
laboratrio, e tentamos utiliz-los no contexto do comportamento econmico do
mundo real. Se levada longe demais, esta abordagem conduzir a uma psicologia do
comportamento econmico sem vida, estril e obsoleta, uma vez que o que
aplicado ser, quase inevitavelmente, psicologia datada e ultrapassada. O vigor
intelectual de qualquer cincia aplicada depende do quanto os seus resultados
possam ser utilizados para complementar e corrigir a cincia pura em que se baseia.
38
What, then, is economic psychology? We do not believe that a person who studies a problem that has
both an economic and a psychological dimension is necessarily an economic psychologist. Such a
definition would include almost everyone in both disciplines. Nor do we hold that to be an economic
psychologist one must be fully expert in both disciplines (or even that you must call yourself an economic
psychologist). This definition would leave hardly anyone in the field. An economic psychologist, we
believe, is anyone who recognizes that the problem he or she is studying is both an economic and
psychological problem and is prepared to use both economic and psychological methods to investigate it.
Economic psychology is the body of knowledge that results from such interdisciplinary investigation. It is
economic psychology in this sense, which it tries to report. We hope that many of our readers will discover
that they have been economic psychologists for years without realizing it. (Lea et. al., 1987, p.xx).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
92
Conseqentemente, se a Psicologia Econmica pretende ser intelectualmente
interessante, deve produzir resultados que sejam importantes para a psicologia geral
e para a economia geral, e no apenas para a Psicologia Econmica. (op. cit.,
p.479 39 ).
Numa interessante avaliao sobre o estado-da-arte do conhecimento poca, Lea et. al.
declaram acreditar que a Psicologia Econmica uma idia cuja hora teria chegado,
listando como argumentos nesta direo a fundao, nos ltimos anos, de duas
associaes cientficas (podemos supor que refiram-se IAREP-International Society for
Research in Economic Psychology e SABE-Society for the Advancement of Behavioral
Economics), dois peridicos (novamente, acreditamos tratar-se do Journal of Economic
Psychology, ligado primeira Associao, e Journal of Socio-Economics, ligado
segunda), o que indicaria respeitabilidade acadmica, alm do fluxo de novas idias,
originadas em economistas e psiclogos que reconhecem poder aprender com ou
contribuir para esta abordagem interdisciplinar (op. cit., p.xxi). Prosseguem afirmando
que a Psicologia Econmica muito mais desenvolvida na Europa do que na Amrica
[EUA], ao passo que disciplinas relacionadas a ela, como, por exemplo, cincia do
consumidor, seriam instituies essencialmente [norte] americanas (op. cit., p.xxii).
39
93
Sobre o futuro, apontam para a necessidade do campo desenvolver idias gerais,
esperando que a origem hbrida da obra, escrita tanto na Inglaterra como nos EUA, possa
conferir-lhe um carter internacional, desvinculando-a de um nico sistema econmico.
Ao mesmo tempo, os autores tm conscincia de que no podero abranger facilmente
leitores da Europa Oriental, Japo ou as naes menos industrializadas, uma vez que
teriam conhecimento insuficiente sobre suas economias (id.).
Devemos observar o contexto quase agudamente diverso encontrado duas dcadas depois
em 2006, considerando-se a avassaladora experincia da globalizao, que no deixou
quase nenhum pas imune aos seus efeitos, mais a transformao das economias
anteriormente socialistas em econo mias voltadas ao mercado, o sistema econmico
mundial pode ser visto, hoje, de maneira muito mais homognea, o que colocaria novas
questes ao psiclogo econmico. Uma delas poderia ser, justamente, o que teria
contribudo para este encaminhamento, do ponto de vista comportamental, assim como a
natureza das decises tomadas nestas novas direes, alm de inmeros comportamentos
que poderiam ser examinados do ponto de vista da micro-economia.
Com relao a comportamentos econmicos, selecionam cinco: trabalhar (Lea et. al.,
1987, p.135-171), comprar (p.172-210), poupar (p.211-240), dar (p.241-265) e apostar
(p.266-289), designados como importantes comportamentos econmicos, por sua
importncia prtica e por colocarem questes tericas distintas para as duas disciplinas,
Psicologia e Economia, partindo do princpio de que o comportamento dos indivduos
ajuda a determinar o comportamento da economia como um todo, o que aponta para a
necessidade de compreend- lo. J impostos, dinheiro, publicidade, socializao
econmica, economias primitivas e outros temas abordados por eles seriam fruto do
pressuposto inverso de como o tipo de economia na qual o indivduo vive tem efeitos
importantes sobre seu comportamento (op. cit., p.xx-xxi).
94
investigao contemple toda esta complexa rede, sugerem haver necessidade de um
paradigma para a Psicologia Econmica e , na sua viso, justamente, o
reconhecimento desta causao dupla que poderia fornec-lo (op. cit., p.526-7).
40
For an economic psychologist, the relevant test will often be an investigation of whether the proposed
sources of utility (the arguments of the utility function) are sources of utility in other, related situations. For
an economist, it will perhaps take the form of seeing whether the same utility function has a more general
usefulness. But if those tests fail, the account fails, because it will be seen as arbitrary or ad hoc.40 (Lea et.
al., 1987, p.510).
41
Real econonomic behavior clearly does contain irrationalities. (Lea et. al., 1987, p.530).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
95
economistas, segundo a qual, polemizar sobre este ponto no traria resultados proveitosos
a ningum.
Cabe uma observao: em que pese sermos inteiramente a favor desta poltica de boa
vizinhana, uma vez que subscrevemos a proposta de interdisciplinaridade tambm
vemos o caminho de desenvolvimento da rea indo nessa direo acreditamos, por
outro lado, que analisar em maior profundidade o problema da racionalidade no traria,
necessariamente, danos ao dilogo interdisciplinar, podendo, ao contrrio, enriquec- lo.
Indo um pouco alm, indagamos se no estaramos, em 2006, mais maduros para
empreender este debate, luz da consolidao das disciplinas na interface psicologia e
economia, de um lado, e das novas descobertas realizadas por elas, de outro. Indagamos,
ento: teramos, hoje, um Zeitgeist mais propcio a isto?
Sobre o objeto de estudo da disciplina, Lea et. al. diferem da maioria dos outros autores
ao afirmar que ele no neutro, uma vez que haveria muitos tipos de interesse nos dados
obtidos, apontando para o risco constante de serem distorcidos ou ocultos, para ir ao
encontro do interesse econmico de algum. Ao mesmo tempo, esse perigo existe
justamente pelo fato de trabalhar-se com situaes da vida real, de modo que no haveria
como escapar desta vicissitude, restando apenas a necessidade de manter-se consciente da
situao (1987, p.95).
Oscilam entre manter uma atitude respeitosa de aceitao dos economistas, que seria
subjacente proposta de interdisciplinaridade, como, por exemplo, quando alegam poder
a teoria econmica descrever adequadamente o comportamento econmico manifestamse a favor desta tese (cf. p.480-1), depois de reunir evidncias, em cada captulo, de que,
96
para cada tipo de comportamento econmico, possvel encontrar uma descrio dentro
da teoria da racionalidade, mesmo quando aparentava haver ali uma enorme
irracionalidade, residindo o problema, portanto, no no poder descritivo da teoria da
racionalidade, mas em sua dificuldade para fazer previses e, em outros momentos, ao
movimento mais claramente visvel de propor mudanas na disciplina vizinha, como ao
admitirem:
Houve momentos, enquanto o livro era escrito, quando sentimos que o que fazamos
no era tanto tentar descrever Psicologia Econmica, como tentar construir um novo
tipo de economia (por exemplo, um estudo de economia como se os dados fizessem
diferena, para tomar emprestado e distorcer o subttulo do livro mais famoso de
E.F.Schumacher [Small is Beautiful: A Study of Economics As If People Mattered,
1973]). Em ambas as sees precedentes [sobre psicologia e economia], ns tocamos
neste ponto. Aceitar que os dados sejam importantes , em parte, uma questo de
estar preparado para aceitar os pesos que sero conferidos a diferentes fontes de
utilidade e no, simplesmente, mant-los como quantidades indeterminadas. Mas ,
tambm, um assunto muito mais geral. (Lea et. al., 1987, p.513 42 ).
Sempre no esforo de delimitar a rea que nascia, estabelecem diferenas entre as duas
disciplinas tambm nos seguintes termos: a economia, comeando na teoria, com os
nicos dados disponveis sob a forma de hipteses; a psicologia, mais voltada para o
emprico, procurando justificar as afirmaes, desde o incio, por meio da experincia
cotidiana, demonstraes diretas que pudessem ser reproduzidas e recurso a estudos
experimentais especficos (op. cit., p.513).
Antes de nos surpreendermos com a ausncia do tema decises econmicas nesta obra,
devemos nos recordar de que foi escrita h cerca de 20 anos, quando a denominao mais
comum ao objeto de estudo da Psicologia Econmica estava convencionada em torno da
expresso comportamento econmico. E os autores no fogem determinao de sua
poca algum grau de perspectiva pessoal, ou seja, a prpria agenda teria um vrtice
subjetivo, no item intitulado Os problemas de nosso tempo. Nele, referem-se guerra
42
There have been times, during the writing of this book, when we have felt that what we were doing was
not so much trying to describe economic psychology, as trying to construct a new kind of economics (e.g.,
a study of economics as if the data mattered, to borrow and distort the subtitle of E.F.Schumachers most
famous book). In both preceding sections, we touched upon this point. Accepting that data are important is
partly a matter of being prepared to determine the weights to be given to different sources of utility, not just
keeping them in a system of equations as undetermined quantities. But it is also a much more general
matter. (Lea et. al., 1987, p.513).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
97
fria, ditadura e tortura, meio-ambiente, inflao, desemprego e fome (p.523). Chamando
a Psicologia Econmica de nossa modesta subdisciplina, indagam-se se ela poderia,
realmente, oferecer contribuies importantes rumo resoluo de to difceis problemas
em sua opinio, sim, uma vez que seriam, todos, problemas humanos, portanto, teriam
que ser resolvidos no nvel humano e numa escala humana. Neste sentido, a disciplina
poderia oferecer um ponto de vista e um estilo de abordagem (op. cit., p.525).
Fred van Raaij, que tem importante participao no campo, desde a docncia na
disciplina (Universidade de Tilburg, Holanda, a partir de 1972) presidncia da IAREP,
passando por 10 anos frente do peridico, como seu editor, e prosseguindo sempre com
pesquisas e intercmbios cientficos, autor de duas obras selecionadas neste captulo.
Ele retorna, ainda, mais adiante, dentro da seo 3.4, dedicada ao livro de MacFayden e
MacFadyen (198643 ), com um captulo especificamente sobre a disciplina, o que nos d,
mais uma vez, a dimenso de sua importncia.
43
98
massa, sociologia econmica e a abordagem de produo domstica. (van Raaij,
1981, p.1 45 ).
Van Raaij trata, tambm, da Economia Comportamental, afirmando que esta torna a
economia uma cincia social, ao possibilitar a aplicao da seqncia hipteseobservao-mensuraao-teste ao comportamento econmico (1981, p.6), ou seja, com
carter eminentemente indutivo, no que se distinguiria da economia tradicional,
fundamentada na deduo.
45
Economic psychology studies the economic behavior of consumers and entrepreneurs. Economic
behavior involves decisions on mo ney, time and efforts. The models of Katona and Strmpel are discussed
and a new model is proposed. This new model stresses the cyclical character of economic behavior on a
micro and a macro level. Economic psychology is related to organizational Psychology, marketing
research, mass communication research, economic sociology and the household production approach. (van
Raaij, 1981, p.1) .
46
Psychology is not the study of the soul (psyche) but the study of human and animal behavior, and of
determinants and consequences of behavior. (op. cit., p.6).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
99
Ao debater se a Psicologia Econmica seria, de fato, uma nova disciplina, o autor indagase acerca das relaes entre economia e psicologia, quando cita Katona (1963 apud van
Raaij, 1981, p.447 ) e Simon (1963, op. cit., p.548 ), e das diferenas em relao a:
psicologia do consumidor, psicologia organizacional, pesquisa de mercado e economia
comportamental.
Chama-nos a ateno, no incio, o fato dos indivduos serem referidos sempre como
consumidores e as decises econmicas estarem relacionadas a situaes de consumo. No
entanto, ao avanar, problemas sociais so logo aventados, j no primeiro item, onde
somos informados sobre a nfase que se pretende dar relevncia da Psicologia
Econmica para a soluo de problemas sociais. Como exemplos, so citados alguns
problemas encontrados poca: desemprego crescente; estagflao ; preos de energia
subindo; falta de energia ; poluio do ar, gua e solo ; problemas com alimentos; pobreza
no terceiro mundo.
Em resposta a esta situao econmica, o autor expressa desejos de: cobrar pelos hbitos
e aspiraes de consumo ; fazer com que as pessoas poupem energia e outros recursos;
rever o sistema de bem-estar social, que se tornou caro demais para manter os benefcios
naquele momento; desenvolver as economias do terceiro mundo (van Raaij, 1981, p.3).
Mais frente (op. cit., p. 21-22), retoma o tema, ao declarar que a Psicologia Econmica
pretende contribuir para a soluo de problemas sociais por meio de pesquisa interdisciplinar, conclamando os pesquisadores a enviar artigos ao peridico sobre temas que
versem a respeito dos impactos e determinantes econmicos, psicolgicos e sociais dos
47
Katona lembrado como defensor da importncia das variveis psicolgicas para uma melhor
compreenso do comportamento dos agentes econmicos, em contraste com a pesquisa econmica pura,
que busca verificar apenas os dados objetivos nessa dimenso e criador do ndice de Sentimento do
Consumidor, capaz de prever, com maior preciso, a evoluo da economia, quando comparado aos
mtodos tradicionais desenvolvidos por economistas, uma vez que, para este autor, o comportamento
econmico seria determinado, no pelas condies econmicas objetivas, mas conforme so percebidas
pelo indivduo.
48
Simon foi responsvel por uma abordagem mais ampla da economia, que englobaria consumidores,
produtores, empreendedores, comerciantes, trabalhadores e investidores que tomam decises econmicas
sobre gastos, benefcios, lucros e retornos esperados, renda e carreira, procurando otimiz-las na medida de
suas capacidades, habilidades, conhecimento e aspiraes.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
100
seguintes tpicos que, na viso do autor, no so limitantes, embora representem os mais
importantes temas de pesquisa em Psicologia Econmica: consumo; propaganda;
satisfao e bem-estar; poupana, gasto e crdito; condies econmicas, tais como
distribuio de renda, igualdade e desigualdade, desemprego, inflao, recesso e
crescimento, taxas de juros e no podemos deixar de observar que estes pontos
poderiam facilmente compor uma agenda brasileira de Psicologia Econmica em 2006!;
crescimento econmico; condies e conseqncias ecolgicas do consumo; viagens,
frias e transportes; distribuio de renda primria, secundria e terciria, transferncia
monetria e subsdios; economias de fichas (token economies ); pesquisa trans-cultural
sobre comportamento econmico. Uma comparao com a agenda atual da disciplina j
indicaria uma nfase muito menor sobre os prprios problemas sociais como tema de
pesquisa em 2006 com algumas excees (cf. Earl, 2005 49), que sero discutidas no
cap.5.
Dentro da anlise sobre racionalidade, van Raaij (1999) sustenta que a teoria econmica
tradicional, ao considerar que a micro-economia encarrega-se do estudo do
comportamento do indivduo, do domiclio ou da firma, para depois fornecer os alicerces
para a macro-economia, tem como resultado o estabelecimento de leis, como a do
homem racional ou da competio perfeita entre mercados que, uma vez aceitas,
eliminariam, por sua vez, a necessidade de verificar o comportame nto econmico
individual de forma direta ou, nas palavras de Boulding50 , a economia tradicional no
se preocupa com o comportamento das pessoas, mas com o comportamento das
commodities (1956 apud van Raaij, 1999, p.5). Para van Raaij, esta poderia ser a razo
para haver to pouca interao entre psicologia e economia. Diferentemente da economia
que, por meio de suas leis, verificaria o comportamento de preos, taxas de juros e
desemprego, por exemplo, sempre como fenmenos impessoais, a Psicologia Econmica
e a Economia Comportamental estudariam o comportamento das pessoas que
49
EARL, Peter. Behavioral Economics and the Economics of Regulation. Briefing paper prepared for the
New Zealand Ministry of Economic Development. 2005 (original cedido pelo autor em verso eletrnica).
50
Kenneth Boulding foi um economista britnico (1910-1993). Para mais informaes, cf., por exemplo,
verbete na enciclopdia eletrnica Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Kenneth_E._Boulding - acesso
em 18.06.06).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
101
estabelecem os preos, ou cujas aes promoveriam taxas de juros, inflao e
desemprego mais altas ou baixas.
Quando trata da relao com a Psicologia Organizacional que, para ele, faria parte da
Psicologia Econmica, o autor denomina como comportamentos econmicos os seguintes
elementos: clima organizacional; o papel da compra na firma; envolvimento lateral e
vertical; percepo do prprio papel e posio na organizao; critr ios de escolha;
lealdade; percepo de risco; aprendizagem; decises sobre produo, compras, escolha
de imveis e equipamentos, canais de distribuio, comercializao de novos produtos,
entrada em novos mercados; motivaes no-econmicas tais como poder, prestgio e
status.
No que diz respeito pesquisa de mercado, ele identifica interesses e tcnicas de pesquisa
em comum com a Psicologia Econmica, o que significaria um potencial para
contribuies mtuas. No entanto, destaca, tambm, diferenas entre ambas, como o fato
da Psicologia Econmica ser uma cincia autnoma, com objeto de estudo amplo e
51
102
complexo, enquanto que a pesquisa de mercado, com interesse circunscrito a
determinados aspectos do comportamento do consumidor, vem atrelada ao marketing, de
onde deriva seus objetivos e instrumentos. Alm disso, os dados obtidos com a utilizao
desta tcnica visam influenciar e modificar o comportamento por intermdio de
propaganda e promoo, ao passo que a Psicologia Econmica tem o conhecimento
cientfico e a contribuio para polticas econmicas governamentais e de grupos de
cons umidores como alvo (op. cit., p.16-17).
O autor discute, tambm, maneiras como a Psicologia Econmica poderia contribuir para
a investigao relacionada adoo de inovaes, uma vez que este processo diria
respeito difuso da inovao na estrutura social, envolvendo, assim, o comportamento
do consumidor individual ou dos domiclios, com nfase sobre a importncia da
comunicao de massa.
Van Raaij sugere que no deva haver fronteiras rgidas entre Sociologia Econmica e
Psicologia Econmica, discutindo alguns conceitos sociolgicos de interesse para o
estudo do comportamento econmico e do consumidor como, por exemplo: tenso entre
processos de escolha individual e contexto social e estrutural; importncia de valores
culturais, subclasses e classes sociais; papel das minorias.
Para ele, seria desejvel que as contribuies ao novo peridico pudessem incluir estudos
sobre o comportamento econmico como fundamentos para polticas econmicas por
parte de instituies pblicas e privadas, e no deveriam ser orientados primariamente
para marketing ou propaganda, revelando a importncia atribuda a este ponto. Nesse
sentido, podemos supor que todas as menes figura do consumidor teriam conotao
distinta daquela que privilegia a questo do consumo, orientando-se, antes, para uma
linha de proteo ao consumidor.
Como exemplos da produo que nascia, pela primeira vez, acolhida em sua publicao
especfica temos, naquele primeiro nmero, os seguintes temas: funes do sistema de
bem-estar social; comportamento de poupar; um modelo para a demanda por bens
103
durveis; estimativa do tamanho de moedas. J nos prximos, tambm anunciados,
poderiam ser encontrados: previso de flutuaes econmicas com a ajuda de ndices do
consumidor; satisfao e queixas do cons umidor; compra impulsiva; escolha do modo de
transporte; atitudes frente distribuio de renda; consumismo; percepo de impostos;
decises econmicas domsticas; conservao de energia; impactos ecolgicos do
consumo.
Por ltimo, o autor manifesta a esperana de que a Psicologia Econmica contribua para
elucidar muito da imprevisibilidade da perturbao humana nas previses econmicas
(op. cit., p.23 52 ). De nossa parte, torcemos para que a inteno permanea adstrita a
elucidar e no, a controlar.
52
104
Van Raaij descreve a histria da Psicologia Econmica dividindo-a em quatro ondas
(waves):
- 2., da qual Veblen tambm seria parte, uma vez que tentou introduzir, ao lado de outros
estudiosos e ao longo do incio do sculo XX, nos EUA, descobertas da psicologia, ento
uma cincia j consolidada, na economia. Esta iniciativa, no entanto, encontrou fortes
resistncias por parte dos economistas, que preferiam manter seus pressupostos,
basicamente os mesmos, alis, que fundamentam a economia mainstream at nossos dias.
Entre estas suposies, teramos a da racionalidade, das preferncias estveis, do
conhecimento completo e da maximizao de utilidade. Para os economistas, ainda que
tais axiomas pudessem no corresponder ao comportamento real encontrado nos
indivduos, concretamente, ofereceriam uma simplificao til ao desenvolvimento de
seus modelos e previses;
- 3., no final dos anos 1930 e 1940, teve George Katona (nascido em 1901, falecido em
1981), como seu maior expoente. Sua obra indicada aqui o livro de 1975 54, e so
apontados como seus sucessores, no Centro de Pesquisa da Universidade de Michigan,
Burkhard Strmpel e Richard Curtin;
54
105
- 4., ocorrida na Europa, a partir das dcadas de 1960 e 1970, compreende: Pierre- Louis
Reynaud (1908-81), da Universidade Louis Pasteur, em Estrasburgo, Frana, onde
lecionava Economia Poltica desde 1946, interessado em aspectos psico-econmicos do
desenvolvimento econmico, e seu sucessor, Paul Albou, da Universidade Ren
Descartes, em Paris; Karl-Erik Wrneryd, professor associado de Psicologia Econmica
na Escola de Economia de Estocolmo, Sucia, desde 1957, com estudos sobre psicologia
do consumidor, poupana, comunicao de massa e estudos experimentais sobre as
reaes de consumidores frente a preos e comunicao de massa, tendo publicado o
primeiro manual sueco de Psicologia Econmica, em 1958, e Folke lander, seu colega,
que se tornou professor de Psicologia Econmica na Escola de Administrao de Aarhus,
Dinamarca, em 1974, com pesquisas sobre polticas de consumo e preocupao com o
meio ambiente; Gery Van Veldhoven, que deu incio Psicologia Econmica na
Holanda, em 1972, no departamento de Psicologia da Universidade de Tilburg, onde se
tornou professor da disciplina, com pesquisas sobre o comportamento de poupar,
personalidade e comportamento do consumidor, tendo um de seus colegas, Fred Van
Raaij, se tornado professor de Psicologia Econmica na Universidade Erasmus,
Rotterdam, em 1979, com estudos em comportamento do consumidor, confiana do
consumidor, comunicao de massa e preocupao com o meio ambiente; cadeiras de
Psicologia Econmica estabelecidas na Universidade de Exeter, Reino Unido, com
Stephen Lea; na Univers idade Johannes Kepler, Linz, ustria, com Hermann
Brandsttter, e pesquisas sobre tomada de deciso na famlia; e, mais recentemente, em
Bath (Reino Unido), Bergen (Noruega), Bruxelas (Blgica), Reims (Frana), Valencia
(Espanha), Viena (ustria) e Varsvia (Polnia) (op. cit., p.290-291).
106
disseminao inclusive na Europa oriental (op. cit., p.292) so lembradas as escolas
de vero, realizadas em Linz (ustria) em 1993 e 1995, e organizadas por Hermann
Brandsttter.
55
curioso verificar, com relao a esta observao, contudo, que, quando Kahneman recebe o prmio
Nobel de Economia, em 2002, ele apresentado como psiclogo econmico. Qual seria o motivo para
receber ou no esta designao?
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
107
Na seo dedicada s metas e aos objetivos, que conclui o artigo, encontramos uma
afirmao instigante:
As metas e objetivos dos primeiros psiclogos econmicos eram reestruturar
completamente os fundamentos da Economia. O retrato satrico que Veblen (1919)
fazia da concepo hedonstica do homem que responde passivamente aos estmulos
externos era persuasivo quando contrastado com o modelo ativamente inteligente do
Homem em Psicologia. Essa meta ambiciosa fracassou. Obvia mente, o paradigma
econmico no fcil de refutar. (van Raaij, , 1999, p.294 56 ).
Ao mesmo tempo, van Raaij (1999, p.294), prope metas mais modestas para a
disciplina, naquele momento: estabelecer um campo especfico da Psicologia Econmica,
adjacente a, mas distinto da, economia ambas teriam desenvolvimentos separados, mas
poderiam influenciar-se mutua mente de modo produtivo; ou, se a anterior no fosse
possvel, ter a Psicologia Econmica como um campo da psicologia social aplicada e da
psicologia cognitiva, o que poderia ser vlido, embora desprovido de relao especial
com a economia.
De nosso ponto de vista, esta ltima proposta surpreende representaria claro retrocesso
em relao ao terreno ganho at o momento. Por que no lutar pelo estabelecimento da
56
The goals and objectives of the early economic psychologists were to completely restructure the
foundations of economics. Veblens (1919) satirical portrayal of hedonistic conception of man who
passively responds to external stimuli was persuasive, when contrasted with the actively intelligent model
of Man in psychology. This ambitious goal has failed. Obviously, the economic paradigm was not that easy
to refute. (van Raaij, 1999, p.294)
108
Psicologia Econmica como disciplina constituda, com objetivos, mtodos e agenda
prprios? Esta, de resto, permanece como a nossa proposta. (cf. cap.5).
Depois de citar Scitovsky (1976), Leibenstein (1970), Lesourne (1977), Lutz e Lux
(1979), Alhadeff (1982), Maital (1982), Allison (1983), Cross (1983), Earl (1983), Jones
(1984), Maital e Maital (1984), Frank (1985), Lea, Tarpy e Webley (1985) 60 , Furnham e
Lewis (1986) (sempre apud MacFadyen e MacFadyen, 1986, p.1) como tendo aberto
caminho para estudos nessa interface, ressalvam que estas publicaes teriam uma viso
estreita sobre a Psicologia Econmica, por selecionarem focos especficos dentro do
campo. Dessa forma, o livro que introduzem teria este objetivo: preencher a lacuna por
meio da reunio de trabalhos de vrios proeminentes psiclogos econmicos (p.1-2).
57
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
58
Cada colaborao comentada pelos editores, embora eles no faam meno aos critrios adotados
para realizar a seleo de trabalhos, exceto no que diz respeito a serem um constructo de uma disciplina
aplicado ao quadro de referncia da outra disciplina, de forma a levantar caminhos interessantes para a
verificao emprica e novas tentativas de integrao terica (p.4 -5).
59
MacFADYEN, Alan J. e MacFAYDEN, Heather W. (eds.) [1986] Economic Psychology intersections
in theory and application. Amsterdam: Elsevier Science Publishing. 2.ed. 1990.
60
Parece tratar-se de um equvoco, j que a data correta desta publicao 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
109
Os editores discutem a definio da disciplina nos seguintes termos: preferem Psicologia
Econmica, citando, em defesa deste uso sobre Economia Psicolgica, tal como Kato na
a denominava, ou Economia Comportamental, preferido nos EUA, Furnham e Le wis
(1986, apud MacFadyen e MacFadyen, 1986, p.2 61 ):
Com economia psicolgica nos referimos ao trabalho, principalmente realizado por
economistas, que emprega psicologia para melhorar e expandir a disciplina de
economia. (...) Psicologia Econmica lida mais com a extenso do exame e
investigao do comportamento social no mbito econmico.
110
assuntos econmicos. Ela procura modelar o homem real, ao invs de
simplesmente o homem econmico, considerando os mecanismos
comportamentais, especialmente os scio-psicolgicos, subjacentes ao
comportamento econmico. Seu objetivo enriquecer a economia analtica,
oferecendo aos modelos econmicos um ponto de partida mais realista e, assim,
aumentar sua relev ncia. Tal abordagem necessariamente interdisciplinar, tomando
emprestado insights das cincias comportamentais e sociais, e aplicando-os
economia. (p.2-363).
Behavioral economics is concerned with studying human behavior in economic matters. It deals with
modeling real man rather than simply economic man, by considering the behavioral especially sociopsychological mechanisms underlying economic behavior. It is aimed at enriching analytical economics by
giving economic models a more realistic point of departure and thus improving their relevance. Such an
approach is necessarily interdisciplinary, borrowing insights from behavioral and social sciences and
applying them to economics. (MacFadyen e MacFadyen, 1986, p.2-3).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
111
conforto;
- um indivduo que ainda seja suficientemente idealista ou otimista para ter esperanas
de que a explicao e a previso em economia ou psicologia possa ser melhorada;
- um indivduo que possa tolerar alguma ambigidade terica, ou falta de estrutura, para
quem as vantagens da inovao na construo de um modelo superem a necessidade de
ter cada questo respondida;
- um indivduo que veja os seres humanos engajados numa relao recproca com seu
meio homens e mulheres atuando na economia e sendo afetados por ela;
112
A primeira parte inicia-se com um captulo escrito por Fred van Raaij (1986-1990), o
mesmo do primeiro editorial do Journal of Economic Psychology (1981) e da History of
Economic Psychology (1999) (cf. acima), intitulado Economic phenomena from a
psychological perspective: economic psychology64 (p.9-23), no qual alguns princpios
bsicos da nova disciplina so delineados, comeando com uma breve recapitulao da
trajetria de um campo de conhecimento cientfico.
Para van Raaij, o primeiro estgio de uma cincia envolve o desenvolvimento de teorias
conforme ocorreu com a micro-economia, por exemplo que ele assinala ter-se dado
no sculo XIX, quando a psicologia estava, ainda, em sua infncia, de modo que aqueles
economistas no poderiam ter utilizado descobertas desta rea, resultando em
concepes psicolgicas simples. Posteriormente, com a possibilidade de verificao
emprica das hipteses, espera-se que as teorias possam explicar novas observaes
empricas, que agora poderiam receber os acrscimos de descobertas da psicologia, uma
vez que as pessoas reagiriam s condies econmicas de acordo com a maneira como
as percebessem , o que emprestaria vieses a estas percepes e decises delas decorrentes
(op. cit., p.9). Assim, ele oferece sua definio de Psicologia Econmica:
Psicologia Econmica fornece evidncia sobre o comportamento de consumidores,
homens de negcios, contribuintes e investidores, que instrumental tanto para o
desenvolvimento de teoria econmica como para a descrio de comportamento
econmico. Ou, de modo mais geral, Psicologia Econmica ou economia
comportamental um quadro de referncia interdisciplinar, dentro do qual os
mtodos e teorias das disciplinas economia e psicologia podem ser usadas para
explicar o comportamento econmico de indivduos e grupos. (op. cit., p.965 ).
VAN RAAIJ, W. Fred. [1986] Economic phenomena from a psychological perspective: economic
psychology. In A. J. MacFADYEN e H. W. MacFAYDEN (eds.), Economic Psychology intersections in
theory and application. Amsterdam: Elsevier Science Publishing, 1990. 2.ed.
65
Economic psychology provides evidence on the behavior of consumers, business, tax payers, and
investors that is instrumental both in the development of economic theory and in the description of
economic behavior. Or, more generally, economic psychology, or behavioral economics is an
interdisciplinary framework, within which the methods and theories from the disciplines of economics and
psychology can be used to explain the economic behavior of individuals and groups. (van Raaij, 1986, p.9)
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
113
ele, o objeto de estudo da Psicologia Econmica, que considera, por um lado, limitaes
de informaes no processo decisrio e, por outro, motivaes que podem ir alm da
maximizao de utilidade a curto prazo, como, por exemplo, manter-se em operao ou
no ir a falncia, no caso de empresas ou domiclios (p.11).
Van Raaij tambm nos oferece um quadro com interesse histrico trata-se da proposta
do pioneiro Veblen (1919, apud van Raaij, 1986-1990, p.12-13), para uma total
reconstruo da teoria econmica, com base em crticas ao modelo econmico de
homem esttico e passivo, que no d ateno a motivos e significados. Em
contraposio, Veblen defende um modelo dinmico, ativo e adaptativo de preferncias,
que v o homem de forma menos calculista, resultando no seguinte programa alternativo
de economia com base em psicologia, desenvolvido na dcada de 1920-30 (op. cit., p.13):
114
4. substituio de teorias estticas por teorias dinmicas;
5. ampliao do escopo da teoria econmica de modo a incluir foras
sociais que influenciam o comportamento econmico;
6. ir alm de preos e valores de troca.
Como podemos observar, estas propostas no diferem muito de tudo que a Psicologia
Econmica e a Economia Comportamental debatem como necessrias economia
atual, oitenta anos depois!
Aps uma exposio acerca da integrao terica entre economia e psicologia, o autor
selecio na possveis aplicaes para a pesquisa econmico-psicolgica, com onze itens
(cf. op. cit., p.18-20), que enumeramos, abaixo, de forma resumida:
115
dese mprego, atualmente menos estudados 66 .
Para concluir, van Raaij (1986-1990) prope que a integrao entre economia e
psicologia poderia dar-se ao longo das relaes entre preferncias e limitaes,
ressaltando que a Psicologia Econmica poderia contribuir para inmeras reas de
aplicao da economia, alm do prprio desenvolvimento de teoria econmica. Ele prev
que, depois da revoluo economtrica na economia, haveria, provavelmente, uma
revoluo comportamental que seria, naturalmente, apoiada com entusiasmo pela nova
disciplina (p.19-20). Ns acrescentaramos que, infelizmente, no testemunha mos tal
revoluo at o momento, em que pese o espao crescente dedicado a esta vertente
dentro do campo da economia, conforme observado, em especial, neste incio do sculo
XXI.
A questo da racionalidade longamente debatida por Alan MacFadyen (1986-199067 )
por meio de um levantamento, definido por ele como reviso no-tcnica do conceito
de homem racional (p.25-66). Sob risco de nos repetirmos, apresentamos aqui apenas a
estrutura de seu raciocnio: a introduo aponta para a importncia do conceito dentro da
economia, de modo que, question-lo poderia significar o colapso de todo o seu
arcabouo analtico, alm de implicaes metodolgicas, o que o leva a recomendar uma
atitude construtiva aos psiclogos econmicos, com o objetivo de aumentar suas chances
de sucesso junto aos economistas (p.25-6); ele discorre, depois, sobre as relaes entre
economia e cincias sociais (p.26-7) e sobre outras escolas de an lise econmica, citando
a escola austraca ou subjetivista, a anlise marxista e a escola institucionalista (p.27-8),
bem como diferentes nveis dentro da prpria escola neo-clssica, como micro e macroeconomia (p.28-30) e anlises descritiva e normativa (p.30-31).
Em nova demonstrao de sintonia com o Zeitgeist, o congresso de 2006 trouxe duas sesses dedicadas
ao tema da inflao percebida, num claro reflexo da preocupao em face da reao do pblico adoo
do euro, em 2002, que tem provocado a impresso, segundo alguns, ou a percepo correta, segundo
outros, de um aumento de preos generalizado (cf. Proceedings of the IAREP-SABE Conference, Paris,
2006).
67
MacFADYEN, Alan J. e MacFAYDEN, Heather W. (eds.) [1986] Economic Psychology intersections
in theory and application. Amsterdam: Elsevier Science Publishing, 1990.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
116
analisados, contemplando tanto as implicaes metodolgicas uso de meios racionais
para compreender o mundo , como aquelas que advm do prprio pressuposto, no
sentido de um indivduo que busca a maximizao de utilidade (p.32-34). Em outras
palavras, no foge de outras linhas de anlise do tema, acrescentando exposio, o
percurso histrico do conceito, desde Adam Smith, no sculo XVIII, passando por
Bentham e culminando na revoluo marginalista de Jevons, Menger e Walras, no
sculo XIX (MacFadyen e MacFadyen, 1986-1990, p.34-35).
econmico; atitudes
conceitos
econmicos
de
aprendizagem;
117
O resumo e concluses que os editores nos oferecem ao final do livro revelam- nos sua
interessante perspectiva sobre o campo:
lgico que a resposta do indivduo aos fatores ambientais, em particular as
oportunidades de recompensa, deveriam atrair especial ateno de psiclogos
econmicos, mas tais respostas no podem ser examinadas independentemente de
outros fatores. Pode ser alegado que impossvel explicar o comportamento
humano, que ele aleatrio, imprevisvel, o que define a humanidade e torna a
previso impossvel; no entanto, a essncia da pesquisa em cincia social a crena
na existncia de regularidades no comportamento humano, que podem ser
compreendidas, ainda que o livre arbtrio deixe a indeterminao em seu mago.
Tanto a economia como a psicologia possuem teorias diversificadas que baseiam-se,
ao menos dedutivamente, em pressupostos acerca de regularidades sobre o
comportamento econmico. Embora possa ser semanticamente possvel distinguir
entre comportamento econmico e psicolgico, h pouca evidncia neste
volume, ou em outros, de que um conjunto de pressupostos explique o
comportamento econmico e, outro conjunto, explique o comportamento
psicolgico. Assim, ao invs de recorrer a um imperialismo econmico ou
psicolgic o, no qual uma das disciplinas tenta subjugar a outra, o territrio de
encontro interdisciplinar da Psicologia Econmica proposto como um campo de
fronteira onde abstraes tericas e pesquisa metodolgica e aplicaes de ambas as
cincias sociais possam ter interseco. (MacFadyen e MacFadyen, 1986-1990,
p.673 68 ).
Chama- nos a ateno que a psicologia seja considerada por eles uma cincia social nem
sempre categorizada dessa forma (aqui no Brasil, por exemplo, est dentro das cincias
da sade, para alguns) e, tambm, a abertura que os autores propem ao invs de
imperialismo, aquilo que Boaventura de Sousa Santos (1995 69 ) prope como confluncia
de saberes.
68
It is logical that the response of the individual to environmental factors, particularly reward
opportunities, should attract particular attention from economic psychologists, but such responses cannot be
examined independently of the other factors. It can be argued that it is impossible to explain human
behaviour, that there is a randomness, an unpredictability, which defines humanity and makes prediction
impossible; however, the essence of social sciences research is a belief that there are regularities in human
behaviour which can be well understood, even though free will may leave a core of indeterminacy. Both
economic and psychology have diversified theories which are based, at least deductively, on assumptions
about such regularities within and across individual behaviour. Although it may be semantically possible to
distinguish between economic and psychological behaviour, there is little evidence in this volume, or
others, that one set of assumptions explains economic behaviour and another set of assumptions explains
psychological behaviour. Rather, then, than resorting to economic or psychological imperialism in which
one discipline attempts to subsume the other, the interdisciplinary meeting ground of economic psychology
is proposed as a boundary field on which theoretical abstracts and research methodology and applications
from the two social sciences can intersect. (MacFadyen e MacFadyen, 1986, p.673).
69
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice. So Paulo: Cortez, 1995.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
118
Devemos observar que preocupaes desta ordem, conforme encontramos na citao
acima, no costumam figurar em publicaes mais recentes. Pode, por um lado, tratar-se
de discusses naturais de uma disciplina em nascimento; pode, porm, denotar uma
manifestao particular destes autores que, lembramos, so canadenses, ou seja, no
pertencem nem Europa, nem aos EUA, o que pode ter lhes dado maior autonomia na
incurso pela rea tampouco eles faziam parte de regies imperialistas da Psicologia
Econmica, no sentido de se verem como pais ou proprietrios do campo. Esta posio
pode ser responsvel pela observao de que, como parte das recentes formulaes da
rea, novas idias, mtodos e aplicaes esto, ainda, sendo experimentalmente
exploradas, de forma que, ao lado de responder a algumas questes, o livro pode,
igualmente, levantar outras; conseqentemente, uma perspectiva terica consistente pode
no ter sido atingida, permanecendo, em seu lugar, uma diversidade de vises (op. cit.,
674-675), que consideramos especialmente instigante.
119
muito estimulante e refrescante escutar tais palavras reflexo epistemolgica
deveria fazer parte da construo de uma rea do conhecimento embora,
lamentavelmente, este nem sempre seja o caso.
Vale lembrar que Earl economista e, ao discutir as descobertas da psicologia, contrastaas com os postulados da economia mainstream, apontando as falhas destes ltimos frente
aos dados daquela. Com formao tambm em marketing, ele d espao pesquisa na
rea da psicologia do consumidor, porm, mantendo o foco sobre o que poderamos
70
EARL, Peter. Economics and Psychology: A Survey. The Economic Journal, 100 (402): 718 -755, 1990.
MILANEZ, DanielYabe. Finanas Comportamentais no Brasil. Dissertao de Mestrado, Faculdade de
Economia e Administrao, USP. So Paulo, 2003.
72
MURAMATSU, MURAMATSU, Roberta. Emotions in Action: an inquiry into the explanation of
decision-making behavior in the real economic world. Tese de doutorado. Department of Philosophy,
Erasmus University of Rotterdam, 2006.
73
NUNES, Bernardo F. Mapas de escolha individual em condies de incerteza: uma anlise do poder
descritivo da Teoria da Utilidade Esperada e da Prospect Theory. Trabalho de Concluso de Curso,
Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS, 2004. (no publicado).
74
LISONI, Thiago. O risco pas e os fundamentos macroeconmicos: a utilizao do ndice EMBI+.
Trabalho de Concluso de Curso d o Curso de Cincias Econmicas das Faculdades de Campinas,
2004.(no publicado).
71
120
chamar de operaes psquicas envolvidas nestes processos, a partir de um ponto de vista
cognitivista 75, no que traria aportes relevantes ao estudo do comportamento econmico,
objeto de estudo da Psicologia Econmica.
Earl refere-se aos agentes econmicos ora como tomadores de deciso, ora como
consumidores. Mas menciona, tambm, a denominao agentes econmicos, cunhada
pelos economistas que, segundo ele, os tomam numa chave como se como se os agentes
estivessem diante de um mundo com contornos bem definidos e operando de acordo com
a viso do economista que cria seu modelo de comportamento (op. cit., p.720). Em ainda
outra crtica aos economistas mainstream, ele aponta como alguns pareceriam torturar
seus dados at que eles coubessem em suas expectativas (p.721). De fato, Earl parece
vontade para apontar todas estas limitaes e outras mais (cf., por exemplo, p.745) na
economia tradicional, seus pares de origem, diferentemente de outros autores, como Lea
et. al. (1987), que so psiclogos e, na mesma trilha destes, quase todos os que
analisamos neste captulo, que tratam o assunto com cautela, numa estratgia que visaria
no afugentar os colegas da economia, como dissemos.
Earl (1990) rev uma abundante literatura situada na interseco entre Psicologia e
Economia, conforme seu propsito explcito no incio do trabalho, tornando o artigo rico
em fontes de consulta, no sendo, porm, nosso intuito reproduzi- las aqui. Apenas
mencionaremos que ele inclui no escopo da disciplina temas que vo de tomada de
deciso (p.727-731), com foco em heursticas, a motivao (p.731-735), passando por
dissonncia cognitiva (735-738) e psicologia da firma (738-740), com alertas em relao
ao consumismo irresponsvel (cf., por exemplo, p.732), explorao de funcionrios com
a ajuda de noes de psicologia (p.740) e implicaes de escolhas tericas e
metodolgicas, ao longo de todo o artigo. Sua preocupao com a questo de polticas
75
Earl dirige vrias crticas predominncia do referencial behaviorista, verificado at aquela poca dentro
da Psicologia Econmica, o que, na sua opinio, no contribuiria para uma expanso do campo nem do
ponto de vista terico nem do metodolgico. Ao fazer estas observaes, no poupa sequer o grande livro texto de Lea et. al. (LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul The individual in the
economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1987 ), referncia mxima e praticamente inconteste
para a disciplina (ver acima, neste captulo), considerado por Earl tendencioso por dedicar ateno,
predominantemente, escola behaviorista, em nada equiparando o espao dado psicologia cognitiva
(1990, p.725).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
121
econmicas (p.741-743) evidencia-se quando trata de temas como pobreza, desemprego,
proteo ao co nsumidor, impostos e outros76 .
O autor termina o artigo chamando a ateno para a falta de um bom livro-texto para a
disciplina, que poderia favorecer sua evoluo (op. cit., p.751). Com esta afirmao, ele
indica no considerar nem o livro de Lea et. al. (1987), nem o dos MacFadyen (19861990), como representantes desta categoria, o que poderia ser entendido como uma crtica
implcita a estas obras, uma vez que, pelo menos no caso do primeiro, este seu destino
claro ser um livro-texto.
Parte de uma coleo da editora Edward Elgar sobre diversos temas The Elgar
Companion to... o (grosso) volume The Elgar Companion to Consumer Psychology and
Economic Psychology, de 1999 77 , editado por Peter Earl, da University of Queensland,
Austrlia, e Simon Kemp, da University of Canterbury, Nova Zelndia (informao na
contra-capa, que tambm os identifica como editores do Journal of Economic
76
Earl posiciona-se com clareza quando inicia esta seo (1990, p.741), por meio de uma ironia ferina: ele
diz que no h dvida de que alguns administradores pblicos tenham noes sobre fatores psicolgicos
influenciando a alocao de recursos, pois bastaria ver como as agncias de bem-estar social costumam ser
decoradas e operadas exatamente de forma a desencorajar novos candidatos ao benefcio...
77
EARL, Peter e KEMP, Simon (eds.). The Elgar Companion to Consumer Psychology and Economic
Psychology. Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar, 1999.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
122
Psychology 78) rene contribuies de pesquisadores das duas reas, organizadas por
assuntos, semelhante a um glossrio. Os editores da compilao estavam, poca, em
universidades da Nova Zelndia: Earl, na Lincoln University, e Kemp, na University of
Canterbury.
Podemos supor que este fator possa t- los influenciado na escolha dos colaboradores do
volume ao examin-lo, detectamos o que indica ser um claro vis nessa direo: depois
de 52 autores dos EUA, campees em participao, encontramos, a seguir, 21 da Nova
Zelndia, o que no corresponderia a uma efetiva participao deste pas na produo de
conhecimento da rea em nvel in ternacional. Os demais colaboradores, de acordo com o
pas de origem so: Reino Unido (14); Austrlia (6); Alemanha (5); Holanda (4); Canad
(3); Dinamarca, ustria, Finlndia, Frana, Itlia, Polnia, Singapura e Sucia, com 1
cada.
78
Este dado deve ter sido in serido posteriormente, pois a edio de 1999 e a gesto de ambos teve incio
em 2001. Em 2006, Kemp segue como editor e eleito presidente da IAREP, para iniciar seu mandato no
ano seguinte embora Earl tenha se licenciado, em 2004, devido a problema de sade (esta ltima
informao foi fornecida por Simon Kemp, durante a Assemblia Geral da IAREP, no Congresso Anual,
realizado na Philadelphia, EUA, 2004).
79
VAN RAAIJ, W. Fred. History of Economic Psychology. In P. EARL e S. KEMP (eds.), The Elgar
Companion to Consumer Research and Economic Psychology. Aldershot: Edward Elgar, 1999.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
123
las particularmente por parte da Psicologia Econmica, ressaltam eles e para o qual
contribuiro no fazendo distino, nesta publicao, entre os dois campos.
Cada tema desenvolvido recebe uma breve reviso da literatura, com lista de artigos de
peridicos e livros escritos a seu respeito. Revelam ter se preocupado em oferecer
informaes relevantes tanto para economistas como para psiclogos. Com relao a
possveis crticas a respeito de omisses que possam ter ocorrido, afirmam ter sido
auxiliados por sugestes de outros (op. cit., p.xxii). Apesar da presena de alguns temas
comuns em vrias apresentaes citam aqui a racionalidade, por exemplo , de fato, a
diversidade de assuntos que daria o tom da compilao, o que, na opinio dos autores,
funcionaria como significativa fonte de estimulao intelectual para quem atua nestas
reas.
80
ensure that a broad range of topics were covered, including some that appear to have been little
reported either in the main consumer research or the main economic psychology journals (op. cit., p.xxi).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
124
racionalidade e, outro, sobre racionalidade em face da incerteza, o que nos leva a
indagar se tais formulaes estariam, de acordo com os editores, j suficientemente
esgotadas, naquele momento. Por outro lado, podemos entender que comportamento
econmico e decises econmicas abriguem, como amplos guarda-chuvas, grande parte,
se no todos, os verbetes includos na obra, o que explicaria o fato de no ocorrerem,
isoladamente, na lista de conceitos.
Como nota final, podemos observar que, at 2006, no houve outras iniciativas
equivalentes de apresentar o estado do conhecimento em forma sumariada e dividida
em verbetes, como encontramos aqui permanecendo este guia ainda uma referncia
importante para o campo, neste sentido.
WEBLEY, Paul, BURGOYNE, Carole, LEA, Stephen e YOUNG, Brian. The Economic Psychology of
Everyday Life. Hove: Psychology Press, 2001.
82
Na realidade, trata-se de verso muito reduzida se comparada ao antecessor, como pretenderiam os
autores. Por outro lado, o levantamento de informaes aqui levado a cabo inegavelmente mais atualizado
que aquele, passados quatorze anos da publicao do livro-texto.
83
Em meados de 2006, Paul Webley foi convidado para dirigir a School o f Oriental and African Studies,
em Londres, onde pretende continuar a pesquisar e disseminar Psicologia Econmica, agora nestas regies
que detm pouca tradio neste campo (comunicao pessoal eletrnica em 12.02.06).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
125
expresso, em especial quando retirada de seu contexto habitual, caracterizado por aes
de compras, investimentos, impostos etc.? Para rebater respostas automticas propem
outras indagaes: seriam considerados como comportamento econmico as decises
sobre ter filhos? Roubar um carro? Dar um presente de Natal? Caminhar para o trabalho
ao invs de usar o carro? Visitar um amigo que mora perto, ao invs de outro que vive
longe? Dar carona a um amigo? Eles alegam que praticamente todos os comportamentos
poderiam ser considerados como comportamento econmico e, na verdade, definies
nessa linha no ajudariam a avanar muito.
previses
sobre
comportamentos
individuais,
que
podem
apresentar
irracionalidade, mas sim como previses agregadas, que poderia m funcionar ao menos
84
Otimizao, poderia ser uma opo de traduo, ou otimalidade como preferem alguns economistas
sugesto de Roberta Muramatsu, economista comportamental graduada e mestre pela FEA -USP e doutora
pela Universidade Erasmus, Holanda, professora do Ibmec e do Mackenzie, em So Paulo.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
126
a grosso modo, na viso destes autores. Porm, mais importante para eles, seria o fato de
que qualquer comportamento que seja consistente pode ser descrito como racional
(Rachlin, 1980 apud Webley et. al. 2001, p.3).
Sua definio de Psicologia Econmica postula ser esta uma disciplina muito ecltica,
abrangendo desde teorias de micro-economia at psicologia social, que no possui teorias
ou mtodos particulares, compartilhando seu foco sobre questes econmicas
interdisciplinares com a Economia Comportamental e a Scio-Economia. Em sua viso, o
que a disciplina possui de especial tanto o reconhecimento da importncia do contexto
mais amplo, com destaque para os aspectos econmicos, como a utilizao de teorias e
dados, tanto da economia como da psicologia (Webley et. al., 2001, p.9).
85
Os autores explicam que trata-se de um sinnimo original da Northumbria para a palavra satisfazer
(originally a Northumbrian synonym for satisfy, Webely et. al., p.10)
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
127
conforme descritas na teoria do prospecto, desenvolvida por Kahneman e Tversky (1979
apud Webley et. al., 2001; Tversky e Kahneman, 1981, 1991 apud Webley et. al., 2001,
p.10-11), que envolvem heursticas, ou regras-de-bolso, e framing effects (moldura ou
enquadramento das informaes 86 ), como veremos em maior detalhe a seguir (cf. 3.13),
resultando, por exemplo, em maior tendncia a risco quando h possibilidade de perda do
que de ganho; as contas mentais ou contabilidade mental, formulao de Thaler87
(1980, 1985, 1993 apud Webley et. al., 2001, p.11), sobre o monitoramento que o
indivduo faz de suas contas pessoais, que determinariam a forma como a pessoa
discrimina valores, prioridades, escolhas etc.
De nosso ponto de vista, esta obra indica algumas das dificuldades que se poderia
encontrar na tentativa de uma pura e simples traduo de problemas de pesquisa para a
nossa realidade. Ao acompanhar as questes econmicas dos indivduos ao longo da vida,
o cenrio social e econmico onde esta transcorre ganha importncia fundamental para
qualquer anlise que se pretenda realizar. Em outras palavras, estudos desta natureza
requereriam amplas discusses a respeito do contexto onde aquela vida cotidiana se daria
no caso brasileiro e de outras sociedades com grande desigualdade econmica e
cultural, alm das excluses da decorrentes , seria necessrio, tambm, anlises
especficas dos diferentes estratos com relao ao comportamento econmico.
86
Colegas economistas que trabalham na interface com a psicologia informam no haver, ainda, designao
equivalente consagrada, em portugus , para a expresso framing effects. Bernardo Nunes (2004), prefere
moldagem, que utilizou em seu trabalho de final de curso na UFRGS, indicado para o prmio do
CORECON do RS em 2005. Roberta Muramatsu, economista comportamental brasileira j mencionada (cf.
nota 84, acima), prefere no traduzi-lo. Esta autora (Ferreira) sente-se mais confortvel com moldura ou
enquadramento do que com moldagem, uma vez que a expresso indica o que cerca a informao,
determinando a maneira como ela apresentada.
87
Richard Thaler um importante economista comportamental, responsvel por alguns dos primeiros e
principais impulsos a esta disciplina, nos EUA, na dcada de 1980.
88
REYNAUD, Pierre Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
Djalma Forjaz Neto.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
128
1954, em edio brasileira de 1967, pela Difuso Europia do Livro uma espcie de
jia rara para o pesquisador da ainda jovem Psicologia Econmica, que realiza seu
trabalho aqui no Brasil90 , por tratar-se da nica obra de que se tem notcia em nossa
lngua.
Ela difere, no enfoque adotado, de todas as outras obras analisadas aqui. No apenas por
tratar-se, aparentemente, de obra de divulgao cientfica, dentro da coleo Saber Atual
(Que Sais-Je?, em francs), incluindo, por exemplo, apenas uma Bibliografia sumria ao
final, mas por conter linhas de raciocnio e discusso diferentes do que encontramos na
rea depois disso.
pgina 81, encontramos meno ao ano de 1963, posterior, portanto, data de publicao do original,
que 1954.
90
Foi encontrado pela autora quase acidentalmente ou teria sido um exemplo de serendipity (de acordo
com o verbete encontrado na enciclopdia livre
Wikipedia, em verso eletrnica
(http://en.wikipedia.org/wiki/Serendipity, acesso em 28.02.06), fazer descobertas acidentalmente, ou por
sagacidade, de coisas que no se est buscando naquele momento ( to make discoveries, by accident and
sagacity, of things not in quest of), como pode ocorrer, s vezes, com pesquisadores que esto
mergulhados em seus assuntos de pesquisa? O fato que, em verificaes peridicas nos sistemas de
busca eletrnica por meio da palavras-chave Psicologia Econmica, chegamos a um endereo referente a
esta obra era um sebo de uma livraria localizada em Curitiba, Paran (Livraria Osrio
www.livronet.com.br), que no soube informar como teria ido parar ali mas, felizmente, pde enviar, so
e salvo, o pequeno exemplar a uma destinatria que mal podia acreditar no feliz acaso, em 2004.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
129
vista, parece englobar duas outras aparentemente antagnicas? E quais so as suas
implicaes prticas?
Delineada no ltimo quartel do sculo XIX, graas aos trabalhos de Karl Menger,
surge efetivamente aps o trmino da Segunda Guerra Mundial, quando os crculos
de negcios, insatisfeitos com as abstraes dos economistas, se voltaram para
mtodos grosseiramente empricos, necessitados que estavam de uma Psicologia
Econmica da empresa, do mercado, da previso e da estimulao, em particular.
Desse empirismo, causador de inumerveis erros, que normalmente reverteriam em
elevados prejuzos, esses mesmos crculos buscaram uma cincia com que
subverteram os processos comerciais vigentes desde o aparecimento do sistema de
livre concorrncia, de forma a abordar a Economia sob o seu aspecto subjetivo ou
mental. Da poder dizer-se, como o faz Pierre-Louis Reynaud, que a Psicologia
Econmica a cincia que trata das questes subjetivas colocadas disposio das
riquezas, utilizando os conceitos e mtodos da Psicologia e da Economia, dos quais
ela realiza a sntese e, se necessrio, provoca a superao pela descoberta de noes
e mtodos originais. (Reynaud, 1967, primeira orelha; as aspas, presentes no
original, reproduzem trechos do livro).
Quase 40 anos mais tarde, poder-se- ia manter, sem grande dificuldade, o trecho inicial da
citao numa apresentao semelhante para uma obra deste tipo hoje. O termo Psicologia
Econmica segue sendo pouco familiar ao pblico em geral e mesmo, entre psiclogos,
que pouco o conhecem. O segundo pargrafo, contudo, traz informaes que poderiam
confundir algum que desejasse aproximar-se da disciplina, apresentando-a como fruto
de crculos de negcios insatisfeitos [com os economistas] em nossa pesquisa, no
temos identificado as origens da rea como estando particularmente associada a estes
profissionais e, sim, mais a acadmicos que lutavam por uma ampliao do campo da
economia, acima de tudo. Vejamos, agora, a contracapa:
A Psicologia Econmica est conquistando progressivamente sua independncia,
pois que independe na mesma proporo tanto da Psicologia quanto da Economia,
visto utilizar-se das aquisies das duas cincias, sem estar mais particularmente
adstrita a qualquer uma delas. Trata-se, portanto, de uma cincia -fronteira com
finalidade prpria no campo de sua aplicao prtica. (op. cit., contracapa).
Neste caso, igualmente podemos observar, no sem uma ponta de tristeza que, de fato, tal
situao no se modificou de forma substancial, isto , pelo menos em nosso pas, este
almejado progresso em direo a uma consolidao como disciplina independente
ainda no se verificou.
130
Reynaud, que era professor e autor de obras na rea de Economia Poltica em 1946, por
exemplo, publicou Economie politique et psychologie exprimentale e, em 1958, Cours
dconomie politique destine la preparation aux affaires (ambos pela Libr. Gen. de
Droit et Jurisp. apud Reynaud, 1967) introduz seu livro com a seguinte afirmao: A
Economia Poltica est longe de ser, presentemente, a nica cincia sensvel
necessidade de abordar o estudo do homem pelo lado interio r(Reynaud, 1967, p.7).
Para ele, a Psicologia Econmica parece derivar-se diretamente desta matriz uma idia
que no freqentemente encontrada dentre os demais autores analisados e, quando
surge, parece dever-se, justamente, a esta fonte (cf. cap.2, Barracho, 2001 e Wrneryd
2005a, 2005b, que citam Reynaud quando discutem este ponto).
Para Reynaud, a separao entre economia e psicologia prejudicial a ambas, de tal sorte
que a cincia, assim como a prtica, necessita da renovao trazida pela Psicologia
Econmica (1967, p.8), assinalando, mais abaixo, que, naquele momento, uma parte do
mundo est espera de remdios eficazes para esquivar-se fome e misria, o que
implica uma Cincia Econmica completa na qual o homem esteja presente com suas
capacidades e seu dinamismo (...) (id., grifo nosso ), citando como especialistas que
compartilhavam esta preocupao Gunnar Myrdal, Franois Perroux e L.J.Lebret.
Poderamos dizer que Reynaud tem, acima de tudo, um enfoque humanista para a nova
cincia, que ele define como o estudo da economia abordada sob seu aspecto
subjetivo ou mental(op. cit., p.9), complementando que (...) trata das questes
subjetivas colocadas pela disposio das riquezas, utilizando os conceitos e mtodos da
Psicologia e da Economia, dos quais ela realiza a sntese e, se necessrio, provoca a
superao pela descoberta de noes e mtodos originais. (op. cit., p.9-10, em itlico no
original). O autor acredita na presena de fatores irracionais no comportamento humano,
geral e econmico, embora no exponha mais longamente seus pontos de vista sobre a
racionalidade (cf. p.64-5, por exemplo).
131
disciplina como estando mais vinculada a amplas questes polticas e sociais
guardando, naturalmente, a dimenso psquica do que com tpicos mais especficos,
como a psicologia do consumidor 91 .
Mais frente, quando trata das aplicaes da Psicologia Econmica venda e empresa,
em seu captulo VI, discute as relaes com a psicologia organizacional, sem, contudo,
atribuir-lhe esta denominao designa por relaes entre psicologia e empresa
(Reynaud, 1967, p.111), ou psicologia operria ou, ainda, psicologia dos grupos
humanos (p.112) ou relaes sociais (p.11492 ).
tambm curioso observar que Reynaud discorda da posio que considera a Psicologia
Econmica como uma ramificao da psicologia social, preferindo consider-la uma
cincia-fronteira (op. cit., p13).
O autor acredita que os mtodos das duas disciplinas psicologia, com testes,
questionrios, entrevistas e experincias de laboratrio, de um lado, e economia, com
estatsticas, monografias e investigaes, de outro poderiam produzir dados que
91
preciso lembrar, contudo, que a noo de consumidor era ainda pouco difundida poca embora, por
outro lado, Katona j a viesse utilizando desde os anos 1940, pelo menos e Reynaud cita sua obra
Psychological Analysis of Economic Behavior (1951, apud Reynaud, 1967).
92
possvel que parte da estranheza que estes termos nos possam causar, em especial o segundo, deva-se a
questes de traduo, o que no temos meios de apurar agora.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
132
fecundam -se mutuamente (p.41), sendo os obstculos a tal proposta contornados por
meio de uma formao dupla, em ambas as reas, por parte dos especialistas em
Psicologia Econmica (op. cit., p.42-393 ).
Como aspectos essenciais da Psicologia Econmica (op. cit., p.55), Reynaud prope: o
nvel mental, os limiares e as imagens motrizes. Para ele, a psicologia encontrava-se em
movimento de integrao e, assim, seu conceito de nvel mental (que significaria a
capacidade de mobilizao das energias mentais do indivduo, p.57-8), poderia dialogar
com a psicologia da Gestalt, Psicanlise e behaviorismo, alm da sociologia. J os
limiares seriam os limites de intensidade, ultrapassados ou no, pelas modificaes
provocadas por fenmenos econmicos (p.62), enquanto que as imagens motrizes, que ele
tambm denomina corporate images (p.68) numa acepo que nos intriga quanto aos
motivos para aquela traduo para o portugus, to diversa da expresso em ingls
representariam a influncia das representaes estimulantes na economia (id.),
possuidoras de carga afetiva e, para ele, uma das contribuies mais fecundas da
Psicologia Econmica para a busca das bases do dinamismo e do crescimento na
Economia. (p.71). Coadunando-se com suas preocupaes com aplicaes prticas para
os conhecimentos gerados pela nova cincia, ele prope que convm aos governantes a
princpio informar-se sobre a posio dos limiares psicolgicos por meio de sondagens de
opinio adequadas (p.67-8), a fim de poderem preparar-se para pontos crticos,
manifestados por meio de movimentos anormais (p.68).
Antecedendo, cronologicamente, os demais autores que analisamos aqui94 , Reynaud
(1967) no se insere completamente na agenda contempornea poderia, antes, ser
93
Esta questo , ainda, debatida entre psiclogos econmicos at que ponto seria necessrio conhecer
economia? Sem dvida, no pareceria vivel ter-se estudiosos dessa interface inteiramente ignorantes a
respeito de noes econmicas bsicas sobre isso, todos parecem concordar, conforme discusses
recorrentes entre colegas durante os congressos, por exemplo. Entretanto, tampouco espera -se que estes
tenham uma formao completa na rea vizinha, o que no se mostra exeqvel dadas as condies de
tempo e, mesmo, interesse destes pesquisadores. Nas escolas de vero promovidas pela IAREP , busca-se
sanar o problema mediante a participao de professores com os dois tipos de formao, com psiclogos e
economistas ministrando as disciplinas conjuntamente (estas informaes foram obtidas em razo da autora
atuar como representante do Brasil junto IAREP e, portanto, participar destes debates durante os
congressos anuais).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
133
descrito como na transio entre a tradio anterior, da primeira metade do sculo, e o
que viria a se constituir como a Psicologia Econmica atual. Por este motivo, sua
terminologia pode soar peculiar aos nossos ouvidos modernos.
94
Embora Katona viesse trabalhando na interface desde a dcada de 1940, a sua publicao de 1975 que
merece a atribuio de inaugurar o campo, como foi dito acima, o que nos leva a consider-lo, neste
sentido, posterior a Reynaud e, da mesma forma, mais prximo ao que proposto na atualidade, em
especial no que diz respeito a mtodo e viso geral da disciplina.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
134
anglo-saxnica, por assim dizer 95 . Seu longo artigo, Initiation la psychologie
conomique 96 , publicado no Bulletin de Psychologie, em 1962, destaca as principais
vertentes da disciplina, no que, primeira vista, pareceria englobar todos os temas
possveis indo da economia aplicao da Psicologia Econmica a diferentes reas,
passando por seu percurso histrico e o estado-da-arte do conhecimento poca, sem
deixar de mencionar autores, mtodos, aspectos epistemolgicos, implicaes, reas de
interlocuo, propostas e at mesmo, a psicanlise!97
A disciplina descrita por ele a partir de vrtices diversos de outros autores analisados
neste captulo e, a ttulo de exemplo, podemos citar: como em Reynaud, a preocupao
humanista que no encontramos, desta mesma forma, to explcita e presente, em outros
pesquisadores; a apresentao de uma concepo francesa da Psicologia Econmica,
que ele define como [A Psicologia Econmica] o estudo, por mtodos da psicologia
social, de problemas humanos que nascem da interao dos indivduos e grupos, por
ocasio da administrao onerosa do mundo externo (p.1198 ), considerando-a mais
complexa, precisa e completa do que a de Katona (a Psicologia Econmica poderia
contribuir para o conhecimento econmico por meio de conceitos e princpios da
psicologia, apud Albou, 1962, p.11), com a qual contrasta; o recurso a autores que no
so utilizados posteriormente; a prpria preocupao com aspectos epistemolgicos e,
95
Caberia comentar, tambm, que Albou possui formao diversa daquela que encontramos, em geral,
entre os pesquisadores da rea ele advogado e, apenas posteriormente, voltou-se para a Psicologia,
conforme revelou autora em comunicao pessoal durante o IAREP-SABE Conference Behavioral
Economics and Economic Psychology, em Paris, em 06.07.2006.
96
ALBOU, Paul. Initiation la psychologie conomique. Bulletin de Psychologie. vol.16 1-81, 1962.
97
Vale revelar que, quando esta autora descobriu o artigo, sua primeira impresso, ao lado da alegria de
ter em mos aquela importante obra, foi de frio na barriga parecia que sua tese, que apenas comeava a
ser pensada naquele momento, j teria sido escrita por Albou!! Naturalmente, esta impresso inicial
desfeita quando se considera que o trabalho foi elaborado mais de 40 anos atrs. Novos rumos foram
percorridos desde ento contudo, no podemos deixar de notar a envergadura de sua empreitada. O
mrito da descoberta do material, alis, cabe a Tiago Matheus, ento colega no doutorado e na disciplina A
perspectiva histrica na pesquisa em Psicologia Social, ministrada pela professora M.Carmo Guedes, em
2003, que solicitara uma pesquisa na biblioteca da PUC-SP. Eis que, em meio sua pesquisa, Tiago
depara-se com o artigo de Albou e, solidariamente, logo comunica o seu achado. Desnecessrio dizer como
foi importante encontrar este material naquele incio de garimpagem em busca de documentos, to escassos
no Brasil. A autora agradece ao colega, que reincidente no mestrado, ele foi responsvel por outra
referncia valiosa (o livro de Eugne Enriquez, A organizao em anlise).
98
La psychologie economique] est ltude, par les methodes de la psychologie sociale, des problemes
humains qui naissent de linteraction des individus et des groupes, a loccasion de lamenagement onereux
du monde exterieur . (Albou, 1962, p.11).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
135
por vezes, histricos, da nova disciplina, presente ao longo de todo o artigo, ao lado de
descries e anlises de material emprico ou terico.
Para ele, as disciplinas que mais contribuem para o nascimento da Psicologia Econmica
so: Psicologia, Sociologia e Psicologia Social (op. cit., p.21). importante notar que,
novamente em desacordo com os demais autores, ele confere este lugar de destaque
Sociologia, o que pode nos dar pistas de que veria a prpria Psicologia Social por outro
enfoque tambm, menos individualista, conforme rezaria a tradio anglo-saxnica (Farr,
2002 99 ). Curiosamente, no segue seu mentor, Reynaud, na atribuio de importncia
fundamental Economia Poltica.
A seo final, sobre aplicaes da Psicologia Econmica , mais uma vez, bastante
detalhada. Ele toma cada possibilidade de aplicao e a debate com base em autores que
99
FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. Trad. Pedrinho
Guareschi e Paulo Maya.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
136
estudam o tema e suas prprias formulaes, no se furtando a reflexes crticas e
levantamento de problemas. Seus motivos para deter-se, de forma especial, nas questes
metodolgicas, justificam-se por depender deste aspecto o desenvolvimento posterior da
disciplina.
Em sua introduo, Descouvires comenta que a motivao para o livro antiga e localiza-se no final
dos anos 1960, na Faculdad de Ciencias Econmicas da Universidad de Chile, quando foi iniciado um
trabalho acadmico conjunto e interdisciplinar com as Cincias Sociais, a fim de recuperar, no Chile, a
Psicologia Econmica, que teria tido sua origem mais remotamente, embora no tivesse recebido maior
difuso at ento naquele pas. Circunstncias variadas teriam frustrado aquele objetivo, retomado,
apenas nos anos 1990, quando foi criado o Laboratorio de Comportamiento Econmico no Departamento
de Psicologia daquela universidade, visando incentivar estudantes, psiclogos e outros profissionais a
utilizar o conhecimento e as anlises da Psicologia Econmica. Isto explicaria, portanto, o motivo da maior
parte dos trabalh os includos na obra ser de autoria de psiclogos (Descouvires, 1998, p.17).
101
DESCOUVIRES, Carlos com a colaborao de: A. Altschwager, C. Fernndez, M.L. Jimnez,
Kreither, C. Macuer, C. Villegas. Psicologa Econmica temas escogidos. Santiago de Chile: Editorial
Universitria, 1998.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
137
diferenas nos estudos propostos e realizados por pesquisadores de diferentes partes do
mundo.
Ao discutir a disciplina e sua definio, remete sua origem, como disciplina autnoma, a
Tarde (1902), Menger (1871) e Smith (1776, sempre apud Descouvires, 1998, p.17),
observando que, a partir das obras dos dois primeiros, abriu-se um espao e destaca que
tal teria ocorrido no mbito da Economia, em especial , para a incluso de componentes
psico-sociais como determinantes para os sentimentos, pensamentos e aes dos
indivduos, grupos e sociedades frente aos fenmenos econmicos. Chama, tambm, a
ateno para a ampliao daquele que seria o escopo tradicionalmente associado
Psicologia o enfoque clnico e a psicopatologia para abarcar o educacional, jurdico,
organizacional e comunitrio, como exemplos de paradigma que visem promoo de
mudanas, progresso e desenvolvimento de indivduos e grupos, independentemente dos
contextos em que ocorram.
Para ele, o estudo do comportamento econmico estaria inserido nesta viso, enfatizando
que no se poderia conceber o ser humano sem considerar a influncia social agindo em
reciprocidade a ele, nem as regulamentaes econmicas impostas pela sociedade e
diferentes momentos histricos, que definiro o cenrio para o seu comportamento. Esta
discusso chama a ateno para a impossibilidade de pensar-se condies psicolgicas e
sociais como permanentes no tempo, incluindo-se a todos aqueles considerados como
comportamento econmico (Descouvires, 1998, p.18). Por esta razo, enxerga, como
parte da Psicologia Econmica, temas da Psicologia do Trabalho, boa parte da Psicologia
Organizacional, marketing, publicidade e propaganda, ainda que ressalve que tal viso
no seja compartilhada pela tradio da disciplina. De todo modo, pensa ser importante
deixar marcada esta posio (op. cit., p.19).
138
Economia, em especial aqueles representados por problemas causados pela ordem
econmica vigente, tais como pobreza, distribuio desigual de renda, misria,
desemprego e outros (p.19). Afirma, igualmente, ser um ato de justia assinalar que
nenhuma deciso econmica e outras que afetem a sociedade possam ser consideradas
em separado das decises polticas ou ideolgicas, uma vez que no se poderia pensar em
propostas tcnicas desvinculadas de implicaes polticas.
102
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy. Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
139
p.36). Ainda que beba em diferentes reas do conhecimento, o autor v a Psicologia
Econmica como detentora de um esforo integrador que visa a colocar a questo do
comportamento econmico no centro do debate, conferindo s diferentes perspectivas
que abordam este objeto papis complementares. Contudo, observa que o trabalho de
contribuio conjunta da psicologia e economia pode no ter alcanado ainda o formato
ideal, uma vez que, ao invs de integrao, o que se verifica, muitas ve zes, a criao
eventual de plos de interesse para cada uma das disciplinas, ou o uso unilateral da
Psicologia por parte da Economia (op. cit., p.37).
A teoria da racionalidade, aqui chamada de modelo de escolha racional (op. cit., p.37)
merece seo prpria e curta. Com o subttulo foco de controvrsia, descrita como
um dispositivo heurstico para interpretar o comportamento (op. cit., p.37-38), no
sentido de atuar como geradora de hipteses sobre fenmenos empricos sem, contudo,
incluir variveis tais como valores, motivaes, atitudes, ciclo vital e outras, nestes
modelos. destacado, ainda, que, para melhor especific- la, pode receber a definio
mais restrita de maximizao da utilidade esperada (op. cit., p.38-39), sofrendo esta das
mesmas insuficincias quanto a no levar em considerao fatores como incerteza na
deciso, efeitos do contexto e dependncia entre probabilidade e recompensa. Lamentase, ainda, que, freqentemente, este debate no v alm de ataques por parte de
psiclogos e defesa por parte de economistas, citando como excees a isto Katona e
Herbert Simon (cf. abaixo, 3.12), como psiclogos econmicos interessados em
classificar e estudar as irracionalidades com o objetivo de produzir uma descrio mais
realista das decises humanas (cf. Descouvires, 1998, p.39). Ao alertar para uma
possvel esterilidade em torno de discusses sobre este tema, aproximam-se de Lea et. al.
(1987), que, como vimos acima (cf. 3.2), defendem enfaticamente uma postura de menor
destaque a este ponto.
140
O discurso que Herbert Simon proferiu quando recebeu o Prmio Nobel, em 1978 103, tem
o ttulo Rational decision- making in business organizations, o que pode indicar alguns
de seus objetivos. O texto abre com uma referncia ao economista Alfred Marshall que,
em 1920, teria declarado ser a Economia ou Economia Poltica, em suas palavras
uma cincia psicolgica.
Simon no fala em Psicologia Econmica. Aps apontar lacunas que aguardam maior
explorao dentro da economia e que podem estender-se por domnios tradicionalmente
associados a Economia Poltica, Sociologia e Psicologia, ele prefere designar como
Economia Poltica o centro da disciplina, englobando aspectos normativos relacionados
a economias nacionais e internacio nais e seus mercados, com foco sobre a plena
utilizao de recursos, alocao eficiente de recursos e igualdade na distribuio do
produto econmico, reservando o termo cincias econmicas para o imprio todo,
incluindo as mais remotas colnias, para usar sua metfora (Simon, 1978, p.343). O
objetivo de seu discurso ser, assim, uma destas colnias: a teoria da deciso, tanto no
nvel normativo, quanto descritivo, com consideraes sobre sua aplicao teoria da
firma (firm, op. cit., p.343-344).
103
141
enquanto adotam, para suas prprias teorias, uma postura satisficing 104 (op. cit., p.3446).
Considerando as decises que devem ser tomadas no contexto da firma, ele questiona as
limitaes efetivamente encontradas nestas situaes, como, por exemplo, a
impossibilidade
de
conhecer-se
plenamente
de
possuir-se
as
habilidades
104
Como vimos neste captulo cf. nota 83, 3.8 em Webley et. al., 2001, o termo refere-se ao que bom
o suficiente, sem almejar o timo, nem a maximizao
105
Fenmenos agregados expresso toma da na acepo de que dizem respeito a situaes coletivas,
dados sobre grupos, o que pode ser considerado problemtico na Psicologia o que ocorre com o
conhecimento sobre comportamento individual quando estendido a grupos? cf., por exemplo,
FERREIRA, Vera Rita de Mello. Again, what is it that you believe? a study of psychological factors at
work over the market throughout major political-economic events. Anais do XXVIII International
Association for Research in Economic Psychology Annual Colloquium. Christchurch, Nova Zelndia, 2003.
106
Simon traa um interessante levantamento histrico desta rea de conhecimento. Destaca que, antes da
Segunda Guerra Mundial, ela era domnio de engenheiros industriais, estudantes de administrao pblica,
especialistas em funes de negcios, bem como do inventor do computador digital, o matemtico Charles
Babbage (p.350), sem maiores vnculos com as cincias econmicas. Durante a Guerra, o territrio quase
abandonado da teoria da deciso foi ocupado por cientistas, matemticos e estatsticos voltados para
assuntos blicos como logstica, por exemplo, e passou a ser denominada pesquisa ou anlise de
operaes (p.350), permanecendo seus pesquisadores distantes da comunidade das cincias sociais.
Conseqentemente, os economistas interessados na rea precisaram desenvolver sua prpria linha de
estudos, ento chamada de cincia da administrao, que teria importado, da primeira, tcnicas de
otimizao, alm de criar outras, seja no cenrio de otimizao num mundo simplificado isto , no
necessariamente prximo do real , seja na condio de satisficing, da satisfao que mais satisfaz,
ainda que no de forma absoluta. Neste segundo caso, buscando ou, solues timas para um mundo
simplificado ou, solues satisfatrias para um mundo mais realista (p.350). Para Simon, isso representa
uma preocupao compartilhada pela cincia da administrao e pela teoria descritiva da deciso com
as maneiras como a deciso tomada, e no simplesmente com os resultados da deciso.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
142
computacionais necessrias para dar conta de todas as alternativas que estariam, em tese,
disponveis quando frente a uma escolha, bem como das conseqncias de cada uma
delas (op. cit., p.353).
A fim de tornar administrvel, de fato, decises no mundo real, sujeitas a todas estas
imperfeies, alguns procedimentos poderiam ser adotados: substituir a meta de decises
timas por decises satisfatrias (satisficing); substituir metas abstratas e globais por
sub- metas tangveis, cujo alcance pudesse ser observado e medido; dividir o processo
decisrio entre diversos especialistas, coordenando seu trabalho por meio de uma
estrutura de comunicao e relaes de autoridade (op. cit., p.353-4). Tais recomendaes
comporiam sua teoria da racionalidade limitada, criada no meio da dcada de 1950 (cf.
p.357), a respeito da qual ele faz a seguinte afirmao:
(...) est claro, agora, que as elaboradas organizaes que os seres humanos
construram no mundo moderno para levar a cabo o trabalho de produo e governo
s podem ser entendidas como maquinaria para lidar com os limites das capacidades
do homem para compreender e computar em face da complexidade e da incerteza.
(Simon, 1978, p.354 107 ).
107
(...)it is now clear that the elaborate organizations that human beings have constructed in the modern
world to carry out the work of production and government can only be understood as machinery for coping
with the limits of mans abilities to comprehend and compute in the face of complexity and uncertainty.
(Simon, 1978, p.354).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
143
ambiente benigno, com muitas alternativas, ele sobe; num outro, mais duro, com menos
alternativas, ele desce.
Ele assinala, ainda, a dificuldade para localizar-se a fonte exata da discrepncia como
fator que poderia contribuir para no se rever teorias com falhas, mesmo quand o estas so
visveis. Contudo, bastante enftico ao afirmar no poder haver mais nenhuma dvida
sobre os pressupostos da teoria da racionalidade perfeita serem inteiramente opostos aos
fatos, j que (...) nem sequer remotamente descrevem os processos que os seres
humanos usam para tomar decises em situaes complexas. (op. cit., p.366 109). E, na
verdade, no haveria apenas uma viso alternativa teoria neo-clssica, mas uma ampla
gama delas que, para o autor, se vinculariam sempre sua teoria da racio nalidade
limitada.
108
Such conservative protectiveness of established beliefs is, indeed, not unreasonable. In the first place,
in empirical science we aspire only to approximate truths; we are under no illusion that we can find a
simple single formula, or even a moderately complex one, that captures the whole truth and nothing else.
We are committed to a strategy of successive approximations, and when we find discrepancies between
theory and data, our first impulse is to patch rather than to rebuild from the foundations. (Simon, 1978,
p.366).
109
(...) they do not even remotely describe the processes that human beings use for making decisions in
complex situations (op. cit., p.366).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
144
Simon termina seu discurso batendo duro na teoria do mainstream estaria, agora,
inteiramente claro que aquelas teorias teriam sido substitudas por uma alternativa
superior, que fornece uma viso muito mais prxima da realidade (op. cit., p.366).
Antes de iniciarmos esta seo, julgamos essencial assinalar, assim como faz Kahneman
no incio de seu discurso, Maps of bounded rationality: a perspective on intuitive
judgment and choice110 , que as pesquisas que lhe trouxeram o Prmio Nobel de
Economia em 2002, foram desenvolvidas, primordialmente, na longa e profcua parceria
que manteve com Amos Tversky, morto em 1996 e, por esta razo, no indicado para o
prmio.
110
KAHNEMAN, Daniel. Maps of bounded rationality: a perspective on intuitive judgment and choice.
Nobel Prize lecture, 08.dez.,2002.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
145
racionalidade. Em outras palavras, seu discurso no define o que Psicologia
Econmica, embora demonstre como ela pode operar.
O texto apresenta a viso atual de trs pontos principais daquele trabalho conjunto:
heursticas de julgamento (heuristics of judgment, ou regras de bolso), escolha sob
risco (risky choice ), efeitos de enquadramento ou moldura 111, ou moldagem (framing
effects) (Kahneman, 2002, p.449 ). Sobre estes trs aspectos, o autor declara que foram
estudadas intuies, definidas como pensamentos e preferncias que vm mente
rapidamente e sem muita reflexo112 (id.).
A reviso que ele leva a cabo, aqui, tributria de duas vertentes: a psicologia socialcognitiva que, nas ltimas dcadas, teria revelado que os pensamentos diferem quanto
dimenso de acessibilidade alguns vm mente mais facilmente do que outros (as aspas
so nossas trabalhando com Psicanlise, no poderamos deixar de observar: por que
no perguntou a um psicanalista??, que poderia ter lhe contado isso h mais ou menos um
sculo, desde quando Freud postulou a existncia da condio inconsciente para a maior
parte de nossos contedos mentais cf. Freud, 1915113 ); e a distino entre processos de
pensamento intuitivos, de um lado, e deliberados, de outro (Kahneman, 2002, p.449).
O texto aborda seis aspectos : intuio e acessibilidade, onde distingue dois modos de
funcionamento cognitivo: intuitivo, com julgamentos e decises rpidos e automticos, e
controlado, deliberado e mais lento (op. cit., p.450-456); framing effects, quando
descreve os fatores que determinam a acessibilidade relativa de diferentes julgamentos e
respostas (op. cit., p.456-459); mudanas ou estados: a teoria do prospecto, que explica
os efeitos do framing em termos de salincia diferencial e acessibilidade (op. cit.,
111
146
p.459-463); substituio por atributo: um modelo de julgamento por heurstica, que
relaciona a teoria do prospecto proposta geral de que mudanas e diferenas so mais
acessveis do que valores absolutos (op. cit., p.463-471); acessibilidade de pensamentos
corretivos, (op. cit., p.471-474); heursticas prototpicas , descrevendo esta famlia
particular de heursticas (op. cit., p.474-481).
Sobre funcionamento mental que, a nosso ver, embasa todas as noes caras Psicologia
Econmica, como comportamento econmico, racionalidade e decises econmicas, ele
faz uma afirmao ousada e otimista distante, no apenas do que pode ser observado
na relao prxima e a longo prazo que se desenvolve numa experincia analtica, como
tambm, a olho nu, conforme pode ser encontrado na imensa maioria das situaes
humanas, to caracterizadas pela precariedade e a limitao: A maior parte do
comportamento intuitivo, capacitado, no-problemtico e bem-sucedido114 , citando
Klein, G. (1998, apud Kahneman, 2002, p. 483 certamente, no se trata de Melanie
Klein, psicanalista inglesa que estudou as fontes profundas do inconsciente,
cf.1957 115).
114
Most behavior is intuitive, skilled, unproblematic and successful. (Klein, G., 1998, apud Kahneman,
2002, p.483).
115
KLEIN, Melanie. Inveja e Gratido, 1957. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
147
julgamentos intuitivos so explicados por variaes na acessibilidade das regras
relevantes (Seo 6). (Kahneman, 2002, p.456116 ).
Antes de avanarmos, cabe um rpido esclarecimento: o que autor quer dizer com
Sistema 2, na citao acima? Logo no incio, ele recorre a Stanovich e West (2000, apud
Kahneman, 2002, p.450-1), que distinguem dois tipos de processos cognitivos,
denominados Sistema 1 e Sistema 2. O primeiro compreenderia operaes rpidas,
automticas, sem esforo, baseadas em associaes, com aprendizagem lenta, difceis de
controlar ou modificar, semelhantes s caractersticas dos processos perceptivos e
relacionadas intuio (cf. nota 112, acima); o segundo, mais lento, seriado, dependente
de esforos para levar a cabo o processo, controlado deliberadamente, mas tambm
relativamente flexvel e potencialmente auto - governado, associado ao raciocnio,
representaes conceituais, noes de tempo e podendo ser evocado por meio de
linguagem.
Algum psicanalista teria visto referncias aos processos primrio e secundrio (cf. Freud,
1900 117, por exemplo) nesta descrio? Pensamos ter visto , com efeito. Pode ser um caso
tpico de muitos caminhos levam a Roma Kahneman parte da psicologia cognitiva;
Freud, 100 anos antes, da observao clnica. No h problema algum menos ainda, se
puder haver lugar para todos no grande esforo empreendido pela produo de
conhecimento que debate suas diferenas, ao invs de ignor- las ou, pior, impor seu
prprio enfoque como se fosse nico.
Se parecemos exagerar na defesa da psicanlise, isto talvez possa justificar-se diante das
inmeras hesitaes e francos ataques que esta forma de investigar sofre de
116
Considerations of accessibility and analogies between intuition and perception play a central role in the
programs of research that I will briefly review in what follows. Framing effects in decision making (Section
3) arise when different descriptions of the same problem highlight different aspects of the outcomes. The
core idea of prospect theory (Section 4) is that changes and differences are much more accessible than
absolute levels of stimulation. Judgment heuristics, which explain many systematic errors in beliefs and
preferences are explained in Section 5 by a process of attribute substitution; people sometimes evaluate a
difficult attribute by substituting a more accessible one. Variations in the ability of System 2 to correct or
override intuitive judgments are explained by variations in the accessibility of the relevant rules (Section
6). (Kahneman, 2002, p.456).
117
FREUD, Sigmund. [1900] A interpretao dos sonhos. Vol. 5 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
148
pesquisadores, at mesmo, dentro do campo da Psicologia Econmica que, do nosso
ponto de vista, poderiam impor um retrocesso, caso queiramos, verdadeiramente, buscar
um vrtice interdisciplinar para estudar os fenmenos econmico-psicolgicos.
Avanaremos este debate no cap.4, a seguir.
The perceived attributes of a focal stimulus reflects the contrast between that stimulus and a context of
prior and concurrent stimuli (Kahneman, 2002, p.459).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
149
descritivamente irrealista. Ela levar, tambm, a prescries que no maximizaro a
utilidade de resultados conforme so realmente experimentados ou seja, utilidade
tal como Bentham a concebeu. (Kahneman, 1994; 2000c; Kahneman, Wakker &
Sarin, 1997 apud Kahneman, 2002, p.464-5 119).
Por outro lado, possvel que, com os colegas citados, detenha-se, primordialmente, nos
aspectos sensrios que envolvem todos esses processos da percepo deciso120 . De
nossa parte, consideramos o terreno emocional como intangvel mesmo que parte deste
sistema possa ser mapeada por meio de identificao bio -qumica, neurolgica etc. Ainda
assim, grande parte do que reconhecido como emoo poder escapar desta deteco
sensorial e, de fato, escapa, podendo, por sua vez, ser captada por aquilo que Freud
denominou o rgo de percepo da mente, a conscincia (1911121 ) ou, como prefere
Bion, pela funo-alfa (1962122 ) mas no nos adiantemos. Esta foi apenas uma pequena
introduo ao universo psicanaltico (que merecer nossa ateno mais pormenorizada no
cap.4), com o intuito de dar coordenadas para o leitor que tenha este interesse, a fim de
que possa acompanhar a discusso de forma bilnge, pela Psicologia Econmica e pela
Psicanlise.
Tversky e Kahneman (1974, apud Kahneman, 2002, p.465) destacam trs tipos de
heursticas que influenciam os processos de deciso representatividade, acessibilidade e
ancoragem que poderiam resultar em diversos vieses, tais como: previso noregressiva, negligncia de informao de taxa de base (base-rate information),
119
It is worth noting that an exclusive concern with the long term may be prescriptively sterile, because
the long term is not where life is lived. Utility cannot be divorced from emotion, and emotion is triggered
by changes. A theory of choice that completely ignores feelings such as the pain of losses and the regret of
mistakes is not only descriptively unrealistic. It also leads to prescriptions that do not maximize the utility
of outcomes as they are actually experienced that is, utility as Bentham conceived it. (Kahneman, 1994;
2000c; Kahneman, Wakker & Sarin, 1997 apud Kahneman, 2002, p.464-5).
120
Para ilustrar o que consideramos como vis sensrio, vejamos como Kahneman explica o conceito de
heurstica que Tversky e ele desenvolveram, em 1974: assim como podemos avaliar a distncia de
montanhas ao longe por meio do efeito de neblina em volta de seus contornos quanto menos ntidos,
mais distantes estariam e, portanto, em dias nublados, tenderamos a cometer erros de avaliao ao no
descontar este fator, os julgamentos por heursticas, estas regras de bolso que simplificam nossa
percepo e avaliao, com o pedgio de aumentar a possibilidade de equvocos, podem ser identificados,
justamente, pelos erros caractersticos que eles inevitavelmente causam (Kahneman, 2002, p.465).
121
FREUD, Sigmund. (1911) Formulaes sobre os Dois Princpios do Funcionamento Mental. vol.12
da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro,
Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
122
BION, Wilfred R. (1962). Learning from Experience. London, Maresfield Reprints, 1984. (cf. nota 92,
p.189, cap.4.6).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
150
confiana excessiva, superestimativa da freqncia de eventos facilmente relembrados
(cf. cap.4.5, frente).
O modelo original, porm, sofre reviso em 2002, alterando-se da seguinte forma: agora,
um processo comum de substituio de atributo explica como o julgamento por heurstica
funciona; o conceito de heurstica, tanto na acepo substantiva de processo cognitivo,
como na adjetiva, de atributo de heurstica, ampliado para alm da questo dos
julgamentos de eventos incertos; inclui-se um tratamento explcito das co ndies sob as
quais julgamentos intuitivos sero modificados ou substitudos por operaes de
monitoramento associadas ao Sistema 2 (Kahneman e Frederick, 2002, apud Kahneman,
2002, p.465-6).
Por outro lado, Kahneman faz uma curiosa observao: para ele, no ter identificado a
heurstica afetiva antes mas, nos ltimos tempos, o conceito ser recebido com
entusiasmo, poderia ser explicado em funo das mudanas significativas no clima geral
da opinio psicolgica, ou seja, o fato de, no incio dos anos 1970, segundo ele, a idia
de vieses puramente cognitivos ser nova e original, porque a prevalncia de vieses de
151
julgamento motivacionais e emocionais eram aceitos sem discusso pelos psiclogos
sociais da poca. Em seguida, teria havido um perodo de grande nfase sobre os
processos cognitivos, sobre a Psicologia, em geral, e o tema de julgamento, em particular.
Para ele, levou trinta anos para obter-se uma viso mais integrada do papel do afeto nos
julgamentos intuitivos. Para ns, conforme vimos, ainda falta um pouco mais, em direo
a integrar, tambm, as importantes contribuies da Psicanlise.
De qualquer maneira, parece- nos til o lembrete que se pode depreender de seu discurso
a cincia segue moda, est sujeita a influncias outras que no sejam de seu
desenvolvimento intrnseco, no neutra, depende, para ficarmos com a expresso do
autor, de efeitos de moldura ou enquadramento para ser avaliada, fruto do Zeitgeist da
poca etc.
Para ele, isto poderia delinear propostas para uma agenda nas seguintes direes: para
entender julgamento e escolha, ser necessrio estudar os determinantes da alta
acessibilidade (grifo nosso), as condies sob as quais o Sist ema 2 pode substituir ou
corrigir o Sistema 1, e as regras destas operaes de correo. A seguir, ele rev o que j
se sabe sobre aqueles pontos e encerra o seu discurso com algo que soa, a esta autora,
como um convite: depois de definir suas contribuies como um quadro de referncias
geral, ressalvando que, muitas vezes, novas idias e exemplos reveladores podem surgir,
no de quadros daquela natureza, mas de nveis mais baixos de abstrao e
generalizao, ainda assim defende seu modelo, no que possa ensejar de busca balizada
por analogias entre diferentes campos, identificando processos comuns e impedindo
interpretaes precipitadamente estreitas das descobertas (op. cit., p.483).
123
Highly accessible impressions produced by System 1 control judgments and preferences, unless
modified or overrridden by the deliberate operations of System 2 . (Kahneman, 2002, p.481).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
152
Esta autora compartilha esta viso no que diz respeito possibilidade de dilogo entre
Psicologia Econmica e Psicanlise. Este ser o tema do nosso prximo captulo.
153
CAP.4 ECONOMIA, PSICOLOGIA ECONMICA E ECONOMIA PSQUICA1
PROPOSTA DE UM MODELO PSICANALTICO PARA TOMADA DE
DECISO E AS DECISES ECONMICAS
Quando se tem que usar os pensamentos, segundo as exigncias da realidade, seja da
realidade psquica ou da realidade externa, cumpre que os mecanismos primitivos
apresentem as capacidades de preciso que a necessidade de sobrevivncia requer.
Temos que considerar, por conseguinte, do mesmo modo o papel dos instintos de vida e
de morte e o da razo que, destinando-se, em sua forma embrionria, sob a hegemonia
do princpio do prazer, a servir de escrava das paixes, viu-se forada a assumir funo
semelhante de senhora das paixes e de genitora da lgica. que a pesquisa, para a
satisfao de desejos incompatveis, conduziria frustrao. A superao, com xito, do
problema da frustrao implica em que a pessoa seja razovel, e a frase como os
ditames da razo pode emoldurar a expresso da reao emocional primitiva como
funo que se destina a satisfazer e no a frustrar. Os axiomas da lgica tm suas razes,
portanto, na experincia da razo que falha em sua funo primeira de satisfazer s
paixes, do mesmo modo que uma razo poderosa reflete a capacidade daquela funo,
de resistir aos assaltos de seus frustrados e enraivecidos senhores. Consideraremos estes
temas, medida que a predominncia do princpio de realidade estimular o
desenvolvimento do pensamento e do pensar, da razo, e da percepo da realidade
psquica e ambiental. (Bion, 1963-1966; p.1522).
4.1. APRESENTAO
A longa citao do psicanalista Wilfred Bion usada como epgrafe antecipa as linhas de
discusso que sero abordadas neste captulo. a partir deste vrtice que pretendemos
propor nosso modelo de tomada de deciso, como uma contrib uio ao exame do tema
empreendido pela Psicologia Econmica. Acreditamos que as operaes psquicas
envolvidas nas decises econmicas que compem o nosso comportamento frente s
questes relativas aos chamados recursos finitos, que como a Economia define seu
objeto, possam ser examinadas de maneira frutfera se adotarmos esta perspectiva. Para
investigar what makes people tick, como diz o psiclogo econmico Alan Lewis
(Lewis et. al., 1995 3 , p.14) o que faz as pessoas funcionarem, numa traduo livre
propomos que a Psicanlise desempenhe papel importante, seja com suas teorias, seja
1
Devo, ao psicanalista Ccero Brasiliano, a feliz conexo entre os dois termos (Psicologia Econmica e
Economia Psquica), que ajuda a elucidar o ponto de interseco entre ambos os campos Psicologia
Econmica e Psicanlise.
2
BION, Wilfred. [1963] Os Elementos da Psicanlise. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. Trad. J.Salomo e
P.D.Correa.
3
LEWIS, Alan, WEBLEY, Paul e FURNHAM, Adrian. The New Economic Mind the social psychology
of economic behaviour. London: Harvester/Wheatsheaf, 1995.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
154
com a ajuda da observao e da experincia clnica, fundamentalmente, em torno do
funcionamento mental.
Curiosamente, encontramos, no prprio Freud (1932/1933-19764 ), meno direta
possibilidade de se estudar fenmenos do mbito econmico com ajuda de idias
desenvolvidas pela Psicanlise:
O fato inquestionvel de que indivduos, raas e naes diferentes se conduzem de
forma diferente, sob as mesmas condies econmicas, por si s bastante para
mostrar que os motivos econmicos no so os nicos fatores dominantes.
completamente incompreensvel como os fatores psicolgicos podem ser
desprezados, ali onde o que est em questo so as reaes dos seres humanos vivos;
pois no s essas reaes concorreram para o estabelecimento das condies
econmicas, mas at mesmo apenas sob o domnio dessas condies que os
homens conseguem pr em execuo seus impulsos instintuais originais - seu
instinto de autopreservao, sua agressividade, sua necessidade de serem amados,
sua tendncia a obter prazer e evitar desprazer. (Freud, 1932/3-1976, p.216)
Decidir, que se apia nos passos antecedentes da percepo e avaliao das condies
oferecidas, constitui a essncia dos atos humanos, ao reunir a capacidade de captar
informaes, analis- las e ponderar sobre elas, abrindo caminho, assim, para a funo
especial do pensar que, seguido pelo agir, pode criar e transformar. , tambm, o objeto
de estudo privilegiado da Psicologia Econmica, como vimos no captulo anterior, seja
como alvo da discrdia em torno da racionalidade as decises so racionais ou no?
seja sob a forma abrangente do que muitos denominam comportamento econmico, que
se manifesta em diferentes contextos. Em todos eles, porm, encontramos o denominador
comum: como indivduos e grupos escolhem o que acreditam ser a melhor alternativa
frente s questes que devem encaminhar ou problemas a solucionar?
155
desejo de satisfao dos impulsos atuando como fora propulsora para nossos atos
psquicos e concretos.
PORTA, Pier Luigi. Laudatio a Daniel Kahneman, por ocasio de outorga do ttulo de Doutor Honoris Causa da
Faculdade de Economia da Universidade de Milo-Bicocca, 06.04.2005.
156
J outros pesquisadores da interface tm se dedicado a um outro vrtice da questo da
gratificao seu adiamento e implicaes da advindas. Por sua especial aproximao s
idias que norteiam nosso modelo, examinaremos trabalhos sobre este grande tema, que
permeia a discusso em torno de conceitos tais como desconto hiperblico subjetivo,
escolha intertemporal, contas mentais e emoo. Mais uma vez, so investigaes que
nos dizem respeito de perto, j que matria-prima essencial da Psicanlise.
Wrneryd (2005c), que psiclogo econmico, atribui aos Mills, James e seu filho mais
famoso, John Stuart, que cunhou o termo homo oeconomicus, em 1836, grande
importncia para o desenvolvimento tanto da Economia, como da Psicologia. Para o
autor, a Economia Poltica que ganhou impulso no sculo XIX tomara como ponto de
partida o hedonismo centrado em prazer-dor, com foco na maximizao de utilidade e,
mesmo antes disso, outros pensadores, de David Hume a Adam Smith, haviam
examinado temas pertencentes a ambas as disciplinas.
Alguns outros autores enxergam origens histricas comuns para Economia e Psicologia,
na medida em que so desdobramentos da Filosofia, o que poderia explicar o fato de um
157
destes ancestrais comuns, que como Scitovsky (1986-19906 ) denomina Jeremy
Bentham (1748-1832), examinar o papel de prazer e dor como motivadores do
comportamento, defendendo sua mensurabilidade, alm de distinguir quatorze tipos de
prazer e doze tipos de dor como diferentes fontes de motivao (Wrneryd, 2005c,
p.166).
Alm de beber na fonte da filosofia hedonista dos gregos antigos, que postulavam que
cada indivduo busca, no maior grau possvel, sua prpria felicidade, Bentham
acrescentava a viso tica no que diz respeito a uma orientao do comportamento em
direo promoo da felicidade, tambm, do maior nmero possvel de pessoas, j que
sua preocupao vinculava-se instalao de reformas na sociedade. Para tal fim,
sanes sociais, polticas, morais e religiosas poderiam ser invocadas, de forma a limitar
o individualismo hedonista encontrado no pensamento grego original (Oser e
Blanchfield, 1987, p.115-116).
158
O lugar essencial atribudo a prazer e dor nesta viso pode no estar to distante daquele
contido na teoria psicanaltica dos dois princ pios do funcionamento mental, como dever
ficar claro, frente. Contudo, abre-se um fosso entre ambas no que diz respeito ao desejo
dos utilitaristas de transformar a moral em cincia exata, de modo a avaliar,
quantitativamente, prazer e dor. Acreditavam que esta mensurao, repousando no
pressuposto de que as pessoas seriam racionais frente aos seus prprios interesses,
poderia permitir comparaes entre diferentes indivduos, ao apreciar cada lei e ato,
cotejados ao prazer ou dor totais que originaria m. Para a Psicanlise, nem a dinmica
psquica passvel de medio objetiva nem, tampouco, predomina o modo de operar
racional entre as pessoas.
Bentham acreditava, ainda, que o dinheiro seria capaz de medir a quantidade de prazer ou
dor, se no de for ma perfeita, ao menos permitindo algum tipo de avaliao. Sobre a
riqueza, postulava que teria utilidade marginal decrescente em relao felicidade, de
modo que o aumento da riqueza no traria aumento proporcional do bem-estar. Esta
idia, alis, encontra respaldo em pesquisas da Psicologia Econmica atual (cf., por
exemplo, Belk, 1999 8 ).
BELK, Russell. Money. In P. EARL e S. KEMP (eds.), The Elgar Companion to ConsumerPsychology
and Economic Psychology. Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar, 1999.
9
O princpio marginal foi, originalmente, desenvolvido por David Ricardo (1772-1823), economista ingls
da Escola Clssica, criada por Adam Smith, e defensor do laissez-faire, dentro de uma teoria sobre a renda.
Os marginalistas estenderam esta noo, com modificaes, teoria econmica como um todo (Oser e
Blanchfield, 1987, p.87, 92, 96, 207).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
159
depende da utilidade marginal, descrita como um fenmeno psquico que pode abranger
esforos, sacrifcios, renncias etc.
Podemos identificar alguma convergncia com a Psicanlise no que se refere a esta viso
sobre satisfao, prazer e insatisfao, embora parea restringir-se ao seu papel como
ponto de partida de fato, o desejo de conseguir a maior satisfao possvel para suas
necessidades pode ser entendido como a fora motriz para muitas de nossas decises e
comportamentos ou, mesmo, para nossa prpria existncia. J ao afirmar que os agentes
econmicos so capazes de classificar satisfaes tanto em escalas ordinais, como
tambm cardinais, deixa o terreno que poderia partilhar com a perspectiva psicanaltica.
10
160
Alm disso, pode-se objetar, tambm, ao fato de suas suposies advirem de observaes
do senso comum, carecendo maior aprofundamento at mesmo para implicaes dentro
da prpria Economia.
Assim, em que pese estes pensadores da Economia partirem do vrtice de prazer e dor,
ou satisfao e insatisfao, tal como encontramos na teoria psicanaltica dos princpios
do funcionamento mental, uma associao entre as duas vises no se sustentaria em
virtude da funo que este ngulo ocupa nas respectivas disciplinas. Na Economia,
161
ponto de partida, para procurar medidas exatas referentes a valor econmico ou
monetrio, e ponto de chegada, para explicar escolhas feitas, ao passo que na Psicanlise
diz respeito economia psquica dos indivduos e grupos, que tambm visam, sempre, o
objetivo de satisfazer seus impulsos ou desejos, porm, tem-se interesse, neste caso, em
conhecer todo o percurso at suas decises, econmicas ou no, e no apenas os
resultados finais.
11
J o consagrado economista do sculo XX, John Maynard Keynes, cujas idias opem-se ao mainstream,
pode ter tido contato direto com noes freudianas, como observa o psiclogo econmico Wrneryd: Em
alguns contextos, Keynes (1936) usou o conceito de espritos animais para designar o que muitos outros
autores denominam fatores psicolgicos. Ele o definiu como um tipo de otimismo espontneo que fazia
com que empreendedores otimistas investissem dinheiro em suas prprias idias. interessante observar
que Keynes pode ter sido influenciado pela Psicanlise quando formulou algumas idias em seu [livro]
General Theory (Winslow, 1986). Keynes era prximo do chamado grupo Bloomsbury, que tambm
inclua defensores da Psicanlise. Winslow encontrou evidncias indiretas de influncia psicanaltica sobre
a discusso de Keynes sobre preferncia por liquidez (fixao anal) e espritos animais. Em seu trabalho
anterior, A Treatise on Money, Keynes mencionou algumas idias de Freud em notas de rodap, mas no
General Th eory no fez nenhuma referncia Psicanlise. Keynes pode ter sabido mais sobre psicanlise
do que sobre psicologia, exceto pela psicologia baseada em suas prprias observaes. Muito do raciocnio
psicolgico relacionava-se incerteza sobre o futuro e expectativas que substituam o conhecimento certo,
uma rea inexplorada por psiclogos naquela poca. (Wrneryd, 2005b, p.12. No original: In some
contexts, Keynes (1936) used the concept of animal spirits to designate what many other writers call
psychological factors. He defined it as a kind of spontaneous optimism that made entrepreneurs
optimistically invest money in their own ideas. Interestingly, Keynes may have been influenced by
psychoanalysis when he formulated some of the ideas in his General Theory (Winslow, 1986). Keynes was
close to the so-called Bloomsbury group, which also included advocates of psychoanalysis. Winslow found
indirect evidence for psychoanalytic influences in Keyness discussion of liquidity preference (anal
fixation) and of animal spirits. In his earlier work A Treatise on Money, Keynes mentioned some of Freuds
ideas in footnotes, but in General Theory he did not refer at all to psychoanalysis. Keynes may have known
more about psychoanalysis than about psychology, except for the psychology based on his own
observations. Much of his psychological re asoning was related to the uncertainty of the future and
expectations that replaced certain knowledge, an area unexplored by psychologists in those days.)
162
Tibor Scitovsky, autor do famoso livro The Joyless Economy (1976 12 ), resgata autores
que apresentamos acima, a fim de propor um modelo para uma teoria econmica sobre
satisfao humana mais geral (1986-1990, p.17413 ). Ele afirma que a Economia aborda o
modo pelo qual a interao e a cooperao entre as pessoas, com o objetivo de satisfazer
seus desejos, est assegurada e organizada (p.173), mas critica o gradual abandono, por
parte de economistas, das linhas de investigao abertas pela herana filosfica comum,
que haviam legado interessantes insights psicolgicos nos primrdios de sua disciplina,
em favor de maior sofisticao quantitativa de seus modelos 14 .
O autor, por sua vez, pretende manter a presena dos elementos psicolgicos na defesa
que faz de uma maior abrangncia das atividades econmicas, de modo a compreender
aquelas que, sendo fsicas ou mentais, so realizadas pelo prazer que proporcionam,
dependendo de fatores como os diferentes nveis de energia, as inclinaes e os talentos,
que levaria m as pessoas a buscar estimulao em diversas fontes, maneiras e
intensidades 15 . Em seguida, aponta limitaes viso de incentivo econmico, que nem
sempre se aplicaria como motivao, diferentemente do que postula a teoria econmica
tradicional, afirmando que seu modelo poderia acomodar todos os tipos de atividade,
econmicas ou no-econmicas, j que a linha divisria entre elas poderia ser traada
conforme diversas classes de variveis. A nfase de seu modelo recai sobre a introduo
de atividades prazerosas, realizadas simplesmente pelo prazer que proporcionam, no
12
SCITOVSKY, Tibor. The Joyless Economy. New York: Oxford University Pres, 1976. Em Portugus, A
Economia sem alegria, seria uma possvel traduo.
13
SCITOVSKY, Tibor. Psychologizing by economists. In A. J. MacFADYEN e H. W. MacFADYEN
(eds.) [1986] Economic Psychology intersections in theory and application. Amsterdam: Elsevier Science
Publishing. 2.ed. 1990.
14
Os economistas pareceram aceitar alguns destes insights sem questionamento, como suposies
psicolgicas exogenamente oferecidas, sobre as quais baseariam seus modelos de economia; mas ento,
medida que melhoravam seus modelos, tornando-os mais rigorosos, mais quantitativos e mais elegantes,
eles, gradualmente, simplificaram e reduziram estes alicerces psicolgicos at quase o ponto de sumirem
completamente. (Scitovsky, 1986 -1990, p.166. No original: The economists seemed o accept these
insights unquestioningly as exogenously given psychological ass umptions on which to base their models of
the economy; but then, as they improved their models, making them more rigorous, more quantitative, and
more elegant, they gradually simplified and whittled down those psychological underpinnings to almost
vanishing point.)
15
curioso notar a semelhana entre as caractersticas listadas por Scitovsky, e aquelas que compem o
impulso, na teoria psicanaltica: fonte, intensidade ou fora, objeto (que pode proporcionar sua
gratificao), objetivo ou meta (FREUD, Sigmund. [1915c] Os instintos e suas vicissitudes. Vol. 14
da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro,
Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.)
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
163
estudo do comportamento econmico individual. Mais uma vez, delimitamos distines
em relao perspectiva psicanaltica, que procura ir alm da questo da gratificao
podemos dizer que , justamente, o que ocorre quando no h gratificao que nos
interessaria em especial (cf. a discusso sobre tolerncia frustrao, frente, seo
4.6).
16
() sovereign masters [that] point out what we ought to do, as well as determine what we shall do.
(p.2). KAHNEMAN, Daniel. Experienced Utility and Objective Happiness: a Moment-Based Approach. In
D. Kahneman & A. Tversky (eds.) Choices, values and frames. New York: Cambridge University Press e
Russell Sage Foundation, 2000.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
164
caractersticas afetivas ou hednicas. Em sua defesa, o autor alega que a memria pode
sofrer distores importantes, exemplificando, com situaes experimentais, alteraes
tais como: negligncia da durao (esta varivel temporal pode no integrar a avaliao
de utilidade lembrada de um episdio); regra do pico-fim (a avaliao da intensidade
costuma basear-se nos momentos de pico e no final da experincia, sem levar em conta,
necessariamente, o todo); violaes de dominncia (surpreendentemente, o acrscimo de
um perodo de dor a um episdio aversivo pode aumentar sua utilidade lembrada, ao
reduzir a mdia oferecida pelo pico-fim). Em suma, o que lembrado no deve ser
tomado como a realidade indiscutvel (op. cit., p.4-5). Este ponto converge com o
enfoque de teorias psicanalticas que, da mesma forma, colocam em xeque a preciso da
memria (cf., por exemplo, Freud, 1899 17 ).
FREUD, Sigmund. (1899) Lembranas encobridoras. Vol. 3 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
18
BION, Wilfred. Transformations. Londres: William Heinemann Medical Books Limited, 1965.
19
KAHNEMAN, Daniel. Experienced Utility and Objective Happiness: a Moment-Based Approach. In D.
Kahneman & A. Tversky (eds.) Choices, values and frames. New York: Cambridge University Press e
Russell Sage Foundation, 2000.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
165
conceito baseado no momento e operacionalizado por intermdio das medidas do estado
afetivo dos indivduos em determinados momentos. Neste sentido, diferiria das medidas
habituais de bem-estar subjetivo, que so baseadas em lembranas, exigindo avaliaes
globais do passado recente por parte dos sujeitos. A questo da objetividade se referiria
ao fato da avaliao de felicidade ser feita conforme regras objetivas, embora Kahneman
reconhea que os dados considerados sejam, naturalmente, experincias de carter
subjetivo (op. cit., p.1020 ). O autor acredita, ainda, que a simplicidade de sua escala possa
vir a ser compensada por novas pesquisas realizadas no mbito da neurocincia, que
poderiam oferecer correlatos psicofsicos sua mensurao.
20
O mtodo empregado requer o uso, por parte dos sujeitos, de palmtops que apitariam em momentos
aleatrios; nestes momentos, os sujeitos deveriam indicar seu estado de esprito numa espcie de tabela ou
grade circular contendo polaridades afetivas como: prazer, desconforto, excitao e neutralidade
(Kahneman, 2000, p.11).
21
FREUD Sigmund. (1895-1950) Projeto de uma psicologia cientfica. Vol.1 da Edio Standard
Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad.
Jayme Salomo.
22
KLEIN, Melanie. (1963) Nosso mundo adulto e suas razes na infncia. In O Sentimento de Solido
Nosso Mundo Adulto e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Imago, 1985. Trad. Paulo D. Corra.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
166
Ao destacar, porm, a importncia da utilidade do momento, estaria Kahneman dando
peso maior a um funcionamento de acordo com o princpio do prazer, naquilo que este
tem de valorizao do momento e da satisfao imediata? Ele atenua, at certo ponto, a
possibilidade deste vis ao declarar que a felicidade objetiva no visa ocupar o lugar de
um conceito amplo sobre o bem-estar humano seria, antes, um componente muito
significativo daquele (Kahneman, 2000, p.19). Em suas palavras:
Maximizar o tempo passado no lado direito da grade de afeto [associado ao prazer]
no o valor mais importante na vida, e adotar tal critrio como uma orientao para
a vida pode ser moralmente errado e, talvez, auto-enganador. No entanto, a proposta
de que o lado direito da grade seja um lugar mais desejvel no particularmente
controversa. De fato, pode haver mais diferenas entre culturas e sistemas de
pensamento sobre a posio tima na dimenso da excitao alguns preferem a paz
da serenidade, outros, a exultao da f ou as alegrias da participao. Felicidade
objetiva o denominador comum das vrias concepes de bem-estar. (op. cit., p.19,
grifo nosso23).
Maximizing the time spent on the right side of the affect grid is not the most significant value in life,
and adopting this criterion as a guide to life may be morally wrong, and perhaps also self-defeating.
However, the proposition that the right side of the grid is a more desirable place to be is not particularly
controversial. Indeed, there may be more differences among cultures and systems of thought about the
optimal position on the arousal dimension some prefer the bliss of serenity, others favor the exultation of
faith or the joys of participation. Objective happiness is a common denominator for various conceptions of
well-being. (Kahneman, 2000, p.19).
24
Em seu discurso, em 2005, Porta afirma que Kahneman dedica-se, na atualidade, a pesquisar o tema da
felicidade, a partir do exame de emoes, afetos, sensaes e experincias hednicas, com o objetivo de
estabelecer um ndice de bem-estar nacional, que substituiria a renda como indicador padro (Porta,
2005, p.7). O economista do sculo XIX F. Y. Edgeworth, alis, j havia proposto, em 1879, um
hedonmetro, para calcular o prazer com preciso (Read, 2004).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
167
pblica, em decorrncia de todas as transformaes embutidas na mensurao de
satisfao, de um lado, e na prpria condio desta avaliao ser precisa, de outro (op.
cit., p.19). Esta apenas uma situao que ilustra a importncia de prosseguir-se nesta
linha de investigao e debate.
Num trabalho que comenta as idias desenvolvidas por Kahneman, a partir dos
utilitaristas, Read (2004 25), prossegue, por caminhos curiosos, at chegar a uma
concluso quase desconcertante: depois de apontar as inmeras possibilidades de falhas
associadas percepo da utilidade de deciso (incapacidade natural para maximizar
prazer futuro, lembranas imperfeitas de sentimentos passados, memria seletiva para
pico e fim, com desateno durao, de modo que, ao lembrar-se, incorretamente, de
utilidade passada, pode-se incorrer em erros nas prximas esco lhas), o autor afirma que,
talvez, nosso objetivo devesse ser a maximizao da utilidade experimentada, sem
preocupaes quanto a funes adicionais que dela poderiam decorrer avaliar prazer e
dor ou, em termos gerais, felicidade, deveria ser a finalidade ltima. Esta posio nos
surpreende. Para ns, prazer e dor seriam o semforo (e o autor lana mo exatamente
desta analogia, que vimos empregando) inicial, bsico, nunca o ponto final, como ficar
claro adiante (cf. 4.6, p.198).
J Costa (2004 26 ), psicanalista brasileiro, chama a ateno, por meio da anlise
empreendida por Hannah Arendt (2000 apud Costa, 2004), para o fato de que a busca
utilitarista
pela
felicidade,
conforme
propunha
Bentham,
apresenta-se
como
READ, Daniel. Utility theory from Jeremy Bentham to Daniel Kahneman. Working Paper No.: LSEOR
04-64. Londres: Department of Operational Research, London School of Economics and Political Science,
2004.
26
COSTA, Jurandir Freire. Declnio do comprador, ascenso do consumidor. In O vestgio e a aura
corpo e consumismo na moral do espetculo. Rio de Janeiro: Garamond, 131-183, 2004.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
168
experincia, sem vinculao obrigatria a sensaes ou estmulos que o provocam, pois
sendo de ordem emocional, prazer remeteria a desejo e no a necessidades corporais
concretas. Esta distino permite concluir que, se a realidade pode oferecer satisfao,
iluses e enganos so capazes de proporcionar prazer (p.146). Iluses e enganos, so,
efetivamente, objeto de exame tanto da Psicologia Econmica, como da Psicanlise, e
esto no centro do modelo que propomos. Nas duas prximas sees, introduzimos
algumas descobertas sobre este tema, em pesquisas da interface Psicologia - Economia.
27
AINSLIE, George. Prcis of Breakdown of Will. Behavioral and Brain Sciences. 28: 635 673, 2005.
AINSLIE, George. Picoeconomics:The strategic interaction of successive motivational states within the
person. Cambridge: Cambridge University Press, 1992 (apud AINSLIE, 2005a).
29
http://www.picoeconomics.com/ - acesso em 20.11.06.
28
169
uma recompensa futura numa curva mais agudamente inclinada do que a curva
racional, prevista pela Economia tradicional, que exponencial. Dentro de um
gradiente de postergao que pode ir de segundos a dcadas, entre pares de recompensas
alternativas, podem ser identificadas preferncias por recompensas menores, que venham
mais rpido, quelas, maiores, porm, posteriores, quando a espera pela recompensa
menor for curta e, de outro lado, por recompensas maiores e posteriores, quando a
alternativa menor ser adiada, mesmo que o intervalo entre ambas permanea o mesmo.
Self, em ingls, o si mesmo, ou a totalidade da personalidade (no plural, selves). O termo muito usado
na Psicanlise.
31
Um box no corpo do artigo (Ainslie, 2005a, p.635), informa que o autor, enquanto era estudante de
Medicina em Harvard, props que uma funo, recentemente descoberta, a respeito de escolha entre
recompensas no previstas, poderia ser aplicada a recompensas previsveis, sob a forma de uma curva de
desconto hiperblico. A demonstrao emprica desta curva irracional e suas implicaes, a saber,
mudanas como funo de proximidade, longos conflitos de interesse dentro do prprio indivduo e
barganha intertemporal entre estes interesses, tm sido o cerne de seu trabalho nos ltimos 40 anos. Seus
experimentos comportamentais e dedues tericas tm sido publicadas em peridicos de Psicologia,
Filosofia, Economia e Direito, livros e captulos de livros.
32
ODONOGHUE, Ted & RABIN, Matthew. The Economics of immediate gratification. Journal of
Behavioral Decision Making, 13 (2): 233-250, 2000.
33
Embora no seja, declaradamente, um economista comportamental, Gianetti tem incorporado dimenses
filosficas e biolgicas s suas teorias econmicas, bem como consideraes sobre a subjetividade. Cf., por
exemplo, GIANETTI, Eduardo. O valor do amanh ensaio sobre a natureza dos juros. So Paulo:
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
170
Em seu artigo, Ainslie (2005a) levanta questes bastante interessantes: seriam nossas
escolhas ditadas por julgamentos ou desejos? (p.636); o self descrito como uma
populao, manifestando-se como um bazar de faces parcialmente incompatveis,
onde, a fim de prevalecer, uma opo tem que, no apenas prometer mais do que suas
concorrentes, mas agir estrategicamente para impedir que estas, mais tarde, venham a
solap-la (p.63734 ). Um psicanalista teria grande facilidade para assinar embaixo de
uma descrio desta natureza, tanto no que diz respeito s relaes objetais, conforme
prope Klein (cf. por exemplo, 1952-1982 35 ), como na prpria concepo de conflito
psquico, que permeia toda a obra de Freud e seus seguidores. Contudo, embora cite,
nominalmente, a influncia do inconsciente sobre as escolhas (Ainslie, 2005a, p.638), o
autor no se refere a Freud ou a outros psicanalistas.
Ainslie defende que sua teoria sobre desconto hiperblico subjetivo poderia fornecer
explicaes mais plausveis para o fato de impulsos, to freqentemente, contradizerem o
que reconhecido como escolhas mais favorveis pessoa, restando verificar como se
aprenderia o auto -controle que permite a adaptao a um mundo competitivo. A
volatilidade no que diz respeito s preferncias poderia sugerir que uma populao de
processos de busca por recompensa conflitante crescer e sobreviver dentro do
indivduo, algumas vezes induzindo-o a escolhas que lhe so danosas no longo prazo
(op. cit., p.637 36 ). E, sublinha o autor, tal percepo nos causa grande desconforto. Alis,
chega a afirmar que estes impulsos, agindo de forma quase autnoma dentro do
indivduo, podem ser sentidos por ele como foras estrangeiras ou aliengenas (alien
forces, no original, p.638). No teramos aqui, mais uma vez, uma inegvel aproximao
Companhia das Letras, 2005. Anteriormente, j transitara por alguns destes caminhos, com Auto-engano
(So Paulo: Cia. das Letras, 1997).
34
()a bazaar of partially incompatible factions, where, in order to prevail, an option has not only to
promise more than its competitors, but to act strategically to keep the competitors from later undermining
it. (Ainslie, 2005a , p. 637)
35
KLEIN, Melanie. [1952] Algumas Concluses Tericas sobre a Vida Emocional do Beb. In J. RIVIERE
(org.), Os Progressos da Psicanlise, Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
36
() a population of conflicting reward-getting processes will grow and survive within the individual,
some times leading to choices that are harmful to her in the long run. (Ainslie, 2005a, p. 637).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
171
descrio psicanaltica da parania, com todos os seus componentes de projeo e
identificao projetiva (cf. por exemplo, Klein, 1946-198237 , Joseph, 1991 38 )?
Embora a teoria contenha diversos outros aspectos, limitamo- nos, aqui, a destacar que
sua linha de raciocnio o leva a questionar o valor da teoria de utilidade convencional,
que no descreveria adequadamente os princpios elementares de escolha, uma vez que
representaria, na verdade, uma inveno cultural mais elevada, que no funciona,
necessariamente, em todas as pessoas ou situaes (p.65039 ). Podemos reconhecer,
nestas palavras, outra noo cara Psicanlise o conflito entre satisfao pulsional, de
um lado, e exigncias da civilizao, de outro (cf. Freud, 1930-197640 ).
KLEIN, Melanie. [1946] Notas sobre alguns Mecanismos Esquizides. In Os progressos da Psicanlise.
Rio de Janeiro: Zahar, 1982. Trad. lvaro Cabral. 3.ed.
38
JOSEPH, Betty. Identificao Projetiva - alguns aspectos clnicos. In E.B. SPILLIUS, (ed.), Melanie
Klein Hoje desenvolvimentos da teoria e da tcnica, vol.1. Rio de Janeiro, Imago, 1991. Trad. Belinda
Mandelbaum.
39
() represents a higher-order cultura l invention that doesnt t necessarily operate in all people or in all
situations . (Ainslie, 2005a, p. 650).
40
FREUD, Sigmund. [1930] O mal-estar na civilizao. Vol. 21 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
41
FREUD, Sigmund. [1911 ] Formulaes sobre os Dois Princpios do Funcionamento Mental. Vol.12
da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro,
Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
42
GIANETTI, Eduardo. O valor do amanh ensaio sobre a natureza dos juros. So Paulo: Companhia
das Letras, 2005.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
172
para tratar do assunto. Ele chama a ateno, tambm, para o fato de que tanto o futuro
pode ser subestimado, numa manifestao equivalente miopia, como o presente ser
subestimado, ou seja, uma hipermetropia, que leva a considerar apenas o que est no
futuro, mais uma vez distorcendo os fatos, como exemplos de desconto subjetivo.
ODonoghue e Rabin (2000 43 ) examinam o mesmo vrtice da gratificao imediata
versus postergada, tambm com a incluso do conceito de desconto hiperblico subjetivo,
em contextos que indicariam problemas de auto-controle, como uso de drogas, teoria do
incentivo e escolha do consumidor e marketing. O desconto hiperblico subjetivo aponta
para situaes em que a pessoa possa preferir uma opo quando esta for oferecida em
determinado momento e, outra, se oferecida em outro momento, embora as perspectivas
sejam equivalentes em ambos os casos44 .
ODONOGHUE, Ted & RABIN, Matthew. The Economics of immediate gratification. Journal of
Behavioral Decision Making, 13 (2): 233-250, 2000.
44
Voc prefere receber 50 reais agora, ou 60 daqui a um ms? Em geral, opta-se pelos 50 j. Por outro
lado, se a pergunta for: prefere receber 50 daqui a um ano, ou 60, daqui a um ano e um ms?, a resposta
costuma ser a segunda alternativa.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
173
contrrio do que poderia satisfazer, privando-se, ao fim e ao cabo, de qualquer satisfao.
Podemos levantar a hiptese para este tipo de insucesso invocando o fato de tal
conhecimento mostrar-se insuficiente no que tange ao aspecto emocional, ou seja, pode
alcanar apenas o estrato intelectual, sem fazer sentido verdadeiro para o indivduo
aquele sentido que capaz de impelir ao aprendizado. Mas retornaremos ao assunto
adiante.
Defendem os autores que as transaes monetrias podem ser, muitas vezes, vagas e
confusas, o que permitiria mltiplas representaes internas por parte dos indivduos. Por
exemplo, quando o ato da compra est separado, no tempo, do consumo da mercadoria, o
45
Para ele, distribumos nossa vida financeira em trs tipos de contas: a conta corrente, de ganhos e
gastos; a conta de bens ou posses; a conta de renda futura. Todas elas seriam administradas de forma
subjetiva, isto , sem guardar relao ntida com a realidade dos fatos, conforme revela o exemplo deste
artigo.
46
SHAFIR, Eldar & THALER, Richard. Invest now, drink later, spend never: on the mental accounting of
delayed consumption. Journal of Economic Psychology, 27 (5): 694-712, 2006.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
174
valor desta pode se modificar em funo de vrios fatores como depreciao, valorizao,
valor de mercado, custo do dinheiro, gosto pessoal, o que pode induzir a avaliaes
subjetivas e, portanto, diferenas em relao ao custo objetivo, como quereria a
Economia tradicional. Assim, nesta pesquisa, identificam que, quanto mais tempo passar
entre a compra dos vinhos e seu consumo, menor valor ser atribudo ao gasto monetrio
em que se incorreu, efetivamente, para sua aquisio. Observam, por outro lado, que,
caso o vinho, ao invs de ser saboreado ou presenteado a um amigo, venha a quebrar-se,
acidentalmente, o valor original como que ressurge, e a sensao de ter perdido at
mais do que se despendeu poca, j que ele teria se valorizado com o passar dos anos.
Em outros contextos, o valor pode estar vinculado histria do bem em questo para seu
proprietrio, o que pode independer de seu valor de uso ou de mercado.
47
175
tanto por psiclogos e pesquisadores de processos decisrios na interface PsicologiaEconomia, com destaque para Gigerenzer e seu grupo (1999 49 ), como por neurocientistas.
Os autores ressaltam que, desde Simon (1983 apud Muramatsu e Hanoch, 2005) a
questo
vem
sendo
pensada
investigada,
apesar
da
nfase
ter
recado,
Gigerenzer,Gerd, Todd,P.M. & the ABC Research Group. Simple heuristics that make us smart. New
York: Oxford University Press, 1999. Apud Muramatsu e Hanoch, 2005.
50
Ver, por exemplo, o que o prprio Simon afirma sobre isto: Ns podemos considerar o comportamento
irracional porque, embora ele sirva a algum impulso em particular, inconsistente com outras metas que
possamos considerar mais importantes. Podemos consider-lo irracional porque o ator est utilizando fatos
incorretos ou ignorando vastas reas de fatos relevantes. Podemos consider -lo irracional porque o ator no
chegou a concluses corretas a partir de fatos relevantes. Podemos consider -lo irracional porque o ator no
levou em conta importantes cursos de ao alternativos. Se a ao envolve o futuro, como o caso na maior
parte das vezes, podemos consider-lo irracional porque no acreditamos que o ator utilize os melhores
mtodos para estabelecer suas expectativas ou para adaptar-se incerteza. Todas estas formas de
irracionalidade tm papel importante na vida de cada um de ns, mas penso que seja incorreto denominlos irracionalidade. So melhor vistos como formas de racionalidade limitada. (1985, p.297 apud
Muramatsu e Hanoch, 2005, p. 211; do original: We may deem behavior irrational because, although it
serves some particular impulse, it is inconsistent with other goals that we may deem more important. We
may deem it irrational because the actor is proceeding on incorrect facts or ignoring whole areas of relevant
facts. We may deem it irrational because the actor has not drawn the correct conclusions from the facts. We
may deem it irrational because the actor has failed to consider important alternative courses of action. If the
action involves the future, as most action does, we may deem it irrational because we do not think the actor
uses the best methods for forming expectations or for adapting to uncertainty. All of these forms of
irrationality play important roles in the lives of every one of us, but I think it is misleading to call them
irrationality. They are better viewed as forms of bounded rationality ).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
176
viso, as heursticas so entendidas como rpidas devido ao fato de basear-se em poucas
pistas, sem muito esforo computacional, e frugais, por empreenderem uma busca
seletiva de dados e alternativas no ambiente, podendo utilizar, at mesmo, uma nica
pista (op. cit., p.211-212). Desta forma, as emoes funcionariam como processos
heursticos baseados em pistas, que fornecem solues para tarefas decisrias especficas
(p.215). Apesar de considerar a importncia da proposta de Gigerenzer (1999 apud
Muramatsu e Hanoch, 2005, p. 216) para estudos sobre racionalidade no mundo real que,
em oposio ao critrio de coerncia, sugere o de correspondncia, pelo qual o
desempenho seja avaliado pela correspondncia entre estratgia e ambiente, os autores
declaram que esta ltima, dificilmente, poderia substituir de forma integral o sentido de
consistncia interna da teoria da racionalidade. Alternativamente, sugerem uma
complementao entre as duas vises, coerncia e correspondncia.
177
Consideramos que o processo tenha incio com a primeira etapa da trajetria da deciso,
representada pela percepo, objeto de nossa anlise na prxima seo, a ltima antes da
apresentao de nossa proposta.
Antes de Kahneman voltar-se ao hedonismo, ele havia produzido com Tversky, como j
vimos (cap.3.13), estudos experimentais, com base na estatstica e na lgica formal, que
foram considerados como pedras de toque para a Psicologia Econmica 51 . Neles,
exploraram aspectos constituintes da experincia de perceber, avaliar e estimar
probabilidades com o intuito de escolher a que melhor se apresentasse.
Selecionamos trs deles, para uma anlise mais detalhada: os artigos de 197452 e 197953 ,
que so clssicos no campo, por sua influncia sobre teorias e pesquisas desenvolvidas
desde ento, e o discurso de Kahneman (2002 54 ), que discutimos no captulo anterior. A
razo para esta seleo est no fato destes artigos apresentarem noes a respeito de
limitaes cognitivas que, acreditamos, podem ser iluminadas por elementos pertencentes
esfera emocional do funcionamento mental. Pretendemos obter, desta maneira, mais
uma entrada para teorias e observaes psicanalticas 55 que gostaramos de propor como
expanses ao exame da tomada de deciso.
51
178
Tversky e Kahneman (1974) afirmam que muitas decises so baseadas em crenas sobre
a probabilidade a respeito de eventos incertos e indagam-se o que determinaria tais
crenas e como as pessoas avaliam a probabilidade de um evento incerto. A hiptese que
levantam e testam, por meio de inmeros experimentos realizados com sujeitos diante
de situaes que deveriam avaliar e, depois, escolher a alternativa que pareceria mais
correta a seguinte: as pessoas se baseariam num nmero limitado de princpios
heursticos (que so as chamadas regras-de-bolso, ou atalhos mentais cf. cap.3.13),
que reduzem a complexidade das tarefas de avaliar probabilidade e prever valores,
tornando-as operaes de julgamento mais simples; ao lanar mo destes recursos,
contudo, fica-se sujeito a incorrer em erros sistemticos, isto , comuns maioria da
populao, em termos de enviesamento da percepo e da avaliao. Em outras palavras,
h uma transformao dos dados percebidos, que pode ser profunda e chegar a alterar de
modo significativo as escolhas posteriormente feitas. Entre as heursticas que induzem a
vieses, eles relatam aquelas que envolvem representatividade56, disponibilidade57 e
ajustamento por ancoragem58 .
179
especialistas em estatstica ou experientes pesquisadores, o que poderia surpreender, caso
nos circunscrevssemos apenas esfera intelectual. Como veremos depois, ao ampliar a
questo para o terreno emocional, esta surpresa pode se reduzir, uma vez que emoes
podem ser to mais poderosas do que diplomas ou excelncia no campo da razo.
No artigo de 197959 , os autores retornam s hipteses verificadas anteriormente e, mais
uma vez com base em experimentos, reforam a idia de que tendemos a avaliar
perspectivas futuras envolvendo incerteza e risco de maneira parcial, em franco
questionamento Teoria da Utilidade Esperada 60 , carro-chefe da Economia tradicional.
Por exemplo, as pessoas subestimariam resultados provveis, chegando, em casos de
baixa probabilidade, a enxergar esta probabilidade como equivalente a zero, isto ,
apagando sua existncia, ao passo que altas probabilidades passariam a representar
certezas, mais uma vez desprezando fatores (de risco) que poderiam ser importantes nesta
avaliao 61 .
KAHNEMAN, Daniel e TVERSKY, Amos. Prospect Theory: an analysis of decision under risk.
Econometrica, 47 (2), 1979.
60
Numa descrio concisa, diramos que esta teoria, que prope um modelo normativo de tomada de
decises, repousa sobre a suposio de que pessoas racionais desejariam obedecer aos axiomas da teoria
(sobre maximizao da utilidade, com averso a risco e considerao apenas pelo estado final de seus
bens, negligenciando estados intermedirios representados por ganhos e perd as, por exemplo, alm da viso
de consistncia nas escolhas, sempre mantida, sob quaisquer circunstncias) e, na maioria das vezes,
obedeceriam a eles, de fato (Kahneman e Tversky, 1979).
61
Ver, a este respeito, uma das maneiras de operar que caracteriza os processos inconscientes, de acordo
com a Psicanlise, nos quais no se encontra graus de dvida ou certeza as coisas simplesmente so (cf.
FREUD, Sigmund. [1915a] O inconsciente. Vol. 14 da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas
Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.)
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
180
distores dos dados percebidos e processados podem resultar em aes que no se
pretendia empreender, como por exemplo, correr ainda mais riscos quando se est
perdendo dinheiro.
62
KAHNEMAN, Daniel. Maps of bounded rationality: a perspective on intuitive judgment and choice.
Prize lecture Nobel Prize, 2002.
63
Ele cita, a este respeito, Slovic, P., Finucane, M., Peters, E., & MacGregor, D. G. The affect heuristic. In
T.Gilovich, D. Griffin & D. Kahneman (Eds.), Heuristics and biases (pp.397420), 2002.
64
The idea of an affect heuristic (Slovic et al., 2002) is probably the most important development in the
study of judgment heuristics in the last decades. There is compelling evidence for the proposition that every
stimulus evokes an affective evaluation, which is not always conscious (see reviews by Zajonc, 1980, 1997;
Bargh, 1997). Affective valence is a natural assessment, and therefore a candidate for substitution in the
numerous responses that express attitudes. Slovic and his colleagues (Slovic et al., 2002) discuss how a
basic affective reaction can be used as the heuristic attribute for a wide variety of more complex
evaluations, such as the cost/benefit ratio of technologies, the safe concentration of chemicals, and even the
predicted economic performance of industries. Their treatment of the affect heuristic fits the present model
of attribute substitution. In the same vein, Kahneman and Ritov (1994) and Kahneman, Ritov, and Schkade
(1999) proposed that an automatic affective valuation the emotional core of an attitude is the main
determinant of many judgments and behaviors. (Kahneman, 2002, p.22; grifado no original).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
181
4.6. UM MODELO PSICANALTICO PARA TOMADA DE DECISO E AS
DECISES ECONMICAS
Nossa primeira contribuio contempla, justamente, esta heurstica afetiva ou, como
preferimos denominar, o componente emocional65 que est presente em todas as aes
humanas, tanto no plano psquico, como no sensorial. Partimos do pressuposto da
existncia deste elemento para propor nosso modelo 66 de tomada de deciso
fundamentado na Psicanlise, que se apia em teorias e observaes centradas nas
noes desenvolvidas, desde Freud, Klein e, levando a nveis de estimulante
aprofundamento, Bion, em torno de uma teoria do pensar, luz dos dois princpios do
funcionamento mental.
Outros psicanalistas tm, mais recentemente, oferecido contribuies a este tema que nos
aparece como essencial (Rezze, 1994 67 ; Eva et. al., 1995 68; Gimenez, 1997 69 ; Alves,
65
Usamos a expresso como ttulo para a dissertao defendida em 1999 e publicada em 2000
(FERREIRA, Vera Rita M. O componente emocional: funcionamento mental e iluso luz das
transformaes econmicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e Virtual, 2000), onde foi
discutida, em maiores pormenores, a possibilidade de articulao entre os dois princpios do funcionamento
mental, que sero expostos a seguir, e os fenmenos da alta inflao econmica que experimentamos at
1994 e a estabilizao monetria, mesmo que relativa, a partir de ento. Naquele trabalho, sugeriu-se uma
aproximao entre o princpio do prazer e a inflao, explorando o eixo representado pela iluso, presente
em ambos, ao passo que a estabilizao exigiria operaes psquicas mais sofisticadas, como veremos neste
captulo. O desenvolvimento do modelo ora proposto prossegue, ento, pelas linhas abertas anteriormente,
expandindo o debate, agora, para o mbito das decises econmicas de modo amplo. (cf. tambm, cap.5.2).
66
Albou (1984, p.90-91) define modelo da seguinte forma, que consideramos pertinente: O modelo ,
essencialmente, um sistema de representaes; uma reproduo, uma cpia, uma rplica do real,
qualquer que seja a forma, mental ou fsica, que lhe seja dada. () O modelo uma representao
simplificada, mas adequada, do real. O modelo , portanto, o resultado de um processo de abstrao, mas ,
tambm, uma construo (um constructo). Ele negligencia os detalhes no pertinentes e se limita ao
essencial. Notar-se- que um mesmo modelo pode servir a representar vrios fenmenos distintos (...)
Inversamente, um mesmo fenmeno pode dar lugar a modelos diferentes: ns o verificamos a propsito de
modelos do comportamento econmico. (grifos do autor). ALBOU, Paul. La Psychologie Economique.
Paris: Presses Universitaires de France, 1984.
67
REZZE, Cecil. Um Paradoxo Vital: dio e Respeito Realidade Psquica. In Sociedade Brasileira de
Psicanlise de So Paulo (org.) e L.C.U. JUNQUEIRA FILHO (coord.), Perturbador Mundo Novo. So
Paulo: Escuta, 1994.
68
EVA et. al. Realidade Psquica, Realidade Interna, Realidade Subjetiva. In M.O.A. Frana, e S.M.
Gonalves (org.) Frum de Psicanlise, Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995.
69
GIMENES, Felix. Psicanlise: evoluo e ruptura. In M.O.A.Frana (org.), Acervo Psicanaltico da
Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo, Bion em So Paulo Ressonncias. So Paulo: Imprensa
Oficial do Estado, 1997.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
182
1997 70 so alguns psicanalistas brasileiros tambm voltados para este ponto).
Procederemos, contudo, a um recorte deste amplo conjunto de idias, na medida em que
nosso objetivo, nesta tese, privilegiar uma possvel articulao desta perspectiva com
desenvolvimentos realizados pela Psicologia Econmica, mantendo nosso foco sobre a
questo de tomada de deciso, cujo conhecimento consideramos imprescindvel
investigao de decises econmicas.
Temos conscincia das limitaes bem como das possibilidades representadas pelo
recurso a fundamentos desta natureza. recorrente, por exemplo, o questionamento
acerca da cientificidade da Psicanlise, ao que argumentamos que, efetivamente:
A psicanlise precisa ser tratada cientificamente, para que no haja interferncia de
hbitos e crenas. Analogamente ao que ocorre em um laboratrio de anlises
clnicas, onde a partir de pequena quantidade de material pode-se chegar a resultados
bastante precisos, tambm na psicanlise qualquer fragmento merece total ateno,
pois liga-se psique. Esse modo de ver permite reduzir quantidade em favor de
qualidade. (Philips, 1997, p.159 71 )
183
Psicologia Econmica e, menos ainda, na Economia. Nossa perspectiva no permite
mensurao objetiva nem experimentao, contudo, pode ser til para prosseguir na
anlise de teorias e modelos j propostos e consagrados, dentro da Psicologia Econmica,
considerando que o acervo de conhecimento reunido de forma to pouco ortodoxa,
pelos parmetros positivistas de cincia, possa ter valor especial no que permite
apreender operaes psquicas relevantes ao entendimento das decises econmicas. De
que outro modo, por exemplo, encontraramos pesquisadores dispostos a escutar pessoas
ao longo de muitos anos, com cuidados de rigor e disciplina, at o ponto de identificar
mecanismos bsicos de funcionamento mental? Experincias desta natureza redundariam
em custos quase impensveis, dada a durao mdia de uma anlise. Poderia ser visto,
portanto, como uma perda ou desperdcio no utilizar informaes desta maneira obtidas,
mesmo que soem pouco familiares ao pesquisador de outros campos74 .
Com o objetivo de explicitar o terreno sobre o qual pretendemos construir nosso modelo
de tomada de deciso, apresentaremos, em primeiro lugar, as premissas que o
sustentariam. Ao lado dos fatores externos (sociais, polticos, econmicos, culturais, ou
seja, histricos) a que o indivduo est submetido, o palco onde se d o processo
decisrio a mente75 , tambm chamada de aparelho psquico, que seria constituda por
184
representantes psquicos de instintos, traduzidos como impulsos ou pulses carregados de
desejos (Freud, 1915a 76 , p.213), ou mesmo emoes, como prope Bion (1965 77 , p.67,
que no v distino suficientemente precisa para os termos impulso, emoo e instinto).
Na mente, o tom dado pelos conflitos : entre a poro mais puramente instintiva, de um
lado, e as imposies da vida em sociedade, o empreendimento civilizador da
humanidade, de outro (Freud, 1930 78); entre os impulsos bsicos, de vida versus os de
morte (Freud, 1920 79 ); entre contedos inconscientes que buscam expresso e as foras
da represso80 , que vm em direo contrria ou, para utilizar os termos adotados por
Freud, entre ego, id, superego e a realidade externa, onde o ego desempenha o difcil
papel de coordenador ou administrador das distintas necessidades e presses, que
recebe dos demais 81 . De todo modo, haver, sempre, conflito, enquanto houver vida.
Presses e tenses cessam apenas com o advento da morte, sendo este o principal conflito
impulsos de vida versus impulsos de morte e ele j tem cartas marcadas, uma vez que,
em determinado momento, retornamos todos ao estado inorgnico, como denomina
Freud (1920-197682 ).
Nas pginas seguintes, o conflito representado pela iluso, de um lado, e pelo pensar, de
outro, que tambm se relaciona a este que mencionamos, entre vida e morte, ser o pano de-fundo para a nossa discusso, pelas conseqncias de grande magnitude que pode
dispositivos mediadores para estabelecer um equilbrio entre os seus impulsos antitticos. o resultado
bem-sucedido de tais dispositivos e recursos que gera os estados de harmonia e unicidade, estados esses
que so ameaados por fatores endgenos e exgenos. E como os instintos so inatos, temos de concluir
que existe uma certa forma de conflito desde o princpio da vida. (HEIMANN, Paula. [1952] Notas sobre
a Teoria dos Instintos de Vida e de Morte. In M.Klein, P.Heimann, S.Isaacs e J.Riviere, Os Progressos da
Psicanlise. Zahar: Rio de Janeiro,1982b, p.359).
76
FREUD, Sigmund. [1915a ] O Inconsciente. vol.14 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
77
BION, Wilfred. [1965] Transformations. Londres: William Heinemann Medical Books Limited, 1965.
78
FREUD, Sigmund. [1930]. O mal-estar na civilizao. Vol. 21 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
79
FREUD, Sigmund. [1920]. Alm do princpio do prazer. Vol. 18 da Edio Standard Brasileira das
Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
80
FREUD, Sigmund. [1915a]. O inconsciente. Vol. 14 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo; [1915b] A
represso, id.
81
FREUD, Sigmund. [1923] O ego e o id. Vol.19 da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas
Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
82
FREUD, Sigmund. [1920] Alm do princpio do prazer. Vol.18 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
185
implicar, tanto para a vida mental, como para a econmica ou financeira, no que se refere
s decises econmicas.
Freud considera que a origem das iluses seria encontrada em nossos desejos, o que
justificaria nossa imensa vulnerabilidade a elas (1930-1976, p.44 83). Desta forma, assim
como nossos desejos atuam como poderoso motor para nossos atos, psquicos e objetivos,
podemos esperar, das iluses, poder equivale nte, pela direo desta atrao sobre nossa
mente, uma vez que, embora no exista satisfao plena para os primeiros, nem por isso
deixa-se de busc-la, o que torna as iluses um refgio mais que imperfeito (mesmo que,
freqentemente, parecendo uma espcie de recreio em face da dura realidade...). A
razo para as iluses vicejarem, sem dificuldade, em nosso aparelho mental, jaz na
existncia de uma dimenso da realidade, que psquica; caso contrrio, se nos
movssemos apenas no nvel concreto, as iluses no teriam como se manter a
realidade sensria quase inapelavelmente contundente.
Temos aqui outra premissa importante: entende a Psicanlise que haveria diferentes
nveis de realidade que podem, inclusive, contrapor-se (Eva et. al., 199584, p.274). A
chamada realidade externa ou sensorial captada por nossos sentidos e, grosso modo,
compartilhada pela maior parte das pessoas. J a realidade interna, constituda pelos
desejos inconscientes fantasiados, particular a cada um, dependendo de seus impulsos
ou pulses que, constitucionais em sua origem, sofrem, igualmente, a influncia
determinante do ambiente, desde o incio da vida. Um terceiro nvel, denominado
83
Podemos, portanto, chamar uma crena de iluso quando a realizao de desejo constitui fator
proeminente em sua motivao e, assim procedendo, desprezamos suas relaes com a realidade, tal como
a prpria iluso no d valor verificao. (p.44). FREUD, Sigmund. [1930] O mal-estar na civilizao.
Vol.21 da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de
Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
84
Para uma pormenorizada discusso sobre este tema, cf. EVA, Antonio C., VILARDO, Roberto e
KUBO,Yutaka. Realidade Psquica, Realidade Interna, Realidade Subjetiva. In M.O.A. FRANA e S.M.
GONALVES (org.), Frum de Psicanlise, Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1995.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
186
realidade psquica, seria a resultante da interao entre os dois primeiros, por meio do
emprego dos mecanismos de projeo e introjeo85.
187
personalidade, sendo a conscincia de uma realidade externa, secundria conscincia de
uma realidade psquica interna, pois a conscincia da realidade externa dependeria da
capacidade da pessoa tolerar a existncia de sua prpria realidade interna (op. cit., p.86).
FREUD, Sigmund. [1911] Formulaes sobre os dois princpios do funcionamento mental. Vol. 12
da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro,
Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
91
FEUD, Sigmund. [1921] Psicologia de grupo e anlise do eu. Vol.18 da Edio Standard Brasileira das
Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
188
O pensamento, neste caso, se d mais por imagens e associaes, e no demanda
verificao, enquanto os sentimentos so simples, exagerados e extremados, sem dvida
ou questionamento. De acordo com ele: (...) os grupos nunca ansiaram pela verdade.
Exigem iluses e no podem passar sem elas. Constantemente do ao que irreal
precedncia sobre o real; so quase to intensamente influenciados pelo que falso
quanto pelo que verdadeiro. Possuem tendncia evidente a no distinguir entre as duas
coisas. (op. cit., p.104). Podemos estender esta concepo do funcionamento psquico de
grandes grupos tambm a populaes inteiras, que estariam, desta forma, mais
vulnerveis a percepes e julgamentos pouco rigorosos ou distorcidos. Estas
caractersticas podem ter srias implicaes no mbito da implementao de polticas
econmicas, por exemplo.
As maneiras de atuar, conforme cada um dos dois princpios, embora visando o mesmo
objetivo de reduzir a tenso por meio de evitar desprazer ou buscar prazer, seriam,
porm, praticamente opostas: ao passo que, no caso do princpio do prazer, a mente
busca satisfao imediata, mesmo incorrendo em situaes de risco, pois expe o
indivduo a medidas precipitadas e, em grande parte das vezes, inconsistentes no que diz
respeito a obter prazer verdadeiro e duradouro, no caso do princpio da realidade,
embora de forma mais lenta e trabalhosa, pois depende de maior apuro para encontrar as
respostas que busca, a psique procura reduzir aquela tenso por meio de alteraes
significativas da realidade.
189
poderiam trazer gratificao, de fato), tanto em seu plano externo, como interno ou
psquico.
Premida pela impossibilidade de esperar, a mente busca refgio no conforto que lhe
parea mais mo ainda que no seja verdadeiro o que explicaria nossa considervel
vulnerabilidade s iluses (cf. acima, sobre escolha intertemporal, desconto hiperblico
subjetivo, contas mentais, cap.4.4, e tambm, as distores de percepo e julgamento,
cap.4.5). Tudo que agrada tem muito mais chance de ser considerado real, ao passo que
tudo que traz desconforto ser facilmente ignorado ou, mais especificamente, sua
representao mental sofrer a represso, isto , ser afastada da conscincia, tornandose, a partir de ento, inacessvel a esta. Eva et. al. (1995), descrevem este processo,
enfatizando a influncia das emoes sobre ele:
Sempre que uma idia nova est em formao ou gestao, temos sinais que nos
previnem de que uma experincia catastrfica est prestes a ocorrer. Uma das
caractersticas dessa experincia que necessrio ser reorganizar todo um
conhecimento pensado, j articulado no ego; os significados sero reagrupados ou
reorganizados. A angstia diante disso evidente.
Freqentemente esse incio de aprendizado a formao de elementos alfa92
propcios ao pensamento e ao aprendizado via experincia emocional pode ser
impedido, revertido e reorganizado como um elemento no-novo, conhecido, j
classificado em nosso comportamento grupal, por exemplo. H uma reverso de
evoluo para que a ordem dentro do psiquismo seja mantida e a catstrofe de uma
nova organizao de pensamento no enfrente a anterior. (op. cit., p.283).
Bion atribui funo-alfa a capacidade de operar sobre as impresses sensoriais conscientes, sejam elas
quais forem, no sentido de produzir elementos-alfa que, por sua vez, poderiam ser guardados sob a forma
de lembranas ou elementos onricos. Porm, se perturbada, implicaria uma ausncia de transformao
sobre as impresses sensoriais e emoes, que no se prestariam mais a gerar pensamentos. (Bion, 1962,
p.6). Para ele, funo-alfa compreenderia: imagens visuais, padres auditivos e olfativos. Contudo, afirma:
Recorri, intencionalmente, expresso funo-alfa por ser destituda de sentido.(...) importa que no se
atribua, prematuramente, quela expresso, o papel de comunicar significaes, pois os significados
prematuros podem, exatamente, constituir o que nos competia eliminar. (p.19. BION, Wilfred. [1962] Os
Elementos da Psicanlise. (inclui O Aprender com a Experincia). Rio de Janeiro: Zahar, 1966. Trad.
J.Salomo e P.D.Correa.)
93
Ver nota 5, p.3, cap.1.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
190
sofrer, ainda, esta vicissitude da represso, ganhando status de como se no existissem.
Tais manobras comprometeriam de forma ainda mais radical nossa iseno ao longo
deste percurso. Podemos perder a preciso em nossas percepes e avaliaes dos dados
em funo das iluses de tica, isto , das heursticas que comprometem a captao
rigorosa dos dados e, a par disto, tambm em razo de no suportar que sejam o que so,
divergindo do que gostaramos que fossem. So dois nveis de transformao e
distoro que nosso conhecimento pode sofrer, levando-nos a recusar a apreenso de
novos contedos mentais, ao dar-se preferncia manuteno do estado atual, mesmo
que seja, na verdade, mais estreito e insatisfatrio.
Estas observaes lanam alguma luz sobre os fenmenos detectados por pesquisadores
da interface Psicologia -Economia como escolha intertemporal, desconto hiperblico
subjetivo e contas mentais, conforme vimos anteriormente. Em todos estes casos,
notamos a presena de elementos ilusrios toldando a captao mais imparcial da
realidade, no que indicaria um funcionamento psquico guiado pelo princpio do prazer.
Por outro lado, se tivermos a condio para nos dar conta de que nossa percepo resulta
de modificaes que operamos automaticamente sobre a realidade externa ou interna,
poderemos nos precaver, por assim dizer, em relao ao fato de que o que percebido
no corresponde de maneira exata realidade em si (cf. Eva et. al., 1995 94 , p.282). Pois,
como afirma Klein, Quando algum se acha inteiramente sob o domnio de situaes e
relaes primitivas, seu julgamento das pessoas e dos fatos estar perturbado.
Normalmente, tal vivncia das situaes primitivas se limita e se retifica pelo juzo
objetivo. (196395, p.21). Temos, assim, novos acrscimos complexidade do estudo dos
processos mentais envolvidos na tomada de deciso e suas conseqentes decorrncias.
EVA et. al. Realidade Psquica, Realidade Interna, Realidade Subjetiva. In M.O.A. FRANA e S.M.
GONALVES (org.), Frum de Psicanlise, Sociedade Brasileira de Psicanlise de So Paulo. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1995.
95
KLEIN, Melanie. [1963] Nosso Mundo Adulto e suas Razes na Infncia. In O Sentimento de Solido
Nosso Mundo Adulto e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Imago, 1985. Trad. Paulo D. Corra.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
191
almejada, fica inviabilizada pelo estado mental em que prevalecem sentimentos de dio
dirigidos contra a prpria mente, responsvel pela apreenso da realidade, a qual, por sua
vez, deixar de ser apreendida. Para Bion (1957-1991 96 ), a primeira funo a ser atacada
, como se poderia esperar, a percepo, de forma que todos os desdobramentos do
processo perceber avaliar escolher ficaro comprometidos. Quando isto se d, a
personalidade desenvolve a onipotncia como um substituto da associao da prconcepo, ou concepo, com a realizao negativa. Isto implica a adoo da
oniscincia como um substituto do aprender com a experincia (...) (Bion, 1961-196797 ,
p.188).
96
Alm disso, graas a uma negao do principal mtodo de que dispe o beb para lidar com suas
emoes demasiadamente poderosas, a condio da vida emocional, de qualquer forma um grave problema,
torna-se intolervel. Em decorrncia disto, os sentimentos de dio voltam-se contra todas as emoes,
inclusive o prprio dio, e contra a realidade externa que os estimula. um pequeno passo do dio s
emoes ao dio prpria vida. (...) esse dio redunda no recurso identificao projetiva de todo o
aparelho perceptivo, inclusive do pensamento embrionrio que forma um elo de ligao entre as impresses
sensoriais e a tomada de conscincia. A tendncia excessiva identificao projetiva quando predominam
as pulses de morte , assim, reforada. (BION, Wilfred. [1957] Ataques ao elo de ligao. In E. Spillius
(ed.) Melanie Klein Hoje desenvolvimentos da teoria e da tcnica. vol. 1.Rio de Janeiro: Imago, 1991.
Trad. Belinda Mandelbaum, p.106).
97
BION, Wilfred. [1961] A Theory of Thinking. In Second Thoughts - Selected Papers on Psychoanalysis,
London: William Heinemann Medical Books Limited, 1967.
98
Por exemplo, podem ser pensadas como a outra face da moeda do desamparo e da impotncia.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
192
Quando cessa, ou sequer chega a instalar-se suficientemente, a atividade psquica capaz
de discriminar entre o verdadeiro e o falso (de todo modo, sem dvida, uma rdua tarefa),
atendo-se, apenas, s condies do que pode ou no proporcionar prazer, torna-se
extremamente difcil optar pelas alternativas mais favorveis, apropriadas s
circunstncias e consistentes no longo prazo. Ou, como quer Bion, Imaturidade,
confuso, desamparo e impotncia so substitudos, naqueles que so intolerantes
frustrao, por prematuridade, ordem, onipotncia e poder. (1992, p.29999 ). A sada
acaba sendo evadir-se da situao frustrante, sem agir de fato sobre ela. Ao invs de
pensar pensamentos, a mente se torna um aparelho destinado a se desfazer de
elementos desagradveis, geralmente lanando mo da identificao projetiva100 .
99
Immaturity, confusion, helplessness and impotence are replaced, in those who are intolerant of
frustration, by prematurity, order, omnipotence and power. (p.299, BION, Wilfred. Cogitations. Londres:
Karnac Books, 1992.)
100
De acordo com Joseph (JOSEPH, Betty. Identificao Projetiva - alguns aspectos clnicos. In E.B.
SPILLIUS, (ed.), Melanie Klein Hoje desenvolvimentos da teoria e da tcnica, vol.1. Rio de Janeiro,
Imago, 1991. Trad. Belinda Mandelbaum.), o mecanismo da identificao projetiva, inicialmente descrito
por Klein (1946), diz respeito tentativa da psique de livrar-se de conte dos considerados inaceitveis,
atribuindo-os a outra pessoa, com o objetivo de control -los como se estivessem fora, como se no lhe
pertencessem.
101
Cabe ressaltar, porm, que preferimos no utilizar a expresso intuio neste caso, reservando-a para um
tipo de operao mental bastante diverso deste que lhe d Kahneman. Ver, por exemplo, o que diz
Longman (1997), cuja viso compartilhamos, a respeito de intuio e seus desdobramentos: Intuir o que
est acontecendo tem a ver com uma atividade mental relacionada com a ateno e o conhecimento que
sinto e que tem sentido para mim. Intuio, assim, uma forma da razo que a razo no reconhece.
Nada tem a ver nem com o desejo nem com a memria, mas com o pressentimento. Tem o seu lugar entre
os processos do pensamento que no se tornam conscientes. Como o processo de elaborao do sonho,
no outra coisa que uma forma do pensar. Uma tentativa de organizar os impulsos emocionais
despertados no encontro, na procura de resolver satisfatoriamente o desafio da experincia que est sendo
vivida por mim como analista. Vai servir para dar s coisas que acontecem uma nova conjuno, com vista
ao analisando. A esta transformao Bion referiu-se com o nome de evoluo, para distingui-la de
outros fenmenos psquicos. A meta da evoluo tornar significativa a relao que acontece no momento,
independentemente das significaes isoladas que ela possa ter para o analista e para o analisando. este
evoluir emocional na situao analtica, centrado no aspecto premonitrio do impulso buscando
satisfao, e ligado ao des-envolvimento do analisando, que devo estar disponvel para observar. E para
isso se faz necessria a privao de qualquer desejo, de qualquer necessidade e at mesmo de precisar
compreender o analisando. (p.41).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
193
As distores verificadas por Kahneman e Tversky (1974, 1979) nos processos de
percepo e avaliao dos dados apontam, em nosso entender, para situaes descritas
por Freud como: (...) os juzos de valor do homem acompanham diret amente os seus
desejos de felicidade, e que, por conseguinte, constituem uma tentativa de apoiar com
argumentos as suas iluses. (Freud, 1930-1976 102 , p.170). Para complementar,
ressaltamos que, como afirma Bion (1962-1984 103 , p.37), se a intolerncia frustrao
prevalecer, mecanismos poderosos, envolvendo fantasias onipotentes, sero acionados,
no que nos relembra diversas situaes de avaliao demonstradas experimentalmente
por Kahneman e Tversky em seus trabalhos de 1974 e 1979. Naqueles casos, o
julgamento freqentemente recorria, por exemplo, confiana excessiva, facilidade de
relembrar ou imaginar, iluso de validade, correlao ilusria, e tantas outras
heursticas, ao invs de uma anlise mais isenta, rigorosa e completa dos fatos.
Outro importante fenmeno, a nosso ver, pertencente a esta categoria, e que vem atraindo
o interesse de muitos pesquisadores no mundo todo, devido sua crescente prevalncia,
o endividamento104, no que se refere impossibilidade subjetiva de adiar o gasto,
fazendo-se contas mirabolantes para encontrar uma frmula capaz de justific-lo frente s
reais posses do sujeito naquele momento. O que pode ser mais ilusrio do que um carto
de crdito, que parece prometer que tudo possvel e acessvel, como se nunca tivesse
que ser, efetivamente pago? Ou a compra de um veculo, de muitos milhares de reais, que
comea com entrada de 1 real, sem chamar a ateno, claro, para o nmero de
prestaes que se seguiro e, menos ainda, o valor total em que redundaro. Exemplos
no faltam. Se estas promoes existem, ao lado de toda a propaganda que nos inunda,
102
FREUD, Sigmund. [1930]. O mal-estar na civilizao. Vol. 21 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
103
BION, Wilfred. [1962] Learning from experience. Londres: Maresfield Reprints, 1984.
104
importante deixar claro que estas teorias contemplariam apenas a fatia do endividamento daqueles
indivduos que estivessem acima da linha da pobreza. Infelizmente, em nosso pas e em todo o mundo, a
grande maioria sequer situa-se nesse patamar, de modo que no se poderia empregar, neste caso, o termo
endividamento para descrever sua situao. A este propsito, cabe relembrar a importncia e a
necessidade de aprofundar-se estudos, de um lado, sobre a desigualdade, a excluso, o favorecimento de
sistemas econmicos perpetuao destas condies etc. e, de outro, de aspectos relacionados psicologia
da pobreza e possibilidades de confrontar este estado por meio de alternativas tambm em curto prazo,
como aquelas localizadas no mbito da economia solidria, por exemplo, que apenas recentemente comea
a receber ateno por parte de psiclogos (Trabalhos sobre este tema foram apresentados, por exemplo, no
Congresso de Psicologia Cincia e Profisso, So Paulo, 2006).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
194
e sobre a qual no nos estenderemos nesta tese, podemos supor, apenas como incio de
um debate que esperamos aprofundar em outro momento, que respondam a condies
internas propcias a seu florescimento no modo como as pessoas administrariam sua vida
financeira. No mau sentido, como se juntasse a fome com a vontade de comer, ou
seja, o movimento para explorar a vulnerabilidade prevalente entre as pessoas com esta
fragilidade, efetivamente detectada entre os indivduos. Ao abrir mo de pensar, como
veremos a seguir, fica-se sujeito a um alto pedgio em termos de desenvolvimento
pessoal e econmico. Freud aprofunda esta discusso, chegando a afirmar que:
O princpio de prazer, ento, uma tendncia que opera a servio de uma funo,
cuja misso libertar inteiramente o aparelho mental de excitaes, conservar a
quantidade de excitao constante nele, ou mant-la to baixa quanto possvel.
Ainda no podemos decidir com certeza em favor de nenhum desses enunciados,
mas claro que a funo estaria assim relacionada com o esforo mais fundamental
de toda substncia viva: o retorno quiescncia do mundo inorgnico. (1920 105 ,
p.83).
Freud conclui que este modo de funcionar, de acordo com o princpio do prazer,
pareceria, na verdade, servir aos instintos de morte (op. cit., p.85), no que podemos
entender como um srio alerta quanto s graves conseqncias a que se expe quando se
permanece sob este domnio. Se no morte concreta, no mnimo, morte psquica, isto ,
ausncia de desenvolvimento 106 .
Que razes teramos, ento, para funcionar de modo que pode revelar-se to desfavorvel
nossa prpria existncia? Guardando-se algumas ressalvas, a resposta poderia ser
resumida em uma palavra facilidade. Em primeiro lugar, esta facilidade seria apenas
aparente, uma vez que os desdobramentos das aes psquicas regidas pelo princpio do
105
Freud, Sigmund. [1920] Alm do princpio do prazer. Vol.18 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
106
A este respeito, Klein complementa: Conjuntamente com as experincias felizes, ressentimentos
inevitveis reforam o conflito inato entre o amor e o dio, ou na verdade, basicamente, entre os instintos
de vida e de morte, resultando na sensao de existirem um seio bom e um seio mau. Em conseqncia
disso, a mais primitiva vida emocional se caracteriza por uma sensao de perda e recuperao do objeto
bom. Ao falar de um conflito inato entre o amor e o dio, estou subentendendo que a capacidade tanto para
o amor quanto para os impulsos destrutivos , at certo ponto, constitucional, embora variando
individualmente em intensidade e interatuando, desde o incio, com as condies externas. (KLEIN,
Melanie. [1957] Inveja e Gratido um estudo das fontes do inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
Trad. Jos Octavio A. Abreu, p.31/32).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
195
prazer costumam cobrar seu preo mais adiante. Depois, vale sublinhar que o
desenvolvimento da dinmica psquica tenha se dado h relativamente pouco tempo, se
comparado evoluo do organismo fsico, na histria da humanidade, o que nos coloca
diante de situaes muito desconhecidas, neste sentido, frente s quais reagimos de modo
rudimentar. Os fenmenos psquicos apenas recentemente comearam a ser investigados
de forma sistemtica e ainda resta muito na verdade, a maior parte a ser conhecido.
Esta linha de raciocnio aponta para uma fragilidade esperada em nosso percurso como
seres racionais teramos adquirido a condio da racionalidade h, relativamente,
pouco tempo, encontrando-se tal capacidade ainda bastante sujeita a ataques de outras
instncias psquicas que no a reconhecem como lei. o que ocorre, como vimos, com os
contedos inconscientes.
O caminho mais antigo, por outro lado, percorrido, h milhares de anos, pela espcie
humana, aquele das emoes ancoradas em instintos, capazes de apresentar respostas
rpidas, imediatas, ainda que percam em preciso. As emoes vieram primeiro e tm,
ainda, lugar assegurado em nossa mente racional, mais jovem. Para usar a expresso de
Kahneman, elas apresentam muito maior condio de acessibilidade, no sentido de
apresentar-se mente como estradas batidas, a respeito das quais no parece necessrio
ponderar muito, so quase naturais, embora tom- las sempre implique nos limitarmos a
determinados mbitos de anlise e ao, com perda significativa de possibilidades outras,
que permanecem inexploradas.
A hiptese que levantamos, com Bion, apontar, por conseguinte, para o lugar de matriz
que as emoes ocupariam em relao aos pensamentos, no sentido de permitir que estes
ltimos possam ou no ser alcanados pela mente 107 . Para Bion, a razo escrava da
emoo e existe para racionalizar a experincia emocional. (1970108 , p.1). E mais: a
capacidade para tolerar as repercusses emocionais desencadeadas pela experincia de
frustrao que permitir mente desenvolver pensamentos como um meio de tornar a
107
Foi Bion quem levou mais frente a questo de definir a mente, dando-lhe um ncleo emocional do
qual resulta o pensamento. (Eva et. al., 1995, p.282).
108
BION, Wilfred. [1970] Ateno e Interpretao uma aproximao cientfica compreenso interna
na psicanlise e nos grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1973. Trad. Carlos H. Affonso.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
196
frustrao tolerada ainda mais tolervel. (Bion, 1961-1967 109 , p.186/187). O autor
descreve, ento, o processo do pensar da seguinte forma:
conveniente considerar o pensar como um processo que depende do resultado
bem-sucedido de dois desenvolvimentos mentais bsicos. O primeiro o
desenvolvimento dos pensamentos. Eles exigem um aparelho que d conta deles. O
segundo desenvolvimento, portanto, o deste aparelho que, provisoriamente,
chamarei de pensar. Repito o pensar tem que ser criado para dar conta dos
pensamentos.
Notar-se- que isto difere de qualquer teoria do pensamento como produto do
pensar, na medida em que o pensar um desenvolvimento imposto psique pela
presso dos pensamentos, e no o contrrio. (Bion, 1961-1967, p.185/186).
109
BION, Wilfred. [1961] A Theory of Thinking. In Second Thoughts - Selected Papers on Psychoanalysis,
London: William Heinemann Medical Books Limited, 1967.
110
FREUD, Sigmund. [1911] Formulaes sobre os dois princpios do funcionamento mental. Vol. 12
da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro,
Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
111
O pensar foi dotado de caractersticas que tornavam possvel ao aparelho mental tolerar uma tenso
aumentada de estmulo, enquanto o processo de descarga era adiado. (FREUD, 1911, p.281).
112
KLEIN, Melanie. (1930) A Importncia da Formao de Smbolos no Desenvolvimento do Ego. In
Contribuies Psicanlise. So Paulo: Mestre Jou, 1981. Trad. Miguel Maillet.
113
medida que o ego vai evoluindo se estabelece gradualmente, a partir dessa realidade irreal [a
primeira realidade da criana totalmente fantstica], uma verdadeira relao com a realidade. Por
conseguinte, o desenvolvimento do ego e a relao com a realidade dependero do grau de capacidade do
ego, numa etapa muito recuada, para tolerar a presso das primeiras situaes de ansiedade. (op. cit.,
p.298)
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
197
Um novo pensamento surgir apenas se houver espao caso a mente esteja ocupada por
repeties, hbitos, contedos obsoletos, entulho, dificilmente germinar ali um
pensamento original, apropriado ao que se desenha inesperadamente e capaz de
identificar recursos para iniciar uma transformao. Se mantidos os limites estreitos do
campo psquico, fecham-se as oportunidades de buscar sadas abre-se mo de pensar
para poder se livrar do desconforto de no saber de imediato ou no ter clareza ainda
como nas situaes de incerteza, e risco, exploradas por Kahneman e Tversky, alis.
Bion, por sua vez, teria diferenciado, com pormenores, a rea mental que abriga o
desenvolvimento de pensamentos, traduzidos por smbolos, juzos, decises e linguagem,
daquela que ele considera no mental e, em que pese sua importncia e prevalncia,
acrescentamos teria funo de livrar a psique de exigncias excessivas. Nesta classe de
fenmenos psquicos, poderiam ser encontrados alucinaes, discursos, aes sem
significado (tela beta) e comportamento de grupo. (Eva et. al., 1995, p.282).
De acordo com a teoria de Freud (1911 114) que examinamos, diversos desenvolvimentos
so requeridos a fim de que a mente seja capaz de operar de acordo com o princpio da
realidade, de modo a pensar ao invs de alucinar ou permanecer subjugada s iluses
julgar a partir das caractersticas dos dados captados, ao invs de reprimir em funo do
critrio nico representado por presena ou ausncia de prazer ou desprazer.
Em suas palavras: Retorno a linhas de pensamento j desenvolvidas noutra parte quando sugiro que o
estado de repouso psquico foi originalmente perturbado pelas exigncias peremptrias das necessidades
internas. Quando isto aconteceu, tudo que havia sido pensado (desejado) fo i simplesmente apresentado de
maneira alucinatria, tal como ainda acontece hoje com nossos pensamentos onricos a cada noite. Foi
apenas a ausncia da satisfao esperada, o desapontamento experimentado, que levou ao abandono desta
tentativa de satisfao por meio da alucinao. Em vez disso, o aparelho psquico teve de decidir formar
uma concepo das circunstncias reais no mundo externo e empenhar-se por efetuar nelas uma alterao
real. Um novo princpio de funcionamento mental foi assim introduzido; o que se apresentava na mente no
era mais o agradvel, mas o real, mesmo que acontecesse de ser desagradvel. (Freud, 1911, p.278/279).
198
deve mostrar-se como um importante recurso, com o fito de permitir preparar-se,
antecipadamente, para buscar novos dados que, devidamente registrados na memria,
possibilitem o acesso faculdade do julgamento imparcial.
Freud o denomina desta forma para diferenciar este processo daquele empreendido pela
represso que, como vimos acima, guia-se apenas pelo semforo do prazer-desprazer
a luz verde do prazer indica que seria real, ao passo que o vermelho do desprazer
apontaria para desprezar-se o dado. O julgamento imparcial, agora, porque leva em
conta as caractersticas que os dados captados possam possuir, independentemente de
proporcionarem prazer ou desprazer.
Em outras palavras, busca-se, aqui, por meio da comparao entre o que percebido no
momento e lembranas recolhidas na memria (presumivelmente guardadas com algum
grau de fidelidade aos fatos, embora saibamos que esto sempre sujeitas a transformaes
e distores), a iseno que um teste de realidade permitiria. A inteno manter o
mximo de informaes disponveis mente, seja sob a forma do que est
momentaneamente consciente, seja do que possa ser acessado por meio da memria, a
fim de que a mais ampla gama possvel de alternativas se apresente como condio para
alcanar o objetivo final de encontrar satisfao.
199
115
KLEIN, Melanie. [1952] Algumas Concluses Tericas sobre a Vida Emocional do Beb. In M.Klein,
P.Heimann, S.Isaacs e J.Riviere, Os Progressos da Psicanlise. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
116
Sobre este ponto, referente a ver por outros ngulos, Gigerenzer (2005, p.13), chama a ateno para um
ponto interessante: ele diz que este pode ser, na verdade, um aspecto til do framing ou moldura,
enquadramento, habitualmente descrito por Kahneman e Tversky, e seus seguidores, como deletrio
percepo e s decises . (GIGERENZER, Gerd. I think, therefore I err. Social Research, 72: 195-218,
2005).
117
BION, Wilfred. [1963] Elements of Psycho-Analysis. Londres: Maresfield Reprints, 1984.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
200
da ausncia da satisfao que poder emergir a possibilidade de alcanar pensamentos,
ou pensar pensamentos, como prope Bion:
Do interjogo entre a no-coisa e a realizao que sentida como se aproximando
dela depende o desenvolvimento do pensamento, e por pensamento eu quero dizer,
nesse contexto, aquilo que permite que os problemas sejam resolvidos na ausncia
do objeto. Realmente, a menos que o objeto esteja ausente, no h problema.(19651983 118; p.129).
Por outro lado, com a represso sendo substituda, at certo ponto (pois ela sempre
existir, em alguma medida), pelo julgamento imparcial, tem-se maior acesso a um
nmero expressivo de informaes que, de outra forma, estariam indisponveis mente,
reduzindo, pois, a gama de ngulos de exame da questo com que se depara e alternativas
para transform-la. Dado que A descarga motora foi agora empregada na alterao
apropriada da realidade; foi transformada em ao. (grifo do autor, Freud, 1911121 ,
118
201
p.280), abre-se, o caminho para haver transformao efetiva da realidade, ou seja, buscarse, com chances maiores, pois passa a ser ao real, uma satisfao consistente,
semelhante aos ditames do princpio do prazer, exceto naquilo que mais importante a
maneira de faz- lo.
Iluminar como uma deciso tomada , como procuramos fazer neste caso, justamente o
objetivo de todos os modelos de tomada de deciso.
202
sistema (Kahneman, 2002 124 , p.450-1), parece-nos bastante convergente com as teorias
psicanalticas que vimos apresentando, no que diz respeito ao princpio da realidade125 .
Bion (1979 126 ) por exemplo, postula que a funo bsica da mente, operando sob este
regime, seria corrigir as solues falaciosas que se impem a ela devido s suas prprias
limitaes e vulnerabilidades, como as iluses, alucinaes, presses grupais e as demais
operaes associadas ao princpio do prazer.
Contudo, quando Kahneman (op. cit., 2002) menciona a heurstica afetiva (cf. cap.3.13),
no adiciona a esta perspectiva os elementos encontrados no vrtice psicanaltico. Por
exemplo, em tratando-se de situaes de incerteza e risco, tal como ele e Tversky
pesquisaram acerca de decises em seus experimentos, examinemos, a esse respeito, uma
viso psicanaltica:
Penso que no processo de maturao temos que considerar a elaborao do dio
dvida e incerteza, como manifestaes do dio realidade. Penso que este dio
estimula os desejos de compreenso, propiciando o aparecimento de teorias sobre a
vida. Tambm se ope ao aprendizado que resulta das experincias emocionais,
quando apreendidas intuitivamente e trabalhadas pelo processo mental. (Alves,
124
KAHNEMAN, Daniel. Maps of bou nded rationality: a perspective on intuitive judgment and choice.
Prize lecture Nobel Prize, Dec.8th, 2002.
125
Ver, por exemplo, a seguinte descrio de Donald Meltzer (1976 apud Eva et. al. 1995, p.282), sobre a
experincia emocional, quando (...) prope uma radical diviso entre dois componentes do mundo mental:
Um deles comp ortamento instintivo, resposta social aprendida, hbito, resposta automtica. O outro,
diz respeito ao pensamento, experincia emocional, formao de smbolos, ao juzo, deciso,
transformao em linguagem.
126
BION, Wilfred. [1979] Making the Best of a Bad Job. In: BION, Wilfred. Clinical Seminars and Four
Papers. Abingdon: Fleetwood Press, 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
203
1997 127, p.246; convm relembrar que intuitivamente, neste caso, possui acepo
diversa daquela atribuda por Kahneman e Tversky ao termo, cf. nota 101, p.192).
Esta afirmao refora o papel das emoes em face das relaes com os diferentes nveis
de realidade e a possibilidade de aprender e transformar, que integram nosso modelo de
tomada de deciso. Nele, chamamos a ateno para aquilo que Bion denomina a deciso
crtica, que seria a escolha entre procedimentos para escapar da frustrao e aqueles que
visam modific- la (Bion, 1962-1984128, p.29).
Esta deciso, essencialmente pautada pela emoo (neste sentido, representada pelas
repercusses desagradveis engendradas pela frustrao) e pela capacidade de conviver
com ela129 , definiria, portanto, as linhas subseqentes adotadas pela mente em suas
relaes com a realidade, quando buscar obter prazer e afastar-se de desprazer. a partir
desta escolha que ser possvel ou no adotar um tipo de funcionamento mental mais
racional para atingir esta meta. Neste caso, h condio de suportar a presso exercida
pelos impulsos internos carregados de desejo de realizao, de um lado e, de outro lado,
pelas presses externas que podem ocupar o lugar de contra-parte da realidade em
relao ao desamparo intrnseco presente no ser humano. Porm, deste modo que se
torna possvel apropriar-se de suas decises, responsabilizando-se por elas e adquirindo a
capacidade de aprender a partir de sua experincia emocional j que, se
considerarmos apenas a esfera racional, uma ampla dimenso de nosso funcionamento
mental ter sido expurgada.
Este aprendizado associa-se ao que se denomina insight, o olhar para dentro, sem o qual
uma transformao verdadeira parece ficar inviabilizada. evidente que no se pode
excluir, tampouco, as circunstncias externas, tais como os fatores histricos que se
manifestam nos planos sociais, polticos, econmicos e culturais. Seu peso indiscutvel
127
204
e o reconhecemos em todos estes processos. Nesta discusso, enfatizamos, como
afirmamos anteriormente, o componente emocional. O modo como se lida com as
emoes resultantes da experincia do desprazer implicar profunda diferena nas
decises tomadas, incluindo-se as econmicas, com conseqncias igualmente dspares
em termos de seus resultados concretos e psquicos.
Uma ltima observao sobre a teoria dos dois princpios do funcionamento mental diz
respeito ao fato de ambos coexistirem na mente, com predominncia do primeiro, o
princpio do prazer: Na realidade, a substituio do princpio de prazer pelo princpio
de realidade no implica a deposio daquele, mas apenas sua proteo. Um prazer
momentneo, incerto quanto a seus resultados, abandonado, mas apenas a fim de
ganhar mais tarde, ao longo do novo caminho, um prazer seguro. (Freud, 1911, p.283).
No entanto, o prprio autor ressalta, em outro trabalho, a fora do primeiro, exercida de
forma contnua sobre nossa mente 130 , enquanto Bion sugere uma dinmica pendular, que
oscila entre estes dois modos de operar psiquicamente.
Para concluir nossa proposta, reiteramos, com Bion (1962-1966 131), a precariedade do
pensar como aquisio recente da humanidade, sempre prestes a recuar a estgios
primitivos de funcionamento mental, nos quais reinaria, ao invs desta complexa
operao, a to mais fcil iluso. Como afirma Freud: A vida, tal como a encontramos,
rdua demais para ns; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepes e tarefas
impossveis. A fim de suport-la, no podemos dispensar as medidas paliativas. (Freud,
1930 132, p.93).
130
Ele postula que: Como vemos, o que decide o propsito da vida simplesmente o programa do
princpio do prazer. Esse princpio domina o funcionamento do aparelho psquico desde o incio. No pode
haver dvida sobre sua eficcia, ainda que o seu progresso se encontre em desacordo com o mundo
inteiro, tanto com o macrocosmo quanto o microcosmo. No h possibilidade alguma de ele ser executado;
todas as normas do universo so-lhe contrrias. (Freud, 1930, p.94). Ou seja, apesar dos riscos que lhe
vo embutidos, demasiado poderoso para desaparecer como regente preponderante de nossas operaes
psquicas.
131
O pensar, no sentido de se envolver com a atividade que se relaciona ao uso dos pensamentos,
embrionrio, mesmo no adulto, e precisa ainda desenvolver-se, amplamente, na raa. (Bion, 1962-1966,
p.103).
132
FREUD, Sigmund. [1930] O mal-estar na civilizao. Vol. 21 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
205
Apenas uma nota final, a respeito de nossa viso sobre emoo. interessante observar
que ela no parece estar em desacordo com descobertas realizadas pela neurocincia 133 .
Em sua apresentao oral durante o congresso de 2006 134 , Antonio Damsio definiu
emoo como um programa, em sua maior parte, no aprendido, de aes automticas e
estratgias cognitivas visando a administrao da vida135. Para ele, o conhecimento de
como as emoes operam pode aumentar o poder de deciso das pessoas, j que as reas
que as desencadeiam esto no crebro e mudanas no sistema nervoso central promovem
efeitos na cognio, memria e outras funes mentais.
Sobre isso, ver tambm cap.2.1 em FERREIRA, Vera R. M. O Componente emocional funcionamento
mental e iluso luz das transformaes econmicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e
Virtual, 2000.
134
IAREP -SABE Conference Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1
Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA, Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique,
Universit Paris 5 Ren Descartes, Paris, Frana, 2006.
135
No original: a mostly unlearned program of automatic actions and cognitive strategies aimed at the
management of life, conforme notas da autora. IAREP-SABE Conference, Paris, Frana, 2006.
136
BION, Wilfred. [1979] Making the Best of a Bad Job. In: BION, Wilfred Ruprecht. Clinical Seminars
and Four Papers. Abingdon: Fleetwood Press, 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
206
Uma dificuldade adicional que exigir que esta proposta de modelo de tomada de deciso
continue a ser debatida diz respeito s questes metodolgicas que cercam a investigao
do campo emocional, de modo a traduzi- lo sob a forma de nmeros, questionrios
fidedignos, experimentos ou outros instrumentos caros pesquisa em Psicologia
Econmica.
Por outro lado, consideraes desta natureza no deveriam ser tomadas como indicadores
de inviabilidade para considerar-se esta dimenso. Ao contrrio, parece-nos necessrio
aprofundar esta discusso de forma que as emoes sejam, de fato, includas no exame do
comportamento e decises econmicas e no retiradas da pauta em funo de
dificuldades metodolgicas (cf., por exemplo, Ferreira 2002a 138). Acreditamos, com
Bion, que Uma vantagem de crer que as observaes constituem o fundamento do
mtodo cientfico que se pode mencionar e em seguida produzir as condies em que
so efetuadas (1970-1973139 , p.79). Esperamos, com nossa proposta, oferecer alguma
contribuio neste sentido.
FREUD, Sigmund. [1930] O mal-estar na civilizao. Vol.21 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
138
FERREIRA, Vera R. M. Projective Identification: a theoretical discussion about some roots of power.
Anais do XXVII International Association for Research in Economic Psychology Annual Colloquium.
Turku, Finlndia, 2002a.
139
BION, Wilfred. [1970] Ateno e Interpretao uma aproximao cientfica compreenso interna
na psicanlise e nos grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1973. Trad. Carlos H. Affonso.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
207
Horkheimer, 1969-1985 140 ). Se tratamos, aqui, de uma interseco entre fenmenos
econmicos e psicolgicos, alm das implicaes histricas, polticas e culturais,
possvel que mtodos especialmente elaborados para este contexto devam ser empregados
ou, at mesmo, criados, no lugar de impor-se que os objetos estudados caibam, fora,
dentro dos mtodos existentes, seja na Economia, seja na Psicologia em especial, se
ambas as disciplinas forem consideradas em suas formas ortodoxas, isto , refletindo a
ideologia presente sem, contudo, denunciar ou, pelo menos, explicitar, este fato,
tomando-o, ao invs disso, como decorrncia natural, que vai sem ser questionada. Como
afirmam estes autores, At mesmo aquilo que no se deixa compreender, a
indissolubilidade e a irracionalidade, cercado por teoremas matemticos (op. cit.,
p.37), em flagrante inadequao metodolgica e desrespeito aos fatos.
140
208
As cincias sociais tm se acostumado a buscar modelos nos sucessos mais
espetaculares das cincias naturais. No h mal algum nisso, desde que no seja feito
dentro de um esprito de imitao servil. Em Economia, tem sido bastante comum
admirar a mecnica newtoniana (ou, como temos visto, a Lei dos Corpos em Queda),
e procurar pelo equivalente s leis do movimento. Mas este no o nico modelo
para as cincias e, parece, de fato, no ser o mais correto para os nossos propsitos.
(p.367 142 ).
A Psicanlise, por sua vez, constituda pela experincia clnica que, depois, pensada.
Bleger d o nome de mtodo clnico de indagao operativa ao processo que envolve
observao, formulao de hipteses, comunicao e retomada de todos estes passos
medida que se avana, numa espcie de meta-investigao (1984 143). Hipteses so
levantadas e analisadas na convivncia, especial, porque inclui a transferncia 144 , que se
desenrola entre analista e cliente, o que pode gerar novos desenvolvimentos tericos, os
quais sero, mais uma vez, investigados dentro da relao analtica. Da decorre que a
dinmica psquica pode ser iluminada, tendo como ponto de partida o que se passa entre
as personalidades de ambos, analista e cliente, com a investigao do campo mental que
compartilhado no momento. Definitivamente, no um mtodo condizente com padres
positivistas 145 de cincia. Do nosso ponto de vista, nem por isso devemos desprezar as
informaes que possa produzir.
142
The social sciences have been accustomed to look for models in the most spectacular successes of the
natural sciences. There is no harm in that, provided that it is not done in a spirit of slavish imitation. In
economics, it has been common enough to admire Newtonian mechanics (or, as we have seen, the Law of
Falling Bodies), and to search for the equivalent of the laws of motion. But it is not the only model for a
science, and it seems, indeed, not to be the right one for our purposes. (Simon, 1978, p.367).
143
O modelo do enquadramento psicanaltico se estende modalidade de observao que se leva a cabo,
que no consiste somente num registro cuidadoso, detalhado e completo dos acontecimentos, mas sim
numa indagao operativa, cujos passos podem se sistematizar assim: a)observao de acontecimentos e
seus detalhes, com a continuidade ou sucesso em que os mesmos se do; b)compreenso do significado
dos acontecimentos e da forma como eles se relacionam ou integram; c)incluir os resultados de dita
compreenso, no momento oportuno, em forma de interpretao, assinalamento ou reflexo; d)considerar o
passo anterior como uma hiptese que, ao ser emitida, inclui-se como uma nova varivel, e o registro de
seu efeito tal como no passo (a) leva a uma verificao, ratificao, correo, enriquecimento da
hiptese ou a uma nova; com isto, volta-se a reiniciar o processo no passo (a), com uma interao
permanente entre observao, compreenso e ao. (grifo do autor, BLEGER, Jos. Psico-higiene e
Psicologia Institucional. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1984. Trad. Emilia O. Diehl, p.46/47).
144
Transferncia o termo utilizado por Freud para designar a reproduo de situaes emocionais
primitivas, por parte do cliente, em relao ao analista, que permitir, por ocorrer ao vivo durante as
sesses, sua interpretao e, a partir da, uma possvel evoluo no sentido de cessar a necessidade de
repetir aqueles movimentos psquicos, o que daria lugar a novos modos de funcionar. (FREUD, Sigmund
[1912] A dinmica da transferncia. Vol. 12 da Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas
Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.)
145
O Positivismo, criado por Comte no sculo XIX, afirmava haver uma ordem imutvel na natureza,
refletida no conhecimento. Dentre suas inmeras propostas, podemos destacar a noo de conhecimento
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
209
Com Bion (1992 146), acreditamos que a cincia se mantm na medida em que se mostra
uma tcnica vlida para a descoberta e no apenas pelo conhecimento adquirido, uma vez
que este estar sempre sujeito a tornar-se obsoleto. Por este critrio se um campo
cientfico abriga novas descobertas ou no que deveria aferir-se sua vitalidade.
210
Existem aqui importantes implicaes para quem escreve a histria. Conforme o
credo da cincia positivista, dever do historiador nefito celebrar as realizaes da
cincia e planejar seu progresso. Isso , muitas vezes, realizado dependendo de cada
cincia especfica, com seu longo passado de metafsica e teologia.(Farr, 2002,
p.193).
Suas palavras sugerem, ainda, um outro ngulo para a nossa discusso ganha
importncia dar espao, nesta tese, ao vrtice da contribuio psicanaltica ao estudo do
comportamento e decises econmicas, porque estamos, justamente, empenhados num
trabalho que contempla, tambm, a perspectiva histrica. Sendo assim, gostaramos de
oferecer ao leitor um universo expandido da Psicologia Econmica, que no se restringe
apenas ao que j foi feito e consagrado, mas em especial, s lacunas e potencialidades
que no foram, ainda, suficientemente exploradas pois, como prossegue Farr,
importante incluir todas as tradies e tendncias (grifo nosso) numa histria, e no
apenas as vencedoras ou mais visveis (op. cit., p.203).
De todo modo, podemos encontrar respaldo, tambm, nas palavras de Lea et. al. (1987),
que, ademais, acreditam estar no desacordo o cerne do progresso cientfico
(Disagreement is the stuff of scientific progress, p.478):
(...) o problema no tentar encontrar o mtodo certo para responder a cada questo
em particular precisamos usar tantos mtodos quanto possvel para cada questo.
Isto est de acordo com nossa abordagem geral Psicologia Econmica. Se nos
propomos a desenvolver uma abordagem verdadeiramente interdisciplinar, devemos
considerar o comportamento econmico a partir de tantas perspectivas quanto
possvel. Nossa meta no deveria ser ter que decidir se a teoria psicolgica ou a
teoria econmica est correta. Ao invs disso, deveramos produzir uma situao
em que as abordagens psicolgica e econmica tivessem papis complementares.
Algumas vezes, diferentes mtodos de investigao tendero a produzir respostas
contraditrias. No longo prazo, porm, deveria ser possvel produzir uma explicao
integrada do comportamento econmico dentro da qual todos os mtodos de
investigao iluminam uma realidade comum. (op. cit., p.102 148; grifo nosso).
148
(...) the problem is not one of trying to find the right method to answer each particular question we
need to use as many methods as possible on every question. This is in accord with our general approach to
economic psychology. If we are to develop a truly interdisciplinary approach, we must consider economic
behavior from as many perspectives as possible. Our aim should not be to decide whether the
psychological theory or the economic theory is correct. Rather, we should try to produce an account in
which economic and psychological approaches have complementary roles. At times, different methods of
investigation will tend to produce contradictory answers. In the long run, though, it should be possible to
produce an integrated account of economic behavior within which all methods of investigation illuminate a
common reality. (p.102).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
211
Na obra destes autores, por exemplo, ao lado das inmeras reiteraes sobre a
importncia de se controlar e prever o comportamento econmico (cf., por exemplo,
p.480), dentro da linha comportamentalista, encontramos, igualmente, a declarao de
que o interesse dos autores no prever transformaes econmicas, mas compreendlas (p.425), aproximando-se, portanto, do nosso alvo 149 .
Do ponto de vista metodolgico, levantam uma outra questo importante, para a qual os
mtodos atualmente empregados pela Psicologia Econmica tampouco oferecem
solues satisfatrias ser que o que as pessoas dizem tem verdadeiramente relao
com o que af zem? Se isto no se comprovar, muitos tipos de investigao emprica
tornam-se inteis (op. cit., p.483). Como psicanalista, e habituada aos buracos negros do
inconsciente, s podemos concordar plenamente com a possibilidade de incorrer-se neste
equvoco. Em suma, a ltima palavra metodolgica dentro da disciplina ainda no foi
proferida.
149
Diferentemente de muitos outros, alis, que sequer mencionam a Psicanlise o Nobel Daniel
Kahneman um exemplo, embora, a nosso ver, suas teorias expressem todas aquelas convergncias, que
expusemos antes, com os princpios do funcionamento mental postulados pela Psicanlise Lea et. al.
(1987) dedicam-lhe vrios comentrios. Alm disso, abrem o livro com uma citao de Freud, nomeando-o
o psiclogo mais conhecido de todos (The thing that most alarms me, wrote Freud when his interests
in clinical neurology began to bring him patients whose problems were neurotic rather than neurological,
is the amount of psychology I shall have to learn. Em Portugus: A coisa que mais me alarma,
escreveu Freud, quando seus interesses em neurologia clnica comearam a trazer-lhe pacientes cujos
problemas eram neurticos ao invs de neurolgicos, a quantidade de psicologia que terei que
aprender. (op. cit., p.1) trata-se apenas de uma analogia, para a necessidade de psiclogos conhecerem
Economia, mas no resistimos ao chiste: ser que Freud explicaria a escolha, justamente desta
lembrana, para abrir a bblia da Psicologia Econmica? Torcemos para tratar-se de um sinal de que pode
haver dilogo, ainda que esta possibilidade encontre-se, neste momento, em estado latente....). Para estes
autores, a psicanlise merece ser includa na obra por ter sido usada para explicar diversos fenmenos
econmicos, incluindo-se a reao da sociedade ao uso do dinheiro (op. cit., p.32). Voltam a defender a
utilizao desta abordagem em funo dela representar uma viso ou perspectiva da humanidade que tem
uma certa validade intuitiva (op. cit., p.34), na medida em que as pessoas pareceriam, de fato, conduzidas
por impulsos inconscientes e tendncias instintivas. Alm disso, opem-se, aqui, perspectiva da
racionalidade, uma vez que processos racionais e vinculados realidade responderiam apenas por parte do
comportamento, talvez a parte mais insignificante. Tambm a vem com utilidade para o exame de
comportamentos anormais ou excessivos, como apostadores ou compradores compulsivos, por exemplo
(id.). Por outro lado, no citam nenhum psicanalista ao comentar pontos relacionados ao adiamento de
gratificao, como no caso da poupana (op. cit., p.216-7), sobre o qual, como vimos, a psicanlise teria
tanto a dizer. Mesmo no que diz respeito aos outros aportes mencionados, nem tudo so rosas tecem
crticas com base na falta de evidncia emprica para sustentar as teorias psicanalticas, por exemplo. (LEA,
Stephen E.G., TARPY, Roger M. & WEBLEY, Paul. The individual in the economy. Cambridge:
Cambridge University Press, 1987. )
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
212
Sobre estas dificuldades, Simon (1978) lembra que a principal fonte de dados empricos
sobre decises organizacionais so estudos de campo antropolgicos (entre aspas no
original, p. 354), um mtodo que deve ser ainda evoludo, alm de consumir muito tempo
e dinheiro, e enfrentar as dificuldades de se encontrar situaes de tomada de deciso no
mundo real que possam ser devidamente estudadas. Este estilo de pesquisar, muito mais
difcil do que os experimentos em laboratrio tpicos da Psicologia Social (p.354-5),
poderiam ser adotados pela Psicologia Econmica (cf. tambm, Schwartz, 2006 150 ).
Encerramos este captulo com palavras de Freud, que revelam os obstculos que podemos
esperar encontrar nesta tarefa que apenas iniciamos, como lembrete de que no , de
fato, simples nem por isso, deve deixar de ser empreendida:
Um psiclogo que no se ilude sobre a dificuldade de descobrir a prpria orientao
nesse mundo, efetua um esforo para avaliar o desenvolvimento do homem, luz da
pequena poro de conhecimento que obteve atravs de um estudo dos processos
150
SCHWARTZ, Hugh. The key but neglected role of interview-based studies in analysing behavioral
economics . Anais da IAREP-SABE Conference Behavioral Economics and Economic Psychology.
Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA, Regionelle de France, Centre National de la
Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes, Paris, Frana, 2006.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
213
mentais de indivduos, durante seu desenvolvimento de crianas at adultos. (Freud,
1927 151, p.67).
151
FREUD, Sigmund. (1927) O futuro de uma iluso. Vol. 21 da Edio Standard Brasileira das Obras
Psicolgicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, 1976. Trad. Jayme Salomo.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
214
CAP.5 PSICOLOGIA ECONMICA E BRASIL AGENDA E DEBATE
5.1. CONSIDERAES SOBRE UM MODELO DE PSICOLOGIA ECONMICA
NO BRASIL APRESENTAO E DISCUSSO
- seria desejvel obter-se uma grande teoria que, maneira da Economia, poderia dar
conta das indagaes psico-econmicas ou deveramos lutar por multiplicidade e
pluralismo, tanto com respeito fundamentao terico- metodolgica, como de viso de
mundo, com tendncias diferentes em debate?
215
- de que maneira a Psicologia Econmica estaria voltada s nossas necessidades e
realidade?
- estaria ela inscrita na tradio brasileira da Psicologia Social, conforme vem sendo feita
desde a dcada de 1970?
Inicia mos a discusso com um exame crtico dos princpios que norteiam a disciplina, a
fim de identificar as caractersticas que consideramos desejveis, se quisermos cultivar
esta rea de conhecimento de modo a que possa responder s nossas necessidades, em
sintonia com nossa realidade e favorvel a um desenvolvimento de nosso pas ou seja,
almejamos ajudar a desenvolver a conscincia sobre a atuao do pesquisador e
profissional dentro deste campo. Prosseguimos nesta anlise com a introduo de
exemplos, representados por estudos sobre a inflao que, ao envolverem uma tica
interdisciplinar, podem ter aberto caminhos para a constituio do campo no Brasil. A
seguir, apresentamos uma proposta que , ao mesmo tempo, especfica, uma vez que trata
de um ponto em particular a informao da populao sobre aspectos que cercam seu
comportamento e decises econmicas e tambm geral, pois sugerimos que seja o tom
que deveria pautar a presena da Psicologia Econmica no Brasil. Por fim, elencamos
possibilidades de atuao para o pesquisador e profissional desta rea, com a incluso de
alguns exemplos.
Para a discusso sobre a disciplina e seu papel, contaremos com a ajuda dos seguintes
autores: Adorno e Horkheimer (1969-1985 1 ; Adorno, 1995 2 ), Farr (2002 3 ) e Bourdieu
(20044 ). Nas palavras de Adorno (1995): Somente a tomada de conscincia do social
proporciona ao conhecimento a objetividade que ele perde por descuido enquanto
obedece s foras sociais que o governam, sem refletir sobre elas. Crtica sociedade
1
216
crtica do conhecimento, e vice-versa. (p.193). Esta, portanto, nossa meta, ao propor o
debate que iniciamos.
podemos
encontrar
influncias
positivistas e comportamentalistas
(behavioristas) 5 , j que, de uma cincia natural e social tal como teria nascido, na
Alemanha, na virada do sculo XIX para XX (Farr, 2002, p.58), passa a adquirir
contornos de cincia cognitiva, para o qu teria contado, tambm, com a participao de
psiclogos da Gestalt, que haviam migrado para os EUA, poca da Segunda Guerra
Mundial6 . Com este ltimo vis, afasta-se, igualmente, da preocupao com o contexto
histrico no caso da Psicologia Econmica, de sua ascendncia como Economia
Poltica. Por exemplo, chama-nos a ateno a ausncia quase unnime de men o a Marx
dentro do campo. Inegvel referncia para as cincias econmicas, poderamos esperar
encontrar seu pensamento, de alguma forma, discutido pelos autores da Psicologia
Econmica, j que esta situa-se na interface com a Economia. Entretanto, no isto o que
O behaviorismo foi a forma que o positivismo assumiu no desenvolvimento da psicologia. (Farr, 2002,
p.11).
6
A perspectiva da Gestalt o ingrediente especfico que torna a psicologia social cognitiva, na era
moderna, um fenmeno tipicamente americano.(...) O que desejo assinalar aqui que a perspectiva da
Gestalt tambm resultou na individualizao do social, desta vez em termos de percepo em vez de em
termos de comportamento. Aparecendo da forma como o fez, depois da primeira fase da individualizao
do social, ela teve um efeito dramtico. A coexistncia, na era moderna da psicologia social, de duas
perspectivas individualistas incompatveis a do observador e a do ator no favorvel a uma cincia
social. (Farr, 2002, p.147).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
217
ocorre. So pouqussimas as excees, entre as quais destacam-se Lea et. al. (19877 ) que,
em sua reviso dos conhecimentos sobre Economia necessrios ao psiclogo econmico,
no deixam de incluir a viso de Marx sobre diversos temas. Neste caso, contudo, podese observar que a explcita filiao destes autores ao behaviorismo no se mostra
empecilho a tal ampliao do debate e, mesmo, a respeitar a importncia de Marx.
Lembremos, tambm, que Lea et. al. so dos poucos que declaram sua posio poltica
(centro-esquerda) e assumem implicaes representadas pela falta de neutralidade do
nosso objeto de estudo (informaes sobre comportamento econmico podem servir a
diferentes interesses e o pesquisador deve estar consciente disto) embora acreditem que
sua investigao possa, sim, ser neutra, do ponto de vista metodolgico ou
epistemolgico.
Por outro lado, para Earl (19908 ), tambm pesquisador na disciplina, cujos trabalhos
trazem sempre uma marca de responsabilidade, conseqncia e engajamento, no causa
surpresa que a viso comportamentalista na psicologia tivesse encontrado pronto eco na
vertente objetivista/positivista de economistas que, por sua vez, tanto relutam para
aceitar contribuies comportamentais o termo usado em sua acepo de referir-se a
comportamento e, no necessariamente, escola de pensamento comportamentalista ,
com sua metodologia que envolve questionrios e entrevistas como fundamentos para
teorias a respeito de comportamento do consumidor ou do administrador (p.725). O autor,
com efeito, critica as prprias bases epistemolgicas do behaviorismo, seja pelo fato de
ser difcil prever o comportamento de agentes que venham a encontrar-se, pela primeira
vez, em situaes inditas, como num caso de promoo, por exemplo, seja pela alta
probabilidade de inferir-se equivocadamente a respeito de causao, quando os corretos
elementos reforadores podem ser confundidos com outras circunstncias (op. cit.,
p.726).
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
8
EARL, Peter. Economics and Psychology: A Survey. The Economic Journal, 100 (402): 718-755, 1990.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
218
Alm destes, alguns outros, poucos, pesquisadores manifestaram preocupao com o
ngulo poltico na Psicologia Econmica: Reynaud (1967 9 ), originalmente professor de
Economia Poltica, que nunca renegou esta origem, foi um deles; Simon (1978 10 ), que
sempre levou o contexto, inclusive do campo cientfico, em conta em sua s anlises, foi
outro e, com um pouco mais de prevalncia, alguns colegas do leste europeu, como ficou
claro, por exemplo, em debate sobre a trajetria da Psicologia Econmica, durante o
congresso de 2005, em Praga, que reuniu um nmero maior deles 11 .
Propomos, mais uma vez, que a discusso de Farr (2002 12), em torno da Psicologia
Social, possa ser aplicada Psicologia Econmica, como quando ele considera que a
Psicologia Social moderna, instituda a partir da Segunda Guerra Mundial, seria produto
norte-americano razes europias, mas flor americana (op. cit., p.21). Podemos
acrescentar que este formato teria retornado Europa nas ltimas dcadas, impondo,
agora, esta feio a todo o campo no hemisfrio norte (mais Austrlia, Nova Zelndia e
Israel), e deste modo que est presente na Psicologia Econmica.
O autor examina este eixo, representado pela polaridade indivduo versus coletivo, em sua
histria da Psicologia Social, situando na virada do sculo XIX-XX a presena freqente
de importantes autores das cincias humanas e sociais escrevendo sobre ambos os lados.
poca, porm, enfrentavam dificuldades frente ausncia de uma definio clara destes
campos, conforme ele expe:
Embora pudessem apreciar a significao de ambos os projetos, os autores no
conseguiam estabelecer seu inter-relacionamento. Sabia-se o suficiente para separar
os dois objetos de estudo, mas no o bastante para demonstrar como eles estavam
inter-relacionados. s vezes, como no caso de Durkheim, o motivo pelo qual se fazia
a distino entre os dois objetos era que o autor desejava estudar um deles, mas no
o outro. Ao estabelecer uma distino entre as representaes individuais e coletivas,
REYNAUD, Pierre-Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
Djalma Forjaz Neto.
10
SIMON, Herbert. SIMON, Herbert A. Rational decision-making in business organizations. Nobel
Memorial Lecture 8-dec., 1978. Economic Science 1978. 343-371.
11
Conforme anotaes da autora, que estava presente. XXX InternationalAssociation for Research in
Economic Psychology Annual Colloquium Absurdity in the Economy . Praga, Rep. Tcheca, 2005.
12
FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. Trad. Pedrinho
Guareschi e Paulo Maya.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
219
Durkheim (1898) estava tambm distinguindo a sociologia da psicologia (Farr, 2002,
p.61).
esta espcie de cisma que buscamos discutir aqui, ao lado daquele que, da mesma
forma, pode envolver a questo das contribuies para o estudo do indivduo versus
coletivo, que acreditamos estar no cerne do primeiro (entre Psicanlise e Psicologia
Social e Econmica). Farr refere-se a como Freud teria revisto sua teoria da mente para
torn- la mais social, depois da Primeira Guerra (p.62-3), sublinhando o risco que, nesta
tese, acreditamos ter contribudo para evitar:
As inmeras contribuies de Freud para a compreenso dos fenmenos coletivos
correm o risco de serem apagadas da memria dos estudiosos porque a herana
psicanaltica est nas mos de clnicos e no nas mos de cientistas sociais. (...)
Freud demonstrou, em relao aos fenmenos mentais, que a conscincia apenas a
ponta do iceberg. A maior parte daquilo que significativo para a vida humana no
est presente na conscincia, e diz respeito cultura bem como noo freudiana de
inconsciente. (op. cit., p.64).
Farr vai alm e denuncia como estas contribuies podem ser esquecidas, especialmente
na histria da psicologia social, embora houvesse meno a elas no Manual de
psicologia social de 1954 (editado por Lindzey) e na edio de 1968-69 (editada por
Lindzey e Aronson) mas no nas edies que lhe sucederam (grifo nosso) o que s
220
vem reiterar o peso ideolgico que a Histria pode ter. Como freqentemente se afirma,
ela costuma ser escrita pelos vencedores, o que pode ser tomado, portanto, em diversas
acepes.
Mais tarde, a partir, em especial, do sculo XIX, nascem as cincias sociais, no contexto
de urbanizao e industrializao de ambas as regies. neste perodo que surgem tanto
a psicologia, com Wundt, como a sociologia, com Durkheim. Farr observa que, entre
ambos, as semelhanas seriam maiores do que as diferenas, tendo Durkheim sido
influenciado por Wundt, no sentido de no se opor a que a sociologia fosse chamada de
psicologia coletiva, desde que se reconhecesse que suas leis eram muito diferentes das
leis da psicologia (op. cit., p.67). Contudo, o autor afirma que, enquanto Durkheim era
positivista, Wundt seria anti-positivista. A influncia positivista sobre a psicologia, no
entanto, passa a predominar desde cedo, vindo a desaguar, posterior mente, na tendncia
geral manifestada pelas cincias sociais norte-americanas que, a partir da Segunda Guerra
Mundial, passam a ser concebidas sob uma tica individualista, ganhando, em seu
conjunto, a denominao cincias do comportamento (op. cit., p.137). Para ele:
221
A enorme influncia do behaviorismo sobre a psicologia produziu, no fim da dcada
de 1960, certo nmero de campos de estudos interdisciplinares, entre os quais a
psicologia desfrutava de um lugar central. Isto no muito surpreendente, uma vez
que as outrora cincias sociais so agora vistas, em conjunto, como as cincias do
comportamento. O nascimento destes campos interdisciplinares tais como a
psicologia transcultural, psicologia ambiental e histria das cincias do
comportamento, foram resultado desses desenvolvimentos do ps-guerra. Eles
representam um prolongamento, na era moderna, da individualizao das cincias
sociais. (Farr, 2002, p.137-8).
Esta opo que, na raiz da Psicologia Social, Farr (2002) atribui prevalncia do vis
comportamentalista 13 , revela-se na preferncia por procedimentos experimentais e
mtodos quantitativos nas pesquisas, com menor espao para reflexo, consideraes
tericas e ensaios, por exemplo. A grande ambio reunir o maior nmero possvel de
dados. Naturalmente, tais esforos podem contribuir para claros avanos do
conhecimento e jamais se poderia prescindir deles. Acreditamos, porm, que poderiam
crescer em alcance do exame da realidade se pudessem ser acrescidos de variveis
sociais, histricas, polticas, culturais, mais a expanso da investigao do mundo
emocional oferecida pela Psicanlise, bem como de maior preocupao crtica com os
prprios mtodos adotados. Em se tratando de empreendimentos humanos, haver,
sempre, pontos cegos que, quando explicitados, ou seja, quando no se nega ou ignora
sua existncia, podem auxiliar na ponderao mais precisa dos dados apresentados.
13
Quando a psicologia era uma cincia da mente, era mais fcil conceb-la como uma cincia humana e
social do que quando se tornou uma cincia do comportamento. (Farr, 2002 , p.43).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
222
Em outras palavras, no acreditamos que possa haver completa iseno ou neutralidade
no conhecimento. Assim, em sendo parcial, melhor faremos trazendo luz esta inevitvel
limitao, como uma espcie de antdoto ao risco que Adorno e Horkheimer (19691985 14 ) to bem apontam: Na crena de que ficaria excessivamente susceptvel
charlatanice e superstio, se no se restringisse constatao de fatos e ao clculo de
probabilidades, o esprito conhecedor prepara um cho suficientemente ressecado para
acolher com avidez a charlatanice e a superstio. (p.13). Se a preocupao principal
restringir-se coleo do maior nmero possvel de dados e forma como eles sero
tratados estatisticamente, pois apenas assim revelariam seu contedo de verdade, pode-se
terminar eliminando a discusso mais aprofundada dos resultados, suas implicaes e
decorrncias, to essenciais produo de conhecimento que se quer seriamente
implicada com sua responsabilidade social como o que gostaramos de ver acontecer
em nosso pas.
identificadas
na
operao
do
esclarecimento,
que
elimina
O problema no reside nos nmeros, que o Positivismo tanto valoriza, mas no que feito
com eles. Ao tentarem a imparcialidade impossvel, acabam por ingressar no reino do
ideal, afastando-se justamente do objeto que pretendiam, originalmente, investigar. E o
mais grave no parecendo suspeitar de que incorrem nesse risco ou no prprio
equvoco. Estes so aspectos que propomos que sejam considerados na construo da
disciplina em nosso pas.
14
223
Com relao aos seus propsitos, colocados, hoje, sob a forma de prever e controlar,
com base nas informaes obtidas sobre o comportamento econmico e a tomada de
deciso nesse mbito, sugerimos que seja includa uma nfase que nos cara a partir do
vrtice psicanaltico investigar e expandir o conhecimento mesmo que no se
determine, de antemo, para onde ele nos levar. Na verdade, no delimitar fronteiras a
priori parte integral deste modo de investigar. Defendemos, assim, maior amplitude, a
fim de no incorrermos em riscos que Farr expe da seguinte maneira:
Uma vez que o comportamento se tornou o foco do estudo da psicologia, esta em
breve deixou de ser uma disciplina comparativa. Este especialmente o caso se os
objetivos declarados da nova cincia so a predio e o controle do comportamento.
(...) Com a aceitao do behaviorismo, no apenas a mente fica fora de considerao,
mas tambm a cultura, uma vez que espcies infra-humanas (tomando emprestada
uma frase de Murchison) em geral, carecem de cultura. O estudo de costumes e
rituais torna-se, ento, o estudo do hbito, e os hbitos estudados so os de
indivduos isolados (humanos ou animais). O que o behaviorismo props
psicologia em geral foi sua individualizao. (...) Gostaria de acrescentar que o
behaviorismo nos Estados Unidos tambm separou a comportamento da histria.
(2002. p.132-3)
Alm disso, quanto a prever e controlar, expressamos nossas dvidas sobre sua prpria
viabilidade se a Psicologia Econmica pauta toda a sua discusso pelo questionamento
da racionalidade plena e, como vimos, vem se aproximando, cada vez mais, do ngulo
emocional para examinar seu objeto de estudo, cabe indagar em que plano estariam tais
pretenses de previso e controle . No seriam elas ideais? Mesmo com todo o aparato
tecnolgico explorado pela vertente da neurocincia, temos clareza da distncia que nos
guarda do conhecimento total de nossa mente, lembrando, por exemplo, quo
recenteme nte iniciamos seu exame sistemtico e rigoroso faz apenas cerca de um
sculo, tempo que nos parece excessivamente curto, dada a magnitude da empreitada.
Embora Lea et. al. (198715, p.316) proponham um modelo positivo de cincia para a
Psicologia Econmica, que eles definem como livre de valores, defendem, ao mesmo
tempo, um posicionamento que, como vimos, nos parece mais lcido sobre o objeto de
estudo da disciplina: diferindo da maioria dos outros autores ao afirmar que ele no
15
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. & WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
224
neutro, uma vez que haveria muitos tipos de interesse nos dados obtidos, apontam para o
risco constante destes serem distorcidos, ou ocultos, para ir ao encontro de interesses
econmicos, por exemplo. Ao mesmo tempo, esse perigo existe justamente pelo fato de
trabalhar-se com situaes da vida real, de modo que no haveria como escapar desta
vicissitude, restando apenas a necessidade de manter-se consciente da situao (p.95).
Como Adorno e Horkheimer (1969-198516 ), acreditamos que o conhecimento no seja,
efetivamente, neutro, mas produto da sociedade, uma vez que o homem conhece
conforme sua necessidade. Reflete, portanto, a ideologia, que tambm histrica, e
justifica a dominao. Examinar a ideologia, porm, no se revela to simples, uma vez
que ela verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Ela vem das condies sociais isso
verdade , mesmo que as encubra eis o componente de falseamento.
De todo modo, o conhecimento deve poder exp ressar este fato. No sendo neutra, a
cincia apontaria para a ideologia, pois est enredada numa malha de interesses, mesmo
que estes no sejam explcitos primeira vista. Se, contudo, ignorar esta dimenso de
sua constituio, servir cegamente a eles, perdendo, justamente, sua condio de
esclarecimento, de iluminar o que se passa dentro de si e ao seu redor .
16
225
Assim como se passa com a Psicologia Social, nas palavras de Farr:
Se a psicologia social uma disciplina especfica, e acredito que seja, ento ela deve
ocupar-se do relacionamento entre o indivduo e a comunidade (ou sociedade).
Durante o perodo da Guerra Fria, o individualismo tornou-se a ideologia do
ocidente e o comunismo a ideologia do leste. Esse fato, acredito eu, levou a
distores grosseiras no desenvolvimento das cincia s sociais em ambos os lados da
antiga cortina de ferro. Quando tanto o indivduo como a comunidade transformamse em plo privilegiado, torna-se impossvel equacionar o relacionamento entre
indivduo e comunidade. Agora que a guerra fria terminou, h necessidade de uma
reavaliao conceitual, tanto no antigo ocidente como no antigo leste. (Farr, 2002
p.150).
Do mesmo modo, a Psicologia Econmica deveria seguir refletindo sobre esta questo,
essencial sua constituio, linhas de investigao e perspectivas futuras.
Com relao ao ltimo item, seu futuro, garimpamos algumas observaes, previses e
recomendaes feitas por autores da Psicologia Econmica contempornea, que
julgamos pertinentes, ainda hoje, como ilustraes, mesmo que algumas delas possam ter
sido deixadas de lado ao longo da histria.
226
consumo, fazer com que as pessoas poupem ener gia e outros recursos, rever o sistema de
bem-estar social, que se tornou caro demais para manter os benefcios naquele momento,
desenvolver as economias do Terceiro Mundo (op. cit., p.3). Iniciativas que apenas
engatinham em 2006, como aquelas referentes ao mercado de crditos de carbono, por
exemplo, com o objetivo de minimizar os danos (imensos, diga-se de passagem) ao meioambiente, seguem nessa linha uma espcie de cobrar pelos hbitos e aspiraes de
consumo. Mas so passos bastante modestos, ainda, face aos igualmente imensos desafios
que aguardam encaminhamento consistente no que diz respeito, por exemplo, a
desenvolver as economias do terceiro mundo e mesmo, prpria proteo ao meio ambiente, to vitalmente ameaado neste momento.
No congresso conjunto IAREP e SABE, de 2006, por exemplo, quando se propunha, justamente, a fuso
das duas Associaes (o que no ocorreu, embora tenha havido uma moo em direo a maior
proximidade), o representante da Holanda deixou alguns colegas, entre os quais nos inclumos,
boquiabertos, ao propor um retorno s razes da Psicologia Econmica, o que, para ele, significava
voltar-se mais para questes de marketing, entre outras, com menor espao quelas que poderiam oferecer
oportunidades de dilogo com os economistas comportamentais. Mesmo em se tratando de uma iniciativa
individual, merece ser levada em considerao o que significa, em 2006, uma proposta de retrocesso,
como esta, quando todos os esforos pareceriam indicar, sempre, a importncia da interdisciplinaridade?
Stephen Lea foi um dos que se manifestou, contrariamente, comentando que ouvia aquelas palavras com
wry amusement (divertimento torto, talvez, melhor dizendo, humor um pouco amargo), depois de
tantos anos de luta por manter aquela proximidade. (Anotaes da autora, que estava presente reunio, na
condio de representante do Brasil e, igualmente, expressou sua discordncia. IAREP-SABE Conference
Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA,
Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes,
Paris, Frana, 06.07.2006.)
18
Em 2005, Altman relatou que a SABE sofrera tentativa hostil de ser fundida SASE, de Amitai
Etzioni (cf. Anexo 1.2). Comunicao pessoal. 23.09.2005.
19
Vale lembrar que uma pesquisadora brasileira, Helene Bertrand, da Faculdade de Administrao da PUCRJ, vem participando de congressos de ambas as vertentes SABE e , h mais tempo, SASE.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
227
Outro tema da agenda atual responsabilidade social j era abordado por Katona em
1975, ao tratar de tica nos negcios (Katona, 1975, p.307-318). O autor faz, ento,
um histrico das relaes entre proprietrios de empresas, funcionrios, sindicatos e
clientes. Menciona Ralph Nader, um pioneiro, nos anos 1960, na questo de defesa dos
direitos do consumidor (p.311) e acrescenta que apenas a opinio pblica poderia exercer
a presso necessria sobre grandes corporaes no sentido de que operassem com
responsabilidade. Em sua opinio, os grandes negcios deveriam oferecer transparncia,
a fim de permitir este monitoramento por parte do pblico ainda que tal medida
resultasse em lucros menores, devido possibilidade de acesso a informaes antes
consideradas confidenciais. Neste sentido, deveriam funcionar como instituies
pblicas (op. cit., p.317-8).
uma viso at radical, no que concerne ao sistema capitalista, que Katona, em outras
passagens, indica defender. Por isso mesmo, deve ser assinalada. Esta autora manifesta
sua concordncia com este ponto , de fato, a informao que poder favorecer a
instalao de condies imprescindveis ao desenvolvimento scio-econmico, como a
participao mais ampla e responsvel dos diversos segmentos da populao.
Do ponto de vista de polticas pblicas, depois de alertar que previses sobre o futuro,
realizadas pelo governo ou por grandes corporaes, seriam uma maneira de influenciar a
opinio pblica um ponto que poderia render discusses produtivas para psiclogos
econmicos, economistas comportamentais e outros pesquisadores na rea ele prope
uma interessante forma de atuao para o governo:
tarefa do governo, no apenas implementar polticas econmicas, mas tambm
explic-las, de modo a torn-las inteligveis a milhes de pessoas. Porque aquilo que
as pessoas pensam influencia suas respostas s aes do governo, todos os esforos
deveriam ser feitos para induzi-las a refletir sobre o problema, entender a soluo
proposta pelo governo como sendo para o seu prprio interesse e, assim, oferecer
pronta cooperao. (Katona, 1975 20, p.347-8).
20
It is the task of government not just to make economic policy but also to explain it so that it becomes
intelligible to millions of people. Because what people think influences their response to government
actions, every effort should be made to induce them to reflect upon the problem, to understand the
governments proposed solution as being in their best interest, and so to provide willing
cooperation.(Katona, 1975, p.347-8).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
228
A autora acrescentaria que um bom debate deveria integrar o cardpio proposto acima o
pblico deveria poder refletir sobre e discutir as propostas, com vistas a participar, do
modo possvel, do delineamento das medidas na esfera econmica. Neste sentido, a
Psicologia Econmica poderia colaborar, com seus conhecimentos acerca de como
pessoas e grupos tomam decises e se comportam na realidade, o que poderia, tanto
poupar recursos, como aumentar as chances destas medidas serem bem-sucedidas.
Wrneryd (2005b21 ) confere ao debate um vis bastante pragmtico: haver futuro para a
Psicologia Econmica se houver demanda por seus servios. Para ele, a psicologia
macro-econmica exatamente a vertente que nos parece mais relevante, em se tratando
das necessidades identificadas em nosso pas deve, ainda, mostrar a que veio. A questo
crucial, em sua opinio, saber at que ponto os resultados de seus estudos podem ser
interessantes e teis toda comunidade cientfica e social. Ele alega que a utilidade no
que se refere ao nvel micro, como, por exemplo, estudos sobre escolha de produtos, est
bem estabelecida, havendo demanda para o mesmo tipo de pesquisa quanto a marketing e
administrao, mas em menor escala para aquela acerca de comportamento econmico na
dimenso macro. Mais do que isso, ele ressalta haver, at mesmo, resistncia a propostas
desta natureza (p.26).
Para o autor, um dos ramos que pode beneficiar-se deste tipo de pesquisa, sobre
comportamento financeiro, o de Finanas Comportamentais. Embora primordialmente
voltada para explicaes para as evolues do mercado, pode receber as teorias sobre
comportamento do investidor ou reaes da populao, fornecidas pela Psicologia
Econmica. indagao sobre quem daria ouvidos a um psiclogo quando ele fala sobre
assuntos econmicos tais como ndice de poupana, incentivos tributao para estimular
a poupana e desempenho da Bolsa de Valores, ele responde que, atualmente, algumas
pessoas esto, com efeito, escutando este profissional 22 . Como bem observa Wrneryd, a
21
229
mdia e as empresas comeam a se dar conta de que fatores psicolgicos que afetam o
comportamento econmico podem ser estudados e comentados, no apenas por
economistas, mas tambm por alguns psiclogos. No entanto, dever existir demanda por
respostas mais complexas e interdisciplinares, levando-se em considerao, por exemplo,
diferentes segmentos da populao, com diferentes caractersticas psicolgicas e
sociais, acrescentamos de forma a oferecer insights valiosos compreenso daqueles
fenmenos (op. cit., p.27).
230
seguir, duas experincias de estudos acadmicos sobre o tema, que podem ter, pelo
menos, aberto alguns caminhos naquela direo. Sustentamos que situaes exacerbadas,
como aquela, possam revelar-se um tipo de janela epistemolgica (Ferreira, 200024 ,
p.148), no sentido de desvelar, com maior nitidez, operaes psquicas que, de outra
forma, poderiam passar despercebidas.
A alta inflao econmica, que assolou o Brasil at pouco mais de uma dcada atrs,
deixou marcas importantes em diversos setores da vida nacional. Pode ter sido
responsvel, em certa medida, at mesmo por uma fresta que se abriu para estudos
interdisciplinares que acolheram uma perspectiva psquica.
De nossa parte, uma das principais razes se no a mais importante de todas, com efeito
, que nos despertou a ateno para a necessidade e, mais tarde, para a existncia, de
estudos sistemticos sobre o comportamento econmico, foi a observao, como cidad,
da fartura de matria-prima em nosso pas, para investigaes desta natureza. Com tantos
problemas scio-econmicos longe de ser solucionados e frente aos quais medidas pouco
eficientes aplicavam, uma aps outra, remdios que, rapidamente, mostravam-se
inadequados ou incuos, quando no francamente prejudiciais, pouco a pouco despertounos o interesse por esta interface teria a Psicanlise ou, de qualquer modo, o estudo das
variveis comportamentais do indivduo e dos grupos, algo a acrescentar quele cenrio
to desprovido de esperanas no sentido de um avano?
Como a tantas pessoas da gerao que conviveu com o fenmeno, o espectro da espiral
inflacionria parecia parte da famlia, indesejada por muitos e bem-vinda por tantos
outros, mesmo que o discurso oficial fosse contrrio ao fenmeno. Em ns, causava
perplexidade, sobretudo por aparentar resistir a todas as polticas econmicas elaboradas
com o objetivo de control-la. Este enigma foi o que nos impeliu a procurar ampliar o
24
FERREIRA, Vera Rita de Mello. O Componente emocional funcionamento mental e iluso luz das
transformaes econmicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e Virtual, 2000.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
231
campo de anlise, por meio de um mestrado em Psicologia Social e do Trabalho, em que
buscamos respaldo para uma discusso, em termos psicanalticos, daquelas condies
econmicas. Depois disso, descobrimos a Psicologia Econmica propriamente dita.
Retomamos, agora, brevemente, este debate, anos e novas leituras e conhecimentos
depois, como ilustrao de possibilidade de insero deste campo em nosso pas.
25
FERREIRA, Vera Rita de Mello. O Componente emocional funcionamento mental e iluso luz das
transformaes econmicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e Virtual, 2000.
26
HENRIQUES, Ricardo. Economia em tempos sombrios: inflao, ordem e violncia. In VIEIRA, Jos R.
et. al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 49-62,
1993.
27
DAMATTA, Roberto. Para uma sociologia da inflao: notas sobre inflao, sociedade e cidadania. In
VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: RelumeDumar, 15-32, 1993.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
232
combinaria bem com a cultura inflacionria; Barbosa28, economista, apontou a
dificuldade latino-americana para transformar a moeda numa instituio slida, com
reflexos sobre contratos entre cidados e seus direito bsicos, lembrando que o imposto
inflacionrio recai sobre a populao mais pobre; Fernandes 29 , tambm antroplogo,
abordou relaes de troca em contexto inflacionrio, com instabilidade, desconfiana,
quebra de sociabilidade e desorganizao, como decorrncias; Henriques 30 , outro
economista, assinalou que a velocidade nos reajustes de contratos representava uma
violncia para a vida social, com desmantelamento interno das esferas pblica e
privada (Vieira et. al.,1993, p.10); Abranches 31, cientista poltico, contundente nunca
se desejou, realmente, acabar com a inflao e neste aspecto, sua viso apresenta
convergncia com a perspectiva adotada por esta autora em sua dissertao 32, como
veremos a seguir; Earp, economista 33 , vincula a inflao ao processo de modernizao do
pas, com suas caractersticas de falta de competitividade e misria crescente; Aguiar34 ,
sociloga, discorreu sobre Georg Simmel e a filosofia do dinheiro, visto como fator de
estabilizao em cultura inflacionria, deixa de ter essa funo, com conseqncias
mais negativas para as camadas mais pobres da populao; Zerkowski35 , economista, tece
crticas, justamente, ao papel da Economia para encaminhar o problema da inflao,
mencionando o lugar de mgicos que estes especialistas vinham ocupando naquele
perodo; Birman36 e Ferraz37 so psicanalistas e esta autora s pode confessar seu
28
BARBOSA, Fernando H. Inflao e cidadania. In VIEIRA, Jos R. et. Al. (org.) Na corda bamba doze
estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 33-42, 1993.
29
FERNANDES, Rubem C. Inflao e desconfiana. In VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda bamba
doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 43-48, 1993.
30
HENRIQUES, Ricardo. Economia em tempos sombrios: inflao, ordem e violncia. In VIEIRA, Jos R.
et. al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 49-62,
1993.
31
ABRANCHES, Sergio H. H. A sociologia poltica da inflao. In VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda
bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 63-94, 1993.
32
FERREIRA, Vera Rita de Mello. O Componente emocional funcionamento mental e iluso luz das
transformaes econmicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e Virtual, 2000.
33
EARP, Fabio S. Modernizao, conflito e inflao: notas sobre o caso brasileiro. In VIEIRA, Jos R. et.
al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 95 -112, 1993.
34
AGUIAR, Neuma. Cultura inflacionria: vida cotidiana e relaes de gnero. In VIEIRA, Jos R. et. al.
(org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 113-128, 1993.
35
ZERKOWSKI, Ralph M. Inflao e fatores sociais. In VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda bamba
doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 129-138, 1993.
36
BIRMAN, Joel. Sujeito, valor e dvida simblica: notas introdutrias sobre o dinheiro na metapsicologia
freudiana. In VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de
Janeiro: Relume-Dumar, 139-154, 1993.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
233
conforto intelectual e psquico ao encontrar colegas tratando do tema, aqui mesmo,
no Brasil e mais, quinze anos atrs! o primeiro destaca os efeitos destrutivos,
simblicos e reais, da cultura inflacionria sobre a subjetividade, aproximando moeda e
dvida simblica para pensar sobre a constituio do sujeito, enquanto que o segundo
associa inflao a moral e tica; Grau38 , jurista, analisa as relaes entre Direito, tica e
Economia, apontando pa ra a perda da perspectiva humanista; Prado39 , economista, adota
o vrtice histrico para contextualizar o processo inflacionrio no mundo ocidental psSegunda Guerra, assinalando sua acelerao no Brasil depois de 1980, com decorrncias
importantes para o comportamento de grupos sociais (grifo nosso).
Podemos nos perguntar se a Psicologia Econmica no Brasil poderia ter nascido neste
evento, cujas apresentaes foram publicadas sob a forma de livro, em 1993 40 . No, a
expresso no foi mencionada em nenhum dos textos. Contudo, pode-se afirmar que,
naquele momento, teria surgido a percepo de uma lacuna e da necessidade de estudos
desta natureza, interdisciplinar e com foco que inclusse o aspecto psquico. Assim,
mesmo se no empregam o termo Psicologia Econmica, nem Economia
Comportamental ou Psicolgica podemos pensar que, de fato, empreendem uma
tentativa que poderia aproximar-se de sua constituio: As mltiplas dimenses desse
problema [inflao] indicam que a inflao no pode ser pensada e gerida apenas por
economistas. Faz-se necessrio um esforo multidisciplinar inovador que coloque vrios
saberes a servio de uma questo to crucial. (Vieira et. al. 1993, p.7). viso bastante
semelhante ao que defendem os psiclogos econmicos Lewis et. al. (1995 41, p.10)
acerca do contexto mais amplo, para quem a Economia importante demais para ser
37
FERRAZ, Jeremias L. Consideraes psicanalticas sobre a cultura da inflao. In VIEIRA, Jos R. et.
al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 155-160,
1993.
38
GRAU, Eros. A amoralidade do direito formal. In VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda bamba doze
estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 161-166, 1993.
39
PRADO, Luiz C. D. O fenmeno da inflao numa perspectiva histrica: notas sobre a matriz social e
poltica da inflao. In VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio
de Janeiro: Relume-Dumar, 167-194, 1993.
40
VIEIRA, Jos R. et. al. (org.) Na corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: RelumeDumar, 1993.
41
LEWIS, Alan, WEBLEY, Paul e FURNHAM, Adrian. The New Economic Mind the social psychology
of economic behaviour. London: Harvester/Wheatsheaf, 1995.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
234
deixada [apenas] nas mos de economistas. De fato, quando o assunto to srio, vale
juntar esforos rumo ao debate aprofundado e a polticas cuidadosamente elaboradas.
Esta iniciativa teve lugar quase ao mesmo tempo em que esta autora comeava a
debruar-se sobre o mesmo tema, partindo de insatisfao semelhante. Em 1994, iniciou
seu projeto de pesquisa para ingressar no Mestrado 42 , com o objetivo de discutir a
possibilidade de encontrar-se fatores emocionais associados experincia da inflao e,
mais tarde, da estabilizao da moeda, no pas, apoiada numa fundamentao
eminentemente psicanaltica. Naquele momento, no localizou a obra em questo, que s
veio a conhecer anos mais tarde 43 .
Por outro lado, aqueles pesquisadores tampouco pareciam conhecer o que, desde h
vrios anos, j vinha sendo feito na rea Katona, para citar apenas um pesquisador da
interface Psicologia-Economia, sempre tratou dos aspectos psicolgicos da inflao e,
como os demais autores deste campo, no mencionado por nenhum dos participantes
daquele colquio. Embora, como podemos ver abaixo, eles se refiram necessidade de
expandir o foco deste tipo de anlise:
bem verdade que economistas de vrias matizes tericas reconhecem hoje que a
inflao deve ser observada como um fenmeno cujos aspectos centrais transcendem
o campo da economia. No entanto, so ainda poucos os que, como Albert
Hirschman, to recorrentemente citado neste livro, ousam ir alm de seu campo
especfico. Normalmente, e at mesmo por cacoete de ofcio, os fatores de natureza
no-econmica so considerados como variveis exgenas, e o mundo da
economia continua sendo enfocado como uma nica realidade objetiva. (Vieira et.
al., 1993, p.9)
42
235
De fato, so inmeras obras de Hirschman que ancoram a maior parte das anlises,
particularmente quando empreendidas por economistas, mas no apenas por eles. Ou seja,
podemos supor que, apesar de sugerir que intercmbios com outros estudiosos seriam
proveitosos e a prpria realizao do evento clara evidncia neste sentido , foram
dados ali apenas alguns primeiros passos, sem levar a empreitada at uma efetiva troca
regular e construo de um novo campo de conhecimento. Mas passaram perto de propor
a constituio mais formalizada de instrumentos para investigar fenmenos que, como a
inflao, parecem envolver tantas facetas da vida humana.
, ainda, interessante observar como, igualmente, tive mos nossa ateno despertada para
a relevncia de estudos interdisciplinares na interface Psicologia-Economia e para a
lacuna que ento, e at hoje, embora em menor grau, havia neste aspecto tambm
devido experincia da inflao. Da mesma forma, no encontramos a Psicologia
Econmica de imediato, tendo discutido o fenmeno a partir de um ngulo
essencialmente psicanaltico. J que nosso foco nesta tese no a inflao, utilizada,
aqui, como exemplo para pensarmos sobre a possibilidades de constituio do campo
interdisciplinar em nosso pas, como resposta a nossos prprios problemas e condies,
cabe apenas localizar o leitor, resumidamente, frente s linhas gerais daquele trabalho, a
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
236
fim de, em seguida, identificar convergncias entre as hipteses discutidas na dissertao
mencionada (Ferreira, 2000) e anlises destes autores brasileiros 44 .
44
Dcadas antes, Reynaud (1967), j assinalara, por exemplo, que determinadas posturas psquicas
estariam associadas experincia da inflao fazendo meno ao fato de que, como o consumidor [numa
rara utilizao deste termo] menos poderoso que os produtores e os assalariados, a inflao aparece como
uma soluo cmoda [para estes ltimos] (p.84). Como verificaremos a seguir, estas linhas de raciocnio
foram exploradas por Ferreira, 2000 (que aponta, por exemplo, dentre as implicaes da inflao alta, a
possibilidade, exercida por empresrios e outros grupos sociais com poder para tanto, de administrar preos
e reajustes , muito mais do que planejar e gerir seus negcios, o que fazia com que no se opusessem
ativamente continuao do processo inflacionrio, em muitos casos), e por outros dos autores que estamos
examinando.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
237
Embora no recorram ao mesmo quadro terico, sugerimos poder encontrar ressonncias
nas anlises de alguns participantes do se minrio da UFF, como ilustramos a seguir.
Vejamos, por exemplo, Abranches (1993 45):
H, por certo, padres adaptativos satisfatrios que so predatrios, e outros,
tambm bastante freqentes, que tornam o ator muito vulnervel a determinadas
alteraes nas condies ambientais. Assim, comportamentos que produzem
adaptao satisfatria podem ser lesivos ao prprio ator se as condies que os
produziram se alterarem em determinadas direes. Nesses casos, quem se adaptou
satisfatoriamente a ambientes muito adversos pode ter razes ponderveis para se
opor a mudanas, mesmo que estas levem reduo do grau de ameaa coletiva
existente. Um exemplo, no contexto de ambientes inflacionrios, o de investidores
ou empresas que se acostumaram a contornar reiteradamente as insuficincias
operacionais com aplicaes financeiras satisfatoriamente remuneradas. Adaptados a
esse ambiente de superinflao e elevada remunerao financeira de curto prazo,
encontram-se desaparelhados para sobreviver em ambientes sem inflao. Ao
mesmo tempo, em ambientes de estabilidade, podem ser eliminados do mercado por
concorrentes com menores insuficincias gerenciais. (p.64-65).
O contexto inflacionrio crnico subverteu o quadro institucional da economia,
produziu desajustes comportamentais agudos e estimulou processos de adaptao
fortemente autodefensivos. Um quadro de incerteza, informao precria e confusa,
e fluidez extremada quando no ausncia de regras. (p.69)
Pouco mais frente, ele ainda mais especfico ao tratar de ngulos que nos sugerem,
por exemplo, a discusso anterior (cf. cap.4.4), sobre escolha intertemporal que, como
vimos, aplica-se to bem ao ponto essencial da teoria dos dois princpios do
funcionamento mental se a gratificao pode ou no ser adiada. Va le a pena
acompanhar toda a linha de seu raciocnio, que soa to familiar a ouvidos de
psicanalistas:
Dadas as desigualdades de recursos existentes no sistema social brasileiro, a
heterogeneidade estrutural e a elevada assimetria de situaes entre os atores, as
estratgias e os comportamentos ajustados [que levam em conta a realidade, ns
diramos ] envolvem mais custos e riscos, embora possam trazer maiores benefcios
futuros. Esses benefcios, porm, tm menos garantias e esto muitas vezes alm do
horizonte visualizado pelos atores. Dessa forma, as estratgias e os comportamentos
centrados [em si, e predatrios ao todo] tendem a predominar uma tendncia que
tem sido confundida com uma lei de ferro da racionalidade individualista.
Estratgias e comportamentos ajustados envolvem, quase necessariamente, trocas
intertemporais mais mediatas. O retorno compensatrio pelos sacrifcios assumidos
no presente de mais longo prazo. preciso que as condies propcias obteno
45
ABRANCHES, Sergio H. H. A sociologia poltica da inflao. In VIEIRA, Jos Ribas et. al. (org.) Na
corda bamba doze estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 63-94, 1993.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
238
de benefcios futuros ampliados sejam sustentveis pelo tempo suficiente para a sua
concretizao. Por essas razes, os padres ajustados s se afirmam quando existem
meios institucionais de garantia de reciprocidade.
Em circunstncias de crises sistmicas mais agudas, a operacionalidade dos sistemas
fica comprometida, as informaes originais so distorcidas ou insuficientes, e
vrios servomecanismos que regulam a troca de informaes tornam-se inoperantes
ou deficientes, desaparecem as garantias e os estmulos a qualquer forma de
reciprocidade. assim nos casos de superinflao, que desorganiza os sistemas,
trunca as informaes e desativa ou danifica inmeros servomecanismos.
Nesse contexto, alta a probabilidade de que a capacidade estratgica, associada s
propenses adaptativas, produza quase exclusivamente prticas autodefensivas. Em
conseqncia, saem fortalecidas as coalizes de escape, de bloqueio e de veto
recproco. A capacidade criativa, por sua vez, leva ao desenvolvimento de modos e
tcnicas voltados para o aumento da efic cia daquelas estratgias e coalizes. Em
outras palavras, os comportamentos centrados predominam, podem sancionar
inmeras prticas predatrias e reforar os impulsos gerais de autodefesa. No h
incentivo para o clculo do ajustamento nem condies para a reciprocidade.
(Abranches, 1993, p.74)
Enquanto isso, Earp (1993), ao propor que o universo conceitual seja expandido a fim de
melhor lidar com o fenmeno da inflao, cita, nominalmente, a Psicanlise, o que no
chega a causar surpresa, pois h indicaes deste enfoque ter permeado aquele debate, em
outras ocasies. Alm disso, refere-se, tambm, a Keynes, que, como vimos (cf. cap.4,2,
nota 11), teria tido alguma influncia nesta direo:
O conceito de fantasia, importado da psicanlise, refere -se a uma opinio sobre a
realidade obtida pela mediao do sistema de crenas dos agentes e de seu desejo.
No caso da fantasia especificamente econmica, trata-se de um pensamento em
ltima instncia mgico (visto que dominado pelo desejo) acerca do valor relativo da
renda nominal e da riqueza de cada agente. O conceito de fantasia econmica baseiase na idia keynesiana de expectativa que, percebendo a impossibilidade de previso
do futuro, recusa-se a aceitar comportamentos prospectivos racionais. (...) Mesmo
em condies de estabilidade monetria, cada agente s pode conhecer seu poder
aquisitivo ex-post ainda assim precariamente atravs de um clculo
especializado: a realidade no transparente. O conhecimento do presente to
impossvel como o do futuro pela simples razo de que as informaes no se
propagam instantaneamente e o processo de anlise no se d em tempo zero. Stricto
sensu, o presente deve ser visto como uma espcie de futuro de curtssimo prazo
logo igualmente imprevisvel e que quando entendido j passado. (p.100-101,
em itlico no original).
Este autor discute, ainda, o conceito de iluso monetria (...) o tipo de pensamento
no-cientfico que d conta do valor relativo dos bens e servios transacionados por meio
239
da moeda. (Earp, 1993 46 , p.101), que podemos aproximar tanto da viso psicanaltica,
como das descobertas empricas trazidas luz por pesquisadores da Psicologia
Econmica (cf., por exemplo, Tversky e Kahneman, 1974; Kahneman e Tversky, 1979).
Novamente, no que poderia ser entendido como uma considerao a propsito do poder
do regime psquico presidido pelo princpio do prazer, Earp declara que:
(...) a impossibilidade de formulao de expectativas de longo prazo induziu os
agentes a um movimento generalizado de preferncia pela liquidez (...) a atividade
econmica vai sendo cada vez mais restringida, o que alimenta pontos de
estrangulamento, que por sua vez representam o papel de choques externos que
rompem com os patamares inflacionrios em vigor, num crculo vicioso bem
conhecido na Amrica Latina. (1993, p.104, grifo nosso).
Por fim, como a confirmar a hiptese levantada em nossa dissertao (Ferreira, 2000),
ele conclui que: (...) a manuteno do status quo parece responder aos interesses dos
setores menos dinmicos da economia. (...) A sociedade reproduz permanentemente a
inflao para manter seu direito fantasia, esperana, iluso. (Earp, 1993, p.107).
Por outro lado, temos o psicanalista Joel Birman (1993), adotando linhas de anlise
diversas das nossas, desde a crena de que a Psicanlise teria pouco a dizer (...) a
colaborao da psicanlise a essas discusses limitada, infinitamente menor que as
leituras que podem ser empreendidas pelas diferentes cincias sociais e a cincia poltica
(p.142), porque tem como tema, de acordo com ele, a relao do sujeito com seu corpo e
outros sujeitos, sobre a qual enuncia formulaes tericas sobre o psiquismo (id.) at a
proposta de uma metapsicologia do dinheiro, que incluiria modalidades de incorporao,
circulao e metabolizao do dinheiro pelo psiquismo (p.143), dentro da qual insere
uma discusso sobre a questo da dvida simblica (p.147-8). No considera, portanto, o
assunto da tomada de deciso, ngulo primordial que adotamos para investigar o
comportamento econmico.
Antes de encerrar esta seo, duas observaes: a razo para determo -nos mais
longamente no exame desta obra (Vieira , et. al., 1993) reside na grande satisfao da
46
Esta seria positiva, quando, ex-post, ou seja, quando a aplicao do clculo cientfico demonstrar que o
agente sups ter poder aquisitivo superior ao real; negativa, quando o subestimou; e neutra, quando, por
acaso, ocorrer que a expectativa coincida com a verificao cientfica (Earp, 1993, p.101).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
240
autora em encontrar possibilidade de dilogo, mesmo que anos depois, com outros
pesquisadores que podem ter percorrido caminhos equivalentes quando, poca em que
elaborava sua dissertao, o fez em quase absoluta solido e com eco to escasso entre os
pares. No lugar de ilha, passa a sentir-se como parte de uma espcie de arquiplago,
e esta uma condio essencial para a produo de conhecimento o estabelecimento de
intercmbio e estimulao mtua entre pesquisadores. , igualmente, funo do
pesquisador em Histria permitir que tais elos possam ser (re)es tabelecidos.
Em segundo lugar, est a estranheza diante do fato de obra to importante parecer ter
merecido divulgao insuficiente. Isto pode dever-se ao fato de ter sido publicado pouco
antes do final do ciclo inflacionrio, em 1993, observando-se que, para os autores,
poca do seminrio (1991), no se via luz no fim do tnel para o problema. A inflao era
encarada por eles, naquele momento, como um impasse que desafiava qualquer proposta
de soluo.
Tendo se passado mais de uma dcada do trmino do perodo inflacionrio, seu impacto
pode ter esmaecido com o tempo, em mais um exemplo de nossas limitaes de memria
(que sequer prerrogativa nossa, no Brasil, j que este fenmeno tem sido verificado em
diversos contextos, com os estudos de Kemp sobre lembrana de preos, na s dcadas de
1980-9047 e, mais recentemente, pesquisas sobre inflao percebida, em contraste com
registros de preos lembrados, como as que foram apresentadas no congresso de 2006,
em Paris48 ).
47
KEMP, Simon. Perception of changes in the cost of living . Journal of Economic Psychology, 5 (4): 313323, 1984; Remembering and dating past prices. Journal of Economic Psychology, 12 (3): 431-445 , 1991;
Remembering the price of wool. Journal of Economic Psychology, 17 (1): 115-125 , 1996.
48
RANYARD, Rob. Perceptions of price changes and inflation: underlying cognitive and social factors.
Anais da IAREP-SABE Conference Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1
Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA, Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique,
Universit Paris 5 Ren Descartes, Paris, Frana, 2006 ; BRACHINGER, Hans W. Index of perceived
inflation: a new prospect theory based approach. Anais da IAREP-SABE Conference Behavioral Economics
and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA, Regionelle de France,
Centre National de la Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes, Paris, Frana, 2006;
JUNGERMAN, Helmut et. al. A bottom-up approach to measuring perceived inflation. Anais da IAREPSABE Conference Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon
Sorbonne, Elsevier, INRA, Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit
Paris 5 Ren Descartes, Paris, Frana, 2006.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
241
Contudo, a experincia da inflao alta deixou marcas em nossa cultura Uma das
caractersticas que conferem originalidade sociedade brasileira nesta segunda metade
do sculo a transformao da inflao no fato cultural central do processo de
modernizao. (Earp, 1993, p.102) e, para esta autora, segue merecendo estudos mais
aprofundados. Ainda estamos longe de conhecer toda a intrincada rede de mecanismos
que se espalham pelas dimenses polticas, sociais e psquicas, alm da econmica e,
portanto, vemos com apreenso recomendaes no sentido de permitir-se um pouquinho
de inflao, para o pas poder crescer. Em que pese o recm falecido Milton Friedman
defender cuidado equivalente, cabe lembrar, a quem possa ter alguma dvida, que ele foi,
desde sempre, um alvo favorito para psiclogos econmicos (e economistas
comportamentais cf., por exemplo, Simon, cap.3.12, p.140-1) e, no que depender desta
autora, para psicanalistas tambm, em funo de sua viso, estreita, que desconsiderou a
varivel psicolgica ou emocional nas anlises que empreendeu de fenmenos
econmicos. Em outras palavras, defender uma investigao cuidadosa e to completa
quanto possvel do fenmeno da inflao no significa compartilhar do ponto de vista
monetarista, nem louvar Friedman.
Nossa preocupao com o tema tem origem nas lacunas de conhecimento detectadas
quando se trata, especialmente, de inflao alta e de difcil controle em economias
emergentes. Pequenos ndices de inflao em pases com economia estvel, como os da
Europa ocidental ou, no caso dos EUA, que alm de estabilidade, tem seu gigantesco
dficit interno financiado planetariamente, podem ter significado e conseqncias
bastante distintas de uma inflao descontrolada e onerosa, em especial para a populao
de renda mais baixa, que no tinha como proteger seu dinheiro da desvalorizao
diria, como foi o nosso caso: Apenas em condies de crescimento econmico a
distribuio da renda pode ser um jogo de soma positiva; quando h estagnao, a
distribuio converte-se em um jogo de soma nula; havendo por qualquer motivo queda
na produo ou transferncia para o exterior, pode configurar-se um jogo de soma
negativa. (Earp, 1993, p.108, nota 4).
242
Fica a sugesto de repetir-se colquio equivalente que, mais uma vez em condies de
interdisciplinaridade e, na medida do possvel, com os mesmos participantes, alm de
novos outros, pudesse discutir, agora, como foi que o Plano Real funcionou, ao contrrio
de todos os outros que o antecederam 49 . Esta seria, definitivamente, uma maneira de
aprender com a experincia , isto , deter-se, mais uma vez, sobre tudo que se pensou
ento e, como second thoughts50 , cotejar com o que, de fato, ocorreu, para da poder
extrair lies importantes e preciosas, porque baseadas na experincia real.
Num contexto de maior estabilidade, muito diferente daquele vivido com a inflao, que
descrevemo s acima, torna-se mais vivel apresentar uma proposta que envolva
informao sobre o funcionamento da Economia e comportamentos econmicos
identificados frente a este.
49
Veja-se, por exemplo, o que declarava Earp (1993) sobre o futuro: O principal trao distintivo do
cenrio brasileiro a incapacidade de qualquer governo sustentar uma poltica de ajuste, seja qual for.
(p.106) e, tambm: A grande questo saber que modificaes nos quadros poltico e cultural seriam
potencialmente capazes de sustentar a imposio de perdas definitivas de renda e riqueza a quaisquer
agentes econmicos. (id.).
50
Aluso ao livro de Bion Second Thoughts (Second Thoughts Selected Papers on Psychoanalysis,
London: William Heinemann Medical Books Limited, 1967) em que o autor, aps escrever diversos
artigos, retorna a eles depois de algum tempo, e os comenta luz da experincia adquirida. , tambm, um
de seus livros mais notveis, em que apresenta, por exemplo, sua teoria sobre o pensar, de que tratamos no
cap.4.6.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
243
nossa proposta que a Psicologia Econmica deveria servir, em sua essncia,
emancipao. Neste caso, quanto maior a conscincia que a sociedade puder ter sobre
como opera psiquicamente e economicamente , de mais condie s dispor para
apropriar-se de suas decises e realizar suas escolhas. Isto significaria poder escolher
com mais propriedade, desde o cotidiano (se vai comprar a crdito ou vista, se vai fazer
emprstimo consignado, se consegue poupar ou investir, o significado de posicionar-se
frente remunerao de seu trabalho, se resiste aos apelos da mdia ao consumo
exacerbado, entre outras situaes), at o tipo de poltica econmica (sobre tributao,
aposentadoria, taxa de juros, investimentos pblicos, oramento do governo, inflao
etc.). Abranches (1993), que escreveu poca da inflao, j apontava para a importncia
da clareza nesse mbito:
O acordo sobre as regras o princpio fundamental a partir do qual se poderia
recobrar a confiana no quadro institucional. Desse modo, possivelmente se obteria
um mnimo de segurana sobre a estabilidade das regras do jogo e as condies de
reciprocidade no sistema social brasileiro. Esta, talvez, seja a chave principal para
um processo de mudana scio-econmica capaz de alterar o padro de
comportamento coletivo. (p.92).
Naquele perodo, com inflao alta, o cenrio ficava to impreciso, que no era possvel
sequer reivindicar alguma condio qualquer coisa podia acontecer no dia seguinte,
quase no adiantava tentar conhecer o que estava se passando. Assim, na atualidade, uma
proposta que envolva informao desta natureza poder fazer mais sentido.
244
crianas e pais, mira na instalao precoce de comportamentos responsveis e cuidadosos
com relao s prprias finanas. um passo inegavelmente essencial.
Barbosa (1993 51 ) refora aquela insuficincia com relao ao aspecto tico: O problema
tico em tal contexto [da cultura inflacionria] no se resolve com uma proposta
pedaggica [grifo nosso]. No funo apenas da ignorncia. Repousa num nvel
anterior, menos controlvel, onde as atitudes se formam. (p.46). Com efeito, se o mundo
emocional, a psique, no estiver includa nesta proposta, a empreitada dificilmente ter
sentido. Se mais no for, pelo menos com alertas sobre a existncia dessa dimenso, para
que, aos poucos, quem for mais sensvel ou tiver mais condio para ter insight, talvez,
comece a observar mais sistematicamente seu comportamento econmico, e dos outros,
quem sabe, at, acabando por multiplicar estas noes em seus respectivos grupos.
51
BARBOSA, Fernando H. Inflao e cidadania. In VIEIRA, Jos et. al. (org.) Na corda bamba doze
estudos sobre a inflao. Rio de Janeiro: Relume -Dumar, 33-42, 1993.
52
J em 1981, Reynaud chamava a ateno para a importncia deste aspecto, no artigo Niveau de
comportement et prise de conscience en psychologie economique (REYNAUD, Pierre Louis. In Journal
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
245
Esta agenda implica a discusso a respeito da transposio de teorias levantadas a partir
de conhecimentos obtidos por meio de observaes do comportamento individual at o
nvel macro. Poder estender-se ao coletivo aquilo que foi, originalmente, desvelado no
plano individual, est longe de ser consenso entre psicanalistas, psiclogos sociais e
psiclogos eco nmicos. Contudo, insistimos em trazer o assunto arena do debate, por
consider- lo de grande importncia para possveis aplicaes da Psicologia Econmica.
of Economic Psychology, 1 (3): 183-195, 1981.). Embasado por dcadas de estudos empricos realizados
em diferentes pases da Europa, frica e sia, verificara o papel fundamental desempenhado pelo grau de
conscincia para julgamento e deciso, que poderia resultar em crescimento e equilbrio econmicos ou, de
outra forma, em prejuzos.
53
Tivemos um exemplo de campanha que envolvia informao, economia (recursos escassos) e
participao da populao, que teve um retorno surpreendente o racionamento de energia eltrica no
incio dos anos 2000. Em que pese a ameaa de sano econmica corte de energia ou conta mais alta a
experincia no foi, at o momento, suficientemente estudada, em especial se considerarmos o ponto de
vista psico-econmico. Fica aqui o convite aos colegas da rea: seria importante investigar o que teria
facilitado a instalao bem-sucedida dos novos comportamentos, em tempo to curto.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
246
tambm, sobre o funcionamento psquico, ou seja, as operaes psicolgicas presentes
quando tomamos decises, o mundo emocional subjacente a elas.
Por outro lado, uma proposta de esclarecimento da populao a respeito destas questes,
poderia cair na armadilha iluminista de que tratam os pensadores da Escola de Frankfurt
e sua Teoria Crtica da Sociedade (e do conhecimento), e deveria, portanto, ser analisada
com o devido cuidado, a fim de buscar-se uma alternativa que permita acolher a
possibilidade de contradio e, ainda assim, representar uma brecha para a emancipao
verdadeira.
247
objetivo. Conseqentemente, torna -se necessrio analisar os aspectos ideolgicos de uma
proposta que envolva esclarecimento, como a nossa, j que estar, sempre, enredada
numa malha de interesses, mesmo que estes no sejam explcitos primeira vista.
Bourdieu (2004 56), por outra perspectiva, chama a ateno para este mesmo ponto
como o campo cientfico pode, facilmente, perder seu carter de produo de
conhecimento responsvel para tornar-se palco de disputa, at mesmo no nvel das
aspiraes pessoais, por exemplo. Para ele, a noo de campo como universo
intermedirio no qual esto inseridos os agentes e as instituies que produzem,
reproduzem ou difundem a cincia (ou a arte, a literatura), situa a produo cientfica
como mundo social como os outros, mas que obedece a leis mais ou menos especficas,
ou seja, microcosmo dotado de leis prprias (p.20). Ele prope que seria necessrio
escapar-se tanto do enfoque da cincia pura, totalmente livre de qualquer necessidade
social, como da cincia escrava, sujeita a todas as demandas poltico-econmicas (op.
cit., p.21), j que a politizao de uma disciplina no implicaria grande autonomia para
ela. Sobre este ponto, incisivo: uma grande dificuldade para cincias sociais chegarem
autonomia que levam tempo para reconhecer incompetncia sob a forma de princpios
heternomos57 . Segundo ele, todo campo um campo de foras e um campo de lutas
para conservar ou transformar esse campo de foras (p.22/23), e o que determinaria tais
foras pode ser reunido no seguinte elenco de fatores: pontos de vista, intervenes
cientficas, lugares de publicao, temas escolhidos, objetos que despertam o interesse de
pesquisadores (p.23). Se pretendemos refletir sobre a constituio de nosso campo de
saber no pas e, em particular, sobre esta proposta de atuao dentro dele, ser importante
contar com este ngulo de viso. Ignorar-se estas dimenses de sua constituio, significa
servir sem dar-se conta queles interesses, perdendo, justamente, a condio de
esclarecimento, de iluminar o que se passa dentro e ao redor.
56
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da cincia por uma sociologia clnica do campo cientfico. So
Paulo: Unesp, 2004. Trad. Denice B. Catani.
57
Ver, por exemplo, o que afirma, sobre isto: Se voc tentar dizer aos bilogos que uma de suas
descobertas de esquerda ou de direita, catlica ou no-catlica, voc suscitar uma franca hilaridade, mas
nem sempre foi assim. Em sociologia, ainda se pode dizer esse tipo de coisa. Em economia, evidentemente,
pode-se tambm dizer isso, ainda que os economistas se esforcem por fazer crer que isso no mais
possvel. (Bourdieu, p.22).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
248
o pensamento que, sempre crtico e reflexivo, poder representar uma rea de respiro
que nos permitiria abandonar a posio dilemtica, de aporia, em que o esclarecimento,
atuando em sua dupla condio, de progresso e regresso, poderia nos aprisionar. O
prprio Adorno (199558 ), mais tarde, indica algumas pistas teis nossa reflexo em
torno desta questo :
Por sua diferena em relao a esta [prxis], enquanto ao imediata ligada
situao e, portanto, por sua autonomizao, a teoria converte-se em fora produtiva
prtica, transformadora. Sempre que alcana algo importante, o pensamento produz
um impulso prtico, mesmo que oculto a ele. S pensa quem no se limita a aceitar
passivamente o desde sempre dado (...) (Adorno, 1995, p.219).
Mesmo atenta aos riscos implicados numa proposta que envolve esclarecimento, ou seja,
levando em conta a dialtica em que est mergulhado, sugerimos que a funo que a
Psicologia Econmica poderia ter, neste mbito, seria a de reduzir a menoridade social
das populaes no que diz respeito ao seu comportamento econmico, decises
econmicas e, conseqentemente, suas operaes psquicas tambm. Est longe de ser
uma proposta fcil apresenta movimentos contraditrios, traz em seu bojo, igualmente,
a vocao para a dominao, na medida em que tambm este esclarecimento estaria,
como sempre o caso, vinculado a uma ideologia que, se no for pensada, reproduz-se a
servio da dominao e, portanto, no se daria de forma absolutamente isenta, isso sem
falar da prpria vulnerabilidade iluso, sob a forma, mesmo, de acreditar que tal
esclarecimento seja possvel... Mas pensar j prxis, uma vez que a conscincia, tanto
na perspectiva da Teoria Crtica, como, sem dvida, da Psicanlise, opera modificaes.
Este, propomos, deveria ser o caminho para uma Psicologia Econmica comprometida
com seu tempo, com as necessidades que a geram, com as condies que reflete e em que
se encontra, diferentemente de um pragmatismo que limita de antemo o alcance da
investigao ao postular a utilidade prtica, muitas vezes imediata tambm, como critrio
para o conhecimento. Isso torna o conhecimento comprometido com a situao existente,
fazendo at mesmo crer que esta a nica possvel (op. cit., p.202/3).
58
ADORNO, Theodor W. Palavras e sinais modelos crticos 2. Petrpolis: Vozes, 1995. Trad. M. Helena
Ruschel.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
249
Na prxima seo, indicaremos algumas modalidades de atuao para o psiclogo
econmico no Brasil, em termos de lacunas para as quais este pesquisador poderia
contribuir e exemplos incipientes que j podemos identificar neste sentido. O carter da
proposta apresentada acima permanece presente em todas as perspectivas que passaremos
a examinar, a seguir.
250
posies pblicas, ao mesmo tempo competentes, rigorosas, autorizadas e engajadas,
crticas, eficazes ( uma forma moderna e coletiva do modelo de Zola). (Bourdieu,
2004, p.85 60 ).
Aos nossos ouvidos, as observaes deste autor soam como um convite, quando aponta
que a comunidade cientfica intelectuais, que ele chama de eruditos, artistas, escritores
etc. deveria se constituir em instncia coletiva capaz de intervir como fora poltica,
isto , capaz de dar opinio sobre os problemas que so de sua competncia, no mbito
maior da vida do homem. Poderiam intervir eficazmente sobre problemas de interesse
geral, que esto continuamente presentes no debate social ou poltico, contribuindo para
esclarecer estes problemas (op. cit., p.74-5). desta maneira que vemos a funo do
psiclogo econmico, em formato equivalente ao que ele sugere para o socilogo:
Um problema apresentado para todos os eruditos, em graus diversos, mas que se pe
de modo particular para os socilogos, uma vez que, supostamente, estes produzem a
verdade sobre o mundo social, o de restituir os resultados da cincia nos domnios
em que esses resultados possam contribuir de forma positiva para resolver os
problemas que chegaram conscincia pblica. Mas a funo mais til, em mais de
um caso, seria dissolver os falsos problemas ou os problemas mal colocados.
(Bourdieu, 2004, p.79).
Como ele, pensamos que o erudito especialista deva participar, por exemplo,
respondendo quando perguntado e, como diz o autor, se a pergunta for tola, no mnimo,
reformul- la, j que esta seria sua obrigao cvica, trabalhando, sempre, para a
demolio de falsos problemas, e pela produo de problemas reais (op. cit., p.84).
60
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da cincia por uma sociologia clnica do campo cientfico. So
Paulo: Unesp, 2004. Trad. Denice B. Catani.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
251
Naturalmente, espera-se que haja prosseguimento, conforme vem sendo feito, do dilogo
da Psicologia Econmica com as demais reas que lhe fazem fronteira, como: Economia
Comportamental; Economia Psicolgica; Julgamento e Tomada de deciso; Finanas
Comportamentais;
Scio-Economia;
Neuroeconomia;
Economia
Experimental;
J no que tange questo das previses, embora a Psicologia Econmica feita atualmente
sempre se proponha a direcionar seus estudos para este fim prever o comportamento
econmico dos indivduos e grupos propomos que esta no precise ser sua nica
vocao. Examinemos agora um modelo epistemolgico alternativo: assim como ocorre
com a Psicanlise, que pretende investigar no sentido de observar e conhecer o
comportamento psquico, as operaes mentais, com vistas a expandir esse conhecimento
e sem outras metas estabelecidas de antemo , a Psicologia Econmica talvez pudesse
se debruar sobre seu objeto sem a preocupao de tentar prever e, sim, de aperfeioar
sua base de conhecimento de modo a oferecer dados, os mais precisos possveis,
populao, aos especialistas, ao governo e a todos os envolvidos com a economia, para
que as decises pudessem ser melhor examinadas, ponderadas e escolhidas. Ao invs de
fazer ou preocupar-se em acertar previses, o que, de resto, revela-se bastante difcil,
parece-nos importante desenvolver condies para lidar com o imprevisvel, com o
impondervel, com tudo que no pode ser controlado, j que esta seria a verdadeira marca
do que humano. De outro modo, seria tarefa ainda mais difcil do que prever, da a
necessidade de receber, tambm, contribuies interdisciplinares, enfatizando-se, sem
dvida, o aspecto da capacidade para pensar e aprender com a experincia este poderia
ser o recurso mais valioso para navegar as guas turbulentas da histria humana.
252
Um elemento que nos parece de fundamental importncia reside na possibilidade de
intercmbio amplo com a Psicologia Econmica conforme vem sendo construda tanto no
Primeiro Mundo, pois no pretenderamos deixar de lado dcadas de estudos teis, mas
em especial, com Amrica Latina, sia e frica, cujos pases podem apresentar
caractersticas mais prximas s nossas.
Com vistas implantao do campo no Brasil, reconhecemos que nos falta quase tudo no
momento. Farr (2002), por exemplo, acredita que o essencial para encaminhar uma nova
cincia poder contar com um manual, um laboratrio e uma revista (p.56). Para
comear, defendemos que dois pilares seriam essenciais sua constituio: insero
acadmica e publicaes. Pensamos que Psicologia Econmica poderia ser oferecida,
como disciplina de graduao, pelo menos nos seguintes cursos: Psicologia, Economia,
Administrao de Empresas e Comunicao, Publicidade e Marketing, bem como ser
instituda como linha de pesquisa em seus respectivos programas de ps-graduao. Isto
ocorreu durante um curto perodo na Universidade do Par, sob coordenao da Profa.
Alice Moreira e, efetivamente, deixou um bom nmero de pesquisadores realizando seus
estudos sobre temas dentro deste escopo (cf. cap.1; tambm, Ferreira, 2006 61 ). Ao mesmo
tempo, poderia ser apresentada, sob a forma de cursos lato sensu, como especializao e
extenso62 .
61
FERREIRA, Vera R. M. Is Economic Psychology being born in Brazil? a review of the scientific
production in the economic-psychological area looking into the future. Anais da IAREP-SABE Conference
Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA,
Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes,
Paris, Frana, 2006.
62
A partir de 2006, o curso Psicanlise e Psicologia Econmica vem sendo oferecido na COGEAECoordenao Geral de Especializao, Aperfeioamento e Extenso, nesta PUC-SP, com as professoras
Carmem Rittner e Vera Rita M. Ferreira.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
253
Do ponto de vista institucional, necessrio ponderar a respeito da filiao s
Associaes cientficas que j existem, em mbito internacional, como IAREP, SABE ou
Red Latinoamericana de Psicologa Econmica63 e, tambm, sobre o papel que estas tm
a desempenhar na constituio de um campo de saber, lembrando da particularidade
representada pelo aspecto interdisciplinar. Ao lado do que j temos visto, Bourdieu
(200464 ) tece importantes consideraes sobre a questo das Associaes cientficas em
relao aos usos sociais da cincia, que seriam bastante pertinentes quando tratamos de
delinear caminhos para uma empreitada como esta.
no-governamentais
voltadas
para
assuntos,
de
algum
modo,
Para este importante quesito, vale lembrar da recomendao de Bourdieu (2004) sobre a
importncia da capacidade coletiva de resistncia dos pesquisadores, apesar das
concorrncias e conflitos que os opem, a fim de resistir s intervenes mais ou menos
tirnicas dos administradores cientficos e de seus aliados no mundo dos pesquisadores
e na sociologia de planto, que fundamenta as decises de despotismo esclarecido em
critrios indiscutveis (op. cit., p.61), quando, na verdade, estes critrios so imprecisos
(p.62). De acordo com o autor, o que uma instituio cientfica tem de mais ntimo e
sagrado so os mecanismos e procedimentos pelos quais assegura sua reproduo e,
acrescentaramos, por meio das dinmicas de controle de financiamento, podem, com
63
254
facilidade, comandar amplas pores dos processos de nascimento, desenvolvimento e
morte de reas inteiras do conhecimento 65 .
65
Sobre o problema da comunicao entre o campo cientfico e o campo econmico, afirma Bourdieu: Os
desafios no so os mesmos, os fins no so os mesmos, os agentes tm filosofias de vida inteiramente
diferentes, e at opostas, e portanto, geradoras de profundos mal-entendidos: de um lado, a lgica da luta
especfica, interna ao campo; de outro, a pesquisa do lucro, da rentabilidade que leva a dar prioridade ao
problema do screening, da indicao das invenes capazes de se tornar inovaes (como descobrir as
descobertas e os descobridores interessantes e, antes ainda, como estar informado disso) que remete ao
problema dos go between, dos mediadores capazes de fazer vincular a informao e de assegurar o
vnculo. (2004, p.54).
66
Dois mini-cursos foram ministrados pela autora em congressos cientficos de Psicologia (XIII
ABRAPSO, com Eric Calderoni, em Belo Horizonte, 2005; II CBPOT, em Braslia, 2006); j acontece um
grupo de estudos sobre Psicanlise e Psicologia Econmica (coordenado pela autora, composto por alguns
e x-alunos da primeira turma da COGEAE e um outro interessado); uma lista de discusso sobre Psicologia
Econmica existe desde 2004 (criada por Filipe Daumas, psiclogo do Rio de Janeiro), alm de duas
outras, formada pelas duas turmas de alunos da COGEAE, em 2006. No momento [novembro de 2006],
comea a nascer um projeto de criao de uma revista eletrnica, denominada Dinheiro e Comportamento,
que abordaria temas ligados Psicologia Econmica (www.dinheiroecomportamento.com.br Deste grupo
fazem parte: Suely Ongaro, psicloga; Luiz Roberto Randazzo, profissional de RH; Raphael Galhano,
gestor de investimentos; Paula Pavon e Danilo Fariello, jornalistas econmicos; Cssia DAquino,
educadora financeira e esta autora.)
67
Foi com interesse que verificamos o proporcionalmente grande nmero de trabalhos sobre este tema
inscritos no 2. Congresso Psicologia: Cincia e Profisso, realizado em So Paulo, 2006, no que pareceu
uma iniciativa indita. Ainda que no adotassem, especificamente, o ngulo da Psicologia Econmica para
abordar o assunto, parece auspicioso que este espao comece a ser ocupado por psiclogos. Torna-se,
aparentemente, mais fcil trazer as contribuies da disciplina.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
255
tempo 68; governo, em todos os nveis, como por exemplo, ministrios, secretarias,
instituies (financeiras ou no; dedicadas pesquisa; na esfera da administrao), que
precisam tratar de questes econmicas, tais como polticas pblicas (implementao de
novas diretrizes; informaes econmicas; previso de tendncias, que envolvem
pesquisas sobre confiana, expectativas etc.; elaborao e implementao de oramento,
tanto no sentido amplo, como nos diferentes seto res especficos); no segundo setor, que
engloba empresas, assessoria a projetos de orientao psico-econmica, com nfase, por
exemplo, sobre o problema crescente do endividamento, e outros, sobre responsabilidade
social e a figura do ombudsman, defesa do consumidor, institutos de pesquisa69 , bancos e
firmas de investimento, dentro de objetivos de informao ao usurio (cuidados com
dinheiro e investimento; publicidade responsvel; anlise de crdito e orientao que leva
em conta fatores psicolgicos, por exemplo); jornalismo (conscientizando sobre seu papel
de informao frente s decises econmicas da populao e encaminhamento das
questes neste mbito, j que os reflexos da mdia se fazem sentir, agudamente, em todas
as dimenses); organizaes governamentais e no-governamentais (por exemplo, de
proteo ao cidado com relao ao uso de crdito, consumo excessivo, endividamento,
importncia da poupana, tributao, disseminao de informaes econmicas e
psicolgicas, apoio a pequenos empreendedores, assessoria a desempregados, os j
citados projetos de economia solidria, bem como, em se tratando do segundo caso, as
ongs, sua prpria sustentabilidade).
68
SINGER, Paul. Introduo economia solidria. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2002.
Encontramos, na Austrlia, uma interessante iniciativa sites gerenciados pela Comisso de Valores
Mobilirios local, nos dois primeiros casos e, pelo prprio governo, no ltimo, que alertam a populao
para o risco de investimentos fraudulentos, como foi o caso, no Bras il, por exemplo, do boi gordo, nos
anos 1990 e, mais recentemente, do avestruz master, em 2005, que levou muita gente falncia com
promessas de lucros mirabolantes. Chama a ateno, nestes sites, a maneira como abordam a questo,
fazendo uso, por exe mplo, de simulaes atraem o interessado com proposta semelhante e, depois do
cidado manifestar sua disposio para entrar no negcio, revelam a verdadeira inteno de alertar,
informar e proteger. Desta maneira, atingem exatamente seu pblico-alvo, aquelas pessoas que poderiam,
de fato, cair nestes contos -do-vigrio. Agradeo a Danilo Fariello, jornalista econmico, a indicao
destas fontes.
http://www.fido.asic.gov.au/fido/fido.nsf/byheadline/millenium+bug+insurance+our+april+fools+day+inter
ent+investment+scam?openDocument ;
http://www.fido.asic.gov.au/fido/fido.nsf/byid/E16DEBF8D4A2CAA4CA256B02002E10A3?opendocume
nt ; http://www.fsa.gov.uk/consumer/01_WARNINGS/scams/mn _scams.html - acesso em 28.11.05.
69
256
Estudos sobre o comportamento dos mercados financeiros, por exemplo, que j vm
sendo conduzidos por pesquisadores brasileiros, podem adquirir carter de informao e,
possivelmente, antdoto, s grandes oscilaes que, sob a forma de bolhas ou crashes70 ,
implicam perdas, muitas vezes, incalculveis e, de todo modo, profunda desorganizao
da vida econmica em alguns casos. A divulgao de tais pesquisas poderia atuar como
forma de preparar os agentes para atravessar aqueles momentos da melhor forma possvel
e, mesmo, para evitar a adeso ingnua a uma exuberncia irracional 71 .
Com algumas sugestes que no ficam distantes das nossas, no manual britnico para o
ensino de Psicologia Econmica (Webley e Walker, 199972 ), encontramos na introduo
(p.16), um rpido guia de empregos (a expresso nossa): docncia e pesquisa em
universidades; carreira fora da academia, em corporaes, agncias de propaganda,
empresas de pesquisa de mercado, governo, consultoria privada, ou como psiclogos
ocupacionais.
De nossa parte, o que se deseja colocar em pauta em qualquer dos casos , sempre, a
possibilidade de contribu ir para o desenvolvimento da populao e, conseqentemente,
da Economia de preferncia, com a perspectiva de oferecer mais oportunidades (e no,
de excluir).
KINDLEBERGER, Charles. Manias, pnicos e crashes um histrico das crises financeiras. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Trad. Vnia Conde e Viviane Castanho.
71
SHILLER, Robert. Exuberncia irracional. So Paulo: M akron Books, 2000. Trad. M. Lucia Rosa.
72
WEBLEY, Paul & WALKER, Catherine M. (eds.) Handbook for the teaching of Economic and
Consumer Psychology. Exeter: Washington Singer Press, 1999.
73
Como rpida ilustrao da vastido que o campo pode expressar, acabamos de receber, enquanto esta
seo redigida (20.11.06), uma mensagem eletrnica que indaga: Vera, estudar o impacto das
dificuldades ortogrficas de nossa lngua no aprendizado e, por sua vez, no desenvolvimento scioFERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
257
Dentro da prpria Psicologia Econmica, alm dos j mencionados trabalhos que Katona
prestou ao governo norte-americano ao ol ngo de muitas dcadas (cf. Katona, 1975 74 )
temos, mais recentemente, uma experincia pioneira de colaborao com o governo, no
caso, da Nova Zelndia, coordenada por Peter Earl (2005 75). Nele, o autor esboa as
principais linhas de pesquisa e anlise empreendidas pela interface Psicologia-Economia
e prope uma srie de aes visando avanos na rea scio-econmica, com o mesmo
vis de proteo ao cidado que nos interessa aqui (naturalmente, ajustados realidade
neo- zelandesa, que distinta da nossa). Em outras palavras, um trabalho como este serve
a dois propsitos: ao lado das propostas concretas que elabora, informa, tambm, aos
rgos governamentais, a existncia de nossa rea, com vistas a uma potencial
continuidade de cooperao, j que prepara caminho para novas solicitaes por parte do
setor pblico.
258
Argumentam, ento, que nenhum cientista deveria impor recomendaes, ainda que no
se furtem a apontar descobertas da nova disciplina que poderiam oferecer contribuies
quele debate, tais como: taxas de juros e sua relao com a motivao para o trabalho;
poupana e penses; questes envolvendo ideologia versus vida prtica; administrao
do dinheiro pblico; progresso econmico versus melhor distribuio de recursos (op.
cit., p.520-3). Mais uma vez, encontramos respaldo para nossas prprias preocupaes
nesta proposta de agenda todos os problemas levantados por estes autores encontram
ressonncia em nossa situao atual.
Lea et. al. (1987) distinguem, ainda, as implicaes representadas pelo tratamento de
questes dentro das duas categorias, macro e micro-economia, a partir de uma
perspectiva interessante o uso das informaes obtidas. Para eles, microeconomia seria
uma disciplina mais terica do que a psicologia, cujos livros conteriam dados observados,
ou seja, fatos auto -evidentes, questes de observao comum, destinados a usurios
em firmas particulares, que operam em contextos particulares por este motivo, os dados
gerados para tais aplicaes no seriam, em geral, publicados, para preservar o segredo
comercial, em outras palavras, porque valem dinheiro (p.65). Por outro lado, a
macroeconomia seria mais empiricamente orientada, freqentemente com dados de
domnio pblico. Os autores levantam alguns modelos macroeconmicos e propem que
o teste, para eles, deva ser a capacidade para prever e explicar novos dados medida que
surjam, de forma que estes modelos possam ser constantemente melhorados, a partir da
deteco de suas inadequaes (op. cit., p.69).
259
importantes da Economia; poltica econmica (op. cit., p.509). Acreditam, por exemplo,
que, quando o governo introduz uma nova poltica econmica, est realizando um tipo de
experimentao, ou seja, seria possvel intervir de forma experimental no contexto
macroeconmico, e no apenas realizar observaes passivas (p.98), o que no deixa de
ser um instigante desafio ao pesquisador da rea, em especial dentro dos parmetros da
interdisciplinaridade.
Retomamos a linha de anlise de Wrneryd (2005b78 , p.24-7), exposta no incio deste
captulo, a partir dos vrtices micro e macro, para avanarmos naquela questo de
relevncia fundamental a esta discusso: teorias e conceitos psicolgicos, essencialmente
baseados
em
comportamento
individual,
poderiam
ser
reconciliados
com
78
260
Invocamos, sobre este ponto, a anlise de Farr (200280 ), para quem a Psicologia Social
e estende mos o debate para a Psicologia Econmica no teria que fazer esta opo por
excluso, j que, desde sua origem, abrigou linhas de pesquisa com enfoque coletivo.
Prosseguir por elas no significaria, assim, nenhum descaminho ao contrrio,
poderamos, ao faz- lo, revelar-nos bastante fiis s origens da disciplina.
O campo macro tambm pode ser delimitado em funo de conceitos que o compem
seria o caso dos ndices de confiana do consumidor, para citar um exemplo. J em
sentido mais amplo, pode chegar a compreender at mesmo fenmenos de que a
macroeconomia no se ocupa, como empreendedorismo, inovao, bem-estar e qualidade
de vida. Wrneryd (2005b) defende, ainda, que se possa empregar todos os conceitos e
teorias apropriados ao uso agregado, mesmo quando no possuam correspondncia no
plano individual, embora, segundo ele, as pesquisas neste campo no sejam
impulsionadas por teorias, sejam elas econmicas ou psicolgicas. Porm, por tratar-se de
questes referentes ao comportamento econmico, o escopo de problemas estudados
estariam mais prximos Economia, com a Psicologia fornecendo idias e mtodos que
permitam reformul- los de modo a se tornarem psicologicamente mensurveis.
FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. Trad. Pedrinho
Guareschi e Paulo Maya.
81
FERREIRA, Vera R. M. Projective Identification: a theoretical discussion about some roots of power.
Anais do XXVII International Association for Research in Economic Psychology Annual Colloquium.
Turku, Finlndia, 2002a.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
261
curso, de flego raro entre esta modalidade depois de coletar todas as capas da revista
Veja que tratavam do mercado acionrio, Anversa (2004 82 ), cotejou-as com as oscilaes
da Bolsa de Valores, chegando a interessantes concluses, antecipadas no prprio ttulo
do trabalho (cf. nota 82, abaixo). Em outro instigante trabalho de concluso de curso,
Lisoni (200483 ) discute a atribuio da avaliao de risco-pas a partir da concepo
keynesiana de concurso de beleza84 (curiosamente, quase ao mesmo tempo em que
Ferreira, 2003 85 , analisava esta varivel, ao lado das notas para investimento, por meio de
uma perspectiva psicanaltica).
ANVERSA, Astor. O Canto da Sereia Veja como perder dinheiro e empobrecer com a Bolsa de
Valores. Trabalho de Concluso de Curso, Faculdade Csper Lbero, So Paulo, 2004. (no publicado).
83
LISONI, Thiago. O risco pas e os fundamentos macroeconmicos: a utilizao do ndice EMBI+.
Trabalho de Concluso de Curso do Curso de Cincias Econmicas Faculdades de Campinas, 2004. (no
publicado).
84
Para variar um pouco de metfora, o investimento por parte de profissionais pode ser comparado aos
concursos organizados pelos jornais, onde os participantes tm que escolher os seis rostos mais belos entre
uma centena de fotografias, ganhando o prmio o competidor cuja seleo corresponda, mais
aproximadamente, mdia das preferncias dos competidores em conjunto; assim, cada concorrente dever
escolher no os rostos que ele prprio considere mais bonitos, mas os que lhe parecem mais prprios a
reunir as preferncias dos outros concorrentes, os quais encaram o problema do mesmo ponto de vista.
(KEYNES, 1986, p.129 apud Lisoni, 2004, p.3 5).
85
FERREIRA, Vera Rita M. Again, what is it that you believe? a study of psychological factors at work
over the market throughout major political-economic events. Anais do XXVIII International Association for
Research in Economic Psychology Annual Colloquium. Christchurch, Nova Zelndia, 2003. A mesma
questo tambm discutida em FERREIRA, Vera Rita M. Informao Econmica e Iluso uma
contribuio psicanaltica ao estudo de fenmenos econmicos. Revista gora Estudos em Teoria
Psicanaltica, (no prelo), e j fora antecipada em apresentao oral (Iluso e informao podemos
contribuir para aumentar o conhecimento sobre a conjuntura econmica?, Ferreira, 2002b), durante o PrEncontro de Psicologia e Economia fronteiras, convergncias, dilemas, em So Paulo, 2002, uma outra
iniciativa que pode ser considerada como um dos primeiros movimentos, em perodo recente, de instalao
de debate dentro da interface. Organizado por Marco Aurlio Velloso, Nilton Filomeno e Vera Rita M.
Ferreira, contou com a presena de economistas, psicanalistas, psicolgos e outros interessados.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
262
transmisso de informao, junto a instabilidades polticas, sociais, ambientais etc., que
se refletem diretamente na economia? Isso, sem falar de questes ideolgicas, de
interesses, j que informao dificilmente pode ser neutra ou imparcial. Desse modo, com
tantas informaes circulando em velocidade espantosa, quem conseguiria analis- las e
interpret- las, com qualidade, consistncia e eficincia, no mesmo ritmo frentico?
Considerando o peso que tais avaliaes exercem sobre a economia real do pas em
questo, temos ressaltada a importncia de estudos aprofundados, por parte das
disciplinas na interface Psicologia-Economia, sobre sua elaborao. No caso brasileiro,
basta recordar o estrago que devastou, em grau nada desprezvel, as contas nacionais, em
2002, poca da campanha presidencial, quando boatos ganhavam, facilmente, status de
realidade. A anlise de Ferreira (cf. nota 85) aponta a possibilidade de predominncia,
neste contexto, de comportamentos infantis de imitao, contgio, tpicos de manada,
conforme denominao conferida pela interface Psicologia-Economia, junto extrema
vulnerabilidade iluso, ao lado da reproduo ideolgica das condies sociais e
econmicas que as produziu, seus interesses e preconceitos.
No causa estranheza, porm, que trabalhos como estes no tenham maior peso dentro da
Psicologia Econmica atual, que carrega as marcas do que feito no Primeiro Mundo86 .
Sequer a Psicologia Social produzida no Brasil e Amrica Latina conhecida alm destas
fronteiras, de um modo geral desconhecem-se, por exemplo, linhas de pesquisa e
atuao propostas pela Psicologia Social brasileira, em especial nesta PUC-SP, desde
86
Duas recentes e interessantes excees so: ROOS, Michael W. M. An experiment on economic news,
affective news and readers macroeconomic predictions. Anais da IAREP-SABE Conference Behavioral
Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon Sorbonne, Elsevier, INRA, Regionelle
de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit Paris 5 Ren Descartes, Paris, Frana,
2006, em que o autor, um macroeconomista, relata um experimento o que j pouco usual, em se
tratando de macroeconomia em que manchetes de jornal, fictcias, foram apresentadas a sujeitos que,
posteriormente, emitiram avaliaes sobre a conjuntura econmica do pas que, no caso, era a Alemanha,
tendo sido verificado que havia, de fato, influncia daquelas informaes sobre os pareceres. Isto se deu
mesmo quando, concretamente, eram irrelevantes para a situao em pauta, o que permitiu ao autor
levantar a hiptese sobre o peso emocional das informaes sobre a avaliao.
J ROSA, Annamaria S., ENRIETTO, Giorgio e GOIOSA, Christina. Key events in the media, emotions
and risk in the stock market. Anais do 30. Congresso de Psicologia Econmica Absurdity in the
Economy. Praga, Repblica Tcheca, 2005, analisam a influncia de eventos reais, publicados na mdia, e
suas repercusses emocionais, especificamente sobre o comportamento do mercado acionrio, na Itlia.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
263
Silvia Lane 87. Amrica Latina e Brasil parecem ter adquirido, a partir dos anos 1970, um
papel importante e diferenciado na produo de conhecimento dentro de uma Psicologia
Social distinta daquela que vinha sendo feita, especialmente nos EUA, mas tambm na
Europa, e que ainda hoje se consolida como hegemnica no hemisfrio norte como um
todo.
sociolgicas,
conforme
divide
Farr
(2002),
em
oposio
quelas
psicolgicas, alm da forte nfase sobre os temas suscitados por nossa prpria
realidade ou ainda, se estas perspectivas poderiam integrar-se de modo original. Neste
sentido, a disciplina no Brasil viria a diferir em grande parte do que feito no restante do
mundo. Por exemplo, se a crena numa irreal imparcialidade e neutralidade se mantiver
sem questiona mento, pode vir a encobrir intenes e interesses, com vistas manuteno
de situaes de dominao, que podem se reproduzir em diferentes nveis no eixo
norte-sul, ou ricos-pobres, nas excluses mais ou menos sutis entre os pesquisadores, nas
agendas de pesquisa eleitas, com respectivos financiamentos, at prpria configurao
da disciplina, que pode seguir como se no tivesse qualquer relao com o contexto
histrico em que surge e floresce.
Se deixa de servir para melhorar a vida das pessoas, a cincia perde sua razo de ser. Para
no se ver reduzida a sucessivas comprovaes de dados esvaziados de um sentido maior,
seguidas de reprodues desses procedimentos, pouco conectados ao contexto mais
amplo que os constitui, a Psicologia Econmica no poderia se descuidar deste objetivo ,
desta responsabilidade e, acima de tudo, de seu contexto no nosso caso, a realidade
brasileira e sua insero no mundo.
87
Para quem no da rea, mas deseja conhecer um pouco mais sobre este enfoque, cf. LANE, Silvia. Que
Psicologia Social. So Paulo: Brasiliense, 1983. Trata-se de um pequeno livro introdutrio, acessvel a
diversos pblicos e que oferece uma breve discusso acerca da proposta.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
264
Em 1987, Lea et. al. 88 consideravam que a Psicologia Econmica seria um potential test
case (um caso potencial de teste, ou de estudo), tanto para a psicologia como para a
economia, uma vez que no seria possvel saber, por antecipao, que tipo de psicologia
seria til para estudar o comportamento econmico (p.2). Passadas duas dcadas, este
ponto mantm-se longe de uma definio final. Defendemos que poder ser proveitoso
deix-lo em aberto, o que permitiria, por exemplo, a utilizao de diferentes abordagens
para este estudo, a fim de que diferentes vertentes possam ser testadas e, sem dvida,
debatid as, com o objetivo de ampliar e aprofundar a investigao. Ao mesmo tempo,
como os autores apontam, a economia em que vivemos no absoluta ou eterna, mas
uma situao histrica particular (op. cit., p.292), de modo que se pode esperar novos
encaminhamentos proporcionados pela Psicologia Econmica a seus estudos.
88
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
265
CONSIDERAES FINAIS
Esta tese buscou contemplar quatro vertentes: uma apresentao geral sobre Psicologia
Econmica; o levantamento de suas origens; a discusso de um modelo para tomada de
decises fundamentado na Psicanlise; uma proposta para contribuir para a construo da
Psicologia Econmica no Brasil.
A apresentao sobre o campo (cap.1) abrangeu uma viso geral sobre sua constituio
nos pases em que se encontra estabelecida, permitindo-nos afirmar que, em 2006, uma
disciplina em crescente consolidao, tanto no que diz respeito sua insero acadmica,
como quanto produo e disseminao entre diferentes segmentos. Despertando
interesse em mbito multidisciplinar entre psiclogos, economistas, administradores,
publicitrios, ambientalistas, especialistas em informao e outros j possui agenda
prpria de pesquisa, peridicos e livros, congressos e Associaes cientficas, e forma
pesquisadores dentro de algumas abordagens preferenciais (dentre as quais destacam-se a
cognitiva, cada vez mais em conj uno com a neurocincia, e a comportamentalista). Os
dois prmios Nobel (Simon, 1978 e Kahneman, 2002) validaram, perante a comunidade
cientfica, estudos psico-econmicos. No caso de Kahneman, que experimentou maior
repercusso, veio consolidar um importante programa de pesquisa (em torno das
heursticas e vieses que deformam a percepo, com conseqncias para as decises
tomadas com base em dados deste modo alterados), institudo algumas dcadas antes.
Atualmente, podemos identificar o inc io de controvrsias mais explicitadas em relao a
esta linha de investigao, ao lado de alguns questionamentos, conquanto ainda tmidos,
de ordem metodolgica. Em outras palavras, a rea est viva e avana, do ponto de vista
epistemolgico e da prpria p roduo.
266
procuramos apontar (cf. cap.3). Enfocamos, de modo especial, a viso destes
pesquisadores a respeito do que definiria o campo e seu objeto de estudo, por meio das
noes de comportamento econmico, tomada de decises e racionalidade.
Curiosamente, nesta poca, tambm, que o trabalho de Freud, na Psicanlise, e de Simmel, que tratou da
filosofia do dinheiro, tm incio. Em 1900, por exemplo, Freud publica o grande clssico A Interpretao
dos Sonhos, e Simmel, o tambm clssico, Filosofia do Dinheiro. Em todos os casos Tarde e Veblen
includos a importncia de variveis emocionais e sociais, de forma imbricada, destacada.
2
FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. Trad. Pedrinho
Guareschi e Paulo Maya.
267
O levantamento destes dados serviu, tambm, como base para a elaborao de nossas
duas propostas:
BION, Wilfred. [1979] Making the Best of a Bad Job. In: BION, Wilfred. Clinical Seminars and Four
Papers. Abingdon: Fleetwood Press, 1987.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
268
2. um modelo para pensar sobre a construo da Psicologia Econmica no Brasil a
partir de um exame crtico a respeito dos fundamentos epistemolgicos da disciplina,
considerados em sua dimenso mais ampla, ou seja, dentro da perspectiva que a Teoria
Crtica da Sociedade e autores como Bourdieu e Farr oferecem para discutir as relaes
com o contexto histrico, e da identificao de problemas nacionais, ao lado de exemplos
de estudos sobre a inflao, que podem ser considerados precursores na interface
Psicologia-Economia no Brasil, foi formulada uma proposta de esclarecimento da
populao, mediante a disseminao de informaes sobre seu comportamento
econmico (o que abrange tanto dados sobre a Economia, como sobre o funcionamento
mental), com o objetivo de contribuir para a sua emancipao. Ao ampliar o
conhecimento sobre como se decide no contexto econmico, aumentariam as
possibilidades de se ganhar maior acesso s prprias operaes psquicas e, desta forma,
viabilizar meios de defesa, resistncia e desenvolvimento da capacidade da populao
responder s presses impostas pelo sistema econmico (cf. cap.5).
Como ficou claro ao longo do trabalho, foi necessrio fazer uma escolha inicial incluir
todas as vertentes da ampla interface Psicologia -Economia, ou da interface Economia e
outras cincias humanas e biolgicas, ou permanecer no mbito mais especfico da
Psicologia Econmica propriamente dita. A opo pela ltima alternativa sustentou-se no
fato da autora ter uma formao em Psicologia, com o interesse voltado s questes
scio-econmicas vistas por uma perspectiva do funcionamento mental, em articulao
com o contexto histrico-social. Pesou nesta deciso, tambm, a dificuldade de realizar
um trabalho to amplo quanto aquele que seria demandado, caso as demais disciplinas
fossem exploradas em igual medida. Poderamos pensar, tambm, que as demais reas,
vinculadas Economia, caberiam dentro de projetos que contemplassem uma Histria da
Economia. Vemos aberto, assim, o espao para que outros pesquisadores realizem
empreitadas equivalentes em seus campos como, de fato, comea a ocorrer, para que num
futuro prximo possamos dispor de dados para uma anlise mais completa do
desenvolvimento de toda esta rea do conhecimento que engloba, tambm, a Economia
Comportamental, a Scio-Economia, as Finanas Comportamentais, a Economia
Experimental, pesquisas sobre Julgamento e Tomada de Deciso e, ainda mais
269
recentemente, a Neuroeconomia, alm da Psicologia do Consumidor, a Antropologia
Econmica e, para alguns, a Nova Economia Institucional. (Um movimento iniciado por
estudantes franceses de Economia, denominado Economia Ps-autista, tambm fornece
elementos para o debate sobre nosso tema). De todo modo, julgamos apropriado oferecer
um breve relato introdutrio a respeito destas outras reas, correlatas ou mesmo
contguas, como o caso da Economia Comportamental em relao Psicologia
Econmica, a fim de situar e circunscrever o nosso objeto de pesquisa aqui, ao mesmo
tempo em que indicamos algumas pistas iniciais queles que desejarem conhecer
melhor estes outros campos. Estas informaes encontram-se no Anexo.
Desta forma, uma rede poderia, pouco a pouco, ir se formando, com a colaborao de
psiclogos e economistas, primordialmente, bem como tambm de outros setores
ressaltamos, como ficou claro, a participao de psicanalistas , sob diferentes bandeiras
tericas e metodolgicas, mas juntos no propsito de ampliar o conhecimento sobre o que
fazemos diante dos fenmenos econmicos, como os influenciamos e somos por eles
influenciados.
270
Outros desdobramentos do crescimento da disciplina podem manifestar-se, num futuro
prximo, sob a forma de livros especialmente dedicados ao tema, seja de publicaes
locais, seja de tradues de obras relevantes. Como vimos, a traduo de Reynaud, de
1967 4 , permanece como filha nica at agora. Material com este enfoque daria, por
certo, novo impulso a uma expanso ainda maior. Naturalmente, quando a Psicologia
Econmica puder tornar-se uma disciplina, tanto em cursos de Psicologia, como nos
demais (Economia, Administrao, Contabilidade e outros), programas de pesquisa
podero ser criados, o que permitir pensar que o campo caminha bem em nosso pas. Por
enquanto, enxergamos o esboo de passos promissores nesta direo, embora no seja
possvel precisar o tempo necessrio concretizao destas evolues.
No que diz respeito aos tpicos exp lorados no Brasil at o momento, cabe observar que
ainda no dispomos de estudos realizados a partir da interface Psicologia- Economia, em
nmero significativo, sobre os muitos problemas que nos assolam na Economia e
desenvolvimento social. Com exceo dos diversos estudos sobre o mercado brasileiro de
capital, e de pesquisas realizadas, em sua maior parte, dentro da direo especfica da
Psicologia, o que no representa a maioria, uma expressiva quantidade de situaes que
envolvem comportamento econmico e decises econmicas aguardam, ainda,
investigao cuidadosa e inovadora, embora possamos esperar que o debate em torno
destas questes muito se beneficiaria com este tipo de abordagem.
REYNAUD, Pierre-Louis. A Psicologia Econmica. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1967. Trad.
Djalma Forjaz Neto.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
271
duas reas venha a funcionar como um estmulo indireto prpria Psicologia Econmica,
na medida em que pesquisadores, inicialmente interessados nelas, sejam capazes de
descobrir as vantagens de poder alcanar insights mais minuciosos e aprofundados sobre
as funes psquicas presentes nestas operaes, o que viria a aproxim- los do nosso
campo de estudo. Acima de tudo, quanto mais extensa a rede de pesquisadores em todas
as reas de fronteira com a Psicologia Econmica, maior a possibilidade de reunir ainda
mais colegas que podero, assim, reconhecer sua pertinncia ao campo, estruturando-o
cada vez mais para futuras investigaes.
O conhecimento do passado nos permite analisar o presente como afirma Farr (2002,
p.14 5 ), A principal razo de se examinar criticamente o passado compreender melhor
o presente e, acrescentamos, lanar alguma luz sobre tendncias futuras. O fato de no
se encontrar plenamente constituda e instalada no Brasil pode revelar-se condio
favorvel a uma reflexo sobre a Psicologia Econmica que desejamos ver florescer em
nosso pas.
Quando uma rea de saber avana, comea a debruar sobre si mesma, ponderar sobre a
prpria trajetria, questionar o que feito e debater sobre direes futuras. o que temos
5
FARR, Robert. As razes da Psicologia Social moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. Trad. Pedrinho
Guareschi e Paulo Maya.
272
visto ocorrer, desde o ngulo histrico que foi adotado no 30. Congresso da IAREP, em
Praga, 2005 6 (cf. cap.2.), por exemplo, at uma mesa-redonda sobre rumos futuros da
interface, que teve lugar no congresso do ano seguinte, em Paris, 2006 7, passando pelos
artigos que analisam a produo de seu peridico e o volume crescente de trabalhos que
adotam a perspectiva histrica. possvel que a Psicologia Econmica, em conjunto com
sua irm, a Economia Comportamental, esteja amadurecendo para anlises de carter
epistemolgico.
Trabalhar com Histria significa no chegar jamais ao fim novos documentos, novas
pistas, novos vestgios e indcios podem ser encontrados, de forma que cada pesquisa
contribui com uma pequena pedra para erguer o edifcio do conhecimento histrico, que
no tem fim. assim que vemos esta tese uma pedra que pode, talvez, convidar
outras a ela juntar-se. Na verdade, j vemos isto comear a ocorrer
Karl-Erik
Wrneryd, psiclogo econmico sueco, que tambm dos mais idosos em atividade
(apesar de aposentado da docncia, prossegue com seus estudos), passou a dedicar-se ao
estudo histrico da disciplina nos ltimos dois anos (2005a 8 , 2005b 9 , 2005c10 ). E, aqui
mesmo, no Brasil, temos uma economista comportamental, Roberta Muramatsu, que
tambm volta-se para questes histricas fundantes de seu campo (2005 11 ). No recente
congresso de Psicologia Econmica e Economia Comportamental, outro jovem
economista apresentou, tambm, um polmico trabalho sobre aspectos histricos da
XXX International Association for Research in Economic Psychology Annual Colloquium Absurdity in
the Economy. Praga, Rep. Tcheca, 2005.
7
Lamentavelmente, no houve registro escrito do interessante debate que reuniu, em torno do tema
Behavioural Economics and Economic Psychology: a new paradigm?, os seguintes participantes:
Massimo Egidi (Itlia), Robin Hogarth (Espanha), Lazlo Mer (Hungria) e Marie-Claire Villeval (Frana),
em 08.07.06, durante o IAREP-SABE Conference Behavioral Economics and Economic Psychology, Paris.
8
WRNERYD, Karl-Erik. Consumer image over the centuries. Glimpses from the history of economic
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9
WRNERYD, Karl-Erik. Psychology and Economics. In TYSZKA, T. (ed.), Psychologia ekonomiczma ,
Gdansk, Poland: GDANSKIE WYDAWNICTWO, p.7-38. 2005.
10
WRNERYD, Karl-Erik. Scholars in Economics and Psychology and Little Cross-Fertilization: the Mills
and Economic Psychology. Anais do XXX International Association for Research in Economic Psychology
Annual Colloquium Absurdity in the Economy . Praga, Rep. Tcheca, 2005.
11
MURAMATSU, Roberta. Emotions in Action: an inquiry into the explanation of decision-making
behavior in the real economic world. Tese de doutorado, Departamento de Filosofia, Erasmus University of
Rotterdam, 2006.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
273
Economia Comportamental (Heukelom, 2006a 12 ). destino uma obra histrica tornar-se
datada e o pesquisador precisa lutar contra o desejo quase a tentao de acreditar que
chega a um final definitivo, como se pudesse, de alguma maneira, evitar a obsolescncia.
No h como assim que vem a lume, novas informaes so geradas se vista em
termos absolutos, obra incomple ta, necessariamente.
Assim, com satisfao que vemos a expanso desta perspectiva ter lugar antes mesmo
do trmino deste trabalho. Conforme nossa hiptese, quanto mais informaes circularem
sobre esta interface como surgiu, o que envolve, o que compreende, o que pretende
maiores as chances destes conhecimentos serem levados a pblico, no apenas entre a
prpria comunidade cientfica, como tambm junto populao leiga, enquanto o campo
experimenta, paralelamente, uma evoluo interna.
E, como cincia, no pode ser neutra pois, ou o conhecimento serve vida e vida digna
ou sequer seria o caso de persegui-lo. Em outras palavras, o propsito da Psicologia
Econmica deve ser claro, para seus pesquisadores e de modo geral. A possibilidade de
reflexo, de expanso do campo de viso, de modo a corrigir equvocos e identificar ou
criar formas alternativas de encaminhamento de nossos problemas nesta esfera, torna-se
a brecha pela qual nossa disciplina pode ganhar contorno de prxis libertria, por meio
de uma produo de conhecimento engajado, que poderia contribuir para a verdadeira
emancipao. neste sentido que pretendemos que esta pesquisa venha a se inserir,
representando uma contribuio concreta e prtica para o avano da Psicologia
12
HEUKELOM, Floris. Kahneman and Tversky and the origins of Behavioral Economics. Anais da
IAREP-SABE Conference Behavioral Economics and Economic Psychology. Universit Paris 1 Panthon
Sorbonne, Elsevier, INRA, Regionelle de France, Centre National de la Recherche Scientifique, Universit
Paris 5 Ren Descartes, Paris, Frana, 2006a .
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
274
Econmica, que comea por preparar o terreno para sua instalao no Brasil. O debate
estimulado desta forma poderia ajudar a construir o novo campo em nosso pas , de modo
refletido, pensado em suas inmeras dimenses e conseqncias, e no apenas
reproduzindo cegamente o que j feito.
Uma Psicologia Econmica preocupada em expandir seu campo por meio da investigao
corajosa e da produo cientfica reflexiva, a servio da transparncia e da
democratizao do conhecimento sobre o mbito psico-econmico, em dilogo
interdisciplinar permanente e inclusivo, abrangendo diferentes eixos geogrficos e
segmentos sociais. esta a nossa proposta.
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I
ANEXO
- OUTRAS
REAS
QUE
ESTUDAM
COMPORTAMENTO
ECONMICO
1. ECONOMIA COMPORTAMENTAL OU ECONOMIA PSICOLGICA
Cada uma das Associaes promove congressos internacionais anua lmente, mas a cada
dois anos, estes congressos so organizados por ambas as Associaes. Por outro lado,
enquanto a SABE rene principalmente membros dos EUA e Canad, a IAREP tem entre
seus filiados uma maioria de europeus, contando com representantes de quase todos os
pases da Europa e, tambm, de outros continentes (Oceania, e alguns espalhados pela
Amrica Latina e sia). Alm disso, podemos observar, tambm, que estas duas
Associaes foram fundadas aproximadamente no mesmo perodo IAREP, em 1982,
embora antes disso, desde 1976, j estivesse em atividade, com outro nome European
Researchers in Economic Psychology e a SABE, em 1982.
II
determinante essencial para os micro fundamentos da economia como uma cincia
social. Tambm declaram que a utilizao de discip linas como psicologia, sociologia,
histria, cincia poltica, biologia e outras que poderiam auxiliar a compreenso de
escolhas econmicas muito bem- vinda, uma vez que aceitam e encorajam anlise
econmica baseada em suposies comportamentais que desafiam as premissas do
paradigma neo-clssico, ou os aceitam de forma alternativa. Seus membros consideram
os axiomas de otimizao da teoria neo-clssica exagerados, algumas vezes, embora
possam revelar-se teis em outras ocasies. (www.usask.ca/economics/SABE apresentao da SABE. Acesso em 01.08.02).
A Associao deveria, ao mesmo tempo, atuar como um frum para pesquisas que
possam no receber acolhimento em sociedades econmicas convencionais, nem
tampouco em seus encontros, esperando, com este posicionamento, contribuir para uma
expanso e avano da cincia econmica no sentido de compreend- la em suas
perspectivas presente e passada (op. cit., 2002).
A SABE tambm patrocina conferncias anuais, alm de publicar um boletim sobre suas
atividades, para seus membros, duas vezes por ano. O peridico ligado a esta Associao
o Journal of Socio-Economics, que teve incio em 1972, sob a denominao de Journal
of Behavioral Economics, at 1990, quando fo i terminado, ganhando o nome atual ao ser
continuado, desde ento.
(http://www.sciencedirect.com/science?_ob=JournalURL&_cdi=7249&_auth=y&_acct=
C000050221&_version=1&_urlVersion=0&_userid=10&md5=82be6d2a3c8614feb8b94
841d3813853&chunk=1#1 , acesso em 16.02.06).
III
Alguns de seus pesquisadores ganharam notoriedade, como Richard Thaler, um de seus
pioneiros, lutando pelo reconhecimento das proposies da disciplina desde a dcada de
1980; George Loewenstein, David Laibson, Matt Rabin e Sendhil Mullainathan, entre
outros, representantes da gerao que passa a ganhar espao principalmente a partir da
dcada de 1990, poca em que tem incio, tambm, a ramificao que vem a ser
conhecida como Finanas Comportamentais.
2. FINANAS COMPORTAMENTAIS
IV
Bem recebida por economistas, administradores de empresas e, em alguns casos,
engenheiros, suas teorias conquistam diversos adeptos, inclusive no Brasil, a partir da
dcada de 2000. Podemos levantar a hiptese para tal adeso, relativamente mais fcil, se
comparada s outras propostas como Economia Comportamental ou Psicologia
Econmica, por manter diversos postulados da Economia tradicional, apenas
acrescentando aportes da Psicologia para explicar determinadas anomalias encontradas
no comportamento do mercado. Dessa forma, trabalhar com Finanas Comportamentais
no significaria questionar o prprio mago das cincias econmicas.
Seu incio atribudo por Shefrin a um artigo de Paul Slovic, publicado no Journal of
Finance, em 1972 (http://history.behaviouralfinance.net/, 08.02.2006). Um de seus
expoentes, Richard Thaler, afirma que finanas comportamentais so simplesmente
finanas com a cabea aberta (http://www.behaviouralfinance.net/, acesso em
20.01.06), enquanto um outro especialista, Martin Sewell (op. cit.) define o campo como
o estudo da influncia da psicologia sobre o comportamento dos gestores financeiros e o
efeito subseqente sobre os mercados. J para Belsky e Gilovich (op. cit.), que tambm
atuam na rea, ela poderia ser igualmente chamada de economia comportamental
(behavioral economics), ao combinar psicologia e economia para explicar por qu e
como as pessoas tomam decises aparentemente irracionais ou ilgicas quando gastam,
investem, poupam ou emprestam dinheiro3 .
Dentre os temas estudados dentro deste campo, podemos destacar como representativos:
heursticas ou regra-de-bolso (heuristics), reaes exageradas, para mais ou menos
(overreaction e underreaction), teoria da utilidade esperada (expected utility theory),
iluso referente a dinheiro (money illusion), dissonncia cognitiva (cognitive dissonance),
risco (risk), incerteza (uncertainty), teoria do prospecto (prospect theory), contas mentais
(mental accounting), comportamento de manada (herding), confiana exagerada
(overconfidence) (http://www.behaviouralfinance.net/, acesso em 20.01.06).
This area of enquiry is sometimes referred to as "behavioral finance," but we call it "behavioral
economics." Behavioral economics combines the twin disciplines of psychology and economics to explain
why and how people make seemimgly irrational or illogical decisions when they spend, invest, save, and
borrow money (Belsky e Gilovich, 1999).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
V
O peridico que o representa, Journal of Behavioral Finance, foi fundado em 2003 e
pretende expor as implicaes dos estudos sobre emoes individuais e grupais, cognio
e comportamento para os mercados, por meio da contribuio de especialistas em:
psicologia da personalidade, psicologia social, cognitiva e clnica; contabilidade;
marketing; sociologia; antropologia; economia comportamental; finanas e o estudo
multi-disciplinar sobre julgamento e tomada de deciso. Em outras palavras, resume seu
interesse em padres comportamentais do mercado, alm de estimular pesquisa
interdisciplinar e teorias que possam construir um corpo de conhecimento sobre as
influncias psicolgicas sobre as flutuaes do mercado e contribuir para uma nova
compreenso do mercado para que se possa melhorar as tomadas de deciso sobre
investimentos. Apresenta-se, assim, como um recurso indispensvel para acadmicos e
gestores que queiram utilizar conceitos comportamentais para entender o como, o qu,
quando e onde dos investimentos.
(http://www.psychologyandmarkets.org/journals/journals_main.html 08.02.06).
Todas estas informaes no deixam muito espao para surpresa frente grande
expanso desta rea, tanto no nvel mundial como em nosso pas, guardadas as devidas
propores, naturalmente. O ponto aqui parece ser: como descobrir as melhores maneiras
para ganhar dinheiro com investimentos embora fosse injusto deixar de lado a
preocupao de alguns de seus defensores, que vem esta disciplina como arma contra
vulnerabilidade dos investidores, explorada por especuladores (cf., por exemplo, Sewell,
http://www.behaviouralfinance.net/bs/, 08.02.2006).
Por outro lado, cabe relembrar a advertncia feita por Lea (2000 4 , p.7-8), psiclogo
econmico, a respeito do princpio da reflexividade: caso fosse, efetivamente, possvel
prever o comportamento dos mercados, poder-se-ia esperar que diversos estudiosos
alcanassem as mesmas concluses e, portanto, fizessem as mesmas indicaes com
relao aos investimentos. Ora, este fato, em si, j seria suficiente para desequilibrar os
mercados ou, pelo menos, re-estrutur-los com novos posicionamentos, o que
LEA, Stephen E.G. Making money out of psychology: Can we predict economic behaviour? Palestra
proferida para a Annual Conference, British Psychological Society, Winchester, Reino Unido, 2000.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
VI
significaria, num certo sentido, uma espcie de enxugar gelo tudo que pudesse ser
descoberto em termos de comportamento futuro do mercado financeiro, que o que se
busca quando se pensa nos retornos dos investimentos, atuaria, justamente, como
variveis interferindo sobre eles e, conseqentemente, alterando as configuraes
originais, com novas decorrncias, mais uma vez... imprevisveis.
3. SCIO-ECONOMIA
Na virada da dcada de 1980 para 90, cresce, tambm, uma perspectiva mais diretamente
envolvida com a Sociologia, a Scio-Economia, que possui a Associao denominada
SASE-Society for the Advancement of Socio-Economics, liderada por Amitai Etzioni,
(Earl, 2003 5 ). Fundada em 1989 e constituda, basicamente, por socilogos e cientistas
polticos, apresenta-se como uma organizao internacional e inter-disciplinar, com
membros em mais de 50 pases, em todos os continentes.
EARL, Peter. Economics and Psychology in the 21st Century. Congresso Economics for the Future,
organizado pelo Cambridge Journal of Economics, Reino Unido, set.2003.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
VII
Desta forma, descartam a racionalidade e o egosmo intrnsecos ao ser humano como
axiomas, ao mesmo tempo em que valorizam estudos com embasamento indutivo,
contrariando, em ambos os casos, postulados da Economia tradicional. Entretanto,
declaram-se desinteressados de uma crtica Economia neo-clssica em si, uma vez que
seu alvo seria o desenvolvimento de abordagens alternativas quela, embora possuindo
carter de previso e correo moral.
Por fim, afirmam no possuir nenhum compromisso ideolgico, pois mantm-se abertos a
diferentes posies. Entre seus Honorary Fellows, ou membros honorrios, encontramse nomes de peso e pertencentes a um amplo espectro cientfico e poltico tais como
John Kenneth Galbraith, Herber t Simon, Pierre Bourdieu, Amarthya Sen e Anthony
Giddens (http://www.sase.org/aboutsase/aboutsase.html#WSE, 2004). A rea pode ter
tido interesse em uma aproximao com a Psicologia Econmica em seu incio, j que
props a realizao de um congresso em conjunto em 1992, logo aps ser criada (1990 6 ).
Ata da reunio da diretoria de 04.07.90, em Exeter, Reino Unido: informa que estiveram presentes
F.lander, indicado como chair, presidente, T.Poiesz, secretrio, P.Webley, secretrio, F.van Raaij (JEP
esta parece ter sido a sigla do Journal of Economic Psychology utilizada inicialmente; hoje ele referido
como JoEP), G.van Dyck (do EIASM-European Institute for Advanced Studies in Management), e em
ordem alfabtica: P.Albou, W.Gth, E.Kirchler, Z.Kovacz, R.Larvick, S.Lea, K.Riegel, T.Tyszka,
K.E.Wrneryd. Os assuntos tratados cobrem a aprovao de contas; situao dos membros, taxas; o
peridico com uma notcia sobre planos da SASE de lanar um peridico concorrente e critrios para
o novo editor do JEP: deve ser psiclogo; dever ter editores -associados para sub-reas; deve ter papel
importante sobre as decises de publicaes; deveria manter contato estreito com o comit de
administrao da IAREP, a fim de garantir a interao que permita manter o JEP como o peridico oficial
da IAREP; S.Lea proposto como o prximo editor; outras publicaes da IAREP: boletim (Newsletter);
lista de membros (membership directory); anais das conferncias, que devero ficar a cargo dos
organizadores de cada colquio, e ser distribudos na ocasio, sendo sugerido o ttulo Advances in
Economic Psychology (Avanos em Psicologia Econmica) [isto no se mantm]; uma escola de vero
deveria ocorrer em Augsburg, Alemanha, e cerca de 40 alunos da Holanda, Reino Unido e Polnia j
haviam se inscrito; 3 workshops deveriam acontecer, sobre os temas: setor pblico e Psicologia Econmica,
Aspectos Cognitivos do Comportamento Econmico, Firmas, Mercados e Jogos Econmicos; no item
relaes com outras Associaes, F.van Raaij informa que a conferncia da IAAP em Kyoto ter cerca de
2000 participantes, sendo 68 na Diviso de Psicologia Econmica [van Raaij continua envolvido com a
IAAP e com esta diviso]; sobre a prxima conferncia, em Estocolmo, 1991, Wrneryd explica que ser
em conjunto com a SASE, com a nfase dividindo-se da seguinte forma: IAREP fica com micro e
psicolgico, SASE com macro e poltica [interessante para entender a pouca ateno tradicionalmente
dedicada aos aspectos polticos na IAREP lander fez comentrio nesse sentido, em comunicao
pessoal, no colquio de 2003, em Christchurch, Nova Zelndia, quando lhe perguntamos se a Psicologia
Econmica contemplava as questes polticas da Economia, e ele respondeu que isto talvez ficasse a cargo
da Scio-Economia]; de todo modo, a participao em ambos os programas seria encorajada, embora a
diretoria visse como necessrio identificar com clareza a Associao, dado o diferente nmero de
participantes da IAREP e SASE; sugestes sobre as prximas conferncias; a futura composio da
diretoria, que entre outras coisas, determina que deva haver um nmero mnimo de membros num pas para
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
VIII
O fato do peridico da outra disciplina, Economia Comportamental, ser chamado Journal
of Socio-Economics, pode intrigar o observador mais atento. Qual a razo para o aparente
descompasso? Se esta ltima disciplina tem o mesmo nome que o peridico da
primeira, no haveria alguma coisa errada? De acordo com o ex-presidente da SABE e
editor do peridico, Morris Altman, possvel que haja algumas coisas erradas, de fato.
Em comunicao pessoal (20057 ), Altman afirmou que o ento presidente da SASE,
Amitai Etzioni, tentara um hostile take-over, ou seja, uma espcie de tomada do poder
hostil, em relao tanto prpria SABE, como ao peridico, do qual tentaram se
apropriar. Por uma alegada ingenuidade de lderes anteriores da SABE, o intento quase
se realizou, o que, na sua opinio, teria diludo o movimento da Economia
Comportamental a ponto de, possivelmente, aniquil- lo. No tendo obtido sucesso na
tentativa, contudo, o peridico permanece associado Economia Comportamental, ainda
que mantenha o nome que poderia induzir confuso quanto sua filiao entre as duas
abordagens.
4. PSICOLOGIA DO CONSUMIDOR
que este possa ter membro na diretoria; e no item diversos, encontramos uma idia muito interessante,
que no parece ter sido levada adiante um mercado IAREP com o objetivo de trocar documentao,
material, trabalhos em andamento, informao sobre intercmbio de estudantes e professores, dados para
segunda anlise etc.
7
XXX IAREP Conference Absurdity in the Economy, Praga, Rep. Tcheca. Comunicao pessoal em
23.09.05.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
IX
como consumidores. A disciplina dispe de uma ampla gama de perspectivas tericas,
conceituais e metodolgicas, embora o foco, atualmente, recaia sobre psicologia
cognitiva, psicologia social, marketing e publicidade. Suas pesquisas pretendem
descrever, prever, explicar e/ou influenciar as respostas de consumidores s informaes
e experincias relacionadas a produtos e servios, podendo tambm contribuir para outras
reas da psicologia. Pesquisas seriam voltadas, por exemplo , para: fornecimento de
informaes a companhias e consumidores sobre o que o pblico precisa ou deseja; ajuda
a organizaes no sentido de desenvolver e colocar no mercado produtos, servios e
idias; conduzir o trabalho de agncias governamentais responsveis por segurana de
produtos, identidade de marcas, avaliao de reclamaes referentes publicidade,
aferio de prticas de marketing tico.
(Friestad, http://www.psichi.org/pubs/articles/article_52.asp acesso 01.03.06).
X
tem-se buscado manter o foco sobre o consumidor, com a ajuda de diversas linhas da
psicologia, como as vertentes experimental, psicomtrica, de desenvolvimento,
personalidade, social, industrial e organizacional, famlia e mdia (op. cit.).
Observamos que, em que pese o bvio cuidado com o rigor ao realizar-se pesquisas
cientficas e esta , sem dvida, uma das caractersticas essenciais que constituem o
prprio saber desta natureza as recomendaes acima podem correr o risco de sair fora
do esquadro na outra direo. Ao propor que seja possvel desvelar causas com exatido,
evitar de forma absoluta a parcialidade e controlar todas as variveis das situaes
examinadas, beiramos a irrealidade. Do nosso ponto de vista, o esforo deveria fazer-se
nesse sentido, porm, sem a ingenuidade de acreditar que alcan- lo fosse vivel. Ao
invs de rigorosa, a proposta soa ingnua se apresentada despida de qualquer ponderao
ou debate (cf. cap.5).
XI
intrapessoal, com nfase sobre processos de deciso, formao de atitude e mudana,
reaes publicidade, processamento de informao do consumidor, determinantes
afetivo-cognitivos e motivacionais do comportamento do consumidor, processos de
deciso de famlia e grupos, diferenas individuais e culturais no comportamento do
consumidor. Descobertas empricas obtidas em laboratrio ou em estudos de campo so
encorajadas, como tambm podero ser bem- vindos artigos de reviso da literatura ou
anlises tericas. Seus leitores so pesquisadores da rea, psiclogos sociais,
profissionais de publicidade, marketing e relaes pblicas.
(http://www.journalofconsumerpsychology.com/ - acesso em 01.03.06).
&
Cognition,
Journal
of
Decision
Making.
(Friestad,
XII
continente americano. Rene economistas, psiclogos, administradores, comunicadores
sociais, publicitrios e especialistas em marketing, que desenvolvem projetos de pesquisa
ou interveno dentro do tema, podendo associar-se a empresrios, experts e
pesquisadores locais. Declaram como seus objetivos contribuir para o desenvolvimento
organizacional e o crescimento econmico de empresas latino-americanas, e a educao
do cidado no sentido de tornar-se um consumidor inteligente.
XIII
social-cognitiva, comportamental, econometria e psicometria, pretendem reunir diversos
olhares sobre comportamento do consumidor, uma vez que a produo de conhecimento
seria o resultado da interao entre pontos de vista que podem, at mesmo , opor-se.
Alguns exemplos destes estudos compreendem comportamento de procura por produtos
em supermercados, imagem do Brasil como destino turstico, critrios e atributos
considerados na escolha de instituio de nvel superior, satisfao e lealdade de clientes
de banco, reunindo dados por meio de levantamentos, observao direta, experimentos de
escolha e to mada de deciso (op. cit.).
XIV
Business School e Gordon Foxall, da Cardiff University, no Reino Unido e School of
Marketing e Michael Allen, da Grifith University, Austrlia.
A Associao voltada para o estudo de tomada de deciso, chamada, nos EUA, Society
for Judgment and Decision Making, define-se como uma organizao acadmica
interdisciplinar dedicada ao estudo de teorias normativas, descritivas e prescritivas de
tomada de deciso, compondo-se de psiclogos, economistas, pesquisadores
organizacionais, analistas de decises e outros pesquisadores sobre deciso
(http://www.sjdm.org/index.shtml, acesso 25.01.06). Dentre seus presidentes, podemos
encontrar nomes como Daniel Kahneman, o psiclogo econmico vencedor do prmio
Nobel de Economia em 2002, e George Loewenstein, outro renomado pesquisador da
rea, com muitas publicaes (http://www.sjdm.org/sjdm-history.shtml, acesso 25.01.06).
EARL, Peter. Economics and Psychology: A Survey. The Economic Journal, 100 (402): 718-755, 1990.
XV
dedicada ao estudo de teorias normativas, descritivas e prescritivas de tomada de
deciso (http://www2.fmg.uva.nl/eadm/ acesso 31.01.06), informando, tambm, que a
cada dois anos, realiza uma conferncia, que recebe o nome de "Subjective Probability,
Utility, and Decision Making " (SPUDM), numa cidade europia.
(http://www2.fmg.uva.nl/eadm/eadm-spudm.html acesso, 31.01.06).
Com efeito, decises econmicas podem resumir com fidelidade o foco central de toda a
interface Psicologia-Economia, razo pela qual elaboramos o modelo de tomada de
deciso fundamentado em teorias e observaes clnicas com vrtice psicanaltico (cf.
cap.4).
6. ECONOMIA EXPERIMENTAL
Economia Experimental uma rea bastante valorizada por grande parte dos psiclogos
econmicos, que apreciam a companhia destes colegas, com os quais podem compartilhar
aspectos metodolgicos caractersticos de diversas linhas dentro da Psicologia. De seu
lado, economistas experimentais opem-se ao mainstream da Economia, na medida em
que valorizam o papel dos experimentos de laboratrio para investigar questes
econmicas, ao passo que estes ltimos costumam dispensar tais procedimentos como
9
XVI
desnecessrios. Como pretendem analisar o comportamento dos agentes econmicos com
base em axiomas j estabelecidos sobre a natureza humana e as operaes que a
caracterizariam, adotam modelos matemticos e estatstica para formular suas teorias,
anlises e previses, sem o auxlio de dados empricos coletados por meio de simulaes
de laboratrio.
Esta rea tambm ganhou notoriedade quando, em 2002, o prmio Nobel de Economia
foi dividido entre o psiclogo econmico Daniel Kahneman e Vernon Smith, pesquisador
e disseminador da Economia Experimental. Em artigo de 2002 10, Smith afirma que a
Economia Experimental aplica mtodos de investigao de laboratrio ao estudo de
comportamento decisrio humano em contextos sociais regidos por regras explcitas, que
podem ser definidas e controladas pelos experimentadores, ou implcitas, como as
normas, tradies e hbitos que os indivduos trazem para o laboratrio como parte de
sua herana cultural e biolgica, no sendo, portanto, controladas pelo experimentador,
em geral. Os experimentos envolvem jogos e resultados que podem ser recompensados.
Estes resultados experimentais podem ser vistos como conseqncia do comportamento
de escolha individual, impulsionado pelo ambiente econmico e mediado pela linguagem
e por regras que governam as interaes. O autor observa que uma descoberta importante
da disciplina diz respeito ao fato de que instituies tm importncia porque as regras
tm importncia, e regras tm importncia porque incentivos tm importncia (op. cit.),
o que destaca o papel central atribudo a incentivos.
Ressalva, contudo, que estes incentivos podem ser distintos daqueles preconizados pelas
teorias econmicas ou dos jogos, desafiando o que estas postulam a respeito de padres
de anlise racional, sendo que tais contradies forneceriam importantes pistas a respeito
das regras implcitas que as pessoas seguem, podendo motivar novas hipteses tericas
para posterior exame em laboratrio.
10
SMITH, Vernon. Method in Experiment: rhetoric and reality. Experimental Economics. 5 (2): 91-110,
2002b.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
XVII
Interessa-nos, ainda, observar que, segundo o mesmo autor, fatores inconscientes,
autnomos e neuropsicolgicos (grifo nosso 11), so levados em considerao, ao lado
daqueles associados razo e conscincia (Smith, 2002b).
7. NEUROECONOMIA
Com presena mais ntida a partir do incio deste milnio , comeam a ganhar fora
pesquisas que combinam os desenvolvimentos das neurocincias com o estudo de
fenmenos econmicos temos a o nascimento da Neuroeconomia, que rene
neurocientistas, economistas, psiclogos e bilogos, especialistas em teoria da
informao e outros profissionais em torno da investigao do comportamento
econmico, por meio de equipamentos sofisticados que utilizam as mais avanadas
tcnicas de exame do funcionamento cerebral.
11
XVIII
Para Camerer (2003 12 ), um dos expoentes da rea, ainda faltaria uma formulao
adequada de questes para essa linha de investigao em 2003, embora o congresso do
ano seguinte, 200413 , j tenha oferecido uma sesso inteira com trabalhos abordando este
vrtice (Neuroeconomics, coordenada por David Lester).
Em 2006, no que pode ser considerada como uma ascenso extremamente rpida, o
quadro ainda mais revelador. Antonio Damsio, estrela da Neurocincia, um dos
convidados ilustres do Congresso de Psicologia Econmica e Economia Comportamental,
em Paris, ao lado de Daniel Kahneman, o psiclogo econmico ganhador do Nobel de
Economia em 2002. Alm disso, desta vez o congresso traz meno explcita, pela
primeira vez, a neurocientistas, como seu pblico-alvo, com a presena de inmeros
trabalhos que adotam este vrtice (cf. Proceedings of the IAREP-SABE Conference, Paris,
2006). No h dvida a rea est em franca expanso.
Uma das pginas oficiais sobre a disciplina descreve -a como um campo de estudo que
faz uma ponte entre pesquisa em neurocincia sobre o comportamento de escolha humana
e teoria econmica, que seria a rea de economistas, psiclogos e mdicos que buscam
compreender a base neural para julgamentos e tomadas de deciso, bem como
comportamento social e economias de mercado.
(http://www.richard.peterson.net/Neuroeconomics.htm, 02.01.2006).
12
CAMERER, Colin. Comunicao oral durante apresentao do trabalho CAMERER, Colin, HO, TeckHua e CHONG, Juin-Kuan. A cognitive hierarchy of one-shot games. Anais do XXVIII International
Association for Research in Economic Psychology Annual Colloquium. Christchurch, Nova Zelndia, 2003.
13
SABE-IAREP 2004 Cross-Fertilization between Economics and Psychology, Philadelphia, EUA, 2004.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
XIX
produtos, preferncias e decises de compras por intermdio de tcnicas neurocientficas
(op. cit., 2006).
Cabe aqui, sem dvida, assinalar uma grande preocupao aonde este tipo de pesquisa
pode nos levar, se feita como se fosse desprovida de implicaes ticas, polticas, sociais
e, mesmo, de sade? A publicidade seria capaz de apoderar-se dos resultados sem falar
em encomendar as pesquisas, naturalmente com o objetivo de incrementar vendas
indiscriminadas de produtos? De que forma o assunto poderia ser debatido com o intuito
de criar salva-guardas, para a populao, contra o mau uso destas tcnicas
neurocientficas? Um rgo pblico deveria se responsabilizar por algum tipo de
controle nesse sentido? Ou a prpria populao teria que se mobilizar nessa direo?
Camerer define Neuroeconomia como o uso de dados sobre processos cerebrais que
sugerem novos alicerces para teorias econmicas que explicam quanto as pessoas
poupam, por que fazem greves, por que o mercado acionrio flutua, a natureza da
confiana do consumidor e seu efeito sobre a economia etc.
(http://www.hss.caltech.edu/%7Ecamerer/web_material/n.html, 08.01.2006 14 ).
Outra pgina sobre a rea descreve-a como um programa interdisciplinar com o objetivo
de construir um modelo biolgico de tomada de deciso em ambientes econmicos
14
Neuroeconomics is the use of data on brain processes to suggest new underpinnings for economic
theories, which explain how much people save, why there are strikes, why the stock market fluctuates, the
nature of consumer confidence and its effect on the economy, and so forth.
(http://www.hss.caltech.edu/%7Ecamerer/web_material/n.html, 08.01.2006.)
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
XX
(http://neuroeconomics.typepad.com/neuroeconomics/2003/09/neuroeconomics.html,
02.01.2006). Segundo estes pesquisadores, neuroeconomistas indagam como o crebro
corporizado possibilita mente (ou grupos de mentes) tomar decises econmicas?,
combinando tcnicas de neurocincia cognitiva e economia experimental para observar
atividade cerebral em tempo real e descobrir como ela depende do ambiente econmico,
verificando hipteses a respeito da mente emergente (emergent mind ), o que
permitiria uma melhor compreenso sobre uma ampla gama de comportamentos humanos
e o papel das instituies como extenses ordenadas de nossas mentes (op. cit.).
Como ilustrao dos rumos desta nova disciplina citamos o artigo Neuroeconomics:
how neuroscience can inform economics, de Camerer, Loewenstein e Prelec (2005), que
discute os desenvolvimentos da neuroeconomia e suas implicaes para a economia,
expondo e discutindo os diferentes mtodos de pesquisa utilizados por neurocientistas,
sua utilidade e limitaes para a economia, bem como as descobertas realizadas nesse
campo, alm de detalhar, dentro desta perspectiva, alguns temas, como : escolha intertemporal, deciso sob risco e incerteza, teoria dos jogos; discriminao no mercado de
trabalho.
Ao final, Camerer et. al. (op. cit.) propem duas abordagens aplicao da neurocincia
economia: incremental, que pretenderia refinar modelos econmicos existentes a partir
de dados obtidos pela neurocincia, e radical, que colocaria desafios mais essenciais
compreenso habitual proposta pela viso-padro da economia do comportamento
humano, rumo a modelos que representassem de maneira mais explcita mltiplos
mecanismos cerebrais.
Aqui, como no caso da Economia Experimental, chamamos a ateno para o fato de que
os autores afirmam respeitar o fato de que os mecanismos cerebrais combinam
processos controlados e automticos, operando com o uso de cognio e afeto (Camerer
et. al., 2006). Em suas palavras, A metfora platnica da mente como o cocheiro
conduzindo os cavalos gmeos da razo e emoo est no caminho certo exceto que a
XXI
cognio um pnei esperto, e a emoo, um grande elefante15 (id.) Um psicanalista
possivelmente no usasse as mesmas imagens; entretanto, o sentido remete viso de
mundo psicanaltica (ver, por exemplo, Bion, 1970-1973, p.116).
15
The Platonic metaphor of the mind as a charioteer driving twin horses of reason and emotion is on the
right track except that cognition is a smart pony, and emotion, a big elephant (CAMERER, Colin,
LOEWENSTEIN, George & PRELEC, Drazen. Neuroeconomics: how neuroscience can inform
economics. Journal of Economic Literature, vol. XLIII: 9-64, 2005).
16
BION, Wilfred. [1970] Ateno e Interpretao uma aproximao cientfica compreenso interna na
psicanlise e nos grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1973. trad.
17
LEA, Stephen E.G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul The individual in the economy . Cambridge:
Cambridge University Press, 1987.
XXII
economias primitivas, posio criticada pelos substantivistas, que afirmavam que, por
no serem os primitivos orientados pelo lucro, os mtodos formais de anlise econmica
desenvolvidos para sociedades ocidentais seriam irrelevantes nestas situaes, uma vez
que a dimenso material possua interesse secundrio para eles; os formalistas, por sua
vez, desejavam aplicar teoria econmica convencional aos problemas e verificar se esta
poderia funcionar naquelas circunstncias (op. cit., p.402). Lea e seus colegas no
enxergam maior relevncia nesta discusso, ainda que , primeira vista, pudesse mostrarse til Psicologia Econmica, por oferecer pistas a respeito da direo da relao de
causa e efeito que envolve indivduo e sociedade se os processos econmicos forem
considerados universais, poder-se- ia falar de uma natureza humana, por exemplo.
XXIII
Antropolgica, uma vez que a maior parte das anlises econmicas dos dados
antropolgicos seria muito esquemtica, alm daquela no carecer de uma nova
abordagem, de fato para eles, uma abordagem interdisciplinar deve estabelecer sua
prpria agenda (Lea et. al., 1987, p.413).
descreve-se como um
18
XXIV
autores europeus e norte-americanos dessa linha possuiriam vrias divergncias, citando
John Commons 19 (1934 apud Simon, 1978) como um de seus expoentes.
De acordo com Williamson (1975 apud K lein, 1999 20 ), a idia central da Nova Economia
Institucional defende que o sucesso de um sistema de mercado depende das instituies
sociais, polticas e econmicas que facilitam transaes privadas eficientes. Sua
perspectiva de anlise abrange Direito, Economia, organizaes de aplicaes industriais,
polticas pblicas. Esta vertente expande a teoria econmica neo-clssica ao incorporar
anlises sobre direitos de propriedade e custos de transao ao quadro de referncia
ortodoxo, com o objetivo de melhor explicar o comportamento econmico.
Conforme Williamson (op. cit.), ainda que tal proposta possa no parecer
particularmente engenhosa ou inovadora, ela sem dvida contrastar com a economia
neo-clssica, que v firmas como caixas pretas, que recebem input de um lado, mais
tarde resultando em output do outro lado, desconhece ndo-se o que se passa dentro delas.
Enquanto isso, a NEI defende a viso da firma como um complexo conjunto de contratos,
relaes e interaes com impacto crucial sobre o ambiente institucional onde operam.
19
Autor norte-americano de trabalhos em Economia Poltica, Sociologia , Trabalho e Administrao (18621945). (http://cepa.newschool.edu/het/profiles/commons.htm - acesso em 22.05.06;
http://www.library.wisc.edu/etext/WIReader/WER0749.html - acesso em 22.05.06).
20
Oliver Williamson considerado por Peter Klein (1999), o introdutor da expresso New Institutional
Economics (Nova Economia Institucional), no livro Markets and hierarchies: analysis and antitrust
implications, de 1975.
(http://72.14.209.104/search?q=cache:BIk1wWZWuJMJ:encyclo.findlaw.com/0530book.pdf+new+instituti
onal+economy&hl=pt-BR&gl=br&ct=clnk&cd=5 acesso em 25.05.06).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
XXV
A estrutura e a natureza destes contratos e os tipos de comportamento que eliciam
sero fundamentais para a produo dos resultados da firma e seu funcionamento
eficiente, alm de considerar os aspectos referentes a relaes e implicaes no longo
prazo implcitos no ato de contratao e como tudo isso afeta grupos de pessoas. Sua
viso de agente econmico , portanto, diversa daquela postulada pela teoria ortodoxa.
Para ele, a NEI, que pretende compreender e explicar por qu alguns mtodos de
produo e formas de organizao so usados, e por que outros poderiam ser mais
apropriados naqueles casos, inova ao utilizar dados empricos e alternativas do mundo
real em suas anlises em busca de resultados mais eficientes, no recorrendo a
concepes tericas de equilbrio geral timo, como no caso da teoria neo-clssica.
Do ponto de vista histrico, o autor considera que o tambm Nobel de Economia Ronald
Coase tenha sido um dos pioneiros a semear as idias que viriam a constituir esta teoria
com seu artigo de 1937, The nature of the firm, voltando a contribuir de forma
expressiva em 1960, com o novo trabalho The problem of social cost, que delineava o
chamado teorema de Coase, o qual, no sendo propriamente um teorema, defendia que,
caso uma transao tivesse custo zero, um processo de barganha traria um resultado
eficiente, sem necessidade de interveno governamental, com os direitos propriedade
desempenhando papel essencial no processo. Herbert Simon tambm citado por ele, que
acrescenta que esta abordagem vem ganhando terreno desde as dcadas de 1980/90.
XXVI
Associao, que conta agora com membros em todo o mundo, define a rea como sendo
uma abordagem interdisciplinar que combina economia, direito, teoria organizacional,
cincia poltica, sociologia e antropologia, a fim de compreender as instituies sociais,
polticas e comerciais da vida humana, com a ajuda de inmeras cincias sociais, porm,
mantendo-se, primordialmente, dentro da economia. Para eles, a NEI pretenderia explicar
o que so instituies, como surgem, a que propsitos servem, como se transformam e,
acima de tudo, se deveriam ser modificadas (http://www.isnie.org/, acesso 20.04.06).
O nome pode assustar Economia Ps-autista existe? Deve ser levada a srio? Tudo
indica que a resposta a ambas as questes deva ser afirmativa.
No incio dos anos 2000, comeou a circular pela internet um manifesto escrito por
estudantes de Economia franceses 21 . Nele, teciam graves crticas maneira e aos rumos
que o ensino desta cincia vinha assumindo em seu pas, especialmente no que tangia a
uma falta de considerao por aspectos histricos por exemplo, propostas de se eliminar
do currculo a disciplina Histria do Pensamento Econmico, o que estaria tornando
este campo autista, isto , desprovido de condies para relacionar-se com seu meio e
seu tempo, com a realidade, enfim. O movimento logo ganhou a adeso de pares de
vrios outros pases, adquirindo rapidamente fora e visibilidade.
21
Esta autora recebeu um email mencionando o grupo pela primeira vez, em 2002, enviado pelo
economista paulistano Thomaz Ferreira Jensen, da FEA -USP e UNICAMP.
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
XXVII
no currculo do curso; o estilo dogmtico de ensino em economia, que no deixava
espao para pensamento crtico ou reflexivo. Ao mesmo tempo, reivindicavam:
engajamento com realidades econmicas concretas e empricas; priorizao da cincia
ante o cientificismo; um pluralismo de abordagens adaptadas complexidade dos
objetos econmicos e incerteza em torno das grandes questes econmicas; o incio de
reformas por parte de seus professores com o objetivo de salvar a economia de seu
estado autista e socialmente irresponsvel (Fullbrok, op.cit.).
O manifesto ganhou peso, uma vez que seus autores e primeiros signatrios pertenciam s
Grandes Ecoles francesas, instituies de grande prestgio acadmico. Ou seja,
ningum ousaria dizer que estes estudantes, crme de la crme, opunham-se
abordagem formalista da economia porque matemtica era muito difcil para eles (id.), o
que teria surrupiado aos defensores do estado das coisas seu argumento favorito, continua
o autor (ibid.).
XXVIII
que prestigiadas universidades dos EUA pretendiam extinguir a rea de histria do
pensamento econmico de seus programas de graduao, at mesmo como disciplina
eletiva, o que viria a facilitar a doutrinao dos alunos dentro da tradio neo-clssica.
O movimento, que gradualmente desencadeou-se em reao a este estado de coisas e em
sintonia com as reivindicaes dos estudantes franceses, ganhou a adeso de inmeros
estudiosos da rea ao longo do caminho. So menc ionados como tendo, de alguma forma,
se envolvido com a causa: Geoff Harcourt, Frank Ackerman, Paul Ormerod, Olivier
Vaury, Kate Fullbrook, Joseph Halevi, James Galbraith, Gilles Raveaud. Em 2002, o
boletim, agora chamado post-autistic economics review , contava com 5.500 assinantes.
Pouco depois, ainda em 2001, Jean-Paul Fitoussi, aps estudos e contatos com diferentes
grupos e universidades, publicou L'Enseignement suprieur des sciences conomiques en
question: Rapport au ministre de lducation nationale, propondo duas mudanas
essenciais no ensino da economia: a integrao do debate sobre questes econmicas
contemporneas, tanto na estrutura quanto no contedo dos cursos de economia, de forma
a eliminar a prtica comum de manter o contedo ideolgico da teoria neo-clssica
XXIX
escondida dos alunos; enfoque multidisciplinar no centro do ensino da economia,
adicionando disciplinas como sociologia, histria, direito, psicologia e outras, com vistas
a familiarizar os alunos com vises e mtodos diferentes de tratar os fenmenos scioeconmicos (Fullbrook, 2002-2006).
O relato histrico de histria extremamente recente, note-se cessa neste ponto, com a
crtica final de que a economia, como ensinada em universidades, no explica a
realidade contempornea, nem tampouco fornece um contexto para o debate crtico de
temas em sociedades democrticas (http://www.paecon.net/PAEhistory02.htm, acesso
23.12.05). Conforme somos informados em sua homepage (http://www.paecon.net/,
acesso 02.02.06), o movimento mantm-se ativo.
digno de nota, alis, o livro ali divulgado, A Guide to Whats Wrong with Economics,
editado por Edward Fullbrook, que traz, entre seus colaboradores, um velho conhecido
nosso Peter Earl, que escreveu o captulo How mainstream economists model choice,
versus how we behave, and why it matters e, ainda, a professora Ana Maria Bianchi, da
FEA-USP, com Would a Latin American Economics Make Sense?. o Brasil
participando do debate. Contudo, suas implicaes para o ensino da economia objetivo
original do movimento aguardam uma anlise cuidadosa, possivelmente de um colega
economista. (http://www.paecon.net/guidecontents.htm acesso 03.03.06).
XXX
Se depois nos queixamos da miopia de tantos economistas e especialistas em polticas
econmicas, previses e avaliaes, por deixarem de levar em conta dados da realidade
conforme esta se apresenta (cf., por exemplo, Ferreira, 2003b 22 ; Ferreira, no prelo 23 ), no
podemos de deixar de iniciar nossas ponderaes a este respeito considerando sua
formao acadmica, ali onde seriam, aparentemente, doutrinados a formatar seus
pensamentos de modo a que se encaixem nos padres vigentes.
22
FERREIRA, Vera Rita de Mello. Again, what is it that you believe? a study of psychological factors at
work over the market throughout major political-economic events. Anais do XXVIII International
Association for Research in Economic Psychology Annual Colloquium. Christchurch, Nova Zelndia, set.
2003
23
FERREIRA, Vera Rita de Mello. Informao Econmica e Iluso uma contribuio psicanaltica ao
estudo de fenmenos econmicos. Revista gora - Estudos em Teoria Psicanaltica (no prelo).
FERREIRA, VERA RITA DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
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