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Infância Interrompida

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO PARAN

ESCOLA DE SADE E BIOCINCIAS


CURSO DE PSICOLOGIA 6 PERODO TURMA A DIURNO

GLEICE CRISTIANE MARCHIORO

Infncia Interrompida

1. O comportamento da criana recebida pela me social, de acordo com o seu


parecer, normal ou patolgico? Justifique.
Jodie emitia diversos comportamentos quando foi recebida pela me social, a
Cathy. A garota veio de um lar onde seus pais eram usurios de drogas, o pai era alcoolista
e sua me era usuria de drogas injetveis, alm disso, a garota era abusada sexualmente
no somente pelos pais, mas por uma rede de pedofilia, onde os pais mentiam para a
menina que essas pessoas eram seus familiares, provavelmente para que ela confiasse
mais nessas. Marsh e Graham (2014) citam os fatores de risco para o desenvolvimento de
psicopatologias infantis como as situaes estressantes, podendo se citar o abuso sexual
e outras adversidades como pobreza, dficits graves nos cuidados recebidos pelas figuras
de vnculo, psicopatologia dos pais, morte de um familiar e outros. Pode-se perceber que
os pais dessa garota se enquadram no que se refere ao dficit nos cuidados de Jodie, j
que os prprios abusavam da garota e ainda deixavam outras pessoas desconhecidas
abusarem. A menina passou por cinco lares diferentes, porm, no ficou muito tempo em
nenhum deles devido aos seus problemas de comportamento, principalmente a
agressividade, que incomodava os pais sociais. De acordo com Wekerle e Wolfe (1996)
citados por Marsh e Graham (2014) as crianas que sofreram abusos tendem a
desenvolver apegos pouco seguros, percebendo relaes interpessoais como coercitivas,
classificando os outros como ameaadores, utilizando estratgias comportamentais
agressivas para solues de problemas interpessoais. Aps a chegada de Jodie na casa de
Cathy, diversas situaes ocorreram, a agressividade de Jodie afetou todos que moravam
na casa, ela no aceitava um no como resposta, em um momento ela fez coc nas
calas devido ao fato da me social no ter lhe dado um biscoito. Alm disso, a me social
precisava diversas vezes tirar o foco de sua ateno para que ela no destrusse coisas ou
tivesse um surto quando ela no pudesse fazer aquilo que queria, a menina tambm tinha

que pensar que estava no controle a todo momento. Jodie se incomodava quando algum
ficava olhando para ela, isso provavelmente se deve pelo fato de que quando era abusada
todos a olhavam e tiravam fotos, em uma parte do livro, ela tira a roupa quando Cathy
fala para ela que iria tirar uma foto. Se fossemos olhar esse comportamento sem entender
o contexto em que ele ocorre, provavelmente diramos que ele patolgico, porm, como
a menina vem de um local onde ficar nua para tirar fotos era normal, at esperado que
esse comportamento seja emitido. Podemos ver que Jodie tambm possua um atraso de
desenvolvimento significativo, segundo a me social ela se comportava como se tivesse
5 anos de idade, quando na verdade ela chegou com 7 anos e fez 8 algum tempo depois,
no final do livro, Cathy descobre que Jodie era abusada desde os 18 meses de idade. Pelo
que Cathy relata o desenvolvimento da menina parou nessa idade, seu corpo era mole,
sua coordenao motora era ruim, como foi demonstrado quando foi jogar boliche em seu
aniversrio na escola a menina no apresentava estar no nvel da turma na qual ela estava
inserida, as frases que formulava no tinham conexo entre si. Ramey e Ramey (1998)
citados por Maia e Williams (2005) mencionam que crianas submetidas s variveis dos
chamados fatores de risco tendem a uma maior probabilidade de apresentar distrbio ou
atraso em seu desenvolvimento.
Jodie tambm conversava com outras pessoas como se fosse um adulto falando,
nesses momentos era possvel perceber como ela estava representando seu pai, a garota
tambm berrava sem motivo aparente, principalmente noite. Haviam momentos em que
a menina relatava estar sendo abusada naquele instante, porm nada estava acontecendo,
isso preocupava bastante Cathy, j que a garota passou a ficar mais distante e esse fato
foi piorando ao longo do tempo. Jodie tambm comeou a apresentar trs personalidades
diferentes, uma era a Amy, uma beb imatura, o outro era o Reg, uma personalidade
agressiva e haviam vezes em que se comportava com uma mulher adulta, quando algum
dos trs assumia a sua personalidade, Jodie no sabia que o que estava fazendo e assim,
no se lembrava do que ocorria no momento da dissociao, a menina estava percebendo
a partir dos relatos da me social que o abuso que lhe ocorreu era algo ruim, e foi
necessrio utilizar-se da dissociao para lidar com esse fato. De acordo com Ono e
Yamashiro (sem ano) os indivduos quando confrontados com situaes traumticas
extremas de onde no podem fugir, se utilizam de uma defesa onde abandonam sua
mente, com a finalidade de mant-la intacta. As crianas normalmente utilizam esse
mecanismo para lidar contra a dor fsica e emocional ocorrida pelo trauma.

Como percebemos so diversos comportamentos que Jodie emite, todos eles


problemticos e que trazem sofrimento para as pessoas de seu meio social. Se fossemos
olhar apenas por esse vis poderamos dizer que se tratam de comportamentos
patolgicos, porm, no se pode ignorar o histrico de Jodie e quando olhamos para este
percebemos como seus comportamentos possuem muita relao com o seu sofrimento.
Em alguns momentos batia nos outros para os outros aprenderem como dizia, isso
possivelmente vem da educao que seu pai lhe deu, alm de muitos outros
comportamentos que j foram citados. Olhando esse contexto podemos ver como esses
comportamentos so normais, e at esperados de certa forma devido ao fato de no ter
vivido em um ambiente onde tivesse figuras de apoio. De acordo com Brito e Koller (1999
apud Habigzang, Azevedo, Koller e Machado, 2006) a rede de apoio se refere a um
conjunto de sistemas e pessoas significativas que compem os elos de relacionamento
existentes e percebidos pela criana, esses possuem a importncia do afeto para a
manuteno desse apoio. Quando essa rede existe h uma possibilidade da criana se
desenvolver e ser protegida de doenas, psicopatologias e sentimentos de desamparos
mesmo quando a criana se depara com situaes adversas. Esse apoio social est
relacionado com a percepo que a criana tem do seu meio social e de como se orienta
nele, utilizando estratgias e competncias para estabelecer vnculos. Apesar dos
comportamentos serem esperados, isso no quer dizer que eles no devem ser tratados at
porque a frequncia em que eles ocorrem alta, alm de serem graves, incapacitantes e
limitantes para Jodie, trazendo prejuzo para o seu desenvolvimento, de forma que ela no
consegue estabelecer vnculos e tambm traz muitas consequncias para o seu meio, onde
as pessoas a rejeitam principalmente devido a sua agressividade. Dessa forma, o
comportamento de Jodie apesar de patolgico, esperado que ela os emita devido sua
histria de vida e sofrimento.

2. As reaes emocionais da me social so normais ou patolgicos conforme sua


avaliao? Justifique.
A me social, Cathy apresentou diversas reaes emocionais com relao a Jodie,
por exemplo, quando a menina surtava, a me social demonstrava apoio a menina, e a
segurava de maneira sutil esperando at que se acalmasse, porm, isso no significava
que ela no estava preocupada com Jodie. Cathy relatava diversas vezes s pessoas que
estavam envolvidas no caso uma certa preocupao com as reaes da garota, j que eram
reaes da qual possivelmente ela nunca teve contato antes, principalmente as

dissociaes. Haviam situaes onde ela se sentia frustrada por no conseguir agradar a
garota, ou por no saber o que fazer para que ela melhorasse, situaes como quando a
menina acordava de noite e ela tinha que a acolher, porm, muitas vezes sem efetividade.
Cathy teve contato com outras crianas que melhoraram ao longo do tempo, porm, esse
no era o caso do Jodie, a menina apenas piorava na viso dela. Jodie apresentava
comportamentos problemticos que a afetavam de maneira da qual ela precisava
direcionar totalmente sua energia e ateno garota, deixando um pouco de lado seus
outros trs filhos. Cathy tambm ficou com raiva dos pais de Jodie no momento em que
ela relatou o abuso, algo que completamente normal perante a situao em que ela
observou a inocncia que a menina tinha da situao. Portanto, pode-se dizer que as
reaes emocionais da me social so normais devido ao estresse ao qual estava
submetida.

3. Se voc fosse a terapeuta dessa criana, quais seriam seus objetivos para o
processo psicoteraputico?
Num primeiro momento importante que se estabelea uma relao de confiana
com Jodie, para que ela possa ter um espao onde possa se expressar de forma efetiva.
Tambm importante que a menina perceba que h uma rede de apoio com a qual ela
pode contar, podendo ela ser tanto a sua famlia social como a instituio na qual ela ficou
aps a sada da casa de Cathy. De acordo com Habigzang (2006) a interveno em casos
de abuso sexual em crianas e adolescentes complexa, necessitando ser planejada
levando em considerao o impacto dessa experincia para o desenvolvimento da vtima
e sua famlia. Portanto, deve-se ter cuidado no momento de se traar os objetivos de uma
interveno como essa devido ao grande nmero de sintomas do qual a menina apresenta.
O primeiro objetivo seria fazer uma avaliao cautelosa para traar o que mais
est afetando Jodie no momento, eu diria que a agressividade e a raiva que a menina
apresenta a afetam de forma significativa j que interferem em seu meio social. Portanto,
o primeiro objetivo seria traar com a criana maneiras de como transferir essa raiva para
outras coisas e no diretamente para pessoas, normal que ela sinta raiva das pessoas e
as agrida devido ao que lhe aconteceu, porm, existem outras alternativas para a descarga
dessa raiva como esportes ou qualquer outra coisa que for de seu agrado. Assim, um dos
primeiros objetivos da interveno seria a diminuio dessa raiva, ou a transferncia dessa
de forma saudvel para as pessoas de seu meio, j que isso no parece a incomodar. Outro
objetivo seria encontrar com a menina alternativas para ter acesso a reforadores

positivos, Jodie sempre viveu em um ambiente coercitivo, sendo frequentemente punida,


a menina nunca teve afeto, ateno e aprovao, porm, ela poderia ter acesso a tais
reforadores se comportando de diversas formas. Um outro objetivo poderia ser o
rebaixamento das dissociaes por meio do contato com o sofrimento que lhe foi causado,
pela fala ela poderia contar a terapeuta o que mais lhe incomodou em tudo isso, quais
sentimentos lhe vm cabea quando pensa nesse abuso. E ento, com algum material
transformar todos esses sentimentos negativos em algo concreto, como por exemplo,
utilizar a argila para fazer um montinho de sentimentos ruins com o objetivo de ver esses
sentimentos de longe para ela fazer o que quiser com eles, seja destruindo, jogando essa
agressividade que ela possui para esse montinho. Um dos objetivos principais seria a
insero da criana em meios onde houvessem outros pares para que ela pudesse interagir
de forma saudvel, principalmente dentro da escola, onde ela j tivesse conscincia de
que sua agressividade pode ser transferida para outras coisas alm de pessoas. Tambm
seria pertinente que quando ela tivesse uma maior maturidade que participasse de algum
grupo psicoteraputico que trabalhasse com pessoas abusadas sexualmente, facilitando
sua identificao com outros, percebendo que existem outras pessoas que compartilham
de sofrimentos semelhantes aos seus.

Referncias

HABIGZAN,L.F. Avaliao e interveno psicolgica para meninas vtimas de abuso


intrafamiliar. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Instituto de Psicologia, Porto
Alegre, 2006.
HABIGZANG, L.F; AZEVEDO, G.A.; KOLLER, S.H.; MACHADO, P.X. Fatores de
risco e de proteo na rede de atendimento a crianas e adolescentes vtimas de
violncia sexual. Psicologia: Reflexo e Crtica. 19 (3) 379-386. Porto Alegre, 2006.
MAIA, J.M.D.; WILLIAMS, L.C.A. Fatores de risco e fatores de proteo ao
desenvolvimento infantil: uma reviso da rea. Temas em Psicologia. v. 13, n. 2.
Ribeiro Preto, 2005.
MARSH, E.J.; GRAHAM, S.A. Classificao e tratamento da psicopatologia infantil.
In CABALLO, V.E.; SIMN, M.A. Manual de psicologia clnica infantil e do
adolescente: transtornos gerais. So Paulo: Santos, 2014.
ONO, M.K.; YAMASHIRO, F.M. Mltiplas personalidades: o distrbio dissociativo
da identidade. Instituto de Computao: Universidade Estadual de Campinas.

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