Meira
Meira
Meira
por
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AGRADECIMENTOS
A minha orientadora Martha Ulha, meu co-orientador Pedro Arago e banca
examinadora, composta pelo professor Dr. Luiz Otvio Braga e pela professora Dra. Mrcia
Ermelindo Taborda.
Ao CNPq, pela ajuda financeira, sem a qual a dificuldade de realizao do trabalho seria
dobrada.
A minha famlia, especialmente minha madrinha Elza (em memria), meu pai Higor (em
memria) e minha me Olga, que me estimulou desde o incio a me aventurar nesta empreitada.
A minha namorada Carmen, pelo amor e pelo apoio.
Ao IMS, por contribuir sobremaneira para a construo de uma histria da msica
brasileira, atravs da disponibilizao do seu vastssimo acervo de gravaes.
A Maurcio Carrilho, pela ajuda imprescindvel para a construo deste trabalho.
A Escola Porttil de Msica, por abrir inmeras portas que me permitiram conhecer
pessoas fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho.
A Yvonne Florncio, por abrir as portas de sua casa e franquear-nos total acesso ao acervo
documental de seu pai.
A Anna Paes, Jorginho do Pandeiro, Caula, Luciana Rabello, Amlia Rabello, Pedro
Amorim, Paulo 7 Cordas, Fernando Sauma, Pedro Menna Barreto, Jorge de Mello Carvalho,
Alessandro Soares, Cidinho 7 Cordas, Henrique Annes e Bia Paes Leme, pela ajuda durante a
pesquisa.
Aos meus grandes amigos Yuri Reis, Glauber Seixas, Julio Pinheiro, Gabriel Menezes,
Joo Camarero, Ben, Bidu, Rafael Malmith, Nina Wirtti, a galera do Samba da Ouvidor, Sacha
Bittar, Chico Bastos, Mrcio Fuim, Lo Pereira, e tantos outros amigos da msica, cuja convivncia
me permitiu colocar em prtica alguns dos ensinamentos apreendidos durante essa pesquisa.
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BITTAR, Iuri Lana. Fixando uma gramtica: Jayme Florence (Meira) e sua atividade artstica nos
grupos Voz do Serto, Regional de Benedito Lacerda e Regional do Canhoto 2011. Dissertao
(Mestrado em Msica) Programa de Ps-graduao em Msica, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
RESUMO
Anlise dos acompanhamentos de samba, executados por Jayme Thomaz Florncio, o Meira, em
trs perodos distintos: (1) 1928-1929, enquanto violonista do grupo Voz do Serto; (2) entre 1937 e
1950, quando era integrante do Regional de Benedito Lacerda; e (3) a partir de 1951 at
aproximadamente 1980, no qual participava do Regional do Canhoto. Cada um desses perodos
compe respectivamente os trs captulos da dissertao, que trata da contextualizao histrica em
torno do repertrio selecionado a partir da viabilidade de escuta do mesmo nas gravaes
disponveis. Alguns conceitos da metodologia elaborada por Phillip Tagg foram utilizados como
ferramenta analtica das gravaes eleitas para as anlises. Atravs das transcries e descries de
musemas (relacionados a aspectos rtmicos, meldicos e harmnicos) elementos pertencentes a
uma gramtica especfica de acompanhamento de samba so destacados dentro dos
acompanhamentos realizados por Meira. Aspectos histricos e biogrficos tambm so discutidos
no decorrer do trabalho.
vi
BITTAR, Iuri Lana. Fixando uma gramtica: Jayme Florence (Meira) e sua atividade artstica nos
grupos Voz do Serto, Regional de Benedito Lacerda e Regional do Canhoto 2011. Dissertao
(Mestrado em Msica) Programa de Ps-graduao em Msica, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
Analysis of the accompaniments of samba, performed by Florencio, Jayme Thomaz, also known
as Meira, in three distinct periods: (1) in 1928-1929, while guitarist of the group Voz do Serto
(Voice of the Wilderness), (2) between 1937 and 1950, when he was a member of the Regional de
Benedito Lacerda, and (3) from 1951 until 1980, in which Meira participated in the Regional do
Canhoto. Each of these three periods consists of the three dissertation chapters, that deals with the
historical context around the selected repertoire available from the viability of clear listening to
accessible recordings. Some concepts on the methodology developed by Philip Tagg were used as
an analytical tool of the recordings chosen for analysis. Through the transcripts and descriptions of
"musemes" (related to rhythmic, melodic and harmonic aspects) some elements that belong to an
especific samba accompanying gramar are highlighted inside Meira's accompanying. Biographical
and historical aspects are also discussed in this work.
Keywords:: Meira Acompanhamento Samba Regionais Benedito Lacerda Canhoto.
vii
SUMRIO
LISTA DE FIGURAS..........................................................................................................................ix
INTRODUO...................................................................................................................................1
CAPTULO 1 GRUPO VOZ DO SERTO.....................................................................................9
1.1. Os primeiros conjuntos regionais
1.1.1.
A moda sertaneja
1.1.2.
O Grupo Caxang e os Oito Batutas
1.1.3.
Os Turunas Pernambucanos e Turunas da Mauricia
1.1.4.
Voz do Serto e a chegada de Meira ao Rio de Janeiro
1.1.5.
Consideraes
1.2. Anlise
1.2.1.
Grade musemtica de Sacode a Saia Morena
1.2.2.
Consideraes
CAPTULO 2 A ATUAO DE MEIRA NO REGIONAL DE BENEDITO LACERDA............44
2.1. Casa de Caboclo
2.2. Regional de Benedito Lacerda
2.2.1. Anlise
2.2.2.
Grade musemtica de Amanh Eu Volto
2.2.3. Levada Teleco-teco
2.2.4. Frases de baixo
2.2.5. Raspadeira
2.2.6. Coda
2.3. Grade musemtica de Culpe-me
2.3.1. Levada de choro
2.3.2. Frases de baixo
2.3.3. Coda
2.4. Consideraes
CAPTULO 3 REGIONAL DO CANHOTO..................................................................................91
3.1. Anlise
3.1.1. Levadas
3.1.2. Frases de baixo
3.1.3. Raspadeiras
3.1.4. Frases nas primas
3.1.5. Tenso rtmico-harmnica
3.1.6. Dissonncias
3.2. Consideraes
CONCLUSO..................................................................................................................................117
REFERNCIAS...............................................................................................................................119
ANEXOS..........................................................................................................................................125
viii
NDICE DE FIGURAS
Ilustrao 1: Grupo de Caxang.........................................................................................................15
Ilustrao 2: Oito Batutas...................................................................................................................18
Ilustrao 3: Turunas Pernanbucanos.................................................................................................20
Ilustrao 3: Turunas Pernanbucanos.................................................................................................21
Ilustrao 5: Os Turunas da Mauricia...............................................................................................23
Ilustrao 6: Voz do Serto.................................................................................................................24
Ilustrao 7: Casa de Caboclo............................................................................................................45
Ilustrao 8: Casa de Caboclo............................................................................................................46
Ilustrao 9: Regional do Canhoto.....................................................................................................95
Exemplo musical 1: "S1 com levada de polca 1"...............................................................................33
Exemplo musical 2: "Frase cromtica nos baixos"............................................................................33
Exemplo musical 3: "Frase cromtica nos baixos"............................................................................34
Exemplomusical 4: "S2 com levada de polca..................................................................................34
Exemplo musical 5: "S1 com levada de polca 3"...............................................................................34
Exemplo musical 6: "S2 com levada de polca 4 amaxixada".........................................................35
Exemplo musical 7: S2 com levada de polca 5..............................................................................37
Exemplo musical 8: "S2 com levada de maxixe"...............................................................................37
Exemplo musical 9: Levada de embolada" (efeito zabumba)..........................................................39
Exemplo musical 10: "Levada de polca 6 (apanhei-te cavaquinho)".................................................39
Exemplo musical 11: "Conduo de baixos".....................................................................................40
Exemplo musical 12: "Frase de baixo caracterstica do maxixe"......................................................41
Exemplo musical 13: Levada Teleco-teco com "chamada"...............................................................58
Exemplo musical 14: "Chamada" aps breque - "Pode Ser".............................................................59
Exemplo musical 15: Levada teleco-teco...........................................................................................60
Exemplo musical 16: Teleco-teco "Pode Ser"....................................................................................60
Exemplo musical 17: Teleco-teco - Alumiando.............................................................................66
Exemplo musical 18: Teleco-teco exemplo Caula...........................................................................67
Exemplo musical 19: Teleco-teco por Baden Powell - "Vou Deitar e Rolar"....................................67
Exemplo musical 20: "Frase cromtica ascendente"..........................................................................69
Exemplo musical 21: "conduo de baixos
em 3" + "Frase ascendente em semicolcheias".................................................................................69
ix
xii
xiii
INTRODUO
Neste trabalho pretendemos estudar os acompanhamentos presentes em gravaes de
sambas realizadas por Jayme Thomaz Florncio, o Meira, em trs perodos diferentes de sua
carreira: o primeiro, compreendido nos anos 1928 e 1929, quando era violonista do Grupo Voz do
Serto; o segundo perodo entre 1937 e 1950, quando Meira integrava o Regional1 de Benedito
Lacerda (1903-1958); e o terceiro a partir de 1951, quando este ltimo conjunto passou a ser
dirigido por Canhoto2 (1908-1987).
Meira nasceu no ano de 1909, na cidade de Paudalho, interior de Pernambuco. Filho de
Firmina Thomaz Florncio e Joo Paulo Thomaz Florncio, Meira foi o quarto dos cinco filhos do
casal. O apelido Meira, segundo depoimento de sua filha Yvonne Florencio, abreviao de
Jaymeira, alcunha dada pelo pai do violonista. Meira, que tambm era chamado de meu av ou
vov pelos colegas msicos, adotou o nome Jayme Florence para assinar suas composies.
Alm de ser conhecido por sua extensa carreira como violonista de regional, Meira
tambm exerceu assiduamente as atividades de compositor e professor de violo. Como compositor
teve aproximadamente 55 msicas gravadas3, predominantemente sambas e choros. Como
professor, atuou desde o incio da dcada de 1930 at o final de sua vida. Alguns de seus alunos
tornaram-se nomes de destaque na histria do violo brasileiro, como por exemplo Baden Powell,
Raphael Rabello e Maurcio Carrilho.
Um aspecto que inicialmente nos levou ao interesse em escrever sobre Meira foi o fato de
1
O termo Regional, utilizado frequentemente neste trabalho, atribudo aos conjuntos com instrumentao baseada
nos tradicionais grupos de choro, com violo, cavaquinho e solista. Nos aprofundaremos em aspectos referentes a
esses conjuntos no captulo 1.
No decorrer deste trabalho sempre que citarmos o nome de Canhoto estaremos nos referindo ao cavaquinista
Waldiro Frederico Tramontano, que a partir de 1951 passou a dirigir o ento Reginal de Benedito Lacerda, que com
essa mudana passa a se chamar Regional do Canhoto. Outros dois msicos so conhecidos pelo mesmo apelido: o
violonista Amrico Jacomino (1889-1928) e o tambm violonista Francisco Soares de Arajo (1928-2008), mais
conhecido como Canhoto da Paraba.
O grande sucesso de Meira foi o samba-cano Molambo (Jayme Florence e Augusto Mesquita). Encontramos
aproximadamente 52 gravaes dessa cano, algumas na voz de intrpretes consagrados, como Cauby Peixoto,
Elizeth Cardoso e Maria Bethnia. Um sucesso instrumental seu choro Primavera atualmente conhecido como
Arranca Toco, consagrado no repertrio dos chores. Sua discografia completa como compositor encontra-se nos
apndices deste trabalho.
Conforme acumulvamos uma memria auditiva atravs dessa escuta atenta das gravaes, a
sonoridade dos conjuntos em questo tornou-se praticamente inconfundvel, atravs da qual
poderamos identificar sem titubear a execuo dos acompanhamentos realizados pelos
regionais logo nos primeiros segundos de uma audio. Essa capacidade de distino foi
fundamental para nosso trabalho, uma vez que na grande maioria das gravaes no h crditos aos
msicos acompanhadores.
Uma vez familiarizados com o repertrio, nos deparamos com o grande obstculo desse
trabalho: Como escutar o violo de Meira nessas gravaes? Percebemos a um dos motivos pelo
qual existe uma lacuna bibliogrfica, no que diz respeito ao estudo dos acompanhamentos
executados pelos conjuntos regionais. Os autores que se debruaram sobre esse assunto, basearamse predominantemente nas intervenes meldicas do instrumento. Podemos citar como exemplo os
trabalhos sobre Dino 7 Cordas, realizados por Taborda (1995) e Tarazona (2005). Ambos autores
fazem uma descrio minuciosa das baixarias realizadas por Dino em gravaes feitas em diferentes
perodos de sua trajetria como violonista, porm nestes trabalhos, pouco se fala em relao as
condues rtmico-harmnicas, tambm chamadas de levadas4 (veremos esse aspecto mais adiante).
Um trabalho que se aprofunda em algumas dessas questes relacionadas ao
acompanhamento nos conjuntos regionais a dissertao de Becker (1996). Nela o autor analisa e
transcreve os acompanhamentos realizados pelo violo de seis cordas em alguns choros executados
pelo Conjunto poca de Ouro. Suas transcries no so baseadas em gravaes, mas sim nas
execues de Toni Azeredo, o ento violonista de seis cordas do conjunto.
Em relao escuta do violo nas gravaes dos regionais em questo, percebemos que
esta prejudicada tanto pela prpria natureza sonora do instrumento (cujo timbre, quando inserido
nessa formao instrumental dos regionais, se funde ao cavaquinho e percusso) quanto pela
tecnologia de gravao empregada na poca, que possibilitava apenas a captao do regional atravs
4
Levadas so as condues rtmico-harmnicas realizadas por uma das mos do violonista, enquanto
simultaneamente, a outra mo, cujos dedos pressionam as cordas contra o brao do violo, monta os acordes. Este
termo ser constantemente utilizado no decorrer deste trabalho.
de um nico microfone.
Essa dificuldade nos levou a uma espcie de garimpo, atravs do qual buscvamos
encontrar gravaes onde poderamos escutar os violes com maior clareza. As gravaes do Voz
do Serto no tinham percusso, o que possibilitava uma escuta razovel do violo. Alm disso
eram poucas, devido ao pouco tempo de atividade do conjunto, o que impossibilitava a descoberta
de novos registros, alm dos que j tnhamos ouvido no acervo do IMS5.
Alguns dos entrevistados nos deram dicas de gravaes do Regional do Canhoto onde o
violo de Meira estaria mais audvel, pois com o tempo, novas tecnologias foram sendo utilizadas
(algumas dessas gravaes foram analisadas nesse trabalho, como veremos adiante). Porm havia
uma lacuna referente ao repertrio do Regional de Benedito Lacerda. Por isso, durante um
determinado perodo de tempo nos limitamos a procurar especificamente gravaes deste conjunto
onde pudssemos escutar razoavelmente o violo de Meira. Para tal tarefa contamos com a ajuda do
cavaquinista Yuri Reis, que nos cedeu diversas gravaes cujo acompanhamento era realizado pelo
Regional de Benedito. Outra fonte de consulta foi o acervo do IMS, onde encontramos diversas
gravaes com crditos referentes ao acompanhamento deste regional, e outras centenas que
sabamos que se tratava do conjunto pela facilidade em identificar sua sonoridade. Acabamos por
encontrar algumas gravaes que nos oferecessem ao menos trechos de onde pudssemos extrair
elementos que caracterizassem os acompanhamentos realizados por Meira.
Comparando as gravaes dos trs conjuntos, percebemos que havia diferenas nos estilos
dos acompanhamentos realizados por Meira em cada um dos perodos, e percebemos que se tratava
de um tema que merecia um estudo mais aprofundado, o que nos levou a eleger a linguagem do
acompanhamento realizado por Meira como o tema central deste trabalho.
Mas havia ainda outro problema: encontramos Meira acompanhando os mais diversos
gneros musicais, entre eles sambas, choros, valsas, baies, fox-trots, etc. em gravaes
5
O IMS (Instituo Moreira Salles), possui um stio na internet <ims.uol.com.br> onde disponibiliza um enorme acervo
de gravaes. Todas as gravaes citadas no captulo 1 e 2 deste trabalho podem ser ouvidas atravs deste acervo.
instrumentais e cantadas. Optamos por nos limitar s analises dos acompanhamentos de sambas. A
principal razo pela qual escolhemos o samba foi, alm da nossa relao afetiva com o repertrio, o
enorme nmero de gravaes deste gnero em relao aos demais citados anteriormente. Desde os
tempos do Voz do Serto j encontramos algumas gravaes classificadas como samba. Nos
Regionais de Benedito Lacerda e do Canhoto esse nmero ainda maior, o que nos levou
concluso que acompanhar sambas foi a principal atividade de Meira como violonista de Regional.
Para a anlise dos acompanhamentos de samba executados por Meira nos trs perodos
mencionados, optamos por utilizar alguns aspectos da metodologia elaborada por Phillip Tagg
(1979), que se baseia no estudo da msica popular dentro de uma perspectiva semitica6. Nesse
sentido, Tagg desenvolveu uma terminologia prpria, para identificar significados musicais atravs
de conceitos especficos. Dentre os diversos conceitos elaborados por Tagg, o mais importante para
nosso trabalho o conceito de musema. Segundo o autor musema a unidade mnima de
significao musical (ULHOA, 1999: 63). Os musemas so fragmentos musicais que podem ser
recortados para uma anlise especfica. Podem ser trechos meldicos, motivos, convenes
rtmicas, cadncias, levadas, etc.
Neste trabalho utilizaremos o processo que Tagg chama de comparao entre objetos,
atravs do qual estabelecemos uma relao entre um fragmento musical executado por Meira e
outros semelhantes presentes em diferentes gravaes ou transcries, para assim identificarmos um
musema, ou seja, um elemento que seja tanto caracterstico dos acompanhamentos realizados por
Meira, quanto pertencente uma gramtica especfica de acompanhamento de samba.
Para identificarmos as ocorrncias dos musemas durante os sambas analisados,
utilizaremos outra ferramenta desenvolvida por Tagg, a grade musemtica. Trata-se de uma
espcie de partitura grfica, atravs da qual se tem uma viso geral da pea e das principais
ocorrncias musicais durante a mesma. Essa grade construda baseada em colunas horizontais
paralelas. Na primeira coluna dividimos a pea em suas principais sees. Nas colunas seguintes
6
Para mais detalhes sobre a metodologia de Tagg ver Tagg (2003) e Ulha (1999).
ouvidos atravs do stio virtual do IMS (com exceo do choro Alumiando e do samba Vou
Deitar e Rolar, citados nos exemplos musicais 16 e 18 respectivamente). Alm disso, todos os
musemas podem ser ouvidos separadamente atravs do CD anexado ao trabalho.
Alm das gravaes, outras fontes de estudo fundamentais para este trabalho, tanto para a
obteno de dados especficos como tambm para uma aproximao com a linguagem musical
utilizada por Meira, foram as entrevistas realizadas durante a pesquisa. Entrevistamos sua filha
Yvonne Florence, seus alunos Paulo 7 Cordas, Pedro Menna Barreto, Fernando Sauma, alm de
Amlia Rabello, me de Raphael Rabello. Entrevistamos tambm Jorginho do Pandeiro, que tocou
profissionalmente ao lado de Meira por vrios anos e ainda atua como pandeirista e diretor do
conjunto poca de Ouro, e Carlos de Souza, mais conhecido como Caula, violonista e cavaquinista
que manteve contato com Meira e tambm dos poucos msicos que atuaram profissionalmente em
regionais na poca do rdio e ainda se encontra em atividade. Alm deles, entrevistamos tambm a
cavaquinista Luciana Rabello, o bandolinista Pedro Amorim, e o violonista Maurcio Carrilho,
sendo que este ltimo, alm da entrevista concedida, nos ajudou de maneira incondicional durante
todo o processo de elaborao deste trabalho, uma vez que alm de ter sido aluno de Meira,
desenvolveu um grande vnculo de amizade com ele.
Para a realizao das entrevistas e tratamento das informaes coletadas, nos baseamos nos
conceitos de Histria Oral elaborados por Verena Alberti7 (2005). Segundo a autora, de acordo com
o direcionamento do trabalho a histria oral pode ser definida como mtodo de investigao
cientfica, fonte de pesquisa ou ainda como tcnica de produo e tratamento de depoimentos
7
gravados. um mtodo de pesquisa que, utilizando-se de entrevistas com pessoas que participaram
de, ou testemunharam acontecimentos e conjunturas, nos permite uma aproximao do objeto de
estudo (ALBERTI, 2005: 17).
Todas as entrevistas realizadas durante esse trabalho foram feitas em lugares que
permitissem uma boa qualidade na gravao desses depoimentos. Segundo Alberti, o recurso da
gravao, que possibilita o congelamento daquele depoimento, faz com que essas entrevistas
passem a ter estatuto de documento, passveis de consulta e avaliao em qualquer tempo,
transformando-se em fontes para diversas pesquisas (Id: 51).
Vrios cuidados foram tomados para a realizao das entrevistas, desde como fazer o
contato inicial com o possvel entrevistado, onde realizar as entrevistas, como conduzir a entrevista
de maneira a no influenciar nas respostas do entrevistado, como armazenar as gravaes, como
transcrev-las e como utilizar os dados coletados. Alm disso, todos os entrevistados assinaram um
documento onde autorizam a utilizao das informaes relatadas durante as entrevistas dadas nesta
dissertao e em pesquisas futuras.
Estruturamos nosso trabalho em 3 captulos. O primeiro captulo, intitulado Voz do Serto,
se divide em duas sees: na primeira fazemos uma espcie de reviso bibliogrfica com o intuito
de conectar a trajetria de alguns grupos musicais que, ao nosso entender, foram relevantes para a
consolidao dos conjuntos regionais, que por sua vez contriburam para a vinda de Meira para o
Rio de Janeiro. Na segunda seo analisamos a gravao do samba Sacode a Saia Morena
(Luperce Miranda e Minona Carneiro, Odeon 10220) realizada em 1928, destacando os principais
elementos presentes nos acompanhamentos de samba executados por Meira nesse perodo.
O segundo captulo, intitulado A atuao de Meira no Regional de Benedito Lacerda, se
divide em trs sees. Na primeira revemos alguns aspectos da trajetria de Meira no perodo
compreendido entre 1929, ano do fim do conjunto Voz do Serto, e 1937, ano de sua entrada para o
Regional de Benedito Lacerda. Na segunda seo nosso foco o surgimento do grupo Gente do
Morro e sua trajetria at se tornar o Regional de Benedito Lacerda. Tambm discutimos sobre
alguns aspectos referentes s transformaes ocorridas no samba a partir dos ltimos anos da
dcada de 1920. Na terceira seo do captulo analisamos os acompanhamentos realizados por
Meira nas gravaes dos sambas Amanh Eu Volto (Antnio de Almeida e Roberto Martins
Columbia 55343) interpretado por Moreira da Silva e Regional de Benedito Lacerda, e Culpe-me
(Herivelto Martins, Odeon 12127) gravado por Francisco Alves e Regional de Benedito Lacerda,
ambas realizadas em 1942.
O terceiro captulo, intitulado O Regional do Canhoto, est divido em duas sees. Na
primeira discorremos sobre a trajetria do conjunto, desde a sada de Benedito Lacerda em 1950 at
o fechamento da emissora Mayrink Veiga, onde trabalhava o regional. Utilizamos como principais
fontes alguns recortes de jornal da poca e depoimentos, especialmente de Canhoto e Jorginho do
Pandeiro. Na segunda seo analisamos os acompanhamentos realizados por Meira no disco
Teleco teco Opus 1 (Phillips 632.788). Trata-se de uma apresentao gravada ao vivo em 1966,
cujos cantores so Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro, e o acompanhamento realizado pelo
Regional do Canhoto.
Nesse primeiro captulo nosso foco ser o incio da trajetria de Meira como violonista.
Dividiremos o captulo em duas partes: Na primeira resgataremos a trajetria de alguns conjuntos
regionais que, ao nosso entender, tem relao direta com o surgimento do grupo Voz do Serto, do
qual Meira fez parte. Mostraremos alguns fatores que contriburam para a migrao de conjuntos
formados por msicos nordestinos especialmente pernambucanos para o Rio de Janeiro, e de
que maneira o intercmbio entre estes e os msicos cariocas tiveram influncia direta na vinda de
Meira para a capital carioca e na sua insero e adaptao ao mercado musical da cidade. Na
segunda parte analisaremos o samba Sacode a Saia Morena, retirado do repertrio do grupo Voz
do Serto. Buscaremos com essa anlise destacar alguns elementos utilizados por Meira no violo
de acompanhamento dos sambas executados pelo conjunto.
Antes de sua vinda para o Rio de Janeiro no ano de 1928, Meira, que morava no interior de
Pernambuco, na cidade de Paudalho, deixa sua cidade natal e muda-se para a capital do estado,
Recife. Sobre esse momento de sua vida, no foi possvel coletar muitas informaes que pudessem
esclarecer nossa pesquisa. O que sabemos que Meira chega ao Rio logo aps o carnaval de 1928,
integrando o conjunto Voz do Serto, liderado pelo bandolinista Luperce Miranda (1904-1977), e
que contava tambm com a participao do cantor Minona Carneiro (1902-1936) e do cavaquinista
Jos Ferreira. Esse conjunto tinha em seu repertrio, alm de gneros caractersticos da msica
urbana carioca, como choros, sambas e valsas, outros gneros pertencentes ao que na poca era
classificado como msica sertaneja8, ou msica regional, como emboladas, cocos, toadas sertanejas,
entre outros. Aspectos musicais mais especficos, especialmente em relao ao violo executado por
Meira em algumas gravaes do conjunto, sero discutidos na segunda seo deste captulo.
Alm do repertrio, um outro elemento que reforava esse carter sertanejo do conjunto
Voz do Serto era a vestimenta: Todos usavam sandlias de couro, leno no pescoo e chapu de
cangaceiro, tendo este ltimo os respectivos apelidos dos integrantes estampados em sua aba, como
comentaremos abaixo. Essa utilizao de elementos que remetiam ao universo sertanejo, por parte
do Voz do Serto, no era uma novidade. Desde o incio do sculo XX, especialmente partir de
meados de 1910, j se criava um contexto que mais tarde favoreceria a vinda para o Rio de Janeiro,
no somente de Meira e dos outros integrantes do Voz do Serto, mas de diversos outros msicos
populares nordestinos que se dedicavam pratica musical semelhante.
Mrcia Taborda (2004) comenta que j havia, no final do sculo XIX uma busca por uma
identidade nacional, atravs do foco na tradio popular. A autora cita o trabalho de diversos
intelectuais, todos com um discurso em comum, voltado para a exaltao do carter brasileiro:
Celso Magalhes publicou em 1873 artigos sobra a poesia popular brasileira; em
1889, Santa-Anna Nery lanou em Paris o Folk-lore Brsilien, apanhado de poesia,
msica e danas populares do Brasil. Em 1897, de Silvio Romero os Cantos
populares do Brasil; Quatro anos mais tarde a vez de Mello Moraes Filho com
Festas e tradies populares do Brasil, e em 1903, Rodrigues Carvalho lanou o
Cancioneiro do Norte (TABORDA, 2004: 145).
A autora cita ainda o romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto,
publicado em folhetins do Jornal do Commercio no ano de 1911, e tambm o peridico Revista do
Brasil, de 1916. O discurso dos organizadores desta ltima afirmava deliberadamente que o
objetivo da revista era constituir um ncleo de propaganda nacionalista, com crticas duras aos
estrangeirismos e pregando a necessidade de um auto conhecimento do Brasil enquanto nao.
8
O termo sertanejo ou serto eram indiscriminadadente usados para se referir ao interior como um todo. Segundo
Oliveira, a msica sertaneja, at 1929, era simbolizada pelos diversos gneros nordestinos que faziam sucesso no
Rio de Janeiro, por exemplo, emboladas e desafios. Para uma discusso mais aprofundada sobre msica seranteja
ver Oliveira (2009).
10
Para tanto, o pas deveria voltar seus olhos para seu interior, ou seja para o serto, e atravs do
conhecimento de suas manifestaes, tradies e costumes, descobrir sua verdadeira essncia.
Segundo a autora, essa postura fez com que o nacionalismo da poca adquirisse forte tendncia
regionalista (Id: 148). Indcio desse aspecto seria a incorporao de temas relacionados ao universo
sertanejo na produo artstico-cultural do Rio de Janeiro nas dcadas de 1910 e 1920. A autora cita
a recorrncia desse tema em revistas teatrais, e no plano musical cita o sucesso da cantiga Caboca
di Caxang, de Joo Pernambuco, com letra de Catullo da Paixo Cearense, que, a partir da sua
publicao no volume Lyra dos Sales, alcanou enorme xito (Id: 148). Outras fontes
bibliogrficas tambm citam a cano de Catullo e Pernambuco como exemplo da moda sertaneja
permeando a criao musical da poca, como podemos ver no verbete msica sertaneja da
Enciclopdia da Msica Brasileira:
Nome genrico sob o qual compositores profissionais urbanos passaram a designar, a
partir do incio da segunda dcada do sc. XX, as estilizaes de ritmos rurais que
denominavam arbitrariamente de modas, toadas, caterets, chulas, emboladas e
batuques, que se identificavam por letras invariavelmente evocativas de beleza
buclica e romntica da paisagem, da vida e da gente do interior, e que, por serem
nascidas e criadas longe das grandes cidades, eram to livres quanto possvel das
influncias norte-americanas e europias sofridas pela cultura urbana. A aceitao
dessas chamadas canes sertanejas comeou na rea popular a partir do sucesso
carnavalesco em 1914, da toada Caboca di Caxang de Joo Pernambuco e
Catullo da Paixo Cearense.9
Aqui podemos ver no campo da msica, um reflexo de um discurso adotado pelos
folcloristas do final do sculo XIX e incio do sculo XX, no campo da literatura, no qual a regio
Norte, ou o interior (que englobava generalisadamente o Norte e o Nordeste), se opunha regio
Sul, ou s grandes cidades: enquanto a primeira seria um lugar intocado pelo cosmopolitismo e
pelo progresso, lugar esse que abrigava a verdadeira brasilidade e a alma da nao, a segunda, cada
vez mais urbanizada e descaracterizada pelos estrangeirismos, aos poucos deixava de ser brasileira
(RIBEIRO, 2003: 44).
9
MSICA SERTANEJA. In: Enciclopdia da Msica Brasileira: popular, erudita e folclrica. So Paulo: Art
Editora: Publifolha, 2000, p. 544-545.
11
No que diz respeito classificao dos gneros, citadas no verbete msica sertaneja,
Allan de Paula Oliveira, em sua tese de doutoramento intitulada Miguilin foi pra cidade ser cantor:
Uma antropologia da msica sertaneja (2009) diz que essas classificaes no eram um discurso
proveniente somente dos compositores, como citado no verbete acima, mas estavam presentes em
toda parte, nos catlogos das casas de gravao, nas partituras impressas pelas editoras, nas pginas
de revistas e jornais, programas de concertos e rtulos de discos. Segundo o autor essas
classificaes oferecem uma ampla possibilidade de anlise dos discursos musicais no somente dos
compositores e msicos, mas tambm do pblico e dos agentes envolvidos na produo comercial
dessa msica (OLIVEIRA, 2009: 207).
O conceito de msica sertaneja das primeiras dcadas do sculo XX englobava uma srie
de gneros, alguns j citados acima, como toadas, emboladas, caterets, chulas, batuques, entre
outros. Segundo Oliveira, o fato de todos esses gneros, sempre associados ao interior e ao meio
rural, serem representados por um nico rtulo, no caso o sertanejo, mostra mais uma vez, que o
interior, especialmente o Nordeste, era tratado de maneira indiferenciada, sendo nessa poca
representado pelo Norte como um todo, partindo do ponto de vista do pblico urbano de msica
popular (Id: 209). O mesmo autor cita o sucesso das canes Luar do Serto e Caboca di
Caxang como exemplo dessa moda sertaneja que abarcou o Rio de Janeiro a partir da dcada de
1910.
Ainda refletindo sobre essa moda, o autor aponta os diferentes planos em que se dava a
representao desse universo: atravs da classificao dos gneros musicais que remetiam ao
interior, ora atravs do acrscimo do adjetivo sertanejo (toada sertaneja, batuque sertanejo,
sapateado sertanejo), ora atravs de gneros que implicitamente eram associados ao nordeste (coco,
embolada, caterete, etc.); atravs das letras das canes, que, a exemplo de Caboca di Caxang,
eram repletas de vocbulos como Caxang, Paje, Jaboato, Santo Amaro (lugares e adjacncias do
estado de Pernambuco), indai, imbiuru, oiticica, gameleira, taquara (rvores e madeiras do
12
nordeste), urutao, choro, jaan, quartau, quic (aves, animais, expresses tpicas), em suas letras
(ALMIRANTE, 1977: 16); ou atravs do plano rtmico/meldico, mas que segundo Oliveira, era
menos frequente. Havia ainda um outro plano, atravs do qual se dava a representao do tipo
sertanejo, que era a indumentria, onde os grupos, alm de executarem gneros pertencentes esse
universo, cantando letras que remetiam ao meio rural, traziam seus componentes todos trajados
como nordestinos tpicos, usando sandlias de couro, leno no pescoo e chapu de cangaceiro,
como mencionamos quando nos referimos ao Voz do Serto, no incio do captulo.
Marlia Trindade Barboza, em seu livro intitulado Luperce Miranda: O Paganini do
Bandolim (2004) cita o depoimento de uma irm de Luperce, Nair, no qual ela revela que esse
hbito de se fantasiar de sertanejo era uma prtica comum no carnaval de Recife:
O Ratinho me carregou no colo muitas vezes. O Calheiros (Augusto Calheiros) era
considerado gente da casa e todos ns chamvamos o Calazans (Jararaca) de nosso
irmo. () Eu e minha irm Aline saamos com o Luperce e o Romualdo para fazer
brincadeiras nas troas e blocos do Recife. () Todos fantasiados de sertanejos, de
caipira, de vaqueiro, tudo de chapu grande com nome na cabea (BARBOZA,
2004: 34).
1.1.2. O Grupo de Caxang e os Oito Batutas
O primeiro grupo ao estilo sertanejo (tal como descrito na seo anterior) que se tem
notcia no Rio de Janeiro foi o Grupo de Caxang. Formado para o carnaval de 1914 e batizado com
esse nome devido ao sucesso da cano Caboca di Caxang, o grupo foi uma das atraes do
carnaval daquele ano, como relata o cantor, pesquisador e radialista Henrique Foreis Domingues
(1908-1980), o Almirante, em seu livro No Tempo de Noel Rosa (1977):
vestimentas tpicas, com nomes de guerra nas palas dobradas dos chapus...
(ALMIRANTE, 1977: 17)
Joo Teixeira Guimares, mais conhecido por Joo Pernambuco (1883-1947), foi um
personagem crucial nesse cenrio de intercmbio cultural entre o Rio de Janeiro e o Nordeste,
durante as primeiras dcadas do sculo XX. Nascido em Jatob, cidade localizada no serto
pernambucano, Joo Pernambuco chega ao Rio de Janeiro em 1904, trazendo juntamente com seus
conhecimentos de ferreiro, atividade que garantiria sua sobrevivncia nos seus primeiros anos na
capital do pas, sua bagagam cultural, adquirida parte no serto de Pernambuco, parte na capital do
estado, Recife. At meados de 1910, trabalhou como ferreiro e calceteiro, at o momento em que o
ento senador Pinheiro Machado arranjou-lhe um emprego de contnuo em uma escola no Largo do
Estcio, o que lhe permitiu dedicar-se com mais assiduidade msica, e aproximar-se de algumas
figuras que se tornariam clebres na histria da msica popular brasileira, como Pixinguinha,
Donga, Caninha e Patrcio Teixeira (Id: 21). Srgio Cabral, em seu livro intitulado Pixinguinha,
Vida e Obra (1978), diz que a relao entre Joo Pernambuco e outros msicos cariocas se
intensificou quando ele foi morar numa espcie de casa de cmodos na Rua do Riachuelo, onde
moravam tambm outros msicos, entre eles Donga (CABRAL, 1978: 37).
Dessa convivncia entre Joo Pernambuco e outros msicos na Rua do Riachuelo, 268,
surgiria o Grupo de Caxang, que, segundo depoimento de Almirante citado acima, teria sido
organizado por Pernambuco para sair no carnaval de 1914. Nessa ocasio, os integrantes do
conjunto eram Pixinguinha (Chico Dunga), Joo Pernambuco (Guajurema), Donga (Z Vicente),
Henrique Manuel de Souza (Man Francisco), Manoel da Costa Nola (Z Porteira), Caninha (Man
Riacho), Osmundo Pinto (Incio da Catingueira) e Jacob Palmieri (Zeca Lima).
14
Cabral diz que aps o carnaval de 1914, a prxima meno ao grupo seria no ano de 1917,
quando o conjunto aparece com vrias modificaes, tendo no seu total 16 integrantes, sendo 7
violes, 3 cavaquinhos, ganz, maraca, 2 trombones e 2 cantores. Podemos notar aqui, que apesar
do Grupo de Caxang ser rotulado como sertanejo, sua formao instrumental tipicamente urbana,
baseada nos grupos de choro, caracterstica esta que ser marcante em todos os conjuntos
descendentes dele, sobre os quais falaremos a seguir.
No carnaval desse ano de 1917, o grande sucesso cantado pelo Grupo de Caxang foi o
conhecido e polmico samba Pelo Telefone, de autoria atribuda a Donga e Mauro de Almeida. O
fato desse samba ter sido registrado por Donga, junto ao Departamento de Direitos Autorais da
Biblioteca Nacional no dia 27/11/1916, mostra, segundo Jos Ramos Tinhoro, que havia nessa
poca, o incio de um processo de profissionalizao dos msicos, compositores e instrumentistas,
sados das camadas mais populares (TINHORO, 1998: 277). O autor cita tambm como exemplo
desse processo de profissionalizao, a reduo do nmero de componentes do Grupo de Caxang
para a formao de outro conjunto, os Oito Batutas. Segundo Tinhoro, atravs do sucesso obtido
pelo Grupo de Caxang que no tinha objetivo comercial nos carnavais anteriores, houve, por
15
parte dos msicos, uma espcie de verificao espontnea de que a arte musical-popular do
grupo, sendo apreciada por um pblico proveniente de outra classe social, assumia um valor de
troca e poderia se transformar em mercadoria (Id: 278-279). A concretizao desse processo de
profissionalizao se deu quando em 1919, Isaac Frankel, ento diretor do Cinema Palais, situado
na Avenida Rio Branco, entre a Rua da Assemblia e a Rua Sete de Setembro, ofereceu a Donga e
Pixinguinha a oportunidade de tocar por dinheiro, sob contrato, na sala de espera do respectivo
cinema. Era o fim do Grupo de Caxang e a formao do clebre e internacional Oito Batutas.
Tambm chamados de Orquestra Tpica, os Oito Batutas estrearam no Palais no dia 7 de
Abril de 1919, com a seguinte formao: Pixinguinha (flauta), Donga (violo), China (violo e
canto), Nelson Alves (cavaquinho), Raul Palmieri (violo), Jacob Palmieri (bandola e reco-reco) e
Jos Alves de Lima (bandolim e ganz). O conjunto era muito semelhante ao seu antecessor Grupo
de Caxang, tanto na formao instrumental (baseada nos instrumentos dos grupos de choro), no
repertrio heterogneo (que inclua desde choros, valsas, sambas at caterets, emboladas, etc.)
quanto na vestimenta.
Sob patrocnio de Arnaldo Guinle, os Oito Batutas realizaram uma srie de viagens pelo
Brasil e exterior. A primeira dessas viagens foi So Paulo, onde no dia 26 de Outubro de 1919 os
Oito Batutas estrearam o espetculo cujo ttulo novamente reforava o apelo ao carter sertanejo:
Uma Noite no Serto. No repertrio sambas, choros, emboladas do Norte, poesias e sapateados
sertanejos. interessante notar que o samba ainda no estabelecido enquanto um gnero
definitivo, tampouco j era visto como msica smbolo da nao por excelncia, contexto que se
estabeleceria no final da dcada de 1920 e incio da dcada de 1930 era apreciado como um ritmo
extico, assim como os cocos, emboladas, e sapateados sertanejos apresentados pelos Oito Batutas,
que apesar de serem um conjunto urbano, carioca, eram classificados sob o rtulo de sertanejos,
como mostra matria publicada no Correio Paulistano, no dia seguinte estria do grupo em So
Paulo:
16
17
18
Alm dos j citados Jos Calazans e Severino Rangel (Jararaca e Ratinho) e Romualdo
Miranda (Bronzeado), os Turunas Pernambucanos contavam com a participao de Cipriano Silva
(Cipoal), Ademar Adour (Cobrinha), Arthur Costa (Sabi) e Robson Thomaz Florncio
(Sapequinha), sendo este ltimo, irmo mais velho de Meira.
Diversas referncias bibliogrficas atribuem a vinda dos Turunas Pernambucanos para o
Rio de Janeiro ao convite feito por Pixinguinha. Porm nos parece que a figura de Joo
Pernambuco, conterrneo e conhecido dos integrantes do conjunto, foi muito importante para a
vinda do grupo, e tambm para uma espcie de migrao de msicos populares do nordeste,
especialmente de Pernambuco, para o Rio de Janeiro. Tanto que quando chegaram ao Rio, segundo
informao presente na biografia de Joo Pernambuco, os Turunas foram morar com este, em sua
residncia situada praa Joo Pessoa, no centro, e poucos dias aps a estria dos Turunas
Pernambucanos no dia 20 de abril de 1922 no mesmo Cine Palais onde haviam feito grande
sucesso os Oito Batutas, com um repertrio que se anunciavam caboclos brasileiros cantando
msicas do norte, emboladas, desafios e cantigas do serto Joo Pernambuco passa a integrar
o grupo, juntamente com Felinto de Morais e Jacob Palmieri (ALMIRANTE, 1977: 33). Quando os
Turunas Pernambucanos chegam ao Rio de Janeiro, os Oito Batutas estavam em sua viagem Paris.
Sobre esse momento Tinhoro diz:
Assim, quando Pixinguinha e seus companheiros partiram para a Europa no navio
Masslia sob o nome de Os Batutas, gozando do patrocnio do milionrio Arnaldo
Guinle, o seu lugar pode ser ocupado no Rio, pelos nordestinos do conjunto Turunas
Pernambucanos que vinham do Recife com Jararaca e Ratinho frente, inaugurar o
ciclo das trocas diretas de influncias culturais regionais (TINHORO, 1972: 237).
19
O cenrio era bem favorvel ao sucesso dos Turunas Pernambucanos, que se encaixaram
muito bem nessa demanda pela msica sertaneja no Rio de Janeiro, afinal, alm de executarem um
repertrio sertanejo, com as mesmas vestimentas caractersticas do Grupo de Caxang e Oito
Batutas, o fato dos Turunas Pernambucanos serem oriundos do nordeste, especificamente de Recife,
reforava o carter regional do grupo e aumentava o efeito de verossimilhana junto ao pblico
(OLIVEIRA, 2009: 217). Porm, a instrumentao continuava sendo a caracterstica da msica
urbana carioca, baseada no trio de choro, formada basicamente por violes, cavaquinho e solista (no
caso o saxofone de Ratinho).
Os Turunas Pernambucanos ficaram durante seis meses no Cine Palais, depois se
transferiram para o Nice, Trianon e Politeama. Posteriormente foram em excurso para So Paulo,
seguindo de l para Buenos Aires, local onde os integrantes do grupo se dispersaram e o conjunto se
encerrou
.
20
poca (TABORDA, 2004: 150). Em fevereiro de 1927 o Correio da Manh realiza o concurso O
que nosso Grande concurso carnavalesco de sambas e maxixes, que segundo Taborda, foi a
consagrao da face regionalista do movimento modernista-nacionalista (Id: 09). Era um
concurso que distribua prmios em dinheiro, pagos pelo Correio da Manh, alm de um lindo
equipamento de som oferecido pela Casa Edison (Id: 71). Os Turunas da Mauricia tiveram grande
destaque no concurso, tendo inclusive seu cantor, Augusto Calheiros, vencido a categoria de Msica
Regional. O conjunto se apresentou no Teatro Lrico no dia 19 de Fevereiro com nmeros bisados
com estrondosas palmas (ALMIRANTE, 1977: 37), e no dia seguinte no palco montado pelo
mesmo concurso no Largo da Carioca, quando o povo ento, em massa, pode apreciar seu
repertrio (Id: 37).
Renato Murce (1900-1987), um dos pioneiros do rdio no Brasil e testemunha importante
dos acontecimentos daquele perodo, diz em seu livro intitulado Bastidores do Rdio (1976) que a
chegada dos Turunas da Mauricia foi um dos fatos mais marcantes no cenrio musical carioca
daquele perodo. Segundo o autor, o repertrio do conjunto, composto por valsas, cocos, emboladas,
sambas e martelos teve de ser trizado, tamanho o sucesso da apresentao no Teatro Lrico. Murce
diz:
Tive a honra de ser um dos apresentadores dos Turunas da Mauricia, para os quais
abriram-se imediatamente todas as portas: rdios, gravadoras, clubes e excurses.
Serviu de estmulo para a vinda, um ano depois, de outro conjunto, a Voz do Serto,
que trouxe Luperce Miranda e um incrvel cantador de emboladas, Minona Carneiro
(MURCE, 1976: 25).
No final de 1927 os Turunas da Mauricia lanaram dez discos pela Odeon. Dentre as
msicas gravadas estava a embolada Pinio de Augusto Calheiros e Luperce Miranda, que ao lado
dos sambas A Malandragem (Bide e Francisco Alves), Amar a Uma S Mulher (Sinh) e da
marcha Eu Fui no Mato, Crioula (Gomes Jnior) foi o grande sucesso do carnaval de 1928
(MARCONDES, 2003).
22
A grande aceitao dos Turunas da Mauricia por parte do pblico carioca, juntamente com
o sucesso da embolada Pinio criaram um ambiente favorvel vinda de Luperce Miranda para o
Rio de Janeiro. Foi quando ele organizou, em Recife, o conjunto Voz do Serto, como relatou Meira
em entrevista ao jornalista Ruy Fabiano, em peridico desconhecido:
At ento minha relao com a msica era de puro amadorismo. O Luperce, animado
com o sucesso do seu conjunto os Turunas da Mauricia, que em 1927 chegara ao
Rio, voltou no ano seguinte a Recife em busca de novos msicos. Acabei atrado pela
idia de ir trabalhar na capital, inclusive porque a essa altura j estava convencido
que meu negcio era mesmo a msica (recorte de jornal presente no acervo pessoal
de Meira em posse de sua filha Yvonne Florencio).
Barboza (2004) cita que trs fatores contriburam para a adaptao rpida de Luperce
Miranda ao ambiente musical carioca: Primeiro a presena marcante dos conjuntos ditos sertanejos,
que h uma dcada e meia, desde o Grupo de Caxang, e mais recentemente os Turunas da
Mauricia, vinham fazendo grande sucesso no cenrio musical no Rio de Janeiro. A autora tambm
destaca a relevncia da presena de Joo Pernambuco no Rio de Janeiro, que por ser ligado aos
msicos de maior renome, tanto do Rio quanto de Pernambuco, funcionava como um elemento de
congraamento entre esses msicos, o que contribua para a adaptao de seus conterrneos ao
23
mercado musical da capital federal. O segundo fator seria a chegada da tecnologia da gravao
eltrica no Brasil, que, sendo usada a partir de julho de 1927, dava incio um crescente processo
de expanso da indstria fonogrfica. E o terceiro fator seria o surgimento da rdio-difuso como
fenmeno de comunicao de massas (BARBOZA, 2004: 64-66). Todos esses fatores contriburam
da mesma maneira para a integrao de Meira ao cenrio musical do Rio de Janeiro, alm,
obviamente, da presena de seu irmo mais velho Robson, e tambm de outros msicos conhecidos
de Recife, como Jararaca e Ratinho, com os quais Meira viria a trabalhar mais tarde.
O conjunto Voz do Serto mantinha a tradio que vinha desde o Grupo de Caxang: sua
instrumentao era formada por violes, cavaquinho e um solista (no caso a bandolim de Luperce)
e todos seus integrantes tocavam trajando-se como sertanejos, usando chapus com os apelidos
estampados nas abas. O repertrio tambm era muito semelhante ao dos conjuntos antecessores,
com sambas, choros, valsas e emboladas.
Desde a chegada do Voz do Serto ao Rio, em 1928, pudemos encontrar registros da
participao do grupo em programas de rdio, como mostram as duas matrias do Jornal do
Commercio10, de junho e novembro de 1928, respectivamente:
Rdio Sociedade do Rio de Janeiro. s 21 horas e 15 min. programma de msica
nacional com o concurso do conjunto Voz do Serto, de pernambuco, composto pelos
Srs. Luprcio (sic) Miranda (bandolim), Romualdo Miranda (violo), Jayme Florence
(violo), Jos Ferreira (cavaquinho) e Minona Carneiro (cantor)
1 parte:
I Choro pelo conjunto Voz do Serto; II Eu sou de Minas Gerais, canto pelo Sr.
M. Carneiro acompanhado pelo conjunto Voz do Serto; III Primoroso, solo pelo
Sr. Lupercio (sic) Miranda, acompanhado pelo conjunto Voz do Serto; IV Ai
Maria, embolada pelo conjunto Voz do Serto; V Canan, canto Sr. M. Carneiro,
acompanhado pelo Voz do Serto; VI Alma e Corao, solo de violo com
acompanhamento do conjunto; VII Serto do Surubim, canto pelo Sr. M. Carneiro;
VIII Solo de violo pelo Sr. Romualdo Miranda; IX Penera as asas, canto pelo sr.
M. Carneiro; X Choro pelo conjunto (Jornal do Commercio,25 e 26/06/1928).
Radio Club do Brasil. Das 21h 05min em diante audio de msicas populares com o
concurso do conjunto regional Voz do Serto, do cantor Ferry Mc Feder e do pianista
10
Registro aqui o agradecimento ao pesquisador Jorge Mello de Carvalho, que gentilmente nos cedeu algumas
reportagens coletadas por ele junto ao banco de peridicos da Biblioteca Nacional.
24
12
Informao presente no verbete Voz do Serto, disponvel no stio http://www.dicionariompb.com.br/grupo-vozdo-sertao, acessado em 26/11/2010.
Sabemos, atravs de depoimentos de pessoas prximas a Meira, inclusive sua filha Yvonne, que seu irmo Robson
faleceu pouco depois de da chegada de Meira ao Rio de Janeiro, vtima de Tuberculose. Porm nenhum dos
entrevistados soube precisar a data de sua morte.
25
que associavam o retrato da nacionalidade a uma imagem extica do cenrio e costumes do Norte e
Nordeste (na poca tratados generalisadamente como Norte), e comercial pois a utilizao destes
adjetivos associados aos produtos artsticos que estavam sendo divulgados ou vendidos os
valorizava e no musical, uma vez que desde o incio da dcada de 1920, j era prtica comum
conjuntos semelhantes ao Voz do Serto, como por exemplo, os Oito Batutas, inclurem em seus
repertrios msicas estrangeiras.
Podemos encontrar esses gneros nos programas citados acima, e tambm na discografia
do Voz do Serto13 , que contm 3 fox-trots e 1 charleston. Aqui importante salientar o fato de que
Meira, desde o incio de sua carreira, j interpretava e sofria influncia da msica estrangeira.
26
ms do lanamento do ltimo disco do grupo), pois j em agosto deste mesmo ano, podemos ver
Meira atuando ao lado de Luperce em outro conjunto chamado Alma do Norte, como mostra a
matria presente no Jornal do Commercio:
Radio Club do Brasil. Das 21:20h em diante audio de msicas regionais do estdio
da Radio Club do Brasil, com o concurso do conjunto Alma do Norte.
Programma: 1 parte - 1. Alma do Norte Choro de Luperce Miranda, executado
pelo autor; 2. Baro Samba de Luperce Miranda, cantada por Manoel Lino e coro
pelo conjunto; 3. Solo de violo por Jayme Florence; 4. Pra Onde Vai, Mui Samba
de Luperce Miranda, cantado por Manuel Lino; 5. Victoria Valsa de Jayme
Florence, executada por Luperce Miranda; 6. Minha Pareia - Samba de Luperce
Miranda, cantado pelo autor da letra Manoel Lino; 7. Solo de violo, por Jayme
Florence. 2 parte 8. Macaco Saru Samba de Luperce Miranda, cantado pelo
autor da letra Manoel Lino; 9. Pra Frente Que se Anda Choro executado pelo
autor Luperce Miranda, e Jayme Florence; 10. Risonha Valsa alegre pelo autor
Luperce Miranda; 11. Solo de violo por Jayme Florence; 12. Manda Vir Samba
pelo Manoel Lino; 13. Moto Contnuo pelo autor Luperce Miranda (Jornal do
Commercio, 14/08/1929).
Meira, que conhecido como um grande violonista de acompanhamento, aqui aparece
como solista de violo, fato tambm citado em diversos depoimentos, inclusive duas entrevistas que
realizamos com seus alunos Maurcio Carrilho e Pedro Menna Barreto. Ambos relataram ter visto,
na casa de Meira, um recorte de jornal contendo o programa de uma audio na qual Meira atuou ao
lado do violonista paraguaio Agustin Barrios, em meados dos anos 1930. Infelizmente esse recorte
se perdeu, juntamente com a deteriorizao de parte do acervo documental de Meira. Nessa matria
encontramos tambm o registro mais antigo de uma composio de Meira, a valsa Victoria. o
nico registro desta pea, que no foi encontrada na discografia de Meira enquanto compositor.
Aps a dissoluo do Voz do Serto, Meira aparece atuando em algumas apresentaes
isoladas, como esta junto ao conjunto Alma do Norte mencionada acima, e tambm em algumas
gravaes, mais frequentemente ao lado de Luperce Miranda e do pioneiro violonista de 7 cordas
Artur de Souza Nascimento, o Tute.
O sucesso dos Turunas da Mauricia e do Voz do Serto motivaram ainda a criao de
outros conjuntos no Rio de Janeiro, formados por msicos cariocas. Eram Os Gaturamos, que
27
tinham como cantor Renato Murce e dentre seus instrumentistas o violonista Rogrio Guimares; o
Flor do Tempo, que contava com a participao de Braguinha, do violonista Henrique Brito e
posteriormente de Almirante; e o Bando de Tangars, que alm destes ltimos trs msicos citados,
tinha ainda entre seus integrantes Noel Rosa. Murce conta que seu grupo, os Gaturamos, procurava
cantar, nas festas e apresentaes no rdio, o repertrio completo dos Turunas da Mauricia e do
Voz do Serto (MURCE, 1976: 25). J Srgio Cabral, em seu livro intitulado No tempo do
Almirante (1990), diz que o repertrio nordestino do Flor do Tempo era sem dvida, resultado da
poderosa influncia do grupo Turunas da Mauricia na juventude carioca (CABRAL, 1990: 45).
1.1.5. Consideraes
28
foi se estabilizando como A msica urbana carioca por excelncia, a partir do final da dcada de
1920, e as gravadoras e rdios se incumbiram de registr-la e divulg-la em grande escala,
abandonam seus chapus de cangaceiros e passam a ser pea fundamental nesse crescente mercado
da msica popular. O termo Regional deixa de ser uma classificao arbitrria e passa a ser
sinnimo de conjunto composto por violes, cavaquinho, solista e percusso (pandeiro, na maioria
das vezes) destinado ao acompanhamento de diversos gneros, predominantemente o samba e o
choro. A atuao de Meira nos Conjuntos Regionais de Benedito Lacerda e de Canhoto o assunto
dos prximos captulos. Antes, faremos a anlise dos acompanhamentos de Meira na gravao
selecionada do conjunto Voz do Serto.
Nesta seo faremos a anlise da gravao do samba Sacode a Saia Morena. Composto
por Minona Carneiro em parceria com Luperce Miranda, cantor e bandolinista do grupo Voz do
Serto respectivamente, esse samba o lado A de um 78 rpm gravado em 1928 pela Odeon (10220).
Utilizaremos nessa anlise parte da metodologia proposta por Phillip Tagg. Primeiramente
elaboraremos a grade musemtica da pea.No caso de Sacode a Saia, os musemas que tero mais
ateno sero os relacionados especificamente ao violo. Os principais aspectos comentados sero
as levadas, condues de baixos e elementos referentes a harmonia14. Aps destacarmos os
principais elementos, passaremos para a etapa de transcrio para a partitura e descrio destes
musemas. Estes ltimos so comparados com elementos musicais semelhantes no repertrio
tradicional do choro e msica regional.
14
Para os aspectos referentes a harmonia utilizaremos a cifragem alfabtica tradicional, a anlise das funes
harmnicas ser feita com base nosconceitos elaborados por Ian Guest em seu livro Harmonia Mtodo Prtico
(2006).
29
'20
REFRO
INSTRUMENTAL
1
'34
PARTE 'A'
'38
MOTE
PARTE CANTADA
1
'56
REFRO
INSTRUMENTAL
2
1'10
PARTE 'A'
1'15
MOTE
PARTE CANTADA
2
1'33
REFRO
INSTRUMENTAL
3
30
PARTE 'A'
1'46 1'51
MOTE
PARTE CANTADA
3
2'09
REFRO
INSTRUMENTAL
4
PARTE 'A'
2'23
2'27
MOTE
PARTE CANTADA
4
2'45
REFRO
INSTRUMENTAL
5
31
ver na grade musemtica, alguns musemas se repetem durante a pea. Porm sempre existem
algumas pequenas diferenas entre duas ocorrncias do mesmo musema. Nesse caso optamos por
trancrever o trecho onde os violes estivessem mais audveis, lembrando que pela baixa qualidade
da gravao algumas trasncries so aproximadas. A minutagem presente na legenda de cada
exemplo musical corresponde ao trecho mais audvel escolhido para a transcrio.
A pea se inicia com o refro instrumental de dezesseis compassos, que consiste em dois
trechos semelhantes de oito compassos. Este trecho de oito compassos pode ainda ser dividido em
dois segmentos de quatro compassos, onde em cada um deles encontramos um musema que
chamamos de sequncia harmnica e conduo de baixos caractersticos do choro(doravante
classificados como S). Apesar de termos classificados ambos os trechos com o mesmo nome,
difereciaremos um do outro por S1 e S2, pois alm de serem duas sequncias distintas de
acordes, h uma diferena de dinmica entre os dois trechos. No primeiro nota-se uma dinmica
forte, com acentuaes nos ataques dos baixos, enquanto no segundo h uma dinmica piano, com
menos enfase nos baixos. Portanto, os primeiros quatro compassos do refro instrumental
chamaremos de S1, e os ltimos quatro de S2.
Abaixo seguem os exemplos das duas sequncias harmnicas:
S1:
S2:
2/4 || B7
|| A/C#
B/A | E/G#
Am/C | E
G | F#m
B7 | E
% ||
C#7 | F#7
B7 | E
% ||
32
polca e maxixe, pertencentes ao universo do choro. Os exemplos mais audveis sero descritos a
seguir. Optamos por nmerar os exemplos de levadas por ordem de ocorrncia na pea.
O primeiro exemplo de levada de polca o musema que chamamos de S1 com levada de
polca 1 que ocorre logo no primeiro refro instrumental:
Em todas as levadas que sero descritas durante o trabalho, as notas mais graves, com as
hastes direcionadas para baixo, so executadas pelo polegar (P), enquanto os grupos de notas com
as hastes direcionadas para cima so executadas pelo que chamaremos daqui por diante de bloco.
O bloco formado pelos dedos indicador (i), mdio (m) e anular (a).
Logo aps encontramos outro musema, que chamamos de frase cromtica nos baixos.
Ele ocorre 2 vezes em cada refro instrumental, entre a S1 e S2, conduzindo a mudana do
acorde E para o acorde A/C#. Assim como as S1 e S2, este musema tambm um elemento que
nos remete a linguagem do choro:
Encontramos este musema tambm na S1 do refro instrumental 3, mas dessa vez com
33
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de semelhana com o musema S2 com levada de polca 4 - amaxixada. A diferena est no grupo
de quatro semicolcheias, que no musema por ns descrito encontra-se na primeira unidade de tempo
do segundo compasso, enquanto no exemplo de Maurcio esta se encontra na ltima unidade de
tempo do respectivo compasso.
O refro instrumental, como dissemos anteriormente, ocorre cinco vezes durante a pea.
Os cinco musemas citados acima foram retirados da primeira ocorrncia deste trecho.
No refro instrumental 2 encontramos um outro musema, que classificamos como S2 com
levada de polca 5. Deste trecho retiramos uma outra variao de levada de polca, descrita abaixo:
Uma outra variao encontrada, que seria recorrente no terceiro, quarto e quinto refres
instrumentais, o musema que chamamos de S1 com padro rtmico do violo correspondente
melodia do bandolim. Optamos por essa classificao pois, ao nosso entender, a levada feita pelo
violo neste trecho cumpre a funo de reforar a diviso rtmica da melodia feita pelo bandolim.
Tambm no refro instrumental 3 identificamos o musema S2 com levada de maxixe:
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Maxixe
Logo em seguida do refro instrumental se inicia a parte cantada. Nela podemos notar uma
mudana, no somente na tonalidade (que passa a ser Si maior) e na instrumentao (entra a voz),
como tambm no acompanhamento. Enquanto no refro instrumental tnhamos quase sempre um
acorde por unidade de tempo, na parte cantada o mesmo acorde se mantm por at trs compassos
em alguns trechos. Com essa diminuio no movimento harmnico, o acompanhamento passa a ter
um caratr menos meldico, com menos movimento nos baixos e com mais enfase no aspecto
rtmico-harmnico, ou seja, nas levadas. Nota-se tambm uma dinmica piano por parte do
acompanhamento em relao ao refro instrumental. Isso faz com que o conjunto, nesse momento,
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fique como pano de fundo em relao ao principal elemento deste trecho, no caso a voz de
Minona Carneiro.
Durante as quatro ocorrncias da parte cantada, destacamos trs levadas que sero
descritas a seguir. A primeira delas o musema que chamamos de levada de embolada.
Escolhemos essa denominao pela presena deste padro rtmico em outras gravaes do Voz do
Serto, algumas classificadas como emboladas, ou samba de embolada. Uma caracterstica
marcante dessa levada seu carter percussivo, causado pelo ataque do polegar de Meira,
provocando uma espcie de efeito zabumba:
Nessa levada, podemos notar atravs da audio, que Meira faz uso do pizzicato, abafando
as cordas do violo, provavelmente com a prpria mo que executa a levada, encostando a lateral da
mo levemente nas cordas para cortar o som. Por ser uma caracterstica marcante da gramtica de
acompanhamento de samba, podemos classificar esse pizzicato tambm como um musema. A
utilizao desse musema aumenta o carter percussivo do violo. Outro fator que enfatiza esse
carter percussivo o fato de Meira atacar trs notas ao mesmo tempo com o polegar, acentuando a
regio grave do violo, ao contrrio dos padres descritos anteriormente onde Meira atacava apenas
uma nota com o polegar.
A segunda levada que iremos descrever o fragmento encontrado na parte cantada 2, que
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40
Dentro deste musema descrito acima encontramos um outro musema, que chamamos de
frase de baixo caracterstica do maxixe. Ele ocorre na ltima unidade de tempo do sexto
compasso e tem como principal elemento a sncope caracterstica. Encontramos este musema
tambm num pequeno trecho da S2 do refro instrumental 5:
1.2.3. Consideraes
contornos definidos no Rio de Janeiro, entre 1928 e 1932 aproximadamente (SANDRONI, 2001:
98). O autor adota o discurso de que existiam, nesse perodo, dois tipos de samba no Rio de Janeiro:
O samba no estilo antigo, amaxixado, rstico, uma mistura de elementos folclricos e populares,
sempre associado a casa das Tias Baianas especialmente a Tia Ciata e aos seus frequentadores
mais ilustres, como Donga, Joo da Baiana e Sinh; e um segundo tipo de samba, de estilo novo,
do Estcio, dos blocos e botequins, que teria como grandes representantes Ismael Silva, Bide,
Brancura, entre inmeros outros (Id: 131).
Seguindo essa linha de raciocnio, podemos dizer que Sacode a Saia Morena, que foi
lanada em agosto de 1928, se aproxima mais dos sambas no estilo antigo. Porm, ouvindo os tais
sambas do Voz do Serto, e tambm de outros conjuntos nordestinos, como os Turunas da
Mauricia, percebemos um inegvel sotaque nordestino, e por que no dizer, sertanejo, justificado
tanto pela ascendncia geogrfica dos seus componentes quanto pelo apelo comercial que essa
msica exercia no Rio de Janeiro de ento, conforme vimos anteriormente.
Dentre as 12 gravaes do Voz do Serto que tivemos acesso 3 foram lanadas como
samba e outras 3 como embolada. Uma das composies classificada como embolada, Xou Juriti,
consta em um dos programas de rdio citados na primeira seo deste captulo como samba de
embolada. As caractersticas de todas essas peas so semelhantes, tanto na forma
predominantemente a mesma de Sacode a Saia Morena - quanto nos padres rtmicos de
acompanhamento, na utilizao de elementos da linguagem do choro e tambm na recorrncia de
temas e termos tpicos do interior, especialmente do Norte.
Ao nosso entender Sacode a Saia Morena uma espcie de colcha de retalhos, que
engloba elementos provenientes de diversas matrizes que podemos chamar de rsticas, ou
tradicionais. Segundo Ulha, Arago e Trotta, essa hibridizao e heterogeneidade caracterizam
uma espcie de bricolagem, pela juno de elementos tradicionais retirados de seus contextos
(ULHA, ARAGO e TROTTA, 2001: 350).
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Podemos comear citando a variao de andamento presente na pea. Esse fator faz com
que a gravao se assemelhe uma performance ao vivo, onde os msicos, no calor da execuo,
fazem uma msica que comeou num andamento de aproximadamente 90 bpm terminar em 108
bpm! Um outro elemento que podemos dizer que de matriz tradicional so as quadras de versos
que compem a parte cantada. Trechos como quem se casa com caboclo, sobe serra desce serra,
sacode a saia morena pra'essa quadrilha dan, nos remetem ao interior e reforam esse carter
rural, assim como a repetio do primeiro verso aps o terceiro, cantado pelo coro, funcionando
como uma espcie de canto responsorial.
Em Sacode a Saia Morena, assim como nos outros sambas do Voz do Serto, a parte
cantada onde notamos maior presena de elementos nordestinos. Esse sotaque tambm est
presente no violo de Meira, pois foi nesse trecho que encontramos predominantemente o musema
que chamamos de levada de embolada (efeito zabumba). Padres semelhantes foram encontrados
nas outras gravaes do conjunto, sempre nos trechos cantados.
Nos refres instrumentais encontramos predominantemente elementos que nos remeteram
a linguagem do choro. Primeiro identificamos as duas sequncias harmnicas e condues de baixo
caractersticas, que chamamos de S1 e S2. Depois descrevemos algumas das variaes de
levadas polca e maxixe junto as quais essas sequncias eram executadas. Vimos tambm as
frases executadas pelos baixos do violo, algumas cromticas em grupos de quatro e oito
semicolcheias e outras caracterizadas pela sncope caracterstica.
Podemos dizer que com a indstria fonogrfica ainda incipiente, havia uma predominncia
de elementos rsticos nas gravaes daquele perodo. No captulo seguinte veremos os elementos
utilizados por Meira que contriburam para a consolidao de padres de acompanhamento no
samba, a partir de sua entrada para o Conjunto Regional de Benedito Lacerda.
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Neste captulo nosso foco ser a atividade de Meira como violonista do Regional de
Benedito Lacerda e posteriormene do Regional do Canhoto. Dividiremos o captulo em trs sees:
iniciaremos com alguns dados correspondentes ao perodo entre 1929 e 1937, respectivamente os
anos em que o Voz do Serto encerrou suas atividades e que Meira entrou para o Regional de
Benedito Lacerda. Na segunda seo nosso foco ser sobre as gravaes de Meira ao lado do
Regional de Benedito Lacerda, e na terceira seo analisaremos as gravaes posteriores ao ano de
1951, quando o conjunto j era dirigido por Canhoto.
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Ilustrao 8: Casa de Caboclo em 1932. Da esquerda para direita em p: 1-Artur Costa, 2-Prola
Negra, 7-Ratinho, 8-Joo Lino, 9-Jararaca, 11-Filha de Duque, 13-Dercy Gonalves. Sentados: 2-Joo
Frazo, 3-Vidraa, 4-Canhoto, 6-Joo de Deus, 7-Romualdo Miranda, 8-Meira, 9-Noel Rosa
(RODRIGUES, 1983: 55)
Como podemos ver a Casa de Caboclo era um espao onde alguns dos msicos vindos de
Pernambuco citados no captulo anteiror encontravam trabalho, no incio da dcada de 1930. Na
foto acima podemos ver alm de Meira, Joo Frazo, Romualdo Miranda, Jararaca e Ratinho., todos
integrantes ou do Voz do Serto, dos Turunas Pernambucanos ou dos Turunas da Mauricia.
Outro msico presente na foto e que tambm teria tido contato com Meira nesse perodo
Noel Rosa. Em um depoimento ao jornalista Ruy Fabiano, Meira conta como teria conhecido Noel,
no ano de 1929:
Nessa poca eu morava em Vila Isabel, e um vizinho me falara de Noel, que estava
querendo se lanar como compositor e insistia em me mostras suas habilidades.
Aceitei o convite e ele foi a minha casa, acompanhado de seu irmo Hlio, que
tocava violo muito bem. Noel cantou sambas e emboladas e eu fiquei impressionado
com a criatividade daquele menino. No ano seguinte, em 1930, ele comeava a fazer
sucesso (Depoimento de Meira ao jornalsta Ruy Fabiano, publicado em peridico
desconhecido, s.d)
46
A discografia completa da obra de Meira como compositor encontra-se nos apndices deste trabalho.
47
presente no livro Samba de Sambar do Estcio: 1928-1931, escrito por Humberto M. Franceschi,
Benedito Lacerda, por volta de 1928, tocava flauta nos ranchos do Estcio e surdo na Deixa falar
(FRANSCESCHI, 2010: 133), simbolicamente conhecida como a primeira escola de samba do Rio
de Janeiro. Benedito morava na Rua Maia de Lacerda, localizada no Estcio, bairro que ficou
conhecido como reduto dos sambistas de destaque no perodo compreendido entre 1928 e 1933
aproximadamente, considerado por grande parte dos historiadores e estudiosos da msica popular
brasileira, especialmente do samba, crucial para as transformaes musicais que resultariam no
samba tal qual reconhecido at os dias de hoje.
Sobre essas transformaes Sandroni nos diz que uma das diferenas mais marcantes entre
os dois estilos de samba, o antigo (anterior ao perodo citado) e o novo (posterior ao perodo
citado), a recorrncia de um padro rtmico por ele chamado de paradigma do tresillo no
primeiro, enquanto no segundo h a predominncia do padro que ele classificou como paradigma
do estcio:
Paradigma do tresillo
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O primeiro exemplo acima, Sandroni diz que uma clula muito comum, por exemplo, nas
palmas que acompanham o samba-de-roda baiano, o coco nordestino e o partido-alto carioca. J os
outros trs exemplos o autor cita como padres rtmicos de acompanhamento muito comuns aos
instrumentos de acompanhamento, presentes tanto nas partituras impressas do final do sculo XIX e
incio do sculo XX, como tambm nas gravaes de tangos, choros, lundus, maxixes e sambas nas
primeiras dcadas do sculo XX (SANDRONI, 2001: 28-31). De fato, duas das variaes do
paradigma do tresillo podem ser encontradas nos musemas de Sacode a Saia Morena transcritos
no captulo anterior.
Logo abaixo vemos o exemplo do que Sandroni classifica como paradigma do estcio:
Paradigma do estcio
Segundo Sandroni, sua inteno inicial era pesquisar essas transformaes analisando os
padres de acompanhamento do violo presente nas gravaes entre 1928 e 1932. Porm o autor
encontrou um grande nmero de gravaes cuja maioria dos acompanhamentos era feito por
orquestra. Devido a esse fato, os exemplos de Sandroni que vo muito alm destes descritos
acima16 so baseados em instrumentos de percusso presentes em gravaes posteriores (cito
acima dois exemplos trechos executados por tamborim e cuca), e tambm nas transcries de
melodias presentes em gravaes do referido perodo, que segundo o autor eram construdas
16
Para uma discusso mais aprofundada sobre as transformaes do samba no Rio de Janeiro cf. Sandroni (2001) e
sobre a importncia do bairro do Estcio nessas transformaes cf. Franceschi (2010).
49
50
51
prprio Benedito Lacerda, conforme mencionamos no incio desta seo). Almirante afirma que a
gravao do samba Na Pavuna, de sua autoria em parceria com Homero Dornellas, foi pioneira
por ter sido a primeira a utilizar a batucada prpria das escolas de samba (ALMIRANTE, 1977:
68). De fato, consultando o acervo musical disponvel no stio do Instituto Moreira Salles, no
encontramos nenhuma gravao anterior a de Na Pavuna, gravada em dezembro de 1929 pelo
Bando de Tangars, que tivesse a presena dos instrumentos de percusso prprios das escolas de
samba, como Almirante se referiu aos tamborins, reco-recos, cucas, pandeiros e surdos presentes
na gravao. Porm nos parece sensato atribuir ao Gente do Morro uma espcie de consolidao da
batucada nas gravaes de samba, devido ao uso sitemtico deste recurso nas gravaes encontradas
do conjunto (a primeira foi lanada em maio de 1930), ao passo que nos registros fonogrficos do
Bando de Tangars a presena da batucada no to recorrente.
Desta maneira podemos dizer que Benedito Lacerda teve um papel fundamental na
consolidao de um novo formato de conjunto (aglutinando o j tradicional Regional de Choro
formado por dois violes, cavaquinho e solista aos instrumentos de percusso), formato este que foi
muito utilizado pelas gravadoras e rdios desde aproximadamente 1930, e continua muito comum
at os dias de hoje.
O grupo sofreu vrias mudanas, a primeira delas foi em 1932, com a entrada de Waldiro
Frederico Tramontano, o Canhoto, no cavaquinho, segundo depoimento do prprio Canhoto17. J
em 1934 h registros de uma excurso feita pelo Gente do Morro a Campos dos Goitacazes, Muqui
e Vitria, na qual o grupo j se via bastante modificado, tendo Macrino e Coringa nos violes,
Russo no pandeiro, Bernardo e Doidinho na percusso, alm da ilustre presena de Noel Rosa
(ALMIRANTE, 1977: 119). Canhoto conta que durante essa viagem as pessoas perguntavam
porque os integrantes do grupo, j que eram gente do morro, no usavam tamancos? Segundo
Canhoto o nome Gente do Morro atraa certo preconceito por parte do pblico, e na volta dessa
17
Depoimento de Canhoto a Zuza Homem de Mello, presente no encarte do disco O Choro dos Chores (RCA
Camden 107.0267)
52
excurso optaram por mudar o nome para Conjunto Regional de Benedito Lacerda.
Em 1935 novas mudanas, os violonistas passam a ser Carlos Lentine e Nei Orestes, at
que, aps uma viagem do Regional a Buenos Aires, Nei Orestes volta adoecido e em seu lugar entra
Horondino Silva, o Dino 7 Cordas, em fevereiro de 1937. Importante ressaltar que Dino ainda no
tocava o violo de 7 cordas nesse perodo. Ainda nesse ano de 1937 Popeye substitui Russo ao
pandeiro, e Meira substitui Carlos Lentini no segundo violo no ms de julho. A partir de ento o
trio de acompanhamento Dino-Meira-Canhoto, considerado por muitos o mais importante ncleo de
acompanhamento da msica popular brasileira, atuaria junto por aproximadamente 45 anos.
Essa ltima formao se manteve at o ano de 1946, quando o percussionista Gilson de
Freitas substitui Popeye no pandeiro. Tambm foi nesse ano que Pixinguinha entrou para o
Regional, quando fez um acordo com Benedito Lacerda, no qual este ltimo conseguiu um contrato
com a gravadora Victor para realizar uma srie de gravaes, inclundo composies de
Pixinguinha. Em troca Benedito tornaria-se parceiro nessas composies. Certo ou errado, o fato
que o fruto desse acordo so 33 gravaes histricas da dupla acompanhada pelo Regional, alm de
outras gravaes com cantores, nas quais Pixinguinha junta-se ao Regional executando
contrapontos ao saxofone.
O Regional de Benedito Lacerda assinava contratos exclusivos com gravadoras. Buscando
gravaes realizadas entre 1937 e 1950, encontramos, em diferentes perodos, fonogramas lanados
pela Columbia, Odeon e pela Victor. Porm, para poder gravar acompanhando cantores que eram
exclusivos de outra gravadora, o grupo utilizava o pseudnimo Bomios da Cidade. At o ano de
1951 o conjunto realizou centenas de gravaes, predominantemente de sambas, choros e marchas,
acompanhando os mais importantes cantores da poca. Podemos citar alguns destes nomes, como
Carmen Miranda, Slvio Caldas, Orlando Silva, Francisco Alves, Isaura Garcia, Dalva de Oliveira,
Linda Batista, dentre inmeros otros cantores e cantoras. O grupo gravou sob diversos nomes,
Conjunto Regional de Benedito Lacerda, Regional de benedito Lacerda, Benedito lacerda e Seu
53
Regional e Bomios da Cidade. A partir de 1951, Benedito se afasta do conjunto, que passa a ser
liderado pelo cavaquinista Canhoto. Sobre esse perodo nos aprofundaremos na seo 4 deste
captulo. Antes, analisaremos trs gravaes retiradas do repertrio do Regional em questo.
2.2.1 Anlises
54
0'19''
INTRODUO
0'38''
PARTE A
1
0'58''
PARTE A
2
1'17''
PARTE B
1
1'36''
PARTE A INST.
V1
V2
55
1'55''
PARTE A
3
2'14''
PARTE B
2
2'32''
PARTE A
4
2'52''
INTRODUO
56
tambm pelas letras, quase sempre com temas que fazem referncia gafieira, como o caso deste
samba.
Encontramos trs trechos principais neste samba: introduo, que ocorre no incio e final
da pea; parte A, que aparece por cinco vezes, sendo uma delas instrumental; e parte B, que ocorre
duas vezes. Todos estes trechos so compostos por dezesseis compassos. Um fator comum a todos
os trechos a mudana no rtmo harmnico nos quatro ltimos compassos de cada segmento de
dezesseis. Enquanto nos doze primeiros compassos os acordes tem durao mais longa, de um, at
dois compassos, nos quatro ltimos temos dois acordes por compasso, ou seja, cada acorde dura
uma unidade de tempo. Esse aspecto faz com que a levada fique mais perceptvel nos compassos
onde h menor movimentao harmnica. Isso acontece porque a levada desse samba, que
chamamos de teleco-teco, dura dois compassos, que so repetidos de maneira cclica. Quando h
maior movimentao na harmonia, como no caso dos ltimos quatro compassos de cada trecho, essa
mudana gera uma quebra na continuidade da levada. Como a gravao no nos oferece uma
qualidade suficiente para descrever a execuo dos violes com preciso, no foi possvel
identificar a levada executada por Meira nesse momento (ao passo que os baixos executados por
Dino so bem acentuados e perceptveis), por isso encontramos na grade musemtica um pequeno
segmento em branco nos finais de cada trecho, presente no violo de Meira.
Assim como frisamos no captulo anterior, as transcries, especialmente das levadas, so
aproximadas, uma vez que a baixa qualidade da gravao dificulta a escuta precisa dos blocos de
acordes e das diversas variaes executadas nos padres de acompanhamento. Escolhemos os
trechos onde os musemas pudessem ser ouvidos com maior grau de clareza, para poder realizar as
transcries que viro a seguir.
57
Algumas caractersticas nos levaram a classificar esse musema dessa maneira: primeiro,
18
O nome teleco-teco no um termo consagrado no meio dos msicos acompanhadores de samba e choro. Escutei
alguns amigos msicos da cidade de So Paulo utilizando este termo, e achei-o adequado ao presente trabalho, uma
vez que teleco-teco uma espcie de onomatopia da batucada, caracterstica fundamerntal da levada em questo.
58
Uma outra variao da levada teleco-teco encontrada no samba Amanh Eu Volto a que
est descrita logo abaixo:
59
Essa levada est presente em diversas gravaes do Regional de Benedito Lacerda que
tivemos acesso. Novamente usaremos um trecho extrado do samba Pode Ser para exemplificar
uma outra variao da levada teleco-teco:
Uma das grandes dificuldades que encontramos na transcrio dessas levadas a constante
variao da utilizao dos dedos i m a. So variaes sutis, muitas vezes imperceptveis nessas
gravaes de 78 rpm. Abaixo mostraremos a digitao utilizada nos diferentes padres encontrados.
60
O que vemos nas levadas descritas anteriormente so diversas combinaes que utilizam
esses padres expostos logo acima. Nestes dois ltimos exemplos, que esto presentes na levada
teleco-teco retirada do samba Pode Ser, podemos notar que o dedo i, assim como o dedo m, tocam
61
duas notas com o mesmo ataque. um toque no qual o mesmo dedo raspa ascendentemente duas
ou mais cordas, ao invs de pinar uma a uma. o mesmo procedimento que ocorre com o polegar
quando ataca mais de uma nota ao mesmo tempo.
impossvel ouvir com exatido quais as notas atacadas simultaneamente com um nico
golpe, seja ele descendente do polegar, ou ascendente dos dedos i, m, a. Quando h, em algum
trecho das transcries, duas notas sendo atacadas simultaneamente pelo polegar como por
exemplo, no quarto compasso do exemplo musical 15 uma tentativa de representar o som grave
e mais denso, decorrente do ataque das notas graves de um respectivo acorde, porm esse ataque
pode variar, sendo em duas ou mais notas do acorde.
Um trao marcante dessa levada sua caracterstica percussiva. Os golpes do polegar e dos
dedos i, m, a, conforme descritos nos dois pargrafos anteriores, acentuados pelo ato de abafar as
cordas com a lateral da mo direita enquanto se executa a levada (conforme descrito no captulo
anterior) juntamente com a utilizao de clulas rtmicas caractersticas dos instrumentos de
percusso do samba, fazem com que o violo toque um motivo rtmico que remete a batucada, razo
pela qual a levada foi apelidada de teleco-teco.
Mrcia Taborda, em sua dissertao de mestrado intitulada Dino Sete Cordas e o
acompanhamento de violo na msica popular brasileira cita uma levada que, segundo a autora,
teria sido criada por Dino. Essa levada, que Taborda cita como o famoso violo-tamborim, batida
criada por Dino para o acompanhamento de sambas (TABORDA, 1995: 70), tem caractersticas
muito semelhantes a levada que chamamos de teleco-teco, como mostra o exemplo retirado do
trabalho de Taborda (Id: 70):
62
Jorginho do Pandeiro, irmo de Dino, tambm mencionou essa levada como sendo uma
possvel criao de Dino, como mostra o trecho de seu depoimento ao autor:
Voc diz a batucada? Eu vou te contar. O Dino, quando comeou a gravar, tinha o
Risadinha, que fazia no pandeiro a mesma batida que eu fao. E o Dino comeou a
fazer essa batida no violo, talvez seja isso que chamam de raspadeira [levada telecoteco] () E tem uns sambas antigos que o Dino crava essa batucada, e o Canhoto e
o Meira fazem tambm. Por isso que o conjunto tinha aquela personalidade. Voc
ouvia de longe e j sabia que era Dino, Canhoto e Meira (Entrevista com Jorginho do
Pandeiro, concedida ao autor em 07/05/2010).
Taborda afirma em seu trabalho que a primeira gravao do Regional de Benedito Lacerda
com a participao de Dino foi realizada em 17/03/1937. Sabendo atravs do depoimento de
Canhoto citado anteriormente que Meira entrou para o Regional em julho deste mesmo ano, fomos
consultar as gravaes de samba do conjunto, realizadas nesse perodo entre a entrada de Dino e
Meira. O que percebemos foi que Dino no realizava esse padro de acompanhamento nas
gravaes consultadas, anteriores a entrada de Meira no conjunto. No queremos dizer com isso que
Meira foi o criador da levada teleco-teco, ou violo-tamborim, mas sim atribuir ao conjunto
essa consolidao de uma maneira batucada de executar os padres rtmicos de acompanhamento
realizados pelos instrumentos de corda do Regional.
Podemos notar atravs da levada teleco-teco a incorporao de alguns elementos
descritos nas transformaes do samba: o polegar executa predominantemente uma clula rtmica,
na regio grave do violo, que pode ser associado um surdo de marcao:
Muitas vezes esse efeito surdo reforado pela alternncia do baixo em I-V-I, como
63
mostra o exemplo musical 15, que juntamente com a clula rtmica presente na transcrio acima
reproduz a acentuao rtmica dos surdos de primeira, de segunda e de corte19.
As clulas rtmicas executadas pelo bloco (i m a), tambm podem ser associados
instrumentos de percusso do samba de timbres mais agudos, por exemplo, o tamborim, conforme
mostra o exemplo abaixo, extrado dos primeiros compassos do exemplo musical 15:
Podemos notar uma semelhana entre essa levada e o paradigma do Estcio. Vejamos
abaixo os dois exemplos:
Paradigma do estcio
Levada Teleco-teco
19
Segundo o percussionista Oscar Bolo, surdo de primeira, em compasso binrio, tem como caracterstica um ataque
grave e acentuado na segunda semnima do compasso, enquanto na primeira semnima o couro abafado. J o surdo
de segunda, ou de resposta, faz o contrrio, tem um ataque na primeira semnima, porm um surdo com afinao
mais aguda, o que faz com que o surdo de primeira seja sempre mais grave, e determine a pulsao principal. J o
surdo de corte tem como caracterstica a colcheia pontuada e a semicolcheia, como mostra o exemplo musical da p.
63.
64
65
informal, que a levada teleco-teco era muito comum no final dos anos de 1930 e incio da dcada
de 1940, porm, Meira e Dino, por atuarem no Regional de maior destaque na poca, tanto no rdio
quanto na indstria fonogrfica, foram os grandes responsveis pela consolidao desta maneira de
acompanhar, que influenciou na maneira de tocar de outros violonistas.
Jos Paulo Becker, em sua dissertao de mestrado intitulada O acompanhamento do
violo de seis cordas no choro a partir de sua viso no conjunto poca de Ouro (1996), elabora
uma srie de transcries de acompanhamentos de choros, baseadas nas execues de Toni Azeredo.
Numa dessas transcries, do choro Receita de Samba, de Jacob do Bandolim, podemos encontrar
uma levada muito parecida com a que chamamos de teleco-teco (BECKER, 1996: 108):
Podemos citar um outro exemplo, bem mais recente, de uma utilizao de padro rtmico
semelhante. Trata-se da gravao do choro Alumiando, de Maurcio Carrilho e Joo Lyra,
presente no disco do Regional Carioca, lanado em 201020. Segue abaixo um trecho extrado do
incio da gravao:
20
Interessante aqui citar um trecho do texto de Pedro Amorim, impresso no encarte do disco: Reparem , logo na
abertura da primeira faixa [Alumiando]. aquela levada da antiga, que no tem idade. a boa, em qualquer
tempo... parece um s msico tocando.
66
Vemos que nesse exemplo acima os compassos so invertidos em relao aos exemplos
anteriores. Interessante notar que nesta gravao de Alumiando, o cavaquinho executado por Ana
Rabello, fazendo a mesma levada, com as mesma nuances entre ataques graves e agudos. Luciana
Rabello, me e professora de Ana Rabello, em depoimento que nos foi concedido em 29/05/2010,
nos relatou que desenvolveu essa levada de cavaquinho transpondo as caractersticasa da levada de
Meira para seu instrumento.
O violonista e cavaquinista Caula, que chegou a atuar profissionalmente na poca do
rdio e est em atividade atualmente, nos mostrou outro exemplo da levada teleco-teco:
Por ltimo, citaremos um exemplo executado por Baden Powell. Baden, que como
veremos no ltimo captulo, foi aluno de Meira e incorporou diversas caractersticas do violo deste
ao seu estilo de tocar. Essa influncia de Meira no violo de Baden um assunto que infelizmente
67
no pudemos tratar com mais profundidade, tarefa para futuras pesquisas. Por hora mostraremos um
pequeno exemplo:
Exemplo musical 19: Teleco-teco por Baden Powell - "Vou Deitar e Rolar" (1'27")
68
(0'16)
Normalmente as frases executadas por Meira tem relao intervalar de tera superior ou
inferior com a frase executada paralelamente por Dino. Porm em alguns momentos vemos
tambm frases em 4, como o caso do exemplo acima. Percebemos atravs da audio deste trecho
que Meira executa a frase mais grave, que se inicia da nota mi. Est frase est conduzindo para o
acorde de C7, situado no segundo compasso, do qual Meira realiza a segunda inverso (C7/G).
Encontramos ainda dois musemas nos quais Meira realiza frases paralelamente a Dino. O
primeiro o que classificamos como conduo de baixos em tera, e o segundo chamamos de
frase ascendente em semicolcheias. Optamos por transcrev-los juntos, j que em todas as
ocorrncias durante a pea ele aparece desta maneira:
Exemplo musical 21: "conduo de baixos em 3" + "Frase ascendente em semicolcheias" (0'24)
Sabemos que Dino tocava um violo de seis cordas, feitas de ao, enquanto Meira tocava
um violo de cordas de nilon. Deduzimos, pelo timbre dos violes, que Meira, neste musema
transcrito acima, est realizando a frase mais grave.
Esses dois musemas podem ser encontrados em diversas gravaes do Regional, porm, o
segundo, contido dentro do quadrado, pode ser considerado um clich tanto do samba quanto do
69
2.2.2.3. Raspadeira
Essa raspadeira descrita acima ocorre em dois momentos diferentes do samba, primeiro
durante a parte A 1 e depois por trs vezes em trechos correspondentes da pea, iniciando a parte B
70
e a ltima introduo (que um trecho semelhante a parte B). Podemos dizer que a presena deste
musema iniciando as duas ocorrncias da parte B e tambm a introduo se caracteriza como um
marcador episdico. Segundo Tagg marcadores episdicos so elementos musicais pontuais, que
sinalizam algum tipo de mudana. Eles podem funcionar como anacruzes, apontando para uma
nova seo da musica, ou at mesmo serem caracterizados por um acorde final ou frase conclusiva
(TAGG, 1992: 06).
A utilizao deste elemento como marcador episdico, iniciando a segunda parte de um
samba uma prtica ainda muito comum, especialmente nos sambas em tonalidade maior, cuja
segunda parte se inicia com o acorde correspondente ao IIm ou V7 da tonalidade, como o caso de
Amanh Eu Volto.
Encontramos o musema raspadeira em diversa gravaes, utilizado em diferentes
momentos. Algumas caractersticas so comuns a todas as raspadeiras que encontramos. Alm da
descrio citada pgina anterior, baseada na explicao dada por Caula, notamos que as
raspadeiras sempre obedecem movimento cromtico, e predominantemente so formadas pela
mesma clula rtmica, conforme consta no exemplo musical 18. Abaixo vemos um exemplo de
raspadeira retirado do samba Pode Ser:
Aqui a stima do acorde usada por uma questo idiomtica do violo, para que a forma do acorde seja a mesma
durante o caminho em blocos de acorde.
71
Esse exemplo de raspadeira, muito comum tanto no samba quanto no choro, muito usado
como uma aproximao cromtica do acorde que tem funo de V7/VIm, como o caso de Emlia,
onde a raspadeira feita sobre o acorde de Db7 preparando o acorde de C7 que tem funo de
dominante do relativo menor (Fm) da tonalidade (Ab).
72
2.2.2.4. Coda
Alm destes musemas descritos, encontramos tambm no samba Amanh Eu Volto, a
coda. O Regional de Benedito Lacerda tinha uma maneira caracterstica de terminar seus sambas,
realizando uma coda aps a introduo instrumental que finaliza o samba. Essa coda, geralmente
tem durao de dois compassos, nos quais os violes e a flauta fazem um floreio final, que
conclui a pea na segunda unidade de tempo do ltimo compasso, como mostra o exemplo abaixo:
Esse tipo de coda, que encontramos em praticamente todos os sambas do regional, pode ser
considerada uma variao das terminaes tpicas do choro, que geralmente tem durao de apenas
um compasso, correspondente ao ltimo compasso do exemplo acima, onde muito comum a
realizao do arpejo do acorde de I grau, trecho de escala ou uma mescla dos dois elementos, como
mostram os exemplos abaixo, retirados das gravaes de 1x0 (Odeon 12966, 1949) e Vou
Vivendo (Victor 800458, 1946), interpretados por Pixinguinha, Benedito Lacerda e o Regional:
Coda 1x0
Essa forma de coda com um compasso a mais, usada nos sambas gravados pelo Regional
de Benedito Lacerda ficou consolidada como uma maneira tradicional de finalizar a execuo de
um samba, podendo ser encontrada em diversas gravaes posteriores ao Regional de Benedito
73
Lacerda.
Na sequncia do trabalho, faremos a anlise do samba Culpe-me, gravado por Francisco
Alves com acompanhamento do Regional de Benedito Lacerda.
74
0'10
INTRODUO
0'35
PARTE A
0'38
PARTE A
1'23
PARTE B
V1
V2
Baixaria do Dino
Levada de choro
Frase conduzindo para dominante de acorde menor
Frase ascendente em semicolcheias
Frase arranjada em teras
Frase descendente em semicolcheias
Coda
75
1'46
PARTE A INST.
2'09
PARTE A
2'34
PARTE B
2'46
INTRODUO
76
Esses dois padres presentes em cada um dos compassos so recorrentes durante a pea.
Encontramos no samba Culpe-me algumas variaes da utilizao desses padres rtmicos, como
mostram os exemplos abaixo:
77
Encontramos ainda uma outra variao, onde ao invs de usar o bloco (i m a) cheio, como
nos exemplos acima, percebemos um desmembramento desse bloco, como tambm foi encontrado
na levada teleco-teco:
Exemplo 1
78
Exemplo 2
Exemplo 3
Podemos notar que ambos os exemplos, citados por Becker e por Carrilho, guardam
estreitas semelhanas com as levadas de choro retiradas de Culpe-me.
Uma caracterstica importante, que difere a levada de choro da levada teleco-teco a
durao do ciclo. Enquanto esta ltima dura dois compassos, como descrevemos na seo anterior
deste captulo, a primeira dura apenas um compasso. Alm disso, um outro aspecto dessa levada a
maneira stacatto com que as semicolcheias so executadas pelo bloco (i m a). Podemos dizer que
enquanto a levada teleco-teco de certa maneira reproduz elementos do surdo de marcao e do
tamborim, como vimos na seo anterior, a levada de choro remete mais caractersticas do
pandeiro, onde as notas graves da levada, executadas pelo polegar, podem ser associadas ao ataque
grave do pandeiro, e as semicolcheias executadas pelo bloco podem ser associadas ao timbre agudo
do pandeiro, marcado pelo som das platinelas.
79
80
reflexo apurado, executava de bossa22 as teras dessas baixarias. Jorginho do Pandeiro, irmo de
Dino, que tocou durante anos com Meira no Regional do Canhoto, nos disse em entrevista que o
entrosamento do trio de cordas do conjunto era um fator diferencial, como mostra o trecho extrado
da entrevista:
Um conhecia muito bem o outro. O Dino fazia um baixo, o Meira j fazia a tera,
ajudava ele. O Dino fazia um baixo o Canhoto fazia o rtmo junto. Eles adivinhavam
o que o outro ia fazer. Era um trio muito bem ensaiado, porque eles tocavam juntos
h muitos anos. Um conhecia muito bem o outro (...). Eu tinha dificuldade [de ouvir
o Meira nas gravaes] porque ele fazia a mesma coisa que o Dino. Voc s sente a
diferena quando ele faz a tera, e sem ensaiar. Hoje em dia o pessoal tem que
ensaiar pra fazer tera. Ali no, o Dino fazia um baixo o Meira j ia logo com a tera
(...) ele ouvia o que o Dino ia fazer e comeava da segunda nota. Tinha um ouvido
brbaro (Entrevista com Jorginho do Pandeiro concedida ao autor no dia
07/05/2010).
Mais adiante mostraremos alguns exemplos de frases de baixo alguns encontrados no
samba Culpe-me considerados como clichs.
Portanto, estamos considerando as frases de baixo como um musema caracterstico dos
acompanhamentos de samba, e estamos dividindo este musema em dois tipos: frases de baixo
clichs e frases de baixo arranjadas (este ltimo pode ser visualizado atravs do musema frase
arranjada em teras presente no samba analisado nesta seo). Essas frases de baixo arranjadas
so elementos que normalmente so exclusivos de uma determinada pea. Na medida em que uma
determinada verso de um samba se torna consagrada, as frases de baixo arranjadas para tal
gravao podem ser classificadas tambm como obrigaes de baixo23. Abaixo podemos ver o
musema frase arranjada em teras, retirado do samba Culpe-me:
22
23
Tocar de bossa uma expresso muito comum entre os msicos de samba e choro, quando se referem execuo
de uma determinada msica sem a necessidade de ensaio prvio ou arranjo.
Obrigaes de baixo, segundo definio de Luiz Otvio Braga, so frases meldicas realizadas pelo violo,
corriqueiramente consagradas por arranjos ou que so inerentes composio original (BRAGA, 2002: 35).
81
Esta frase aparece no samba Culpe-me em trs momentos semelhantes, sempre iniciando
a parte A. Podemos classific-lo tambm como um marcador episdico, uma vez que trata-se de um
elemento que est, de certa maneira, anunciando o incio de uma seo especfica da msica.
Algumas caractersticas nos levam a classificar essas frases como arranjadas: geralmente as
frases arranjadas so mais extensas do que as consideradas clichs. Outro aspecto o momento
onde estas frases ocorrem. Enquanto as baixarias clichs, por fazerem parte de uma gramtica
cotidiana do acompanhamento, so realizadas aleatoriamente durante a pea, as frases arranjadas
ocorrem geralmente em trechos estratgicos, como o caso do musema citado acima e tambm
deste outro transcrito logo abaixo, retirado da introduo do samba A Mulher que Eu Gosto (Ciro
de Souza e Wilson Batista, Victor 34745), gravado por Ciro Monteiro e Regional de Benedito
Lacerda no ano de 1941:
Exemplo musical 33: Frase de baixo arranjada - "A Mulher Que Eu Gosto"
(0'07)
Essa frase est presente num desses locais estratgicos, como mencionamos acima. Ela
foi retirada da introduo instrumental do samba, que geralmente composta por uma frase de oito
82
compassos, que em algumas ocasies repetida. comum que entre as repeties desta frase de
oito compassos haja um breque, para interveno de algum instrumento especfico, normalmente
um instrumento de percusso ou alguma baixaria de violo, que o caso deste exemplo acima.
Muitas vezes as frases de baixo que consideramos arranjadas no so frases melodicamente
complexas, porm o que nos faz classific-las como arranjadas o contexto no qual elas se
encontram.
Um exemplo das obrigaes de baixo, elemento onde Meira tambm executava frases
paralelas, o retirado do choro-cano Carinhoso (Pixinguinha e Joo de Barro, RCA Victor
800575) gravado em 1946 por Isaura Garcia e Regional de Benedito Lacerda, fase em que
Pixinguinha atuava ao lado do conjunto:
83
84
No exemplo musical 28, podemos notar que Meira, cujo violo est representado pelas
figuras com hastes direcionadas para baixo, inicia a frase com certo atraso. Esse procedimento era
muito comum nas frases realizadas de bossa, nas quais Meira esperava o incio da frase feita por
Dino, e algumas notas depois, j certo de qual era a baixaria que estava sendo executada, iniciava
sua frase. Encontramos dois exemplos desta prtica presentes no samba Bilhete Branco (Henrique
Gonalves, Victor 34805) gravado por Moreira da Silva e Regional de Benedito Lacerda em 1941:
85
Uma outra frase de baixo considerada um clich foi a que encontramos no samba Culpeme. Trata-se de uma frase que conduz para um acorde maior com stima menor, geralmente de
preparao para um acorde menor, no qual o primeiro violo chega na tera do acorde com stima
enquanto o segundo chega na quinta, como podemos ver no exemplo abaixo, onde os violes
executam tal frase conduzindo para o acorde de A7:
Essa uma frase muito utilizada por Meira e Dino, podendo ser encontrada em diversas
gravaes de sambas, choros, e tambm valsas acompanhadas pelo regional. Na primeira gravao
de Cho de Estrelas (Silvio Caldas e Orestes Barbosa, Odeon 11475), na qual os violes eram
executados por Dino e Carlos Lentine, essa frase foi utilizada num determinado momento da
segunda parte da valsa, e a partir de ento se tornou um baixo de obrigao quando se executa a
pea. Mostraremos abaixo um outro exemplo desta frase, retirado da primeira gravao do samba
ltimo Desejo (Noel Rosa, Victor 34296) na voz de Araci de Almeida acompanhada pelo
Regional de Benedito Lacerda, no ano de 1937:
86
Ainda encontramos uma outra variao desta frase, presente na gravao do samba Fiz
Um Samba (Jos Borba, Odeon 16677), gravado por Francisco Alves, acompanhado pelo Regional
de Benedito Lacerda no ano de 1940. Nessa variao vemos a diferena na diviso rtmica da frase.
Alm disso a tera realizada inferiormente ao violo principal, com isso a frase termina com os
violes atacando a tnica e a tera do acorde de dominante, no caso A7:
Uma outra frase muito utilizada em contexto harmnico semelhante ao citado acima o
musema que chamamos de frase descendente conduzindo para dominante24. O exemplo abaixo foi
retirado do samba Bilhete Branco:
Encontramos diversas variaes desta frase. Uma delas est presente na gravao do
samba Barulho no Morro (Roberto Martins, RCA Victor 800276), na voz de Isaura Garcia
acompanhada pelo Regional de Benedito Lacerda:
24
O termo dominante utilizado para se referir aos acordes maiores com stima menor, com funo de preparao.
87
Encontramos ainda outra variao desta frase, presente no samba Condies de Paz
(Meira e Augusto Mesquita, Odeon 12450), interpretado por Odete Amaral e Regional de Benedito
Lacerda em gravao realizada no ano de 1944. Nesta frase podemos perceber mais uma vez o
hbito de Meira esperar o incio da frase de Dino. Em alguns casos, como este por exemplo, a frase
de Meira torna-se uma espcie de canone da frase de Dino, onde este toca duas notas, e Meira, a
partir da terceira nota junta-se a Dino, repetindo sua frase:
2.2.3.3. Coda
O ltimo musema desta gravao a coda. Nesta samba, a coda semelhante a descrita na
anlise de Amanh Eu Volto no que diz respeito ao nmero de compassos, que conforme
explicamos, era uma maneira caracterstica de encerrar a execuo dos sambas. Neste exemplo
encontramos uma coda que, de certa forma, pode ser considerada um clich, uma vez que tambem
usada em outras gravaes.
88
Podemos notar que no ltimo compasso, os violes, que vinham mantendo um relao
intervalar de teras, executam o final da frase em quartas, para chegarem ambos na tonica e tera do
acorde de Am (primeiro grau da tonalidade).
2.2.3.4.Consideraes
vez mais amplo (ZAN, 1997: 41). Vimos anteriormente nesse captulo as diversas transformaes
pelas quais passou o samba, algumas delas visando um enquadramento comercial. Segundo Zan, o
samba, ao ser incorporado pela indstria do disco inicia uma trajetria de padronizao e
refinamento de seus elementos rsticos-artesanais (Id: 28).
Podemos dizer que o Regional de Benedito Lacerda teve papel atuante nesse contexto,
consolidando uma forma fixa e utilizando sistematicamente a batucada nas gravaes. Os musemas
descritos nesse captulo so indcios desse refinamento de elementos tradicionais ao qual se refere
Zan. As levadas descritas guardam alguma semelhana com as descritas no captulo anterior, porm,
da mesma forma que a batucada chega como um novo elemento nas gravaes a partir de 1930,
podemos dizer que Dino e Meira tambm estavam, de certa forma, trazendo novos elementos,
traspondo as caractersticas dos instrumentos da batucada aos violes, especialmente na levada
teleco-teco. Podemos concluir que atravs da utilizao sistemtica destes elementos o Regional
de Benedito Lacerda consolidou uma maneira caracterstica de realizar os acompanhamentos de
samba.
90
Tupi; outro instrumento de sopro para o conjunto de Canhoto; revelaes dos antigos integrantes do
regional. E agora Benedito Lacerda? (lbum do Rdio, 06/03/1951: 22). Apesar de ser
aparentemente uma reportagem de cunho sensacionalista, o fato de ser um relato dos prprios
integranes do conjunto, torna o depoimento bastante relevante. Canhoto revela que houve um certo
descaso de Benedito em relao aos seus companheiros de regional, e quando perguntado qual o
motivo que o levou a montar outro grupo, respondeu:
Pelo simples fato de Benedito ter deixado a Tupi e no se preocupar com nossa sorte.
Como voc deve ter compreendido, Benedito ao deixar a Tupi no se preocupou em
conseguir outro compromisso para trabalharmos. Eu tenho emprego, o Meira leciona
violo, mas os outros, Gilson e Dino, no tem outra coisa pra viver! (Canhoto, em
entrevista concedida ao peridico lbum do Rdio, 06/03/1951, p.22).
Em outro trecho, Canhoto diz:
Ora, desde que comeou a campanha poltica, Benedito Lacerda deixou de se
interessar pelo conjunto. Vrias vezes fui chamado direo [da rdio Tupi] para
explicar as faltas dele, e em uma ocasio fomos surpreendidos com uma multa
afixada na tabela de servio, imposta Benedito por faltar aos programas...(Id: 22).
Canhoto menciona nessa entrevista que o conjunto ainda estava a procura de um flautista, e
que tambm j estavam em contato com uma outra emissora de rdio. Em um outro depoimento,
este mais recente, publicado no encarte do disco Choro dos Chores, j citado previamente neste
trabalho, Canhoto afirma que o Regional estreou na emissora Mayrink Veiga em maro de 1951, e
no ms seguinte gravou o primeiro disco na RCA Victor - gravadora com a qual o regional assinou
contrato de exclusividade - o que nos leva a crer que logo depois daquela entrevista, ainda em
maro, Altamiro Carrilho e Orlando Silveira j haviam sido integrados ao conjunto.
interessante notar que na reportagem citada na pgina anterior, Canhoto faz meno
atividade de professor exercida por Meira. O prprio Meira encerra a entrevista de maneira bem
humorada: Diga em sua revista que leciono muitas moas da sociedade, e tenho tido um grande
nmero de hbeis violonistas que j estudaram comigo. Faa um cartazinho pro velho... (Meira,
92
em entrevista concedida ao lbum do Rdio em 06/03/1951, p.40). Nessa poca Meira j havia dado
aulas durante cinco anos Baden Powell, entre os anos de 1945 e 1950.
No seu depoimento publicado no encarte do disco mencionado a pouco, Canhoto lembra
com preciso a data da primeira gravao do novo Regional, 13/04/1951. Foram gravados Meu
Limo Meu Limoeiro (Annimo) e Gracioso (Altamiro Carrilho), ambos pela RCA Victor sob
nmero de srie 800784. Nessas duas primeiras gravaes j marcante a diferena de sonoridade
em relao ao Regional de Benedito Lacerda, diferena essa acentuada pela presena do acordeon e
tambm pelo repertrio, sendo que tratam-se de dois baies25. So duas gravaes instrumentais, j
que assim como o seu conjunto antecessor, o Regional do Canhoto, alm de ser muito requisitado
para acompanhar cantores, tambm gravava discos cujo repertrio era formado por msicas
instrumentais. A diferena que o repertrio do Regional do Canhoto, principalmente nos discos
instrumentais, continha alm dos choros, marca registrada dos dois conjuntos, baies, xotes, foxtrots, sorongos26, viras, etc.
Segundo Zan, a partir dos ltimos anos da dcada de 1940 e incio dos anos de 1950, o
campo da msica popular no Rio de Janeiro se dividia em dois principais segmentos, um mais
prximo do samba-exaltao e do samba-cano, formas estilizadas e sofisticadas do samba, mais
identificadas com o gosto musical de uma classe mdia com pretenses cosmopolitas, e outro
mais voltado para as massas, que inclua gneros como baio, xote, moda de viola, bolero, ch-chch, tango, etc.(ZAN, 1997: 91). Segundo o autor, enquanto a primeira tendncia guardava maior
afinidade com o cotidiano da nova boemia dos bairros da zona sul do Rio, com o intimismo das
boates () a segunda apresentava forte identidade com o rdio, com o teatro de revista e com as
25
26
Se o leitor ouvir as gravaes de Gracioso e Meu Limo Meu Limoeiro notar a semelhana entre a levada
executada por Meira nessas gravaes e o musema que chamamos de Levada de embolada, presente no exemplo
musical 9.
Encontramos uma reportagem que se refere um disco lanado pelo Regional do Canhoto cujo gnero executado
um sorongo. A reportagem diz assim: Sorongo No se espantem! No foi um erro da composio deste jornal!
apenas o nome do rtmo que Canhoto e seu Regional iro lanar no novo LP para a Odeon, Canhoto 1960. Ainda
no ouvi o tal sorongo mas creio que deve ser um rtmo interessante. Digo isso, calcado no conhecimento sobre o
Regional do Canhoto, sem dvida um dos melhores e que prima sempre pelo bom gosto em suas apresentaes. O
referido long play foi realizado sob direo artstica de Aloysio de Oliveira (Diretriz Esportiva, 03/01/1960). As
faixas referentes esse gnero so Sorongaio e Sorongando em Madrid. Infelizmente no tivemos acesso a
essas gravaes.
93
Nessa poca a Bossa Nova ainda no era um gnero musical como reconhecido atualmente. A gravao de Chega
de Saudade na interpretao de Joo Gilberto, considerada um marco inicial da Bossa Nova enquanto gnero
musical seria lanada somente em novembro daquele ano.
94
nos contou em entrevista j mencionada anteriormente neste trabalho, que Jacob do Bandolim
achava um grande absurdo um conjunto brasileiro como aquele gravar msicas estrangeiras.
Consultando os recortes de jornal28 referentes a esse perodo, notamos que a gravao mais
mencionada do regional Jambalaya (Hank Willians, RCA Victor 801161) gravada pelo regional
em 1953. Jorginho do Pandeiro e Yvonne Florence, filha de Meira, tambm apontaram a cano
americana como o maior sucesso do regional.
Na gravao de Jambalaya, assim como em outras gravaes de msicas estrangeiras
feitas pelo conjunto, percebemos uma prtica que foi tambm ressaltada no primeiro captulo, que
a de adaptar diferentes gneros a essa roupagem instrumental caracterstica dos regionais.
Percebemos nessas gravaes do Regional do Canhoto, assim como nas do Voz do Serto, um
sotaque brasileiro na interpretao desses gneros estrangeiros. Jambalaya29 por exemplo, uma
msica Country americana, e na gravao do Regional o acompanhamento executa alguns
elementos que podem ser associados ao xote nordestino. A gravao de Corridinho de 1951 (J.
Gomes de Figueiredo, RCA Victor 81233), msica portuguesa tambm apontada como um dos
grandes sucessos do regional, tem elementos que nos remetem a polca.
No que diz respeito a formao, o regional sofreu algumas variaes durante seu
percursso. Inicialmente era formado por Canhoto, Dino, Meira, Altamiro Carrilho, Orlando Silveira
e Gilson Freitas. Em 1956 Artur Atade substitui Altamiro, enquanto Jorge Silva (Jorginho do
Pandeiro) entra no lugar de Gilson. J no ano seguinte Carlos Poyares se firmaria como flautista do
28
29
Yvonne Florence, filha de Meira, franqueou-nos gentilmente total acesso ao acervo de Meira, que continha diversas
fotos e recortes de Jornal. Adilson Tramontano, filho de Canhoto, tambm nos cedeu alguns recortes de Jornal
presentes no acervo de seu pai. Alm dessas fontes, a Escola Porttil de Msica, que homenageou Canhoto na III
edio do Festival de Choro, tambm nos franqueou acesso ao acervo documental coletado na poca.
A fonte com maior quantidade de informaes sobre essa cano que encontramos foi o stio virtual da Wikipedia.
Segundo informao presente neste stio, Jambalaya foi lanada pela primeira vez em 1952 nos EUA, ou seja, um
ano antes da gravao feita por Canhoto e seu Regional. Sua autoria atribuda ao cantor de msica Country Hank
Williams. Trata-se de uma cano que tem sua melodia baseada na tradio musical dos Cajun, um grupo tnico
proveniente do sul do estado da Louisiana, nos Estados Unidos da Amrica. uma cano que, dentre outras coisas,
fala sobre pratos tpicos daquela regio, inclusive o prprio ttulo da msica, Jambalaya, o nome de um prato tpico
de Nova Orleans (http://en.wikipedia.org/wiki/Jambalaya_(On_the_Bayou acessada em 13/10/2010). Segundo
Jorginho do Pandeiro um diretor da RCA americana enviou um pedido a filial brasileira solicitando a gravao da
msica, que foi encaminhada ao Regional do Canhoto (Entrevista com Jorginho do pandeiro concedida ao autor em
07/05/2010).
95
conjunto at o ano de 1965, ano do fechamento da rdio Mayrink Veiga. Apesar dessas substituies
encontramos diversas variaes de formao nas gravaes do regional. Podemos citar trs
exemplos pontuais: Em 1966 foi realizado um show no Teatro Opinio intitulado Teleco-teco Opus
1 (cujos acompanhamentos de Meira sero analisados na prxima seo) no qual Ciro Monteiro e
Dilermando Pinheiro foram acompanhados por Canhoto, Dino, Meira e Jorginho. Em 1973 foi
gravado o espetculo Silvio Caldas ao vivo Histrias da Msica Popular Brasileira, no estdio
principal da CBS, conforme consta na contracapa do prprio disco. Nesta ocasio o Regional do
Canhoto era formado por Canhoto, Dino, Meira, Jorginho e Gilson. Segundo Jorginho, ele tocou
pandeiro e Gilson tocou surdo. Outro exemplo a formao presente no disco de Cartola gravado
em 1976, que conta com os mesmos msicos citados presentes na apresentao de Slvio Caldas,
porm com Altamiro Carrilho como flautista.
Segundo Jorginho do Pandeiro, a rotina de trabalho do Regional do Canhoto se baseava
diariamente em gravaes e programas de rdio. Jorginho diz que as gravadoras chegavam a
agendar os dias de gravao de acordo com a disponibilidade do regional. Sobre a dinmica das
gravaes Jorginho conta que geralmente o conjunto ensaiava com o cantor ou cantora por cerca de
meia hora antes da gravao. No estdio gravavam todos juntos, tendo os instrumentistas de cordas
uma cadeira especial, para se ajustarem a altura do microfone, como mostra a imagem abaixo:
96
Na rdio a rotina tambm era diria, e segundo Jorginho, quem no estivesse na Mayrink
Veiga s 17:00h em ponto pagava multa. Encontramos algumas menes aos programas de rdio
nos quais o Regional do Canhoto atuava. Jorginho cita um programa que ia ao ar de segunda a
sexta, das 18:00 s 19:00h, no qual o Regional acompanhava cantores j consagrados. Nas manhs
de domingo a Mayrink transmitia um programa ao vivo, cada domingo em um cinema situado em
algum bairro diferente do Rio de Janeiro, no qual o Regional do Canhoto acompanhava algum
cantor de cartaz. Nas noites de domingo ia ao ar o programa Papel Carbono30, no qual o Regional
acompanhava calouros, que deveriam imitar algum artista de renome. Havia tambm o Noites
Brasileiras, programa que ia ao ar nas sextas-feiras s 22:00h, no qual o Regional s apresentava
seu repertrio instrumental, e segundo Jorginho tinha grande audincia.
Encontramos ainda alguns anncios de programas de rdio em peridicos da poca, como
mostram os exemplos abaixo:
30
O prgrama Papel Carbono foi criado em 1940 por Renato Murce, na rdio Clube. Segundo o prprio Murce, o
programa, que revelou dezenas de artistas, contava inicialmente com o apoio instrumental do pianista Jos Maria de
Abreu e do Regional de Benedito Lacerda (MURCE, 1976: 64).
97
3.1. Anlise
98
3.1.1. Levadas
Comearemos descrevendo algumas levadas executadas por Meira nos sambas desse disco.
Devido a qualidade melhor da gravao em relao as gravaes analisadas anteriormente, pudemos
perceber com mais preciso alguns detalhes das levadas realizadas por Meira nessa apresentao.
Comearemos mostrando o exemplo retirado do samba Deus Me Perdoe de Humberto Teixeira e
Lauro Maia:
99
Esse exemplo bem prximo dos transcritos na seo anterior deste captulo. Podemos
notar tambm o uso da chamada no penltimo compasso do exemplo acima. Apesar dos exemplos
retirados desta apresentao guardarem semelhanas com os exemplos retirados das gravaes do
Regional de Benedito Lacerda, percebemos que Meira realiza um maior nmero de variaes nas
levadas. Um fator interessante que as levadas deste perodo mais tardio, correspondente a atuao
de Meira no Regional do Canhoto, se assemelham cada vez mais ao paradigma do Estcio. Essa
semelhana pode ser notada atravs da utilizao mais sistemtica da mudana de acorde na ltima
semicolcheia do compasso, como mostra o exemplo abaixo, retirado do samba A Lal e a Lel, de
Jayme Britto e Manezinho Arajo:
Os dois exemplos abaixo mostram as variaes sutis que Meira realizava aleatoriamente na
execuo da levada. Podemos notar essa variao na segunda unidade de tempo do terceiro
compasso. So dois exemplos retirados de trechos correspondentes do samba Pedra que Rolou, de
Pedro Caetano:
100
Exemplo musical 49: Levada Teleco-teco - "Pedra que Rolou" (Lado A - 10'41")
Exemplo musical 50: Levada Teleco-teco - "Pedra que Rolou" (Lado A - 11'41")
O que percebemos atravs dessas diferenas entre as levadas teleco-teco executadas por
Meira no Regional de Benedito Lacerda e no Regional do Canhoto, que nesse ltimo podemos
notar que as levadas tem caracterstica mais contramtrica o que pode ser notado em variaes,
como a presente no quarto e quinto compassos do exemplo musical 47, ou mesmo no local de
mudana de acorde, como nos referimos no primeiro pargrafo da pgina anterior enquanto no
primeiro essas variaes e mudanas de acorde antecipadas no eram to sistemticas.
Um outro exemplo de levada que encontramos nesse disco foi a levada choro sambado.
101
Esse um nome utilizado por Maurcio Carrilho para se referir a esse padro rtmico. Mais adiante
mostraremos alguns exemplos elaborados por ele.
Essa levada caracterizada pela acentuao dada a execuo das colcheias do primeiro
compasso, como podemos ver no exemplo abaixo, retirado do samba Escurinho de Geraldo
Pereira:
Outro exemplo da utilizao dessa levada encontramos no samba Tipo Zero (Noel Rosa,
Musidisc 50046) gravado por Marlia Batista e Regional do Canhoto em 1956:
102
103
Em relao as frases de baixo, notamos que Meira realiza esse elemento com menos
frequncia, quando comparamos com as gravaes do Regional de Benedito Lacerda. Porm ele
ainda realiza diversas baixarias, basicamente com as mesmas caractersticas das presentes nas
gravaes do Regional de Benedito. Ao passo que Dino j havia incorporado definitivamente o
violo de 7 cordas e desenvolvido um novo estilo de fraseado, muito influenciado pelos
contrapontos executados por Pixinguinha na poca em que este integrava o Regional de Benedito
Lacerda.
Taborda comenta que as principais caractersticas desse novo estilo de Dino so:
a colocao das frases, sempre em contracanto com a melodia, e seus padres
rtmicos, ricos em sncopes, contratempos e grupos de 3, 6 e 8 notas, [aspectos] que
no haviam aparecido em acompanhamentos anteriores (TABORDA, 1995: 85).
Esse provavelmente foi o motivo que levou Meira a se utilizar com menos frequncia das
104
frases de baixo, uma vez que devido a grande variao das frases executadaspor Dino, adivinhar
qual frase ele faria para realizar as frases paralelas de bossa, seria tarefa impossvel. Mas ainda
encontramos alguns daqueles clichs descritos anteriormente, nos quais Meira realiza algumas
frases paralelas. Um exemplo o trecho retirado do samba Menina Fricote, de Henrique Batista e
Marina Batista:
Exemplo musical 55: Clich - Frase descendente conduzindo para dominante com
"Atraso" - "Menina Fricote" (Lado B - 12'01")
Este exemplo semelhante ao descrito no exemplo musical 44. Abaixo podemos ver um
outro exemplo de baixaria que consideramos como clich. Trata-se da frase ascendente em
semicolcheias presente no samba Z no Joo de Baden Powell e Ciro Monteiro:
105
Caso Dino fizesse a frase que Meira esperava, o resultado seria este:
106
Encontramos ainda alguns trecho isolados onde Meira faz pequenas frases, como por
exemplo esta retirada do samba A Mulher Que Eu Gosto de Ciro de Souza e Wilson Batista:
Nesse trecho, Meira se utiliza de uma frase cromtica descendente que conduz para o
acorde C7, do qual Meira realiza a primeira inverso, com baixo em Mi. J no musema seguinte
vemos o que chamamos anteriormente, no exemplo musical 20, de conduo de baixos em teras.
O que difere esta ocorrncia daquela a figura rtmica utilizada neste exemplo predomina o uso
da colcheia alm do contexto harmnico, sendo que no primeiro, cuja tonalidade era Mi bemol, a
frase conduz uma sequncia de II V7 I (Fm Bb7 Eb), ao passo que neste exemplo, referente
ao samba Escurinho cuja tonalidade Mi, a sequncia harmnica encontrada I V7/V7 V7
(E F#7 B7):
3.1.3. Raspadeira
Um outro elemento que continuou sendo usado por Meira e Dino so as raspadeiras. Nesse
107
disco no encontramos tantas ocorrncias desse musema, mas ele est presente em diversas outras
gravaes do conjunto. Mostraremos dois exemplos da utilizao das raspadeiras, um retirado do
samba Deus me Perdoe e outro da gravao de Peito Vazio, de autoria de Cartola, presente no
seu disco gravado em 1976 com acompanhamento do Regional do Canhoto:
Primas o nome dado s trs primeiras cordas do violo, mais agudas, enquanto as trs ltimas, mais graves, so
chamadas de bordes.
108
abaixo, nas quais Meira executa as frases sobre acordes dominantes de acorde menor, no caso de
Menina Fricote, primeiro exemplo abaixo, o acorde F#7, enquanto no segundo exemplo,
retirado do samba Pedra que Rolou, o acorde G7:
Exemplo musical 63: Frase nas primas - "Menina Fricote" (Lado B - 12'09")
Exemplo musical 64: Frase nas primas - "Pedra que Rolou" (Lado A - 10'54")
Neste ltimo exemplo a frase composta pelas figuras com hastes direcionadas para baixo,
nos dois ltimos compassos, executada por Dino. Optamos por transcrev-la para exemplificar o
entrosamento entre eles, que pode ser percebido atravs de alguns momentos nos quais o elemento
realizado por um deles continuidade do que o outro vinha fazendo anteriormente, como neste
caso.
O exemplo seguinte, retirado do samba Nos Braos de Isabel de Jos Judice, mostra um
procedimento semelhante:
109
Exemplo musical 65: Frase nas primas - "Nos Braos de Isabel" (Lado b - 13'15")
Aqui vemos mais um exemplo onde Dino faz uma frase nos baixos (representada pelas
figuras com hastes direcionadas pra baixo presentes nos trs ltimos compassos) que uma espcie
de extenso da frase realizada por Meira. O trecho contido dentro do quadrado corresponde a um
tipo de frase frequentemente usada por Meira, composta por um arpejo do acorde de tnica com
sexta, geralmente descendente e iniciado na quinta do acorde, no caso do exemplo acima um F6.
Encontramos esse tipo de frase diversas vezes nesse disco, e tambm em outras gravaes.
No exemplo transcrito abaixo podemos ver a utilizao desta frase com o arpejo do acorde
F6, como descrito no exemplo anterior, seguido de uma frase ascendente em semicolcheias,
elemento comumente realizado como frase de baixo, porm aqui utilizado de maneira notradicional, na regio aguda:
O trecho abaixo, retirado do samba Volta pra Casa Emlia (Antnio de Almeida e Jos
Batista) mostra um outro exemplo desse tipo de frase, com uma diviso rtmica diferente e tambm
uma apojatura ascendente na tera do acorde, neste caso um D, outro elemento muito utilizado por
Meira:
110
Em outros trechos, Meira permanece por alguns compassos realizando esse tipo de
elemento, que podemos caracterizar como um improviso meldico, como mostra o exemplo abaixo,
retirado do samba Lulu de Madame:
Exemplo musical 68: Frase nas primas - "Lulu de Madame" - (Lado A - 12'45")
O outro trecho extrado deste mesmo samba tambm um trecho onde Meira parece estar
improvisando em cima do acorde de F6, o que pode ser considerado um padro muito utilizado por
ele:
111
Alm das inmeras variaes que Meira realiza nas levadas, percebemos que ele enfatiza
determinados momentos dos sambas atravs de elementos que chamamos de tenso rtmicoharmnica. Classificamos este musema desta maneira devido ao fato de ser uma variao rtmica
que geralmente realizada com a utilizao de acordes maiores com stima menor, como o caso
do trecho retirado do samba Nos Braos de Isabel:
112
Neste exemplo Meira realiza uma frase nas primas semelhante as descritas
anteriormente, e em seguida executa o elemento que chamamos de tenso rtmico-harmnica
sobre o acorde G7(9), que, como a tonalidade do samba F maior, tem funo de V7/V7.
Em outro trecho, retirado do samba Se Acaso Voc Chegasse (Felisberto Martins e
Lupicnio Rodrigues), encontramos esse mesmo musema e contextos semelhantes, executado aps
uma frase nas primas e tambm sobre o acorde de preparao:
Exemplo musical 72: Tenso rtmico-harmnica - "Se Acaso Voc Chegasse" (Lado A
- 14'19")
Nesse exemplo o musema descrito realizado sobre dois acordes, ambos com funo de
dominante do IV grau da tonalidade de Sol maior. O primeiro acorde, que se inicia no terceiro
compasso o G7(9). O segundo acorde um Db7(9/11#), um acorde classificado como sub5
(substituto do V7) que no de utilizao to frequente em gravaes de samba, porm Meira se
utilizava dele em certos momentos, uma vez que tambm o encontramos em outras gravaes com
sua participao. Mais adiante veremos que um exemplo da utilizao por parte de Meira acordes
dissonantes.
O ltimo exemplo deste musema um trecho retirado do samba Minha Palhoa (J.
Cascata) onde Meira e Dino realizam este elemento simultaneamente, fazendo um contraponto
113
rtmico:
Exemplo musical 73: Tenso rtmico harmnica contrapontstica - "Minha Palhoa" (02'57")
Uma das caractersticas marcantes do Regional do Canhoto era a habilidade que Meira,
Dino e Canhoto tinham ao executar diferentes padres rtmicos simultaneamente, de maneira que
um rtmo complementasse o outro. Esse aspecto mais um dos que infelizmente no pudemos nos
aprofundar nesse trabalho, e que ser tarefa para futuras pesquisas.
3.1.5. Dissonncias
Exemplo musical 74: Sequncia harmnica com acordes dissonantes - "Se Acaso Voc Chegasse"
(Lado A - 14'26")
114
2/4 || C
| F7
| Bm7
| E7(#9)
| Am7
| D7/A Ab7(b5) | G
||
Como vimos nas descries dos musemas do Voz do Serto e tambm do Regional de
Benedito Lacerda, Meira no utilizava dissonncias como as descritas nos exemplos 67 e 69 nos
seus acompanhamentos (no Regional de Benedito Lacerda encontramos acordes maiores com
stima e nona, e tambm com stima e quinta aumentada), ao passo que nos acompanhamentos do
Regional do Canhoto comum encontrarmos tais procedimentos.
Segundo Maurcio Carrilho, Meira incorporou certas inovaes harmnicas nos seus
acompanhamentos, como mostra o trecho do depoimento do violonista:
O Meira era um violonista completo, inclusive tocava muito bem Bossa Nova, coisa
que os chores implicavam muito. Ele gostava daquelas harmonias, fazia o
acompanhamento com os acordes com tenso. Ento o violo dele traduzia isso.
Como ele tinha influncia de todas essas escolas, e guardava o conhecimeto de tudo
isso, ele aplicava muito bem no acompanhamento dele todas essas coisas, e com bom
gosto. Era um acompanhamento sbrio e muito eficiente que resultava bem, soava
rico em todos os sentidos, harmonicamente e ritmicamente (Entrevista com Maurcio
Carrilho).
3.1.6. Consideraes
Atravs das descries dos elementos destacados dos acompanhamentos realizados pelo
Regional do Canhoto, podemos observar que houve uma mudana em relao aos
acompanhamentos do Regional de Benedito Lacerda. Apesar da qualidade das gravaes deste
ltimo perodo favorecer a escuta de alguns detalhes talvez imperceptveis nas gravaes do
Regional anterior, ao nosso entender Meira e Dino, devido ao amadurecimento musical e ao
entrosamento gradativo do conjunto, estavam cada vez mais soltos, realizando cada vez mais
115
variaes daqueles elementos que foram consolidados no perodo em que o conjunto era dirigido
por Benedito Lacerda.
Observamos uma maior maleabilidade na execuo das levadas, uma maior independncia
sem perda de entrosamento e afinidade entre os elemento utilizados por ambos entre Meira e
Dino, principalmete na execuo dos baixos, que cada vez mais ficaram sob responsabilidade de
Dino32, enquanto Meira se via mais livre para fazer variaes de levadas, realizar intervenes
meldicas, como vimos atravs das frases nas primas, enriquecer a harmonia atravs do uso de
dissonncias, e tambm percurtir mais no violo em alguns momentos, como vimos nas tenses
rtmico-harmnicas.
32
Apesar de constatarmos que as baixarias cada vez eram funo do violo de Dino, percebemos que uma
caracterstica marcante de seu estilo a manuteno sistemtica da utilizao do bloco (i m a), intercalando as
levadas entre as frases de baixo.
116
CONCLUSO
Ao nosso entender, uma primeira contribuio deste trabalho foi eleger Meira como
protagonista da pesquisa, por tratar-se de um msico de atuao relevante no cenrio da msica
popular que jamais havia sido tema de algum estudo acadmico.
Vimos atravs da discusso na primeira seo do captulo 1 que os conjuntos regionais,
baseados na instrumentao tpica dos conjuntos de choro, no decorrer das primeiras dcadas do
sculo XX foram se inserindo no cenrio musical do Rio de Janeiro atravs da manuteno de
caractersticas sertanejas, muito valorizadas na poca, acentuadas pela vestimenta tpica e pelo
repertrio tido como regional. Vimos tambm que a trajetria de alguns desses conjuntos
contribuiu sobremaneira para a vinda de Meira para o Rio de Janeiro junto com outros integrantes
do Voz do Serto.
As anlises feitas no primeiro captulo apontam para o carter hbrido dos
acompanhamentos de sambas realizados no perodo. Vimos que em 1928, ano da gravao de
Sacode a Saia Morena, com a indstria fonogrfica ainda incipiente, uma das modalidades do
gnero samba, eram os sambas carregados de sotaque nordestino, caracterizados pela utilizao de
elementos como, por exemplo, o musema levada de embolada, retirado dos acompanhamentos de
Meira naquele perodo. Alm disso, observamos tambm a utilizao de elementos tradicionais da
linguagem do choro, como as levadas de polca e de maxixe e as frases de baixo.
Supe-se que no perodo compreendido entre o final da dcada de 1920 e incio da dcada
de 1930 o samba passou por algumas transformaes, vrias delas com o intuito de mold-lo de
maneira que este se tornasse um produto comercializvel, tanto pela indstria fonogrfica quanto
pelo rdio, dois campos em ascenso naquele perodo. Vimos que o papel exercido pelo grupo
Gente do Morro (embrio do Regional de Benedito Lacerda) foi fundamental para a efetivao
desse processo, atravs da incorporao de alguns elementos, por exemplo, a batucada. Vimos
tambm que, aps a entrada de Dino e Meira no Regional de Benedito Lacerda, o conjunto passa a
117
ter uma sonoridade muito particular, e uma maneira eficiente e compacta de realizar os
acompanhamentos de samba.
Atravs das anlises dos acompanhamentos de Meira desse perodo, percebemos que uma
srie de elementos passou a ser utilizada sistematicamente. Podemos destacar a levada teleco-teco
e suas variaes, as raspadeiras e as frases de baixo paralelas. Mostramos exemplos destes
musemas em outras gravaes, indicando que o trabalho dos violes do Regional de Benedito
Lacerda foi fundamental para a consolidao de alguns destes elementos na gramtica de
acompanhamento de samba.
Com a sada de Benedito e a entrada de Altamiro Carrilho e Orlando Silveira, o regional
adquiriu uma sonoridade diferente. Alm disso, o conjunto atendia a uma nova demanda musical,
atravs da incorporao de gneros alheios ao samba e ao choro em seus discos.
Os elementos extrados na anlise dos acompanhamentos de Meira no Regional do
Canhoto so indcios da manuteno e do refinamento de alguns elementos tradicionais como,
por exemplo, a utilizao das raspadeiras, e as diversas variaes da levada teleco-teco e tenses
rtmico-harmnicas. Por outro lado se percebe a incorporao de elementos no-tradicionais, como
por exemplo as frases nas primas, algumas com carter improvisatrio, e a utilizao de acordes
dissonantes, tais como acordes sub5 e acordes com nona aumentada. Todos esses elementos,
somados tambm ao desenvolvimento das baixarias no violo de Dino, apontam para um
amadurecimento musical no Regional do Canhoto, que se reflete em uma maneira mais solta de
executar os acompanhamentos, com maior riqueza e liberdade na utilizao dos elementos
descritos.
Por fim, buscamos atravs das transcries feitas nestes 3 captulos, sistematizar uma parte
dos ensinamentos deixados pelo mestre Meira. Sugerimos aos leitores que aps o trmino desta
leitura, escutem o samba At Amanh de Noel Rosa, pois era cantarolando esse samba, com
violo em punho e dirigindo-se a porta de sada que Meira despedia-se de uma roda de samba...
118
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VASSOURINHA e REGIONAL DE BENEDITO LACERDA. Emlia. Haroldo Lobo e Wilson
Batista. [Columbia 55302, 1941]. (2min 50s).
124
AUTOR 1
11061-B
AUTOR 2
TTULO
GNERO
INTRPRETE
GRAVADORA
DATA
JAYME FLORENCE
CHORO
BENEDITO LACERDA
ODEON
12/08/33
11167-B
JAYME FLORENCE
CHORO
BENEDITO LACERDA
ODEON
26/09/34
11221-B
JAYME FLORENCE
DE CHOCOLAT
VALSA-CANO
AUGUSTO CALHEIROS
ODEON
30/01/35
34356-B
JAYME FLORENCE
MANEZINHO ARAJO
VENCEU O AMOR
MARCHA
ARACI DE ALMEIDA
VICTOR
01/09/38
11825-A
JAYME FLORENCE
ROBERTO DE ANDRADE
NO TE DOU PERDO
SAMBA
GILBERTO ALVES
ODEON
30/11/39
55179-A
JAYME FLORENCE
POPEYE DO PANDEIRO
SAMBA
CASTRO BARBOSA
COLUMBIA
30/10/39
11953-B
JAYME FLORENCE
POPEYE DO PANDEIRO
SAMBA
GASTO FOMENTI
ODEON
13/12/40
12043-A
JAYME FLORENCE
ESTANISLAU SILVA
IMPERATRIZ
SAMBA
GILBERTO ALVES
ODEON
17/07/41
34898-A
JAYME FLORENCE
LEONEL AZEVEDO
VALSA
ORLANDO SILVA
RCA VICTOR
13/02/42
800058-B
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
ISAURA GARCIA
VICTOR
27/11/42
12257-A
JAYME FLORENCE
J. MORAIS
GRANDE DESILUSO
MARCHA RANCHO
DALVA DE OLIVEIRA
ODEON
26/01/43
800262-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
DEIXA PRA L
CHORO
ISAURA GARCIA
VICTOR
28/11/44
12450-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
CONDIES DE PAZ
SAMBA
ODETE AMARAL
ODEON
1944
800396-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
AMOR IMPOSSVEL
SAMBA
ISAURA GARCIA
VICTOR
19/10/45
800496-B
JAYME FLORENCE
MARCIAL MOTA
FATAL DESILUSO
VALSA
AUGUSTO CALHEIROS
RCA VICTOR
29/11/46
800497-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PRMIO DE CONSOLAO
SAMBA
ISAURA GARCIA
RCA VICTOR
19/11/46
800507-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
SAMBA
GILBERTO ALVES
RCA VICTOR
20/01/47
800649-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
NO SOU EU
SAMBA
ISAURA GARCIA
RCA VICTOR
17/11/49
800689-B
JAYME FLORENCE
COPO D'GUA
SAMBA
LINDA BATISTA
RCA VICTOR
03/07/50
825272-B
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
PETER KREUDER
RCA VICTOR
1950
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
DIRCINHA BATISTA
1950
13016-A
JAYME FLORENCE
ARRANCA TOCO
CHORO
GAROTO
ODEON
27/03/50
13436-A
JAYME FLORENCE
OUTRA CHANCE
CHORO
RAUL DE BARROS
ODEON
03/07/52
125
800873-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MEU CORAO
SAMBA
ANGELA MARIA
RCA VICTOR
06/02/52
800913-A
JAYME FLORENCE
ISTO AMOR
SAMBA
ISAURA GARCIA
RCA VICTOR
07/02/52
801072-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PRA ME ESQUECER
SAMBA
CASTRO BARBOSA
RCA VICTOR
17/10/52
800933-B
JAYME FLORENCE
ORLANDO SILVEIRA
BOI DE TOUCA
BAIO
RCA VICTOR
07/05/52
TA5334-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
JULINHA SILVA
TODAMRICA
18/06/53
801148-B
JAYME FLORENCE
WALDIRO F. TRAMONTANO
TECO-TECO
BAIO
RCA VICTOR
16/04/53
801233-A
JAYME FLORENCE
ALTAMIRO CARRILHO
VIAGEM A LUA
BATUCADA
RCA VICTOR
07/10/53
5.247-B
JAYME FLORENCE
FRANCISCO ANSIO
CHUVISCOU
COCO
JORGE VEIGA
COPACABANA
1954
5.295-B
JAYME FLORENCE
MAURO AFONSO
VALSA
ORLANDO SILVEIRA
COPACABANA
1954
5.293-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
SAMBA CANO
JANE
COPACABANA
1954
801389-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
SOU PAULISTA
SAMBA
ISAURA GARCIA
RCA VICTOR
10/09/54
TA5415-A
JAYME FLORENCE
FRANCISCO ANSIO
FINGE GOSTAR
SAMBA
JULINHA SILVA
TODAMERICA
23/03/54
TA5415-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
SAMBA
JULINHA SILVA
TODAMERICA
23/03/54
FRANCISCO ANSIO
ROJO
VALTER DAMASCENO
COLUMBIA
08/1954
FRANCISCO ANSIO-ERNESTO
PIRES
NO PEGUE NO CANGOTE
BAIO
VALTER DAMASCENO
COLUMBIA
08/1955
801509-A
JAYME FLORENCE
WALDIRO F. TRAMONTANO
LENO BRANCO
TANGO
RCA VICTOR
11/08/55
13977-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ROBERTO LUNA
ODEON
28/11/55
M50025-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
TRIO SURDINA
MUSIDISC
1955
17263-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
VERA LCIA
CONTINENTAL
24/02/56
470-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
NEUSA MARIA
SINTER
05/1956
14070-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ODEON
12/04/56
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
CAUBY PEIXOTO
COLUMBIA
08/1956
8755-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ELZA MIRANDA
ODEON
1956
17323-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
SAMBA CANO
VERA LCIA
CONTINENTAL
09/1956
T DANADO DE BOM
CHOTIS
VALTER DAMASCENO
COLUMBIA
1956
JAYME FLORENCE
FRANCISCO ANSIO
FINGE GOSTAR
SAMBA
JULIE JOY
SINTER
08/1956
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
LUIZ EA
COPACABANA
1956
126
3005
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
BOLA SETE
ODEON
1957
BPL 3048
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
DIRCINHA BATISTA
RCA VICTOR
1957
AUGUSTO MESQUITA
MARCHA
VALTER DAMASCENO
COLUMBIA
01/1957
AUGUSTO MESQUITA
COINCIDNCIA
SAMBA
VALTER DAMASCENO
COLUMBIA
01/1957
801798-B
JAYME FLORENCE
JORGE SANTOS
COMENTRIO BARATO
SAMBA CANO
LINDA RODRIGUES
RCA VICTOR
21/03/57
801781-B
JAYME FLORENCE
N. VANDERLEY
FORR DE PIANC
ROJO
ARI LOBO
RCA VICTOR
01/02/57
17378-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
ZOMBA DE MIM
SAMBA
VERA LCIA
CONTINENTAL
01/1957
14283-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PORQUE PERDOEI
SAMBA CANO
ROBERTO LUNA
ODEON
28/05/57
5796-B
JAYME FLORENCE
COPO D'AGUA
CHORO CANO
CARMINHA MASCARENHAS
COPACABANA
1957
5745-A
JAYME FLORENCE
OSMAR SAFETY
CHORO
ALTAMIRO CARRILHO
COPACABANA
1957
CLP 10013
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ELIZETH CARDOSO
COPACABANA
1957
TA5752-A
JAYME FLORENCE
OSMAR SAFETY
BEIJOS MENTIROSOS
SAMBA CANO
GILDA BARROS
TODAMRICA
04/03/58
293-A
JAYME FLORENCE
OSMAR SAFETY
CHORO
POLYDOR
27/06/58
15236-B
JAYME FLORENCE
FERNANDO CSAR
SAMBA CANO
VERA LCIA
MOCAMBO
1958
5951-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
DOUTOR BATUCADA
SAMBA
ANGELA MARIA
COPACABANA
1958
TA5860-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
GENIO MAU
SAMBA CANO
ODETE AMARAL
TODAMRICA
06/10/59
6043-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
TEMPO AO TEMPO
SAMBA
MARISA
COPACABANA
1959
FERNANDO CSAR
SAMBA CANO
CAUBY PEIXOTO
COLUMBIA
1959
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
ISAURA GARCIA
ODEON
1959
BPL1017
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
NEUSA MARIA
RCA VICTOR
1959
BPL1017
JAYME FLORENCE
FERNANDO CSAR
SAMBA CANO
NEUSA MARIA
RCA VICTOR
1959
4055
JAYME FLORENCE
JORGE SANTOS
QUE FAZER?
SAMBA
MACIEL
POLYDOR
1960
10284-B
JAYME FLORENCE
JORGE SANTOS
QUE FAZER?
SAMBA
DORINHA FREITAS
RGE
02/1961
802300-A
JAYME FLORENCE
CATULO DE PAULA
NA CABANA DO REI
BAIO
LUIZ GONZAGA
RCA VICTOR
24/01/61
6218-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
OPERAO AMOR
SAMBA
MARISA
COPACABANA
01/1961
127
SLP 7007
JAYME FLORENCE
JORGE SANTOS
QUE FAZER?
SAMBA CANO
CONTINENTAL
1961
78-0554-B
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MILAGRE
SAMBA CANO
IVONE MORAIS
CHANTECLER
1961
5160
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ROSANA TOLEDO
RGE
1962
5900522
JAYME FLORENCE
FERNANDO CSAR
SAMBA CANO
ELZA SOARES
ODEON
1965
BBL1423
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
OS INCRVEIS
RCA VICTOR
1967
3545
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
MARIA BETHNIA
ODEON
1968
MOFB
3537
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
LUIZ CLUDIO
ODEON
1968
CALB
5023
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
ISAURA GARCIA
RCA CAMDEN
1969
CLP 11559
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PRMIO DE CONSOLAO
SAMBA
ELIZETH CARDOSO
COPACABANA
1969
R765058L
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
MRCIA
PHILIPS
1969
R765116L
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
MAYSA
PHILIPS
1970
LLB1079
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
TITO MADI
LONDON/ODEON
1972
104259
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
ENTR/CBS
1973
104289
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
SLVIO CALDAS
ENTR/CBS
1974
1.01.404.09
JAYME FLORENCE
3
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
JAMELO
CONTINENTAL
1974
12335/6
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
ELIZETH CARDOSO
COPACABANA
1978
81262913
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
JAIR RODRIGUES
POLYGRAM
1983
61717142
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA-OSMAR
SAFETY
BAILE DA TARTARUGA
BAIO
Z GONZAGA
BEVERLY
1983
JAYME FLORENCE
LEONEL AZEVEDO
VALSA
NARA LEO
POLYGRAM
1983
34405096
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
TITO MADI
CONTINENTAL
1985
833483-1
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ALMIR/THE FEVERS
ARCO-RIS
1987
MCD 528
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
AIRTO MOREIRA
MONTUNO (USA)
1988
547487251
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
TITO MADI
EMI-ODEON
1988
128
130.0044
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
NELSON GONALVES
BMG ARIOLA
1988
9175-2
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
CLUDIO RODITI
MILESTONE
1989
90044
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
CAUBY PEIXOTO
FAMA/CID
1989
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
NEY MATOGROSSO/
RAPHAEL RABELLO
SOM LIVRE
1990
846989-2
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
POLYGRAM
1990
510401-2
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
LO GANDELMAN
POLYGRAM
1991
M60028
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
OS INCRVEIS
BMG ARIOLA
1994
2085-2
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
CLIA E Z MAURCIO
MACHLINE
SOM LIVRE
1996
118/0
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
CLIA VAZ/WANDA S
CID
1996
8574822
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
DANILO CAYMMI
EMI MUSIC
1997
8151 2
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
NANA CAYMMI
EMI MUSIC
1997
470268
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
CAUBY PEIXOTO
POLYDISC
1998
470268
JAYME FLORENCE
FERNANDO CSAR
SAMBA CANO
CAUBY PEIXOTO
POLYDISC
1998
3213019-2
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
WANDERLEY CARDOSO
ALBATROZ
1998
5201632
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ELIZETH CARDOSO
EMI MUSIC
1999
3306169-2
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ZEZ MOTTA
ALBATROZ
2000
5301772
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
TITO MADI
COPACABANA
2000
.00982
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
MAYSA
SOM LIVRE
2000
114-2
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
BADEN POWELL
TRAMA
2000
JAYME FLORENCE
ARRANCA TOCO
CHORO
ACARI RECORDS
2000
JAYME FLORENCE
ARRANCA TOCO
CHORO
BANDA MANTIQUEIRA
PAU BRASIL
2000
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
CLAUDETTE SOARES
SESC SO PAULO
2001
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PORQUE PERDOEI
SAMBA CANO
CLAUDETTE SOARES
SESC SO PAULO
2001
5050466069
JAYME FLORENCE
627
APERTO DE MO
SAMBA
BETH CARVALHO
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
MART'NLIA
129
WEA MUSIC
NATASHA
RECORDS
2002
2002
CD83646
15214-A
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ZEZ GONZAGA
BISCOITO FINO
2002
JAYME FLORENCE
DE CHOCOLAT
VALSA
TECA CALAZANS/HERALDO DO
MONTE
KUARUP
2003
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
ISAURA GARCIA
SESC SO PAULO
2003
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PRMIO DE CONSOLAO
SAMBA
ISAURA GARCIA
SESC SO PAULO
2003
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ROBERTO LUNA
SESC SO PAULO
2003
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PORQUE PERDOEI
SAMBA CANO
ROBERTO LUNA
SESC SO PAULO
2003
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
TAIGUARA
SESC SO PAULO
2003
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
LUCIANA MELLO
UNIVERSAL
2004
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
PAR
INSTRUMENTAL
2004
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
MARCEL POWELL
ROB DIGITAL
2005
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
ROSA PASSOS
TELARC
2006
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
YAMAND COSTA E
DOMINGUINHOS
BISCOITO FINO
2007
JAYME FLORENCE
APERTO DE MO
SAMBA
TECA CALAZANS
CPC-UMES
2007
JAYME FLORENCE
MARCIAL MOTA
FATAL DESILUSO
VALSA
TECA CALAZANS
CPC-UMES
2007
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
TECA CALAZANS
CPC-UMES
2007
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
PRMIO DE CONSOLAO
SAMBA
TECA CALAZANS
CPC-UMES
2007
JAYME FLORENCE
LEONEL AZEVEDO
VALSA
TECA CALAZANS
CPC-UMES
2007
JAYME FLORENCE
AUGUSTO MESQUITA
MOLAMBO
SAMBA CANO
UREA MARTINS
BISCOITO FINO
2008
JAYME FLORENCE
JORGE SANTOS
CENSURA
SAMBA CANO
NEILA GARCA
MOCAMBO
JAYME FLORENCE
JORGE SANTOS
SEM QUERER
OS COPA VIPS
COPACABANA
130
AUTOR 1
10219-A
AUTOR 2
REPERTRIO
GNERO
INTRPRETE
GRAVADORA
LUPERCE MIRANDA
PRIMOROSO
FOX
ODEON
1756
AGO/1928
10219-B
LUPERCE MIRANDA
LINDETE
V.CHORO
ODEON
1766
AGO/1928
10220-A
LUPERCE MIRANDA
MINONA CARNEIRO
SAMBA
ODEON
1773
AGO/1928
10220-B
LUPERCE MIRANDA
MINONA CARNEIRO
SAMBA
ODEON
1772
AGO/1928
10221-A
LUPERCE MIRANDA
MINONA CARNEIRO
MINAS GERAIS
EMBOLADA
ODEON
1751
AGO/1928
10221-B
LUPERCE MIRANDA
MINONA CARNEIRO
SERTAO DO SURUBIM
SAMBA
ODEON
1754
AGO/1928
10240-A
LUPERCE MIRANDA
MINONA CARNEIRO
XOU, JURITI
EMBOLADA
ODEON
1774
SET/1928
10240-B
LUPERCE MIRANDA
MINONA CARNEIRO
CAVAQUINHO DE OURO
CHORO
ODEON
1775
SET/1928
10244-A
LUPERCE MIRANDA
ME DEIXA, XAVIER
CHORO
ODEON
1758
SET/1928
10244-B
LUPERCE MIRANDA
ALMA E CORACAO
VALSA
ODEON
1762
SET/1928
10245-A
LUPERCE MIRANDA
ACHEI UM NINHO
SAMBA
ODEON
1765
SET/1928
10245-B
LUPERCE MIRANDA
A FARRA DO OLEGARIO
CHORO
ODEON
1761
SET/1928
10260-A
LUPERCE MIRANDA
AI MARIA
EMBOLADA
ODEON
1752
OUT/1928
10260-B
LUPERCE MIRANDA
LUCIA
MARCHA
ODEON
1759
OUT/1928
10261-A
LUPERCE MIRANDA
PENERA AS ASAS
SAMBA
ODEON
1753
OUT/1928
10261-B
LUPERCE MIRANDA
CHORO
ODEON
1757
OUT/1928
10262-A
LUPERCE MIRANDA
SAMBA
ODEON
1794
OUT/1928
10262-B
LUPERCE MIRANDA
NAO TE ARRECEBO
P.CHORO
ODEON
1795
OUT/1928
10280-A
LUPERCE MIRANDA
SAMBA
ODEON
1755
NOV/1928
10280-B
LUPERCE MIRANDA
CANANA
EMBOLADA
ODEON
1760
NOV/1928
10282-A
LUPERCE MIRANDA
LUCINETE
VALSA
ODEON
1997
NOV/1928
10282-B
LUPERCE MIRANDA
NAO FUI EU
CHORO
ODEON
1985
NOV/1928
10296-A
LUPERCE MIRANDA
FOX-TROT
ODEON
2064
ms/ano
10296-B
LUPERCE MIRANDA
CHORO
ODEON
2063
ms/ano
10335-B
LUPERCE MIRANDA
BULICOSO
CHARLESTON
ODEON
2015
MAR/1929
MINONA CARNEIRO
MINONA CARNEIRO
MINONA CARNEIRO
MINONA CARNEIRO
131
12.881-B
LUPERCE MIRANDA
FESTA NO PINA
132
FOX-TROT
PARLOPHON
2014
DEZ/1928
133