Extraterrestres - Salvador Nogueira
Extraterrestres - Salvador Nogueira
Extraterrestres - Salvador Nogueira
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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando
por dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo
nvel."
Prefcio
Uma introduo s novas Terras
Pesquisas recentes demonstram, alm de qualquer dvida, que planetas similares
ao nosso, possivelmente habitados, so extremamente comuns no Universo.
Captulo 1
O peso da solido csmica
A humanidade s comeou a pensar em aliengenas depois que Coprnico
demonstrou que nosso mundo era apenas mais um. E desde ento no paramos
mais.
Captulo 2
Extraterrestres equacionados
A probabilidade de encontrarmos inteligncias fora da Terra passvel de clculo.
S que precisamos adivinhar um monte de coisas para obter uma resposta.
Captulo 3
A cincia da vida aliengena
Para compreender as chances de haver vida l fora, primeiro devemos entender
quais so as regras para seu surgimento, vlidas em todas as partes do Universo.
Captulo 4
Em busca dos (micrbios) ETs
Agncias espaciais de vrios pases empreendem uma caa frentica a criaturas
aliengenas em nosso Sistema Solar, ainda que sejam simples bactrias.
Captulo 5
A verdade est l fora
A descoberta de planetas em torno de outras estrelas que no o Sol reforou a
hiptese de que quase impossvel no haver mais biosferas na vastido do
cosmos.
Captulo 6
Onde est todo mundo?
Se aliengenas so comuns, um dos maiores mistrios compreender por que
ainda no captamos nenhum sinal cientificamente verificvel de sua existncia.
Captulo 7
A fantstica fbrica de aliengenas
Em laboratrios terrestres, cientistas mostram que a qumica da vida flexvel e
pode assumir mltiplas formas, inclusive com verses extraterrestres de DNA.
Captulo 8
Os deuses astronautas
Viajar entre as estrelas difcil, mas no invivel. Considerando que a Terra tem
4,6 bilhes de anos, no impossvel que j tenhamos sido visitados no passado.
Captulo 9
O fenmeno OVNI
Desde a dcada de 1940, temos relatos insistentes de aparies. No Brasil, avies
militares at perseguiram alguns desses estranhos objetos e o mistrio continua.
Captulo 10
Eles j esto entre ns
A fico cientfica tratou de produzir uma rica projeo de como podem ser os
aliengenas. Independentemente de sua existncia, eles j vivem no imaginrio
humano.
Captulo 11
Coda: Seremos ns os aliengenas?
O que a busca por vida extraterrestre pode nos ensinar sobre o futuro da
humanidade e nossa responsabilidade conforme expandimos nossos domnios na
Via Lctea.
nuances. A comear pelo comeo de tudo. De onde surgiu essa ideia de procurar
ETs?
O pe so da solido c smic a
Estamos ss no Universo?
Como vimos, a pergunta s passa a ter sentido uma vez que a Terra convertida
de corpo imvel no centro do cosmos a apenas mais um planeta, de uma coleo
deles girando ao redor do Sol. Esse salto conceitual coube a um clrigo polons
trepidante, que no se animou muito em contradizer o geocentrismo dogmtico
instaurado no cerne de sua f catlica. Seu nome: Nicolau Coprnico.
Nascido em Torun, em 1473, o nosso Nico era o mais jovem de quatro irmos.
Filho de uma famlia de mercadores, ele comeou a carreira acadmica na
Universidade da Cracvia. Foi l que se familiarizou com a matemtica e a
astronomia, antes de iniciar sua vida religiosa. Amante da observao celeste,
no custou para que percebesse a fragilidade do modelo geocntrico. Mas um
dos maiores empurres na direo da teoria heliocntrica (com o Sol no centro
do sistema planetrio), ironicamente, acabou sendo dado pela prpria Igreja
Catlica.
Para o Vaticano, o cu tinha importncia fundamental na formulao dos
calendrios, que permitiam determinar quando se comemoravam certas datas
festivas, como a Pscoa. O calendrio juliano, em vigor desde o tempo de Jlio
Csar (100-44 a.C.), estava mostrando sinais de senilidade, na forma de
desajustes cada vez maiores entre a data estipulada para a comemorao da
Pscoa e o equincio de maro (momento do ano em que o dia e a noite tm
aproximadamente a mesma durao). Na mdia, os avanos para solstcios e
equincios eram de apenas 11 minutos a cada ano no calendrio juliano. Mas,
depois de 15 sculos em vigor, esse pequeno efeito deixa de ser desprezvel. A
diferena acumulada j representava mais de dez dias.
Coprnico, a essa altura reconhecido como astrnomo de certa estatura, foi
procurado em 1513 pelo bispo de Fossombrone, Paul de Midelburgo, para que
desse sugestes de como ajustar a contagem dos dias (o que acabaria sendo feito
apenas em 1582, pelo papa Gregrio 13, dando origem ao calendrio gregoriano,
em vigor at hoje). Apesar de soterrado em obrigaes administrativas na
Catedral de Frombork, o polons conduziu nessa poca uma bateria de
observaes astronmicas, muitas delas presumivelmente em conexo com o
problema do calendrio. Foi nesse mesmo perodo que ele desenvolveu a
primeira verso de sua teoria heliocntrica, redigida num pequeno tratado de 40
pginas conhecido como Commentarioulus , que fez circular primeiro entre
amigos e colegas.
Apesar de sua convico pessoal e da boa recepo ao trabalho inclusive em
crculos catlicos , Coprnico sabia que o tema despertaria controvrsia. Mais
que uma simples afronta a Aristteles, ele parecia estar em flagrante contradio
com trechos bblicos, que descrevem Deus fazendo o Sol parar no cu. Se o Sol
est imvel no centro do Universo, como sugere Coprnico, o que fazer da
O princpio copernicano
No centro de tudo fica o Sol. Sentado no trono real, ele comanda a famlia de
planetas que gira em torno dele. (...) Encontramos nesse arranjo uma admirvel
harmonia do mundo.
Assim escreveu Coprnico, nas primeiras pginas realmente dele em De
Revolutionibus (sem contar o prefcio porco de Osiander). Cinco anos aps a
publicao dessas palavras, nascia em Nola, perto de Npoles, um homem que,
mais que qualquer outro, apreciaria a implicao da hiptese copernicana. Seu
nome era Filippo Bruno, mas, ao entrar na Ordem Dominicana, aos 15 anos de
idade, ele passou a ser chamado de Giordano.
De esprito inquieto e mente livre, o jovem novio teve contato com a obra de
Coprnico provavelmente na biblioteca do monastrio de Santo Domingo. E
talvez tenha sido um dos livros menos controversos que ele leu ali. Depois que foi
pego anotando um tomo proibido de Erasmo de Roterd (1466-1536), um
defensor da tolerncia religiosa e fonte inspiradora da reforma protestante, Bruno
foi acusado de heresia e fugiu de Npoles.
O filsofo passou sete anos perambulando, sempre um passo frente da
Inquisio Romana, at chegar Frana, onde se tornou influente na corte de
Henrique 3, para depois passar outros dois anos na Inglaterra, amparado pelo
embaixador francs. L ele teve contato com Elizabeth 1 e chegou a trabalhar
brevemente como espio para os ingleses, alm de produzir suas obras mais
influentes. Transitando entre os calvinistas e os anglicanos, e revelando
livremente seus pensamentos incendirios, o italiano nada fez para aplacar a
fria crescente da perseguio catlica.
Em 1584, Giordano Bruno redigiu o trabalho que revelou sua interpretao
pessoal da obra copernicana: De lInfinito Universo et Mondi (Sobre o Universo
Infinito e Seus Mundos). Ali, ele deixou claro que a hiptese heliocntrica era
apenas um modesto ponto de partida. Em sua opinio, Coprnico no fora ousado
ao explorar filosoficamente sua proposio. Para Bruno, o Sol nada mais do
que apenas mais uma estrela, das tantas visveis no cu noturno. Sua aparncia
diferenciada seria uma iluso provocada pela proximidade. H incontveis sis
e uma infinidade de planetas que circulam em torno de seus sis, como os nossos
sete planetas circulam em torno do nosso, escreveu Bruno.
O leitor pode estranhar a contagem de sete planetas, mas a Lua na poca
tambm era tratada como planeta e includa na lista. Urano e Netuno, s visveis
ao telescpio, ainda no haviam sido descobertos. Portanto, Bruno ali se refere a
Mercrio, Vnus, Terra, Lua, Marte, Jpiter e Saturno. (Palavra originria do
grego, planeta significa errante, e era usado em tempos geocntricos para
designar todos os corpos celestes que no seguiam o mesmo movimento
padronizado das estrelas fixas. Com a revoluo copernicana, os astrnomos
dizer. De joelhos, ele ergueu a cabea, olhou para seus acusadores e disse, em
alto e bom som: Talvez o seu medo em passar esta sentena seja maior do que o
meu em aceit-la.
At o fim, um rebelde, Bruno estava disposto a dar a vida, se significasse levar
suas ideias a novas alturas. O que de fato fez. Seu pensamento influenciou a viso
dos primeiros cientistas modernos que ousaram especular sobre vida
extraterrestre. Mas, por mais correta que fosse sua viso do Universo, ela era
apenas uma especulao filosfica. No muito diferente, alis, do prprio
trabalho de Coprnico, que ainda careceria de outros campees para elev-lo
definitivamente ao status de consenso cientfico.
paspalho do livro era uma verso satirizada de si mesmo, o que foi a gota dgua
para que Galileu, a exemplo de Bruno, fosse levado a Roma diante da Inquisio
para julgamento por heresia.
O cientista sabia que de nada adiantaria bancar o mrtir e ser queimado na
fogueira, como seu predecessor, e acabou abjurando e repudiando todas as
heresias que pudesse ter cometido, alm de prometer jamais proferir qualquer
nova defesa do copernicanismo. Escapou da morte, mas ganhou em 1633 uma
sentena de priso perptua domiciliar. Mesmo idoso, Galileu seguiu contribuindo
com a cincia e morreu, cego, em 1642. Reza o mito que, aps confessar e
abjurar todas as suas heresias, Galileu sussurrou a seus inquisidores: E ppur si
muove. E, no entanto, ela se move, referindo-se Terra.
Especulaes cientficas
Desde o sculo 17, todos os pensadores tm partido de duas premissas filosficas
para defender a existncia de outros mundos habitados. Uma delas o princpio
copernicano, tambm conhecido como princpio da mediocridade, sobre o qual
j discorremos: se a Terra apenas mais um planeta, de uma coleo completa
que gira ao redor do Sol, no h razo, a priori, para supor que ela especial e
o nico abrigo para a vida.
O segundo princpio, muito mais delicado, de ordem teleolgica. Parte do
pressuposto fundamentalmente religioso de que o Universo foi construdo de
forma meticulosa segundo um propsito definido. De acordo com essa premissa,
a descoberta das luas de Jpiter, por si s, seria evidncia de que h gente
vivendo naquele planeta.
Johannes Kepler pensava desse jeito. Na cabea dele, Deus no teria criado as
luas jovianas para observao humana porque Galileu precisou de uma luneta e
muita ateno para encontr-las. Na cabea do alemo, a funo pretendida pelo
divino Criador para os satlites galileanos era bvia. Nossa Lua brilha para ns,
na Terra. Da mesma maneira, as luas de Jpiter devem brilhar em benefcio dos
habitantes daquele planeta. Seguindo essa mesma lgica, todos os planetas
deveriam ter vida e, possivelmente, luas.
Uma concluso ousada, mas com limites. Ao considerar o ser humano a
suprema criao divina, o alemo sugere que Deus teria colocado nosso planeta
no local certo do Sistema Solar recebendo a quantidade exata de calor do Sol
para permitir a existncia das mais nobres criaturas racionais: ns.
Kepler passou muito perto de expressar um conceito astronmico
modernssimo na busca por planetas com vida fora do Sistema Solar: a zona de
habitabilidade, onde um mundo recebe a quantidade adequada de radiao para
manter gua em estado lquido em sua superfcie. Mas o astrnomo alemo
tambm deu belas bolas fora. Seu trabalho mais detalhado em matria de
aliengenas foi a especulao de que h vida e criaturas inteligentes na Lua.
Pela primeira vez na histria da astronomia, Kepler tinha observaes
telescpicas que permitiam concluir, sem sombra de dvida, que o solo lunar no
era muito diferente do terrestre, com todas as irregularidades que lhes so
peculiares. Entre as marcas mais caractersticas distinguveis nos estudos
conduzidos por Galileu em 1610 estavam estranhos buracos circulares as
crateras. Para Kepler, aquelas formaes geometricamente exatas no podiam
ser obra da natureza. Em vez disso, seriam construes artificiais erigidas para
proteger os habitantes lunares da intensa insolao a que eram submetidos. Os
selenitas construiriam cidades inteiras no subsolo, e usariam o refgio seguro da
sombra das crateras quando precisassem vir superfcie.
As ideias sobre a Lua e sua habitabilidade j estavam na cabea de Kepler
Solar se esvaiu, como veremos adiante, mas a essa altura j est claro que uma
estimativa baseada somente no princpio copernicano (somos apenas mais um
planeta, entre muitos) no sustenta a hiptese de um Universo cheio de vida. E o
fato de que os cientistas preservam at hoje argumentos teleolgicos para
defender a existncia de aliengenas tambm no ajuda.
Um dos maiores campees da vida extraterrestre no sculo 20 foi o
astrnomo americano Carl Sagan (1934-1996). Embora tenha pregado a vida
inteira em favor do pensamento racional e ctico diante de um mundo
assombrado pelos demnios, ele tambm j foi vtima, ainda que sutil, do
pressuposto teleolgico, ao se apropriar de uma citao do filsofo escocs
Thomas Carly le (1795-1881) em um simpsio realizado na Universidade de
Boston na dcada de 1970. Se elas [as estrelas] no so habitadas, que
desperdcio de espao. Como se o propsito do Universo fosse a habitao por
criaturas vivas. um preconceito fcil de compreender sendo ns seres vivos
, mas difcil de justificar racionalmente.
Parece haver uma compulso, ao olhar para o cu, de encontrar l nossos
iguais. O que pode muito bem no corresponder realidade. Quando conversei
com o astrnomo americano Donald Brownlee, da Universidade de Washington
em Seattle, ele comentou sobre essa desconexo que h entre o que se espera, a
partir do princpio copernicano, e o que temos de fato l fora.
Muitos vo pensar que o propsito da natureza produzir planetas como a
Terra, e o propsito dos planetas como a Terra a evoluo de pessoas, afirma.
E isso complicado, a natureza produz todo tipo de planeta. E, mesmo quando a
vida evolui, no h nenhuma preferncia para evoluir at pessoas.
No toa que os entusiastas da vida aliengena, Carl Sagan includo, a partir
da dcada de 1960 a mesma poca em que se consolidaram as maiores
desiluses com relao vida no Sistema Solar , decidiram temperar o
princpio copernicano com estatsticas mais realistas. Se o Universo claramente
no est a s para abrigar planetas como a Terra e conduzir evoluo de
pessoas como ns, em qual porcentagem dos casos em meio s incontveis
estrelas mencionadas por Giordano Bruno h a esperana de encontrarmos
vida e, qui, uma civilizao aliengena?
A resposta definitiva, ainda no temos. Mas pelo menos j existe uma equao
matemtica que d cabo de formular essa pergunta crucial.
A Ordem do G olfinho
No comeo da reunio, depois que os convidados se sentaram e tomaram um
cafezinho, Frank Drake foi lousa e escreveu:
N = R* fp ne fl fi fc L
Mal sabia ele que estava escrevendo uma das mais famosas equaes da
histria da cincia, que perdia em apelo somente para E = mc 2, do inigualvel
Albert Einstein. Drake tinha ambies muito mais modestas. Para ele, a
expresso matemtica era praticamente conversa de bar. Srio. Reza a lenda que
uma das primeiras vezes que essa sequncia de fatores foi escrita aconteceu num
pub defronte Universidade do Arizona. O estabelecimento, chamado 1702, tem
a tradio de deixar os clientes escreverem em suas paredes, e Drake no teria
perdido a chance (pelo menos de acordo com os funcionrios do bar).
O objetivo da equao era dar um norte ao primeiro encontro cientfico sobre
civilizaes aliengenas. Conforme eu planejava a reunio, percebi alguns dias
antes que precisaramos de uma agenda. Ento eu escrevi todas as coisas que
algum precisa saber para prever quo difcil ser detectar vida extraterrestre. E
olhando para elas ficou bem evidente que, se voc multiplicasse todas, voc
obteria um nmero N, que o nmero de civilizaes detectveis em nossa
galxia. Isso era focado na busca por rdio, e no em procurar formas de vida
primitivas, recontou o cientista, durante um debate promovido pela NASA em
2003.
A equao de Drake, como acabou conhecida, basicamente uma sequncia
de probabilidades que ajudou e ainda ajuda pesquisadores ligados busca por
extraterrestres a compreender a complexidade da questo. Ela rene, em forma
matemtica simples, estimativas de astronomia, biologia e sociologia. Para
perceber isso, basta uma olhada no significado de cada um dos termos:
R* a taxa anual de produo de estrelas na Via Lctea, a nossa galxia.
fp a frao de estrelas que tm planetas.
ne o nmero de planetas habitveis por sistema planetrio.
fl a frao de planetas habitveis que efetivamente desenvolvem vida.
fi a frao de planetas vivos que desenvolvem vida inteligente.
fc a frao de planetas com vida inteligente que atingem o estgio
tecnolgico necessrio para se comunicar por rdio com outras civilizaes.
L o tempo de vida mdio de uma civilizao comunicativa.
Nos dias subsequentes, Drake e seus colegas discutiram detidamente cada um
dos termos. Como se podia esperar, quanto mais se avana na equao, mais
complicado se torna estimar nmeros para colocar nela.
O grupo, que se autoproclamou a Ordem do Golfinho inspirado pelos
trabalhos de Lilly, que sugeriam que esses cetceos poderiam ser uma segunda
espcie inteligente a emergir na Terra , duelou com a equao em busca de
uma resposta.
R* o nmero que causa menos controvrsia e o nico que j permitia uma
estimativa mais ou menos segura em 1961, pois exige basicamente dividir o total
de estrelas presentes na Via Lctea pela idade da galxia. Mas a Ordem do
Golfinho optou por uma estimativa conservadora, restringindo-se apenas quelas
estrelas similares ao Sol. Imaginava-se que s para essas estrelas o Sistema Solar
o nico conhecido na poca pudesse ser um exemplo tpico, o que teria
implicaes importantes na estimativa dos termos seguintes. Por isso, para aquele
grupo pioneiro de cientistas, R* = 1 estrela por ano.
O termo fp era, na poca, bem mais controverso, uma vez que nenhum planeta
fora do Sistema Solar havia sido descoberto ainda. Os cientistas tinham de se
escorar nas teorias disponveis para explicar a formao dos nossos planetas e
ento extrapolar isso para as demais estrelas. O grupo preferiu mais uma vez ser
conservador, imaginando que apenas de 20% a 50% das estrelas acabavam
abrigando planetas uma estimativa baseada na suposio de que somente
estrelas solitrias, como o Sol, minoria na galxia, tinham estabilidade suficiente
para ter um sistema planetrio. Estrelas binrias ou trinrias ento eram tidas
como inadequadas (concluso que foi contestada por pesquisas recentes). Da a
estimativa de que fp ficava entre 0,2 e 0,5.
Para ne, a Ordem do Golfinho nem sabia por onde comear e no chegou a
um consenso. Usando o exemplo fornecido pela Terra, eles podiam afirmar que
um planeta por sistema seria adequado, mas at cinco poderiam ter condies
para a vida. Segundo o grupo, ne ficaria em algum lugar entre 1 e 5.
E a, conforme deixamos o campo da astronomia para mergulhar na biologia,
os chutes comeam a ser ainda menos calibrados. Ironicamente, quanto mais
controverso, mais facilmente os membros da Ordem do Golfinho comearam a
convergir para um nmero de consenso. Sem levar em conta quaisquer
complexidades envolvidas nos processos que conduzem origem da vida, eles se
calcaram no registro fssil terrestre para fazer sua estimativa. Os sinais mais
antigos de vida na Terra remontam a quase 4 bilhes de anos atrs a mesma
poca em que o ambiente planetrio teria se estabilizado e se tornado favorvel
atividade biolgica. O fato de que isso se deu com relativa rapidez fez os
cientistas imaginarem que, uma vez que as condies certas se apresentam, a
vida logo aparece. De forma destemida, calcularam que fl = 1. Ou seja, em
todos os lugares em que a vida pode surgir, ela acaba aparecendo.
O item seguinte diz respeito a vida complexa e inteligente. Enviesados pelo
exemplo terrestre, que sabidamente possui uma civilizao tecnolgica e pode ter
pelo menos mais um grupo de espcies inteligentes (os cetceos, segundo as
controversas pesquisas de Tully ), os membros da Ordem do Golfinho
algum, isso por si s seria motivo de esperana para os humanos. Pelo menos
algum l fora teria conseguido sobreviver adolescncia tecnolgica.
Carl Sagan era bem menos pessimista. Ele acreditava ser muito possvel que
uma civilizao encontrasse estabilidade global e prosperidade antes ou mesmo
depois de desenvolver armas de destruio em massa. Essas sociedades
evoluiriam para explorar os recursos naturais de seu sistema planetrio e
poderiam ser virtualmente imortais, alcanando uma sobrevivncia em escala
astronmica centenas de milhes a bilhes de anos.
Entre o pessimismo de Morrison e o otimismo de Sagan, a Ordem do Golfinho
estimou o valor de L entre mil e 100 milhes de anos.
Adotando os valores mais pessimistas das estimativas da Ordem do Golfinho,
temos a seguinte soluo:
N = 1 x 0,2 x 1 x 1 x 1 x 0,1 x 1.000
N = 20 civilizaes comunicativas na Via Lctea.
Trata-se de um nmero modesto, que coloca a SETI em posio difcil. Afinal
de contas, se por um lado havia algum transmitindo l fora, a chance de
encontrarmos uma das 19 sociedades aliengenas (sendo a de nmero 20 a
nossa!) em meio a 100 bilhes de estrelas era bem baixa.
Em compensao, usando as estimativas mais otimistas, teramos:
N = 1 x 0,5 x 5 x 1 x 1 x 0,2 x 100.000.000
N = 50 milhes!
Quando um grupo de cientistas se rene para estimar uma determinada
quantidade e, aps alguns dias de reunio, conclui que esse valor gira entre 20 e
50 milhes, temos de admitir que o pessoal no est muito seguro da resposta. De
forma surpreendente, esse sem dvida um dos grandes apelos da equao de
Drake. Ela no responde nada, s permite que cada um coloque suas prprias
estimativas a fim de calcular o tamanho da nossa solido csmica. Mais que um
clculo sobre aliengenas, ela ficou famosa como uma expresso do tamanho de
nossa ignorncia. Apesar disso, diversos cientistas se arriscaram a realizar esse
exerccio desde 1961.
O otimista e o pessimista
A soluo mais entusistica da equao de Drake parece ser a produzida pelo
cientista russo Iosif Shlovskii e pelo astrnomo americano Carl Sagan, no clssico
livro A Vida Inteligente no Universo, publicado em 1966.
Eles adotam uma interpretao mais ampla para R*, sugerindo que
praticamente todas as estrelas salvo aquelas muito grandes, com vida til
estimada em poucos milhes de anos podem ser includas na equao de
Drake. Arredondando os nmeros (100 bilhes de estrelas na Via Lctea,
nascidas nos ltimos 10 bilhes de anos), eles chegam a R* = 10.
Para fp, eles atribuem o valor 1, pois esto certos de que o desfecho natural do
nascimento de uma estrela a produo de um sistema planetrio (os estudos
atuais parecem corroborar essa hiptese). Para ne, adotam o valor do Sistema
Solar: 1 planeta habitvel por sistema. Esse valor pode at ser considerado
conservador para Sagan, que nunca abandonou a esperana de encontrarmos
vida em Marte. Para fl, de novo o valor 1. Sempre que a vida pode surgir, ela
surge, argumenta a dupla. Para fi, um falso pessimismo: 0,1. Ou seja, a cada dez
planetas com vida, apenas um produz seres inteligentes. Pode parecer
conservador, mas poucos bilogos concordariam com essa estimativa muito
exagerada, eles diriam. Para fc, eles tambm atribuem o valor de 0,1, indicando
que nem sempre uma civilizao tecnolgica evolui para se tornar comunicativa.
Multiplicando tudo, temos N = 10 x 1 x 1 x 1 x 0,1 x 0,1 x L = 0,1 x L
Ou seja, sem estimar L, eles podem afirmar que a cada dez anos surge uma
nova civilizao comunicativa na galxia! Se usarmos o entusiasmo de Sagan,
que sugere que sociedades desse tipo podem sobreviver tranquilamente por 10
milhes de anos, temos que h 1 milho de civilizaes disparando sinais de rdio
galxia afora!
Mas para cada entusiasmado h um pessimista inveterado. Em 2000, o
paleontlogo Peter Ward e o astrnomo Donald Brownlee escreveram o livro Ss
no Universo?, sugerindo que planetas similares ao nosso supostamente
necessrios ao surgimento de vida complexa e multicelular seriam incomuns
ao extremo, solapando quaisquer resultados otimistas para a equao de Drake.
Em seu livro, eles sugerem que diversos fatores so importantes, como a
posio do sistema planetrio na galxia (nem muito perto do centro galctico,
onde h muita radiao, nem muito longe, onde h baixa quantidade de
elementos pesados para a fabricao de planetas) e o tipo de estrela em torno da
qual o mundo orbita (no pode ser grande demais, pois esgota seu combustvel e
explode antes que a vida tenha tempo de evoluir, e no pode ser pequena demais,
caso em que o planeta localizado na estreita zona habitvel da estrela estar
travado gravitacionalmente, mostrando a mesma face para a estrela o tempo
todo, com metade sob perptua luz e metade sob uma sombra eterna).
que foi convertido da religio ortodoxa para a biologia evolutiva pelo peso das
evidncias observacionais teria defendido.
E assim prossegue a pesquisa SETI, em busca de qualquer sinal de possveis
inteligncias aliengenas que ajude a colocar estatsticas reais na equao de
Drake. Enquanto isso no acontece, somos obrigados a lidar cientificamente
apenas com os fatores mais conhecidos e usar os desconhecidos como elementos
de contemplao. Com efeito, Drake jamais presumiu responder quantas
civilizaes existem na Via Lctea. Sua equao foi s um instrumento
extraordinariamente bem-sucedido para permitir que os cientistas refletissem
sobre a natureza da vida e seu contexto no Universo.
Em resposta ao desafio central proposto pela equao, vrios pesquisadores
produziram verses alternativas que julgavam ser mais adequadas para uma
estimativa concreta do nvel de presena de inteligncias na Via Lctea. Glen
David Brin, da Universidade da Califrnia em San Diego, por exemplo, sugeriu
em 1983 que a equao deveria levar em conta os efeitos de colonizao
interestelar por civilizaes avanadas, cada uma com uma velocidade de
expanso v e um tempo de vida L. O resultado um conjunto de trs equaes
ligadas entre si. J o russo Aleksandr Zaitsev sugeriu, em 2005, que um novo fator
deveria ser includo, para levar em conta qual a frao das sociedades
comunicativas como ns que de fato se engaja na transmisso de sinais a
sistemas vizinhos. Os humanos tm sido notoriamente tmidos nesse aspecto,
embora algumas mensagens especficas tenham sido direcionadas ao espao
csmico. E esses so apenas dois exemplos. Mais recentemente, Nicolas Glade,
da Universidade Joseph Fourier, na Frana, e seus colegas sugeriram a
necessidade de um tratamento estatstico mais rigoroso e que levasse em conta o
fator tempo para a obteno de resultados relevantes com a equao de Drake.
Enquanto isso, outros astrnomos preferem comer pelas beiradas e abordar
o problema a partir de observaes que no dependam da colaborao de
civilizaes comunicativas. Para nossa felicidade, uma verso adaptada (e mais
contida) da equao de Drake sugere que eles podem chegar a uma concluso j
na prxima dcada.
impossvel discutir seres extraterrestres sem antes fazer uma parada aqui
mesmo, na Terra, a fim de tentar compreender como a vida surgiu por essas
bandas. Gostemos ou no, no momento este o nico exemplo de biosfera que
conhecemos, e no temos seno ele para basear nossas especulaes. Somente
sabendo de que maneira os organismos vivos terrestres mais primitivos foram
gerados que podemos estimar e teorizar sobre a possibilidade de que o mesmo
fenmeno ou algo similar tenha acontecido em outros mundos.
Esse exerccio obrigatoriamente nos leva de volta ao ano de 1953, quando dois
cientistas americanos realizaram o experimento que at hoje conhecido como
o grande marco na compreenso da origem da vida. Num arranjo de laboratrio
em cincia.
Dos gigantes daquele tempo, Nirenberg tinha lembranas vvidas de Gamow
o peixe fora dgua no mundo da bioqumica. Ele foi um dos homens mais
interessantes que conheci em minha vida, contou-me. Ele era esse grande
homem-urso, fumava constantemente, segurando seu cigarro daquele jeito russo,
entre seu mindinho e o dedo seguinte. Ele tinha um maravilhoso senso de
diverso no que fazia. Quando escreveu um estudo predizendo um cdigo
gentico, pensando que trs bases no DNA diretamente codificavam um
aminocido na protena, enviou-o para a revista PNAS [publicao da Academia
Nacional de Cincias do EUA]. Ele tambm deu cpias para alguns de seus
amigos, fsicos, e disse que o dia da verdade havia chegado. Eles pediram,
imploraram, para que ele retirasse o estudo. Diziam: Voc um fsico. O que
voc sabe de biologia? Voc est fazendo papel de bobo. Ento ele desistiu e
enviou para a Academia Dinamarquesa de Cincias, da qual tambm era
membro, e publicou l. Ele estava errado em todos os detalhes, mas a ideia
essencial de um cdigo estava absolutamente correta.
Com a linguagem do DNA finalmente decifrada, parecia que o funcionamento
da vida, ao menos em suas linhas gerais, j era compreendido. Mas sua origem,
apesar do promissor experimento realizado por Stanley Miller em 1953, ainda
seguia nebulosa.
O milagre da vida
O grande problema era justamente que todas as formas biolgicas conhecidas se
assentavam sobre duas bases indispensveis: as protenas, cujas receitas so
codificadas pelo DNA, e o DNA, cuja replicao s possvel com a ajuda de
protenas.
Temos a um clssico problema do tipo o ovo ou a galinha. Considerando as
diferenas entre os dois tipos de molcula, e simples clculos de probabilidade,
impossvel imaginar que ambos tenham aparecido simultaneamente, de forma
aleatria, para formar a primeira clula. E a vem a pergunta: quem surgiu
primeiro, a informao replicvel, que viabiliza a hereditariedade (e, portanto, a
evoluo), ou o metabolismo, conduzido por protenas?
Nos anos 50, depois do sucesso do experimento de Urey -Miller, imaginava-se
que tudo comeava com os aminocidos, que se juntariam aleatoriamente para
produzir as protenas, que por sua vez depois se reuniriam aos cidos nucleicos
(RNA e DNA). No fim, todos seriam encapsulados juntos numa bolha de lipdio
(gordura) que fizesse as vezes de clula primitiva. Embora ainda seja defendida
bravamente por muitos cientistas, essa abordagem nunca foi demonstrada muito
alm da fabricao de aminocidos individuais, como fizeram Urey e Miller, e
peptdeos simples (pedaos pequenos de protenas). Repeties e variaes
experimentais conseguiram produzir copiosas quantidades desses tijolos
proteicos, mas nunca se viu aminocidos se reunirem para produzir uma protena
funcional. Pior: estudos posteriores mostraram que a atmosfera da Terra em seus
primrdios deve ter sido diferente da proposta por Oparin, de forma que a
simulao de 1953, embora fosse um caminho vivel para a produo de
aminocidos, talvez nunca tivesse ocorrido antes em nosso planeta.
Por outro lado, o dogma central da biologia molecular (DNA leva a RNA, que
leva a protenas) parecia sugerir uma ordem inversa, hierrquica, para a origem
da vida: tudo comearia com a informao, representada pelos cidos nucleicos.
E a a complicao experimental se torna ainda maior: ningum jamais
conseguiu sintetizar DNA ou RNA a partir de compostos simples. E
aparentemente isso impossvel em um ambiente que tenha gua. Como o
poderoso solvente que , ela desmancharia molculas intermedirias antes que se
reunissem para produzir o primeiro gene funcional e replicvel do mundo.
Seja qual for o ponto de partida, parece inevitvel que metabolismo e
replicao atuem juntos para produzir o primeiro ser vivo. DNA no faz
metabolismo. Alis, ele praticamente uma diva do mundo celular: guarda
informao e olhe l. J as protenas so burras. Podem realizar feitos
metablicos prodigiosos, mas no tm em si dados que permitam produzir sua
prpria replicao. Sem reproduo, nada de vida. Eis que surge a salvao da
lavoura: entre o DNA e as protenas, h o discreto e subvalorizado RNA.
Hoje mero capacho do queridinho DNA na biologia, ele pode ter tido um papel
fundamental na origem da vida. Menos competente que seu irmo mais famoso
para preservar informao (mas ainda assim capaz de faz-lo) e tambm
relativamente hbil na produo de metabolismo (embora menos que as
protenas), ele pode ter sido no passado o faz-tudo que resolveu a questo,
poupando-nos assim do dilema do ovo e da galinha. D mais valor a este que o
marido de aluguel celular, porque bem possvel que a trajetria evolutiva que
desembocou em criaturas como eu e voc tenha comeado no que os cientistas
chamam de mundo de RNA.
A hiptese foi primeiro advogada por Francis Crick, em 1968, e hoje, por
todas as convenincias e simplificaes que oferece, tida como a principal
candidata origem da vida. Mas ela no resolve tudo. Primeiro porque uma
cadeia de RNA produzida s cegas, de forma aleatria, no levaria to
facilmente a organismos funcionais como os que vemos hoje em todos os cantos
do mundo.
O fsico J. Hoods Halley, da Universidade de Minnesota, fez alguns clculos a
esse respeito em seu livro How Likely is Extraterrestrial Life? (Quo Provvel a
Vida Extraterrestre?), de 2012. Ele parte do material gentico de uma bactria
bastante conhecida dos cientistas, a Escherichia coli, famosa entre outros motivos
por nos dar o desprazer do piriri. Essa (no to) simptica criatura tem um
genoma composto por cerca de 5 milhes de pares de base. J um tamanho
diminuto, se comparado ao DNA humano (3 bilhes de pares de base), mas ainda
assim grande demais para ser construdo de forma aleatria. Por sorte, sabemos
que a vida tem bastante flexibilidade com essa coisa de genoma: para ser
funcional, basta que 10% de todas as letrinhas estejam no lugar certo (a maioria
delas tem funo estrutural, mas no codifica genes). Temos ento modestos 500
mil pares de base. Halley imaginou como seria essa composio, feita em RNA,
caso a molcula fosse pescando seus nucleotdeos aleatoriamente no oceano
primordial e formando a sequncia. Considerando que h quatro nucleotdeos
possveis, temos uma chance em quatro de acertar a primeira base. Temos uma
chance em 42 (ou seja, 16) de acertarmos tambm a segunda. Para juntarmos a
terceira, a chance cai para uma em 43 (64). Para acertar a coisa toda, a chance
seria de uma em 4500.000. Pouparei o leitor do clculo de quanto 4 elevado a
500.000. Vamos seguir em frente com uma estimativa real de probabilidade,
sugere Halley. A pequena chance de acertar significa que, para ter sucesso por
um processo aleatrio, em mdia metade de 4500.000 cadeias de RNA tero de
ser construdas. Quanto tempo isso ia levar? Pode-se imaginar que isso no
estaria acontecendo com um s polmero, mas com um nmero muito grande
deles no oceano. Estimativas do nmero de tomos de carbono nos oceanos
primitivos so da ordem de 1044 [uma forma de imaginar esse nmero pensar
reportar que havia conseguido sintetizar citosina e uracila (base nitrogenada que,
no RNA, faz o mesmo papel que a timina no DNA) sob condies prebiticas
plausveis. A tcnica envolveu colocar ureia e cianoacetaldedo no equivalente
ambiental de um laguinho morno com ondas. Conforme a evaporao
concentrou a mistura, os compostos reagiram para produzir citosina e uracila em
grandes quantidades.
Mas fazer as bases muito mais simples do que obter a espinha dorsal do
RNA, composta por um acar (ribose) e um sal (fosfato). O RNA j foi
chamado de o pesadelo de um qumico prebitico por conta de sua combinao
de tamanho grande, componentes de carboidrato, ligaes qumicas que so
termodinamicamente instveis em gua e sua instabilidade intrnseca, descreve
Steven Benner, o bioqumico do Instituto Westheimer de Cincia e Tecnologia, na
Flrida, que decidiu enfrentar a questo. At agora, ele foi o que mais perto
chegou de produzir a cobiada molcula a partir de compostos simples, o que
levou o paleontlogo Peter Ward a apelid-lo de o mestre-cuca do RNA.
Benner defende que o RNA pode sim ser sintetizado a partir de uma qumica
no viva, contanto que toda a ao ocorra no deserto e seja auxiliada por alguns
minerais bem especficos.
Antes de prosseguirmos, gaste uns segundinhos para pensar no quanto isso
muda o paradigma do surgimento da vida. Sempre ouvimos falar que a gua o
composto essencial a qualquer atividade biolgica. E, de fato, nunca vimos vida
que no tivesse gua em sua composio. Contudo, pouca gente imaginou que
gua demais poderia atrapalhar, e que um ambiente desrtico pudesse ser o mais
propcio ao incio do mundo de RNA. De repente, no mais que de repente, a
gua se tornou um empecilho ao surgimento dos primeiros seres vivos.
Captou? Calma que vai ficar ainda mais maluco.
Um dos paradoxos que Benner encontrou em seus esforos de sntese que,
quando voc junta molculas orgnicas e as coloca para reagir, voc no cria
vida de RNA ou de qualquer outro tipo. O que voc tem algo como piche,
leo ou asfalto, diz. Para evitar isso, a soluo ter boratos, minerais baseados
no elemento boro que impedem a tendncia de os compostos orgnicos simples
virarem piche quando misturados. E fica melhor ainda se voc tiver uma pitada
de molibdatos (verses oxidadas de molibdnio) para intermediar o rearranjo das
molculas capturadas pelos boratos. Misturando tudo isso, o que voc consegue
obter? Ribose. O R do RNA, afirma. E estamos usando ambientes desrticos
para administrar a instabilidade intrnseca do RNA em gua.
Quase tudo resolvido. S um probleminha: muito provavelmente, no havia
lugar na Terra primitiva que reunisse todas essas condies. O lugar certo para o
nascimento desse admirvel mundo novo de RNA, segundo Benner, seria Marte,
4 bilhes de anos atrs.
Eu avisei que ia ficar mais maluco.
Panspermia em ao
Benner sem dvida um pioneiro no que diz respeito sntese de RNA. Mas a
sugesto de que a vida terrestre pode ter surgido em outro planeta e depois
migrado j pronta para a Terra est longe de ser nova. O primeiro tratamento
cientfico completo dessa hiptese data de 1903, pelas mos do qumico sueco
Svante Arrhenius (1859-1927). Ele sugeriu que vida unicelular simples poderia
viajar entre as estrelas, impulsionada por nada mais que a prpria luz emanada
por esses astros brilhantes. Seus clculos sugeriam que partculas com um
tamanho inferior a 1,5 micrmetro (milsimo de milmetro) poderiam ser
aceleradas a altssimas velocidades pela presso da radiao solar. Essa ideia
explicaria, por exemplo, por que a vida se estabeleceu na Terra to logo foi
possvel. Ela simplesmente teria chovido do cu.
Arrhenius no tinha como saber, contudo, que o ambiente espacial altamente
prejudicial a micrbios, mesmo na forma de esporos. Sua sugesto foi alvejada
por ningum menos que Iosif Shklovskii e Carl Sagan, que em 1966 apontaram o
poder destruidor dos raios X e ultravioleta para criaturas expostas ao vazio
csmico.
Apesar disso, ainda h quem siga defendendo essa hiptese de que a vida
chove do espao, talvez envolvida em pequenos gros de poeira. O britnico Fred
Hoy le foi um dos grandes apoiadores da ideia, assim como seu pupilo indiano
Chandra Wickramasinghe (1939-), que at hoje advoga que formas de vida
aliengenas adentram diariamente nossa atmosfera, provenientes das profundezas
csmicas. Ele tambm defende a hiptese de que a vida surge nos cometas e de
l migra, prontinha, para planetas como a Terra.
Contudo, a verso mais vivel da chamada teoria da panspermia (algo como
sementes em toda parte, em grego) sem dvida a que envolve o transporte
de formas de vida em meteoritos. Esse mtodo de transplante permite que
planetas vizinhos troquem figurinhas biolgicas, por assim dizer, embora seja
impraticvel para viabilizar a transferncia da vida em distncias interestelares.
Segundo os proponentes dessa hiptese, a comear por William Thomson (18241907), o bom e velho Lorde Kelvin, uma rocha contendo vida poderia ser ejetada
de uma superfcie planetria pelo impacto de um asteroide. Ao atingir velocidade
de escape, a pedra ficaria vagando pelo espao at acabar caindo num planeta
vizinho. E tudo que estivesse dentro dela iria junto, at encontrar uma nova
morada num mundo aliengena. O velho fsico, embora ainda no tivesse
formulado em detalhes essa ideia de rochas sendo ejetadas de um planeta para
cair em outro, chegou a declarar: Precisamos considerar provvel no mais alto
grau que existam incontveis pedras metericas portadoras de sementes se
movendo pelo espao.
Poderia ter sido mais uma ideia infeliz que saiu de moda junto com o sculo
19, mas estudos realizados cem anos depois demonstraram conclusivamente que
o interior de uma rocha desse tipo pode permanecer frio, sem se esterilizar,
tanto na ejeo quanto na reentrada atmosfrica. E l dentro as bactrias
encontrariam relativa proteo contra a radiao espacial. Dessa forma, seria
possvel uma forma de vida viajar de Marte at a Terra e sobreviver para contar
a histria (literalmente, no nosso caso).
Se ainda lhe parece uma sugesto absurda, dois episdios famosos merecem
recapitulao. O primeiro data da poca das misses tripuladas Lua. A Apollo
12, de 1969, tinha como um de seus objetivos recolher a cmera de TV da sonda
no tripulada Survey or 3, lanada trs anos antes pelos Estados Unidos. Os
astronautas realizaram com sucesso a recuperao do dispositivo e trouxeram-no
de volta Terra. Qual no foi a surpresa da NASA ao encontrar no interior da
cmera algumas bactrias da espcie Streptococcus mitis? Depois de sobreviver
trs anos como esporos em solo lunar, elas voltaram vida ao serem colocadas
em meio de cultura pelos cientistas! Ao longo dos anos, foram se acumulando
dvidas sobre uma potencial contaminao posterior, mas a agncia espacial
americana ainda defende a hiptese de que aqueles micrbios em particular
passaram uma temporada na Lua e sobreviveram.
A segunda histria ainda mais controversa. Em 1984, cientistas encontraram
em Alan Hills, na Antrtida, um meteorito que mais tarde seria classificado
como de origem marciana uma pedra que fez exatamente o que era esperado
pelos defensores da panspermia, sendo ejetada de Marte e vindo parar aqui. A
rocha, batizada de ALH 84001, teria se formado cerca de 4 bilhes de anos atrs,
para ser ejetada do planeta vermelho por um impacto h meros 15 milhes de
anos. Sua queda no continente antrtico, aps uma longa viagem, se deu mais ou
menos na mesma poca em que os humanos pr-histricos comearam a
desenvolver a agricultura, uns 13 mil anos atrs.
Pois bem. Em 6 de agosto de 1996, o ALH 84001 deixaria de ser uma pea de
coleo para ficar famoso: cientistas da NASA liderados por David McKay
haviam analisado o interior do meteorito e supostamente encontrado nele sinais
que poderiam ter sido produzidos por bactrias marcianas. At Bill Clinton, ento
presidente dos Estados Unidos, fez um pronunciamento no dia seguinte. Mas a
euforia no durou muito. Logo o escrutnio da comunidade cientfica recaiu sobre
o estudo, e hoje o consenso de que no se tratava de fsseis, e sim estruturas
produzidas por meios no biolgicos. a tal histria, que Carl Sagan gostava de
lembrar: Afirmaes extraordinrias exigem evidncias extraordinrias.
Ainda assim, o ALH 84001 a prova de princpio de que a panspermia uma
hiptese vivel. Se houvesse uma bactria marciana viajando em seu interior, ela
poderia tranquilamente desembarcar na Terra sem medo de ser feliz.
A voc pode dizer: mas o que uma bactria marciana iria fazer na Antrtida?
Muita coisa, meu caro leitor. Pois a vida, apesar de sua origem entrevada e
Vivendo no limite
A base americana de McMurdo, na Antrtida, estava fervilhando de atividade em
janeiro de 2013. A expedio liderada por John Priscu, da Universidade Estadual
de Montana, havia enfrentado os rigores de uma temporada no polo Sul por um
motivo especialssimo: investigar o contedo de um lago de gua lquida
preservado em isolamento por um tampo de gelo com quase um quilmetro de
espessura. Foi preciso perfurar at l embaixo para que eles pudessem coletar
amostras da gua e do sedimento no leito do lago antrtico. Naquela escurido
gelada, isolada do mundo exterior, os cientistas encontraram clulas. Formas de
vida que, se no so aliengenas, esto passando a maior vontade de ser.
O esforo, que recebeu US$ 10 milhes da Fundao Nacional de Cincia dos
Estados Unidos, alm de outros recursos de fontes diversas, inclusive da NASA,
apenas um de trs em andamento na Antrtida para o estudo de lagos sob o gelo.
Os britnicos pretendem realizar procedimento similar para estudar o lago
Ellsworth, e os russos tocam no momento o empreendimento mais ousado, que se
concentra numa perfurao do lago Vostok, localizado quatro quilmetros abaixo
da superfcie do gelo. Estima-se que ele esteja selado e isolado da superfcie por
pelo menos 15 milhes de anos. Em 10 de janeiro de 2013, cientistas russos
obtiveram uma amostra de gua colhida do lago e tambm encontraram vida. Os
estudos genticos dessas criaturas ainda esto em andamento, mas de uma coisa
ningum duvida: so micrbios bem diferentes dos que costumamos ver por a.
Bem-vindo ao mundo dos extremfilos.
O termo autoexplicativo. Extremfilo: amante de condies extremas. E
essas criaturas parecem estar em todo lugar, das profundezas do oceano s altas
camadas da atmosfera terrestre. Para cada ambiente desagradvel para a
maioria dos seres vivos, l esto eles, como se estivessem tomando um solzinho
na praia e bebendo gua de coco.
No brincadeira. H os que resistem a condies de acidez capazes de
corroer metal. H os que aguentam temperaturas bem acima do ponto de
ebulio da gua. E os que resistem ao frio polar? A Antrtida est cheia deles.
Entre os mais incrveis amantes da vida extrema esto as criaturas unicelulares
descobertas nas fontes hidrotermais chamins de fumaa no leito ocenico
causadas por gua que penetra por fraturas na rocha, aquecida por calor
geotrmico e volta a aflorar no fundo do mar. O transporte de sulfetos extrados
das rochas e o choque trmico com o retorno glida gua marinha provocam
as fumarolas negras observadas por submarinos cientficos.
Com tanta energia sendo trocada ali, bem que os cientistas acreditavam que
pudesse haver criaturas metabolizando nas proximidades. Mas ningum
imaginava o que uma expedio da NOAA (Administrao Nacional
Atmosfrica e Ocenica dos Estados Unidos, uma espcie de NASA dos mares)
sombra da biosfera
Uma coisa que, surpreendentemente, no fizemos at agora foi aquele pequeno
exerccio escolar de tentar definir o que vida. J ouvimos de nossos professores
uma listinha desse tipo, que inclui tipicamente sete caractersticas essenciais a
todos os seres vivos.
Primeiro, tudo que vivo precisa ser no mnimo uma clula, separada do seu
ambiente circundante. Ela precisa realizar metabolismo, ou seja, se aproveitar de
contedos externos para deles extrair energia qumica a fim de manter seu
funcionamento interno. Por isso, toda vida precisa necessariamente responder a
estmulos externos. Ela precisa igualmente se preocupar com seu lado de dentro,
mantendo no interior celular um ambiente adequado s reaes qumicas
necessrias. Precisa ser capaz de se desenvolver ao longo da vida e se reproduzir
nas circunstncias adequadas. Por fim, precisa ser capaz de passar por evoluo
biolgica.
uma lista e tanto, extrada a partir da nica coleo de formas de vida que
conhecemos. Todas elas rezam segundo o dogma central da biologia
molecular: DNA produz RNA, que por sua vez produz protenas.
Beleza. Ao descrever os seres vivos nesses termos, temos uma definio
bastante completa. Mas ser que os bilogos combinaram tudo isso com o resto
do Universo?
Ao buscar extraterrestres, temos que estar prontos a reconhecer vida diferente
daquela com que estamos to familiarizados.
A NASA, naturalmente interessada nessa questo, reuniu um comit em 1994
para, entre outras coisas, produzir uma definio menos restritiva, que pudesse se
aplicar a qualquer criatura viva que encontremos por a. O grupo tinha gente
como Gerald Joy ce, do Instituto Scripps de Pesquisa, e Carl Sagan. A sugesto
adotada acabou sendo: Vida um sistema qumico autossustentado, capaz de
evoluo darwiniana.
primeira vista, parece bom. Com uma descrio desse tipo, estamos
definindo que vida um fenmeno de natureza qumica (o que parece ser
suficientemente genrico) e que ele passa por evoluo (o que sem dvida
fundamental). Se dispensssemos o pedao da evoluo, por exemplo, seramos
obrigados a concluir que as estrelas, sendo sistemas qumicos autossustentados,
poderiam ser consideradas seres vivos. E elas obviamente no so.
Mas ser que a descrio ainda no estaria excluindo possibilidades
promissoras? Por autossustentado no devemos presumir que uma criatura
deva ser capaz de cumprir seu ciclo de vida inteiramente sozinha? O que dizer de
parasitas que precisam de um hospedeiro para se reproduzir? Eles so formas de
vida, mas estariam includos na definio? E quanto aos vrus, entidades que at
ento mantivemos cuidadosamente de fora de toda essa discusso?
Mas, claro, no so essas dificuldades que nos impediro de pelo menos tentar
encontrar nossos primeiros ETs.
deles. Finalmente, perto do fim do ano, Schiaparelli observou, numa noite, o que
o chocou como um fenmeno muito intrigante, a duplicao de um dos canais:
dois canais paralelos subitamente apareceram onde apenas um havia sido visto
antes. O paralelismo era to perfeito que suspeitou de iluso de ptica. No pde,
entretanto, constatar nenhuma ao mudar seus telescpios ou lentes oculares. O
fenmeno, aparentemente, era real.
Schiaparelli ainda defendia a hiptese de que os canais eram formaes
naturais, mas no sabia mais o que fazer de suas observaes. Segundo Lowell,
seu eminente colega admitiu que os canali podiam muito bem ser sinais de uma
civilizao marciana. Teria dito o italiano: Io mi guarder bene dal combatt ere
questa supposizione la quale nulla include dimpossible (Devo evitar
cuidadosamente combater essa suposio, que no envolve nenhuma
impossibilidade).
A afirmao de que Marte era habitado teve o efeito de uma fasca num barril
de plvora. Embora as concluses de Lowell no fossem compartilhadas pela
maioria dos astrnomos, a histria era saborosa demais para no cair no gosto do
pblico. A noo de um planeta moribundo e desrtico, lar de uma civilizao
avanada conduzindo imensas obras de engenharia para sobreviver, era
apaixonante. Foi ela que inspirou o ingls H.G. Wells a escrever seu clssico A
Guerra dos Mundos, publicado em 1898. Da mesma fonte, tambm bebeu o
americano Edgar Rice Burroughs, autor de uma srie de livros centrados em
John Carter, um soldado da Guerra Civil que por meios misteriosos vai parar em
Marte. Embora Burroughs tenha ficado mais famoso graas a outro personagem
de sua criao Tarzan , suas aventuras marcianas encontrariam no menino
Carl Sagan, na dcada de 1940, um leitor voraz.
Lowell morreu em 1916, acreditando nos mapeamentos que fez dos canais
marcianos e nos motivos que levaram os aliengenas a promover sua construo.
Nas dcadas seguintes, a comunidade astronmica sepultaria em definitivo essa
hiptese, atribuindo as observaes feitas por Schiaparelli e seus seguidores a
iluses de ptica. Ainda assim, uma sombra de dvida sempre pairou, e at a
dcada de 1950 ainda havia mapas marcianos em uso com indicaes dos
canais. Um deles havia sido fornecido Fora Area dos Estados Unidos por Earl
Slipher, ex-assistente de Lowell, quando os militares iniciaram as discusses
sobre a conduo de misses espaciais a Marte.
Esse empreendimento se tornaria realidade na dcada seguinte, impulsionado
pela corrida espacial. Americanos e soviticos se dedicaram com afinco a
projetar espaonaves para fazer o primeiro reconhecimento robtico do Sistema
Solar. O planeta vermelho, com todas as lendas que circulavam a seu respeito,
naturalmente se tornou um alvo preferencial, e a primeira sonda a enviar fotos
de superfcie marciana foi a Mariner 4, lanada em 1964. Em um sobrevoo
rpido a meros 9.846 km da superfcie marciana, em 14 de julho de 1965, o
veculo tirou 21 fotos de baixa resoluo do solo de Marte. E o que se viu foi a
mais completa desolao: um mundo rido e cheio de crateras, muito mais
parecido com a Lua do que com as fantasias de Burroughs que Sagan tanto
apreciava.
A atmosfera extremamente rarefeita (um centsimo da densidade do ar
terrestre), composta quase totalmente por dixido de carbono, impediria a
presena de gua em estado lquido na superfcie glida do planeta vermelho por
longos perodos. Sem gua, as chances de vida eram praticamente nulas. Ali
morreu o sonho da vida marciana.
Outras duas sondas, Mariner 6 e 7, voltaram a fazer sobrevoos em 1969,
enquanto todas as atenes estavam voltadas para o Projeto Apollo, com suas
viagens tripuladas Lua. Mas quando a Mariner 9 se tornou o primeiro artefato
humano a entrar em rbita de Marte, em 1971, essa histria tomaria um novo
rumo. O mapeamento da superfcie do planeta, com milhares de fotos, revelou
cursos de rios secos, vales e outras formaes que sugeriam um passado mais
mido para o deserto marciano. Foi nesse momento que Sagan resgatou sua
esperana de encontrar vida naquele mundo misterioso. Seu raciocnio era de
que, se no passado houve condies para o surgimento da vida em Marte, ela
poderia ter evoludo para se adaptar mesmo s mais inspitas circunstncias do
presente.
E foi esse panorama que levou ao planejamento das sondas Viking 1 e 2.
Compostas por dois orbitadores e dois mdulos de pouso, elas cumpririam
diversos objetivos cientficos em Marte. Mas o maior deles era procurar vida no
solo marciano provavelmente microbiana, mas no necessariamente. As
sofisticadas estaes eram equipadas com um brao robtico capaz de colher
amostras do cho e coloc-las em uma cmara no interior da sonda, onde os
experimentos seriam realizados.
As descidas ocorreram em regies diferentes do planeta, em 1976. A Viking 1
pousou em Chry se Planitia. Sua irm gmea, Viking 2, em Utopia Planitia. Em
ambas as regies, a presso atmosfrica permitiria a existncia de gua lquida
por breves perodos, se a temperatura fosse favorvel. Amostras foram colhidas
e passaram por quatro experimentos destinados a verificar a presena de
organismos vivos.
Como se detecta vida?, provocou o cientista planetrio americano Bruce
Murray (1931-2013) ao falar das Vikings, em uma palestra proferida em
homenagem a Carl Sagan. uma boa pergunta. Se algum entrega um
material, como se prova que tem algo vivo nesse material? Havia apenas um
modo realmente universal. necessrio que se encontrem provas de que algo
est se replicando e crescendo. Havia trs experincias para buscar algo que
estivesse crescendo. Duas delas usavam diferentes caldos, oferecendo algo que
as supostas criaturas marcianas gostassem de comer. Depois se mediam as
partes desse meteorito marciano especfico. E que nos guia para outros
meteoritos marcianos... Que mostram a necessidade de reexaminarmos os
resultados enigmticos das experincias biolgicas das naves Viking, alguns dos
quais apontados por poucos cientistas como indicativos da presena de vida. Que
sugerem que enviemos expedies espaciais queles locais especiais em Marte
que possam ter sido os ltimos a reter calor e umidade. Que nos abrem todo o
campo da exobiologia marciana.
Pois no, Carl. Foi exatamente por esse caminho que a NASA prosseguiu suas
investigaes, desta feita de forma sistemtica e agressiva, para esclarecer de
uma vez por todas esse enorme mistrio chamado Marte. Entre 1996, ano do
anncio do meteorito, e 2013, a agncia espacial americana enviou ao planeta
vermelho as seguintes sondas:
- Mars Global Survey or (1996)
- Mars Pathfinder (1996)
- Mars Climate Orbiter (1998, perdida por falha humana)
- Mars Polar Lander (1998, perdida por problema no pouso)
- Mars Ody ssey (2001)
- Spirit (2003)
- Opportunity (2003)
- Mars Reconnaissance Orbiter (2005)
- Phoenix (2007)
- Curiosity (2011)
- Maven (2013)
As janelas de lanamento para Marte acontecem a cada 26 meses, momento
em que a Terra e o planeta vermelho esto na posio certa no Sistema Solar
para viabilizar uma jornada mais curta e econmica entre os dois mundos. Uma
olhadinha nas datas acima revela que a NASA aproveitou todas as janelas
disponveis entre 1996 e 2013, exceto a de 2009. E para o futuro prximo o fluxo
de espaonaves deve continuar. Em 2016 partir a sonda InSight e, em 2020, um
novo jipe robtico, nos moldes do bem-sucedido Curiosity.
Apesar de ter menos grana, a Agncia Espacial Europeia (ESA) tambm tem
planos arrojados para Marte. Em 2003, a Mars Express, pioneira sonda europeia
destinada ao planeta vermelho, instalou-se na rbita daquele mundo e permanece
em operao at o momento. Para 2016 e 2018, esto sendo preparados,
respectivamente, um orbitador e um jipe robtico. O projeto duplo, chamado
ExoMars, ser a primeira misso desde as Vikings com o objetivo explcito de,
mais uma vez, procurar sinais de vida.
Ou seja, talvez at o final da dcada j tenhamos a sonhada resposta a uma
pergunta que atormenta a humanidade h sculos: afinal, existe vida em Marte?
nos Estados Unidos, dedicou boa parte de sua vida a estudar os supostos oceanos
de Vnus. Aparentemente, nosso planeta-irmo pode ter sido indistinguvel da
Terra em seu passado remoto. Os dados ainda so frouxos para permitir opinio
contrria, mas a maioria dos cientistas que analisaram todas as evidncias e
como elas se encaixam no que aprendemos sobre o Sistema Solar acredita que,
quase com certeza, Vnus comeou como um lugar mido, muito parecido com
a Terra um planeta com oceanos mornos de gua lquida.
Mais uma vez, cabe lembrar que, logo aps o seu nascimento, o Sol era 30%
menos brilhante. Portanto, havia menos radiao para esquentar Vnus. Embora
a estrela parecesse ter o dobro do tamanho no cu venusiano se comparado ao
que se v na Terra, naqueles tempos o segundo planeta a contar do Sol no
recebia muito mais energia do que ns temos hoje em nosso mundo.
Ento, o que deu errado? Por que Vnus no conseguiu conservar sua gua
como a Terra? Porque o planeta foi vtima de um efeito estufa descontrolado. Em
algum momento, que os cientistas no sabem precisar exatamente qual, o
crescente aumento de brilho do Sol iniciou um processo de evaporao dos
oceanos. Vapor dgua um gs-estufa poderosssimo muito mais que o
famoso dixido de carbono , e o acmulo gradual na atmosfera fez a
temperatura se elevar ainda mais, que levou a mais evaporao, que esquentou o
planeta ainda mais, at que toda a gua na superfcie estivesse evaporada,
acumulada no ar venusiano. Como se no fosse tragdia suficiente, Vnus a
seguir perdeu toda essa gua da atmosfera. No ar, vapor dgua fica sujeito
ao da radiao ultravioleta do Sol, que quebra a molcula (H2O). De um lado,
fica o oxignio. O hidrognio, muito mais leve, acaba escapando para o espao.
Os tomos liberados de oxignio se recombinaram para formar dixido de
carbono, e era uma vez a gua venusiana. Mesmo que o planeta voltasse a
resfriar, jamais teria seus oceanos de volta.
Uma pergunta que pode lhe ocorrer : se a gua foi toda embora, como
sabemos que ela um dia esteve l? Como os sapatos de refugiados forados a
partir na correria, vemos os sinais de uma evacuao completa do hidrognio,
que deixou para trs um resduo forte de deutrio a variante mais pesada do
hidrognio, que tem mais dificuldade em fazer as malas e partir, diz Grinspoon.
O grande acmulo desse hidrognio pesado nos diz que a maior parte da gua
escapou. No indica quando, ou quanto, apenas que foi a maior parte.
Talvez um dos segredos para preservar a gua nos primrdios de Vnus tenha
sido um dos mais notrios diferenciais entre ele e a Terra. Enquanto nosso planeta
gira relativamente depressa, completando uma volta em torno de si mesmo a
cada 23 horas e 56 minutos, nosso vizinho leva modorrentos 243 dias terrestres
para dar uma msera voltinha em torno de si mesmo. o dia mais lento entre os
planetas do Sistema Solar, e no caso venusiano maior at que o prprio ano
naquele planeta, que leva 224 dias terrestres. Para completar a bizarrice, Vnus
Europa.
Houve um momento em particular quando as primeiras imagens de Europa
chegaram, relembra David Grinspoon, que estava no JPL (Laboratrio de
Propulso a Jato) da NASA na ocasio. Acho que foi um daqueles momentos
fantsticos de surpresa e revelao. Quando em um instante suas ideias, e nesse
caso eu acho que as ideias da humanidade, sobre algumas coisas muito
importantes mudam. L estava Europa, nada parecida com esse tipo de mundo
inspido, congelado, morto e velho que deveria ser, segundo o que aprendemos na
escola. Em vez disso, ela estava toda cheia de riscos cruzados, com todas essas
marcas estranhas. Eu me lembro de Carl Sagan na sala gracejando: Sabe,
Percival Lowell estava certo, s que os canais ficam em Europa. As marcaes
pareciam canais: algo novo, algo estranho, algo que parecia importante, e, claro,
se tornou de fato muito importante.
As outras duas luas galileanas estavam mais em linha com o que se esperava
delas. Ganimedes, com seus gloriosos 5.268 km de dimetro (trata-se da maior
lua do Sistema Solar, maior at que o planeta Mercrio, com 4.879 km), era uma
bola de gelo e rocha marcada por crateras. Calisto, a mais distante das quatro,
tem 4.820 km de dimetro, a mesma composio aproximada e uma superfcie
ainda mais esburacada. Mas Io e Europa apresentavam um grande desafio ao
entendimento: de onde estava vindo a energia para os fenmenos superficiais to
impressionantes?
Ocorreu aos cientistas que nem s de Sol vivem os objetos do Sistema Solar.
Girando ao redor de um planeta gigante gasoso h outra commodity to ou mais
valiosa que a luz solar: a energia gravitacional.
Estamos bem familiarizados com o efeito de mar experimentado na Terra,
em que a atrao da Lua e do Sol mobilizam as regies mais plsticas da
superfcie terrestre os oceanos so as vtimas mais visveis, mas isso acontece
tambm com o manto e com a atmosfera , movendo-os para l e para c
conforme nosso mundo gira em torno de seu prprio eixo. (Na praia, quando
voc vir a mar subindo ou descendo, lembre-se de que est testemunhando um
fenmeno astronmico.)
As luas galileanas, sobretudo as duas mais prximas, esto submetidas a uma
fora de atrao ainda mais violenta. E como as rbitas delas no so
exatamente circulares, essa fora tem intensidade varivel. Para completar, as
trs primeiras luas giram em torno de Jpiter em ressonncia Io d quatro
voltas no mesmo tempo que Europa leva para dar duas, e que Ganimedes leva
para dar uma. Isso quer dizer que as foras gravitacionais que elas exercem
constantemente se somam umas s outras para influenciar as condies nesses
satlites.
O resultado do poderoso efeito de mar a que so submetidos esses mundos
uma intensa perturbao de suas regies mais plsticas localizadas em seu
interior. Io a lua que sofre mais, estando mais perto de Jpiter, o que explica sua
atividade vulcnica intensa. Europa, um pouco mais afastada, menos afetada,
mas ainda assim seu interior bastante alterado pela gravidade. Sob sua crosta de
gelo, se esconde um oceano global de gua, mantido a uma temperatura amena
e em estado lquido pelo efeito de mar. Segundo os estudos mais recentes, tratase de gua salgada, enriquecida com cloreto de sdio e cloreto de magnsio.
difcil ignorar a relevncia dessa descoberta para a busca por vida
extraterrestre. Ela primeiro foi sugerida pela passagem das sondas Voy ager, em
1979, e depois confirmada, com mais detalhes, pela sonda Galileo, que trabalhou
em rbita de Jpiter entre 1995 e 2003. Em essncia, pela primeira vez
encontramos evidncias irrefutveis de um oceano de gua lquida elemento
essencial qumica biolgica terrestre em outro objeto do Sistema Solar. A
nica diferena do oceano europano para os terrestres que o de l est
completamente tampado por uma grossa camada de gelo. A espessura exata,
ainda no se sabe. Mas fala-se em nmeros que vo de 10 km a 100 km.
Se voc pudesse nadar no oceano de Europa e provar o gosto, ele teria o
mesmo gosto do nosso sal, diz Mike Brown, astrnomo do Caltech que em 2013
obteve resultados importantes no estudo dessa lua. Um detalhe importante que,
mesmo depois de comprar uma passagem da Jpiter Airlines, voc jamais
poderia nadar no oceano europano. Supondo que ele tenha uma profundidade de
100 km, a presso da gua seria 1.200 vezes maior que a da atmosfera terrestre
ao nvel do mar. No h como um ser humano resistir a isso. Mas outros
organismos poderiam dar conta do recado. Haja vista que no fundo da fossa das
Marianas, no Pacfico, a uma profundidade de 11 km, a presso chega a ser mil
vezes maior que a da atmosfera na superfcie, e ainda assim h micrbios
vivendo l.
Uma vantagem da grande capa de gelo que ela protege uma potencial
biosfera europana da intensa radiao existente nos arredores de Jpiter,
armazenada naquela regio por conta do campo magntico do planeta gigante.
Sob tanto gelo, mesmo as partculas mais poderosas tm dificuldade de penetrar.
Em compensao, a falta de contato entre o oceano interno e o ambiente
externo pode ser um problema. Muitos nutrientes necessrios manuteno de
um ecossistema podem estar na superfcie, onde nunca podero ser usados por
criaturas presas sob o gelo. Da a importncia dos resultados obtidos por Brown e
sua equipe em 2013: eles demonstraram que h troca constante de material entre
a superfcie e o oceano abaixo.
Agora temos evidncia de que o oceano de Europa no isolado de que o
oceano e a superfcie falam um com o outro e trocam compostos entre si. Isso
significa que a energia deve estar indo para o oceano, o que importante em
termos das possibilidades de haver vida l, afirma Brown. Tambm significa
que, se voc quer saber o que h no oceano, voc pode simplesmente ir
uma lua que leva ao extremo o conceito de atividade interna promovida por
efeito de mars. Por seu tamanho diminuto, os cientistas jamais esperavam que
ela pudesse conservar gua lquida em seu interior. E, no entanto, l est ela, vez
por outra sendo ejetada em plumas na superfcie da lua. Imagens da Voy ager 2
j sugeriam algo diferente, num solo com regies muito antigas cheias de
crateras de impacto e outras relativamente novas, com rachaduras espalhadas
pela superfcie. Enclado quase uma verso em miniatura e menos colorida
de Europa. Aps os resultados obtidos com a Cassini, ela se confirmou como
potencial habitat para vida aliengena no Sistema Solar. O que at certo ponto foi
uma surpresa, porque o foco da misso era outra lua: Tit.
A v e rdade e st l f ora
Eu tive a sorte de ter crescido numa casa cheia de livros velhos. Quando era
criana, na dcada de 1980, bastava que fossem livros. Somente depois eu fui
apreciar a vantagem adicional de muitos deles serem antigos, oferecendo uma
janela para o passado e para a evoluo do conhecimento. Muito bacana, mesmo
que causasse um pouco de confuso mental vez por outra.
Uma das obras que mais me marcaram quando jovem foi Pequena Histria
do Mundo para Crianas, de Virgil M. Hilly er. Embora a edio l de casa fosse
de 1961, o livro foi originalmente publicado em 1924. De todo o vasto contedo
do volume, as primeiras pginas eram as que mais me interessavam, pois
abordavam a origem do Sistema Solar. Ali, o autor afirmava que a coleo de
contava a verdadeira histria sobre a origem dos sistemas planetrios, e por que
eu no conseguia encontrar nenhuma outra referncia ao misterioso planeta de
61 Cy gni? Hoje uma busca na internet resolve em dois minutos essas dvidas,
mas naquela poca, e com a idade que eu tinha, a nica opo era esperar o
prximo livro velho quem sabe menos velho que os anteriores cruzar meu
caminho. Mal sabia que os astrnomos estavam sob um estado de angstia
parecido com o meu, na mesma poca, e por motivos semelhantes.
Foi um longo caminho a ser trilhado entre a hiptese filosfica de Giordano
Bruno e a confirmao cientfica de que as estrelas eram de fato outros sis, com
colees completas de planetas. O fsico alemo Joseph von Fraunhofer (17871826) teve um papel fundamental nessa determinao. Ele foi alm do trabalho
do ingls Isaac Newton, o primeiro a perceber que a luz, quando atravessa um
prisma, se decompe em seu espectro de cores, que pode ento ser estudado.
Usando os melhores prismas de seu tempo, em 1814, Fraunhofer notou como,
em meio ao arco-ris colorido, viam-se algumas linhas escuras. A primeira fonte
de luz que ele usou para descobrir essas faixas negras foi a do Sol. Mais tarde, ele
analisaria a luz de outras estrelas e descobriria traos similares. Em 1819,
inventou o dispositivo conhecido como espectroscpio, com o objetivo de mapear
a frequncia exata de cada uma das linhas. Mas levaria quase meio sculo at
que o fsico Gustav Kirchhoff (1824-1887) e o qumico Robert Bunsen
(18111899) descobrissem seu significado: elas eram idnticas s vistas conforme
certos elementos eram aquecidos e emitiam luz. Graas a isso, tornou-se possvel
revelar a composio de astros distantes, analisando sua luz num espectroscpio.
Essas faixas escuras observadas no espectro so at hoje chamadas de linhas de
Fraunhofer, em homenagem a seu descobridor.
Claro que os filsofos naturais que precederam essas descobertas todas no se
furtaram a especular sobre a formao de planetas. O francs Ren Descartes
(1596-1650) sugeriu que sistemas planetrios podiam se formar como resultado
de vrtices que se criavam em torno de estrelas infantes, sendo portanto um
desfecho natural de seu nascimento. Um pouco mais tarde, o alemo Immanuel
Kant (1724-1804) props que nosso sistema havia surgido de uma grande nuvem
de gs, a nebulosa solar, que colapsou num disco pela ao gravitacional. Em um
lance ainda maior de inspirao, Kant imaginou que a Via Lctea era tambm
um disco, muito maior, e que nebulosas semelhantes eram na verdade outras
galxias similares nossa, mas muito distantes. Para demonstrar o tamanho da
anteviso, basta lembrar que essa discusso perdurou at o incio do sculo 20 e
s foi solucionada (em favor da hiptese de Kant) pelo astrnomo americano
Edwin Hubble (1889-1953).
Bonito, mas onde estavam as evidncias de que os sistemas planetrios eram
decorrncia natural da formao das estrelas? No sculo 18, no havia nenhuma,
de forma que o naturalista francs Georges-Louis Leclerc (1707-1788), o Conde
51 Pegasi
Quando Michel May or e Didier Queloz, do Observatrio de Genebra, decidiram
iniciar uma busca por mundos fora do Sistema Solar, estavam pisando em areia
movedia. O trauma dos planetas-miragem do Observatrio Sproul ainda
assustava os astrnomos, que temiam de duas uma: ou no encontrar nada e
perder dcadas numa busca infrutfera, ou achar alguma coisa e depois serem
ridicularizados, quando a descoberta se mostrasse mais um engano.
bem verdade que j havia mais segurana de que os planetas deveriam estar
l do que duas dcadas antes. Em 1984, uma dupla de astrnomos americanos
conseguiu obter imagens de um disco de gs e poeira em torno da estrela Beta
Pictoris, um astro extremamente jovem (8 milhes a 20 milhes de anos)
localizado a 63,4 anos-luz da Terra. Trata-se de uma estrela do tipo A 75% mais
massiva que a nossa e estava claro que os pesquisadores haviam flagrado um
sistema planetrio em plena formao.
Alm disso, em 1992, os radioastrnomos americanos Alexander Wolszczan e
Dale Frail haviam feito uma descoberta no mnimo bizarra: dois objetos com
cerca de quatro vezes a massa da Terra orbitando o pulsar PSR 1257+12. Eram
planetas, no lugar onde ningum jamais esperava encontr-los. Afinal, um pulsar
o cadver que resta de uma estrela de alta massa depois que ela esgota seu
combustvel e detona violentamente, como uma supernova. Imaginou-se que os
restos dessa exploso tenham se reaglutinado para formar os planetas
observados, ou que eles representassem antigos gigantes gasosos que perderam
suas atmosferas na detonao da estrela.
Oficialmente, esses so os primeiros mundos detectados fora do Sistema Solar,
embora ningum d muita bola para eles, pelo fato de ser impossvel haver vida
em planetas sob a deletria influncia de um pulsar prximo, poderoso emissor
de radiao mortal para qualquer ser vivo conhecido. Mas o achado propiciou, no
mnimo, um aumento de confiana. Se at pulsares podiam ter planetas, o que
no se dizer de estrelas comuns, ainda durante a fase ativa de suas vidas? A
descoberta dos primeiros mundos em torno de estrelas como o Sol finalmente
parecia prxima.
May or e Queloz iniciaram sua busca em abril de 1994, monitorando 142
estrelas que pareciam ser solitrias, sem fazer parte de sistemas binrios. Um
esforo de deteco astromtrica, como o de Kamp e seus colegas, estava fora
de cogitao. Ainda assim, a dupla sua planejava contar com o bamboleio
gravitacional provocado pela presena de planetas ao redor da estrela. A nica
diferena seria o mtodo para medir esse movimento.
Os cientistas decidiram explorar um efeito com o qual somos muito
familiarizados. Ele to comum, na verdade, que no sculo 19 j havia sido bem
compreendido. O primeiro a explic-lo foi o fsico austraco Christian Doppler
Necessidades vitais
Existem duas exigncias bsicas estipuladas pelos astrnomos para defi-nir um
planeta como potencialmente habitvel. Ele precisa ser rochoso, como a Terra, e
deve estar na chamada zona de habitabilidade a regio do sistema planetrio
em que a quantidade de radiao que chega l, vinda da estrela, permite a
preservao de gua lquida na superfcie. Difcil estimar onde exatamente fica
esse anel. Ele varia conforme a estrela evolui (e fica mais brilhante) e no
necessariamente abriga em seu interior planetas de fato habitveis.
Em 2013, Geoffrey Marcy e seus colegas adotaram uma definio
padronizada de zona habitvel que iria de 0,5 a 2 unidades astronmicas para
estrelas de tipo solar (uma unidade astronmica, UA, equivale distncia mdia
entre a Terra e o Sol, 150 milhes de quilmetros). Mas note que tanto Vnus (0,7
UA) quanto Marte (1,6 UA) estariam nessa faixa, e no nos parecem
particularmente habitveis. Por outro lado, como j vimos, eles foram bem mais
amigveis gua (e, portanto, vida como a conhecemos) em tempos
pregressos, o que d certa legitimidade definio, se for usada sem considerar
a idade da estrela em questo ou particularidades dos planetas ao seu redor
(talvez, se invertssemos as posies de Vnus e Marte no Sistema Solar, ainda
hoje ambos fossem midos).
Essa zona de habitabilidade depende do tipo da estrela envolvida. Se ela for
menor que o Sol, uma an vermelha, a regio de interesse fica bem mais perto.
Se for uma estrela muito maior que o Sol, uma gigante azul, a poro habitvel
do sistema migra para bem mais longe.
De incio, os astrnomos consideravam estrelas muito menores ou maiores que
o Sol inadequadas para a vida nas proximidades. Entre as maiores, a razo
bvia: como elas queimam seu combustvel rpido e explodem como
supernovas, mesmo que tenham planetas habitveis, a vida no teria tempo de
evoluir. Entre as menores, o principal motivo que planetas na zona habitvel
estariam to perto delas que acabariam submetidos a uma trava gravitacional.
o que acontece, por exemplo, com a Lua. Ela gira sempre com a mesma face
voltada para a Terra, em razo da interao gravitacional entre ela e nosso
planeta. Todas as luas grandes do Sistema Solar tm a mesma configurao:
mantm o mesmo lado o tempo todo voltado para seu planeta.
Para um planeta habitvel, essa condio seria potencialmente catastrfica:
com um lado sempre iluminado pela estrela, e outro permanentemente escuro,
teramos um hemisfrio quente demais para a vida, e outro frio demais. Isso
automaticamente excluiria as ans vermelhas 76% das estrelas da galxia da
busca por biosferas aliengenas.
Contudo, estudos mais recentes mostram que no precisa ser assim. Primeiro
porque a circulao atmosfrica pode distribuir o calor mesmo em planetas que
estejam com a mesma face voltada para suas estrelas o tempo todo. E, em
segundo lugar, porque possvel que nem todos os planetas estejam nesse tipo de
trava gravitacional.
A chave para compreender esse processo est em nosso Sistema Solar. O
planeta Mercrio, mais prximo do Sol, leva 58 dias para girar em torno de seu
prprio eixo e 88 dias para dar uma volta em torno da estrela. Por que ele no
acabou travado como a Lua, numa ressonncia 1:1 entre rotao e translao?
Segundo Benot Noy elles, da Universidade de Namur, na Blgica, Mercrio
chegou a um padro diferente de travamento (ressonncia 3:2), em razo de
especificidades do planeta. No caso em questo, a rbita mais oval que a mdia e
o efeito gravitacional sobre o manto pastoso daquele mundo favoreceram a trava
observada: trs voltas em torno de si mesmo para cada duas em torno do Sol.
De forma similar, planetas em torno de ans vermelhas podem acabar com
travamentos gravitacionais diferentes de 1:1. Uma anlise feita por colegas de
Noy elles com o planeta Gliese 581d, girando ao redor de uma an vermelha,
sugere que ele esteja num travamento 2:1 duas voltas em torno de si mesmo
para cada giro em torno da estrela.
Contornado esse problema, as ans vermelhas saltam direto para o topo da lista
dos astros mais favorveis a cultivar vida. Como so pequenas, consomem seu
combustvel de forma extremamente frugal. Um planeta pode se manter
habitvel durante perodos que excedem 1 trilho de anos. No que elas tenham
tido, at o presente momento, chance de promover evoluo de espcies durante
todo esse tempo. O Universo tem apenas 13,8 bilhes de anos de idade. Mas as
perspectivas para a vida no futuro do Universo so as mais animadoras, graas s
ans vermelhas.
Pesquisadores da Universidade de Porto Rico em Arecibo esto produzindo,
com as descobertas j feitas, um catlogo de mundos potencialmente habitveis.
Gliese 581d, com pelo menos seis vezes a massa da Terra, entrou na lista dos 22
mais publicada em junho de 2014.
Gliese 180b
ndice de Similaridade com a Terra: 0,75
Status de existncia: Candidato
Tipo da estrela: M (an vermelha)
Distncia: 38,1 anos-luz
Massa estimada: 8,3 vezes a da Terra
Dimetro estimado: 1,9 vez o da Terra
Perodo: 25,6 dias terrestres
Temperatura mdia: 39 C
8 lugar
Gliese 581g
ndice de Similaridade com a Terra: 0,76
Status de existncia: Candidato
Tipo da estrela: M (an vermelha)
Distncia: 20,2 anos-luz
Massa estimada: 3,2 vezes a da Terra
Dimetro estimado: 1,5 vez o da Terra
Perodo: 36,7 dias terrestres
Temperatura mdia: -13 C
7 lugar
Gliese 667C f
ndice de Similaridade com a Terra: 0,77
Status de existncia: Confirmado
Tipo da estrela: M (an vermelha)
Distncia: 23,6 anos-luz
Massa estimada: 2,7 vezes a da Terra
Dimetro estimado: 1,4 vez o da Terra
Perodo: 39 dias terrestres
Temperatura mdia: -14 C
6 lugar
Gliese 180c
ndice de Similaridade com a Terra: 0,77
Status de existncia: Candidato
Tipo da estrela: M (an vermelha)
Distncia: 38,1 anos-luz
Massa estimada: 6,4 vezes a da Terra
Dimetro estimado: 1,8 vez o da Terra
voc ainda no se convenceu disso, basta lembrar que Vnus atinge o valor de
0,72 no ndice de Similaridade com a Terra, apesar de em nada se parecer
conosco do ponto de vista da habitabilidade.
A nica mensagem importante desse ranking que, em menos de duas
dcadas de pesquisa, conseguimos encontrar um punhado de mundos realmente
promissores para a vida. E a quantidade de estrelas estudadas at agora nfima,
diante da vastido existente na Via Lctea. Mesmo com toda a variedade
existente nos sistemas planetrios espalhados pela vastido do espao, inevitvel
que pelo menos alguns milhes de mundos potencialmente habitveis sejam
encontrados.
Ser que algum deles tem uma biosfera to rica quanto a nossa, com plantas,
animais e, qui, uma espcie inteligente capaz de se fazer perguntas como esta?
causais que expliquem como e por que se deram essas etapas cruciais para o
surgimento de inteligncia. A comear pela decifrao do gatilho que levou a
formas de vida complexas, compostas por mltiplas clulas especializadas. O
melhor palpite que eles tm at agora que isso aconteceu somente no momento
em que a Terra reuniu condies de abrigar essas criaturas. Quanto mais
sofisticadas, mais energia elas precisam para sobreviver. A antiga biosfera
terrestre no podia suportar criaturas complexas, pelo mesmo motivo que os
astrobilogos acreditam que no possa haver hoje peixes nadando no oceano de
Europa, a lua de Jpiter. Em duas palavras, falta oxignio.
Foi a prpria vida primitiva que injetou oxignio na atmosfera, com o advento
da fotossntese. As primeiras bactrias a desenvolver a tecnologia certamente
foram favorecidas pela seleo natural. Afinal, essa reao o que permite a
construo de acares, molculas altamente energticas, a partir de compostos
vulgares: dixido de carbono e gua, combinados pelo poder da energia solar. Ao
que parece, esses micrbios, ancestrais das cianobactrias, surgiram
relativamente cedo na histria da vida, mais de 3 bilhes de anos atrs.
Apesar da evoluo relativamente rpida das criaturas fotossintetizantes, levou
muito tempo at que o gs essencial ao nosso metabolismo se acumulasse na
atmosfera terrestre. De incio, ele era absorvido pelos oceanos ou acabava fixado
na superfcie. Somente depois que essa deposio se tornou menos eficaz, cerca
de 2,4 bilhes de anos atrs, que o oxignio comeou a se acumular, ainda em
quantidades discretas, na atmosfera. Isso representou uma tragdia ambiental
sem precedentes, pois o oxignio era txico para a maioria dos organismos da
poca. Alm disso, o novo gs reagiu com o metano atmosfrico, reduzindo
brutalmente o efeito estufa. O resultado foi o congelamento quase completo do
planeta, um episdio conhecido como Terra Bola de Neve, que durou cerca de
300 milhes de anos.
Ainda assim, o oxignio atmosfrico ficou num nvel relativamente baixo um
dcimo do atual durante um longo perodo. Ele s comeou a subir para valer
cerca de 850 milhes de anos atrs, at atingir um patamar prximo do atual h
aproximadamente 540 milhes de anos. Note-se que essa data bate com a
chamada exploso do Cambriano, o momento em que a vida complexa
multicelular toma conta do planeta para valer.
No excessivamente imaginativo, portanto, especular que a vida complexa
surge assim que a presena de oxignio atinge o patamar exigido para alimentar
esse metabolismo mais energtico. O problema chegar at l. Que garantia
temos de que a fotossntese seja uma descoberta certeira da evoluo? E como
podemos ter certeza de que o processo de oxigenao da atmosfera sempre
acontece numa velocidade que permita a evoluo de vida complexa antes de a
estrela se tornar brilhante demais e esterilizar o planeta?
Bem, essa uma moeda que tem dois lados. E se esse processo todo demorou
mais tempo na Terra do que em outros planetas? Poderia a vida complexa ter
surgido l antes? Uma sugesto intrigante vem de Marte. Um estudo realizado por
Bernard Wood, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, comparou a
composio de meteoritos marcianos com rochas analisadas pelo jipe robtico
Spirit e concluiu que o planeta vermelho tinha quantidade aprecivel de oxignio
em sua atmosfera 4 bilhes de anos atrs. Alis, teria sido esse oxignio todo que
enferrujou a superfcie marciana e a deixou com a aparncia avermelhada
que tem hoje. O trabalho, publicado na Nature em 2013, parece casar bem com
uma pesquisa anterior conduzida pelo astrobilogo Christopher McKay, do Centro
Ames de Pesquisa, da NASA. Ele defende que oxignio poderia ter se
acumulado muito mais depressa na atmosfera marciana que na terrestre. Como
Marte menor, no tem placas tectnicas e tinha abundncia menor de gua,
poderia ter sido mais rapidamente oxidado que a Terra, afirma, sugerindo que,
uma vez que o terreno j esteja saturado com oxignio, ele s pode se acumular
na atmosfera.
Chris sugere que criaturas fotossintetizantes poderiam ter elevado a quantidade
de oxignio a nveis relevantes em meros 300 milhes de anos, pavimentando em
tempo recorde o caminho para o surgimento de vida complexa. possvel que
durante sua curta vida bitica, estimada em 1 bilho de anos ou menos, Marte
tenha experimentado o mesmo alcance de evoluo biolgica que s seria
duplicado na Terra no incio do Cambriano. Ser?
Mesmo que o planeta vermelho tenha desenvolvido criaturas complexas (e no
conheo muitos cientistas que defendam a ideia), isso s seria parte do trabalho
que queremos ver executado em outros mundos. Uma vez que o Darwin Futebol
Clube faz o segundo gol e atinge o estgio de vida animal, o que preciso para
produzir uma espcie inteligente?
Mais uma vez, a perspectiva de incio no parece muito animadora. Desde a
exploso do Cambriano 540 milhes de anos atrs at agora, tivemos cinco
grandes extines em massa, alm de vrios outros episdios menores de
matana de espcies. Nos maiores cataclismos, pelo menos 50% das formas de
vida macroscpicas da Terra desapareceram. Em um caso especfico, 251
milhes de anos atrs, a taxa chegou a 90%. Foi a chamada extino do
Permiano, que eliminou do cenrio biolgico os trilobitas e encaminhou o
recomeo evolutivo que levou ascenso dos dinossauros. Essas extines em
massa so fenmenos devastadores. como se, a cada 100 milhes de anos, o
planeta Terra sofresse um reset da vida complexa. Pode-se pensar que, com
essas interrupes frequentes no processo evolutivo, fica difcil chegar a seres
inteligentes. Teramos sido sortudos. E a sorte pode acabar a qualquer momento.
As causas das matanas so as mais diversas e nem sempre so bem
compreendidas. Especula-se que pelo menos trs dos cinco eventos mais
violentos tenham sido causados pelo impacto de um asteroide. Isso inclui a ltima
das grandes extines, que deu fim ao reinado dos dinossauros, 65 milhes de
anos atrs. A cratera causada pela coliso foi encontrada na pennsula de
Yucatn, no Mxico, e confirmou a hiptese originalmente levantada em 1980
pelo fsico Luis Alvares (1911-1988) e seu filho Walter: os lagartes teriam sido
vtimas da coliso de um objeto com mais de 10 quilmetros de dimetro.
Veja o tamanho do problema: a pancada provoca terremotos e incndios em
escala global. Esteriliza de imediato uma rea com raio de centenas de
quilmetros. E o pior o que vem depois: a poeira levantada pelo impacto vai
atmosfera e bloqueia a luz solar, provocando o equivalente natural do chamado
inverno nuclear (porque o que aconteceria em caso de uma guerra mundial
com bombas atmicas). Durante uma dcada, invernos rigorosos e baixo ndice
de iluminao devastam a vida animal e vegetal. A acidez dos oceanos aumenta,
matando espcies marinhas. Voc entendeu: o fim para a maior parte da
biosfera complexa.
Uma pergunta que pode lhe ocorrer : se os dinossauros no tivessem sido
extintos, ns teramos surgido? Provavelmente no. Os mamferos j existiam na
poca dos grandes rpteis, mas eram pequenos e irrelevantes. Somente a grande
extino permitiu que ocupassem os nichos ecolgicos esvaziados e evolussem
para os primatas, dos quais o Homo sapiens o mais notrio. Outra pergunta
difcil: no tivesse ocorrido a catstrofe, a Terra seria dominada por uma
civilizao de dinossauros tecnolgicos? Em outras palavras, possvel estimar se
as grandes extines so positivas ou negativas para a emergncia de uma
espcie inteligente?
Provavelmente, depende da frequncia desses eventos catastrficos. Clculos
feitos pelo astrnomo americano George Wetherill (1925-2006) mostram o papel
que Jpiter exerce no Sistema Solar protegendo os planetas interiores de colises.
Com seu tamanho, o gigante gasoso desvia objetos que, desimpedidos, bateriam
muito mais vezes em mundos como a Terra. Mil vezes mais, segundo as contas.
A, em vez de uma grande extino a cada 100 milhes de anos, teramos uma a
cada 100 mil anos. Se esse fosse o caso, dificilmente a vida complexa teria
chance de se manter, quanto mais de evoluir para seres inteligentes. (Por isso
tambm preocupante que encontremos planetas rochosos como a Terra na zona
habitvel de suas estrelas, mas sem um Jpiter distante para defend-los de
impactos frequentes.) Por outro lado, acredito que um mundo sem tragdias
globais tambm no levaria a espcies inteligentes. Como j apontou o bilogo
Ernst May r, no parece haver grande vantagem evolutiva no desenvolvimento de
inteligncia sofisticada. Todas as outras espcies da Terra vivem muito bem,
obrigado, sem precisar dela. O que significa dizer que o surgimento de uma
linhagem que desemboque na inteligncia deve ser um processo ao menos em
parte aleatrio. Como sugerem os trabalhos do paleontlogo americano Stephen
J. Gould (1941-2002) com sua teoria do equilbrio pontuado na evoluo, o
Wow!
O processamento de dados de radiotelescpio nos anos 70 era uma coisa triste de
se ver. O Big Ear, em Delaware, Ohio, contava com um computador cujo disco
rgido era capaz de abrigar a gloriosa quantidade de um megaby te de dados.
menos que um disquete de 5 polegadas (se que voc ainda se lembra do que
isso). Por conta desse apuro, o software responsvel pelo registro dos dados
tinha de ser o mais frugal possvel, usando apenas um caractere para designar a
intensidade do sinal. Nesse esquema, era possvel colher ininterruptamente dados
por trs dias e meio. Depois, um funcionrio precisava ir at o computador,
imprimir em papel os registros obtidos, zerar o disco rgido e reiniciar a coleta de
dados.
O Big Ear no tinha a forma de antena parablica com a qual estamos
acostumados. Era uma grande plataforma no cho, com uma parede reta de um
lado e uma curva do outro lado. As emisses de rdio do cu batiam na parede
reta, eram direcionadas para a parede curva e ento captadas por dois sensores.
No havia possibilidade de direcionamento. O radiotelescpio ficava apontado
para a regio do cu que estivesse acima dele no momento. Conforme a Terra
fosse girando, os alvos na mira do telescpio iam se sucedendo. Com a
capacidade de monitorar canais estreitos de banda, com 10 kHz cada (o mesmo
intervalo usado na transmisso de rdios AM), em torno da frequncia dos 1,42
GHz, o Big Ear estava apto a procurar sinais de inteligncia extraterrestre.
Enquanto eu olhava a impresso do computador de 15 de agosto de 1977,
encontrei os dados do mais forte sinal de banda estreita que eu j havia visto,
conta Jerry Ehman, radioastrnomo que trabalhava como voluntrio no projeto.
Imediatamente reconheci o padro de dados como o de um sinal em um canal
que variava de forma compatvel com uma fonte celeste se movendo pelo raio
da antena, por conta da rotao da Terra. Eu fiquei to espantado com esse sinal
forte que escrevi, com caneta vermelha, Wow! na margem da impresso.
O sinal Wow!, como ficou conhecido, intriga at hoje os cientistas. Ele se
manteve detectvel no Big Ear por 72 segundos o mesmo tempo que seria se
sua fonte estivesse imvel no cu, entrando e saindo do campo de deteco pelo
movimento de rotao do nosso planeta. No podia, portanto, ser um avio ou
outro tipo de aeronave que se deslocasse com rapidez pelo cu. Pelo mesmo
motivo, no podia ser interferncia produzida em solo por transmisses terrestres.
Caso fosse, no exibiria o padro de entrada e sada do campo do telescpio
decorrente da rotao terrestre, com preciso superior a 99%.
Os cientistas ento procuraram saber a localizao dos planetas e dos
asteroides conhecidos do Sistema Solar e constataram que nenhum deles estava
na posio indicada na hora em que o sinal foi detectado. Sabe-se que, deles,
apenas Jpiter e Saturno so boas fontes de rdio, mas era preciso se certificar de
tudo.
Satlites artificiais podiam em tese gerar um sinal parecido, mas nenhum deles
estava na posio certa para isso. O mesmo vale para espaonaves terrestres em
outras partes do Sistema Solar. Ademais, satlites no transmitem em 1,42 GHz,
justamente por ser a frequncia reconhecida para possvel contato extraterrestre.
H um banimento mundial de emisses ao redor dessa faixa, no espao e em
terra.
Uma hiptese cogitada era um fenmeno de lente gravitacional, em que uma
fonte de rdio natural distante ampliada ao passar por trs de um objeto celeste
mais prximo. Mas os cientistas tambm descartaram essa possibilidade, pois um
alinhamento desse tipo costuma produzir essas distores durante semanas ou
meses, e o sinal Wow! com certeza j havia desaparecido cinco minutos depois
de sua descoberta inicial (caso contrrio, teria sido detectado novamente pelo Big
Ear em seu segundo sensor, ligeiramente desalinhado em relao ao primeiro
para produzir redundncia).
Restou uma possvel explicao natural, na forma do fenmeno conhecido
como cintilao interestelar, quando a passagem de um sinal distante sofre
alteraes ao atravessar o ambiente entre as estrelas. Mas observaes
posteriores da regio de onde o sinal havia sido enviado, feitas com
radiotelescpios muito mais sensveis, foram incapazes de detectar a
cintilao, de forma que essa sugesto tambm ficou descartada.
Ehman chegou a pensar que a nica explicao possvel seria uma enorme
coincidncia: um objeto metlico no espao na posio exata onde o sinal havia
sido detectado, refletindo uma transmisso artificial de origem terrestre, na faixa
dos 1,42 GHz. Difcil, hein? Recentemente, ele prprio descartou essa hiptese.
J que todas as possibilidades de uma origem terrestre foram descartadas ou
demonstradas como improvveis, e como a possibilidade de uma origem
extraterrestre no foi descartada, eu preciso concluir que uma ETI
[Extraterrestrial Intelligence] pode ter enviado o sinal que recebemos, escreveu
o radioastrnomo em 2010.
O grande problema que no houve repetio. Tentativas insistentes de
detect-lo foram feitas nos meses seguintes com o Big Ear. Em outros programas
SETI, esforos foram realizados em 1987, 1989, 1995, 1996 e 1999. Nada.
Podemos muito bem ter recebido um sinal de vida inteligente vindo de uma
regio indistinta da constelao de Sagitrio em 15 de agosto de 1977. Cinco
minutos depois da primeira deteco, ele j havia sumido, para nunca mais ser
ouvido novamente. Se foi mesmo fruto de uma emisso artificial, os ETs
apontaram seu transmissor em outra direo e at agora no tivemos a sorte de
atender uma ligao vinda de l. O que, alis, mostra uma das dificuldades da
SETI: no s preciso que as civilizaes existam, como elas devem apontar
suas transmisses direto para ns, no mesmo momento em que estivermos
ouvindo justamente sua estrela de origem. Nada fcil. Caso o sinal Wow! seja
mesmo de procedncia aliengena, devemos concluir que h muitas civilizaes
na galxia no fosse assim, seria muito improvvel que tropessemos em um
sinal apenas 17 anos depois da primeira escuta. Mas no d para afirmar que a
emisso foi mesmo de procedncia aliengena. Devo dizer que a origem do
sinal Wow! ainda uma questo em aberto para mim, afirma Ehman. H
poucos dados para tirar muitas concluses. Eu no sou capaz de provar que
recebemos um sinal de uma ETI ou de que no recebemos. Mais de trs dcadas
aps sua apario, o sinal Wow! permanece um fascinante enigma.
Pelo sim, pelo no, os aliengenas devem receber uma resposta em breve. Em
2012, como parte da comemorao dos 35 anos da deteco em Ohio, o
Observatrio de Arecibo transmitiu uma mensagem da humanidade na mesma
direo do sinal original. Em seu contedo, 10 mil postagens de Twitt er
produzidas por entusiastas da iniciativa. Se s vezes eu mesmo tenho dificuldade
de entender o que as pessoas escrevem no Twitt er, fico imaginando o sofrimento
dos ETs para decodificar as mensagens. Boa sorte para eles.
Fato que o sinal Wow! renovou o interesse pelos programas SETI. Em 1983,
em Harvard, Paul Horowitz iniciou o Projeto Sentinel, usando equipamento que
ele havia desenvolvido nos trs anos anteriores para a anlise de estrelas
promissoras. Financiada pela ONG Planetary Society, a iniciativa seria sucedida
pelo META (Megachannel ExtraTerrestrial Assay ), que monitoraria 8 milhes de
canais simultneos. A proposta recebeu um cheque gordo do cineasta Steven
Spielberg (quela altura, os ETs j tinham feito bastante por ele) e durou at
1994. Numa anlise de cinco anos de dados, encontramos 37 eventos candidatos
que excediam o limite de deteco mdio, nenhum deles foi detectado aps
repetidas observaes, relata Horowitz.
O META foi substitudo pelo BETA (Billion-channel ExtraTerrestrial Assay ),
iniciado em 1995. Infelizmente, durou s at 1999, quando o radiotelescpio do
Observatrio de Oak Ridge foi danificado por ventos fortes no dia 23 de maro
daquele ano.
Na NASA, o interesse tambm se expandiu. No mesmo ano em que o Wow!
foi detectado, o JPL (Laboratrio de Propulso a Jato) manifestou interesse em
participar do projeto gestado no Centro Ames de Pesquisa, e dessa colaborao
nasceria a maior iniciativa da agncia espacial americana na busca por
transmisses aliengenas: o HRMS. Achou cifrado? Pois , a ideia era essa
mesmo. A sigla correspondia a High Resolution Microwave Survey, ou Pesquisa
de Micro-Ondas de Alta Resoluo. O objetivo era fazer com que o Congresso
aprovasse o oramento sem imaginar que estava financiando a busca por
homenzinhos verdes.
O objetivo da NASA era observar cerca de 800 estrelas de uma lista de
aproximadamente 2 mil candidatas, relatou Peter Backus, pesquisador do
Ideias alternativas
Desde o Projeto Ozma, estava mais ou menos combinado entre os cientistas que
a melhor faixa de transmisso para contatos interestelares era a do rdio, ao
redor da frequncia de emisso do hidrognio. Mas por que essa preferncia?
Ser que no era fruto exclusivo de um vis gerado pelo fato de que aprendemos
muito antes a transmitir ondas de rdio do que a disparar pulsos concentrados de
luz? Afinal de contas, a tecnologia do laser s havia sido inventada dois anos antes
do esforo pioneiro de Drake, por Charles Townes e Arthur Leonard Schawlow,
nos Bell Labs. Ser que no seria ela a melhor forma de disparar sinais para o
espao profundo, na forma de radiao luminosa?
Em 1961, Townes e seu colega Robert Schwartz publicaram um artigo na
Nature sugerindo que lasers de infravermelho talvez fossem a forma preferencial
de comunicao interestelar, mas ningum deu muita bola para a ideia. Afinal,
tentar superar o nvel de emisso de uma estrela em frequncias prximas da luz
visvel parecia impossvel para um artefato tecnolgico. Como manter por longos
perodos um raio laser to poderoso? Essa foi a concluso bsica a que chegou o
influente relatrio do Projeto Cy clops, divulgado em 1971.
Fim de papo? No to depressa. Ocorre que, se descartarmos a ideia de
emisso por longos perodos, tudo fica bem factvel. Com tecnologia atual,
podemos disparar um pulso de raio laser para o espao que, durante um
nanossegundo, supera em 10 mil vezes o brilho do Sol. E h uma vantagem bvia
para procur-lo, que a banda mais ampla de emisso. Da nasceu a ideia, ainda
hoje no muito popular, de que os ETs telefonariam para ns usando luz, no
rdio.
Conforme a tecnologia de detectar esses pulsos de nanossegundo apareceu,
alguns pesquisadores da SETI resolveram desenvolver estratgias de busca
baseadas em laser. Em 1998, Paul Horowitz, de Harvard, fez observaes
intermitentes no Observatrio de Oak Ridge. Em 1999, Dan Wertheimer, da
Universidade da Califrnia em Berkeley, tambm realizou algumas buscas. Mas
bvio que a caa a sinais pticos de inteligncia extraterrestre ainda est na
infncia, se comparada sua contraparte em rdio.
Um dos pesquisadores que se interessaram por essa linha de pesquisa
recentemente foi Geoff Marcy, o clebre caador de exoplanetas americano.
Em 2012, ele obteve financiamento para desenvolver tcnicas e detectores
capazes de captar sinais aliengenas em luz visvel e infravermelha. Toramos
para que eles estejam transmitindo nessas frequncias, ele me disse, animado.
Alm de procurar lasers, Marcy tambm est atrs de algo bem menos
convencional: esferas Dy son. A ideia foi apresentada pela primeira vez nos
meios cientficos pelo fsico britnico Freeman Dy son, do Instituto para Estudo
Avanado, em Princeton, nos Estados Unidos. Em um artigo publicado na
SETI biolgica
E se a vida na Terra comeou por interveno direta de uma civilizao
aliengena? No to difcil imaginar uma sociedade avanada avaliando
planetas pela galxia em termos de sua habitabilidade. Ao decidir que um mundo
passvel de ocupao biolgica, esses extraterrestres decidem semear esse
planeta com um conjunto de criaturas primitivas, nem que seja s para ver o que
a evoluo far delas em bilhes de anos. Carl Sagan e Iosif Shklovskii tocaram
nesse assunto em seu livro de 1966, e ningum menos que Francis Crick,
codescobridor da estrutura do DNA, em parceria com Leslie Orgel, formalizou a
teoria, conhecida como panspermia dirigida, em um artigo publicado na
revista cientfica Icarus, em 1973. Com proponentes dessa estatura, no custa dar
um mnimo de ateno.
Primeiro, vamos a uma anlise rpida das circunstncias da Terra em seu
nascimento, 4,6 bilhes de anos atrs. quela altura, o Universo j tinha seus 9,2
bilhes de anos, nascido de um sbito processo de expanso conhecido como Big
Bang. Sabe-se que, dessa etapa inicial, vieram apenas os elementos mais simples
hidrognio, hlio e ltio. Qumica mais complexa exigiria as detonaes das
primeiras supernovas, produzindo e espalhando os demais elementos pelo
cosmos. Sabe-se por observaes astronmicas que esses elementos j estavam
suficientemente disseminados cerca de 1 bilho de anos aps o Big Bang, o que
equivale a dizer que as condies fsicas mnimas para a vida j existiam nos
sistemas planetrios que se formaram naquela poca.
Ou seja, entre o incio da habitabilidade do Universo e o surgimento da vida na
Terra transcorreram-se quase 9 bilhes de anos. Tempo mais do que suficiente
para uma civilizao emergir, descobrir-se sozinha, e decidir empreender uma
misso de espalhar a vida pelo cosmos.
Tudo parece ainda menos fantasioso quando vemos cientistas da Terra
discutindo as perspectivas de terraformar mundos hoje inabitveis, como
Marte, transformando-os em abrigos para a vida terrestre. Talvez um imperativo
entre criaturas inteligentes seja a apreciao do fenmeno que chamamos de
vida, e a nica hiptese de preserv-lo a longo prazo seja espalh-lo por outros
mundos. (Por isso, muitos cientistas respeitados, como o britnico Stephen
Hawking, defendem que a colonizao do espao pela humanidade a nica
forma de nos defender de uma iminente aniquilao.)
Por outro lado, essa uma hiptese que causa arrepios em muitos bilogos,
porque soa parecida com o que dizem os defensores do Design Inteligente a
noo de que a vida no poderia ter emergido a partir de reaes qumicas
simples, e sua nica forma de se manifestar seria por meio de uma concepo
artificial. Normalmente, esse um argumento usado para se contrapor teoria
da evoluo pela seleo natural e defender a necessidade de um ser supremo
Inteligncia artificial
primeira vista, a mais bizarra das ideias. Como uma mquina pode se tornar
viva? Bem, deu certo conosco. De diferente mesmo, s a plataforma.
Ao longo deste livro, travamos contato com a natureza mecnica da vida
celular: como pequenos construtos moleculares promovem a replicao da
informao contida no DNA e sua transcrio para a fabricao de protenas.
Esses mecanismos no s constituem a definio de vida como a conhecemos
como exibem propriedades emergentes. A partir do surgimento dos seres
multicelulares, com a especializao de grupos de clulas, organizados em
rgos e tecidos, temos a um novo nvel de complexidade. Entre os animais, o
processo exigiu o surgimento de um aparato para gerenciar o funcionamento
harmnico de todas as partes o sistema nervoso.
A mais interessante caracterstica desse sistema, composto pelo crebro, pela
espinha dorsal e por suas terminaes nervosas espalhadas pelo corpo, que ele
transcende a fisicalidade de suas partes. Primeiro, vamos pensar em como o
crebro funciona. O principal tipo celular no sistema nervoso so os neurnios,
clulas de forma irregular, compostas por diversos tentculos, chamado axnios.
Esses axnios se conectam uns aos outros formando uma rede complexa. Nas
conexes entre eles, as chamadas sinapses, molculas mensageiras qumicas
podem passar de um neurnio a outro, induzindo a gerao de impulsos eltricos.
So esses sinais de eletricidade que controlam as funes vitais e do ao crebro
poder sobre o corpo. At a, tudo bem, estamos ainda no raso da vida cerebral,
que compartilhamos com os mais simples animais.
Curiosamente, o sucesso da evoluo animal passou por dotar as criaturas de
uma capacidade, de incio rudimentar, de avaliar circunstncias e tomar
decises, a partir de informaes sensoriais, vindas dos olhos, dos ouvidos, do
tato, do olfato e do paladar. Isso primeiro se instituiu no plano instintivo. Ao ouvir
um rudo no meio do mato, o crebro do animal iniciava a circulao de certos
hormnios adrenalina, o mais marcante e conhecido deles e, dependendo da
sequncia de disparos dos neurnios, tomava uma deciso: enfrentar ou fugir.
No difcil imaginar a importncia desse mecanismo para a sobrevivncia, e
o porqu de a seleo natural t-lo favorecido. Bem mais sutil o fato de que o
processo de deciso dos animais largamente inconsciente no muito
diferente daquele tomado por um computador. Tanto a mquina quanto o crebro
animal tm uma base fsica apta a transmitir sinais eltricos (transistores versus
neurnios), programao (software versus informao gentica) e inputs
sensoriais (dados inseridos por teclado versus os tradicionais cinco sentidos)alm
disso, no caso dos animais mais simples, nem eles, nem os computadores,
exibem qualquer sinal de conscincia.
Contudo, sabemos que, no caso dos organismos, a evoluo pode caminhar
para produzir complexidade ainda maior nos crebros. Graas a ela, podemos ter
esta conversa e refletir sobre o que est sendo dito. Essa autopercepo, que
atingiu seu pice nos seres humanos, mas claramente existe em outros animais
complexos, de ces a elefantes, passando por primatas e cetceos, uma
propriedade emergente que transcende a fisicalidade do sistema. A conscincia
no o conjunto de neurnios no seu crtex cerebral. Ela a rede de impulsos
eltricos que usa os neurnios meramente como circuitos.
Estima-se que o crebro humano, com sua rede de sinapses, realize por volta
de 10 quatrilhes de operaes por segundo. Trata-se de uma mquina de
processamento paralelo com poder computacional hoje superior aos melhores
chips baseados em silcio que possamos construir. O supercomputador mais
rpido [em 2010] chega a 360 trilhes, ento a Me Natureza ainda est na
frente, afirmou o fsico britnico Paul Davies, da Universidade Estadual do
Arizona. Mas no por muito tempo.
O pesquisador se refere lei de Moore, um dos pilares da cincia da
computao. Ela foi primeiro enunciada por Gordon Moore, fundador da Intel,
em 1965, e era mais uma percepo do que uma lei propriamente dita. Ele notou
que o nmero de transistores (portes lgicos, capazes de emitir um sinal 0 ou 1,
a linguagem bsica dos computadores) nos circuitos integrados dobrava a cada
dois anos, aproximadamente. Moore imaginou que, como a regra se manteve no
passado, ela deveria se estender futuro afora. Nossa, e como ele estava certo.
Basta lembrar quanta memria nossos computadores tinham dez anos atrs e
quanta eles tm agora. A lei de Moore, embora no seja uma propriedade fsica
inevitvel, tem mostrado um poder preditivo surpreendente. E no h sinais de
que v ser revogada.
Com o crescimento exponencial dos computadores, temos hoje no nosso
celular muito mais poder computacional do que os astronautas tinham na
espaonave que os levou Lua. E no vai tardar o dia em que o computador ter
mais poder de processamento que o crebro. Se em tese a plataforma fsica
irrelevante para definir a conscincia, e o que importa a propriedade
emergente a rede de conexes , no h razo para afirmar que as mquinas
no atingiro sofisticao intelectual igual e, possivelmente, maior que a do ser
humano.
Esse um fato que no escapou aos pioneiros da computao, numa poca em
que mquinas desse tipo encontravam utilidade apenas em aplicaes militares,
como decodificar mensagens de naes inimigas transmitidas por rdio. Alan
Turing, o gnio matemtico ingls que ajudou a decifrar o cdigo das
transmisses alems durante a Segunda Guerra Mundial, e tido hoje como pai
do computador moderno, j previa esse questionamento. Em 1950, ele abre um
artigo na revista Mind da seguinte maneira: As mquinas podem pensar?
Reconhecendo a dificuldade de constatar pensamento por vias objetivas e
xadrez em 1997.
Desde ento, uma estratgia mista tem sido perseguida pelos construtores de
inteligncia artificial, que mistura uma simulao de processos neurais para
cognio e o acesso a uma base de dados vasta absorvida por meios cognitivos
do mesmo modo que fazemos, lendo. Essa foi a preparao a que foi submetido
o computador Watson, tambm da IBM, para enfrentar os melhores jogadores
humanos juntos no game-show da TV americana Jeopardy, em que a resposta a
uma questo apresentada e os participantes precisam formular a pergunta
correspondente. Esse jogo no simples, disse-me o guru da inteligncia
artificial americano Ray Kurzweil, quando conversei com ele em 2012.
baseado em linguagem natural, e as perguntas so formas muito sutis de
linguagem, incluem metforas e piadas, no algo direto. Para responder de
maneira correta, voc precisa ter o comando de todo o conhecimento humano,
em todas as reas. No apenas o Watson conseguiu lidar com a linguagem
contorcida nas perguntas do Jeopardy, como respondeu a partir da leitura de toda
a Wikipdia. Os cientistas no programaram todos os elos de informao. Ento,
o fato de que ele conseguiu falar daquela rainha loira da Noruega no sculo 16
no foi porque algum cientista colocou aquela informao do jeito certo. Ele leu
aquilo na Wikipdia e em vrias outras enciclopdias, 200 milhes de pginas de
documentos em linguagem natural, memorizou tudo e em trs segundos pde
responder qualquer pergunta. No perfeitamente, mas ainda assim melhor que os
dois melhores jogadores humanos juntos. E isso hoje.
Projetando a evoluo dos computadores, Kurzweil faz algumas previses
bombsticas para o futuro da tecnologia. Ele diz que, em 2029, software e
hardware chegaro ao nvel de produzir inteligncia similar humana numa
mquina. Claro que isso no responde pergunta fundamental que nos
colocamos no princpio: um computador pode ser considerado vivo?
A definio da NASA, que solicita um sistema capaz de evoluo darwiniana,
claramente no se aplica aos computadores, por mais pensantes que sejam.
Afinal de contas, mesmo que eles atinjam tal nvel de sofisticao que os permita
construir rplicas de si mesmo, eles no estaro submetidos seleo natural.
Por outro lado, as mquinas inteligentes podem ir aperfeioando seu prprio
software e hardware a cada replicao. Elas no passam por um processo
darwiniano, mas sofrem de seleo artificial evoluo conduzida pelo
pensamento.
No to diferente do estgio que ns, humanos, estamos atingindo. Aps
dominar nosso ambiente de forma to avassaladora, no estamos mais
submetidos seleo natural como estvamos antes do advento da tecnologia. Na
Pr-Histria, a sobrevivncia podia depender de uma viso perfeita e de
agilidade ao enfrentar (ou fugir de) um animal perigoso. Hoje, todo mundo usa
culos e no tem problema. At mesmo as pessoas que outro dia no conseguiam
se reproduzir por problemas mdicos hoje tm recursos para replicar seus genes
na gerao seguinte. A presso de seleo diminuiu bastante, e isso visvel em
anlises do genoma humano. Um trabalho feito pela equipe do brasileiro Aly sson
Muotri, bilogo da Universidade da Califrnia em San Diego, mostrou em 2013
que o nosso DNA est sofrendo mudanas num ritmo muito menor do que o visto
em outros animais. No parou, porque novas doenas costumam desafiar o
sistema imunolgico o tempo todo, obrigando-o a evoluir, mas deu uma bela
freada. Em compensao, j se discute a possibilidade em geral rechaada por
critrios ticos de modificar artificialmente o genoma humano para
aperfeioar a espcie. Talvez sejamos mais similares a mquinas inteligentes
do que gostaramos de admitir.
Com um seno adicional: a evoluo dos computadores no deve parar no
estgio humano, porque no tem as mesmas limitaes fsicas da plataforma em
que est assentada. Em outras palavras, o poder computacional em silcio bem
mais fcil de aumentar do que num crebro programado por DNA. Kurzweil
espera que mquinas com inteligncia sobre-humana apaream a partir de 2030.
Prepare-se, pois, se ele estiver certo, em algumas dcadas teremos de encarar o
fenmeno da singularidade tecnolgica.
Kurzweil empresta o termo da fsica. Uma singularidade definida como o
que existe no interior de um buraco negro. Como tudo que entra l no volta mais
para contar a histria, ela representa o desconhecido. o que ele espera que
acontea quando as mquinas atingirem um estgio superinteligente: uma
singularidade. A viso dele otimista, atribuindo s nossas mquinas a misso de
resolver os problemas com que nos digladiamos hoje, das injustias sociais
mortalidade. Kurzweil acredita no surgimento de uma civilizao ps-humana,
em que o biolgico ir se integrar ao sinttico e at deixar de existir, quando os
seres humanos transferirem suas conscincias para crebros eletrnicos
virtualmente imortais. Mas impossvel prever que tipo de moralidade uma
mquina superinteligente ter se que ter alguma. Pode ser que ela decida
que os seres humanos so uma praga infestando a biosfera terrestre, e que o
melhor para todos seja sua erradicao. Essa a pior das hipteses. Mas quem
garante que no o que vai acontecer?
Diante de tamanha incerteza, perguntei a Kurzweil se no deveramos
conscientemente evitar a tal singularidade como, alis, faramos se
estivssemos navegando na direo de um buraco negro de verdade.
Acho que estamos sendo puxados para ela e no podemos evit-la, ele
respondeu. Embora achemos difcil dizer o que h alm do horizonte dos
eventos na singularidade fsica, temos inteligncia suficiente para falar de como
seria cair numa singularidade. Podemos falar do que veramos e
experimentaramos. Mas no necessariamente perceberamos que cruzamos o
horizonte dos eventos. No h como dar meia-volta. Podemse descrever
desfechos positivos e negativos, ento acho que nisso que devemos nos
concentrar. A coisa mais difcil de defender essa noo da IA [inteligncia
artificial] no amigvel. IA que seria mais inteligente que ns e defenderia
valores que no reconhecemos em nosso sistema moral. Acho que o melhor jeito
de nos defendermos disso refletir os valores que respeitamos em nossa
sociedade hoje, valores como democracia, tolerncia, apreciao pelo prximo,
liberdade de expresso e por a vai. Acho que h um grande consenso global
sobre isso. Nem todo mundo pratica esses valores, mas eles so praticados muito
mais que 50 anos atrs, cem anos atrs. O mundo do futuro no vir de um nico
laboratrio. Ele emergir do mundo de hoje, e estamos j aperfeioando nosso
mundo com inteligncia artificial. Se praticarmos esses valores hoje, temos a
melhor chance de refleti-los no mundo do futuro.
Convenhamos, essa ideia no transmite muita confiana.
No uma estratgia infalvel, ele admite. Mas o melhor que podemos
fazer. As pessoas dizem: um mundo violento. Na verdade, o mais pacfico
que j se viu. [O psiclogo evolutivo canadense] Steven Pinker escreveu um
livro, Os Anjos Bons da Nossa Natureza, que mostra que o mundo hoje muito
mais pacfico que em qualquer outra poca da histria humana. Mesmo o
sangrento sculo 20, que se pensaria que foi muito ruim, 180 milhes de pessoas
mortas, 60 milhes s na Segunda Guerra, pacfico comparado a outros
sculos, onde havia tremenda escassez e voc tinha uma chance de 50% de
morrer violentamente em conflitos interpessoais. No zero hoje, mas bem
menos. Estamos nos movendo na direo correta. Isso no significa que devamos
ser complacentes, essas tecnologias so muito poderosas.
O fato : podemos encontrar nas mquinas superinteligentes nossos sucessores
legtimos ou os usurpadores do nosso trono terrestre, mas de toda forma elas
parecem estar vindo a. Isso levou o fsico Paul Davies a uma concluso radical
sobre as implicaes desse fato para a busca por aliengenas, em seu livro The
Eerie Silence (O Silncio Assustador). Eu acho muito provvel at inevitvel
que a inteligncia biolgica seja somente um fenmeno transitrio, uma fase
rpida na evoluo da inteligncia no Universo. Se algum dia encontrarmos
inteligncia extraterrestre, eu acredito absurdamente mais provvel que seja de
natureza ps-biolgica.
Com efeito, uma caracterstica marcante das mquinas sua notvel
adaptao ao ambiente espacial, como nossas primitivas sondas exploradoras
demonstraram nos ltimos 50 anos. Alis, cinco delas neste instante j rumam
para a vastido do espao entre as estrelas.
O s de use s astronautas
planetrio bem mais barato e vivel que despachar uma espaonave. Tanto
verdade que, embora o melhor veculo interestelar que temos hoje seja a
Voy ager 1, j enviamos sinais de rdio a distncias muito maiores em diversas
ocasies. Alm da resposta famosa fonte Wow!, em 2012, j fizemos outras
transmisses direcionadas a potenciais civilizaes aliengenas. Talvez a mais
famosa seja a mensagem de Arecibo, enviada por aquele radiotelescpio em
1974, para comemorar sua remodelao. Era uma imagem de 1.679 pixels (o
produto de dois nmeros primos, para dar uma pista da decodificao aos
aliengenas) concebida por Frank Drake e Carl Sagan, representando os nmeros
1 a 10, o nmero atmico dos tomos que compem o DNA, a frmula do DNA,
um desenho de um homem e o tamanho da populao humana, um grfico do
Sistema Solar e um grfico do radiotelescpio de Arecibo e sua antena. A
mensagem foi disparada na direo de M13, um aglomerado globular a 25 mil
anos-luz de distncia (o sinal, naturalmente, ainda no chegar l por mais 24.960
anos).
Outra iniciativa foi o projeto das Chamadas Csmicas, dirigido pelo
radioastrnomo russo Aleksandr Zaitsev. Ele promoveu transmisses com
contedos diversos, nos moldes da mensagem de Arecibo, na direo de quatro
estrelas prximas em 1999 e de outras cinco em 2003. A mais distante delas, 16
Cy gnus A, deve receber a mensagem em novembro de 2069. Outra iniciativa
russa foi a Mensagem Adolescente, composta por cientistas e jovens, e
transmitida para seis estrelas de tipo solar em 2001.
Isso sem falar nas transmisses involuntrias feitas pela humanidade com seus
sinais de televiso e rdio que vazam para o espao. J faz praticamente um
sculo que essas so disparadas na direo das profundezas csmicas. Mas a
intensidade das emisses to baixa que vo exigir um radioastrnomo
extraterrestre muito atento, com equipamento de escuta ultrapoderoso. (E, se ele
calhar de pegar a sintonia de programas como Big Brother, ainda corre o risco de
pensar que no h vida inteligente na Terra.)
Essas iniciativas de comunicao ativa no esto livres de controvrsia.
Embora Carl Sagan e os entusiastas da SETI tenham desde sempre vendido a
ideia de que civilizaes extraterrestres necessariamente sero benignas e
socialmente avanadas, gente como o fsico britnico Stephen Hawking acredita
que anunciar nossa existncia ao cosmos pode ser perigoso. Nada sabemos sobre
tica e moral aliengenas, e at podemos estar contando a eles onde procurar seu
prximo almoo.
Outro ponto que vai contra essas transmisses que, embora sejam
relativamente baratas, elas tm potencial de retorno cientfico baixssimo. Nada
se aprende com elas, a no ser que algum responda e estejamos escutando, em
cem ou 200 anos. Por essa razo, ainda h cientistas apostando que deve ser
melhor desenvolver uma misso interestelar de verdade, capaz de colher dados
Solar chamado Nibiru. Sitchin publicou seu primeiro livro sobre o assunto, The
12th Planet (O 12 Planeta) em 1976, e foi recebido da mesma maneira
calorosa que Dniken pela comunidade cientfica. A crtica mais gentil ao seu
trabalho que ele distorceu sua traduo dos textos sumrios para encaix-la
teoria. Tambm no ajudou a rbita proposta para o planeta Nibiru uma elipse
acentuada que a cada 3.600 mil anos o traz para dentro do Sistema Solar,
chegando a estar mais perto de ns que Jpiter, para depois mergulhar
novamente nas profundezas alm de Netuno ser inerentemente instvel e,
portanto, inadequada para preservar um mundo durante os 4,6 bilhes de anos de
histria do Sistema Solar.
Escritores best-sellers como Dniken e Sitchin torcem todas as evidncias para
suportar a hiptese de que o passado humano esteve recheado de visitas
aliengenas, interpretadas erroneamente como intervenes divinas pelos antigos.
uma ideia que infelizmente no resiste a anlises mais sbrias. O mapa de
Piri Reis, por exemplo, no mais preciso que outras cartas de seu tempo, e as
fontes usadas para a compilao so fartamente descritas, incluindo trabalhos
cartogrficos feitos por Cristvo Colombo e outros mapas portugueses da poca.
O suposto mapeamento da Antrtida muito mais provavelmente o sul da
Amrica, misturado a uma tese ento vigente de que deveria mesmo haver um
continente sobre o polo Sul para compensar a quantidade maior de terras no
hemisfrio norte.
As tcnicas envolvidas nas grandes construes, das pirmides aos moais, em
nada exigiam conhecimentos alm daqueles possudos pelos povos que os
erigiram. Alis, esse desprezo pela capacidade tcnica de nossos ancestrais
humanos foi um dos motivos mas no o nico pelos quais Carl Sagan se
revoltou contra o trabalho de Dniken. Que textos to descuidados quanto os de
Von Dniken, cuja principal tese que nossos ancestrais eram fantoches, sejam
to populares um sbrio comentrio sobre a credulidade e o desespero de
nossos tempos. (...) Eu tambm espero que livros como Eram os Deuses
Astronautas? continuem bastante populares em cursos de lgica do ensino mdio
e de faculdades, como lies objetivas em pensamento preguioso. Eu no
conheo nenhum livro recente com tantos erros factuais e lgicos como os
trabalhos de Von Dniken, disse o astrnomo, em prefcio do livro The Space
Gods Revealed (Os Deuses do Espao Revelados), um estudo crtico das ideias do
suo escrito por Ronald Story em 1980.
O astrofsico Seth Shostak, do Instituto SETI, entende at que existe preconceito
e etnocentrismo em hipteses como as levantadas por Dniken. De fato, alguns
sujeitos ficam felizes em endossar a ideia de viagens aliengenas frequentes
Terra, porque apoiam sua afirmao de que extraterrestres ajudaram algumas
sociedades (aparentemente ineptas) com seus projetos de obras pblicas. Por
exemplo, sugerido que tipos de outro mundo estiveram por a 5 mil anos atrs
para ensinar aos egpcios como empilhar blocos de pedra em gigantes formas
piramidais. Outros alegam que engenheiros aliengenas foram consultores dos
indgenas de Nazca, que se ocuparam decorando o deserto peruano com glifos de
perus e outros animais de sua fauna cerca de mil anos atrs. (Eu reparo que, por
alguma razo perturbadora, ningum sugere que os aliengenas podem ter
ajudado a construir o Partenon ou o Coliseu.)
As crticas so em geral bem mais honestas que os criticados. Dniken no se
ajuda quando admite ter narrado exploraes que ele nunca fez, s para
aumentar o interesse por seus livros, e quando aborda com os mesmos critrios
artefatos reais e falsificaes grosseiras, sem se preocupar com sua procedncia
ou com estudos arqueolgicos srios sobre as peas. Em meio a tanta
insegurana com relao s evidncias arqueolgicas, restam ento somente os
textos histricos que podemos estudar mais facilmente os procedentes da Bblia.
Que h narrativas suspeitas em Gnesis e em Ezequiel que poderiam ser
interpretadas como visitas extraterrestres, ningum duvida. Contudo, essa uma
premissa que no pode ser testada. Portanto, deve permanecer fora do campo da
cincia, que exige a formulao de hipteses passveis de refutao experimental
para poder avanar.
Se eles sempre estiveram aqui, ento por que eles no assumiram a Terra?,
pergunta-se Shostak, confrontando a ideia de visitao pregressa. Eles no
deixaram nenhum lixo reconhecvel, sem falar em traos no registro fssil. O
cenrio da visitao repetida tambm improvvel, porque implicaria que houve
milhes de expedies aliengenas ao nosso planeta sem nenhum resultado. Que
sociedade aliengena financiaria isso?
Cabe a crtica de que no podemos ter a menor ideia de quais seriam as
intenes ou a tica dos visitantes para descartar a hiptese to assertivamente
quanto o faz Shostak. At onde sabemos, pode ser que as viagens interestelares se
tornem to simples no futuro, movidas a energia do vcuo, que milhares de
turistas aliengenas visitem a Terra com frequncia, no necessariamente com
fins cientficos ou financiados por algum governo extraterrestre. Quem vai saber?
To absurdo quanto tratar nossos antepassados como perfeitos idiotas
interpretar aes extraterrestres com base nos padres da sociedade humana
contempornea.
A verdade nua e crua que, caso fique demonstrado que h outras civilizaes
na Via Lctea e elas so capazes de voo interestelar, bem possvel que a Terra
tenha sido visitada por aliengenas no passado. Impossvel provar que isso de
fato aconteceu. Ainda se eles tivessem mesmo engenheirado geneticamente a
espcie humana, como sugerem Dniken e Sitchin, poderamos ter encontrado
sinais disso em nosso DNA. Mas estudos genmicos demonstram que o Homo
sapiens evoluiu naturalmente na Terra, sem nenhuma interveno radical de
qualquer tipo, tendo sua linhagem divergido da dos atuais chimpanzs cerca de 10
O f e nme no O VN I
discos voadores e at ter sido chamado a passear neles. Em 1953, ele publicou
seu best-seller, Flying Saucers Have Landed (Os Discos Voadores Pousaram).
Hoje sabemos que as fotos que ele produziu eram todas fraudes. Mas no s as
dele. Todas [as imagens de discos voadores] tm um problema em comum: as
naves so vistas contra um cu claro sem objetos atrs, e por isso impossvel
julgar sua escala. Como alguns investigadores j demonstraram, esse o arranjo
mais simples para falsificar uma foto de OVNI; voc pode fazer atirando um
modelo pequeno para o alto (ou pendurando-o por um fio) e capturando-o em
filme, afirma William Alschuler, astrnomo do Instituto de Artes da Califrnia,
ctico assumido e autor do livro The Science of UFOs (A Cincia dos OVNIs).
Com o aumento das crticas sobre o aspecto chapa-branca do Blue Book, o
governo americano formou um comit liderado pelo fsico Edward Condon, na
Universidade do Colorado. Em 1968, a equipe apresentou seu relatrio dizendo
que os OVNIs podem ser explicados por meios naturais, que no h ameaa
segurana nacional e que uma perda de tempo estud-los. Diante de
afirmaes to contundentes (e convenientes), a Fora Area decidiu encerrar o
Projeto Blue Book no ano seguinte. Ao final de 1969, a iniciativa havia analisado
um total de 12.618 ocorrncias e concluiu que a imensa maioria podia ser
explicada por fenmenos meteorolgicos, astronmicos, fraudes e miragens (no
necessariamente nessa ordem). Contudo, algumas observaes exatamente
701permanecem at hoje inexplicadas.
Diz a lenda que o governo dos Estados Unidos no se preocupou mais com
OVNIs desde ento, mas, conhecendo a paranoia americana como conhecemos,
quem acredita nisso?
O Arquivo-X brasileiro
Nosso pas praticamente do mesmo tamanho que os Estados Unidos, e no
haveria razo para no termos nossa prpria coleo de eventos estranhos,
acompanhados por movimentaes entre os militares para investigar.
Recentemente, a Fora Area Brasileira (FAB) abriu todos os seus documentos
sobre OVNIs, que remontam dcada de 1950, e os colocou disposio para
consulta no Arquivo Nacional, em Braslia. Embora os estudiosos do tema digam
que h ainda mais coisa escondida, ali j temos uma bela amostragem dos casos
mais famosos envolvendo estranhas aparies celestes. A comear por nossa
prpria verso do Blue Book, a Operao Prato. Foi um esforo conduzido entre
1977 e 1978 na regio da Amaznia e composto por um grupo de oficiais da
Fora Area liderados pelo capito Uy rang Bolivar Soares Nogueira de
Hollanda Lima, destacados para investigar ocorrncias reportadas pela
populao no municpio de Colares, localizado na baa de Maraj, no Par.
Os pescadores alegavam estar sendo importunados por luzes misteriosas que,
por vezes, os atacavam, tirando sangue e provocando um estado de paralisia.
Apelidaram o fenmeno de chupa-chupa e pressionaram o prefeito para que
pedisse ajuda aos militares. O povo da regio estava apavorado, acreditando que
as luzes eram obra do demo ou algo do tipo.
O capito Hollanda e seus oficiais tinham uma dupla misso: acalmar a
populao e investigar a natureza das luzes se que elas existiam.
Munidos de cmeras fotogrficas e filmadoras, eles comearam anotando
minuciosamente as descries feitas pelos moradores. Nos primeiros dias,
chegaram a ver luzes de longe, mas nada que convencesse o lder da operao
de que se tratava de algo anormal. Porm, aps cerca de dois meses, essas
observaes comearam a se tornar mais frequentes e prximas. Em entrevista
cedida em 1997, pouco antes de sua morte e j livre dos votos de silncio da
Fora Area, Hollanda admitiu acreditar que se tratava mesmo de um fenmeno
real e inexplicvel.
Dado o tempo necessrio para que a equipe da FAB comeasse a ver
aparies espetaculares, poderiam eles estar sob efeito de alguma substncia
alucingena que tivesse contaminado a regio? Bem, isso s seria possvel se o
mesmo produto contaminasse suas cmeras fotogrficas. Mais de 500 fotos
foram tiradas das tais luzes, muitas delas figuram de um relatrio desclassificado
pela Fora Area infelizmente somente em cpias em preto e branco. J os
filmesHollanda disse ter filmado quatro rolos foram confiscados pela
Aeronutica e seguem desaparecidos, pelo menos para o pblico.
De todo modo, o relatrio de 160 pginas contm mais de 130 registros de
observaes, inclusive de pousos dos supostos objetos, realizados entre 2 de
setembro de 1977 e 28 de novembro de 1978. Vrias dessas ocorrncias foram
maioria dos cientistas prefira manter uma distncia saudvel do tema, embora
poucos corajosos, como o astrobilogo David Grinspoon e o fsico Michio Kaku,
admitam que h um percentual de casos inexplicados que d margem
especulao de que se trata de visitantes aliengenas.
Aos que preferem acreditar que tudo no passa de imaginao, um fato
notvel que muitos pases tenham dedicado tantos esforos a investigar o
fenmeno. Convenhamos que no mnimo estranho gastar dinheiro para estudar
uma coisa que supostamente no existe. Os franceses, por exemplo, deixaram o
assunto sob encargo da CNES, a agncia espacial francesa. Uma investigao
em andamento, iniciada em 1977, j registrou cerca de 6 mil casos, dos quais
14% seguem sem explicao. Embora oficialmente os relatrios no defendam
que os OVNIs so aliengenas, os lderes do estudo j vieram a pblico dizer que
essas aparies eram mquinas voadoras fsicas alm do nosso conhecimento, e
que a melhor explicao para os casos mais enigmticos era a hiptese
extraterrestre.
No Reino Unido, a concluso oposta. Um relatrio produzido pelo governo
britnico em 1951, e mantido em segredo por 50 anos, concluiu que todos os
casos podiam ser explicados por fenmenos naturais, iluses de ptica,
alucinaes ou fraudes. Entre 1996 e 2000, o Ministrio da Defesa conduziu novo
estudo, o Projeto Condign, e chegou mesma concluso. Uma batelada de
documentos de investigao de OVNIs foi liberada para o pblico pelo governo
britnico em 2008, e novos documentos continuariam a ser apresentados via os
Arquivos Nacionais, em modelo similar ao adotado pelo Brasil.
Na Amrica Latina, os que levam mais a srio o fenmeno so os uruguaios. A
Fora Area de l vem investigando casos desde 1989. So mais de 2.100 eventos
catalogados, dos quais apenas 40 permanecem sem explicao. Todos os
arquivos podem ser acessados pelo pblico.
Muitas das ocorrncias estranhas podem ser explicadas pela cincia.
Fenmenos como reflexo ionosfrica (em que raios de luz ou rdio batem na
alta atmosfera e voltam ao cho) podem provocar, ao mesmo tempo, ecos no
radar e a iluso de objetos brilhantes, segundo o astrnomo William Alschuler.
Outros episdios, em que o piloto reporta um objeto luminoso que acompanha os
movimentos de seu avio, mantendo-se parado com relao a ele, tambm
podem ser explicados pela reflexo de luz a partir de cristais de gelo na
atmosfera.
Isso sem falar em hipteses mais provincianas, como a reflexo da luz solar ou
lunar no interior de uma cmera fotogrfica (no caso de imagens misteriosas),
ou mesmo uma apario do planeta Vnus (que to brilhante que pode ser
confundido com um OVNI). Menos comuns e mais impressionantes so os
fenmenos conhecidos como fogo-de-santelmo e raios globulares, ambos
ocorrncias atmosfricas de natureza eltrica. No primeiro caso, trata-se de uma
esperar por uma coisa muito grande. Comunicao com inteligncias em outras
estrelas pode ser algum dia possvel, e, como muitos dos planetas so bem mais
velhos que o nosso, os seres que vivem l devem ter informaes que so para
ns de enorme valor.
O italiano chegou a sugerir que a matemtica seria usada como a linguagem
para a comunicao e afirmou j ter detectado sinais sem explicao que
poderiam ter sido enviados por outras civilizaes. Seria o primeiro alarme falso
da pr-histria da pesquisa SETI? Pelo sim, pelo no, o New York Times publicou
um longo editorial sugerindo: Deixem as estrelas em paz. O temor era de que
conhecimento para o qual estamos despreparados fosse precipitado sobre ns
por inteligncias superiores.
Curiosamente foi pelo rdio que a populao americana teve um traumatizante
primeiro contato com aliengenas. Aconteceu no dia 30 de outubro de 1938, em
Nova Jersey. Milhes de famlias se reuniam em torno do desajeitado dispositivo
para ouvir as notcias ou, simplesmente, se distrair. (Lembre-se, no havia TV
naquela poca.) s 20h, um aviso sumrio em voz solene: A Columbia
Broadcasting Sy stem e suas estaes afiliadas apresentam Orson Welles e o
Mercury Theatre on the Air em A Guerra dos Mundos, por H. G. Wells.
O discreto alerta foi seguido por um boletim meteorolgico, que por sua vez
deu lugar a um programa musical. Em mais alguns segundos, uma interrupo
para um flash noticioso. Segundo o apresentador, um grupo de astrnomos havia
detectado uma srie de exploses na superfcie do planeta Marte. O fenmeno
foi originalmente observado s 19h40 pelo professor Farrell, do Observatrio
Mount Jennings, em Chicago, Illinois, e posteriormente confirmado pelo
professor Richard Pierson, do Observatrio de Princeton.
Entrevistado poucos minutos depois, Pierson expressa todo o seu ceticismo
quanto possvel origem artificial das exploses. Ao final da entrevista, ele
recebe um comunicado de que um meteorito acaba de cair sobre uma regio a
apenas 20 quilmetros de Princeton. Aos poucos, em outros flashes noticiosos,
vrios observatrios confirmam as observaes feitas em Chicago, e surge o
relato de que o meteorito se chocou contra Grovers Mill, cidade a oito milhas de
Trenton, capital do Estado de Nova Jersey, e a 50 milhas da cidade de Nova York.
O jornalista Carl Phillips, que fez a entrevista original em Princeton,
acompanha Pierson at Grovers Mill, de onde prossegue com sua reportagem.
Fica logo constatado que o meteorito no se parece com nada j visto antes,
apresentando uma forma cilndrica e dimenses grandiosas. Logo o topo da
estrutura se abre e uma criatura medonha, com mltiplos tentculos, emerge
dali. Phillips perde as palavras para descrever a cena, e o pnico toma conta das
pessoas. Ocorre uma exploso e a transmisso interrompida. Algum tempo
depois, surge a informao de que h pelo menos 40 mortos no incidente. Pierson
consegue escapar da destruio e volta a relatar sobre o ataque, supostamente
seus amigos ETs era com o bem-estar da humanidade, ameaada pelo terror de
uma guerra nuclear autodestruidora. E, nos casos (menos comuns) em que os
aliengenas manifestavam-se de forma agressiva, eles seriam a personificao
do medo de um conflito iminente.
Para Jung, mesmo que houvesse de fato objetos estranhos (qui aliengenas?)
voando pelos cus da Terra, eles estariam meramente motivando as pessoas a
criar esse tipo de fantasia visionria, ligada nica e exclusivamente a seus
temores inconscientes. (O psicanalista prefere usar o termo viso, em vez de
alucinao, para no dar conotao patolgica a um estado normal de
funcionamento da mente, em que o inconsciente se manifesta da forma que lhe
possvel, manipulando a realidade para tornar sua mensagem aparente.)
Ser que isso explica tudo? Talvez. Que existe uma correlao cultural perene
entre a exposio fico dos OVNIs e o nmero de testemunhos, no h
dvida. Uma anlise de dados feita por Ricardo Borges Lacerda e Andreas
Mller sobre os arquivos da Fora Area Brasileira mostrou que, desde os anos
50, a dcada que viu, disparado, mais relatos de discos voadores nos cus
brasileiros foi a de 1990. So 249 casos, na mesma poca em que a televiso
exibia uma srie extremamente popular chamada Arquivo-X. E a segunda
dcada com mais casos foi a de 1960 (103 casos), outro perodo efervescente em
temas espaciais, com a conquista do espao pelo homem e a exibio de
programas clssicos como Jornada nas Estrelas e Perdidos no Espao.
Com base nesses dados, no difcil supor que o inconsciente, munido das
imagens da produo cultural, fabrique vises de OVNIs. Mas tambm no se
pode negar que alguns casos geram vdeos e fotos, e as mquinas que produzem
as imagens no esto sujeitas aos efeitos da imaginao. Ainda restam
ocorrncias sem explicao.
Isso tudo s permite uma anlise: com toda probabilidade, o fenmeno tem
mltiplas razes. Em alguns casos, a mais pura malandragem fraude mesmo.
Charlatanismo. Em outros, pode ser uma manifestao psicolgica do
inconsciente, motivada pelas mais diversas razes. E o que nos resta, nos casos
em que essas duas hipteses foram descartadas, um fenmeno fsico real. A
cabe investigar se a hiptese extraterrestre se sustenta, diante de possveis
explicaes naturais.
Eu sinceramente tendo a desacreditar relatos de abduo, em que aliengenas
sequestram pessoas para estudos. Os relatos desses encontros so familiares
demais. Outro dia, indo ao dentista, eu me dei conta de como a experincia de se
sentar naquela cadeira olhando o refletor na sua cara, impotente, enquanto duas
pessoas vestidas de branco, com mscaras e culos protetores, cutucam a sua
boca com os mais bizarros instrumentos pode se parecer com um relato de
experimentao aliengena em cobaias humanas. H de haver uma forma mais
simptica de eles nos estudarem do que cutucar todos os nossos orifcios (embora
eu admita que nada sabemos sobre os conceitos que outras civilizaes podem ter
de tica, para no falar em suas noes de simpatia).
Outro elemento das histrias de disco voador que no cola o dos crculos nas
plantaes. O primeiro caso veio da Inglaterra, em 1976. Todos ficaram pasmos
com a preciso dos desenhos e disseram que no havia como humanos
conseguirem fazer uma obra daquelas. Novos padres continuaram a aparecer,
da noite para o dia, para o espanto de todos. At que em 1991, dois velhinhos,
Doug Bower e Dave Chorley, admitiram que estavam fazendo os desenhos e
mostraram como eram produzidos, para a tristeza dos uflogos.
Se h algo de educativo na histria dos crculos a demonstrao de como as
pessoas continuam prontas para aceitar a hiptese aliengena num piscar de
olhos. Como dizia o pster no escritrio do agente Fox Mulder, em Arquivo-X, eu
quero acreditar. At hoje, foram reportados pouco mais de 10 mil desenhos em
plantaes, 90% deles no sul da Inglaterra. (Seriam extraterrestres viciados em
ch?) Padres similares foram vistos em 26 pases, alguns inclusive no Brasil.
Mas quando eles no so fruto da criatividade humana, esto sempre associados
a fenmenos meteorolgicos ou outras ocorrncias naturais. No h nada de
misterioso ou aliengena a respeito deles.
Por outro lado, pessoas que dizem ter visto artefatos voadores me parecem
crveis, pelo menos em alguns casos bem documentados. Se eles tm origem
aliengena, ningum sabe. Mas, como no se pode descartar a existncia de
outras civilizaes no Universo, bem como a viabilidade de voos interestelares,
uma hiptese que no pode ser afastada por completo.
De toda forma, evidente que o apelo psicolgico de vida extraterrestre
possivelmente explicado por noes arquetpicas, como sugere Jung produz um
impacto considervel em nossa cultura e talvez at no que vemos (ou achamos
que vemos). E o interessante que se trata de uma polinizao cruzada. Os
primeiros testemunhos de OVNI talvez tenham sido alimentados pelas revistas de
fico cientfica das dcadas de 1920 e 1930, mas ento eles mesmos passaram
a realimentar a cultura da fico.
Em 1951, o filme O Dia em que a Terra Parou, do diretor Robert Wise (19142005), j trazia consigo a cultura emergente dos discos voadores. Ele mostra a
descida de uma nave em Washington, e a bordo um aliengena e seu rob.
Klaatu, como chamado o humanoide, vem trazer uma mensagem importante a
todos os povos da Terra: o perigo iminente trazido pela construo de armas
nucleares. Embora a narrativa fosse baseada em um conto de 1940 (pr-discos
voadores, portanto), a ideia do aliengena como um mensageiro superior
preocupado com a Terra no fazia parte do conceito original.
E quem pode se esquecer da obra-prima dos filmes de disco voador? Estamos
falando de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, de 1977. Escrito e dirigido por
Steven Spielberg, o longa-metragem teve como consultor o astrnomo J. Allen
pousado sobre criaturas exticas, com uma qumica bem diferente da usada pela
vida terrestre, e nunca foi equipada com os instrumentos para encontr-las.
Portanto, ainda cedo para dizer que o nico lugar vivo no Sistema Solar a
Terra. Se o aliengena do pargrafo anterior descesse em nosso planeta 3 bilhes
de anos atrs, ele encontraria um cenrio desolador. A vida estaria l, nos
oceanos, mas nada seria visto em terra. As alteraes atmosfricas provocadas
pela biologia seriam mnimas. Nenhum animal, nenhuma planta, quase nenhum
oxignio no ar. Se o nosso ET fosse alrgico gua, talvez nem notasse que a
Terra era um planeta vivo.
Buscar vida extraterrestre no fcil. Tanto que a astrobiologia hoje evolui
muito mais em laboratrios do que no espao. No Brasil, a USP construiu em
Valinhos (SP) o AstroLab, uma instalao dedicada a estudar a origem da vida e
as possibilidades de formas biolgicas resistirem aos estranhos ambientes
aliengenas. A mensagem principal das pesquisas produzidas ali que a vida, uma
vez surgida, no nada fcil de erradicar. Um trabalho conduzido por Douglas
Galante, coordenador operacional do AstroLab, mostrou que bactrias como a
Deinococcus radiodurans podem resistir at mesmo radiao emitida pela
detonao de uma supernova a 100 anos-luz de distncia.
Experimentos realizados em uma cmara dedicada a simular ambientes
extraterrestres no AstroLab mostram que certas formas de vida terrestres seriam
capazes de sobreviver em locais pouco amigveis, como Marte. E isso tudo
falando de vida como a conhecemos, talhada para viver melhor em seu planeta
natal. Que outras permutaes seriam possveis l fora?
Quando deixamos o Sistema Solar e lembramos que nossa estrela-me
apenas uma, entre pelo menos 100 bilhes de astros na Via Lctea, dos quais a
absoluta maioria (cerca de 96%) tem uma vida til longa o suficiente para
permitir a evoluo de biosferas em planetas ao seu redor, e ao redor de 20%
delas de fato preservam sistemas planetrios estveis, temos 19,2 bilhes de
potenciais abrigos para biosferas. Supondo que apenas um dcimo desses
sistemas tenham os planetas certos, no lugar certo, para permitir a vida, ainda
temos quase 2 bilhes de biosferas. Os nmeros nos do muita razo para
otimismo. Mas s at certo ponto.
O salto da vida para a evoluo da inteligncia bem menos seguro. Tendo o
nico exemplo da Terra, no h como saber se o florescimento da civilizao
um fenmeno muito improvvel. Fcil, podemos apostar que no , levando em
conta o tempo que foi preciso para a vida por aqui chegar at o estgio em que
surgiram criaturas como ns. Mas quo difcil , no h como estimar. Se
adotarmos o argumento mais pessimista que j ouvi, sugerido pelo bilogo Ernst
May r, que sugere que 50 bilhes de espcies foram necessrias at que surgisse
uma inteligente, de onde se tira a probabilidade de 1 a cada 50 bilhes, devemos
ser a nica civilizao na Via Lctea. Mas no no Universo.
que fazemos hoje com partculas em aceleradores como o LHC (Large Hadron
Collider), na fronteira da Frana com a Sua.
Caso essa seja uma soluo vivel para o desafio das viagens interestelares (ao
menos na categoria no tripulada), isso j faria muito para explicar a ausncia de
aliengenas por aqui. Vai ver que eles se contentaram em nos estudar com
mquinas nanoscpicas, pequenas demais para que as encontremos.
Mesmo que os ETs no tenham feito isso, talvez sigamos esse roteiro para
estudar de forma mais eficiente novos mundos e novas civilizaes. E a
estaremos em tima condio para saber quem temos chance de contatar por
rdio, se que algum estar l.
Mas talvez ns tenhamos pela frente a sina de no encontrar ningum nos
arredores. Ainda que isso acontea, quase certo que seres humanos ou pelo
menos nossas mquinas se espalharo pela Via Lctea e procedero com sua
colonizao. No h pressa. A era espacial comeou h pouco mais de 50 anos.
O que ter transcorrido com nossa civilizao em 500 anos? E em 5 mil? Mesmo
que no encontremos mais ningum l fora, ns trataremos de espalhar a vida
pela Via Lctea no devido tempo.
J se discute, por exemplo, a possibilidade de futuramente se implantar vida
em Marte, caso fique demonstrado que no h criaturas nativas l. A ideia seria
aumentar a presena de gases-estufa na atmosfera marciana para esquentar
aquele mundo e derreter o gelo no subsolo. Com gua lquida e um pouquinho
mais de calor, poderamos introduzir uma biosfera geneticamente projetada para
proliferar no planeta vermelho, no processo conhecido como terraformao. A
essa altura, chegando ao final deste livro, voc j pode imaginar que nada disso
est alm das possibilidades.
Se pudermos enviar nanorrobs para outras estrelas, nada impedir que
faamos a mesma coisa com formas de vida simples, que procedero com a
colonizao de planetas estreis em outros sistemas planetrios. como
apresentar a hiptese da panspermia dirigida de Francis Crick e Leslie Orgel de
ponta-cabea: ns somos os aliengenas que semearo outros mundos!
Podemos tambm atingir um estgio tecnolgico em que voos tripulados at
outras estrelas se tornem possveis. Ento, mesmo que no encontrem ningum l
fora, os seres humanos podero colonizar outros mundos. Freeman Dy son sugere
at que mandemos ovos csmicos na direo desses planetas distantes, com o
contedo genmico de uma biosfera inteira que possa florescer l.
Quais seriam ento os limites de expanso da nossa civilizao? Em 1964, o
astrofsico russo Nikolai Kardashev props que as civilizaes poderiam ser
classificadas em trs nveis, de acordo com o seu consumo energtico. As de tipo
I usufruem de uma quantidade de energia equivalente que a Terra recebe do
Sol em sua superfcie. As de tipo II tm acesso ao total de energia irradiado por
sua estrela. Seriam sociedades capazes de construir estruturas como as esferas
Uma das coisas mais legais de escrever um livro poder olhar para trs e
agradecer s pessoas que, de um jeito ou de outro, contriburam com sua
realizao. No caso de um livro como este, envolvendo um tema pelo qual eu me
interesso desde a infncia, h de se imaginar que seja bastante gente. Por isso
mesmo, no tenho a pretenso de me lembrar de todo mundo e peo desculpas
desde j por eventuais omisses.
Em primeiro lugar, devo um grande valeu! a Alexandre Versignassi, meu
editor. Ele apertou todos os botes certos, aqui e na editora, para que esse projeto
pudesse ser levado a cabo com a ateno e a dedicao que merecia. uma
parceria de longa data, que espero que se renove muitas e muitas vezes.
Tambm preciso agradecer ao meu grande amigo e leitor beta do livro, o
astrnomo Cssio Leandro Barbosa, que forneceu comentrios e marcaes
importantes para a melhoria do texto original. Naturalmente, quaisquer erros ou
tropeos no contedo so de minha total responsabilidade.
Toda vez que tiramos um tempo para escrever um livro, quem mais sofre a
famlia. Agradeo, portanto, minha esposa, Eliane, por se desdobrar para
manter tudo funcionando durante minhas ausncias presentes, e ao meu filho,
Salvador, que decerto me perdoar por todas as vezes em que no pude brincar
com ele para em vez disso terminar um captulo, ou coisa do tipo. Um obrigado
tambm aos meus pais, Salvador e Silvia, pelo interesse e pelo apoio, ao meu av
Jos Carlos, por aquele exemplar de Explorao dos Planetas, e minha av
Elisa, por estar sempre comigo, se no em presena, no corao.
Cabe tambm um muito obrigado a todos os cientistas que se dispuseram a
conversar comigo e falar sobre vida extraterrestre. So mais de dez anos falando
do assunto, de forma que a lista completa grande. Mas no poderia deixar de
mencionar ao menos Alexander Sukhanov, Paulo Antonio de Souza Jnior, Chris
McKay, Geoff Marcy, Bill Borucki, Don Brownlee, Michel May or, Paul Butler,
Claudio Melo, Ray Kurzweil, Douglas Galante, Steven Benner, Claudia Lage e
Eduardo Janot Pacheco.
Por fim, agradeo a voc, leitor, por me dar a chance de conversar sobre esse
assunto to intrigante. Espero que tenha gostado da aventura.
Salvador Nogueira
So Paulo, fevereiro de 2014
Livros
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ISBN 978-85-364-1779-0
CDD 001.942
2014
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