2 Referencial Teórico
2 Referencial Teórico
2 Referencial Teórico
2.1
tradio animal, um dom que os homens compartilham com os animais. Para ele,
a evoluo promove a competio entre os seres, mas tambm os condiciona a
buscar a ajuda mtua.
competio, existe tanta cooperao. O homem seria, por instinto, um animal antisocial ou pr-social? 2
Segundo Moraes (2001), o conceito sociolgico preponderante antigamente
vislumbrava o homem como um ser hermeticamente fechado ao mundo exterior,
isolado, semelhante a uma ilha: era o chamado homo clausus. O homem seria uma
espcie de micro-clula autnoma e auto-suficiente.
A concepo da moderna sociologia - o homo non clausus - oposta ao
conceito acima citado. Os indivduos s podem ser compreendidos pela sua
interdependncia, como parte de redes de relacionamentos sociais. Ao invs de
definir o indivduo como possuidor de uma identidade autnoma com a qual ele
interage com os demais e se relaciona com o que chamamos de sociedade,
socilogos como Norbert Elias argumentam que somos essencialmente sociais e
24
2.2
A SOLIDARIEDADE
Qual o significado da palavra solidariedade? Qual a sua origem? Ela vem do
latim sldre e deriva da palavra solidez, que quer dizer qualquer corpo que tem
consistncia, que no oco, que no se deixa destruir facilmente.6 De acordo
com o
dicionrio
Houaiss,
interpretaes, dentre elas: lao ou ligao mtua entre duas ou muitas coisas ou
pessoas, dependentes umas das outras e mutualidade de interesses e deveres.
Na Sociologia, o conceito definido como a condio do grupo que resulta
da comunho de atitudes e de sentimentos, de modo a constituir o grupo uma
unidade slida, capaz de resistir s foras exteriores e mesmo de tornar-se ainda
mais firme em face de oposio vinda de fora.7
3
25
especficas e contam com o bom desempenho dos demais indivduos para que o
sistema continue a funcionar bem. Se um rgo apresenta problemas, o seu malfuncionamento prejudica os demais.
A solidariedade orgnica aporta uma maior autonomia e uma conscincia
individual mais livre, ao mesmo tempo em que a interdependncia entre os seres
o seu pilar de sustentao.
Sobrinho de Durkheim, o pesquisador francs Marcel Mauss realizou
diversos estudos em sociedades primitivas nas quais avaliou a questo da
interdependncia entre os indivduos.
Pela lgica da diviso social do trabalho, as trocas entre pessoas, famlias e
grupos so necessrias e ultrapassam o ambiente econmico. Mauss9(1974)
analisou o conceito de economia natural, segundo o qual as necessidades dos
indivduos geram a demanda por bens e sua conseqente troca, e concluiu pela sua
inaplicabilidade, tanto em sociedades primitivas, quanto em modernas. Tal
8
26
social corporativa.
A solidariedade pode ser pensada tambm como uma virtude de origem
histrico-religiosa condizente com o princpio cristo que prega que todos os
homens so irmos, pois foram criados por Deus. A fraternidade seria ento uma
conseqncia natural da prpria origem do homem. Essa linha de pensamento se
materializava em costumes exigidos dos cidados, atravs de prticas
assistencialistas e filantrpicas, em pocas de menor integrao mundial e de
predomnio das idias catlicas. Com o passar dos tempos e o aumento da riqueza
mundial, a noo obrigacional de fraternidade perdeu importncia e passou a ser
vista como uma escolha do indivduo, que pratica a caridade se a sua conscincia
assim o desejar.11
No entendimento jurdico, em sentido estrito, a solidariedade envolve
devedores que devem responder pelo valor global do que pegaram emprestado
coletivamente. Caso algum devedor seja inadimplente, os outros tm a obrigao
de responder por ele. Em sentido lato, a solidariedade jurdica um dever da
sociedade, citado na Constituio do Brasil, que diz ser um objetivo fundamental
10
11
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28
a Lei de Talio: Olho por olho, dente por dente. Segundo Carl Sagan, tal
comportamento freqente na humanidade. Um exemplo citado pelo autor o
conselho dado pelo ento presidente americano Bill Clinton no auxlio que
prestou s negociaes do acordo de paz entre os israelenses e os palestinos,
citando o Alcoro: Se o inimigo se inclina para a paz, incline-se tambm para a
paz.14
A Regra de Ferro Faz aos outros o que quiseres, antes que te faam o
mesmo, apresenta um aparente carter prtico, porm traz em si mesmo o risco
de dano a quem a pratica, pois consolida a hostilidade entre as partes envolvidas e
aumenta o risco de conflito.
De posse de tantas regras, como age a sociedade? Existe alguma regra mais
apropriada que a outra? Como saber qual regra ir funcionar, qual promover o
efeito desejado e a ajudar a progredir?
Com o intuito de descobrir o que de fato funciona, Sagan (1998) prope que
se amplie o paradigma histrico que vislumbra interaes humanas e sociais
14
SAGAN, C. As regras do jogo - in Bilhes e bilhes. So Paulo: Companhia das Letras, 1998.
p. 202.
29
pena?
Aborda-se tal questo pelo uso de um jogo denominado O Dilema do
Prisioneiro. O jogo busca demonstrar, atravs de simulaes lgico-realistas, a
dificuldade de uma ao solidria, quando existem recompensas em disputa. O
ponto central explorado pelo jogo a melhor ao do ponto de vista lgico, no se
levando em conta nenhum tipo de padro moral.
A situao apresentada a seguinte: dois cmplices em um crime so presos
no em flagrante e separados imediatamente, sem que tenham tempo hbil para
formularem uma estratgia comum de defesa. Para que confessem, a polcia diz, a
cada um, que o outro j confessou e o incriminou. Trs possibilidades se seguem:
A e B no confessam; A e B confessam; A alega inocncia e incrimina B ou viceversa (B incrimina A e se diz inocente). A e B sabem que: se ambos alegarem
inocncia, suas penas sero leves; se ambos confessarem, suas penas sero
mdias; se um trair o outro, alegando sua prpria inocncia, no ser punido,
enquanto a pena do outro ser rigorosa. O dilema justamente a indeciso quanto
a que atitude adotar, pois se ambos no confessarem ou confessarem, suas penas
sero relativamente leves, porm se um trair o outro, o traidor no ser punido e o
trado ter que cumprir uma pena severa. Deste modo, a atitude de defeco
(traio) aparenta ser a mais indicada para cada participante, todavia, se ambos
traem, a situao torna-se prejudicial para os dois.
30
jogada inicial cooperativa e, depois, em cada rodada subseqente, fazer aos outros
exatamente o que eles lhe fizeram, os jogadores garantem uma melhora conjunta
de situao. Para terem sucesso, os estrategistas Tit-for-Tat devem encontrar
outros que estejam dispostos a retribuir suas jogadas, com quem possam
cooperar.15 Axelrod observou que, ao longo do tempo, as estratgias diferentes
da acima descrita se autodestroem, por generosidade ou crueldade exageradas.
Segundo Carl Sagan, as lies que o Dilema do Prisioneiro deixa para a
sociedade, entre outras, so: as vantagens da clareza estratgica e as desvantagens
da ambigidade estratgica; a importncia das metas de longo prazo em
detrimento das de curto prazo; os perigos da ingenuidade e da tirania.
Analisando tais lies do ponto de vista da interdependncia generalizada
presente nas interaes entre os diversos atores da sociedade, notamos que as
relaes sociais so, em grande parte, de longo-prazo. Todos os atores sociais
desejam extrair benefcios do convvio em grupos, enquanto continuarmos a viver
juntos. Da nasce o entendimento sobre a lgica da convivncia em harmonia,
necessria evoluo humana.
15
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2.3
BOURDIEU, Pierre. A Dominao Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p.7.
32
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34
2.4
35
Conclui-se que os benefcios potenciais da interao entre empresascomunidade-governo-sociedade organizada so minimizados, quando pautados
pela lgica assistencialista. No existe uma preocupao da organizao em se
relacionar formalmente com o Estado e em buscar apoio s suas iniciativas.
De acordo com Rohden, entretanto, esse quadro est sofrendo alteraes. O
termo filantropia empresarial vem-se tornando ultrapassado, pois sugere uma
conotao negativa e visto pelo mercado como paternalista18. Pode-se observar a
tendncia profissionalizao da atuao social das corporaes. A base das
aes empresariais no social passa a ser a conscientizao das empresas de que
elas so co-responsveis pela resoluo dos problemas do pas. A lgica que
comea a vigorar a do compromisso social. A interdependncia entre os atores
que compartilham uma mesma realidade torna-se a chave da solidariedade que
mobiliza as empresas para uma atuao socialmente responsvel.
Sob este novo parmetro, a responsabilidade social passa a fazer parte da
cultura corporativa. As empresas participam pr-ativamente, suas aes sociais
so integradas e esto de acordo com os valores, a filosofia e a estratgia da
18
36
2.5
37
38
2.6
anos 60, com a fundao, por empresrios, da Associao dos Dirigentes Cristos
de Empresa de So Paulo (ADCE). A ADCE expandiu suas atividades e
atualmente est presente no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Minas
Gerais, na Bahia e no Paran. Tal associao defende a perspectiva de que as
empresas, alm de produzirem bens e servios, tm uma funo social que se
corporifica em nome dos empregados e do bem-estar da comunidade.
A misso da ADCE "mobilizar os dirigentes de empresa, para que as luzes do
pensamento social cristo se comprometam com sua melhoria pessoal, e no
trabalho coletivo a transformao de sua empresa e do mdio empresarial como
um todo, contribuindo para uma sociedade solidria, justa, livre e humana"20.
Em 1977, a idia de responsabilidade social corporativa ganhou destaque no
pas, sendo tema central do 2 Encontro Nacional de Dirigentes de Empresas.
Porm, somente em 1984, publicou-se o primeiro balano social21 de uma
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em:
em:
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aldeia global.26
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26
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O terico
Freeman
Liedtka
(1991),
discurso
tradicional
de
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(1999)
destaca
que
as
empresas
deveriam
tratar
48
2.6.4 A DDIVA
Neste item, abordaremos o arcabouo terico que nos servir de principal
modelo para o estudo de caso, utilizando-nos da viso da escola francesa que
estuda as pesquisas de Mauss, inicialmente reveladas quando da publicao de
Ensaio sobre a ddiva no volume 1923-4 da Ann Sociologique.
Vale destacar que essa escola foi fundada em 1981 por um conjunto de
acadmicos franceses das reas de Sociologia, Antropologia e Economia, que
discordavam da viso instrumental da democracia, baseada exclusivamente no
modelo econmico, que dominava as cincias sociais. Assim, tomando por base a
obra de Marcel Mauss, fundaram um movimento entitulado M.A.U.S.S.
Mouvement Anti-Utilitariste dans le Science Sociale (Movimento AntiUtilitarista nas Cincias Sociais). Seus artigos, inicialmente publicados no Le
Bulettin du Mauss (1982-1988), atraram pesquisadores, leitores e escritores de
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50
cada faceta da vida social dos povos estudados: ... o que trocam no so
exclusivamente bens e riquezas, mveis e imveis, coisas economicamente teis.
Trata-se, antes de tudo, de gentilezas, banquetes, ritos, servios militares,
mulheres, crianas, danas, festas, feiras em que o mercado apenas um dos
momentos e onde a circulao de riquezas constitui apenas um termo de um
contrato muito mais geral e muito mais permanente29 .
A ddiva, ento, no pode ser definida como uma simples troca de bens,
mas como um meio atravs do qual se estabelecem os vnculos sociais. Ela um
modo de transmisso, uma espcie de canal pelo qual circulam as relaes que
ligam os diversos atores sociais.
Segundo Caill (2001), o movimento de dar, receber e retribuir o ciclo da
ddiva - apresenta algumas singularidades: ao mesmo tempo em que um indivduo
d sem esperar receber nada em troca, natural que aquele que recebeu venha, por
sua vez, a retribuir o favor, estabelecendo assim um ciclo que se renova a cada
movimento. Esta constante troca institui o circuito da ddiva, que , por natureza,
temporal, e que se fortalece medida que as aes so renovadas. interessante
29
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia, com uma introduo obra de Marcel Mauss, de
Claude Lvi-Strauss. 1. ed. So Paulo: Pedaggica e Universitria, 1974. 2 v. p.45.
51
destacar que Mauss diz que estas trocas no so ingnuas e desinteressadas, mas
antes buscam a manuteno de uma aliana proveitosa. Ou seja, o mais importante
o liame estabelecido entre os envolvidos, e no mais o objeto da troca em si.
Em seus estudos, Mauss observou algumas formas bsicas de ddiva, dentre
as quais falaremos sobre o potlatch.
O potlatch, encontrado por Mauss na Amrica do Norte e na Polinsia, tem
como essncia a obrigao de dar. Nas sociedades arcaicas estudadas, medida
que um componente da tribo gastava sua riqueza para oferecer presentes a outros
indivduos, adquiria prestgio e honra mediante os demais e fortalecia a sua autoestima. O potlatch representa um dom - ou modo de compartilhar o que se tem de carter sagrado, que desafia o recebedor do presente a retribui-lo com algo
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. Logo,
para Mauss, mesmo quando a troca tem a ver exclusivamente com objetos de
algum tipo, devemos recordar que objetos no so simplesmente coisas mortas e
inanimadas, como so considerados em sociedades altamente diferenciadas,
capitalistas. Objetos possuem uma alma, uma espiritualidade, de modo que um
objeto no simplesmente um objeto; da mesma forma, embora seres humanos
tenham uma espiritualidade, - muito freqentemente chamada de mana tambm
so objetos que podem, portanto, fazer parte do sistema de trocas. 32
32
53
enfoque das relaes sociais primrias e secundrias, ou, como denomina Galliano
(1986), a socializao primria e a secundria. Para desenvolver esta linha de
pensamento, inicialmente discorreremos sobre a socializao.
A socializao pode ser entendida como a introduo, ampla e consistente,
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ddiva; portanto, deu para ser retribudo. A finalidade era receber; neste
caso, a ddiva era um meio. Mas, o dom no funciona desta maneira.
Fazemos ddivas e, muitas vezes, recebemos mais do que damos; no
entanto, a relao entre essas duas atitudes muito mais complexa, de
modo que o modelo linear da racionalidade instrumental incapaz de
explic-la. 35
A ddiva funciona com uma lgica particular e no deve ser interpretada
segundo o modelo tradicional, ela no busca a igualdade ou a equivalncia. Podese mesmo dizer que tal busca prejudicial ddiva e a ameaa de extino. A
ddiva justamente baseada na dvida, e, por isso, abomina o modelo de
equivalncia mercantil.(Godbout, 1998)
35
58
promovida pelo Estado representa, para o citado estudioso, a forma especfica que
a ddiva assume na sociedade ocidental moderna, e seria tambm o seu futuro. O
imposto seria o substituto da ddiva.
Goudbout (1999) discorda de Titmuss ao afirmar que o Estado, apesar de
estar freqentemente relacionado ddiva, no pertence ao seu universo, mas sim
a uma esfera que se baseia em princpios diferentes. Goudbout defende que o
Estado pode, por vezes, exercer efeitos negativos sobre a ddiva. Como exemplo,
o autor cita a responsabilidade assumida pelo Estado pelos programas sociais, que
atuariam como inibidores das iniciativas altrustas dos cidados. Logo, o sistema
governamental no seria um sistema de ddiva. Segundo Gury (Gury, apud
Goudbout, 1999, p. 75), a gnese do Estado moderno est em passar da ddiva ao
imposto. E uma ddiva imposta torna-se obrigatria, deixando, portanto, de ser
uma ddiva.
Outro fator diferenciador da ddiva em relao ao Estado o fato de o setor
pblico ter como princpio a igualdade, ou seja, todos os administrados so iguais
e devem ser tratados da mesma maneira, de acordo com as leis, as normas e os
regulamentos pr-existentes. O Estado repudia os tratamentos diferenciados por
36
59
trabalho, bem como a proteo aos idosos, ambos concedidos pelo sistema de
seguridade social.
A ddiva pode estar presente nesses servios prestados aos cidados pelo
Estado, atuando por meio dos indivduos que compem o sistema de circulao de
bens e servios pblicos, ou seja, os funcionrios pblicos, devidamente
remunerados para isso, acrescentariam a ddiva prestao do servio.
Para analisar a hiptese acima, recorremos a Kurtz e Clow (1998), que
pregam que um servio, para ser bem prestado, deve demonstrar possuir atributos
especiais, diferentes de um produto. O servio, via de regra, intangvel,
inseparvel, varivel e no poder ser estocado. Ele quase que demanda uma
adio de ddiva, que pode ser espontnea, e ento classificada como tal, ou
ensaiada, inserida nos scripts de venda do servio, e da no percebida como tal.
Godbout (1999) defende que Mauss e Titmuss confundiram o sistema da
ddiva com o sistema governamental. Este pode, por vezes, desempenhar funes
assumidas pela ddiva em outras sociedades, mas no se pode deduzir da que os
dois sistemas se baseiem nos mesmos princpios.
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61
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classificada por Goudbout (1999) como essencialmente gratuita, quem est dando,
est retribuindo tambm, porque considera que recebeu muito.
Assim, a ddiva se torna fundadora das alianas entre os indivduos, Por ela
ocorre a influncia de um nos demais, formam-se as identidades pessoais e se
constituem as comunidades.
Godbout (1999) destaca que, assim como o mercado e o Estado, a ddiva
tambm forma um sistema, no condicionado ao mercantil, que, aparentemente,
o modelo dominante na sociedade moderna. Para o autor, deve-se contestar a
pretenso da lgica mercantil de ser a matriz de todo o vnculo social e pensar que
uma outra ordem possvel. Em vez de atuarem como sistemas isolados e
excludentes, o autor prope que o Estado, o mercado e a ddiva atuem como
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vnculos.