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A Lei Moral - Ernest-Kevan

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ERNEST KEVAN

Guia-me pela vereda dos teus mandamentos,


pois nela me comprazo. , Salmo 119:35

Ia Edio:
Junho de 2000
2.000 exemplares
proibida a reproduo total ou parcial desta publicao, sem
autorizao por escrito dos editores, exceto citaes em resenhas.
Traduzido do original em ingls:
The Moral Law
Traduzido por:
Denise Pereira Meister
Edio:
Editora Os Puritanos
Telefax: (011)6957-3148
Site: www.puritanos.com.br
e-mail: facioligrafic@osite.com.br
Impresso:
Facioli Grfica e Editora Ltda
Telefax: (011) 6957-5111

CONTEDO

Captulo 1 - Introduo........................................................... 7
Captulo 2 - A Perfeio da L ei............................................... 11
Captulo 3 - Como a Lei Deve Ser Usada.............................. 23
Captulo 4 - As Boas Obras do Crente...................................... 33
Captulo 5 - A Lei e o Homem Justo....................................... 39
Captulo 6 - A Lei Escrita no Corao.................................... 45
Captulo 7 - Capacidade Humana............................................ 57
Captulo 8 - A Lei Moral e Sua Relao com os Crentes...... 63
Captulo 9 - A Espiritualidade da Lei e Seu Uso Como Meio
de Converso....................................................... 73
Captulo 10- A Lei No Revogada por Cristo aos Crentes .... 85
Captulo 11 - A Lei Como um Pacto....................................... 99
Captulo 12- A Oposio Entre a Lei e o Evangelho.............105
Captulo 13 - Cristo Como o Fim da L ei............................... 113
Captulo 14 - Eplogo............................................................. 117
Apndice A - Sobre Anthony Burgess.................................. 123
Apndice B - Uma Exposio do Dcimo Mandamento por
Lancelot Andrewes..........................................129

Prefcio
No seio da igreja evanglica brasileira, onde lei e graa so en
tendidos conforme o ensino do dispensacionalismo e a lei tida
como um elemento obsoleto do perodo do Antigo Testamento, o
trabalho de Kevan se toma obra de fundamental importncia. Sua
obra sobre a Lei Moral esclarece qual o papel da lei de Deus para a
vida do crente, e como esta lhe serve no revelar a vontade perfeita
de Deus. A lcida exposio de Kevan mostra ao leitor como a lei
nos auxilia no caminho da santificao.
Longe de qualquer legalismo, Kevan mostra como a lei de Moiss
nada menos do que a lei de Cristo e que esta lei, observada debai
xo da graa, fator de bno para o crente, assim como, quando
no observada, resulta em censura da parte de Deus. Assim sendo,
a lei de Deus serve para a instruo do crente, para que ele saiba
como viver e agradar a Deus. Por outro lado, pela operao do
Esprito Santo, o crente ao ser confrontado com a lei descobre
suas faltas e recorre ao Senhor para o perdo.
Kevan , no sentido mais claro da expresso, um amante da lei
de Deus conforme expressa no Antigo e Novo Testamentos (Sal
mo 119.97). S pode amar a lei de Deus aquele que verdadeira
mente conhece a sua graa. esta a perspectiva que o leitor vai
encontrar na obra de Kevan. com alegria que apresentamos esta
obra ao leitor brasileiro interessado em conhecer mais sobre a lei e
a graa de Deus.
Mauro Meister

Captulo 1
Introduo

O propsito deste volume apresentar uma discusso do valor


da Lei de Deus na vida do crente, um assunto importante e urgente
nos dias de hoje. Em vrios perodos na histria da doutrina crist,
tomou-se necessrio reafirmar a verdade de que o ministrio da lei
foi divinamente ordenado como um meio de graa para a
santificao e caminhada piedosa do crente. Isso, naturalmente,
no nega que o nico poder suficiente para a santificao a habi
tao de Cristo no crente por meio do Esprito Santo: isso
santificao pela f, e uma das grandes glrias do Evangelho Cris
to o fato de que ele no somente diz aos homens para serem
bons mas os capacita para assim o serem.
Mas a concesso do poder para uma vida santa precisa ser acom
panhada pela instruo no seu modelo. Em que consiste o compor
tamento santificado? Consiste em agradar a Deus. O que agrada a
Deus? Que sua sua vontade seja feita. Onde a sua vontade pode ser
discernida? Em sua santa Lei. A Lei, ento, a regra de vida do
cristo e o crente encontra o seu prazer na Lei de Deus segundo o
homem interior (Rm 7.22). O cristo no est sem lei, mas debai
xo da lei de Cristo (1 Co 9.21). O pecado a ilegalidade e a
salvao consiste em levar o ilegal para sua verdadeira relao
com Deus, dentro da bno da sua santa Lei. A Lei de Moiss
nada menos do que a Lei de Cristo.

O fato de que pela graa um homem no rouba, no mente ou


no comete adultrio, no destri, de forma alguma, o fato de que
ele no deve fazer isso e o cristo que faz qualquer uma dessas
coisas se toma condenado pela Lei como um pecador. Visto ser ele
um crente justificado, este seu pecado no o leva condenao
etema, mas certamente o conduz censura do Senhor. O fato de
Deus no ver pecado no crente verdadeiro no que diz respeito
sua posio (justificao), mas uma proposio completamente
incorreta quanto ao seu estado (santificao). A Lei de Deus, por
essa razo, no somente instrui o crente quanto ao tipo de vida que
agrada a Deus, mas tambm um instrumento de humilhao pelo
qual o Esprito Santo leva o crente a descobrir suas faltas, lasti
mar-se por t-las cometido e a arrepender-se delas e, assim, recor
rer ao Senhor Jesus Cristo, o nico no qual a graa da santificao
pode ser encontrada.
Haveria menos tragdias morais entre os cristos professos se a
instruo salutar da Lei de Deus fosse atendida cuidadosamente.
Que o crente possa olhar exclusivamente para Cristo na busca do
poder capacitador de uma vida vitoriosa - como de fato deve mas que ele, ao mesmo tempo, se lembre que a vida santa no
consiste em prazer emocional, mas sim em cumprir os mandamen
tos de Deus.
Insistir nessa funo da Lei de Deus na vida do crente no se
tornar legalista. O legalismo um abuso da Lei: uma confiana
no cumprimento da Lei para aceitao perante Deus, e o cumpri
mento de leis, seja orgulhoso ou servil, no elemento da graa
de Deus. No entanto, a obedincia de amor rendida alegremente
algo completamente diferente e faz parte da prpria essncia da
vida crist. No legalismo um homem obedecer a Deus porque
ele ama agir assim; isso liberdade: mas, lembre-se, ainda obe
dincia.

A Lei de Deus tem seu lugar na experincia crist porque, em


bora seja por causa de um amor profundo por Deus que o crente
faz o que agrada a Deus, ele est, ao mesmo tempo, fazendo aquilo
que Deus o manda fazer. Se a m vontade de um homem em obe
decer no invalida o mandamento - e isto admitido por todos ento o mesmo vlido para sua prontido. A Lei no termina
quando um homem se regozija em obedec-la: ainda existe para
ser honrada e gozada na obedincia a ela. Um soberano no me
nos soberano porque seus sditos o amam. Deus no cessa de ser
Deus assim que seu povo reconciliado com ele. Ele no fica pri
vado de todos os direitos de comando to logo as pessoas come
cem a am-lo. Conseqentemente, no existe incompatibilidade
entre amor e obedincia; pois na vida verdadeiramente santificada
existe a obedincia em amor e o amor obediente.
Esta verdade talvez possa ser mais facilmente alcanada se ilus
trada com relao Lei positiva, como distinta da Lei moral. Um
dos exemplos excepcionais da Lei positiva na vida do filho de Deus
, naturalmente, a ordenana da Ceia do Senhor. Um crente ir
alegremente cumprir esse mandamento de Cristo, mas nunca vai
pensar em dizer que ele assim age meramente porque gosta, no
porque o Senhor mandou. Se falasse assim, ele, ento, se tomaria
uma lei para si mesmo. O crente dir que ama cumprir cada manda
mento sagrado de Cristo e, ao afirmar isso, reconhece o lugar do
mandamento. A verdadeira santidade no se detm para conside
rar meramente as qualidades intrnsecas do bem ou mal, mas dar
ateno unicamente vontade daquele que proferiu os mandamen
tos. No h santidade onde no h sujeio a Deus: toda bondade
deve ser por causa de Deus, no motivada por si mesma. As boas
obras do crente no so meramente boas, so boas pelo fato de
serem devidas. A obrigao da obedincia perptua e pertence
relao da criatura com Deus, e um dos mais ricos frutos da graa
o fato de a alma regenerada poder dizer, Quanto amo a tua lei!

(SI 119.97). A doutrina bblica da santificao, ento, no con


fie e relaxe mas confie e obedea. O ensino puritano evita o
ativismo pelagiano de um lado e o passivismo quietista do outro, e
no lugar de ambos, afirma a necessidade da obedincia da f.
O propsito adicional deste volume apresentar a discusso da
Lei 1 por.meio de uma das mentes mais privilegiadas do perodo
Puritano, a saber, a de Anthony Burgess.
Muito do bom pensamento puritano encontrado no apenas
nos escritos de homens mais conhecidos como John Owen e Thomas
Goodwin, mas tambm na obra daqueles que so menos familiares
hoje em dia. Eles permaneceram desconhecidos grandemente por
causa do estilo literrio de suas pocas, que os leitores modernos
encontram dificuldade em seguir, mas eles foram homens de per
cepo teolgica, de intelecto brilhante, pensamento claro e argu
mento invencvel. Anthony Burgess foi um desses.
O tratamento atual do assunto baseado nos pensamentos e
material desse distinto pensador encontrados na sua notvel obra
intitulada, Vindiciae Legis; ou A Vmdication of the Moral Law.
Dessa forma, espera-se que, em alguma extenso, a grande contri
buio feita por Anthony Burgess possa ser salva e que receba seu
lugar no pensamento de hoje.

Captulo 2
A Perfeio da Lei
O estudo da Lei de Deus na vida do crente no tem sido feito
sem dificuldades mas, em alguma extenso, isso devido a uma
falta de ateno a certas consideraes bsicas. Conseqentemen
te, h vrios princpios bsicos orientadores importantes a serem
lembrados na exposio da doutrina da Lei.
O primeiro deles tem a ver com o significado da palavra lei. A
confuso surge se a palavra considerada apenas no seu uso em
ingls, ou se seu significado restrito s palavras grega e latina
nomos e lex, que significam um cdigo autoritrio de dever. A
palavra do Antigo Testamento torah inclui muito mais do que es
sas idias e significa no somente o que deve ser feito mas tambm
o que deve ser conhecido. Ela representa a instruo divinamente
revelada, quer seja na forma de doutrina, exortao, promessa ou
mandamento. Esta a razo pela qual a Lei Mosaica pode ser cha
mada de pacto e, inversamente, a razo pela qual o Pacto Mosaico
pode ser chamado de Lei. nesse sentido amplo tambm que Pau
lo capaz de usar o termo em uma expresso to figurativa como
lei da f (Rm 3.27).
H outros significados da palavra lei que pertencem no sua
derivao mas ao seu uso. Algumas vezes significa qualquer parte
do Antigo Testamento, como nas palavras de Cristo que, em uma
referncia particular a um salmo (SI 82.6), diz, No est escrito

na vossa lei: Eu disse: sois deuses? (Jo 10.34). Algumas vezes, a


frase a lei e os profetas (Mt 7.12; Lc 16.16) usada para indicar
todos os livros do Antigo Testamento. Ocasionalmente, a palavra
lei usada apenas para os aspectos cerimoniais da adorao como
na expresso, Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindou
ros (Hb 10.1). Em alguns lugares, ela usada para a auto-revelao de Deus, conforme ele deu particularmente aos israelitas, como
por exemplo, nas palavras, Porque a lei foi dada por intermdio
de Moiss; a graa e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
(Jo 1.17); e ainda em outras passagens usada como uma descri
o dos judeus na sua condio sem Cristo, um uso que Paulo faz
nas epstolas aos Romanos (3.19) e aos Glatas (3.10; 4.21).
Antes que qualquer discusso vlida sobre a doutrina possa acon
tecer e, certamente, antes que quaisquer argumentos possam ser
levantados contra a Lei, deve ser mostrado em que sentido a pala
vra est sendo usada, uma vez que Paulo questiona a Lei em um
sentido e a defende em outro.
Um segundo princpio orientador a necessidade de se reco
nhecer que no h contradio em se fazer algo por amor e tam
bm em obedincia Lei. Ocasionalmente dito que a obedincia
lei subservincia, ao passo que o crente movido por amor e
no necessita de lei. Isso naturalmente contm uma contradio
lgica alm de ser totalmente falso na experincia. E falacioso co
locar causa e efeito em oposio. Sugerir que h uma contradio
entre o motivo pelo qual o crente agrada a Deus e as coisas que em
si mesmas so agradveis a ele ilgico, uma vez que o Esprito de
Deus move o corao para o amor e para o prazer naquilo que ele
manda. Ado um exemplo disso, uma vez que enquanto no ha
via cado, ele obedecia por amor e tambm por causa da ordem. Os
anjos obedecem aos mandamentos de Deus (caso contrrio os an
jos apstatas no poderiam ter pecado), contudo eles fazem todas

as coisas em amor.1 O exemplo supremo de tudo o prprio Cris


to, sobre o qual um mandamento foi colocado, porm ele o cum
priu por amor.2 Por essa razo, a concluso a ser tirada que fazer
algo por obedincia a uma ordem simplesmente porque uma or
dem no implica necessariamente ausncia de amor. A obedincia
de um servo no precisa ser obedincia servil.
Em terceiro lugar, deve-se observar cuidadosamente que a obe
dincia completa de Cristo Lei para a justificao dos pecadores
no isenta o crente da obedincia a ela para outros fins que no a
justificao. Uma das verdades bsicas do Evangelho que ne
nhum homem pode oferecer suas boas obras como base para a sua
justificao, mas um grande erro concluir que porque as obras da
Lei no justificam, elas so desnecessrias. Este seria um racioc
nio razovel se um crente obedecesse Lei pela mesma razo que
Cristo o fez, mas isso impossvel. Uma analogia pode ser feita a
partir da experincia crist do sofrimento. Cristo sofreu enquanto
sustentou a maldio da Lei e, desse modo, libertou o crente de
todo o castigo; todavia o crente pode suportar sofrimento para
outros fins. Da mesma forma pode ser argumentado que o crente
efetua as obras da Lei de Deus para fins diferentes do que os de
Cristo, e a obrigao que jaz sobre o crente de efetuar atos de
obedincia no deve ser interpretada de modo a constituir um apoio
para uma doutrina da justificao pelas obras.
1A me de Moiss uma ilustrao humana terna, uma vez que ela cuidou de
seu filho por causa do amor materno mas tambm em obedincia s ordens da
filha de Fara.
2 Algumas vezes, esta ltima sentena contestada e surge a questo sobre se
o Pai havia lanado uma ordem sobre Cristo; mas a resposta completa a isso
dada na Escritura que prov a evidncia disso em vrias passagens. De fato, se
a ordem no tivesse sido lanada sobre Cristo, no seria possvel falar sobre a
obedincia de Cristo, porque obedincia se relaciona a uma ordem.

Um quarto princpio orientador na estruturao da doutrina da


Lei de Deus na vida do crente a necessidade de se fazer uma
distino entre o crente e seus atos pessoais. Embora seja verdade
que a Lei no condena o crente, em vista do seu ser em estado de
graa, os pecados que ele comete so condenados e merecedores
da ira de Deus. Consequentemente, uma comparao tola dizer,
como um dos escritores antinomianos antigos, que um homem de
baixo da graa tem tanto a ver com a lei quanto um ingls com as
leis da Espanha. Embora cada crente esteja no estado da graa,
sendo sua pessoa justificada, enquanto comete pecados, estes so
to condenados nele como o so em outros. Pode haver a aceita
o da pessoa pela graa de Deus, embora ao mesmo tempo h a
reprimenda das coisas que ela pratica.
Um princpio final a ser lembrado que a lei no deve ser rejei
tada porque o homem no tem poder para cumpri-la. Quando a
rejeio da Lei questionada sobre esta base, freqentemente se
esquece que o homem, similarmente, no tem poder para obedecer
ao Evangelho. O mandamento para crer to impossvel quanto o
mandamento para obedecer e, assim, o Evangelho parece falar de
coisas to impossveis quanto a Lei. A ausncia de capacidade no
implica ausncia de obrigao.
Ao tornar claras essas importantes consideraes, possvel
exibir a bondade da Lei. Se Deus bom, sua Lei deve ser boa. Esta
a experincia do salmista quando exclama, Quanto amo a tua
lei! (SI 119.97), e esta, igualmente, a convico de Paulo quan
do diz a Timteo, Sabemos, porm, que a lei boa (1 Tm 1.8).
A bondade da Lei de Deus se mostra de vrias formas, como
um breve levantamento mostrar.
Primeiramente, a Lei de Deus boa em seu contedo, isto , no
seu significado espiritual. No pode haver dvida que bom amar
a Deus e confiar nele; e isto precisamente o que mandado na

Lei. Toda a bondade sumariada na Lei, e no h nada que possa


ser concebido como bom que no esteja contido nela.
Segundo, a Lei de Deus boa na sua autoridade divina. esta
autoridade divina que a une aos homens. A autoridade de Deus
est na Lei de duas formas: primeiro, na justia do que ele deseja,
e segundo, no seu ato de desejar as coisas que so certas. Se as
coisas mandadas na Lei forem examinadas, ser visto que a justia
de algumas se originam do simples fato de que Deus as deseja; isto
, as coisas, em si mesmas, podem no ter qualquer evidncia de
serem intrinsecamente boas ou ms, mas so assim promulgadas
por Deus. As coisas ordenadas dessa forma so usualmente descri
tas como pertencentes ao que conhecido como Lei positiva. H
outras coisas mandadas por Deus que so, em si mesmas, justas e
Deus as deseja por essa razo. A justia dessas coisas, naturalmen
te, no deve ser tida como se fosse uma qualidade que se encontra
acima de Deus e fora dele; em si mesma, no nada mais do que a
perfeio manifesta do prprio Deus. A qualidade de ser justa des
sas coisas justas que Deus deseja provm da conformidade com a
bondade e justia eterna que esto em Deus. Por causa disso,
impossvel que essa Lei divinamente autoritria deva ser revogada,
pois isso seria negar a justia e a bondade de Deus. A obrigao
que vem pela lei eterna e imutvel a tal ponto que se toma uma
contradio absoluta dizer que pode haver justia no homem par
te da submisso ao comando de Deus. A essncia da bondade da
lei a sua relao com a autoridade de Deus.
Em segundo lugar, tem de ser dito que a Lei boa em seu uso.
Ela tem um uso duplo uma vez que o Esprito Santo a usa como
um instrumento para a converso de pecadores e como meio de
despertar o corao do crente para a sua obrigao (SI 19.7-11;
119.93). Algumas vezes se faz objeo a essa verdade sobre o uso
da Lei, baseando-se no fato de que a palavra lei nem sempre
significa os Dez Mandamentos e freqentemente usada de forma

mais abrangente para o ensino que a Palavra de Deus contm. Isso


naturalmente verdadeiro, mas essa admisso no envolve a ex
cluso das injunes da Lei moral, uma vez que elas eram as mais
importantes de todas. A maioria das objees levantadas contra a
utilidade da Lei baseada no erro de se pensar na Lei como se esta
operasse sozinha e, ento, obter um contraste entre o poder decla
rado do Evangelho e a fraqueza da Lei. Mas conceber a Lei parte
do Esprito de Deus e, ento, compar-la ao Evangelho algo irra
cional uma vez que se o prprio Evangelho mesmo as suas
promessas de misericrdia e perdo fosse considerado parte
do Esprito, nada alcanaria; de fato, por si mesmo, seria letra morta
tanto quanto a Lei. Mas nem a Lei nem o Evangelho so letras
mortas uma vez que o Esprito Santo usa a ambos de uma forma
salvadora.
Alm disso, a Lei boa nas sanes pelas quais fortificada.
Ela sustentada pelas promessas de Deus que no so apenas tem
porais, como no Quinto Mandamento, mas tambm espirituais,
como no Segundo Mandamento. Naturalmente ningum ir ques
tionar que a justia da Lei e do Evangelho diferem amplamente
entre si e que as suas delimitaes so uma das tarefas mais difceis
da teologia, mas isso no justifica a negao das bnos verdadei
ramente espirituais que esto sob a Lei. um erro dizer que a Lei
possui apenas bnos materiais e promessas para este mundo pre
sente,3 uma vez que evidente no Antigo Testamento que os cren
tes daqueles dias tinham, em essncia, a mesma f que o crente
cristo de hoje. Se, no entanto, Lei e Evangelho forem considera
dos de forma artificial de modo que todos os mandamentos, em
qualquer parte que sejam encontrados, sejam atribudos Lei, e
todas as promessas, tanto no Antigo como no Novo Testamento,
sejam atribudas ao Evangelho, ento a Lei no pode ter sano
3 Este foi o erro dos maniquestas e dos marcionitas.

por meio da promessa. Mas essa definio arbitrria no vista na


Escritura, uma vez que a Lei sempre um instrumento de graa e
suas demandas tem a sano das promessas misericordiosas.4
Assim, a Lei boa em suas funes. Essas funes incluem a
declarao do que a vontade de Deus; o mandamento da obedi
ncia sua vontade; o convite por meio da promessa; a coero
por meio da advertncia; e a condenao daqueles que a transgri
dem. A Lei exerce essas funes contra o mpio e algumas delas
no podem ser negadas at mesmo com respeito aos piedosos. No
interesse da negao das reivindicaes da Lei na vida do crente,
algumas vezes dito que a Lei deve sempre condenar e que esta
uma condio sine qua non da Lei. Mas essa uma afirmao
surpreendente pois como isso pode ser aplicado Lei dada a Ado
no perodo da sua inocncia? Os anjos tambm devem ter estado
sob uma Lei, doutra sorte n poderiam ter pecado; contudo no
era uma Lei condenatria.antes da queda. Se a condenao for tida
como potencial, ento, verdade, a Lei sempre condenatria
mas, de fato, no assim sempre. As funes da Lei so boas em si
mesmas e no devem, de qualquer modo, ser limitadas condena
o do pecador.
Finalmente, a Lei boa em seu fim. sua inteno conduzir a
Cristo (Rm 10.4), e encontrar seu cumprimento nele.
Esta pesquisa da bondade da lei conduz, por uma transio natu
ral de pensamento, a uma inquirio quanto aos propsitos da Lei.
Estes propsitos se relacionam tanto ao mpio quanto ao crente.
4 Quando se fala da sano da Lei pela promessa, a referncia quanto
administrao Mosaica evanglica e no como foi dada a Ado, com a pro
messa da vida eterna sob a condio da obedincia perfeita. Expresses apos
tlicas como, ao que trabalha, o salrio no considerado como favor, e sim
como dvida, e os que praticam a lei ho de ser justificados devem ser
entendidas com relao Lei dada a Ado, no ao Pacto Mosaico.

Quanto aos mpios, a Lei tem dois propsitos: primeiro, conter


o pecado, e segundo, condenar o pecador. Quanto ao primeiro,
no possvel chegar a dizer que a Lei capaz de mudar o corao
dos homens, todavia realiza um servio valioso como um instru
mento exterior pelo qual eles so mantidos em um tipo de confor
midade visvel ao que certo. Por intermdio da sua instruo po
sitiva e advertncia solene, ela detm os homens de muito mal fla
grante, e foi este uso da Lei que fez o apstolo dizer que ela foi
adicionada por causa das transgresses (G13.19). O segundo pro
psito da lei, quanto aos mpios, conden-los por sua transgres
so a ela. A maldio da Lei o desprazer ferido de Deus, e isso
acompanha cada quebra da mesma.
O propsito da lei para o crente qudruplo. Ela estimula a
resistncia ao pecado, revela a corrupo interior, destri a hipo
crisia e aumenta a estima a Cristo.
Embora seja verdade que a lei no se promulga para quem
justo (lTm 1.9), todavia, porque nenhum crente perfeitamente
justo e porque no h quem no precise confessar a fraqueza do
seu amor por Deus e a debilidade do seu prazer pelas coisas santas,
toma-se um fato da experincia espiritual que a Lei de Deus, por
meio dos seus mandamentos, estimula o crente a uma resistncia
ao mal e a uma busca zelosa pela santidade. Tanto o potro indomado
como o cavalo treinado precisam de freios e rdeas; do mesmo
modo, no s o mpio mas tambm o piedoso, cujo corao foi
quebrado e humilhado, necessita de rdeas, a fim de que no rejeite
o Esprito de Deus. Qualquer um que se considere to estabelecido
nas coisas espirituais a ponto de dizer que no precisa disso,
ignorante sobre si mesmo. Ele fala assim, no porque no precise
da lei - sendo que ele quem mais precisa - mas porque no est
ciente dessa necessidade.
Paulo escreve aos Romanos (7.7-25) sobre a corrupo cont
nua no corao do crente, e explica que em seu prprio caso, des

cobriu isso quando a luz da Lei brilhou nos lugares mais secretos
do seu corao. O corao pecaminoso, at mesmo do crente,
to cego que nunca pode chegar a conhecer a profundidade do
pecado original e de todos os desejos pecaminosos que fluem dele,
exceto por meio da Lei. Foi por essa razo que Paulo escreveu,
Mas eu no teria conhecido o pecado, seno por intermdio da
lei (Rm 7.7), querendo dizer com isso que a Lei da Natureza esta
va to obscurecida que no poderia mostrar ao homem nem a me
nor parte da corrupo do seu corao. A Lei o espelho pelo qual
permitido ao crente ver-se.
Os efeitos da revelao, ao crente, da pecaminosidade do seu
prprio corao so vistos em um senso profundo de vergonha e
humildade. Quando o crente percebe que o seu melhor feito no
alcana os requerimentos da Lei, que a terra no mais distante do
cu do que ele mesmo da justia, isso o faz abandonar toda a con
fiana no seu desempenho de boas obras religiosas. Paulo
exemplifica isso quando diz que aprova a Lei e se compraz nela,
mas que no pode alcanar a sua justia e, assim, exclama, Desventurado homem que sou! (Rm 7.24). Quo aptos so, mesmo
os melhores dos homens, a serem orgulhosos e seguros, como Davi
e Pedro, mas uma lembrana das santas demandas da Lei ir fazer
com que o crente se mantenha humilde. completamente errado,
ento, dizer que a pregao da lei conduz os homens a confiarem
em si mesmos e a aderirem sua prpria justia, uma vez que no
h um meio mais certo de levar os homens a verem a sua pobreza
espiritual e sua culpa do que mostrando a eles as demandas rigoro
sas e severas da Lei.
Na maravilhosa sabedoria de Deus, a Lei um instrumento de
graa, e o Esprito Santo, por meio da Lei, reduz o crente a esta
profunda vergonha e humilhao to somente para conduzi-lo a
valorizar ao mximo a pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. a
este lugar que Paulo levado em grande agonia de luta com a

corrupo interior do seu corao, e chora triunfantemente, Gra


as a Deus por Jesus Cristo (Rm 7.25). verdade que algumas
vezes um senso avassalador do pecado parece destruir toda a espe
rana no corao condenado do crente, mas este somente um
efeito temporrio da Lei e no sua inteno final. A Lei constante
mente despe o crente da sua hipocrisia e, assim, aumenta a sua
estima pela justia que encontrada em Cristo (Fp 3.9).
Um verdadeiro entendimento do que a Lei de Deus, junto com
uma apreciao da sua bondade intrnseca e de seu propsito divi
no, ir forar o reconhecimento do valor da Lei.
O valor espiritual da Lei de Deus no pode ser negado. Pode-se
dizer que porque a Lei no boa para a justificao, ela no boa,
em nenhum sentido, para qualquer outra coisa? O ouro intil
porque o homem no pode com-lo? O requerimento de f do Evan
gelho pode servir como uma ilustrao disso. Se a f for conside
rada como uma obra, ela no justifica; mas porque a f conside
rada dessa forma no justifica, o ato de crer deve ser rejeitado?
Certamente no! De forma similar no deve haver destituio do
valor contnuo da Lei de Deus, embora nenhum pecador possa es
perar justificao por meio dela.
A Lei tem valor como meio de graa, e destruir a Lei destruir
a graa de Cristo. absolutamente errado supor que exista qual
quer tipo de oposio entre eles.5 Quem estima mais a cidade de
refgio do que o pecador perseguido pela culpa? Quem deseja a
serpente de bronze como aquele que foi picado pela serpente furi
osa? Se Cristo o fim da lei, no sentido do seu cumprimento, como
ele pode ser considerado contrrio a ela? Alm disso, se a Lei de
Deus e a graa de Deus podem coexistir sob o Antigo Pacto, por
5 A justificao pela Lei e a justificao pela graa so certamente opostas, mas
esse um assunto completamente diferente da oposio entre Lei e Graa.

que no sob o Novo? A oposio entre a Lei e a graa s surge


quando h abuso de uma ou de ambas. No h dvida de que se um
homem usa a Lei de uma maneira diferente da que Deus apontou,
ele no deve se surpreender se ela se tomar prejudicial a ele; mas se
ele usa a Lei de modo que Cristo se toma mais e mais sua confian
a, e a graa se toma cada vez mais bem-vinda a ele, ento ele faz
bem.
Sem medo de contradio, portanto, pode ser afirmado que a
perfeio sublime da Lei apresenta ao crente um desafio ao seu
pensamento, uma reivindicao sobre suas afeies e um direito
sua obedincia.

Captulo 3
Como a Lei Deve Ser Usada
possvel usar a Lei de forma errada e Paulo chamou a ateno
sobre isso quando completou sua sentena sobre a bondade da Lei
adicionando, se algum dela se utiliza de modo legtimo (lTm
1.8). A bondade da Lei experimentada somente quando ela
usada de modo adequado e quando vista em relao ao fim para
o qual foi dada, uma vez que ela se torna tudo menos boa quando
usada de forma errada. Ela se toma um fardo muito pesado de
carregar e finalmente uma maldio, por exemplo, para o homem
que busca justificao no esforo em cumpri-la. Por causa das con
cepes erradas do propsito da Lei, algumas vezes pensa-se que
ela um mal do qual o homem precisa libertar-se, ao passo que
Cristo redime o crente no da Lei mas da maldio da Lei. Cristo
liberta o pecador no das obrigaes espirituais da Lei santa de
Deus, mas do mal que ele trouxe sobre si mesmo por t-la usado de
de forma errada.
O abuso fundamental do homem quanto Lei coloc-la em
oposio a Cristo para a justificao e considerar o seu cumpri
mento como uma base alternativa de aceitao diante de Deus.
Este foi o erro bsico daqueles judeus nos tempos do Novo Testa
mento que se ocupavam em estabelecer a sua prpria justia (Rm
lO.ls). A tentao que sobreveio aos glatas foi fazer um tipo de
compromisso confiando no somente na obra salvadora de Cristo,

mas tambm nas suas prprias boas obras religiosas. Mas colocar
uma alternativa ao lado daquele que declarado como sendo o
nico caminho da salvao coloc-lo em oposio. No pode
haver dois caminhos para a justificao do mesmo modo que no
pode haver dois sis no cu. A Lei e Cristo no so scios na
justificao do pecador, nem devem ser igualmente unidos uma
vez que a Lei subordinada a Cristo. Se nos lembrarmos que a Lei
relacionada ao Evangelho como os meios se relacionam com o
fim, ento a verdadeira funo da Lei ser no somente vista mas o
erro de colocar a Lei acima do seu uso adequado ser evitado.
O homem natural no encontra nada mais fcil do que este abu
so da Lei; na verdade, uma das evidncias da corrupo do cora
o do homem o fato de ele ter o hbito inveterado de alterar cada.
dom de Deus para propsitos errados. Consequentemente, h a
necessidade da renovao da mente do homem para capacit-lo a
perceber que a Lei no pode, de forma alguma, fornecer um cami
nho de aceitao do homem perante Deus.
Srias conseqncias advm dessa forma de abuso da Lei, umas
das principais sendo a destruio da natureza da graa. A justifica
o pela graa exclui completamente o mrito das boas obras: ex
clui no somente as obras da Lei, as quais o homem pode tentar
realizar em sua prpria condio pecaminosa, mas tambm aquelas
que so realizadas pelo crente por meio da graa de Deus. H uma
incompatibilidade total entre o princpio das obras e o princpio da
graa e Paulo no permite nenhuma modificao disso mesmo no
interesse das pretensas obras meritrias da graa. Alm disso, o
fato de que as obras legalistas so opostas graa claro a partir
do uso da palavra graa na Escritura para o favor imerecido de
Deus. A falha em distinguir entre a graa de Deus que aceita o
pecador e os efeitos dessa graa na vida do pecador, conduz ao
erro de enfatizar a santidade interior como se esta possusse algu
ma virtude salvadora. Ao mesmo tempo, no domnio da experin

cia espiritual, uma confuso desse tipo ocasiona muita angstia ao


crente contrito que sabe no ser to santo como desejaria.
Uma segunda conseqncia desse uso errado da Lei que ele
nega a suficincia da obra de Cristo. Foi dessa forma que aqueles
que perturbaram os glatas anularam a Cristo e o abandonaram (G1
5.4). Algumas vezes feito um esforo para enfraquecer o argu
mento de Paulo contra as obras de Lei afirmando-se que ele estava
falando apenas da Lei cerimonial; mas esse raciocnio no resiste a
um exame. verdade que as primeiras discusses do Conselho de
Jerusalm (At 15.1-41) foram sobre a necessidade das cerimnias
judaicas tais como a circunciso; mas nas cartas aos Glatas (3.69) e aos Romanos (4.1-8), Paulo vai alm desses ritos cerimoniais
a todas as obras e prossegue excluindo da justificao at mesmo
as obras de Abrao e Davi. Cristo no seria Cristo se as obras
fossem a base da justia; porque a justia que mediante a f em
Cristo colocada por Paulo contra a sua prpria justia (Fp
3.9) e chamada de justia de Deus (Rm 10.3). Se as boas obras
justificam o homem, qual a necessidade de um salvador? A sufi
cincia de Cristo para a salvao diretamente repudiada por qual
quer confiana na Lei para a justificao.
Segue-se do precedente que qualquer apelo ao mrito do cum
primento da Lei destri a doutrina verdadeira da justificao. Este
no o lugar para expor esta doutrina em detalhes, mas deve ser
lembrado que a Escritura fala de justificao no como uma infu
so no homem do que perfeito, mas como uma aceitao do
homem - embora pecador em si mesmo - por causa da justia de
Cristo. A linguagem de Davi expressa isso com perfeio e ado
tada por Paulo: Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR
no atribui iniqidade (SI 32.2; Rm 4.7,8). H alguma diferena
de opinio entre os telogos sobre a imputao da justia ativa
de Cristo ao crente, e isso no precisa sustar a discusso agora;
mas no h dvida de que, na Escritura, a justificao, negativa

mente expressa, o ato de Deus pelo qual ele no computa os


pecados do homem contra ele. tambm perfeitamente claro, a
partir da Escritura, que a justificao no a aceitao da santi
dade do pecador, mas a declarao por Deus ao pecador de que
seus pecados foram postos de lado. Certamente o homem no
justificado por uma justia prpria inerente uma vez que isso le
varia a uma extremo perfeccionismo ou a um estado de coisas
nas quais um homem nunca saberia ser justificado at estar mor
to. A justificao se confunde com santificao quando se diz
que baseada na justia inerente; e, alm disso, completamente
errado dizer que porque o pecado coberto pelo ato justificador
de Deus, logo no h pecado a ser achado no crente. Argumentos
como esses so completamente destrudos por Paulo (Rm 7.725). O revestir do pecado na justificao se refere sua culpa,
mas a santificao tem que ver com a quebra do seu poder domi
nante. Alm disso, a justificao pelas obras ou por uma justia
inerente de qualquer tipo deve considerar o homem justificado
como piedoso no momento do ato divino da graa ao passo que a
Escritura fala dele como mpio (Rm 4.5).
Tambm evidente que a confiana nas obras da Lei destri o
lugar da f na justificao. Quando a suficincia de Cristo des
prezada e a graa nulificada, ento a f justificadora tambm deve
ser anulada. H trs causas essenciais de justificao que operam
juntas: a graa de Deus como eficiente, o sangue e justia de Cristo
como meritrios, e a f como instrumento; e embora seja errado
colocar a f do pecador no mesmo nvel do mrito do Salvador,
ambos so igualmente necessrios para efetuar a justificao do
pecador. A afirmao de que a f causa instrumental da justifica
o pode ser considerada verdadeira, uma vez que seria um lapso
na doutrina da justificao pelas obras considerar a f como a cau
sa efetiva e muito mais consider-la como a causa meritria. O
valor da f como um instrumento de justificao estabelecido

pelo fato de que uma preposio instrumental usada com ela em


frases como mediante a f (Rm 3.25) e Justificados, pois, medi
ante a f (Rm 5.1), e requer seja observado de passagem que nun
ca dito por causa da f, como se houvesse dignidade ou mrito
nela; mas sempre mediante a f.
O uso da Lei para a justificao tem tambm ms conseqncias
de um tipo prtico, uma vez que a crena na justificao pelas
obras cria uma ufania pecaminosa no homem. O homem pode ex
cluir Cristo de sua alma no somente pelo que reconhecido
comumente como pecado mas tambm pela autoconfiana. Vs
sois os que vos justificais a vs mesmos foi a acusao que Cristo
levantou contra os fariseus (Lc 16.15). impossvel no ver o quan
to Paulo temia ser encontrado em sua prpria justia, e foi isso que
fez Lutero dizer, Cuidado, no somente com os teus pecados,
mas tambm com as tuas boas obras. Paulo deixa claro que a paz
com Deus vem somente por meio da justificao mediante a f, e
nenhuma quantidade de pacincia, ou arrependimento, ou sofri
mento, ou boas obras podem obt-la. Aquilo que condena o ho
mem no pode salv-lo, nem aquilo que o perturba pode trazer-lhe
conforto. Destruir a f destruir a esperana e esperana a base
forte de um cristo. Se a esperana for colocada em Cristo e nas
promessas, ela to firme quanto a f, e por esta razo Paulo es
creve, a esperana no confunde (Rm 5.5); mas se a esperana
do homem for em si mesmo, quo freqentemente ele estar
desencorajado!
Finalmente, e mais srio, este abuso autoconfiante da Lei tira a
glria devida a Deus. Foi a f de Abrao que deu glria a Deus. O
homem no renovado no pode ver qualquer relao entre crer em
Deus e glorificar a Deus; mas a verdade que toda a atividade
religiosa do homem reunida no pode dar mais glria a Deus do
que quando ele verdadeiramente deposita sua confiana Nele.

H uma perfeita harmonia entre a graa salvadora de Deus e as


boas obras do crente, mas a exposio desta harmonia constitui
um dos problemas da teologia crist. No fcil insistir na graa
de Deus sem dar algum tipo de fundamento acusao de que a
doutrina licenciosa ou antinomiana; tambm no fcil afirmar a
necessidade das boas obras sem provocar o clamor de que a graa
de Deus est sendo destruda.
A primeira destas dificuldades pode ser ilustrada historicamente
por um estudo dos Cnones de Trento, que revelam um mal enten
dimento completo da doutrina da justificao mediante a f, e que
acusam as doutrinas da graa como sendo antinomianas. Seguemse alguns antemas.
Cnon 19. Se algum homem disser que os dez manda
mentos no pertencem deforma alguma aos cristos, seja
amaldioado.
Cnon 20. Se algum homem sustentar que uma pessoa
justificada no est obrigada observncia dos Manda
mentos, mas somente a crer, seja amaldioado.
Cnon 21. Se algum homem sustentar que Jesus Cristo
dado aos homens como um Redentor em quem devem confi
ar, mas no como um doador da Lei a quem devem obede
cer, seja amaldioado.
O segundo problema tambm pode ser historicamente ilustrado
e, neste caso, encontrado nas vises de um dos primeiros grupos
antinomianos na Europa, chamado flacianos, que chegaram ao ponto
de repudiar as boas obras. Consequentemente, ao invs de manter
a posio escriturstica de que as boas obras eram necessrias
salvao,1 eles sustentavam que as boas obras eram perniciosas
1 Em um sentido a ser adequadamente definido.

salvao. A m interpretao centrava-se na necessidade aqui de


clarada e foi isso que os flacianos criticaram severamente. Melancton
e outros, no entanto, no tiveram dificuldade com esta declarao
e entenderam-na como sendo uma necessidade no de mrito mas
de presena, Eles sustentavam que ningum, em cuja vida no hou
vesse a evidncia de boas obras, estaria em um estado de salvao.
Seria mais seguro dizer que se toda a controvrsia que se seguiu
foi inspirada s pelo desejo de deter os homens de colocarem sua
confiana em suas boas obras, teria havido pouca causa para ansi
edade mas, infelizmente, as declaraes antinomianas atingiam
muito mais do que uma splica excessivamente zelosa pela doutri
na da graa. Havia muito mais nas concluses do que linguagem
imprudente e as concluses que os antinomianos tiraram da sua
interpretao peculiar da doutrina da justificao pela f foram in
juriosas ao extremo.
Vrios princpios vitais do Evangelho estavam em jogo nessa
controvrsia, um dos mais importantes tinha a ver com o lugar da
obedincia e das boas obras na vida do crente. Os antinomianos
negavam que as boas obras tinham tal lugar e usaram abundante
mente declaraes paulinas como o homem justificado pela f,
independentemente das obras da lei (Rm 3.28). Eles sustentavam
que, por meio dessa declarao, Paulo no somente exclua as
obras de terem qualquer poder para justificar o pecador, mas que
ele as repudiava completamente. Essa negao dos antinomianos
era, por sua vez, ocasionalmente deturpada pelos puritanos orto
doxos que os acusavam de quererem dizer que havia um perdo
geral para os homens mesmo quando estes se propunham a conti
nuar em seus pecados. Mas esta acusao era um tanto injusta,
uma vez que um exame cuidadoso dos escritos dos autores
antinomianos revela que a sua principal preocupao era exaltar a
graa de Deus e no admitir lugar para o suposto mrito das boas
obras. Na sua correta exaltao da graa livre, eles suspeitavam de

qualquer insistncia no arrependimento e na f como pr-requisitos para a justificao, e essas eram as boas obras que eles exclu
am do ato de Deus de justificar o pecador.
Uma segunda negao antinomiana era de que qualquer ganho
ou perda pudesse sobrevir ao crente por meio das boas obras. A
doutrina antinomiana declarava que embora houvesse pecados
cometidos, todavia no havia paz quebrada, porque a violao da
paz quitada em Cristo; h uma reparao do dano antes que o
prprio dano seja cometido; e novamente, se um homem espe
ra ganhar algo por meio de seus favores, ele nada ter a no ser
repreenso. Todos concordam, e isso no precisa ser discutido,
que se um homem espera merecer o cu ou assegurar perdo por
qualquer arrependimento ou pela sua prpria virtude, isso ir
mostrar que ele totalmente inconsciente da imperfeio de to
das as virtudes humanas e ignorante quanto grandeza da mise
ricrdia Divina.
A raiz do problema est na possibilidade de se pensar sobre o
significado das boas obras de uma forma dupla, e os oponentes
nesta controvrsia parecem ter usado os mesmos termos em dois
sentidos. O antinomiano estava certo quando negou diligentemen
te que havia qualquer valor nas boas obras como uma causa contri
buinte da aceitao do pecador diante de Deus, e o puritano orto
doxo concordou com isso sem reservas. Ao mesmo tempo, o orto
doxo afirmou que nenhuma pessoa justificada poderia ser indife
rente s boas obras e que, embora essas boas obras no pudessem
ter lugar como a causa da justificao do pecador, eram esperadas
como resultado dela. Eles sustentavam que embora as boas obras
no dispusessem de mrito, elas davam evidncia certa de que o
pecador se encontrava diante de Deus. O valor dessa evidncia e o
que ela representa para quem essa evidncia submetida, constitu
em questes adicionais, mas a insistncia do ortodoxo na necessi
dade das boas obras ao crente justificado foi importante por sua

prpria razo. Seus protestos eram contra o que hoje poderia ser
chamado de um cresmo fcil. Os argumentos apresentados fo
ram encontrados primeiramente nas ameaas severas e agudas que
a Escritura expressa mesmo aos piedosos quando eles negligenci
am o arrependimento ou quando prosseguem no pecado, por exem
plo, Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a mor
te (Rm 8.13). Se a Escritura ameaa dessa forma os homens que
vivem no pecado, certamente tambm verdade que se eles no
pecarem, podem encontrar conforto; em outras palavras, eles po
dem perceber alguma evidncia da obra da graa em seus cora
es. Isso o que se queria dizer ao afirmar que as obras santas do
crente continham nelas uma promessa de perdo e vida eterna; no
por causa de seu prprio valor, mas por causa daquilo que sua
presena testemunhava. Por essa razo, eles sustentavam que o
piedoso podia se regozijar quando as encontrava em si mesmo.
Os antinomianos se opuseram a isso com uma terceira negao,
a saber, que as boas obras fossem sinais e testemunhos da graa.
Seu argumento era de que a nica evidncia que o crente poderia
ter era dupla: a revelao do Esprito Santo e o receber a Cristo
pela f. Qualquer outra evidncia de segurana buscada, diziam,
era corrompida pela possibilidade de auto-iluso e do fato da obra
da santificao no crente ser incompleta. Mas as duas evidncias
apresentadas pelos antinomianos no estavam livres do perigo da
subjetividade e, algumas vezes, a primeira delas foi to simboliza
da que atingiu revelaes completamente independentes da pa
lavra escrita. Quanto evidncia ser derivada do receber a Cristo
pela f, um homem poderia tambm facilmente se iludir sobre isso
to sinceramente quanto com relao s suas boas obras.
A base para a negao do valor evidenciai das boas obras foi
buscada em vrias passagens da Escritura tais como a epstola aos
Romanos, por exemplo, onde dito que Deus justifica os mpios
(Rm 4.5). A resposta inferncia antinomiana desta sentena foi

que o homem que justificado est sendo considerado no estado


em que Deus o encontra, no no estado ao qual ele o conduz. O
homem que em si mesmo mpio, justificado baseado no mrito
de Cristo e, ento, tambm feito piedoso; apesar de essa piedade
no o justificar. O adjetivo impiedoso se relaciona ao crente como
ele na sua prpria natureza corrupta, mas nada indica com rela
o obra da graa de Deus: ele meramente reala a verdade de
que o objeto da santificao o pecador. Quase a mesma resposta
foi dada ao argumento baseado nas palavras, ns, quando inimi
gos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Fi
lho (Rm 5.10), porque claro que quando um pecador cr, ele
no mais permanece em inimizade com Deus. Novamente, dito
em outra parte que o Salvador recebe homens por ddivas, at
mesmo rebeldes (SI 68.18); mas aqui, tambm, bvio que o pro
psito das palavras mostrar que at mesmo os homens mais re
beldes podem ser convertidos.
Que a Lei de Deus seja usada legitimamente, e no somente
que Deus seja glorificado em todos os seus caminhos, mas que o
filho de Deus tambm possa encontrar conforto e fora.2

2 O Antinomianismo nunca se organizou como uma forma eclesistica como


outros grandes alinhamentos teolgicos, mas ainda extremamente vocal em
crculos onde um tipo de biblicismo no teolgico prevalece. No entanto, esses
temas podem ser melhor discutidos por meio da referncia escola de pensa
mento antinomiana como surgiu no perodo Puritano.

Captulo 4

As Boas Obras do Crente


Em que o povo de Deus deve se basear para ser zeloso nas boas
obras? Embora o homem natural ache muito difcil fazer boas obras
sem pensar em si mesmo como estando fazendo-as para o propsi
to da justificao, verdade que a execuo, pela graa, das boas
obras da Lei perfeitamente compatvel com a doutrina do Evan
gelho da justificao pela f.
A expresso boas obras no se refere meramente s aes
exteriores da religio: ela representa os dons do Esprito de Deus
no crente e as aes que fluem dele. Consequentemente, claro
que, completamente parte de quaisquer consideraes de perfei
o, existe muita necessidade da atividade do Esprito Santo at
mesmo para o incio da ao piedosa. Um dos elementos indispen
sveis de uma ao verdadeiramente piedosa que ela deve ser
ordenada por Deus; ela deve ser realizada no crente por meio do
Esprito de Deus; deve fluir de um princpio interior.de graa por
meio do qual o homem uma nova criatura; e o fim deve ser a
glria de Deus. O melhor que o homem mais purificado pode fazer
apenas brilhar como um vagalume, no como uma estrela; assim,
a ao boa somente quando, de acordo com a regra, de Deus,
por intermdio de Deus e para Deus.
Infelizmente, no possvel prosseguir muito alm no estudo das
boas obras sem encontrar outro dos paradoxos antinomianos. Algu

mas vezes eles falaram sobre as boas obras de uma forma pejorativa
e consideraram o esforo de encontrar evidncias espirituais na vida
como algo intil de se fazer. Em outras ocasies, os antinomianos
exaltaram tanto as boas obras que, por causa da justia imputada de
Cristo, consideraram perfeitas todas as obras do crente e, assim, apli
caram as Escrituras que falam da Igreja como sem mcula nem
ruga (Ef 5.27) vida presente. Eles falaram no somente de uma
justia ou justificao por imputao, mas tambm de santidade por
meio dessa obedincia de Cristo: e era por essa razo, diziam, que
Deus no via pecado nos crentes. Ambos os extremos paradoxais
devem ser rejeitados como no verdadeiros.
Quando se diz que as boas obras so necessrias, importante
definir o objetivo pelo qual a necessidade afirmada. Deve-se fa
zer uma distino cuidadosa, por exemplo, entre a declarao de
que as boas obras so necessrias para os crentes, e a declarao
de que as boas obras so necessrias para a justificao e salvao.
Embora esta segunda proposio seja verdadeira num certo senti
do, todavia, porque as palavras so propensas a dar a impresso de
que a santidade tem alguma influncia direta sobre a justificao e
salvao do homem, provavelmente mais sbio no us-la.
As boas obras so necessrias ao crente por quatro razes. Pri
meiro, elas so necessrias como o dever do crente para com Deus.
A obrigao da obedincia perptua no s por causa da Lei
eterna de Deus, mas por causa do dbito do crente com a sua gra
a. A Lei de Deus ainda permanece como uma regra e diretriz para
a vida do crente e o homem piedoso se compraz nela (Rm 7. 22).
Se Cristo afirma que qualquer um que quebrar o menor manda
mento deve ser o menor no reino do cu (Mt 5.19), o ensino que
advoga a abolio de todos eles deve ser considerado completa
mente indesculpvel. Essa necessidade do dever se relaciona gl
ria de Deus, uma glria que manifestada na obedincia de suas
criaturas. Deus se agrada das aes piedosas do crente - embora
imperfeitas - e glorificado por elas.

Em segundo lugar, as boas obras so necessrias como evidn


cia do crente para si mesmo sobre a realidade da sua salvao,
...procurai, com diligncia cada vez maior, confirmar a vossa vo
cao e eleio, diz Pedro (2-Pe 1.10). As boas obras, desse modo
encorajadas, no so em si mesmas evidncias da graa, mas assim
se tornam por meio do Esprito de Deus que as usa enquanto
testifica com o nosso esprito que somos filhos de Deus. As boas
obras so uma condio sem a qual o homem no pode ser salvo.
Isso quer dizer que embora o homem no possa, pela presena das
boas obras, inferir que seja salvo, ele pode concluir a sua condena
o pela ausncia delas. Consequentemente, completamente fal
so dizer que as boas obras no beneficiam o crente e nem que elas
sejam um empecilho uma vez que a Escritura diz to claramente o
contrrio. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a
morte, disse Paulo (Rm 8.13), e o escritor aos Hebreus os cons
trange a seguir...a santificao, sem a qual ningum ver o Se
nhor (Hb 12.14).
As boas obras, assim, so um tipo de defesa do crente, e algu
mas delas so representadas como uma couraa e um escudo (Ef
6.14,16). Conquanto seja verdade que Paulo fala do poder do Se
nhor nesse contexto e insista em que a orao seja unida a essas
coisas, isso no nega o valor do que instrumental na defesa do
crente. por essa razo que na epstola aos Romanos, as boas
obras so chamadas de armadura ou armas da luz (Rm 13.1-14).
Lutero observa, Ele no chama as obras da escurido, armas da
escurido; mas as boas obras ele chama de armas porque devemos
us-las como armas para resistir a Satans. H tambm, natural
mente, um tipo de adequao das coisas existentes entre as boas
obras de um lado e a f e o Esprito Santo do outro, e a partir
desse contexto profundo que Paulo capaz de falar da f que atua
pelo amor (G15.6).

Algumas vezes se pensa que uma contradio dizer que o pe


cador justificado pela f somente e que, a no ser que a f seja
operante, ela no pode justific-lo, mas no h contradio quando
essas coisas so corretamente entendidas. Paulo e Tiago no so
divergentes, uma vez que Tiago apresenta a mesma passagem para
provar que Abrao no foi justificado somente pela f (Tg 2.2124) enquanto Paulo a apresenta para provar que ele foi (Rm 4.122). A explicao que um pretende mostrar que a f de Abrao
era uma f operante, e o outro que a f sozinha foi eficaz para
justificar. Nesse sentido pode-se aprovar a.afirmao de um autor
desconhecido de que as boas obras so necessrias para preservar
o homem no estado da justificao, embora elas no a produzam
diretamente, e tambm as palavras de John Huss que disse, Onde
as boas obras no so vistas no exterior, a f no pode estar no
interior.
Consequentemente, pode-se dizer que as boas obras so uma
fonte de conforto para o filho de Deus. verdade que considerar
as boas obras de forma a colocar confiana nelas ou tirar conforto
delas como uma causa impossvel, uma vez que ningum pode
considerar qualquer coisa que faz com essa ousadia. Nenhum ho
mem piedoso j satisfez seu prprio corao com algo que fez,
muito menos pode satisfazer a vontade de Deus. No entanto, essas
boas obras, embora imperfeitas, podem ser um grande conforto
para o filho de Deus como o testemunho do amor eterno de Deus
para com ele. O crente tira conforto das suas boas obras no para
descansar nelas, mas para encontrar sinais da graa de Deus em
sua vida.
Em terceiro lugar, as boas obras so necessrias como o teste
munho do crente aos outros. O Senhor disse, Assim brilhe tam
bm a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas
obras e glorifiquem a vosso Pai que est nos cus (Mt 5.16). Aqui
ele no est encorajando a vangloria, mas apresentando o verda

deiro objetivo da santidade visvel do crente. A piedade, sendo luz,


no deve ser colocada debaixo do alqueire: ela deve ser vista por
outros para que, desse modo, possam glorificar a Deus no cu.
Como quando um homem v um excelente quadro louva mais o
artista que o pintou do que o quadro em si, aqueles que percebem
a vida piedosa do crente sero constrangidos a glorificar ao Deus
que o transformou pela sua graa.
Finalmente, as boas obras so necessrias como a salvao com
pleta do crente. Os pecados do homem lhe acarretam uma maldi
o dupla: a culpa e a poluio. Isso significa que, da mesma for
ma, a salvao do pecado ser dupla: porque se Cristo redime o
crente da culpa dos seus pecados, ele tambm o purificar da con
taminao deles. Alm disso, h uma consistncia entre libertao
do poder do pecado no presente e libertao da presena dele no
futuro; em outras palavras, h uma compatibilidade entre boas obras
e glria. Por essa razo que a santidade, tendo sido apontada
como o fim, origina uma relao entre um e outro. Deus apontou o
caminho da justificao pela f at que, tendo conduzido o crente
para a glria eterna, conceda uma santidade inerente perfeita a ele.
Na glria o crente ser aceitvel por causa da santidade inerente
forjada nele pela graa transformadora da glorificao. Natural
mente no seria impossvel para Deus faz-lo aceitvel para si mes
mo pela concesso dessa santidade inerente perfeita mas, em sua
sabedoria, Deus escolheu o caminho da justificao pela f para
que, desse modo, o pecador possa ser humilhado e sua graa
magnificada.
possvel superestimar o valor das boas obras. Algumas vezes,
elas so grandemente estimadas e recebem um tipo de causalidade
na justificao e salvao completamente contrria ao propsito
divino. Esta supervalorizao das boas obras feita mais particu
larmente em conexo com a f que , de fato e em si mesma, uma
boa obra espiritual; e reivindicaes que vo muito alm do ensino

da Escritura so feitas pela f como uma causa da justificao. A f


como um meio de salvao no introduzida no mesmo sentido
em que as obras so rejeitadas: ela no apresentada como outra
forma de boas obras como se, de uma forma oblqua, fosse uma
causa eficiente de salvao. Ela tem seu lugar na salvao do peca
dor somente na forma de causa instrumental, como a mo que se
estende para receber o presente.
Outra viso importante do valor das boas obras que, embora
elas no meream a vida eterna, uma vez que isso totalmente
adquirido na morte de Cristo, a piedade pode obter certos graus de
glria. Isso pode ser tido como verdadeiro desde que seja reconhe
cido que as recompensas so recompensas da graa; isto , embora
essas recompensas tenham alguma relao com as boas obras, a
sua causa meritria a graa capacitadora de Deus.
Talvez seja necessrio dizer no fim de um captulo deste tipo
que o fato de as boas obras serem necessrias para o crente no
quer dizer que o Pacto das Obras tenha sido reintroduzido, mesmo
que de forma modificada como a encontrada no sistema arminiano
de doutrina. A aceitao diante de Deus no baseada em qual
quer boa vontade por parte de Deus em aceitar uma justia sincera,
embora imperfeita, no lugar da perfeita justia. O pecador no
perdoado dos seus pecados passados e ento devolvido para os
seus melhores esforos para alcanar sua justificao final e abso
luta. Nunca ser demais reiterar que embora as boas obras sejam
um requisito para o homem salvo ou justificado, a base da sua
aceitao a graa.
Que o crente, por esta razo, mantenha as boas obras e, ao
mesmo tempo, concorde com o que Paulo disse, Mas, pela graa
de Deus, sou o que sou; e a sua graa, que me foi concedida, no se
tomou v; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia,
no eu, mas a graa de Deus comigo (ICo 15.10).

Captulo 5

A Lei e o Homem Justo


Em vista da bondade da Lei e da relao que mantm com a
glria de Deus e as boas obras do crente, um pouco assustador
encontrar a declarao de Paulo que no se promulga lei para
quem justo (1 Tm 1.9). No entanto, o problema no to gran
de quanto parece a princpio. A dificuldade se resolve quando lem
bramos que Paulo no est fazendo aqui uma exposio teolgica
do uso da Lei, mas est simplesmente fazendo uma observao
que deve ser entendida no contexto do seu propsito imediato.
Este propsito imediato parece ser mostrar que o objetivo prim
rio da Lei lidar com o pecador.
A questo crucial que se encontra no cerne de algumas das
diversidades das vises modernas sobre a santificao pode ser
colocada como se segue. A Lei faz demandas ativas sobre o ho
mem, ordenando e requerendo obedincia, ou correto imaginar
que o homem justo realiza essas coisas contidas na Lei mas sem
qualquer conscincia do comando ativo da Lei? A questo, por
tanto, pareceria ser no se as ordenanas da Lei so cumpridas
pelo crente, mas se quando essas ordenanas so cumpridas, o
so da forma instruda e comandada pela Lei de Deus. Os
antinomianos do sc. XVII foram um pouco inconsistentes, algu
mas vezes admitindo que a Lei era uma regra e em outras negan
do que assim o fosse. Eles achavam difcil conceber que a Lei
deveria regulamentar, se no reinar tambm, pelo que pretendi

am dizer que se a Lei comandasse, deveria tambm, e necessari


amente, condenar. Consequentemente, concluram ser imposs
vel que o poder condenatrio da Lei fosse inseparvel dela. Sua
questo comum era Voc pode colocar sua conscincia sob o
poder mandatrio da Lei, porm proteg-la do poder de conde
nao da mesma?.
O argumento antinomiano, mesmo nos dias de hoje, que o
homem est sob cada um desses aspectos da Lei ou sob nenhum
deles. Se um homem vive sob o mandamento, diz-se, tambm vive
sob a condenao; mas, inversamente, como o crente no est sob
condenao, assim ele no est mais sob o mandamento. Esta
uma viso seriamente equivocada e sua fraqueza pode ser exami
nada.
Pode-se admitir, sem dvida alguma, que um homem bom no
se sinta sujeito Lei e, de fato, freqentemente pode agir justa
mente sem referncia consciente Lei. H prazer na obedincia.
Mesmo escritores seculares, embora reconheam completamente
o valor das leis, afirmam que um homem bom faz o que certo no
por medo da punio mas por amor justia. Assim Sneca diz
que ser bom somente de acordo com a lei algo pobre, e Aristteles
mostra como um homem justo seria bom mesmo se no houvesse
lei e Plato afirma que no adequado ordenar ou fazer leis para
aqueles que so bons. Essas afirmaes, naturalmente, embora no
sejam completamente verdadeiras, contm algum tipo de verdade.
Vises similares so expressas por alguns dos escritores cristos
primitivos. Jernimo, por exemplo, pergunta, Que necessidade
tem a Lei de dizer ao homem justo, No matars, quando no
permitido a ele nem mesmo ficar irado? Crisstomo escreve, Um
homem justo no precisa da Lei, nem requer ensino ou admoestao; na verdade, ele despreza ser advertido por ela e ele no espera
ou suporta aprender dela. Assim como o msico ou gramtico,
que tm essas artes dentro de si, desprezam a idia de consultar as

regras ou a gramtica, assim acontece com o homem justo. Isso,


naturalmente, uma forte hiprbole e deve ser entendida com cui
dado; porque que homem piedoso no precisa da Lei de Deus como
uma luz para gui-lo ou como estmulo para mov-lo? No argu
mento dizer que no cu os piedosos no precisaro de Lei, porque
tambm no precisaro do Evangelho. Consequentemente, podese concluir que o Evangelho no til a eles agora? Da mesma
forma no se pode admitir que a Lei no tenha lugar na vida do
crente.
Em que sentido, ento, Paulo ensina que a Lei no foi feita para
o homem justo? H trs interpretaes muito prximas umas das
outras, sendo que todas elas auxiliam consideravelmente no enten
dimento do que ele quis dizer. Uma delas que a Lei no um
fardo para o homem justo. Esta interpretao coloca uma nfase
na palavra feita. Ela no foi feita como um fardo para o homem
piedoso, mas um prazer para ele; ele no guiado pela Lei, mas
atrado por ela. O homem justo est mais propriamente na Lei do
que sob ela, o que no acontece com o mpioAcujo desejo constan
te que no houvesse Lei.
Outra interpretao que Paulo quis dizer que a Lei no conde
na o homem justo. Isso refere-se declarao mais particularmen
te quanto ao aspecto condenatrio da Lei e entende que as pala
vras significam que o poder de condenao da Lei no se relaciona
ao crente. Isso o que indicado por Paulo em outras passagens
quando ele diz que o crente no est sob a Lei. Sem dvida,
verdade que os filhos de Deus so, em si mesmos, merecedores da
maldio da Lei, mas pela virtude da morte de Cristo que suportou
os pecados, eles no experimentam a sua maldio real e a conde
nao. No se segue, por essa razo, que no h Lei porque no h
maldio; e, assim, no necessariamente contraditrio dizer que
a Lei pode relacionar-se ao crente sem conden-lo.

Uma interpretao adicional que a Lei no dirigida ao ho


mem justo; isto , a Lei foi feita no por causa dos homens justos
mas por causa daqueles que eram inquos. Se Ado tivesse conti
nuado na inocncia, no teria havido uma declarao solene da Lei
por Moiss, uma vez que ela estaria escrita no corao dos ho
mens. Consequentemente, embora Deus tenha dado uma Lei posi
tiva a Ado, para test-lo quanto sua obedincia e expresso da
sua deferncia, ele no a deu dessa forma visvel e formal. A frase
de Paulo assim considerada como tendo o significado do provr
bio, Boas leis se originam das ms condutas; e certamente ver
dadeiro que as leis, no poder de represso e mudana que tm
sobre a vida dos homens, no so para aqueles que j so justos
mas para aqueles que precisam ser feitos justos.
Essas interpretaes recebem algum suporte na Escritura. Na
epstola aos Glatas, Paulo lista as virtudes da piedade e, ento,
diz, Contra estas cousas no h lei (G1 5.22-23); pelo que ele
quis dizer que a Lei no foi feita por causa dessas coisas e ela no
as condena. No entanto, claro que o que foi dito das aes piedo
sas pode ser dito das pessoas piedosas. Outra passagem relaciona
da a isso encontrada na epstola aos Romanos, Porque os ma
gistrados no so para temor, quando se faz o bem, e sim quando
se faz o mal. Queres tu no temer a autoridade? Faze o bem e ters
o louvor dela (Rm 13.3). Similarmente, mostrando o quanto os
tessalonicenses eram dominados pelo amor, Paulo diz, No tocan
te ao amor fraternal, no h necessidade de que eu vos escreva,
porquanto vs mesmos estais por Deus instrudos que deveis amarvos uns aos outros (1 Ts 4.9). Sua prpria fala, no h necessida
de de que eu vos escreva, foi em si mesma um escrito; assim suas
palavras significam no mais que o piedoso, na medida em que
est regenerado, se deleita na Lei de Deus e no a receia.
A esta altura surge o perigo de uma falsa inferncia sobre a
autoridade governadora da Lei. O argumento elaborado que por

que o crente se deleita em fazer o que bom, ele no precisa da Lei


para dirigir ou regular o seu comportamento. A falcia dessa
inferncia pode ser facilmente vista no que se seguiria igualmente,
que porque a f implantada no corao do crente, ele tambm
no precisa do Evangelho que o exorta a crer. Historicamente, esse
falso argumento foi aceito por alguns1que, baseados no fato de
que os piedosos eram feitos santos em si mesmos, negaram que
qualquer parte da Escritura era necessria ao homem que tinha o
Esprito. O que os antinomianos limitaram Lei como letras mor
tais, esses outros aplicaram a toda Escritura; e, na verdade, dada
a premissa antinomiana, seu argumento inevitvel. Mesmo nos
primrdios da Igreja, no havia escassez dos que caam nesse erro.
Crisstomo, cuja extravagncia sobre a Lei foi mencionada acima,
fala da mesma forma sobre a prpria Escritura e ressalta, Temos a
obrigao de ter a palavra de Deus to gravada em nossos cora
o, que no deveria haver necessidade da Escritura, e Agostinho
fala de alguns que alcanaram uma santidade tal que podiam viver
sem a Bblia. A falcia bvia de tal concluso prova tambm a
falcia das premissas; isto , a natureza completamente errnea da
opinio antinomiana sobre a Lei.
A Lei tem poder direcionador sobre o homem piedoso por duas
razes. A primeira tem a ver com direo para a adorao, um
aspecto que foi um ponto particularmente doloroso no sc. XVII.
Foi discutido que a verdadeira adorao a Deus no poderia ser
diferenciada da superstio e da idolatria exceto pelos dois primei
ros Mandamentos. Muitos lugares na Escritura falam contra a falsa
adorao; mas a habilidade em discernir o que falsa adorao
requer a direo do Segundo Mandamento.
Uma segunda demonstrao da necessidade da Lei para o ho
mem justo surge da comparao entre a altura da Lei e a profundi
1 Os Schewenkfeldianos

dade do pecado. Os padres de espiritualidade e santidade coman


dados na Lei de Deus so muito mais altos do que cada homem
pode alcanar; consequentemente, ele deve estudar cada vez mais.
O salmista orou, Desvenda os meus olhos, para que eu contemple
as maravilhas da tua lei (SI 119.18), embora ele fosse, ento, um
homem piedoso e seus olhos j tivessem sido, em grande medida,
abertos pelo Esprito de Deus. Assim como h uma altura na Lei,
assim h uma profundidade no pecado original; h muito mais
corrupo no corao do homem do que percebido pelos ho
mens, uma vez que quem h que possa discernir as prprias fal
tas? Absolve-me das que me so ocultas (SI 19.12). Havendo tal
corrupo no corao do homem, h uma necessidade tremenda
da Lei santa e espiritual para faz-lo ver-se assim poludo. No que
diz respeito ao crente, no pode haver dvida de que parte do seu
crescimento espiritual causado pela prpria descoberta de um
orgulho, de uma indiferena e impureza de corao de que ele no
tinha idia.
Ento, qual a utilidade da palavra de Paulo quanto Lei no
ter sido feita para o homem justo? claro que, quando entendida
corretamente, esta passagem deve ser usada para estimular o cren
te a orar por esse amor a Deus, para que a Lei de Deus, longe de
ser um terror para a sua conscincia, possa ser doura e luz. Amo
a tua lei, diz o salmista (SI 119.113), e novamente, Consumida
est a minha alma por desejar, incessantemente, os teus juzos (SI
119.20); e J diz que ele estima o mandamento mais do que seu
alimento necessrio (J 23.12). Tal deve ser a afeio filial do crente
a Deus e sua vontade, a ponto de ele ter a obrigao de amar e se
deleitar em seus mandamentos, simplesmente porque eles provm
dele. Guia-me pela vereda dos teus mandamentos, pois nela me
comprazo (SI 119.35).

Captulo 6
A Lei Escrita no Corao
A familiaridade com a Lei moral que revelada na conscincia
de todos os homens em todos os lugares tem sua explicao na
existncia da Lei natural. Este conceito de Lei natural baseia-se
nas palavras que Paulo escreveu: Quando, pois, os gentios, que
no tm lei, procedem por natureza, de conformidade com a lei,
no tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a
norma da lei gravada no seu corao (Rm 2.14,15). A regra moral
de Deus uma e a mesma em todos os lugares e em todas as cir
cunstncias. Consequentemente, h uma unidade fundamental en
tre a Lei moral, formalmente promulgada nos Dez Mandamentos,
e a Lei encontrada na constituio moral do homem. O grau de
conhecimento da Lei natural to extenso como a raa humana,
uma vez que o termo gentio usualmente significa aqueles que
no possuem a Lei de Moiss. Isso claramente o que Paulo quis
dizer na passagem citada acima, uma vez que seu propsito
substanciar a acusao que ele faz contra toda a humanidade, que
ambos, judeus e gentios, esto por natureza totalmente no pecado
e que Deus, no fazendo distino de pessoas, julgar tanto um
quanto o outro. Para que ningum pense que as aes de Deus
foram excessivamente severas sobre os gentios, Paulo estabelece a
verdade de que eles tambm no estavam sem conhecimento al
gum da sua vontade, uma vez que a Lei est gravada no seu cora

o. Com essa frase ele chama a ateno aos remanescentes do


conhecimento da Lei de Deus encontrados na razo natural e na
conscincia. No contradio o fato de Paulo tambm os descre
ver como no tendo lei. Ele quis dizer que eles esto sem a Lei
no sentido de no t-la na forma declarada e publicamente escrita
tal como os judeus a possuam.
Trs questes preliminares pedem resposta a esta altura. A pri
meira , Em que sentido dito que os gentios procedem, por natu
reza, de conformidade com a lei? Essas palavras obviamente no
se aplicam a toda a massa de gentios, uma vez que Paulo j havia
indicado, em captulos prvios, que a maioria deles vivia em
desconsiderao completa da Lei de Deus. Alm disso, a expres
so de conformidade com a lei no pode se referir natureza
interior da Lei, mas somente a certos atos exteriores que parecem
se conformar a ela. Um homem no- regenerado no pode fazer
coisa alguma que seja moralmente boa, uma vez que cada ao
moral deve ter a glria de Deus como seu objetivo, e isso o homem
natural no almeja. A distino feita algumas vezes entre o que
moralmente bom e o que teologicamente bom no pode ser
substanciada, uma vez que cada bem moral tem a obrigao de ser
teolgico, isto , deve ser bom no somente no que feito, mas na
razo pela qual foi feito; no somente na sua importncia mas no
seu motivo. Deve ser dito, ento, que o homem no regenerado
incapaz de fazer qualquer obra moralmente boa porque falha no
motivo qualificador. Tambm claro que, ao dizer que esses pro
cedimentos exteriores de conformidade com a lei foram feitos por
natureza, o apstolo quis dizer que eles foram realizados por meio
da luz natural da conscincia.
A segunda questo , De que modo pode ser dito que a Lei est
gravada no corao? Seria um erro identificar essa expresso
com a promessa dada porjntermdio de Jeremias, na qual Deus
encarrega-se de escrever sua Lei no corao de seu povo (Jr 31.33),

porque algo muito maior do que o meramente natural sugerido


por essas palavras. O escrito da Lei de Deus no corao dos ho
mens deve, assim, ser reconhecido de uma maneira dupla. A pri
meira forma de escrito tem a ver com o conhecimento e com a
razo, por meio dos quais os homens so dotados com uma capa
cidade para discernir entre o bem e o mal; a segunda forma de
escrito tem a ver com a vontade e as afeies e encontrada na
concesso ao homem de um prazer na Lei de Deus e de uma fora
justamente para cumpri-la. a primeira dessas formas que deve
ser entendida nas palavras de Paulo sobre os gentios.
A questo final a ser respondida refere-se ao modo pelo qual os
gentios revelam essa Lei escrita em seus coraes. Eles fazem isso
de duas formas: mostram-na exteriormente pelo modo como fa
zem boas leis e se empenham em viver de acordo com elas; e revelam-na interiormente na quietude ou inquietao de suas conscin
cias.
A evidncia obtida na resposta a essas trs questes prov o
material para um profundo desafio da viso que repudia a Lei na
vida do cristo. Se h uma Lei da Natureza escrita no corao dos
homens dessa forma, e se ela continua a exercer sua autoridade
com tal persistncia que um crente obrigado a seguir a sua dire
o, como possvel se pensar que o aspecto obrigatrio da Lei
moral pode cessar?
J foi chamada a ateno sobre a negao da continuao do
poder de condenao da Lei, a qual baseada na opinio de que,
onde quer que esteja o ato de comando da Lei, deve tambm estar
seu ato de condenao. No entanto, isso uma falcia, uma vez
que confunde a essncia da Lei com o que somente acidental.
Comandar pertence essncia da Lei, mas condenar apenas aci
dental, sendo um efeito da lei que contingente na suposio da
transgresso. No exemplo dos anjos que nunca pecaram, a Lei nunca

exerceu seu poder de condenao, mas perfeitamente claro que


os anjos estavam sob seu poder de comando porque, caso contr
rio, eles no poderiam ter pecado, porque onde no h lei, tam
bm no h transgresso (Rm 4.15).
A Lei da Natureza se revela nas impresses religiosas comuns
encontradas em todos os homens e em todos os lugares. Assim
como os primeiros princpios ou axiomas da cincia, nenhuma ra
zo pode ser dada a elas: so reconhecidas como evidentes por si
mesmas.1 No entanto, deve-se reconhecer que a Lei da Natureza
existia diferentemente em Ado e em sua posteridade. Em Ado,
era perfeitamente conhecida, mas somente uma mera sombra dela
encontrada nos homens hoje. O todo da Lei da Natureza, conten
do a cincia perfeita da vontade de Deus, foi dada a Ado primei
ramente: e embora lhe tenha sido dado a ddiva subseqente da Lei
positiva, para testar sua obedincia, isso de forma alguma invali
dou ou diminuiu o valor e o significado da sua doao original da
Lei da Natureza. No princpio, Ado foi feito imagem de Deus,
em justia e santidade; caso contrrio ele teria sido destitudo da
luz da razo e sem conscincia.
O que a Lei da Natureza cobre difcil de se determinar, uma
vez que o que alguns consideram ser condenado pela Lei da Natu
reza, outros pensam ser aprovado por ela. Consequentemente, ela
tem sido definida de quatro formas, (a) Tem sido equiparada aos
instintos naturais pelos quais homens e animais se igualam, tais
como autodefesa e desejo pela vida; mas isso claramente insufici
ente, porque excluiria as coisas naturais como honestidade natural
' Crisstomo observa que quando Deus proibiu o assassinato, ele no apresen
tou razes porque as proibies eram naturais; mas quando ele ordenou a ob
servao do stimo dia, ele deu uma razo, a saber, porque o Senhor descansou
no stimo dia. Isso, naturalmente, no implica que o mandamento sobre o
sbado no seja moral: a diferena que os outrs so naturalmente morais e
este positivamente moral.

e justia, uma vez que um animal no capaz de qualquer pecado


ou de obrigao a uma lei. (b) Tem sido definida em termos de
costume geral; mas isso to diversificado que_o que pecado
para alguns, pode ser virtude para outros, (c) Tem sido considera
da como co-extensiva razo de cada homem; mas isso, tambm,
muito incerto, porque a razo de um homem contrria de
outro e a conscincia de um homem mais sensvel do que a de
outros, (d) Tem sido identificada com a vontade declarada de Deus;
e esta definio parece ser a mais satisfatria.
A obrigao da Lei da Natureza deriva de Deus que o seu
autor. Seu poder de obrigao no deriva da sua congruncia com
a razo ou conscincia do homem, mas do fato de que vice-regente de Deus e um comando seu. Consequentemente, ela perp
tua e no pode ser revogada. Esta declarao imediatamente le
vanta a questo sobre se a Lei da Natureza obriga ou no o cristo.
Colocada de outra forma, um cristo deveria escutar a voz da cons
cincia? A resposta certamente deve ser que o cristo deve se re
frear de cometer um ato de pecado, no meramente por causa do
mal intrnseco ou do prejuzo circunstancial daquilo, mas tambm
porque a proibio est dentro dele na forma de Lei e mandamento
de Deus. Naturalmente, no h dvida de que h uma diferena
entre a forma da Lei da Natureza e a da dos Dez Mandamentos;
mas elas esto de acordo nisto, elas so uma regra de obrigao
perptua e imutvel. O cristo no deve pensar que porque Cristo
morreu para libert-lo da maldio da Lei, ele est livre da obedi
ncia Lei da Natureza como a prpria Lei de Deus gravada nele.
O conhecimento moral fornecido pela Lei da Natureza algu
mas vezes chamado de luz da natureza, ou razo natural. Mas esse
um conceito que precisa ser usado com cuidado porque no
difcil ver que, embora a razo seja necessria para que o homem
conhea a Deus, , ao mesmo tempo, insuficiente para todas as
suas necessidades espirituais. A razo, por si mesma, no conduz o
homem a Cristo.

H trs coisas a serem ditas sobre a luz da natureza no homem


cado. Em primeiro lugar, a luz da natureza deve ser considerada
como um remanescente da imagem de Deus no homem. Por mais
que se mantenha corretamente que a imagem de Deus consistia
primariamente em justia e verdadeira santidade, igualmente ver
dadeiro que, em segundo lugar, tambm inclua as faculdades do
homem como criatura racional. A razo pela qual se diz que a ima
gem de Deus ainda permanece no homem que ele continua a
possuir os poderes da razo. Comparada com a f, naturalmente, a
luz da razo excessivamente fraca, porm ainda h alguma luz, e
Paulo no hesita em usar a palavra verdade para descrev-la (Rm
1.18). Este luar, ou brilho fraco, que a razo fornece tem sua utili
dade na conduta disciplinada da sociedade, no estmulo da prtica
da virtude moral e na remoo de todas as desculpas daqueles que
no glorificam a Deus de acordo com o conhecimento que possu
em (Rm 1.20).
Mas, em segundo lugar, o fato de a luz da natureza ser obscurecida pelo pecado no deve ser ignorado. Na distoro do conheci
mento que o pecado trouxe, a luz da natureza no somente intil
com relao s coisas que so espiritualmente boas, mas inimiga
delas. A situao extraordinria nesse caso acontece no fato de
que quanto maior razo natural h em qualquer opinio ou ao
particular, maior oposio a Deus provvel que haja. Isso foi o
que aconteceu com todos os grandes filsofos naturais: eles se tor
naram vaidosos em seus raciocnios; e quanto mais inquiriam e
pesquisavam, mais se afastavam da verdade (Rm 1.21,22). Ora, o
homem natural no aceita as cousas do Esprito de Deus, porque
lhe so loucura; e no pode entend-las, porque elas se discernem
espiritualmente (1 Co 2.14).
Em terceiro lugar, no entanto, a luz da natureza no deve ser
sumariamente repudiada meramente porque fraca, ou porque o
pecado a fez inimiga de Deus, pois ela capaz de ser iluminada

pela Palavra de Deus. Quando essa iluminao divina lhe conferida,


a razo natural do homem no precisa ser desprezada ou rejeitada.
A relao entre razo e f tem, algumas vezes, sido comparada
com o solo pobre da raiz de uma rvore infrutfera e o adubo que o
jardineiro usa. Que o solo seja primeiramente removido e o adubo
jogado nele, ento possa o solo ser recolocado na raiz da rvore,
onde ir agora ajudar tanto quanto obstruiu anteriormente. Se a
razo for subordinada primeiramente e a verdade recebida pela f,
ento a razo pode utilizar completamente a verdade e isso ser
til para o fortalecimento do crente. Conquanto a luz da natureza
no seja a regra, mas ela mesma seja governada e testada pela Pa
lavra de Deus, ela no pode enganar.
A luz da natureza - entendida no sentido de ser o remanescente
da imagem de Deus no homem - necessria no domnio religioso
e moral, a despeito da sua insuficincia; e isso mostrado em duas
direes. necessria primeiramente como uma qualificao pas
siva no homem como o objeto da f. Um animal no pode exercer
f religiosa porque ele no tem razo: a razo, consequentemente,
que coloca o homem numa capacidade passiva para receber a gra
a, embora ele no tenha habilidade ativa para isso. Em segundo
lugar, ela necessria como um instrumento de f. Um homem no
pode crer a no ser que tenha algum entendimento ou inteligncia
a respeito do que ele deve crer. Na Escritura, o conhecimento ,
algumas vezes, colocado no lugar da f porque um conduz ao ou
tro reciprocamente e pela f entendemos (Hb 11.3). A razo,
consequentemente, necessria como um instrumento da f.
Uma inferncia significativa do argumento precedente que nada
na doutrina crist pode ser verdadeiro se contradisser a verdade de
Deus como encontrada na imagem de Deus no homem. Diante de
doutrinas como a da Trindade e a da Encarnao - doutrinas que
parecem paradoxais razo - pode parecer difcil defender tal de
clarao; porm, ao ver o apstolo chamar o conhecimento natural

do homem de verdade, sendo que toda verdade vem de Deus,


qualquer que seja o meio pelo qual ela surge, no pode haver con
tradio definitiva entre a verdade adquirida pela natureza e a ver
dade dada por revelao. As doutrinas da Trindade e a da
Encarnao devem ocupar seu lugar entre as coisas que esto aci
ma da razo mas que, de forma alguma, a contradizem. Tambm
deve ser observado que o mesmo objeto pode ser conhecido por
meio da luz da natureza e por meio da luz da f. Isso pode ser
facilmente exemplificado: um homem pode saber, por meio da luz
da natureza, que h um Deus e tambm pode crer porque a Escri
tura assim o diz. Similarmente, um homem pode, pela f, entender
que o mundo foi criado (Hb 11.3) e, ao mesmo tempo, pelo racio
cnio, saber que ele foi feito. A f e a luz da natureza,
consequentemente, contribuem para o conhecimento do mesmo
fato de formas diferentes: a f assim o faz por causa do testemunho
e da revelao de Deus; e a luz da natureza por causa das razes no
prprio fato.
Uma vez introduzidas essas duas fortes alegaes em prol da
razo, uma terceira observao deve ser feita, a saber, que embora
a luz da natureza seja necessria, no juiz em assuntos de f. O
Racionalismo exalta demasiadamente a razo, uma vez que a faz
no somente um instrumento mas um juiz e, por causa disso, rejei
ta os maiores mistrios do Evangelho. Tem-se tentado muitas ve
zes mostrar que a religio a mais alta razo, e tem havido ten
tativas brilhantes de provar a verdade da religio crist por meio da
razo; mas impossvel no ver o quanto a razo incerta em
comparao f. Consequentemente, ao dar um lugar corretamen
te importante ao entendimento no que diz respeito s coisas espiri
tuais, deve-se tomar cuidado a fim de que no haja uma confuso
entre instrumento e juiz: verdades santas so verdades escritursticas,
embora, subseqentemente, elaboradas pela razo. O ourives pega
a chapa de ouro e bate nela, moldando-a como deseja; todavia, seu

martelo no a transforma em ouro, mas somente a modela. Da


mesma forma acontece com a funo da razo: ela no cria uma
verdade divina, mas somente a exibe e a declara como tal.
Intimamente conectados com a Lei escrita no corao, porm
vastamente distintos dela, esto os mandamentos da Lei positiva.
A Lei positiva encontrada no prprio incio da histria humana
nas palavras de Deus aos progenitores da raa, e elas esto
registradas no primeiro livro da Bblia. Mas da rvore do conheci
mento do bem e do mal no comers; porque, no dia em que dela
comeres, certamente morrers (Gn 2.17). A Lei positiva de Deus,
aqui enunciada a Ado, algumas vezes tambm chamada de man
damento simblico, porque a obedincia a ela era um smbolo, ou
um sinal, da deferncia do homem e do servio a Deus. O objeto
desse comando no era algo bom ou mal em sua prpria natureza,
mas algo moralmente neutro ou indiferente: era mal somente por
que era proibido. O livro de Gnesis, assim, registra que, em adi
o Lei natural gravada no corao do homem, Deus tambm
deu a ele uma Lei positiva para testar a sua obedincia.
Essa Lei positiva consistia de um mandamento simples ao ho
mem para se abster do fruto da rvore do conhecimento do bem e
do mal. No fcil dizer a razo pela qual a rvore foi chamada
dessa forma, mas a interpretao mais usualmente aceita que a
rvore foi assim chamada, no por causa de seus efeitos intrnse
cos, mas por causa do evento histrico, isto , porque experimentla faria com que Ado e Eva conhecessem o bem e o mal.2 Essa
interpretao, embora boa em si mesma, no completamente su
ficiente porque poderia parecer que seu nome surgiu no mera
mente do evento histrico, mas tambm por decreto e designao
de Deus. Ela foi colocada diante de Ado como sendo um tipo de
2 Esta explicao est em harmonia com o aspecto completamente comum da
Escritura, a saber, o modo de chamar algo pelo nome que obteve mais tarde.

fronteira e limite, para que ele soubesse que bom era o que Deus
permitia e mal o que Deus proibia.
Por que razo Deus deu ao homem essa Lei positiva sobre e
acima da Lei natural que j estava em seu corao? A primeira
razo parece ser que a Lei positiva foi instituda para chamar a
ateno do homem para o fato do domnio de Deus, por direito,
sobre ele. claro que a obedincia Lei natural poderia ser nada
mais do que uma condio necessria da existncia e no, de algu
ma forma, um ato legtimo de vontade. Alguns homens, por exem
plo, se abstm de certos pecados no porque foram proibidos por
Deus, mas porque sua razo natural os rejeita;3 mas esses dois
princpios diferentes fazem com que as mesmas aes sejam total
mente diferentes umas das outras. Assim, Deus tencionou testar
Ado por meio de uma Lei positiva para que essa forma de dom
nio exercida sobre ele pudesse ser mais claramente demonstrada.
Por essa razo, Ado no deveria considerar a grandeza ou a bon
dade do que foi comandado, mas meramente a vontade daquele
que lhe deu o mandamento. Outra razo, que se segue da, que a
Lei positiva foi dada .para que a obedincia de Ado pudesse ser
mais testada e, consequentemente, evidenciada como verdadeira
obedincia. Por meio desse mandamento, o bem da obedincia em
si mesma e o mal da desobedincia em si mesma deveriam ser de
monstrados. No entanto, deve-se observar rapidamente que embo
ra a obedincia Lei positiva fosse muito inferior obedincia
Lei moral, porque o objeto da ltima interiormente bom e o obje
to da primeira antes uma profisso de obedincia do que obedi
ncia de fato, a desobedincia Lei positiva no menos hedionda
do que a desobedincia Lei moral, porque por esta um homem
exteriormente mostra que no deseja se submeter a Deus. por
3 Mesmo entre os cristos h uma grande diferena entre boas aes pratica
das em obedincia ordem de Deus e aquelas praticadas por razes naturais.

esta razo que Paulo expressamente chama o pecado de Ado de


desobedincia (Rm 5.19), no no sentido geral no qual cada pe
cado desobedincia, mas no especfico porque, usado no sentido
estrito, o seu foi, incomparavelmente, o pecado da desobedincia.
Por aquele ato, Ado deliberadamente rejeitou o domnio que Deus
tinha sobre ele; e embora houvesse orgulho e incredulidade nesse
pecado, desobedincia o que ele propriamente foi.
A Lei positiva dada por Deus nessa poca deve ser entendida
como tendo sido universal, isto , ao ser dada a Ado, foi dada a
toda a raa nele. Esta a razo pela qual Paulo diz que todos os
homens pecaram no primeiro homem. A aplicao dessa Lei posi
tiva aos descendentes de Ado encontra prova adicional primeira
mente na ameaa, porque, no dia em que dela comeres, certamen
te morrers (Gn 2.17), e, ento, no evento subsequente em que
toda a posteridade de Ado, de fato, morreu. Naturalmente, as
mesmas razes que provam a adequabilidade de uma Lei positiva
em adio Lei natural para Ado, a mantm, igualmente, para a
raa descendente dele.
To claramente como a Lei de Deus gravada no corao forne
ce a base da congruncia entre a revelao e a razo verdadeira,
assim tambm a Lei positiva serve para estabelecer a base do direi
to de Deus para comandar e a obrigao de todos os homens de
obedecer.

Captulo 7

Capacidade Humana
muito fcil chegar a extremos ao avaliar a capacidade moral
no homem cado: algumas vezes pensa-se que maior do que real
mente e, em outras, negado que haja qualquer vestgio rema
nescente. No pode haver dvida de que o homem possui o poder
do livre-arbtrio, embora isso deva ser entendido em relao fun
o natural e no capacidade moral. Constitudo como o homem
, dotado de personalidade, ele tem livre-arbtrio, mas sendo este
um poder derivado e sustentado por Deus, , em todo o tempo,
dependente da ajuda de Deus. At onde se relaciona com as coisas
espiritualmente boas, o livre-arbtrio do homem no tem desejo
por elas e, assim, no pode quer-las. Consequentemente, embora
possua uma liberdade que pode ser chamada de psicolgica para
propsitos de distino, o homem moralmente uma pessoa limi
tada: ele um escravo do pecado.
No contradio ao que foi dito afirmar que, a despeito de
toda a corrupo que se encontra no corao do homem, ele ainda
pode realizar a forma exterior do que foi comandado por Deus e
nominalmente se abster do que proibido. Porque o homem tem a
capacidade de obedecer Lei na sua forma exterior, ele , desse
modo, indesculpvel quando falha em assim agir. O homem ca
paz, pelo poder da natureza, de refrear-se de muitos atos de peca
dos torpes e, na verdade, o fato de Deus no ter abandonado com

pletamente o homem deve ser considerado como uma das suas


misericrdias com respeito raa humana.
Tendo reconhecido isso sobre o poder natural do homem, isto
, sua capacidade de realizar atos exteriores de obedincia, agora
precisa ser dito que tudo o que faz pecado diante de Deus. Quais
quer que sejam os atos do homem no- regenerado, embora apa
rentemente gloriosos, so apenas pecados gloriosos, e a
pecaminosidade dessas coisas surge de vrias razes bvias. Tais
obras no so originrias da f, ou de algum reconciliado com
Deus; e a pessoa deve primeiramente ser aceita antes da ao. Sem
f impossvel agradar a Deus (Hb 11.6). Tais obras no tm a
sua origem numa natureza regenerada; e, consequentemente, se a
rvore no boa, o fruto no pode ser bom. Tais obras nao podem
ser aceitveis a Deus, porque no foram realizadas por causa do
objetivo correto. O homem no regenerado no capaz de fazer
qualquer coisa para a glria de Deus, uma vez que mesmo as suas
boas obras so apenas a substituio de um mal por outro. Mesmo
que o seu alvo seja algum bom objetivo particular, tal como ajudar
o pobre, isso no suficiente, uma vez que o objetivo final e prin
cipal a ser sempre procurado em tudo o que se faz a glria de
Deus.
O fato de o ser humano ser incapaz de fazer qualquer obra mo
ralmente boa levanta um grupo de problemas, e o primeiro desses
se a negao do poder do homem em fazer qualquer coisa para a
sua salvao no o transforma meramente numa pedra ou, no m
ximo, em alguma forma de criatura irracional. A resposta, natural
mente, que essa negao da capacidade humana no faz nada
disso. O grande e diferenciado fato sobre o homem que nele h
uma potencialidade passiva para a converso, embora no haja poder
ativo para se virar para Deus. Diferentemente das formas da natu
reza e das criaturas irracionais, o homem um ser criado de tal
forma que no tem, uma mera propenso, nem mesmo uma incli

nao espontnea para fazer quaisquer aes propriamente suas,


mas uma inclinao que pertence funo da vontade. Esta, por
sua vez, acompanhada pela razo e pelo julgamento. Porque o
homem assim constitudo, a obra divina da converso, embora
seja uma obra do novo poder criador, efetuada por meio de argu
mentos ou splicas mente. Admite-se que o homem tenha perdi
do a integridade da mente e da vontade, mas no as prprias facul
dades; por essa razo, embora ele esteja espiritualmente morto para
as coisas de Deus, vivo na sua vontade e um ser capaz de ser
influenciado por argumentos. Consequentemente, pode-se admitir
a objeo de que se um homem no tivesse esta funo do livrearbtrio, no poderia haver converso ou obedincia; porque a obra
do Esprito de Deus no destruir a natureza do homem mas
aperfeio-la.
O segundo problema levantado pela incapacidade humana a
aparente contradio de forar uma tarefa sobre o homem e, ao
mesmo tempo, reconhecer o dom da graa de Deus para faz-la.
Em resposta, deve ser dito que se esse o dilema do telogo, ele
primeiramente o dilema das Escrituras. Isso aparece, por exemplo,
no sermo de Cristo feito na sinagoga de Cafamaum, onde ele diz,
Trabalhai, no pela comida que perece, mas pela que subsiste para
a vida eterna (Jo 6.27) e, ao mesmo tempo, declara, Ningum
pode vir a mim se o Pai, que me enviou, no o trouxer (Jo 6.44).
A mesma aparente contradio ocorre nos escritos de Paulo que
diz, desenvolvei a vossa salvao com temor e tremor; porque
Deus quem efetua em vs tanto o querer como o realizar, segun
do a sua boa vontade (Fp 2.12,13). A razo que o apstolo d na
segunda parte poderia, de acordo com a objeo agora sendo res
pondida, destruir completamente a exortao na primeira. Mas
considerar contraditrio forar uma tarefa e, ao mesmo tempo,
reconhecer que Deus capacita o homem para efetu-la, criar uma
discrdia perptua entre ordenanas e promessas; uma vez que as

mesmas coisas que Deus manda o crente fazer, ele tambm prome
te fazer por ele. Agostinho responde a esse problema com a excla
mao, homem, nos preceitos de Deus reconhece o que tu tens
a obrigao de fazer; em suas promessas reconhece que tu no
podes faz-las.
Um terceiro problema levantado pela incapacidade humana, e
que usado como um argumento contra ela, que Deus comandar
o homem o mesmo que escarnecer dele. Seria como se fosse
ordenado a um homem cego ver, ou como se fosse dito a um ho
mem que se ele tocasse o cu com o seu dedo, receberia uma re
compensa; e fatores circunstanciais e fsicos como esses, afirmase, destruiriam completamente a natureza de um mandamento. Em
resposta a essas objees, deve ser observado que h trs modos
nos quais pode-se dizer que algo impossvel, (a) H a simples
impossibilidade. Todas as coisas que envolvem uma contradio
so logicamente impossveis; e esta impossibilidade surge da natu
reza desse algo. Tais coisas so impossveis mesmo para o poder
de Deus, porm no expressam qualquer defeito nele. (b) H a
impossibilidade natural. Algo pode ser impossvel de acordo com
sua natureza, tal como um homem tocar o cu ou trabalhar alm
das causas naturais, (c) H a impossibilidade moral. Coisas que
no tm impossibilidade simples ou natural vinculada a elas, algu
mas vezes tomam-se moralmente impossveis pelo erro do homem.
No escrnio para um homem fazer algo que, pelo seu prprio
erro, se fez incapaz de realizar. Se um credor requer seu dbito de
uma pessoa falida que gastou dispendiosamente tudo e se fez inca
paz de pagar, quo irracional ser esse requerim ento?
Consequentemente, completamente irrelevante introduzir ao ar
gumento impossibilidades como pedir ao homem para tocar os cus
ou mandar o homem cego ver; uma vez que a impossibilidade sob
discusso a moral, e a impossibilidade de cumprir o mandamento
algo que o homem atraiu para si mesmo.

Um problema adicional neste contexto vincula a repreenso de


Deus ao homem por causa dos seus pecados. Algumas vezes se
pergunta, Como Deus pode reprovar os homens por causa de suas
transgresses se eles no podem agir de forma contrria? Mas a
resposta a isso vem da mesma direo da ltima questo, uma vez
que ainda permanece que qualquer que seja o pecado cometido
por um homem, propriamente sua culpa e verdadeiramente seu
pecado. Qualquer que seja esse algo no qual o homem peca, ele
assim age voluntariamente e com grande prazer; e quanto mais ele
se deleita em seu pecado, mais liberdade ele tem em assim agir.
Nenhum homem forado ao pecado: ele age assim com toda a
sua inclinao e desejo.
Ao lidar com um quinto problema, pode-se dizer que irrelevante
perguntar qual o propsito existente na exortao e advertncia.
Porque embora Deus trabalhe cada boa obra no crente, ele no faz
isso nele como se este fosse uma pedra; mas ele lida com o homem
de forma adequada sua natureza, isto , por meio de argumentos
e razes. Se isso for contestado com a alegao de que isso o
mesmo que segurar uma vela para um homem cego, a resposta
adicional que essas exortaes e a leitura ou pregao da Palavra
de Deus so os instrumentos usados por Deus para trabalhar essas
coisas. A pregao, por essa razo, no deve ser considerada como
mera exortao, mas como um meio santificado, ou instrumento,
pelo qual Deus trabalha no homem as suas exortaes. A pregao
o meio prtico e operante pelo qual Deus realiza a sua vontade
naqueles que crem, mesmo quando disse: Haja luz; e houve luz;
ou quando Cristo disse, Lzaro, vem para fora! Saiu aquele que
estivera morto (Gn 1.3; Jo 11.43,44). A graa operante de Deus
no crente no substitui a necessidade da exortao.1
1Isso deveria impedir o homem de planejar at mesmo o mais claro ministrio
ou pregao porque um sermo no influencia o corao do homem por causa
da sua elegncia, mas simplesmente porque um instrumento de Deus desig
nado para tal fim.

Na soluo de um problema adicional, pode ser dito que o reco


nhecimento da necessidade pela obra da graa na alma no nega
que os atos espirituais resultantes tambm so verdadeira e peculi
armente do prprio crente. A razo e a liberdade qualificam o pe
cador para ser passivamente apto para a graa: mas quando capa
citado pela graa, ele tambm feito ativo. No h, na verdade,
uma negao de que crer e se voltar para Deus so atos do prprio
pecador, uma vez que impossvel crer sem a mente e a vontade:
mas isso no faz com que o homem seja uma causa conjunta com
Deus na sua prpria salvao. incorreto falar do pecador como
se ele fizesse qualquer coisa para obter sua salvao mas, ao mes
mo tempo, ele ativo ao receber a salvao. Arrependimento, con
verso e f so verdadeiramente atos do crente.
Finalmente, deve ser dito que a soberania de Deus em sua graa
no suporta uma atitude fatalista. Algumas vezes tm sido errone
amente admitido que porque a salvao toda de graa e sobera
namente conferida por Deus, no h nada que o pecador possa
fazer. Em resposta a esse ponto de vista fatalista, necessrio lem
brar que h dois tipos de ao que, por falta de palavra melhor,
podem ser chamadas de santas: h aquelas que so ntima e essen
cialmente assim, e aquelas que pertencem ao domnio das aes
exteriores. Nenhum homem pode realizar as primeiras sem Deus,
mas estas aes exteriores, tais como ouvir e ler a Palavra de Deus,
esto dentro dos poderes naturais do homem. Deus converte o
pecador pelo uso desses meios. Ele no influencia o corao como
um arteso usa um instrumento; mas ele comanda ao homem que
leia e escute, e este o meio pelo qual Deus mudar seu corao.
No desculpa dizer que mesmo essa leitura e orao so pecami
nosas no devendo, por essa razo, ser cultivadas, uma vez que o
homem, embora pecador, tem o dever de orar a Deus e busc-lo.
Ser visto, ento, que nenhum grau de incapacidade humana
para cumpri-la pode anular a Lei de Deus ou, de alguma forma,
reduzir a autoridade de suas asseres.

Captulo 8
A controvrsia sobre a relao da Lei moral com os crentes
centrada na lei dada por Deus por meio do ministrio de Moiss ao
povo de Israel. Que relao os crentes tm com essa Lei de Moiss?
Para responder a essa questo, primeiramente necessrio deter
minar em que sentido a palavra lei est sendo usada na expresso
a Lei de Moiss. Algumas vezes ela usada num sentido amplo
e em outras num sentido mais limitado. Pode ser tomada para toda
a dispensao e promulgao dos mandamentos, moral, judicial e
cerimonial; ou pode ser usada mais estritamente para a parte que
chamada de Lei moral, junto com o prefcio e as promessas adici
onadas a ela; ou pode ser entendida mais estritamente ainda pelo
que consiste em meros mandamentos, sem qualquer promessa. A
maioria das vises sustentadas sobre a diferena entre a Lei e o
Evangelho, assume a palavra Lei neste ltimo e mais estrito senti
do. Mas claro que se todos os mandamentos e ameaas dispersos
por toda a Escritura forem admitidos como sendo propriamente a
Lei, e se todas as promessas graciosas, onde quer que sejam en
contradas, forem admitidas como sendo o Evangelho, no ser
surpresa se muitas coisas severas forem ditas a respeito da Lei.
Tem sido comum dividir o corpo das leis Mosaicas em moral,
cerimonial e judicial e, embora se levantem questes quanto a essa
diviso, elas no tm conseqncia particular e o agrupamento pode

ser seguramente aceito. A poro da Lei de Deus na qual estudo


presente est interessado a Lei moral.
No entanto, nem todas as questes so respondidas pela elimi
nao desses outros aspectos da Lei de Moiss, uma vez que a
palavra moral tem sido, ela mesma, usada em vrios sentidos.
Esses diferentes significados tm, por sua vez, provocado vrios
problemas adicionais, no somente na exposio da Lei, mas tam
bm em outros aspectos da doutrina crist. A questo que deman
da uma resposta, consequentemente, o que faz com que a lei seja
moral. Embora no haja coisa alguma na conotao do termo que
implique uma obrigao permanente, esse o significado que per
tence idia da Lei moral; e essa permanncia da obrigao que
faz a distino entre o que moral e as obrigaes que esto nas
outras categorias.
amplamente admitido que a Lei da Natureza e a Lei moral so
idnticas; mas isso um erro, uma vez que h pelo menos duas
diferenas importantes entre elas. Primeiramente, a Lei moral dada
por Deus causa uma nova obrigao a partir do fato de que for
malmente comandada. Assim, embora a substncia da Lei da Natu
reza e da Lei moral concordem em muitas coisas, o homem que
quebra os Dez Mandamentos em sua forma promulgada culpado
por pecar de forma mais hedionda do que o homem que nunca os
recebeu. Em segundo lugar, embora a Lei moral requeira muitas
coisas que tambm esto contidas na Lei da Natureza, tem tambm
muito mais nela do que jamais poderia haver naquela Lei primitiva.
Um exemplo disso pode ser encontrado na confisso de Paulo de
que ele no saberia que a cobia era um pecado se a Lei no lhe
dissesse isso, embora ele tivesse a Lei da Natureza para convenclo do pecado.
A Lei moral foi dada ao povo de Israel quando este estava no
deserto no Monte Sinai, e talvez haja duas razes para que Deus

tenha dado essa Lei naquele tempo, nem antes nem depois. A pri
meira razo era que o povo de Israel havia cado em idolatria e,
assim, a Lei foi dada a fim de restringir sua idolatria e reprimir sua
rebelio. Este parece ser o significado da declarao de que a lei
foi adicionada por causa das transgresses (G13.19). A outra, e
talvez a mais importante, razo pela qual Deus deu a Lei naquela
poca, e no em outra, era que os israelitas estavam se tomando
uma nao. Eles estavam prestes a entrar em Cana e a estabelecer
uma vida, assim Deus fez leis para eles; porque era seu rei de um
modo especial e de tal forma que todas as suas leis, mesmo as
polticas, eram divinas.
um erro pensar na Lei moral como algo novo, uma vez que
to primitiva quando a Lei natural. A Lei moral existia muito antes
da sua administrao por Moiss. Assassinato era pecado desde o
princpio, como aparece pelas palavras de Deus a Caim; na verda
de, assim tambm era com o prprio dio que precede o assassina
to. Os homens, consequentemente, nunca estiveram sem a Lei, nem
nunca estaro, e h um senso no qual pode ser verdadeiramente
dito que o Declogo pertence a Ado, a No, a Abrao, a Cristo,
aos Apstolos, assim como a Moiss. Como foi observado acima,
existiu, naturalmente, uma razo histrica pela qual no tempo de
Moiss deveria haver uma promulgao especial e solene repeti
o dela, mas mesmo assim a Lei foi perpetuamente ouvida entre
os homens desde o princpio. Esta considerao contribuir
grandemente para uma avaliao correta do valor da Lei, sendo ela
o instrumento constante de Deus para a definio do dever do ho
mem, para a convico do pecado e para exortao santidade.
Rejeitar o uso da Lei, assim, rejeitar a direo universal de Deus
tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos.
A ddiva da Lei a Israel foi um ato da infinita misericrdia e
graa de Deus. No discurso de Moiss ao povo (Dt 7 e 9), Deus
imprime nos israelitas a grandeza do seu amor ao dar-lhes os seus

mandamentos. Ele enfatiza mais de uma vez que no foi por causa
deles, ou por qualquer mrito deles, mas puramente porque ele os
amava. O salmista percebe essa bondade de Deus ao dar a Lei
dizendo, No fez assim a nenhuma outra nao (SI 147.20), e
Osias, da mesma forma, enfatiza essa misericrdia nas palavras,
embora eu lhe escreva a minha lei em dez mil preceitos... (Os
8.12). Todos os benefcios que os salmistas e profetas consideram
como advindos da Lei de Deus devem, assim, ser remontados
graa e misericrdia de Deus ao dar a Lei, e quando a Lei de Deus
depreciada de qualquer forma, isso evidencia uma profunda con
cepo errnea dos seus caminhos.
No h discusso quanto ao fato de que, no Evangelho, Deus
concedeu expresses maiores do seu amor ao homem, mas isso
no significa qualquer depreciao da graa contida na Lei. A Lei
pertence aos crentes no presente para os mesmos objetivos evan
glicos de quando foi originalmente dada aos israelitas. Nem um
mandamento pode ser lido em seu significado espiritual - que o
seu verdadeiro significado - sem que se descubra alguma causa
para louvar a Deus. Por essa razo, no suficiente que o crente
no despreze ou negligencie a Lei: ele antes deve agradecer a Deus
por sua Lei ser lida e exposta. Que o homem piedoso possa se
deleitar em ter essa pureza comandada que ir faz-lo detestar a si
mesmo, prezar mais a Cristo e graa, o que ser um estmulo vivo
a toda santidade. Alm disso, um falso pensamento at mesmo
contemplar uma diversidade entre a Lei e o Evangelho, porque
quando colocados juntos, do gosto e sabor um ao outro.
Uma considerao sobre os acompanhamentos da promulgao
da Lei moral servir para exibir a sua dignidade excelente. Esses
acompanhamentos revelam que Deus colocou grande glria nela; e
embora o Novo Testamento mostre que a ministrao da graa
pelo Evangelho deva ser mais altamente estimada do que a
ministrao Mosaica dela, porm de forma absoluta e em si mes

ma, a Lei foi grandemente honrada por Deus. Seria correto con
cluir que Deus deu a Lei dessa forma impressionante e solene a fim
de que a sua autoridade e majestade pudessem ser mais pronta
mente reconhecidas. Essa dignidade pertence peculiarmente Lei
moral, em distino da judicial e cerimonial; porque embora as Leis
judicial e cerimonial tenham sido dadas na mesma poca que a moral,
h, todavia, uma grande diferena entre elas. Naturalmente reconhece-se que esses trs tipos de leis concordam em muitos particu
lares. Elas concordam na causa eficiente comum, que Deus; no
ministrio do mediador, que era Moiss; no destinatrio, que era o
povo de Israel; tambm concordam nos efeitos comuns, que eram
constranger o povo obedincia e punir aqueles que as transgredi
am. Mas a Lei moral preeminente e isso visto primeiramente no
fato de que ela a base para as outras Leis, e elas so redutveis
nela; em segundo lugar, no fato de que ela deve sempre subsistir,
enquanto as outras no; e em terceiro lugar, no fato de que a Lei
moral distinta das outras por ter sido escrita por Deus e ordenada
a ser mantida na arca.
Algumas vezes se faz exceo relevncia de qualquer discus
so sobre a Lei dada por meio de Moiss, e se pergunta: o cristo
judeu? A Lei de Moiss pertence aos crentes? Cristo no aboliu a
Lei? Moiss e seu ministrio no esto agora j concludos? Essas
questes so freqentemente levantadas, o que faz com que valha
a pena perguntar se os Dez Mandamentos, como dados por Moiss,
pertencem ou no agora aos cristos.
Em primeiro lugar, necessrio investigar o sentido no qual
dito que a Lei, na sua forma Mosaica, obriga o crente. Algumas
vezes se entende que isso significa que a Lei obriga por causa de
Moiss; sendo assim, o que pertence administrao Mosaica,
pertence tambm aos cristos. Mas tal viso falsa e completa
mente contrria ao curso total da Escritura, uma vez que, ento,
no somente a Lei moral, mas tambm a cerimonial, obrigaria o

cristo. Outro modo de entender a relao com Moiss dizer que


puramente por causa de ele ter sido o escritor inspirado. Isso,
naturalmente, no pode ser negado por qualquer um que sustente
que o Antigo Testamento pertence aos cristos, por que, ento, os
livros de Moiss no deveriam pertencer a eles assim como os li
vros dos profetas? Mas h um modo adicional de se entender essa
relao do crente com a Lei de Moiss. Quando Deus deu os Dez
Mandamentos por meio de Moiss ao povo de Israel, embora eles
fossem o povo a quem, ento, falava, ele pretendia que a obrigao
de manter esses mandamentos recasse no somente sobre os
israelitas mas tambm sobre todas as pessoas que, no devido tem
po, fossem levadas a conhec-lo. A expresso adequada da ques
to, ento, no se Moiss foi um ministro aos cristos assim como
o foi para Israel (uma vez que isso claramente incorreto), mas se,
quando Deus entregou os Dez Mandamentos pelas mos de Moiss,
ele tinha em mente somente os israelitas ou se todos os outros seus
verdadeiros adoradores foram previstos como includos dentro da
sua autoridade. Esta ltima alternativa a verdadeira e, ao mesmo
tempo, define o sentido no qual a lei obriga o crente em sua forma
Mosaica.
Para que isso possa ser esclarecido, deve-se observar que a Lei
moral obriga em duas formas. Em primeiro lugar, ela obriga com
respeito sua substncia. Na extenso de que muito dessa substn
cia tambm encontrada na Lei da Natureza, ela aplica-se univer
salmente e, assim, obrigava os israelitas mesmo antes da sua pro
mulgao no Monte Sinai. Em segundo lugar, ela obriga com res
peito autoridade e ao comando que so exercidos nela, uma vez
que uma Lei promulgada por meio de uma proclamao e, ento,
uma obrigao adicional recai sobre ela. Assim, quando Moiss,
como o servo de Deus, entregou essa Lei a Israel, ele, desse modo,
trouxe uma obrigao adicional sobre eles. A principal questo a
ser respondida, no entanto, se essa obrigao era temporria ou
perptua.

O problema principal o da perpetuidade da Lei Mosaica e al


guma luz jogada sobre isso pela revogao da parte da lei Mosaica
que era puramente cerimonial. bvio que a obrigatoriedade des
sa Lei cerimonial no teria cessado a no ser que a prpria Lei
tivesse sido revogada; e, assim, usando o mesmo argumento, a Lei
moral dada por meio de Moiss deve ainda obrigar a no ser que se
mostre que ela foi revogada.
Alm disso, a Lei cerimonial cessou porque continha apenas as
sombras do real e quando Cristo veio, no houve mais necessidade
das sombras; similarmente, a Lei judicial cessou porque quando o
estado de Israel chegou ao fim, no havia mais razo para tais Leis.
Essas Leis se tornaram obsoletas por causa de sua prpria nature
za. No entanto, isso no pode ser dito sobre a Lei moral, uma vez
que a sua substncia perptua e no h lugar na Escritura que a
revogue.
A perpetuidade da Lei Mosaica pode ser demonstrada por meio
de vrios argumentos, o primeiro deles sendo uma resposta obje
o levantada em conexo com a abolio da Lei cerimonial. A
opinio apostlica era que, se as formas da adorao cerimonial
fossem necessrias para a justificao, isso iria, com efeito, excluir
Cristo completamente, ou uni-lo Lei cerimonial.1 verdade que
quando os apstolos demoliram esse erro, mostraram claramente
no somente que as obras da Lei cerimonial no tinham poder para
justificar, mas tambm que as obras da Lei moral eram igualmente
incapazes de fazer isso; mas, ao reconhecer esse fato, deve ser
lembrado que quando os apstolos colocaram a Lei moral em dis
cusso, eles assim o fizeram somente com respeito justificao,
no obrigao.
1 Ver Atos 15.5, 10, 19, 20, 24, 28,29.

O segundo argumento pela perpetuidade da lei Mosaica surge a


partir do fato de que a Escritura urge a obrigao da Lei moral
sobre os gentios convertidos e que essa obrigao tida como
tendo sido transmitida a eles por seus pais, considerando, assim, os
israelitas e gentios crentes como um povo. Quando Paulo escreve
aos Romanos, ele diz que, o cumprimento da lei o amor (Rm
13.10); e, nisso, resume os mandamentos dados por meio de Moiss.
Similarmente, quando escreve aos gentios de feso, ele exorta os
filhos a honrarem seus pais e mes porque esse o primeiro man
damento com promessa: um mandamento, de fato, inteiramente
Mosaico em sua fonte (Ef 6.2). Tambm evidente na epstola de
Tiago que isso se refere aos gentios convertidos assim como aos
judeus. As palavras, Se vs, contudo, observais a lei rgia segun
do a Escritura (Tg 2.8), so uma aluso, naturalmente, Lei de
Moiss, onde a segunda lista contm amor ao prximo; e nas pala
vras, Porquanto, aquele que disse: No adulterars tambm orde
nou: No matars (Tg 2.11), o argumento tirado, no da subs
tncia da lei, mas do seu autor, o Deus que falou por meio de
Moiss. A razo pela qual estes mandamentos se estendem aos
gentios crentes que os judeus e os gentios crentes so considera
dos como um povo (ver 1 Co 10.1-2).
O terceiro argumento tirado a partir da obrigao do cristo
de manter o stimo dia, um argumento que parece confirmar com
pletamente que a Lei moral dada por intermdio de Moiss tam
bm obriga os cristos. Se o sbado uma ordenana perptua e
baseada no quarto mandamento, no pode deixar de ser visto que
os mandamentos, como dados por intermdio de Moiss, tambm
obrigam os crentes. A distino algumas vezes antecipada a res
peito de leis que obrigam por causa da substncia e leis que obri
gam por causa do ministrio no ser considerada neste caso,
uma vez que o stimo dia no pode obrigar pelo significado dele,
nada havendo na natureza que obrigue o stimo dia ao invs do

quinto, mas somente o mero mandamento de Deus por esse dia. Se


a Lei de Moiss desconsiderada nesse aspecto, ento, natural
mente a inferncia a ser feita que os cristos mantm o sbado
baseados somente no Novo Testamento e de forma alguma no quar
to mandamento. Isso, no entanto, discrepante do consenso geral
do pensamento cristo, uma vez que todas as igrejas tm honrado
a lei moral, junto com seu Prefcio e a tm nos seus catecismos.
Consequentemente, no difcil ver que a distino que afirma que
a Lei moral obriga como a Lei da Natureza, mas no como a Lei de
Moiss, insustentvel, porque a Lei do sbado, como se encon
tra, no pode se originar da Lei da Natureza, mas tem sua moralidade
e perpetuidade a partir do mero mandamento positivo de Deus.
O quarto argumento tem a ver com a razo, isto , incongru
ente ter uma obrigao temporria sobre um dever perptuo.
totalmente improvvel que Deus, ao dar a Lei por intermdio de
Moiss, pretendesse que a Lei fosse somente temporria em sua
obrigao quando o assunto , em si mesmo, perptuo. No uma
suposio muito razovel a de que o verdadeiro efeito dos manda
mentos fosse, No ters outros deuses at depois do tempo de
Moiss, ou No matars ou cometers adultrio enquanto seu
ministrio durar e, ento, essa obrigao deve cessar e uma nova
obrigao vir sobre vocs. Por que deveria ser pensado que,
quando a substncia da Lei necessria e perptua, Deus iria alte
rar e mudar a natureza da obrigao? Na verdade, impossvel dar
uma razo provvel, mesmo que remota, para tal alterao.
O quinto argumento pela perpetuidade da autoridade da Lei
moral que se a Lei por meio da mo de Moiss no obriga o
crente, ento os ltimos livros do Antigo Testamento tambm no
pertencem a ele, porque so basicamente especialmente no en
sino moral nada alm de exposies da Lei moral. A rejeio
autoridade da Lei Mosaica iria carregar com ela a rejeio a todo o
Antigo Testamento.

No pode haver fuga das reivindicaes da Lei moral. Suas de


mandas pertencem prpria constituio do homem como homem
e so realadas pela misericrdia de Deus que tem reiterado Sua
santa Lei para a salvao de pecadores.

Captulo 9

A Espiritualidade da Lei e
Seu Uso como Meio de Converso
Ouvistes o que foi dito aos antigos...Eu, porm vos digo (Mt
5.21,22). Essas palavras referem-se aos ensinamentos de Moiss e
dos profetas nos tempos do Antigo Testamento, e os mandamen
tos citados por Cristo so os do Declogo, mas ele d um sentido
mais profundo a eles. Cristo no se ope Lei de Moiss, mas
apenas busca interpret-la acertadamente e remover dela as coisas
que a tem corrompido e obscurecido. O fato de que Cristo no d
novas leis mas apenas interpreta a antiga, claro em suas palavras,
No penseis que vim revogar a lei ou os profetas, no vim para
revogar, vim para cumprir (Mt 5.17). verdade, naturalmente,
que pode-se dizer que Cristo cumpriu a Lei de muitas formas, mas
no presente contexto parece que, como o contraste entre quebrar
a Lei e ensin-la, Cristo pretende que seus ouvintes entendam que
ele no veio ensinar uma nova exigncia qual no estavam obri
gados antes, mas que seu propsito era expor a Lei de tal forma
que eles deveriam entend-la corretamente e, assim, tomarem-se
mais conscientes do seus pecados.
A prpria perfeio da Lei tambm serve para deixar claro que
era impossvel para Cristo adicionar novas obrigaes que no es
tivessem ordenadas nela. Consequentemente, no se deve pensar
que o cristo esteja trilhando um caminho mais excelente de obri

gao do que o prescrito na Lei. No h dvida, naturalmente, de


que o Evangelho vai muito alm da Lei no seu remdio para o
pecado e tambm na sua manifestao da graa de Deus; mas quanto
ao assunto das obrigaes espirituais, no pode haver caminho mais
excelente de santidade do que a Lei, pois esta a prpria idia e
representao da natureza gloriosa de Deus.
Mais uma vez, o fato de que adies Lei no so possveis
surge a partir da realidade de que a sua primeira parte pode ser
sumariada nos requerimentos de que um homem deve amar a Deus
com todo o seu corao e alma e que no pode haver nada maior
do que isso. Alm disso, esse mandamento no apenas indica o
objetivo para o qual cada crente se move mas tambm determina
todos os meios que levam a ele.
Por ltimo, Cristo no diz, se a vossa justia no exceder em
muito a da Lei de Moiss, mas a dos escribas e fariseus, suge
rindo claramente que a sua inteno era expor seus caminhos for
mais e hipcritas e, ao mesmo tempo, mostrar que eles nunca havi
am entendido a substncia e excelncia da Lei.
A razo pela qual Cristo precisava expor a Lei desse modo,
toma-se evidente assim que a viso geral dos judeus sobre os man
damentos considerada. A opinio deles era que a Lei alcanava
apenas o homem exterior e proibia apenas atos exteriores e que,
embora o homem guardasse o erro em seu corao e tencionasse
cometer atos exteriores de maldade, conquanto eles no fossem
cometidos exteriormente, no haveria pecado nele. Isso pode ser
inferido a partir de Paulo que diz ter sido influenciado por esses
princpios enquanto no entendia que a concupiscncia interior era
pecado. A exposio de Cristo sobre a Lei fundamentada primei
ramente no pressuposto de que a Lei espiritual e, assim, no pro
be apenas o fruto do pecado mas at mesmo a prpria raiz e, em
segundo lugar, no fato de que onde quer que o pecado seja proibi

do, o bem contrrio ordenado. No h necessidade de hesitao


na pregao da Lei como Cristo a prega, porque esta a arma
eficiente de expor a formalidade e a auto-iluso existentes no cora
o humano.
A Lei de Deus uma regra to perfeita de vida que Cristo no
instituiu obrigao alguma que j no estivesse ordenada nela. As
sim como as exortaes dos profetas f e obedincia foram fun
damentalmente uma exposio da Lei, assim tambm os manda
mentos de Cristo e dos apstolos so uma exortao s coisas conti
das na Lei.1
verdade que, no Antigo Testamento, muitas coisas eram ex
pressas de uma forma mais material e que o povo, na maioria, as
entendia assim; porm, as obrigaes ento ordenadas eram to
espirituais quanto agora. H apenas uma diferena de grau na ma
nifestao das obrigaes e no uma diferena especfica das pr
prias obrigaes.
A excelncia e espiritualidade da Lei demonstrvel a partir de
um grande nmero de consideraes. Em primeiro lugar, no pode
haver dvida de que a Lei de Deus requeria a adorao e o servio
de corao. O Antigo Testamento rico em passagens que reque
rem a devoo do corao; todas elas so uma revelao do que
estava implcito na Lei, e sobre essa qualidade espiritual h tanta
insistncia que deixa claro que as obrigaes religiosas realizadas
sem o corao no eram consideradas por Deus. Infelizmente
verdade que o povo, na maioria da vezes, entendia tudo de uma
forma muito pobre, pensando que apenas a obrigao exterior era
ordenada. Davi, que pode ser tomado como representante das pes
1 Esta declarao, naturalmente, no se aplica aos sacramentos ou aos manda
mentos positivos da adorao exterior, que so diferentes do ordenado no An
tigo Testamento, mas s obrigaes morais requeridas do homem.

soas verdadeiramente piedosas do Antigo Pacto, estava severa


mente consciente da negligncia do seu corao quando orou, dispe-me o corao para s temer o teu nome (SI 86.11).
Em segundo lugar, a Lei de Deus colocou uma nfase maior na
santificao interior do que nas realizaes exteriores das obras
religiosas. Isso freqentemente exortado pelos profetas, por meio
dos quais Deus expressa a sua repugnncia quanto s solenidades
meramente exteriores do seu povo, porque eles no estavam lim
pos e puros em seus coraes (Is 1.10-20). Davi reconhece, na
confisso de seu grande pecado, que um corao quebrantado e
contrito tem maior valor do que ofertas queimadas (SI 51.16,17).
Este um alto conceito, mas o que importante a ser observado
agora que ele pertence Lei do Antigo Testamento.
Em terceiro lugar, a Lei de Deus exigia que todas as obrigaes
fossem feitas em f e amor. inconcebvel que os requerimentos
estabelecidos nas primeiras tbuas da Lei, nas quais o povo reco
nhecia Jeov como seu Deus, no inclussem a f nele como um
Deus que estava em pacto com eles. Como os israelitas podiam
amar a Deus ou orar a ele de forma aceitvel se no tivessem f
nele? Essa demanda por f s pode ser negada se a Lei for conside
rada de uma forma to estrita que no inclua nada alm de manda
mentos; mas tal viso da lei no usual. Quando a Lei vista no
contexto de seu prefcio e das promessas anexadas, ela necessari
amente requer f, uma vez que inconcebvel Deus ter ordenado
ao povo de Israel, por meio de Moiss, ador-lo e reconhec-lo
como seu Deus e que sua vontade tambm no fosse que eles cressem em seu amor e cuidado. Alm disso, j foi observado que o
amor ordenado pela Lei, uma vez que esta a maneira pela qual
Cristo a resume em ambas as suas partes. Consequentemente,
espantoso que possa se pensar que haja uma contradio entre fa
zer algo por amor e fazer a mesma coisa pela Lei, uma vez que da
prpria substncia da Lei que cada mandamento seja cumprido em

amor. verdade, naturalmente, que o propsito da Lei foi violado


por Israel e isso teve o cativeiro como conseqncia; mas a prpria
Lei era um apelo para o amor, e quanto mais um israelita fizesse
algo por amor a Deus, mais conformado estava com a Lei de Deus.
A Lei no apenas requeria amor a Deus, mas ordenava isso de uma
forma to preeminente que nem mesmo no Evangelho algum pode
oferecer uma expresso de amor mais elevada do que aquela que
foi ento ordenada. Quando Cristo diz, Quem ama seu pai ou sua
me mais do que a mim no digno de mim (Mt 10.37), ele no
ordena algo mais elevado a cada cristo do que cada israelita esta
va obrigado.2
Em quarto lugar, outra prova da perfeio da Lei de Deus pode
ser vista nos motivos espirituais requeridos para que o homem se
aproxime de Deus. Algumas vezes, os israelitas eram movidos em
suas obrigaes religiosas apenas por motivos materiais e tempo
rais e no por qualquer considerao espiritual. O fato de que isso
era um juzo completamente falso pode ser visto pelo protesto dos
profetas de que quando o povo jejuava, no era para ele [Deus]; e
de que quando se queixava, era apenas por causa de seus proble
mas e no porque Deus estava ofendido. Em contraste com essa
viso errnea do motivo puramente material na adorao do Anti
go Testamento, deve ser colocado o lamento espiritual de Davi
quando clama, Pequei contra ti, contra ti somente (SI 51.4), e a
confisso de Miquias, o profeta, quando escreve, Sofrerei a ira
do SENHOR, porque pequei contra ele (Mq 7.9). O que pode ser
mais espiritual do que isso?
Alm disso, a Lei de Deus requeria regozijo em Deus mais do
que em qualquer coisa criada. Esse requerimento era absoluto, e
essa demanda no mais elevada no Evangelho. A linguagem do
2 No a meno de Levi porque ao executar justia, ele no conhecia pai ou
me.

salmista to sublime quanto qualquer aspirao do Novo Testa


mento quando diz, Quem mais tenho eu no cu? No h outro em
quem eu me compraza na terra (SI 73.25). Ele no estimou mais a
Palavra de Deus do que ao ouro e ao mel (SI 19.10)? E quando
Davi foi banido do seu reino, no foi por um retomo a ele nem por
qualquer bem material que orou, mas unicamente para ver a Deus
em sua beleza (SI 27.4). Assim, embora a dispensao da Lei no
tenha sido to clara quanto a do Evangelho, aqueles que foram
abenoados por Deus sob ela, so pronunciados como tendo pro
movido desejos igualmente espirituais. A perfeio exigida pela
Lei de Deus significa que suas demandas no podem ser supera
das; porque no pode haver perfeio que exceda a perfeio. A
Lei requer perfeio de amor sem qualquer tipo de deficincia; e,
assim, impossvel que se conceba qualquer padro maior de san
tidade do que o contido na Lei.
A evidncia final da alta espiritualidade da Lei encontrada no
ensino da Escritura de que a Lei foi designada com o propsito da
graa. Deus usa a Lei como um instrumento para estimular desejos
santos e espirituais no crente. O Esprito de Deus graciosamente
inclina o corao e a vontade do crente quando as obrigaes da
Lei so foradas sobre ele e, por esse meio, Cristo est to longe
de ser excludo que ele ainda mais glorificado e honrado.3
3 Muitas vezes, a perfeio da Lei tem sido desafiada e a viso sustentada por
alguns que Cristo entregou preceitos melhores dos que os de Moiss; conse
qentemente, ele deve ser reconhecido mais como reformador do que como in
trprete. Naturalmente, compreensvel o modo como alguns podem ser guia
dos a essa opinio errnea, porque as interpretaes de Cristo so muito eleva
das e gloriosas; contudo incorreto dizer que ele apresentou mandamentos dife
rentes dos que os contidos na Lei de Moiss. O exemplo apresentado em favor da
viso de que Cristo introduziu novos mandamentos , entre outros, com relao
lei do juramento. um erro pensar que Cristo fez com que o juramento se
tomasse absolutamente ilcito, porque aqui, tambm, um caso claro de remo
o, por Cristo, da aparncia corrupta com que a Lei tinha sido revestida pelos
fariseus. O mesmo se aplica aos difceis problemas da pena capital, da guerra, do
litgio e da vingana.

A admisso das demandas elevadas e espirituais da Lei leva ao


reconhecimento do lugar da Lei como meio de converso. Isso,
algumas vezes, negado pelo argumento contrrio de que o nico
instrumento designado para esse fim o Evangelho. Obviamente,
no h necessidade de defender o Evangelho como um instrumen
to para a converso dos homens, uma vez que todos reconhecem
isso, mas na presena de opinies em contrrio, parece ser neces
srio manter a outra verdade, igualmente divina, de que a pregao
da Lei de Deus pode ser abenoada por ele para causar a conver
so dos homens. E importante estabelecer essa doutrina; porque se
o contrrio fosse verdadeiro, seria obrigao do pregador, em gran
de medida, colocar de lado a pregao da Lei moral, uma vez que
esta no seria instrumental ou subserviente ao fim principal do mi
nistrio que a converso de pecadores.
Nas consideraes sobre o valor instrumental da pregao da
Lei para a converso de pecadores, h trs coisas a serem coloca
das como premissas. A primeira que a Lei nunca poderia ser
instrumental para a regenerao dos homens se no fosse pela pro
messa do Evangelho. Se Deus no tivesse misericordiosamente
prometido dar um novo corao por meio de Cristo, no haveria
meio de se tomar efetivo qualquer um dos ensinamentos da Lei;
assim, por exemplo, enquanto um pregador, ao falar sobre os man
damentos, instrumental na mudana do corao dos ouvintes,
todo esse benefcio deve ser reconhecido como sendo advindo por
meio de Cristo, que morreu, ressuscitou e subiu ao cu a fim de
que o que foi pregado pudesse se tomar efetivo na salvao dos
homens. A verdade que no h na Igreja de Deus a mera pura
Lei ou mero puro Evangelho, mas eles tm sido subservientes,
um ao outro, na grande obra da converso. A questo, ento, no
se a graa transformadora opera junto com a pregao da Lei. O
interesse do argumento presente no definir a diferena entre a
Lei e o Evangelho uma diferena que admitida por todos

mas afirmar que Deus pode fazer com que a exposio da Lei mo
ral seja um instrumento para a converso do homem.
A segunda coisa a ser colocada como premissa que embora a
pregao da Lei possa ser abenoada para a converso do pecador,
a substncia da Lei nunca, em si mesma, base para a justificao.
Isso significa que quando um homem se arrepende, abandona seus
pecados e se volta para Deus, ele no pode esperar ser aceito por
qualquer coisa que faa, mas unicamente pela promessa do Evan
gelho.4 Por um lado, no deve haver confuso entre Lei e Evange
lho e, por outro, eles tambm no podem ser colocados como con
trrios em natureza e efeito de modo que onde esteja um, o outro
no possa estar.
A terceira premissa que a Lei de Deus, sendo parte da Palavra
de Deus, to instrumental para a converso quanto o o restante
dessa Palavra. Os mandamentos no so apenas informativos da
obrigao, mas meios prticos e operantes apontados por Deus
para agirem naquilo que foi comandado.
Quando o uso da Lei na converso de pecadores reconhecido,
ainda precisa ser indagado se o resultado realmente a obra do
Esprito no pecador por.intermdio da Lei. Em resposta a isso, e na
concretizao geral do que j foi dito, as seguintes observaes
devem ser feitas. Em primeiro lugar, a Palavra de Deus quando
lida ou pregada, se considerada sozinha em si mesma, trabalha ex
clusivamente de uma forma objetiva rumo converso do homem.
Tomada em si mesma, porquanto no animada pelo Esprito de
4 A diferena entre a Lei o e Evangelho, conseqentemente, no se encontra,
como algumas vezes se afirma, no fato de um ser instrumento de graa e o
outro no; mas nisto, que um pecador no justificado baseado em qualquer
santidade causada em si mesmo (pela pregao da Lei ou do Evangelho), mas
de uma forma inteiramente evanglica, isto , pelo perdo de Deus a tudo o
que for pecaminoso pela imputao da justia de Cristo.

Deus, o mximo que pode fazer se apresentar como um objeto de


entendimento. parte da aplicao da verdade pelo Esprito de
Deus, a Palavra no pode efetuar a regenerao do corao. Se o
Esprito de Deus for tirado da Palavra, ento toda a Escritura
letra mortal, at mesmo a parte que chamada de Evangelho. As
promessas do Evangelho podem ser pregadas mil vezes, mas nun
ca podem transmitir graa se o Esprito de Deus no estiver efeti
vamente l.
Segue-se, em segundo lugar, que quaisquer bnos que al
canarem a alma pela pregao da Lei ou do Evangelho, so cau
sadas eficientemente pelo Esprito de Deus. Por essa razo, pode
parecer que a Lei, algumas vezes, mais efetiva do que o Evan
gelho para o despertar e a converso de um pecador. No im
possvel supor uma pregao da Lei acompanhada pelo Esprito
de Deus de tal forma que mude o corao do homem: e, similar
mente, no impossvel supor uma pregao do Evangelho na
sua maior glria que, no sendo, contudo, acompanhada do Es
prito de Deus, no cause a menor medida de graa em qualquer
ouvinte. Consequentemente, totalmente superficial dizer que a
Lei mostra ao homem a sua obrigao e que o Evangelho d a ele
a graa para cumpri-la, visto que, quantos so os que ouvem as
promessas do Evangelho sem, todavia, receber benefcios delas?
No entanto, ao contrrio, se a Lei, que estabelece a obrigao do
homem, for acompanhada pelo poder do Esprito de Deus, pode
muito bem operar de forma instrumental no homem uma capaci
dade para cumpri-la. claro que a Escritura sem o Esprito de
Deus no pode converter um pecador, porque se pudesse, ento
os demnios e os homens com capacidades intelectuais, que en
tendem a letra da Escritura melhor do que outros, seriam mais
rapidamente convertidos; por isso, a Palavra de Deus, embora
seja tida como uma espada, chamada de a espada do Esprito
(Ef 6.17).

Tendo sido formuladas as premissas precedentes, os argumen


tos que provam que a pregao da Lei pode ser meio de converso
devem ser agora apresentados. Primeiramente, claro que tudo o
que for atribudo ao todo no deve ser negado parte. E proprie
dade de toda a Palavra de Deus ser instrumento de converso;
consequentemente, isso no deve ser negado com relao Lei.
Mas, alm disso, a Lei expressamente tida como sendo instru
mental na obra da converso. A lei chamada espiritual (Rm 7.14)
porque ela que trabalha espiritualmente no corao do homem; e
o salmista escreve, A lei do Senhor perfeita e restaura a alma
(SI 19.7). Pode-se pensar que quando o salmista recomendava a
Lei de Deus dessa maneira, ele queria dizer toda a Palavra de Deus
exceto a Lei moral quando, de fato, esta era a maior parte dela em
seu tempo?
Uma evidncia ainda maior para o uso da Lei na converso de
pecadores encontra-se no fato de que Cristo a usou para esse pro
psito. Sustentar que a pregao da Lei no um meio para a
converso deve implicar que Cristo no tomou o caminho mais
direto para converter seus ouvintes no Sermo do Monte, porque
se esse sermo for considerado, se descobrir que ele , principal
mente, uma exposio da lei moral e a imposio de suas obriga
es. Como se pode_pensar de forma contrria que o Senhor
julgou como sendo proveitosa eimportante para a salvao da alma?
Deve ser bvio tambm que a natureza objetiva da Lei a quali
fica como um instrumento para a converso. quando a pureza e
excelncia da substncia da Lei so proclamadas que o Esprito de
Deus, pelo uso dessa santa Lei, move o corao do homem para
am-la. Se o filsofo ao falar sobre a virtude, disse que se ela
pudesse ser vista com olhos humanos, a sua beleza iria arrebatar os
homens, muito mais isso se aplica pureza e santidade da Lei.
Finalmente, a Lei moral no pode ser inferior Lei cerimonial
em sua utilidade. Se a Lei cerimonial, com seus sacrifcios, foi aben

oada pelo Esprito de Deus durante o perodo de seu uso, apesar


do fato de suas instituies serem, agora, obsoletas, ento que a
Lei moral tambm possa ser abenoada por Deus para efeitos espi
rituais, sendo que ainda permanece em vigor.
Este captulo pode ser concludo com um apelo experincia
que, embora no seja uma base autoritria para um argumento,
carrega o testemunho da verdade de que Deus usa a sua Lei santa
para levar pecadores a carem em si e, assim, para ele mesmo.

Captulo 10
A questo bsica da controvrsia antinomiana histrica era se a
Lei Moral de Deus havia sido ou no revogada no Evangelho; e foi
a declarao de que havia sido revogada que deu ao Antinomianismo
o seu nome. Este assunto se apresenta novamente em conexo com
algumas das correntes e populares exposies da doutrina da
santificao.
A resposta questo sobre a revogao da Lei dada categori
camente por Paulo quando escreve, Anulamos, pois, a lei pela f?
No, de maneira alguma! Antes, confirmamos a lei (Rm 3.31).
Nos versculos precedentes, ele formula a natureza da justificao
de forma to exata que todas as causas - eficiente, meritria, for
mal, instrumental e final - so claramente descritas, assim como a
conseqncia disso tambm verdadeira, a saber, a excluso de
toda auto-confiana e vanglria no que o homem faz. Ele, ento,
chega concluso que declara positiva e negativamente (Rm 3.28).
A declarao positiva a da justificao pela f; a negativa que
ela independentemente das obras da lei. Depois que tudo isso
dito, o apstolo apresenta uma objeo a fim de refutar a acusao
de que ele estava destruindo a Lei. Ele pergunta, Anulamos, pois,
a lei?1 A nica resposta que o apstolo d a isso uma exclama1 A palavra usada pelo apstolo foi previamente usada por ele no v. 3 e signi
fica tornar vazio e sem efeito.

o de averso, Deus proba, sendo que por essa forte expresso


ele deixa claro o quo intolervel essa doutrina deve ser. Paulo no
apenas repudia a insinuao de que estava destruindo a Lei, mas
faz uma afirmao em seu lugar. Ele adiciona, Antes, confirma
mos a lei, usando uma metfora do fortalecimento de alguma es
trutura que estava prestes a cair.
Muitos intrpretes tm estado perplexos com o fato de Paulo
poder dizer que confirmava a Lei, especialmente considerando as
muitas passagens em suas epstolas que parecem revog-la. Uma
sugesto que Paulo no queria dizer nada mais que, agora, a Lei
confirmada no sentido de que a verdade qual testemunhava se
sucedeu (veja v. 21). No entanto, esta interpretao claramente
insuficiente. Outra sugesto, baseada na viso de que essas pala
vras referem-se Lei cerimonial, encontra seu significado no fato
de que as cerimnias e tipos foram cumpridos em Cristo. Essa,
novamente, no totalmente adequada, porque quando o apstolo
fala sobre a Lei nessa passagem, ele certamente inclui a Lei moral.
A Lei confirmada pelo Evangelho de trs formas. Em primei
ro lugar, com relao s suas penalidades: esse aspecto foi confir
mado em Cristo, que satisfez a justia de Deus. Em segundo lugar,
com relao aos seus requerimentos de perfeita obedincia: isso
tambm foi cumprido em Cristo.2 Em terceiro lugar, e o que pare
ce ser o propsito principal de Paulo nessa passagem, a Lei con
firmada pelo Evangelho porque o crente obtm graa, em alguma
medida, para cumprir a Lei. O crente, assim, ainda mantm a Lei
em sua parte preceptiva, e pela f em Cristo auxiliado a uma vida
2 Esta uma questo digna de ser pesquisada se a justia pela qual um
crente justificado , de alguma forma, a justia da Lei. Dentro do entendi
mento correto dos termos usados, no pode haver hesitao ao se afirmar isso
positivamente. A doutrina da imputao da obedincia ativa de Cristo ao cren
te , sem dvida alguma, um estabelecimento da Lei desta maneira.

de obedincia a ela. A verdade que emerge de um entendimento


correto das palavras de Paulo nessa passagem , ento, que a dou
trina da graa, quando vista em seu grau mais elevado e completo,
no destri a Lei, mas, antes, a confirma.
No entanto, h uma questo adicional a ser discutida, a saber, se
Cristo, tendo confirmado a Lei na forma j observada, a revogou
no que diz respeito sua autoridade sobre o crente. Pode parecer
que a Escritura contm algumas contradies com relao a esse
assunto. Por exemplo, na passagem em exame, Paulo nega que seu
ensino anulava a lei; porm, em outra passagem, ele expressa
mente usa a palavra que aqui negada e fala da lei como o que se
desvanecia (2 Co 3.11).
No h revogao da Lei no Evangelho. Deve-se fazer uma dis
tino cuidadosa entre revogao de uma lei e seu abrandamento.
O abrandamento supe que uma lei ainda se encontra em vigor,
mas a revogao significa que a lei foi totalmente removida. Tal
revogao surge, algumas vezes, da constituio original da lei,
que limita e prescreve o tempo pela qual deve continuar; e, algu
mas vezes, por meio de uma revogao explcita da mesma pela
autoridade que a fez. Pode ser facilmente provado que houve uma
revogao das leis cerimoniais e judiciais; mas no h revogao
da Lei moral. Naturalmente, verdade que h alguma mitigao da
aplicao severa da Lei com relao pessoa do crente; mas isso
no uma revogao da Lei, visto que Cristo vindicou a Lei em
favor dos pecadores e suportou a sua maldio como o fiador des
ses pecadores. A transformao causada pela graa de Deus no
uma mudana na Lei, mas uma transformao nos pecadores com
respeito Lei.
No entanto, deve-se prestar uma ateno maior ao conceito da
Lei como um pacto. O Pacto da Lei est encerrado agora, mas a
regra da Lei eterna. Entre os expositores, h alguma diferena de

julgamento sobre a natureza do Pacto da Lei. Alguns entendem a


Lei como um Pacto de Obras e sustentam isso baseados no fato de
que seu aspecto de pacto est concludo; outros o chamam de pac
to subserviente ao Pacto da Graa, e o consideram como se tivesse
sido introduzido apenas para acentuar a glria da graa de Deus;
h um terceiro grupo que considera o Pacto da Lei uma mistura de
Pacto de Obras e Graa, mas isso dificilmente pode ser tido como
possvel, muito menos como verdade. A viso que parece mais
provvel como sendo a correta a que entende que desde a Queda,
Deus nunca entrou em pacto com o homem em outra base que no
a da graa e que, por essa razo, a Lei dada por meio de Moiss
foi, ela mesma, parte do Pacto da Graa. O Pacto da Lei, mesmo
como uma expresso do Pacto da Graa, foi encerrado porque,
embora a essncia do primeiro pacto e a do que o substituiu fosse
a mesma, a administrao do primeiro completamente obsoleta.3
Assim, perfeitamente claro que quem quer que procure vida e
justificao na Lei, abusa da Lei e a transforma num Pacto de Obras
feito pelo homem.
Uma das tentativas de excluir a Lei de Deus da vida do crente
baseada na declarao ilgica de que a Lei, como tal, anulada
mas sua substncia permanece obrigatria. Mas, como uma obri
gao pode estar presente sem a presena tambm daquilo que
essencialmente lei? A Lei implica obrigao e vice-versa. Visto
que a continuidade da substncia da Lei carrega a obrigao, en
to, quando um crente no caminha de acordo com sua obrigao,
ele peca. No concordar com a obrigao o mesmo que no con
cordar com a Lei. Novamente, dizer que a substncia da Lei obri
ga, porm no como lei, uma contradio em termos; porque o
que a lei se no algo estabelecido por comando e vontade de um
superior? Se isso for forado a uma aplicao particular, pode-se
3 Isso aparece em Hb 7.18, 19 e 8.7,8-

perguntar se o amor por Deus, que a substncia da Lei, tambm


no a vontade de Deus. Pode parecer ilgico declarar que o amor
a Deus deveria obrigar os crentes meramente porque a essncia,
em si mesma, boa, mas que no deveria, de forma alguma, obriglos porque Deus deseja que eles o amem. Alm disso, as vises que
condenam a Lei de Deus devem, necessariamente, negar no ape
nas a natureza obrigatria da Lei, mas at mesmo a vontade de
Deus em requerer que os crentes o amem, visto que a lei nada
alm da vontade daquele que a faz.
A premissa que insiste na revogao da Lei para o crente, rapi
damente leva a uma concluso impossvel, visto que se a Lei foi
revogada para os crentes sob o Novo Pacto, ela deve ser conside
rada igualmente revogada aos crentes sob o Antigo. No h meia
posio nesse argumento, porque ou se nega que houve crentes
sob o Antigo Pacto ou, em havendo, eles estavam livres da Lei
tanto quanto os crentes agora so. Se a Lei for considerada em
toda a administrao do Antigo Pacto, ento, naturalmente, os cren
tes sob o Evangelho esto livres dela de uma forma que os crentes
de tempos anteriores no estavam: mas se a Lei for entendida com
relao s suas partes essenciais em dirigir e comandar, ento essas
coisas esto ainda igualmente em vigor ou, diferentemente, igual
mente revogadas a todos os crentes, quer estejam sob o Antigo
Pacto ou sob o Novo. Os argumentos contra a sujeio dos crentes
Lei sob o Novo Pacto so to fortes como os que so contra a
sujeio daqueles que estavam sob o Antigo.
A partir de alguns pontos de vista, possvel fazer o que pode
ser chamado de concesses idia da revogao da Lei, mas no
se pode insistir muito em que no sentido prprio da palavra, no h
qualquer tipo de revogao. A concesso pode ser feita num as
pecto puramente verbal porque muitos telogos reformados fala
ram da revogao da Lei, embora no com o significado errneo
ligado palavra que est sendo agora refutada. Num modo livre de

falar, pode-se admitir tambm que h uma revogao da Lei aos


crentes com relao justificao mas, estritamente, a Lei nunca
foi designada por Deus para ser um instrumento de justificao e,
assim, no propriamente relevante falar at mesmo da mitigao
da Lei. Na verdade, em todos os aspectos da salvao, se a Lei for
confirmada como o apstolo diz, ento no pode haver discurso
sobre a sua revogao . Uma palavra bem melhor,
consequentemente, mitigao.
A mitigao da Lei pode ser reconhecida quando se considera o
caminho do crente com Deus. O crente, por exemplo, liberto da
opresso da obedincia rgida, embora no deva haver equvoco
aqui, uma vez que a libertao de Cristo no significa que o crente
no esteja mais sob a obrigao de render uma obedincia perfeita.
Deve ser asseverado que pecado o crente no obedecer Lei de
Deus at a sua extrema perfeio e que cada crente peca com rela
o a isso; todavia, a misericrdia de Deus em Cristo tal que a
obedincia do crente Lei, mesmo sendo incompleta e imperfeita,
aceita por Deus pelos mritos de Cristo. Essa uma mitigao
que surge unicamente do fato da graa em Cristo, porque a Lei,
estritamente considerada, ainda condenaria o pecador.
Essa mitigao tambm pode ser vista com relao ao modo
pelo qual a Lei no mais provoca o pecado no crente como o faz
com o mpio. Na epstola aos Romanos, o apstolo lamentou-se
do fato de que a Lei de Deus tinha o efeito amargo de faz-lo pior
(Rm 7.8). Quanto mais espiritual e sobrenatural era a Lei, mais seu
corao carnal e corrupto se ressentia dela: assim, quanto mais a
Lei represava a torrente de concupiscncia pecaminosa, mais alto
ela se erguia. Mas essa experincia dolorosa no deve ser atribuda
Lei, mas corrupo de Paulo. No o brilho da luz que ofusca
a vista ou cega os olhos, porque a luz foi especialmente criada por
Deus para eles, mas a debilidade e fraqueza dos olhos que no so
capazes de suportar tal brilho. A experincia da Lei no corao do

crente pode ser ilustrada a partir da natureza. Assim como os espi


nhos cortados brotam novamente de forma mais abundante, assim
acontece com a corrupo cortada pela Lei, porque ela permanece
fixa e enraizada no corao do pecador. No piedoso, no entanto,
porque h uma nova natureza e um princpio de amor e prazer na
Lei de Deus criado dentro dele, sua corrupo no aumenta e ger
mina por meio da Lei, mas subjugada e dominada. O poder
provocativo da Lei assim mitigado pelo efeito da graa dentro do
corao.4
Embora a Lei seja mitigada ou afrouxada com relao aos cren
tes nas formas agora observadas, deve-se afirmar, todavia, que a
Lei continua perpetuamente como uma regra de vida para eles. Em
apoio a esse argumento, deve ser observado, primeiramente, que
as diferentes frases que a Escritura usa a respeito da Lei cerimonial
e de sua revogao5 no so em parte alguma aplicadas Lei mo
ral. Nunca se disse que a Lei moral foi modificada ou se tomou
obsoleta ou foi revogada, expresses essas que denotam uma mu
dana na Lei; mas quando a Escritura fala da Lei moral, dito que
o crente est morto para ela e que redimido da sua maldio,
expresses que implicam uma mudana no crente, no na Lei.
Uma segunda considerao que a santidade requerida do crente
nada menos do que a conformidade com a Lei. perfeitamente
claro que quando o apstolo falou contra a Lei, no estava falando
dela como a regra que obriga o crente sua obedincia. Por exem
plo, no escrito aos Glatas, ele claramente adverte aqueles que
desejam ser justificados de sua condio desesperada pela Lei (G1
4 Na experincia do totalmente no-regenerado, deve ser notado que no
apenas o mandamento da Lei que incita o mal em seu corao, mas tambm as
promessas do Evangelho. A diferena do efeito depende, conseqentemente,
da diferena nas pessoas.
5 Ver Ef 2.14, 15; Hb 7.12, 18 e 8.13.

5.4), mas imediatamente prossegue para persuadi-los a no usa


rem a liberdade que Cristo d como uma ocasio para a carne, e d
a sua razo, Porque toda a lei se cumpre em um s preceito, a
saber: Amars o teu prximo como a ti mesmo (G15.14). O aps
tolo est se contradizendo no mesmo captulo? Ele os est persua
dindo a obedecerem a Lei e, ao mesmo tempo, reprovando-os por
desejarem estar sob ela? Certamente que no; as circunstncias
eram diferentes. Quando eles desejaram buscar justificao pela
Lei, ento ele os advertiu; mas quando eles foram negligentes quanto
sua obrigao de obedecer a Lei, ele os repreendeu.
Alm disso, a desobedincia Lei ainda pecado para o crente.
Se h pecado, tambm deve haver Lei, porque o pecado a trans
gresso da lei (1 Joo 3.4). Quando Davi cometeu adultrio, ou
quando Pedro negou a Cristo, no era pecado neles? Se sim, a
razo do adultrio de Davi ser pecado no o fato de ser contra
um mandamento particular? evasivo dizer que pecado somente
contra o amor de Cristo porque, ento, no haveria pecados mas
pecados de indelicadeza ou ingratido. O amor de Cristo pode, de
fato, ser a razo suprema para se obedecer aos mandamentos de
Deus, mas isso no impede que o prprio mandamento obrigue o
crente como a expresso da vontade daquele que deu a Lei.
Finalmente, bvio que h muitas razes pelas quais a Lei ceri
monial tinha de ser revogada, razes que no se aplicam, de manei
ra alguma, Lei moral. Em primeiro lugar, o objeto da lei cerimo
nial no era algo perptuo, nem era, em si mesmo, verdadeira san
tidade. Circuncidar e oferecer sacrifcios no eram, em si mesmos,
atos bons e santos, assim como deixar de pratic-los no pecado;
enquanto a substncia da Lei moral perpetuamente boa e a falha
em efetu-la , necessariamente, pecado. Pode-se pensar que para
Deus era o mesmo, um homem ser adltero ou casto, circuncidado
ou no? Novamente, a Lei cerimonial era tpica e prenunciava o
Cristo que haveria de vir; mas agora que ele veio, no h utilidade

para essas cerimnias. Por ltimo, os judeus e os gentios deveriam


ser unidos num corpo, com nenhuma diferena entre eles; e para
que isso fosse efetuado, era necessrio que a parede de diviso das
cerimnias fosse derrubada; mas essa circunstncia no afeta a per
manncia da Lei moral.
necessrio que se preste ateno Escritura com relao s
passagens que parecem indicar que a Lei moral deveria resistir so
mente por um tempo limitado da mesma forma que a Lei cerimoni
al. A primeira dessas passagens para considerao a declarao,
A lei e os profetas at Joo,6 palavras que algumas vezes so
entendidas como se significassem que a Lei deveria continuar so
mente at o tempo de Joo. Essa passagem, naturalmente, no for
nece provas de forma alguma de que a Lei deveria ser revogada
quando Joo Batista surgisse; para que ningum entendesse de for
ma errnea suas palavras, o Senhor imediatamente adiciona, E
mais fcil passar o cu e a terra do que cair um til sequer da lei (Lc
16.17). O significado, portanto, que a Lei deveria cessar no que
prefigurava a Cristo, isto , no seu aspecto cerimonial e tpico. Por
essa razo, a Lei e os profetas so colocados juntos, concordando
num aspecto geral, a saber, profetizar Cristo e tipific-lo.
A prxima passagem escriturstica a ser considerada a famosa
sentena to usada nesta controvrsia, pois no estais debaixo da
lei e sim da graa (Rm 6.14). Na exposio dessas palavras, devese perguntar em que sentido Paulo est contestando a Lei e qual
o sujeito prprio em discusso. Essa inquirio traz de volta a ques
to levantada por alguns fariseus crentes em Jerusalm que fora
ram a necessidade da circunciso a ponto de colocaram Moiss e
Cristo em p de igualdade (At 15). Parece que, a despeito da deci
so do conselho que condenou a opinio, houve muitos que persis
tiram na exigncia da circunciso, e isso, por sua vez, necessitou
6 Lc 16.16 e ver tambm Mt 11.13.

ser refutado pelo apstolo como uma falsa viso do Evangelho.


Como foi observado em um captulo anterior nesta discusso, em
bora a manuteno da Lei cerimonial fosse a causa da controvrsia
em primeiro lugar, Paulo agora estende seus argumentos para in
cluir a Lei moral, por causa da suposio difundida entre os judeus
de que a observao da Lei moral sem Cristo era suficiente para a
salvao. No entanto, claro que o apstolo est questionando a
Lei no em sua prpria natureza e glria, mas somente quanto ao
abuso judaico dela. O argumento se transfere da Lei cerimonial
para a Lei moral por causa do falso raciocnio do judeu. Se os
judeus podiam se persuadir de que o desempenho exterior da Lei
cerimonial era suficiente para torn-los aceitveis a Deus, muito
embora vivessem em desobedincia total Lei moral, muito mais
poderiam se iludir sobre a sua aceitao diante de Deus quando
viviam uma vida exteriormente conformada Lei moral! nesse
contexto que o apstolo parece falar coisas derrogatrias da Lei,
porque os judeus a consideravam sem Cristo; da mesma forma como
ele chama as cerimnias de elementos desprezveis quando, natu
ralmente, sabia que elas eram sinais de uma graa evanglica.
extremamente importante observar que o apstolo usa a pala
vra lei em diferentes sentidos, uma vez que a falha em discernir
essas diferenas tem sido a causa de muito mal-entendido. Na mai
oria das passagens onde a Lei parece ser abolida, considerada em
um dos dois sentidos. Algumas vezes, usada em forma de
sindoque, na qual o todo colocado por uma parte, isto , a pala
vra lei usada somente para a parte que condena. Um exemplo
disso a passagem onde o apstolo diz, Contra estas cousas no
h lei (G1 5.23), e fala como se nada houvesse na lei alm de
condenao. Em outras ocasies, a palavra lei usada para o
ministrio de Moiss, como uma dispensao que era muito inferi
or ao m inistrio do Evangelho (ver G1 4.25; 5.1-4).
Consequentemente, antes que qualquer concluso possa ser tirada

sobre a viso de Paulo quanto abolio da Lei, a primeira tarefa


definir o sentido no qual o termo foi usado.
Outra tarefa importante com relao a isso determinar os dife
rentes significados de frases como, sem a lei, na lei, da lei, e
sob a lei. Sem a lei deve ser entendido de duas formas: primei
ro, um homem est sem a lei no sentido de no ter o conheci
mento da mesma; assim, os gentios esto sem a lei (Rm 2.12); e
segundo, um homem est sem a lei quando no tem a experin
cia do poder acusador e apavorante da Lei (Rm 7.9). Oposto
frase sem a lei est a expresso na lei (Rm 2.12) e, nessa pas
sagem, significa aqueles que tm o conhecimento da Lei mas pe
cam contra ela. A frase da lei serve muito ao mesmo propsito
(Rm 4.14), o que, algumas vezes, eqivale a da circunciso (Cl
4.11; Tt 1.10), a saber, aqueles que foram iniciados no ministrio
de Moiss. O apstolo tambm usa outra frase, mediante a lei
(G12.21), significando mediante as obras realizadas em conformi
dade com a Lei; e nesse sentido que o apstolo argumenta que a
justia no se d mediante a lei. No entanto, toda a dificuldade
da presente controvrsia recai sobre a frase, sob a lei, e a ela
que ser dada uma ateno especial.
Naturalmente possvel para o crente colocar-se sob a lei de
uma forma voluntria. Cristo se colocou sob a Lei dessa forma e
Paulo tambm. O apstolo se refere a isso quando diz que tomouse para alguns como se eu mesmo assim vivesse (1 Co 9.20),
embora nesse caso ele estivesse preparado para colocar-se sob a
Lei cerimonial. Paulo tambm se descreve como na lei de Cristo
porque embora um homem piedoso no esteja propriamente sob a
Lei, no entanto est na lei e ele adiciona as palavras de Cristo,
para que ningum pudesse pensar que ele falava de toda a Lei,
incluindo a parte cerimonial que foi abolida por Cristo. Nesse sen
tido bem explicado, ento, um homem piedoso pode estar sob a
Lei.

A que ponto as frases no sob a lei e no sob a maldio


podem ser equiparadas? H um sentido no qual elas parecem ter o
mesmo significado, como na questo, Havemos de pecar porque
no estamos debaixo da lei e sim da graa? (Rm 6.15). No entan
to, como Paulo aqui est falando de santificao, tanto nesse cap
tulo quanto no seguinte, parece prefervel que a frase sob a lei
tenha o mesmo significado de sob o pecado, uma vez que o aps
tolo, falando de si mesmo como carnal, diz que a Lei despertou
nele toda sorte de concupiscncia (Rm 7.8). Isso, naturalmente, a
obra da Lei em cada homem no regenerado; assim, quanto mais a
Lei aplicada nele, mais se manifesta a sua corrupo. O argumen
to do apstolo, ento, este: No deixe o pecado reinar em voc,
porque agora voc no est sob a Lei que incita o pecado e o
provoca em voc, mas sob a santificao e a graa que cura.
A terceira passagem que parece ensinar que a Lei moral deveria
sobreviver apenas por um perodo limitado de tempo a que Paulo
diz, Assim, meus irmos, tambm vs morrestes relativamente
lei (Rm 7.4). O apstolo explica o que estar sob a Lei por meio
de uma analogia de uma mulher casada que est ligada ao seu ma
rido enquanto este viver, mas que, ao morrer o marido, fica
desobrigada do compromisso. Na exposio dessa analogia, h al
gumas diferenas entre os comentaristas mas a seguinte parece ter
o significado. O marido anterior que a alma tinha no era a Lei
moral, mas o pecado - o qual, por meio da Lei, provoca as
corrupes dentro da alma. Quando o crente regenerado, a alma,
ento, est casada com outro, isto , Cristo. importante tambm
observar que ao elaborar a aplicao dessa analogia, o apstolo
no diz que a Lei est morta, mas que os crentes se tornaram
mortos, uma vez que, naturalmente, a Lei nunca esteve to viva
como no piedoso que constantemente a obedece e vive de acordo
com ela. Adiante nessa passagem, Paulo torce o pensamento e diz
estamos mortos para aquilo a que estvamos sujeitos (Rm 7.6).

Aquilo a que ele se refere como tendo morrido interpretado por


muitos comentaristas como sendo o pecado. Tendo sido morto o
pecado - por Cristo - o poder de condenar e escravizar da Lei
chega ao fim e o crente se toma casado com outro.
Logo, nada h na Escritura que d base para a suposio de que
os crentes no tm obrigao para com a Lei de Deus e nem rela
o com ela. Toda a representao da vida crist nas epstolas pro
vam o contrrio e clamam pela obedincia amorosa dos crentes
santa Lei.

Captulo 11

A Lei como um Pacto


No se pode alcanar uma concepo clara do lugar da Lei no
plano de salvao sem o entendimento do significado da Lei na sua
forma pactuai. A Lei foi dada dessa forma quando apresentada ao
povo no Monte Sinai: ela carrega o nome de pacto e possui tam
bm as propriedades reais de um pacto.
O nome pacto foi fado Lei Mosaica em vrias passagens da
Escritura. Moiss lidou com aqueles que cometeram iniqidade
como transgredir o seu pacto_[ou sua aliana] (Dt 17.2), pala
vras que segundo o contexto se aplicam aos Dez Mandamentos. O
cativeiro assrio de Samaria dito como tendo acontecido por
quanto no obedeceram voz do SENHOR, seu Deus; antes viola
ram a sua aliana e tudo quanto Moiss, servo do SENHOR, tinha
ordenado (2 Re 18.12). A natureza do pacto da Lei colocada de
forma ainda mais expressa por Salomo na dedicao do Templo,
quando diz, E nela constitu um lugar para a arca, em que esto as
tbuas da aliana que o SENHOR fez com nossos pais.1 Natural
mente, se os termos devem ser usados de forma exata e estrita, os
livros de Moiss e dos profetas no podem ser chamados de Anti
go Pacto como o pode a Lei que foi dada no Monte Sinai.
1 2 Cr 6.11, e ver Jr 11.2-4.

A Lei tem as propriedades reais de um pacto, a saber, um acor


do mtuo e uma estipulao de ambos os lados. Essas so total
mente mostradas no relato bblico da concesso da Lei no Monte
Sinai (x 24.3-5). Nesse registro, so vistos os seguintes elemen
tos que pertencem a um pacto. Em primeiro lugar, h o prprio
Deus expressando seu consentimento e vontade de ser seu Deus,
se eles guardassem os mandamentos que lhes estavam sendo entre
gues; em segundo lugar, h o consentimento total do povo e seu
desejo pronto em obedecer aos mandamentos; em terceiro lugar,
porque os pactos costumavam ser escritos por memorial, Moiss
visto escrevendo os termos num livro; e, em quarto lugar, porque
os pactos costumavam ser confirmados por meio de sinais visveis,
especialmente pela matana de animais e oferta dos mesmos como
sacrifcio, logo isso foi feito, e metade do sangue foi espargido
sobre o povo para mostrar a sua pactuao voluntria. Esse pacto
foi renovado nas plancies de Moabe, em cujo relato expressa
mente dito que a nao se levantou para entrar em pacto com Deus
a fim de que ele pudesse estabelec-los como um povo para si
mesmo e que pudesse ser Deus para eles.2 De tudo isso, claro
que a Lei foi dada como um pacto.
As dificuldades para o intrprete no se encerram quando pro
vado que a Lei um pacto, uma vez que a maior dificuldade de
todas determinar que tipo de pacto ela . J foi observado que
algumas vezes se entende que ela seja um Pacto de Obras, em ou
tras um pacto combinado e em outras um pacto subserviente; mas
quando todas essas vises so examinadas, verifica-se que o me
lhor consider-la como um Pacto de Graa. Mas, em que sentido
a Lei um Pacto de Graa?
Uma explicao que ela era verdadeiramente um Pacto de
Graa, mas que os judeus, pelo seu entendimento corrupto, a trans
2 Dt 29.10-13, e ver tambm Dt 26.17.18.

A Lei Como um Pacto

101

formaram em um Pacto de Obras e, assim, a fizeram contrria a


Cristo. Segundo essa viso, dito, conseqentemente, que quando
Paulo questiona a Lei, como oposta graa, ele assim o faz, no
com relao ao que a Lei verdadeiramente , mas apenas ao modo
como era falsamente considerada pelos judeus, que suscitaram uma
contradio onde no havia nenhuma. Outra explicao entende
que a Lei seja um Pacto de Graa, mas muito obscuramente, e que
o Evangelho e a Lei possuem a mesma essncia, diferindo apenas
como o fruto do carvalho difere da sua rvore. Ainda outro argu
mento que a Lei pode ser considerada tanto num sentido amplo,
compreendendo toda a doutrina e promessas entregues no Monte
Sinai, ou de forma mais limitada como uma regra abstrata de justi
a que oferece vida sob a condio da obedincia perfeita. Consi
derada no primeiro sentido, a Lei era um Pacto de Graa; mas no
ltimo, quando separada da administrao Mosaica da mesma, no
era de graa, mas de obras.
O fato de a Lei, considerada no contexto total da sua adminis
trao Mosaica, ser um Pacto de Graa, pode ser provado por
meio de muitos argumentos slidos.
Primeiramente, a Graa vista na relao dos grupos pactuais.
Quem est pactuando Deus de um lado e os israelitas de outro.
Deus lidou com os israelitas, naquele tempo, como seu Deus e Pai
e, por essa razo, ele se considera como um deles. Paulo fala sobre
os israelitas. Pertence-lhes a adoo e tambm a glria, as alian
as, a legislao, o culto e as promessas (Rm 9.4). A no ser que
esse pacto aludido fosse um Pacto de Graa, no poderia de forma
alguma incluir termos como esses.
Em segundo lugar, as bnos do pacto so facilmente reconhe
cidas como bnos de graa, uma vez que entre elas est o perdo
de pecados, ao passo que no Pacto de Obras no h lugar para
arrependimento ou perdo. No segundo mandamento, Deus des

crito como aquele que mostra misericrdia a milhares; mas a lei,


estritamente considerada, no aceita aqueles que se humilham em
contrio, antes amaldioa a cada um que no persiste em todas as
coisas comandadas. Deus se proclama nesse pacto como gracioso
e paciente, que mantm a misericrdia para com milhares e perdoa
a iniqidade (x 34.6,7); e assim ele faz por ocasio da renovao
das duas tbuas da Lei; ao passo que se o povo de Israel tivesse
sido estritamente mantido dentro da Lei, em seu requerimento de
perfeita obedincia e sem concesso para qualquer falha, eles teri
am perecido sem qualquer esperana.
Novamente, que a Lei era um pacto de graa, no de obras,
pode ser visto a partir da ratificao exterior do pacto. O selo vis
vel que ratificou o pacto foi o sacrifcio e o espargir do sangue
sobre o povo. Essa cerimnia apontava para Cristo, porque a re
conciliao final com o pecador no poderia ser feita pela media
o de qualquer homem mortal. A mediao de Moiss tambm
deve ser entendida tipicamente, assim como os sacrifcios. Se esse
pacto foi um Pacto de Obras, no entanto, no haveria necessidade
de um mediador, fosse ele tpico ou real. Se Cristo, nesse caso, o
Mediador da Lei como um pacto, a distino antinomiana que faz
com que a Lei Sinatica seja algo na mo de Moiss em oposio
a algo na mo de Cristo no pode ser sustentada, uma vez que
claro que no Monte Sinai, a Lei no estava em outra mo a no ser
a mo de Cristo.
Finalmente, a graa do Pacto Mosaico deve ser vista na sua
identidade com o Abramico. Quando Deus deu essa lei aos
israelitas, ele a usou como um argumento do seu amor e graa para
com eles, e assim lembrou o que havia prometido a Abrao. Por
intermdio de Moiss, disse a eles, Ser, pois, que, se, ouvindo
estes juzos, os guardares e cumprires, o SENHOR, teu Deus, te
guardar a aliana e a misericrdia prometida sob juramento a teus
pais (Dt 7.12). Mas se a Lei fosse um Pacto de Obras, ento Deus

A Lei Como um Pacto

103

teria revogado e quebrado o seu pacto e promessa de graa que


havia feito com Abrao e sua semente. Consequentemente, quan
do Paulo ope Lei e promessa, fazendo com que a herana venha
pela promessa e no pela Lei (G13.18), deve-se entender que ele
estava falando da Lei no sentido estrito da palavra; porque claro
que na administrao desse Pacto de Lei, Moiss considerou a pro
messa e as fez idnticas.
No completamente inesperado que surjam objees a tudo
isso. Elas so feitas a partir tanto das passagens da Escritura onde
a Lei e a f esto to diretamente opostas, quanto das passagens
onde dito que a Lei um ministrio de morte e para executar a ira
(Rm 4.14; 10.3-8; G13.18). Mas, em resposta a essas objees, as
seguintes idias devem ser consideradas. A primeira que se essas
passagens fossem interpretadas rigidamente dessa forma, ento elas
tambm implicariam que no houve graa, ou f, ou qualquer coi
sa de Cristo entregue ao povo de Israel; ao passo que est registra
do que eles tiveram a adoo, mesmo que num estado de escravi
do. Em segundo lugar, deve ser lembrado que assim como dito
que a Lei produz morte, tambm dito que o Evangelho o sabor
da morte. De fato, diz-se que os homens no teriam tido pecado se
Cristo no tivesse vindo e que aqueles que desprezaram a Cristo
devem receber um julgamento mais severo do que aqueles que des
prezaram a Lei de Moiss. O ministrio da morte - para manter a
frase do apstolo - se dava, ento, pela corrupo do homem: no
pertencia essencialmente Lei. Novamente, no devemos esque
cer que Paulo diz essas palavras aparentemente derrogatrias tam
bm sobre a Lei cerimonial, porm todos reconhecem que a Lei
cerimonial foi uma expresso da graa. Por ltimo, deve ser obser
vado que muito do que essas passagens contm verdadeiro ape
nas num sentido relativo, isto , de acordo com a interpretao dos
judeus que acolheram a Lei sem Cristo, transformando-a em letra
mortal. As palavras derrogatrias do apstolo devem, por essa ra

zo, ser entendidas apenas com relao Lei erroneamente sepa


rada de Cristo e colocada em oposio sua graa.
Muito do pensamento sobre a relao entre Lei e Evangelho
ser transformado se for entendido corretamente que a Lei, como
um pacto, foi uma parte integral do Pacto inviolvel de Graa que
Deus fez com seu povo por intermdio de Abrao.

Captulo 12
Embora a Lei dada por Deus aos israelitas fosse um Pacto de
Graa, h, todavia, um sentido no qual a Lei e o Evangelho podem
ser considerados opostos um ao outro. Isso claramente represen
tado no dilogo que Paulo teve consigo mesmo quando escreveu:
Onde, pois, a jactncia? Foi de todo excluda. Por que lei? Das
obras? No; pelo contrrio, pela lei da f (Rm 3.27). Contudo, an
tes que a oposio precisa entre a Lei e o Evangelho possa ser mos
trada, h dois princpios fundamentais j observados de passagem
que devem ser colocados como base para essa discusso.
Em primeiro lugar, as bases da comparao devem ser equiva
lentes. A Lei e o Evangelho podem ser comparados um ao outro
de duas maneiras. De um lado, eles podem ser comparados unica
mente com relao graa que Deus ministrou sob o Antigo Pacto
e sob o Novo e, ento, eles diferem apenas em grau, uma vez que
aqueles que estavam sob a Lei, gozaram verdadeiramente da graa
e do Esprito de Deus. Por outro lado, a Lei pode ser considerada
como se consistisse apenas de mandamentos e ser, ento, compa
rada ao Evangelho em toda a sua abundncia de misericrdia e
graa. Este segundo mtodo, naturalmente, uma comparao
desigual; porque se a doutrina ou a letra do Evangelho fosse con
siderada sem a graa de Deus, poderia se dizer que essa letra mata
ria tanto quanto a letra da Lei.

Em segundo lugar, nessa pesquisa importante manter de for


ma clara em mente os diferentes usos da palavra lei, porque se a
Lei for considerada puramente em seu aspecto de comando e ao
mesmo tempo for entendida como um Pacto de Graa, haver uma
confuso entre obras e f. No entanto, se a lei for considerada
num sentido mais amplo e extenso, ento essas oposies no sur
giro. Tambm deve ser observado que assim como a palavra lei
pode ser considerada dessas duas maneiras, tambm o pode a pala
vra evangelho. O Evangelho pode ser considerado amplamente,
como quando significa toda a doutrina que os apstolos deveriam
pregar;1 ou ainda pode ser considerado de forma mais estrita, como
na mensagem do anjo, No temais; eis aqui vos trago boa-nova de
grande alegria (Lc 2.10). O contraste entre a Lei e o Evangelho
pode assim ser mostrado primeiramente em conexo com o senti
do mais amplo das palavras e, depois, no mais limitado.
Quando a Lei e o Evangelho so expostos no sentido mais am
plo das palavras, verifica-se que algumas comparaes so falsas e
outras verdadeiras. Por exemplo, falso dizer que aqueles que vi
viam sob a Lei nada tinham alm de bnos temporais e terrenas.2
Isso baseado na suposio de que as bnos espirituais foram
prometidas apenas no Antigo Testamento mas nunca gozadas por
ningum at o Novo Testamento. Consequentemente, argumen
tado que o Evangelho comeou com Cristo e negado que a pro
messa de Cristo possa ser chamada de Evangelho. Isso falso por
que embora essa promessa seja algumas vezes chamada de pro
messa feita aos pais (At 7.17; 13.32), ao mesmo tempo tambm
chamada de Evangelho (Rm 1.2; 10.14,15). H tambm passagens
claras da Escritura que refutam essa opinio, tais como as menes
de Paulo a Abrao e Davi como exemplos de justificao e remis
1Por exemplo, em Mc 16.15.
2 Como acima, p. 11.

so de pecados (Rm 4.1-12), e onde ele considera os israelitas como


tendo gozado da mesma realidade espiritual e bno nos seus sa
cramentos que o cristo (1 Co 10).
As verdadeiras diferenas entre a Lei e o Evangelho, considera
dos no sentido mais amplo, so quatro. A primeira dessas que a
diferena entre a Lei e o Evangelho acidental, no essencial ou
substancial. Isso significa que a diviso do Pacto em Antigo e Novo
no como a diviso dos gneros em suas espcies opostas, antes
uma diviso de assunto, de acordo com suas muitas administra
es acidentais. Os telogos luteranos se opem aos calvinistas
nisso e sustentam que o Pacto dado por meio de Moiss era um
Pacto de Obras e, assim, diretamente contrrio ao Pacto da Graa.
Eles reconhecem, na verdade, que os pais foram justificados por
Cristo e tiveram o mesmo modo de salvao que os crentes cris
tos, mas fazem com que o Pacto de Moiss seja um Pacto de
Obras adicionado promessa, que apresenta uma condio de jus
tia perfeita aos israelitas para que eles pudessem ser convencidos
de sua insensatez na sua hipocrisia. Mas, como j foi demonstrado,
o Pacto Mosaico foi um Pacto de Graa e o entendimento correto
das palavras lei e evangelho resolve facilmente o problema no
qual os luteranos tropearam. No pode haver dvida de que os
israelitas espiritualmente inclinados no fiavam-se nos sacrifcios
ou nos sacramentos mas, por meio da f, realmente experimenta
ram Cristo neles, assim como o cristo.
A segunda diferena entre a Lei e o Evangelho est nos graus
de clareza na revelao das realidades espirituais. A luz no Antigo
Pacto comparada da noite e nolSTovo, luz do sol em um
glorioso amanhecer (2 Pe 1.19). H uma diferena na plenitude em
que essas coisas celestiais foram apresentadas nos pactos respecti
vos, mas nenhuma diferena nas mesmas. Essa diferena de grau
entre a Lei e o Evangelho aparece tambm na medida da graa. E
com referncia a essa diferena que a Escritura fala como se aque

les sob o Antigo Testamento no tivessem tido nenhuma, mera


mente porque no houve um derramamento abundante do Esprito
de Deus sobre eles. Houve, naturalmente, pessoas excepcionais
como Abrao e Davi, que experimentaram graus excelentes de gra
a, mas isso no estava de acordo com a dispensao usual da
graa de Deus naquele tempo. A diferena em grau de revelao
espiritual e graa entre o Antigo Pacto e o Novo comparvel
maneira em que - pegando emprestado e adaptando uma analogia
de Paulo - uma estrela difere da outra em glria, ambas so glo
riosas, mas uma mais formidvel do que a outra.
Uma terceira diferena que a condio dos crentes sob a Lei
tem a aparncia de ser mais servil: sua condio semelhante dos
filhos da escrava (G14.30). A Lei tinha um aspecto mais proemi
nente no primeiro pacto, da Agostinho fazer com que o temor e o
amor sejam a diferena entre eles. Na Lei, Deus encontra o homem
pecador com ira, mas no Evangelho, ele encontra o homem como
o pai no retomo do filho prdigo. Essa diferena de condio
referida na passagem do Novo Testamento onde feito o contraste
entre o Monte Sinai e o Monte Sio (Hb 12.18-29). No entanto,
fcil cometer erros aqui, porque os israelitas devem ser considera
dos de duas formas: em um aspecto de sua relao com Deus, eles
ocupam a posio de servos numa casa, e no outro, eles so vistos
como filhos menores. Por essa razo, isso significa que eles no
foram totalmente excludos do Esprito de adoo, uma vez que
Paulo enftico em dizer que as promessas e a adoo verdadeira
mente pertenciam a eles.
Uma quarta diferena entre a Lei e o Evangelho est na sua
permanncia. A forma Mosaica do Pacto da Graa deveria perma
necer apenas at que Cristo, a plenitude, viesse: ento, assim como
o andaime arriado quando a casa est construda, assim todas
aquelas ordenanas exteriores foram abolidas quando o prprio
Cristo veio. A tocha suprflua quando o sol brilha; um disciplinador

no necessrio para aqueles que alcanaram a perfeita maturida


de; o leite no apropriado para aqueles que vivem de carne sli
da. A palha preserva o milho mas quando este colhido, a palha
jogada fora; quando o fruto surge, a flor murcha.
Consequentemente, nesse aspecto que a Lei tomou-se antiquada
e deveria ser substituda por um pacto melhor. As bnos da Lei
Mosaica so chamadas de sombra (Hb 10.1) e, embora uma som
bra mostre a presena de um homem, no vive ou come ou fala. Da
mesma forma, embora os sacrifcios fossem uma sombra de Cristo,
eles no podiam exibir os benefcios reais que viriam com eEle.
Falta agora considerar as diferenas entre a Lei no sentido mais
limitado, o que requer a obedincia exata e promete a vida eterna
em nenhum outro termo, e o Evangelho, similarmente considera
do, como a proclamao simples de Cristo e de sua misericrdia
salvadora ao pecador penitente.
A primeira diferena que a Lei, em alguma medida, se toma
conhecida pela luz natural e est, por essa razo, em conformidade
com a conscincia natural. Em alguma medida deve ser dito por
que h muito da obrigao da Lei que agora desconhecido cons
cincia natural; todavia, as obrigaes exteriores so certamente
conhecidas e, dessa maneira, assim como as suas verdades so
discernidas pela luz natural, assim a vontade do homem concorda
com elas como algo que o certo. No entanto, como Evangelho
diferente porque a prpria verdade deste deve ser totalmente reve
lada por Deus e nenhum discernimento natural no mundo pode
jamais perceber ou cogitar a reparao maravilhosa da justificao
e da salvao por intermdio de Cristo. Alm disso, assim como o
Evangelho est, desse modo, acima do conhecimento, tanto mais o
corao oposto a ele. Por isso, possvel ver a razo pela qual
to difcil para um pecador crer e, mesmo quando oprimido pela
culpa, acha to difcil ser persuadido a colocar o seu fardo sobre
Cristo. A razo que no h nada na conscincia natural do ho

mem que o ajude nessa tarefa. Persuadir um homem contra o as


sassinato, o roubo e o adultrio algo a que a conscincia natural
d o seu suporte, mas persuadi-lo a crer est completamente acima
da natureza. por essa razo tambm que, por natureza, os ho
mens buscam ser justificados pelas obras que praticam e a justifica
o pela f repugnante a eles.
A segunda diferena est em seu objeto. A Lei demanda uma
justia perfeita e no admite nada menos do que isso, mas o Evan
gelho alcana o pecador em sua necessidade e concede perdo por
meio de Cristo. Esta, naturalmente, a principal diferena e uma
diferena na qual eles nunca podem ser unificados. Algumas tenta
tivas foram feitas para obscurecer essa grande e importante dife
rena, ofuscando a glria do Evangelho pela reintroduo da dou
trina da justificao pelas obras de outra forma, mas Paulo estabe
lece a contradio direta de que se pela f, ento no pelas
obras. Ele no faz distino entre obras da natureza e obras da
graa ou entre obras da graa perfeitas e imperfeitas, mas fala em
carter absoluto e, desse modo, tambm exclui a viso um tanto
sutil que faz com que a f justifique como se fosse uma obra.
A terceira diferena surge da maneira como as bnos so ob
tidas. A vida eterna por meio da Lei seria obtida por via de dbito
e justia (Rm 4.4). No se deve supor, naturalmente, que Ado, no
seu estado de inocncia, pudesse ter merecido totalmente isso por
meio das mos de Deus, ou que Deus estritamente tenha-se torna
do devedor do homem, visto que Ado era dependente de Deus
para tudo, mas em algum sentido, seria verdadeiro que a vida eter
na se desse via justia e a jactncia no teria sido excluda. Mas no
Evangelho, tudo pertence graa por meio de Cristo, de forma
que o corao contrito e quebrantado nunca pode prezar suficien
temente a graa e a bondade de Deus nele.
A quarta diferena diz respeito ao sujeito. A Lei, estritamente
considerada, apenas para aqueles que tm uma natureza perfeita

e justa: consequentemente, um Pacto de Amizade, sem qualquer


necessidade de um mediador. H, de fato, um bom uso no qual ela
pode ser inserida induzindo-a sobre os homens hipcritas, para
conduzi-los por amor a si mesmos; para os pecadores endurecidos
a fim de que seus coraes sejam quebrantados e, alm disso, para
os piedosos tambm, para ensin-los o modelo justo de acordo
com o qual devem viver; mas com relao justificao por ela,
ningum pode tirar vantagem a no ser aqueles que so perfeita
mente santos. No Evangelho diferente porque, aqui, a mensagem
dada ao pecador de corao contrito.
Por ltimo, a Lei difere do Evangelho na forma. A Lei condi
cional; mas o Evangelho absoluto. Algumas vezes se levanta a
questo sobre se o Evangelho absoluto ou no e se tem obriga
es ou ameaas. O significado dessa questo no quanto ao
Evangelho ser to absoluto que no exija f como condio ou to
absoluto que exclua todo o arrependimento e santidade, mas se o
Evangelho promete a vida eterna ao homem em reconhecimento a
qualquer valor ou disposio no pecador ou apenas pela f que
compreende Cristo. A resposta que se o Evangelho for conside
rado amplamente, isto , para todo o ensino de Cristo e dos aps
tolos, no pode ser negado que eles insistiram na obrigao da
mortificao e santificao, at mesmo adicionando uma advertn
cia queles que negligenciassem essa obrigao; mas se o Evange
lho for considerado no seu sentido simples de proclamao da sal
vao, ento ele assegura o perdo dos pecados por meio do san
gue de Cristo conscincia culpada, sem requerer qualquer outra
obrigao como condio.
Todos esses contrastes e comparaes entre a Lei e o Evange
lho, quando expostos corretamente, so amplamente admitidos
dentro da obra mltipla do Pacto da Graa ao qual ambos, Lei e
Evangelho, pertencem.

Captulo 13

Cristo como o Fim da Lei


A autoridade para o ttulo deste captulo encontrada nas pala
vras de Paulo que diz, Porque o fim da lei Cristo, para justia de
todo aquele que cr (Rm 10.4). Mas qual o significado da pala
vra fim? Na Escritura, ela tem um significado duplo. Algumas
vezes significa a idia de concluso ou trmino,1 e em outras
usada para idia de perfeio e cumprimento.2 Neste ltimo senti
do, a palavra pode tambm incluir a idia de fim da inteno ou da
extenso em que o doador da Lei tinha em mente quando deu a
Lei.
O primeiro desses significados tem sido aplicado s palavras de
Paulo para a Lei cerimonial, da qual Cristo verdadeiramente o
trmino e a abolio (embora ele tambm fosse um fim de perfei
o a ela). Tal aplicao verdadeira em si mesma, mas no
estritamente relevante para o argumento do apstolo, que est fa
lando aqui do tipo de Lei que pensava-se produzir justia, isto , a
Lei moral. Portanto, deve-se entender que o apstolo se refere
Lei moral e, correspondentemente, deve-se entender o segundo
significado da palavra fim quando diz Cristo o fim da lei.
1 Como em Mc 13.7: mas ainda no o fim.
2 Ver 1 Tm 1.5 eT m 13.10.

Conforme a Lei for entendida em seu sentido mais amplo ou


mais limitado, assim Cristo pode ser dito como sendo o fim da Lei
moral de duas formas. Visto de forma mais estrita, a Lei requer
obedincia perfeita e condena aqueles que no a cumprem. Nesse
sentido restrito, Cristo no pode ser a inteno da Lei porque
meramente um acidente da Lei que um pecador esmagado e con
denado por ela busque um Salvador.3
O outro modo pelo qual a Lei pode ser vista o mais amplo, o
qual a v no seu contexto de Pacto da Graa. Nesse aspecto, podese dizer que Cristo era a inteno direta e no por acidente, isto ,
quando Deus deu a Lei ao povo de Israel, Ele pretendia que a
descoberta da sua incapacidade em mant-la os fizessem desejar e
buscar a Cristo.
Toms de Aquino tem uma boa distino sobre um fim. Ele diz
que um fim duplo: alguma coisa para a qual algo naturalmente
inclina-se ou aquilo pelo qual algo designado e ordenado por
aquele que o criou. Ora, o fim da Lei pelo qual naturalmente tende
sua vida eterna que seja obtida pela justia perfeita no homem,
mas o fim institudo e designado, o qual Deus, o doador da Lei,
estabeleceu na promulgao da mesma, foi o de provocar os
israelitas a buscarem a Cristo. Eles no deveriam descansar naque
les mandamentos ou obrigaes, mas prosseguir at Cristo e quan
do o tivessem encontrado, no deveriam mais buscar, mas perma
necer l.
Quando a Lei considerada em seu sentido mais amplo, fcil
ver que Cristo o cumprimento do seu fim designado. Mas agora
resta perguntar que fim designado esse.
3 No deve ser esquecido que a Lei no exclui um Salvador, mesmo quando
considerada de forma estrita. Ela certamente requer justia perfeita, porm se
um pecador traz a justia de um fiador, embora isgto no seja ordenado na Lei,
no todavia contra a Lei ou excludo por ela; do contrrio, seria injustia
Deus aceitar Cristo como fiador pelos pecadores.

Primeiramente, a inteno divina na Lei conduzir os pecado


res a Cristo. Uma das fraquezas dos israelitas foi o fato de eles
serem incapazes de olhar fixamente para o fim daquele ministrio
de Moiss, sendo que esse fim, naturalmente, era Cristo (2 Co 3.716). Assim, Cristo foi o objeto glorioso na administrao da Lei,
mas o vu sobre o corao dos israelitas impediu que eles vissem.
Outro exemplo que prova que Cristo foi o fim de inteno no dar a
Lei encontrado nas palavras, Mas, antes que viesse a f, estvamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa f que, de futu
ro, haveria de revelar-se. De maneira que a lei nos serviu de aio
para nos conduzir a Cristo, a fim de que fssemos justificados por
f (G13.23,24). Nessas palavras, no considerada simplesmente
a Lei moral, mas todo o Pacto Mosaico comparado direo e
disciplina do educador. A Lei no apenas restringiu o pecado do
homem, mas tambm revelou Cristo; ela no meramente ameaava
e amaldioava, mas mostrava que o socorro seria encontrado ape
nas em Cristo.
Em segundo lugar, a inteno divina na Lei aceitar aqueles
que a cumprem. Por causa da queda, impossvel que um homem
alcance esse fim, mas Cristo executou essa inteno da Lei na jus
tificao e vida eterna daqueles que confiam nele. Se o fim das leis
humanas produzir homens bons e honestos, muito mais este o
fim da Lei moral designada pelo prprio Deus; mas longe de pro
duzir um homem bom, a Lei produz todo tipo de mal nele, um
efeito da Lei que Paulo reconhece ter acontecido com ele mesmo.
Assim como o bem recebido por um corpo doente nada faz a no
ser aumentar a doena, assim tambm acontece com a Lei, que
designada para produzir bondade e vida e toma-se a causa do pe
cado e da morte. Para que a Lei possa ter seu fim verdadeiro, en
to, Cristo assume a natureza humana sobre si para que a justia da
Lei possa ser cumprida naqueles a quem ele redime.

Em terceiro lugar, a inteno divina na Lei justificar o pecador


por meio dos mritos de Cristo. Isso acontece quando a obedincia
de Cristo Lei computada ao crente e, assim, nele, como um
fiador, a Lei cumprida. Esta verdade contradita por muitos,
mas apoiada pelo paralelo que Paulo traa entre o primeiro Ado
e sua semente de um lado e Cristo, o segundo Ado, e sua semente
do outro. Neste paralelismo, o apstolo prova que os crentes so
feitos justos pela imputao da justia de Cristo (Rm 5.12-21). O
mesmo argumento novamente usado por Paulo quando ele ensi
na que assim como Cristo foi feito pecado por imputao, assim
os crentes receberam a justia de Deus nele (2 Co 5.19-20). Simi
larmente, quando ele diz que Deus enviou seu Filho para que a
justia da Lei pudesse ser cumprida naqueles que no caminham
segundo a carne mas segundo o Esprito (Rm 8.3,4), ele est de
monstrando a mesma verdade. A objeo algumas vezes levanta
da que se a justia de Cristo fosse feita justia do homem a fim de
que pudesse se dizer que este cumpriu a Lei, ento ele ainda seria
justificado por um Pacto de Obras e no h o novo Pacto da Graa.
A resposta a isso que, por causa do cumprimento de Cristo da
Lei como fiador para o pecador, o homem verdadeiramente obtm
a vida eterna de acordo com a regra faa isto e viva, uma vez que
a imputao da justia no faz com que deixe de ser justia real,
muito embora no seja a prpria justia inerente do homem. No
entanto, no existe nenhuma razo para inferir disso que a vida
eterna seja legalmente conferida com base num Pacto de Obras
porque essa justia vem sobre o pecador no por obras mas pelo
fato de crer.
Em uma de suas discusses sobre Moiss com os judeus, Cristo
disse, ele escreveu sobre mim, e no h verdadeira apreciao da
obra de Moiss se Cristo no for, assim, visto como sendo o fim
de todo o seu ministrio.

Captulo 14
Eplogo

Pouco precisa ser dito na concluso, salvo enfatizar a importn


cia bvia e sagrada que Deus, na Escritura, designa observao
da sua santa Lei. Isso deve ser acolhido no corao do crente e
tambm do pregador. O crente deve cada vez mais se deleitar nela
no tocante ao homem interior (Rm 7.22), demonstrando a ver
dade do dito do Senhor Se algum me ama, guardar a minha
palavra (Jo 14.23). O pregador, semelhantemente, deve buscar
ajuda do Esprito Santo para pregar o Evangelho de tal forma que
mostre que ele honra a Lei, e para expor a Lei de forma que guie
homens ao Evangelho. Quando uma dessas manifestaes glorio
sas do caminho de Deus negligenciada, isso no produz louvor a
Deus.
Que uma das ltimas palavras esteja com um dos ltimos puri
tanos da Esccia. Como meio de ajudar a memria de seus ouvin
tes, os pregadores dos sculos XII e XIII ocasionalmente produzi
am uma versificao dos seus sermes. Essas versificaes dificil
mente poderiam ser chamadas de poesia mas seu ritmo e rima au
xiliavam grandemente na reteno das verdades contidas nelas.
Ralph Erskine produziu uma rima desse tipo na qual indicou as
vises puritanas do papel da Lei na vida do crente. Aqui est uma
parte de um soneto de 386 versos que ele intitulou Os Princpios
do Crente a respeito da Lei e do Evangelho. A Seo III chama
da A Harmonia entre a Lei e o Evangelho.

A lei um tutor muito em voga,


Para o evangelho-graa um pedagogo,
O Evangelho para a lei no menos
Do que seu fim pleno para a justia.
Quando outrora a lei ardente de Deus
Afugentou-me para a estrada do evangelho;
Ento de volta santa lei
Um evangelho-graa mais amvel ir atrair.
Quando pela lei graa sou disciplinado;
A graa pela Lei ir me governar;
Por isso, se eu no obedeo lei,
No posso manter o caminho do evangelho.
Quando creio nas novas do evangelho,
Obedeo, ento, lei:
E ambos em suas vestimentas federais,
E como uma regra de santidade..
O que no evangelho-tesouro cunhado,
O mesmo na lei prescrito:
Tudo o que as informaes do evangelho ensinam,
A autoridade da lei alcana.
Aqui unem-se as mos da lei e do evangelho,
O que este me ensina aquele comanda:
As virtudes com que o evangelho se agrada
As mesmas a lei autoriza.
E assim a lei-mandamento sela
Tudo o que o evangelho-graa revela:
O evangelho tambm para o meu bem
Sela com sangue tudo o que a lei demanda.

A lei mais perfeita ainda permanece,


E cada obrigao plena contm:
O Evangelho sua perfeio fala,
E ento fornece tudo o que ela busca.
A lei-ameaa e preceitos, vejo,
Com o evangelho-promessas concorda;
Para o evangelho so uma cerca,
E este para eles uma subsistncia.
A Lei justificar todo aquele
Que com o evangelho-resgate concorda;
0 Evangelho tambm aprova para sempre
Todo aquele que obedece lei.
Um mestre rgido foi a lei,
Demandando o tijolo, negando a palha;
Mas quando com a lngua do evangelho canta,
Ordena-me voar e d-me asas.
[The laws a tutor much in vogue,
To gospel-grace a pedagogue;
The Gospel to the law no less
Than its full end for righteousness.
When once the fiery law ofGod
Has chasd me to the gospel-road;
Then back unto the holy law
Most kindly gospel-grace will draw.
When by the law to grace Vm schoold;
Grace by the Law will have me ruid;
Hence, ifl dont the law obey,
1 cannot keep the gospel-way.

When I the gospel-news believe,


Obedience to the law I give:
And that both in itsfedral dress,
And as a rule ofholiness.
What in the gospel-mint is coind,
The same is in the law injoind:
Whatever gospel-tidings teach,
The laws authorty doth reach.
Here join the law and gospel hands,
What this me teaches that commands:
What virtuous forms the gospel please
The same the law doth authorize.
And thus the law-commandment seals
Whatever gospel-grace reveals:
The gospel also for my good
Seals ali the law-demands with blood.
The law most perfect still remains,
And ev'ry dutyfull contains:
The Gospel its perfection speaks,
And therefore gives whate er it seeks.
Law-threats and precepts both, I see,
With gospel-promises agree;
They to the gospel are afence,
And it to them a maintenance.
The Law will justify ali those
Who with the gospel-ransom close;
The Gospel too approves for ay
Ali those that do the law obey.

A rigid master was the law,


Demanding brick, denying straw;
But when with gospel-tongue it sings,
It bids mefly, and gives me wings.]
Nesse paradoxo repousa a sabedoria perfeita de Deus, e a ora
o apropriada do crente verdadeiro pode muito bem ser a do
salmista, D-me entendimento, e guardarei a tua lei; de todo o
corao a cumprirei (SI 119.34).

Apndice A

Sobre Anthony Burgess


Anthony Burgess, o autor da obra sobre a Lei de Deus cuja
essncia foi adotada neste volume, honrado com um lugar no
Dictionary of National Biography e tambm includo no relato de
Palmer e Calamy sobre a vida e as obras impressas de dois mil
ministros depostos da Igreja da Inglaterra em 1662. As datas de
seu nascimento e sua morte no parecem ser conhecidas, mas o
perodo de suas atividades literrias se estendeu de 1646 at mais
ou menos 1659. Filho de um professor de Watford, Hertfordshire,
entrou no St. Johns College, Cambridge, em 1623 e se graduou
como Master of Arts. Subseqentemente, tomou-se um membro
do Emmanual College. Por vrios anos foi Vigrio do Sutton
Coldfield, Warwickshire, mas depois da restaurao da monarquia,
ao ser dispensado do Sutton Coldfield foi morar em Tamworth.
Era um membro respeitado da Westminster Assembly. Das suas
obras escritas, Vindiciae Legisf, ou A Vmdication of the Moral
Law and the Covenants, foi sua primeira, produzida em 1646 e
seguida por The True Doctrine of Justification (1648), A Treatise
o f Grace and Assurance (1652), A Treatise o f Sinne (1654),
Sermons on the Seventeenth ofJohn (1656), The Scripture Directory
and the Doctrine of Original Sin (1659).
Assim como muitos dos outros escritos puritanos, Vindiciae
Legis consiste de material pregado pelo autor no curso do seu mi

nistrio regular de plpito. Foi a primeira publicada de uma srie


de 29 prelees, mas no ano seguinte surgiu a segunda edio, que
continha trinta prelees. A obra foi dedicada pelo autor Aos ver
dadeiramente piedosos e Lady dignamente honrada, Lady Ruth
Scudamore... Na dedicao, datada de 21 de setembro de 1646,
ele escreve,
Honrada Senhora,
Tenho observado que vossa senhoria cuidadosa em duas
coisas: em melhorar a tarefa ordenada na Lei, e em receber
a promessa ofertada no Evangelho; a primeira tem sido um
estmulo santidade, a ltima, um freio incredulidade...
Deus deixou sua mente fixa e imvel na verdade, tendo
sido capacitada para magnificar a Graa na forma mais
elevada, pelo sentido real de sua necessidade e indignida
de, porm para evitar o Antinomianismo: e, por outro lado,
para ser pontual e exata nas obrigaes de mortificao e
santidade, porm acautelando-se quanto ao Papado
Farisaico. E, de fato, esse o sentido correto, quando so
mos to diligentes em desenvolver a nossa salvao com
temor e tremor, como se no houvesse graa para justificar;
porm descansando e crendo na graa de Cristo, como se
nenhum bem tivesse sido feito por ns...
Ambas as edies contm a seguinte recomendao no prefcio:
Ns, o Presidente e Membros do Sion College London,
seriamente desejamos que Mestre Anthony Burgess publi
que as suas elaboradas e judiciosas Prelees sobre a Lei e
os Pactos contra os erros Antinomianos atuais, as quais, em
ateno s nossas splicas, ele tem pregado, (e por isso lhe
agradecemos de corao) afim de que tanto o Reino quanto
esta Cidade possam ter o benefcio de seus conhecidos tra
balhos.

Presidente Authur Jackson, em nome e por designao


dos outros. Datado em Sion College, 11 de junho de 1646,
em um encontro geral dos Ministros de Londres nesse lo
cal.
O cabealho da segunda edio da obra l como se segue:
VINDICIAE LEGIS: ou, Uma Vindicao da Lei Moral e
dos Pactos, Dos Erros dos Papistas, Arminianos, Socinianos
e, mais especialmente, Antinomianos. XXX PRELEES,
pregadas em Laurence-Jury, Londres. Segunda edio
corrigida e aumentada. Por Anthony Burgess, Pregador da
Palavra de Deus. LONDRES, Impresso por James Young,
para Thomas Underhill, no Signe ofthe Bible em Woodstreet,
1647.
Anthony Burgess se revela como um homem estudioso, culto e
lido; de fato, o Bispo de Lichfield o equiparava a um professor
universitrio no que dizia respeito cultura. Sua obra contm mui
tas citaes em grego e em latim; ele se mostra familiarizado com
os escritos de Aristteles, Sneca, Agostinho, Toms de Aquino,
Lutero e Calvino. No expe meramente uma habilidade literria*
uma vez que ele tem a linguagem devocional simples do pregador
experimental com o dom de idias penetrantes. Aqui esto uma ou
duas sentenas que se destacam por esse estilo. Aquele que dis
tingue bem, ensina bem; No todo homem que fala sobre gra
a, ento, que apresenta a graa da Escritura; Quo incmodo
ser quando morreres, submeteres tua alma graa qual tu contestaste; Tome a Lei por um aguilho, o Evangelho por um afe
to: por um seja instrudo, por outro amparado...A Lei tem um en
canto tanto quanto o Evangelho; Quo necessria a obrigao
de que um Ministro de Jesus Cristo seja diligente na pregao e
explicao da Lei de Deus...A pregao da Lei to necessria,
que vs nunca podeis ser cristos de corao, celestiais e espiritu

ais a no ser que essas coisas sejam diariamente expostas a vossos


olhos...Oh saiba, h um grande grau de pecaminosidade desconhe
cida em teu corao, porque a Lei desconhecida para ti.
O livro consiste de 281 pginas cuidadosamente impressas. H
uma Tabela de Contedos que se estende por seis eras e um ndice
Textual de uma pgina inteira. Como era o estilo da poca, o texto
dividido em pargrafos numerados com ttulos em itlico para
mostrar o modelo do argumento medida que ele se desenvolve.
Os puritanos usavam a sua lgica de uma forma vigorosa e cati
vante, e Anthony Burgess no exceo a isso uma vez que no
permite que uma proposio resista sem sujeit-la anlise dili
gente. Uma apreciao compreensiva dos seus mtodos conscien
ciosos de anlise lgica, no entanto, ir auxiliar grandemente na
compreenso da riqueza e da fora sistemtica de seu argumento.
H uma preciso profundamente ordenada no raciocnio de Anthony
Burgess, e a multido de definies meticulosas, que algumas ve
zes parecem desordenadas, contribuem para uma coerncia pro
funda e unidade de seu argumento cuidadosamente tecido.
O propsito do livro declarado pelo autor em seu discurso
Para o Leitor. No que interessa, ele diz, essencialmente
melhorado para manter a dignidade e o uso da Lei Moral contra os
erros recentes sobre ela... Sua preocupao imediata no era tan
to quanto justificao como com a santificao e o lugar que a
Lei moral devia ter como uma regra de vida para os crentes.
verdade que o crente justificado est encerrado com Moiss?
Essa questo, ele diz, colocada de forma- simples demais, porque
nenhuma resposta til pode ser dada at que se tome claro em que
sentido deve ser entendida. Se estiver interessada na justificao e
na base da aceitao do pecador diante de Deus, ento, natural
mente, o crente justificado est certamente encerrado com Moiss
(embora tenha de ser interposto aqui que esse propsito nunca
tenha sido pretendido para Moiss). Se, no entanto, a questo

estiver interessada no comportamento do crente e nas coisas que


agradam ou desagradam a Deus, ento, igualmente enftica, a res
posta deve ser que o crente justificado no est encerrado com
Moiss.
Mas Anthony Burgess afirma que o assunto no pode ser rejei
tado to facilmente assim e pergunta, Que autoridade existe para
colocar Moiss e Cristo em campos opostos? Que base existe para
a suposio de que a Lei de Deus contrria Graa de Deus?
Quando examina essas questes, ele mostra que nenhum antago
nismo ou oposio existe entre a Lei e a Graa. Moiss ministro
de Cristo, e a Lei graa antiga. Consequentemente, no no
afastamento do princpio da graa que um crente mantm a Lei de
Deus e a consagra na sua verdadeira natureza como lei.
Cpias do Vindiciae Legis so extremamente raras.

Apndice B

Uma Exposio do Dcimo Mandamento


Por Lancelot Andrewes
No cobiars a casa do teu prximo. No cobiars a mu
lher do teu prximo xodo 20.17.
A dependncia dos outros mandamentos em relao a esse apa
rece nisto, que sem a observao desse, nenhum dos outros pode
ser mantido. Ao dar esse por ltimo, Deus nos ensinaria o modo
como todos os outros devem ser entendidos,jsto , que no ape
nas o ato exterior proibido neles, mas tambm o propsito interi
or e a inteno do corao (mesmo se nunca prosseguirmos para o
ato exterior). Essa, ento, a regra e a medida para o entendimen
to e para a observao dos outros mandamentos - essa a dobra
dia sobre a qual todos os outros devem girar. Por essa razo,
Santo Agostinho diz que aquele que observar os outros, deve pro
curar essencialmente manter esse mandamento, porque esse olha
para o corao. E do corao, como Salomo diz, procedem as
fontes da vida e a morte e, portanto, nos aconselha: Sobre tudo
o que se deve guardar, guarda o teu corao (Pv 4.23).
A extenso e o objetivo do doador da Lei nisso, dupla:
1. Mostrar que ele olha alm do que seus substitutos na terra
podem olhar, e que sua Lei superior deles. Porque embora a lei
do homem possa atar mos e ps, calar a boca e condenar o prop
sito do corao (na medida em que isso possa ser sustado ou des

coberto - porque se algum for encontrado com uma arma, ou


arrombando uma casa, mesmo que seja detido no ato do assassi
nato ou roubo, seu propsito foi descoberto e barrado, ele poder,
mesmo assim, ser punido pelas leis do homem), todas as leis huma
nas - e isso um axioma na Lei Civil - dizem que nenhum homem
deve sofrer por pensamentos expostos. E, assim, eles deixam os
pensamentos livres. Mas Deus faz exigncias em relao aos pr
prios pensamentos, embora eles no apaream em todo ato pbli
co. E, assim, Simo o Mago, levado corte por causa do pensa
mento do seu corao, Arrepende-te, pois, da tua maldade e roga
ao Senhor, disse Pedro, talvez te seja perdoado o intento do
corao (At 8.22).
2. para aqueles que, como os fariseus, so presunosos quan
to prpria justia, de modo que esses pecadores orgulhosos que
no so curados possam, pela Lei, ser convencidos da sua necessi
dade de um mdico. Porque o homem no que diz respeito ao con
sentimento total do corao omite e se justifica em algumas coisas,
e por um curto espao de tempo, porm quando depara com esse
mandamento no qual o nascimento imperfeito (quando no h um
consentimento perfeito, apenas algum prazer e titilao no movi
mento do corao) proibido, isso o far suar. Isso o far clamar,
Desventurado homem que sou! Quem me livrar do corpo desta
morte? (Rm 7.24), e far com que ele veja que no pode inocentar-se nem ser um Cristo ou Salvador para si mesmo. Mas ele sabe
que deve escapar para o outro extremo de si mesmo, como nas
prximas palavras, Graas a Deus por Jesus Cristo, etc.
Porque o consentimento do corao proibido pelos outros
mandamentos, como expostos por nosso Salvador que diz se um
homem olhar para uma mulher (com este propsito em mente) e
cobi-la, ento isso adultrio. Mas aqui a inteno e o desejo,
embora no tenham consentimento total, sendo apenas imperfei
tos, so manchados por esse preceito.

Eis a distino: nos primeiros mandamentos, a inteno do mal


proibida, embora no executada e aqui, tambm, embora no
continuada ou resolvida (como quando o movimento entretido
com aprovao e prazer, embora no totalmente consentido). San
to Agostinho explica a questo desta forma: em um caso voc tem
um No cobiars, proibido por esse mandamento; e no outro
um no siga suas cobias (Ecclus. 18.30), e aquele que tem al
canado o ltimo, diz o mesmo pai, faz muito mas no faz tudo
porque ainda est cobiando.
O apstolo Paulo faz uma distino entre os dois desta forma:
ele chama um de pecado reinando em ns, quando o seguimos
na sua concupiscncia; e o outro de pecado que habita em ns,
quando a cobia est em ns mas no tem um perfeito domnio.
Neste ltimo caso, ela habita como uma pessoa privada, mas no
primeiro ela governa, ela tem o reino. Porque quando o pecado
prevalece sobre os nossos sentimentos e sobre a nossa razo de
forma que s falta uma oportunidade para agir, ento ele reina.
Mas quando ns o consideramos de alguma forma em nossa men
te, ento h um raciocnio dentro de ns (um devo ou no devo
fazer isto?), quando temos razes prs e contras e no estamos
totalmente resolvidos, ento o pecado habita em ns e isso pro
priamente proibido por esse mandamento. Se algum dia resolver
mos completamente, Eu farei! ento como se isso j tivesse
sido feito diante de Deus e, logo, pode ser referido em outros man
damentos como proibido l tambm.
A Coisa Proibida, Concupiscncia ou Cobia
Ela (1) surge de ns mesmos ou (2) do Esprito de Deus. Quan
do de ns mesmos, (1) da natureza ou (2) da corrupo da natu
reza. Os desejos corruptos podem ser de duas formas, (1) fteis e
tolos ou (2) prejudiciais ou injuriosos.

1. H uma concupiscncia prpria nossa, da qual Pedro fala


Haver homens seguindo suas prprias concupiscncias.
2. H uma nsia do esprito, da qual o Apstolo diz que anseia
contra a carne. Isso santo e bom porque quando nossa mente
iluminada pelo Esprito de Deus, ela incita bons impulsos e dese
jos em ns. Ela nos fortalece para produzirmos o mesmo e nos
arma contra a oposio que viermos a encontrar. Por essa nsia os
maus impulsos so detidos quando surgem no corao. Vemos
isso no salmista, Por que ests abatida, minha alma, e por que te
perturbas dentro em mim? Confia no Senhor, etc. Essa nsia, en
to, no condenada aqui, mas assim como aceitvel em si mes
ma, assim auxiliando nas nossas fraquezas, faz com que nossas
oraes sejam aceitveis a Deus. E conseguindo audincia com
ele, pela qual obtemos nossos desejos de Deus, ela aumenta em
ns o amor a Deus e aos homens. Consequentemente, ela no
reprimida pelo dcimo mandamento, mas a outra nsia, que pro
priamente chamada concupiscncia, a nossa prpria concupis
cncia.
Essa Nossa Prpria Concupiscncia de Dois Tipos
A primeira natural, a segunda da corrupo da natureza, a
qual Pedro chama a concupiscncia da corrupo, ou concupis
cncia corrupta. A primeira, a concupiscncia natural, est no
homem por natureza, como cobiar carne quando se est com fome
ou bebida quando se est com sede. Isso no proibido porque
havia no prprio Cristo, que estava livre de todo pecado. Algumas
vezes ele se sentia faminto e desejava comida e em outras estava
cansado e desejava descansar, etc. Mas na outra, o corrupto cobia
ou deseja aquilo que proibido neste lugar. Essa capacidade de
desejar ou cobiar foi primeiramente dada alma para faz-la mover-se em direo queles objetos que a mente prope. Assim como
existe leveza em algumas coisas para faz-las moverem-se para

cima, assim o idlatra chama a mente de o olho da alma. E ele


chama o desejo ou o apetite, o movimento ou o esforo da alma
atrs daquilo que o olho discerne. Mas esse desejo ou cobia sendo
corruptos, sufocam a luz da mente para que esta no possa ser
dirigida ao que bom. Porque as capacidades da mente, sendo
unidas, corrompem e infectam uma outra - assim como a hera
que se apega ao carvalho e retira a seiva, fazendo-o definhar. En
to, a mente sendo cegada faz com que a vontade no possa mover-se em direo ao que bom e, assim, nossos desejos se tornam
corruptos.
Dessa Cobia Corrupta Surgem Desejos de Dois Tipos
Eles so distinguidos por Paulo; alguns so fteis e tolos - ou
tros so prejudiciais e injuriosos.
Os primeiros vemos em homens que tm o que o apstolo cha
mou de inclinao da carne que desejam coisas mundanas, no
apenas para fins naturais,.mas que transpem e pulam os limites da
natureza, desejando mais do que o necessrio. Desejam ainda mais
e mais, e como o salmista fala, quando suas riquezas aumentam,
colocam seus coraes sobre elas, cujas palavras anteriores di
zem isso ser tolice e vaidade. Tais homens pensam, falam e se de
leitam em nada mais do que coisas terrenas e, assim, se corrom
pem. Como o profeta diz, A tua prata se tomou em escrias, o teu
licor se misturou com gua, quando eles misturaram suas almas
com as coisas terrenas, que tm condio elementar e so.inferiores alma.
Os outros desejos que ele chama de prejudicais so aqueles
propriamente opostos ao Esprito de Deus (G1 5). Essas cobias
nos mantm afastados das boas coisas, as quais o Esprito sugere,
porque h uma membrana sobre o corao, que o isola e fecha
quando algum impulso bom oferecido. Essa membrana do cora
o o deixa aberto quando qualquer mal pode entrar. H tambm

uma membrana sobre os ouvidos (Homens de dura cerviz e


incircuncisos de corao e de ouvidos, (At 7.51) pela qual efeitos
semelhantes so produzidos porque ela os cerra para qualquer coi
sa que seja boa e retira a cobertura para a comunicao corrupta
ou ruim entrar. Por causa disso diz-se que Deus abre os ouvidos
quando ele reforma eficazmente os homens (ver J 33.16).
Em segundo lugar, assim como os desejos prejudiciais nos afas
tam de receber o que bom, assim corrompem o bem que j est
em ns, como a mosca morta corrompe o frasco de ungento (Ec

10. 1).

E, em terceiro lugar, eles nos provocam para o mal ou para as


coisas que no so ms em si mesmas mas que sero armadilhas
para o mal se as seguirmos. Porque o mal, seja nos antecedentes ou
nas conseqncias, mal e deve ser evitado. Assim, o apstolo no
nos veria sendo conduzidos sob o poder de qualquer coisa, por
que Satans algumas vezes incita um desejo to determinado no
homem por algo lcito indiferente que este no se privar por ne
nhuma razo. Ento Satans rapidamente acha uma condio para
anexar a isso, pela qual conduzir o homem a algo simplesmente
ilcito. Isso foi o que pensou poder fazer com Cristo quando lhe
mostrou os reinos do mundo e a glria deles, com os quais pensava
ter influenciado seus sentimentos, buscando, na verdade, atra-lo
para a idolatria, Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares.
Assim, os desejos de nossa concupiscncia so maus. Como
Santo Agostinho diz, ou desejamos obter as coisas lcitas por mei
os maus ou tentamos_obter, por meios lcitos, o objetivo mau. E
esses dois caminhos so legitimamente condenados, at mesmo no
prprio desejo do corao.
Essa concupiscncia e esses desejos vigorosos que procedem
dela so expressos na Escritura com outras palavras. Algumas ve
zes chamada o velho homem, em outras o pecado que habita

em ns, a lei do pecado e a lei dos membros. Algumas vezes


o espinho da morte, em outras o espinho na carne, o pecado
que nos assedia, desejos carnais que guerreiam contra a alma,
o veneno da serpente que Satans instilou em nossa natureza no
incio. Os professores a chamam de combustvel inato do peca
do. Outros a chamam de enfermidade ou irregularidade das facul
dades da alma porque o homem elevou sua cobia acima da sua
razo, contra a ordem e a vontade de Deus, transformando-a em
essncia e, a fim de realizar seu desejo, arriscou o favor de Deus.
Consequentemente, como um castigo justo, Deus ordenou em sua
ira que ela deveria ser mais forte do que a razo a fim de que no
pudesse ser colocada sob essa faculdade superior, mesmo se o ho
mem desejasse fazer isso. Assim como Deus disse por intermdio
do profeta (e este um julgamento terrvel!) Porquanto Efraim
multiplicou altares para pecar, estes lhe foram para pecar. Ento,
porque o homem colocou a sua concupiscncia num lugar superi
or, ela, de fato, se toma superior, no importa o que faa. Deus,
algumas vezes, lida com os homens em grande ira, assim como ele
fez com os israelitas, Ento, comeram e se fartaram a valer, pois
lhes fez o que desejavam (SI 78.29). Em outro lugar, Ele os en
tregou cobia dos seus prprios coraes, para seguirem sua pr
pria imaginao. Assim ele lidou com os romanos idlatras de
pois da grande desobedincia e pecado voluntarioso contra a luz
de seus prprios coraes (Rm 1.28), o prprio Deus os entregou
a uma disposio mental reprovvel, para praticarem cousas in
convenientes.
Isso algo terrvel ser entregue prpria cobia. o mesmo
que ser entregue a Satans. Porm aquele que foi entregue a Sata
ns tem um retorno, porque aquele que foi assim entregue pode ser
recuperado (1 Co 5.7; 2 Co 2.7). Mas quando um homem entre
gue a si mesmo, certo, pelo menos por meios ordinrios, que ele
nunca retoma. Porque essa a mente rproba que o apstolo

menciona, quando Deus abandona completamente um homem e


retira sua graa, -deixando-o em suas prprias mos para a des
truio final. Assim, melhor ser entregue a Satans do que pr
pria vontade. E, ento, vemos quo bem devemos pensar de nossa
prpria vontade e quo terrvel ser entregue a ela, no tendo o
Esprito de Deus para manter o conflito perptuo com as nossas
prprias concupiscncias corruptas.
Como um Homem Pode Ser Entregue aos seus Prprios Desejos
A razo pela qual um homem assim comprometido parcial
mente revelada no primeiro mandamento, onde nossa obrigao
com relao a Deus responde nossa obrigao com relao ao
nosso prximo. Um homem vem a ser entregue aos seus prprios
desejos em graus, quando ele d lugar aos maus pensamentos con
tra seu prximo, nenhum de vs pense mal no seu corao contra
o seu prximo (Zc 8.17). No devemos dar lugar a isso de forma
alguma, no podemos permitir que isso se inflame. H, em cada
um de ns, um pensamento mau contra o nosso prximo, um pen
samento de prejudic-lo. E com isso em ns, surge a tentao,
como o apstolo nos mostra em Ef 2.2, parcialmente do mundo
(segundo o curso deste mundo) e parcialmente de Satans, que
comea, ento, a infundir, trabalhar e moldar o pensamento do
corao rumo ao pecado perfeito (segundo o prncipe da potestade
do ar). Assim, ambos influenciam os nossos pensamentos e dese
jos para satisfazer a concupiscncia da nossa carne.
Assim, h uma dupla razo que nos leva a isso: 1. nossa cobia
apenas, considerada em si mesma, porquanto se levanta por si s,
sem qualquer golpe ou estmulo exterior, e 2. quando usada e
cultivada pelo mundo ou por Satans ou por ambos.
1. Por si s. Cristo fala dos pensamentos maus que procedem
do corao e dos pensamentos que procedem do corao (Mt
15 e Mc 7). H uma corrente ou vapor que procede da nossa natu

reza, porque os maus pensamentos se levantam ou elevam-se de


baixo, e os bons pensamentos surgem e originam-se de cima (Tg
1.17). Um vem de ns mesmos, o outro de Deus e de Seu Esprito.
Satans sabe disso e aproveita esses desejos que ele v surgir em
ns por algum sinal exteriomo. e nos assalta propondo objetos e
atraes mundanas, usando o mundo para nos tentar. Foi assim
que ele lidou com Cristo, deixando-o sozinho at que ele estivesse
faminto e tivesse o seu desejo natural por po, Ento ele se
introduz e oferece que as pedras se transformem em pes, pen
sando que, assim (quando Cristo teve o apetite natural), seria rece
bido.
2. Enquanto existem pensamentos se elevando ao corao, h
tambm outro tipo de pensamento, aquele lanado por Satans.
Dessa forma Satans entrou em Judas quando ps em seu corao
os maus pensamentos de trair seu Mestre. Assim tambm encheu o
corao de Ananias e Safira para mentirem ao Esprito Santo e
cometerem o sacrilgio. Assim como ele, algumas vezes, faz issto
imediatamente de si mesmo, ele tambm usa o mundo e os objetos
visveis para lanarem pensamentos maus em nosso corao. Des
se modo, o mundo e Satans nos contaminam a partir do que
exterior quando ns tambm nos contaminamos rpido o suficien
te a partir do que interior. Porque, como diz Nazianzen, a fasca
est dentro de ns, a chama vem do esprito mau que a sopra.
Assim que, - embora no haja espritos maus nos tentando e ns
estivermos no deserto, onde nenhum objeto mundano pudesse nos
seduzir, ns, porm, carregamos o suficiente em nosso corao
para nos corrompermos. Tambm, enquanto carregarmos.conosco
nosso prprio corao, no poderemos estar seguros mesmo que
tenhamos deixado o mundo para trs, diz Basil.

Os Pensamentos Maus Que Se Originam Dentro de Ns So


Pecado e Aqueles Que Tm Origem Exterior No So
Os pensamentos que se elevam dentro de ns so pecados, mas
aqueles que nos so enviados, que so injetados em ns (a no ser
que cedamos a eles, permitindo que nos contaminem), so a nossa
cruz, no nossos pecados. No somente isso, ao resistir a essas
incitaes e tentaes de Satans, ganhamos a coroa, e cada tenta
o a que resistimos uma nova flor em nossa grinalda.
Como esses pensamentos nos contaminam? H seis graus antes
de chegarmos ao consentimento total e ao propsito do corao
que proibido pelos outros mandamentos, Em Gnesis, quando
Eva foi tentada, vemos o modo como a contaminao comeou.
H um fruto oferecido, o objeto de seduo e, com ele, as trs
provocaes, pelas quais todos os pecados so conduzidos alma,
so consideradas.
1. Era bom para se comer - a seduo do lucro.
2. Era agradvel e aprazvel para o olho - aqui est a tentao
do prazer.
3. dito desejvel com relao ao conhecimento - aqui est o
encanto do orgulho.
Esses trs so mencionados por Joo, a concupiscncia da car
ne, a concupiscncia dos olhos e a soberba da vida (1 Jo 2.16).
No prximo versculo, Satans adiciona um quarto (que pode ser
reduzido ao terceiro), como Deus, sereis conhecedores do bem e
do mal. A prpria seduo do orgulho excelncia, uma condi
o a ser desejada pelo homem, sendo este o comandante das cri
aturas. Quando essas provocaes foram apresentadas a Eva, esta
pensou em cada uma, lpois que tinha todas elas em grande consi
derao: Vendo a mulher que a rvore era boa para se comer,
agradvel aos olhos e rvore desejvel para dar entendimento, to

mou-lhe do fruto e comeu. Disso podemos observar os vrios


passos e graus pelos quais o pecado penetra a alma:
1. O primeiro chamado desvio para seguir a Satans (lTm
5.15), ou um desvio da alma para olhar para o objeto. A primeira
considerao o desvio da alma de Deus, sendo que quando al
gum faz isso, comea a prostituir a sua alma com Satans.
2. O segundo quando o objeto perfeitamente conveniente e
toma-se ansiosamente desejado. Isso pode ser repentino, um leve
impulso primeira vista. Pode tambm ser mais seriamente im
presso em ns, uma paixo mais violenta, mais sria. J compara
aquele que chegou a este ponto com algum que tem um veneno
doce em sua boca, que por causa da doura que sente, reluta em
cuspi-lo - ele no o deixa e tambm no ousa engoli-lo, mas o
mantm sob sua lngua. Assim um leve impulso se transforma em
uma violenta paixo e isso manter e reter a semente assim como
o primeiro impulso leve foi receber a semente. Assim como no
primeiro instante houve um desvio de Deus, agora h um desvio
para a criatura.
3 .0 terceiro um consentimento em se deleitar naquilo. Assim
como antes houve um consentimento duplo, (1) um consentimento
para executar o pecado (isso pode ser proibido nos outros manda
mentos e o que chamamos de contaminao interior da nossa
ferida hereditria); e (2) um consentimento mental apenas para ter
prazer nele, freqentemente impulsionando o corao em sua dire
o - no qual consentimos em nos deleitar no pensamento embora
no tenhamos o propsito total de agir, pensando apenas em fit-lo
- isso pode ser chamado de concepo do pecado (Tg 1.15).
4. O quarto um adiamento ou uma protelao no pensamento
do pecado;; assim que um homem que j consentiu em ir at o
ponto de ter prazer nele, permanecer perto dele e habitar nele.
Essa a estrutura de todas as partes no interior da alma pela qual

se toma completo, quando cada canto pesquisado e cada cir


cunstncia pesada e considerada, quanto forma pela qual o peca
do ser consumado. Quando o povo permaneceu em Sitim, come
teu fomicao com as filhas de Moabe! (Nm 25.1).
5. H, ento, um vagar da alma em busca do pecado. Isto ,
quando os pensamentos j o ignoraram, outra vez nos lembramos
dele e fazemos um pacto contrrio ao de J, de que no permitire
mos que nossos olhos se afastem do objeto sedutor. Mas devemos
ainda contempl-lo, e no apenas isso, mas tambm usar os portes
e passagens para a fantasia, os sentidos, para ressuscitar esse pra
zer em ns novamente, a fim de continuarmos nele. Lemos em
Gnesis sobre a imaginao dos pensamentos do corao (Gn 6.5);
quando no h um objeto real, contudo o homem inventa e imagina
um objeto falso para persuadir o prazer de um pensamento. Aqui
est uma construo de imaginaes para agradar a alma em pen
samento pecaminoso quando, sem que ocasies se ofeream, um
homem procura para si mesmo ocasies exteriores ou interiores e
planeja fantasias nas quais se deleitar. Isso a estimulao do pe
cado, isto , quando este comea a agitar-se no tero.
6. O ltimo o parto ou nascimento. E o apoderar-se da oca
sio oferecida a fim de pr em prtica o pecado j resolvido. Ele
avana num silogismo como este: se h tanto prazer em pensar
nele e em revolv-lo na mente, ento que prazer deve haver quan
do for realmente praticado? Depois que isso alcana um consenti
mento total na mente, ento estamos fora desse mandamento, uma
vez que nada falta a no ser o meio e a oportunidade de coloc-lo
em prtica. A concluso est estabelecida no corao eu farei!
Ento, quando se oferece a ocasio, est feito. E, assim, o pecado
produzido e aperfeioado.
E esses so os seis graus do pecado, embora este se adule e
minta para si mesmo para persuadir os homens de qe eles no so

culpados at que cheguem, ao ltimo grau, o ato em si - mas h


pecado em todo o resto.
O Modo Como o Homem Tentado Pela Sua Prpria Cobia
Primeiramente, h uma isca, e depois o anzol. Tiago menciona
dois modos pelos quais um homem tentado pela sua cobia: (1)
ele atrado por um tipo de violncia ou (2) seduzido por algum
encanto, cada um tentado pela sua prpria cobia, quando esta
o atrai e seduz (Tg 1.14). H uma bela e atraente isca para seduzir
e h um impulso violento da alma pela ao da fora, visto que o
homem atrado pelo prazer do sentido ou tambm pela
importunao da mente. Cada pecado entra dentro de ns e nos
seduz at sermos capturados ou ento nos assalta de uma forma
violenta a fim de que nos rendamos e pensemos que nada podemos
fazer. Devemos estar atentos contra esses dois a fim de que no
sejamos como aqueles em Osias, Porque preparam o corao
como um forno, enquanto esto de espreita; toda a noite, dorme o
seu furor, mas pela manh arde como labaredas de fogo. Todos
eles so quentes como um forno...ningum h, entre eles, que me
invoque (Os 7.6,7).
Os outros dois, o Mundo e Satans, nos tentam da mesma for
ma. H a seduo e a atrao em ambos.
Satans chamado de a velha serpente na Escritura, e o aps
tolo fala sobre as ciladas do diabo, e de seu engodo, pelos
quais os homens so enganados (Ef 6). Sabemos que a serpente
sutil por natureza, mas uma velha serpente que, se tivesse alguma
deficincia natural, o hbito e a longa experincia j a teriam com
pensado. Novamente o apstolo fala dos truques e ardis de Sata
ns. Os apstolos no eram ignorantes quanto a isso, mas outros
podem temer que o que os seduz o mtodo de Satans e a sua
destreza. E podem temer no serem sbios o suficiente para
discernir.

2. Ele chamado de leo que ruge. E sob esses dois nomes,


serpente e leo, tudo o que dito sobre ele na Escritura pode ser
includo. Enquanto chamado de serpente por sua sutileza, por
sua fora, violncia e crueldade chamado de leo, e leo que
ruge. Quando obteve permisso, vemos que ele fez com que os
porcos corressem impetuosamente para o mar, com violncia. E o
apstolo nos diz que ele aflige com lutas por fora, temores por
dentro (2 Co 7.5). E embora o apstolo tivesse um bom propsi
to em ir encontrar-se com os tessalonicenses para lhes confirmar a
f, Satans lhe barrou o caminho. Os apstolos tinham um co
nhecimento extraordinrio para discernir os seus truques, e poder
para se oporem sua violncia, o que ns no temos.
Consequentemente, devemos vigiar da forma mais diligente poss
vel e devemos vestir a nossa armadura espiritual para que sejamos
capazes de nos opor a ele. Essa extrema violncia e excessiva suti
leza na persuaso iro revelar se a tentao vem de ns mesmos ou
se vem de Satans.
E o que dizemos sobre ele, tambm podemos dizer sobre o
Mundo. Algumas vezes ele nos tenta com coisas atraentes, usando
sutileza, oferecendo prazeres e lucro, promoes, etc. para nos
seduzir. E se no formos seduzidos, h uma armadilha para nos
fisgar. Ao invs do lucro (ele nos dir) voc ter prejuzo e perda ao invs de prazer, dor - e ao invs de promoo, reprovao e
desgraa - tudo isso pode prevalecer contra ns e nos abater. Agos
tinho diz que o amor isca nos estimular ou o medo do anzol nos
amedrontar, atraindo-nos para o mal ou mantendo-nos longe do
bem. Vemos, ento, que todas as tentaes para o mal podem ser
reduzidas a essas trs procedncias: Elas vm do mundo, da carne
ou de Satans. Todos eles buscam nos seduzir, seja por meio da
isca ou do anzol.

Vemos, ento, a parte negativa desse mandamento nas palavras


expressas. Ora, visto que, de acordo com a regra, a afirmativa est
implcita na negativa, devemos dizer algo sobre a parte afirmativa.
A Parte Afirmativa do Mandamento
O apstolo trata disso quando ele nos exorta, transformai-vos
pela renovao da vossa mente, e vos renoveis no esprito do
vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado se
gundo Deus, em justia e retido procedentes da verdade, e para
se tomarem novas criaturas (Ef 4.23; Cl 3.10; G16.15). Devemos
trabalhar, ele orava, para que nosso esprito, alma e corpo sejam
conservados ntegros e irrepreensveis na vinda de nosso Senhor
Jesus Cristo (1 Ts 5.23,24). Devemos fazer morrer a nossa natu
reza terrena, nossas concupiscncias e sentimentos carnais e cru
cificar o velho homem, para que o pecado no reine em nossos
corpos mortais (Cl 3.5). No apenas a nossa mente que deve ser
renovada, a nossa vontade tambm deve ser renovada, deve ser
colocada em sujeio vontade de Deus para que possamos ser
capazes de dizer como Davi, Aqui estou, que Deus faa comigo o
que lhe agradar, e como Cristo, no se faa a minha vontade, e
sim a tua. Nosso homem interior corrupto em todas as faculda
des, o entendimento obscurecido e a vontade, pervertida. Visto
que assim como no homem velho a vista obscurecida e h uma
fraqueza nos membros, assim nesse velho homem do qual deve
mos nos despir h cegueira de mente e fraqueza de esprito, e eles
devem ser renovados.
Embora o pecado em si mesmo seja um ato passageiro, aps o
ato h algo que permanece e isso o que requer renovao. H (1)
a culpa, que nos faz indignos do favor e dignos do castigo; (2) a
mancha, que nos deixa imundos e deformados; (3) h a ferida ou
enfermidade, que necessita de cura e que consiste numa propenso
e inclinao para atos semelhantes.

Embora a culpa do pecado seja tirada de ns quando nos arre


pendemos, a mancha e a cicatriz ainda permanecem, em parte, e
precisam de renovao diria. E porque uma nova culpa pode ser
contrada por causa de novos pecados, temos necessidade diria
de perdo e remisso.
A necessidade dessa renovao interior surge de trs formas 1. Por causa da corrupo que naturalmente se abriga no corao
e, assim, polui todo o homem, aqui est o rancor que amarga todas
as nossas aes - aqui est o fermento que azeda toda a massa aqui est a lepra que mancha o corpo e a alma, para que da cabea
(o entendimento) planta dos ps (os sentimentos), tudo esteja
cheio de chagas (Is 1.6). Se a lngua um mundo de maldade,
como ser o corao? Se h uma trave no olho, o que deve haver
no corao?
2. Se no for renovado, o corao o inimigo mais perigoso
que temos. enganoso, mais do que todas as cousas, e desespe
radamente corrupto, diz o profeta (Jr 17.9). Ele pode nos enganar
sem a ajuda de Satans. Mas este nada pode fazer sem o corao,
ele deve lavrar com a nossa novilha - ele est mais perto de ns do
que de Satans, uma parte de ns mesmos. Resisti ao diabo, e
ele fugir de vs, mas mesmo se ns resistirmos ao mximo, esse
enganador ainda estar perto de ns. Satans tenta e nos deixa por
um tempo, mas esse tentador nunca nos deixa. E como uma pessoa
traioeira na cidade, que abre os portes e deixa o inimigo entrar,
inimigo este que no entraria por meio da fora.
3. a fonte de todas as nossas aes. Nada que no proceda de
um corao puro pode ser aceito. Se este for corrompido, todas as
nossas aes sero abominveis. Tudo o que uma pessoa impura
tocava, sob a Lei, se tornava impuro. Assim, se o corao no for
renovado e purificado, qualquer ao que realizarmos ser conta
minada por ele.

Se Devemos Ser Renovados, Devemos Usar Meios


1. Devemos lavar nosso corao com lgrimas de arrependi
mento, como Davi fez depois de sua grande queda, e como Pedro
depois de haver negado seu Mestre. Essa poo de arrependimen
to ir purificar as disposies de esprito contaminadas. verdade,
o sangue de Jesus purifica de todo o pecado (1 Jo 1.7), ele carre
ga a culpa, e o Esprito de Deus renova o corao, com relao
mancha (voc lavado, santificado no nome do Senhor Jesus e
pelo Esprito do nosso Deus). Mas nem Cristo nem o seu Esprito
se aproximam de um corao impuro.nem habitam nele. Se o cora
o no for preparado pelo arrependimento, no podemos aplicar
o sangue de Cristo para tirar a culpa. H obras preparatrias traba
lhando sob a assistncia do Esprito, como a tristeza e o remorso
pelo pecado, porque o Esprito vem para habitar em ns. E Cristo
chega porta e bate por meio de atos preparatrios de graa
antes que venha e ceie conosco.
2. Devemos evitar todas as ocasies do pecado. Se o teu olho
direito te faz tropear, arranca-o e lana-o de ti (Mt 5.29). Deve
mos nos livrar de qualquer coisa, por mais querida que seja a ns,
se for uma ocasio para o pecado. Devemos afastar-nos de toda
m companhia e evit-la. Davi diz que Quanto aos santos que h
na terra, so eles os notveis nos quais tenho todo o meu prazer.
Ele era companhia a todos os que temiam ao nome de Deus.
Quanto ao perverso, ele no permaneceria ante os seus olhos,
nem os mencionaria com os seus lbios (SI 16.3; 119; 101,7).Tambm devemos evitar o cio! Davi estava ocioso quando foi tentado
impureza. O cio o travesseiro de Satans. Uma pessoa ociosa
um poa estagnada, apta para apodrecer. Isso faz com que o solo
fique apropriado para que Satans semeie a sua semente.
Consequentemente, um bom conselho o que diz, Que Satans
sempre o encontre alerta e preparado.

3. Devemos vigiar nossos sentidos exteriores, porque eles so


as janelas pelas quais os objetos pecaminosos so transmitidos ao
corao, e as concupiscncias pecaminosas so agitadas em nossa
alma. No olhe para a rvore para que no sejas atrado pela apa
rncia agradvel do fruto. Devemos orar como o salmista Desvia
os meus olhos, para que no vejam a vaidade, e como J, fazer
uma aliana com os nossos olhos para no encarar objetos enga
nadores. Devemos tampar nossos ouvidos contra o encanto de
Satans. O ouvido apto para receber ms falas, as quais transmite
para o corao e, assim, devemos atentar no que ouvimos (SI
119.37; J 31.1; 1 Co 15.33; SI 58.5; Mc 4.24).
4. Reprima os primeiros movimentos do pecado to logo eles
surjam no corao. Isso esmagar o basilisco no ovo. Isso fcil
no comeo, mas difcil se dermos lugar a eles. Embora paream
pequenos, eles so maus e abrem caminho para o pior. Maus pen
samentos no resistidos acarretam prazer; o prazer cria consenti
mento, o consentimento conduz ao, a ao gera o costume e o
costume a necessidade. Consequentemente, devemos quebr-los
em pedaos quando ainda so novos, antes de crescerem e se tor
narem muito fortes! No devemos nem ao menos uma vez delibe
rar com a carne e o sangue, como acontece com um quebra-mar a
princpio (para que no acontea que, quando rebentar, seja tarde
demais), assim devemos parar os movimentos pecaminosos em
primeiro lugar, antes que se intensifiquem e nos faam incapazes
de resistir.
5. A palavra de Deus tem uma virtude especfica de purificar o
corao. Habite, ricamente, em vs a palavra de Cristo. (Cl 3.16).
A palavra do Senhor pura e, ento, a questo, De que maneira
poder o jovem guardar puro o seu caminho? respondida Observando-o segundo a tua palavra (SI 119.9).

6. O corao deve ser apartado dos prazeres e deleites do mun


do. Deve haver um afastamento de tal modo que possamos dizer
como Davi, fiz calar e sossegar a minha alma; como a criana
desmamada se aquieta nos braos de sua me (SI 131.2). Isso
deve acontecer por meio da reflexo sobre a vaidade e a brevidade,
a insuficincia de todos os prazeres terrenos. Assim como Abner
disse a Joabe, eles conduzem amargura no final. Essas guas do
ces desembocam no mar salobre. Esses pequenos prazeres mo
mentneos tero como conseqncia tormentos sem fim. O ho
mem rico recebeu durante a sua vida as boas coisas e Lzaro o
mal mas agora, diz Abrao, Lzaro confortado, e voc ator
mentado.
7. Devemos, como o apstolo, manter o corpo e conduzi-lo
sob sujeio.-Aquele que sitia um inimigo, corta-lhe a proviso.
Essas concupiscncias carnais que guerreiam contra a alma no
sero dominadas se agradarmos o corpo, porque por meio disso,
elas so tremendamente fortalecidas (1 Pe 2.11). Por esta razo,
devemos evitar todo o excesso em comida e bebida e tudo o que
provocar ou incitar as nossas concupiscncias. Fartura de po e
abundncia de ociosidade foram os pecados de Sodoma. E
Salomo aconselha a no demorar-se no vinho, sendo sua razo,
seus olhos contemplaro mulheres estranhas. Devemos tomar
cuidado ao agradar o nosso corpo se no quisermos que a concu
piscncia cresa em nosso corao. E se, de alguma forma, temos
negligenciado a nossa obrigao com relao a isso, devemos nos
contristar (2 Co 7.11) por causa do nosso excesso, por meio de
alguns exerccios penais como jejuar, vigiar, orar, etc. Isso serve
tanto para mostrar o nosso arrependimento por termos ido alm
do que certo e razovel, como para manter o corpo em maior
sujeio no futuro. Embora isso parea algo difcil para a carne e
para o sangue, devemos ser capazes de realiz-lo por meio do po
der de Cristo e do seu Esprito.

Devemos, Ento, Guardar o Nosso Corao Com Toda Diligncia


Assim como Salomo exorta, devemos guardar o nosso cora
o com toda a diligncia e esforo para a pureza do corao (Pv
4.23). Se fizermos isso, estaremos aptos para a comunho com
Deus (que um Deus de olhos puros que no pode considerar a
iniqidade) pela f agora e por meio de uma viso clara no futuro.
Bem-aventurados os puros de corao, porque vero a Deus.
Estas palavras so do prprio Cristo.

A Cei Moral
A falta de preocupao com a Lei moral deve-se
secularizao da sociedade, que tem buscado destruir os padres
ticos. O sistema educacional em nosso pais tem tentado, ao
longo dos ltimos cinqenta anos. estabelecer uma sociedade
'amoral'. () fruto desse treinamento pode ser visto agora nos lares,
na escola, no trabalho, onde o padro adotado 'cada qual faz
aquilo que lhe agrada'.
A Igreja tambm parcialmente culpada por esse declnio.
A teologia moderna tem se afastado da importncia dos Dez
Mandamentos como registrados na Bblia. Muitas vezes
apresentada uma teologia que tem at mesm o suprimido Jesus
Cristo como unia pessoa histrica. Somado a isso, tem sido
ensinada uma salvao universal na qual a Lei e o Evangelho so
irrelevantes, diferentemente do modo como os conhecemos no
Cristianismo histrico.
Igualmente srio na Igreja o que algumas denominaes
evanglicas e igrejas tm feito com a pregao, que d uma nfase
excessiva ao amor e graa de Deus e nunca mostra ao pecador a
santidade do Deus contra o qual ele peca. Inmeras pessoas que
ouviram que esto unidas a Cristo por meio da salvao, nunca
aprenderam a Lei de Deus e que o pecado a separao de Deus.
Consequentemente, elas nunca chegam a saber que a morte de
Cristo na cruz aconteceu para cumprir a justia eterna de Deus
para que a livre graa imerecida tivesse significado real".

ospuRnwos

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