KEMPINSKI Maikon2 PDF
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Curitiba
2008
J lhe ocorreu que h poucas coisas neste mundo que podem ser
explicadas do seu jeito?
Dom Juan
SUMRIO
RESUMO
ABREM-SE AS CORTINAS
ABREM-SE AS CORTINAS
de
verificar
minhas
suposies,
contrapor
informaes
Teatro. Do grego clssico, thatron tem por raiz tha, que significa o
ver, o contemplar, e o sufixo tron, dos adjetivos, conota o lugar onde. Portanto,
thatron o lugar de onde se v ou se contempla (Burnier, p.17). Local
privilegiado para a descoberta, a observao, a revelao. O mesmo termo,
que nomeia o edifcio, tambm designa a arte que acontece dentro dele,
espao e ao sendo a mesma coisa. Posso escolher qualquer espao vazio e
consider-lo um palco nu. Um homem atravessa este espao enquanto outro o
observa. Isso suficiente para criar uma ao cnica (Brook, p.1). O
comentrio revela a essncia primeira do evento teatral: espao, ator e
espectador. Detenho-me sobre o elemento ator. ele que interliga os outros
dois elementos, ele o responsvel pela ao desencadeadora. Para Jerzy
Grotowski, o teatro pode ser entendido como o que acontece entre espectador
e ator (Burnier, p.17). O que acontece entre? Nesse sistema de comunicao,
o ator o emissor da mensagem, dos signos, ele quem atua, faz. O
espectador realiza a funo de receptor, ele recebe e interpreta os signos
emitidos pelo ator (Burnier). Comunicao e interpretao pela experincia
compartilhada. Grotowski, importante pesquisador de teatro, considera a
tcnica cnica e pessoal do ator como a essncia da arte teatral (Grotowski,
p.2). Ettiene Decroux define o teatro como a arte do ator (1963, p.41). Ao
como conhecimento. O que diferencia o teatro de outras artes a presena
viva do ator, no presente de sua ao, diante do espectador; sem ele o teatro
no acontece. Grotowski, na sua pesquisa por um teatro pobre, quer desfazer a
idia do teatro como combinao de todas as artes (msica, artes plsticas,
literatura etc.) e centr-lo no elemento imprescindvel sua realizao: o ator.
O ator, em cena, exposto em ao, mostra algo enquanto se mostra, produz o
objeto da ao sendo tambm objeto dela, sua ao reflexiva. E toda ao
parte de seu corpo para transformar o que est ao redor.
humana,
do
prprio
corpo
como
lugar
de
mudana
artstica
ou
cotidiana).
Comportamentos
restaurados
so
e assim foi de 1961 a 1964, em sua primeira fase. Ao todo, seu treinamento
com Dom Juan durou cerca de 14 anos. As experincias de todo esse perodo
foram relatadas em seus quatro primeiros livros, que servem de referncia para
o presente trabalho: A Erva do Diabo Os Ensinamentos de Dom Juan (1968);
Uma Estranha Realidade (1971); Viagem a Ixtlan (1972) e Porta para o Infinito
(1974).
fundamental ressaltar que o mtodo de ensino de Dom Juan se dava
por meio de exerccios pragmticos e experimentais, verdadeiras provas s
quais Castaneda era submetido, mesmo que tais experincias no fizessem
sentido para ele. Tais experincias eram registradas em seus cadernos pelo
antroplogo. A primeira frustrao de Castaneda se deve ao fato de no
conseguir explicar os ensinamentos em termos de sua prpria vida cotidiana,
ou seja, a experincia no se traduzia nos termos da sua linguagem, fosse esta
cientfica ou cotidiana. A experincia exigia uma nova estruturao de
pensamento, em detrimento estrutura usual conhecida por ele. J de incio, o
antroplogo conclui que precisa examinar os conhecimentos de Dom Juan nos
termos de como ele os compreendia, ou seja, ele precisa adotar o olhar do
outro. No mtodo de ensinamento de Dom Juan, adotar o olhar do outro
significa abandonar a sua maneira exclusivista de ver o mundo e adentrar em
um conhecimento interior, composto por estados de realidade no comum.
Etnografia do desconhecido. Antropologia da experincia. Tais estados podiam
ser alcanados por meio do uso de plantas alucingenas, mas na maior parte
do treinamento o acesso a esses estados se deu por meio de tcnicas
corporais especficas, que sero relatadas adiante, e que tinham como meta
reconfigurar uma srie de referenciais ordenadores do real (corpo, espao,
tempo etc.). Castaneda nomeia os estados de realidade no comum em
oposio vivncia da realidade cotidiana. Para Dom Juan, a importncia das
tcnicas era provocar no ser humano estados especiais de percepo, sendo
esse o nico meio de aprendizagem verdadeira. O objetivo seria deslocar o
foco usual de percepo humana e direcion-la a outra configurao da
realidade. Em sua viso, a cultura, na forma de informaes racionais e
reproduzveis, acaba por tornar-se uma barreira que condiciona a percepo
humana, moldando a realidade apenas na superfcie, e precisa ser transposta
corpo humano. Castaneda escreve: ... se ele tivesse me contado onde ficava
(o ponto), eu nunca teria tido a confiana necessria para considerar aquilo o
verdadeiro conhecimento. Assim, saber era realmente poder. Dom Juan
oferece a Castaneda uma realidade sem teorias intermedirias. A experincia
como verdade do corpo. O corpo como conhecimento vivido. O corpo e os
sentidos so o foco de todas as experincias a que Castaneda introduzido, e
por meio de suas sensaes que sua viso de mundo altera-se
gradualmente.
Inicialmente, apresento a explicao do mundo dos feiticeiros dada por
Dom Juan. Tal explicao s relatada a Castaneda na fase final de seu
treinamento, aps ele j ter sua viso do mundo transformada. Apresento-a j
de incio para localizar o leitor quanto s premissas que guiam os mtodos de
Dom Juan e os objetivos por trs das tcnicas, o que na maioria das vezes no
era claro para Castaneda, que tinha de se concentrar na execuo dos atos e
no no sentido racional dos mesmos.
Para Dom Juan, a percepo como uma bolha em que somos
colocados desde o nascimento. Vivemos dentro dessa bolha toda a nossa vida.
E o que presenciamos em suas paredes redondas o nosso prprio reflexo.
Mas esse reflexo no o real. O que est refletido nossa viso do mundo.
Essa viso uma primeira descrio, que nos dada desde o momento de
nosso nascimento at que toda a nossa ateno se foca nela e a descrio se
torna uma viso. O trabalho de Don Juan reorganizar essa viso em
Castaneda, a fim de abrir a bolha e permitir a ele uma viso de sua totalidade
(PPI, p.122). Castaneda escreve:
... a realidade de nossa vida diria consiste num fluxo interminvel de
interpretaes perceptveis que ns, os indivduos que partilhamos de uma sociedade
especfica, aprendemos a fazer em comum. A idia de que as interpretaes perceptveis
que constituem o mundo tm um fluxo congruente com o fato de correrem
ininterruptamente e serem raramente, se alguma vez o so, suscetveis de indagao. De
fato, a realidade do mundo que conhecemos aceita to normalmente que a premissa
bsica da feitiaria, de que a realidade apenas uma das muitas descries, mal poderia
ser considerada uma coisa sria (VIX, p.8).
explicao seria que as pessoas que nos conhecem formam uma idia estvel
a nosso respeito, e que ns alimentamos essa idia com nossas aes (VIX,
p.27), que sempre visam ir ao encontro das expectativas alheias. Assim,
nossos atos estariam sempre presos a essas projees, como respostas a
elas. Tal tcnica visa suspender a cristalizao de uma identidade fixa que se
constri na relao com os outros, liberando o guerreiro do domnio da rgida
mscara social. Suas aes no reafirmariam a todo momento a idia cotidiana
do mundo. Dom Juan fala:
Como posso saber o que sou, quando sou tudo isso? Pouco a pouco
deve criar uma nvoa em torno de si, at no haver nada de certo nem de real.
Seu problema que voc real demais. Precisa comear a se apagar.
Essa tcnica busca a no-identifcao do homem com a estrutura social
que o cerca, e solicita dele o desafio de um olhar distanciado de si mesmo,
uma suspenso da prpria identidade tida como natural. Pausa para
sarcasmo: uma antropologia pessoal assim corre o risco de tornar-se uma
psicologia transpessoal? Dom Juan embaa as fronteiras. Apagar a histria
pessoal seria o que, na psiquiatria, chama-se de desestrutrao do ego* Victor
Sanchez, mas aqui feita de forma consciente e por escolha. Castaneda
argumenta:
Apagar a histria pessoal s aumentaria a sensao de insegurana.
Quando nada certo, permanecemos alertas, sempre atentos.
nesse estado de prontido constante que vive o corpo do guerreiro. O
mundo dele no fixo, mas em movimento, numa dana que exige sempre a
busca por novos pontos de equilbrio. Ele busca o liminar do mundo em seu
corpo. O guerreiro deve ser desconhecido para si mesmo, pois at a idia de
eu uma descrio do tonal.
Ter a morte como conselheira: para Dom Juan, sem a conscincia da
morte, somos apenas homens comuns praticando atos comuns. O homem no
teria a potncia necessria, a concentrao que transforma o tempo comum da
pessoa na Terra num poder mgico (UER, p.145). Um guerreiro deve estar
consciente de sua morte. E para que isso no se torne uma obsesso, Dom
Juan aconselha o desprendimento. Um homem desprendido sabe que no
pode evitar a morte, e por isso se apia no poder de suas decises,
organizando sua vida de maneira estratgica. Atitudes mesquinhas so
prprias dos homens que vivem a vida como se a morte nunca os viesse tocar
(VIX, 47). O que Dom Juan pede que Castaneda procure sentir a presena
da morte em torno dele. A conscincia da morte tem o efeito de condensar o
tempo no imediato do presente, preenchendo de sentido o presente, dando
inteno clara s aes e desprendimento para viver o agora. A conscincia da
morte traz fluidez e lembra o guerreiro que ele no est preso s idias do
mundo. Isso deve refletir-se de forma prtica na disposio interna do guerreiro
e na sua maneira de agir. Cada um de seus atos deve ser como se* fosse sua
ltima batalha na terra; a idia de continuidade s torna a ao dos homens
tmida e hesitante. Quando o homem sabe que pode estar travando sua ltima
batalha na terra, seus atos ganham poder e fora (VIX, p.90). Para Dom Juan,
a negao da morte tambm a negao do mistrio do mundo. *Como se
(Schechner). Comparo a isso a ao teatral como ato nico e no passvel de
ser refeito, o tempo presente cnico como dana com a morte.
Assumir a responsabilidade liga-se conscincia da morte e ao
desprendimento pela falta de histria pessoal. Com a conscincia da morte,
No h tempo para pensamentos e estados de esprito confusos. Ante a morte,
o ego, criao mental que dialoga com a descrio do tonal, revela-se em sua
essncia como no sendo nada. Para Don Juan, a morte no negao da
vida, mas a negao do ego e de sua superioridade * Victor Sanchez. Com o
ego despedaado diante da idia de morte, a nica coisa que conta a ao,
agir em vez de falar (VIX, p.51). Um guerreiro deve assumir a responsabilidade
pelos seus atos, tendo conscincia deles. Com a morte presente, no h tempo
para dvidas, mas para decises.
As trs tcnicas descritas buscam uma transformao da identidade do
sujeito, e se refletem em seu corpo medida que pedem uma disposio
interna de alerta e de reao frente a um constante desequilbrio, como se
houvesse sempre um abismo a ser transposto. Mudando o foco de ateno, o
dilogo interno enfraquecido. Essas regras especficas, que visam a
mudanas interna, dirigem o corpo do guerreiro para uma ao diferenciada,
do novo significado ao estar no mundo, enfraquecendo a descrio cotidiana
do mundo e resignificando a idia de tempo e morte, que de entidades
abstratas passam a ser presentificados em sensao corprea. Pelo corpo a
conscincia do sujeito transformada, e pela conscincia a idia de mundo
tambm se modifica.
Outra tcnica utilizada por Dom Juan para cessar o dilogo interno
sonhar, e ligado a ela esto outras tcnicas: romper as rotinas da vida, o
passo do poder e o no-fazer.
Romper as rotinas da vida relaciona-se com perder a importncia
pessoal e agir sem acreditar. Romper as rotinas no refere-se apenas a aes
cotidianas, mas tambm a maneiras repetitivas com que as pessoas abordam
os assuntos da vida, como por exemplo a idealizao do amor, a tendncia ao
fracasso, crises que se repetem de forma cclica e outros hbitos sobre os
quais a personalidade construda. Romper rotinas um dos mtodos de Dom
Juan para desarticular a trama do tonal. O maior hbito a ser rompido o de
fazer o mundo sempre se adaptar a nossos pensamentos. Para Dom Juan, as
pessoas aprendem a se relacionar com a descrio do mundo atravs de seus
hbitos, que no passam de reflexos do tonal. Romper rotinas tornar-se
acessvel ao desconhecido. Apagar a importncia pessoal permite ao guerreiro
armazenar poder, pois para Dom Juan a importncia pessoal um dos fatores
que mais tomam energia no homem. O tonal liga-se pessoa atravs da
personalidade, que pode ser chamada de ego, e esta sempre precisa ser
defendida e mantida em sociedade. Tal energia deve ser liberada pelo que
Dom Juan chama de impecabilidade, que a ao de recanalizar essa energia
S posso lhe dizer qual a tcnica. Uma vez que voc aprenda a
separar as imagens e comece a ver cada coisa em dobro, deve focalizar sua
ateno na rea entre as duas imagens. Qualquer modificao digna de nota
deve processar-se ali, naquela rea. A sensao que voc tem o que conta.
Cada homem diferente do outro. (VIX, p.63)
No princpio do treinamento, Dom Juan apresentara outra tcnica:
caminhar percorrendo longos trechos sem focalizar os olhos em coisa alguma.
Ele recomenda que Carlos no olhe para nada diretamente, mas que,
envesgando um pouco os olhos, tenha uma viso perifrica de tudo que se
apresente vista. Ele diz que, se a pessoa conservar os olhos no focalizados
num ponto logo acima do horizonte, seria possvel observar, de uma s vez,
tudo no campo de viso de quase 180 graus diante de seus olhos. Este seria
um dos exerccios mai eficientes para impedir o dilogo interno (PPI, p. 20).
No livro Porta para o infinito, p.234, Castaneda descreve um moomento
em que cessa-se o dilogo interno e ele consegue ver: O sol estava quase
sobre o horizonte. Eu estava olhando diretamente para ele e, neste instante, vi
as linhas do mundo. Nunca em minha vida eu tivera uma euforia to divina,
uma tal paz, uma compreenso to extensa; e, contudo, eu no podia exprimir
o segredo em palavras, nem mesmo pensamentos, mas meu corpo conhecia.
Ao contar a Dom Juan, este responde:
Voc apenas parou o mundo. Seu corpo foi capaz de entender,
porque o mundo tinha desmoronado. O que parou em voc foi aquilo que as
pessoas lhe tm dito que o mundo. Ontem o mundo tornou-se como os
feiticeiros lhe dizem. Nesse mundo, os coiotes falam, assim como os veados,
as cascavis e rvores e todos os outros seres vivos. Mas o que eu quero que
voc aprenda ver. Talvez agora saiba que ver s acontece quando a gente se
esgueira entre os mundos, o mundo das pessoas comuns e o mundo dos
feiticeiros. Voc est agora bem no meio dos dois (TEATRO).
Castaneda escreve: Naquela ocasio eu tive a noo de que parar o
dilogo interno implicava mais do que simplesmente cancelar as palavras que
eu me dizia. Todo o meu processo de pensar havia parado e eu me sentira
Lua, se ele quiser (VIX, p.143). Don Juan explica que a feitiaria aplicar a
vontade a uma chave mestra. A feitiaria a interferncia*.ASSIM COMO O
TEATRO Um feiticeiro procura e encontra a chave mestra de tudo o que ele
quer afetar e depois aplica sua vontade a isso. Um feiticeiro no tem de ver
para ser feiticeiro, s precisa saber usar sua vontade (VIX, p. 193). Um
feiticeiro busca parar o mundo com o intuito de armazenar suficiente poder
pessoal que lhe permita transformar sua vontade numa unidade funcional. O
corpo tem de ser perfeito antes de a vontade ser uma unidade funcional (PPI,
p.77). A vontade utilizada que torna tudo possvel para um guerreiro. Para
Don Juan, os homens so percebedores, so uma conscincia; e no objetos
com solidez. O homem para ele ilimitvel. O mundo dos objetos e solidez
um modo de tornar cmoda a passagem do homem pela Terra, apenas uma
descrio facilitadora. A razo se esquece de que a descrio apenas uma
descrio e assim o homem encerra a sua totalidade num crculo vicioso difcil
de ser rompido. Assim, os homens nascem com dois crculos de poder, mas s
usam um para criar o mundo. Esse crculo, que preso logo depois que
nascemos, a razo, e seu companheiro, falar. Entre eles, inventam e mantm
o mundo. O mundo que a razo quer sustentar o mundo criado por uma
descrio e suas regras dogmticas e inviolveis. Mas o segredo dos homens
que tm um outro crculo de poder que nunca usado, a vontade. O truque
do feiticeiro seria o mesmo truque do homem comum. Ambos tm uma
descrio; o homem comum a sustenta com sua razo; o feiticeiro a sustenta
com sua vontade. Ambas as descries tm suas regras, mas a vantagem do
feiticeiro que a vontade mais absorvente que a razo. Dom Juan sugere
que Castaneda perceba se a descrio dele mantida pela razo ou pela
vontade. assim que o guerreiro usa o tonal como desafio e para acumular
poder pessoal, a fim de chegar totalidade de seu ser (PPI, p.90).
Com sua vontade, o guerreiro constri o que quiser. Dom Juan diz que a
vontade uma relao entre ns e o mundo percebido. No se assemelha ao
que os homens comuns chamam de vontade, que seria carter e disposio
forte. O que um feiticeiro como ele denomina vontade uma fora que vem de
dentro e se agarra ao mundo exterior. Sai pela barriga, onde esto as fibras
luminosas. Digo que sai por aqui porque a gente sente saindo, diz ele (UER,
que se sente e do que se pensa. Como diz, dom Juan, o maior feito de uma
xam unir os dois: corpo e pensamento. o que o ator busca tambm. Num
exorcismo de todas as formas ilusrias que passam pelo seu corpo, matriz de
toda iluso.
O ritual xamnico, assim como o teatral, utiliza-se das representaes e
smbolos apenas como caminho para transcend-los. Trata-os como so:
caminhos. E reordena a estrutura de modo a demonstrar: a vida que se vive
tambm um esquema, aqui eu a ordeno para meus propsitos. E, como
ensina Dom Juan, no elimina o tonal, mas o utiliza. As mesmas peas so
dispostas em outro arranjo, de modo a desestabilizar o tonal, e agora so
pontes para o nagual, o desconhecido. Libertar a razo, o que arte e
xamanismo querem. Quando se fala que o xamanismo d nfase
comunicao com entidades sobrenaturais, e que o teatro enfatiza a
comunicao com a platia, no posso concordar. Ambos querem revelar uma
outra realidade possvel bem debaixo de nossos olhos, ambos querem
estabelecer uma forma mais profunda de comunicao. Como diz Don Juan:
No o mundo dos mortos, nem o mundo de nada. apenas outro mundo.
No adianta falar-lhe a respeito, veja por si (UER, p.103). Ou o que ele diz
aps Castaneda ver uma outra realidade: Tudo o que voc testemunhou at
agora tem sido real e deste mundo. No existe outro mundo. Trata-se de
revelar o mundo sob este mundo. A realidade sob esta realidade. O outro em
ns. O outro uma inveno para conhecer a ns mesmos. mais um reflexo
de ns mesmos, narcisos tericos. O outro uma entidade to sobrenatural
quanto qualquer fantasma.