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LIVRO Arquitectura VF

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arquitectura

popularTradio e Vanguarda
Tradicin y vanguardia
Autores: Paula Andr, Carlos Sambricio (Coord.)
Edio: DINMIACET-IUL
ISCTE - Instituto Universitrio de Lisboa
Design Grfico e Paginao: Bruno Vasconcelos
Impresso e Acabamentos: Vrzea da Rainha Impressores, S.A.

ISBN: 978-989-732-973-9
Depsito Legal: 418209/16
arquitectura
popular Tradio e Vanguarda
Tradicin y vanguardia

Coordenao
Paula Andr
Carlos Sambricio

DINMIACET-IUL
Centro de Estudos sobre a Mudana Socioeconmica e o Territrio

ISCTE - Instituto Universitrio de Lisboa


2016
ndice
07 Apresentao

19 Das origens da arquitectura popular em Portugal no sculo


XIX:
Arqueologia de uma ideia
Paulo Simes Rodrigues

49 Regionalismo y arquitectura en Espaa, 1900-1930. Contexto


cultural, ideologa y logros concretos
Eric Storm

85 Etnogenia, Fotogenia, Etnologia Arquitectura Popular na


primeira metade do sculo XX em Portugal
Paula Andr

145 A arte popular portuguesa no arranjo dos interiores


domsticos: uma poltica de nacionalizao das classes mdias
nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

165 TRADICION SIGNIFICA CAMBIO Sobre la arquitectura


popular en la Espaa del primer tercio del XX
Carlos Sambricio

193 Transformao da habitao popular em meio rural em


Portugal na segunda metade do sculo XX
Isabel Raposo

255 Popular o moderna El dilema entre tradicin y cultura


arquitectnicas en la periferia madrilea de los aos cincuenta
Ricardo Snchez Lampreave
Agradecimentos

Do sentido da partilha e do interesse pela investigao partiu o desafio


que lanmos ao DINMIACET-IUL do ISCTE-IUL para a edio deste
livro, pelo que muito agradecemos Professora Maria Eduarda Gonalves
anterior directora do DINMIACET-IUL. Agradecemos tambm ao
Professor Pedro Costa director do DINMIACET-IUL e empenhada
e dedicada equipa deste Centro de Investigao (Maria Jos, Bruno
Vasconcelos, Maria Joo Machado, Ftima Santos e Mariana Leite Braga)
todo o suporte logstico e criativo. Finalmente agradecemos aos autores
que convidmos: Paulo Simes Rodrigues (Universidade de vora), Vera
Marques Alves (Universidade de Coimbra), Isabel Raposo (Universidade
de Lisboa), Eric Storm (Universidade de Leiden), e Ricardo Lampreave
(Universidade de Zaragoza) aos quais estamos gratos pelos respectivos
contributos.

Paula Andr
Carlos Sambricio
Arquitectura Popular e Morfologia da Cultura
Paula Andr

Digam agora os sbios da Escritura


Que segredos so estes da Natura
(Lus de Cames, Os Lusadas)

Em 1942 Jorge Dias colocava a questo: Poder s a raa


responder aos problemas que o estudo da mentalidade dum povo
levanta? E de modo claro sublinhava que um povo um complexo de
inmeras influncias; um composto formado de mltiplas causas (tnicas,
geogrficas, culturais e histricas), que no se pode reduzir a uma frmula
simples e invarivel1. Numa conferncia pronunciada na Faculdade de
Filosofia e Letras da Universidade de Santiago de Compostela, Jorge Dias
refere: Cultura Popular , letra, tudo aquilo que criao do povo, ou de
que o povo se apropriou, fazendo hoje parte do seu patrimnio espiritual,
moral ou de capacidade de realizao prtica, assinalando que o conceito
povo duma complexidade enorme, e que a cultura popular o produto
de trs elementos distintos: o homem elemento antropolgico, a terra
elemento geogrfico, e a tradio conjunto dos valores culturais ou
histricos anteriormente adquiridos2. De modo esclarecedor afirma que
o popular, alm do interesse que tem em si como fenmeno de cultura,
pode tambm, pela tendncia conservadora que o caracteriza, dar a chave

1
DIAS, Jorge Acerca do sentimento da natureza entre os povos latinos, in, Ensayos y
Estudios IV/5-6, editorial Ferd. Dummlers Verlag, Bonn y Berlin, 1942, p. 3.
2
DIAS, Antnio Jorge Cultura Popular e Cultura Superior. Santiago de Compostela:
Publicaciones del Instituto de Estdios Portugueses, 1949, p. 10,16,17.

7
o popular, alm do interesse que tem em si como fenmeno de cultura,
pode tambm, pela tendncia conservadora que o caracteriza, dar a chave
de muitos recantos obscuros do passado. So inmeras as sobrevivncias
de formas culturais velhssimas que se encontram pelas aldeias dos nossos
pases. No apenas dos romanos, mas de muitos outros povos que, em
vagas sucessivas, invadiram o territrio que hoje a nossa ptria, e de
cuja amlgama e fuso resultou o povo, que ns somos3. Numa anlise
exploratria salienta que h formas de organizao comunitria anteriores
romanizao que perduram vigorosas. No litoral temos moinhos de
madeira com velas feitas de tabuinhas, como os que existem no Noroeste
da Europa, e na praia de Mira as casas de madeira fazem lembrar as
construes escandinavas, levando-o designao de mare magnum de
valores culturais. Ao contrrio da Cultura Popular que tem um carcter
localista e annimo, a Cultura Superior tem um carcter universalista e
cosmopolita, mas tal como chama a ateno no existe nunca o indivduo
completamente liberto do tradicional e das influncias do ambiente: em
todos existe o popular, em maior ou menor grau de intensidade, e na
verdade a cultura de cada povo mantm um carcter prprio atravs de
todas as formas que reveste e se no fosse esse fundo permanente, que
lhe imprime feio especfica, perderia o sentido chamar-se a uma francesa,
e outra espanhola, inglesa ou italiana, sendo o estudo dos fenmenos
da Cultura Popular a chave importante para o esclarecimento de muitos
aspectos da Cultura em geral4.

Clima e carcter foram operativos na interrogao de finais de Oitocentos


sobre a existncia de um tipo portuguez, de casa de habitao, que por
sua vez foi fundadora das seguintes investigaes, inquritos e vcios
historiogrficos. No entanto, desde a publicao de A Cava de Viriato
(1893) de Henrique das Neves, que embora se estabelea a existncia de
caractersticas similares em algumas construes, no permitem contudo

3
DIAS, Antnio Jorge Cultura Popular e Cultura Superior. Santiago de Compostela:
Publicaciones del Instituto de Estdios Portugueses, 1949, p. 10.
4
DIAS, Antnio Jorge Cultura Popular e Cultura Superior. Santiago de Compostela:
Publicaciones del Instituto de Estdios Portugueses, 1949, p. 14.

8
a fixao de um tipo. Segundo Jorge Dias o amor do tradicional e do
passado comeou no sc. XIX em todas as sociedades cultas da Europa.
Uma das caractersticas do Romantismo precisamente o culto pelos
valores populares e nacionais, em oposio ao ideal clssico que, at
ento, tinha dominado as letras e as artes, e em contexto dos estudos
alemes de Hegel a Spengler a cultura comporta-se como um ser vivo e a
moderna concepo da Histria da Cultura chama-se Kulturmorphologie
(Morfologia da Cultura)5.

Reveladores de uma morfologia da cultura, de um compromisso com o


territrio e de um conjunto de inquritos s construes, so os estudos de:
- Jos Leite de Vasconcelos, no seu trabalho Casa Portuguesa, um inqurito
etnogrfico (1916) realizado a partir de um inqurito levado a cabo pelos
seus alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, onde cada aluno de forma
breve e sistematizada apresenta os caracteres da habitao tradicional,
salientando a sua integrao, tipo e materiais de construo, organizao
interna do espao, apresentando por vezes plantas, a utilizao do espao
e seu mobilirio, e salientando os modos de habitar;
- Verglio Taborda na sua tese de doutoramento Alto Trs-os-Montes.
Estudo geogrfico (1932), um trabalho de reconhecimento, multiplicando
os inquritos e as excurses realizados em dezenas de aldeias, junto dos
que trabalham a terra e para ela s vivem, excurses que abrangeram no
total alguns meses;
- Mariano Feio, no seu livro guia Le Bas Alentejo et LAlgarve (1949)
resultado da excurso ao sul por ele organizada e percorrida durante sete
dias no mbito do XVI Congres Internacional de Geographie realizado
em Lisboa, reunindo um conjunto de mapas e imagens do territrio, da
morfologia da propriedade e do aglomerado, da arquitectura e da habitao.

Em 1950 Jorge Dias no I Colquio Internacional de Estudos Luso-


Brasileiros realizado em Washington apresenta um trabalho sobre Os

5
DIAS, Antnio Jorge Cultura Popular e Cultura Superior. Santiago de Compostela:
Publicaciones del Instituto de Estdios Portugueses, 1949, p. 19.

9
elementos fundamentais da cultura portuguesa considerando-o um
tema vasto e complexo pela heterogeneidade cultural que se verifica
no espao (sincrnica) e no tempo (diacrnica), complicada ainda pela
heterogeneidade vertical dos vrios estratos sociais, no deixando porm
de se lanar no estabelecimento de alguns dos elementos fundamentais da
cultura portuguesa, considerando que para tal ser necessrio procurar-
lhe o contedo espiritual. Segundo Jorge Dias a cultura portuguesa
tem carcter essencialmente expansivo, determinado em parte por uma
situao geogrfica que lhe conferiu a misso de estreitar os laos entre
os continentes e os homens, e em parte pela feio psquica portuguesa
e a maneira como esta actuou perante as circunstncias6, embora no
deixe de salientar que a personalidade psico-social do povo portugus
complexa e envolve antinomias profundas, que se podem talvez explicar
pelas diferentes tendncias das populaes que formaram o pas.

6
DIAS, Jorge Os elementos fundamentais da cultura portuguesa. Coimbra: Tipografia
da Atlntida, 1955, p. 10-11.

10
Arquitectura popular y tradicin. Lectura transversal de la
modernidad.
Carlos Sambricio

La industrializacin que viviera Europa en la primera mitad del


XIX conllev una fuerte inmigracin del campo a la ciudad, lo que forz
tanto encarar como dar respuesta al crecimiento de los ncleos urbanos
(no slo en lo que respecta al diseo de la trama sino tambin a la forma
de gestionar la ciudad) como a la necesidad de definir un tipo de vivienda
higinica y econmica. Ambos temas cobraron tal importancia que la
historia de la arquitectura y el urbanismo desde la segunda mitad del siglo
XIX y hasta casi finales del XX queda definida por las respuestas dadas
a ambos problemas. Sin embargo, convendra no olvidar que un tercer
tema (la referencia a la arquitectura popular) recorri transversalmente
el periodo si bien con una caracterstica propia: porque si el debate sobre
la vivienda o la gestin de la ciudad fie progresivo (es decir, no se puede
entender ni valorar determinada propuesta desconociendo la anterior) la
referencia a la arquitectura popular fue ms que compleja por cuanto,
en cada momento, un mismo tema fue visto desde perspectivas no solo
contrarias sino, incluso, antagnicas no solo en lo formal sino, y sobre
todo, en su valoracin.

Entre 1850 y 1970 se produjeron, cuantos menos, tres momentos en cada


uno de los cuales se simultanearon distintas interpretaciones de que era lo
popular. Un primer periodo se inici en torno a 1850 cuando el sbdito
pas a tener conciencia de ciudadano, buscando entender la idea de
nacin desde criterios distintos a los formulados en la segunda mitad del
XVIII. Los estudios sobre historia local cambiaron de escala, pasando las
historias de ciudades a definir las caractersticas culturales de territorios
caracterizados por tener idnticas seas de identidad. La preocupacin
por elaborar catlogos monumentales de arquitectura (caracterstica de

11
aquellos aos) se plante entendiendo la historia de la arquitectura como
arma ideolgica, capaz -al fijar el mbito de un territorio con idnticas
caractersticas culturales- de marcar lmites geogrficos y avalar -al diferen
ciarse de otros- su identidad. Y si en un principio tales caractersticas se
buscaron en la arquitectura del pasado, pronto el folclorismo abri la
reflexin sobre la pervivencia de caracteres comunes en la arquitectura
rural, identificando la reflexin sobre una posible arquitectura nacional
con la idealizacin de lo que consider la tradicin.

La voluntad por sintetizar en conceptos precisos el abstracto debate sobre


la invencin de la Nacin, la segunda mitad del XIX y primeros aos del
XX se caracterizaron por las polmicas sobre que deba ser, en arquitectura,
el estilo nacional espaol. Frente a las propuestas que reclamaban un
estilo evolutivo frente al concepto arte nuevo1, apuntando como los
espaoles nunca haban sido inventores de arte al haber encontrado los
estilos extranjeros facilidades para implantarse2. Reclamar un neo-mudjar,
neo-gtico o neo-renacimiento supona aceptar la pervivencia de la vi
sin romntica apuntada -aos antes- por un Pedro Madrazo que escriba
como...La ruinas tienen voz.3 Frente a ello, reivindicar la idea de un estilo
espaol supona llevar a la arquitectura el debate abierto con la pintura
de historia al plasmar tanto en una como en otra el programa ideolgico

1
LAMPREZ, Vicente. Historia de la arquitectura cristiana. Madrid, Juan Gili, 1904, t.I.,
p.24. sealaba como nunca los espaoles hemos sido inventores de un arte, habiendo
encontrado entonces en los estilos extranjeros sumas facilidades para implantarse. El
genio espaol ha sido asimilar aquellas formas, transformndolas sealando en pgina
siguiente como Espaa no ha tenido un estilo propio en arquitectura porque no hemos
tenido tiempo para ello, argumento que serva para reclamar un estilo evolutivo frente a
quienes buscaban un estilo nuevo y propio.
2
En el Primer Saln Nacional de Arquitectura Lamprez pronunci una conferencia
sobre La Arquitectura espaola contempornea, tradicionalismos y exotismos donde
teoriz sobre el Nacionalismo arquitectnico, chocando con Rucabado y los principios
regionalistas. Ver Arquitectura y Construccin, 1911, pp.199-208
3
MADRAZO, Pedro de Una impresin supersticiosa en No me olvides, n.9; pp.1-4.
Reproducido por CABAAS; Pablo, No me olvides, (Madrid, 1837-38) Madrid, CSIC,
1946, p.74

12
basado en la glosa a un pasado triunfal4. Se hizo preciso (frente a eruditas
interpretaciones sobre el pasado construido) inventar una falsa tradicin
potenciando como opcin la imagen de un regionalismo que se identific
con la tradicin, que no con la historia. Ajeno en consecuencia a cualquier
referencia al pasado e ignorando conscientemente cualquier interpretacin
de la historia de la arquitectura, la imagen del regionalismo se identific
con la regeneracin de la arquitectura.

Buscando avalar su actitud, insistiran en cunto dichos regionalismos no


eran sino la moderna expresin de la tradicin, apareciendo en las revistas
profesionales (o en las de gran pblico) aquella arquitectura en la rbrica
arquitectura moderna. Si el reclamo de una posible arquitectura nacional
se haba planteado buscando evidenciar la excepcionalidad histrica de un
pas (esto es, reclamando su pasado heroico), el regionalismo (fuera vasco,
andaluz, montas o valenciano) se convirti en smbolo de modernidad.
Y consciente de cuanto la industrializacin haba supuesto la llegada a los
principales ncleos urbanos de una fuerte emigracin de origen rural, el
regionalismo supo mostrar una doble imagen. Por una parte, se mostr
como expresin de la burguesa ascendente, que de manera complaciente
lo acept como sea de identidad; paralelamente, e importante destacarlo,
el citado un regionalismo desornamentado fue impuesto como opcin
formal en la construccin de las viviendas econmicas destinadas a quien
solo poco antes fueran poblacin rural. Desde 1911 (con la primera Ley
de Casas Baratas) se quiso convencer a las clases populares que hab
an abandonado el mundo rural para integrarse en el medio urbano, que
dicho regionalismo era la forma urbana de recuperar sus costumbres
y tradiciones. El concepto tradicin arquitectnica se abra as a una
nueva, falsa y perversa interpretacin por cuanto que formas inventadas
se identificaban con las pertenecientes a una cultura popular avalada por

4
Jos Jimnez Serrano, Secretario de la Comisin Provincial de Monumentos de Granada,
afirmaba en relacin con la restauraciones de la Alhambra como ...son preferibles las
ruinas a prosaicas y disparatadas restauraciones; excitan las unas poticos sentimientos
y desprecio las otras. Ver del mismo Manual del artista y del viagero en Granada,
Granada, J.A.Linates, 1846. p.129

13
los siglos y, sobre todo, se busc convencer a una poblacin que buscaba
asentarse de cuanto en su integracin jugaba ser capaces de identificar
como propias las formas presentes en las clases dominantes.

Al ser (formalmente) similares sus viviendas a las de la clase dominante,


quedaban integrados y la grandilocuencia de la casa vasca, de la
arquitectura montaesa, de la vivienda andaluza fueron tpicos que
se intentaron aplicar a las casas baratas, buscando que quienes haban
emigrado olvidaran sus races. Pero hubo una reaccin; la de quienes
entendieron que tal referencia a la tradicin era solo una mscara formal,
por cuanto la realidad de aquellas viviendas nada tena que ver con la
autentica tradicin. Y fue entonces cuando surgi el estudio de la arqui
tectura rural, centrndose aquella reflexin no en detalles formales cuanto
en el uso de los materiales empleados en su construccin, en la adecuacin
de la vivienda tanto a condicionantes climticos como al medio geogrfico
o analizar cuanto el interior de aquellas vivienda no solo responda a un
programa de necesidades especifico, sino al hecho tambin que el tiempo
haba sido capaz de perfilar, matizar y simplificar. Entendieron entonces
cuanto la arquitectura popular deba ser pauta no tanto formal sino en la
voluntad por definir una moderna arquitectura basada en la simplificacin
(es decir, en la economa del gesto). Y fue por ello como en torno a 1920
cobraba cuerpo la voluntad por normalizar lo vernculo.

Se abra as un segundo momento, cuando -buscando forzar que quienes


vivieran en las grandes ciudades se amoldaran y cambiaran sus programas
de necesidades y tradiciones- las casas econmicas promovidas por la Ley
de Casas Baratas de 1911 o, incluso, gran parte de las edificadas tras la
ley de 1921, se plantearon de este modo. El inventado neo-vasco no fue
privativo de las grandes mansiones de Algorta o Neguri, sino que desde el
Partido Nacionalista Vasco hubo quien, como Jos Poss, busc convencer
que la nueva arquitectura obrera, construida en ncleos urbanos, deba ser
prxima formalmente a aquella otra (la de los caseros) levantada en
el medio rural. Desde idntica argumentacin el pastiche sevillanista de
Anbal Gonzlez se converta -en las Casas construidas por Traver para el

14
Real Patronato Sevilla- en referencia de una arquitectura que nunca haba
existido, imponindose del mismo modo la arquitectura montaesa
defendida por Rucabado en muchas de las construcciones econmicas
de aquellos aos. Fue entonces cuando Ortega y Gasset reclam llevar
a la cultura espaola la componente de reflexin de la que se hallaba
menesterosa. Seal como el error de los tradicionalistas radicaba no en su
amor a la tradicin sino en su incapacidad por preservar sta comentando
los tradicionalistas pretenden llevar el presente al pasado y carecen de
verdadero respeto por ste puesto que si lo tuviesen se abstendran en su
empeo por petrificarlo. El pasado autntico se encuentra profundamente
vinculado al presente y debe sobrevivir al futuro; su lucha contra el pasado
muerto es compatible con su inters por la historia, en un sentido similar
a como la inexistencia del futuro es compasible con la lucha contra lo
fantstico.

Ortega entr en el debate sobre el tradicionalismo en arquitectura de


manera directa por cuanto implicaba retomar -aunque sin citarlo- el debate
sobre la Metrpolis formulado por los filsofos y socilogos alemanes
contrarios a la idea de Grostadt. Preocupado (de acuerdo con lo sealado
por Sombart en su estudio sobre el lujo) por la cultura manipulada por el
parvenu, la bsqueda de la identidad le llevara a contraponer tradicin
al concepto de efmero sealando como ...existen algunos que reivindi
can la tradicin, pero son ellos precisamente los que no la siguen porque
tradicin significa cambio5. En un momento en que la referencia a la
raza se identificaba -fuera por catalanes, vascos, andaluces o parti
darios del perdido Imperio- con la imagen del regionalista (o, en su caso,
desde la referencia al extrao estilo Monterrey) aquellas propuestas se
plantearon no desde la voluntad por establecer un cambio de vida sino,
por el contrario, desde la pretensin por dar imagen a la vaca identidad
del parvenu. Valorando lo regional como reflejo de todava inconfesas
ambiciones polticas, la opinin de historiadores de la arquitectura como

5
ORTEGA Y GASSER, Jos Nuevas casas antiguas en Obras Completas, Madrid,
t.II, El Espectador VI (1927) , p.654-657.

15
Torres Balbs era clara: en nombre de ese falso y desgraciado casticismo
se nos quiso imponer el pastiche, fijndose en las normas ms exteriores
de algunos edificios de estas pocas que se ha trasladado a nuestras
modernas construcciones, creyen do as pro seguir la inte rrumpida
tradicin arquitectnica de la raza. Pero no pensaban los propagandistas
de esta tendencia en que, segn ella, el casticismo consista en imitar a los
arquitectos de hace siglos, los cuales indudablemente no fueron castizos
puesto que no haban limitado a sus antecesores6.

Frente al regionalismo, quienes crean que la Gran Guerra deba


entenderse como el punto lmite de una cultura, forzando en ciudad tanto el
Rappel a lOrdre como un Ordine Nuovo o un Esprit Nouveau, la voluntad
por simplificar fue paralela a la preocupacin de quienes buscaron expresar
la tradicin, centrando se preocupacin en estudiar cuales deban ser las
mnimas condiciones de higiene y salubridad a las viviendas rurales, idea
reiteradamente valorada en revistas como La Pluma, La Revista Blanca
o Nueva Vida al destacar como la construccin de una nueva sociedad
implicaba una visin arquitectnica distinta. En aquella Espaa, Azorn,
Alomar o Baroja reclamaron en artculos de prensa la reflexin sobre la
autentica vivienda popular7, mxime cuando -como seal Bernardo Giner
de los Ros ...en 1915 exista ya una juventud, todava dentro del Escuela
de Arquitectura de Madrid, que pugnaba por renovarlo todo... Cuando
termin la contienda y se empez en a Espaa construir, hubo una fuerte
generacin de arquitectos jvenes que fue la que realiz el milagro a que
antes me refera.8

6
TORRES BALBS, Leopoldo Mientras labran los sillares, en Arquitectura, junio
1918, p.17-21
7
La crtica de Azorn al Madrid moderno haba aparecido en La Voluntad, Madrid, 1902,
p.107. Sobre la arquitectura popular ver Las casas, en Arquitectura, 1918, p.48; las
citas a Baroja y sus opiniones sobre la arquitectura estn reflejadas tanto en GONZALEZ
MARTIN, Francisco Javier Crisis existencial y lucha de clases en el Madrid barojiano,
en La sociedad madrilea durante la Restauracin, Madrid, Comunidad de Madrid,
1989, t,II, pp.251 y 264. As mismo, ver MORAL, Carmen. La sociedad madrilea de fin
de siglo y Baroja, Madrid, 1974, p.84
8
GINER DE LOS ROS, Bernardo Cincuenta aos de arquitectura espaola (1900.1950)

16
Desde 1920 algunos de aquellos jvenes que comentara Giner (del
mismo modo que algunos de sus mayores) consideraron tema prioritario
de su tiempo dar respuesta a la falta de viviendas econmicas, salubres e
higinicas, para lo que recurrieron a la citada normalizacin de lo vernculo,
buscando aprender de la arquitectura popular. Se hizo entonces preciso
diferenciar y precisar las caractersticas de las mismas, planteando como
la cuestin no era ya encontrar un estilo patrio cuanto dar respuestas
econmicas y rpidas a problemas de alojamiento. Torres Balbs seal
(a comienzos de los aos veinte) cuanto la preocupacin deba ser definir
la arquitectura de los parias mientras que Moreno Villa destac como la
preocupacin era entender el sentido de Funcin contra forma. Confort
contra lujo9. Fueron los aos en los que la incipiente vanguardia (fuera esta
catalana, como evidenci GATCPAC en sus trabajos sobre la arquitectura
mediterrnea o la llevada a trmino desde Madrid en propuestas como el
Concurso para poblados en el Guadalquivir y Guadalmellato) donde no
solo se quiso normalizar lo vernculo sino, yendo ms all de la estanda
rizacin, proponer una primera industrializacin entendiendo cuanto la
orientacin de la vivienda, el programa de necesidades, la relacin con el
medio constituan las bases de la modernidad.

La Guerra Civil, sabemos, interrumpi la reflexin y abri el tercer


momento antes sealado. Por una parte, algunos clamaron (intilmente,
por cuanto incapaces de sintetizar en arquitectura sus gritos quedaron en
vacas consignas) por definir la arquitectura nacional (que identificaron
el impreciso ideal herreriano) como alternativa a la modernidad. Frente a
quienes hoy apuntan como la arquitectura de aquellos aos se traz desde
la clara influencia escurialense, convendra precisar dos hechos: que solo
Gutirrez Soto recurri a aquel proyecto en el Ministerio del Aire, sin
que ningn otro arquitecto en aquella primera posguerra tomara dicho

Mxico, Patria 1952


9
MORENO VILLA, Jos Conferencia dado en la Residencia de Estudiantes el 26 de
marzo de 1930. Ver GUERRERO, Salvador Arquitectura y arquitectos en la Residencia
de Estudiantes Residencia, n8, 1999, pp,14-16

17
edificio como pauta; luego, destacar que Gutirrez Soto proyect para
dicho Ministerio una sola planta, ofreciendo una doble composicin en
fachada: una, pseudo-Troost (por cuanto ambas ideas fueron sometidas a
la opinin de Speer) y otra, la escogida por el ministro alemn. Buscando
quiz alagar a una Falange descabezada (recordemos como de los
veintisis puntos fundacionales, seis se referan al campo) reiteradamente
se glos el mundo rural, omitiendo sealar cuanto tal poltica obedeca
-destruida durante la Guerra la industria- a la necesidad de llevar a
trmino una poltica autrquica. Dado que el pas deba autoabastecerse,
fue preciso asumir pautas de racionalizacin en la construccin de lo
popular. Frente a la propaganda, la realidad en la actuacin no tanto de
Regiones Devastadas como del Instituto Nacional de Colonizacin fue
distinta a las soflamas triunfalistas reclamadas por un Rgimen vacio
ideolgicamente de contenido. Si por una parte Diego Reina postulaba y
teorizaba sobre las Directrices para un estilo Imperial10, en el INC (y
en muchas actuaciones de la Direccin General de Regiones Devastadas)
la preocupacin fue proponer soluciones basadas en el estudio del medio
geogrfico; en la repeticin de las viviendas construidas; en la variacin de
elementos formales, en la simplificacin compositiva o en buscar conse
guir la mxima economa en la construccin.

La depuracin en la ornamentacin, la bsqueda de una economa del gesto


en los proyectos de aquellos poblados (en una Espaa donde, recordmoslo,
hasta entrados los aos sesenta el mundo rural era el autentico motor
econmico del pas) fue donde la necesidad impuso no gestos retricos
sino precisin y simplificacin. De este modo, el largo camino recorrido
durante ms de un siglo (camino demasiado a menudo identificado con
planteamientos nostlgicos cuando no claramente regresivos) evidencia,
como en su da comentara Ignacio de Sola Morales sobre el tema11, cuanto
las caas se tornaron lanzas; las lanzas se tornaron caas.

REINA DE LA MUELA, Diego Directrices arquitectnicas de un estilo imperial.


10

Madrid: Ediciones Verdad, 1944,


11
SOL MORALES, Ignacio La arquitectura de la vivienda en los aos de la
autarqua Arquitectura, marzo 1976, n199, pp.19-30.

18
Das origens da arquitectura popular
ARQUITECTURA POPULAR em Portuga no sculo XIX:
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia Arqueologia de uma ideia
Paulo Simes Rodrigues

Das origens da arquitectura popular


em Portugal no sculo XIX:
Arqueologia de uma ideia

Paulo Simes Rodrigues


psr@uevora.pt
CHAIA - Centro de Histria da Arte e Investigao Artstica
Universidade de vora

O que a arquitectura popular? Esta , ainda hoje, uma pergunta


de difcil resposta. A demonstr-lo, a sua frequente preterio, no discurso
actual, por categorias sinnimas ou prximas como arquitectura vernacular,
tradicional, rstica ou regional. Todas elas enunciam uma arquitectura
resultante de um saber emprico, ontologicamente vinculado experincia
humana das caractersticas ambientais do lugar, predominantemente
rural, construda apenas com materiais locais, de autoria annima, com
uma existncia de longa durao, se no mesmo atemporal ou supra-
histrica. Convoca a idealizao de um tempo pr-industrial e pr-
capitalista, agrrio, que se acredita ter sido mais humano e solidrio,
de maior equilbrio entre o cultural e o ecolgico1. O popular destaca o
carcter no erudito e tradicional desta arquitectura, e corresponde sua
primeira formulao histrica, sendo aqui adoptada porque essa tambm
a natureza da presente abordagem do tema: a histria da conceptualizao
da ideia de arquitectura popular, do seu significado e da sua relevncia no

1
WELLS, Camille - Old Claims and New Demands: Vernacular Architecture Studies
Today. In Perspectives in Vernacular Architecture II. Columbia: University of Missouri
Press, vol. 2, 1986, p. 1-10.

19
Das origens da arquitectura popular
ARQUITECTURA POPULAR em Portuga no sculo XIX:
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia Arqueologia de uma ideia
Paulo Simes Rodrigues

contexto da cultura e das prticas arquitectnicas em Portugal no sculo


XIX.
Falamos em conceptualizao da ideia de arquitectura popular porque, em
rigor, em Portugal, at ao segundo quartel do sculo XX, a formulao do
conceito no ter uma enunciao fixa. Como verificaremos mais adiante,
foi frequentemente substituda pelas designaes mais generalistas de
habitao ou casa rural ou tradicional. Antecede-a, a partir da dcada
de 1880, a consolidao terica e sequente fixao da categoria mais
abrangente de arte popular2, utilizada sobretudo para classificar as
formas populares das denominadas artes aplicadas (tambm chamadas de
artes industriais ou artes decorativas), mas nas quais, por vezes, tambm
se inscreve a arquitectura corrente, em especial a casa e, em particular,
a casa rural. Logo, a abordagem do tema da arquitectura popular no
sculo XIX ter que consistir, necessariamente, numa arqueologia da sua
conceptualizao.
O conceito de arquitectura popular radica na ideia da cabana primitiva, a
qual, por sua vez, remonta ao sculo I a.C., ao Tratado de Arquitectura de
Vitrvio. O arquitecto romano entendeu a arquitectura como um processo
evolutivo paralelo ao desenvolvimento civilizacional, com origem na
imitao dos abrigos dos animais, impulsionada pela capacidade humana
de resistir e ultrapassar as circunstncias ambientais que condicionavam
a sua existncia. Em Vitrvio, a arquitectura comea por ser um meio
de proteco, de estrutura varivel, em funo dos recursos materiais
disponveis (folhas, ramos, lama ou cavernas), que evolu at pequena
cabana, a cabana primitiva, cuja configurao e construo tambm
estariam condicionadas pelas qualidades dos materiais fornecidos pela
ecologia do local. medida que a humanidade se ia apercebendo do

2
LEAL, Joo - Metamorfoses da Arte Popular: Joaquim de Vasconcelos, Verglio Correia
e Ernesto de Sousa. Etnogrfica. s.l.: Celta, vol. VI, n. 2 (2002), p. 251-280.

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potencial dos recursos proporcionados pela natureza e foi dominando


a tecnologia para os transformar e aplicar, evolu para a edificao em
pedra ou tijolo, conferindo-lhe uma dimenso esttica que teve no templo
a sua forma mais elaborada e perfeita. No entanto, mesmo na forma mais
elaborada e perfeita de arquitectura que o templo, no deixa de estar
incorporada, na sua estrutura base, a matriz original da cabana primitiva:
a forma rectangular, a cobertura de duas guas e a fachada principal com
o vo de acesso. Deste modo, para Vitrvio, a cabana surge como um dos
primeiros grandes feitos da humanidade, logo a seguir descoberta do
fogo e organizao da vida em comunidade3.
No sculo XV, a partir da referncia de Vitrvio, a ideia da cabana primitiva
recuperada pelas tratadsticas renascentista e maneirista. Pela primeira
vez por Filarete, no seu Tratado de Arquitectura (1464), que cristianiza a
ideia da cabana primitiva associando-a figura de Ado, o construtor da
habitao rstica original, para ali se abrigar com Eva depois da expulso
de ambos do Paraso. Seguiram-se Leon Battista Alberti (Da Arte
Edificatria, 1485) e Andrea Palladio (Os Quatro Livros de Arquitectura,
1570). No sculo XVIII, o abade Marc-Antoine Laugier, no seu Ensaio
sobre Arquitectura (1753), elegia a pequena cabana rstica como a primeira
casa humana e modelo fundador de todas as arquitecturas, incluindo das
mais monumentais. Segundo Laugier, todas as edificaes remetiam para
este primeiro prottipo de casa, em que estavam consubstanciados os
princpios base da arquitectura: quatro estacas, quatro traves ou vigas e um
telhado. A cabana primitiva era assim elevada, por Laugier, a paradigma
supra-histrico da arquitectura4.

3
Vitrvio, Tratado da Arquitectura, Livro II, Captulos 1-3 e 7.
4
WITTMAN, Richard - The Hunt and the Altar. Architectural origins and the Public
Sphere im Eighteenth-Century Culture. In Studies in Eighteenth-Century Culture.
Maryland: The Johns Hopkins University Press, 2007, p. 235-259.

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J em pleno iluminismo, Quatremre de Quincy, autor da Encyclopdie


Mthodique (1787-1788), atravs das entradas Arquitectura, Cabana
e Carcter, introduzia a noo de que os modos de habitar eram
determinados pelas circunstncias sociais, ambientais e econmicas de
cada nao ou regio. A verificao da variedade dessas circunstncias,
em conformidade com a variedade geogrfica, levou concluso, por
parte de Quatremre de Quincy, de que a primeira forma de habitao no
tinha ficado cingida cabana primitiva. Tinham havido outros modelos
arquitectnicos fundamentais, refgios que respondiam s condies
ambientais concretas e especficas dos locais onde estavam localizados
e que, com a passagem do tempo, evoluiriam no sentido de estilos
arquitectnicos distintos. Enquanto a cabana, com a sua estrutura fechada
de grande estabilidade, prpria das populaes sedentrias de agricultores,
estava na gnese da arquitectura grega, a gruta, com os seus interiores
pesados e escuros, refgio natural de caadores e pescadores, estava na base
da arquitectura egpcia. Por outro lado, a tenda, com a sua estrutura ligeira
e mvel, que respondia condio nmada das comunidades pastoris,
tinha conduzido s simples construes de madeira chinesas. Ou seja, os
diferentes modos primitivos de habitar reflectiam-se, em tempo longo,
nas especificidades das arquitecturas nacionais e regionais. Quatremre
de Quincy ultrapassava, assim, a ideia da cabana primitiva como modelo
supra-histrico, introduzida por Laugier. Ao considerar que, logo na sua
origem, as habitaes manifestavam particularidades determinadas pelas
diferenas biofsicas, sociais e culturais dos territrios e dos grupos
humanos que os ocupavam, Quatremre de Quincy reintroduziu a dimenso
da circunstancialidade histrica retirada por Laugier arquitectura. essa
historicidade que ir ser aprofundada ao longo do sculo XIX, destacando-
se o contributo do engenheiro e arquitecto francs Eugnne Viollet-le-Duc,
com a sua Histria da habitao humana desde os tempos pr-Histricos
at aos nossos dias, publicada em 1875.

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Obra de inteno pedaggica destinada aos jovens, a Histria da


Habitao Humana de Viollet-le-Duc inovava ao considerar que as
edificaes correntes, levantadas sem monumentalidade, com a funo
de habitao, tambm eram arquitectura. Tal como sucedia com as
formas primitivas de abrigo em Quatremre de Quincy, as configuraes
e os materiais de construo das habitaes descritas por Viollet-le-Duc
variavam, desde a pr-histria, de acordo com as suas circunstncias
geogrficas. No entanto, Viollet-le-Duc introduzira uma novidade em
relao teoria e histria da arquitectura que o antecedera, racializou a
evoluo dos diferentes tipo de habitao, possivelmente influenciado
pelo o trabalho de Joseph-Arthur de Gabineau, que desenvolveu uma
teoria sobre a desigualdade das raas (Essais sur leinegualit des races
humans, 1855). Para Viollet-le-Duc, a habitao era demonstrativa da
superioridade de algumas raas sobre outras5. Por exemplo, nas raas
inferiores, como a chinesa, o modo de construir habitaes mantinha-
se sem alteraes havia 400 anos: conservavam a mesma estrutura de
madeira, resultante de um procedimento rudimentar que se mantivera fora
do alcance da influncia de outras culturas e da inteligncia dedutiva6.
Mas, mesmo nas variantes que se tinham mantido sem grandes alteraes
ao longo do tempo, como sucedia com a habitao rural, Viollet-le-Duc
encontrava uma qualidade semelhante da arquitectura medieval, uma
inteligncia orgnica e funcionalista que se manifestava na economia,
na eficcia e no pragmatismo dos materiais utilizados, sempre recursos
locais, na capacidade de resistir s intempries, na articulao dos espaos
interiores, na legibilidade externa dessa articulao e na adequao s

5
KERR, Greg - Racialisation du discours dans lHistoire de lhabitation humaine dEu-
gne-Emmanuel Viollet-le-Duc. Romantisme. Paris: Armand Collin, vol. 4, n. 166
(2014), p. 82-94.
6
VIOLLET-LE-DUC, Eugne - Histoire de lhabitation humaine. Paris: Imprimen &
Lahure, [1875].

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formas de cultura. Porque respondia a necessidades muito concretas e


imediatas, na habitao dos povos primitivos, de imaginao passiva, a
forma emergia organicamente da funo, sem a mediao do pensamento
intelectual. Aqui, mais que em qualquer outra tipologia arquitectnica, o
programa imps-se e determinou a forma pela necessidade de cumprir a
finalidade de proteger e de satisfazer as necessidades quotidianas.
Em Viollet-le-Duc, a habitao rural ou casa de campo7 respondia s
necessidades elementares dos homens. Desta forma, Viollet-le-Duc
protagoniza a passagem da ideia da cabana primitiva e da sua essencialidade
funcional para a ideia de habitao corrente e rural, e tambm da
mesma essencialidade funcional. As duas eram annimas, resultavam
da experincia, respondiam s necessidades humanas mais bsicas e
eram construdas pelos materiais disponveis no seu contexto biofsico.
A casa de campo ou casebre resultava do emprego de certas tcnicas de
construo que conservavam todas as caractersticas de uma arte ingnua,
em que a matria era bruta e a mo-de-obra era grosseira, mas a aplicao
do princpio era verdadeira. A aparncia era primitiva porque resistia
aco do tempo mantendo procedimentos construtivos e empregando
materiais ancestrais8. Pelo vnculo que tinha com o ambiente biofsico em
que estava implantada e com os modos de vida por ele determinados, por
responder s necessidades mais primrias de sobrevivncia do Homem, os
elementos estruturais da identidade territorial nunca se perdiam totalmente
e permaneciam incorporados, em longa durao, mesmo depois das

7
No seu Dictionnaire raisonn de larchitec,ture franaise du XIe au XVIe sicles, a
entrada dedicada casa inclu uma sub-entrada especfica dedicada s casas de campo
que, no essencial, corresponde habitao rural. a casa daqueles que ocupam os ex-
tratos mais baixos da estrutura social do mundo rural (fazendeiro, lavrador, campons,
colono), com um caracter prximo do primitivo. VIOLLET-LE-DUC, Eugne - Maisons
des champs. In Dictionnaire raisonn de larchitec,ture franaise du XIe au XVIe sicles.
Paris: Librairie-imprimeries runies, VI, 1860, p. 289-300.
8
VIOLLET-LE-DUC, Eugne, op. cit.

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transformaes provocadas pelas dinmicas da histria, nos modos de


construir. Desta maneira, a ideia de habitao expressa por Viollet-le-Duc
aproxima-se da ideia de arquitectura popular, embora ele nunca utilize essa
designao. Efectivamente, as primeiras aluses explcitas arquitectura
popular surgem a classificar, precisamente, habitaes ou casas.
At ao momento, a historiografia sinalizou o bibliotecrio e arquivista
alemo George Landau como o primeiro autor a utilizar, de forma concreta,
o conceito de arquitectura popular. T-lo- feito em 1850, no contexto de
um trabalho de levantamento dos tipos de casa existentes na Alemanha
(Alcock 1996). Em 1858, George Gilbert Scott, na sua obra Remarks on
Gothic Architecture, convocou a arquitectura popular para a distinguir
da arquitectura eclesistica e, assim, realar as qualidades e o valor da
arquitectura domstica9. Trs anos mais tarde, em 1861, possivelmente
inspirado pelo livro de George Gilbert Scott, o reverendo e historiador
da arquitectura ingls J. L. Petit, numa conferncia que proferiu na
Architectural Exhibition Society, referiu-se aos edifcios do perodo do
reinado de Ana da Gr-Bretanha (1702-1714) como exemplos de um bom
desenho realizado a partir de construes locais, sem referncias a qualquer
estilo clssico ou erudito. Petit afirmou, perante a assistncia da palestra,
que aqueles eram simples edifcios populares ou vernaculares, construdos
por pessoas que obedeciam apenas s suas prprias exigncias utilitrias,
ao seu contexto social, ao clima e aos recursos materiais disponveis. Destas
circunstncias teria resultado um desenho arquitectnico expressivo,
capaz de representar o esprito da poca, adequado tanto s edificaes
particulares como s monumentais10. Na Sucia, em 1891, abria ao pblico

9
OZKAN, Suha, TURAN, Mete, OKAN, Ustunkok - Institutionalised architecture, ver-
nacular architecture and vernacularism in historical perspective. M.E.T.U Journal of the
Faculty of Architecture. Ankara: Middle East Technical UniversityFaculty of Architec-
ture, vol. 2, n. 5 (1979), p. 127-155.
10
COLLINS, Peter - Los ideales de la arquitectura moderna: su evolucin (1750-1950).

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o primeiro museu ao ar livre, o Museu Skansen, que tinha a misso de dar


a conhecer as diferentes condies de vida dos suecos entre o sculo XVI
e a primeira metade do sculo XX, e onde era possvel visitar exemplares
de casas de campo tradicionais reconstrudas ou recriadas no espao do
museu. Em 1898, novamente na Gr-Bretanha, mas seguindo a linha de
abordagem histrico-arqueolgica de Viollet-le-Duc, era publicado The
Evolution of the English House de Sidney Oldall Addy. Como Viollet-le-
Duc, S. O. Addy recuava Pr-Histria, cabana de caa circular, para
explicar a gnese da arquitectura domstica europeia, na qual inscreve a
inglesa, mas abria o texto, logo no primeiro pargrafo, com a afirmao
de que quando discutia a casa inglesa, estava mais interessado numa arte
de edificar popular e nativa que nas formas ou nos estilos emprestados
de outros pases: In discussion the Revolution of the English house we
are more concerne with the popular and nativa art of buildings than with
forms ou styles borrowed from other countries 11.
Em pleno final do sculo XIX, a afirmao de S. O. Addy sintetizava
o contexto cultural em que se tinha consolidado a conceptualizao
da arquitectura popular a partir da ideia inicial da cabana primitiva.
Consolidou-se, em primeiro lugar, no quadro do nacionalismo oitocentista,
que tinha a arquitectura entre as primeiras manifestaes materiais das
identidades nacionais. Em segundo lugar, por via do determinismo
romntico e, depois, positivista que via nas caractersticas especficas
das arquitecturas nacionais e regionais o reflexo da evoluo histrica de
cada povo e das especificidades culturais e ambientais de cada territrio
nacional ou regio. Em terceiro e ltimo lugar, e na sequncia dos dois
factores anteriores, impulsionada pelo interesse no seu estudo de que foi

Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1998.


11
ADDY, Sidney Oldall - The evolution of the English house. London: Swan Sonnen-
schein & Co., 1898.

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objecto por disciplinas cientficas como a arqueologia, a histria, a histria


da arte e sobretudo a recm criada etnologia, que encontrava na casa a
mais completa e complexa expresso da cultura e do habitat humanos.
A arquitectura popular era assim concebida como uma variante dos
estilos arquitectnicos nacionais, mas estruturalmente mais rudimentar,
emprica, informal e pr-determinada pelas caractersticas biofsicas
dos lugares, frequentemente interpretada como sendo uma arquitectura
domstica rural, endogmica e idiossincrtica, resistente influncia dos
estilos internacionais e passagem do tempo, e, por isso, tendencialmente
entendida como endmica e supra-histrica.
Portugal no fugiu ao enquadramento geral da definio das arquitecturas
populares europeias. Nas primeiras referncias, o adjectivo popular
aplicado arquitectura para enunciar as especificidades nacionais e o
empirismo dos estilos gtico e manuelino, em oposio ao caracter erudito
e universalista do classicismo, que na tratadstica europeia, entre o sculo
XVI e a primeira metade do sculo XVIII, consubstanciou a noo de
norma em arquitectura. Segundo Almeida Garrett, escritor romntico,
nenhuma coisa podia ser nacional se no fosse popular12. Para Ramalho
Ortigo, publicista, jornalista e escritor de marcada influncia positivista,
o manuelino era um produto do gnio da raa portuguesa, logo era
uma arte popular. Ramalho no acreditava que o artista fosse capaz de
inventar alguma coisa. Aqueles a que chamamos artistas no eram mais
que indivduos dotados de faculdades receptivas capazes de absorver e
conjugar os impulsos estticos emitidos pelos ambientes natural e cultural
circundantes. Por esse motivo, um monumento como o Mosteiro dos
Jernimos em Belm no era a obra de um indivduo artista, mas a obra de
um povo, do povo operrio portugus, do povo arteso que tinha aprendido
o seu ofcio com os mouros de Granada e Toledo, com os canteiros, oficiais

12
GARRETT, Almeida - Adozinda. Lisboa: Em Casa da Viuva Bertrand e Filhos, 1853.

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e mestres portugueses que tinham viajado at ndia, com os arquitectos


das fortalezas e igrejas ultramarinas. Sem formao tcnica, estes artesos
tinham sido incapazes de absorver e racionalizar as muito variadas e novas
formas arquitectnicas que encontraram nos territrios ultramarinos.
Incapacidade que Ramalho considerou uma virtude. Ele acreditava que
a arte de um povo era bela porque era um sentimento e no um preceito
acadmico, porque no era correcta, mas livre, expressiva, arbitrria,
desproporcional e assimtrica. O povo era o autor e o destinatrio da arte
manuelina13.
Seguindo a linha de pensamento de Ramalho Ortigo, o historiador
e arquelogo conimbricense Antnio Augusto Gonalves tambm
considerava que o manuelino era popular porque resultava da deficiente
preparao tcnica dos artfices portugueses, compensada pelo seu poder
de adaptao e capacidade imaginativa14. Ou seja, o carcter popular do
gtico ou do manuelino correspondia apropriao emprica nacional
de correntes artsticas internacionais e de influncias estticas externas,
decorrentes da experincia dos portugueses nos territrios ultramarinos,
transmitida pela prtica do fazer, sem a interveno de um sistema de
ensino formal. No correspondia exactamente expresso artstica
de uma cultura local, de longa durao, que seria, no que concerne
arquitectura manuelina, segundo o historiador Joaquim de Vasconcelos,
uma impossibilidade, devido a uma no explicitada ciso entre a alma
popular e as tradies locaes, entre a nao, a grande massa anonyma,
e os espiritos mais illustres da sociedade portuguesa, por um abismo de
ignorancia. A ser possvel, s o seria nas denominadas artes industriais,

Texto publicado pela primeira vez na Revista Ilustrada de 15 e 30 de Abril de 1890. OR-
13

TIGO, Ramalho - Arte Portuguesa. In A Arte Portuguesa (Obras completas de Ramalho


Ortigo). Lisboa: Livraria Clssica Editora, vol. III, 1947, p. 135-145.
14
GONALVES, Antnio Augusto - Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. In A Arte e a
Natureza em Portugal. Porto: Emilio Biel & C., volume III, 1903.

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designadamente naquelas que se mantinham preservadas na habitao


rustica da familia portugueza15. Joaquim de Vasconcelos colocava, deste
modo, a casa e as artes industriais populares, ou seja as artes produzidas
e transmitidas informalmente no contexto das actividades domsticas,
no centro do inqurito acerca da existncia de uma arte nacional. Apesar
de no reconhecer a especificidade nacional do manuelino, ao levantar a
possibilidade de existir um estilo portugus original no futuro atravs do
desenvolvimento das artes industriais domsticas, Joaquim de Vasconcelos
ajuda-nos a compreender como, no contexto do nacionalismo oitocentista,
a conceptualizao da ideia de arquitectura popular portuguesa surge
vinculada ao debate volta dos estilos nacionais de arquitectura e se
desenvolver, tal como sucedeu em Frana, na Gr-Bretanha ou na Sucia,
por via do estudo da histria e da antropologia da habitao e dos modos
de habitar tradicionais e rurais.
Devemos fazer aqui um parntesis na sequncia do nosso discurso para
observar como, paralelamente aos factores acima mencionados, um
outro tambm ter sido relevante para a consciencializao do vnculo da
arquitectura rural ao lugar, princpio base da ideia de arquitectura popular.
Referimo-nos intensificao da prtica da pintura de paisagem ao longo
do sculo XIX, gnero pictrico que ser uma constante entre os pintores
do movimento romntico e da corrente naturalista, como Roquemont,
Anunciao, Silva Porto, Marques de Oliveira e Jos Malhoa, e que se
prolongar at ao sculo XX. Infelizmente, a inexistncia de estudos
especializados no nos permite aferir o impacte desta pintura de paisagem
na cultura artstica da poca e do seu contributo para a construo de uma
identidade nacional baseada numa representao burguesa do pas, que
tomava como referencia configuradora o mundo rural. O estado actual

VASCONCELOS, Joaquim de - Da Architectura Manuelina. Conferencia Realisada na


15

Exposio Districtal de Coimbra. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1885.

29
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do conhecimento apenas nos permite salientar, na esteira da maioria dos


autores que se debruaram sobre a pintura de paisagem oitocentista, que
esta manifesta uma representao idealizada da vida rural portuguesa que
figura um Portugal humilde, resiliente em relao ao progresso, perpetuador
de costumes e tradies, dcil, ameno, de ancestral estabilidade societal,
embrionariamente vinculada terra, em que o construdo participava da
configurao deste ambiente tanto como os elementos da natureza e a figura
humana16. Tambm assim a interpretaram alguns dos contemporneos
desta produo pictrica, como, por exemplo, Ramalho Ortigo, que, ao
escrever sobre a obra de Silva Porto, refere que Entre os pecegueiros e
as vinhas de Colares, as casas frescas, pintadas de branco, parece terem
sado do prazer do banho e estarem alegres de asseio a enxugar ao sol17.
J. M. Teixeira de Carvalho, num texto dedicado casa moderna datado
de 1901, foi dos primeiros autores a mencionar o contributo de pintores
como Silva Porto (em relao casa minhota) ou Antnio Ramalho (no
que respeita ao edificado da cidade de vora) para a divulgao da casa
tradicional portuguesa18.
Retomemos a sequncia do nosso discurso para verificar como, entre 1880
e 1896, Francisco Adolfo Coelho - introdutor dos estudos lingusticos e
da pedagogia em Portugal, e uma das figuras decisivas para a constituio
e o desenvolvimento inicial da Etnologia e da Antropologia portuguesas

16
Sobre este assunto ver TRINIDAD MUOZ, Antonio - Historia de la pintura portugue-
sa 1800-1840. Cceres: Universidad de Extremadura, 2005; e FRANA, Jos-Augusto
- El siglo XIX. In Arte Portugus, Col. Summa Artis. Historia General del Arte. Madrid:
Espasa Calpe, 1986, vol. XXX.
ORTIGO, Ramalho - Silva Porto. In A Arte Portuguesa (Obras completas de Ramalho
17

Ortigo). Lisboa: Livraria Clssica Editora, vol. III, 1947, p. 42. Texto originalmente
publicado no Dirio da Manh, a 15 de Outubro de 1879.
18
CARVALHO, J. M. Teixeira - A Casa Moderna. In Arte e Arqueologia. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1925a, p. 159-175.

30
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- vai incluir, progressivamente, como reala Joo Leal19, a habitao nas


suas propostas de programas de estudos da Etnologia e da Antropologia
peninsulares. Em 1880 comea por assinalar a importncia da realizar
estudos etnogrficos sobre a construo de casas e cabanas20, em 1890
incorpora a arquitectura popular nos temas a abranger pela antropologia21 e,
cerca de seis anos mais tarde, em 1896, inclui a habitao, particularmente
a habitao rural e suas dependncias, entre os aspectos prticos da
vida moderna que deveriam ser estudados pela Etnografia peninsular22.
Significativamente, distinguia a habitao da arquitectura, sendo que
esta ltima deveria ser estudada no mbito das formas da vida artstica,
juntamente com a escultura, o desenho e a pintura, a literatura, a msica
e a dana. Cinco anos aps a referncia de Adolfo Coelho necessidade
da Etnografia estudar a construo de casas e cabanas, em 1885, no
mesmo ano em que Joaquim de Vasconcelos publicou a sua conferncia
sobre a arquitectura manuelina, Tefilo Braga reconhecia, no Minho, a
sobrevivncia da prtica ancestral de cobrir as casas com colmo ou giesta,
em vez de telha. Costume cuja gnese ele fazia remontar aos gauleses e
cuja prtica em territrio nacional demonstrava estar registada desde a
Idade Mdia, juntamente com a casa isolada e o costume de mudar de
habitao com a mudana de estao (no Alto Minho, as Verandas s

LEAL, Joo - Etnografias Portuguesas (1870-1970): Cultura Popular e Identidade


19

Nacional. Lisboa: Publicaes D. Quixote, 2000, p. 108-109.


20
COELHO, Adolfo - Esboo de um Programa de Estudos de Etnologia Pennsular. In
Obra Etnogrfica. Vol. I, Festas, Costumes e Outros Materiais para uma Etnologia de
Portugal. Lisboa: Publicaes D. Quixote, 1993, p. 677-679.
21
COELHO, Adolfo - Esboo de um Programa para o Estudo Antropolgico, Patolgico
e Demogrfico do Povo Portugus. In Obra Etnogrfica. Vol. I, Festas, Costumes e Outros
Materiais para uma Etnologia de Portugal. Lisboa: Publicaes D. Quixote, 1993, p. 681-
701.
22
COELHO, Adolfo - Exposio Etnogrfica Portuguesa. Portugal e Ilhas Adjacentes.
Lisboa: Imprensa Nacional, 1896.

31
Das origens da arquitectura popular
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eram habitadas no Vero) ou as necessidades de pastagem23. No entanto,


a observao de Tefilo Braga continuava a resultar de uma apreciao
emprica e no do inqurito etnogrfico habitao e arquitectura que
era reclamado por Adolfo Coelho, o qual ter a sua primeira tentativa de
efectivao em 1895, despoletada pelo interesse na questo da existncia
de um modelo tradicional de Casa Portuguesa, que foi determinante para
o estudo histrico, arqueolgico e antropolgico da arquitectura popular
portuguesa em finais da centria de XIX.
A Casa Portuguesa representou para a arquitectura domstica, na primeira
metade do sculo XX, aquilo que o estilo manuelino representou, na
segunda metade do sculo XIX, para a histria da arquitectura: a expresso
material e edificada de uma identidade nacional. Sendo que o estilo
manuelino nascera da especificidade das circunstncias dos sculos XV e
XVI, que haviam proporcionado o cruzamento do gtico com a influncia
da natureza e da arte dos territrios descobertos pelos portugueses,
enquanto a Casa Portuguesa radicava em formas ancestrais de construir e
habitar, que integravam tanto a arquitectura vernacular como a arquitectura
portuguesa dos sculos XVII e XVIII. Normalmente associado figura e
obra do arquitecto Raul Lino, tanto construda como terica24, que viu
na possibilidade da sua existncia um meio de renovao da arquitectura
portuguesa que conciliasse as necessidades e o conforto da vida moderna
com a tradio e a adaptabilidade s condies ambientais do territrio
nacional, a primeira abordagem do tema da Casa Portuguesa parece dever-
se ao militar e etnlogo Henrique das Neves.

BRAGA, Tefilo - O Povo Portugus nos seus Costumes, Crenas e Tradies. Lisboa:
23

Publicaes D. Quixote, 1995 (3 ed.), p. 104-105..


24
Raul Lino publicou A Nossa Casa. Apontamentos sobre o Bom Gosto na Construo
de Casas Simples em 1918, A Casa Portuguesa. Ideia Geral em 1929, no mbito da
Exposio Portuguesa em Sevilha, e Casas Portuguesas. Alguns Apontamentos sobre o
Arquitectar das Casas Simples em 1933.

32
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De facto, a primeira referncia conhecida ao tema da Casa Portuguesa


surge num pequeno opsculo escrito por Henrique das Neves e publicado
em 1893, dedicado ao estudo de uma estrutura militar localizada na cidade
de Viseu, ento entendida como pr-romana ( hoje considerado que ter
sido edificada pelos romanos ou durante o perodo islmico) e associada a
Viriato, o lendrio lder da tribo lusitana que resistiu conquista romana
no sculo II a.C., denominada, por esse motivo, de Cava de Viriato. Ao
descrever a cidade de Viseu, referindo-se existncia de casas no estilo
urbano antigo portugus, Henrique das Neves inclu uma nota de final
de texto em que se interroga sobre a possibilidade da existncia de um
tipo portuguez, de casa de habitao, ideia que lhe tinha sido transmitida
pela primeira vez pelo gegrafo M. F. Paula de Oliveira, depois de uma
viagem de estudo no campo da antropologia pr-histrica que realizou a
Trs-os-Montes, na companhia do militar, gegrafo e arquelogo Joaquim
Filipe Nery Delgado25. Caracterizavam-se as casas de habitao daquela
provncia pela invariante estrutural de (...) ser reintrante a parede frontal
do ltimo pavimento em relao parede mestra que vem dos alicerces,
dando, assim, espao a um balco longo e desoprimido, abrigado pelo
telhado saliente, de modo a proteger contra as neves do inverno e os
ardores do estio (Neves 1893, 47). Alm de Trs-os-Montes, Henrique das
Neves tambm reconheceu a presena daquele tipo de casa de habitao
no Porto e na Beira Alta, nas ruas e nos campos e aldeias dos arredores
de Viseu. Eram habitaes que poderiam variar no nmero de pavimentos
ou na disposio de alguma parte, mas, no geral, desde a casa solarenga
casinhota de um andar, mantinham as mesmas caractersticas: a
habitao propriamente dita localizava-se no primeiro piso, ao qual se
acedia por uma varanda, assente numa parede frontal que, a partir do solo,

NEVES, Henrique das - A Casa de Viriato. Notcia Descriptiva e Crtico-Histrica. Com


25

um Appendice a propsito dos Moinhos do Pintor, subsdio para a questo da existncia


de Gro Vasco. Figueira da Foz: Imprensa Lusitana, 1893, p. 10, 47-48.

33
Das origens da arquitectura popular
ARQUITECTURA POPULAR em Portuga no sculo XIX:
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia Arqueologia de uma ideia
Paulo Simes Rodrigues

se elevava altura de 1 a 2 metros; o piso trreo era destinado adega


nas casas nobres (por isso no tinha portas nem janelas, mas culos) e
recolha de animais nas casas de gente remediada; no ultrapassavam os
trs andares e apresentavam telhados de beirais alongados. Ao terminar a
sua descrio, Henrique das Neves voltava a perguntar se Esta forma de
construco no constituiria um tipo de casa de habitao?26.
Henrique das Neves ir retomar a questo num artigo que deveria ter sido
publicado na revista Arte Portuguesa em Fevereiro de 1895, expectativa que
no se concretizou devido ao encerramento daquele peridico. Henrique
das Neves pretendia responder a um outro artigo, publicado no primeiro
nmero da mesma revista pelo seu director, o historiador Gabriel Pereira,
cuja inteno teria sido mostrar que no existia um tipo portugus de casa,
somente um caracter construtivo regional, distinto em cada regio. De
acordo com o prprio Henrique das Neves, o texto de Gabriel Pereira fora,
por sua vez, uma reaco ao contedo da nota dedicada Casa Portuguesa
que ele inclura no seu estudo acerca da Cava de Viriato27.
Gabriel Pereira publicara oito estampas (da autoria de Casanova) que
representavam oito tipos de casa da Beira Alta, designadamente das vilas
de So Pedro do Sul e Ceia. As estampas ilustravam um texto em que
Gabriel Pereira destacava os elementos arquitectnicos comuns a todas
as casas daquela regio, permanncias que se haviam mantido ao longo
do tempo e que se repetiam independentemente das configuraes que
essas habitaes assumiam: as escadas exteriores, com ou sem guarda, as
varandas corridas, cobertas e salientes, com acesso directo habitao, a
parede frontal de igual dimenso desde o nvel do solo at 1 ou 2 metros
de altura, e o piso trreo destinado ao acolhimento dos animais. Duvidava

26
NEVES, Henrique das, op. Cit., p. 47-48.
27
NEVES, Henrique das - Casa Portugueza I. O Ocidente. Lisboa: vol. 19, n 625
(1896), p. 102.

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porm que estas caractersticas fossem suficientes para determinar e


existncia de um tipo de casa portuguesa. At na mesma regio poderia
haver variaes, como sucedia com os pavimentos na Beira Alta. Em
cada regio, porque se adaptava ao clima, aos costumes dos habitantes,
s condies sociais e s circunstncias de segurana, a casa era diferente,
distinguindo-se, por exemplo, pela cobertura, como acontecia com o
telhado da casa minhota e o terrao das casas alentejana e algarvia28. Em
1900, na revista Passatempo, Gabriel Pereira vai concentrar a sua ateno
na casa saloia, dos arredores de Lisboa (Mafra, Sintra e Ericeira), mas
no deixando de salientar, mais uma vez, como a habitao popular - a
designao que ele usa e que corresponder ideia de arquitectura popular
- variava do Minho ao Algarve, quer no aspecto, quer na disposio, na
construo e nos materiais. Enquanto o casal beiro era escuro e sem
chamin, o alentejano e o algarvio eram caiados e todos garridos; enquanto
em Estremoz era utilizado o mrmore, no Minho era o granito e no Sul era
a taipa. Quanto casa saloia, caracterizava-se pela forma cbica de dois
pisos, o superior para habitao e o inferior para celeiro, arrecadao ou
casa de venda, quando estava situada beira de um caminho. Acedia-se
ao piso superior por uma escada exterior, o telhado era de quatro guas
e as paredes eram caiadas, por vezes com os cunhais pintados de azul.
Encostada a uma das paredes laterais, uma casa trrea servia de anexo para
abrigo do gado29.
Impossibilitado de publicar o seu artigo na Arte Portuguesa, Henrique das
Neves acabar por conseguir faz-lo um ano mais tarde, em Junho de 1896,
na revista O Ocidente. Motivado que estava pela vontade de responder ao
que considerava ser uma interpretao equivocada do que escrevera sobre a

28
PEREIRA, Gabriel - Casa Portugueza. O Ocidente. LISBOA: vol. 19, n. 629 (1896),
p. 132.
PEREIRA, Gabriel - Casa Portuguesa. Casa Saloia. In Estudos Diversos. Arqueologia,
29

Histria, Arte, Etnografia. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1934, p. 397-399.

35
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Casa Portuguesa na nota ao estudo da Cava de Viriato, Henrique das Neves


fez acompanhar a publicao seu texto pela republicao do contedo da
referida nota30 e do artigo de Gabriel Pereira para a Arte Portuguesa31. As
duas republicaes permitem-lhe comear o seu artigo por salvaguardar
que no pretendeu, na supracitada nota, apresentar uma soluo para a
questo da Casa Portuguesa, mas enunciar o problema, tendo em conta que
apenas um estudo comparativo das casas das diferentes regies o poderia
resolver. Continua reconhecendo que era possvel encontrar, isoladas ou
em grupo, em todas as provncias do pais, incluindo as ilhas, casas de
todos os estilos do passado. No entanto, a casa que mais demoradamente
tentou definir, a que provocou a sua ateno e despertou a sua curiosidade,
fora aquela que se caracterizava por uma sensata adaptao ao clima de
cada regio e por ser, na sua originalidade, o tipo mais vulgarizado e
persistente de habitao de um ou mais andares, com um certo ar de bem-
estar, que ele encontrara nas aldeias e lugares dos arredores de Viseu32. Era
esta sensata adaptabilidade que fazia com que em Bragana e na Guarda,
devido s neves do Inverno e ao excesso de calor do Vero, as casas se
caracterizassem pela incluso de um balco no piso superior e pelo telhado
bem avanado, solues construtivas que eram reproduzidas nas casas
modernas. Que na Beira Alta, as casas mais modestas tivessem varandas
reentrantes semelhantes s que podiam ser encontradas nas antigas casas
senhoriais, e que tambm poderiam ser encontradas na cidade de Lisboa,

30
NEVES, Henrique das - Casa Portugueza II. O Ocidente. Lisboa: vol. 19, n. 626
(1896), p. 109-110.
ORTIGO, Ramalho - Arte Portuguesa. In A Arte Portuguesa (Obras completas de
31

Ramalho Ortigo). Lisboa: Livraria Clssica Editora, vol. III, 1947, p. 135-145.
32
NEVES, Henrique das, op. Cit., p. 109.

36
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mais concretamente num bairro antigo como Alfama - embora nos bairros
antigos de Lisboa (como na Mouraria) fossem mais frequentes as varandas
que Henrique das Neves denomina de rabes, ou seja fechadas e salientes,
inscritas em fachadas tambm salientes, a partir do limite superior da verga
das portas, protegendo-as da luz e do calor do sol33. Termina transcrevendo
parte da opinio de dois crticos no identificados, a que ter recorrido
para legitimar a sua perspectiva do problema da casa portuguesa. Os dois
crticos responderam sua interpelao confirmando a legitimidade e a
pertinncia das suas observaes, sobretudo da necessidade da realizao
de um inqurito (que incluiria o registo pelo desenho e pela fotografia) s
formas de habitao regional (rural e urbana) que permitisse uma anlise
comparativa, dos materiais construtivos aos elementos decorativos, e,
assim, conseguir responder pergunta sobre a existncia ou inexistncia
de uma casa portuguesa34.
Como notmos, Henrique das Neves reconheceu existirem substanciais
diferenas regionais nos modos de construir casas, das matrias-primas
utilizadas s formas de cobertura ou da abertura de vos. Contudo,
tambm verificou que essa diversidade estava unida por um esprito
comum, derivava da mesma capacidade de adaptar o edificado s
condies climatricas, materiais e sociais de cada regio. A confirm-
lo, a repetio dos elementos ou das solues quando um dos factores
contextuais pouco variava regionalmente, como por vezes sucedia com
o clima a Norte do Mondego (apresentava os exemplos de Bragana,
Guarda e Coimbra) ou a Sul do Tejo (Alentejo e Algarve). Da o problema
da Casa Portuguesa se manter apesar da reconhecida diversidade regional.
Manteve-se porque aquilo que Henrique das Neves procurava com a
noo da Casa Portuguesa no seria exactamente um estilo portugus

33
NEVES, Henrique das, op. Cit.
34
NEVES, Henrique das, op. Cit., p. 110.

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de casa, a fixao de uma linguagem arquitectnica nacional, mas uma


forma nacional de construir, uma gramtica de natureza emprica, uma
sabedoria tradicional adquirida pela experincia em tempo longo que
colocaria a forma a responder funo e s circunstncias contextuais
do lugar. Esta abordagem da arquitectura da casa portuguesa colocava-a
como um problema de cultura e no como um problema de desenho ou
estilo35. Ou seja, entendia-a no somente como construo, mas sobretudo
como habitao especificamente nacional que corresponderia ao que mais
tarde foi designado por arquitectura popular. Talvez por isso a abordagem
da casa portuguesa empreendida por Henrique das Neves interessar mais
aos arquelogos, etnlogos e antroplogos que aos arquitectos. Atenda-se
a como corresponde definio de arquitectura popular avanada pelo
naturalista, etnlogo e arquelogo Rocha Peixoto em 1898, num estudo
que dedica aos palheiros do litoral de Portugal, o qual ter representado
uma das primeiras tentativas de sistematizao da arquitectura verncula
portuguesa.
Para Rocha Peixoto, as arquitecturas populares ou regionais corresponderam
s formas de habitar erigidas pela mesma famlia etnogrfica, determinadas
pela geografia, pelo clima e pela cultura, e resultantes da sua apropriao
dos recursos naturais. Rocha Peixoto chamava a ateno dos seus leitores
para como numa regio de solo grantico, onde a gua era abundante, as
casas estavam dispersas na paisagem, e numa regio de solo calcrio,
onde a gua era rara, as casas aglomeravam-se. Tambm as coberturas se
alteravam em conformidade com o clima: nas regies de grandes neves,
os telhados tinham beirais alongados (Bragana e Guarda) ou declives
profundos (Maro); nas regies batidas pelos ventos das montanhas, as
telhas eram fixas por fiadas de pedra (Baio) ou substitudas por grossas

RAMOS, Rui Jorge Garcia - O problema da habitao e a casa portuguesa como dissdio
35

moderno (1900). In Modernidade Inquieta. Arquitectura e identidades em construo:


desdobramento de um debate em portugus. Porto: Edies Afrontamento, 2015, p. 64.

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placas de xisto (Povos, Telha e Montes), e os telhados de colmo eram


seguros por barrotes e vigas (Campe). Ou ainda os prprios modos de
habitar, cuja variedade era exemplificada pelos fornos da Serra do Gers
que serviam de refugio aos pastores e pelas barracas de rocho da zona da
Peneda, assim nomeadas por serem abrigos abertos na rocha das escarpas.
Contudo, como j tinha notado Henrique das Neves, a todas era comum,
fosse na montanha ou na ribeira, a simplicidade e a rudeza da construo,
feita em funo das necessidades mais bsicas (cozinhar, comer e dormir)
e das actividades agrcolas36.
Aps a divulgao do estudo os palheiros do litoral realizado por Rocha
Peixoto, os inquritos parcelares arquitectura popular das regies iro
suceder-se. Logo no ano seguinte, ser a vez da habitao, do mobilirio
e dos utenslios domsticos das classes populares de Brinches, uma aldeia
alentejana da margem esquerda do Guadiana, do concelho de Serpa,
descritas por Piarra Lopes na revista A Tradio37. Nas habitaes de
Brinches, salientava-se a rudeza da construo, de paredes espessas,
caiadas, feitas quase exclusivamente de taipa e alvenaria, com especial
incidncia no granito, pedra abundante na regio. No exterior, a sua
disposio era irregular, no interior, as casas modernas distinguiam-se
das mais antigas por, nas primeiras, a disposio dos espaos interiores
obedecer a uma lgica que colocava as divises de maior sociabilidade
(sala, saleta e escritrio) na parte da frente da habitao, junto porta
de entrada, com janelas viradas para a rua, enquanto os quartos eram
remetidos para o interior. A cozinha, nas traseiras da casa, era a diviso

36
PEIXOTO, Rocha - Habitao. Os Palheiros do Litoral. Portuglia. Materiais para o
estudo do ser portugus. Porto: Imprensa Portuguesa, Tomo I, Fascculo 1 (1898), p.
79-96.
37
LOPES, Piarra - Habitao, mobilirio e utenslios domsticos I. Habitao. A Tra-
dio. Revista Mensal dEthnographia Portugueza. Lisboa: Typographia de Adolpho de
Mendona & Duarte, n. 2 (1899), p. 24-27.

39
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mais importante, o centro da vivncia domstica. Dentro da cozinha, a


chamin merecia uma caracterizao pormenorizada38.
Em 1900, o escritor, etngrafo e agricultor Jos da Silva Pico caracterizava
a habitao dos montes do Alto Alentejo (do concelho de Elvas)39 e o
arquelogo Albano Bellino procedia de igual modo com as habitaes
urbanas de Braga e Guimares40. O interesse de Albano Bellino pelas
habitaes urbanas merece-nos uma ateno especial, pois, at aqui, a
anlise da arquitectura popular tinha-se concentrado quase exclusivamente
nas habitaes rurais.
Segundo Albano Bellino, a arquitectura popular urbana de Guimares
apresentava duas caractersticas fundamentais. Em primeiro lugar, a
influncia rabe, evidente nas casas com gelosias ou crivos e beirais de
madeira, muito destacados, construdos sobre longos modilhes em forma
de barrotes, estrutura totalmente suportada por uma simples balaustrada.
Quando o edifcio tinha apenas um andar, a gelosia abrangia quase todo
o comprimento e a altura da sua fachada. Nos edifcios com mais de um
piso, ocupava toda a fachada, dividida em pequenas molduras. Em segundo
lugar, a correspondncia entre os tipos de casa e a estratificao social,
com os mais pobres a habitar as casas trreas, feitas com matrias-primas
de baixa qualidade, pouco distintas das rurais. Os comerciantes, industriais
e mdios proprietrios habitavam casas de dois pisos que remontavam ao

38
LOPES, Piarra - Habitao, mobilirio e utenslios domsticos II. Habitao. A Tra-
dio. Revista Mensal dEthnographia Portugueza. Lisboa: Typographia de Adolpho de
Mendona & Duarte, n. 4 (1899b), p. 55-59.
39
PICO, Jos da Silva - Ethnographia do Alto Alentejo (Concelho dElvas) II. Os Mon-
tes. Portuglia. Materiais para o estudo do ser portugus. Porto: Imprensa Portuguesa:
Tomo I, Fascculo 3 [1900], p. 535-548.
40
BELLINO, Albano - Habitao Urbana (Braga e Guimares). Portuglia. Materiais
para o estudo do ser portugus. Porto: Imprensa Portuguesa, Tomo I, Fascculo 3 [1900],
p. 613-618.

40
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sculo XVII, de fachada rasgada por duas janelas, as quais, por sua vez,
ladeavam um nicho aberto na parede exterior, em que estava colocada
uma imagem religiosa. Por vezes, por causa do aumento populacional,
novos pisos de tabique tinham sido acrescentados sobre o primeiro andar
de alvenaria. Finalmente, a habitao dos mais ricos, cuja origem recuava
at ao sculo XVI e que se destacava pelo estilo mais distinto da sua
arquitectura, com um nico andar de amplas dimenses e fachada principal
marcada por trs a seis janelas de parapeito, quase sempre com formatos e
decoraes muito diferenciados entre si41. Neste ecletismo, decorrente da
acumulao de gostos de diferentes pocas, manifestava-se como que uma
apropriao verncula do erudito42.
Estes primeiros inquritos s formas de habitar em Portugal evidenciavam
a sua diversidade regional, confirmando as primeiras impresses de
Henrique das Neves e Gabriel Pereira, de que no existiria um modelo
tipo de casa portuguesa, mas casas portuguesas. A verificao dessa
diversidade, porm, incidia na arquitectura popular, deixando de fora
uma outra possibilidade de referncia histrica para a criao de uma
casa portuguesa, a qual passar a manter o interesse na sua pesquisa,
juntamente com a convico de que essa seria a via de renacionalizao da
construo moderna, ento considerada hbrida e desnacionalizada43. Essa
outra possibilidade de referenciao histrica da casa portuguesa estava na
habitao nobre. Por exemplo, para Lisboa, na segunda edio da Lisboa
Antiga (1904), consideravelmente acrescentada em relao primeira de
1879, Jlio de Castilho advogava a conservao e a imitao dos seus
prdios nobres quinhentistas e seiscentistas, por achar que reuniam as

41
BELLINO, Albano, op. Cit.
42
BARREIRA, Joo - A Habitao em Portugal. IN Notas sobre Portugal: Exposio
Nacional do Rio de Janeiro em 1908. Seco Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional,
vol. II, 1909, p. 147-178.
43
PEIXOTO, Rocha, op. Cit.; BELLINO, Albano, op. Cit.

41
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condies de identidade arquitectnica, estabilidade, amplitude e nobreza


necessrias esttica e s vivncias de uma cidade moderna44. Cerca de
trs anos antes de Jlio de Castilho, J. M. Teixeira de Carvalho, professor
de esttica e de histria da arte na Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, havia traado a primeira linha de argumentao desta hiptese
que colocava a casa nobre maneirista e barroca como prottipo da
renacionalizao da arquitectura domstica portuguesa.
Em 1901, partindo de uma recusa do revivalismo e ecletismo arquitectnicos
de Oitocentos, ainda dominantes naquele incio de centria, devido
ainda muito poderosa influncia esttica da academia francesa de Belas-
Artes45, Teixeira de Carvalho entendia que a frequncia com que se
encontravam, em Portugal, casas renascentistas com valor artstico tinha
enganado os observadores mais superficiais e contribudo para a perverso
e desorientao do gosto nacional, que tinha eleito o neomanuelino como
estilo nacional: Arquitectos modernos tm transplantado para a beira-mar
as construes manuelinas to vulgares na Beira e Douro, baptizando-
as pomposamente com o nome de casa portuguesa46. Para Teixeira de
Carvalho, com excepo da decorao de portas e janelas, a casa manuelina
no apresentava quaisquer particularidades arquitectnicas prprias do
nosso pas.
Por outro lado, Teixeira de Carvalho tambm salientava as curiosas

44
CASTILHO, Jlio - Lisboa Antiga. Lisboa: Antiga Casa Bertrand-Jos Bastos, 1904, p.
343; LEAL, Joana Cunha - A individualidade de Lisboa e o tipo de casa portuguesa em
Jlio de Castilho. Vinte e Um por Vinte e Um. Revista da Escola Superior Artstica do
Porto. Porto: Escola Superior Artstica do Porto, n. 2 (2006), p. 73-85.
45
Teixeira de Carvalho responsabilizava Viollet-le-Duc pela criao no pblico deste gos-
to ridculo pela arquitectura medieval, gosto a que o nosso pas no foi estranho. CAR-
VALHO, J. M. Teixeira - A Casa Moderna. In Arte e Arqueologia. Coimbra: Imprensa da
Universidade, 1925, p. 160.
46
CARVALHO, J. M. Teixeira - Habitao Portuguesa. In Arte e Arqueologia. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1925, p. 72-73.

42
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tentativas, por parte de artistas e eruditos, de averiguar se haveria um tipo de


construo especial do pais que se pudesse chamar a casa portuguesa.
Essas tentativas tinham evoludo no sentido de um movimento que
procurava inspirar-se no estudo das mais modestas habitaes do
passado para levantar construes modernas que afirmassem o carcter
artstico nacional. De entre os protagonistas desse movimento, Teixeira
de Carvalho comeava por destacar a pesquisa de Henrique das Neves,
ressalvando, porm, que ao tipo de casa resultante desse inqurito faltava
universalidade (tinha ficado cingido ao Minho, Douro, Trs-os-Montes e
Beiras), no traduzia a unidade de carcter de um povo47.
Teixeira de Carvalho explicava que embora a casa fosse um produto do
solo, tambm evolua como a populao, satisfazendo as suas necessidades
e indo sucessivamente modificando os tipos primitivos, os quais apenas
se encontram hoje em sitio pobres ou longe do movimento moderno,
nas populaes rurais48. Logo, o tipo de habitao especfica de uma
nacionalidade era proveniente do clima e dos materiais de construo
disponveis, mas tambm do temperamento artstico do seu povo49. Isto
, ao determinismo ambiental, Teixeira de Carvalho acrescentava as
dinmicas da Histria e da Cultura como factores configuradores dos
modos nacionais de habitar. Era esta condio que levava Teixeira de
Carvalho a afirmar que a casa portuguesa no estaria na habitao rural
pobre, hiptese colocada por Henrique Neves e Gabriel Pereira, mas na
casa burguesa do sculo XVI: no por corresponder particularmente ao

47
CARVALHO, J. M. Teixeira - A Casa Moderna. In Arte e Arqueologia. Coimbra: Im-
prensa da Universidade, 1925, p. 171.
48
CARVALHO, J. M. Teixeira - Habitao Portuguesa. In Arte e Arqueologia. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1925, p. 72
49
CARVALHO, J. M. Teixeira - A Casa Moderna. In Arte e Arqueologia. Coimbra: Im-
prensa da Universidade, 1925, p. 172.

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nosso clima, por satisfazer necessidades especiais e prprias da raa50.


Com as suas escadas exteriores que subiam at ao primeiro andar, para
terminarem em peitoris ornamentados com colunas de capitis floridos,
as suas janelas de ngulo simples e as chamins altas e decoradas, aquela
que Teixeira de Carvalho denominava de casa burguesa do sculo XVI
conciliava o respeito pela paisagem em que estava integrada com o
reflexo das mudanas sociais decorrentes do crescimento econmico
proporcionado pelo processo de expanso e colonizao ultramarina dos
sculos XV e XVI.
Teixeira de Carvalho admitia que a casa burguesa do sculo XVI a que
se referia estava concentrada sobretudo no sul do pas. No entanto, o
seu potencial nacionalizador no estava no seu alcance geogrfico, mas
na capacidade da sua configurao, organizao interna dos espaos,
elementos construtivos e implantao na paisagem servirem de referncia
a uma casa moderna que manifestasse uma ideia de nao e, ao mesmo
tempo, respondesse s exigncias da vida hodierna51. Porque a inteno
no era copiar as casas antigas, mas utiliz-las como modelo inspirador,
semelhana do que fazia Raul Lino, arquitecto que Teixeira de Carvalho
considerava ser exemplar enquanto artista moderno: O artista moderno
vive no respeito do passado: mas resolve a dificuldade segundo os preceitos
da arte moderna, segundo as exigncias da vida social que variam
singularmente52. Para o conseguir, como atestavam os desenhos dos seus
projectos com que Teixeira de Carvalho ilustrou o seu artigo, Raul Lino

50
CARVALHO, J. M. Teixeira, op. Cit., p. 172.
51
Era o caso das rtulas, estruturas em madeira de influncia rabe que envolviam as
janelas, de modo a filtrar a passagem da luz, controlar a entrada do calor e permitisse
olhar para fora da casa sem ser visto da rua. Ainda poderiam ser encontradas em Trs-os-
Montes ou em cidades como Braga, Lamego e Coimbra. CARVALHO, J. M. Teixeira,
op. Cit., p. 161-163.
52
CARVALHO, J. M. Teixeira, op. Cit., p. 171.

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tinha eleito como modelo, precisamente, as casas das provncias do Sul,


mas de apenas uma regio, o Alentejo, com os seus telhados irregulares,
as paredes abertas pitorescamente em colunatas, as chamins e as cpulas
erguidas, brancas e decoradas, para o cu.
Apesar de Raul Lino ter afastado a ideia da casa portuguesa da
arquitectura popular, esta relao foi determinante, como verificmos,
para a conceptualizao da segunda no ltimo quartel do sculo XIX.
Tambm fundamentar, no sculo seguinte, a abordagem da arquitectura
popular como objecto autnomo de estudo por etnlogos, antroplogos,
arquelogos e historiadores, e ainda por arquitectos, que no deixaro de
continuar a ver nas habitaes vernculas possveis modelos propositivos
de respostas arquitectnicas a uma funo ou necessidade. Em suma, no
essencial, as duas abordagens tiveram origem na mesma finalidade, dotar
a contemporaneidade. dominantemente urbana, tcnica e progressista, de
uma arquitectura simultaneamente moderna e identitria na sua relao
com o lugar, procura que o sculo XX prosseguir.

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ARQUITECTURA POPULAR Regionalismo y arquitectura en Espaa, 1900-1930
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia Contexto cultural, ideologa y logros concretos
Eric Storm

Regionalismo y arquitectura en Espaa,


1900-1930. Contexto cultural, ideologa y
logros concretos 1

Eric Storm
h.j.storm@hum.leidenuniv.nl
Instituto de Historia
Universidad de Leiden

La arquitectura regionalista no ha recibido mucha atencin en los


repasos histricos. Es comprensible en parte, porque fue un movimiento sin
manifiestos, sin arquitectos estrellas y sin edificios emblemticos. Adems,
se dirigi sobre todo a un gnero menor: la arquitectura domstica. Por lo
tanto, tiene muchos nombres diferentes, en virtud del pas. En Inglaterra se
suele hablar del estilo Queen Anne o sus representantes se clasifican como
parte del Arts & Crafts. En Alemania se habla de estilo tradicionalista o
de Heimatarchitektur. En Francia, Espaa y Portugal se utiliza el trmino
arquitectura regionalista, mientras que en Escandinavia se le suele
definir como National Romanticism2. Como no es considerado como un
movimiento vanguardista e innovador, en la historia de la arquitectura, al

1
Este texto es una traduccin abreviada y ligeramente adaptada del captulo 6 de
STORM, Eric - The culture of regionalism: Art, architecture and international exhibi-
tions in France, Germany and Spain, 1890-1939. Manchester: Manchester University
Press, 2010.
2
Franois Loyer y Bernard Toulier eds., Le Rgionalisme, architecture et identit (Pars
2001); Vincent B. Canizaro ed., Architectural Regionalism: Collected Writings on Place,
Identity, Modernity, and Tradition (Nueva York 2007); Linda van Santvoort, Jan de
Maeyer and Tom Verschaffel eds., Sources of Regionalism in the Nineteenth Century: Art,
Architecture and Literature (Lovaina 2008); Vittorio Lampugnani y Romana Schneider
eds., Moderne Architektur in Deutschland 1900 bis 1950. Reform und Tradition (Stuttgart
1992); Barbara Millar Lane, National Romanticism and Modern Architecture in Germany
and the Scandinavian Countries (Cambridge 2000) 1-8.

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ARQUITECTURA POPULAR Regionalismo y arquitectura en Espaa, 1900-1930
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia Contexto cultural, ideologa y logros concretos
Eric Storm

regionalismo se le ignora casi por completo y en muchos manuales se pasa


directamente del modernismo y el Art Nouveau al expresionismo, Bauhaus
y el funcionalismo. Sin embargo, el regionalismo arquitectnico fue un
movimiento coherente con diseadores brillantes e edificios magnficos.
Adems, fue un componente fundamental de una cultura regionalista ms
amplia y funcion como una especie de transicin decisiva entre el siglo
XIX y el XX. Por lo tanto, en este artculo analizaremos el surgimiento de
la arquitectura domstica de estilo regionalista en Espaa relacionndolo
con el creciente inters, en toda Europa, por la cultura verncula a finales
del siglo XIX y principios del siglo XX, la cual, a su vez, estaba claramente
relacionada con el surgimiento de un nuevo nacionalismo orgnico.

Debates tericos
La arquitectura regionalista surgi hacia finales del siglo XIX,
probablemente con la segunda generacin de arquitectos del movimiento
del Arts & Crafts ingls y se difundi rpidamente por todo el continente
europeo. Sin embargo, lleg muy tarde a Espaa; la mayora de sus
defensores ms prominentes nacieron en los aos 70 del siglo XIX. Esto
se puede explicar probablemente debido a que el mercado de chalets y
casas de campo nuevos en Espaa era ms pequeo que en otros pases
europeos, como Inglaterra, Alemania o Francia. Prcticamente no se
produjo un xodo del interior de las ciudades a barrios residenciales nuevos
o el campo por parte de las clases medias y altas, pese a que no se haba
llevado a cabo una reforma profunda de los cascos antiguos, como s haba
ocurrido en Francia. Las ciudades, que en general eran muy modestas, se
ampliaron con barrios nuevos y lujosos justo fuera del casco antiguo. Sin
duda, el ms ambicioso fue el Eixample de Barcelona. En un principio, se
haba proyectado que estos barrios fueran muy espaciosos, pero la mayora
terminaron siendo barrios urbanos con una gran densidad de poblacin.

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ARQUITECTURA POPULAR Regionalismo y arquitectura en Espaa, 1900-1930
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia Contexto cultural, ideologa y logros concretos
Eric Storm

En estos nuevos barrios solo los ms ricos podan permitirse un chalet


independiente, mientras que las clases medias tenan que conformarse por
lo general con un piso3.
Espaa no estaba a la vanguardia en cuestiones culturales. Sin embargo,
las lites eran conscientes de los desarrollos que se estaban produciendo en
el extranjero y en general se mantenan muy bien informados de toda clase
de nuevas tendencias culturales y artsticas leyendo revistas extranjeras y,
sobre todo, francesas. Esto tambin ocurra con la arquitectura. Al igual
que en otros lugares, las revistas de arquitectura de Espaa contenan
principalmente breves informes sobre cuestiones tcnicas y jurdicas,
crticas de conferencias y libros y ensayos ocasionales. A diferencia de
Inglaterra, Francia y Alemania, no haba revistas dedicadas a las artes
decorativas y las pocas publicaciones de arte ms generales no dedicaban
atencin alguna a la arquitectura. Sin embargo, a partir de alrededor de
1912 un nmero importante de los artculos ms generales de las revistas
profesionales se dedicaron a arquitectura regionalista. Sin embargo, las
crticas de construcciones individuales seguan siendo prcticamente
inexistentes y no haba ningn propagandista autoproclamado que
elaborara modelos para diversas regiones o lugares. La mayora de los
ensayos de las revistas de arquitectura trataban de asuntos ms abstractos,
sin dar ejemplos reales. Sin embargo, uno de los temas que se debati ms
ampliamente fue si el estilo neo-vernculo deba ser el estilo arquitectnico
nacional.
De hecho, este debate era parte de una discusin ms amplia sobre la
identidad nacional espaola y en especial sobre el papel del arte en la
regeneracin del pas. Los arquitectos y crticos remitan a escritores e
intelectuales conocidos, y algunos de ellos tambin intervinieron en los

3
Fernando de Tern, Historia del Urbanismo en Espaa III Siglos XIX y XX (Madrid
1999).

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Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia Contexto cultural, ideologa y logros concretos
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debates arquitectnicos, dando preferencia generalmente a una nueva


orientacin a construcciones vernculas locales. Por ejemplo, en 1909 el
novelista Azorn critic la propuesta de la Quinta Conferencia Nacional
de Arquitectos de Valencia de que los arquitectos deban ampliar sus
actividades a pueblos pequeos, ya que tema que introdujeran el ampuloso
estilo historicista en el campo. En su columna casi diaria del ABC, Azorn
sostena que, a juzgar por los edificios monumentales recientes de Madrid,
la arquitectura estaba en completa decadencia y los arquitectos estaban
produciendo solo viviendas pretenciosas y llamativas que imitaban los
edificios suntuosos de las grandes ciudades. No, dejemos que el genio local
de alarifes y albailes se desarrolle libremente y segn la tradicin. Los
arquitectos modernos operan en abstracto; no tienen en cuenta ni el clima,
la temperatura, la mayor o menor diafanidad del aire, las construcciones
vecinas, el paisaje, etc., etc. Esto no era un gran problema en una ciudad,
pero, en opinin del autor, en los pueblos pequeos el paisaje domina
sobre la construccin y el clima es ms dueo del hombre. Azorn
sostena que era necesario estudiar primero las condiciones y tradiciones
naturales, manteniendo que el profundo instinto de vida y de armona
de los artesanos tradicionales les llevaba automticamente a producir
casas que se adaptaban perfectamente a las circunstancias locales4. Por
consiguiente, en vez de dejar de lado a los artesanos locales, los arquitectos
deban aprender de ellos.
Otros escritores hicieron referencias positivas a ngel Ganivet que,
aunque se suicidara en 1898, se podra considerar como el principal
idelogo espaol de un nuevo nacionalismo orgnico y que ya en 1896, en
su Granada la Bella, hizo un llamamiento similar al de Azorn a favor de
una arquitectura ms orgnica que reflejara las circunstancias y tradiciones

4
Azorn, La arquitectura, ABC (9 julio 1909) 6. A su vez, Azorn fue criticado por un
arquitecto por tener ideas excesivamente simplificadas: Pedro Cerdan, Carta abierta. La
arquitectura, La Construccin Moderna (1909) 331-2.

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locales y que se inspirara en las construcciones rurales existentes. En


opinin de Ganivet, el arte y la arquitectura deban reflejar el entorno
y la mejor forma de hacerlo era con unas creaciones populares simples
y espontneas. Para este escritor, seguir los ejemplos locales era lgico
y econmico. Lo tpico es lo primitivo, es lo primero que los hombres
crean al posesionarse del medio en que viven; y lo primero debe ser y
es lo que exige menos gasto de fuerzas5. Solo se podra conseguir una
regeneracin autnticamente nacional mediante una reorientacin sobre
las circunstancias especficas a escala regional. Por consiguiente, para
Ganivet el regionalismo y el nacionalismo eran dos caras de la misma
moneda.
Manuel Anbal lvarez, profesor de la Escuela de Arquitectura de Madrid,
fue uno de los primeros arquitectos en adoptar el punto de vista de que al
disear un edificio uno tena que tener en cuenta las diferencias regionales.
En su discurso inaugural de 1910 en la Real Academia de Bellas Artes,
sostuvo que cada pas tena sus propias costumbres debido a un clima y unas
tradiciones diferentes. Por consiguiente, importar modelos arquitectnicos
forneos era un error. Sin embargo, en el pasado la arquitectura espaola
haba estado dominada por los estilos extranjeros, algunas veces como
resultado de una ocupacin extranjera, y otras debido a que los reyes traan
arquitectos de fuera. Por lo tanto, dudaba de que existiera un autntico
estilo espaol en el pasado. No obstante, s que expres que esperaba que
se creara un nuevo estilo nacional actualizado en el que la decoracin
interior y el exterior estuviesen en armona con la luz, cielo, atmsfera y

5
ngel Ganivet, Granada la Bella (1896) en: dem, Obras completas (Madrid 1962) I,
59-147, especialmente 123-5. Para las referencias a Ganivet, vase: Leonardo Rucabado,
La tradicin en arquitectura, Arquitectura y Construccin (1917) 27-42, especialmente
38 y Eduardo Gallego, La educacin esttica del pueblo. El arte pblico en Madrid, La
Construccin Moderna (1920) 178-80, especialmente 178.

53
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vegetacin de la localidad6.
Vicente Lamprez y Romea, profesor de historia de la arquitectura en la
Escuela de Arquitectura de Madrid, y que haba sido responsable de la
restauracin de monumentos medievales como la Catedral de Burgos,
ofreci una interpretacin algo ms positiva del pasado arquitectnico de
Espaa. En la inauguracin del Primer Saln de Arquitectura de Madrid
en 1911, Lamprez defendi la necesidad de seguir aquellas tradiciones
arquitectnicas nacionales que se haban convertido en autnticamente
espaolas y que todava se podan adoptar. Las formas arquitectnicas que
integran ciertos estilos histricos son la decantacin, a travs de los siglos
y de las generaciones, de principios y leyes, si variables en un factor (las
costumbres) perennes en otros (el espritu de la raza, las condiciones del
pas). Hizo referencia en particular a los estilos que estaban en uso durante
el periodo ms brillante de la historia espaola, es decir, desde el final de
la Edad Media hasta el Siglo de Oro. Por otro lado, tambin distingui
estilos exticos, que eran imitaciones de los estilos y las disposiciones
extranjeras, contrarias las ms de las veces a las necesidades, a los usos,
a los materiales y al clima del pas: todo por la suprema razn de que es
moda. Estaba de acuerdo con lvarez en que era necesario desarrollar
un nuevo estilo nacional que se adaptara a nuestra vida actual, a nuestro
espritu7. Analizando lo que vio en el Saln, distingui dos grupos: el
cataln y el castellano, que, de hecho, equivala a las respectivas esferas

6
Manuel Anbal lvarez, Lo que pudiera ser la arquitectura espaola contempornea.
Discurso ledo por el autor en el acto de su recepcin en la Real Academia de Bellas Artes
de San Fernando, Arquitectura y Construccin (1910) 139-50, cita 150.
7
Vicente Lamprez y Romea, La arquitectura espaola contempornea. Tradicionalismos
y exotismos. Conferencia dada en el Saln de Arquitectura el 19 de junio 1911,
Arquitectura y Construccin (1911) 194-9, especialmente 195-6. Vicente Lamprez
consideraba sobre todo que los estilos gtico, mudjar y renacentista seguan siendo
aptos para su adopcin, y que tambin se podran utilizar elementos de la arquitectura
musulmana y el estilo churrigueresco.

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de influencia de las escuelas de arquitectura de Barcelona y Madrid. Segn


Lamprez, en la esfera catalana la mayora de los arquitectos seguan
las tradiciones del pas, que en el caso cataln era el estilo gtico, que
era el nico que haba experimentado un potente desarrollo y que tena
caractersticas locales. El problema en el resto del pas se deba no tanto
a los arquitectos -que en general queran construir en un estilo nacional
actualizado- como a los clientes, que pedan imitaciones de tendencias
extranjeras. El nuevo estilo nacional promulgado por Lamprez, como el
que fomentaba lvarez, deba tener en cuenta las diferencias regionales.
Por consiguiente, en Andaluca era lgico construir casas con un patio y
un toldo como en la poca romana, mientras que en Cantabria las casas
deban ser slidas y cerradas como las viviendas celtas8.
Durante los siguientes aos, Lamprez continu predicando a favor
de una nueva arquitectura nacional en gran nmero de conferencias y
artculos. Hizo nfasis incluso en la necesidad de buscar inspiracin
en la arquitectura verncula. En una conferencia que dio en la Real
Sociedad Geogrfica de Madrid, sostuvo que la arquitectura popular de
pocas pasadas estaba sujeta en particular a la tirana de los factores
geogrficos, declarando que las construcciones exticas -la mayora de
las cuales se haba construido para la aristocracia, que se rebelaba contra
estos factores- se deterioraban en seguida o se tenan que renovar. En otra
ocasin, analiz algunas de de las principales tradiciones constructivas
regionales. Y concluy que, al estudiar este tipo de construccin popular:
se adivina el embrin de la Arquitectura regional espaola, adaptada toda
ella al suelo, clima, necesidades y materiales propios de cada regin,
cuyas caractersticas dan lugar a que se consideren como de gran inters
arqueolgico dichos tipos modestos de construcciones, por marcarnos a los

8
Lamprez, La arquitectura espaola, 195-8. Vase tambin: La arquitectura civil.
Conferencias dadas en el curso de estudios superiores del Ateneo de Madrid, por D.
Vicente Lamprez y Romea, Arquitectura y Construccin (1913) 50-8.

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Arquitectos modernos el derrotero que hemos de seguir para espaolizar


nuestra arquitectura, dando de lado a los exotismos que, fundados en la
moda, no puede ser nunca el verdadero Arte, el cual se inspira siempre en
la Naturaleza, maestra de todas las creaciones del hombre; y as como el
pintor y el escultor deben estudiar en ella, el Arquitecto no debe desdear
con construcciones absurdas los elementos que la misma Naturaleza le
proporciona para caracterizar sus obras9.
En el Saln de Arquitectura, Manuel Vega y March, el director y
propietario de Arquitectura y Construccin, la plataforma principal del
debate arquitectnico del pas, y el crtico y arquitecto Luis Mara Cabello
y Lapiedra (1861-1936), que public regularmente en la misma revista
tambin abogaron por un nuevo estilo nacional. Aunque la revista se editaba
en Barcelona, Vega era muy crtico tanto con el movimiento cataln como
con la arquitectura modernista. Sin embargo, respaldaba con todas sus
fuerzas la renovacin de las artes decorativas que se estaba produciendo
en torno al mismo tiempo, un proceso en el que los modernistas tenan
un papel prominente. Al igual que Lamprez en su artculo del Saln,
Vega abogaba por un nuevo estilo espaol moderno, basado en tradiciones
nacionales, regionales y populares. Cabello y Lapiedra tambin defendan
la necesidad de inspirarse en las tradiciones nacionales. En 1917 dedic
incluso un libro completo, llamado La casa espaola, a esta cuestin10.
Se publicaron opiniones similares en Construccin Moderna, aunque

9
Luis S[inz]. de los Terreros, Conferencia del Sr. Lamprez, La Construccin Moderna
(1917) 22 y A. Alcaide, Arquitectura regional (Conferencia en el Ateneo de Madrid),
La Construccin Moderna (1916) 325-6.
10
Manuel Vega y March, Divagaciones sobre el tema Saln de Arquitectura,
Arquitectura y Construccin (1911) 209-13 y Luis Mara Cabello Lapiedra, El Saln
de Arquitectura, Arquitectura y Construccin (1911) 199-208. El libro se llamaba La
casa espaola. Consideraciones acerca de una arquitectura nacional. Vase tambin:
ngel Isac, Eclecticismo y pensamiento arquitectnico en Espaa. Discursos, revistas,
congresos 1846-1919 (Granada 1987) 224-50 y 343-6.

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Eric Storm

esta revista bimensual haca ms hincapi en cuestiones tcnicas y de


ingeniera que Arquitectura y Construccin. Algunas de las conferencias
que dio Lamprez se resumieron en sus pginas. En un artculo breve, Jos
Mara Donosty sostena que la casa espaola variaba de regin a regin,
ya que reflejaba la diversidad regional de la nacin. Esto no solo tena
causas geogrficas y climticas, sino tambin raciales. En sus palabras,
la diversidad de Espaa emana de la vida misma, de sus contrastes
topogrficos, del relieve de su suelo, de la influencias latitudinales, de
las diferencias de sus razas invasoras y aun del sedimiento auctctono
modificado11.
La contribucin ms polmica al debate fue la conferencia conjunta de
Leonardo Rucabado y Anbal Gonzlez lvarez en el marco del Sexto
Congreso Nacional de Arquitectura, que se celebr en San Sebastin
en 1915. Durante los siguientes aos, Rucabado y Gonzlez lvarez
se convirtieron en los exponentes ms destacados del nuevo estilo. El
primero naci en la provincia de Santander, pero tambin trabaj en el
Pas Vasco, mientras que el segundo ejerci en Sevilla. Haban decidido
defender su punto de vista en una conferencia titulada Orientaciones para
el resurgimiento de una arquitectura nacional. Una vez ms, se puede
detectar la misma mezcla de elementos regionalistas y nacionalistas.
Segn ambos conferenciantes, solo se podra producir una regeneracin
nacional respetando las diferencias e identidades regionales.
En esta ocasin, Rucabado y Gonzlez lvarez sostuvieron que la
devocin a la tradicin era una de las caractersticas de la raza espaola.
Sin embargo, una orientacin demasiado marcada hacia los ejemplos
extranjeros y, por tanto, exticos, haba provocado la prdida del vnculo
con la tradicin arquitectnica nacional. La mejor forma de reparar este
vnculo era empezar a imitar las tradiciones y estilos antiguos. Al igual

11
Jos Mara Donosty, La casa espaola, La Construccin Moderna (1914) 85-6.

57
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Eric Storm

que el templo griego y la catedral gtica -que consideraban como los


ejemplos ms sublimes de una armona perfecta de principios espirituales
y mecnicos- haban sido el producto de repeticiones infinitas de solo
unos pocos elementos, los arquitectos espaoles tambin deban empezar
a repetir formas antiguas. Despus de un periodo de estudio e iniciacin,
podan empezar a permitirse alguna libertad ms, y con el paso del tiempo
y perfeccionando lo que ya tenan, se podra crear un estilo nacional nuevo
y moderno12.
En opinin de los conferenciantes, en arte o arquitectura no exista la
libertad completa. Como haba mostrado el historiador francs Taine, cada
una de las obras de un artista estaba ntimamente ligada a la totalidad de su
obra, la cual, a su vez, estaba ntimamente ligada a la escuela o familia de
artistas del mismo pas y el mismo periodo al que perteneca. A su vez, este
grupo dependa del estado de las costumbres y el espritu universal del
periodo. Por consiguiente, daban el siguiente consejo a todos los artistas:
Investiga tus orgenes, y conocers tus aptitudes, y podrs caminar por
la verdadera senda de tus destinos. Consiguientemente, solo se poda
progresar siguiendo la tradicin, lo que significaba que en cada regin
espaola los arquitectos se tenan que adaptar a la topografa, el clima y
el temperamento local. Esta reorientacin hacia las tradiciones histricas
y etnogrficas ya haba tenido lugar en cierta medida en Catalua y el
Pas Vasco. Ahora los dos arquitectos esperaban que las otras regiones
siguieran ese camino y, por tanto, llenaran el anchuroso cauce nacional,
fundindose en la unidad de la patria. Terminaron su presentacin apelando
tanto a sus compaeros como a las autoridades estatales y municipales
para que fomentaran la concienciacin de las tradiciones arquitectnicas
nacionales y propagaran una nueva arquitectura que estuviera enraizada

12
Leonardo Rucabado y Anbal Gonzlez, Orientaciones para el resurgimiento de una
arquitectura nacional, Arte Espaol (1915) 379-86 y 437-53, especialmente 383-4, 437-
40 y 451-3.

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en las tradiciones nacionales y regionales13.


Poco despus de su presentacin, Rucabado public un amplio artculo en
Arquitectura y Construccin en el que segua explicando su idea del trmino
tradicin. Haciendo referencia a su conferencia en San Sebastin, escribi
que no quera prescribir cmo deban trabajar los arquitectos. Sin embargo,
segua estando convencido de que solo se podra conseguir el progreso
en arquitectura mediante la repeticin evolutiva de formas mecnicas y
ornamentales. Pero qu estilos antiguos deban servir de ejemplo para los
arquitectos contemporneos? En opinin de Rucabado, las naciones eran
como las personas, en el sentido de que tenan su propio carcter y sus
propias predilecciones por ciertas formas, maneras y tipos de expresin.
Estos estaban determinados por la psicologa colectiva, las contingencias
histricas, as como por las condiciones materiales de la localidad, su
topografa, su clima, y aun las cualidades materiales disponibles. Por
consiguiente, el arquitecto tena que buscar la inspiracin en la tradicin
que mejor reflejara la personalidad colectiva local14.
Leopoldo Torres Balbs, el principal editor de Arquitectura, el rgano
oficial de la Sociedad Central de Arquitectos, expres un punto de vista ms
moderado -y una crtica implcita a la posicin de Rucabado y Gonzlez
lvarez-. En junio de 1918, critic en uno de los primeros nmeros de esta
nueva revista el uso del trmino estilo espaol, que se haba puesto de
moda haca poco. En su opinin, un falso nacionalismo solo dara como
resultado pastiches, es decir, la aplicacin de formas exteriores antiguas
a construcciones modernas. Aquellos que abogaban por una imitacin de
estilos pasados no entendan que los grandes arquitectos del pasado nunca
imitaron a sus predecesores. En vez de ello, abogaba por otra actitud

13
Rucabado y Gonzlez, Orientaciones, 382, 385, 440, 446-7 y 453, cita en 446.
14
Leonardo Rucabado, La tradicin en la arquitectura, Arquitectura y Construccin
(1917) 27-42, especialmente 35, 38-9.

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nacionalista ms autntica, en la que uno estara abierto a influencias


extranjeras y estudiara los edificios del pasado nacional. Ms que en
edificios monumentales, uno deba buscar la inspiracin en la arquitectura
cotidiana, popular y annima, en cuyas formas se va perpetuando una secular
tradicin, y en la que podremos percibir mejor el espritu constructivo de
nuestra raza. En vez de imitar la decoracin y las molduras, se deba
asimilar la esencia, es decir, las proporciones, la relacin de masas y
volmenes, el reparto de la decoracin, etc. Consiguientemente, un buen
arquitecto deba traducir en formas modernas el espritu tradicional de la
arquitectura espaola. Por tanto, un arquitecto deba intentar descubrir
la personalidad colectiva ntima, profunda y peculiar de una determinada
regin o nacin y su tradicin genuina15.
Aunque los matices eran diferentes, todos estos crticos defendieron la
necesidad de que los arquitectos volvieran a conectarse con el Volksgeist
espaol y sus variantes regionales y adaptarse a tradiciones y estilos
arquitectnicos antiguos para crear un nuevo estilo nacional. Esto es incluso
ms sorprendente si uno tiene en cuenta que las afinidades polticas de
estos crticos y arquitectos difieren en gran medida y cubren prcticamente
todo el espectro, aunque ninguno de ellos parece aceptar el liberalismo
clsico del dejar hacer que haba dominado las ltimas dcadas y que
ahora tanto se criticaba. Por ejemplo, Cabello y Lapiedra respaldaban
la causa carlista. A juzgar por sus citas, Rucabado pareca adherirse a la
ideologa catlica conservadora del gran historiador Marcelino Menndez
Pelayo, que tambin proceda de la provincia de Santander. Y su principal
mecenas era Toms Allende, un rico empresario que era senador del
Partido Conservador. Despus de un breve coqueteo con el anarquismo,

15
Leopoldo Torres Balbs, Mientras labran los sillares, Arquitectura (1918) 31-4,
especialmente 33-4. El argumento y la terminologa bsicos de Torres Balbs reflejaban
de forma marcada las ideas, la retrica y el nacionalismo de Unamuno, y en particular de
su influyente libro sobre la identidad espaola En torno al casticismo (1895).

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Azorn tambin se haba convertido en diputado del Partido Conservador,


aunque sus ideas se podran definir mejor como neo-conservadoras y eran
similares a las de Maurice Barrs en Francia. Por otro lado, Torres-Balbs
tena simpatas progresistas liberales o incluso republicanas y recibi
con los brazos abiertos la revolucin bolchevique en Rusia, mientras que
Manuel Vega y March se convirti en consejero municipal en Barcelona
para el Partido Republicano Radical del populista Alejandro Lerroux16.
Sin embargo, no todo el mundo suscriba los nuevos eslganes nacionalistas.
En el Congreso Nacional de Arquitectura de San Sebastin, el principal
oponente de Rucabado y Gonzlez fue el arquitecto valenciano Demetrio
Ribes, que sostena que una nueva arquitectura nacional, basada en la
tradicin, solo supondra la copia de detalles de edificios antiguos. En vez
de imitar a otros, prefera la libertad artstica. No quera rechazar todas
las tradiciones, pero en su opinin, era ms importante estudiar nuevas
formas y tcnicas que correspondieran a las necesidades presentes17.
Otra cuestin llamativa era que aquellos que abogaban por una arquitectura
nacional proponan ejemplos tanto de la arquitectura culta como de las
tradiciones populares. Esto es comprensible, ya que el debate se estaba
celebrando en trminos generales, a menudo en forma de conferencias
para un pblico ms general. Adems, este nuevo estilo espaol tambin
se deba aplicar a edificios monumentales. Pero, cmo se aplicaba en la
arquitectura domstica?

16
Vase para Cabello y Lapiedra, Rucabado, Torres Balbs y Vega y March: Isac,
Eclecticismo y pensamiento arquitectnico, respectivamente 344, 347-8, 351-3 y 232 y
para Azorn: Eric Storm, La perspectiva del progreso. Pensamiento poltico en la Espaa
del cambio de siglo (1890-1914) (Madrid 2001) 265-89.
17
Demetrio Ribes, La tradicin en arquitectura, Arquitectura y Construccin (1918)
21-8. Vase tambin: Isac, Eclecticismo y pensamiento arquitectnico, 349-51.

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La opinin de los crticos


Hasta principios de la dcada de los veinte, la prensa de arquitectura
prest atencin de forma casi exclusiva a la nueva arquitectura domstica
del Pas Vasco y Cantabria. El fuerte ncleo regionalista en torno a Anbal
Gonzlez en Sevilla solo se analizara ms tarde. El inters en Cantabria se
centr casi exclusivamente en el arquitecto Rucabado. Despus de hacer
la carrera en Barcelona, donde Lluis Domnech i Montaner haba sido
su profesor preferido, Rucabado haba empezado a trabajar en Bilbao,
que se estaba industrializando muy deprisa. En los nuevos barrios de la
ciudad construy chalets de lujo para la burguesa adinerada y algunos
aristcratas en una amplia variedad de estilos, desde el Beaux-Arts francs
al neogtico ingls, el modernismo francs y belga, la Secesin de Viena y
el cottage-style ingls. Sin embargo, alrededor de 1909 decidi cambiar
su orientacin. En vez de importar nuevos modos extranjeros, ahora quera
derivar su inspiracin de las tradiciones de su regin natal, la Montaa
(la regin alrededor de Santander). Durante los aos siguientes, dedic
un tiempo considerable a viajar por toda la provincia para hacer bocetos,
anotaciones y cuadros de edificios tpicos y tradiciones constructivas18.
La nueva orientacin de Rucabado se puso de manifiesto en 1911, cuando
gan uno de los premios del concurso de arquitectura en el primer Saln
de Arquitectura, con su palacio para un noble en la Montaa. Aunque uno
de los temas del concurso era el diseo de una pequea casa de campo,
Rucabado haba elegido adrede participar en la seccin de palacio
particular o edificio pblico, probablemente porque tena ms experiencia

18
Leonardo Rucabado, Arquitectura espaola contempornea. Casa de Don Escauriaza.
Bilbao. Arquitecto: Don Leonardo Rucabado, Arquitectura y Construccin (1916) 1-9,
especialmente 2 y 8. Vase tambin Vicente Lamprez y Romea, Leonardo Rucabado,
Arquitectura (1918) 217-24, especialmente 217, Casa hotel en Castro-Urdiales
(Santander). Arquitecto: D. Leonardo Rucabado, Pequeas monografas de arte I, 4
(Ago. 1907) y Nieves Basurto, Leonardo Rucabado y la arquitectura montaesa (Madrid
1986).

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en trabajar para una clientela rica. Incluy en su proyecto elementos de


diversos palacios y casas de su regin nativa desde en torno al siglo XV al
siglo XVIII. Por consiguiente, sus intereses no solo incluan las tradiciones
vernculas, sino tambin edificios ms monumentales en estilos histricos
que al parecer se adaptaran bien dentro de la regin19.
Lamprez afirm en un largo obituario de Rucabado, que en 1918 haba
sido una de las vctimas de la gran pandemia de gripe, que su amigo no era
un imitador poco original, sino que haba adaptado astutamente elementos
antiguos y sobre todo el espritu ntimo de las tradiciones antiguas para
crear nuevas construcciones modernas. Los numerosos edificios diseados
en estilo montas o vasco mostraban que saba mejor que nadie cmo
sustituir el vestbulo ingles, el mirador, la galera y la silueta de una casa
de campo inglesa o un htel francs por sus equivalentes nativos20.
Uno de los ltimos encargos de Rucabado, para un edificio de pisos en

Figura 1
Leonardo Rucabado, Palacio para un noble en la
Montaa, Aquitectura y Construccin (1917) 27.
Biblioteca Nacional de Espaa

19
Isac, Eclecticismo y pensamiento arquitectnico, 337-8.
20
Lamprez, Rucabado, 220.

63
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el centro de Madrid, recibi mucha atencin en la prensa especializada.


Lamprez nos dice que Rucabado quera construir en un espacio estrecho
un edificio elegante, moderno y ultraeuropeo con una fachada espaola,
combinando elementos de varias pocas y regiones. El resultado final fue
evaluado por Torres Balbs en las pginas de Arquitectura. En opinin de
este, el edificio encarnaba a la perfeccin tanto las cualidades como los
errores de la arquitectura de Rucabado. Alab en particular la meticulosa
atencin que haba dedicado el arquitecto a los detalles del edificio y al
interior. Rucabado tambin haba mostrado su maestra al darle una cierta
unidad a todo el conjunto, aunque el edificio constara de gran cantidad
de elementos distintos. Este era el principal problema, como ocurra con
muchos de los diseos de Rucabado, pues no eran naturales y lgicos,
sino profusos y afectados. En opinin de Torres Balbs, haba combinado
demasiados elementos arquitectnicos distintos, por ejemplo fragmentos
de la arquitectura clsica de Toledo, una galera de Cantabria, conchas
decorativas de palacios de Salamanca, torres de ladrillos andaluzas y
chapiteles madrileos21.
Segn el mismo crtico, el nacionalismo y regionalismo artsticos se
haban convertido en una tendencia internacional. Se quej de que
en la regin montaesa muchas personas adineradas -especialmente
aquellas que se haban beneficiado de la neutralidad de Espaa durante la
Primera Guerra Mundial y las que se haban ennoblecido en las dcadas
anteriores- queran seguir esta nueva moda. Esas personas: quisieron vivir
en hoteles, chalets o palacios, construidos en el llamado estilo montas,
y para amueblarlos compraron viejas arcas, pesados armarios de nogal,
sillas recias de castao, bancos de balaustres torneados, hasta escudos
arrancados de palacios antiguos y portaladas de piedra reconstruidas luego

21
Ibdem, 224 y Leopoldo Torres Balbs, La ltima obra de Rucabado, Arquitectura
(1920) 132-9, especialmente 132 y 135-6.

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en sus fincas. Rodendose de un ambiente seorial y antiguo, pretendan


tal vez envejecer sus recientes blasones, adquiridos ms por su gran caudal
que por mritos propios, de que carecan.
Sin embargo, el problema no era solo el mal gusto de esta clientela
advenediza, sino tambin la falta de conocimiento que tenan los
arquitectos de la arquitectura tradicional de las regiones. Rucabado haba
estudiando concienzudamente los edificios tpicos de Cantabria, pero era

Figura 2
Leonardo Rucabado, Edificio de pisos,
Plaza Canalejas, Madrid, Arquitectura
(1920) 134
Biblioteca Nacional de Espaa

una excepcin. Segn el crtico, el


estilo montas que haba inaugurado
haba degenerado por tanto en un
pseudo-estilo superficial que se haba
aplicado a las farolas de los tranvas,
las papeleras pblicas e incluso los
altos hornos22.
Cuatro aos ms tarde apareci
una crtica ms fundamental en la
misma revista. A diferencia de Torres
Balbs, que en 1918 prefera una
actitud moderada, pero abiertamente
nacionalista en arquitectura, el autor
de este artculo, Elas Ortz de la Torre,

22
Torres Balbs, La ltima obra de Rucabado, 132-5.

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afirmaba que un arquitecto tena que ser un hombre de su propia poca y no


deba usar un lenguaje anticuado para expresas ideas modernas. Un chalet
neo-vernculo en un entorno urbano le pareca como un seor que se
vistiera de aldeano y se paseara por las calles de la ciudad con un rastrillo
al hombro y haciendo sonar las almadreas sobre el asfalto. Admita que
Rucabado haba logrado crear una versin moderna de la casa montaesa,
en la que los elementos tradicionales tpicos tienen su representacin
o, mejor dicho, su recuerdo ms o menos transfigurado. Rucabado
no continu o revivi una tradicin antigua, sino que simplemente us
elementos tradicionales que tom de una amplia variedad de edificios
y pocas en un entorno muy diferente. Por consiguiente, Rucabado
transform la torre aristocrtica, que originalmente tena un objetivo
defensivo, en un mirador elegante y transparente. La galera, que tena
un origen rstico, no estaba situada en un lateral, sino que se repeta en
prcticamente todas las fachadas. Y el tpico prtico estaba colocado
algunas veces debajo de la torre, desposeyendo as a la torre de su carcter
majestuoso y robusto. Segn el crtico, los principios modernos de un
plano variado y una silueta irregular que utilizaba normalmente Rucabado,
eran al menos tan importantes para el resultado final pintoresco como
estos recuerdos de la arquitectura antigua. Los arquitectos ms jvenes
mostraban menos respeto incluso por la funcin histrica de los diversos
elementos, y no tenan muchos conocimientos de la diferencia entre las
diversas pocas. Debido a ello, diseaban unos chalets que eran peores
an que los de Rucabado23.
La sorprendente mezcla de elementos vernculos e historicistas en los
edificios de Rucabado tambin se poda encontrar en la obra de arquitectos

23
Elas Ortiz de la Torre, El estilo montas, Arquitectura (1926) 450-61, citas en
las pginas 451 y 458. Vase tambin: SAMBRICIO, Carlos - La normalizacin de la
arquitectura verncula. Un debate en la Espaa de los veinte. Revista de Occidente.
Madrid: Fundacin Jos Ortega y Gasset, n. 235 (2000), p. 21-44.

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de otras regiones. En una crtica de un chalet del arquitecto vasco Secundino


Zuazo Ugalde en la sierra de Madrid, Torres Balbs dej claro que
realmente le gustaba esta pieza sencilla y original de sano regionalismo.
Explic que la mayora de los chalets y casas de campo que se haban
construido recientemente eran demasiado pretenciosos, utilizan materiales
que no se usaban tradicionalmente en la zona y revelaban el mal gusto
de sus propietarios. Por el contrario, las viviendas populares tradicionales
se adaptaban perfectamente al suelo yermo y grantico y al clima duro e
inhspito. Sin embargo, al usar el mismo granito, los grandes edificios
monumentales del pasado pareca como si hubieran crecido orgnicamente
del suelo. En particular el Monasterio del Escorial armonizaba con el
paisaje que lo circundaba y, segn el autor, sus lneas y masas nos podan
ayudar a interpretar el espritu de la naturaleza circundante24. Por
consiguiente, Torres Balbs presentaba tanto las viviendas vernculas y
algunas construcciones monumentales diseadas intencionadamente como
aquellas que se adaptaban a la perfeccin a las circunstancias locales tanto
geogrficas como climticas. Debido a ello, ambas podan servir de fuente
de inspiracin para los arquitectos modernos.
Los artculos dedicados al Pas Vasco tambin presentaban las viviendas
populares y las construcciones ms monumentales como posibles fuentes
de inspiracin. Sin embargo, aqu ms que en otros lugares los autores
se inclinaban por las construcciones rsticas. Por ejemplo, el ingeniero
Joaqun de Yrizar opinaba que el casero aislado era una caracterstica de la
raza vasca, como su idioma y su msica. En su opinin, los aldeanos que
haban construido estos caseros no se preocupaban por un estilo histrico
especfico, ni tenan la intencin preconcebida de lograr un efecto artstico;
solo se inspiraban en su propio bienestar. (L)os sistemas constructivos son

24
Leopoldo Torres Balbs, La arquitectura moderna en la Sierra de Guadarrama. Una
obra de Zuazo en El Escorial, Arquitectura (1920) 78-84.

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Figura 3
Secundino Zuazo Ugalde,
Villa en la Sierra de
Guadarrama, Arquitectura
(1920) 81
Biblioteca Nacional de Espaa

los impuestos por el clima y los materiales y la distribucin en planta es


resultado de las necesidades agrcolas principalmente25.
El arquitecto vasco Pedro Guimn expres una opinin similar. Al igual
que la cara es el espejo del alma, las manifestaciones artsticas de una
persona reflejaban el alma de esa persona. Por consiguiente, el arte sencillo
de las personas normales era el archivo, el almacn de documentos donde
todo artista que pretenda hacer arte regional debe buscar.
El mejor lugar para estudiar el alma regional en su pureza primitiva era
en la vida familiar ntima de aquellos que estaban vinculados a la tierra
en el campo. Y el edificio que mejor responda a las caractersticas tanto
de las personas como de las condiciones naturales era sin duda alguna
el tpico casero vasco aislado. Los habitantes del campo haban hecho
intuitivamente esta casa vasca, con alma vasca y fisonoma vasca.
Sin embargo, reconoca que para un arquitecto moderno y educado,
sera muy difcil hacer lo mismo. l, por ejemplo, no estaba satisfecho

25
Joaqun de Yrizar, Arquitectura vasca. Ensayo sobre el problema arquitectnico
vasco, La Construccin Moderna (1926) 37-42, especialmente 38 y 42.

68
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con el chalet que haba construido en la playa de Zumaya para el pintor


regionalista Ignacio Zuloaga. Debido a los deseos a veces contradictorios
del propietario, se haba convertido en una casa vasca-parisina-segoviana
y, por consiguiente, era una construccin pintoresca, pero sin alma26.
Otros autores tambin hicieron referencia a esta dificultad. Yrizar escribi
que el principal problema para los arquitectos era cmo combinar las
formas tradicionales con las tcnicas de construccin modernas sin copiar
solo unos pocos elementos superficiales. Rechazaba vivamente el hbito de
imitar el entramado de madera de las casas tradicionales usando fajas de
cemento y pintarrajendolas de verde o azul como si estuvieran hechas
de madera. Eduardo Gallego fue mucho menos duro. Explic que las
piezas de madera al aire libre sufran por las inclemencias meteorolgicas
y que era bastante lgico que las sustituyeran por hormign armado.
Gallego, que era ingeniero y uno de los dos directores de La Construccin

Figura 4
Pedro Guimn, Casa
de Ignacio Zuloaga,
Zumaya, Arquitectura
(1924) 173
Biblioteca Nacional de Espaa

Moderna, public un informe ilustrado sobre los nuevos edificios que haba
visto durante su recorrido por las playas vascas, tanto en Espaa como
Francia. En su opinin, en ningn lugar la arquitectura regional se haba

26
Pedro Guimn, El alma vasca en su arquitectura, Arquitectura (1924) 166-73,
especialmente 169-72.

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hecho ms popular que en la regin vasca. Aparte de las innovaciones


tcnicas, las nuevas casas se haban adaptado a sus habitantes. El tejado
a dos aguas, el prtico y el entramado visto del casero vasco se haban
adaptado en el chalet o la casa de campo vasca. Sin embargo, estos no
se haban construido para granjeros, sino para personas adineradas, la
mayora burgueses que no tenan que trabajar el campo. Por consiguiente,
el prtico no se necesita para vigilar el ganado, y los arquitectos creaban
ms galeras y terrazas para que los habitantes pudieran disfrutar del aire
fresco. Estas modificaciones no molestaban al autor, e incluso le parecan
bien los hoteles y bloques de pisos en un estilo vasco27.

La difusin de la arquitectura regionalista


Durante las dos primeras dcadas del siglo XX, el regionalismo
se convirti en una tendencia arquitectnica de primer orden en todo el
pas. El regionalismo fue adoptado ampliamente en el sector turstico y
ya en 1915 la compaa nacional de correos y telgrafos decidi que las
nuevas oficinas centrales de correos deban incluir en sus fachadas los
estilos histricos nacionales y, sobre todo, los tpicos de la localidad en la
que el nuevo edificio se haya de construir. En torno a la misma poca,
la empresa de ferrocarriles y la telefnica nacional optaron por utilizar
elementos regionalistas en las estaciones y oficinas de nueva construccin
de todo el pas, a pesar de que la segunda era una filial de la multinacional
americana ITT28.
El regionalismo se convirti incluso en el estilo arquitectnico dominante

27
Yrizar, Arquitectura vasca, 41-42 y Eduardo Gallego, La casa vasca, La
Construccin Moderna (1914) 273-5, 289-91, 305-8 y 321-3, especialmente 273-4 y
289-91.
28
Pedro Navascus Palacio, Regionalismo y arquitectura en Espaa (1900-1930),
Arquitectura & Vivienda 3 (1985) 28-36, citas en 32-4.

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en Sevilla. De hecho, en 1910, se convirti en el estilo semioficial de


la ciudad. Esto ocurri solo un ao despus de que Hamburgo hubiera
dado un paso similar. Y en gran medida el dominio casi absoluto del
estilo sevillano en las dcadas siguientes fue muy similar a lo que Fritz
Schumacher consigui en Hamburgo. Sin embargo, en Sevilla el rpido
auge del regionalismo no se debi a un arquitecto de la ciudad que impuso
un nuevo estilo regionalista en todos los edificios pblicos, sino a una
propuesta del consejero municipal conservador Francisco Javier de Lepe
que cay en terreno abonado. Lepe propuso recompensar a las fachadas de
casas nuevas que se adaptaran a los estilos locales particulares con premios
y la exencin de ciertos impuestos. De este modo, la ciudad podra mejorar
su imagen con motivo de la Exposicin Hispano-Americana, que se haba
otorgado a Sevilla y estaba prevista para 1914. En 1912 esta dio pie a un
concurso municipal oficial. Tanto los arquitectos como los propietarios
locales respondieron con sumo entusiasmo a la iniciativa de Lepe, mientras
que los ceramistas locales, que haban mejorado sus diseos y tcnicas con
la ayuda de la escuela local de artes aplicadas, estaban preparados para
colaborar29.
El principal exponente de esta nueva tendencia arquitectnica era Anbal
Gonzlez lvarez. Al igual que Rucabado, no era muy dogmtico y
combinaba tanto elementos historicistas como vernculos. Sus principales
fuentes eran los edificios importantes de estilo mudjar y renacentista
local; ambos remitan al periodo ms glorioso del pasado sevillano. Sin
embargo, no copi estos edificios, sino que al seleccionar elementos
tpicos locales, como aleros, la aristocrtica torreta de la esquina, galeras,

29
Vase el estudio ejemplar y detallado: Alberto Villar Movelln, Arquitectura del
regionalismo en Sevilla. 1900-1935 (Sevilla 1979) 167-87 y Eric Storm, La arquitectura
regionalista de Sevilla desde una perspectiva transnacional en: Luis Mndez Rodrguez
ed., La imagen de Andaluca en el Arte (Sevilla: Ediciones Universidad de Sevilla 2016)
197-219.

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ventanas enrejadas, tejas rabes y adornos de cermica, le dio a sus


construcciones un marcado carcter sevillano. Y lo mismo hicieron muchos
de los otros arquitectos del lugar. No obstante, el aspecto regional se pona
de manifiesto ms claramente en el uso creativo del ladrillo, la cermica,
los azulejos tradicionales, los enrejados y otros materiales y piezas de
artesana locales. Al final, el estilo sevillano tambin se popularizara en
zonas adyacentes de Andaluca y Extremadura30.
La creciente demanda y el aumento de los precios provocados por
la Primera Guerra Mundial hicieron prosperar a los grandes terratenientes
andaluces. Debido a ello, el regionalismo tambin se export al campo.
Esto lo llevaron a cabo principalmente dos arquitectos jvenes. Vicente
Traver, un arquitecto de Castelln que solo lleg a Sevilla en 1913, empez
a inspirarse en los edificios tradicionales del campo, que combinaba con su
inters por los edificios tradicionales de estilo barroco, que en general se
haba menospreciado hasta entonces. La misma combinacin de influencias
barrocas y rurales se pudo detectar en la obra de Juan Talavera. De esta
manera lleg a desarrollar una nueva arquitectura blanca que medida por
su xito en otras zonas de la regin bien se podra llamar un regionalismo

Figura 5
Juan Talavera, Casa de
Jernimo Armario, Plaza de
Doa Elvira, Sevilla
ICAS-SAHP, Fototeca Municipal de
Sevilla, archivo Serrano

30
Villar Movelln, Arquitectura del regionalismo en Sevilla, 204-5, 221, 238-70 y 348-
54.

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andaluz ms autntico. Una de las obras tempranas ms destacadas de


este nuevo estilo, aunque situada en el entorno urbano del Barrio de Santa
Cruz de Sevilla, sera su casa para Jernimo Armario, construida en torno
a 1922. Sin embargo, las fuentes de inspiracin apenas se podran llamar
populares, ya que los cortijos y haciendas del siglo XVIII que sirvieron de
modelo a esta arquitectura blanca eran por lo general la residencia de la
aristocracia terrateniente31.
Otra cuestin interesante que quiz sea ms obvia en Sevilla que en
otros lugares era que los arquitectos regionalistas tuvieron que cambiar
esencialmente la tradicin que aseguraban estar siguiendo para adaptar los
modelos vernculos a distintas clases de edificios. Las casas tradicionales
de las clases altas de Sevilla, basadas tanto en sus predecesoras romanas
como rabes, solan tener por lo general un patio con abundante decoracin
y una fachada muy sobria. Como al principio del siglo XX la mayora
de los encargos eran edificios de pisos o chalets y casas independientes,
las fachadas se convirtieron en el centro de atencin. Las dos clases de
edificios se orientaron hacia el exterior en vez de hacia un patio interior
privado. Por lo tanto, como los exteriores tradicionales no ofrecan ejemplos
atractivos, la mayora de los arquitectos regionalistas de Sevilla adoptaron
los elementos y materiales decorativos de los patios tradicionales para las
fachadas de sus construcciones. De este modo, las nuevas calles alineadas
con pintorescas casas nuevas diferan por completo de las callejuelas
sinuosas con paredes casi sin adornos del casco antiguo. Por consiguiente,
Anbal Gonzlez prefera las calles rectas y anchas para as poder admirar
los nuevos edificios32.

31
Ibdem, 204-5, 313-27 y 355-65.
32
Ibdem, 217-20.

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Eplogo
Pero cmo haba que interpretar la arquitectura regionalista en
Espaa? A diferencia de lo que haba ocurrido en Inglaterra y Alemania,
la nueva clase de arquitectura domstica en Espaa no se presentaba como
un movimiento reformista que propagaba un estilo de vida nuevo, ms
natural y autntico, alejado de los colapsados centros urbanos. Solo unos
pocos escritores aconsejaron a sus lectores que se mudaran al campo, ms
edificante y saludable, o criticaban el gusto vulgar de los nuevos ricos,
anhelando as implcitamente una existencia ms genuina en un entorno
armonioso y diseado cuidadosamente33. No obstante, en la mayora de
las ciudades espaolas, el impacto de la urbanizacin y la industrializacin
haba sido ms bien limitado y, por consiguiente, no se senta tanto esa
necesidad de huir de las grandes ciudades y buscar un estilo de vida
diferente y ms natural en el campo. Otro factor parece haber sido la falta
de una lite progresista cultural cuantiosa -formada por escritores, artistas,
intelectuales y profesores- que tuviera suficientes medios para comprar
una casa diseada cuidadosamente y pudiera tomar la iniciativa en la
introduccin de esta nueva arquitectura domstica, como haba ocurrido
en particular en Alemania. Debido a ello, los arquitectos espaoles haban
tenido que tratar con un pblico burgus adinerado y aristocrtico que
probablemente tena un gusto ms convencional. En Sevilla, por ejemplo,
el grupo ms grande con diferencia de clientes de edificios regionalistas
eran terratenientes adinerados, a menudo aristcratas, que vivan en la
ciudad, mientras que los intelectuales y artistas solo constituan en torno al
1% de la clientela34. A este respecto, quiz Barcelona fuera una excepcin,

33
lvarez, Lo que pudiera ser la arquitectura espaola, 146-8, L.F.T., La arquitectura
suburbana en Barcelona, 113-6, Donosty, La casa espaola, 86 y Torres Balbs, Una
obra de Zuazo en El Escorial, 78.
34
Alberto Villar Movelln, Tres aspectos del historicismo regionalista: tica, libertad y
clientela en: Jos Joaqun Yarza Luaces y Francesca Espaol Bertrn eds., Ve Congrs

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Eric Storm

pero en Catalua los arquitectos y clientes optaban en primer lugar por el


modernismo y el nuevo clasicismo mediterrneo de los noucentistas.
La terminologa usada para designar la nueva arquitectura domstica
tambin difera en Espaa. Aunque algunos crticos hicieron hincapi en
que el nuevo estilo tena que ser contemporneo, los adjetivos nuevo
y moderno no se aplicaban frecuentemente a este tipo de edificios, a
diferencia de lo que ocurra en Francia y Alemania. Partidarios destacados de
la nueva tendencia, como Leonardo Rucabado y Anbal Gonzlez, hicieron
hincapi incluso en su carcter tradicional. No obstante, el calificativo que
ms se usaba, sobre todo al principio, era nacional o espaol. Esto se
deba probablemente a cuestiones menos estrictamente profesionales y,
por tanto, ms generales que dominaban el debate arquitectnico espaol.
En vez de analizar diseos especficos o proponer un nuevo tipo de casa de
campo, muchos artculos importantes (que a menudo se haban presentado
en forma de conferencia) de la prensa arquitectnica trataban de un
nuevo estilo nacional, la casa espaola u otros temas amplios. Sin
embargo, esto no significaba que se propusiera un nuevo estilo historicista
uniforme para todo el pas, como se haba hecho a menudo durante el siglo
XIX. Conforme a los defensores del nuevo estilo, en todas las regiones
de Espaa los arquitectos deban estudiar tanto las condiciones climticas
locales como las geogrficas y las tcnicas y tradiciones de construccin
existentes con el fin de crear un nuevo estilo nacional que encarnara el
Volksgeist espaol en toda su diversidad regional.
Al mismo tiempo, el nuevo estilo era conocido por sus variantes regionales,
de forma especialmente marcada como montas, vasco o sevillano. Y al
igual que en la vecina Francia, se empez a usar el trmino ms bien vago
de arquitectura regional durante la Primera Guerra Mundial, mientras
que en estudios acadmicos ms recientes, se prefiere utilizar arquitectura

espanyol dhistria de lart (Barcelona 1987) 199-204.

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regionalista, una denominacin que ha terminado siendo ampliamente


aceptada. A este respecto, Espaa sigui la misma pauta que Francia.
En Espaa se distinguieron claramente las diferencias entre regiones y
sus respectivas tradiciones vernculas. Las circunstancias naturales y
climticas diferan notoriamente, al igual que ocurra con las tradiciones
histricas, en las que se podan discernir rastros prerromanos, celtas,
romanos, visigticos o rabes, dependiendo de la regin. Este intercambio
entre regional y nacional como calificativos para la misma arquitectura
neo-verncula tambin muestra que una fuerte identidad regional, definida
en trminos tnicos, no se consideraba que se opusiera a los sentimientos
nacionales. Al contrario, pareca que ambos calificativos hacan que se
reforzaran mutuamente. Al mismo tiempo, al parecer no importaban las
diferencias internas que haba dentro de las regiones. No era importante si
los ejemplos vernculos procedan originalmente de la montaa, la meseta,
la costa, la ciudad o el campo. Esto tambin fue el caso en Sevilla, donde
la inspiracin provena de la ciudad y de sus alrededores. No obstante, el
estilo sevillano termin siendo emblemtico para casi todo el suroeste de
Espaa35.
La arquitectura regionalista espaola y sus defensores solan ser en
general menos ortodoxos que sus homlogos de Europa Occidental. En
Francia y Alemania la mayora de crticos y arquitectos que favorecieron
la tendencia neo-verncula detestaban los estilos historicista y eclctico
que seguan dominando la escena arquitectnica en torno al cambio de
siglo, y se oponan vehementemente al estilo internacional de Beaux-
Arts y la educacin demasiado terica en las academias. Sin embargo,
esta crtica estaba ausente casi por completo del discurso arquitectnico
espaol. Adems, numerosos partidarios del regionalismo no hacan una
clara distincin entre la arquitectura culta y los estilos histricos por un

35
Villar Movelln, Arquitectura del regionalismo en Sevilla, 204-7.

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lado y los ejemplos vernculos o populares por otro. Ambos podan ser
fuentes de inspiracin, el nico criterio era que un edificio estuviera en
armona con su entorno y las tradiciones locales. Consecuentemente, el
regionalismo fue caracterizado por muchos historiadores de arquitectura
espaoles como un ltimo resurgimiento o como la ltima fase del
historicismo36.
No obstante, esta actitud poco purista quiz tambin se pueda explicar
por la ausencia en numerosas zonas de Espaa de una clase prspera de
campesinos independientes que vivan en sus tierras. Las viviendas de los
pequeos granjeros y jornaleros agrcolas, ubicadas principalmente en
pueblos o ciudades pequeas, solan ser extremadamente sencillas y pobres
y a veces no tenan ni jardn. Por otro lado, en la mayora de las zonas las
casas de la aristocracia y los terratenientes -que vivan principalmente en
ciudades-, as como las iglesias y capillas, se construan con los materiales
locales y mostraban una gran diversidad regional. Por consiguiente, podan
servir como fuentes de inspiracin especficas regionales, como era el caso
de las casas de los agricultores acomodados en otros pases o en el Pas
Vasco. Debido a ello, en Espaa probablemente era ms fcil aplicar el
nuevo estilo a edificios ms monumentales, como se demostr con total
acierto en los diseos de Anbal Gonzlez para los principales pabellones
de la Exposicin Ibero-Americana de Sevilla.
Otra cuestin sorprendente es que la arquitectura regionalista lleg tarde
a Espaa, aunque los sentimientos regionalistas ya eran muy marcados.
Al igual que en Francia y Alemania, la relacin entre la nueva tendencia
arquitectnica y los diversos movimientos regionales no era muy estrecha,
al menos al principio. En Catalua arquitectos como Lluis Domnech

36
Vase por ejemplo: Ramn Rodrguez Llera, Rucabado en Santander, Arquitectos,
57 (junio de 1982) 32-50, especialmente 32, Navascus Palacio, Regionalismo y
arquitectura, 30 e Isac, Eclecticismo y pensamiento arquitectnico, 347.

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i Montaner y Josep Puig i Cadafalch jugaron un papel primordial en


el movimiento cataln. Sin embargo, preferan estilos modernos y
cosmopolitas, como el modernisme y ms tarde el noucentisme, aunque
otorgndoles cierto sabor cataln. Por lo tanto, la arquitectura regionalista
de inspiracin rural no tena una presencia importante en Catalua37.
La falta de una relacin clara entre el regionalismo arquitectnico y
los movimientos regionales tambin se puso de manifiesto en el caso
vasco. En este, las nuevas casas regionalistas se estaban construyendo
fundamentalmente para la aristocracia y la nueva lite burguesa, que en
general estaba bien integrada en el sistema poltico nacional y en los
Partidos Conservador y Liberal que se alternaban en el poder. La nica
excepcin fue el industrial Ramn Sota y Llano, que se convirti en uno
de los lderes del Partido Nacionalista Vasco. Sorprendentemente, los
edificios que encarg al arquitecto regionalista Manuel Mara Smith Ibarra
(1879-1956) no eran en un estilo neovasco38.
De igual forma que en la pintura regionalista, no parece que haya habido
un vnculo claro entre la arquitectura regionalista y el movimiento vasco.
El regionalismo vasco encontr a sus partidarios principalmente entre los
agricultores independientes y la clase media-baja, que obviamente no se
poda permitir una esplndida mansin y cuando -como Sota- se pudieron
permitir tal lujo, parece que no sintieron predileccin por la nueva
tendencia neovasca. Como reaccin al rpido influjo de inmigrantes pobres
procedentes de otras regiones de Espaa, el partido era anticapitalista y
abiertamente hostil a los no vascos, aunque despus adoptara un tono
ms moderado. Por consiguiente, el movimiento regionalista era un claro
adversario de la moderna burguesa liberal y del aristcrata ocasional, que

Castaer, Esteban: Catalogne: la recherche dune architecture nationaliste, en


37

Loyer, F. y Toulier, B. (eds.): Le rgionalisme, op. cit., pp. 208-220.


D. Fullaonda, Manuel Mara Smith Ibarra, arquitecto 1879-1956 (Madrid 1980) y
38

Maite Paliza Monduate, Manuel Mara de Smith Ibarra. Arquitecto (Bilbao 1990).

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estaba involucrado en los sectores capitalistas modernos de una economa


local que se estaba expandiendo rpidamente y que decidi construir sus
nuevas casas de campo y chalets suburbanos en un estilo vasco. 39
En la floreciente ciudad industrial de Bilbao, que al mismo tiempo era el
centro de la arquitectura neovasca, el principal bastin del movimiento
regional y el primer baluarte de un movimiento obrero cada vez ms seguro
de s mismo, el hecho de decantarse por una casa en un estilo neovasco era
una decisin tomada conscientemente. Ya durante las primeras dcadas
del siglo XX, el dominio poltico de la lite industrial local fue desafiado
por el Partido Nacionalista Vasco y el Partido Socialista Obrero Espaol,
que reclutaba principalmente a sus votantes de trabajadores migrantes
de otras regiones de Espaa. Parece que la decisin de construir en un
estilo regionalista estaba motivada, al menos parcialmente, por el temor
a sus contrincantes polticos. Este paso que dieron las clases altas locales
probablemente estaba pensado para fomentar una sensacin de pertenencia
regional entre las clases trabajadoras, al tiempo que al presentarse ellos
mismos como autnticos vascos, intentaban minar el terreno electoral sobre
el que se posaba el movimiento regionalista. Parece muy poco probable
que en este entorno tan polarizado polticamente basaran sus decisiones
solo en consideraciones estticas.
En Sevilla la arquitectura regional tambin estuvo respaldada por
las clases altas locales, probablemente, como sus homlogos vascos,
con el fin de encontrar apoyo entre las clases medias, cada vez ms
seguras de s mismas y que haban empezado a sentirse atradas por el
movimiento regional andaluz, y entre las clases trabajadoras, que cada
vez se estaban dejando hechizar ms por los anarcosindicalistas. Al igual
que en el Pas Vasco, la lite poltica y econmica se opona firmemente

39
Jos Luis de la Granja, El siglo de Euskadi. El nacionalismo vasco en la Espaa del
siglo XX (Madrid 2003).

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a las demandas de autonoma regional formuladas por los lderes ms


radicales del movimiento regionalista que, dada su debilidad en una regin
profundamente agrcola, no se tomaban demasiado en serio. En Sevilla,
como en el resto de Espaa, podan votar todos los hombres, pero en la
prctica las elecciones estaban organizadas por los lderes polticos
nacionales y locales de tal manera que estaba garantizada la alternancia
regular entre liberales y conservadores, que se decida en Madrid. De
este modo, la lite local no tena dificultad alguna en limitar de forma
marcada la influencia poltica tanto de los partidos obreros como del
movimiento regionalista40. Por consiguiente, en ninguna de estas regiones
la arquitectura regionalista fue una consecuencia directa de un despertar
de las regiones, ni mantena unas conexiones ntimas con ninguna forma
de regionalismo poltico. Se podra ver ms como una medida defensiva
contra el auge de la poltica de masas. Al integrar el patrimonio vernculo
del campo dentro del patrimonio de la nacin, las lites polticas y sociales
esperaban estimular la integracin de las clases bajas y medias en la
comunidad nacional41.

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40
Villar Movelln, Arquitectura del regionalismo en Sevilla, 75-92. En Barcelona y
Bilbao, este sistema poltico, basado en un electorado desmovilizado y unas elecciones
manipuladas, ya no funcion ms a partir de alrededor de 1900.
41
Vase tambin: STORM, Eric - La cultura regionalista en Espaa, Francia y Alemania:
una perspectiva comparada (1890-1937). Ayer. Madrid: Asociacin de Historia
Contempornea. n. 82 (2011), p. 161-185.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
do sculo XX em Portugal
Paula Andr

Etnogenia, Fotogenia, Etnologia


Arquitectura Popular na primeira metade
do sculo XX em Portugal
1

Paula Andr
paula.andre@iscte.pt
DINMIACET-IUL
ISCTE-IUL-Instituto Universitrio de Lisboa

O universal o local sem paredes


(Miguel Torga)2

No o passado literal que nos governa, excepto, talvez, numa acepo


biolgica. So as imagens do passado: com frequncia to intensamente
estruturadas e to imperativas como os mitos. As imagens e as construes
simblicas do passado encontram-se impressas, quase maneira de informaes
genticas, na nossa sensibilidade
(George Steiner)3

1
Investigao realizada no mbito do Projecto FCT Fotografia Impressa. Imagem e
Propaganda em Portugal (1934-1974)- PTDC/CPC-HAT/4533/2014. Cabe agradecer o
apoio do Doutor Paulo Ferreira da Costa, Director do Museu Nacional de Etnologia,
e o precioso acompanhamento da Dr Carmen Rosa, crucial para a pesquisa realizada
no Arquivo do Centro de Estudos de Etnologia do Museu Nacional de Etnologia,
onde para alm das fichas das casas relativas ao perodo em anlise (primeira metade
do sc. XX), tambm consultamos as fichas relativas s construes de falsa cpula,
construes circulares, construes de materiais vegetais e espigueiros. Determinante foi
tambm a investigao realizada no Instituto de Geografia e Ordenamento do Territrio
com o precioso apoio da Dr Rute Vieira. Agradeo igualmente o apoio da Professora
Natlia Correia Guedes, Directora da Biblioteca da Academia Nacional de Belas Artes,
possibilitando a consulta dos dossiers relativos s Misses Estticas de Frias.
2
TORGA, Miguel Trao de Unio. Coimbra, s/d (1969), p. 69.
3
STEINER, George No Castelo do Barba Azul, Algumas notas para a redefinio de
cultura. Lisboa: Relgio dgua, 1971.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
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do sculo XX em Portugal
Paula Andr

A Nao simultaneamente comunidade imaginada4 e construda,


sendo as afinidades electivas entre arquitectura popular, as especificidades
da nao, do povo portugus, das suas terras e regies, da sua arte popular,
e de uma identidade nacional, efectivos exerccios de engenharia social
muitas vezes deliberados e sempre inovadores5, reveladores do poder das
imagens e das imagens do poder. Se a arquitectura popular foi matricial
para a formao de um espirito, tambm o foi na construo de uma
poltica de espirito.
Os discursos, os reportrios e as imagens da vida e da arquitectura popular
da primeira metade do sculo XX em Portugal, revelam a construo
de um processo de procura de uma origem da nao (etnogenia), a
construo de um processo de reaportuguesamento da nao pela terra
portuguesa (fotogenia) e a construo de um processo de identificao e
de sistematizao das identidades (etnologia). No incio do sculo XX a
declarada procura de uma ancestralidade linear no estudo das construes
primitivas, a eloquncia da arquitectura popular na representao de
Portugal, e a caracterizao da diversidade do territrio e das inerentes
culturas do habitar, revelam a imagem e a fotografia como ferramentas
matriciais das diferentes pesquisas, das rectricas e do respectivo aparelho
de divulgao. A arquitectura popular foi celebrada na narrativa das
imagens das terras portuguesas, no reportrio ruralista e regionalista,
construindo o discurso identitrio de regenerar a nao e de promover o
culto de Portugal. Na primeira metade do sc. XX, a construo de uma
cultura de genuinidade, herda o povo como coluna vertebral da Nao,
trave-mestra da [] identidade colectiva, atravs de uma cenografia da

4
ANDERSON, Benedict Comunidades imaginadas. Reflexes sobre a origem e a
expanso do Nacionalismo. Lisboa, ed 70, 2012.
5
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence A inveno das tradies. So Paulo: Paz e
Terra, 1997, p. 22.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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do sculo XX em Portugal
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ruralidade elaborao ideolgica ou esttica de uma ruralidade mtica, e


miticamente simblica6, na encenao da manuteno da atemporalidade
da matriz rural.
Na segunda metade do sc. XX perante um movimento supostamente de
ruptura com a histria e com a tradio acadmica dos estilos de arquitectura,
cada nao sentir a necessidade de se defender de estrangeirismos
descaracterizadores, recorrendo para tal, precisamente, sua histria e
sua tradio. Para no ser atacada de ser acadmica e tambm porque,
na verdade, os estilos arquitectnicos eram ou tinham sido considerados
internacionais, cada nao apoiava-se numa vertente verncula, de modo
a criar ou a manter a sua prpria identidade. Os estilos arquitectnicos
do passado, e tambm os do presente, so supra-geogrficos, isto , esto
para alm da natureza geogrfica do territrio de cada nao, enquanto
que a arquitectura popular, rural, verncula, est intrinsecamente ligada
geografia de cada lugar. Uma vez que manter os valores da tradio
popular era tambm manter a lgica construtiva enraizada na natureza do
lugar, manter a tradio era tambm um modo de ser moderno. O sentido de
permanncia e de continuidade oferecido pela arquitectura tradicionalista,
resultaria num sentido de familiaridade, de pertena a um territrio que
num perodo de fragilidade econmica com a crise econmica mundial de
1929 e de instabilidade seria tanto maior e desejado.
Nas dcadas de trinta e de quarenta do sc. XX assiste-se ao culminar de
um processo que j decorria desde o sc. XIX, atravs do qual se construiu
uma tradio, uma valorizao, uma exaltao da tradio regional, rural,
popular e se desenvolveu uma campanha anti-cosmopolita na procura de
uma arquitectura nacional em oposio aos estrangeirismos. Desde finais
de oitocentos que esta defesa do nacional despertou a ateno para o antigo
(objectos, edifcios, conjuntos urbanos) e estimulou o valor da tradio,
6
SILVA, Augusto Santos Palavras para um pas: estudos incompletos sobre o sculo
XIX portugus. Oeiras: Celta Editores, 1997, p.39, 25.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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revelado pela preocupao em elaborar levantamentos, pela publicao


de estudos e de imagens, que a partir dos anos 30 eram divulgados pelos
organismos de propaganda do Estado Novo. O regime tambm utilizou
a cultura popular por razes ideolgicas e, pela mesma razo, tambm
se permitiu que as expresses regionais e populares, nas mais diferentes
reas, fossem manipuladas politicamente. O uso dessa vertente regional
foi rapidamente apropriada pelo Estado Novo, que desta forma se associou
a uma tradio verncula que muitas vezes caiu no folclorismo.
Os apelos a uma pesquisa sobre a arquitectura portuguesa das diferentes
regies do pas, surgem no entanto na sequncia de um vasto conjunto de
iniciativas que desde meados do sc. XIX procuravam uma relao entre a
Histria e a Geografia, fomentando interrogaes acerca dos fundamentos
ou dos elementos caracterizadores de uma arquitectura portuguesa,
focada principalmente na habitao. Estudos que acentuam a diversidade
regional na geografia, no clima, nos materiais e consequentemente nas
formas construtivas. Intelectuais e polticos do sc. XIX transformaram
tradies nacionalistas romnticas, mais antigas, em programas polticos7,
e na primeira metade do sc. XX os exerccios de caracterizao da
terra portuguesa tornaram-se na rectrica da propaganda nacionalista,
particularmente associados construo do conceito de cultura popular,
liberta de influncias deletrias do mundo urbano.
Um conjunto de publicaes na herana duma vertente romntico-
pintoresca, apoiadas fortemente pela fotografia, divulgam o territrio
portugus, promovem e constroem uma identidade e um carcter portugus,
e um conjunto de inquritos ensaiam o futuro inqurito arquitectura
regional portuguesa. Nesse sentido destacamos sem carcter exaustivo,
apenas alguns autores e obras8 desse percurso e processo de construo de
7
GEARY, Patrick J. O Mito das Naes. A inveno do nacionalismo. Lisboa: Gradiva,
2008, p. 24.
8
Polticos, jornalistas, poetas, historiadores, gegrafos, linguistas, antroplogos,

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conhecimento, de promoo, e de divulgao da geografia, da paisagem,


da cultura e da arquitectura popular, no perodo em anlise.
O historiador Oliveira Martins destacando a matriz cltica da alma do povo
portugus, afirmando que o temperamento do povo vem da Natureza e
da Histria9, e procurando desvendar uma etnogenia, refere: todas as
sucessivas tentativas para descobrir a nossa raa tm falhado. Latinos,
celtas, lusitanos e afinal morabes tm passado: ficam os portugueses,
cuja raa, se tal nome convm empregar, foi formada por sete sculos
de histria. Dessa histria nasceu a ideia de uma ptria, ideia culminante
que exprime a coeso acabada de um corpo social (). O patriotismo
tanto pode, com efeito, provir das tradies de uma descendncia comum,
como das consequncias da vida histrica. No h dvida, porm que,
se assenta sobre a afinidade etnognica, resiste mais ao imprio estranho
do que quando provm de uma comunidade histrica10. Se o ensasta
Tefilo Braga, definia as bases positivas da nacionalidade11, e salientava
que Portugal era o pas que mais desconhecia a sua histria, e em
consequncia o abandono da tradio nacional na arte, o desprezo pelos
seus monumentos, a separao lamentvel entre os escritores e o povo,
a falta de conscincia e de plano na actividade poltica dos que exercem
a autoridade12, e o historiador de arte Jos de Figueiredo a propsito da

etnlogos, etngrafos, realizadores, mdicos, desenhadores, arquitectos, fotgrafos,


socilogos, que realizam estudos, ensaios, excurses, visitas de estudo, viagens,
inquritos, levantamentos, mapeamentos, trabalhos acadmicos, trabalhos de campo e
anotaes, publicados e divulgados em livros, revistas, jornais, exposies, colquios,
concursos, documentrios, filmes, programas de rdio.
9
Oliveira Martins, Portugal Contemporneo, Lisboa, Guimares editores, 1953 [1881],
Livro III, Cap. V, Mousinho da Silveira, 3, Critica ao Liberalismo, vol. II, p.181,182.
10
MARTINS, Oliveira Historia de Portugal, Lisboa, Guimares editores, 1991 [1879],
cap. II, p. 19.
BRAGA, Tefilo O Povo Portuguez nos seus Costumes, Crenas e Tradies. Lisboa:
11

Livraria Ferreira editora, 1885, 2 vols.


12
Tefilo Braga As modernas ideias na literatura portuguesa. Porto: livraria Internacional

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escolha dos typos architetonicos para a representao de Portugal na


Exposio de Paris de 1900, afirmava que deveria ser um edifcio que,
com a marca do nosso caracter, afirmasse tambm l fora as tradies mais
caractersticas da regionalidade e meio da nossa raa13, o escritor Teixeira
de Pascoaes assinalava a saudade do futuro14, como caracterizadora do
modo de ser portugus, e o Noroeste de Portugal como o bero da raa
lusitana.
O etnlogo Antnio Augusto da Rocha Peixoto assumindo que a casa de
Ricardo Severo contribua para dilatar o dbil movimento pela aspirao
ainda indecisa da nacionalizao do domiclio portugus publica em
1905 na revista Seres o artigo A Casa Portuguesa15, acompanhado
com clichs do autor, exibindo imagens de casas de arquitectura popular
do norte de Portugal (Castro Laboreiro, Maro, Serra de Arga, Suajo,
Melgao, Baio, Povoa do Varzim, Miranda, Braga). Considera que a
habitao a expresso final da convergncia de motivos interdependentes,
como sejam a paisagem, a cuja influncia naturalmente se adapta, os
recursos geolgicos, os acidentes topogrficos, as imposies climticas
e as necessidades e circunstncias sociais e domsticas16. Refere que
depois de anotados abreviadamente os conjuntos destacar as formas

de Ernesto Chardros, 1892, vol. II, p.363.


FIGUEIREDO, Jos Portugal na Exposio de Paris. Lisboa: Empreza da Histria de
13

Portugal, 1901. p. 7,9.


PASCOAES, Teixeira de A arte de ser portugus. Porto: Renascena Portuguesa, imp,
14

1915.
15
Publicado primeiro em 1904 no Jornal O Primeiro de Janeiro 10 de Agosto, p.1; 12 de
Agosto, p.1; 13 de Agosto, p.1; Ser publicada de novo na revista A Construo Moderna
(N 141 (20 Agosto), 1904; N 142 (1 Setembro), 1904; N 143 (10 Setembro), 1904;
N 144 (20 Setembro), 1904; N 146 (10 Outubro), 1904; N 155 (10 Janeiro), 1905, e
posteriormente nas revistas Seres (vol.I de 1905) e A Arquitectura Portuguesa (vol. IX,
n 8, 1903)
16
Peixoto, Rocha, Casa Portugueza, Seres, II serie, vol. I, n 2, Agosto 1905, p. 106-110.

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e desentranhar delas se possvel, os tipos17, no entanto, questiona


se de to simplista arquitectura e da sua associao com vrios destes
pormenores h lugar para o destaque duma casa ou casas de indefectvel
estilo nacional? respondendo que de modo nenhum. Evidenciando
uma dimenso comparatista Rocha Peixoto refere que em Portugal como
noutras regies de Espanha, de Frana, principalmente no Languedoc
e na Provena, da Itlia meridional e at da Arglida, os tipos de
habitao exprimem apenas, para povos alis com parentesco na mesma
estirpe tnica, uma adaptao a circunstncias locais sensivelmente
idnticas18. particularmente interessante a leitura que Rocha Peixoto
faz das contaminaes entre erudito e vernacular ao referir que as casas
senhoriais, com o seu vasto terreiro enfrentando a longa frontaria em que
uma dupla escada, comeando a divergir do p, converge no alto sob a
alpendrada, umas com capela, outras com torres laterais, outras com torre
central ameiada, outras ainda com diversos aspectos de exterior, so s
vezes a modificao erudita ou a corrupo pedante da modesta casa de
lavoura e mais frequentemente um tipo de importao francesa ou italiana
como agora19.
O Engenheiro Antonio Arroyo na advertncia preliminar, ao catlogo Notas
sobre Portugal, para a Exposio Nacional do Rio de Janeiro de 1908,
salienta que esse estudo e publicao era destinado expresso esttica
da vida e do pas portugus. () Na apresentao metdica das vrias
Terras Portuguesas desse Portugal Portugus, era divido em quatro zonas
principais: ()1 zona, provncias do Minho, Trs-os-Montes, Beiras
e grande parte do Douro; 2 zona de Abrantes ao Porto, e uma parte do
Douro; 3 zona, distritos de Portalegre, vora e Beja; 4 zona, a provncia

17
Peixoto, Rocha, Casa Portugueza, Seres, II serie, vol. I, n 2, Agosto 1905, p. 106-110.
18
Peixoto, Rocha, Casa Portugueza, Seres, II serie, n 3, Setembro 1905, p. 209-214.
19
Peixoto, Rocha, Casa Portugueza, Seres, II serie, n 3, Setembro 1905, p. 209-214.

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do Algarve20. Do conhecimento directo que tinha formado, considera


que o povo portugus tendo um mesmo fundo de caracter, do norte ao
sul do pas, e apenas pequenas diferenas em cada habitat () deveria
o estudo do caracter do povo portugus ser acompanhado de gravuras
representativas dos vrios typos das nossas populaes. () tvpos das
gentes beirs da alta montanha, por pertencerem parte mais pura da gente
ou raa portuguesa () finalizando com um agradecimento s casas
Biel & C e Guedes de Oliveira do Porto, s Papelarias Guedes & Saraiva
de Lisboa e Borges de Coimbra, que muito graciosamente puseram
disposio as suas valiosas photographias21. Segundo o historiador de
arte Joo Barreira a habitao, coexistindo com as transformaes por
assim dizer celulares da vida popular, como que o alter ego do homem
e o seu mais candido e intimo reflexo ()22. Entendia que para fazer
uma exposio critica da habitao humana () urge sempre discriminar
a casa rural da casa urbana, e extremar ainda, entre os dois typos, as
que tm caracter de formao espontnea das que obedecem a moldes
eruditos. E como nota conclusiva refere que a habitao em Portugal
no oferece um tipo nico, invarivel no tempo e no espao a que se
possa dar a designao nacionalista de casa portuguesa e considera
que o pormenor decorativo que oferece uma abundante variedade dos
motivos locais sendo principalmente a ele que se deve ir buscar a
pedra de toque de onde irradia a expresso regional da casa portuguesa23,
acompanhando o texto com imagens reveladoras da arquitectura da casa

ARROYO; Antonio Advertncia preliminar, in, Notas sobre Portugal. Exposio


20

Nacional do Rio de Janeiro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1908, vol 2, s.p.


ARROYO; Antonio Advertncia preliminar, in, Notas sobre Portugal. Exposio
21

Nacional do Rio de Janeiro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1908, vol 2, s.p.


BARREIRA, Joo A Habitao em Portugal, in, Notas sobre Portugal. Exposio
22

Nacional do Rio de Janeiro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1908, vol 2, p.173,177,178.


BARREIRA, Joo A Habitao em Portugal, in, Notas sobre Portugal. Exposio
23

Nacional do Rio de Janeiro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1908, vol 2, p.173,177,178.

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rural do Minho, da casa rural do Suajo, da casa rural da Beira e de um


monte alentejano24.
Integrado no espirito de revelar Portugal aos portugueses, na Ilustrao
Portugueza salienta-se que realmente pena ser a nossa terra to
escassamente conhecida de ns todos () ao passo que a ambio de uma
viagem ao estrangeiro, a Paris principalmente, constitui o grande sonho
absorvente da maioria da nossa gente, sendo publicada uma fotografia do
Penedo de S. Joo (distrito de Vizeu) apresentada como uma interessante
curiosidade natural do paiz25. J em 1906 Neves Pereira tinha publicado
na Ilustrao Portugueza o artigo Como vive e de que vive o lavrador do
Minho, onde descrevia que no nico aposento da casa, coberto de colmo
esburacado ou telha v, de rudes paredes de pedra sobreposta por cujas
fendas entra o frio e o vento, nasce a criana minhota e assinalava que
toda a economia social desta vasta provncia portuguesa assenta sobre
a constituio da famlia26, sendo o artigo acompanhado de imagens
elucidativas da arquitectura popular e dos interiores da habitao com
cenas do quotidiano.
Segundo o jornalista Bruno Buchenbacher a visita s regies do norte
de Portugal e s serras abandonadas e desconhecidas no eram simples
curiosidade de turista, mas sim dever jornalstico. Numa expedio
realizada em 1911 em que percorreu Melgao, Alcobaa e Castro Laboreiro,
Peneda, Suajo, Arcos de Valdevez regista e fixa em pelicula fotogrfica o
territrio, as gentes e as arquitecturas da regio. Essas imagens seriam
divulgadas na publicao, e o jornalista chamava a ateno para os
curiosos palheiros, construdos de pedra, em forma de cadela, e todos eles
encimados por uma cruz. Uma gravura mostra um grupo de aldeos, entre
24
Pginas 157, 158, 168 e 172 respectivamente.
25
A nossa terra, Ilustrao Portugueza, n 67, 3 de Junho de 1907.
26
PEREIRA F. Neves Como vive e de que vive o lavrador do Minho, Ilustrao
Portugueza, n 9, II srie, 23 Abril, 1906, p. 283-286.

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palheiros, construdos de verga e cobertos de palha. Questionava-se o autor


se aquele aspecto no lembrava uma scena do continente negro?27.
O jornal A Capital lana em 1912 o inqurito, O que a provncia pensa e o
que a provncia precisa28, e em 1913 o jornal O Sculo apelava realizao
em Portugal de congressos regionais, realizados ao mesmo tempo que por
todo o pas se organizam associaes regionalistas de diversa natureza29.
No artigo A Casa Portuguesa publicado na Ilustrao Portugueza do
arquelogo Antnio Mesquita de Figueiredo so exibidas fotografias de um
conjunto de exemplos de arquitectura de habitao popular de diferentes
pocas e regies de Portugal, apresentando e constituindo um catlogo de
Norte a Sul de Portugal. Comeando na habitao nas cavernas, passando
para as citnias, e avanando para as casas romanas. O tipo da casa de
outrora como hoje () resulta forosamente da estrutura geolgica do
solo, do clima local, dos materiais de construo, do gnero de vida dos
habitantes, das suas condies econmicas, , em suma, resultante fatal
das circunstncias do meio fsico e social. No entanto, chama a ateno
que para se obter um conhecimento perfeito dos diferentes tipos de
casas nas varias regies de Portugal, seria mister proceder a um inqurito
minucioso sobre as condies da habitao, semelhana do que h
pouco anos se realizou em Frana sob tal orientao, sendo no entretanto
necessrio nesse empreendimento extremar com cuidado os tipos rurais
dos tipos urbanos, porque nestes ltimos a influncia das diferentes escolas
artsticas eruditas teve com certeza muito maior incidncia afastando-
as dos tipos genuinamente tradicionais. Criticando a construo de
chalets, o interesse de tal inqurito estava relacionado com o facto de vir

BUCHENBACHER, Bruno Como eu visitei as serras do Suajo e da Peneda, Ilustrao


27

Portugueza, n 284, 31 Julho, 1911, p. 137-143.


28
Hemeroteca digital, A Capital, 13 Janeiro, 1912
29
GIRO, Amorim, Esboo duma carta regional de Portugal, Coimbra: Coimbra Editora,
1930, p. 2.

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a servir de referncia para construes de carcter nacional. Segundo o


autor Casas de habitao em que predomina a orientao tradicionalista
portugueza, interpretadas superiormente e adaptada s necessidades do
viver moderno, construram-se j no nosso paiz com os mais lisonjeiros
triunfos da crtica! A casa do conde dArnoso, em Cascaes, a que se
seguiram as de Manoel Gomes, no MontEstoril, e de Jorge ONeill, na
vizinhana da primeira, devidas estas duas ultimas a projectos do pintor
Francisco Vilaa, que tambm um arquitecto distinto (). Na regio
central do paiz os tipos de casa popular multiplicam-se obedecendo com
certa fatalidade ao determinismo mesolgico. Na costa mabre estacas
altas, para evitar, dentro de certos limites as consequncias prejudiciais do
movimento das areias naquele solo instvel da beira-mar, onde o pescador,
como consequncia natural da sua profisso, obrigado a residir. Estes
palheiros, como impropriamente lhe chamam, mostram uma admirvel
adaptao do homem s condies do meio fsico: as casas da Cova de
Lavos representam curiosas sobrevivncias de eras remotssimas. ()
caminhando para o interior, vamos encontrar em Tavarede, a pouco passos
do velho solar dos condes do mesmo nome, a casa rural de escada exterior
e alpendre sobre o patamar da porta de entrada, tipo que vemos repetido
na Eireira, povoao do Mondego campestre, e mais desenvolvido
e completo em Torre de Vilela, j nos subrbios de Coimbra. A casa
rural de Torre de Vilela com sua escada exterior de patamar alpendrado
paralela fachada e a sua varanda reitrante sustentada por duas elegantes
colunas de pedra representa um tipo muito espalhado em Portugal, a que
alguns chamaram casa portugueza. Na regio do Mondego alpestre,
chamamos assim, alm da Portela, terreno schistoso e alcantilado, a casa
mais vulgarizada a de escada exterior com o seu varandim alpendrado,
adaptando-se maravilhosamente s condies da povoao dencosta30.

30
FIGUEIREDO, Antnio Mesquita de A Casa Portuguesa, Ilustrao Portugueza, 27
Janeiro, 1913, p.105-111.

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Esta sistematizao realizada no artigo profusamente ilustrada com


fotografias das quais destacamos: casa rural de varanda reentrante e escada
com patamar alpendrado o chamado tipo de casa portuguesa em Torre de
Vilela; Casa de varandim, escada exterior nas Torres, regio do Mondego
alpestre; Casa da Cova de Lavos, ao sul do Mondego; uma casa de taipa
em Sant o Varo regio do Mondego; um domingo na aldeia, e casas dos
Amagueis.
O alerta para a necessidade da procura de uma origem pr-histrica
especfica para os lusitanos era dado em 1915 pelo poltico e poeta
Antnio Sardinha ao referir hoje desconhecemo-nos, eis o grande
mal31. No mesmo ano o jornalista e poltico Joo Chagas, enaltece a terra
portuguesa referindo praticmos uma faanha milagrosa: descobrimos
Portugal! Foi uma verdadeira viagem de npcias com a Ptria. Caramba!
Que maravilhoso pas! Como a gente passa a vida ignorando a beleza da
prpria terra!32.
O etngrafo Verglio Correia em estudo sobre as Cabanas de Assafarja do
Concelho de Coimbra, denota que () sobre o cabeo de Santo Amaro e
em volta dele () construes de pedra solta, sem aparelho algum, casotas
troglodticas de calhaus que parecem sadas de tempos ante-histricos,
conservadas por milagre naqueles ermos. So as cabanas, abrigos dos
trabalhadores rurais e dos pastores em horas de chuva estugada. Quanto
forma refere que so rectangulares, quadradas e redondas sendo as
construes de tipo mais primitivo que existem sobre terras da Europa33.
Estabelece uma relao entre estas construes e os chamados na Itlia

SARDINHA, Antnio - Valor da raa. Introduo a uma campanha nacional. Lisboa:


31

Almeida, Miranda & Sousa, 1915, p.XXI.


CHAGAS, Joo Correspondncia literria e poltica. Lisboa: Empresa Nacional de
32

Publicidade, 1957, II, p. 249.


33
CORREIA, Verglio As Cabanas de Assafarja (Concelho de Coimbra), Separata
da guia, Jan. 1915, Porto, 1915, o texto acompanhado de desenhos de Alberto Sousa.

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e nos Alpes martimos francezes, cabanne, caselli, caselloni, casoni e


cabanons, so como os de Portugal formados de paredes de pedra seca
e irregular, do feitio de tronco de cone ou de cilindro, cobertos por uma
abobadazinha de lages em sacada, com uma s abertura, a porta, e 3 a
4 metros quadrados de superfcie, servem di temporrio rifugio agli
agricoltori, ai pastori ed ai falciatori di feno, e si trovano di preferenza
nelle regioni montane () no quero meter no nmero destas cabanas
as construes todas de pedra, de base quadrada e teto cupoliforme, de
maiores dimenses, que por serras de Traz os Montes e Minho (Maro,
Suajo etc) e ainda pela Beira, servem de curraes de gado, porque embora
o sistema construtivo seja algum tanto idntico, o destino diverso e sua
edificao mais cuidada. () as grosseiras construes de pedra seca ()
interessantes pela sua rudeza evocadora de pocas primitivas, so mais
uma nota pitoresca a aumentar a poesia da nossa Terra34. Verglio Correia
refere a chamin do Sul como dominando a casa, servindo-lhe de principal
enfeite, nota de arte popular mais que nenhuma outra sugestiva, marcando
uma outra poca, novos tempos, a chamin ornamentada, alvinitente como
um pombal35. Segundo Verglio Correia ao examinar uma rua de gente
pobre, em qualquer velha aldeia ou vila transtagana. As casas aparecem
baixas, atarracadas, dominadas pelos fustes estreitos das chamins, aladas
muitas vezes mais que a altura das fachadas. Em verdade, tal como no
interior, toda a casa chamin36. Referindo mesmo que parecia que,
no Alentejo e, em especial, no Algarve, se marcaram entrevista todos os
modelos de chamins de Portugal e dos pases meridionais, tal a abundancia
e variedade de tipos que se encontram nessas duas provncias, e afirmando
que os modelos foram buscados nos edifcios que os rodeavam; da as

34
CORREIA, Verglio As Cabanas de Assafarja (Concelho de Coimbra), Separata
da guia, Jan. 1915, Porto, 1915, o texto acompanhado de desenhos de Alberto Sousa.
35
CORREIA, Verglio, Chamins do Sul, Terra Portuguesa, n 7, Agosto, 1916, p. 22.
36
CORREIA, Verglio, Chamins do Sul, Terra Portuguesa, n 7, Agosto, 1916, p. 24.

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chamins representarem em miniatura, umas vezes, torres de igrejas, seus


cataventos de ferro erguidos no alto. Acrescenta ainda que a disposio
artstica estrutural acresce, na chamin popular, a decorao, manifestada
em moldados de gesso e argamassa, em esgrafitos que envolvem as iniciais
dos proprietrios e as datas da construo, ou lhe vincam e aformoseiam as
esquinas. Ao longo do texto so citadas obras de etnlogos portugueses
e desses autores so emprestados alguns dos desenhos de chamins que
acompanham o artigo, evidenciando a variedade de modelos (Estremoz,
vora, Almodovar, Aguiar, Castro Verde e ainda Algarve) que promovem
e construem uma valorizao da cultura popular nacional.
A valorizao e estudo do romnico est associada tambm ao estudo das
construes primitivas, ao cunho popular, regional, nacional e coevo da
formao da nacionalidade. A propsito de um estudo sobre a igreja de S.
Pedro de Lourosa, analisada sob o aspecto histrico e artstico, o historiador
de arte e arquelogo D. Jos Pessanha enquadra igualmente este estudo
no interesse por construes primitivas anteriores ao romnico. No artigo
d notcia que estiveram em Lourosa, alunos do Curso de Arquitectura
da Escola de Belas Artes de Lisboa que levantaram a planta da igreja
e o fotgrafo Marques de Abreu que no s fotografou a igreja como
tambm a arquitectura popular de Lourosa, sendo publicada no artigo uma
fotografia de uma rua da Lourosa37. Os estudos de Verglio Correia e de
D. Jos Pessanha enquadram-se e do continuidade ao desejo de integrar
e fundamentar as origens da decorao da arquitectura romnica na arte
castreja, na senda da narrativa lusitanista do historiador e crtico de arte
Joaquim de Vasconcelos, que assinalava a continuidade e relao entre a
decorao dos jugos e das cangas de bois e a decorao romnica de Entre
Douro e Minho, assinalando que os jugos do Minho, Entre Douro e Minho
e de parte da Beira Alta so tradues em madeira mais ou menos fiis de

37
PESSANHA, D. Jos Pessanha A architectura pre-romanica em Portugal. Terra
Portuguesa, ns 15 e 16, Abril e Maio de 1917, p. 49-54.

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decoraes romnicas em pedra38. Joaquim de Vasconcelos referia ainda


que se tinha salvo numa industria caseira, na carpintaria da aldeia, nos
clebres jugos e cangas de bois do Minho e Douro uma grande variedade
de padres decorativos, que a nao ainda a mais rica nos invejaria e
que so pelo estilo absolutamente, puramente romnicos () parece que
Balsemo foi um arquivo para esses desenhadores e entalhadores de jugos
() cujas oficinas cobrem as vilas, aldeias e lugares dos concelhos39.
O arquelogo Antnio Mesquita de Figueiredo considera que o estudo da
habitao humana um dos mais importantes captulos da etnografia40.
Citando Vitrvio sobre a origem e evoluo da habitao humana, refere
que restos de cabanas circulares construdas de pedra, e cuja cobertura
naturalmente seria de colmo, encontram-se em Sabroso, na Citnia de
Briteiros, em Monte Redondo e Santa Marta nos arredores de Braga e
em Santa Luzia, Viana do Castelo, estaes de origem pr-romana41.
Segundo o autor as cabanas de tipo primitivo so ainda construdas na
actualidade, encontrando-se nos arredores de Coimbra, na Beira Baixa,
na Extremadura e no Alentejo. Acompanham o seu artigo um conjunto
de clichs do autor com imagens que procuram caracterizar a casa tpica
das diferentes regies, salientando estrutura e materiais empregues, como
as casas sobre estacas, ou o palheiro de tabuado, e at mesmo uma planta
esquemtica de uma cabana de pescadores algarvia com sala de entrada,
lareira e alcva.

VASCONCELOS, Joaquim de Arte Romnica em Portugal, Porto, Tipografia Sequeira


38

& Comandita, 1918, p.23.


VASCONCELOS, Joaquim de Ensaio sobre a Arquitectura Romnica em Portugal.
39

Arte, 4 ano, 38, 1908-12, p.15.


FIGUEIREDO, Antnio Mesquita de Etnografia Portuguesa. 1. Habitaes de Beira-
40

Mar. Terra Portuguesa, ano 2. Ns 13 e 14, Fev e Mar 1917, p. 1-6.


FIGUEIREDO, Antnio Mesquita de Etnografia Portuguesa. 1. Habitaes de Beira-
41

Mar. Terra Portuguesa, ano 2. Ns 13 e 14, Fev e Mar 1917, p. 3.

99
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O arquelogo Eugeniusz Frankowski no prlogo escrito em 1917 na sua


obra Hrreos y Palafitos de la Pennsula Ibrica considera de grande
interesse de entre as construes populares da Pennsula Ibrica os curiosos
celeiros (horreos), na sua maioria construdos em madeira, onde o povo
levanta as suas casas quase totalmente de pedra, destacando a notcia
destas construes nas cartas de Jovellanos, ao referir que no entra nada
de ferro nem de argamassano h edifcio mais barato, simples e to
bem desenhado. Embora estas construes surjam mencionadas desde
a Antiguidade, E. Frankowski associa a origem destes celeiros sobre
estacas s primitivas construes palafiticas42. Referindo que o mesmo
tipo de horreo da Galiza tanto construdo em madeira como em granito,
e o entranado de varas chamado palheiro, se encontra em Portugal no
Minho, exibindo fotografias de Canastros de Soajo, palheiro no Minho e
tambm desenho de Canastro de Castro Daire, espigueiros nos arredores
do Porto e da Serra do Gerez. Salienta tambm as construes palafiticas
de Cova de Lavos (Figueira da Foz), apresentando para alm de fotografia,
desenho da construo e a sua planta com indicaes da organizao do
espao interno. Mas o que consideramos mais interessante deste estudo a
procura da pegada das construes palafiticas nas habitaes dos incios do
sc. XX na Pennsula Ibrica. Comeando essa busca por Portugal, refere
que em Braga e no Minho encontramos a casa chamada em Portugal por
alguns etngrafos a casa portuguesa. Edificada em pedra, compe-se
de piso trreo, na sua maioria utilizado como depsitos e um piso onde
vive a famlia. D a esta casa carcter peculiar a alta escada exterior de
pedra construda na sua fachada em direco directa ou paralela a ela43,
publicando fotografias de uma casa minhota com o seu espigueiro (Fot.
E. Biel) e ainda da vila do Soajo (segundo Alves Pereira). Menciona que

Eugeniusz Frankowski, Hrreos y Palafitos de la Pennsula Ibrica, Madrid, Museo


42

Nacional de Ciencias Naturales, 1918, p. 8.


43
Eugeniusz Frankowski, Hrreos y Palafitos de la Pennsula Ibrica, Madrid, Museo
Nacional de Ciencias Naturales, 1918, p. 136.

100
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
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do sculo XX em Portugal
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o piso trreo possui s vezes amplo portal com colunas que ocupam
lugares diferentes em vrias casas, indicando assim a sua origem na antiga
estacada palafitica44, exibindo uma fotografia demonstrativa com a casa
rural de Torre de Vilela (segundo A. Mesquita de Figueiredo). Mas tambm
refere que a tpica casa portuguesa deu origem a algumas casas ricas nas
cidades, das quais menciona a casa de Ricardo Severo no Porto, com uma
fotografia de Rocha Peixoto, fazendo depois o mesmo exerccio para a
Galiza, apresentando tambm uma srie de exemplos.
Fernando Fragoso exaltando e valorizando a terra portuguesa, exibia no
seu artigo A fotogenia da Terra Portugueza fotografias do Dr Evaristo
Pessoa Jorge, de modo a exemplificar a fotogenia de Portugal, onde para
alm da paisagem exibida a arquitectura popular nomeadamente de
duas casas portuguesas, uma na Pocaria (uma aldeia nos arredores de
Coimbra) e outra em terras da Beira, considerando o autor que esta seria
uma excelente matria-prima para a realizao de documentrios45. Outra
fotogenia era registada no documentrio Norte de Portugal (1930) do
mdico e realizador amador J. R. dos Santos Jnior, onde encontramos em
preciosas imagens avulsas, uma aldeia com os seus habitantes sada da
igreja, espigueiros, construes populares cobertas de colmo, os caminhos
e os animais, integrados na paisagem e revelando um quotidiano mais real
e menos construdo.
Em 1932 o gegrafo Verglio Taborda publicaria a sua tese de doutoramento
Alto Trs-os-Montes. Estudo geogrfico46, considerando-o um trabalho
de reconhecimento, multiplicando os inquritos e as excurses realizados

Eugeniusz Frankowski, Hrreos y Palafitos de la Pennsula Ibrica, Madrid, Museo


44

Nacional de Ciencias Naturales, 1918, p. 136.


45
FRAGOSO, Fernando A fotogenia da Terra Portugueza. Cinfilo, n 93, 1 Junho,
1930.
46
TABORDA, Verglio Alto Trs-os-Montes. Coimbra: Imprensa da Universidade,
1932.

101
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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em dezenas de aldeias, junto dos que trabalham a terra e para ela s


vivem, excurses que abrangeram no total alguns meses () primeira
campanha feita em Setembro-Outubro de 1929, seguiram-se outras em
Agosto-Outubro de 1929, em Agosto-Outubro de 1930, e em Janeiro,
Maro-Abril e Junho de 1931. E pouco a pouco com a documentao
fotogrfica, se foram acumulando as notas47. Define a casa rural como
a imagem do solo pelos materiais de que construda, traduzindo a
influncia das condies fsicas e o prprio reflexo da vida do campons,
apresentando os tipos de habitao, os materiais da casa, caracterizando
igualmente as aglomeraes da populao rural, definindo a posio e forma
das povoaes, apresentando fotografias suas das habitaes em Rebordelo
(Vinhais), e as casas de colmo na povoao mais alta de Trs-os-Montes
Alturas do Barroso48. Para alm da morfologia do aglomerado descreve a
composio interior da casa, chamando a ateno que o agricultor, ainda
mesmo o que vive rico ou remediado, no gosta de construir; prefere ir
adaptando a sua velha morada, modifica-la ou acrescent-la, a edificar
desde os alicerces49.
Os discursos presentes na construo de uma ideia e de uma imagem
de Portugal, na construo da identidade familiar e de uma identidade
colectiva reforam-se atravs da paisagem e da arquitectura popular. O
socilogo Paul Descamps refere na introduo da sua obra Le Portugal.
La vie sociale actuelle de 1935, que para avaliar a fora de um pas,
no era suficiente contar com todas as mercadorias produzidas () era

47
TABORDA, Verglio Alto Trs-os-Montes. Coimbra: Imprensa da Universidade,
1932, p.X. Orlando Ribeiro considera que Verglio Taborda atentou na tese exemplar
de Jacques Ren Lavainville (que fora discpulo de Vidal de la Blache), intitulada Le
Morvan. Etude de gographie humaine, a qual foi publicada em 1909.
TABORDA, Verglio Alto Trs-os-Montes. Coimbra: Imprensa da Universidade,
48

1932, p.195-206.
49
TABORDA, Verglio Alto Trs-os-Montes. Coimbra: Imprensa da Universidade,
1932, p.198.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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tambm necessrio avaliar a energia moral do povo, a fora dos laos de


solidariedade que unissem os homens e cimentassem a sociedade50. Esta
obra era o resultado de um longo inqurito sobre Portugal em pesquisas
que duraram quatro anos, implicando minuciosas observaes directas,
integradas na obra atravs de um conjunto de imagens da paisagem das
diferentes regies de Portugal, dos respectivos trabalhos agrcolas, dos
costumes e das arquitecturas das quais destacamos a dimenso comparatista
que se pode estabelecer entre o interior de uma casa do Norte e um monte
no Alentejo. Na verdade, a diversidade da riqueza regional igualmente
salientada por Andre Ficq: em Portugal cada provncia possui o seu
estilo prprio, claramente determinado pelas condies do clima, dos
materiais de construo, e pelo carcter dos habitantes. A natureza coloca
disposio das populaes das provncias do Norte, onde o clima rude
no inverno, um granito compacto, difcil de talhar, rebelde. o que explica
esta rigidez do estilo, esta sobriedade de ornamentos, esta forma um pouco
solene que caracteriza as residncias ou solares do Vale do Minho51.
O etngrafo Jos Leite de Vasconcelos, considerado por Orlando Ribeiro
o grande Mestre de Lusitanidade, que apontava em caderninhos tudo o
que via e ouvia ao povo52, e ensinava que o presente provinha do passado,
assumia o Minho como a terra clssica das nossas tradies e antigos
costumes53. Em 1916 Leite de Vasconcelos publica na Revista Lusitana
Casa Portuguesa, um inqurito etnogrfico, levado a cabo pelos seus
alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, onde cada aluno de forma

DESCAMPS, Paul Le Portugal. La vie sociale actuelle. Paris: Firmin-Didot et C,


50

diteurs, 1935.p.IX-XVIII.
FICQ, Andre La Maison Portuguaise travres les ages. Portugal 1937 Exposition de
51

Paris, SPN, 1937, p. 5.


52
RIBEIRO, Orlando Noticia introdutria, in, VASCONCELOS, Jos Leite de
Etnografia Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Vol. IV, 1982, p. vii.
Ribeiro, Orlando, prefcio, DIAS, Jorge, Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitria,
53

Porto, Instituto para a Alta Cultura, Centro de Estudos de Etnologia Peninsular, 1948.p.IX.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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breve e sistematizada apresenta os caracteres da habitao tradicional,


salientando a sua integrao, tipo e materiais de construo, organizao
interna do espao, apresentando por vezes plantas, a utilizao do espao
e seu mobilirio, e salientando os modos de habitar54. Leite de Vasconcelos
publica na Etnografia Portuguesa (1936) o seu estudo da Terra de Portugal,
dos seus caracteres fsicos e do seu povoamento, directamente articulado
com a construo e composio da habitao (vol. II e III)55. Seguem-se
os volumes (publicados postumamente) do Povo Portugus (Vol. IV), e da
Vida Tradicional onde se insere no vol. VI a caracterizao da Habitao,
dando continuidade ao inqurito sistemtico entre alunos da Faculdade
de Letras, com o fim de averiguar as particularidades regionais da

54
I Ilha da Madeira, Eduardo Antonio Pestana; II Costa de Cima, Esmeria de Sousa;
III Mirandela, Jos Maria Aleixo de Lopes; IV Portalegre, Pedro Lino Bragana
Gil; V Ereira, concelho do Cartaxo, Alda Guedes Teixeira; VI Freguesia de Lavos
(Figueira da Foz), As casas da Cova, da Costa e de Leirosa, As casas da Gala, Joaquim
Faria Corra Monteiro; VII A casa minhota, Antnio de Jesus Gonalves; VIII Boua-
Cova, Manoel do Nascimento Simo; IX Espriz (Coimbra), Adelaide Saramago, in,
Revista Lusitana, Lisboa: Livraria Clssica Editora, 1916, vol. XIX, fasc. 1-2 e 3-4.
55
Exemplo dessa articulao a breve histria que apresenta da Vila Nova de Valenas
(Cibrro), em Montemr-o-Novo, ao referir: No cessou em tempos modernos o
costume de ricos magnates fundarem povoaes por enfiteuse. Por exemplo, dentro da
vasta herdade do Pao, no concelho de Montemr-o-Novo, freguesia de S. Gens & S.
Geraldo, pertencente aos Sros Condes de Valenas, existe num recanto um monte, ou casa
de campo, chamado do Cibrro ou Sibrro, em volta do qual, nos incios do sc. XX (por
1902, etc), o 1 Conde de Valenas, seguindo tradies, muito alentejanas, comeou a
fazer aforamentos a vrias pessoas de povoaes prximas: aforava a cada individuo um
terreno de 10 metros de frente por 30 metros de fundo, para casa de habitao e quintal,
aquela com sada para uma estrada pblica; e a cada foreiro, logo que construsse a casa,
assistia o direito de tambm receber de aforamento outro terreno maior para seara, um
hectare ou mais, dentro da mesma herdade do Pao, e perto do Cibrro. O 2 Conde
mandou traar um plano de aldeia, em 1931 conta j cento e tantos fogos, designada de
Vila Nova de Valenas /VASCONCELOS, Jos Leite de Etnografia Portuguesa. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Vol. II (1936), 1980, p. 469). O texto acompanhado
de uma fotografia de uma Rua do Cibrro tirada e oferecida para a publicao pelo Dr
Manuel Heleno, director efectivo do Museu Etnolgico, a partir da qual possvel aferir
a construo em srie dessas habitaes.

104
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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habitao56. O extenso estudo e levantamento da habitao est estruturado


pelas vrias regies de Portugal do norte ao sul e incluindo as ilhas57,
sendo enriquecido com um conjunto de fotografias e desenhos do autor58,
caracterizao do conjunto da habitao e dos espaos a ela agregados,
dos alados, de detalhes das partes constituintes das construes e dos
materiais usados, com plantas da composio interna do espao, e tambm
desenhos do mobilirio e dos utenslios, que so suporte e fundamento do
estudo e interpretao das culturas do habitar, sendo cada captulo iniciado
pela habitao de carcter primitivo.
Em 1938 o Secretariado de Propaganda Nacional promoveu o concurso da
Aldeia Mais Portuguesa de Portugal. Era necessrio encontrar uma aldeia
cuja arquitectura popular fosse objecto de captura da fotogenia da Nao
e por outro lado que servisse de modelo formal e moral. Era a construo
de uma tica portuguesa, desenvolvendo nos portugueses o culto pela
tradio59, integrado no discurso da identidade da terra portuguesa,
escudo de defesa nacional. Pretendia-se de algum modo premiar a
resistncia oferecida a decomposies e influncias estranhas atravs da
conservao das suas caractersticas na habitao, afirmando Antnio
Ferro este concurso, de facto, vale, sobretudo pelo pretexto que nos d de
mergulhar na terra portuguesa () de encontrar () as nascentes da raa

56
RIBEIRO, Orlando Prefao, in, VASCONCELOS, Jos Leite de Etnografia
Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Vol. VI, 1975, p. v, vi.
57
Casa de Entre Douro e Minho; Casa de Trs-os-Montes; Casa da Beira; Casa da
Estremadura; Casa do Alentejo; Casa do Algarve; Casa da Ilha da Madeira; Casa dos
Aores.
58
Alguns desenhos e gravuras feitos a partir de fotografias tinham sido publicadas
anteriormente no Boletim de Etnografia: publicao do Museu Etnolgico Portugus, que
por sua vez remetia para contedos publicados em O Archeologo Portugues: coleco
ilustrada de materiais e noticias publicada pelo Museu Etnolgico Portugus.
59
Regulamento A Aldeia mais portuguesa de Portugal. Lisboa: SPN, 1938.

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()60. No Relatrio do Jri Provincial da Beira-Baixa, so publicadas


fotografias exibindo a arquitectura popular da aldeia de Monsanto61. No
entanto, as interpretaes no eram unnimes e segundo o economista
Ferreira Dias glorificar como mais portuguesa, porventura como modelo
de povoado rural, uma aldeia suja e rude (agora, ao que me dizem, muito
escanhoada), s porque tem umas pedras de h muitos sculos (e para elas
se fizeram os museus) de um espiritualismo que eu no compreendo,
mesmo com esforo () mas porque no se glorifica a aldeia mais limpa,
a aldeia mais bonita, a aldeia mais produtiva, enfim, a aldeia que mostre
qualquer caracterstica positiva e boa em oposio a esta caracterstica
negativa de reproduzir fielmente, por atraso e no de propsito, os tempos
de Covadonga?62.
O gegrafo Orlando Ribeiro enquanto bolseiro da Junta de Educao
Nacional inicia em 1934 um programa de viagens em Portugal matriciais
para o seu trabalho futuro e para a valorizao dos estudos regionais63. A
leitura de Paul Vidal de la Blanche nomeadamente a sua obra Tableau de
la Gographie de la France (1903) ser suporte da anlise iconogrfica
(nomeadamente a importncia das fotografias) e descritiva da expresso

60
FERRO, Antnio Prmios Literrios, 1934-1947, Lisboa, SNI, 1950.
61
Relatrio do Jri Provincial da Beira-Baixa, Ocidente, revista portuguesa, n 7,
Novembro, 1938, p.96-111; este relatrio tem continuidade no Relatrio do Jri Provincial
da Beira-Baixa, Ocidente, revista portuguesa, n 8, Dezembro, 1938, p.273-309, com
mais imagens da arquitectura popular de Monsanto.
62
DIAS, Jos Nascimento Ferreira Linha de Rumo. Lisboa: Clssica, 1946, 1 vol. P. ?
63
Em 1935 participa num cruzeiro de frias para estudantes dirigido por Marcello
Caetano, como professor adjunto da Misso Cultural, s ilhas da Madeira e de Cabo
Verde, Guin, Angola e So Tom e Prncipe. Dirige a bordo um curso de 6 lies
sobre Geografia das Colnias Portuguesas do Atlntico. Em 1936 defende a sua tese de
doutoramento sobre a Arrbida e rege no Centro de Cultura Popular da FNAT (Fundao
Nacional para a Alegria no Trabalho) o curso de Geografia de Portugal. Entre 1939 e
1940 colabora com o Professor de Martonne na organizao dos trabalhos prticos do
curso de geografia, tendo dado aulas e dirigido excurses nos arredores de Paris, in,
(http://www.orlando-ribeiro.info/home.htm).

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vernacular e popular presente nos cadernos de campo, levando Jean-Louis


Tissier a destacar que Orlando Ribeiro () combine des traits de la
tradition realiste qui privilegie les notations visuelles mais aussi sonores
ou olfatives qui contribuent constituer un effect de rel, en jouant
aussi des expressions locales vernaculaires ()64, e Didier Mendibel a
referir que as fotografias correspondem a une vritable cinmatique
du paysage65. Igualmente determinantes para o seu mtodo e olhar
radiogrfico foram o gegrafo Ernest Fleury e o etngrafo Jos Leite de
Vaconcelos, sendo precisamente na companhia deste ltimo que no vero
de 1936 faz uma viagem a Trs-os-Montes. A convite do Instituto de Alta
Cultura entre 1937 e 1940 leitor assistente de portugus na Universidade
de Paris, Sorbonne, onde estuda geografia sob a direco de Emmanuel
de Martonne, Albert Demangeon, Luteaud, Marres e Sion, vindo a iniciar
um trabalho sobre a Beira Baixa, aplicando os mtodos da Geografia
Moderna. Em 1938 Orlando Ribeiro apresenta no Congrs International
de Gographie de Amesterdo o seu trabalho I/Habitat Rural au
Portugal66, e enquanto bolseiro do Instituto para a Alta Cultura elabora
um modelo de Inqurito do Habitat Rural67, considerando que o estudo

64
Jean-Louis Tissier, citado por Marie-Claire Robic, Le Tableau de la Gographie de la
France de Paul Vidal de La Blanche. Dans les labyrinthe des formes. Paris: CTHS, 2000,
p.23.
65
Didier Mendibel, citado por Marie-Claire Robic, Le Tableau de la Gographie de la
France de Paul Vidal de La Blanche. Dans les labyrinthe des formes. Paris: CTHS, 2000,
p.88.
66
RIBEIRO, Orlando, LHabitat Rural au Portugal, Comptes Rendus de Congrs
International de Gographie, Amsterdam (Travaux des Sections A-F), Leiden, UGI,
1938, II, p. 137-144;
67
I Habitao Rural. 1. Quais so os materiais de construo empregados? Pedra
(granito, xisto, calcrio, etc.) adobes, tijolo, taipa, madeira, etc. 2. Que forma tem o telhado
(de uma, duas, quatro guas), muito ou pouco inclinado? H casa cobertas por cpulas,
terraos, etc.? Qual o material usado na cobertura? Telha, lousa, colmo, etc. 3. Como
a planta da casa? (Juntar um desenho se fr possvel). Dimenses da casa, das divises.
Quantos andares? Tem escada exterior, alpendre, varanda, coberta ou descoberta? Tem

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da casa inseparvel do estudo das povoaes, salientava que o inqurito


realizado por meio de investigaes pessoais de observao directa das
povoaes, e com o exame de mapas, estatsticas e documentos histricos
tinha como objectivo elaborar uma carta dos tipos de habitat rural em
Portugal, estudados debaixo do duplo aspecto da forma e da origem.
Orlando Ribeiro salientava que o resultado de numerosas excurses em
todas as provncias permitia fixar algumas linhas gerais que ajudariam
na realizao do trabalho, destacando a diversidade de tipos de habitat
rural (Minho, planaltos de Trs-os-Montes, Beira Transmontana e parte
oriental da Beira Baixa; Alentejo e parte sul do Ribatejo; Beira Alta,
Estremadura e Algarve Baixo; Ria de Aveiro e pontos do litoral)68. No
mesmo ano elaboraria tambm um modelo de Inqurito de Geografia
Regional69 com o fim de colher elementos para o estudo geogrfico da

chamin? 4. As casas so rebocadas, caiadas, pintadas? As paredes so revestidas de


lousa, madeira ou qualquer dispositivo de proteco? 5. Qual a disposio e o nmero
das aberturas (portas e janelas)? Em todas as fachadas? S em algumas? 6. Nas casas
com andar, para que serve o rs-do-cho? Os gados, utenslios de lavoura, palha, ferro,
etc. Esto cobertos pelo mesmo teto da casa ou que posio ocupam em relao a esta?
A casa tem anexo algum ptio? 7. As casas so isoladas ou pegam umas com as outras?
Que orientao tm? 8. H tipos primitivos de habitao, abrigo ou arrecadao, casas
sobre estacaria, casas temporrias, para pastores e gado, etc? Que forma tm? Materiais
de construo?, in, RIBEIRO, Orlando Inqurito do Habitat Rural. Lisboa: Ministrio
da Educao Nacional, Instituto para a Alta Cultura; Coimbra: Tipografia da Coimbra
Editora, 1938. p.5,6,8,9,11,12.
68
RIBEIRO, Orlando Inqurito do Habitat Rural. Lisboa: Ministrio da Educao
Nacional, Instituto para a Alta Cultura; Coimbra: Tipografia da Coimbra Editora, 1938.
p.6-8.
69
XI Habitao, 1. Quais so os materiais de construo mais empregados (pedra,
adobe, tijolo, taipa, madeira, etc)? Donde vm? 2. Que forma tem a casa (quadrada,
rectangular, irregular, etc)? Dimenses? trrea ou tem andar (ou andares)? Tem escada
exterior, alpendre, varanda coberta ou descoberta, em que andar? Quantas portas e
janelas? Grandes ou pequenas? As aberturas so em todas as fachadas, s na principal,
ou em quais? H alguma fachada sem aberturas? Qual? 3. Que forma tem o telhado?
Muito ou pouco inclinado? De uma, duas ou quatro guas? O que se emprega como
cobertura (telha, de que forma, lousa, colmo)? O telhado seguro com pedras? A casa
tem chamin? (...),in, RIBEIRO, Orlando Inqurito de Geografia Regional. Lisboa:

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Beira Baixa e das regies que com ela confinam. Orlando Ribeiro funda
em 1943 do Centro de Estudos Geogrficos da Faculdade de Letras de
Lisboa, e considerando o povoamento rural () a marca, na paisagem,
da diversificada evoluo histrica e dos modos de vida do campo70 fez
viagens e estudos sobre Portugal, em trabalho de campo, viajando a p
por Trs os Montes, Bragana e Douro. Em 1945 publica Portugal, o
Mediterrneo e o Atlntico, na sequncia de temas versados em algumas
lies e conferncias cujas primcias couberam ao curso de frias da
Faculdade de Letras de Coimbra, em 1941, e Misso Esttica de Frias
que funcionou junto dele71. Neste estudo geogrfico Orlando Ribeiro
procura revelar as influncias naturais que se entrelaam no territrio
portugus, realando os aspectos mais originais e caractersticos da terra
portuguesa e da sua complexa vida popular72, fundamentados a partir
de mais de dez anos de viagens e meditaes no territrio portugus73.
Salienta tambm os contributos H. Lautensach, Amorim Giro, Jos Leite
de Vasconcellos e Alberto Sampaio a quem deve o germe do conceito da
dualidade de Portugal. precisamente no contexto desta dualidade de
um Norte e um Sul que surgem integradas nas formas de povoamento,
as construes de pedra, sendo caracterizada a casa rural em estreita
dependncia dos materiais de construo locais, no deixando de referir
que a rudeza dos muros de pedra solta do Norte sugere uma possvel

Ministrio da Educao Nacional, Instituto para a Alta Cultura; Coimbra: Tipografia da


Coimbra Editora, 1938. p.5,24,25.
Orlando Ribeiro, citado em Orlando Ribeiro; Hermann Lautensach; Suzanne Daveau,
70

Geografia de Portugal, Lisboa: S da Costa, 1989, III, p. 878.


RIBEIRO, Orlando Portugal, o Mediterrneo e o Atlntico. Estudo Geogrfico.
71

Coimbra: Coimbra editora, 1945. p. VII.


RIBEIRO, Orlando Portugal, o Mediterrneo e o Atlntico. Estudo Geogrfico.
72

Coimbra: Coimbra editora, 1945. p. VII.


RIBEIRO, Orlando Portugal, o Mediterrneo e o Atlntico. Estudo Geogrfico.
73

Coimbra: Coimbra editora, 1945. p. VII.

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filiao na cultura arcaizante dos castros pre-romanos74.


Tambm o gegrafo Amorim Giro, nas suas Lies de Geografia Humana
(1936) analisa a habitao em territrio portugus, dando particular
destaque aos materiais e s formas caracterstica da casa, publicando
em apndice o pequeno questionrio Monografia geogrfica do meu
concelho75, que costumava distribuir aos alunos de Geografia Humana, e
ainda a circular enviada pelo Presidente da Comisso do Habitat Rural76.
Em 1941 Amorim Giro edita Geografia de Portugal77 salientando tratar-
se de um estudo fruto do contacto directo, destacando a estreita relao
entre a geografia e os materiais de construo, apresentando expressivas
imagens areas dos tipos de povoamento, e exibindo um vasto conjunto
de mapas, fotografias78, desenhos e plantas da casa rural de Norte a Sul
de Portugal, considerando-a como a mais integrada no ambiente que a
rodeia. No seu exaustivo estudo Amorim Giro d particular destaque aos
materiais de construo (granito, xisto, calcrio, mrmore, arenito, argila,
madeira), composio e organizao interna da casa (com indicao da
funcionalidade de cada compartimento), forma e materiais da cobertura,
colocando lado a lado imagem do exterior e do interior da habitao rural,
e localizao geogrfica.
Em 1941 inicia-se a edio da Panorama: revista portuguesa de arte e
turismo, recolhendo e divulgando a arquitectura rural e a arquitectura

RIBEIRO, Orlando Portugal, o Mediterrneo e o Atlntico. Estudo Geogrfico.


74

Coimbra: Coimbra editora, 1945. p. 143.


75
() 5 H um tipo de habitao mais geralmente espalhado? Quais as suas divises
interiores e dependncias exteriores, e nomas que se lhes aplicam? Materiais de construo
das paredes e do tecto? Inclinao deste? ()
76
GIRO, Amorim Lies de Geografia Humana. Coimbra: Coimbra editora, 1936,
p.214.
77
GIRO, Amorim Geografia de Portugal. Porto: Portucalense editora, 1941.
78
Fotografias de Amorim Giro, Orlando Ribeiro, Marques Abreu, Foto Beleza, Mrio
Nunes Vacas, Jos Barata, Alpio Vicente, Mximo Correia, Eduardo Correia.

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erudita, privilegiando a arquitectura da poca de D. Joo V, e muito


particularmente lanando o que consideramos poder designar-se por esttica
do bom senso. A revista Panorama publica regularmente as iniciativas que
promovem a cultura popular, publicitando a necessidade de criar uma
arte decorativa portuguesa inspirada no patrimnio artstico popular79.
Precisamente Almeida Garrett afirmava que Nenhuma coisa pode ser
nacional se no popular80. O poeta Carlos Lobo de Oliveira considerava
que era necessrio defender a arquitectura tradicional das nossas aldeias,
propondo que fosse criado um rgo que orientasse a construo da
casa rural num sentido de regionalismo inteligente, sugerindo que cada
Cmara Municipal, estabelecesse um ou mais prmios, destinados ao
proprietrio e ao autor do projecto, arquitecto ou artista decorador de
casa rural que durante certo perodo se construa no aglomerado com o
emprego, claro est, dos materiais da regio81. Em diversos nmeros da
revista Panorama so exibidas imagens da arquitectura regional, popular,
rural que se aproximam, embora noutro contexto das imagens do futuro
inqurito arquitectura popular portuguesa.
Em 1942 o poeta Afonso Lopes Vieira interessado em reaportuguesar
Portugal e em valorizar o caracter popular da arte defende que o corao
de Portugal, onde o prprio cho, o das praias, da floresta, da plancie ou
das serras, exala o fluido evocador da histria ptria; provncia herica,
povoada de mosteiros e castelos82, e o engenheiro agrnomo Mrio
Botelho de Macedo em A Casa Rural: a habitao (1942) refere que era

79
ALVES, Vera Marques Camponeses Estetas no Estado Novo: Arte Popular e
Nao na Poltica Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: ISCTE,
2007.p.46.
80
Almeida Garrett (prefcio da 2 ed. do vol. I do Romanceiro e Cancioneiro Geral, 1843).
OLIVEIRA, Carlos Lobo de Defesa da Paisagem Rural. Panorama. Revista Portuguesa
81

de Arte e Turismo. Lisboa: SNI, CPT, vol. 5, n 30, (1946).


82
VIEIRA, Afonso Lopes Nova demanda do Graal. Lisboa: Bertrand, 1942, p. 65.

111
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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do sculo XX em Portugal
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nas casas rurais mais escondidas e afastadas dos centros urbanos que se
encontrava ainda o verdeiro estilo portugus, caracterizado () por uma
notvel harmonia de propores83.
A promoo de Portugal era difundida pela Emissora Nacional em
programas da Sociedade de Propaganda de Portugal, atravs das crnicas
de Damio Peres sobre a Histria de Portugal84, das crnicas de Armando
Lucena dedicadas aos prespios, feiras e mercados, fantoches, preges de
Lisboa, moinhos, procisses, olarias de Mafra, sinos do Convento de Mafra
e traje minhoto85, e largamente publicada e exibida em expressivas imagens
de edies de cariz turstico86. Essa campanha era alis assinalada por Lus
Chaves ao referir: Alm dos festivais e concertos folclricos realizados
na Emissora, no Rdio-Renascena e Rdio-Club, ou por estas emissoras
transmitidos, devemos notar as palestras peridicas nelas feitas sobre
assuntos do folclore, artes e tradies populares portuguesas. A Emissora
Nacional difunde aos domingos estudos valiosos do Professor Armando
Lucena, submetidos designao genrica de Arte popular, usos e
costumes portugueses; no Rdio-Club faz frequentemente o Engenheiro-
Agrnomo Antnio Luiz de Seabra as suas Palestras Agrcolas, que tm

83
MACEDO, Mrio Botelho de A Casa Rural. Lisboa: Soc. Astoria, 1942, p. 9.
84
PERES, Damio Peres Como nasceu Portugal. Barcelos: Comp. Editora da Minho,
1938.
LUCENA, Armando de Arte Popular - usos e costumes portugueses. Lisboa: Tipografia
85

da Empresa do Anurio Comercial, 1942; LUCENA, Armando de Arte Popular - usos e


costumes portugueses. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1945.
86
DIAS, Jaime Lopes, Beira Baixa, In, SEQUEIRA, Janina de Mattos, ed.lit. Terras
Portuguesas. Lisboa: Shell Portuguesa S.A.R.L., [1944], n 9, p. 11 fotografia do Paul;
CHAVES, Luiz, Trs-os-Montes, In, SEQUEIRA, Janina de Mattos, ed.lit. Terras
Portuguesas. Lisboa: Shell Portuguesa S.A.R.L., [1944], n 10, p. 6, fotografia tpica casa
de aldeia serra de Barroso. Coleco com a colaborao do fotgrafo Domingos Alvo,
e com alguns textos que saibam despertar o interesse de ver, algumas fotografias que
consigam entremostrar o monumento ou o espectculo, e anunci-lo expressivamente,
in, SEQUEIRA, Gustavo Mattos Ribatejo, In, SEQUEIRA, Janina de Mattos, ed.lit.
Terras Portuguesas. Lisboa: Shell Portuguesa S.A.R.L., [1944], n 1, p.3.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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muito a mide o interesse folclrico e etnogrfico da vida agrcola e da


sabedoria popular da nossa gente; no Rdio-Renascena j quasi h um
ano, se o no fez j, fala em teras-feiras alternadas o Conservador do
Museu Etnolgico de Tradies e Artes Populares87.
Os engenheiros-agrnomos Eduardo Alberto de Lima Basto e Henrique
Teixeira Queiroz de Barros publicam o Inqurito Habitao Rural
encomendado pela Universidade Tcnica de Lisboa e financiado pela
Federao Nacional dos Produtores de Trigo. O trabalho desenvolvido em
colaborao com finalistas e recm-licenciados em Agronomia abrange
um conjunto de 11 provncias, correspondendo s regies do Minho,
Douro, Trs-os-Montes e Alto-Douro (1943)88, o volume correspondente
s regies Beira Litoral, Beira Alta e Beira Baixa (1947)89 e o volume
correspondente ao Ribatejo, Estremadura, Alto Alentejo, Baixo Alentejo
e Algarve (embora o trabalho j estivesse finalizado em 194790, s muito
parcialmente viria a ser dado a conhecer em 198991 e integralmente

87
CHAVES, Lus Nos domnios da etnografia e do folclore, contribuio das estaes
emissoras, Ocidente, revista portuguesa, n 8, Dezembro, 1938, p.383.
88
BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:
Universidade Tcnica de Lisboa, 1943. Aps o falecimento do Prof. Lima Basto ficou
incumbido de continuar a direco do Inqurito o Prof. Henrique de Barros.
BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:
89

Universidade Tcnica de Lisboa, 1947.


90
Em meados de 1947, porm, aps o surgimento de zelosas suspeies quanto s
intenes do Inqurito por parte de um membro do governo, e posto que facto desligado
de tal circunstncia, o professor Henrique de Barros seria compelido ao abandono da
sua ctedra no Instituto Superior de Agronomia. Foi o ponto final do valioso e valoroso
projecto, in, SILVA, Carlos, Recordando o Inqurito Habitao Rural, Estudos em
Homenagem a Ernesto Veiga de Oliveira, Lisboa: Instituto Nacional de Investigao
Cientifica; Centro de Estudos Etnologia, 1989, p. 757.
91
SILVA, Carlos, Recordando o Inqurito Habitao Rural, Estudos em Homenagem
a Ernesto Veiga de Oliveira, Lisboa: Instituto Nacional de Investigao Cientifica; Centro
de Estudos Etnologia, 1989, p. 760-790.

113
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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Figura 1
Pena (S. Pedro do Sul),
coberturas de lajes de xisto
Fotografia: Orlando Ribeiro, n 1375,
in, Fototeca do Instituto de Geografia
e Ordenamento do Territrio;
(fotografia reproduzida em Amorim
Giro, Geografia de Portugal, 1941,
estampa XL)

publicado em 201292). Foi elaborado um Questionrio-Guia do qual


fazia parte integrante, no que concerne casa, uma descrio minuciosa
da aparncia externa e sua orientao, existncia ou no de ptio, quintal
ou anexo, os materiais de construo, de revestimento e de cobertura, as
dimenses, e as aberturas entre outras. Este inqurito insere-se no mbito
dos inquritos realizados ao territrio da Escola de Le Play, e na sequncia
do Inqurito Econmico-Agrcola (1936). Lima Basto na introduo do
primeiro volume refere que nos ltimos anos, manifestou-se em quase
todos os pases um interesse crescente pela habitao rural93. Depois de
mencionar uma srie de estudos sobre a habitao rural realizados em
Inglaterra, Alemanha, Frana, Itlia, Dinamarca, Sucia espera que o seu
inqurito venha a despertar a ateno de engenheiros e arquitectos para
o problema da habitao rural, facilitando o que considera serem os
elementos indispensveis para projectos adaptados s diversas regies,
de convenientes e econmicas casas rurais que poderiam ser adoptadas e
aconselhadas pelas autoridades ou pelas instituies que cuidam da defesa

BASTO, E. A. Lima; SILVA, Antnio de Faria; SILVA, Carlos, Inqurito Habitao


92

Rural. A Habitao Rural nas Provncias da estremadura, Ribatejo, Alto Alentejo e Baixo
Alentejo. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012.
BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:
93

Universidade Tcnica de Lisboa, 1943, p.7.

114
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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e do bem-estar da populao rural94. Refere ainda que o inqurito pretendia


mostrar o que existia e procurava que as fotografias fossem exactas do
que era a habitao rural predominante. A publicao das imagens deste
inqurito mesmo que no realizado no mbito da arquitectura revelam-se
fontes documentais muito ricas. Tal como indicado no questionrio-guia
procura-se um trabalho minucioso sobre o espao interior da habitao,
particularmente na definio de uma cultura do habitar, e citando Amorim
Giro considerando a casa como a imagem de quem mora l dentro
o inqurito pretende saber quem mora l dentro, como vive e de que
vive quem l mora. Nos 3 volumes so apresentadas fotografias de
diferentes habitaes rurais, e respectivas plantas, procurando apresentar
a implantao, o exterior, a organizao interna do espao da casa e por
vezes o interior da habitao95, apresentando um inqurito arquitectura
popular, e revelando variantes identitrias associadas geografia e aos
respectivos materiais. No Minho comeando por referir que a habitao
resulta das circunstncias do clima, refere que os canastros que
guardam e secam as espigas de milho, na serra, so construdos em bom
granito e alguns deles so assumidos como verdadeiras obras de arte,
duma solidez que promete eternizar-se96, e no Lindoso so caracterizados
como construes slidas, de bom gratino97, sendo o texto acompanhado
de um conjunto de significativas imagens98. A questo de uma arquitectura
nacional manifesta-se na apreciao de que so raras, no Lindoso, as

BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:


94

Universidade Tcnica de Lisboa, 1943, p.26.


95
(Basto, 1943, p. 164 [a,b], p.180[a], p.392 [a]; p.396 [a]
BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:
96

Universidade Tcnica de Lisboa, 1943, p.76.


BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:
97

Universidade Tcnica de Lisboa, 1943, p.90.


BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:
98

Universidade Tcnica de Lisboa, 1943, p.76[a,b].

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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casas abrasileiradas. O que predomina so as construes sbrias, de


bom granito, raramente trreas, tendo quasi sempre uma corte de gado,
no rs-do-cho. A entrada faz-se por escadas, ao cimo das quais h quasi
sempre um patamar coberto, ornamentado por colunas mais ou menos
cuidadas. A escada e o patamar parece terem sido, para o construtor, a
maior preocupao. Este conseguiu dar-lhes sempre uma disposio, pode
dizer-se ingenuamente artstica, que profundamente impressiona99, sendo
tambm o texto acompanhado de um conjunto de imagens100. Logo em 1943
o tema do inqurito foi objecto de comunicaes no Primeiro Congresso
de Cincias Agrrias, e um ano aps a sua publicao Ramos da Costa
apresentaria uma crtica obra e um estudo e solues do problema101.
No prembulo do diploma criao das Misses Estticas de Frias
(1936)102 so definidos como objectivos: integrar a Arte num unitrio e
activo programa de educao nacional () dotar a formao dos artistas
e estudantes portugueses de Artes Plsticas com o conhecimento esttico
da Nao, nos seus valores naturais e monumentais, de que so to ricas as
nossas provncias, ao mesmo tempo que se contribuir para a realizao do
respectivo cadastro, inventrio e classificao103. Na IX Misso Esttica
de Frias realizada em vora (1945) para alm de estudantes de pintura
e escultura participam os alunos de arquitectura da Escola de Belas Artes

BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:


99

Universidade Tcnica de Lisboa, 1943, p.90.


BASTO, E. A. L.; BARROS, Henrique Inqurito Habitao Rural. Lisboa:
100

Universidade Tcnica de Lisboa, 1943, p.90[a,b].


COSTA, F. Ramos da, Inqurito Habitao Rural. Critica Obra. Estudo e Solues
101

do Problema. Lisboa: Seara Nova, 1944.


Criadas em 1936 (Decreto Lei n 26 957, do Ministrio da Educao, Dirio do
102

Governo, I Srie, n202, 28 de Agosto) eram organizadas pela Academia Nacional de


Belas Artes.
103
Decreto Lei n 26 957, do Ministrio da Educao, Dirio do Governo, I Srie, n 202,
28 de Agosto.p.1039.

116
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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do Porto Nadir Afonso, Joo David e Francisco Castro Rodrigues ainda


aluno de arquitectura da Escola de Belas Artes de Lisboa. O director das
IX Misso Esttica de Frias Professor Dordio Gomes no relatrio que
elaborou refere que foram realizadas excurses a Arraiolos, Estremoz,
Vila Viosa e Reguengos de Monsaraz, e ainda que todo este mistrio
de vida estranha, deve ter confidenciado ao arquitecto Rodrigues a sua
Tentativa de inqurito habitao104, e no catlogo da Exposio dos
trabalhos realizada em Lisboa na SNBA referenciado nas obras exibidas:
Tentativa de inqurito habitao; levantamento tipo pobre; tipo mdio
e cozinhas, para alm de desenhos a lpis e aguarelados da casa pobre,
da casa rica e de arquitectura regional105. Sob o ttulo de Um Inqurito
sobre Arte, o jornal Democracia do Sul entrevistou os alunos das Escolas
de Belas Artes que participaram na IX Misso Esttica de Frias. Castro
Rodrigues quando foi interrogado pelo jornal Democracia do Sul refere:
A casa rica pode ostentar uma linda janela mudjar, umas pedras ricas e
de grande passado. Mas para mim esse aspecto artificial. A casa pobre,
a graciosidade de arranjo interno, a disposio dos objectos, a colocao
acidental, do-me a ideia de qualquer coisa como uma predisposio
latente para as artes, um bom gosto generalizado que vai desde o decorativo
dos pratos ao recorte dos papis das paredes, ou distribuio das cores
nas mantas e tapetes. Faltam nesta terra vrias escolas de artes e ofcios
para fomentar e generalizar o gosto pela cultura artstica paralelamente
especializao tcnica106. Segundo Castro Rodrigues pode-se fazer arte

104
No relatrio da Misso o Prof Dordio Gomes refere ainda que Nadir [Afonso] sorveu
nesse casario algumas das suas imprecisas vises dum surrealismo alucinante () e que
tinham realizado dois passeios () o primeiro herdade do Bussalfo, perto da aldeia
de Santa Maria de Machde, e o segundo no monte da Igreja, na freguesia da Graa do
Divor, in, Misses Estticas de Frias, IX-XII, vora, Viseu, Sintra, Vila Viosa, 1945 a
1948, Biblioteca da Academia Nacional de Belas Artes.
Exposio da 9 Misso Esttica de Frias organizada pela Academia Nacional de
105

Belas Artes, Lisboa, Novembro, 1945.


106
Jornal Democracia do Sul, Um inqurito sobre arte, arq Francisco Castro Rodrigues,

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moderna, arte que sirva os homens de hoje aplicando todos os ensinamentos


da nossa era maquinista com os materiais e mo-de-obra da regio. ()
A arte moderna no uma criao artificial mas vem em consequncia do
desenvolvimento da cultura, da tcnica, da indstria do nosso tempo. ()
entre ns a moderna, est ainda balbuciante. Anda-se muito volta dos
manuelinos, dos pombalinos, dos raulinos cmodo e de xito quase
sempre certo Tem-se feito arquitectura do exterior para o interior. por
isso que eu pretendo vir a ser um bom arquitecto moderno. E questionado
sobre o que tinha sido mais importante para o estudante de arquitectura
respondeu que tinha sido conhecer o alvano. Referindo-se ao pedreiro
que construa as abbadas para as habitaes lembra: Eu ficava a ver c
em baixo o trabalhador fazer a colocao, a colagem dos tijolos parede e,
a partir da, seguir uma curvatura cuja projeco era desenhada na parede.
Construam aquilo sem andaimes. A certa altura, passavam para cima da
estrutura que estava criada, com uma flecha, uma altura mnima, da
ordem dos 50 centmetros ou menos para vos de 4 ou 5 metros, ou mais
s vezes. Quando chegavam ao ltimo buraco, o operrio que estava l em
cima punha umas vezes um tijolo inteiro, outras vezes s um pedacinho,
um caco, que era o fecho da abbada. Fechada a abbada, punham um
servente l em cima, a dar pulos, com o empreiteiro, o alvano, o sabedor,
a olhar c de baixo, a ver onde que aquilo se articulava ou no. Depois,
ele mandava carregar nos rins, como eles chamavam queles vazios,
enchendo os espaos tangentes cpula de detritos at equilibrar aquilo,
de acordo com o seu pensamento, a sua arte. Era uma coisa bonita de ser
ver. Nunca mais vi fazer isto. Agora com o beto armado, faz-se tudo
Mais ferro menos ferroMas aquilo no levava ferro algum. S tijolo, o
lambaz, creio que era esse o nome daquele tipo de tijolo. () Dvamo-
nos muito bem nessa altura com os homens dos Monumentos Nacionais,
dirigidos pelo Jlio, o Saul Dias, irmo do Rgio. Mais tarde perguntei-

21-09-45.

118
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lhe: Como que isto? Qual a frmula matemtica?. Ele no sabia.


Isto emprico. Os operrios que sabem. H uns especializados que
sabem as possibilidades do abaixamento do vo, da flecha, que assim
que se chama107.
Se o filsofo Oswald Spengler definindo a cultura por contraste com a
civilizao como algo de nacional e especfico referia que as culturas so
plantas que s vivem no solo donde brotaram108, em 1945 no artigo O
Problema da Casa Portuguesa o arquitecto Fernando Tvora109 chamava a
ateno que um estilo nasce do povo e da terra com a naturalidade duma
flor, e povo e terra encontram-se presentes no estilo que criaram em muitas
geraes, levando-o a questionar que sentido poder ter, pois, a vontade
de criar numa gerao um estilo portugus sem, para tanto, proceder a
estudos integrais das nossas necessidades e das nossas condies?110.
Tvora advertia igualmente que o cumprimento do desejo de casa
para todos s se poderia realizar depois de estudos srios, concisos
e orientados nos dois elementos: o Homem e a Terra, propondo um
estudo da casa portuguesa tanto erudita como popular, ou como tambm
lhe chama, construo em Portugal, entendendo-o como elemento
colaborante da nova Arquitectutra cujos estudos se poderiam agrupar
em trs ordens: a) do meio portugus; b) da arquitectura portuguesa; c)
da arquitectura moderna no mundo111. O arquitecto considerava que a

DIONISIO, Eduarda ed. lit. Um cesto de cerejas. Conversas, memrias, uma vida.
107

Lisboa: Casa da Achada, 2009, p. 115.


108
SPENGLER, Oswald La Decadncia de Occidente. Bosquejo de una morfologia de
la historia universal. Madrid: Espasa-Calpe S.A., 1940, Tomo1, p. 566, 195.
109
Assinado F.L., em 1947 Fernando Tvora quando publica o texto O Problema
da Casa Portuguesa refundido e aumentado pelo autor, refere que o texto tinha sido
primeiramente publicado no semanrio Alo de 10 de Novembro de 1945.
TVORA, Fernando, O problema da casa portuguesa, Semanrio Alo: Boletim das
110

Edies Gama. Lisboa, srie IV, ano IV, n 5, 10 Novembro 1945, p.10.
111
TVORA, Fernando, O problema da casa portuguesa, Semanrio Alo: Boletim das

119
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casa popular forneceria grandes lies porque ela a mais verdadeira,


a mais funcional e a menos fantasiosa112, denunciando hoje ela estuda-
se pelo seu pitoresco e estiliza-se em exposies113. Tvora sublinhava
de modo muito claro a insinceridade da arquitectura ao referir: Falsa
Arquitectura. Estabeleceu-se ( o termo) que a nossa habitao tradicional
era caracterizada por um determinado nmero de motivos decorativos
que comearam a aplicar-se, esquecendo o elementar princpio de
que a Arquitectura no serve os motivos mas estes, pelo contrrio, lhe
esto submetidos. () de inicio e a com o seu verdadeiro sentido
as formas arquitectnicas resultam das condies impostas ao material
pela funo que obrigado a desempenhar. () Numa palavra: a forma
depende da funo e forma sem funo no pode justificar-se. Existe nas
casas portuguesas - e podemos afirm-lo sem receio uma mentira
arquitectnica, que caracteriza os maus perodos ou os maus artistas e,
como mentira que , todos os maus homens114. Na edio de 1947 deste
artigo Tvora inicia o texto com a entrada Arquitectura e Arqueologia,
referindo que nos finais do sc. XIX e princpios do sc. XX a arquitectura
portuguesa estava perdendo o que convencionalmente se chamava carcter
e denuncia o estudo muito superficial da nossa Arquitectura passada e o
consequente movimento da Casa Portuguesa ao qual tinha presidido a
mentira arquitectnica115.

Edies Gama. Lisboa, srie IV, ano IV, n 5, 10 Novembro 1945, p.10.
TVORA, Fernando, O problema da casa portuguesa, Semanrio Alo: Boletim das
112

Edies Gama. Lisboa, srie IV, ano IV, n 5, 10 Novembro 1945, p.10.
TVORA, Fernando, O problema da casa portuguesa, Semanrio Alo: Boletim das
113

Edies Gama. Lisboa, srie IV, ano IV, n 5, 10 Novembro 1945, p.10.
TVORA, Fernando, O problema da casa portuguesa, Semanrio Alo: Boletim das
114

Edies Gama. Lisboa, srie IV, ano IV, n 5, 10 Novembro 1945, p.10.
115
TVORA, Fernando, O problema da casa portuguesa, Cadernos de Arquitectura,
n1, Lisboa: Tip. Imp. Libnio da Silva, 1947, p.5, 8. Ainda neste artigo Tvora refere:
Alguns Arquelogos escreveram e trataram j das nossas casas, mas, do que deles
conhecemos, nenhum deu sentido actual ao seu estudo tornando-o elemento colaborante

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
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O director do Secretariado Nacional de Informao Antnio Ferro no


prefcio de Portugal, brevirio da ptria para os portugueses ausentes
(1946), refere que se trata de uma obra para os portugueses que vivem fora
do pas (Brasil, Argentina, Estados Unidos da Amrica do Norte, China)
mas tambm til para os portugueses do Imprio (Angola, Moambique,
Guin, Cabo Verde, S. Tom e Prncipe, India, Timor, Macau), que permite
dar a conhecer o essencial do corpo e da alma da nao ao portugus
emigrado. Este resumido Portugal permite trazer a Ptria no corao
que para Ferro era trazer a Ptria de cor. Para realizar o panorama de
Portugal foram convidados professores e escritores competentes e ilustres
garantindo a autenticidade e a obra seria acompanhada de fotografias,
desenhos e mapas. Nesta obra o texto Territrio e Populao116 de
Orlando Ribeiro salientando os traos do Minho, da Montanha do Minho,
Trs-os-Montes e Douro, a Beira, as Regies litorais do Centro, o Ribatejo,
o Alentejo e o Algarve, acompanhado de fotografias do prprio exibindo
imagens da arquitectura popular integrada na paisagem (espigueiro ou
canastro para guardar o milho (Minho); casas colmadas da Gralheira na
Serra do Montemuro; casa de tipo setentrional: de granito, loja e andar, e
escada exterior de acesso e alpendre; apenas o andar se destina a habitao;
casa alentejana, de um s piso, com grande chamin, destinada apenas
a habitao; casa Algarvia, de um s piso, em parte coberta por aoteia
(terrao); estas imagens so de natureza muito diferenciada das imagens
que constam no artigo As belezas naturais e o turismo117 de Lus Teixeira
onde a arquitectura popular/ tradicional das diferentes regies do pas

da nova Arquitectura. O passado uma priso de poucos sabem livrar-se airosamente e


produtivamente; vale muito, mas necessrio olh-lo no em si prprio mas em funo
de ns prprios, p.11.
RIBEIRO, Orlando Territrio e Populao, in, Portugal, brevirio da ptria para os
116

portugueses ausentes. Lisboa, SNI, 1946, p. 1-28.


TEIXEIRA, Lus, As belezas naturais e o turismo, in, Portugal, brevirio da ptria para
117

os portugueses ausentes. Lisboa, SNI, 1946, p. 419-439.

121
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captadas e ou enquadradas de modo amoroso sob influencia de um certo


pitoresco (uma pequena construo na Serra do Soajo, uma rua em Nossa
Senhora da Orada no Alentejo, uma vista de Olho no Algarve, ou mesmo
uma vista de Alfama em Lisboa).
O pintor Fernando Galhano desde a juventude que visitava e permanecia
na aldeia da Gralheira da Serra de Montemuro, e o seu lbum de fotografias
e desenhos (1926) revela o interesse pela paisagem e pela arquitectura,
tendo sido nesse territrio que partilhou o seu amor pela natureza com
Jorge Dias e seu primo lvaro, fazendo passeios em conjunto pela serra,
e o incio de inmeras excurses em tempo de frias (Castro Laboreiro,
Lindoso, Vilarinho da Furna, etc) e tambm Ernesto Veiga de Oliveira e
seu irmo Eduardo Oliveira.
Em 1939 Fernando Galhano recebe uma carta de Munique do seu amigo
Jorge Dias dizendo: no vero quero fazer umas excurses no gnero das que
temos feito. () tambm gostava de passar um tempo nas alturas de Gers
e do Barroso. O Ernesto de Oliveira deve estar disposto a ir connosco118.
Jorge Dias companheiro de Galhano na vagabundagem119 pela natureza,
espao de sonho e de liberdade, decide doutorar-se na rea cientfica
de Etnologia na Alemanha e vem a Portugal em 1940 recolher material
na aldeia comunitria de Vilarinho da Furna acompanhado tambm por
Fernando Galhano, que fotografou, desenhou e pintou esta aldeia, assim
como tambm o seu primo lvaro que tambm fotografou Vilarinho. A sua
tese de doutoramento sobre Vilarinho da Furna ser realizada em Munique
em 1944 e publicada (Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitria) em

118
Homenagem a Fernando Galhano 1904-1995. Porto: Cmara Municipal do Porto, p.43.
119
Eu estou agora convencido, de que a nica coisa para mim verdadeira a va-
gabundagem, Carta de Jorge Dias a Ernesto Veiga de Oliveira, (Munique, 20-VI-39), in,
LEAL, Joo, A energia da Antropologia: seis cartas de Jorge Dias para Ernesto Veiga de
Oliveira, Etnogrfica, vol. 12 (2), (Nov. 2008), p.503-521.

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Portugal em 1948120. As fotografias e os desenhos de Fernando Galhano


revelam a arquitectura da comunidade, quer em grandes planos integrando
a arquitectura na paisagem, quer em pequenos detalhes que acompanham
um texto muito rico do ponto de vista da terminologia usada para cada
uma das partes constituintes dessa arquitectura.
Segundo Jorge Dias a Cultura Popular produto de trs elementos
distintos: o homem, a terra e a tradio. () O popular, alm de si
como fenmeno de cultura, pode tambm, pela tendncia conservadora
que o caracteriza, dar a chave de muitos recantos obscuros do passado.
So inmeras as sobrevivncias de formas culturais velhssimas que se
encontram pelas aldeias dos nossos pases. No apenas dos romanos, mas
de muitos outros povos que, em vagas sucessivas, invadiram o territrio
que hoje a nossa ptria, e de cuja amlgama e fuso resultou o povo que
ns somos121. Orlando Ribeiro salientava a diferena clara entre o rigor
e a qualidade do estudo objectivo dos temas populares de Jorge Dias e a
simples curiosidade das coisas do povo, posta tantas vezes ao servio da
propaganda turstica122, para haver cincia tem de haver coordenao,
sistematizao, interpretao casual e filosofia dos fenmenos e das
relaes entre eles, no sentido de constituir um corpo geral, em que os
fenmenos particulares tenham o lugar que lhes corresponde123.

120
DIAS, Antnio Jorge, Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitria. Porto: Centro
de Estudos de Etnologia Peninsular - Instituto para a Alta Cultura, 1948; parte das
fotografias e desenhos da edio corresponde ao material do Centro, nomeadamente os
desenhos 23.17 e 23.30 de Fernando Galhano da ficha ref casas 88 que corresponde
casa da famlia Trigo.
121
DIAS, Antnio Jorge, Cultura Popular e Cultura Superior. Santiago de Compostela:
Instituto de Estudios Portugueses, 1949, p. 10,11.
Ribeiro, Orlando, prefcio, DIAS, Jorge, Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitria,
122

Porto, Instituto para a Alta Cultura, Centro de Estudos de Etnologia Peninsular, 1948.p.IX.
Ribeiro, Orlando, prefcio, DIAS, Jorge, Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitria,
123

Porto, Instituto para a Alta Cultura, Centro de Estudos de Etnologia Peninsular, 1948.p.IX.

123
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Figura 2
Construes circulares, Serra
Amarela entre Lindoso e
Vilarinho da Furna, 1937.
Fotografia: Eng. Pinto de S. Anotao
na ficha: em abbada falsa, serve de
abrigo a pastores, in, Museu Nacional
de Etnologia / Arquivo Centro de
Estudos de Etnologia

O caldear das excurses, das caminhadas pelo territrio, do sentimento da


natureza124, do trabalho no terreno e da investigao acadmica resultaria
a partir de 1947 na constituio do Centro de Estudos de Etnologia
Peninsular125 sob a coordenao de Jorge Dias iniciando uma pesquisa
sistemtica pelo territrio portugus, com levantamentos das prticas

No assertivo texto Acerca do sentimento da natureza entre os povos latinos (1942),


124

Jorge Dias percorre a literatura portuguesa enquanto espelho da vida interior do povo
portugus.
125
O Centro de Estudos de Etnologia Peninsular foi criado por deciso do Instituto de Alta
Cultura, homologada por despacho ministerial de 2 de Abril de 1945 (oficio do Instituto
de Alta Cultura, n 3-3871, 45/777, de 13-4-1945). Ele representava a materializao
da ideia nascida de uma conversa havida entre os ento Reitor da Universidade do
Porto, Professor Doutor Amndio Tavares, que era ao tempo tambm Vice-Presidente
do Instituto de Alta Cultura, e o cnsul de Espanha no Porto, D. Jos de Erice de um
organismo de investigao tendo em vista o estudo global do Homem Peninsular, e que
coordenasse as actividades cientficas de Portugueses e Espanhis nesse campo. ()
A Direco do novo Centro foi, pelo referido despacho, entregue ao Professor Doutor
Antnio Augusto Esteves Mendes Corra () propondo que o Centro tenha como sede
o Instituto de Antropologia que existia j na Faculdade de Cincias da Universidade
do Porto, do qual era director; em 1964 desloca-se para Lisboa; a finalidade original
do intercmbio com a Espanha, nunca chegou a efectivar-se plenamente, () em 1947
Jorge Dias (desde 1938 bolseiro do Instituto de Alta Cultura) ingressa no Centro e vai
a organizar a investigao etnogrfica, in, OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Vinte Anos
de Investigao Etnolgica do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular. Porto-Lisboa,
1947-1967, Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1968, p.7-13. Figuras centrais do Centro
seriam Margot Dias, Fernando Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira.

124
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
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ancestrais, algumas das quais em perigo de desaparecer, e que resultaria


num valioso esplio de fichas, fotografias, desenhos, filmes, cujo fundo
est na origem do Museu Nacional de Etnologia (1965). Entre 1947 e 1950
as fichas sobre casas126, fruto das pesquisas e dos inquritos realizados
no terreno de Norte a Sul de Portugal, contm: fotografias (mencionando
sempre o autor da fotografia), desenhos a elas associados, e anotaes/
registos do tipo de povoamento, do material, do sistema e dos detalhes
construtivos, o tipo de planta (circular, quadrangular e rectangular) e
da respectiva organizao e uso interno do espao, chamando a ateno
para o tipo cobertura, de varanda, de chamin, de forno, das escadas, de
elementos decorativos, e fazendo o registo de depoimentos dos habitantes
mais antigos acerca de determinadas formas, usos ou procedimentos.
Sobre as casas de Felgar em Moncorvo, Jorge Dias anota: so quasi todas
de telhados a duas guas; usam como chamins as partes superiores das
talhas, pousadas nos telhados (h oleiros na povoao) acrescentando um
pequeno desenho do detalhe do fumo a sair.
Em 1949 Jorge Dias seria o organizador da Excurso A integrando o
Minho, Trs-os-Montes, Alto Douro, organizada e percorrida durante sete
dias no mbito do XVI Congrs Internacional de Geographie, e a partir da
qual resultaria tambm uma publicao caracterizando o territrio e a sua
ocupao, sendo o volume acompanhado de um conjunto de fotografias e
desenhos de Fernando Galhano exibindo a paisagem, os aglomerados, a
arquitectura popular, os costumes e as artes populares127. De uma casa no

O apoio do Dr Paulo Ferreira da Costa Director (em regime de substituio) do Museu


126

Nacional de Etnologia, e o precioso acompanhamento da Dr Carmen Rosa, foi crucial


para a pesquisa realizada no Arquivo Centro de Estudos de Etnologia do Museu Nacional
de Etnologia, onde para alm das fichas das casas relativas ao perodo em anlise
(primeira metade do sc. XX), tambm consultamos as fichas relativas s construes
de falsa cpula, construes circulares, construes de materiais vegetais, espigueiros.
127
DIAS, Jorge, Minho, Trs-os-Montes, Haute-Douro, Livret-guide de excursion A du
Congres International de Gographie de Lisbonne. Lisbonne: Union Gographique
Internationale, 1949; fotografias do Instituto do Vinho do Porto, de Pinhais & C, do Eng.

125
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
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Barroso so apresentados desenhos em perspectiva da entrada, do interior


do ptio e da varanda e a planta de todo o conjunto com a indicao do tipo
de ocupao/utilizao de cada uma das partes, e uma fotografia de Jorge
Dias da aldeia Alturas no Barroso. Ainda no mbito desse Congresso e
procurando as vrias origens da casa rectangular com cobertura de duas ou
quatro guas, Jorge Dias em 1949 apresenta um estudo da evoluo da casa
em Portugal, considerando que para essa investigao muito contribua
os abundantes vestgios das primitivas formas assim como tambm das
construes de transio. Esse complexo estudo poderia ser visto de
diferentes perspectivas: arranjo do plano; tipo de cobertura; nmero
de pisos; materiais de construo, disposio da planta (especialmente a
localizao da cozinha); chamin; articulao da casa com as necessidades
do habitante, etc128. No geral, pode-se comear por estabelecer uma
diferena entre o Norte e o Sul a partir de um alinha que atravessa Leiria
e Castelo Branco. no Sul que h maior influncia das construes do
Mediterrneo, predominando construes de um nico piso, construes
em taipa, com cobertura de duas guas e grande chamin por vezes
artisticamente decorada. No Norte so mais comuns casas com mais pisos
(animais e lojas no piso trreo e famlia no piso de cima), construda em
pedra (granito, xisto, calcrio), com cobertura de duas ou quatro guas,
frequentemente sem chamin. O texto profusamente ilustrado com
fotografias129 de exemplos de casas circulares, quadradas, rectangulares,

Henrique de Oliveira, de Orlando Ribeiro, de Jorge Dias, da Comisso de Vinicultura da


Regio dos Vinhos Verdes, do Dr. Armando de Mattos.
DIAS, Jorge Contribution to the study of primitive habitation, in, Comptes Rendus
128

du Congrs International de Gographie, Lisbonne, 1949, Travaux de la Section IV,


Lisbonne, 1951, tome III, p.107-111.
129
Cabeudos, Marvo (casa primitiva circular com cobertura cnica vegetal); Santa
Maria, Palheirinhos, Tavira (construo circular com cobertura cnica vegetal); Barrancos
(construo circular com cobertura de telha); Alturas do Barroso, Boticas (combinao
que representa a adaptao da casa circular e da construo rectangular); Vilarelho da
Raia, Chaves (a maior casa quase circular); Cabeudos, Marvo (casa quadrada com

126
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com os respectivos tipos de coberturas e no final um mapa esquemtico


das diferentes tipologias das construes primitivas e sua distribuio em
Portugal continental, resultando num exaustivo e expressivo inqurito e
mapeamento da evoluo da construo da casa em Portugal.
Orlando Ribeiro seria o coordenador da excurso Le Portugal Central,
que tinha por objecto de estudo a geografia fsica e humana, que reunia
num circuito de centenas de quilmetros, diferentes individualidades
regionais e tipos de paisagem130. No livro guia da excurso so publicadas
fotografias suas das diferentes paisagens e tipos de povoamento e imagens
da casa de granito com alpendre suportado por colunas, da Beira Alta;
da casa de dois pisos com varanda, e cobertura quase plana, no Vale do
Zzere; casas de um piso em xisto, na Beira Baixa, cujos materiais de
construo associados especificidade da regio e a funcionalidade so

Figura 3
Casas, Terras de Bouro,
Vilarinho da Furna
Fotografia: lvaro Dias dAlmeida,
in, Museu Nacional de Etnologia
/ Arquivo Centro de Estudos de
Etnologia.

cobertura cnica piramidal, com cobertura em colmo); quintas, Boticas (casa quadrada
com cobertura piramidal em colmo); Lixa do Alvo, Vila Pouca de Aguiar (a cobertura
de quatro guas resulta da piramidal); Ventozlo, S. Joo da Pesqueira (casa rectangular,
com cobertura formada por duas pirmides); Travanca, Amarante (cobertura de quatro
guas); Gralheira, Cinfes (cobertura de duas guas); Landedo, Vinhais (cobertura duas
guas).
130
Buaco, Guarda, Serra da Estrela, Covilh, Castelo Branco, Coimbra.

127
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descritos em associao com as vertentes sociais e econmicas131.


O gegrafo Mariano Feio publica Le Bas Alentenjo et LAlgarve livro
guia da excurso ao sul por ele organizada e percorrida durante sete dias
tambm no mbito do XVI Congres Internacional de Geographie, Lisboa,
1949132. A obra rene um conjunto de mapas e fotografias do territrio, da
morfologia da propriedade e do aglomerado, da arquitectura, da habitao,
e tambm desenhos de Fernando Galhano: uma perspectiva de um monte
da Cascalheira apresentando a composio, os materiais e o sistema

Figura 4
Casas, Moncrvo,
Felgar, Junho 1949
Fotografia: Dr. Santos Jnior,
in, Museu Nacional de
Etnologia / Arquivo Centro de
Estudos de Etnologia.

131
RIBEIRO, Orlando Le Portugal Central. Livret-guide de excursion C du Congres
International de Gographie de Lisbonne. Lisbonne: Union Gographique Internationale,
1949.
132
FEIO, Mariano, Le Bas Alentenjo et LAlgarve. Livret-guide de excursion E du
Congres International de Gographie de Lisbonne. Lisbonne: Union Gographique
Internationale, 1949. No mbito deste congresso da Union Gographique Internationale
foram publicados 4 volumes das Actas (1950-52), e foram editados livros-guia das
excurses (DIAS, Jorge, Minho, Trs-os-Montes, Haute-Douro, Livret-guide de
excursion A du Congres International de Gographie de Lisbonne. Lisbonne: Union
Gographique Internationale, 1949; MARTINS, Alfredo Fernandes, Le Centre Littoral et
le Massif Calcaire dEstremadura, Livret-guide de excursion B du Congres International
de Gographie de Lisbonne. Lisbonne: Union Gographique Internationale, 1949.
RIBEIRO, Orlando, Le Portugal Central. Livret-guide de excursion C du Congres
International de Gographie de Lisbonne. Lisbonne: Union Gographique Internationale,
1949. Rau, Virginia; ZBYSZEWSKI, Georges, Estremadura et Ribatejo. Livret-guide de
excursion D du Congres International de Gographie de Lisbonne. Lisbonne: Union
Gographique Internationale, 1949)

128
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construtivo e tambm o desenho da correspondente planta definindo


a organizao interna do espao, uma perspectiva da casa com terrao
prximo de Pecho, e a sua planta feita de elementos que sucessivamente
se acrescentam, a planta da antiga habitao do Algarve central, e o alado
e a planta do tipo de casa moderna.
Num artigo das grandes realizaes o arquitecto lvaro da Fonseca
enaltece o trabalho levado a cabo relativamente conservao,
reintegrao da fisionomia artstica da paisagem portuguesa ilustrando
com fotografias e desenhos os aspectos da paisagem, e da expressiva
arquitectura tradicional, quer integrada no aglomerado, quer em pequenos
detalhes e destacando os materiais tradicionais de construo (granito,
mrmores e calcrios comuns, grs, xistos, tijolo e adobe) associados
s diferentes regies do pas e consequentes formas e funcionalidades.
Segundo o arquitecto temos na arquitectura domiciliria um dos nossos
motivos de orgulho e so as habitaes de menor categoria que marcam
s cidades e regies o carcter essencial, sendo autnticas escolas
de arquitectura de nvel artificial133, preocupando-se com o facto de
essa arquitectura tradicional estar a desaparecer. Nas suas fotografias e
desenhos so exibidas imagens, da escada alpendrada e janela de ngulo
de granito da chamin algarvia, de habitaes rurais entrada de
povoao murada Castelo Mendo, de cobertura colmada em clima
frio ou de um recanto de aldeia serrana134.
O Pavilho de Etnografia Metropolitana da Seco da Vida Popular da

FONSECA, lvaro Proteco dos Edifcios e Stios municipais, Boletim da Direco


133

Geral dos Servios de Urbanizao, Lisboa, Ministrio das Obras Pblicas, 1947, vol. I,
p.53-75.
FONSECA, lvaro Proteco dos Edifcios e Stios municipais, Boletim da Direco
134

Geral dos Servios de Urbanizao, Lisboa, Ministrio das Obras Pblicas, 1947, vol. I,
p.53-75.

129
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Figura 5
Casas cobertas de colmo,
Amarante, Travanca, Maro,
1950
Fotografia: A. Jorge Dias. Anotao na
ficha: Por esta regio ao N. de Penafiel
ainda se encontram muitos telhados de
colmo. Em Casais Novos h algumas
a 2 e 4 guas. Tambm em Mouriz
(entre Baltar e Penafiel) se veem,
a 4 guas, in, Museu Nacional de
Etnologia / Arquivo Centro de Estudos
de Etnologia.

Figura 6
Mapa esquemtico da
distribuio da construo
primitiva portuguesa
Jorge Dias, Contribution to the study
of primitive habitation, in, Comptes
Rendus du Congrs International de
Gographie, Lisbonne, 1949, Travaux
de la Section IV, Lisbonne, 1951, tome
III, p.110.

130
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Exposio do Mundo Portugus (1940)135, seria adaptado pelo arquitecto


Antnio Maria Veloso Reis Camelo a Museu de Arte Popular (inaugurado
em 1948). Para Antnio Ferro entre as mltiplas vantagens do Museu
de Arte Popular, e em geral da campanha de ressurgimento tnico que
temos desenvolvido, est, precisamente, a defesa de uma Arte Moderna,
contempornea, que no deixe de ser profundamente nacional. O povo, com
as suas tintas lisas, as suas linhas sbrias, o seu poder de sntese, sempre
o Artista mais novo, mais espontneo, mais actual de todas as pocas. Os
Artistas que o seguem, depois da necessria transposio intelectual, podem
ter a certeza de fazer obra moderna pintura, arquitectura, bailado ou poesia
mas no estranha nossa maneira de ser, ao nosso carcter136. O Museu
de Arte Popular uma sntese da cultura portuguesa popular elaborada
pelos principais protagonistas do Secretariado de Propaganda Nacional/
Secretariado Nacional de Informao na primeira metade do sc. XX e
um documento fundamental da construo de uma identidade nacional. Na
verdade o popular era parte integrante deste perodo e de algum modo foi
a alternativa possvel aos arquitectos modernos. No devemos esquecer
que foi precisamente a matriz popular (regional, verncula) que funcionou
como fundamento de uma arquitectura funcional aos arquitectos modernos.
A partir de 1933 Antnio Ferro director do Secretariado de Propaganda
Nacional desenvolveu uma poltica nacional e internacional de exposies
de arte popular, promovendo concursos, editando livros e estabelecendo
um estilo decorativo. Em 1937 na Exposition des Arts et des Techniques
dans la vie Moderne, de Paris o Pavilho de Portugal a demonstrao
das nossas possibilidades nacionais como a revelao de uma tcnica

135
Palco da arquitectura regional particularmente atravs do ncleo das Aldeias
Portuguesas, apresentadas como a sntese desse Portugal pitoresco () da beira-mar
() das serras () das plancies, in, O Sculo Ilustrado, n 133, Lisboa, 20 de Julho de
1940.
136
FERRO, Antnio Uma Escola de Arte e Poesia. O Museu de Arte Popular, Ocidente,
Revista portuguesa mensal, n 124, Agosto, 1948, p. 62.

131
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portuguesa na decorao137, tendo a sala de Arte Popular obtido um Grand


Prix. O trabalho da equipa do SPN quer de etngrafos quer de artistas
(arquitectos, pintores, escultores, desenhadores, decoradores) foi fulcral
para a modernizao da imagem de Portugal e para a moderna estetizao
da arte popular portuguesa. Antnio Ferro j em 1936 se pronunciava
sobre a necessidade da criao de um grande museu do povo onde todas
as espontneas obras-primas possam encontrar o seu lugar definitivo138
e em 1937 referia que para que a nossa arte popular possa transformar-
se em arte (...) impe-se a tarefa urgente da criao, tendo como base
as coleces j existentes, dum museu do Povo, acessvel a atraente, que
no precisar de ser grande (antes uma pequenina casa portuguesa...) para
cumprir a sua misso139. Em 1942 Francisco Lage convoca um conjunto
de etngrafos para vrias reunies com vista organizao desse novo
espao, das quais resultaria a apresentao do Plano de Organizao
do Museu do Povo Portugus. O museu seria organizado em salas que
corresponderiam as zonas etnogrficas que compunham o pas, de acordo
com as propostas da Etnografia Portuguesa de Leite de Vasconcelos.
Pretendia-se que o museu tivesse uma forte vertente documental. No
captulo da habitao, por exemplo, seriam exibidos os materiais de
construo empregues, plantas e alados, fotografias do exterior das casas,
planos topogrficos de aglomerados de habitao rstica, etc. Quanto ao
interior das casas rsticas, o plano sugere que se apresente realizaes
completas, naturais se o espao permitir, ou em vulto reduzido, no caso
contrrio, e obedecendo a uma escala rigorosa de propores, sendo o
critrio de escolha condicionado pelo valor representativo e pelo critrio

137
FERRO, Antnio Catorze anos de Poltica de Esprito. Lisboa: edies SNI, 1948.
138
A VERDADE. (6 Junho, 1936).
FERRO, Antnio Defendamos o Nosso Folclore!. Dirio de Notcias. (8 Novembro,
139

1937).

132
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documental140. No Museu de Arte Popular para alm de numerosos


espcimes da arte e da indstria populares de todo o Pas, figuravam
curiosos pormenores, em tamanho natural, de casas, ptios e interiores
da nossa variada e pitoresca arquitectura regional141 e um mostrurio de
fotografias de casario tpico142.
O arquitecto Antnio Guilherme Matos Veloso, em Habitao Rural e
Urbanismo (1948)143 inicia o seu texto com uma epigrafe da Bodas de Sangre
(1931-33) de Frederico Garcia Lorca, e assumindo que Portugal era um pas
essencialmente agrcola, refere que nas cidades h falta de habitao e as
rendas elevadas, nos campos despovoados as casa so construdas segundo
processos tcnicos de pura intuio dos seus habitantes no oferecendo
a menor garantia de habitabilidade, chamando a ateno do Estado para
este grave problema. Menciona o inqurito feito habitao rural, o qual
refora as concluses apresentadas, e salienta que a standardizao da
construo e normalizao dos diferentes elementos construtivos, como
medida econmica ser o caminho a seguir144. A imagem e expresso
da construo em srie particularmente visvel no Bairro dos Ilhus

140
ALVES, Vera Marques Camponeses Estetas no Estado Novo: Arte Popular e
Nao na Poltica Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: ISCTE,
2007.p.158.
FEYO, Barata O Futuro Museu da Arte e da Vida do Povo Portugus. Panorama.
141

Lisboa, n 20, (Abril, 1944).


142
GUIA da Exposio do Mundo Portugus. Lisboa, MCMXL.
VELOSO, Antnio Guilherme Matos Habitao Rural e Urbanismo, 1 Congresso
143

Nacional de Arquitectura, Lisboa, Sindicato Nacional dos Arquitectos, p.189-196.


144
VELOSO, Antnio Guilherme Matos Habitao Rural e Urbanismo, 1 Congresso
Nacional de Arquitectura, Lisboa, Sindicato Nacional dos Arquitectos, p.189-196.
O arquitecto Antnio Lobo Vital em A casa, o homem e a arquitectura, refere-se
igualmente ao Inqurito Habitao Rural, destacando que as habitaes rurais na
maior parte dos casos no tm soalho, simples pavimentos trreos; falta de instalaes
sanitrias; cortes de gado debaixo dos quartos de dormir, etc, in, VITAL, Antnio Lobo,
A casa, o homem e a arquitectura, in, 1 Congresso Nacional de Arquitectura, Lisboa,
Sindicato Nacional dos Arquitectos, p.197-214.

133
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(Picanceira, Mafra), conjunto modular de 23 habitaes unifamiliares em


banda, mandado construir no final do sc. XIX pelo industrial aoriano
da ilha de So Miguel Domingos Dias Machado proprietrio da Quinta
da Picanceira depois Quinta dos Machados de explorao agrcola
essencialmente ligada vitivinicultura para os operrios vindos dos Aores
que a trabalhavam, fixado e divulgado nas fotografias do Inqurito
Arquitectura Popular em Portugal pela expressiva e icnica imagem da
fachada posterior do conjunto, com forno de po saliente145. E tambm no
Bairro de Casas Econmicas (Santa Eullia, Elvas), edificao modelar
de um bairro de casas econmicas, inaugurado em 1948, moradias em
banda destinadas a trabalhadores rurais, constitudo por um grupo de
23 residncias equipadas com os pertences mais teis e necessrios
tranquila funo domstica a cama com lenis, o canap confortvel, os
objectos de cozinha, etc146, integrado na obra social do Capito Manuel
Rodrigues Carpinteiro.
O arquitecto Lcio Costa em Documentao necessria (1937),
considerava que a arquitectura popular apresentava em Portugal, interesse
maior que a erudita. Segundo o arquitecto, era nas aldeias portuguesas,
nas construes rurais que se encontrava a justeza das propores, no
deixando de referir que na viagem da prpria arquitectura para o Brasil e
na sua implantao feita pelos antigos mestres e pedreiros incultos na
sua adaptao ao meio, essa arquitectura foi perdendo um pouco daquela

145
VASCONCELOS, Antnio Maria Corra de S de Seriao da Casa Saloia na
Regio de Lisboa. O caso do Bairro dos Ilhus na Picanceira, Mafra, Lisboa: Faculdade
de Arquitectura, 2015, Dissertao Mestrado. PAGAR, Ana As Casas dos Ilhus na
Picanceira (Santo Isidoro, Mafra): do estudo conservao. Primeira abordagem, CM
Mafra, Boletim Cultural, 2002, Mafra 2003, pp. 271-288; PEREIRA, Nuno Teotnio
Pereira As Casas da Picanceira, Pedra e Cal, n5, 2000, p. 54; ANASTACIO, Maria
Amlia Gabrita Teritrio e Identidade: aspectos morfolgicos da construo do territrio
e a identidade cultural saloia no Concelho de Cascais. Lisboa: ISCTE, Dissertao
Mestrado.
146
LAVADINHO, Domingos Santa Eullia. Flor do Alto Alentejo. Elvas, 1948, p. 21.

134
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carrure tipicamente portuguesa, o que por outro lado foi compensado em


contexto brasileiro, com a diminuio ou mesmo eliminao de certos
maneirismos preciosos e um tanto arrebitados que se encontravam na
metrpole147. Segundo Lcio Costa o estudo da arquitectura popular
portuguesa permitiria aos arquitectos modernos brasileiros usarem-no
como material de novas pesquisas e como lio de uma experincia de
mais de trezentos anos148. Lcio Costa considerava que nessa pesquisa
arquitectura popular portuguesa, alm dos sistemas e modos de construo,
deveriam ser tambm estudadas as diferentes solues de planta e como
variavam de uma regio a outra149, procurando assim a lgica construtiva
subjacente a cada regio. Essa pesquisa devia segundo Lcio Costa recuar
aos vestgios da habitao (erudita e popular) do sc. XVII, sem esquecer
por fim, a casa mnima150, como dizemos agora, a do colono, de todas
elas a nica que ainda continua viva em todo o pas151. Lcio Costa j
em Tradio Local (1929) referia que a arquitectura regional autntica
tem as suas razes na terra152, considerando que importava antes de

147
COSTA, Lcio Documentao necessria [1937]. In XAVIER, Alberto; CANEZ,
Anna Paula ed. Lit. Lcio Costa: sbre arquitectura. Porto Alegre: UniRitter, 2007,
p.86,87.
148
COSTA, Lcio Documentao necessria [1937]. In XAVIER, Alberto; CANEZ,
Anna Paula ed. Lit. Lcio Costa: sbre arquitectura. Porto Alegre: UniRitter, 2007,
p.86,87.
149
COSTA, Lcio Documentao necessria [1937]. In XAVIER, Alberto; CANEZ,
Anna Paula ed. Lit. Lcio Costa: sbre arquitectura. Porto Alegre: UniRitter, 2007,
p.90.
Elaborando nesta referncia um confronto e dilogo entre a arquitectura popular e os
150

conceitos operativos modernos, nomeadamente do II CIAM, realizado em 1929 na cidade


de Frankfurt, onde se estudou a habitao mnima.
151
COSTA, Lcio Documentao necessria [1937]. In XAVIER, Alberto; CANEZ,
Anna Paula ed. Lit. Lcio Costa: sbre arquitectura. Porto Alegre: UniRitter, 2007,
p.89.
COSTA, Lcio Tradio Local [1929]. In COSTA, Lcio Arquitetura. Rio de Janeiro:
152

Jos Olympo, 2002, p.33.

135
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mais nada conhecer a arquitectura regional portuguesa no prprio bero


porque segundo Lcio Costa era na construo popular de aspecto
viril e meio rude, mas acolhedor, das suas aldeias que as qualidades
da raa se mostram melhor, percebendo-se, desde logo, no acerto das
propores e na ausncia de artifcios, uma sade plstica perfeita153.
O apelo realizao de um inqurito arquitectura portuguesa, leva-
nos a relacionar a chamada de ateno de Lcio Costa com o artigo Uma
iniciativa necessria do arquitecto Keil do Amaral, publicado em 1947
na revista Arquitectura, apelando realizao de um inqurito cientfico
arquitectura regional portuguesa, destacando a necessidade de efectuar
uma recolha e classificao de elementos peculiares arquitectura
portuguesa nas diferentes regies do Pas com vista publicao de um
livro, larga e criteriosamente documentado, onde estudantes e tcnicos
da construo pudessem vir a encontrar as bases para um regionalismo
honesto, vivo e saudvel. Exactamente assim: honesto, vivo e saudvel154.
E alertava tambm que a arquitectura regional no , no pode ser um
apinocar de fachadas e de interiores com elementos decorativos tpicos
e colocava a questo Mas ser que ns no possumos, realmente, fontes
mais puras e coerentes para a formao de uma arquitectura moderna
portuguesa, do que pretendem fazer crer os nossos regionalistasde
fachada? e a resposta de Keil clara s quem no tenha percorrido, de
olhos abertos, as nossas cidades, vilas e aldeias assim poder pensar, e
por isso considerava que o que faltava era estud-las, aprend-las, porque
at hoje pouco mais se fez do que cabular, ou seja, o que faltava era
procurar em cada regio, as maneiras como os habitantes conseguiram
resolver os diversos problemas que o clima, os materiais, a economia e as
condies de vida inerentes regio impuseram s edificaes. O livro

COSTA, Lcio Tradio Local [1929]. In COSTA, Lcio Arquitetura. Rio de Janeiro:
153

Jos Olympo, 2002, p.33,34.


AMARAL, Keil Uma iniciativa necessria. Arquitectura: Revista de Arte e
154

Construo. Lisboa. Ano XX, 2 srie, n14, (1947), 12,13.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
do sculo XX em Portugal
Paula Andr

que prope resultado dessa recolha da arquitectura regional onde destaca


as variantes das construes do Minho (o granito, e as casas simples com
grandes varandas para a secagem do milho), do Alentejo (a utilizao do
tijolo nas abobadilhas, da Beira (varandas envidraadas voltadas ao Sul
das casas das aldeias), de vora (construes de grande espessura das
paredes e pequenez das janelas) seria consultado pelos arquitectos que
acreditam numa arquitectura funcional, feita para servir mais do que para
agradar. Keil avana com a organizao e a metodologia trs equipas
de dois arquitectos, que percorriam uma o Norte, outra o Centro e a outra
o Sul do Pas, investigando, fotografando, desenhando e tomando notas,
mas faltava o dinheiro155.
Em 1953 Jorge Dias publica Rio de Onor. Comunitarismo Agro Pastoril,
e no final desse ano foi realizado pelos alunos do curso de Arquitectura da
Escola Superior de Belas Artes do Porto e sob a orientao do arquitecto
Fernando Tvora, um modesto Ensaio de inqurito s expresses e
tcnicas tradicionais portuguesas que era inteno levar por diante
atravs do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo, poca ainda
em formao156. No mbito deste inqurito e integrando a IV Exposio
Magna da Escola Superior de Belas Artes do Porto, foram exibidas imagens
de um velho barraco adaptado a igreja a nova Igreja de So Pedro da
Afurada, que serviu de tema a uma prova escolar de emulao entre os
alunos do 4 ano do Curso especial de Arquitectura no ano de 1953/54,
tendo sido quando da apreciao dos estudos, por seus nvel e afinidades,
proposta a criao de uma equipa constituda pelo alunos Fernando Seara,
Fernando Ferreira Santos, Lus Pdua Ramos e Lus Cunha a quem

AMARAL, Keil Uma iniciativa necessria. Arquitectura: Revista de Arte e


155

Construo. Lisboa. Ano XX, 2 srie, n14, (1947), 12,13.


156
IV Exposio Magna da Escola Superior de Belas Artes do Porto. Porto: Ministrio
da Educao Nacional, Direco Geral do ensino Superior das Belas Artes, Outubro de
1955, p. 5.

137
Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
do sculo XX em Portugal
Paula Andr

competiria desenvolv-los e, a seu tempo, acompanhar a execuo dos


respectivos trabalhos157. A documentao fotogrfica deste inqurito foi
feito ilharga do percurso que, com partida e regresso ao Porto, passa por
Vila do Conde, Pvoa do Varzim, Viana do castelo, Ponte de Lima, Ponte
da Barca, Arcos de Valdevez, Soajo, Braga e Guimares, foi exibida na IV
Exposio Magna de 1955. No catlogo salientado que da oportunidade
e vantagens deste trabalho sistemtico de investigao no tardar a dar
as suas provas o Sindicato Nacional dos Arquitectos158. No contexto da
primeira metade do sc. XX a arquitectura popular inquirida e divulgada
como uma alternativa via acadmica, trouxe consigo a necessidade de
viagens de (re)conhecimento, e do contacto in situ. As viagens e os registos
ao encontro da arquitectura popular proporcionavam um novo processo de
aprendizagem e construam tambm uma nova conscincia da identidade
arquitectnica local e nacional. A importncia dos estudos da geografia,
a valorizao das artes populares e a descoberta da lgica construtiva da
arquitectura popular revelam-se antecedentes fundadores do Inqurito
Arquitectura Regional Portuguesa. Entre 1955 e 1957 Keil do Amaral viria
a coordenar o Inqurito Arquitectura Regional Portuguesa, promovido
pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos, publicado em 1961 com o ttulo
Arquitectura Popular em Portugal159, do qual resultaram dez mil fotografias

IV Exposio Magna da Escola Superior de Belas Artes do Porto. Porto: Ministrio


157

da Educao Nacional, Direco Geral do ensino Superior das Belas Artes, Outubro de
1955, p. 5.
158
organismo a quem de deve a prioridade de tal programa e que, para o efeito, mobilizou
seis equipas de arquitectos diplomados e estagirios das Escolas de Lisboa e Porto que,
neste momento, percorrem afanosamente o Pas em todos os sentidos, sob o patrocnio de
Sua excelncia o Ministro das Obras Pblicas, engenheiro Eduardo Arantes de Oliveira a
quem, por tal motivo, esta Escola presta as suas homenagens, in, IV Exposio Magna
da Escola Superior de Belas Artes do Porto. Porto: Ministrio da Educao Nacional,
Direco Geral do ensino Superior das Belas Artes, Outubro de 1955, p.7.
Arquitectura Popular em Portugal. Lisboa: Associao dos Arquitectos Portugueses.
159

Lisboa, 1980, p.XX.

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Etnogenia, Fotogenia, Etnologia
ARQUITECTURA POPULAR Arquitectura Popular na primeira metade
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
do sculo XX em Portugal
Paula Andr

do conjunto dos 18 arquitectos160. No prembulo do Decreto-lei 40349 que


autoriza este inqurito, financiado pelo Ministrio das Obras Pblicas pode
ler-se: As novas solues no devero deixar de apoiar-se nas tradies
da arquitectura nacional, resultantes do condicionalismo peculiar do
clima, dos materiais de construo, dos costumes, das condies de vida e
dos anseios espirituais da grei, de todos os factores especficos, em suma,
que, reflectindo-se naturalmente nas nossas realizaes arquitectnicas em
pocas sucessivas lhes conferiram cunho prprio e criaram um sentido
para a expresso arquitectura nacional161.
Na sequncia de um processo de busca de uma etnogenese da nao,
associada a um processo de busca da autenticidade do mundo rural, torna-
se reveladora a dimenso do papel das imagens na representao do pas,
quer a partir da captao das formas mais primitivas, mais arcaicas e mais
puras, quer a partir da fotogenizao e da folclorizao do regional e do
popular, revelando as prticas e os discursos da identidade, do processo
da sua construo e da sua circulao, mantendo-se sempre a instigante
e dupla interrogao em torno da estetizao e tematizao do que ser
portugus.

160
ARQUITECTURA Popular em Portugal. Lisboa: Associao dos Arquitectos
Portugueses, 1980.p.XX. O arquitecto Antnio Meneres salienta que no que se refere
ao material fotogrfico, conta-se que cada equipe arranje pelo menos uma boa mquina,
um trip, uma clula foto-elctrica e um filtro ou filtros, para corrigir deficincias de
iluminao. Nem mais, nem menos, pois o SNA apenas se podia comprometer no
fornecimento a cada equipa de 100 rolos para 12 fotografias 6*6 ou, em alternativa, 34
rolos formato Leica, bem como 1 bloco para desenhos e 5 folhas para apontamentos
escritos, in, MENERES, Antnio Keil e o Inqurito distncia de 40 anos, in, Keil do
Amaral, o Arquitecto e o Humanista. Lisboa: CML, 1999, p. 123.
Arquitectura Popular em Portugal. Lisboa: Sindicato Nacional dos Arquitectos, 1961,
161

vol. I, p. vi.

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144
ARQUITECTURA POPULAR A arte popular portuguesa no arranjo dos interiores
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia domsticos: uma poltica de nacionalizao
das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

A arte popular portuguesa no arranjo


dos interiores domsticos:
uma poltica de nacionalizao das classes mdias
nos anos 30 e 40 do sculo XX

Vera Marques Alves


vera.mmma@gmail.com
CRIA. Centro em Rede de Investigao em Antropologia
Universidade de Coimbra

Em pleno Estado Novo, durante os anos 30 e 40, a chamada


arte popular portuguesa investida de uma importncia poltica, at
ento indita. Tal desenvolvimento deve-se, acima de tudo, aco do
Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), organismo criado em
1933 pelo governo de Oliveira Salazar1. Este foi o departamento estatal
responsvel pela poltica cultural do regime na rea das artes plsticas,
do teatro e do cinema. Simultaneamente, o SPN desenvolve uma srie de
iniciativas folcloristas, conferindo desde cedo grande relevo promoo
e exibio dos objectos rsticos de cariz artstico2. O prprio Antnio
Ferro, primeiro director do Secretariado e o grande mentor da criao
deste organismo estatal, fez questo de sublinh-lo, logo em 1936: A
valorizao da arte do povo () tem sido uma das grandes preocupaes
do Secretariado da Propaganda Nacional desde a sua fundao3.

1
Em 1944, este organismo passa a designar-se Secretariado Nacional da Informao da
Cultura Popular e do Turismo (SNI).
2
Cf. ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Folcloris-
ta do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais, 2013,
pp. 27-28.
3
Cit. In ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Fol-
clorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais,

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ARQUITECTURA POPULAR A arte popular portuguesa no arranjo dos interiores
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia domsticos: uma poltica de nacionalizao
das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

Neste mbito, e se atentarmos aos diferentes discursos ento proferidos,


os artefactos artesanais quase adquirem um estatuto de insgnia nacional.
Com efeito, sob a interveno do SPN, a arte popular cumpre, acima
de tudo, uma funo: a de representar e fazer celebrar a nao. Tal
misso realizar-se-ia a dois nveis, interligados entre si: por um lado,
em grandes exposies de sntese, realizadas tanto intramuros como
fora de fronteiras (nomeadamente em exposies internacionais); por
outro, atravs da integrao dos seus objectos no quotidiano das classes
mdias, enquanto peas de decorao a usar em restaurantes e pousadas,
mas tambm no arranjo dos interiores domsticos.
Como que os artefactos rsticos ganharam tal significado? O que
permitiu transform-los em instrumentos recorrentes de aluso
nao? E de que modo que tal carga simblica se relaciona com a sua
integrao nas casas e espaos de convvio burgus?

A transformao dos artefactos rsticos em Arte popular


Por detrs da campanha etnogrfica do SPN estavam, desde
logo, noes que circulavam h muito entre os intelectuais europeus,
nomeadamente a ideia de que seriam as tradies camponesas,
supostamente intactas desde os tempos mais recuados, que faziam
prova da existncia de uma cultura nacional distinta4. Durante uma
parte substancial do sculo XIX, contudo, a poesia popular e a literatura
oral em geral -- compreendendo os contos, as lendas, os provrbios, as
adivinhas, etc. -- eram o alvo quase nico do interesse de etngrafos

2013, p. 28.
4
Cf. por exemplo, BURKE, P. - The Discovery of Popular Culture. In SAMUEL,
Raphael - Peoples History and Socialist Theory. Londres, Boston e Henley: Rout-
ledge and Kegan Paul, 1981, pp. 216-226.

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ARQUITECTURA POPULAR A arte popular portuguesa no arranjo dos interiores
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia domsticos: uma poltica de nacionalizao
das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

e eruditos nacionalistas5. s a partir de finais desse mesmo sculo, e


com mais intensidade no centnio seguinte, que o domnio material
das tradies vai concentrar a ateno de estudiosos e publicistas. Tal
acontece, todavia, custa de uma aproximao altamente selectiva ao
universo dos objectos populares. Como escreveu o antroplogo alemo
Hermann Bausinger, si laspect matriel de la culture populaire a fini
pour gagner ce carctere pittoresque qui, aujourdhui, ravit les visiteurs
venus admirer les collections dart populaire, il semble que se soit par un
processus graduel de selection et de conservation6.
Na verdade, o olhar romntico e nacionalista sobre a cultura do mundo rural
foi sempre ambguo: Intelectuals were both embarassed by and proud of
their folk and folklore, resumiu Alan Dundes7, precisamente a propsito
das recolhas de tradies populares por toda Europa nos sculos XIX e
XX. Ora, ao longo de oitocentos, a cultura material dos campos parecia
estar demasiadamente prxima dos aspectos utilitrios da existncia,
para permitir a sua transformao em algo capaz de exprimir de forma
socialmente aceitvel a identidade de uma nao. A industrializao, e
as consequentes transformaes econmicas e sociais na agricultura e
no mundo rural, dificultavam ainda mais qualquer viso buclica sobre o
mundo tangvel dos artefactos rurais8.
Quando, em finais do sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX,
como referamos, os etngrafos passam a considerar a cultura material

5
Cf. BAUSINGER, Hermann - Volkskunde ou lethnologie allemande. Paris: Editions de
la Maison d. es sciences de lhomme. 1993 [1971], p. 50.
BAUSINGER, Hermann - Volkskunde ou lethnologie allemande. Paris: Editions de la
6

Maison d. es sciences de lhomme. 1993 [1971], p. 53.


7
DUNDES, Alan - Folklore Matters. Knoxville: The University of Tennessee Press,
1989, p.48.
8
Cf. BAUSINGER, Hermann - Volkskunde ou lethnologie allemande. Paris: Editions de
la Maison d. es sciences de lhomme. 1993 [1971], pp. 50-51.

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das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

como alvo dos seus estudos, no o fazem em funo do surgimento


repentino de um novo interesse pelas reais condies da vida dos
camponeses. Pelo contrrio: subjacente a esta nova orientao esteve um
processo de reclassificao de acordo com o qual os artefactos rsticos
comearam a ser valorizados enquanto objectos de arte, assim isolados
das condicionantes sociais e econmicas que lhes deram origem. As
manifestaes materiais da cultura popular passam a ser tratadas como
coisas do esprito -- de uma qualidade potica no muito distinta dos
contos ou das canes que os romnticos tinham monumentalizado e,
s nesta medida, puderam ser apresentadas, junto das elites e das classes
mdias, como ss emanaes da alma nacional. Assim foi, por exemplo,
na Hungria de finais do sculo XIX, quando os intelectuais enchem as
suas casas de rendas e objectos de madeira de origem rural e, descreve
Zador Tordai, a cultura material rstica transfigurada num conjunto de
referncias estticas adaptadas ao gosto das classes mdias em gestao,
principais mediadores da conscincia nacional9.
Este processo de reclassificao , portanto, sustentado pela aproximao
selectiva de que fala Herman Bausinguer: a transformao da cultura
material em arte popular implicou, por um lado, uma ateno centrada
quase em exclusivo nos objectos esteticamente apelativos, nomeadamente
naqueles que se destacavam pela sua feio mais decorativa, e, pressups,
por outro, uma descontextualizao desses mesmos objectos, cujas
dimenses de cariz simblico, econmico e social foram descuradas em
funo da sua qualidade artstica.

9
TORDAI, Zador - Les Metamorphoses du folklore: quelques repres pour une compre-
hension. In AAVV - Paysans et Nations dEurope centrale et balkanique, Paris: Maison-
neuve et Larose, 1985, p. 22.

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das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
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A arte popular portuguesa enquanto cone nacional


A poltica folclorista empreendida em Portugal nas dcadas de
30 e 40 oferece um quadro paradigmtico deste processo de apropriao
da cultura material de matriz rural. O que o SPN promoveu atravs de
tal poltica, e nomeadamente atravs das exposies de arte popular que
organizou, foi um conjunto de objectos rsticos que se salientavam pelas
suas qualidades plsticas, ao mesmo tempo que deixava na obscuridade
esse universo amplo da cultura material que, pela sua excessiva humildade,
remetia afinal para a penria do quotidiano rural.
assim, por exemplo, na exposio de arte popular realizada em Lisboa,
no ano de 1936. As notcias da poca descrevem-na como uma gigantesca
tela polcroma10, chamando a ateno para os artefactos de forte impacto
visual a exibidos: as cangas enfeitadas de belos arabescos, os tapetes
multicolores de caprichoso risco, os chapus floreados, cheios de
arrebiques, os pequenos objectos de madeira entalhada ou de chifre
rasgado a buril e por a adiante11. O prprio catlogo da exposio no
deixa dvidas sobre tal vis esteticizante: nas suas pginas, para as
configuraes e cores dos inmeros tipos de artefactos a patentes que
os etngrafos Lus Chaves e Cardoso Marta12 remetem o visitante: para
as figuras com que se enfeitam as candeias; para o formoso lavor com
que se esculpem os jugos; para a opulncia artstica dos bordados
gravados nas peas de chifre e de cortia; etc., etc.. As restantes mostras

10
Cf. ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Folclo-
rista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais,
2013, p.110.
11
Cit. In ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Fol-
clorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais,
2013, p. 89.
CHAVES, Lus e MARTA, Manuel Cardoso Catlogo da Exposio de Arte Popular
12

Portuguesa, Lisboa: SPN, 1936.

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etnogrficas que o SPN realizaria durante o consulado de Antnio Ferro


seriam todas pautadas por esta inclinao, assim como o seria o prprio
Museu de Arte Popular, inaugurado em 1948, pouco antes de Ferro deixar
o Secretariado13. Como bem sublinhou Joo Leal a propsito deste museu,
Nas diferentes salas que o compem () arados e bonecos
de barro, rendas de bilros e barcos de pesca; utenslios de
cozinha e exemplares de arte pastoril so tratados de forma
homloga como instncias, apenas formalmente diferenciadas,
do mesmo universo de bens artsticos do povo, dotados de um
valor indistintamente decorativo14.
Ao centrar-se apenas na forma e na decorao dos objectos de origem
rural, desembaraando-os dos seus contextos de produo e dos seus usos
anteriores, o SPN transformava-os em obras de arte pequenas obras-
primas, como lhes chamava Antnio Ferro em 1939. Assim, e como
aconteceu em mltiplos contextos de apropriaes polticas e intelectuais
da cultura popular j o sugerimos acima , tambm a poltica cultural
do Secretariado transformou a realidade etnogrfica do pas num folclore
imaginrio, desligado das condies materiais da vida do povo. Esta , de
resto, uma tendncia enaltecida em vrios discursos de Ferro, como por
exemplo no da inaugurao do Museu de Arte Popular:
Haver quem estranhe a atmosfera subtil deste museu que
se traduz por algo de leve, de solto, quase de alado Os
objectos mantas, jugos, carros, barros, louas parecem
no estar na terra, e como que pairam num mundo que dir-

13
Cf. ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Folclo-
rista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais,
2013.
LEAL, Joo - Etnografias Portuguesas (18701970): Cultura Popular e Identidade
14

Nacional. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 2000, p. 48.

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se-ia imaginado, sonhado (). Propositadamente se lhe deu


esta atmosfera potica. Arte popular e poesia so expresses
sinnimas. Pode at dizer-se que a arte popular poesia dos
dedos do povo. Poesia dos simples15.
Este processo de idealizao no se confina, contudo, aos artefactos
populares; estende-se ao prprio retrato do povo portugus. Com efeito,
os objectos oferecidos ao olhar dos visitantes das exposies do SPN,
separados das relaes sociais em que efectivamente eram produzidos,
no evocavam em momento algum as classes trabalhadoras. Como
demonstrei em publicaes anteriores, atravs da exibio dessas
pequenas obras primas, constri-se a imagem de um campons doce,
vocacionado para a arte, ocupado com as coisas do esprito, mesmo
quando envolvido nas tarefas quotidianas aparentemente mais cruas.16 Os
etngrafos que colaboraram com o SPN reiteravam sem cessar tal retrato.
Cardoso Marta, por exemplo, a propsito da j mencionada mostra de
1936, proclamava: seja no que for que lhe saia das mos, sempre o povo
deixa uma nota de beleza, evitando at onde possvel a aridez do objecto
liso, sem decoraes17. E, alguns anos mais tarde, Santos Jnior exaltava
a arte popular portuguesa como a revelao palpvel e encantadora do
sentimento esttico do nosso povo18. Mas so, talvez, as palavras de
Guilherme Felgueiras em Vida e Arte do Povo Portugus, que melhor
espelham esta transfigurao simblica do trabalhador em campons
esteta

15
FERRO, Antnio - Museu de Arte Popular. Lisboa: Edies SNI, 1948, p. 25.
Cf. por exemplo, ALVES, Vera Marques - A Poesia dos Simples: Arte Popular e
16

Nao no Estado Novo. Etnogrfica, Vol.11, n1 (2007), p.6389


17
MARTA, Manuel Cardoso - Arte Popular: A Exposio organizada pelo Secretariado
da Propaganda Nacional. Cartaz, Junho/Julho de 1936, s.p.
SANTOS JNIOR, Joaquim Rodrigues dos - Oleiros e Olaria. In AAVV - Vida e Arte
18

do Povo Portugus. Lisboa: Comisso Nacional dos Centenrios, 1940, p. 229.

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A arte simples do povo annimo manifestase em mltiplas


facetas da sua laboriosidade: no modo como arruma as
caneiras de milho nos palheiros e cabanais; como dispe os
molhos das espigas ceifadas, nos frascais, carros e almiaras;
como remata as medas de palha centeia ou triga, com bispas
entranadas, mas brunidas e gritantes bandeiras; como
tosquia e enche de ornatos geomtricos as ancas luzidias dos
muares; como enfeita com espelhos reluzentes as rabadas
dos gados; como enche de adornos vistosos os cabrestos de
resguardo; como borda garridamente a l os atafais e as bocas
dos alforges, decoraes estas de um castio recorte mourisco.
Pela exuberncia dos lavores, so dum requintado efeito
decorativo os jugos rendilhados de Entre Douro e Minho, que,
no tendo equivalentes em nenhum dos outros povos, marcam
altivamente uma autonomia. Os olhos pousamse enlevados
nas cangas, cheias de ornatos, que as mos descomandadas de
artistas obscuros enriquecem de pitoresco, sarapintandoas de
tons vivos, ou esculpindoas goiva em burlados de filigrana19.
Este trecho , entretanto, particularmente elucidativo, ao mostrar que a
exaltao da arte popular indissocivel da sua transformao em trao
distintivo da nao. Quando Guilherme Felgueiras se refere ao cariz nico
dos jugos rendilhados de Entre Douro e Minho, acrescentando que os
mesmos, no tendo equivalentes em nenhum dos outros povos, marcam
altivamente uma autonomia, sugere claramente a existncia de uma
vocao particular que distinguiria, no apenas os habitantes da regio
nortenha, mas o povo portugus. Em 1936, aquando da exposio realizada
no estdio do SPN, escrevera-se j que a arte popular portuguesa, de

19
FELGUEIRAS, Guilherme - A Faina do Campo. In AAVV - Vida e Arte do Povo Por-
tugus. Lisboa: Comisso Nacional dos Centenrios, 1940, p. 124

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caractersticas nitidamente demarcadas, revelaria o fundo lrico que fez


deste povo, o mais ocidental da Europa, o grande poeta ()20.

1. A etnografia portuguesa e a pedagogia da valorizao da arte


popular
O empenhamento do organismo de Antnio Ferro na celebrao
dos objectos rsticos assentou num esforo prvio prpria instaurao
do Estado Novo. O modo como desde finais do sculo XIX, e sobretudo
durante a I Repblica, se estabeleceu o que era a arte popular portuguesa, e
os sentidos ento atribudos cultura material de matriz rural, contriburam
decisivamente para definir aspectos cruciais do que viria a ser a poltica
do SPN neste domnio. Como mostrou Joo Leal, sob outras designaes
como a de indstria caseira, a arte popular portuguesa descoberta
pelos historiadores de arte de finais do sculo XIX e, j a, promovida
como repositrio da verdadeira cultura nacional21. Mais tarde, ao longo
dos anos 10 e 20, etngrafos como Verglio Correia, Lus Chaves ou
Sebastio Pessanha vo dedicar-se sua investigao, transformando-a no
tema central da antropologia portuguesa da poca22. nessa altura que so
inventariados e descritos a quase totalidade dos objectos que mais tarde
figuraro nas exposies de arte popular do SPN23. Ao mesmo tempo,

20
Cit. In ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Fol-
clorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais,
2013, p. 234.
Cf. LEAL, Joo - Metamorfoses da Arte Popular: Joaquim de Vasconcelos, Verglio
21

Correia e Ernesto de Sousa. Etnogrfica, vol. 6,n2 (2002), p.251280.


22
Cf. LEAL, Joo - Etnografias Portuguesas (18701970): Cultura Popular e Identidade Nacional.
Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 2000.
23
CF. ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Folclo-
rista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais,
2013.

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das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
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tais estudiosos tinham j enfatizado abundantemente as virtualidades


simblicas da arte popular enquanto cone nacional. Ainda em 1918, por
exemplo, Sebastio Pessanha afirmava as artes populares portuguesas
eram demonstraes do carcter, do sentimento e do esprito da raa24.
A importncia deste trabalho na fundao do que vem a ser a poltica do
SPN em torno da arte popular, manifesta-se, ainda, sob outro ponto de
vista: o que os etngrafos da I Repblica promovem no apenas uma rea
de estudo. uma pedagogia do gosto. Atravs das suas publicaes, mas
tambm da organizao de exibies vrias, estes intelectuais ensinaram
a desenvolver um olhar encantado face aos objectos populares. Assim,
podemos verificar como nos anos 10, escrevendo na Terra Portuguesa,
Verglio Correia remetia constantemente o seu leitor para certas
modalidades de apreciao esttica, sublinhando, por exemplo, o cariz
gracioso dos pesos de tear ou das formas encontradas na olaria de Miranda
do Corvo e a delicadeza, graa e ingenuidade da arte pastoril alentejana.25
Cludio Bastos outro autor de relevo em cujos textos est patente o
maravilhamento com as coisas rsticas: escrevendo sobre os pucarinhos de
Vila Real redues miniaturais de peas de uso corrente -- descreve a sua
graa deveras risonha, qualificando-os como verdadeiros brinquedos
de boneca 26. Surpreendemos nele um enamoramento com as peas de
arte popular miniaturais, que o aproxima do gosto pelo pequeno que, como
mostrou Leal caracteriza tambm a etnografia de Verglio Correia.27 J

24
PESSANHA, Sebastio Do Alentejo: Jaezes Ornamentados. Terra Portuguesa, n.2728
(1918), p. 42.
Cf. LEAL, Joo - Metamorfoses da Arte Popular: Joaquim de Vasconcelos, Verglio
25

Correia e Ernesto de Sousa. Etnogrfica, vol. 6,n2 (2002).


26
Cit. In ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica
Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias
Sociais, 2013, p. 208.
27
Cf. LEAL, Joo - Metamorfoses da Arte Popular: Joaquim de Vasconcelos, Verglio

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nos anos 20 e incio da dcada seguinte, o trabalho de Emanuel Ribeiro


sobre a olaria e a cestaria populares, bem como sobre o papel recortado ,
tambm ele, uma gramtica da avaliao artstica de tais peas. Nos seus
textos, Ribeiro sublinha, por exemplo, a fantasia decorativa das peas de
Miranda do Corvo ou a exuberncia ornamental da loua de Bisalhes28.
No que diz respeito ao papel recortado, o estudioso evoca as finuras
subtis de verdadeiras e preciosas joias dos recortes de Lobrigos29, os
exuberantes efeitos ornamentais dos exemplares de Portalegre30, e a
riqueza estonteadora dos papis recortados para doces de vora31.
No seguimento dos contributos da histria de arte finissecular, , pois,
a etnografia portuguesa dos anos 10 e 20 que transforma os objectos do
mundo rural em obras de arte e, nessa medida, os adapta aos gostos da
classe mdia Cria, assim, as condies propcias presena da arte popular
no dia-a-dia desta camada social. Caber, todavia, ao SPN explorar todo
o potencial simblico destes fragmentos da cultura material do povo. Ou
seja, ser este o organismo que transformar esse conjunto diverso de
pequenas coisas num instrumento efectivo de celebrao e afirmao da
nao, quer junto da comunidade internacional, quer internamente.

Correia e Ernesto de Sousa. Etnogrfica, vol. 6,n2 (2002), p. 269.


28
Cf. ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Folclo-
rista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais,
2013, p.210.
RIBEIRO, Emanuel - A Arte do Papel Recortado em Portugal. Coimbra: Imprensa da
29

Universidade, 1933, pp. 43-44.


RIBEIRO, Emanuel - A Arte do Papel Recortado em Portugal. Coimbra: Imprensa da
30

Universidade, 1933, p.37.


RIBEIRO, Emanuel - A Arte do Papel Recortado em Portugal. Coimbra: Imprensa da
31

Universidade, 1933, p. 18.

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A arte popular nas pousadas e interiores domsticos: uma


poltica de nacionalizao das classes mdias
Desde os anos 20, antes portanto da prpria instaurao do Estado
Novo, que a grande preocupao de Antnio Ferro, escritor e jornalista,
foi mostrar Portugal ao mundo, e fazer prova da sua existncia enquanto
nao distinta de todas as outras. Em 1929, por exemplo, Ferro declarava:
O Mundo no nos conhece precisamos antes de mais nada dar-lhes o
nosso retrato. E, nessa mesma altura, j preconizava que o pas deveria
levar s exposies internacionais o conjunto de objectos que ele ento
designava como indstrias regionais e definia como tudo aquilo que nos
d carcter; todas essas coisas pobres que so a riqueza, afinal, da alma de
uma nao 32. No seguimento deste desgnio, o SPN enviar mostras de
arte popular a Genebra (1935), Paris (1937), Nova Ioque (1939), Madrid
e Sevilha (1943 e1944), apresentando-as enquanto encarnaes da prpria
alma ptria.
Mas, paralelamente s vrias aces desenvolvidas no estrangeiro, as
quais respondiam ambio de dar um retrato do pas ao mundo, o
director do SPN promoveu um conjunto de outras intervenes de alcance
complementar e cujo intuito era, se quisermos, preparar Portugal para
a objectiva. Ou seja, Ferro pretendia tornar a nao mais fotognica,
semelhana do que aconteceria noutros pases. Como ele escrevia em
1938,
A Civilizao de cada povo medese ao primeiro olhar, tal qual se
avaliam os homens por certos aspectos exteriores, isto , pela sua
indumentria. Na Sua, na Holanda, na Sucia, o que logo nos seduz
a nitidez de certos pormenores, o arrumo exterior dos servios
pblicos, a fisionomia fresca e juvenil das coisas e dos seres. Por

32
FERRO, Antnio - Portugal em Barcelona. Dirio de Notcias, 4 de Junho de 1929.

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toda a parte, no simples quiosque dos jornais, na carrocinha do


vendedor ambulante, no cartaz ou na montra a civilizao uma
palavra clara, luminosa, indiscutvel 33.
No seguimento desta convico, o Secretariado lanava uma srie de
operaes que visavam compor a fachada do pas, no sem procurar
sublinhar os traos que o particularizariam. Tratava-se de embelezar e,
simultaneamente, aportuguesar as diversas facetas visveis do quotidiano,
quer ao nvel dos espaos pblicos -- como as ruas das cidades, as estradas
panormicas, os hotis, cafs e restaurantes , quer ao nvel dos interiores
domsticos. Neste mbito, a partir de 1940, o SPN cria a campanha do
bom gosto, divulgando modelos de renovao esttica que integravam,
precisamente, a chamada arte popular. Leia-se, a este propsito o discurso
de Antnio Ferro na inaugurao do Centro Regional da Exposio do
Mundo Portugus:
No domnio das coisas do esprito, por exemplo, possumos
esta aspirao definida: a renovao do gosto em Portugal.
Todas as nossas iniciativas desde uma exposio de quadros a
uma exposio de montras buscam essa finalidade. () Para
essa campanha vamos ns buscar precisamente () arte
popular as nossas melhores armas. o povo, sempre o povo, o
melhor mestre nesta matria (). Pudssemos ns trazer para
a vida corrente, para a decorao dos nossos lares, filtradas
pela viso dos artistas, as linhas, as formas, as cores amadas
pelo verdadeiro povo e teramos dado um grande passo na
revoluo do gosto em Portugal.34.

33
Cit. In ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica
Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias
Sociais, 2013, p. 274.
34
Cit in ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica
Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias

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No fundo, pretendia-se que o conjunto de objectos rsticos enviados ao


estrangeiro, invadisse tambm a modernidade portuguesa, dando-lhe uma
imagem caracterstica e nica. O exemplo mais claro deste projecto a
edificao das Pousadas de Portugal, pequenos estabelecimentos hoteleiros
localizados em zonas rurais, onde o conforto e o bom gosto moderno eram
combinados com a decorao inspirada em motivos populares: assim, a
Pousada de Santa Luzia, em Elvas, primeiro destes estabelecimentos a ser
inaugurado, arranjada com mantas de Reguengos, bonecos de barro de
Estremoz e moblias alentejanas35; por sua vez, a Pousada de So Gonalo,
aberta em 1942 na serra do Maro, apresentada como uma demonstrao
de que se devem ir buscar ao mobilirio, aos tecidos, aos produtos
da regio, os elementos e motivos que melhor se casem com a obra a
executar36. Os motivos de arte popular tambm marcam a decorao da
Pousada de Santo Antnio, instalada no Vale do Vouga nesse mesmo ano37,
bem como a pousada de So Loureno, na Serra da Estrela38.
O Secretariado tentaria tambm fazer incorporar este padro esttico nas
casas particulares39. Em 1948, Ferro congratulavase com o xito deste
desiderato, afirmando que a obra do SPN chega at a influenciar os
que a negam e que, sem perceberem como, j preferem agora a jarra de

Sociais, 2013, p. 267.


Cf. CUNHA, Augusto - Os Grandes Valores Tursticos Nacionais: Pousada de Santa
35

Luzia Elvas. Panorama, n9 (1942), pp.3031.


CUNHA, Augusto - Os Grandes Valores Tursticos Nacionais: Pousada de So Gonalo
36

no Maro. Panorama, n.11 (1942), p.34-35.


37
Cf. CUNHA, Augusto - Campanha do Bom Gosto: Pousada de Santo Antnio no
Serm, Vale do Vouga. Panorama, n.12 (1942 a), p.20-22.
38
Cf. MARTINS, Abel - Pousada de S. Loureno na Serra da Estrela. Panorama, n.35
(1948), s/p.
39
Cf. FERRO, Antnio - Turismo: Fonte de Riqueza e de Poesia, Lisboa: Edies SNI,
p. 98.

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Estremoz ao triste solitrio, o azulejo de motivos populares que apareceu


pela primeira vez no Pavilho de Paris ao azulejo banalmente floreado
a fingir antigo, a Pousada diferente ao hotel qualquer ()40. na revista
Panorama, editada pelo prprio SPN, que encontramos o principal meio
de divulgao de um modelo de arranjo domestico que dever incorporar
os artefactos rsticos e de uma arte decorativa inspirada nos materiais da
cultura popular 41. So vrios os exemplos de tal orientao nas pginas
deste peridico, destacandose entre eles o da casa do prprio Antnio
Ferro, em cuja sala de jantar se pode observar uma vitrina cheia de bonecos
de Estremoz, uma autntica apoteose da arte popular42. Outro caso
o da residncia do Eng. Pedro de Oliveira, em Carcavelos, apresentada
em artigo intitulado Como Decorar Casas de Campo?43. As fotografias
que o acompanham ilustrariam como se tirou o melhor partido de vrios
elementos regionais: a manta alentejana de cores garridas, as sanefas,
pendentes e almofadas, a carpete de buinho do Algarve, as madeiras de
ulmo e pinho nacionais e as aplicaes em ferro forjado nos mveis.
Esta era uma poltica dirigida a um sector particular da populao.
Era entre a classe mdia, constituda por profissionais liberais, altos
funcionrios, intelectuais, que estavam aqueles com disponibilidade
financeira e apetncia para frequentar pousadas ou redecorar as casas.
Era, portanto, tambm neste estrato, que o SPN encontrava os potenciais
agentes da modernizao e aportuguesamento do pas. Mas, os efeitos do
envolvimento das camadas intermdias na poltica do gosto promovida por
Antnio Ferro no se ficam pela renovao material e esttica da ptria.
Ao nacionalizar-se os espaos de convvio e as residncias das classes

40
FERRO, Antnio - Museu de Arte Popular. Lisboa: Edies SNI, 1948, p.8.
41
Cf., por exemplo, Arte Popular do Norte - Panorama. n56 (1941), p.36.
42
MASCARENHAS, Domingos - A Casa de Antnio Ferro. Panorama, n. 18, 1943.
43
Cf. Panorama. n.27 (1946).

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mdias, intervm-se na prpria forma de representar, imaginar e sentir a


nao.
Como vimos, a arte popular portuguesa, tal como foi definida pela
etnografia dos anos 10 e 20 e difundida pelo Secretariado, correspondia
a uma srie de objectos caracterizados pela sua impressividade esttica,
carcter miniatural e abundante ornamentao; objectos elogiados pela

Figura 1
Aspecto da residncia do
Eng. Pedro de Oliveira, em
Carcavelos.
Fotografia de Horcio Novaes publicada
no n 27 da revista Panorama (1946).

sua delicadeza, graa, e pela extrema riqueza do trabalho decorativo que


exibiam. Ora, como sugeriu Catherine nDiaye em livro sobre o culto
coquete do refinado, existir uma estreita relao entre a explorao do
pormenor 44, o enfoque no pequeno e o enternecimento amoroso. No ,

44
NDIAYE, Catherine - A Coquetterie ou a Paixo do Pormenor. Lisboa: Edies 70,

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ARQUITECTURA POPULAR A arte popular portuguesa no arranjo dos interiores
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia domsticos: uma poltica de nacionalizao
das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

pois, por acaso, que as reportagens jornalsticas sobre as mostras de arte


rstica organizadas pelo SPN, testemunhem tantas vezes sentimentos de
enlevo e ternura 45. Os artefactos exibidos e propagandeados pelo SNI, pela
mincia e delicadeza das formas que lhe estavam associados, constituam
de facto objectos de afecto e desejo. Nesta medida, a entrada deste universo
de preciosas insignificncias -- assim Augusto Pinto designava a arte
popular portuguesa46 -- nas casas da classe mdia, permitiria transferir para
o seu espao domstico esse doce enlevo suscitado pelos artefactos rurais
aquando das exposies. Mas, mais do que isso: porquanto estes mesmos
artefactos eram divulgados por etngrafos e pelo SPN como emanaes
da essncia nacional -- Portugal todo que ali est47, escrevia-se nos
jornais a propsito da exposio de 1936 -- os sentimentos de adeso
amorosa por eles suscitados estendiam-se prpria nao. Atravs do uso
da arte popular na decorao de apartamentos urbanos e casas de campo,
era pois a prpria ptria que se insinuava no quotidiano das classes mdias
enquanto objecto familiar, de afeio diria.

Bibliografia
ALVES, Vera Marques - A Poesia dos Simples: Arte Popular e Nao no Estado Novo.
Etnogrfica, Vol.11, n1 (2007), p.6389.
ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Folclorista
do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais, 2013.

1989 [1987].
45
Cf. ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica Folclorista
do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais, 2013,
pp. 180-81.
46
PINTO, Augusto - Quelques images de lart populaire portugais. In Quelques images
de lart populaire portugais, Lisboa: SPN, 1937, s/p.
47
Cit. In ALVES, Vera Marques - Arte Popular e Nao no Estado Novo. A Poltica
Folclorista do Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa: Imprensa de Cincias
Sociais, 2013, p.79.

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ARQUITECTURA POPULAR A arte popular portuguesa no arranjo dos interiores
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia domsticos: uma poltica de nacionalizao
das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

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CUNHA, Augusto - Os Grandes Valores Tursticos Nacionais: Pousada de So Gonalo
no Maro. Panorama, n.11 (1942), p.3435.
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Propaganda Nacional. Cartaz, Junho/Julho de 1936, s.p.
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ARQUITECTURA POPULAR A arte popular portuguesa no arranjo dos interiores
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia domsticos: uma poltica de nacionalizao
das classes mdias nos anos 30 e 40 do sculo XX
Vera Marques Alves

PINTO, Augusto - Quelques images de lart populaire portugais. In Quelques images de


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Paris: Maisonneuve et Larose, 1985,p.1933.

163
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TRADICION SIGNIFICA CAMBIO
ARQUITECTURA POPULAR Sobre la arquitectura popular en la Espaa
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
del primer tercio del XX
Carlos Sambricio

TRADICION SIGNIFICA CAMBIO


Sobre la arquitectura popular en la
Espaa del primer tercio del XX

Carlos Sambricio
csambricio@hotmail.com
Universidad Politcnica de Madrid

Si en la segunda mitad del siglo XIX los trminos localismo,


costumbrismo, pintoresquismo o folclore fueron recursos para justificar
particularidades propias de la recin inventada nacin, en la primera
mitad del XX la referencia a una imprecisa arquitectura popular sirvi
para avalar cuestiones tales como arquitectura nacional, verncula, re
gionalismo, tradicin o tipismo, cuando no raza. El folclorismo haba
surgido en el XIX con objeto de estudiar -desde un punto de vista cient
fico- los conocimientos y manifestaciones del pueblo: al poco, sin embargo,
la referencia a la arquitectura popular (como ocurriera con la historia de la
arquitectura) se plante no solo como elemento diferenciador sino tambin
desde una perspectiva nacionalista que buscaba configurar la identidad
de lo propio. En 1890 Demfilo (el folclorista, padre de los poetas
Antonio y Manuel Machado) entenda que era el pueblo quien guardaba la
tradicin y que los postergados valores populares deban ser fuente de una
nueva cultura. La contradiccin fue que vivieron quienes se interesaron
por aquella arquitectura popular fue que, tras proponerse en un principio
como reflejo de un positivismo que buscaba conocer las manifestaciones
ms genuinas de un pueblo, al poco su estudio se planteara como la ant
tesis de la labor de investigacin cientfica.

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ARQUITECTURA POPULAR Sobre la arquitectura popular en la Espaa
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Carlos Sambricio

En apenas 40 aos la invocacin a la arquitectura se hizo desde muy


distintas perspectivas: una inicial reivindicacin de esta como expresin
de la raza haba aparecido, como ha estudiado Muoz Torreblanca, en
la Exposicin Internacional de 1851, cuando en la seccin etnogrfica
se mostraron imgenes taurinas, primer ejemplo de lo que luego serian
estereotipo habitual de Espaa1, entendiendo que la idea racista y na
cionalista -marcada por la recuperacin del patrimonio local- implicaba
que cultura popular y cultura nacional eran sinnimos en la prctica.
El quiebro aparecera cuando la pers pectiva rous seauniana del bon
sauvage evolucion hasta entender que las classes laborieuses eran clas
ses dangereuses2 razn por la que era preciso no ya estudiar el folclore
(esto es, proponer lo popular como referencia caracterstica a la raza) sino
redefinir un estilo nacional capaz de representar y reflejar la identidad de
una burguesa que se quera portavoz de valores tradicionales. Si en el
XIX el folklorismo se reclamaba como testimonio de un pasado, en el
XX la referencia a la arquitectura verncula fue rechazada por quienes
-calificando esta de pastiche- consideraron no era sino la hipcrita res
puesta de quienes rechazaban la modernidad. Pero frente a ellos, otros
(desde la inci piente van guardia) entendieron que dicha arqui tectura
popular era punto de partida de quienes buscaban no solo la racionalidad
formal sino, y sobre todo, la constructiva.
Javier Rivera ha sealado como la institucin Libre de Enseanza y
los escritores de la generacin del 98 elevaran su consideracin al
rango de categora esttica dentro de una conciencia regeneracionista

1
Marina Muoz Torreblanca La recepcin de lo primitivo en las exposiciones cele
bradas en Espaa hasta 1929. Tesis Doctoral, Departament dHumanitats. Institut
Universitari de Cultura. Universidad Pompeu Fabra. 2009, Consultado el 9 noviembre
2015 http://hdl.handle.net/10803/7450
2
Louis Chevalier,Classes laborieuses et classes dangereuses Paris pendant la premire
moiti du XIXe sicle, Paris, 1958, Plon, rd. Perrin, 2002.

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como bsqueda de lo esencial y permanente de la cultura espaola con


sus diversidades e identidades regionales3. En el proceso de cambio
hubo quienes vieron la tradicin como alternativa al peligro que -para
ellos supona la civilizacin moderna (esto es, liberalismo, democracia o
socialismo), identificando lo popular con el sentimiento nacionalista. En
un momento en el que la lucha de clases se presentaba como conflicto entre
civilizacin y barbarie, el obispo gerundense Torras i Bages entendi que
el regionalismo tradicional implicaba la desaparicin de todo tipo de libe
ralismo, lo que le llev a reclamar lo que entenda era el orden natural de
la sociedad o, lo que es lo mismo, el orden jerrquico, autrquico y rural
cristiano existente en la edad media. Entendiendo que la lengua es el
pueblo propondra retornar a aquel pasado no copindole sino recuperando
la marcha del desarrollo artstico all donde el XVI la haba interrumpido,
reanudando tradiciones, adoptando principios, al entender que estos eran
las pautas de un arte nacional autctono. Frente al costumbrismo, nacido
como contradiccin entre pasado y presente (entre la historia y la iner
cia) hubo tambin quienes entendieron raza, religin y nacionalismo como
ideas de un tronco comn por lo que identificaron arquitectura popular con
la bsqueda de la identidad de la raza, pretendiendo encontrar en el pasado
unas inventadas seas de identidad. Simultneamente el tema se afront
desde criterios tan distintos como la preocupacin por definir un estilo
nacional -contrario al efmero, a la moda reclamada por el parvenu-
o como respuesta de las clases agrarias acomodadas frente al desarrollo
industrial de las urbes. Pero hubo ms: al poco de iniciarse el siglo XX
habra quien reivindicara lo castizo, entendiendo por tal la referencia
unamuniana por la que casta significaba pureza.
Si para Torrs de entre todos los vnculos sociales, a excepcin de

3
Javier Rivera Blanco La investigacin de la arquitectura popular desde las fuentes
documentales. Materiales historiogrficos y el archivo de la Real Chancilleria de Valla
dolid en Arquitectura popular de Castilla y Leon, Universidad Valladolid, 1992, p.107.

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la religin, la lengua es el ms fuerte4 y la Catalua de Eugenio dOrs


reclamaba la mediterraneidad, poco antes -en 1890- Castilla haba
exaltado a Diego de Velzquez, reivindicado al Greco y publicado la
edicin paleogrfica del Cid, conmemorando en 1905, el Centenario de
El Quijote. La exaltacin tanto del catalanismo como del castellanismo
(identificando este con espaolismo) se plante tanto cuando en Ca
talua se abra la polmica sobre como remediar la despoblacin de las
comarcas rurales catalanas como cuando en Madrid el Gobierno de Maura
precisaba como actuar, en el marco de la Ley de Colonizacin de 1907,
proponiendo la Sociedad Espaola de Higiene -en sus Premios de 1909- el
estudio sobre El Hogar en las Hurdes5. En ambos casos el folklorismo
de Demfilo daba paso a una nueva forma de entender tanto tradicin
como arquitectura popular: y frente a quienes teorizaban sobre La
Metrpolis y la vida intelectual6 (esto es, comprender que era la ciencia
y que el presente) otros reclamaron el modelo medieval -al entender que
los edificios antiguos deban conservarse, si bien aislados- rechazando as
el individualismo y optando por la idea de comunidad.
varon el debate sobre la arquitectura popular no solo hacia el
Lle
nacionalismo sino tambin hacia la restauracin de conjuntos urbanos: de

4
Benjamn Oltra La ideologa nacional catalana, Barcelona, Anagrama 1981, p.43.
5
Sobre la despoblacin de las comarcas catalanas, ver Ignacio Fages La despobla
cin de las comarcas rurales catalanas, La Vanguardia, 25 junio 1922, p.12; sobre la
ley de Colonizacin de 1907, Jos Luis Oyn Banales Colonias agrcolas y poblados
de colonizacin. Arquitectura y vivienda rural en Espaa (1833 - 1955) Tesis Doctoral
Universidad Politcnica de Barcelona Abril, 1985, Sobre las Hurdes, ver Colonizacin y
repoblacin interior. Memoria que eleva el gobierno de S.M. a las Cortes, Madrid, 1909,
p.14.
6
Georg Simmel Die Grosstdte und das Geistesleben, Dresden: Petermann, 1903. Existe
edicin en castellano Las grandes urbes y la vida del espritu en Georg Simmel, El
individuo y la libertad: ensayos de crtica de la cultura Barcelona: Ediciones Pennsula,
1986, pp.247-61.

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este modo, Puig i Cadafalch en Catalua y Vicente Lamprez en Madrid


encararon -a comienzos del siglo- sus estudios sobre la ciudad medieval
convencidos que en aquella los problemas urbanos estaban resueltos,
poniendo en valor piezas (Iglesia, plaza, castillo) que identificaban con
la tradicin, chocando con la opinin de Torres Balbs sobre la necesidad
de preservar la estructura urbana de los ncleos histricos, al entender esta
como espritu nacional del pueblo.
En 1911 Lamprez sealaba como la tendencia dominante en el panorama
arquitectnico era la imitacin de lo extranjero, desdeando la historia.
Propona en consecuencia adaptar los estilos nacionales o, lo que es
lo mismo, modificar los principios tradicionales para hacerlos aptos a la
vida actual, configurando un genuino arte espaol capaz de oponerse
al extranjerismo. Tradicin era, para l, estilo evolutivo mientras
que para otros arquitectura nacional representaba la expresin nostlgica
de un pasado grandilocuente. Reclam adaptar y adecuar principios
presentes a la tradicin nacional lo que implicaba estudiar primero la
tradicin medieval espaola para luego extraer principios validos para
el presente. Entenda que geografa, clima o idiosincracia de la raza
eran determinantes en la formulacin de la arquitectura, identificando -en
consonancia con un Menndez Pelayo, influido por Herder- tradicin con
patria local7. Consciente de cmo otros proponan contemporneamente
el concepto arquitectura regionalista como expresin de una arquitectura
sedicentemente culta, contraria al de arquitectura popular, Lamprez
choc con quienes, como Rucabado y Anbal Gonzlez, optaban por
un sedicente regionalismo basado en enfatizar elementos arquitectni

7
La relacin de Lamprez con Menndez Pelayo se produjo a travs de la mujer del
primero, Blanca de los Ros, brillante discpula del segundo. Sobre la influencia de Her
der en Menndez Pelayo, ver Pedro Sainz Rodrguez Evolucin de las ideas sobre la
decadencia espaola Madrid Ediciones Rial, 1962, en particular p.462 as como Luis
Araquistain El pensamiento espaol contemporneo, Buenos Aires, Losada 1968.

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cos extrapolados de la funcin para la que fueron concebidos: porque al


reinterpretar su uso, crey regenerar asi la arquitectura.
Al convertir Rucabado su arquitectura en expresin de clase y edificar
para esta en las reas ms representativas de una ciudad en expansin, se
convirti en blanco de crticas: Lamprez -que haba propuesto el estudio
de la arquitectura histrica en paralelo a los estudios sobre la vivienda
popular- critic aquella arquitectura por ser incapaz de extraer principios
racionales de la tradicin. Del mismo modo, y frente a una arquitectura
que se quera moderna (extica, la definira Lamprez) un joven Ortega
y Gasset se enfrent con quienes buscaban volver a un pasado que nunca
haba existido al comentar como existen algunos que reivindican la
tradicin: pero son ellos precisamente los que no la siguen porque tradicin
significa cambio aadiendo como...en las calles de Madrid encontramos
cada da mayor nmero de casas madrileas. Parejamente, Sevilla se est
llenando hasta los bordes de sevillaneras. Ahora vamos a preguntarnos
si es ste un hecho reconfortante o desesperante8. Censuraba el deseo del
parvenu por construir casas de estilo apuntando como la referencia a
estilos nacionales o de raza supona guardar fidelidad a una indefinida
tradicin castiza. Pero no solo Ortega sino tambin Unamuno opin al
reclamar el casticismo, chocando tanto con los estilos reivindicados
por Lamprez como con el regionalismo Rucabado al entender que la
tradicin supona el estancamiento de los pasados.
Si para Lamprez y Rucabado la referencia la tradicin supona dar nueva
expresin a viejos problemas, para Torres Balbs la arquitectura popular
era el punto de reflexin sobre el que definir la moderna arquitectura.
Sin solo centrarse en la proteccin de monumentos histricos extendi
su preocupacin a la arquitectura cotidiana, enfrentndose a la idea de

8
Jos Ortega y Gasset Nuevas casas antiguas en El Espectador VI (1927) Obras
Completas, t.II, pp.654.

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artificialidad y llevando su preocupacin a las instalaciones agrarias,


consciente de cmo la Ley de Colonizacin y Repoblacin Interior en
1907 -tras incluir en la propuesta diversos modelos de viviendas rurales-
haba identificado arquitectura popular con arquitectura humilde, Co
nocedor del debate abierto en Alemania por quienes, desde el Consejismo,
sealaban como el viejo arte de albergar a los hombres est en com
pleta decadencia y que...la arquitectura clsica, la que levanta los edifi
cios de nuestras ciudades, es un arte viejo Torres Balbs reclamara un
arte nuevo afirmando tanto Arte y pueblo deben constituir una unidad
como el arte no debe ser nunca ms el placer de unos pocos sino la
vida y la felicidad de las masas. En trabajos publicados en 1919 precisara
cmo con la mayor indiferencia concebimos hoy los grandes edificios
modernos: ministerios, palacios, bancos, casas de alquiler y de comercio,
fbricas, etc. A qu gran ideal obedece su construccin? El pueblo a
su vez, asiste indiferente a su construccin. La arquitectura ha llegado
a ser la menos popular de todas las artes, cuando por su esencia es la ms.
Y actualmente, todo lo que creamos con ese nombre, son elucubraciones
de nuestras inteligencias eruditas y pedantescas de las que est ausente
por completo el alma popular y colectiva. Frente a ello indicara los
ideales modernos conmueven la sensibilidad colectiva y pueden llegar a
ser fecundos para el arte. Es el primero la idea de progreso humano en
marcha continua capaz de ir dominando el tiempo y el espacio. Es el otro
ideal la redencin de los parias, de los miserables, el derecho de todo ser
humano a alcanzar una vida en la que, libre de la miseria y la injusticia,
pueda disfrutar de los goces y tormentos de la inteligencia y del arte. Ideal
ms abstracto que el primero, no ha alcanzado an su interpretacin en
formas arquitectnicas9.

9
Leopoldo Torres Balbs Las nuevas formas de la arquitectura Arquitectura, n14,
junio 1919, pp.144148.

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Parta, en su razonar, del desconocimiento que la burguesa tena de su


propia historia, ignorancia que se reflejaba al fomentar intervenciones
radicales en las ciudades histricas, jerarquizando la pieza sobre la trama
urbana. Enfrentado a una Academia no solo ignorante de su pasado sino
desconocedora de cuanto suceda en Europa (como lo prob el unnime
aplauso al Cementerio Ideal que Anasagasti envi desde Roma,
ignorando que el mismo no era sino vulgar plagio de Arnold Bcklin) la
reflexin sobre la moderna arquitectura popular solo fue posible gracias
al crecimiento y desarrollo que experimentaron las capitales espaolas
con ocasin de la I Guerra Mundial. Cuando la ciudad del Ensanche de
cimonnico buscaba definir su extensin sucedi que -tanto en Barcelona
como en Madrid- frente a quienes proponan una cultura metropolitana
hubo tambin quienes criticaron la imagen de la gran ciudad: as, Cebri
de Montoliu reclam en Barcelona la vida rural mientras que en Madrid
un PSOE prximo a Henri Sellier donde, tras sealar como la gran ciudad
no era referencia para el trabajador, reivindicaba los conceptos calle y
barrio al valorarlos como espacios fundamentales en la vida del obrero.
En idntica lnea, Azorn o Pio Baroja se manifestaran contrarios a la
cultura metropolitana, expresando Unamuno en Campo y ciudad su
rechazo a la urbe por cuanto -afirmaba- la superficialidad haba inventado
la moda o, lo que es lo mismo, la monotona del cambio.
En 1918 Ams Sal vador comentara como la realidad arqui tect
nica
espaola discurra por caminos bien distintos a los que haba tomado en
otros pases sealando cuando, en este afn de renovacin que trabaja
en nuestra Espaa desde el 98, se quiso encontrar una orientacin para la
Arquitectura patria, surgieron dos tendencias: la de los que opinaban que
haba que esforzarse por encontrar los caracteres de un estilo moderno,
ensayando audaces innovaciones, tanteando entre importaciones acepta
bles a nuestra personalidad artstica y tendiendo a un cosmopolitismo y a
una universalidad de nuestro Arte, y aquella otra de los que estimaban que

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no podamos romper con la sucesin tradicional ni con la evolucin natural


de nuestros estilos, que haba que aunar las pocas de nuestro esplendor
arquitectnico con los tiempos actuales, debiendo llegar as a un estilo
de sabor nacional, castizo y caracterstico10. Cuando todava la reflexin
de Lamprez o la actividad de Rucabado estaban vigentes una importante
referencia extranjera -el Congreso celebrado en Londres sobre Edificacin
y Urbanismo11 en 1920- tuvo una ms que importante influencia no solo
en Torres Balbs sino tambin en otros (Montoliu o Rubi i Tudur, en
Barcelona; Lpez Valencia y Amos Salvador, en Madrid; Ricardo Bastida,
en Bilbao) que comprendieron como la reconstruccin de Europa, tras la
I Guerra Mundial, recondujo el debate sobre la arquitectura popular hacia
la vivienda social, convirtiendo aquella reflexin en base de la moderna
arquitectura espaola.
Cebri de Montoliu fue quien primero busc pautas de modernidad en la
arquitectura europea al publicar, en 1910, un estudio sobre la Exposicin
Universal de Construccin Cvica organizada por Hegemann en Berln. Al
poco, el mismo Montoliu opinaba sobre el Congreso celebrado en Gante
(en 1913) para luego, tras las destrucciones causadas por la Guerra en dicho
pas, estudiar cmo se afront dicha reedificacin. Aquella reconstruccin
permiti a Montoliu -en Cvitas- as como a Gonzlez del Castillo -en La
Ciudad Lineal- una interpretacin de lo popular distinta a la poco antes
expresaron quienes entendan lo popular bien en clave de diferenciacin,
bien reflejo de homogeneidad de un pas o regin12. Reconstruir implicaba

10
Amos Salvador. Anuario de 1918 de Arquitectura y Construccin.
11
Carlos Sambricio De la colonia de casas baratas a la ciudad satlite; del Extrarradio
al Plan Regional: Madrid 1910-1929 en Madrid, Vivienda y Urbanismo: 1900-1960.
De la normalizacin de lo vernculo al Plan Regional. Madrid, Akal 1998, n.43 donde
aparecen referencias a los comentarios sobre dicho Congreso que aparecieron en la
prensa espaola.
12
Cebri de Montoliu El Congreso y la Exposicin Internacional para la Reconstruc

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definir poblados industriales y poblados agrcolas, supeditando ambos a


las necesidades del pas e integrndolos en un plan regional en el que
la arquitectura asuma el debate sobre normalizacin y estandarizacin
abierto por los partidarios del Werkbund alemn, distancindose ya del
formalismo pintoresquista. Tras sealar como las urbes deban depender
del territorio (del mismo modo que los ncleos satlites agrarios deban
asumir la ley que ha de regular su propia vida y su desarrollo futuro,
evitando naturalmente aquellas soldaduras que son la negacin misma
de todo proceso orgnico) los ncleos rurales reclamados por Montoliu
nada tenan en comn con los que Torras i Bages haba propugnado
aos antes. Desde tal supuesto, el Congreso de Londres permiti a un
pequeo ncleo de arquitectos vascos, catalanes y madrileos encarar la
construccin de la vivienda social desde la perspectiva de la arquitectura
popular, trasladando as -como reclamara Torres Balbs- el debate sobre
la arquitectura verncula -tradicionalmente vinculada al mundo rural- con
el mbito urbano.
El Congreso de Londres posibilit a los arquitectos espaoles entender la
necesidad de trastocar el proceso de construccin de viviendas econmi
cas porque, frente a la inventada arquitectura regionalista, se hizo ver
cunto lo popular dejaba de ser referencia formal para convertirse en
instrumento capaz de dar soluciones arquitectnicas precisas a problemas
concretos. El estudio de las tipologas de viviendas populares se llev a
trmino en paralelo al estudio sobre el uso de los materiales, plantendose
la normalizacin de detalles constructivos utilizados y perfeccionados
durante generaciones: y buscando llevar los criterios tayloristas sobre la
Organizacin Cientfica del Trabajo a la construccin de casas baratas,

cin Cvica de Blgica Cvitas, julio-1915. Hilarin Gonzlez del Castillo Exposicin
universal de Gante La Ciudad Lineal, ao XIX, n 562, 10-julio-1914, p. 283 asi como.
Exposicin urbana para la reconstruccin de ciudades. La Ciudad Lineal, ao XXIII,
n 687, 10 diciembre 1918, pp.193-95.

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Carlos Sambricio

tanto Montoliu como Torres Balbs, Amos Salvador, Miguel ngel


Navarro, Ricardo Bastida y algn otro propusieron un mobiliario popular
(entendido como ajuar de viviendas sociales) susceptible de ser pro
ducidos en serie, experiencia que implicaba reunir ...lo poco que queda
de tradicional en la industria espaola13 buscando con ello no abaratar
costos sino incentivar la industria local.
Desde 1918 las revistas tcnicas espaolas informaron sobre viviendas
construidas en hormign, tanto en Inglaterra como Holanda o Estados
Unidos. En esta lnea Enrique Cols haba teorizado sobre la nueva esttica
del hormign, Eugenio Ribera reivindic la sinceridad constructiva de di
cho material apuntando como los arquitectos deban buscar -en el cemento-
el estilo del siglo XX y Eugenio Gallego glos -desde La Construccin
Moderna- las ventajas del llamado piso rpido comentando los primeros
modelos de casas coladas realizados mediante aplicacin de sistemas
de piezas compuestas14. Tales comentarios se producan no solo cuando
Espaa viva una recesin econmica (al reconstruir su economa los pases
que poco antes estaban en Gguerra la primera consecuencia fue dejar de
adquirir bienes en Espaa, primando su propia industria) sino cuando la
construccin de las viviendas econmicas se hizo no desde el experimen
talismo formal sino desde la voluntad por normalizar lo vernculo15. Pero
hubo ms: en Londres se debati sobre la poltica que los gobiernos deban

13
El texto de Navarro Industrializacin de los sistemas modernos de construccin
se present al VIII Congreso Nacional de Arquitectos de 1919. Ver la referencia de La
Construccin Moderna 30 enero 1920, pp.23 y 1620.
14
Enrique Colas Hacia una nueva esttica del Hormign, El Sol, 21 mayo 1920, p,12;
y Hacia una nueva esttica; las casas de hormign colado en Arquitectura 1919, p.287.
Eugenio Ribera Recuerdos personales sobre el hormign armado, Hormign y Acero,
mayo 1934; Eugenio Gallego Pruebas con el piso rpido, La Construccin Moderna,
1922, p.367.
15
Carlos Sambricio La normalizacin de lo vernculo en Madrid, Vivienda y Ur
banismo: 1900-1960, op.cit.

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llevar a trmino, diferencindose las competencias del Estado de las que


se buscaba asignar al sector privado, abriendo en consecuencia el debate
entre partidarios y contrarios de regular la intervencin de los poderes
pblicos en la ciudad.
En una Espaa donde, durante la IGM, la industria espaola se haba
incrementado de manera ms que notable, la recesin tras la misma
llev al Gobierno a conciliar posiciones entre empresarios y sindicatos,
convocandose en 1923 la Conferencia Nacional de la Edificacin
entendiendo que la solucin al estancamiento del pas era fomentar la in
dustria de la edificacin. Muthesius (difundido en Espaa por Lacasa)
haba planteado en 1914 la tipificacin de los elementos: cconsciente la
patronal espaola cunto la Ley de Casas Baratas de 1911 haba resultado
un fiasco, facilitar el acceso a la vivienda a quienes carecan de ella era
ajeno a la voluntad por activar la industria de la construccin. Como
reflejo, dicha patronal public revistas (Hogar propio, El Constructor,
El Eco Patronal, La Construccin Moderna) centradas en la difusin
de experiencias europeas o americanas, divulgando estudios sobre el
comportamiento de los nuevos materiales y dando a conocer no solo la
experiencia de msterdam sino enfatizando el hecho que un sptimo del
total de las viviendas construidas en serie en Inglaterra lo eran en hor
mign...16.
Se llegaba a la modernidad sin por ello abandonar la reflexin sobre la
tradicin pero si abandonando lo que antes se haba entendido como ar

16
Desde 1918 aparecieron en las revistas espaolas noticias sobre casas baratas de
hormign armado. Ver, por ejemplo, el aparecido en La Construccin Moderna, 1918,
p.130, en Revista de Obras Pblicas, 1918, p.432 o los trabajos de Montoliu El laborismo
britnico y la reconstruccin social en Estudio, n66, 1918, La reconstruccin.
Estudio, n80, 1919; La reconstruccin posblica en los Estados Unidos. Estudio, n76,
1919, pp.93-102. Sobre las opiniones de Miguel ngel Navarro, Industrializacin de los
sistemas modernos de construccin. VIII Congreso Nacional de Arquitectos, 1919. La
Construccin Moderna, XVIII, 30 enero1920, pp.16-20.

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quitectura histrica. Sin embargo, se chocaba igualmente con los nuevos


lenguajes formulando en 1923 Torres Balbs una dura crtica a un joven Le
Corbusier al censurar el formalismo existente en sus proyectos y proponer
tomar lo popular como punto de partida, lo que supona no solo sim
plificar y estilizar la arquitectura popular sino tambin su normalizacin
y estandarizacin. Espaa llegaba a la modernidad no desde un abstracto
debate terico sobre la desornamentacin sino desde la necesidad por
edificar, a corto plazo, viviendas econmicas partiendo para ello, como
base, del estudio de lo popular.
Reflexiones poco antes inimaginables (reclamar la repeticin en la
arquitectura; fomentar la construccin en serie; reivindicar la estandarizacin
o, incluso, la prefabricacin de piezas transportables) coincidentes con
las preocupaciones de la joven vanguardia europea eran ahora glosadas en
Espaa no por arquitectos sino por la patronal de la construccin. Dicho
de otro modo, la modernidad arquitectnica a comienzos de los 20 lleg
propiciada por la patronal mientras que arquitectos que solo pocos aos
antes (Anasagasti, por ejemplo, al difundir el futurismo de Marinetti)
aoraban el experimentalismo formal, rechazaban ahora la repeticin
que permita construir viviendas sociales econmicas al entender que con
la edificacin en serie se perda el carcter artstico y nico de la arqui
tectura. Al tiempo, la burguesa que edificaba sus viviendas asumiendo
el regionalismo propugnado por Rucabado (y tanto da nos refiramos a
su arquitectura montaesa, a los sevillanismos de Anbal Gonzlez o
a los caseros vascos que Jos Poss presentara como caractersticos de
Vizcaya y Guipzcoa) impona que las nuevas viviendas econmicas se
proyectaran partiendo, precisamente, de la arquitectura popular. Coherente
con ello, en 1925 se construa en Pars-en Exposicin de Artes Decorativas-
un pabelln de Espaa con reminiscencias historicistas que, pese a ser
criticado por no aportar a la arquitectura moderna, tuvo -segn la prensa
espaola-gran xito de pblico al enlazar con l villaje franais presente

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en la misma Exposicin. Y no fue un ejemplo aislado, porque en la Ex


posicin Internacional de Filadelfia celebrada un ao ms tarde, de nuevo
el Pabelln espaol recordaba la imagen de los pueblos andaluces17.
El Pars de 1925 sirvi para que algunos arquitectos espaoles pudiesen
contrastar la arquitectura del citado pabelln con los construidos por URSS
o Le Corbusier, pronunciando Bergamn su tantas veces citada frase aqu
no se mueven ni las hojas de un rbano. Modernidad arquitectnica?
Si aceptamos, como en esos mismos aos apuntaba Mies van der Rohe,
que arquitectura es la voluntad de la poca, traducida a espacio resulta
evidente que no cabe calificar las viviendas industrializadas como
arquitectura moderna por cuanto nunca se discuti sobre cul deba ser
su programa de necesidades ni se plante la reflexin sobre la forma de
construir de la arquitectura popular. Las viviendas prefabricadas fueron
slo respuesta de la ingeniera no al debate sobre que deba ser la clula
habitacional sino respuesta a la crisis que atenazaba a la industria de la
construccin. Desde tal criterio, una de las revistas de la patronal, La
Construccin Moderna public -con el ttulo Es la arquitectura rama del
ingeniera?- un anlisis de los trminos arquitectura e ingeniera18.
En torno a 1926 el gobierno de Primo de Rivera dio un giro en su poltica
econmica: la industria de la construccin abandonaba la antes propuesta
industrializacin de la vivienda econmica al afrontar temas tan distintos
como la electrificacin de la red ferroviaria, la ley de firmas especiales o
impulsar la creacin de confederaciones hidrogrficas. Ante la magnitud
y escala de tales proyectos, las pequeas y medianas empresas que antes
propusieron la industrializacin de la vivienda dieron paso a las que, durante

17
Solemne inauguracin del pabelln de Espaa en la Exposicin de Filadelfia ABC,
21 noviembre 1926, p.8.
Nicols Mariscal No es la arquitectura rama de la ingeniera La Construccin
18

Moderna, 1925, pp.292-94.

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dcadas, seran las grandes empresas constructoras espaolas (Agromn,


Huarte, Entrecanales). El quiebro en la poltica econmica forz -en la
segunda mitad de la dcada de los 20- un nuevo inters por lo popular
y las mismas fuerzas conservadoras que poco antes -ajenas a cualquier
preocupacin arquitectnica- haban reclamado la industrializacin de
la vivienda unifamiliar, buscaban ahora una imagen de lo popular con
la que identificarse. Definindose como creativas, forzaron convertir
lo artstico en imagen poltica buscando as involucrar a una clase
media baja en un movimiento de carcter urbano (la Unin Patritica
de Primo de Rivera) no solo capaz de definirse como anti-moderno sino
tambin -al reinterpretar la tradicin popular o, lo que es lo mismo, su
arquitectura- como propuesta capaz de revitalizar la Nacin. De este
modo en los aos finales de la dcada se produjo la gran revalorizacin
de la arquitectura popular por eruditos locales, antroplogos y arquitectos.
Felipe Cortines estudio el regionalismo sevillano; Pablo Gutirrez Moreno
difundi la arquitectura popular andaluza; Pedro Guimn, Jos Poss y
luego Pedro Muguruza estudiaron las caractersticas de lo vernculo en
el Pas Vasco y muchos otros lo hicieron sobre la arquitectura popular en
Aragn, Valencia, bajo Ampurdn19. Prueba que aquella reflexin fue

19
Sobre la arquitectura regionalista en Sevilla ver el imprescindible texto de Alberto
Villar Movelln Arquitectura del regionalismo en Sevilla (1900-35) Diputacin Pro
vincial de Sevilla, 1979. Inmediatamente despus de la Gran Guerra fueron muchos los
trabajos publicados sobre arquitectura popular: por ejemplo, La casa alto-aragonesa
Arquitectura, febrero 1919, p.40; El Tipismo y la realidad histrica, El Sol, 4 enero
1924; Pablo Gutirrez Moreno Caseros sevillanos de hacienda de Olivar Arquitectura,
marzo 1919, p.63 y abril 1919, p.93.

Sobre la arquitectura popular en el Pas Vasco ver, por ejemplo, Tendencia plausible de
los arquitectos vascos en La Construccin Moderna, 1913, pp.17-19; . Higienizacin de
la vivienda rural La Construccin Moderna, 1923, pp.157-158. Asi como los trabajos de
Jos de Poss La adquisicin y reforma de los caseros. Iniciativa de la Caja de Ahorros
Municipal de Bilbao, La Gaceta del Norte, 17 diciembre 1922, p.1 asi como, del mismo,
La Diputacin establece un concurso para fomentar la construccin de caseros en los
pueblos, La Gaceta del Norte, 8 noviembre 1922, p.2; El problema del Casero en

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-si cabe decir- auspiciada oficialmente lo prueba tanto la convocatoria de


un concurso sobre La vivienda en el campo y la ciudad hecha en 1926
por la Real Academia de Ciencias Morales y Polticas como que, en el
mismo ao, en la Exposicin
propiciada por el gobierno sobre La Ciudad y la vivienda moderna se
planteara tambin un concurso de arquitectura sobre La casa regional20.
Pero hubo otro hecho que incidi de manera clara en el cambio: la reforma
de los planes de estudios en las escuelas de de Arquitectura.
En el nuevo Plan, la enseanza de la Historia cobr importancia apuntando
Torres Balbs como, previo al estudio de conjunto de la vivienda popular
en Espaa, era preciso contar con monografas regionales y locales
sin las que es aventuradsimo acometer el anlisis de las construcciones
populares con algunas pretensiones de rigor cientfico. Contrario a
quienes mitifican y estropean nuestro pasado artstico aprovechndolos
sin inteligencia ni arte en las modernas construcciones, desde la Ctedra
de Historia de la Arquitectura en la Escuela de Madrid comentara, citando

Vizcaya, La Gaceta del Norte, 19 diciembre 1922, p.1; El problema de la habitacin


rural en Vizcaya. Necesidad de obra urgente de higienizacin del casero, La Gaceta del
Norte, 30 junio1923, p.1 asi como Cooperativas de construccin de viviendas y lonjas
econmicas para pescadores, en Asamblea de Pesca Martima Vasca, San Sebastin
1925, rrecopilacin de Trabajos, Imprenta de la Diputacin de Guipzcoa, Donostia,
1928, pp.391-439.
Asi mismo, Pedro Guimn El casero vasco, Arquitectura, n13, mayo 1919, pp.120-
124 y El alma vasca en su arquitectura. Arquitectura regional popular moderna
Arquitectura, 1924, pp.166-173.
20
La Exposicin de la Ciudad y la vivienda moderna, Boletn de la Sociedad Central
de Arquitectos, n230, 30 junio 1926, pp.34 seala como el concurso de casas regionales
inclua dar respuesta al mobiliario, decoracin y menaje. Igualmente, El Constructor,
n33, julio 1926, pp.554-556. Frente a tal opinin, ver Hilarin Gonzlez del Castillo La
casa del obrero El Socialista, 12 marzo 1926, p.4 o La casa grata, El Sol, 5 diciembre
1926, p.8. Zardoya (Director de El Constructor, revista de la Patronal) estableci en
aquella misma revista que deba ser La decoracin en la casa del obrero. ver n36,
octubre 1926, pp.683-686.

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a Chesterton, como ...tan slo los humildes conservan sus tradiciones; los
aristcratas se rigen nicamente por la moda21. Coherente con tal opinin
ocurre que, desde la incipiente vanguar dia arquitectnica madrilea,
tambin habr quien -contrario al formalismo- alce la voz reclamando
volver la mirada a lo popular, al entender que esta debe ser la pauta a
seguir. En este sentido es sabida la ancdota de cuando Garca Mercadal -a
travs de La Gaceta Literaria- desarroll su encuesta sobre la moderna
arquitectura: entre los entrevistados figur Luis Lacasa y su respuesta a
la pregunta Quin cree usted que est en lo cierto? Oud, Poelzig o Le
Corbusier? Fue contundente respeto el racionalismo y el instinto, el
Partenn y los hangares de Orly, el arte intelectual y el popular y, sobre
todo, admiro a Tessenow, el arquitecto humilde. Si en otro momento el
mismo Lacasa haba opinado de manera radical sobre Le Corbusier (
es una simple periferia intelectual de la actividad arquitectnica) su
reivindicacin de la sabia humildad de Tessenow enlazaba con la nueva
visin de que deba ser la arquitectura moderna. Como haba sealado
el alemn... tal vez nunca el destino de un pueblo dependi tanto, como
hoy el nuestro, de la capacidad de reconocerse en la propia tradicin po
sitiva... Y surge de ello la evidencia que lo que ms amamos de todo lo que
hacemos es lo que remite a nuestra tradicin burguesa. Al sealar esto, no
solo rompa con el concepto de tradicin entendido desde el Seele (alma
imperecedera ...valor cuya posesin es un orden ms espiritual que formal)
sino que encaraba su estudio desde un proceso racional. Tras apuntar
como la preocupacin del arquitecto no deba ser ya repetir soluciones
tradicionalistas ligadas a la raza, entendi que tradicin implicaba
tanto la reflexin sobre los mtodos constructivos como la apropiacin
de soluciones especficas, esbozndose as una primera tipificacin de los

21
Carlos Sambricio oLa normalizacin de lo vernculo op.cir, n.44.

181
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elementos constructivos22.
En 1929 se celebraron tanto la exposicin Iberoamericana de Sevilla como
la Internacional de Barcelona. Cierto que esta ltima ha supuesto, para
la historiografa de la arquitectura, un hito de modernidad por cuanto en
ella Mies construy el Pabelln de Alemania; sin embargo, convendra
distanciarse de la excepcin y entender cuanto ambas fueron espacios
donde la nostalgia de lo popular tuvo especial protagonismo. Si lo
destacable de la celebracin sevillana fue su emplazamiento (y poco cabe
decir de proyectos conceptualmente anclados en el pastiche regionalista,
cuando no reflejo de la negativa influencia de ngel Guido) en el recinto
de la exhibicin barcelonesa se construy el Pueblo espaol. Como
en su dia seal Ignacio de Sola Morales, aquella era una idea presente
ya en 1915 no solo en propuesta de Puig i Cadafalch (proyecto para la
Exposicin de la Elctricas de 1917) sino tambin en Francesc Nebot al
pretender la construccin de un pueblo recurriendo en su composicin a
elementos arquitectnicos presentes en Catalunya; por lo mismo, en 1923
Miquel Utrillo present al alcalde un proyecto para construir un pueblo
espaol que llam Iberiona, pese a lo cual el Diario de la Exposicin de
1929 identificaba a Lluis Plandiura como promotor de la idea de Pueblo
espaol finalmente construido en aquel ao23.

22
Henrich.Tessenow Hausbau und dergleichen. Existe traduccin en italiano, Padua
1974, pp.8485.
23
Ignacio de Sola Morales LExposici Internacional de Barcelona. 19141929:
Arquitectura i ciutat. Fira de Barcelona, Barcelona 1985, asi mismo, Arquitecturas
contaminadas. Para una nueva lectura de la exposicin universal de Barcelona, CAU
n57, pp.48 asi como, del mismo, Larquitectura de lExposici. Palaus i Pavellons
en LAvenc n3. La decisin de la Junta de la Exposicin Internacional de Barcelona de
construir una ciudad vieja en el recinto, como una de las mayores atracciones apareci
en La Vanguardia, 19 enero 1928, p.8. una vista general dibujada del Pueblo espaol se
public en Blanco y Negro, n1983 (1929); la prensa de Madrid public numerosas no
ticias sobre el pueblo espaol: ver, por ejemplo, El Sol 19 mayo 1929, p.1; 21 mayo 1929,
p.1; 22 mayo 1929,p.6; 23 mayo 1929, p.10; La Construccin Moderna, 1929,p. 296.

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Recrear la arquitectura de un pas, poca o regin en estos eventos no era


novedad. Muoz Torreblanca ha destacado como en otras exposiciones
universales se haban ya mostrado este tipo de construcciones, citando
tanto el Borgo Medievale de Turn (en 1884), la Ciudad Colonial y el
Pueblo Africano (Exposicin de Pars de 1889), el Village Flamand
(Amberes, 1885), el Village Susse (Ginebra, 1896), Exposicin de
Bruselas en 191024. Pese a todo, la diferencia entre estos y lo construido
en Barcelona -y sigo a Muoz Torreblanca- era clara: si los antes citados
tuvieron carcter efmero, quienes asumieron el encargo del Pueblo Espaol
tenan inquietudes culturales que iban ms all del inters folklrico, por
lo que buscaron mostrar aquel recinto como todo global, como pueblo
real y no tramoya escenogrfica. Asumieron edificar el mito histrico (dar
forma a imprecisas leyendas) del mismo modo que -contemporneamente
-se construa en Barcelona lo que conocemos como barrio gtico.
Frente al pastiche, la voluntad por proyectar la modernidad desde la
referencia a lo popular. La dependencia intelectual de Mercadal de las
enseanzas de Torres Balbs fue evidente. Fue en Torres Balbs donde
Mercadal aprendi cmo los edificios annimos -sencillos y funcionales-
podan ser compatibles con los plantea mientos arquitectnicos de
vanguardia y a la vez, podan abrir un camino que servira para despojar
a la arquitectura espaola de la etiqueta de desprestigio por la cual se
caracterizaba en aquel momento. Si Torres Balbs haba iniciado el es
tudio de una racionalidad desligada de la forma y dependientes de las
necesidades (reclamando que el estudio de la arquitectura popular se
centre en el desarrollo del edificio a partir de las tcnicas constructivas
locales y de los materiales caractersticos de la zona) la novedad en la
reflexin de Mercadal fue establecer como factible una arquitectura

24
Marina Muoz Torreblanca La recepcin de lo primitivo op.cit, p.139, n.325.

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moderna no supeditada a la industrializacin de los elementos y si, por el


contrario, ligada a un gesto entendido como imprecisa referencia a la
mediterraneidad. Intuyendo (y ese fue, en mi opinin, su gran mrito) lo
que poco ms tarde sera la confrontacin entre la potica de Le Corbusier
y el rigor de quienes optaron por la Neue Sachelichkeit, con sus dibujos
de la arquitectura popular en Capri, Taormina o de la pompeyana Casa
del Fauno, Mercadal (antes de la Weissenhof de 1927) reclam no ya el
estudio genrico de la arquitectura popular sino solo de lo que entenda era
la arquitectura mediterrnea. La brillante propuesta pronto qued en nada,
porque al proyectar su Casa en Mallorca lo nico que Mercadal hizo
fue travestir con elementos pertenecan al lenguaje popular un proyecto
no solo banal en planta sino contrario a las propuestas racionalistas que
esos aos (un largo pasillo articulaba el todo) comenzaban a caracterizar
la arquitectura centroeuropea. Y si Torres Balbs cometera el error de
proyectar el Pabelln de Granada en la Exposicin de Sevilla de 1929
desde referencias morunas, entendiendo estas como populares,
Mercadal -sin duda por proyectos como el Rincn de Goya o Villa
Amparo, en Mallorca, vio pronto decaer tanto su influencia en Espaa
como su presencia en Europa25.
Pese a ello, el prestigio adquirido por Mercadal ante su generacin influy
en que otros (como al poco hiciera Jos Borobio o en el canario Marrero
Regalado) elaboraran y luego publicaran cuadernos de viaje donde di
bujaron ejemplos de arquitectura popular, buscando no tanto llevar esta
al proyecto cuanto buscando entender que significaba depurar formas o
alcanzar la sinceridad constructiva. En 1930 Mercadal publicara su La
casa popular en Espaa, basndose en el hasta entonces indito trabajo de
Torres Balbs -presentado en 1923 y solo editado diez aos ms tarde- La
vivienda popular en Espaa asumiendo lo expresado por Anasagasti al

25
El Sol, 13 julio 1928, p.3.

184
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sealar como lo inmutable, la obra de todos, lo que se perpeta a travs


de los tiempos y estilos pasajeros, se esconde en las Callejas, en la gleba.
Si las principales caractersticas de la arquitectura rural se entendan eran
simplicidad y modestia, adaptacin al medio, racionalidad en el empleo de
elementos, sinceridad y falta de preocupaciones formales y atemporalidad
es preciso destacar que estas eran, precisamente, las reclamadas por la
vanguardia europea. El debate estaba pues abierto no solo entre jvenes
arquitectos, fotgrafos (Ortiz de Echage o Marqus de Santa Mara del
Villar), cineastas (Florin Rey o Luis Buuel) sino incluso en la Academia
de Bellas Artes de San Fernando, escenario donde Bellido haba tra
tado -en su Discurso de Ingreso- sobre La insinceridad arquitectnica,
retomando el tema pocos aos mas tarde Anasagasti -en su ingreso en la
misma Academia- en su Arquitectura popular26. Al poco, se organizaba
una Comisin de Mejoramiento de la vivienda rural constituida por
Lpez Suarez, Pascual Rodero y Adolfo Blanco y quienes buscaban
perpetuar el pintoresquismo -inventando una falsa arquitectura popular-
chocaron con quienes entendan la tradicin como punto de partida de una
moderna arquitectura, dando al termino mediterraneidad un sentido bien
distinto al que en su da propusiera Eugenio dOrs, al ajustarlo ahora al
espritu glosado por Le Corbusier. Y coherente con esta reflexin (o con
planteada en la Italia de 1936 por Pagano sobre la Architettura rurale en
Italia) el GATCPAC barcelons iniciaba sus estudios sobre la arquitectura
balear.
En 1931, la revista del GATEPAC formula una primera crtica contra
la falsa arquitectura popular, apareciendo en la portada de la misma la

26
Especial inters tienen, en mi opinin, los trabajos publicados en canarias por Ma
rrero sobre los elementos caracteristicos de aquella arquitectura. Ver Hacia el estilo
arquitectnico regfional en La Tarde, 15 septiembre 1932. Luis Bellido haba ledo
su discurso de Ingreso en san Fernando La insinceridad constructiva como causa de la
decadencia de la arquitectura en 1925; Teodoro de Anasagasti lo hara en 1929, sobre
Arquitectura Popular.

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imagen de un construccin regionalista tachada -con grafismo idntico


al que usara Das neue Frankfurt- con una rotunda cruz en rojo; al poco
la misma revista reclama preservar la arquitectura ibicenca, sealando
como la isla no precisaba renovacin arquitectnicas al ser esta correcta
tanto en su orientacin como en su construccin, estar plantada con
criterios racionales, lgica al componerse con cuerpos simples, carentes
de adornos y molduras. Destacaba, asi mismo y como conclusin, no
existir en Ibiza estilos arquitectnicos, al estar las viviendas all construi
das ligadas orgnicamente al lugar. La arquitectura mediterrnea ofreca
soluciones estrictamente funcionales, siendo estas a imitar por su sentido
constructivo: pero no solo Ibiza interes a aquella vanguardia, porque
en distintos nmeros de la citada revista se seal como cortijos, calles
y patios andaluces respondan a soluciones racionales no provocando la
aparente repeticin de elementos monotona.
En esos mismos aos DAc i DAlla public un singular trabajo (Eivissa i
larquitectura sense arquitecte) sobre aquella vivienda popular, basndose
no solo en los trabajos de GATCPAC sino tambin en el libro de Alfredo
Baeschlin reiterando no solo la idea que la arquitectura moderna deba
huir de la bastarda interpretacin de lo popular sino cuanto la arquitectura
tradicional poda ser punto de reflexin para la arquitectura moderna. En
esta lnea Jos Luis Sert, en la charla que pronunci ante los alumnos
de la Escuela de Arquitectura de Barcelona, defendi la arquitectura
verncula ponindola en parangn con la arquitectura internacional pese a
que otros, en aquellas mismas jornadas, reclamaran (en una intervencin
con titulo Que orientacin debe darse a la arquitectura contempornea
en Catalua?) interpretar un pasado reciente, opinin compartida en
Madrid por quienes -como manifestara un joven Pedro Bidagor en 1935-
es preciso dar emocin a la obra, valor a la tradicin y adaptacin al

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medio27.
En los aos de la II Repblica el estudio y reflexin sobre la arquitectura
popular conoci un singular despunte: si algunos -como hiciera Giralt
Casadess en 1934 - insistan en el estudio de las ciudades histricas
catalanas hubo tambin quien -como Yarza - afrontaron el tema de lo
popular (que no su estudio) desde un pintoresquismo ms ligado a la cultura
de los paradores nacionales que no a entender lo popular como refe
rente de la modernidad. As, y siempre en 1934, los alumnos de la Escuela
de Arquitectura de Madrid -acompaados de Anasagasti y Ripolls-
viajaron a Andaluca para estudiar (previo a embarcar hacia Marruecos)
la arquitectura popular de Ronda, Jerez y Arcos de la Frontera, la revista
La Construccin Moderna daba cuenta de un concurso para conocer la
arquitectura popular y configurar con los trabajos presentados un docu
mental o Lpez Suarez, Pascual Rodero y Adolfo Blanco publicaban su
Estudio del mejoramiento de la vivienda rural, reflejo de la antes citada
Comision para el mejoramiento de la vivienda social. Y a todo ello cabria
aadir la opinin de Luis Sainz de los Terreros publicada en Renovacin
Espaola quien, tras afirmar como las construcciones modernas estn
influidas por el marxismo, sealaba como era preciso inspirarse en los
cnones clsicosaceptando lo bueno de estos28.

27
Jos Luis Sert Defensa de la arquitectura regionalista, AC, n16, pp.43-44. En la
misma revista y numero, Adolfo Florensa Qu orientacin debe darse a la arquitectura
contempornea en Catalua?, pp.42-43. Las opinin de Pedro Bidagor Arquitectura
popular y vivienda unifamiliar apareci en Nuevas Formas, 193536, pp.440-45.
28
Ramn Giralt Casadesus LUrbanisme a Catalunya. Les ciutats historiques en
Arquitectura i Urbanisme, n1, abril 1934; Jos de Yarza Soluciones racionales y ar
quitectura rural, Boletn del Colegio de Arquitectos de Valencia, n5, marzo-abril
La noticia del viaje aparecir en ABC 9 febrero 1934, p.33
Siempre en 1934 se convoc un concurso para conocer la arquitectura popular, bus
cando formar con aquellos trabajos un documental. Ver La Construccin Moderna, 1934,
p.63. Como consecuencia del mismo Lpez Suarez, Pascual Rodero y Adolfo Blanco
daban a conocer su estudio sobre Mejoramiento de la vivienda rural en el citado Boletn,

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La reforma agraria propiciada por Pascual Carrin tuvo una primera


consecuencia en el Plan Nacional de Obras Hidrulicas, convocndose
por ejemplo, de acuerdo con el mismo, el Concurso para la construccin
de ocho poblados en las mrgenes del Guadalquivir y Guadalmellato.
La nueva poltica agraria supuso fomentar los debates sobre ordenacin
del desenvolvimiento rural, colonizacin interior y trazados racionales
de ncleos rurales, buscndose el mejoramiento de la vivienda ru ral
y, coincidiendo con tales supuestos, el II Congreso de Arquitectos de
Lengua Catalana, celebrado en 1935, desarroll cuestiones tales como
Poltica de la habitacin (a cargo de Rubi i Tudur junto con Giralt
Casadess) o Tradicin arquitectnica (encomendada a Buenaventura
Bassegoda), complementando el estudio sobre Defensa y elogio del
casero promovido por la Cmara de la propiedad Urbana de Barcelona.
Del mismo modo, Jos Fonseca (excepcional personaje -antes y despus
de Guerra- dentro de Falange Espaola, de notable formacin teorica,
preocupacin por la vivienda social y participante en el citado concurso)
reclamara en 1936 la necesaria intervencin del estado en su texto La
vivienda rural en Espaa29.

A.BLANCO, La vivienda rural (la casa del labrador espaol), Arquitectura, abr.1933,
p.121. Desconozco si tras el concurso se llev a trmino el citado documental, pero no
olvidemos que en 1929, y bajo la direccin de Lpez Valencia, se hizo una pelcula sobre
los barrios obreros y viviendas sociales en Madrid, Barcelona, Sevilla y Valencia para ser
proyectada en la Exposicin de Barcelona. Ver El Hogar propio, n9, julio 1929, p.15.
29 La informacin sobre el Congreso de Londres de 1935 apareci en Re-Co, Mayo
1935, p.6; Sobre la colonizacin interior, ver el Boletn del Colegio de Arquitectos de
Madrid, n101, diciembre 1935, p.6.
Recordar cuanto para los arquitectos prximos a CEDA la arquitectura moderna supona
un peligro ideolgico, llegando Sainz de los Terreros a sealar en La Construccin Mo
derna de 15 mayo 1934 como las construcciones modernas estn influenciadas por
el marxismo. Del mismo, ver Renovacin espaola y Arquitectura, en ABC, 14 abril
1934. p.35. En este sentido, Hacia la mejora de la vivienda rural, ABC, 21 junio 1935,
donde se reclamaba la creacin de un modelo autentico con el que dar respuesta a
las necesidades de dicho mbito. Un ejemplo de Colonias agrcolas se public en La

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ARQUITECTURA POPULAR Sobre la arquitectura popular en la Espaa
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
del primer tercio del XX
Carlos Sambricio

El triunfo del Frente Popular en las elecciones de 1936 supuso revalorizar


no tanto la cultura popular cuanto la popularizacin de la cultura. No solo
se plante el conocimiento de aquella sino que se busc -como alternativa
a lo que haba sido la arquitectura del estilo Salmon- tanto el mayor
conocimiento de lo popular como tomar este como referencia para una
educacin popular. Frente al folclorismo o a la antropologa, lo que la
Repblica mostr en el Pabelln de Espaa de la Exposicin celebrada en
1937 en Paris era la realidad de un pueblo, la imagen de cmo el mundo
rural viva la Guerra, de cuales sus esperanzas y expectativas. Todo
ello supuso enfatizar valores tales como la vivienda, el uso del espacio
domestico, las diferencias geogrficas, de sus tipos y caracteres. Entre la
imgenes que en su da dieran Ortiz de Echage o el Marque de Santa
Mara del Villar de los tipos espaoles y las que se mostraron en el Pabelln
de 1937 media una muy distinta weltanschauung: ligada la primera al
folclorismo (no olvidemos que Santa Mara del Villar fue propuesto por
Primo de Rivera como Director de los Paradores Nacionales), la segunda
-coherente con las pautas del realismo- buscara expresar la realidad de un
pueblo, realidad que se aprecia tanto en las fotografas que -en el interior
del Pabelln- mostraban la realidad de la Guerra como en la Monserrat

Tarde, 26 junio 1935, p.8.


Sobre el II Congreso de Arquitectos en Lengua Catalana, ver Boletn del Colegio de
Arquitectos de Catalua y Baleares, n46, 1935, pp.536-38 donde se seala como la po
nencia n5, sobre Tradicin arquitectnica fue desarrollada por Buenaventura Basse
goda. En la misma lnea, y siempre desde Catalua, ver Jos Galn Defensa y elogio
del casero, en Boletn Cmara de la Propiedad Urbana de Barcelona, diciembre 1935,
pp.3-4
J.Fonseca en La vivienda rural en Espaa: estudia tcnico y jurdico para una actuacin
del Estado en la materia (Extracto de la Memoria), Arquitectura, nal, 1936.
Sin duda los textos mas importantes sobre la colonizacin en Espaa son los elaborados
por Jos Luis Oyon y Javier Monclus. Ver del primero Colonias agrcolas y poblados
de colonizacin arquitectura y vivienda rural en Espaa (1833 - 1955) Tesis Doctoral
Universidad Politcnica de Barcelona Abril, 1985 y del segundo Colonizacin agraria y
ordenacin del territorio en Espaa (1855-1973), Tesis Doctoral ETSAB., Cap. VII.

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ARQUITECTURA POPULAR Sobre la arquitectura popular en la Espaa
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del primer tercio del XX
Carlos Sambricio

de Julio Gonzlez o en el gran mural que Mir dedicara al El campesino


cataln en rebelda.
Demasiado a menudo se ha querido (sin duda desde la asepsia weberiana)
ver el Pabelln de 1937 desde perspectivas tales como la novedad del
fotomontaje, comparando este con otros artes de propaganda. En este
sentido me atrevo plantear como con su contenido quiso evidenciar (incluso
en patio abierto central, autentico espacio fundamental del proyecto por
cuanto era lugar de encuentro y debate) cuanto vanguardia y arquitectura
popular constituan ya -tras algo ms de treinta aos de reflexin- no un
binomio sino una nica forma de entender la arquitectura.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
Isabel Raposo

Transformao da habitao popular


em meio rural em Portugal na segunda
metade do sculo XX

Isabel Raposo
isaraposo5@gmail.com
Grupo de Estudos Socio-Territoriais Urbanos e de Aco Social
Centro de Investigao em Arquitectura, Urbanismo e Design
Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa

Introduo
Este contributo para a reflexo sobre a arquitectura popular em
Portugal procede a uma leitura da transformao da habitao popular em
meio rural na segunda metade do sculo XX luz das transformaes que
ocorrem no mesmo perodo a nvel global. A leitura tem subjacente as
perspectivas tericas e disciplinares que informam sobre a metamorfose do
habitat popular em geral e em Portugal. Como vrios estudos sobre lugares
diversos evidenciam, com o processo de mudana abrupta do mundo rural
que ocorre na segunda metade do sculo XX emerge um novo tipo de
casa que expressa a progressiva e cada vez mais acelerada imerso na
modernidade e urbanidade capitalista. A casa, lugar de todos os simbolismos
e sincretismos, desempenha o papel de motor desta transformao. Este
processo a que chamei de urbanizao do campo1 ou da paisagem rural2

1
RAPOSO, Isabel - Urbaniser villages et maisons. Projets politiques et ralits sociales.
Manica (Mozambique) et Alte (Portugal). Tese de doutoramento. Paris: Universidade de
Paris XII, 1999.
2
RAPOSO, Isabel - A urbanizao da paisagem rural e o papel das casas dos emigrantes.

193
Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
Isabel Raposo

faz parte da urbanizao escala global manifestando-se em modos e em


tempos diferenciados segundo os contextos. Distinguem-se dois perodos
at dcada de 1990 que se traduzem em diferentes tipos de casa, ou na
gestao de um mesmo tipo no tempo. Em Portugal, nas dcadas de 1960
a 1990, os emigrantes so os principais agentes da mudana profunda que
se opera no espao rural, pelo tipo de casa que constroem na sua aldeia
natal e pela introduo de novas prticas e valores mais urbanos. O texto
procura mostrar que a ruptura operada nas aldeias portuguesas no obra
exclusiva dos emigrantes e que o tipo de casa que constroem, com a sua
gestao no tempo e as suas variaes regionais, constitui um sub-tipo das
casas de trabalhadores de origem rural em percurso de mobilidade social
ascendente3.
O texto est organizado em quatro pontos. O primeiro explora as
perspectivas tericas e disciplinares que enquadram o olhar sobre a
transformao do habitat popular no perodo em estudo e restitui essa
mesma transformao, reflectindo sobre a emergncia de um novo modelo
de casa de tipo vivenda unifamiliar. O segundo sistematiza as perspectivas
disciplinares sobre a arquitectura popular em Portugal e os pontos de
vista sobre a casa de emigrante. O terceiro debrua-se sobre as variaes
no tempo e regionais deste tipo de casa e o quarto aflora o seu modo de
concepo, produo e difuso e a emergncia das casas de no emigrantes
em percurso de mobilidade social ascendente.

In I. Cardoso (org.). Paisagem e patrimnio. Porto: Dafne Editora, 2013.


3
As reflexes tericas e as evidncias empricas aqui apresentadas convocam dados de
pesquisas anteriores publicadas ou no, de que fui autora (ver bibliografia) ou co-autora
(VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel- Casas de sonho. Lisboa:
Edies Salamandra, 1995; e sua 1 Ed. francesa: Maisons de rve au Portugal. Paris:
Editions Craphis, 1994). Nas pesquisas que realizei pretendi compreender as condies
de produo e uso do novo modelo de casa, os factores que o explicam, os actores e as
suas racionalidades, estratgias e prticas, a sua relao com a parcela, o aglomerado e
o territrio.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
Isabel Raposo

1. Perspectivas sobre a mudana acelerada da


habitao popular na segunda metade do sculo XX
Para enquadrar o olhar sobre a transformao da arquitectura
popular em Portugal no perodo em estudo, esboo neste primeiro ponto
algumas perspectivas disciplinares e tericas para melhor entender a
mudana acelerada da habitao popular que ocorre ao nvel global e a
generalizao de um novo tipo de vivenda unifamiliar.

1.1. Perspectivas disciplinares e tericas sobre a habitao


popular e sobre acelerao da sua mudana
A noo de arquitectura popular convocada para este livro, muitas
vezes associada de arquitectura sem arquitectos, tornou-se corrente
desde meados do sculo XX na sequncia dos inquritos e estudos
realizados nesse sculo e com a acelerao da modernizao, urbanizao
e homogeneizao que se segue ao ps Segunda Grande Guerra.
Todavia, se se considerar, como Frey (1979: 249-250), numa abordagem
mais estrita, que o factor que inaugura a arquitectura como disciplina
o aparecimento em Itlia no Renascimento dun mode spcifique de
reprsentation de lespace qui permet llaboration de la forme des difices
partir des plans4, ento a construo popular no constitui arquitectura
pois em geral no tem subjacente um plano nem o apoio de um corpo de
profissionais. Nesta linha, utilizo neste texto preferencialmente a noo de
habitao em vez de arquitectura para me referir construo popular com
uso habitacional, quer a que feita sem plano, quer a menos comum e mais
recente que erguida com base num desenho de um tcnico, raramente
arquitecto, qual se ajusta a noo de arquitectura popular.

4
FREY, Jean-Pierre - Le Rle social du patronat. Du paternalisme lurbanisme. Paris:
lHarmattan. 1995, pp. 249-250.

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Transformao da habitao popular em meio rural
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Quando abordo o espao habitacional de forma mais abrangente recorro


noo de habitat na linha do Centre de recherche sur lhabitat de Paris
e quando a abordagem mais restrita recorro noo de casa. Esta
noo favorece a confluncia de olhares pluridisciplinares, de etnlogos,
gegrafos, socio-antroplogos, economistas e arquitectos. Para as cincias
sociais, o termo casa assume em geral um sentido mais abrangente em
meio rural que em meio urbano, sendo lido como o espao domstico de
reproduo, produo e consumo e englobando a habitao, as instalaes
para a explorao agrcola e o conjunto do espao cultivado de onde a
famlia retira a sua subsistncia5. Para a disciplina de arquitectura, a casa,
citadina ou rural, tende a ser lida mais na acepo de edifcio destinado
habitao. A noo de casa que aqui convoco refere-se ao espao
habitacional lido na sua dimenso scio-espacial. na casa, no seu sentido
restrito, bem mais que em outras construes da parcela ou do aglomerado,
que se cristaliza da forma mais visvel o modo de vida dos habitantes e as
suas transformaes. Como referiu Leroi-Gourhan6 (1984/45), a casa um
elemento significante do estatuto social, em toda a sociedade estratificada, o
que faz dela um objecto de estudo particularmente significativo da histria
social. Esta viso da casa como capital simblico de expresso do estatuto
social, da ascenso social e da sua consolidao supe uma mudana do
tipo de casa que est ligada extenso da modernizao, assimilao
de novos valores (racionalidade mercantil, interesse individual, procura
de lucro), aquisio de poupana e imerso na sociedade de consumo.
O adjectivo popular tambm requer alguma preciso. Distingo a
arquitectura popular das classes com poucos recursos, a que aqui me refiro,
da arquitectura erudita das classes mais favorecidas. Com a extenso do

5
Ver, entre outros, RAMBAUD, Placide - Socit rurale et urbanization. Paris: Seuil.
1969, p. 199.
6
LEROI-GOURHAN, Andr - Evoluo e tcnicas, II - O meio e as tcnicas. Lisboa:
Edies 70. 1984 (1 Ed. 1945).

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Transformao da habitao popular em meio rural
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mercado e a mobilidade geogrfica e social crescente na segunda metade


do sculo XX, os modelos, as tcnicas e os materiais so difundidos
globalmente e acessveis a um maior nmero: a oposio popular/erudito
esbate-se facilitando a passagem de elementos da arquitectura erudita
para a arquitectura popular. Isto no significa que a diferenciao social e
espacial se esbata, mas desloca-se e ganha nova configurao.
O antroplogo Canclini7 sublinhou que o popular no se reduz nem ao
rural nem s formas autnticas do passado, integrando as formas hbridas
contemporneas de produo do espao. O interesse pela anlise das
formas hbridas do novo habitat popular, reflexo do impacto crescente
das transformaes estruturais, todavia recente e pouco abrangente.
As novas construes populares sobretudo em meio rural tendem ainda
a ser consideradas como agresses estticas por muitos arquitectos que
se tm interessado sobretudo, nos seus inquritos sobre o habitat popular,
pelo equilbrio entre a natureza, os homens e as formas do edificado
das sociedades pr-industriais. Trata-se de alguma forma de uma fuga
realidade, como dizia, no final da dcada de 1960, Oliver8, um dos poucos
ensaistas que integrou as situaes de mudana na sua obra generalista
sobre o habitat popular, em particular no seu volume sobre frica.
Mas no s o carcter hbrido que tem sido ignorado. A histria e a
teoria da arquitectura, tal como a praxis profissional, durante muito
tempo apenas se interessaram pela arquitectura erudita e monumental,
esquecendo a popular. Como sublinhou Frey, os arquitectos estavam mais
interessados em rpondre [] aux grandes ralisations publiques ou aux
commandes, plus interessantes, conomiquement et sociologiquement, des

7
CANCLINI, Nstor G. - Culturas hbridas, poderes oblquos. Estratgias para entrar e
sair da modernidade. So Paulo: EDUSP. 1998.
8
OLIVER, Paul (ed.) - Shelter and society. Londres: Barrie & Rockliff. The Cresset
Press. 1969.

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classes plus aises9. As mudanas que ocorreram com a Segunda Guerra


Mundial despertaram o interesse dos arquitectos pelo habitat popular. A
destruio de antigos bairros e aldeias, a sua reconstruo e renovao
no ps Guerra, bem como a proliferao de novos grandes conjuntos
habitacionais, seguindo os princpios da Carta de Atenas de 1933, de
estandardizao e racionalizao da construo, em geral desajustados
aos modos de vida dos habitantes e da paisagem local e natural, levaram
alguns arquitectos a interrogar-se sobre o seu papel e o modo de projectar
bem como sobre o ensinamento das formas vernaculares. A nostalgia do
passado e as preocupaes com a sua salvaguarda ou a busca de novas
metodologias de interveno e de novas solues esto na origem de
muitos dessas reflexes.
Os arquitectos tendem a privilegiar, nos seus ensaios sobre a arquitectura
popular pr-industrial, a qualidade esttica e arquitectnica das formas
exteriores, descurando os processos e os contextos em que foi forjada e
ignorando a lgica no economicista e os valores simblicos que lhe esto
subjacentes. As obras generalistas da dcada de 1960 de Rudofsky (1964) e
de Goldfinger (1993/1969) so disso exemplos paradigmticos. Associam
a variedade das belas imagens recolhidas s condies ambientais,
tecnolgicas ou de defesa, mas pouco ou nada referem sobre a organizao
poltica, socioeconmica e cultural desses povos construtores. A tendncia
para a reduo formal frequente nos estudos generalistas e transculturais,
mesmo quando relacionam a anlise das formas com o contexto social,
como o caso de Gardi (1973) ou de Oliver (ed.) (1969e 1971).
Tambm o arquitecto Rapoport (1972/1969) na sua obra de referncia
House, form and culture10 em que segue uma abordagem estruturalista,

9
FREY, Jean-Pierre, 1995, op. cit., p. 261.
10
RAPOPORT, Amos - Pour une Anthropologie de la Maison. Paris: Dunod. 1972 (1 Ed.
ingl. 1969).

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transcultural e sincrnica, ao comparar elementos de culturas diferentes


desligadas dos seus contextos, privilegia os aspectos formais e ambientais.
Todavia quando o autor analisa as mltiplas influncias que condicionam
a forma das casas, reconhece que os factores ecolgicos so apenas
condicionantes e que os factores socioculturais so determinantes embora
no exclusivos.
As perspectivas formalista, funcionalista ou estruturalista que no tomam
em conta a dinmica socio-espacial tendem a ler a habitao popular antiga
como um cenrio fixo e intemporal e no se interessam pelas mudanas
que nela ocorrem11. A abordagem estruturo-funcionalista que influenciou
fortemente as pesquisas sobre o habitat popular, integra as correntes
estruturalista e funcionalista e concebe cada sociedade como um sistema
em que todos os aspectos se articulam: confronta a anlise das estruturas
espaciais dualistas ou binrias (interior/exterior, frente/traseiras, alto/baixo,
direita/esquerda) com a anlise da estrutura social (masculino/feminino,
adulto/jovem)12. Todavia, esta viso holstica em geral a-histrica e no
toma em conta a capacidade de aco dos actores nem as suas prticas no
espao. Embora a corrente do estruturo-funcionalismo tenha apresentado
a vantagem, em relao abordagem formalista, de se referir aos valores
e aos modos de vida dos habitantes, ela tende a privilegiar o estudo do que
Levi-Strauss chamou de sociedades autnticas13, deixando em geral de

11
Similarmente, o estruturalismo em antropologia, impulsionado por Claude Lvi-Strauss
(1974/1958), ao privilegiar na sua leitura os elementos transhistricos e transculturais,
as estruturas significativas e as regras sociais imutveis, no contribuiu para uma viso
dinmica e crtica das sociedades. Nesta perspectiva, foi mais longe o africanista Georges
Balandier (1971) que, em plena descolonizao, com a sua antropologia dinmica
pretendeu evidenciar a histria e a mudana social e interpretar os factores de desordem
da situao colonial.
Ver por exemplo, ao nvel dos estudos generalistas, a obra de FRASER, Douglas -
12

Village planning in the primitive world. New York: George Braziller. 1986
13
LEVI-STRAUSS, Claude - Anthropologie structurale. Paris: Plon. 1974 (1 Ed. 1958),

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lado as situaes em processo de transformao.


Face acelerao das transformaes a todos os nveis, novas perspectivas
surgem, na dcada de 1970, que visam um novo olhar mais compreensivo
sobre os processos de mudana e a capacidade de aco dos habitantes.
Castells, na sua obra La question urbaine de 1972, seguindo uma
abordagem marxista e estruturalista, entendia o espao urbano como
superestrutura do modo de produo capitalista e considerava que a aco
do assalariado, submetido aos constrangimentos exteriores, se limitava aos
momentos de maior ruptura da luta de classes, no dispndo de qualquer
margem de manobra ou de capacidade de resistncia no quotidiano.
Destacando-se desta perspectiva ortodoxa do materialismo histrico,
Lefebvre nas suas vrias obras, seguiu uma abordagem marxista no
ortodoxa, que tomava em conta o peso do global, dos determinismos e dos
constrangimentos estruturais (poderes pblicos, instituies, ideologias,
mercado, industrializao), mas atribua uma nova importncia ao local,
s lgicas e prticas dos actores sociais na vida quotidiana urbana, bem
como ao habitar e ao habitante e s interaces entre o local e o global,
entre o habitante e a cidade.
Na filiao de Lefebvre, referindo-se a uma anlise topolgica e
estruturalista, Raymond e Haumont privilegiaram a capacit des habitants
grer leur propre espace14 tendo procurado compreender as motivaes
da preferncia dos franceses pela vivenda unifamiliar. Com a sua pesquisa
abriram o caminho nos estudos urbanos em Frana incluso do habitante,
das suas prticas de uso e das suas competncias. Privilegiando o olhar
sobre as prticas e representaes dos actores sociais em detrimento dos
condicionalismos estruturais, estas pesquisas visavam contribuir para

pp. 367-368.
14
RAYMOND, Henri e Marie-Genevive; HAUMONT Nicole e Antoine - Lhabitat
pavillonaire. Paris: Centre de recherche durbanisme. 1966.

200
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polticas e planos mais informados sobre os interesses e aspiraes dos


cidados15 (Raymond 1988: 70). Constituam-se desta forma em alternativa
viso tecnocrata e de cima para baixo inerente ao movimento moderno
e implementao dos grandes conjuntos habitacionais do ps-Segunda
Guerra Mundial. Nesta linha, foi criado em Frana o Centre de recherche
sur lhabitat, que tem como referncia a noo do espao como um produto
do social, da obra pioneira de Lefebvre, La production de lespace, de
1974, e se demarcou tanto da abordagem estruturo-funcionalista como
da marxista ortodoxa, tendo reabilitado a histria e a relao entre a
sociedade e a arquitectura. Desta escola, destaco os trabalhos de Frey
(1986 e 1995), arquitecto e socilogo, que colocou em evidncia o papel
activo dos assalariados na configurao do modelo pavillonaire (vivenda
unifamiliar) e do espao urbano. Para o autor, uma leitura da casa que
fale da histria social local, requer no apenas caracterizar as formas do
habitat, mas tambm as suas condies de produo e uso, e os grupos
sociais que o conceberam, produziram e nele residem16.
Outro autor de referncia que marcou a reflexo sobre o local na dcada
de 1980 foi o socilogo Bourdieu. Partiu de uma abordagem estruturo-
funcionalista no seu estudo pioneiro sobre a casa Kabyle algeriana17, para
esboar a sua thorie de la pratique que integra quer os constrangimentos
estruturais que pesam sobre as interaces, quer as representaes que
permitem dar conta das luttes quotidiennes, individuelles ou collectives,
qui visent transformer ou conserver ces structures18. Trabalhado

RAYMOND, Henri - Urbanisation et changement social. In H. Mendras et M. Verre.


15

Les champs de la sociologie franaise. Paris: A. Collin. 1988, pp 63-73.


16
FREY, Jean-Pierre, 1995, op.cit. pp. 261 e 278.
17
BOURDIEU, Pierre - Esquisse dune thorie de la pratique, prcd de trois tudes
dethnologie kabyle. Genve: Droz. 1972.
18
BOURDIEU, Pierre - Choses dites. Paris: Minuit. 1987, p. 150. Importa tambm
destacar o contributo de Anthony Giddens que com a sua teoria da estruturao

201
Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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a noo de capacidade de aco que j fazia parte da temtica da


etnometododologia, o autor introduz ainda o conceito de compreenso
prtica ou de sens pratique, que permite entender as prticas dos habitantes.

1.2. Acelerao das mudanas da habitao popular e
urbanizao da casa
Como sublinham Bonnin et al. e como vrios estudos mostram19,
mesmo dans le pass, la forme des maisons, la morphologie du village,
laspect du paysagenont pas cess de se transformer20. A adaptao da
casa ao seu meio sociocultural, econmico, poltico e militar, ecolgico e
tecnolgico e as variaes regionais decorrentes revelam essa mudana
permanente embora paulatina. Todavia, at revoluo industrial, as
mutaes socioespaciais eram muito mais lentas que hoje, sobretudo em
meio rural, embora em certos momentos o ritmo de mudana acelerasse
provocando transformaes mais ou menos estruturais na habitao.
Deste modo, possvel falar de modelos ancestrais de casas, ou de tipos
consagrados e implcitos21, variveis segundo as regies e adaptados aos

pretendeu similarmente dar conta de laction humaine et de la dimension structurelle


du social bem como das ligaes entre uma e outra (La constitution de la socit. Paris:
PUF. 1987/1984, pp. 31 e 279). Com a sua noo de agency, o autor visa apreender a
capacidade de aco dos actores sociais e o seu saber-fazer ou a competncia dos agentes
(knowledgeability) (id.: pp. 30 e 47).
19
As pesquisas que realizei sobre a transformao da habitao popular em meio rural
do conta deste facto: VILLANOVA, R.; LEITE, C.; RAPOSO, I. 1995/1994, op. cit.);
RAPOSO, Isabel, 1999, op. cit.; RAPOSO, Isabel - Alte na roda do tempo. Loul: Casa
do Povo de Alte. 1995.
20
BONNIN, Philippe; PERROT, Martyne; LA SOUDIRE, Martin - LOstal en
Margeride. In Compte-rendu de la Journe dtude: Transformation de lespace et de
lhabitat rural. St Maximin (Var): Plan Construction. Outubro 1980, p. 36.
PANERAI, Panerai - Typologies. Cahiers de la recherche architecturale. N. 4.
21

Dezembro 1979.

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Transformao da habitao popular em meio rural
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modos de vida e condies locais. Aceites e conhecidos por todos que os


utilizavam, eram construdos sem arquitecto por geraes sucessivas de
habitantes e a sua estrutura persistiu. Estes modelos regionais incorporavam
os ajustamentos sincrnicos s particularidades de cada caso dimenso
e riqueza da famlia, tipo de explorao agrcola22, stio, microclima e
tambm a adaptao histria familiar (crescimento e envelhecimento),
como refere Rapoport23, bem como histria social.
O ritmo das mudanas acelerou abruptamente em todo o mundo rural
na segunda metade do sculo XX, com variaes segundo os pases e as
regies. Esta ruptura resulta de mudanas estruturais ao nvel global que
conduziram urbanizao generalizada do territrio. Numa primeira fase,
nas primeiras trs dcadas do ps Segunda Guerra Mundial, a interveno
do Estado intensifica-se, a industrializao desenvolve-se, assente no
modelo fordista, a produo cresce e generaliza-se o acesso aos produtos
do mercado e aos bens de consumo. A crise do petrleo de 1973, marca uma
segunda fase de acelerao das mudanas estruturais, com a globalizao
da economia neoliberal, a queda do muro de Berlim, a expanso do
mercado, da circulao da informao, dos modelos, materiais e objectos.
Estas transformaes estruturais tiveram fortes consequncias nas
mudanas abruptas e no modo de vida e de habitar em meio rural e
urbano bem como na transformao dos modelos culturais e de casa,
como assinalam diversas pesquisas (Raymond, 1974; Boudimbou, 1991).
Kayser24 distingue em Frana dois perodos desta ruptura no habitat rural

22
Demangeon (1920) foi o primeiro em Frana a identificar a relao entre os tipos de
casa e de explorao e a apresentar uma tipologia de habitat abstracta e fixa, que fez
escola junto de numerosos gegrafos e etnlogos.
23
RAPOPORT, Amos.1972, op. cit., p. 5-8.
24
KAYSER,Bernard - Le foyer pris entre deux feux, ou la maison rurale, du conservatoire
lobservatoire. Rapport introductif. In Colloque National LHabitat rural, nouveaux
modles, nouveaux usages. Amiens: Association des ruralistes franais. 1985, pp. 6-7.

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Transformao da habitao popular em meio rural
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que correspondem grosso modo s duas fases acima assinaladas: (i) ao


primeiro perodo, nas dcadas 1950-1960, de modernizao, melhoria das
condies de trabalho domstico e do conforto, ligadas mecanizao
da explorao agrcola, corresponde o que o autor chamou de gerao
frmica; (ii) o segundo perodo, que se desenvolve nas dcadas de 1970-
1980, marcado pela integrao do espao interior e exterior da casa no
que ele chama da normalidade citadina, ou paridade de dignidade com
os citadinos, com a incorporao de sinais de prestgio no novo vocabulrio
urbano considerado mais valorizador que o rural antigo e em que a
originalidade, a inovao, o individualismo se sobrepem hierarquia,
norma interiorizada, ao comunitarismo.
neste contexto que ganha sentido a noo de urbanizao da casa que
expressa as metamorfoses operadas no processo de urbanizao do campo
e se manifesta pelo recurso sistemtico a novas formas e a novos espaos
retirados do vocabulrio urbano testemunhando a ascenso social dos seus
habitantes, a melhoria do nvel de vida e um modo de vida mais urbano.
Tambm Adachi e Bonnin (1995) utilizaram a noo de urbanizao da
casa para dar conta das transformaes que ocorreram nos anos 1970 na
casa rural japonesa de Hokkad, depois de um perodo de melhoria e
modernizao sob influncia da cultura urbana americana (dcadas 1950-
1960). Mas para estes autores, a urbanizao da casa refere-se apenas
adoption des formes de larchitecture urbaine, plus exactement de
ces millions de pavillons suburbains qui composent les agglomrations
nippones, ni vraiment urbains ni vraiment ruraux, quoiquapparus autour
des noyaux urbains avec un peu davance sur les campagnes25. Esta
exploso de sinais de modernidade e urbanidade traduzem a emergncia
de uma nova mentalidade e de um novo modo de vida inerentes

ADACHI, Fujio; BONNIN, Philippe - Transformations de la maison dans le Hokkad,


25

1950-1991. Architecture & Comportement. Vol.11. N2. 1995, p. 96.

204
Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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sociedade urbana. Neste sentido, estas casas novas passam a fazer parte
do tecido urbano composto de malhas distintas, a que se refere Lefebvre
(1971/1968), que no apenas as extenses perifricas das cidades e as
redes de infra-estruturas e equipamentos mas tambm a habitao em
meio rural.
Estes dois perodos - modernizao e urbanizao - no se manifestam em
todo o lado ao mesmo tempo nem de igual forma. De acordo com a pesquisa
emprica realizada sobre as casas de emigrantes do Norte de Portugal26,
considero que estes dois perodos correspondem gestao de um mesmo
tipo e sua variao no tempo e no a dois tipos de casas distintos como
defendem outros autores. A estes dois perodos pode acrescentar-se um
terceiro, que emerge no final da dcada de 1990, de procura de equilbrio
nas palavras de Adachi e Bonin, ou de ps-modernizao, com maior
integrao das mltiplas referncias e incorporao de normas municipais,
que apenas afloro no ltimo ponto.

1.3. A hegemonia do modelo da vivenda
Os novos tipos no so apenas o reflexo de um estatuto socio-
profissional ou de um modo de vida mais urbano: eles constituem tambm,
segundo Frey27, uma via de acesso a uma melhor posio na estrutura
social. O espao joga um papel na especificao ou na constituio da
identidade dos grupos sociais e no seu reconhecimento28, quer como
estratgia de ascenso social dos habitantes, quer tambm enquanto

26
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1995/1994, op.cit.
27
FREY, Jean-Pierre - Socit et urbanistique patronale, tome 2: la gnalogie des types
de logements patronaux 1836-1939. Paris: Mail-MRT. 1987, pp. 180 e 224.
28
Id.: 10 e 51; FREY, Jean-Pierre, 1995, op.cit. p. 174.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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instrumento poltico e tcnico29.


Como referem textos da poca30, em Portugal, a vivenda unifamiliar
foi utilizada pelo Estado Novo como instrumento, entre outras medidas
ideolgicas e de coero, de submisso dos habitantes dos bairros sociais
ao regime totalitrio. A partir de final da dcada de 1950, o edifcio
plurifamiliar defendido pelas foras modernizadoras de Portugal e
substitui a vivenda unifamiliar nos planos de habitao social como
Olivais e Chelas. O modelo da vivenda uni-familiar volta a servir de
referncia aos emigrantes e outros habitantes em percurso de mobilidade
social ascendente que a partir da dcada de 1960, querem evidenciar e
consolidar a sua nova posio social adquirida com a entrada no mundo
urbano desenvolvido.
Para Frey31, a hegemonia do modelo da vivenda unifamiliar (pavillonaire)
com horta nas traseiras e jardim na frente da casa deve-se mais
generalizao da condio salarial que uniformiza as condies

29
Esta noo do espao como instrumento da transformao social ou espao produtor a
que se refere Lefebvre (1974), tem sido objecto de discusso. Arquitectos e planificadores
tendem a sobrestimar o papel do espao como instrumentos da mudana sociocultural.
O exemplo dos construtivistas na URSS na dcada 1920 disto paradigmtico. Young e
Willmott (1983/1957: 228) denunciaram a lgica dos planificadores que consideravam
que atravs da arquitectura ou de um desenho hbil podiam melhorar as relaes de
vizinhana. A eficcia deste instrumento depende da sua associao com outros
instrumentos do poder e com os desgnios dos habitantes. A converso dos ndios Bororo
no Brasil pelos salesianos no se deveu apenas, como argumentou Levi-Strauss (1975),
mudana imposta da planta da sua habitao, de circular a rectangular, mas sua aco
cultural e educativa contnua e impositiva. Como mostra a investigao que realizei
em 1999 sobre a poltica das aldeias comunais em Moambique, sem essa vigilncia
permanente, os ndios teriam voltado ao seu habitat anterior.
CALLADO, Jos - A casa portuguesa. Cidade Campo. N. 1. Fevereiro 1978, p. 99;
30

GONALVES, Fernando - A mitologia da habitao social, o caso portugus. Cidade


Campo. N1. Fev. 1978.
31
FREY, Jean-Pierre, La Ville industrielle et ses urbanits. La distinction ouvriers/
employs. Le Creusot 1870-1930. Bruxelas: Pierre Mardaga.1986, p. 29; FREY, Jean-
Pierre, 1995, op.cit. pp. 148, 269-270.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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de existncia, do que a uma aco da classe dominante querendo


emburguesar a classe operria. A insero urbana expressa no novo tipo
de habitao marca as lutas de classificao (luttes de classement) ou de
posicionamento social em que o modelo de vivenda (pavillonaire) parece
ser o que confere aos seus habitantes uma maior margem de manobra para
expressar o seu estatuto e urbanidade32. Este tipo de habitat generalizou-se
igualmente nos pases socialistas europeus na dcada 1960, na sequncia
das transformaes socioeconmicas desencadeadas com a industrializao
do campo. Todavia, para o arquitecto polaco Goldzmant, em 1970, a
construo por assalariados no agrcolas de vivendas unifamiliares com
horta correspondia a uma fase de transio que tinha mais a ver com a
dificuldade tcnica e administrativa de pensar estas formas intermdias de
habitao do que com a condio salarial dos seus promotores33.
No estudo comparativo que conclui em 1999 sobre a transformao do
habitat rural em Portugal (Alte) e em Moambique (Manica) procurei
demonstrar que a hegemonia deste modelo est intrinsecamente ligado
extenso da urbanizao. O estudo da transformao da habitao popular
uma forma privilegiada de entender as mudanas sociais inerentes
urbanizao generalizada, bem como os processos de integrao, excluso
e as resistncias que desencadeia. No processo de urbanizao do campo
resultante em Portugal da integrao economia de mercado (trabalho
assalariado e monetarizao), emerge uma nova diferenciao social e
estabelecem-se novas relaes sociais entre os que se integram mudana
e se urbanizam e os que no se integram, se marginalizam e permanecem
rurais. Como mostrei na pesquisa de 1999, a capacidade de se adaptar s
mudanas varia segundo os contextos locais e os grupos sociais e esta

32
FREY, Jean-Pierre, 1996, op.cit. p. 233-235.
33
GOLDZAMT, Edmund - El Urbanismo en la Europa socialista, Barcelona: Gustavo
Gili. 1980 (1 Ed. polon. 1971), p.

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Transformao da habitao popular em meio rural
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variao manifesta-se no tipo de casa que constroem. A constituio de


novos tipos de casa corresponde emergncia de novos grupos sociais.
urbanidade crescente das posies ocupadas no espao social corresponde
uma urbanizao crescente das casas.
Em Portugal, onde o desenvolvimento industrial e a modernizao
chegaram mais tarde que no Norte da Europa, a acelerao da mudana
do habitat rural desde a dcada 1960 teve como principal protagonista o
emigrante, regressado ou no, que construiu um novo tipo de casa mais
urbano na terra natal. Antes de abordar a casa de emigrante, analiso no
prximo ponto as perspectivas disciplinares nacionais sobre a habitao
popular e a sua transformao.

2. Perspectivas disciplinares em Portugal sobre a


habitao popular
Em Portugal, os estudos sobre o habitat popular foram durante
muitos anos sobretudo obra de etnlogos destacando-se Leite de
Vasconcelos, com a sua obra de referncia, Etnografia portuguesa,
1975/1933). Na segunda metade do sculo XX, a criao do Centro de
Estudos de Etnologia, mais tarde Museu de Etnologia, reuniu um grupo
de etnlogos coordenados por Veiga de Oliveira tendo publicado vrios
artigos e monografias e duas obras totalmente dedicadas ao habitat o qual
abordado numa perspectiva scio-espacial, na sua relao com o modo
de vida rural e sublinhando as funes produtivas (Oliveira, Galhano
e Pereira 1988/1969; Oliveira e Galhano 1992). Estes autores, na sua
publicao sobre a arquitectura tradicional, do j conta das mudanas
observadas no habitat rural em 197034.

34
OLIVEIRA, Ernesto V.; GALHANO, Fernando - Arquitetura tradicional portuguesa.
Lisboa: Publicaes Dom Quixote. 1992, pp. 361-374.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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Antes deles, os engenheiros-agrnomos Barros e Bastos (1943) e Barros


(1947) coordenaram um inqurito socioeconmico sobre o habitat rural
realizado no Norte de Portugal e nas Beiras que revelaram as condies
de vida e habitao miserveis da populao rural. Tambm os gegrafos
contriburam para a pesquisa sobre o habitat com estudos monogrficos
sobre o povoamento e a casa rural ou urbana, em que ressaltam os factores
geogrficos que determinam a forma da casa e os materiais de construo
utilizados. A obra de Orlando Ribeiro constituiu em meados do sculo XX
a principal referncia, tendo distinguido a casa do Norte do pas, associada
a civilizao atlntica, da casa do Sul, associada cultura mediterrnica
(s/d e 1991/1947).

2.1. O olhar dos arquitectos


At meados do sculo XX, os estudos publicados por arquitectos
sobre o habitat popular em Portugal eram raros. Na primeira metade desse
sculo, em pleno Estado Novo, Raul Lino (1937) foi a principal referncia,
com os seus estudos sobre a arquitectura domstica, mas o seu objectivo
de definir uma casa portuguesa serviu ao regime autoritrio de Salazar35.
Para contrariar esta viso conservadora e nacionalista que como referia
Tvora36 visava traar um estilo arquitectnico nico da casa portuguesa
a partir de motivos tradicionais, uma vasta equipa de arquitectos, com
uma vontade subversiva e inovadora de assinalar a diversidade regional
do habitat vernculo, urbano e rural, logrou lanar em 1955, em pleno
Estado Novo, o inqurito Arquitectura Popular em Portugal (1988/1961).
Vrias vezes reeditado (1961, 1980, 1988, 2004), constitui uma obra de

35
CALLADO, Jos, 1978, op. cit.
36
TVORA, Fernando - O Problema da Casa Portuguesa. Cadernos de Arquitectura.
Lisboa. 1947, pp. 3-13.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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referncia que ressaltou as particularidades modernas da arquitectura


popular, a plstica e potica das suas formas, e, como refere Leal37,
contribuiu para a constituir como campo de pesquisa autnomo com
valor patrimonial prprio. Apesar de todo o seu mrito, os seus autores,
com a sua viso disciplinar formalista, no relacionaram as variaes
regionais com os contextos que as determinavam, polticos, econmicos
e socioculturais e no apenas geogrficos. As variaes regionais foram
vistas como homogneas e imutveis, e no se identificaram as variaes
segundos os grupos sociais nem ao longo do tempo. As belas formas e
cenrios seculares que a obra apresenta no sublinham as privaes do
povo que as produzia e habitava nem as suas motivaes para a mudana
como revelaram a migrao para as cidades e a emigrao que reemergia
para a Europa industrializada. Mas esta crtica foi talvez a condio da
sua realizao no contexto autoritrio em que a obra foi criada. Bastos e
Barros (1943 e 1947) no haviam logrado uma dcada antes estender a
todo o pas o seu inqurito socioeconmico sobre o habitat rural, talvez
porque o seu testemunho da dura realidade camponesa era demasiado cru
e revelador do disfuncionamento do regime conservador e ditatorial.
Estes estudos e inquritos sobre o habitat popular, com maior incidncia
no rural, ao mesmo tempo que o institucionalizam como campo de estudo,
anunciam o processo eminente de modernizao e urbanizao do pas e
do habitat que eclode na segunda metade do sculo XX. Com a Revoluo
de Abril de 1974, o interesse pelo estudo da construo popular rural e
urbana ganha novo impulso, quer pelo repdio ou curiosidade pelas novas
formas populares de construo, quer na perspectiva de conhecimento e
salvaguarda do patrimnio construdo antigo, ou de procura de solues
adaptadas s novas e velhas situaes de precariedade.

37
LEAL, Joo - Arquitectos, engenheiros, antroplogos. Estudos sobre arquitectura
popular no sculo XX portugus. Conferncia Arquitecto Marques da Silva. Lisboa:
Fundao Marques da Silva. 2008.

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So publicadas obras generalistas, de que se assinala o livro de Moutinho


(1979), arquitecto e antroplogo, A Arquitectura Popular Portuguesa, com
uma viso muito sinttica de todo o pas; ou o livro de Teotnio Pereira e
Buarque, Prdios e Vilas de Lisboa, de 1995, com um levantamento dos
tipos de habitao popular e erudita em Lisboa. Como ensaios monogrficos,
fazendo referncia ao habitat popular tradicional e publicados na dcada
de 1990, cita-se o livro de Carita (1990), Bairro Alto, Tipologias e Modos
Arquitectnicos, que articula numa abordagem histrica o estudo da
morfologia urbana com a tipologia arquitectnica, erudita e popular; o
ensaio de Fernandes e de Janeiro (1991), A Arquitectura verncula da
Regio Saloia. Enquadramento na rea Atlntica; a publicao de
Fernandes (1996), Cidades e Casas da Macaronsia, no Atlntico, com
um estudo tipolgico exaustivo, abstracto e formal; e o de Vieira Caldas
(1999), A Casa rural dos arredores de Lisboa no sculo XVIII. Refira-
se ainda o inqurito A Arquitectura popular dos Aores do mesmo autor
(Caldas, 2000) e o Levantamento da Arquitectura Popular da Madeira
de Mestre (1998), editado em livro pela Argumentum (2002), os quais
estendem s ilhas o Inqurito arquitectura popular portuguesa. A maioria
destas obras centrou-se sobre as caractersticas histricas e patrimoniais38,
sendo escassas as referncias nesses textos s mudanas que marcavam a
habitao popular no final do sculo XX.

2.2. Estudos sobre a transformao do habitat popular e pontos


de vista sobre a casa do emigrante

38
No me refiro aqui aos estudos e ensaios sobre a salvaguarda do patrimnio construdo
de que existe grande produo desde finais da dcada de 1970 e incluem estudos sobre a
habitao popular.

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Foi mais profcua a investigao sobre as novas construes


populares nas periferias das cidades, sobretudo dos chamados loteamentos
clandestinos, com obras de referncia e vrios artigos em revistas da
especialidade nas dcadas de 1970 e 1980. Para alm do reconhecimento
das novas formas urbanas populares, estes textos tinham como objectivo
a procura de solues para a regularizao do tecido urbano coproduzido
margem das normas institudas. Em 1995, a Lei n. 95 das AUGI (reas
urbanas de gnese ilegal) veio responder a algumas das questes lanadas,
acelerando a reconverso de algumas situaes, mas muitas permanecem
sem soluo, suscitando novas pesquisas, como a que coordenei (Raposo
2011).
A maioria das pesquisas empricas sobre as novas construes populares
em meio rural, abordam-nas em geral de um ponto de vista formal, sem
relao com o edificado antigo do povoado em que se inserem. Como
excepes, a pesquisa da antroploga Rocha Trindade sobre as casas
de emigrante de Queiriga (1984), os ensaios gerais de Moitinho (1981
e 1989) e duas publicaes em que participei: Alte na roda do tempo,
uma monografia sobre uma aldeia no Sul de Portugal (Raposo 1995),
que retrata numa perspectiva scio-espacial a transformao do habitat
rural, enquadrando o aparecimento das novas casas de emigrantes e de
no emigrantes; e as Casas de sonho (Villanova, Leite, Raposo 1994/95),
um olhar pluridisciplinar (de antroploga, sociloga e arquitecta) sobre
a gnese, as motivaes, os actores e as representaes, as prticas e
as configuraes das casas de emigrante, que evita os preconceitos do
discurso hegemnico.
As casas de emigrante, casas de sonho para os seus proprietrios, construdas
graas poupana conseguida no pas de emigrao, suscitaram pontos de
vista diferenciados segundo os grupos sociais39: muito apreciadas pelos

39
Alguns estudos de socilogos analisaram estas diferentes percepes das casas

212
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prprios e pelos habitantes pertencentes ao mesmo grupo social de origem


rural-popular foram denegridas pelo discurso dominante.
Vistas como casas bonitas, grandes, modernas e confortveis pelos
aldeos que no emigraram, as casas de emigrante servem de referncia aos
que lograram um percurso semelhante de mobilidade social ascendente,
sem sair do pas. Para estes e para os emigrantes, a casa popular antiga
lembra a misria de outrora que se pretende esquecer e a nova casa
simboliza a ascenso conquistada40. Mas como referia Leite41, a opinio
das classes populares no tem audincia meditica: desacreditada e
ignorada pela burguesia urbana que impe o seu ponto de vista etnocntrico
convertendo-o em esteretipo nacional. O desprezo pelas casas dos
emigrantes e pelo seu gosto tem subjacente uma crtica apropriao do
espao pelas grupos populares em ascenso social e mobilidade social
destes novos pequenos proprietrios rotulados de exibicionistas.
Foram os socilogos e antroplogos que desde cedo procuraram entender
mais que julgar as motivaes dos emigrantes e os processos de produo
da sua casa. o caso de Moutinho (1981), Rocha-Trindade (1984), Silvano
(1989), Leite (1989 e 1998) e Villanova (et al. 1994/1995).
Entre os arquitectos, existem poucas pesquisas aprofundadas sobre as
casas de emigrantes e os poucos casos tm no seu percurso reflexivo
influncia franco-belga (Moitinho, 1981 e 1989; Vieira e Verssimo,

de emigrante segundo os grupos sociais (Leite 1989 e 1998; Leite in Villanova et al.
1994/1995; Castro 1998). Gonalves (1996), na sua obra, Imagens e Clivagens - os
Residentes face aos Emigrantes, mostra o papel do nvel escolar na atitude e opinio dos
residentes: uma maior proximidade favorece a aceitao e admirao dos emigrantes e
suas casas.
40
Note-se que no estudo aprofundado que realizei em Alte, a antiga elite rural tambm
enaltecia as novas casas por corresponderem s aspiraes dos que, no percurso da
emigrao, lograram melhorar a sua condio de vida.
41
In VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1994/1995, op.cit.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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1981 e 1989; Souza, 1989; Raposo in Villanova, Leite e Raposo 1994/95


e Raposo 1995). O tipo de formao do arquitecto em Portugal virado
para o projecto, investindo pouco na capacidade de observao do real,
favorece um discurso fundado no julgamento esttico e na anlise formal,
do projecto, mais que do processo, bem como uma viso voluntarista
do seu papel na transformao dos modos de vida. Ausentes do circuito
dos emigrantes quando estes regressaram da dispora com o desejo de
metamorfosear a sua habitao, os arquitectos tiveram como primeira
reaco o desencantamento que se traduziu pela crtica depreciativa e pelo
desgosto esttico. A maior parte dos textos escritos nestas dcadas por
arquitectos sobre as casas de emigrantes so artigos de opinio publicados
em revistas especializadas ou na imprensa. Os lugares comuns e as
generalizaes abusivas so frequentes. Critica-se o recurso a projectos
importados, que todavia constituam uma minoria, a incompetncia dos
emigrantes na sua forma de habitar e o seu mau gosto, o desprezo pela
tradio e a invaso do campo com casas desenraizadas42.
Leite43 identificou trs tipos de discursos crticos: a crtica/denncia, a crtica
pedaggica e a crtica explicativa. O discurso dos arquitectos oscilou entre
o desprezo doutoral ou a crtica soberana Eram mais belas as antigas
aldeias portuguesas? Seguramente44 o desgosto e sentimento de agresso
pela nova paisagem construda e pela desestruturao dos ecosistemas
locais45, tolerncia ou compreenso face s necessidades de ascenso

42
VIEIRA, Clara; VERSSIMO, Raul S. -As Casas dos emigrantes na regio de Aveiro.
2 Congresso da AAP, Os arquitectos e o Ordenamento do Territrio, Fev. 1981, pp. 67-
74.
In VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1994/1995, op.cit. p.
43

178.
44
ROSETA, Helena - O Estilo maison. Jornal de Letras. 3 a 9 Maio 1988.
45
AFONSO, Jos - Problemas da arquitectura autnoma. Sema Publicao Sazonal de
Artes e Letras. 1984, pp.132-138.

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popular, na sequncia da dispora, da modernizao e desenvolvimento


tardios do pas: E embora reconhea o que h de positivo nesta situao
[...] no consigo evitar uma sensao cada vez mais desconfortvel: a de
que eu estou a mais nesta harmonia46.
Alguns, reconhecendo a importncia da pesquisa em cincias sociais sobre
o processo de produo das casas de emigrante, rejeitam-nas como objecto
de estudo em arquitectura, classificando-as como grotescas e uma injria
disciplina. Mas outros defenderam a necessidade de reflectir sobre a nova
realidade arquitectnica e urbanstica que a casa do emigrante representa47,
recomendando estudos aprofundados sobre a evoluo tipolgica de cada
regio e os processos de produo das casas48, ou incentivando a ir alm da
anlise formal para se compreender o modo de produo do emigrante49.
Pedro Brando50 foi dos poucos arquitectos a analisar as transformaes
das formas do edificado em meio rural atravs da leitura das mudanas
socioeconmicas tendo concluido que as inadequaes urbansticas e
arquitectnicas da nova construo deviam ser lidas como uma convite
a uma interveno mais adequada do arquitecto que tivesse em conta o
imaginrio prprio do emigrante.
Alguns arquitectos insurgiram-se contra o discurso depreciativo,
expressando mesmo uma certa curiosidade e entusiasmo pelas casas e
propondo uma assimilao entusiasta mas prudente dos novos modelos

KEIL AMARAL, Francisco P. - Coerncias ou na Feira de T. M. Arquitectos. N. 178-


46

179. Lisboa: AAP. Janeiro 1998, pp. 82-83.


47
FERNANDES, Jos Manuel; DIAS, Manuel GRAA - Notas sobre a c.e. Sema.
Publicao Sazonal de Artes e Letras. N. 4. Lisboa.
48
AFONSO, Jos. 1984, op.cit.
49
BARATA, Jos P. MARTINS - Emigrantes no pas real, Jornal dos Arquitectos. Abril
1982, pp. 8-9.
BRANDO, Pedro - O Eclipse da Arquitectura sem arquitectos. Jornal dos Arquitectos.
50

N.s 1, 2 e 3. 1984, pp. 5-6.

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e a procura de alternativas adaptadas s novas exigncias51. Os elogios


vieram sobretudo de arquitectos ps-modernos. Para Graa Dias, as casas
de emigrantes so belas, muito mais belas que as casas ricas de estilo
barroco tardio: porque legtimas, autnticas, tudo nelas est ligado aos
sentimentos mais profundos dos habitantes incultos [...]. Na grande
maioria delas podem ler-se trechos [...] que por fugirem cultura tradicional
[...] por no serem bem comportadas [...] se tornam extraordinariamente
atraentes52.
O discurso detractor esbateu-se com a percepo da existncia de outros
agentes responsveis pelo processo de produo das casas, desenhadores,
construtores ou fabricantes de materiais de construo, e pela ausncia de
arquitectos, municipalidades e Estado. A casa do emigrante expressa a a
falta de apoio municipal s estratgias familiares de construo de habitao
e a falta de apoio nacional reinsero do emigrante. Artigos de jornais e
revistas, documentrios53 e a verso portuguesa do livro Casa de sonhos54,
com uma anlise do processo de produo das casas, contriburam para
debater a questo e sublinhar a importncia da compreenso das lgicas dos
emigrantes por autarquias, arquitectos e urbanistas de forma a promover
intervenes ajustadas a esta realidade social e ao ambiente. A emergncia
desde a dcada de 1980 de novas construes de no emigrantes tambm
contribui para uma perspectiva crtica mais criteriosa.
Pode-se questionar se estas casas to criticadas por arquitectos e pelo

51
FERNANDES, Jos Manuel; DIAS, Manuel GRAA - Notas sobre a c.e. Sema.
Publicao Sazonal de Artes e Letras. N. 4. Lisboa.
52
DIAS, Manuel GRAA - Durar ou adorar. Independente. 25 Novembro 1988, p. 21.
53
Como ensaio de difuso de uma imagem no difamatria dos emigrantes e das suas
casas, Maria Beatriz Rocha-Trindade, sociloga e Helena Roseta, arquitecta, elaboraram
em 1988 para a televiso portuguesa o documentrio O sonho do emigrante, sobre o
seu modo de vida, de construir e de habitar.
54
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1995, op.cit.

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discurso dominante podero um dia obter valor patrimonial como ocorreu


com as casas de brasileiros do dealbar do sculo XX, embora nesse caso
maioritariamente obras de arquitecto. sobre este objecto grotesco que
o texto se debrua nos prximos itens.

3. Metamorfose habitacional operada pela emigrao


Com o fim da Segunda Guerra Mundial, abriu-se um importante
mercado de trabalho para a reconstruo da Europa industrializada e
destruda, para a qual a oferta local de mo-de-obra no era suficiente.
A acumulao intensiva de capital nestes pases nas trs dcadas do ps-
guerra traduziu-se num aumento real dos salrios e do poder de compra
dos trabalhadores, bem como no acesso mais amplo aos bens de consumo
e a uma habitao condigna. No mesmo perodo, em meados do sculo
XX, uma grande crise agrcola eclode em Portugal, que tardava em se
modernizar, agravando a precariedade das condies de vida da populao
sobretudo rural e a sua falta de mobilidade social e contribuindo para o
desencadear de uma nova e grande vaga de emigrao. Na dcada de 1950,
continuou a emigrar-se para o Brasil e a Argentina, mas na dcada de 1960
e at crise do petrleo de 1973/74 passou a emigrar-se sobretudo para a
Europa industrializada, em particular para Franca, onde os trabalhadores
recebiam salrios muito mais elevados que em Portugal.
Com a crise do petrleo de 1973 e a recesso econmica internacional que
ento se desencadeou, os pases europeus industrializados tomaram fortes
medidas restritivas emigrao. Em Portugal, a Revoluo de Abril de
1974, com a instaurao de um regime democrtico aps quarenta anos
de ditadura, a acelerao da modernizao econmica e social, s iniciada
na dcada de 1960, e o fim da guerra colonial contriburam para a grande
queda da emigrao. Estes dois momentos marcaram decisivamente a
emergncia, a partir da dcada de 1960, de um novo tipo de casa nas zonas

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ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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rurais, de emigrantes e de no emigrantes.



3.1. Urbanizao da aldeia e casas de sonho
Os emigrantes, originrios do mundo rural onde trabalhavam na
agricultura ou em pequenos ofcios, inseriram-se no mundo urbano dos
pases europeus industrializados de acolhimento: os homens trabalhavam
como assalariados nas indstrias, em particular na construo civil e mais
raramente nos servios e as mulheres como domsticas ou porteiras. No
percurso da emigrao, adquiriram melhores salrios e novas competncias,
maior capacidade de iniciativa e de negociao e um novo estatuto
socio-profissional. A mobilidade residencial nos pases de acolhimento55
favoreceu a absoro progressiva dos novos cdigos da sociedade urbana
e de consumo e a incorporao de novas prticas de habitar.
Com o acesso a melhores salrios, os emigrantes podem regressar
anualmente a Portugal, para um ms de frias, o que no era possvel na
emigrao para o continente americano, dado o maior tempo e custo das
viagens. A sua poupana destina-se em primeiro lugar construo de uma
casa na terra natal. Como afirmmos em Casas de sonho, ser proprietrio
de uma casa na aldeia natal constitua um dos principais objectivos dos
que ento emigravam para a Europa. A casa adquire um valor de uso,
durante o ms de frias anual, ou durante todo o ano no regresso definitivo,
e constitui o lugar de encontro de toda a famlia56; bem como um valor de
troca, como investimento transmissvel aos descendentes ou que se pode
transaccionar.

55
Nos primeiros anos, os emigrantes instalaram-se em bairros de barracas, depois em
conjuntos habitacionais de renda baixa (em Frana, habitation loyer modr - HLM) e
posteriormente alguns adquirem alojamento prprio, preferencialmente de tipo vivenda
unifamiliar.
56
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1995, op.cit. p. 59.

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At dcada de 1980, a maioria dos emigrantes que regressava


definitivamente terra natal, trabalhava na agricultura57, geralmente
a tempo parcial, ou na horta nas traseiras da casa. Os que regressaram
posteriormente, aps a construo da casa e a aquisio de equipamento
domstico e outros bens de consumo, investiram tendencialmente na
compra de terras agrcolas, na modernizao agrcola e no comrcio,
contribuindo para a revitalizao local. Os filhos da primeira gerao de
emigrantes, geralmente mais urbanos, no se interessavam pela agricultura
mas mantiveram uma ligao forte com a aldeia.
Os emigrantes regressados peridica ou definitivamente aldeia passaram
a configurar uma nova categoria social local, em ascenso econmica e
social. Os sinais de demonstrao do seu novo estatuto, da nova riqueza
material e do novo modo de vida urbano, so particularmente visveis no
vesturio, no automvel e na casa renovada ou nova. A casa simboliza
o processo cclico de diferenciao/identificao, separao/ligao
que marca o percurso dos emigrantes, entre a terra natal e os lugares de
emigrao. O regresso aldeia natal desencadeia mudanas no modo
de vida rural ao nvel da economia local, das prticas de consumo, dos
comportamentos e atitudes e do novo tipo de casa.
A partir da dcada de 1980, com o desenvolvimento e modernizao do
pas, a mobilidade social e a urbanizao j no se opera apenas atravs
da emigrao e a cultura urbana estende-se a todos os lugares. Para alm
dos emigrantes, outros lograram uma certa ascenso social e embora
sem atingir o mesmo nvel de compensao material, expressaram sinais
similares de mudana de estatuto e construram uma casa de um tipo
semelhante. Esta nova categoria de emigrantes e no emigrantes, em

AMARO, Rogrio ROQUE - Reintegrao em Portugal do ex-emigrante; Retorno,


57

emigrao e desenvolvimento regional. In M. Silva et al., Retorno emigrao


e desenvolvimento regional em Portugal. Lisboa: Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento. 1984, pp. 111-234.

219
Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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mobilidade social ascendente, distingue-se quer dos que se mantiveram na


condio de camponeses ou rurais pobres e no saram da terra natal, quer
dos mais urbanos, descendentes da pequena burguesia rural que emergira
no incio do sculo XX, e que lograram manter o seu estatuto, como foi o
caso em Alte58.
A casa constitui o lugar privilegiado de investimento simblico das
estratgias individuais de ascenso social lograda com a emigrao, ou
no, de afirmao do novo estatuto e da nova urbanidade. Alguns autores
interpretaram a casa do emigrante fundamentalmente como um bem de
consumo ostentatrio (Souza 1989) sublinhando a marginalidade dos
emigrantes em relao sua aldeia natal. Todavia, como observei em
Alte, a complexidade das relaes entre os que partem e os que ficam,
de entreajuda ou dependncia, e de demonstrao ou reconhecimento
de estatuto, requer uma anlise mais fina que d conta da percepo
dos emigrantes pela comunidade local, do contributo econmico dos
emigrantes na melhoria da aldeia (reparao da igreja, festas anuais, jornal
local...), da criao de emprego para os residentes no emigrantes e da sua
mobilidade.

58
RAPOSO, Isabel. 1995, op.cit.

220
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ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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3.2. A casa de emigrante, um novo tipo de casa?


A noo de tipo de casa aqui utilizada na acepo de Devillers e
Frey , correspondente condio do grupo social a que se destina, ao seu
59

modo de vida, s suas prticas de habitar. Na pesquisa interdisciplinar em


que participei em quatro aldeias no Norte do Pas60, conclui, divergindo
de autores com abordagem formal que negavam a existncia de um estilo
prprio do emigrante61, que a casa de emigrante constitui um novo tipo
de casa, correspondente a um novo modo de vida e habitar resultante da
ascenso social e da urbanidade adquiridas no percurso da emigrao. A
configurao deste novo tipo de casa resulta da justaposio de elementos
de diversos modelos: o da casa rural local e o da vivenda do trabalhador
assalariado nos pases de acolhimento e em Portugal.
A questo que lancei no final dessa investigao consistia em perceber
se era possvel diferenciar o tipo de casa do trabalhador assalariado de
origem rural em situao de mobilidade social ascendente atravs da
emigrao, do tipo de casa do trabalhador em idntica situao que no
emigrou. Ou seja, se a casa do emigrante constitua um tipo distinto, ou
um sub-tipo do tipo da casa do trabalhador assalariado de origem rural
em situao de mobilidade social ascendente. Na pesquisa que realizei
sobre a transformao da habitao popular em Alte62 demonstrei que as
casa novas construdas pelos emigrantes em todo o territrio nacional
constituam um sub-tipo desse novo tipo arquitectnico mais global.

59
DEVILLERS, Christian - Typologie de lhabitat & morphologie urbaine. Architecture
dAujourdhui. N 174. Paris. Julho-Agosto 1974, pp. 18-23. FREY, Jean-Pierre - 1995,
op.cit.
60
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1995, op.cit. pp. 108-
158.
SOUZA, Clara - Habitat: mode dexpression et symbole social des migrs portugais.
61

Sociedade e Territrio. N 8. Porto: Afrontamento. 1989, pp. 55-67.


62
RAPOSO, Isabel. 1999, op.cit. e 1995, op.cit.

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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Moutinho63, seguindo uma abordagem de inspirao marxista, foi o


primeiro a insurgir-se contra as crticas formalistas s casas dos emigrantes
e as interpretaes de tipo simblico exteriores aos actores em jogo,
comuns aos arquitectos, e analisou a casa de emigrante como expresso da
poupana conquistada como trabalhador assalariado no pas de acolhimento
e investida no pas natal na pequena produo agrcola ou nos servios.
Considerarndo que este modo de produo do emigrante, a que se refere
o autor, no est fora do modo de produo capitalista dominante ao nvel
nacional, ento o tipo arquitectnico da casa de emigrante constitui um
sub-tipo do tipo mais vasto da casa de trabalhador assalariado de origem
rural em situao de mobilidade ascendente no interior do pas.
A noo do espao como produto do social de Lefebvre64 (1974) leva mais
longe a reflexo pois cruza a leitura materialista do modo de produo
e do peso das estruturas econmica e poltico-jurdica com a leitura das
motivaes, representaes, estratgias, lgicas e prticas dos vrios
agentes do espao, dos seus constrangimentos e das suas margens de
manobra. Desta forma possvel dar conta da diversidade de situaes
locais, entender a relao entre a casa de emigrante e a casa do trabalhador
assalariado no emigrante de origem rural em percurso de mobilidade
ascendente e clarificar o papel de uma e outra na transformao da
paisagem rural na segunda metade do sculo XX em Portugal.
A investigao tipolgica que conduzi na aldeia de Alte, na beira-serra
algarvia, no incio da dcada de 1990, permitiu-me aprofundar a reflexo
realizada em pesquisas empricas anteriores sobre outras regies do pas
sobre as quais existia informao fivel: em Martinlongo no Algarve

MOUTINHO, Mrio - Casas de emigrantes ou arquitectura do emigrante ? 2 Congresso


63

da Associao de Arquitectos Portugueses. Lisboa. Fev 1981. Em texto posterior de


1989, Moutinho aprofundou a sua abordagem com um exerccio emprico aprofundado
desenvolvido em Leiria com estudantes universitrios.
64
LEFEBVRE, Henri - La Production de lespace. Paris: Anthropos. 1974.

222
Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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oriental65; no centro interior, em Castelo Bom66 e em Queiriga67; no


centro-oeste68 e a oeste, em Aveiro69; no norte, em Parada e Lebuo70;
no noroeste, em ncora e Moreira (ibid.) e no Minho71. Estas pesquisas
empricas permitiram identificar as transformaes no tempo e as variaes
regionais das casas de emigrante, bem como (ponto 4) as motivaes e
as prticas dos seus autores, os circuitos de difuso do modelo e a sua
subalternidade em relao casa do trabalhador assalariado no emigrante
de origem rural em percurso de mobilidade ascendente.

3.3. Variaes no tempo do tipo de casa de emigrante:


Confirmei em Alte tal como registado em outras regies do pas
(Martinlongo no Algarve oriental; Queiriga e Castelo Bom, no centro
interior; Parada, Lebuo, ncora e Moreira no Norte) e em outros pases
(ponto 1.2), dois perodos distintos da casa nova de emigrante da segunda
metade do sculo XX. Considerei que estes dois perodos constituem
dois momentos de gestao de um novo tipo e no tipos diferentes como
sugeriu Souza72: a modernidade e urbanidade que emergem nas casas

65
RAPOSO, Isabel - A Aldeia. In Martinlongo. Faro: RADIAL. 1987-a, pp. 3-8.
RAPOSO, Isabel - Espao social. In Keil Amaral (coord.). Castelo Bom, Recuperao
66

Urbana e Arquitectnica. Lisboa: DGEMN (relatrio de pesquisa). 1987, pp. 113-155.


ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz - Queiriga revisitada. In Emigrao e Retorno na
67

Regio Centro. Coimbra: CCRC. 1984, pp. 149-167.


68
MOUTINHO, Mrio - A Arquitectura das casas dos emigrantes na rea de influncia
do Museu Etnolgico de Monte Redondo de Leiria. Informao Preliminar. Sociedade e
Territrio. N. 8, Porto: Afrontamento. Fev 1989, pp. 79-80. MOUTINHO, Mrio. Fev
1981, op.cit.
69
VIEIRA, Clara; VERSSIMO, Raul S. - Fev. 1981, op.cit.
70
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel 1995/1994, op.cit.
71
SOUZA, Clara - 1989, op.cit.
72
Ibid.

223
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do primeiro momento (entre a dcada de 1960 e meados da dcada de


1970) expressam-se no momento seguinte (de meados da dcada de 1970
a incios de 199073) com maior liberdade e arrojo. As fronteiras destes
dois momentos no so rgidas. Para alm das condicionantes nacionais,
as diferenas entre os dois perodos emanam das necessidades funcionais
e simblicas dos proprietrios, dos seus recursos econmicos, das suas
referncias estticas e do papel desempenhado pelos outros intervenientes
no processo, sobretudo o tcnico do projecto e o construtor.
Os emigrantes que constroem casas no primeiro perodo, antes de 1974,
em plena ditadura, regressados definitivamente ou no regresso peridico,
tinham emigrado nos finais da dcada de 1950 ou dcada de 1960 e o seu
tempo de estadia no estrangeiro era em geral curto. Muitas vezes apenas
o homem emigrava e, recebendo um salrio mediano, regressava em geral
sem reforma, apenas com uma pequena poupana, voltando a trabalhar na
agricultura ou na construo na terra natal, onde a possibilidade de aceder
aos produtos do mercado era ainda reduzida. Sendo as prticas urbanas e
de consumo so emergentes e exgenas, estas primeiras casas incorporam
algumas das novas referncias da pequena burguesia urbana das vilas
vizinhas, mas prevalecem caractersticas do tipo rural popular antigo.
Os emigrantes que constroem casa a partir da segunda metade da dcada
de 1970, em geral passaram um maior tempo de estadia no estrangeiro,
emigraram com a famlia, dispondo de dois salrios e de maior capacidade
econmica e as prticas e valores da sociedade urbana e de consumo
tornam-se prevalecentes. Por outro lado, a democratizao do regime
em Portugal permite a expresso das classes populares, favorece a
urbanizao, o desenvolvimento dos meios de comunicao e a difuso

73
A partir da dcada de 1990, os emigrantes deixam de ser os principais actores da
construo de casa nova nas aldeias e vilas de Portugal e o discurso patrimonial ganha
peso (ver ltimo ponto deste texto).

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Transformao da habitao popular em meio rural
ARQUITECTURA POPULAR em Portugal na segunda metade do sculo XX
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dos valores urbanos e dos novos produtos. O mercado expande-se e impe-


se, facilitando o acesso local e regional a uma variedade cada vez maior
de materiais e de bens de consumo e as referncias multiplicam-se: o jogo
formal intensifica-se e as casas tendem a ser maiores e mais luxuosas.
A mudana nestes dois perodos opera-se a dois nveis: (i) da organizao
interior do espao domstico e da apropriao dos elementos de higiene e
conforto; (ii) da relao da casa com a rua e com o espao do aglomerado
localizao no tecido da aldeia, implantao na parcela e sua organizao,
tratamento da vedao, da entrada e da fachada. Para Frey74 este segundo
nvel o elemento distintivo mais marcante da urbanidade da casa e da
imagem do estatuto social do habitante, pois mais facilmente perceptvel
do exterior. Caracterizo nos prximos itens os dois perodos da casa de
emigrante, abordando primeiro a localizao na parcela e a organizao
interna e depois os espaos de transio, pelo seu carcter distintivo.

Localizao da casa na parcela e organizao do espao
domstico
No primeiro perodo, a implantao da casa na parcela retoma o
vocabulrio das casas antigas de tipo urbano burgus: encosta-se s casas
vizinhas, ligeiramente afastada da rua, com um pequeno ptio florido
fronteiro com muro de vedao baixo, encimado por grelha cermica ou
de cimento, uma horta nas traseiras da casa e anexos para a lavoura quando
esta subsiste. A construo progressiva em funo das necessidades e
das disponibilidades financeiras dos proprietrios, o que supe um clculo
a longo prazo e a definio de prioridades, mas tambm a aceitao
do imprevisto e uma certa margem de manobra para gerir o futuro. As
casas tm em geral apenas um piso, mas algumas foram posteriormente

74
FREY, Jean-Pierre - 1986, op.cit. pp. 178-180.

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ampliadas com um segundo piso ou anexos. A volumetria simples e a


dimenso pequena, o que alguns lamentam posteriormente. Se fosse hoje,
j fazia diferente, com outras tcnicas, outros telhados, outra esttica
(emigrante de Alte entrevistado em 1992, com casa construda em 1979).
Ao nvel da organizao interna, a casa passa a incorporar um corredor, que
serve muitas vezes de vestbulo e assegura a independncia das divises.
O corredor distribui para dois ou trs quartos, uma sala de visitas, uma
casa de banho e a cozinha.
No segundo perodo, a casa j no se encosta s vizinhas e afasta-se do
espao pblico, implantando-se por vezes a meio da parcela, com um
jardim na frente da casa. Esta localizao na parcela um dos traos
distintivos do novo tipo de casa: afastada do tecido antigo e das casas
vizinhas, afirma a sua individualidade e incorpora novas prticas urbanas
mas mantm a horta traseira. Esta coexistncia tpica das situaes de
passagem do rural ao urbano e confere maior margem de manobra para
compor com maior autonomia a parcela. A persistncia do habitus rural
mais frequente nas regies onde predomina a actividade agrcola, sendo
rara nas localidade onde os servios ou a indstria so predominantes.
A maioria das casas construdas neste segundo perodo tem dois pisos.
Quando a actividade agrcola j no existe, o rs-do-cho, com a mesma
rea do piso, utilizado para garagem e arrumos; por vezes inclui uma
diviso com uma segunda cozinha, ou uma sala de estar, ou um quarto
para familiares; nalguns casos, todo o espao utilizado como loja ou
oficina. Trata-se de um espao de reserva entendido pelos emigrantes
como um seguro para o futuro, face memria da penria de outrora,
embora alguns arquitectos o vejam como um espao de ostentao75. No
piso superior, localiza-se o espao domstico, estruturado por um corredor
central, muito vezes ligado com um vestbulo de entrada, ao qual se acede

75
SOUZA, Clara - 1989, op.cit. VIEIRA, Clara; VERSSIMO, Raul S. 1989, op.cit.

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frequentemente por uma varanda e uma escada exterior, um dos elementos


distintivos da casa de emigrante. Algumas casas tm tambm uma escada
interior.
As divises so maiores que nas casas do primeiro perodo e incluem
mobilirio completo comprado nas lojas locais ou da regio: trs ou
quatro quartos; uma sala com canto de estar e de comer, ou uma sala de
jantar separada e por vezes uma terceira sala para uso quotidiano, sendo
as outras reservadas a dias de festa; uma ou duas casa de banho, cujo
acabamento cuidado adquire um valor simblico de ascenso econmica;
e uma ou duas cozinhas76, a cozinha interior, moderna, com equipamento
electrodomstico moderno e a exterior, a cozinha de vida no campo,
com fogo a lenha e chamin, localizada no rs-do-cho ou em anexo,
smbolo da persistncia de um modo de vida rural que se justape ao modo
de vida urbano dominante neste segundo perodo. Contrariamente ao que
referiram os detractores destas casas, as duas cozinhas so utilizadas
embora em momentos diferentes, segundo as prticas e o estatuto dos
membros da famlia: a cozinha rstica, mais prxima da horta, utilizada
pelos membros mais rurais, emigrantes de primeira gerao, sobretudo no
vero, quando toda a famlia se junta e se cozinham as ementas tradicionais;
a cozinha moderna utilizada no Inverno ou no Vero pelos filhos mais
urbanizados e independentes.

76
Em Alte, onde procedi a um recenseamento de todo o universo de casas foi possvel
apurar que um tero das casas com duas casas de banho (30% do total) ou com duas
cozinhas tinham dois agregados familiares com relaes de parentesco prximas (filho
casado ou pais).

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Tratamento dos espaos de transio entre o exterior e o interior


Os espaos de transio entre o interior e o exterior da casa
tratamento da fachada, entrada, vedaes, afastamento em relao rua ,
adquirem uma importncia simblica acrescida nas situaes de passagem
do rural ao urbano77, como o caso da casa de emigrante78. O estatuto
que lhes acordado pode ser lido como um sinal da ascenso social e da
insero numa sociedade mais urbana obtida no percurso da emigrao.
Eles sublinham o corte com o passado atravs do recurso a uma nova
linguagem formal e a materiais modernos para melhor expressar a mudana
e a emancipao em relao aos cdigos antigos. O novo modelo no
replicado inteiramente de algum lado, mas resulta de uma combinao de
influncias de diferentes modelos, do tradicional ao moderno, do rural ao
urbano, do local ao nacional e ao estrangeiro. A tendncia a justaposio
de formas e de materiais, mais expressiva no Norte de Portugal que no Sul
devido a caractersticas regionais distintas.
A mudana perceptvel logo nas casas do primeiro perodo: a fachada
j no o plano liso e simtrico das casas antigas, sendo a entrada muitas
vezes reentrante; as janelas so mais largas, os vos, ou apenas a soleira
da porta e o peitoril das janelas, so emoldurados com pedra mrmore;
as portadas interiores de madeira so substitudas por estores de PVC
com caixa de enrolamento exterior; as portas mantm-se em madeira ou
em ferro. As fachadas das casas do segundo perodo tm mais volumes
salientes e reentrantes e so marcadas pela escada exterior de acesso ao
piso habitacional que liga a uma varanda fronteira. As janelas so mais
largas e existem frequentemente janelas de sacada. So vulgares as portadas
exteriores de madeira ou de alumnio importadas de Frana e generalizam-

77
FREY, Jean-Pierre - 1986, op.cit.; 1995, op.cit.
78
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel 1995/1994, op.cit., p.
107.

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se as portas de alumnio anodizado que desde finais da dcada de 1980 so


substitudas por alumnio lacado.
As grelhas industriais cermicas ou de cimento, desde o final da dcada
de 1950 e as grades de ferro soldado desde 1970, ou as de alumnio, desde
1980, so os novos elementos decorativos das casas de emigrante: mais
discretos no primeiro perodo, encimando vedaes; mais profusas e com
maior variao de modelos na mesma casa no segundo perodo, nas guardas
das varandas e das escadas exteriores de acesso ao piso habitacional e nos
portes.
O telhado, elemento marcante da fachada da casa, ganha uma expresso
forte nas casas de emigrante: no primeiro perodo, o telhado inclinado
antigo de duas guas substitudo pelo de quatro guas; no segundo
perodo, o telhado adquire mais feitios acompanhando a maior variao
do volume da casa e a telha cermica artesanal substituda pela telha
cermica industrial tipo Marselha ou tipo Lusa e ainda pela telha em
cimento vermelha ou negra. sobretudo a chamin, imagem metafrica
do lar, que constitui um elemento simblico de tratamento da fachada,
ganhando propores particularmente relevantes nas casas de emigrantes
do segundo perodo do Norte do pas.

3.4. Variaes regionais da casa de emigrante
Retomo aqui algumas das caractersticas das variaes regionais
das casas de emigrantes que observei no Norte do pas e sistematizei
posteriormente79, com base nos vrios estudos empricos at a realizados.
A maioria tem dois pisos e algumas mansarda, mas no Centro e Norte
do pas, mesmo as casas do primeiro perodo tm dois pisos, enquanto a
maioria das casas deste perodo, nas aldeias estudadas no Algarve (Alte e

79
RAPOSO, Isabel 1999, op.cit.

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Martinlongo), tem apenas um piso, tal como em Leiria (neste caso, nos dois
perodos) e em ncora, aldeia piscatria. Pode deduzir-se que nas regies
ou localidades onde a casa popular antiga tem um s piso, as primeiras
casas de emigrantes reproduzem essa volumetria. Uma outra distino
regional respeita existncia de um anexo utilizado como residncia
dos proprietrios, correspondendo em geral ao aluguer da casa principal.
Trata-se de uma prtica associada existncia de um turismo estival,
como ocorre em ncora e Aveiro, dois lugares tursticos do litoral, em que
a casa principal adquire maior valor de troca. No observmos distines
regionais respeitantes localizao da casa na parcela nem organizao
interna do espao domstico. As maiores diferenas manifestam-se ao
nvel dos espaos ou superfcies de transio entre o interior e o exterior.
A justaposio de diferentes materiais na fachada das casas de emigrantes
mais exuberante no Norte que no Sul onde a percentagem de casas
de emigrantes menor. Esta diferena pode explicar-se pelo percurso
do emigrante ou por traos regionais: predomnio do branco da cal na
arquitectura local do Sul; maior rigidez das normas municipais dado o
peso do turismo na regio; menor desenvolvimento do interior algarvio
e alentejano determinando uma expresso mais discreta de uma ascenso
menor e maior vitalidade econmica do Norte.
As paredes exteriores em pedra vista so tpicas das regies de granito
do centro e Norte de Portugal, sendo utilizada nos dois pisos nas regies
mais ricas em pedra, como Parada, e nas outras marcando apenas o
embasamento ou o piso trreo. No Sul so raras. As juntas das pedras
salientes so objecto de forte exerccio cromtico, nalgumas localidades
do Norte, como Lebuo, onde as cores vivas permanecem dominantes no
novo milnio .
As fachadas multicoloridas so frequentes nas casas de emigrantes do
segundo perodo do Norte e Centro, quando a pedra no era o revestimento

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predominante, como em Parada, mas eram pouco comuns no Algarve


onde predominou o branco e as cores claras. O revestimento das fachadas
a azulejo manifestou-se sobretudo no litoral Norte do pas, de fabrico
industrial, corres berrantes e sem guarnecimento80. No centro litoral o seu
uso mais pontual, sublinhando, por exemplo, a entrada da casa, e raro
no Sul.
Os telhados negros de grande inclinao e com mansardas so um dos
elementos importados do estrangeiro, frequentes nas casas de emigrantes
do Norte e centro do pas onde as chuvas so mais abundantes, sendo
muito raros no Sul. Em Alte, no Algarve, as casas construdas no segundo
perodo tm em geral quatro guas em telha cermica vermelha. No litoral
centro, caso de Leiria, Aveiro e Ovar, so comuns os telhados de duas
guas. No centro interior, em Queiriga, os telhados tm geralmente quatro
guas mais inclinadas que no Sul, e as casas incluem frequentemente um
terceiro piso em mansarda, o que tambm comum no interior Norte como
observmos em Parada e Lebuo.
A chamin nas casas de emigrante do Norte litoral constitui um elemento
de composio da fachada, como em Moreira, onde so frequentes
chamins de grandes dimenses rasgadas nas fachadas e marcadas com
materiais de revestimento em pedra aparente. Este tipo de chamin que
permite o escoamentos dos fumos da lareira da sala e surge tambm em
casas novas de no emigrantes menos frequente no Norte interior e rara
no Sul. Em Alte, onde as casa antigas eram coroadas por uma frondosa
chamin rendilhada que servia a lareira da cozinha, a chamin da sala no
ocupa um lugar preponderante na composio da fachada.
As variaes regionais das fachadas das casas dos emigrantes tm origens

80
No final do sculo XIX, tambm os Brasileiros, emigrantes enriquecidos no Brasil
e regressados terra embelezaram as fachadas das suas casas com azulejos. Mas estes
eram de fabrico artesanal e guarneciam o limite da fachada e os vos das portas e janelas.

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diversas. inspirando-se nas referncias locais antigas e novas. Para alm


destas variaes espaciais, observam-se diferenas no que respeita
importncia acordada auto-construo: segundo Leite81, predominava nas
freguesias mais rurais do Norte do pas (Lebuo e Parada), onde persistiam
prticas de entre-ajuda, de solidariedade, de troca de servios entre vizinhos
e amigos, apenas confiando a operrios os trabalhos especializados. Nas
freguesias nortenhas do litoral, mais industrializadas ou tursticas (Moreira
e ncora), era maior a tendncia em se recorrer a empresas de construo.
No Sul, em Alte, de caractersticas rurais prevalecentes at dcada de
1980, os emigrantes recorreram maioritariamente at dcada de 1990,
a um sistema misto de auto-construo e de administrao directa: o
proprietrio construa a casa com a ajuda de membros da famlia e de um
vizinho, operrio da construo, em quem confiava e a quem pagava
jorna. O tempo mais longo de edificao da casa auto-construda (cinco
anos em mdia) no constitua uma contradio para os emigrantes e s na
dcada de 1990 se passou a recorrer a empreiteiros.

4. Concepo e produo da casa de emigrante: uma


arquitectura sem arquitectos

4.1. Agentes produtores das casas de emigrante
As primeiras casas de emigrantes da dcada de 1960 e 1970 eram
concebidas sem projecto, tal como as antigas casas populares de tipo rural.
Os emigrantes obtinham a licena de construo depois de iniciarem as
obras, ou j com a casa construda, a partir de um esboo muito simples
apresentado aos servios municipais. A partir de finais da dcada de 1970,

81
LEITE, Carolina - A Casa em construo. Congresso Internacional sobre Emigrao,
Imigrao em Portugal, sculos XIX e XX. Lisboa. 1992.

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para a construo de uma nova casa passa a ser necessrio um projecto


aprovado pelos servios municipais. O projecto no entendido como um
instrumento para melhor conceber e construir mas como uma exigncia
municipal. Todavia a burocracia e o tempo de aprovao do projecto
continuam a encorajar a construo clandestina.
Alguns municpios neste perodo disponibilizaram catlogos de projectos-
tipo, que foram pouco utilizados pelos emigrantes: s testemunhmos um
caso em Lebuo de um emigrante regressado em 196682. Os projectos-
tipo no correspondiam ao modelo de casa de emigrante e a sua adaptao
entraria em concorrncia com o nmero crescente de agentes privados,
desenhadores ou engenheiros, que desenhavam por uma pequena verba o
projecto necessrio obteno de uma licena de construo. Na dcada
de 1980, com a emergncia do interesse pela salvaguarda do patrimnio
construdo, alguns raros municpios lanam novos projectos-tipo
inspirados nas tradies regionais. o caso de Pinto Machado nostlgico
da arquitectura popular tradicional que considera: mais bela, mais simples,
mais integrada no meio e mais econmica que os modelos de casas
controversos importados das cidades ou do estrangeiro83. As casas que
prope de um ou de dois pisos habitacionais sem corredor de distribuio,
incluem elementos e materiais caractersticos da casa popular ancestral da
regio onde se insere, mas no respondem s referncias e aspiraes dos
emigrantes. No tanto o projecto-tipo que afasta o emigrante: mais a sua
configurao. Os emigrantes consultam catlogos de projectos nos pases de
acolhimento que influenciam a sua escolha. O catlogo de projectos-tipo foi
sobretudo alvo de crticas de arquitectos que o consideraram castrador ao
nvel conceptual e ineficaz do ponto de vista urbano.

82
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel - 1995, op.cit., p.134
MACHADO, Jos L. Pinto - Habitao rural. Sugestes para a renovao ou construo.
83

Mtodos construtivos e elementos tradicionais, Lisboa: Livraria Popular Francisco


Franco. 1987 (3 Ed.), p. 13.

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Os municpios no criaram nenhum servio de apoio aos projectos e


construo das casas de emigrantes sendo vistos por estes como um
obstculo ao seu desejo de construir pela imposio de procedimentos
burocrticos e normas estritas, no ajustadas aos seus modelos de casa e
inflexveis para as pessoas comuns. A falta de uma poltica municipal e de
meios tcnicos para atender a esta questo contriburam para a configurao
e extenso das casas de emigrantes nas periferias dos povoados rurais ou
pequenas vilas onde se instalaram.
A casa de sonhos dos emigrantes a vivenda unifamiliar com jardim que
viram no pas de acolhimento ou na regio de origem. A partir de uma ideia
centrada sobretudo na organizao interna da casa realizavam uma planta
esquemtica; outros traziam um projecto ou uma fotografia do estrangeiro;
alguns apenas tinham uma ideia vaga do que pretendiam.
Para obter a licena de construo, desde finais de 1970, o emigrante
teve de recorrer ao apoio de um desenhador (profissional ou amador),
geralmente residente na freguesia e nas proximidades, ou menos vezes
de um engenheiro dos servios municipais ou da regio. Sem grande
discusso, estas duas figuras traduziam, de forma primria, o sonho do
emigrante num plano apresentvel aos servios municipais. Quando o
emigrante no trazia nenhum esquema ou referncia, eles reproduziam
com poucas modificaes o que se fazia no lugar, projectos j realizados,
ou divulgados em revistas de moradias. Sem formao arquitectnica,
dificilmente lograram converter o sonho do emigrante numa intuio
elaborada. Por outro lado, face ausncia do emigrante, muitas vezes as
suas ideias no so compreendidas ou respeitadas.
Raramente o emigrante recorria a arquitecto: os dois casos que identifiquei
no Nordeste de Portugal correspondem a agregados de maiores recursos

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(empregado de escritrio e comerciante)84. Como identifiquei nessa


pesquisa, a ausncia do arquitecto pode explicar-se por diversos factores:
as competncias do arquitecto no eram valorizadas pelo emigrante;
o arquitecto no se interessava por este tipo de projecto, requeriam
honorrios superiores aos do desenhador ou do engenheiro e eram mais
respeitadores das normas e menos das ideias dos clientes; os desenhadores
e engenheiros tinham maior capacidade, pela sua proximidade com os
tcnicos municipais (de parentesco ou de parceria) de contornar os entraves
burocrticos.
A partir da dcada de 1990, face s novas exigncias municipais e crise de
emprego dos arquitectos, estes comeam a estar mais presentes e passam a
ser mais solicitados por alguns emigrantes. Todavia, como referiu Leite 85,
nem sempre so capazes de traduzir em linguagem coerente a encomenda
dos seus clientes. Estes visam sobretudo expressar as diversas referncias
no seu percurso do rural ao urbano.
Outra figura decisiva na configurao das casas de emigrantes o
construtor, em grande parte responsvel pelo recurso s novas tcnicas
e aos novos materiais de construo. Na ausncia do emigrante, alguns
recorriam a estratgias pouco transparentes e utilizavam materiais de
qualidade inferior ao acordado com o cliente e ao requerido para assegurar
uma boa estrutura e um bom isolamento; outros modificavam o projecto
por leitura deturpada ou para simplificar a construo. Como verifiquei na
pesquisa no Norte de Portugal, para evitar estes desvios e reduzir o custo
da construo, alguns emigrantes, muitos deles a trabalhar no sector da
construo civil (sobretudo os que emigraram para Frana), recorriam
auto-construo com o apoio da rede de entre-ajuda familiar.

84
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel - 1995, op.cit.
85
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel - 1995, op.cit., p. 82.

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A casa de emigrante resultou assim da interveno directa dos desenhadores


e construtores, da interveno indirecta da municipalidade e do papel
mais discreto dos representantes dos proprietrios na sua ausncia. O
seu principal autor todavia o emigrante, presente, ou ausente: ele que
articula todos os intervenientes, que escolhe o modelo de casa que mais
lhe convm, copia, reinterpreta, modifica e corrige ou elimina o que no
lhe agrada e que toma decises em funo dos seus recursos. O modelo
de casa de emigrante funo do seu modelo cultural86 em gestao e em
transformao contnua, composto de mltiplas referncias, muito distante
do modelo rural antigo moldado pelo tempo longo. O novo modelo de casa
forjado no percurso de mobilidade geogrfica e residencial do emigrante
e de uma certa mobilidade social e resulta tambm dos imperativos da
produo do mercado local e da interveno de todos os agentes do
processo, cada um com as suas estratgias. Na ausncia do emigrante,
estes so os principais responsveis pelo hiato entre a casa concebida e a
casa construda87. A pertena mesma categoria social do emigrante e a
utilizao de uma linguagem comum deveria permitir uma interpretao
escrupulosa da encomenda88; mas os seus conhecimentos, capacidades
tcnicas e artsticas, a sua competncia profissional e honestidade em geral
insuficientes, contriburam para a falta de qualidade do produto final.
A casa de emigrante das dcadas de 1960 a 1990 inscreve-se assim
no domnio do habitat popular das categorias sociais de origem rural
pouco favorecidas em processo de urbanizao e de mobilidade social.
Considerando, como atrs referi (ponto 1.1), que a arquitectura supe um
modo especfico de representao do espao, a casa de emigrante erguida

86
RAYMOND, Henri - Habitat, modles culturels et architecture. Architecture
dAujourdhui. N 174. Julho-Agosto, 1974.
87
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel - 1995, op.cit., p. 152.
88
Op.cit., p. 157

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com base num desenho de um corpo de profissionais (embora raramente


arquitecto), insere-se na categoria de arquitectura popular. Os arquitectos
tendem a recusar esta apelao por considerarem que esta nova construo
perdeu a mestria da linguagem rural sem ter apreendido os cdigos da
linguagem urbana89.

4.2. O papel do mercado
O alargamento do mercado permite o acesso a uma diversidade
de modelos, tcnicas e materiais, de tradicional a moderno, de populares
a eruditas, de artesanais a industriais, de locais a regionais e estrangeiras.
A adopo de novas referncias predomina nas casas de emigrantes do
segundo perodo, sinal da progressiva abertura economia de mercado e
do acesso aos sinais de modernidade. Esta ruptura simboliza uma procura
individual de distino e de demonstrao do sucesso atravs do consumo,
mas tambm o desejo de conforto.
Mesmo depois de concluda, a casa permanece o lugar de futuros
investimentos: aumenta-se o espao em funo de novas necessidades,
rectifica-se, melhora-se, aperfeioa-se constantemente, moderniza-se
e actualiza-se a um ritmo muito distinto das prticas rurais antigas. a
presso insistente do mercado e dos efeitos de moda, a incitao crescente
ao consumo, flutuao das aspiraes e aos critrios de julgamentos
dos outros. Uma maior mobilidade social determina tambm uma maior
acelerao das mudanas introduzidas no espao domstico. A escolha e as
mudanas j no resultam apenas de um clculo econmico mas tambm
de critrios de qualidade, moda e gosto. o que referia uma residente de
Alte entrevistada em 1993: Naquele tempo no havia os materiais que h
hoje, mais modernos, mais bonitos, vamos sempre modificando.

89
BRANDO, Pedro - 1984-2, op.cit., p. 6.

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A poupana adquirida na emigrao permitindo construir uma casa no


pas natal, a inexistncia nos primeiros anos, de regulamentos rgidos de
construo ou urbanizao, a ausncia de arquitectos neste territrio e os
novos produtos oferecidos pelo mercado criaram as condies propcias
expresso dos valores de conforto e modernidade, livres de qualquer
constrangimento ou crtica ideolgica ou ecolgica. A aspirao a um
maior conforto manifesta-se em melhores e maiores espaos de higiene
(WC e casa de banho), numa maior individualizao do espao de cada
membro da famlia, em melhores espaos de recepo de visitas, na
melhor iluminao solar e melhor arejamento, na maior capacidade de
arrumao e maior facilidade de limpeza. O desejo de fazer significar o
novo estatuto expressa-se nos lustres, nas torneiras douradas, nos mveis
envernizados, no mobilirio completo convencional para cada sala e nos
bibelots decorativos. A entrada na modernidade, est espelhada na abertura
a uma variedade de formas e materiais, preferindo os modernos aos
antigos, adquirindo todo o equipamento domstico moderno disposio
no mercado, desde a televiso e o vdeo, ao frigorfico e ao micro-ondas.
Estes materiais so adquiridos mesmo quando no se dispe ainda da
rede de infra-estruturas bsicas, assumindo neste caso uma mera funo
simblica at que as condies materiais lhe permitam alcanar o seu valor
de uso. No so meros objectos de ostentao como argumentaram os seus
detractores: a sua incorporao corresponde a uma transformao efectiva
e progressiva das prticas medida da sua lenta entrada na modernidade.
Subsistem avanos e recuos entre o rural e o urbano, o tradicional e o
moderno, o popular e o burgus.
O mercado joga um papel decisivo nas escolhas realizadas, pela seduo,
pela insistncia, ou pela manipulao com que se impe e pela competio
que despoleta. Ao mesmo tempo que provoca um sentimento de liberdade
de consumir e de viver e de bem estar material, o mercado multiplica
as aspiraes gerando um processo de dependncia progressivamente

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acentuado. Como referiu um emigrante de Alte entrevistado em 1991, que


construiu a sua casa entre 1964 e 1967: Agora quem tem dinheiro e quer
fazer uma casa, faz sempre melhor do que o outro j fez. So todos a
melhorar. Constri-se cada vez maior.
A demonstrao da mobilidade conquistada processa-se sempre a par de
uma racionalidade previdente que subjaz ao projecto de casa: esta deve
permitir a instalao dos filhos casados e netos em caso de necessidade.
O decurso da vida muitas vezes contraria o desejo de um espao grande.
o caso de uma mulher viva residindo numa grande casa em Alte
que decidiu vend-la para se juntar aos filhos, emigrantes na Austrlia,
que s esporadicamente passavam o ms de frias e no tencionavam
regressar definitivamente a Portugal. Noutros casos, algumas divises
como salas de visita ou cozinhas modernas passam a ser pouco utilizadas,
face ausncia da segunda gerao. O papel do mercado na incitao a
um aparato cada vez maior, pode assim assumir uma certa coero ou
violncia simblica: frustrao por no se ter construdo maior, ou, por
se ter construdo demasiado grande, quando deixa de haver capacidade de
uso ou de limpeza.

4.3. Difuso do modelo: da importao ou traduo
disseminao
A importao de referncias um trao da arquitectura portuguesa
que testemunha a dispora dos portugueses. A importao tende a
intensificar-se com a generalizao da circulao de pessoas e bens. No
caso das casas de emigrante, as influncias do estrangeiro so por vezes
inexistentes, contrariamente ao que mencionavam os seus detractores,
variando em cada casa, mas so mais visveis nas do segundo perodo. Os
emigrantes em funo dos seus sonhos e das suas possibilidades traziam
ideias e referncias dos pases de acolhimento em geral avulsas sobre a

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organizao interna, a fachada ou os elementos construtivos, ou por vezes


uma foto ou um plano retirado de um catlogo ou de uma revista90.
As fachadas dos poucos projectos importados que identifiquei, mais
frequentes no Norte do pas91, so geralmente mais discretas que as de
projectos desenhados localmente: brancas ou de cores claras, tm portadas
exteriores em madeira ou menos frequentemente em alumnio; a escada
exterior no um elemento visual dominante; em contrapartida a entrada
mais acentuada e os telhados mais inclinados, amide negros e em
mansarda. Mesmo no caso de projectos importados nunca se trata de uma
transferncia mecnica como na importao de mercadorias. H sempre
um processo de transposio e uma mudana de sentido ou uma traduo
do que foi importado. As alteraes dependem do gosto do emigrante
mas tambm das condies locais, das competncias profissionais e
dos materiais de construo disponveis, bem como dos regulamentos
municipais e das caractersticas urbanas.
O projecto ou os elementos importados justapem-se com as influncias
formais e funcionais locais, tradicionais ou modernas, regionais ou
nacionais, sendo a influncia do estrangeiro sempre parcial. A articulao
ou justaposio dos elementos de origem estrangeira aos de origem
nacional ou local varia, resultando uma diversidade de configuraes que
se assemelham mais ou menos ao tipo de casa do assalariado portugus de
origem rural em mobilidade social ascendente.
Henri Raymond92 viu neste processo de importao a emergncia de uma

90
Segundo emigrantes entrevistados no Norte de Portugal, na Alemanha, algumas
empresas de construo enviavam, a pedido, os catlogos de projectos de casas e,
em Frana, os parques de exposies com prottipos de vivendas disponibilizavam
gratuitamente os seus projectos.
91
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel - 1995, op.cit., p. 164.
RAYMOND, Henri - Compte rendu Maisons de rve au Portugal de R. Villanova, C.
92

Leite et I. Raposo. Lhomme et la Socit. 1995, pp. 142-143.

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cultura europeia do habitat, na qual as casas de emigrante participariam


da sua constituio. Todavia, dificilmente imaginamos a importao para
Frana ou para a Alemanha de um modelo portugus resultante de um
fluxo inverso de migrao de trabalhadores, a menos que as relaes de
dominao econmica se invertessem radicalmente, o que no se vislumbra
nesta segunda dcada do sculo XXI. O tipo de casa de emigrante como se
materializou em Portugal com todas as suas variaes no se disseminar
em Frana ou na Alemanha nas condies actuais. Isto no exclui influncias
pontuais e exticas que tendem a crescer com a expanso e liberalizao
do mercado e o sistema de moda. O que se encontra em Frana de maior
similitude com a casa de emigrante em Portugal a vivenda reabilitada
ou construda pelos emigrantes portugueses nas periferias pavillonaires
de Paris ou outras cidades, aqui condicionada por uma regulamentao
francesa mais restritiva.
Pode assim afirmar-se que as casas de emigrante em Portugal so
um produto fabricado pela realidade nacional moldada por quarenta
anos de uma ditadura conservadora e retrgrada, que no estimulou
o desenvolvimento do pas, forou os emigrantes a abalarem e no os
enquadrou no seu regresso. neste contexto que ganha forma o modelo
internacional da vivenda do trabalhador assalariado de origem rural
num percurso de mobilidade geogrfica e social ascendente. As suas
caractersticas ultrapassam largamente a escala europeia e expressam a
tendncia homogeneizao e massificao, urbanizao e circulao
de modelos resultantes da expanso do mercado e da densificao das
redes de troca e de comunicao. Desta forma se explicar o uso na Ilha
Santa Margarita na Venezuela do mesmo procedimento de destaque
das juntas salientes das pedras da fachada a vermelho e branco, ou de
justaposio de materiais diferentes nas fachadas como se encontrou

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em casas de emigrantes (e no s) no Norte do pas93. Por outro lado, os


emigrantes que constroem uma casa na sua terra natal no proveem apenas
da Europa industrializada. Na aldeia sede de Alte, por exemplo, cerca de
36% dos proprietrios de casas novas de emigrantes regressaram de frica
ou das Amricas. E como refiro no prximo item, os emigrantes no so
os nicos habitantes de origem rural que constroem uma casa de tipo novo
no pas natal.

Figura 1
Casa de emigrante, construda em
1973 em Moreira, no Norte de
Portugal.
As juntas das pedras tinham sido
realadas a vermelho e branco
pelo proprietrio como vimos no
levantamento realizado em 1989, mas
na fotografia de 2013 (da autora) esto
pintadas a branco.

Figura 2
Casa de residente no emigrante,
marceneiro, construda em 1981 em
Alte, no Algarve.
Fotografia da autora de 1993.

93
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel - 1995, op.cit., p. 129.

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4.4. Casas novas de no-emigrantes


Mesmo em Portugal onde o emigrante foi um agente incontornvel
da modernizao e urbanizao das aldeias, eles no so os nicos agentes
desse processo. J na pesquisa realizada em quarto aldeias do Norte do
pas registara que algumas das casas de tipo novo no eram de emigrantes.
Na pesquisa emprica que realizei em Alte entre 1989 e 1994 em que
procedi a um levantamento exaustivo de todas as casas da aldeia segundo
uma abordagem socioespacial, diacrnica e sincrnica, pude levar mais
longe esta reflexo tendo verificado que: (i) as novas casas construdas na
aldeia desde 1950 anunciaram a transformao tipolgica que se seguiu,
recorrendo a novos materiais, novas tcnicas e novas formas; (ii) as
raras casa construdas na dcada de 1950 foram construdas por altenses
residentes; (iii) na dcada de 1960 e at meados de 1970, a actividade
de construo aumentou mas as casas novas foram construdas quer por
emigrantes (20 casos) quer por residentes no emigrantes (17 casos);
(iv) em contrapartida, entre 1975 e 1985 foram sobretudo os emigrantes
que construram uma casa nova em Alte (31 casos, sendo 20 casos entre
1975 e 1980 e onze entre 1980 e 1985), registando-se poucas casas novas
de residentes no emigrantes (6 casos); (v) entre 1985 e 1990, diminui
o nmero de casas novas e volta a equilibrar-se o nmero das que so
construdas pelos emigrantes (9) e pelo residentes no emigrantes (8).
Esta casas novas de tipo popular urbano em meio rural pertencem aos dois
grupos que adquiriram uma posio similar no espao social da aldeia,
com o mesmo nvel escolar e uma mudana idntica de estatuto scio-
profissional. A sua ascenso econmica permitiu-lhes investir na melhoria
das suas condies de habitao e inserir-se na sociedade urbana capitalista
de que outrora haviam sido excludos pela sua condio de agricultores
pobres.
As casa novas de residentes no emigrantes testemunham a influncia

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crescente dos modelos urbanos na organizao do espao domstico e nas


fachadas. O processo de modernizao em Portugal comeou tardiamente
na dcada de 1960 com o crescimento catico do capital industrial. Foi
estimulado com a democratizao do regime poltico desde Abril de 1974
e com o desenvolvimento com fundos europeus desde meados da dcada
de 1980 de iniciativas associativas e pblicas visando um desenvolvimento
integrado, tendo favorecido a melhoria progressiva das condies de vida
em meio rural e a mobilidade socioprofissional ascendente das populaes
rurais que no emigraram.
Em grande parte do mundo rural em Portugal foram os emigrantes que
abalaram na dcada de 1960 para os pases da Europa desenvolvida que em
maior nmero conseguiram vencer a precariedade e aceder a uma poupana
suficiente para melhorar a sua habitao na terra natal. Mais cedo que os
que ficaram na aldeia, eles conseguiram inserir-se numa sociedade urbana
moderna e de consumo que os acolheu e cujas novas prticas, novas formas
de vida e de habitat eles adoptaram pouco a pouco. Se os modelos urbanos
veiculados pelos emigrantes se difundiram nas comunidades de onde so
provenientes e aonde regressam porque no interior do pas as populaes
locais atravessam um processo de transformao similar de passagem do
rural ao urbano. Todavia mobilidade socioprofissional ascendente dos
dois grupos acresce a mobilidade geogrfica e residencial dos emigrantes
para l das fronteiras nacionais. A experincia de vida no estrangeiro e
a poupana mais substancial que ela favoreceu explica a assimilao de
referncias que no fazem parte do repertrio das influncias daqueles que
ficaram. Isto explica a existncia nas casas de emigrantes de um acrscimo
de justaposio de formas, cores, texturas e materiais que agregam as
referncias nacionais e os elementos importados do estrangeiro. esta
caracterstica que identifiquei no Norte de Portugal94 e confirmei em Alte

94
VILLANOVA, Roselyne; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel - 1995, op.cit., p. 65.

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que distingue o tipo de casa de emigrante do modelo nacional de vivenda


unifamiliar com jardim dos trabalhadores de origem rural em situao de
ascenso socioeconmica no interior do seu prprio pas95. Este modelo
nacional, modelado num contexto poltico e socioeconmico especfico
inscreve-se no modelo internacional de vivenda unifamiliar com jardim
caracterstico da generalizao da condio salarial.
Sendo as semelhanas mais numerosas que as diferenas, pode considerar-
se a casa de emigrante um sub-tipo desse modelo nacional de vivenda.
Alte constitui um exemplo paradigmtico: os contornos da modernizao
do modelo de casa foram esquissados na dcada de 1960 quando o pas se
abria modernizao e so tanto obra dos emigrantes como dos residentes
no emigrantes. Foi nesse perodo e at 1974 que surgiu o habitat tpico
do trabalhador de origem rural em ascenso social em Alte como na
maioria do mundo rural em Portugal. Em 1970, Ernesto Veiga de Oliveira
j distinguia dois tipos de casa: o dos rurais que na sua passagem do rural
ao urbano, vivida na aldeia, inscrevem a sua mudana do modo de vida
numa casa mais moderna que incorpora procedimentos industriais; e o
dos emigrantes mais rico e melhor construdo [] que retoma alguns
aspectos exteriores da arquitectura modernista da cidade96.
S entre 1975 e 1985 os emigrantes dominam a actividade de construo
na aldeia, e o sub-tipo de casa de emigrante atinge a sua maior expresso,
torna-se mais visvel e os seus elementos de distino se afirmam em
resultado dos vrios factores favorveis expresso das classes populares
no pas. Neste perodo, este sub-tipo tem um papel de acelerador mas
no de percursor do processo de modernizao e de urbanizao dos

95
Ibid., op.cit., pp. 153-154, 163.
96
OLIVEIRA, Ernesto V.; GALHANO, Fernando - Arquitetura tradicional portuguesa.
Lisboa: Publicaes Dom Quixote. 1992, PP. 371-372.

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modelos de casa em meio rural. Pelo seu maior nmero e pela imagem de
sucesso que exprimem, as casas de emigrantes deste perodo constituem
uma referncia para os futuros construtores, proprietrios e residentes
de casa unifamiliares da mesma condio social. Os residentes que no
emigram partilharo uma parte do vocabulrio composto pelos emigrantes.
As casas de emigrantes so mais visveis na paisagem portuguesa quando
constituem o nico sinal de desenvolvimento. Nas localidades onde
emergiram outras solues para o desenvolvimento local, as casas de
emigrantes no so maioritrias e o sentido das influncias pode inverter-
se. O peso que adquirem as casas de emigrante no conjunto do edificado
est assim condicionado pela situao econmica e social, local e global.
Na dcada de 1990, em contexto neoliberal, foram lanados programas
de iniciativa pblica mais direccionados para a patrimonializao
e turistificao do que para o desenvolvimento rural integrado que
juntamente com os media veicularam uma nova importncia acordada
a solues formais inspiradas nos modelos antigos. Ao mesmo tempo,
passa a haver maior interveno do arquitecto em meio rural, introduzindo
uma linguagem mais contempornea. As novas casas construdas por
emigrantes ou no emigrantes em percurso de mobilidade social ascendente
incorporam estas mudanas de modas e referenciais.

Breves notas conclusivas


A passagem de uma sociedade rural a uma sociedade urbana e
moderna no foi vivida ao mesmo ritmo nem com a mesma intensidade
em todos os domnios e por todos os indivduos e grupos sociais, o que
determina a persistncia de habitus rurais que coexistem com prticas
urbanas. Esta coexistncia manifesta-se ao nvel do habitat quer ao nvel
de cada casa, na qual se combinam diversos tipos de influncias, quer ao
nvel da paisagem das aldeias com diversos tipos de casa: das novas casas

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de emigrante e de no emigrante, geralmente localizadas nas periferias dos


povoados, s casas antigas, eruditas e populares reabilitadas e renovadas,
degradadas e em runas. Nesta passagem do rural ao urbano, as pessoas
no dispem todas da mesma capacidade de adaptao mudana e de
integrao dos novos elementos exteriores. Os que se adaptam mais
facilmente adquirem na sociedade que se urbaniza uma posio dominante
e inscrevem nas suas casa o novo modo de vida urbana. Os que no lograram
integrar-se na sociedade urbana e de consumo permanecem numa posio
marginal e em casa de caractersticas mais rurais, em geral precrias.
Na dcada de 1960, em Alte, o processo de urbanizao dos modos de
vida na aldeia foi conduzido quer pelos emigrantes quer por residentes
que haviam conseguido melhorar as suas condies de vida sem emigrar
(trabalhadores da indstria da construo, do comrcio, ou dos servios).
Em contrapartida, de meados da dcada de 1970 a meados da dcada de
1980, foram os emigrantes, que haviam deixado a aldeia na dcada de
1950 para os pases mais desenvolvidos da Europa, que desempenharam
um papel motor na modernizao e urbanizao das casas do povoado. A
identificao em vrias regies do pas de dois perodos distintos das casas
de emigrante permite concluir que foi sobretudo neste segundo perodo
que elas desempenharam o papel de acelerador da mudana numa grande
parte do interior rural.
Ao longo da sua estadia nos pases europeus de acolhimento, os emigrantes
adquiriram progressivamente um modo de vida mais urbano e moderno
que se expressou no novo tipo de casa que construram, atravs da sua
localizao na periferia do tecido da aldeia, do maior afastamento em
relao rua, da composio variada da fachada, da maior rea e maior
nmero de divises que as pequenas casas de outrora. O contraste entre
a imagem de prestgio das casas novas de emigrante e as casas populares
antigas, muitas vezes degradadas ou abandonadas, testemunha a entrada

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tardia e catica de Portugal na modernidade e urbanidade.


A inscrio do modo de vida urbano na casa nova construda em meio
rural, que se intensifica desde a dcada de 1970 no s obra dos
emigrantes. Residentes no emigrantes construram tambm casas novas
de caractersticas urbanas nas aldeias, as quais, at 1975 e depois de
1985, segundo a pesquisa realizada em Alte, so quase to numerosas
como as construdas por emigrantes. Com efeito, nesta segunda metade
do sculo, toda a populao rural se urbaniza embora a ritmos diferentes.
A mobilidade geogrfica, residencial e scio profissional resultante da
estadia no estrangeiro joga um papel particular de acelerao.
O que caracteriza a casa de emigrante o acrscimo de referncias tomadas
de dois mundos estrangeiro e nacional, moderno e tradicional, urbano e
rural, industrial e artesanal, entre outros num ecletismo particularmente
rico de sentido quer ao nvel dos espaos e paramentos de transio entre a
casa e a rua, quer da organizao do espao domstico e da duplicao de
espaos com usos idnticos embora por grupos e em momentos distintos.
Esta acumulao de referncias nas casas de emigrante exprime, para alm
do repdio da penria antes da emigrao e da labuta alm fronteiras,
uma sede de assimilao de sinais de modernidade, gerada na insero
na sociedade urbana e de consumo, que o emigrante deseja expressar sem
pudor e sem vnculo a normas exteriores, em jeito de afirmao face a uma
sociedade que o tinha privado de tudo.
As casas de emigrantes to criticadas pelo discurso dominante no
testemunham apenas o seu percurso no estrangeiro. A importao de
elementos dos pases de acolhimento sempre limitada pelo processo
de escolha e pela sua reinterpretao ou traduo. A modernidade e
urbanidade que os emigrantes inscrevem nas suas casas concretiza-se
num contexto local, regional e nacional, o qual marcado, at finais da
dcada de 1980, pela quase ausncia do arquitecto e pela falta de apoio
municipal e estatal, as quais so igualmente responsveis pelo novo tipo

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de casa. A influncia urbana acrescida que caracteriza as casas do segundo


perodo, construdas aps a Revoluo de Abril espelha-se na justaposio
de mltiplas referncias antigas e modernas, internacionais e nacionais.
As variaes regionais mostram a vivacidade das influncias e contextos
regionais e locais.
Podemos concluir que o tipo de casa de emigrante uma expresso
nacional da vivenda unifamiliar com jardim, que se expande escala
global, do trabalhador assalariado ou da pequena burguesia de origem
rural em percurso de ascenso socio-profissional. Este tipo de casa
vulgarizou-se com a generalizao da economia de mercado e da condio
de assalariado e o que concede aos seus habitantes-proprietrios uma
maior margem de manobra para gerir a sua passagem do rural ao urbano
e expressar a sua ascenso social e a sua urbanidade. A configurao que
este tipo adquire no meio rural em Portugal, na primeira dcada que segue a
Abril de 1974, em que as casas de emigrante so preponderantes, expressa
o jbilo dos seus proprietrios pela sua ascenso social, mas tambm a
insuficincia de enquadramento municipal, de ordenamento territorial e de
um desenvolvimento local socialmente equitativo. A valorizao das formas
antigas bem como de uma linguagem contempornea com trao de arquitecto
que se instila na dcada de 1990 testemunham uma nova presena pblica e
do arquitecto mas tm estado mais direccionadas para a turistificao e para
o consumo dos urbanos que para uma revitalizao integrada e participada.

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Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia
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ARQUITECTURA POPULAR Popular o moderna
Tradio e Vanguarda | Tradicin y Vanguardia El dilema entre tradicin y cultura arquitectnicas
en la periferia madrilea de los aos cincuenta
Ricardo Snchez Lampreave

Popular o moderna
El dilema entre tradicin y cultura
arquitectnicas en la periferia madrilea
de los aos cincuenta

Ricardo Snchez Lampreave


ricardo@lampreave.es
Escuela de Ingeniera y Arquitectura
Universidad de Zaragoza

Ningn criterio de composicin racional


Es una ligereza, unido a un desconocimiento profundo de los
trazados urbansticos, pontificar diciendo que el trazado urbanstico del
barrio del Zofo no responde a ningn criterio de composicin. Si se dijera
que no responde a ningn criterio de composicin racional en planta nada
tendramos que objetar porque as es en realidad. Actualmente, y sobre
todo en los trazados urbansticos que se estn realizando en los ltimos
aos en Espaa, se han seguido criterios de agrupacin geomtrica y
racionalizada en planta que han dado por resultado unos conjuntos secos,
montonos, inhumanos y horriblemente feos, como desgraciadamente se
puede comprobar. Parece recomendable desechar esas soluciones que la
incompetencia y el mal gusto han impuesto, e intentar soluciones ms
libres, creadas por la armnica compensacin de espacios que forman
conjuntos desiguales de edificios, pero todo ello concebido y estudiado en
volumen, teniendo en cuenta los diferentes puntos de vista, la topografa
del terreno y las diferentes tensiones espaciales que ellos originan. Con
las obras de edificacin del poblado del Zofo prcticamente finalizadas,
con los planos del proyecto y las primeras fotografas empezando a circular,

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Ricardo Snchez Lampreave

y recibiendo de inmediato fuertes crticas, el 4 de julio de 1956 Miguel


Fisac escribi esta nota1, bronca y desabrida, despreciando concepciones
de ordenacin ms modernas que la construida. Terminaba su diatriba
buscando el amparo oficial, defendiendo la existencia de senderos frente
a las previsibles calles: No se estudian calles porque se estima que
no deben existir; pero s senderos de viviendas que se han indicado y
entregado a la Seccin correspondiente de la Comisara de Urbanismo
para su ejecucin, ya que el presupuesto de urbanizacin no se ha incluido
en el proyecto.
Fisac recibi dos aos antes el encargo del Poblado de Absorcin del
Zofo, uno de los primeros ocho que se acometieron aprobados por la
Comisara General para la Ordenacin Urbana de Madrid. Por tratarse de la
construccin de 604 viviendas con bloques de tres, dos y una nica altura,
deba mediar una ordenacin urbana de cierta envergadura, despus de
cinco aos de propuestas tericas y algn pequeo proyecto. Disponiendo
los bloques altos encadenndose longitudinalmente a lo largo del viario
perimetral para proteger del mismo y las construcciones vecinas del barrio
de Usera a los ms bajos, y tras una primera solucin menos desordenada,
la ordenacin ltima presentaba una aparente distribucin aleatoria
conforme a un complejo sistema de pequeos espacios. Contribua, y no
poco, la aparicin de unidades de agrupamiento de viviendas con formas
cuadradas, rectangulares y triangulares, figuras geomtricas de carcter
sumamente centralizador y que diluan cualquier atisbo de perspectiva
lineal profunda.
En la memoria del Proyecto normalmente restringida a los mbitos de
visado y del promotor, Fisac describa su ordenacin argumentando en su

1
Archivo de la Fundacin Miguel Fisac. El poblado fue publicado, por ejemplo, en
FISAC, Miguel Poblado de Zofo. Hogar y Arquitectura. Madrid: Obra Sindical
del Hogar. N 7, p. 3-7.

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en la periferia madrilea de los aos cincuenta
Ricardo Snchez Lampreave

Figura 1
Miguel Fisac, Ordenacin
del poblado del Zofo,
Madrid, abril 1955.
Fuente: SNCHEZ LAMPREAVE,
Ricardo Miguel Fisac. Premio
Nacional de Arquitectura 2002.
Madrid: Ministerio de Vivienda,
2009, p. 149.

segundo epgrafe: La agrupacin de edificios en este barrio no responde


a ningn criterio de composicin racional en planta. El mismo que origin
conjuntos como la Acrpolis de Atenas y las plazas de la Seora de
Florencia y Siena, estaba hoy un poco olvidado. Se ha procurado tambin
suprimir el criterio de calle como paso entre dos filas paralelas de casas,
creando en su lugar plazas en las que van agrupndose los conjuntos de
viviendas procurando abrir estas plazas a las orientaciones medioda y
saliente y cerrndolas en las de poniente y norte. Como el barrio no tiene
una categora de conjunto autnomo, ni se encuentran en l elementos
singulares: iglesia, tiendas, mercado, etc. sino exclusivamente viviendas,
se ha considerado que no era necesario la ordenacin en alguna plaza
de jerarqua superior a la que van componiendo los edificios. () El
paso a las viviendas se hace por caminos de peatones que forman una red
completa de comunicacin de las viviendas entre s y con el exterior2.

2
SAMBRICIO, Carlos De la arquitectura del Nuevo Estado al origen de nuestra

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Ricardo Snchez Lampreave

Al margen de la valoracin que mereciera su propuesta de viviendas


penltima variante de la que gan el concurso convocado en 1949 por el
Colegio de Arquitectos3, fue en el desorden del conjunto y la renuncia
a las calles donde radic la controversia, por no decir el abierto rechazo,
que arrastr siempre el poblado. No fue un problema de metros, ratios y
pesetas. La polmica vena a cuestionar la conveniencia de construir y
ofertar en la ciudad un poblado de inspiracin rural a quienes llegaban a
ella con la ilusin de abrirse paso en un contexto urbano.
En 1952, Fisac haba dictado en el Ateneo de Madrid su conferencia La
arquitectura popular espaola y su valor ante la del futuro, y publicado el
correspondiente librito para el mismo organismo en su coleccin O crece
o muere. En su interior, tras un particular y somero repaso por algunas
obras de la arquitectura clsica (desde el Partenn hacia delante: Santa
Sofa, San Ambrosio, Villa Rotonda) y moderna (Gropius, Neutra,
Niemeyer, Wright), enunciaba las caractersticas de la arquitectura que
poco despus se empeara en importar hasta la ciudad: Sentido espacial
de las plazas mayores y conjuntos urbanos, en s mismos habitables;
sencillez de las formas, rayana, muchas veces, en el esquematismo;
espontaneidad de los edificios y su disposicin; correlacin entre los
materiales y las formas arquitectnicas esenciales; armona de los
pueblos y el paisaje en torno; dependencia de la arquitectura respecto de

contemporaneidad: El debate sobre la vivienda en la dcada de los cincuenta. Ra.


Pamplona: Escuela de Arquitectura de la Universidad de Navarra. N4 (2000), p. 81.
Sambricio recoge en la nota 18 de su artculo el origen del barrio y distintas cuestiones de
la solucin de Fisac, aludiendo tambin a la Memoria del proyecto.
3
FISAC, Miguel Viviendas en cadena. Revista Nacional de Arquitectura. Madrid:
Ministerio de la Gobernacin, Direccin General de Arquitectura. N 109 (Enero 1951),
p. 1-9. Simultneos, inequvoca prueba de la gravedad del problema del alojamiento y
del inters por investigar soluciones, son los concursos del COAB sobre el problema de
la vivienda en Barcelona de 1950, y del Instituto Torroja buscando nuevas tcnicas de
estandarizacin en 1949.

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la naturaleza en que est instalada: respeto a los materiales de la regin,


a su color, al clima, a la realidad no racionalizada ni despersonalizada.
Pero terminaba en un brevsimo y significativo ltimo captulo, Sobre
las ciudades del futuro, expresando sin ambages lo que el Zofo mostr
como un problema irresoluble: La calle, ese concepto ancestral que
tenemos de la calle, que fue el cauce comn a una serie de servicios
homogneos, ha perdido toda su razn de ser para convertirse en la
localizacin forzada de elementos dispares imposibles de unir. Un
libro que guardaba en su biblioteca, personalizado en su frontispicio con
su firma, su nombre y un extravagante ex libris, una mosca manchega
estampada con tinta azul. Podemos imaginar a Don Miguel de la Mancha
as le glos alguna vez Luis Fernndez-Galiano4 luchando contra sus
particulares molinos, empecinado en defender con su proceder la va que
poco antes haba enunciado lcidamente en los debates sobre lo que se
denominaron tendencias estilsticas: Copiar el arte popular o clsico
espaol conduce al folklore o a la espaolada. Extraer su esencia, saber
sacar esos ingredientes de verdad, de modestia, de alegra, de belleza que
tiene, sera encontrar el camino de una nueva Arquitectura y, en general,
de un arte nuevo5.
Los bloques y las viviendas del Zofo se mantenan en la estela de los
tipos propuestos por Fisac pocos aos antes para sus casas en cadena,
estableciendo una evidente continuidad en su proyecto investigador sobre
la vivienda social. Tena planteada desde entonces una singular solucin
de bloque: disponiendo los muros de carga perpendiculares a fachada
estableca la posibilidad de que las sucesivas crujas deslizaran entre
s y variaran su longitud, deshaciendo as la previsible lnea recta de la

4
Edicin impresa de Babelia, suplemento cultural de El Pas, de 23 de abril de 2005.
5
FISAC, Miguel Esttica de Arquitectura. Boletn de Informacin de la Direccin
General de Arquitectura. Madrid: Direccin General de Arquitectura. Vol. IV, n 11 (Junio
1949), p. 13-14. Fue su ponencia en la importante V Asamblea Nacional de Arquitectura.

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alineacin de las viviendas en los bloques en favor de una lnea articulada


por el crecimiento y movimiento de dichas crujas. Y tena escrito,
relacionando discontinuidad y viviendas populares, que la desesperante
monotona de la casa en lnea, caracterstica de la construccin tipificada,
se evitara si se pudiera conseguir, como en las viviendas populares,
una discontinuidad o sinuosidad en planta y alzado adaptndose a la
topografa del terreno. La unidad de la cadena propuesta, su eslabn
rgido, estaba constituida por dos viviendas con una escalera intermedia, y
con la instalacin de servicios de agua y los desages comunes a ambas, de
manera que la unin con el siguiente eslabn pudiera hacerse, eludiendo
su coincidencia, en un plano paralelo ms adelantado o ms retrasado6.
La inevitable aparicin en fachada de los testeros de los muros de carga,
adems de estos deslizamientos entre eslabones, facilitaba unos ritmos
verticales de volmenes de tres plantas, repetidos pero desfasados entre
s. Al margen del Zofo y de los estudios de aplicacin a una ordenacin
diferente de sus cadenas que sigui desarrollando despus7, fueron las
viviendas de la colonia San Carlos en Villaverde, tambin de 19548, y su

6
Vase al respecto la valoracin que de la planta de las casas en cadena hizo SAMBRICIO,
Carlos Punto de inflexin, 1946-1956: viviendas sociales para la clase media. Ciudad
y Territorio. Estudios territoriales. Madrid: Ministerio de Fomento. Vol. XLI, n 161-162
(2009), p. 521-527.
7
Cuatro aos despus del concurso, en el nmero 148 de abril de 1954, apareci publicado
en la Revista Nacional de Arquitectura Ms sobre casas en cadena. El avance del
estudio resida no en las transformaciones desfiguradoras de los bloques, investigando
nuevas posibilidades del deslizamiento de sus sucesivas crujas, sino en el desorden
mximo con que se presentaron.
8
Villaverde supuso, finalmente, la oportunidad de comenzar a construir su propuesta.
Se trataba de una operacin de 408 viviendas reguladas por un plan del Instituto
Nacional de la Vivienda y la Obra Sindical del Hogar. En 1954 acordaron parcelarlo en
siete promociones y encomendarlas a distintos arquitectos, facultndolos para resolver
libremente todos los problemas de composicin, distribucin y utilizacin de elementos,
siempre dentro de unos lmites de superficie y coste por vivienda. Algunas propuestas
parecieron querer avanzar en las tesis de Fisac sobre la montona limitacin del bloque

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postrera propuesta para el concurso de Vivienda Experimental de 19569,


las que permitieron a Fisac medir el alcance ltimo de su propuesta de
inspiracin popular.

Figura 2
Vista de los bloques de dos
alturas del poblado del Zofo,
con su innovacin tipolgica,
y del espacio resultante entre
ellos, 1956.
Fuente: SNCHEZ LAMPREAVE,
Ricardo Miguel Fisac. Premio
Nacional de Arquitectura 2002.
Madrid: Ministerio de Vivienda, 2009,
p. 149.

Fue en definitiva una obra controvertida, incomprendida entonces por su


extremada apuesta, nunca una de sus obras reconocidas, siendo demolida
antes que otros conjuntos de la poca que, a pesar de su igual precariedad,
sobrevivieron bastantes aos ms. Como ningn otro arquitecto de su
generacin, a travs de proyectos, libros, artculos y conferencias, Fisac
siempre se mostr sensible e inspirado por la arquitectura popular, en gran

lineal. Pero el tamao de la intervencin slo le permiti preparar con diferentes unidades
un espacio central irregular, informe, evidentemente derivado de las reflexiones de
aquellos aos, en sintona con una preocupacin bien latente en la Administracin por
detectar y estudiar las propuestas europeas de mayor inters, haciendo hincapi en lo
distinto que resultaba el urbanismo de posguerra.
9
El nmero 12 de la revista Hogar y Arquitectura, aparecido en 1957, est dedicado
en exclusiva al concurso convocado por el Instituto Nacional de la Vivienda. En la
convocatoria de Puerta Bonita, Fisac utiliz una solucin diferente a todas las dems,
la misma que vena proponiendo. No obstante, ninguna de sus dos propuestas, ni la de
cuatro alturas ni la unifamiliar, fue siquiera seleccionada entre las diez y cinco finalistas
respectivamente, y apenas han merecido desde entonces ms atencin que la que se ha
dedicado a toda la operacin. Vase AA VV La Vivienda Experimental. Concurso de
Viviendas Experimentales de 1956. Madrid: Fundacin Cultural COAM, 1997.

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medida por haber conformado sta su primer entorno manchego. La suma


de ambos factores, la cultura arquitectnica del momento y la expresa
voluntad de ruralizar la ciudad, termin dando un resultado equivocado,
y el Poblado de Absorcin del Zofo quizs constituya el mejor ejemplo de
lo que aquel suburbano Madrid obrero ni deba ni quera ser. Para Fisac,
muy decepcionado con una resolucin tan desdeosa para su creciente
prestigio, fueron stas y las coetneas de Puerta Bonita las viviendas que
cerraron un proceso de investigacin iniciado diez aos antes con sus
primeras viviendas unifamiliares experimentales de 1946.

Dentro de una cierta ordenanza y ambientacin


Desde que faltando poco ms de un ao para la finalizacin de la
guerra Pedro Muguruza convocara en Burgos a ms de 200 arquitectos
para enunciar y preparar la ciudad ideal del Movimiento (... no
construir barriadas obreras aisladas que no es otra cosa que llevar la
diferenciacin de clases a la arquitectura, construyendo edificios que
parezcan tener la finalidad de hacer resaltar la diferencia de los seres que
en ella habitan respecto de los dems)10, Falange comenz a plantear el
proceso de reconstruccin intentando aplicar los ideales de su programa
poltico en una nueva arquitectura y un nuevo urbanismo. Aunque en
ningn momento se cuestionara la separacin y la superioridad jerrquica
entre clases, ciertamente no faltaron en las Ideas generales sobre el Plan
Nacional de Ordenacin y Reconstruccin que elaboraron los Servicios
Tcnicos de FET y de las JONS en 1939 los pronunciamientos en favor

10
La convocatoria tuvo lugar el 14 de febrero de 1938 en Burgos, sede del Mando Militar
del Ejrcito sublevado. El lder falangista Raimundo Fernndez Cuesta clausur la reunin
definiendo la ciudad ideal que soaba el falangismo como la ciudad del Movimiento.
Vase DIGUEZ, Sofa Un nuevo orden urbano: El Gran Madrid (1939-1951).
Madrid: Ministerio de Administraciones Pblicas y Ayuntamiento de Madrid, 1991, p.
5-6.

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de abolir los barrios independientes y distintos para diversas clases


sociales, que fomentan y excitan la lucha de clases, alusin directa a la
voluntad de impedir que estos barrios favorecieran, aislados, las opciones
radicales obreras. El Plan de Vivienda requerido en el documento deba
atender a la familia como forma superior al individuo, regirse por
la separacin en habitaciones del matrimonio y de los hijos por sexos,
dotando a la vivienda de una pieza que encarnara la idea del hogar, y
de unos mnimos higinicos (soleamiento, ventilacin, agua corriente,
iluminacin), pero y esto es lo relevante para cuanto aqu tratamos
conforme a las diferentes caractersticas regionales. Que as se quisiera
denotaba, sobre todo, el reconocimiento de la necesidad de favorecer la
caracterizacin de entornos prximos y reconocibles. Despus, al optar
por el modelo de la poltica alemana de vivienda, el Plan Decenal de
Resurgimiento Nacional de Muguruza11 entroniz los modelos rurales
ligados a la arquitectura popular pero buscando normalizarlos para seriar
su construccin, de manera que los diferentes elementos de la vivienda,
desde la puerta hasta el ltimo motivo ornamental, pasaran a ser objeto de
definicin y exposicin en las principales revistas nacionales12.
De manera que, a pesar de pretender industrializar as la economa agraria,

11
En su condicin de Arquitecto Jefe de la Direccin General de Arquitectura.
MUGURUZA, Pedro Plan Nacional de Resurgimiento Nacional. Madrid: Ministerio
de la Gobernacin, Direccin General de Arquitectura, 1940.
12
Cuestin inherente a la valoracin moderna de la arquitectura popular, importada del
ejemplo alemn. Para ceirnos a estos aos, basta recordar el papel de la revista Re-
Co del Centro de exposicin e informacin permanente de la construccin, proponiendo
justo antes de la guerra estandarizar y normalizar su construccin, y que la revista
Reconstruccin, de la Direccin General de Regiones Devastadas y Reparaciones, inclua
hasta su ltimo nmero varias pginas de lo que denominaba Detalles arquitectnicos.
Con un gramaje superior al resto, cambiando la calidad del papel (muy al gusto entonces
de la mayora de las revistas), desde el nmero 29 (enero 1943) ocuparon sistemticamente
las ltimas pginas de cada nmero, mostrando la posibilidad de trascender la mera
artesana inicial de los distintos elementos hacia su industrializacin.

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las costumbres y los hbitos de la clase rural quedaron preservados


sostenidos por la vigencia de las diferentes tradiciones constructivas
regionales con materiales y tcnicas locales. Tanto la Direccin General
de Regiones Devastadas (entre 1939 y 1957) como el Instituto Nacional
de Colonizacin (entre 1939 y 1971), interviniendo mayoritariamente
en mbitos rurales, contribuyeron decisivamente a la ordenacin y
transformacin del territorio y la modernizacin de la vivienda agraria.
Con matizadas decisiones capaces de insuflar claves modernas a la
elemental racionalidad de las formas rurales fruto siempre ms de la
ambicin de las diversas sensibilidades personales que de normativas y
prescripciones, el trabajo de los arquitectos en el Instituto Nacional de
Colonizacin mantuvo siempre el tono suficiente para cuanto de ellos se
esperaba, reconociendo implcitamente sus obras la dificultad de convertir
este hbitat rural en un laboratorio que permitiera lograr la recuperacin
de la modernidad perdida. No fueron pocos los avances y logros que
propiciaron los poblados de colonizacin, pero el verdadero campo
de batalla de las discusiones fueron los de las periferias urbanas. Con

Figura 3
Joaqun del Palacio Kindel,
Fotografa del poblado de
colonizacin de Vegaviana,
Cceres, 1959, de Jos Luis
Fernndez del Amo.
Fuente: AA VV Kindel. Fotografa
de arquitectura. Madrid: Fundacin
Cultural COAM, 2007.

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esta lgica limitacin, el sentido que pudieran tener la pervivencia y la


interpretacin de la arquitectura popular, y el dilema entre la arquitectura
popular o la arquitectura moderna y cuanto comportaban una y otra fueron
debates que se dirimieron con mayor virulencia en mbitos urbanos,
impelidos a acoger la fuerte inmigracin y, ciertamente, a realizar apuestas
ms radicales. Las interpretaciones de unos y otros para trasladar y
reproducir las formas y el espritu populares de los lugares de procedencia
o, por el contrario, para favorecer la asimilacin de unas pautas vitales
nuevas derivadas de la modernidad urbana polemizaron durante la primera
mitad de los aos cincuenta.
En Madrid, la ciudad capital del Estado Espaol la denominacin de
compromiso adoptada tras la finalizacin de la guerra para eludir la definicin
de la forma de estado ante los diferentes puntos de vista, el cinturn de
suburbios creci abruptamente entre 1944 y 1948 extendindose por gran
parte de los alrededores de Madrid, dando al traste as con las previsiones del
Plan de 1941 de Pedro Bidagor13 que marcaba los cinturones verdes como
separadores de dos tipos de vida bien distintos, contradiciendo abiertamente
las mencionadas proclamas falangistas. En el ltimo de sus doce apartados,
el Plan propona estructurar el extrarradio de la ciudad disponiendo
a su alrededor una serie de poblados satlites para aliviar la escasez de
viviendas en el casco central, limitndolo y definindolo. Dotando a los
barrios de una cierta autonoma, estructuraba el crecimiento de Madrid
con clulas perimetrales, cercndolo con un anillo verde que englobaba
tanto las zonas industriales como los poblados satlites. La necesidad de
suelo para viviendas desbarat pronto la imprescindible preferencia inicial
por las zonas verdes previstas en el anillo, sacrificndolas en favor de

13
Aprobado por ley especial en 1946, fue un Plan General de Ordenacin Urbana y
Ensanche para Madrid. La Junta de Reconstruccin de Madrid constituida en junio
de 1939 encarg la redaccin de un Plan bajo la presidencia del omnipresente Pedro
Muguruza a la Oficina Tcnica que diriga Bidagor.

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un mayor nmero de viviendas. Sin medias tintas, la realidad se impuso


desde el primer momento a las retricas disposiciones abstractas de los
tcnicos. Madrid creci aquellos aos contradicindolas, aprovechando
las vas de comunicacin y los pequeos ncleos existentes a su alrededor
(Fuencarral, Canillas) para transformar terrenos yermos y olvidados en
improvisada urbe. Buscando alejarlos del centro, ante la escasa superficie
del trmino municipal, la estrategia se centr por tanto en la anexin de
dichos ncleos, a los que se intent llevar los nuevos poblados; de igual
modo, buscando evitar su contacto o relacin con la ciudad, se quiso que
stos fuesen suficientes e independientes en sus funciones, reduciendo
al mximo los imprescindibles transportes para lo que se propona, en
consecuencia, asumir la referencia del laxo modelo de ciudad jardn. Por
tanto, como en tantos otros contextos y ciudades en periodos de crisis,
los procesos de migracin del campo a la ciudad acabaron determinando
el crecimiento de Madrid desde la primera posguerra. La necesidad de
absorber y acoger estos flujos migratorios promovi desde diferentes
organismos y con distintas frmulas financieras actuaciones que, en gran
medida, marcaron la historia de la ciudad.
Las familias campesinas inmigrantes, habituadas a viviendas con corral
para la cra de animales domsticos, buscaron establecerse en las afueras
de Madrid, prximas a las carreteras, en los trminos municipales
colindantes. Para los distintos organismos administrativos, en un primer
momento el reto fue afrontar el problema asimilando paulatinamente los
poblados surgidos de forma poco menos que espontnea, dotndolos de
los servicios urbansticos imprescindibles e intentando completarlos con
nuevas edificaciones que permitieran integrarlos. Se trataba de obtener
urbanizacin y edificacin econmica para las clases modestas en un
ambiente urbanstico medio rural. Desde finales de los aos cuarenta, fueron
los arquitectos de las promociones de posguerra quienes se encargaron de
proyectar y construir estos poblados de vivienda obrera. Para ninguno de

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ellos tuvo ya sentido la rancia bsqueda de un estilo nacional. Ni los


Invariantes castizos de Fernando Chueca de 1947 fueron ms all de influir
en la articulacin de los espacios centrales de los poblados siguiendo el
modelo de los cortijos andaluces, tantas veces referidos, ni el Manifiesto
de la Alhambra de 1952, por ms que siguiramos el rastro del nuevo
impulso que cobraron las arquitecturas populares tras la sesin de Granada,
impidieron que la anhelada reconquista del lenguaje moderno terminara
finalmente por imponerse en el quehacer de la mencionada generacin.
Como hemos visto en el Zofo, los poblados se construyeron inspirados
en la arquitectura popular, presididos an por sus edificios pblicos, la
imprescindible iglesia casi siempre. Sin embargo, las ms de las veces,
que se configurasen como unidades autnomas estuvo reido con el
deseo de sus vecinos, la mayora campesinos recin llegados a la ciudad,
deseosos por tanto de incorporarse a ella con el anhelo de una vida mejor.
El desmesurado e imparable aluvin de inmigrantes apenas encontr
soluciones mejores entre la escasez de suelos disponibles. Slo comenz
a aliviarse cuando Luis Valero y Julin Laguna se hicieron cargo en 1954
del Instituto Nacional de la Vivienda y de la Comisara para la Ordenacin
Urbana de Madrid y sus alrededores respectivamente, e iniciaron decididos
el saneamiento y la limpieza de su periferia, con objeto de eliminar el
chabolismo y facilitar la incorporacin de los inmigrantes a la ciudad
a travs de sus poblados de absorcin y dirigidos. Confiados a la joven
generacin de los Alvear, Azpiazu, Cabrero, Carvajal, Corrales, De la Sota,
Fisac, Garca de Paredes, iguez de Onzoo, La Hoz, Leoz, Romany, Ruiz
Hervs, Senz de Oza, Sierra, Vzquez de Castro, Vzquez Molezn,
con sus diferentes modos y perspectivas, fueron ellos quienes acabaron
dirimiendo en sus propuestas la suerte de los modelos arquitectnicos populares
en la ciudad. No obstante, sin prescripciones oficiales modernidad dentro
de una cierta ordenanza y ambientacin, buscando el sello del momento,

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Ricardo Snchez Lampreave

explic Laguna14, sin las condiciones adecuadas, sin infraestructuras, ni


servicios y accesos para engarzarlos con la ciudad, sus poblados acabaron
siendo experiencias arquitectnicas de inters entre otras, para cuestiones
como la que aqu nos concierne ms que netos desarrollos urbanos, lo que
en su da Antonio Fernndez-Alba denomin urbanstica arquitectnica15.

Los poblados madrileos: dos Fuencarrales, dos concepciones


Los poblados de absorcin se construyeron al amparo del Decreto
de mayo de 1954 sobre viviendas de tipo social. Su objeto principal fue
sanear las zonas perifricas de las principales ciudades. Las viviendas
deban tener 50m2 como superficie mxima, debiendo ser construidas
por organismos oficiales o entidades benficas. El Instituto Nacional de
la Vivienda facilitaba el 80% del coste sin ningn tipo de inters. Fueron
meros receptores de chabolistas que permitieron limpiar el suelo ocupado
por infravivienda. Dos aos despus, en 1956, se haban terminado ya los
ocho primeros entre ellos los Fuencarrales de Francisco Senz de Oza
y Alejandro de la Sota y se estaban iniciando otros ms. Como relat
Fernndez Galiano en su libro sobre los poblados dirigidos de Madrid,
Laguna y Valero terminaron optando por el de Oza, que pas a ser la
referencia directa para la segunda generacin de poblados. Fue Oza quien
dict, favoreciendo la ms estricta de las economas, un criterio de riguroso
racionalismo, deudor entusiasta del europeo de los aos veinte, dejando

14
Palabras del propio Julin Laguna en el captulo Conversaciones sobre poblados: la
experiencia en el recuerdo de sus protagonistas, incluido en el libro La quimera moderna.
Los Poblados

Dirigidos de Madrid en la arquitectura de los 50. Madrid: Hermann Blume, 1989, p. 171,
escrito en colaboracin por Luis Fernndez-Galiano, Justo Isasi y Antonio Lopera.
15
FERNNDEZ-ALBA, Antonio La crisis de la arquitectura espaola, 1939-1972.
Madrid: Edicusa- Cuadernos para el dilogo, 1972.

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establecidos unos mnimos prximos a lo inaceptable con el beneplcito de


la Administracin. Sota, reconocidas sus dudas, acab arrojando la toalla
a la vista de sus proyectos inmediatamente posteriores. Nunca ms las
memorias de sus proyectos fueron tan elocuentes como la que describa su
propuesta para Fuencarral. Que fueran los primeros poblados de absorcin
que se llevaban a cabo, adems de la inmediatez que entre ellos exista,
y las referencias tan opuestas planteadas por sus autores provoc desde
entonces el inters por dilucidar qu modelo prosperara, y hasta hoy la
comparacin de sus propuestas.
Alejandro de la Sota acostumbraba a explicar su trayectoria profesional
comenzando con el poblado de Esquivel16. Sin embargo, ms que su
primera obra, podemos considerar que fue la ltima que construy
tras una quincena de aos trabajando vinculado al medio rural17. Hasta
entonces haba desplegado una sensibilidad decididamente popular, sin
duda favorecida por su relacin con el Instituto Nacional de Colonizacin
y el predominio de contextos rurales en sus trabajos. Muchos aos
despus, en 1982, escribi: La arquitectura es intelectual o es popular.
Lo dems es un negocio18. Graduado en 1941, comenz a trabajar en el
Instituto y, aunque pas a la excedencia cinco aos despus, sus trabajos
prosiguieron durante diez ms19. Sin embargo, tan fcil resulta rastrear

16
As lo hace tambin en su libro de referencia por haberse ocupado personalmente de
editarlo: Alejandro de la Sota. Arquitecto. Madrid: Pronaos, 1989.
Primero en la zona del Canal de Aragn y Catalua, las del Guadalquivir, del Guadiana y
17

del Noroeste (con una singular propuesta de viviendas dispersas) despus, con proyectos
de poblados y escuelas de capataces, ms las exposiciones en Madrid de Ingeniera
Agraria (1949), de Ingenieros Agrnomos (1955) y del pabelln de Pontevedra en la III
Feria del Campo (1956).
18
DE LA SOTA, Alejandro Por una arquitectura lgica. Quaderns dArquitectura i
Urbanisme. Barcelona: Collegi dArquitectes de Catalunya. N 152 (Mayo-junio 1982),
p. 13.
19
Buena parte de estos proyectos primeros de Sota, con su correspondiente bibliografa,

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en aquellos encargos que tanto favorecan el credo popular la bsqueda


de una mxima adecuacin al carcter del programa y las caractersticas
del entorno como las crecientes dudas sobre cmo encauzar su quehacer.
De manera que, en Esquivel, como final de etapa, estn presentes las
que fueron alimentando sus primeros encargos privados, urbanos todos,
de mayor y menor escala, resueltos a menudo con otros compaeros. El
edificio de la Caja de Ahorros Municipal de Vigo y las viviendas de la
calle Alenza en Madrid, por un lado, y la camisera Denis y las dos tiendas
de nios por otro, denotan que hay otro Sota que tantea los convencionales
lenguajes oficiales y tambin las caligrafas ms sutiles y delicadas, capaz
de olvidar las claves populares.
Desde el primero de sus poblados, en Gimenells, Sota asumi la naturalidad
como razn estratgica de agrupamiento. Resulta sintomtica su recurrente
aparicin en la Memoria: En el afn de que nuestros pueblos tengan
una fisonoma lo ms parecida a las de origen y crecimiento naturales,
no se ha podido encontrar emplazamiento ms claro y definido que el
lugar donde se cruzan los dos caminos o carreteras que atraviesan la
zona en que El Pl ha de ir situado. () este cruce se produce de una
manera natural, es decir, sin que exista una preocupacin del ngulo
recto o cualquier otra que forzase a una solucin ms o menos rgida.
Precisamente en este encuentro de vas de comunicacin es donde ha de
ir asentada la plaza principal del pueblo; hemos asegurado con esto el
porvenir del nuevo Pl de Gimenells. De hecho haba servido para ilustrar

estn recogidos en los libros que han abordado el conjunto de su obra: el libro de
Pronaos (DE LA SOTA, Alejandro Alejandro de la Sota. Madrid: Pronaos, 1989, p.
247-253); RODRGUEZ CHEDA, Jos Benito Alejandro de la Sota. Construccin,
idea y arquitectura. Santiago de Compostela: Colegio Oficial de Arquitectos de Galicia,
1994, p. 37-40; DE LLANO CABADO, Pedro Alejandro de la Sota. O nacemento
dunha arquitectura. Pontevedra: Diputacin Provincial de Pontevedra, 1994, p. 239-240,
y el nmero monogrfico pstumo que le dedic la revista AV Monografas. Madrid:
Arquitectura Viva. N 68 (Noviembre-diciembre 1997), p. 34-45 y 50-55.

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en 1948 el tipo de poblado de vivienda agrupada en la discusin surgida


sobre la ms adecuada para colonizar20, la opcin finalmente adoptada en
la gran mayora de los poblados tras convertir Tams el suyo de Torre
de la Reina en el modelo donde seguir las normas y directrices pautadas
para compatibilizar la deseada imagen popular tradicional con los criterios
racionales exigidos por la razn ltima, productiva y econmica.

Figura 4
Alejandro de la Sota,
Perspectiva del poblado de
Gimenells, Lrida, 1945,
con el cruce de caminos
reseado en la Memoria.
Fuente: Un populismo orgnico. AV
Monografas. Madrid: Arquitectura
Viva. N 68 (Noviembre-diciembre
1997), p. 34.

Gracias a ser valorados desde el inicio, sus sucesivos proyectos, premiados


tambin en concursos, encontraron fcil acomodo en las lneas editoriales
de las revistas. Y la conversin de documentos de acceso restringido,
como son las Memorias de los mismos, a documentos pblicos ms

20
El nmero 83 de la Revista Nacional de Arquitectura (noviembre 1948, 439-448)
est dedicado al Instituto Nacional de Colonizacin, y publica contiguos Centro de
colonizacin de la zona del canal de Aragn y Catalua (Lrida), y Vivienda agrupada:
pueblo de Gimenells. Tras la introduccin del Director General de Colonizacin, el
nmero se inicia con un texto de Jos Tams sobre el Proceso urbanstico de nuestra
colonizacin interior, donde rememora primero las repoblaciones de los siglos XVI y
XVIII en Jan y Alicante, para plantear en la segunda parte, entre otras cuestiones la
influencia de la bonifica agraria italiana, el tipo de vivienda que debe llevarse a cabo.
Adems de Gimenells, utiliza la finca Las Torres en Alcal del Ro (Sevilla) de Valentn
Gamazo y Castaeda y el poblado El Torno (Cdiz) de Subirana y DOrs como ejemplos
de vivienda aislada y semiagrupada.

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sintticos reforz la expresividad y el alcance de sus razonamientos,


mostrando sin ambages sus predilecciones y convicciones. Identificaba
Sota entonces lo verdadero con lo popular, cuestionando la prctica
arquitectnica triunfalista del rgimen, querindose amparar en la verdad
de las obras de campesinos y marineros21. Cuando recibi el encargo de
Fuencarral B22, an mostraba una fe imbatible en la conveniencia de seguir
procurando con el proyecto un ambiente rural a quienes, recin llegados,
fueran a habitar en la ciudad. La Memoria del mismo no parece albergar
dudas, ni de sus intenciones ni del alcance de las soluciones: La vivienda
unifamiliar ha de estar acompaada, para ser completa, de corral. Un
gran nmero de moradores ayudara su vivir con la cra de gallinas,

Figura 5
Alejandro de la Sota,
viviendas del tipo de dos
alturas en el Poblado de
absorcin de Fuencarral B,
Madrid.
Fuente: COUCEIRO, Teresa
(ed.) Alejandro de la Sota.
Urbanizacin y poblado de
absorcin Fuencarral B. Madrid
1955. Madrid: Fundacin Alejandro
de la Sota, 2006, p. 4.

DE LA SOTA, Alejandro Exposicin de ingeniera agronmica. Revista Nacional de


21

Arquitectura. Madrid: Ministerio de la Gobernacin, Direccin General de Arquitectura.


N 100 (Mayo 1950), p. 151-153.
COUCEIRO, Teresa (ed.) Alejandro de la Sota. Urbanizacin y poblado de absorcin
22

Fuencarral B. Madrid 1955, Madrid: Fundacin Alejandro de la Sota, 2006.

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conejos y tal vez un cerdo; esta ayuda es realmente eficaz y notoria y


no deber olvidarse al proyectar. Un grupo de viviendas con corrales
donde se cran animales domsticos tiene unas caractersticas que,
llevadas honradamente al proyecto, han de darle una plstica de pueblo.
Fuencarral B se inspir en esta plstica, tratando de depurarla23. Todo
ello a pesar de construir tambin unos sorprendentes bloques, junto a las
viviendas tipo, contrapeando las terrazas de las viviendas hasta obtener un
damero vertical, remedo sin duda de los bloques de los Carrires Centrales
que Georges Candilis y Shadrach Woods haban finalizado el ao anterior en
Casablanca, en aquellos tiempos de grandes dudas.
All donde Sota admita la mxima racionalidad, sus criterios se
aproximaban a los propuestos por Oza para el poblado vecino de Fuencarral
A. Se ajustaban ambos al terreno con precisin para que el movimiento
de tierras y la urbanizacin fueran mnimos; articulaban los accesos y
circulaciones mediante una calle principal, que recorra longitudinalmente
los terrenos, accediendo a ella calles laterales para conectarlas con el
exterior; contiguas a ellas, formaban pequeas plazoletas para dar mayor
sosiego a las viviendas; prevean repoblaciones para los caminos y las
calles... Pero, sin embargo, donde caba apostar por la definicin y el
marco conceptual de la vivienda a construir, la diferencia de lenguajes era
extrema, por ms que dispusieran de la misma precaria tecnologa. Tanto
que, como sucede con un sinfn de trminos opuestos, la personalidad y el
quehacer de ambos arquitectos parecen definirse mejor contraponindolos,
tal como hizo Fullaondo, elocuente siempre: Otro trmino antittico
de Sota? Uno pensara inmediatamente en la contrafigura de un Senz de
Oza, hombre al da donde los haya. () Sota, arquitecto radicalizado,
extremoso en sus afanes, encontrar muchas antinomias personales dentro

DE LA SOTA, Alejandro Fuencarral B, poblado de absorcin. Hogar y Arquitectura.


23

Madrid: Obra Sindical del Hogar. N 3 (Marzo-abril 1956), p.14-22.

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de nuestra estructura profesional, de ah su constante, soterrado, tenso


enfrentamiento con tantos personajes, pero, de alguna manera, creemos que
dentro de una cierta, obscura, familiaridad sentimental, ninguno encarna
una alternativa ms virulenta que la elocuente, crispada, vibrante prdica
de Senz de Oza24.

Figuras 6a y 6b
Planos de ordenacin de
Fuencarral A y Fuencarral B.
Fuente: AA VV La quimera
moderna. Los Poblados Dirigidos
de Madrid en la arquitectura de los
50. Madrid: Hermann Blume, 1989,
p. 24-25.

Atribuir la declinacin del credo moderno al carcter y sensibilidad de cada


arquitecto resulta infalible si pensamos en la vibrante prdica de Oza.
Sus avatares biogrficos y la constancia de su singularidad corroboran
cuanto podamos deducir de su obra. Basta recordar su viaje a Estados
Unidos entre octubre de 1947 y noviembre de 1948 con la beca Conde de
Cartagena de la Academia de Bellas Artes de San Fernando; sus doce aos,
de 1949 a 1961 como profesor de la asignatura Salubridad e Higiene en la

24
FULLAONDO, Juan Daniel Notas de sociedad. Nueva Forma. Madrid: Nueva For-
ma-Hisa. N 107 (Diciembre 1974), p. 2.

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Escuela de Madrid La arquitectura utilitaria de mi pas no funcionaba,


los grifos no daban agua, los desages se obturaban: durante diez aos
expliqu la asignatura, hablando del sol, del agua y de la importancia
del control de medios para la creacin de la forma habitacional, y
la redaccin de sus correspondientes Apuntes de la asignatura durante el
curso 1957-58; el artculo El vidrio y la arquitectura para la revista de
Carlos de Miguel, donde escribi de los nuevos materiales constructivos,
del aislamiento acstico, de la inmisin trmica por soleamiento de
los edificios; dos proyectos de esta primera mitad de la dcada que,
construidos, habran supuesto dos hitos para la historia de la arquitectura
espaola: los bloques de viviendas para el Hogar del Empleado en el ro
Manzanares, poco ms all del Palacio Real, corrigiendo la seccin de
la Unit de Marsella, y la Capilla en el Camino de Santiago, por la que
obtuvo el Premio Nacional de Arquitectura de 1954; y la publicacin
en 1956, como si fuera un proyecto ms, de su Unidad de instalacin
sanitaria en la revista del colegio, en favor del aprovechamiento mximo
superficial y la economa del presupuesto para las viviendas de la Obra
Sindical del Hogar25. Unidad sanitaria que tendr siempre referencia
expresa en los planos de la serie de poblados, grupos y unidades que
proyectar concentrando las de todas las viviendas posibles, hasta cuatro
en el patinillo intermedio de cada hilera de Entrevas. Tan acusada es la

25
Vanse, respectivamente: MARTN GMEZ, Csar El viaje de Senz de Oza a
Estados Unidos (1947-1948). Actas preliminares del V Congreso Internacional Historia
de la arquitectura moderna espaola. Pamplona: T6) ediciones, 2006, p. 151-166; dem
Los Apuntes de Salubridad e Higiene de Francisco Javier Senz de Oza. Pamplona:
T6) ediciones, 2010; Presentacin El Croquis. Madrid: El Croquis. N 32-33 (2002),
p. 4; El vidrio en la arquitectura Revista Nacional de Arquitectura. Madrid: Consejo
Superior de Colegios de Arquitectos de Espaa. N 129-130 (Septiembre-octubre 1952),
p. 11-67; RODRGUEZ AVIAL, Mariano y SENZ DE OZA, Francisco Unidad
de instalacin sanitaria para viviendas econmicas. Revista Nacional de Arquitectura.
Madrid: Consejo Superior de Colegios de Arquitectos de Espaa. N 172 (Abril 1956),
p. 12-13.

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concepcin tcnica que tena Oza de la arquitectura, tan lejana quedaba de


la de aquel Sota radiofnico de 1956 (Lo popular, depurado, despojado de
toda exornacin chabacana, es un filn de hallazgos y sorpresas26), que
resulta sarcstico encontrar a Sota reconociendo aos despus, en 1963:
Las instalaciones son hoy ms arquitectura que la arquitectura misma,
ya que transforman y conforman, prembulo tambin de su inmediato
y creciente inters por la prefabricacin, y sobre todo inequvoco indicio
del resultado de la discusin sobre la vigencia y utilidad de la arquitectura
popular.

Figura 7
Mariano Rodrguez Avial
y Francisco Senz de Oza,
Planta y seccin de la unidad
sanitaria para viviendas
econmicas, 1956.
Fuente: Unidad de instalacin
sanitaria para viviendas econmicas.
Arquitectos: Mariano Rodrguez Avial
y Francisco Senz de Oza Revista
Nacional de Arquitectura. Madrid:
Consejo Superior de Colegios de
Arquitectos de Espaa. N 172 (Abril
1956), p. 12.

Qu propuso entonces Oza en Fuencarral? Su Memoria est repleta de


nmeros27: superficies, alojamientos y habitantes (camas), porcentajes

26
DE LA SOTA, Alejandro La arquitectura y sus tendencias actuales. Boletn de la
Direccin General de Arquitectura. Madrid: Direccin General de Arquitectura. Vol. X
(Cuarto trimestre 1956), p. 8.
27
SENZ DE OZA, Francisco Javier Poblado de absorcin Fuencarral A. Hogar
y Arquitectura. Madrid: Obra Sindical del Hogar. N 6 (Septiembre-octubre 1956), p.
3-10; y Poblado de Fuencarral A. Revista Nacional de Arquitectura. Madrid: Consejo

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de cada tipo, dimensiones, costes, densidades sobre la superficie total y


sobre la real de urbanizacin, densidades interiores de cada manzana
todos los que no tiene la Memoria de Sota, una perfecta descripcin
cientifista de lo que se pretende construir. En la ordenacin del conjunto
lo ms interesante es la agrupacin de las viviendas unifamiliares, germen
de la estricta modulacin que presidir poco despus la ordenacin de
Entrevas: las viviendas se adosan para formar una hilera, la cual a su
vez se adosa, paralela o perpendicular, a otras hileras para formar reas
rectangulares completas. Su nfasis ortogonal, adems, contrasta con
el gusto de Sota por presentar una disposicin ms informe de hileras y
bloques. En las viviendas, la cualidad de pasante que tiene el espacio del
estar-comedor en varios de los tipos arbitrados y la flexibilidad del mismo
anticipo de la magnfica propuesta para las viviendas de los bloques de
Batn confirman la aspiracin moderna de cuanto Oza propuso. Pero,
a pesar de la racionalidad de la ordenacin, se trunca al reparar cunto
penalizan la variedad de orientaciones y la correspondiente diferencia de
los ingresos en las hileras segn quedan dispuestas las viviendas y su patio-
corral, rescoldos, al margen de su geometra, de una cierta informalidad.

Figura 8
Francisco Senz de Oza,
Viviendas del tipo de dos
alturas en el Poblado de
absorcin de Fuencarral A,
Madrid.
Fuente: Poblado de absorcin
Fuencarral A. Hogar y Arquitectura.
Madrid: Obra Sindical del Hogar. N
6 (Septiembre-octubre 1956), p. 9.

Superior de Colegios de Arquitectos de Espaa. N 176-177 (Agosto-septiembre 1956),


p. 63-66.

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Por tanto, son ambos poblados el mejor ejemplo de cuanto se discuta


entonces sobre la conveniencia de abundar en la perseverante bsqueda
de una tradicin propia, ligada obviamente a la arquitectura popular, o
en la interrumpida recuperacin del aliento moderno internacional. Los
Fuencarrales polarizaron, en su inmediatez temporal y fsica, el intenso
sentido de bsqueda de la joven generacin de posguerra, orientando
el proceso proyectual hacia la obtencin de un mtodo que satisficiera
el zeitgeist en el caso de Oza, y hacia la propia obra, abstrada en su
finalizacin, en el de Sota. La oficiosa aceptacin de los trminos propuestos
por Oza hizo que, definitivamente, tras aquel inesperado duelo, los
modelos pasaron a ser otros. El resultado convirti el Fuencarral B en la
sofisticada culminacin de un modo antiguo y el A en el mecnico dictum
del nuevo. Con el poblado de Sota expira el uso de la arquitectura popular
como modelo, con la pretensin de que la racionalidad agraria devenga ya
industrial, con la exigencia de que la industrializacin de la construccin,
por precaria que sea sustituya a las voluntariosas peonadas ladrilleras.
La abstracta inspiracin del cada vez ms lejano Mediterrneo qued
reducida desde entonces a los poblados de colonizacin. En el Madrid de
los poblados, a los alemanes se sumaron nuevos aires nrdicos trados por
Fisac y Cubillo y tambin americanos de quienes all se asomaron, Oza y
La-Hoz entre otros.

Emplazaremos unas casas muy pintorescas


Al margen de las diferencias cuantitativas que tuvieron las
principales ciudades espaolas respecto de la inmigracin que recibieron,
nada sustancialmente diverso sucedi en ellas. Slo las razones y
circunstancias que propiciaron sus diversas reacciones explican las
diferencias en lo acontecido en cada una. La inflexin que supuso la clebre
V Asamblea Nacional de Arquitectos de 1949, celebrada en Barcelona,

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Palma de Mallorca y Valencia, tanto en las soluciones para intensificar la


construccin de viviendas modestas como en el anlisis de las tendencias
detectadas entre los arquitectos, propici en Barcelona, por ejemplo, el
concurso sobre la vivienda de alquiler en el Ensanche y el nacimiento del
Patronato Municipal de la Vivienda con ocasin del Congreso Eucarstico
celebrado en 195228. Que en gran medida slo eran los contextos los que
matizaban unas y otras posiciones podemos apreciarlo all, en los casos
de los arquitectos catalanes Jos Antonio Coderch y Jos Mara Sostres,
fuertemente influidos, a diferencia de los arquitectos madrileos, por
sus orgenes martimos y montaeses respectivamente. No tanto porque
Barcelona tuviera cifras ms o menos semejantes a las de Madrid y la
Administracin arbitrara operaciones anlogas a las madrileas en su
periferia, nos interesan por entender cunto su ejemplo no dejaba de ser la
declinacin personal de un mismo tiempo verbal.
Refirindome slo a Coderch, recordemos que volvi a Barcelona despus
de haber trabajado un par de aos en Madrid en la Direccin General de
Arquitectura tras titularse en 1940, despus de dejar su puesto de arquitecto
municipal en Sitges en 1945 tras tres aos ejercindolo (su socio de tantos
aos Manuel Valls lo fue 23 de Arenys de Mar, entre 1950 y 1973), y
despus de abandonar tambin el Grup R tras su primera exposicin,
apenas ao y medio despus de haberse fundado en su propio estudio. Sin
riesgo a equivocarnos, podemos interpretar su rechazo a cuanto pudieran
tener de extraas y predeterminadas esas tres culturas arquitectnicas,

28
Una breve recensin de lo acontecido entre el 10 y el 18 de mayo en las tres ciudades,
acompaada con un generoso reportaje de 20 fotografas, se puede ver en Cuadernos de
Arquitectura. Barcelona: Colegio Oficial de Arquitectos de Catalunya y Baleares. N 10
(1949), p. 2-5. Tambin en: Revista Nacional de Arquitectura. Madrid: Ministerio de
la Gobernacin, Direccin General de Arquitectura. N 90 (Junio 1949), p. 235-274, y
Boletn Informativo de la Direccin General de Arquitectura. Madrid: Direccin General
de Arquitectura. N 11 (Junio 1949), p. 3-5, 24-25 y 27-34. Las Actas fueron publicadas
por la Direccin General de Arquitectura (Madrid, 1950).

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y sus correspondientes arquitectos, como un obsesivo deseo por descubrir


y recorrer una tradicin propia. Igual que a su amigo Alejandro de la Sota,
interesado inicialmente tambin por la dimensin annima del trabajo, esa
bsqueda personal de lo esencial supuso para Coderch remitirse al origen.
Partir de cero, intentarlo as, al menos entonces, supona poco menos que
apelar al ejemplo de la arquitectura popular, sin duda el ms prximo, y
evidentemente no fueron pocos quienes as lo entendieron. Coderch no fue
ninguna excepcin. Para quienes estudiaron en la Escuela de Barcelona
de los aos treinta, algunos penltimos nmeros de la revista AC
mostraron, decididamente reivindicativos, no slo la arquitectura popular
mediterrnea (sin estilo y sin arquitecto, como dira Sert) sino tambin su
utilidad inspiradora, y por tanto una neta alternativa a lo preconizado por
sus profesores29. Desde el inicio de su trayectoria profesional gracias
precisamente a lo que supusieron sus proyectos para la administracin
estatal y municipal entendi lo popular como un lenguaje de contenido
propio que slo adquira pleno sentido para el proyecto con una utilizacin
coherente y general. Coherencia que exiga abordarlo, esencial y abstracto,
sin el recurrente recurso de deslindar la solucin al programa funcional
y tipolgico del estrictamente figurativo como l mismo termin
haciendo, segn el anlisis de Helio Pin y Antn Capitel30, sin recurrir

29
Si bien su declarada preferencia por Jujol como profesor delata el tipo de enseanza que
tuvo en una Escuela regida por los Aza, Bassegoda, Bona, Calzada, Canosa, Domnech,
Florensa, no es menos cierto que fuera del mbito acadmico pujaba desde 1930 la
ortodoxia racionalista practicada y exhibida por los Alzamora, Armengou, el estudiante
Bonet, Churruca, Illescas, Perales, Rodrguez Arias, Sert, Subio y Torres Clav, que
conformaron el Grupo Este del GATEPAC. Los nmeros 18, 19 y 21, en concreto,
estaban dedicados a la arquitectura popular mediterrnea, al interior de las viviendas y su
amueblamiento, y a la arquitectura rural de la isla de Ibiza.
PIN, Helio Tres dcadas en la obra de Jos Antonio Coderch. Arquitecturas bis.
30

Barcelona: La Gaya Ciencia. N 11 (Enero 1976), p. 6-14, y CAPITEL, Antn Jos


Antonio Coderch, del mar a la ciudad. Jos Antonio Coderch. 1945-1976. Madrid: Xarait,
1978, p. 5-11.

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a la cultura arquitectnica de la modernidad para compaginarla con la


imagen popular pertinente para cada ocasin. Consecuente, igual que en
cada una de las viviendas unifamiliares que construy aquellos aos en
el entorno de Sitges, Coderch muestra en Las Forcas, preparando casas
diferentes que adaptan sus plantas a los cambios de orientacin, acceso y
parcela y buscando una alternativa a las urbanizaciones convencionales
( queremos que la clase media pueda disfrutar de unos chalets
acondicionados con el confort moderno y que Sitges tenga otra vez rango
de ciudad marinera. Para esto, sobre algunas rocas en las puntas de las
playas emplazaremos unas casas muy pintorescas, en las que podrn
vivir los pescadores, ahora lejos del mar por el auge del turismo,
explic el presidente de la empresa promotora31), un cierto arcasmo en
la espontaneidad de su construccin, con una evidente acumulacin de

Figura 9
Jos Antonio Coderch,
Casa Prez Maanet,
Sitges, 1956.
Fuente: Casas en Catalua.
Arquitectos: Jos Antonio Coderch
de Sentmenat y Manuel Valls Vergs.
Cortijos y rascacielos. Madrid:
Guillermo Fernndez-Shaw. N 66
(1951), p. 34.

31
GAYBAR, Benjamn La Urbanizacin de Las Forcas. Un sueo que es realidad.
El Eco de Sitges. N 2.807 (23 de septiembre de 1945), citado por Rovira, Josep M. El
mar nunca tuvo un sueo. En busca del hogar. Coderch 1940-1964. Barcelona: Collegi
dArquitectes de Catalunya, 2000, p. 53.

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Ricardo Snchez Lampreave

materiales diversos, aludiendo a una tradicin prcticamente reinventada.


Evidencia con ello su eleccin de lo popular como revisin crtica de los
valores de los ya viejos tericos ortodoxos del Movimiento Moderno.
Un rasgo que diferenciar a Coderch, impregnando para siempre su
produccin basta pensar en la recurrente presencia de la persiana
mallorquina, si bien sostenida de muy diversas maneras, y no exentas
de contradicciones, como tambin sucedi, de forma bien semejante, con
Fisac. Incidi Coderch en la enseanza que suministra la arquitectura
popular, en sus valores intemporales de funcionalidad, sencillez esttica
y sinceridad constructiva. Una lnea sencilla que sintoniz con la obra del
Instituto Nacional de Colonizacin al mostrar cmo se podan aprovechar
los valores intemporales de la arquitectura popular para la construccin de
una arquitectura verdadera.
En 1952, familiarizado desde su llegada a Madrid con el proyecto de
vivienda oficial que haba venido acometiendo para la Obra Sindical del
Hogar y del Instituto Social de la Marina, sin que mediara encargo alguno
ofreci a la administracin un Sistema aplicable de construccin de
viviendas baratas en terrenos en pendiente, con el que pretendi paliar
el problema del chabolismo de los campesinos instalados precariamente
en los arrabales de las ciudades. El sistema estaba fundado en piezas
prefabricadas de hormign pretensado con forma de C, para resolver el
suelo y su cimentacin, el muro de contencin y el techo de la que acabara
siendo una vivienda con la participacin de sus moradores. Cont con la
colaboracin de su amigo Eustaquio Ugalde Urosa, prestigioso miembro
del CSIC especializado en hormign pretensado, y de nuevo con la del
pintor Luis Marsans, uno de los futuros contendientes ajedrecsticos de
Duchamp en Cadaqus, que le ayud a preparar el sofisticado fotomontaje
que abanderaba la propuesta, ilustrando el aspecto que podra tener un
poblado as construido. Incluso una pieza repetida permitira obtener la
rica variedad que cada uno de sus moradores podra aportar al conjunto con

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sus decisiones particulares. Adems, el que fueran los futuros ocupantes


quienes se encargaran de autoconstruir los necesarios cerramientos
permitira mantener junto al coste de un suelo en pendiente difcil de
utilizar y del prefabricado en serie el bajsimo coste de su construccin,
incluso utilizando tapial o restos de sus chabolas. Al margen del inters
social de la propuesta, renunciar as al protagonismo del arquitecto y su
cultura, confiando a unos campesinos inmigrantes la definicin ltima
de una arquitectura repetida, significaba renunciar al problema de la
forma consustancial al proyecto en favor de la entrega a la diferencia que
comporta la arquitectura annima. En todo caso, no era tanto la ancdota
como lo que comportaba la desaparicin del arquitecto, como lo que sta
supondra. Ya en las perspectivas de la urbanizacin de Las Forcas esa
arquitectura popular ofreca la desordenada apariencia de espontaneidad
de lo que se construye a lo largo del tiempo sin un plan previo. La
persistencia de las revistas europeas especializadas en medir el alcance
del ingrediente popular, su conocimiento y amistad con buena parte de los
principales arquitectos interesados en estas cuestiones (Rudofsky, Ponti,
Sartoris32), y tambin la coincidencia con valiosas propuestas similares,
como el mismo Coderch reconoca en la memoria del proyecto33, le
animaron despus a exponer el proyecto an diez aos despus en la

32
Recordemos los elogios de estos dos ltimos a las primeras obras de Coderch y
Valls en El arquitecto Gio Ponti en la Asamblea y La Nueva arquitectura rural,
respectivamente (Revista Nacional de Arquitectura, n 90, junio 1949, p. 269, y n 96,
diciembre 1949, p. 513).
33
En Inglaterra y Francia se han llevado a cabo experiencias de este tipo en aluminio
sin que yo tuviera noticia de ellas hasta el ltimo nmero de la revista LArchitecture
dAujourdhui. En CODERCH DE SENTMENAT, Jos Antonio Memoria estudio
sobre una posible solucin del problema de las barracas. Nueva Forma. Madrid: Nueva
Forma-Hisa. N 106 (Noviembre 1974), p. 64-65. Y despus en Coderch 1913-1984.
Barcelona: Gustavo Gili, 1989, p. 215. Se refera Coderch a The Shell-Unit System de
Oscar Singer (1945) y Llment coque de Jean Prouv (1949), publicados en el nmero
40 (abril de 1952) de la revista francesa.

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reunin del Team10 organizada por Candilis en la abada de Royaumont34,


las paredes de tapial encaladas con distintos colores y con sus huecos
reducidos, constituyen un elemento de valor esttico indudable. Ya haba
presentado tres aos antes, en la reunin de Otterlo del 59, su proyecto de
Torre Valentina, quizs el ms homologable con las experiencias de sus
colegas europeos, siempre con su voluntad de reinterpretar los principios
de la arquitectura moderna para adaptarlos a unas condiciones especficas
de topografa y clima y aproximarlos a la racionalidad de la arquitectura
popular.

Figura 10
Montaje fotogrfico de J.A. Coderch, a partir de algunos ejemplos de
arquitectura popular.
Fuente: FOCHS, Carles (ed.) - Coderch 1913-1984. Barcelona: Gustavo Gili, 1989, p. 214.

34
SMITHSON, Alison (ed.) Team10 Meetings 1953-1984. Nueva York: Rizzoli,
1991, p. 66.

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El gusto por lo permanente, lo inmediato, lo tangible y prximo a la


produccin artesanal sustituye en Coderch a los grandilocuentes discursos
oficiales y a los anhelos de retricas tecnicistas y producciones industriales.
De manera que, en pocos aos, Coderch terminar cambiando Sitges por
Cadaqus. Aupado por Ponti35, cambiar el agotamiento de una forma de
hacer repetida durante casi una dcada para el incipiente turismo por el
encuentro entre la cultura ms crtica de los aos treinta y la bsqueda del
automatismo inconsciente y de una arquitectura sin otros atributos que los
de la construccin annima y los gestos elementales para la construccin
de la casa como refugio36. Unos aos, los muy prolficos de Sitges, de los
que Coderch termin renegando hasta el extremo de comenzar con la casa
Ugalde de 1951 la recopilacin del conjunto de su obra que mostraron
la exposicin y el libro que le homenajearon tras su fallecimiento,
exactamente igual que Sota haca comenzando la suya con Esquivel.
Cierto que la relacin inmediata de la arquitectura con su factura y la
diversificada produccin del paisaje urbano siguieron pudindose detectar
en su obra desde entonces, pero constatando que nada tenan que ver con
la ciudad histrica, con la cultura preindustrial. Los materiales siguieron
siendo tradicionales pero ya nada tuvieron que ver con la construccin
tradicional. En adelante, su empeo sera que la creacin lenta y continuada
de su propio lenguaje admitiera slo aquellas influencias que permitiran
reafirmarlo precisamente como propio, que su obra finalmente fuese

35
Que conociera a su admirado Gio Ponti en la exposicin de Arquitectura Contempornea
Hispanoamericana de la V Asamblea Nacional de Arquitectos en 1949 y el inters que ste
mostr por la casa Garriga Nogus desataron una prolfica relacin personal y profesional
cimentada en la publicacin de sus obras y en el encargo del pabelln de Espaa en la
Trienal de Miln de 1951.
36
SOL-MORALES I RUBI, Ignasi de Jos Antonio Coderch en la cultura
arquitectnica europea. Coderch 1913-1984. Barcelona: Collegi dArquitectes de
Catalunya, 2000, p. 6. Insistiendo en estos matices, Pizza y Rovira titularon En busca del
hogar su libro sobre Coderch.

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convalidada por la tradicin viva de un oficio como sola decir para


poder insertarse en un discurso que Coderch imagin y quiso inmemorial.

No podemos renegar de la poca que vivimos


Desde la segunda mitad del siglo XIX los arquitectos espaoles
debatieron sobre la necesidad de encontrar lo que llamaron entonces
arquitectura nacional37, discusin que con los aos acab derivando, con
el consiguiente cambio de palabras, hacia lo que deba ser la arquitectura
espaola del momento. El tiempo comenzaba entonces a imponerse
al espacio, y la coherencia y sintona con los dictados internacionales
a preocupar tanto o ms que las claves constructivas y estilsticas ms
enraizadas. Despus, tras la guerra, tras los primeros aos de feroz
autarqua, popular y moderna, o tradicional y funcional como dijo Moya,
pasaron a ser los nuevos adjetivos de la misma querelle, un litigio en gran
medida generacional, atemperado en un primer momento por el inters
de todos por evidenciar las diferentes tendencias de la arquitectura. Y
as empezaron a sucederse ininterrumpidamente, presentadas tanto por
quienes fomentaban unas nuevas como por aquellos que slo queran
consentir desviaciones respecto de la oficial. En pocos meses, apenas
medio ao, se publicaron las de Fonseca, Zavala y Fisac38, despus de que

37
Jalonando el avance de sucesivas generaciones de arquitectos en geografas diversas,
recurdense por ejemplo el socorrido En busca de una arquitectura nacional de Llus
Domnech i Montaner (1878), y posteriormente la polmica entre Leonardo Rucabado
y Demetrio Ribes por las Orientaciones para el resurgimiento de una arquitectura
nacional desatada desde el VI Congreso Nacional de Arquitectos de 1915, celebrado
en San Sebastin. Todo ello en ISAC, ngel: Eclecticismo y pensamiento arquitectnico
en Espaa. Discursos, revistas, congresos, 1846-1919. Granada: Diputacin Provincial,
1987.
38
FONSECA, Jos Tendencias actuales de la Arquitectura. Boletn de Informacin
de la Direccin General de Arquitectura. Madrid: Direccin General de Arquitectura. N
11 (Junio 1949), p. 9-13; ZAVALA, Juan de Tendencias actuales de la Arquitectura.

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Gutirrez Soto presentara una crnica de lo visto y escuchado en el VI


Congreso Panamericano de Arquitectos celebrado en Lima39, mostrando
abiertamente el rechazo que tuvo la muestra de arquitectura espaola y
sus dudas sobre lo realizado hasta entonces, uno de los detonantes de la
imposibilidad de mantener la imaginera autrquica.
Que rondando el crucial ao 1949 (concurso de la Casa Sindical en el
paseo del Prado de Madrid, concurso internacional para industrializar
viviendas del Instituto Torroja, apariciones y desapariciones como las
de la Escuela de Altamira y Muguruza, fin del bloqueo internacional),
Carlos de Miguel estuviera dirigiendo, tras sus respectivas interrupciones,
la Revista Nacional de Arquitectura y el Boletn de la Direccin General
de Arquitectura permiti poner inmediatamente negro sobre blanco
el debate sobre el estilo que deba tener la arquitectura espaola, y en
concreto los intereses de la generacin de jvenes arquitectos titulados
tras la guerra, abiertamente partidarios de romper con la arquitectura de
la dcada pasada, a travs de sus proyectos pero tambin de sus crticas.
Gabriel Alomar, uno de los arquitectos que haba ido a Estados Unidos,
abundando expresamente en las tendencias estilsticas de aquellos
meses y oponiendo las ilustraciones del Instituto de Cartagena de
Aizpurua y Aguinaga y de la fachada del ayuntamiento de Zaragoza de
Acha, Magdalena y Nasarre, relacionaba la calidad de la obra con la
fidelidad al sentir de la poca: Debemos empezar a hacernos a la idea
de que el periodo vivido por la arquitectura espaola durante el pasado

Revista Nacional de Arquitectura. Madrid: Ministerio de la Gobernacin, Direccin


General de Arquitectura. N 90 (Junio 1949), p. 264-268, y FISAC, Miguel Las
tendencias estticas actuales. Boletn de la Direccin General de Arquitectura. Madrid:
Direccin General de Arquitectura. N 9 (Diciembre 1948), p. 21-25.
GUTIRREZ SOTO, Luis Congreso Panamericano de Lima. Boletn de la Direccin
39

General de Arquitectura. Madrid: Direccin General de Arquitectura. N 5 (Diciembre


1947), p. 9-16.

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decenio ha sido un periodo excepcional, del cual ser pronto hora de salir
para incorporarnos a las corrientes que arrastran a la cultura humana,
pues no podemos renegar de la poca que vivimos. Y terminaba el
artculo: Cuanto ms sinceramente la sirvamos, mayor calidad tendrn
nuestras realizaciones40. Y sin embargo, inmediatamente, en el nmero
siguiente, Francisco [Ass] Cabrero, matizaba por su falta de posibilidad
prctica, siendo ms bien una manera de escribir que una manera de
hacer arquitectura el entusiasmo funcionalista de Alomar. Es decir, frente
a un contexto de arquitecturas historicistas y monumentales promovidas
por el rgimen, tan grandilocuentes como anacrnicas, algunos de quienes
quisieron seguir confiando en la tradicin de la arquitectura popular lo
hicieron proyectando sus intereses hacia lo vernculo, sus modos y
tcnicas, y otros hacia el ejemplo que mostraban los maestros modernos
internacionales, tambin con los suyos propios, como hemos visto en los
Fuencarrales. El protagonismo que poco a poco adquirieron las revistas
sirvi para acabar fijando pblicamente las posiciones de unos y otros, y
abundar as en el debate de qu arquitectura avalar.
Las Sesiones de Crtica de Arquitectura que Carlos de Miguel hered de
las iniciadas tras la guerra por Alberto Acha, interponiendo la Revista
Nacional de Arquitectura para transcribirlas y publicarlas, se convirtieron
en el verdadero sismgrafo de cuanto se fue pensando y diciendo. Desde
la dedicada sintomticamente al edificio de la ONU en octubre de 1950,
los respectivos ponentes iniciales y asistentes a cada una de ellas fueron
pautando cuanto deba emerger y prosperar, y tambin desaparecer41. Y as,

40
ALOMAR, Gabriel Sobre las tendencias estilsticas de la arquitectura espaola
actual. Boletn de la Direccin General de Arquitectura. Madrid: Direccin General de
Arquitectura. N 7 (Junio 1948), p. 15 y 16.
41
Una revisin de las realizadas hasta entonces, se puede consultar en: Crtica de las
Sesiones de Crtica de Arquitectura. Revista Nacional de Arquitectura. Madrid: Consejo
Superior de Colegios de Arquitectos de Espaa. N 176-177 (Agosto-septiembre 1956),

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adems de las dedicadas a edificios, concursos y manifestaciones, cuando


se repas expresamente el estado de la cuestin con ponencias defensoras
de antiguos valores, las generaciones ms jvenes de arquitectos tuvieron
la oportunidad de oponerse abiertamente42. En la medida en que las
sesiones se convirtieron paulatinamente en su foro, es fcil rastrear en
ellas la progresiva recuperacin del hlito moderno.
Para quienes pudieran pensar, con un parecer ms tibio, que sera posible
una modernidad contextualizada, donde la arquitectura fuese fiel reflejo de
su poca y tambin expresin del carcter del lugar donde se construyera,
la ambicin de la revista de Guillermo Fernndez-Shaw, expresada desde
su mismo ttulo Cortijos y rascacielos, por conciliar lo que tantos
entendan como antagnico, ofreci en su segunda etapa una imposible
mlange, fiel retrato tanto de sus intereses editoriales como de los trminos
del debate. De hecho, si cerr sus primeros 20 nmeros, los previos a
la guerra, evidenciando la dificultad del empeo, al proponer que frente
al movimiento uniformista internacional la nica salvacin posible son
los veneros inagotables de inspiracin de nuestra arquitectura rural43,
despus, tras el parntesis que supusieron primero la guerra y despus los
primeros aos de la segunda etapa, desde 1944 hasta que desapareciera
en 1954 habiendo alcanzado los 80 nmeros, la revista pas a incluir
contenidos cada vez ms dispares. Para quienes pudieran valorar ms la
atencin por la produccin internacional, la revista ofreca reportajes sobre
la estacin de autobuses de la Jefatura del puerto de Nueva York, la Lever
House, la casa de la cascada de Wright, o alguna villa en Los ngeles

p. 71-83.
42
Vanse las tituladas La arquitectura contempornea en Espaa y Sobre la arquitectura
actual (Revista Nacional de Arquitectura n 143, noviembre 1953, y Arquitectura n 66,
junio 1964).
FONSECA, Jos La arquitectura popular. Cortijos y rascacielos. Madrid: Guillermo
43

Fernndez-Shaw. N 20 (1936), s.p.

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de Neutra. Frente a ellos, edificios nuestros de programas pblicos, como


la Cmara de Comercio madrilea de Pascual Bravo, el edificio de la Caja
de Ahorros Vizcana en la Gran Va de Bilbao de Gonzalo de Crdenas, o
el sanatorio para hurfanos de ferroviarios en vila de Francisco Alonso
Martos. Por supuesto, inclua residencias de cazadores en cotos de Sierra
Morena, albergues juveniles en el puerto de Navacerrada, y tambin casas
de pisos en el madrileo barrio de Salamanca, y por otro lado cortijos, casas
de campo y villas por doquier. Todo ello aderezado por manifestaciones
artsticas de toda ndole (la primera Bienal Hispanoamericana de Arte, los
jardines del palacio de Oriente, las fotografas de Mller de las murallas
de vila), sin que faltaran las sucesivas obras y proyectos de Casto
Fernndez-Shaw, hermano del director de la revista, reflejando tambin su
obra estas contradicciones, pues en el nmero 65 de 1951, por ejemplo,
ofreca la futurista, por fulleriana, casa CFS2 para Tnger seguida
inmediatamente del cortijo cordobs La huerta del naranjo para los
seores de Sotomayor.
Finalmente, podemos tomar el pulso de cuanto tenemos planteado
recurriendo a una inmejorable foto fija, sopesando lo que vinieron a ser
otros cortijos y rascacielos tras la desaparicin de la revista: la Feria
del Campo, una exposicin trianual de carcter internacional desde 1953
configurada con un conjunto de pabellones de las Cmaras Sindicales
Agrarias y de sus diversas industrias, localizada en el lindero de la Casa
de Campo con la carretera de Extremadura, a la altura de la Puerta del
ngel frente al prototipo que construy el Hogar del Empleado en 1954
y las viviendas que lo completaron en 1957, obra de su oficina profesional
(Romany, Senz de Oza, Sierra y Milczynski), en unos terrenos que
Patrimonio Nacional cedi a la Delegacin Nacional de Sindicatos, y
dirigida por Ass Cabrero44.

44
Vanse las sucesivas contribuciones al tema de Jos de Coca Leicher, desde su tesis

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Al margen de los pabellones generales, en la medida en que cada uno


de ellos fue erigido para representar las caractersticas arquitectnicas
de cada provincia, la institucionalizacin de la Feria del Campo permiti
obtener un retrato de grupo, en lo que se presentaba como una pequea y
singular ciudad-jardn, donde clientes y arquitectos interpretaban el difcil
cometido de representar la imagen de una arquitectura que todos deban
considerar propia e intransferible. Tratndose, por tanto, de una singular
muestra temtica del debate que hemos abordado, alineada con una cierta
tradicin de exposiciones europeas y coincidente con los concursos de
la Obra Sindical del Hogar en Villaverde y del Instituto Nacional de la
Vivienda en Puerta Bonita, cabe buscar en ella tanto la interpretacin
de los anhelados principios modernos como la resistencia a que estos se
impusieran. Al menos en esta ltima, evidentemente nada hubo ms que
propuestas pintorescas, ninguno de los temas que fueron encauzando el
devenir de la ejemplaridad racionalista de la arquitectura popular desde
cincuenta aos atrs.

Figura 11
Francisco Cabrero y Felipe
Prez Enciso, Interior
del pabelln de la Obra
Sindical del Hogar, 1956.
Fuente: Pabelln de exposicin
de la Obra Sindical del Hogar y de
Arquitectura en la III Feria Interna-
cional del Campo. Madrid. Hogar y
Arquitectura. Madrid: Obra Sindical
del Hogar. N 4 (Mayo-junio 1956),
p. 54.

doctoral, El Recinto Ferial de la Casa de Campo de Madrid (1950-1975), Universidad


Politcnica de Madrid, 2013.

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Detenidos en la edicin de 1956, finalizados los Fuencarrales, recordemos


que Ass Cabrero, que en su condicin de director haba trazado con Jaime
Ruiz el plan general de ordenacin de la Feria en 1948 y construido los
celebrados primeros edificios del Saln de Recepciones y del Pabelln de
Maquinaria Agrcola con un planteamiento estructural y formal deudor de
la eleccin del ladrillo y sus tcnicas como nico material disponible45,
plante para la Obra Sindical del Hogar un pabelln de planos verticales
y uno horizontal de cubierta en una planta de trazas neoplsticas, sin
duda deudora de las configuraciones empleadas por Mies en su ltima
dcada europea, por ms que la solucin estructural de prticos de barras
combinando la utilizacin de elementos lineales y tridimensionales se
aproximara ms a los diseos de Konrad Wachsmann. Adems, para que
los visitantes pudieran comprender mejor las novedades propuestas por
las viviendas, los arquitectos las presentaban a escala real, con muros y
tabiques cortados como si de un yacimiento arqueolgico se tratara. Sin
embargo, en un penltimo tour de force, las tapias encaladas del pabelln,
sus muros de ladrillo, los zcalos de mampostera y las celosas y mamparas
de caizo rememoraban an tradiciones constructivas mediterrneas46.
Sus posteriores pabellones para la Feria el del Ministerio de Vivienda en
1959, y el Pabelln de Cristal de 1965 terminaron por disipar cualquier
titubeo y no hicieron ms que confirmar la incuestionable utilidad de la
moderna veta miesiana.
Por su parte, Alejandro de la Sota y su hermano Jess, que contribuy

45
Una contribucin especfica relativa a los pabellones de Cabrero en la Feria del Campo
es PALOMARES FIGUERES, Mara Teresa y PORTALS MAANS, Ana La Feria
Internacional del Campo: un frtil laboratorio para Francisco Cabrero. Las exposiciones
de arquitectura y la arquitectura de las exposiciones. Pamplona: T6) Ediciones, 2014, p.
527-534.
46
Pabelln de exposicin de la Obra Sindical del Hogar y de Arquitectura en la III Feria
Internacional del Campo. Madrid. Hogar y Arquitectura. Madrid: OSH. N 4 (Mayo-
junio 1956), p.50-55.

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decisivamente en la organizacin de los temas expositivos y plsticos,


tuvieron encomendado el pabelln de la Cmara pontevedresa. El
ao anterior haban hecho el de la ltima Exposicin de Ingenieros
Agrnomos47, beneficiados por su marchamo ruralista. Quizs por lo
especfico del encargo, por lo aprendido en Fuencarral, o por lo entonces
indagado, el resultado volvi a ser sorprendente. De nuevo, evidenci los
titubeos de Sota, ya poco antes de que el edificio del Gobierno Civil de
Tarragona fijara definitivamente la senda a seguir. Tanto que la decepcin
de las autoridades pontevedresas por la escasa representatividad del
resultado llev a que Sota renunciara a sus honorarios48. El pabelln
plante una arquitectura abierta y ligera, favorecida por las luces y
sombras provocadas por los huecos de los muros, que evitara encerrar al
visitante. La planta ofreca una continua transicin entre espacios abiertos,
cerrados e intermedios, con los espigados motivos de las vallas heredados
de Fuencarral. El visitante poda seguir un itinerario en el que cada motivo
utilizaba un marco diferente al resto, abstracto y pictrico con frecuencia.
En la Memoria, Sota explic al respecto que plsticamente, y partiendo
de temas de Le Corbusier, se inventaron formas que pueden divertir tanto
como las pinturas de ovejas y pastores. En ellas intervino profundamente
Jess de la Sota, pintor que tal como hoy entendemos no pinta esas

47
DE LA SOTA, Alejandro y Jess, Exposicin de Ingenieros Agrnomos, Revista
Nacional de Arquitectura. Madrid: Consejo Superior de Colegios de Arquitectos de
Espaa. N 170 (Febrero 1956), p. 29-34.
48
Sota nunca retir el proyecto para la Cmara Sindical de Pontevedra de la oficina
de visado. Por motivos de ndole particular, he renunciado a hacer efectivos los
honorarios correspondientes tanto a la Redaccin de Proyecto como a la Direccin de
Obra, argumentaba en la carta que dirigi al secretario del COAM el 26 de enero de
1957, construido e inaugurado ya el pabelln. DE LA SOTA, Alejandro Pabelln de
la Cmara Sindical de Pontevedra. Revista Nacional de Arquitectura. Madrid: Consejo
Superior de Colegios de Arquitectos de Espaa. N 175 (Julio 1956), p. 41-42.

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escenas, pero est en la obra dentro del proyecto. Resulta sorprendente


la alusin a unas ovejas que la Memoria del poblado de Fuencarral an
haba contemplado, ya que aquella nueva arquitectura haba dejado de
caricaturizar la arquitectura popular en favor de literales referencias a
una sofisticada abstraccin. A diferencia del pabelln de Cabrero y Ruiz,
la construccin abund sin concesiones en la imagen perseguida, sin el
previsible poso rural. El pabelln se derrib pasados tres aos para la IV
Feria Internacional.

Figura 12
Miguel Fisac, Planta del pabelln de la Cmara Agraria de Ciudad Real, 1953.
Fuente: Sesin de Crtica de Arquitectura celebrada en Madrid, en octubre de 1953, sobre la I Feria
Internacional del Campo, con una ponencia del arquitecto Jos Mara Muguruza. Revista Nacional de
Arquitectura. Madrid: Consejo Superior de Colegios de Arquitectos de Espaa. N 145 (Enero 1954), p.32.

Tres aos antes, en 1953, Miguel Fisac estaba terminando el Instituto


Laboral de Daimiel. En la segunda Feria, la primera internacional,
construy el pabelln de su tierra. Articulados en una elegante planta
aaltiana, los dos patios de su pabelln disponan, con una estrategia bien
moderna, una composicin de fragmentos de edificios y tipos autctonos
recostados en las tapias perimetrales, presentados independientemente

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pero consiguiendo que no dejaran de acabar formando una unidad. Pero


sin que faltara la imprescindible caracterizacin que exiga representar
lo que era y cmo era La Mancha. Con la sugerencia de sus paisajes y
horizontes, las tapias encaladas del Instituto, con una disposicin de huecos
aparentemente desordenada, las cubiertas inclinadas y los pies derechos
tpicos de madera permiten vislumbrar una arquitectura moderna basada
en la esencia de lo popular, el sempiterno empeo de Fisac. Controvertido
como casi siempre, no le faltaron elogios. Hecha referencia de estos
abusos pintorescos y tradicionales, quedan las soluciones de la llamada
arquitectura moderna. () Estamos obligados a meditar, poniendo en
orden nuestras ideas, y nada mejor para ello, en estos momentos, que
estudiar el sentido hondo que tiene la construccin de Ciudad Real.
Que entonces, antes de los Fuencarrales, antes del Zofo, an no haba
vencedores ni vencidos lo demuestra la Sesin crtica dedicada a esta
II Feria Internacional del Campo, en octubre de 1953, iniciada con una
ponencia de Jos Mara Muguruza49. A pesar de que el pabelln ofrece una
inteligente interpretacin de incuestionables claves modernas, tambin
contiene una generosa dosis de tipismo, por lo que es reconocido por la
oficialidad como referencia del camino a seguir. Desde cada extremo se
vieron versiones opuestas, y la sesin acab con el enfrentamiento entre
Bidagor y los que llam jvenes modernos, Cabrero y Ruiz. Buen amigo
de Fisac, Cabrero defini el pabelln de Ciudad Real como arquitectura
moderna ... y una demostracin de cmo los conceptos actuales de la
arquitectura y que aqu estn vigentes, sealan caminos que llevan a la
verdad.

49
Sesin de Crtica de Arquitectura celebrada en Madrid, en octubre de 1953, sobre la I
Feria Internacional del Campo, con una ponencia del arquitecto Jos Mara Muguruza.
Revista Nacional de Arquitectura. Madrid: Consejo Superior de Colegios de Arquitectos
de Espaa. N 145 (Enero 1954), p. 28-43. La transcripcin de la sesin est ilustrada con
fotografas de algunos pabellones. Las once primeras estn dedicadas al de Fisac.

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en la periferia madrilea de los aos cincuenta
Ricardo Snchez Lampreave

De discernir si la arquitectura deba ser tradicional o moderna, popular o


tecnolgica, los arquitectos de las primeras promociones posteriores a la
finalizacin de la guerra pasaron primero casi todos reculando hasta sus
respectivos orgenes, buscando un punto cero a intentar aunar ambas
razones, moldeando con un lenguaje contemporneo lo que entendan
como esencia de nuestra arquitectura. Pocos aos despus, al finalizar
la dcada, la discusin haba quedado zanjada. Cuantas manifestaciones
de distinta ndole tuvieron ocasin de seguir refirindose a la pujanza y
vigencia de los modelos populares dejaron de hacerlo. Ya no lo hizo Carlos
Flores cuando present en 1961 su clebre libro, Arquitectura Espaola
Contempornea. Ya nada hubo de todo aquello en el pabelln espaol de
Bruselas, ni en las diferentes propuestas para el de la feria neoyorquina
de 1963. Ni en la obras para la SEAT de Rafael Echaide y Csar Ortiz-
Echage, ni tampoco en las cajas venecianas de Javier Carvajal y Jos
Mara Garca de Paredes. El debate haba finalizado. Los gobiernos civiles,
las delegaciones de Hacienda, los ministerios, las universidades laborales, los
colegios, los gimnasios, los bancos, las parroquias, las mismas viviendas,
las obras y los proyectos de todos aquellos jvenes arquitectos respiraban ya
un aire nuevo, fresco, internacional, moderno.

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