Etnografando A Pitombeira (Várzea/pb) - Disputas e Divergências Entre Origens e Direitos A (Uma) Identidade Quilombola
Etnografando A Pitombeira (Várzea/pb) - Disputas e Divergências Entre Origens e Direitos A (Uma) Identidade Quilombola
Etnografando A Pitombeira (Várzea/pb) - Disputas e Divergências Entre Origens e Direitos A (Uma) Identidade Quilombola
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADMICA DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS
Campina Grande PB
Outubro de 2011.
ii
BANCA DE EXAMINADORES
_____________________________________________________
PROF. Dra. Elizabeth Christina de Andrade Lima
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
_____________________________________________________
PROF. Dr. Edmundo Marcelo Mendes Pereira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN
_____________________________________________________
PROF. Dr. Jos Gabriel Silveira Correa
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
_____________________________________________________
PROF. Dra. Mrcia Rejane Rangel Batista
(Orientadora)
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
v
Agradecimentos
ndice de figuras:
ndice de Mapas
Resumo
Rsum
INTRODUO ................................................................................................. 14
A construo do sujeito estudado .............................................................. 15
Introduo
15
1
Ver SOUZA & LIMA, 2007 e SOUZA, 2008.
2
Embora o texto desta dissertao esteja escrito na primeira pessoal do plural, considerando
que o mesmo trata-se de uma construo coletiva entre orientadora e orientanda. Em alguns
momentos desta introduo lanarei mo da utilizao da primeira pessoa do singular por
considerar que mencionarei situaes que so vividas por mim de modo particular.
3
Sou nascida na cidade de So Mamede, que faz divisa com os municpios de Santa Luzia,
Vrzea, entre outros. L morei at o momento em que vim para Campina Grande cursar a
graduao em Cincias Sociais.
16
6
Nmero sugerido pela Presidente da Associao da Pitombeira em um mapeamento feito por
ns em sua casa em meados do ano de 2010;
7
O Vale do Sabugi composto pelos municpios de Santa Luzia, Vrzea, So Mamede, So
Jos do Sabugi e Junco do Serid.
19
8
Abordaremos tais reflexes de modo mais detalhado no decorrer do texto.
20
9
A colega Eullia Bezerra Arajo vem acompanhando tal movimento em sua pesquisa de
mestrado, que ser apresentada junto ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da
UFCG.
10
Atravs de um Edital de Pesquisa se construiu uma pesquisa aglutinando dois centros de
pesquisa (UFCG/PPGCS e UNICAMP) para a investigao de um tema proposto:
Reconverses agrrias e Recomposies Identitrias na Paraba.
11
Em algum momento podemos tambm nos referir ao Bairro So Sebastio chamando-o
como Monte;
21
12
Trabalho monogrfico intitulado A construo da identidade quilombola no bairro So Jos
Santa Luzia/PB, realizado sob a orientao da professora Dra. Elizabeth C. de Andrade Lima.
13
Entendemos por assujeitado o indivduo que se encontra ao arbtrio do dono da terra, pois
ele quem disponibiliza a terra de morada e de trabalho. Logo, assujeitado algum dominado a
partir do local de morada e de trabalho.
22
14
No seu clssico texto: Sociedade de esquina = Street corner society: a estrutura social de
uma rea urbana pobre e degradada, William Foote Whyte nos apresenta alguns elementos
referentes a sua experincia na pesquisa de campo. Em parte do texto o autor nos mostra
como se estabeleceu seu contato com Doc, o interlocutor de seu trabalho, e como foi
importante para o desenvolvimento de se estudo estar acompanhado por ele e ser identificado
como o amigo Bill. Doc o acompanhou em muitos momentos da pesquisa e o ajudou a
percorrer os ambientes de modo que pudesse entender alguns cdigos locais. Na Pitombeira
muitas vezes fui levada a algumas casas e apresentada, enquanto pesquisadora, por aqueles
que me conduziam.
23
Captulo 1
A Pitombeira e seus vnculos
histricos e socioculturais
25
15
Para mais detalhes ver: O Municpio De Santa Luzia E Sua Evoluo(1939); Mobral (1984);
ARAJO (1996); MEDEIROS (2007).
16
De acordo com uma nota publicada no livro, o mesmo foi elaborado sob a inspirao de uma
enquete sob o ttulo Caderno de Informaes, atravs da qual o dr. Felinto Muller, chefe de
polcia do Distrito Federal e diretor do servio de divulgao da Polcia, dirigiu s 1572
prefeituras do pas, na nsia louvvel de fazer o Brasil conhecido dos brasileiros (O Municpio
de Santa Luzia e sua evoluo, 1939, p. I).
27
17
Mesmo a histria oficial apagando informaes referentes presena de indgenas na regio
percebemos que as memrias se encarregam de manter os indcios. Existe na regio uma
memria de antepassados caboclos ou indgenas. Em algumas conversas estabelecias com
moradores da Pitombeira observamos a recorrncia de histrias contadas pelos mais velhos
que fazem meno a antepassados que foram pegos a dentes de cachorro
28
18
importante destacar que as informaes contidas no livro de Jos Jocio da Nbrega so,
baseadas nos textos mencionados na nota nmero 15, bem como, segundo o referido autor,
em entrevistas realizadas por ele com historiadores locais.
29
1850. Consta nos escritos sobre a regio que seu colonizador foi,
propriamente, o portugus Manoel Tavares da Costa, sendo que tal senhor j
havia estabelecido residncia em uma propriedade (Stio Albino) na ento Vila
de Santa Luzia, segundo as informaes postas no livro de Jos Jocio da
Nbrega, Manoel Tavares deixou sua residncia no Stio Albino por ter sido
perseguido por indgenas.
Embora considere que a ocupao do territrio de Vrzea date de 1850,
Nbrega menciona que as primeiras edificaes em terras doadas ao
patrimnio da Igreja vieram surgir apenas em 1926. nesta mesma poca que
o ento povoado, realiza a sua primeira feira e recebe seu primeiro nome: Vila
Presidente Pessoa, que em 1939 passou a ser chamado de Sabugirana e em
1944 recebeu o atual nome de Vrzea.
Atravs do decreto Lei N 2.683 de 22 de dezembro de 1961 foi
concedido ao povoado de Vrzea sua autonomia poltica, datando oficialmente
a sua emancipao poltica de 11 de janeiro de 1962, quando o mesmo foi
desmembrado do municpio de Santa Luzia.
Os dados at ento apresentados neste captulo so baseados na
histria considerada oficial, assim sendo interessante ressaltar que muitas
vezes a produo destes dados encomendada por prefeituras, elemento este
que pode apresentar algumas implicaes.
Conforme salienta Schenato (2011) esses discursos que se tornam
oficiais algumas vezes apagam da memria o passado conflituoso, na
tentativa de construir uma imagem de uma identidade homognea e
harmnica. O autor ainda acrescenta tambm na memria oficial, que temos
a heroicizao do pioneiro em uma identidade formada por gente que faz,
anulando-se a possibilidade de evidenciar outros atores que no compartilham
dessa identidade regional. (SCHENATO, 2011, p. 43-44)
Ao apresentar as particularidades da historiografia da regio pesquisada
(regio Oeste do Paran) Schenato salienta o fato de que
19
Podemos localizar tais comunidades no mapa de localizao das comunidades quilombolas
da Paraba, na pgina 155.
20
Utilizamos neste momento o termo povoado, considerando o sentido de pequena localidade.
21
Como mencionamos anteriormente alm da Pitombeira existem mais dois grupos na regio
que tiveram suas certides de auto-reconhecimento enquanto comunidade quilombola
expedidas pela FCP. A respeito destes dois grupos, ver detalhes em Almeida (2010).
32
22
A Serra do Talhado fica localizada em um ambiente de difcil acesso, distante 26 km do
permetro urbano do municpio de Santa Luzia, alm desta distncia as estradas que do
acesso a este lugar so bastante ngremes. neste ambiente onde se encontra o Quilombo de
Serra do Talhado.
34
23
Embora alguns dos moradores de mais idade do grupo reconheam a existncia de uma
ligao de parentesco entre estes dois grupos, considerando algumas pessoas do Talhado
como parentes da rama velha. A partir das conversas estabelecidas durante a realizao desta
pesquisa pudemos observar que existe atualmente na Pitombeira apenas um casamento que
uniu uma moradora da referida localidade e um morador do Talhado. Para alm deste caso,
existe um senhor que tem suas origens no Talhado, l nasceu e viveu durante muitos anos e
que residindo no Monte So Sebastio, nos dias atuais, possui uma propriedade na Pitombeira,
a qual ele visita com certa freqncia ( l onde ele planta, cria, etc.).
36
24
importante destacar que no decorrer deste texto nos utilizaremos de pseudnimos para
identificao das pessoas que contriburam para a construo deste trabalho. Assim sendo,
nenhum dos nomes aqui mencionados corresponde a pessoas do contexto pesquisado. No
caso de nomes masculinos utilizamos alguns mais comuns nos dias atuais e quanto aos
pseudnimos femininos nos utilizamos de nomes de flores, quando nos referimos quelas que
residem na Pitombeira e nomes comuns para as que no moram naquela localidade.
25
Trata-se de um senhor que se encontra hoje com 98 anos, na poca da entrevista o mesmo
senhor estava com 96 anos.
26
Poderamos citar aqui Pierre Nora, Maurice Halbwachs, Michael Pollak, etc
37
27
Na fala de seu Vittor ele diz ... vieram esses quatro irmo, irmo, posso dizer, assim sendo
ao informar que estes quatro homens eram irmos, estamos fazendo com base na sua fala.
28
Para mais detalhes a respeito do Talhado ver: Cavalcanti (1975), Santos (1998), Nbrega
(2007), Almeida (2009), entre outros.
40
29
Ver Barth (1998, 2000) a respeito dos sinais diacrticos e sua importncia na marcao da
existncia de um grupo tnico.
41
30
Apresentaremos mais informaes deste processo posteriormente.
42
31
Um dos moradores da Pitombeira mencionou, em conversa conosco, a influncia da famlia
Nbrega na regio e disse ser est famlia que mais contratou os servios dos negros,
principalmente na regio da Ramadinha (outro stio prximo).
43
Pelos idos de 1860/70, Mateus Velho, que ao que se sabe foi seu
primeiro habitante, tendo sido alforriado pelo capito Neco da
Ramadinha, recebeu uma doao de terras nas sobras da Data de
Moic com o Stio Tamandu, da data de Santa Luzia. Casou com
Genoveva, tambm escrava liberta e veio se fixar nas terras que lhe
foram doadas, tendo da nascido comunidade. Logo Mateus Velho
foi seguido por outros escravos como Incio Flix, Severino, Simplcio
e Gonalo Fogo. (MEDEIROS, 2002 apud NBREGA, 2007, p. 129).
32
Mesmo quando utilizamos trechos de entrevista utilizaremos pseudnimos. Com relao a
este senhor tivemos conhecimento quando da realizao desta pesquisa que o mesmo
falecera.
44
33
De acordo com Woortmann (1990) o termo stio possui tres significados. Em um sentido mais
amplo, o mesmo designa uma comunidade de parentesco, um espao onde se reproduzem
socialmente vrias famlias de parentes, descendentes de um ancestral fundador comum (Ibid,
p. 30). Em um segundo sentido atribuido a stio, o mesmo significa uma rea de terras
trabalhadas por uma famlia, idealmente localizada no interior do Stio em sentido amplo, neste
sentido o stio o patrimnio construdo pelo trabalho da famlia e transmitido de pai para filho,
segundo regras definidas. No seu terceiro sentido, stio designa o conjunto casa-quintal,
aproximando-se seu significado do de cho de morada . Assim sendo, o termo stio remete a
relaes de parentesco, trata-se de um espao de reproduo das famlias, sendo tambm
visto como local de subsistncia de onde se tira o sustento atravs da plantao de hortalias e
legumes, e de pequenas criaes de gado, aves e sunos, sendo o excedente da produo
trocado ou vendido. No contexto local a expresso STIO, refere-se normalmente a uma
propriedade rural de rea modesta. Nestes termos no caso da Pitombeira, particularmente,
embora tenhamos observado a existncia de vrios stios (no segundo sentido), acreditamos
que, visto do ponto de vista da cidade, tambm possamos nos referir a Pitombeira em um todo
como um Stio (no primeiro sentido).
34
No ltimo ano os moradores deste bairro que so descendentes do Talhado tm se
mobilizado pelo encaminhamento do reconhecimento destes enquanto remanescentes de
quilombo, estivemos presentes em uma das reunies feitas naquele lugar, quando houve um
questionamento quanto possibilidade de que aqueles que vieram da Pitombeira e residem
naquele bairro tambm fossem inseridos nesta demanda por reconhecimento, porm as
pessoas que estavam na reunio consideraram melhor no inclu-los, deixando apenas os que
descendem do Talhado neste processo. Mais detalhes a respeito desta demanda por
46
Entre aqueles que se encontram, nos dias atuais, em terras que fazem
parte da Pitombeira, os nicos que vivem na condio de morador no so
nascidos naquele stio. Existem duas famlias que vivem nesta condio, em
um dos casos o casal j trabalhava para o patro em uma propriedade em
outro municpio, vindo tomar conta das terras que o fazendeiro adquiriu na
Pitombeira. No caso desta famlia foi ali que nasceram alguns de seus filhos,
embora outros j tenham vindo com o referido casal.
No outro caso a esposa do atual morador filha do antigo morador da
propriedade, ela chegou ali ainda criana (com aproximadamente dois anos),
com o seu casamento ela e seu esposo (que nascido no stio Santo Antonio
pertencente ao municpio de Santa Luzia) passaram a tomar conta das terras
que outrora seu pai cuidara. Foi l que nasceram todos os seus filhos, embora
apenas um deles tenha permanecido morando com os pais na referida
propriedade. Um elemento tambm interessante neste segundo caso que,
como os pais da esposa deste senhor residia naquela propriedade antes de
seu casamento, duas irms desta senhora casaram com homens da Pitombeira
e ali edificaram suas famlias. Durante a pesquisa percebemos que este no se
trata de um caso isolado, pois outros homens deste grupo casaram com
mulheres de fora, comum vermos casos de irms que vieram de fora 35 e se
casaram ali. Sendo inclusive comum duas irms se casarem com homens que
so primos, com um tio e um sobrinho, com dois irmos. O contrrio tambm
foi por ns percebido, algumas mulheres do grupo tambm se casaram com
homens de fora.
Com isso sugerimos que, embora existam casos nos quais, os cnjuges
so ambos nascidos na Pitombeira, tambm muito freqente o casamento
para fora, existindo, inclusive, mais casos de casamentos entre uma pessoa
35
Foram mencionados casos de mulheres que vieram de Picu, Santa Luzia, So Joo do
Sabugi (PB), Equador (RN), So Jos do Sabugi (PB), Alagoa Grande (PB).
48
nascida naquele stio e outra vinda de outra localidade, seja ela rural ou
urbana.
Mas, retomando aos casos das duas famlias que vivem na condio de
moradores, importante destacar que mesmo vivendo nesta condio elas
possuem uma relao com o patro, nos dias atuais, bastante peculiar.
Acreditamos que a proximidade na relao foi adquirida em funo do tempo
em que residem nas respectivas terras (que no so de propriedade do mesmo
dono).
Em um dos casos atualmente a famlia toma conta da terra e cria os
seus prprios animais, eles no recebem mais nenhuma diria (auxlio
financeiro para os cuidados com a propriedade) do patro, como se aquelas
terras j fossem deles por direito em funo do tempo que faz que eles lutam
nelas, inclusive neste caso em particular o morador tem interesse em adquirir
as terras nas quais ele reside, caso acontea de o proprietrio coloc-las
venda.
Tambm conveniente destacar que em um dos casos, embora alguns
filhos tenham chegado junto com os pais naquela localidade e outros tenham
ali nascido, existe uma relao diferente para com eles, como se eles fossem
de dentro do grupo quando pensados em relao aos de fora, pois ali que
eles residem, mas, de fora em comparao com os que ali nasceram. Neste
caso em particular todos os filhos residem na propriedade, tendo sido
construdas duas casas para dois dos filhos que edificaram as suas famlias.
De acordo com a dona da casa, existe o interesse em construir mais uma casa
para outra filha do casal. A mesma, durante a pesquisa, morava com seus
filhos, em uma casa emprestada naquela comunidade.
Na Pitombeira a maior parte dos moradores possui o seu pedao de
terra, destes, grande parte herdaram dos pais, que em alguns casos
adquiriram suas terras atravs da compra 36 ou da herana de seus pais. Assim
muito comum que com o casamento de um filho, os pais cedam um espao
na terra, que futuramente ser herdada por ele, para que o (a) filho (a) construa
a sua casa para morada.
36
Durante nossa pesquisa, embora pretendssemos, no realizamos pesquisas em cartrios.
Logo, no podemos inferir como se encontram os documentos com relao aquisio destas
terras. Se as mesmas esto em nome dos atuais proprietrios ou ainda no dos antigos donos.
49
37
Nestes casos, geralmente, se trata apenas de um emprstimo, o morador no tem
obrigaes de pagamento para com o dono da casa, a no ser a responsabilidade de manter
em dias o pagamento da conta de luz.
38
Trata-se de um benefcio da Previdncia Social concedido segurada gestante, neste caso a
trabalhadora rural.
50
39
Ver em anexo a lista com a identificao de um representante de cada famlia.
40
Tais casas foram construdas atravs de projetos da FUNASA em parceria com a Prefeitura
Municipal com o objetivo de substituir as casas de taipa por alvenaria, evitando a proliferao
do barbeiro, que transmite a doena de chagas.
41
Geralmente so os homens do prprio grupo que desempenham as atividades de pedreiro e
serventes nessas construes e recebem por tais servios.
51
FUNASA, outras estavam sendo construdas por conta prpria quer seja por
moradores que se casaram e ainda no possuam suas casas, por outros que
moravam em casas de outras pessoas ou mesmo por pessoas de fora que
adquiriram terras naquele lugar. Destas ltimas, alguns dos compradores j
possuem parentes residindo ali h muito tempo (existem casos de pessoas que
casaram com outras que ali nasceram e hoje alguns irmos tambm vieram
morar l), mas tambm existem aqueles que no possuem nenhum vnculo
com o lugar, apenas compraram as terras e construram nelas casas que lhes
servem de apoio (so pessoas que no construram casas para residirem
nelas, mas apenas para passarem fins de semana, uma vez que residem e
trabalham na cidade, seja em Santa Luzia ou em Vrzea).
Figura 03: Imagens de um fogo improvisado nos fundos de uma casa e da parte interna e
externa de uma cozinha de taipa. (Fotografias de Jordnia de A. Souza e Vera Lcia de
Almeida).
42
Trata-se de uma palavra de origem popular que se refere a um lugar improvisado, por vezes
construdo com estacas que servem de base e sustenta um pedao de madeira na qual so
lavadas roupas, panelas, pratos, etc. Algumas vezes esta estrutura fica embaixo de uma rvore
ou mesmo de uma cobertura improvisada, denominada latada que pode ser por vezes
encontrada em residncias populares.
53
43
No contexto por ns pesquisado a expresso colocar a roupa para quarar significa colocar
a roupa j ensaboada exposta ao sol (para corar), com o intuito de facilitar o processo de
lavagem e enxge das roupas lavadas a mo.
54
44
O cho recoberto de cimento, o que gera um espao liso e sem a poeira, caractersticos do
cho de terra.
45
Trata-se de festas que aconteciam luz de candeeiro e no piso de barro, quando no tinha
iluminao eltrica na zona rural e nem o palanque (termo que tambm usado para se
referir a parte da frente da casa encimentada) neste caso o forr era organizado de modo que
mulher no pagava para entrar no salo e danar, mas o homem precisa pagar uma cota para
poder ter acesso ao salo. Em conversa com o anfitrio desta casa, a poca (pois o mesmo
falecera durante a realizao da pesquisa), ele nos falou que era seu pai, que organizava tais
festas, trazia de Santa Luzia um caminho carregado com mulheres para incentivar os homens
a pagarem as cotas e gastarem nas festas e que por vezes quem trazia os sanfoneiros para
tocar era o senhor Guilherme, morador do Talhado, considerado pelo informante como parente
da rama velha. Nesta casa em especfico, a estrutura de cimento foi construda com o auxlio
de um representante poltico local, ainda na poca que seu pai era o dono da casa.
55
observar uma sinuca, utilizada por alguns moradores para jogar e ao redor da
qual muitas vezes acontece episdios de descontrao; e algumas mesas de
bar que acomodam aqueles que desejam tomar sua bebida. Tambm existem
outros locais onde so vendidas bebidas alcolicas, embora no possuam a
estrutura destas casas mencionadas anteriormente, nestes ltimos casos alm
de bebidas so encontrados a venda, artigos de primeira necessidade (feijo,
arroz, acar, biscoitos, etc.).
Ao observar o croqui na pgina 47, o leitor ver que a rea que
corresponde a Pitombeira nos dias atuais cortada pelo Rio Moic, e que o
grupo tambm possui dois audes e alguns reservatrios de gua, porm
embora a idia de ter um rio cortando a regio possa sugerir que o mesmo
oferea gua em abundncia para o local, o que se observa que o mesmo
no acontece, tal Rio possui gua apenas em perodos de cheia. Quando
chove bastante e os audes das redondezas tomam gua ao ponto de
sangrarem (transbordarem), as guas do sangradouro escoam para este Rio,
que no mximo oferece gua de cacimbas, naquelas que so perfuradas,
durante um perodo do ano. Em anos de seca, que so os mais freqentes na
regio, os moradores ficam a merc das guas vindas em carros-pipa.
Existe um poo com vazo de gua salgada que fornecia gua ao grupo
at a quebra de uma pea que ainda recentemente no havia sido consertada,
motivo que tem inviabilizado o fornecimento de gua. Dos barreiros e/ou
audes construdos naquelas propriedades nenhum possui estrutura que
garanta o abastecimento, nem mesmo da famlia no perodo de seca qui do
grupo como um todo.
Durante a pesquisa uma das fontes de abastecimento de gua do grupo
era o aude situado na fazenda de um ex-senador do estado46, de onde alguns
46
Trata-se de um poltico local que natural da cidade de Santa Luzia, sua famlia est ligada
ao mundo pblico da regio h muito tempo. Seu pai foi prefeito da cidade de Santa Luzia por
duas gestes, bem como Deputado Estadual. nesta propriedade localizada na regio da
Quixaba, onde este poltico se rene com os amigos e polticos do Vale do Sabugi e demais
adjacncias, quando se encontra na redondeza. importante ressaltar aqui que alguns
moradores da Pitombeira foram e outros ainda so, funcionrios e/ou moradores de tal
propriedade e que em algumas das falas de membros do grupo a relao com a famlia de tal
poltico (aqui nos referimos a relao estabelecida antes mesmo de ser ele o homem pblico,
quando era o seu pai que possua uma carreira poltica) retratada de modo bastante prximo.
Em uma conversa com um senhor daquele lugar lembramos-nos de ele mencionar o fato de
que aprendeu a escrever seu nome com um dos primos do ex-senador, e importante deixar
57
claro que naquele momento para se poder votar era necessrio que se demonstrasse que o
eleitor no era analfabeto.
47
A localizao deste suspiro pode ser observada no croqui apresentado anteriormente.
58
necessidades e que se vendo quase que sem gua, com a possibilidade de ter
acesso gua da vazo da Adutora para o consumo como uma soluo para
os seus problemas com a falta de gua vo a tal vazo e carregam as suas
carroas, porque conden-los, eles esto buscando gua para a sua
sobrevivncia, no fazem como alguns proprietrios de terras, que aproveitam
estas vazes e cavam estruturas de barreiros e audes que foram sendo
abastecidos por estas guas. Eles vo abrem uma espcie de registro
carregam as suas carroas e fecham novamente, para que a gua continue
passando para o seu destino final. Como escreve Marx, o interesse das
massas mais inferiores trata-se de um interesse universal e ilimitado em
detrimento ao interesse dos proprietrios da floresta que particular e limitado.
Depois de alguns desses episdios nos quais algumas daquelas
pessoas foram coagidas a no retirarem a gua, a Prefeitura de Vrzea
comeou a encaminhar carros pipas com gua para o consumo que
despejada em dois reservatrios da Pitombeira. De um lado numa caixa dgua
que fica prxima ao prdio da escola e, no outro lado, em uma cisterna para
atender as famlias que moram ali nas proximidades.
A maior parte das pessoas busca a gua para suas casas em carroas,
umas so pequenas e empurradas diretamente pelos condutores, outras so
puxadas por jumentos, nos lastros dessas ltimas so colocados tambores de
aproximadamente 200 litros e em alguns casos no se d uma s viagem, a
busca varia de uma casa para outra, em funo do nmero de moradores, bem
como se naquele dia a dona da casa ir realizar alguma tarefa que demande a
necessidade de uma maior quantidade de gua, como pode ser visto em dias
nos quais se lava roupas. Tambm se observam algumas mulheres que pedem
para pessoas que passem de carroa na frente de suas casas levarem seus
tambores de 20 litros e trazerem gua para elas, geralmente estes episdios
acontecem com algumas mulheres que se encontram com seus maridos
trabalhando fora. Embora seja recorrente observar os homens desempenhando
tal atividade existem casas nas quais so as mulheres que saem nos jumentos
para buscarem gua, seja porque os maridos, pai e/ou irmos estejam
trabalhando ou mesmo por outros motivos no aparentes.
59
Figura 05: Na primeira coluna imagens de uma cacimba, da retirada de gua do Aude
localizado na Fazenda Quixaba; carroa pequena; na segunda coluna reservatrios de gua
(caixas dgua e cisterna) Fotografias de Jordnia de A. Souza.
48
Atualmente visvel a presena de homens, principalmente os jovens. Aqueles que saem
so, em sua maioria, os que possuem a responsabilidade de gerir o sustento da casa, uma vez
que no h ali trabalho para todos.
49
Termo utilizado para referir-se quele que auxilia o trabalho do pedreiro, no preparo dos
materiais ou encaminhamentos dos trabalhos na construo.
61
50
O referido senhor faleceu durante a realizao deste trabalho.
62
mesmo entre alguns daqueles que nos dias de hoje possuem suas prprias
terras.
As dificuldades de manuteno das famlias vivendo e trabalhando na
Pitombeira fizeram com que muitos homens deixassem suas esposas e filhos
tomando conta de suas terras e migrassem em busca de empregos em outras
cidades. A vinda em casa ficava condicionada ao recebimento do pagamento;
que muitas vezes demorava entre quinze dias, um ms, s vezes mais tempo e
nessas circunstncias eram as mulheres que orientavam os afazeres no s
domsticos, mas tambm no cuidado com a terra e com os animais, quando se
possua.
Quando conversamos a respeito das fontes de renda e gerao de
emprego h quarenta, cinqenta anos atrs alguns dos informantes
mencionaram o trabalho em uma firma que fazia a explorao de minrios
numa fazenda prxima, se trata da Mina da Quixaba, muitos homens da
Pitombeira trabalharam naquela Mina que foi durante algum tempo, num
passado no muito distante, uma das fontes de renda de muitos dos moradores
da regio.
Segundo informaes constantes no livro Fragmentos da histria de
Vrzea, escrito por Jos Jocio da Nbrega (2003), no incio dos anos de
1940 foi descoberta a existncia de minrio naquela propriedade. A Mina da
Quixaba ficava situada na fazenda de propriedade do senhor Francisco
Pergentino de Arajo, inicialmente os minrios foram explorados por
garimpeiros da prpria regio, depois da dcada de 1950 as terras nas quais
se encontravam a Mina foram vendidas a Companhia de Explorao de Minas
BRASIMETE (NBREGA, 2003, p.32) que realizou exploraes na regio entre
os anos de 1950 e 1958.
Nbrega sugere que o auge da explorao desta Mina foi entre 1942 e
1958, o que no implica dizer que depois de 1958 no tenha mais havido
explorao de minrio no lugar, uma vez que na memria de alguns moradores
da Pitombeira existiu trabalho na Mina at a dcada de 1960 e incio dos anos
1970.
A Mina da Quixaba como ficou conhecida gerou empregos na regio, e
por situar-se em uma propriedade prxima, acabava agregando alguns dos
63
A vida era muito difcil, muito difcil, tu sabe que naquele perodo era
muito difcil, a situao era difcil, principalmente criar oito filhos como
era l em casa no ! Morreu um, ficou sete no ? E somente eu
para ajudar. O meu pai perdeu a viso em 58, 59. No ano de 59, mais
ou menos nesse perodo ele comeou a perder a viso, e j era difcil
as coisas no , mesmo a pessoa tendo sade no , e depois
quando ele perdeu a viso ficou mais difcil ainda. Naquele perodo
no existia o que existe hoje, a aposentadoria, o governo no tinha,
no ajudava como ajuda hoje, as coisas eram difceis no , e eu
muito jovem, com dez anos de idade, o que eu admiro hoje, um dia
desses eu estava conversando, contando assim, o tempo passado
no , que eu vivi, veja mesmo eu com 10 anos de idade eu tive que
sair de casa para ir trabalhar para sustentar a famlia (Seu Eduardo,
entrevista realizada em 16 de maio de 2010)
Naquele tempo quem queria ter uma renda melhor s vivia no meio
do mundo, deixava a famlia aqui e se mandava no meio do mundo,
era o caso. Mas hoje no, hoje graas a Deus t bom demais, negro
sai, mas por pouco tempo. (Seu Fabrcio, entrevista realizada em
12 de maio de 2010)
Nessa regio aqui menina h, uns 40 anos atrs essa regio dava
algodo certo. H uns 40 anos atrs existia algodo nesta regio aqui
no , muita gente plantava, muita gente colhia algodo. A gente saia
muitas vezes daqui e ia apanhar algodo, depois de Santa Luzia,
51
No tivemos oportunidade de conhecer este senhor.
65
Era Joo Pio, ns ia e ele era responsvel por ns, tudo. Era uma
unio minha filha, eu quero lhe dizer, uma unio e um respeito que
hoje at difcil... Era gente demais, formava aquela turma, s vezes
minha me ia, mas realmente quem ia mais era a gente, que a gente
passava 15 dias... na Serra do Cabao, pra l de Santa Luzia... nas
serras... Neste tempo l era algodo... Quando era de tarde todo
mundo ia... Nesse tempo na Serra, ai vinha, Antonio meu irmo vinha
no sbado, tinha os carros, ai vinha, tinha os carros da feira l da
Serra e ele pequeno, eu tinha at medo, por que ele era, no era
adulto, a me tava esperando j l em Santa Luzia, ai recebiam j o
dinheiro ai ele levava j o dinheiro a ela fazia a nossa boinha e ele
voltava e l a gente ficava apanhando algodo... A quando era de
madrugada, no dia que a gente vinha para casa, gente levantava l
da Serra cedo, a de madrugada a gente vinha de ps, chegava em
Santa Luzia a vinha para o stio... Vinha todo mundo contente e feliz,
com a ferinha na cabea, no domingo de manh ia para a cacimba,
lavar as roupinhas e quando era no domingo de tarde, p na
rodagem, podia t a festa que tivesse, quando Joo Pio dizia assim
tal hora, Joo Pio ta reunindo o povo, todo mundo. Ele com uma
jumentinha, levava os cau, a botava as feiras ali dentro e a gente
ia embora, essa a vida que eu conto. (Dona Accia, entrevista
realizada em 07 de junho de 2011)
antigos), destas quase todas as residncias possui uma ou duas pessoas que
recebem um salrio mnimo atravs do benefcio da aposentadoria, sendo este
dinheiro utilizado para auxiliar muitas vezes o sustento dos filhos.
52
Para mais detalhes ver Schwarzer (2000).
67
53
Em alguns casos estas roupas so compradas na cidade de Santa Cruz do Capibaribe PE,
mas tambm encontramos duas irms que produzem roupas, elas so costureiras e tanto
fazem peas por encomenda, bem como confeccionam peas e as colocam venda.
54
Algumas destas ltimas so adquiridas na cidade de So Bento PB, tambm conhecida
como a Capital das Redes.
68
oferecem suas peas de casa em casa; bem verdade que com a ida
freqente alguns vendedores acabam conquistando uma clientela. Com a
aquisio de tais artigos o pagamento geralmente parcelado, de modo que a
cada ms o vendedor volta casa do comprador para receber o valor da
parcela. Assim o grupo fica com as opes de adquirirem suas peas tanto
com a compra junto a estes vendedores ou mesmo quelas pessoas que
residem naquela localidade. Existindo casos em que se realizam compras aos
dois.
Entre os moradores do grupo existe uma senhora que produz chapus e
bolsas feitos de palha de carnaba; durante o perodo da pesquisa tambm
pudemos observar um grupo de mulheres que fabricavam peas ntimas para
um atravessador, ele entregou a matria prima e deixou na casa de uma delas,
umas mquinas que eram utilizadas para a fabricao das peas.
Vimos ainda algumas mulheres auxiliando55 no trabalho domstico de
casas nas quais geralmente moram pessoas de idade. comum essas
pessoas serem membros da famlia (netas, sobrinhas, primas, etc.), mas
tambm acontecem casos nos quais elas no so necessariamente parente e
nem mesmo residam naquele stio (em alguns momentos observamos
mulheres de comunidades vizinhas desempenhando tais atividades, durante a
coleta de dados uma jovem do Assentamento da Viola desempenhou tais
atividades na casa de dois irmos).
Outra fonte de renda para os moradores do grupo a criao de
animais. Na maioria das casas so encontradas criaes de galinhas, e
embora a criao deste tipo seja a mais comum tambm existem famlias que
criam bodes, gado, porcos, guins, codornas, abelhas, etc. Na maior parte dos
casos estes animas so criados e vendidos, tal venda auxilia na renda familiar.
Existe entre eles um rapaz que geralmente compra as galinhas para revender
na cidade. Quanto aos animais de grande porte eles geralmente so vendidos
para auxiliar na aquisio de algum bem, ou mesmo quando se precisa gastar
com alguma doena, ou qualquer outra necessidade. Inclusive h um
55
Utilizamos aqui o termo auxlio por considerar que assim que se d esta atividade, na
maior parte das casos. No conseguimos observar elas sendo tratadas como domsticas.
69
Figura 06: Imagens do curso preparatrio para criao de abelhas, oferecido pelo SENAR.
Fotografias de Joseildo Souza dos Santos.
56
De acordo com o dicionrio Aurlio trata-se do negociante que vende a carne por atacado
aos aougues. No cenrio pesquisado o termo refere-se geralmente quele que compra
animais para abat-los e vend-los, geralmente em local especfico (algumas vezes em um
Mercado Pblico).
70
57
De acordo com os dados do senso do IBGE em 2010 o municpio de Santa Luzia possui rea
territorial de 455,700 km 2 com uma populao estimada em 14.719 habitantes sua densidade
demogrfica (hab/km 2) de 32,30; e Vrzea possui uma rea de 190, 446 nm 2, considerando
2
que sua populao soma 2.504, a densidade demogrfica (hab/km ) deste municpio de
13,15. Dados colhidos no site do IBGE, http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1, em
26/06/2011.
71
Figura 07: Imagens dos trechos da entrada da Pitombeira nos quais seus moradores se dirigem
quando vo pegar transportes para ir s cidades de Santa Luzia e Vrzea.
Fotografias de Jordnia de Arajo Souza.
58
Tal licena geralmente solicitada nas prefeituras.
72
entrada a uma das duas salas de aula, bem como aos dois banheiros, a
cozinha e uma pequena despensa; a outra sala de aula fica ao lado da primeira
sala, embora o ingresso a esta sala se d apenas por fora em outra porta. Esta
sala de aula foi reduzida para a construo de um pequeno espao destinado
ao laboratrio de informtica, que fica separado desta por um porto.
59
Expresso para se referir cidade, no caso em especfico, a zona urbana. A referida
expresso quer dizer que ela mora na cidade.
76
60
Embora no tenhamos acompanhado o trabalho desenvolvido por seu Felipe frente da
Associao, s conversas com alguns moradores faz com que seja possvel destacar uma
diferenciao relativa ao modo pelo qual ele dirigia as atividades da Associao em
comparao com seus sucessores. Na fala destes moradores seu Felipe estava sempre
preocupado em fazer com que os associados estivessem presentes nas reunies, saindo ele
mesmo em cada uma das casas da comunidade fazendo o convite e destacando os assuntos
que seriam abordados em cada uma. No caso de Aucena, a atual presidente, tambm se
observa uma preocupao em fazer com que cada vez mais as pessoas do grupo compaream
as reunies e ela estende esses convites aos representantes polticos locais, bem como
representantes de outras localidades.
77
61
Comunidade rural situada no municpio de Vrzea onde segundo informaes residem
algumas pessoas que so negras.
80
62
Estas categorias foram por ns pensadas, no partiu de uma proposta dos que fazem a
Pitombeira tal diferenciao.
81
tornou melhor vistos aos olhos dos demais moradores de Santa Luzia, em
detrimento aos do Talhado, que se mantinham isolados na serra? Esta
diferenciao tem alguma ligao com o fato de que h a possibilidade de que,
no caso da Pitombeira, tenha existido uma relao entre um patro branco e
eles, logo que existiu a possibilidade de proteo por parte do patro? Como se
estabeleceram as relaes entre os negros da Pitombeira e os moradores do
municpio de Santa Luzia? E ainda como se estabeleceu a convivncia entre os
negros da Pitombeira e o restante da populao de Vrzea? Na presente
pesquisa no elaboramos respostas para todas estas questes, embora as
duas primeiras soem mais como hipteses do que perguntas propriamente.
Mas retomando as reflexes referentes ao universo da Escola Hermnio
Silvano da Silva, conveniente destacar que esta escola no um lugar no
qual acontecem apenas as aulas, comemoraes e reunies da Pitombeira,
l tambm onde acontecem os encontros de uma turma de catecismo que se
rene aos domingos. As catequistas so de Santa Luzia, e h dois anos elas
realizam reunies quinzenais aos domingos com as crianas e adolescentes
daquele Stio, visando preparao dos mesmos para receber o sacramento
da 1 Eucaristia. Inclusive no ano de 2009, foi realizada na prpria sede da
Escola a cerimnia da Primeira Comunho destas crianas, vindo da cidade de
Santa Luzia o proco63 que realizou a celebrao.
A atuao destas catequistas64 tambm pode ser observada quando da
realizao das novenas no ms de maio. Novenas estas que so consideradas
tradicionais naquele grupo, uma vez que estas so celebradas por eles desde
1931, sendo todas as 31 noites rezadas na mesma casa desde ento.
Geralmente acontece de no encerramento se realizar uma procisso na qual a
imagem da santa carregada de outra residncia da localidade com destino
quela casa na qual so celebradas as novenas desde as primeiras
celebraes. No momento da procisso so cantadas ladainhas
acompanhadas pelo som dos fogos de artifcio.
63
importante esclarecer que o padre de Santa Luzia tambm responsvel pelas
celebraes realizadas no municpio de Vrzea, logo no devemos estranhar a insero dos
mesmos em tal grupo.
64
As catequistas so Maria Isabel e Virginia, ambas atuam tambm na Irmandade de Nossa
Senhora do Rosrio, sendo a ltima a presidente de tal grupo.
82
65
Tirar neste contexto tem um sentido de celebrar. As pessoas que tiram uma novena so
aquelas que ficam responsveis pelo encaminhamento das oraes.
83
participao deles nesta festa at os dias de hoje pode ser vista como um
elemento distintivo do grupo, quando em comparao com outros negros da
regio. Embora nos dias atuais poucos participem de tal festividade por
considerar a sua representatividade que abordaremos mais detalhes a respeito
de tal festa no captulo que se segue.
85
Captulo 2
A Festa do Rosrio uma
festa vivida pelos negros da
Pitombeira
86
66
importante chamar ateno para os termos que so acionados por aqueles que contam a
histria da criao da Festa do Rosrio, quando consideram: escravo cria patro; ao invs
de escravo pea proprietrio. Esses termos por sua vez suscitam o modo pelo qual
algumas pessoas da regio consideram que se estabeleceram as relaes entre escravos e
senhores naquele lugar.
67
Um trabalho desenvolvido por um historiador do municpio de Santa Luzia, juntamente com
dois membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio, apontam o nome da esposa de
Mateus como Justina. Para detalhes ver NBREGA, et al. (2007). Porm utilizamos aqui o
nome de Genoveva ao nos referirmos a esposa de Mateus, posto que em virtude de no
termos realizado uma pesquisa em fontes documentais, priorizamos o nome que est presente
na memria do grupo.
87
68
importante destacar que atualmente um novo grupo se encontra em processo de
reconhecimento enquanto comunidade quilombola acionando sua relao com o Talhado,
trata-se de um grupo de pessoas que residem no bairro So Sebastio, localizado no municpio
de Santa Luzia, tal movimento vem sendo acompanhado pela colega Eullia Bezerra Arajo
em sua pesquisa de mestrado.
69
Como pode ser lido nos trabalhos de: Cavalcanti (1975), Santos (1998), Nbrega (2007).
Embora nenhum destes trabalhos tenham como fundamento de suas pesquisas esta festa.
89
70
Na tradio das religies afro-brasileiras o termo Aruanda pode ser lido de diversas
maneiras: lugar de liberdade, terra da promisso, cu dos rixas, etc. De acordo com
Carvalho (1998) No caso dos cultos afro-brasileiros tradicionais, que preservam com
tenacidade a raiz simblica africana (como o candombl, o xang e o batuque) a linguagem
para se referir a esses espaos mticos uma mais indireta e muito menos formalizada. O
mundo do orun, da frica, de onde vm os orixs, mencionado apenas nos rituais e mesmo
nesse contexto, h uma inibio formal, em termos de clareza de expresso, que dada pelo
uso restrito da lngua portuguesa. Ainda mais difcil se torna diz-lo nos cnticos, pois estes
so cantados em iorub, idioma que no mais falado pela comunidade afro-brasileira. Em
contraparte, o reino da Aruanda uma imagem explcita de um espao mtico, de uma frica
celeste, ao mesmo tempo individual e coletiva, subjetiva e objetiva, com que os adeptos se
propem entrar em contato. Paralelo, assim, ao modelo da cidade fortificada, surge um outro
modelo igualmente muito desenvolvido nessa tradio: o modelo da transformao. o contato
com o reino encantado da Aruanda que permite esse prodgio, da pedrinha virar lajeiro.
(CARVALHO, 1998, p.11).
71
O Cinema Novo um movimento cinematogrfico brasileiro, influenciado pelo Neo-realismo
italiano. Teve incio em 1952 com o I Congresso Paulista de Cinema e o I Congresso Nacional
de Cinema Brasileiro, foi atravs destes congressos que foram discutidas novas idias para a
produo de filmes nacionais. Tal movimento defendia a produo de filmes fundamentalmente
nacionais, a idia era se construir um filme popular de baixo custo e que retratasse a realidade
scio-poltica-cultural brasileira e em uma linguagem que fosse adequada situao social da
poca. Para mais detalhes a respeito deste movimento ver: http://paulo-
v.sites.uol.com.br/cinema/cinemanovo.htm e
http://www.achegas.net/numero/nove/pedro_simonard_09.htm.
90
72
Para mais detalhes a respeito da realizao de tal festa ver artigo de Osvaldo Meira
Trigueiro, intitulado: A Festa de Nossa Senhora do Rosrio na Paraba, publicado na revista
Eletrnica Temtica. http://www.insite.pro.br/2005/24-
A%20Festa%20de%20Nossa%20Senhora%20do%20Ros%C3%A1rio%20na%20Para%C3%A
Dba.pdf
91
73
No que ns no tivssemos j ouvido falar dos moradores do Talhado, mas que neste
momento conhecemos alguns moradores daquela localidade e tivemos a oportunidade de ir at
o Talhado.
74
Neste caso este se trata de nome real da representante da FCP.
93
75
Esta foi a ltima edio deste Seminrio que acompanhamos.
94
76
A expresso negros do Talhado foi utilizada durante muito tempo de modo pejorativo,
ligando os membros deste grupo a situaes de desordem, pois no imaginrio de alguns dos
moradores da cidade de Santa Luzia os tumultos que aconteciam neste municpio eram
provocados pelos moradores do Talhado. Para mais detalhes, ver a dissertao da colega
Eullia Bezerra Arajo, intitulada: Tornando-se Quilombola no Monte de So Sebastio:
etnografando as discusses sobre origem e a questo dos direitos no idioma do parentesco.
95
Irmandade dos irmos negros e vamos ter um Seminrio que se prope discutir
a respeito da condio negra/quilombola. Porm, os que esto em um no
esto necessariamente no outro. Os do Talhado podem estar na cidade e
aparentemente passaram a estar participando do Seminrio juntamente com a
presena da FCP, dos agentes polticos da regio e dos membros do NEAB-/
UEPB, enquanto que o Tope do Juiz, o Reisado e as novenas continuam
sendo vividos por aqueles que no se diziam quilombolas, ao menos at 2004,
j que o quilombo parecia ser at ento o Talhado.
Com isso se constata algo definidor: na Festa do Rosrio aqueles que
pertencem ao Talhado encontram-se ausente. O que temos neste ritual
religioso a participao ativa dos membros da Irmandade do Rosrio que
formada em sua maioria por pessoas negras, o que no inclui os que
pertencem ao Talhado.
Hoje possvel destacar que a insero do Talhado naquela Festa de
2004 foi uma juno gerada por aqueles que so realmente externos ao mundo
das comunidades da Pitombeira, do Talhado e, em certa medida, dos grupos
na rea urbana que passaram a demandar pelo reconhecimento quilombola.
Pois s assim se explica a idia de juntar, durante a Festa do Rosrio, os
pretos, como se formassem uma s unidade.
Salientando essas relaes de excluso e incluso, consideramos que a
festa de Nossa Senhora do Rosrio apresenta-se enquanto uma situao
social77 propcia para discutir como se do as relaes tnicas neste municpio.
Estamos diante de um sistema de hierarquia e classificao social, tendo a cor
da pele, e arriscaria considerar, a identificao ao grupo e ao lugar de
origem, como um demarcador. No caso, junto a uma populao que poderia
ser vista pelos de fora como igualmente negra, passamos a ter a construo de
uma diferenciao: temos os negros da Pitombeira, os negros da Irmandade do
77
Em seu texto Anlise de uma situao social na Zululndia moderna, Max Gluckman
analisa as relaes entre africanos e brancos do norte da Zululndia. No referido texto o autor
esclarece que uma situao social o comportamento, em algumas ocasies, de indivduos
como membros de uma comunidade, analisado e comparado com seu comportamento em
outras ocasies. Desta forma, a anlise revela o sistema de relaes subjacente entre a
estrutura social da comunidade, as partes da estrutura social, o meio ambiente fsico e a vida
fisiolgica dos membros da comunidade (GLUCKMAN, 1987, p. 238).
96
79
Para mais detalhes ver Botelho, 2009.
99
80
Trata-se de um termo usado localmente, que equivale ao que em alguns lugares chamado
de quermesse. Para eles retreta um momento que acontece no fim de semana da festa, no
qual montado um palco ao lado da Igreja, so postas algumas barracas, realizados leiles,
montado um parque de diverses e so observadas algumas apresentaes musicais,
variando desde orquestras sinfnicas a msicos da regio. Conforme nos traz o dicionrio
Aurlio corresponde no Brasil ao concerto popular de uma banda em praa pblica.
100
81
Trata-se de algo muito parecido com o que observamos nas escolas quando da realizao
das festividades juninas, no cenrio de Santa Luzia, durante a comemorao das festas de
junho geralmente as escolas de ensino infantil e fundamental propem um desfile de rainhas
do milho, sendo coroada aquela que trouxer mais dinheiro.
101
parece ser bastante importante para aqueles que assistem a festa, posto que a
escolha de uma pessoa que no apresente caractersticas negras pode gerar
muitos comentrios e insatisfaes.
Embora se destaque a participao do juiz, da rainha dos vaqueiros e da
princesa no Tope do Juiz observamos que todos os membros dos Reisados
participam de todos os momentos que circunscrevem a festa, desde as
novenas transposio dos cargos. Sendo que a atuao de alguns maior
em determinadas ocasies, como teremos a oportunidade de observar adiante,
quando apresentaremos melhor as partes que compem este ritual.
Outro grupo de importante representatividade nesta festa so os Irmos
de Mesa, este grupo por sua vez, como mencionamos anteriormente,
formado por pessoas mais experientes da Irmandade do Rosrio. A
identificao destes representantes durante a cerimnia se d pelo uso de
coletes nas cores branca para os homens e rosa para as mulheres, bem como
por eles portarem uma espcie de um grande castial durante alguns
momentos das cerimnias realizadas na Igreja.
A Banda Cabaal o nome pelo qual chamada a banda da festa de
Nossa Senhora do Rosrio no nosso cenrio de pesquisa. A mesma possui a
parte instrumental composta por pfanos, caixas, zabumba e marac; estes so
acompanhados por lanceiros que danam, durante todo o cortejo,
acompanhando o ritmo da Banda.
Os lanceiros da festa, tambm chamados em outros contextos como
pontes82, geralmente so jovens e crianas que portam lanas com pontas
enfeitadas e danam com as mesmas durante os cortejos, ou mesmo quando
so chamados a faz-lo durante as cerimnias realizadas no interior da Igreja.
Outro componente que sempre esta junto a Banda um senhor que
porta a bandeira de Nossa Senhora do Rosrio, o mesmo vai frente dos
lanceiros e os acompanha danando ao ritmo da Banda Cabaal. Tanto os
membros da Banda Cabaal, quanto os lanceiros e o porta-bandeira alm de
serem identificados por portarem cada um os seus respectivos instrumentos,
geralmente vestem durante a festa roupas em cores iguais. Em algumas
82
Na cidade de Pombal localizada no alto serto paraibano, tambm realizada a Festa de
Nossa Senhora do Rosrio, neste contexto aqueles que so identificados enquanto lanceiros
em Santa Luzia so vistos em Pombal como pontes.
102
casa que a Irmandade possua, sendo os demais dias (um trduo) festejadas na
Igreja Matriz de Santa Luzia. Atualmente todos os dias da novena so
celebrados na Igreja do Rosrio, podendo acontecer de, em alguns dias, a
imagem da santa ser levada casa de alguns moradores da cidade de onde a
mesma conduzida em procisso rumo Igreja.
Como mencionamos anteriormente, em todos os momentos que
circunscrevem tal ritual os membros dos reisados fazem-se presentes. Nas
novenas e na missa solene (realizada no ltimo domingo da festa), eles
ocupam os primeiros bancos da Igreja, ficando bem frente da imagem da
Santa, juntamente com alguns Irmos de Mesa.
Outro grupo de pessoas que tambm ocupa uma posio de destaque
na Festa so os membros da Banda Cabaal, nome pelo qual chamada a
banda da Irmandade que anima a festa.
Figura 09: Imagens de membros dos Reisados, da Banda Cabaal e dos Irmos de Mesa no
ano de 2010.
Fonte: www.clicpositivo.com.br
84
importante diferenciar estas princesas da princesa do Reisado do Ano. Estas princesas
so crianas que representam os bairros da cidade, no qual residem com suas famlias, bem
como comunidades rurais da regio (a Pitombeira uma destas), elas por sua vez desfilam
neste dia da festa, no qual contabilizado o valor em dinheiro que cada um (a) arrecadou para
a Santa. Aquele/Aquela que colocar a maior quantia coroado (a) a princesa da festa, o
mesmo se aplicando ao prncipe.
105
localidade na zona rural pode ser a um stio do juiz da festa, caso este resida
no espao rural; de parentes deste; ou mesmo a algum lugar cedido ou
sugerido para a sada do Tope do Juiz, seja por uma questo de devoo ou
mesmo conveno social de onde saem juntamente com os participantes do
ritual a cavalo85 com destino ao permetro urbano, onde cavalgam pelas
principais ruas da cidade antes de dirigirem-se Igreja.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio em questo possui um
folheto que conta um pouco a respeito da origem desta Festa celebrada em
Santa Luzia, neste folheto a referncia elaborada a respeito do Tope do Juiz
mostra como ocorreu o primeiro Tope realizado na Festa, alm destes dados
tambm ouvimos de seu Edgar informaes referentes a este momento.
Sim para comear como foi o comeo da Festa que eu ainda no dei
entrada nisso, no dia que eles eram para vim Mateus veio a cavalo
num jumentinho com a Santa na perna, com o pessoal l do
Vaquejador, So Domingos, Ramadinha e da Trindade e os outros
negros l da regio de Vrzea que era do povo de Mateus que era
tudo por ali. A eles vieram ali pro Alto da Boa Vista com a Santa e
esperando o povo que viesse de l, a demoraram muito o povo no
chegaram, a disse a eles: No vem no, o que que se faz? A
Manoel Maximiano disse: manda uma pessoa l na Pitombeira e diga
que venha que ns estamos esperando com a Santa aqui, a mais
quando chegaram l na Pedra do Bode ele j vinha de l pra c,
batendo caixa e jogando lana de l para casa todo esse tempo, a
quando chegaram eles estavam ali no Alto da Boa Vista esperando
com a Santa para poder seguir para Santa Luzia. A quando eles
chegaram ali eles vieram se juntou tudinho. Mateus juntou todos os
negros, os negros pessoal pobre tudo de p e aqueles rico a cavalo
no ? Mateus vinha num jumentinho com a Santa no colo, na lua da
sela pegada com a Santa ali, hoje aquela histria de ter uma rainha
do Rosrio ser do tope do juiz a tem que ser uma mocinha porque
t ... Ta imitando a nossa senhora do Rosrio... (Seu Edgar,
entrevista realizada em 26 de maro de 2005)
85
Nos dias atuais algumas pessoas acompanham este momento do ritual em motos e carros,
mas ainda so poucos que o fazem, sendo comum pessoas virem de cidades circunvizinhas a
cavalo para compartilharem tal ritual.
106
quanto aos demais membros do(s) Reisado(s), eles ficam nos dias atuais
aguardando na Sede da Igreja de Nossa Senhora do Rosrio.
So muitas as pessoas que participam deste momento da festa, a
maioria so homens, mas algumas mulheres tambm compartilham do Tope.
Alguns a cavalo outros a p, observamos que muitos daqueles que
acompanham o Tope do Juiz carregam consigo alguns aperitivos e suas
bebidas que so compartilhadas durante tal ocasio.
Quando os membros da Banda Cabaal se encontram com os demais
participantes do Tope do Juiz, eles seguem em cortejo pelas principais ruas
da cidade. Na Igreja eles so esperados pelos demais membros dos Reisados,
pelos membros da Irmandade bem como pelo proco que profere uma beno
aos cavaleiros que ali esto homenageando Nossa Senhora do Rosrio. Aps
a beno do vigrio as pessoas que esto presentes se disperso.
86
Nome atribudo a uma faixa de pano que colocada dando a volta no pescoo e cruzando o
peito, a mesma geralmente passa da altura da cintura.
110
87
Este senhor no nascido na Pitombeira, ele um dos senhores que vieram para aquela
localidade como morador e l edificou sua famlia, permanecendo at os dias atuais.
88
So estes os membros do reinado que participam da cavalgada ao local preestabelecido no
Tope do Juiz, ficando os demais a esper-los na Igreja de Nossa Senhora do Rosrio.
113
cidade, embora a mesma saliente que muitos cavaleiros trazem seus cavalos
em carros apropriados para o transporte destes animais, uma vez que muitos
vm de cidades circunvizinhas (Ouro Branco, So Mamede, So Jos do
Sabugi, etc.). Neste mesmo momento Seu Gustavo fala que a tradio na
participao na festa do Rosrio vem na famlia desde seus pais.
De acordo com este senhor outra ocasio na qual os membros do
Reisado podem usar as suas insgnias, que no seja durante a festa, acontece
quando um dos membros da Irmandade falece, nestas ocasies eles
participam do ritual fnebre com suas respectivas insgnias, principalmente os
Irmos de Mesa, que so identificados por usarem uns coletes na cor branca,
ou rosa e por carregar castiais no caminho do cemitrio.
Voltando ao almoo na casa de seu Gustavo, naquele dia no fomos
apenas ns as convidadas a almoarmos em sua casa, foram convidados
tambm os demais membros dos reisados, da Banda Cabaal, lanceiros e
porta-bandeira. Aps observarmos as pessoas solicitando-os para tirarem
fotografias, bem como aproveitado para fotograf-los samos da Igreja
juntamente com os membros da Banda Cabaal, lanceiros, o porta-bandeira e
alguns dos membros do reisado, pois os demais foram em seus transportes.
Durante todo o percurso com destino a residncia de seu Gustavo na
cidade, aqueles que compem a Banda iam tocando seus instrumentos e por
duas vezes foram parados por pessoas que lhes ofereceram gua e bebida,
caminhamos at a barreira do rio, nome popular dirigido ao bairro Nossa
Senhora de Ftima onde seu Gustavo possui uma casa. Esta casa serve de
apoio para ele e sua famlia no perodo da festa e em outros momentos nos
quais estes necessitem ficar em Santa Luzia, mas conveniente
esclarecermos que eles moram mesmo na Pitombeira.
Na casa de seu Gustavo ramos esperados pela sua esposa, dona
Margarida e uma irm sua, Dlia, que estava lhe ajudando com a preparao
da comida, bem como alguns de seus filhos e sobrinhos. Durante este fim de
semana de atividades mais intensas na festa a casa deste senhor agrega
algumas pessoas oriundas da Pitombeira que vem acompanhar tal ritual ou
mesmo que passam para comemorar, junto com eles a festa, ao sabor no s
da comida, como tambm da caipirinha e/ou cachaa.
119
com uma cesta bsica. Aqueles que ainda no havia adquirido suas cartelas
ainda tinham um pouco de tempo para faz-lo, enquanto os responsveis pela
execuo do bingo arrumassem todo o cenrio para dar incio ao mesmo.
Enquanto o globo o bingo era trazido, as pessoas se organizavam,
procuravam um lugar confortvel para marcar suas cartelas, uma caneta, ou
mesmo algo que viabilizasse tal marcao. Depois de iniciado o bingo a venda
das cartelas foi finalizada e agora as atenes se dirigiam para a marcao das
mesmas para que ningum, como eles dizem, passasse batido (no ouvisse os
nmeros quando chamados) e com isso perdesse a chance de ganhar o
prmio. Neste ano duas pessoas ganharam o balaio de feira que foi dividido
entre eles, uma delas inclusive foi filha de seu Gustavo, Amarlis, aquela que
foi a juza da festa.
Depois do bingo foi iniciado o desfile das princesas e prncipes que
estavam ali representando algumas ruas da cidade, ou mesmo localidades (no
caso, as crianas representavam as respectivas ruas ou lugares onde
residiam). O desfile tambm visava arrecadao de fundos para a Irmandade
do Rosrio. Neste desfile observamos a participao de uma criana que
representava a Pitombeira, sendo est nica comunidade rural com
representao, acreditamos que a participao de uma criana representando
tal localidade se d em virtude do vnculo que a mesma possui com a festa.
Terminado o desfile das princesas e prncipes da festa do Rosrio houve
a apurao dos valores arrecadados por cada concorrente. Depois de calcular
os valores foram chamados a desfilar mais uma vez a princesa e o prncipe
daquele ano, foram eleitos aqueles que ofereceram em seus envelopes a maior
quantia em dinheiro.
Depois do desfile a orquestra iniciou sua apresentao e um pouco
depois samos juntamente com alguns moradores da Pitombeira com destino a
casa de seu Gustavo, nesta noite ia acontecer uma festa no Yayu89 Clube de
Santa Luzia, festa est que as filhas de seu Gustavo iriam participar. Ficamos
89
Na cidade de Santa Luzia observa-se a existncia de uma serra que recebe o nome de Serra
do Yayu, que segundo nos informou uma das moradoras da cidade, Maria Eduarda, contam os
mais velhos que uma ndia foi perseguida por vrios homens cavalo e procurou refugiar-se
nesta serra, tendo sido encontrada a mesma de l se jogou e gritou a expresso Yayu.
125
Figura 14: Imagens do momento de entrega dos cargos dos reisados do ano e mirim.
Fonte: www.clicpositivo.com.br.
90
Freqentamos a sua casa tanto a situada na zona rural, como a que ele possui na cidade de
Santa Luzia.
130
fato de que eles so vistos enquanto diferentes dos que fazem parte do
Talhado.
Em 2005 um novo elemento agregado a esta diferenciao. A
comunidade da Pitombeira auto-reconhecida enquanto comunidade
remanescente de quilombo. Passando, pois este grupo a ser portador do direito
previsto no Artigo 68 da Constituio Federal de 1988. O Estado atribui a este
grupo uma nova terminologia, eles agora so uma comunidade remanescente
de quilombo.
137
Captulo 3
Reconhecimento quilombola:
a atuao de entidades na
Paraba e o caso da
Pitombeira
138
91
Podemos citar como exemplo: Almeida (2002), ODwyer (2002, 2008), Arruti (2005, 2006,
2008), entre outros.
92
Para mais detalhes ver MELO, 2007.
139
93
importante destacar que o Quilombo de Zumbi dos Palmares tornou-se um modelo
adotado por historiadores e membros do Movimento Negro.
140
95
Para mais detalhes ver ODwyer (2008).
143
96
Ver ODWYER (2002), ALMEIDA (2002), ARRUTI (2006), dentre outros.
144
elaborao de seu RTID, porm tal visita no resultou no incio deste processo,
que ainda se encontra paralisado.
Conforme sugere Arruti,
97
De acordo com os dados existentes no site da FCP entre os anos de 2004 a 2011 obtiveram
suas certides de auto-reconhecimento trinta e quatro (34) comunidades na Paraba, no
referido site as informaes so distribudas em anos sendo que em 2004 foi reconhecida
apenas uma (01), em 2005 sete (07), em 2006, quatorze (14), em 2007 uma (01), no ano de
154
o
Art. 3 Compete ao Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, por meio
do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria - INCRA, a
identificao, reconhecimento, delimitao, demarcao e titulao
das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos
quilombos, sem prejuzo da competncia concorrente dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municpios.
o
1 O INCRA dever regulamentar os procedimentos
administrativos para identificao, reconhecimento, delimitao,
demarcao e titulao das terras ocupadas pelos remanescentes
das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da
publicao deste Decreto.
2o Para os fins deste Decreto, o INCRA poder estabelecer
convnios, contratos, acordos e instrumentos similares com rgos
da administrao pblica federal, estadual, municipal, do Distrito
Federal, organizaes no-governamentais e entidades privadas,
observada a legislao pertinente.
o
3 O procedimento administrativo ser iniciado de ofcio pelo
INCRA ou por requerimento de qualquer interessado.
4o A autodefinio de que trata o 1o do art. 2o deste Decreto
ser inscrita no Cadastro Geral junto Fundao Cultural Palmares,
que expedir certido respectiva na forma do regulamento.
2008, foram trs (03), no de 2009 quatro (04), em 2010 duas (02), e em 2011, at o momento
da consulta duas (02). Para mais detalhes ver http://www.palmares.gov.br/?page_id=88, site
consultado em 05/08/2011.
155
98
A realizao destes RTIDs foram coordenadas e elaboradas pelos professores: Dra. Mrcia
R. Rangel Batista, Dr. Rodrigo Grnewald e Dr. Rogrio Zeferino. Parte deste trabalho contou
com a coordenao administrativa do professor Joo Martinho Braga de Mendona.
156
99
Segundo dados presentes no site do INCRA, visitado em 22 de agosto de 2011.
http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=
252&Itemid=274.
157
100
Para mais detalhes ver: ARAJO & BATISTA, 2008.
158
101
Tal entrevista foi realizada quando da elaborao do trabalho de fim de curso da colega
Eullia Arajo, naquele momento estavam presentes ela, eu e nosso colega Luiz Almeida.
159
... muito contraditrio porque voc tem que forar a barra para
aquele programa chegar ali, mas ele s chega se for se a
comunidade se auto-identificar talvez o momento no era to ideal
para um auto-reconhecimento mais tambm se no faz o auto-
reconhecimento naquele perodo eles perdem uma possibilidade de
melhora de vida enquanto pessoas independente se tem a
conscincia ou no ento a gente vive num dilema tambm muito
grande porque mais o Estado que assim obriga, obriga as
pessoas, eu estava dizendo por que obriga as pessoas hoje dizer
que so negras [...] Voc ter que considerar uma situao onde o
Estado tem que lhe confirmar o que voc mais tem essa
contradio na realidade assim de uma eu no digo que agente
forou barra nas comunidades porque a gente teve a cautela de
trabalhar essa questo do direito ento uma das coisas vocs tem
direito so portadores de direito e nesse governo tem uma direito
especfico porque so negros mais acima de tudo um direito do
cidado ter casa, ter comida, ter gua, ter estrada [...] a gente tenta
trabalhar a questo do direito muito mais do que essa coisa de ser
quilombola. (Sofia, entrevista realizada em junho de 2008)
102
No caso especfico da comunidade negra rural de Pitombeira, durante o transcurso da
pesquisa tivemos conhecimento da elaborao de um documento lido em uma reunio,
assinado pela AACADE e Associao de Pitombeira, no qual era almejado um parecer do
promotor de Justia do municpio de Santa Luzia para que fossem tomadas providncias com
relao ao lixo daquele municpio que est localizado nas imediaes da Pitombeira e est
prejudicando a sade dos moradores do grupo.
162
103
Ver dissertao Talhando um grupo tnico: o processo de recomposio identitria nas
comunidades quilombolas de Serra do Talhado de autoria de Luiz Rivadvia Prestes Almeida
apresentada no ano de 2010 ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da UFCG.
163
104
Nos livros de ata da Associao Comunitria de Pitombeira consta a visita de
representantes do Movimento Negro de Santa Luzia no ms de maio de 2004, bem como de
uma vereadora do municpio de Santa Luzia (esta ltima esteve diretamente ligada ao
encaminhamento do reconhecimento da comunidade do Talhado) e de Dona Ana Jlia (ela
auxiliou os moradores da Pitombeira de modo mais direto no seu reconhecimento). Alm desse
registro nos livros de ata consta a visita de um representante do Movimento Negro da Paraba
em 28/02/2005.
105
Segundo dados observados no site da FCP, http://www.palmares.gov.br/?page_id=88. (site
consultado em 19/08/2011).
106
Para mais informaes refentes a lesgislaao e as aes da FCP, consultar o site da web
http://www.palmares.gov.br/ (site consultado no dia 19/08/2011).
164
No queremos com isso sugerir que foi apenas este senhor que atuou
neste processo, ele contou com o apoio de alguns moradores da Pitombeira,
bem como de parentes que no residiam naquela localidade, mas gostaramos
apenas de frisar o fato de que em alguns momentos as informaes a respeito
do encaminhamento do reconhecimento, ou mesmo de como eles tomaram
conhecimento de que eram possveis portadores do direito posto pelo Artigo
68, foram narradas com certa impreciso, talvez em virtude do tempo que havia
passado desde tal encaminhamento at o momento de nossa pesquisa
(aproximadamente seis anos), ou mesmo por outro motivo no aparente.
Enfim, dentre as pessoas com quem conversamos a respeito do
reconhecimento da Pitombeira enquanto uma comunidade quilombola
destacamos uma conversa com o senhor Eduardo. Antes mesmo de
mencionarmos os trechos referentes a tal processo consideramos conveniente
fazer um parntese e esclarecer quem o referido senhor.
Seu Eduardo nascido na Pitombeira e embora atualmente no resida
em tal Stio, ele acompanhou alguns trabalhos junto ao grupo atravs de sua
atuao na Diretoria da Associao, na qual esteve ocupando o cargo de
tesoureiro desde sua fundao em 1989, afastando-se apenas por um perodo
de dois anos (na gesto de 1996 a 1998) e depois por cinco meses (entre
setembro de 2005 a fevereiro de 2006). Este senhor reside na cidade de Santa
Luzia107, mas semanalmente ele visita sua propriedade, na qual reside uma de
suas filhas. Na atual gesto da Diretoria da Associao seu Eduardo no se
encontra ocupando o cargo de tesoureiro, estando como membro do Conselho
Fiscal.
Na conversa com seu Eduardo ao questionar como se deu o processo
de reconhecimento do grupo, ele menciona o auxlio que eles obtiveram,
quando do incio dos trabalhos, atravs de agentes externos ao grupo 108
107
Este senhor trabalha na Mina Escola que fica situada no municpio de Santa Luzia e est
vinculada a Universidade Federal de Campina Grande, nela os funcionrios recebem
estudantes que desenvolvem pesquisas com minrios (um exemplo so os alunos do curso de
Engenharia de Minas).
108
Trata-se de uma classificao que foi formulada por ns. Utilizamos esta categoria para nos
referirmos quelas pessoas que no residem e nem mesmo possuem vnculo de parentesco
com aqueles que fazem a Pitombeira.
166
109
Tal senhora embora no resida na Pitombeira possui vnculo de parentesco com o grupo (
prima de Seu Felipe). Ela esteve em alguns eventos representando a Pitombeira, um dos quais
pudemos acompanhar foi justamente o evento organizado pelo NEAB- da UEPB em 2007.
Nesta mesma ocasio ela apresentou um trabalho intitulado: A festa de nossa senhora do
Rosrio dos pretos em Santa Luzia PB: uma marca cultural da comunidade Pitombeira no
Seminrio Nacional de Estudos de Histria e Cultura Afro-Brasileiras promovido pela
Universidade Estadual da Paraba. Quando conversamos com Dona Ana Jlia em outubro de
2009 ela nos informou que depois do levantamento de dados a respeito da genealogia de sua
167
111
O mesmo encontra-se nos anexos desta dissertao.
112
Este grupo foi agraciado com a entrega da sua Certido de remanescente de quilombo em
Outubro do ano de 2004, embora a mesma tenha sido publicada no Dirio Oficial da Unio
(D.O.U.) em julho do mesmo ano.
171
origem era anterior a do Talhado e mais ainda, possvel que tenha sado da
Pitombeira aquele que fundou o Talhado.
Este elemento nos permite perceber que alguns mediadores constroem
os lugares e as pessoas de memria. Tivemos oportunidade de ouvir o senhor
Vittor narrar, com o auxilio sua filha Aucena113, a histria do grupo e a nfase
da narrativa, naquele momento, no estava na relao existente entre esses
grupos. Porm, nos pareceu que no momento da solicitao do
reconhecimento para o grupo, seria importante lanar mo desta relao, e
principalmente esclarecer a precedncia da Pitombeira. Durante a realizao
desta pesquisa a indicao da relao entre esses grupos surgiu apenas
quando indagamos alguns moradores da Pitombeira a respeito da ligao
existente entre aquela localidade e o Talhado,
Conforme nos informou seu Eduardo existe a histria de que teria sado
da Pitombeira aquele que fundou o Talhado, mas no h uma relao de
migrao entre os grupos, e mais, na sua fala possvel perceber que no
existe uma relao de identificao entre os da Pitombeira e os do Talhado,
113
A referida filha de Seu Vittor escreveu alguns trechos da histria narrada por seu pai e no
momento de nossa conversa ela lia alguns trechos, rememorando a memria do pai, que no
momento da entrevista estava com 96 anos. O texto escrito por Aucena nos foi cedido e
encontra-se nos anexos dessa dissertao. Nele podemos observar os nomes dos quatro
cativos que formaram o grupo, bem como alguns episdios vividos pelos moradores da
Pitombeira, mas no encontramos referncia a ligao com o Talhado.
172
115
Ver detalhes em Souza (2008) e Almeida (2010).
175
116
Este movimento vem sendo acompanhado pela colega Eullia Bezerra Arajo que
apresentar sua dissertao a partir de uma pesquisa realizada com este grupo. Para mais
detalhes ver seu trabalho j mencionado.
117
Quando usamos o termo mtico pensamos aqui na qualidade que se agrega a elementos de
ordem distinta e que lhes permite romper com a materialidade e com a prpria temporalidade.
118
Referimo-nos aos moradores dos bairros So Jos e So Sebastio, ao menos no
momento, vindos do Talhado ou descendentes dos que l residiram.
176
119
Ver Almeida, Quilombo da Pitombeira: Reflexo da resistncia de um povo (2009).
177
121
Este tambm se trata de um pseudnimo por ns utilizado.
122
A doao do terreno para a construo da sede desta associao foi feita pelo senhor
Caleb, em junho do ano de 2006; foi quando os moradores da Pitombeira comearam a
arrecadar fundos para a construo do prdio que se concretizou em dezembro de 2007. Ter
construdo a sede com recursos do prprio grupo motivo de muito orgulho para eles, que
tambm receberam algumas doaes para a concretizao de tal objetivo.
123
Estavam fotos de Seu Caleb, que foi o doador do terreno para a construo da Sede e o
Patrono da mesma; de antigos membros da Diretoria (com nfase para a presena de Seu
Felipe, antigo presidente); dos atuais componentes da Diretoria; de Aucena atual presidente
da Associao; de Seu Vittor, o senhor que narra histria do lugar e sua esposa, Dona
Violeta (esta por sua vez encontra-se na fotografia fabricando um chapu de palha); de ris,
filha deste casal, na foto ela estava ao lado de sua cisterna de placas; de uma universitria que
esteve realizando seu pesquisa entre eles; da comemorao do Natal comunitrio; de eventos
realizados na Escola dia das mes e so Joo; da participao deles no Reisado da Festa de
Nossa Senhora o Rosrio e no Desfile de princesas da mesma festa.
184
124
O primeiro foi o doador do terreno para a construo do prdio da Sede da Associao e o
segundo ocupou o cargo de Presidente da Associao por muitas gestes consecutivas.
187
moradoras que assistia a reunio lembrou que j h algum tempo eles fizeram
um abaixo assinado, mas os membros da Diretoria da Associao nada fizeram
com tais assinaturas e que faltava coragem por parte de alguns destes em
relao ao enfrentamento com o poder pblico local.
Luan que antes de exercer o cargo de tesoureiro da Associao foi
presidente da mesma possui vnculo empregatcio com a Prefeitura Municipal
de Vrzea, por tratar-se de um contrato, logo um cargo que no lhe transmite
garantias, alguns moradores da Pitombeira consideram que o mesmo no agia
de modo a enfrentar os representantes do poder executivo local para defender
algumas das deliberaes do grupo. Durante algumas de nossas idas a campo
fomos acompanhadas por Luan at algumas residncias da localidade, em um
daqueles momentos encontrava-se um proprietrio de uma granja que fica em
terras que fazem parte da Pitombeira, e o mesmo salientou este elemento,
evidentemente que Luan se defendeu.
Em outra ocasio, j no final da coleta de dados para a elaborao desta
pesquisa, visitvamos outra residncia na Pitombeira, quando o mesmo senhor
chegou e comeou a conversar com a dona da casa a respeito das dificuldades
enfrentadas pelo grupo, o referido senhor chamou ateno para o fato de que a
atual presidente da associao da Pitombeira, que outrora foi agente de sade
naquela localidade, estava tirando a licena da atual agente comunitria de
sade da regio, naquele momento ele se questionava qual o objetivo de tal
contratao e se a mesma no se dava como uma forma de manter um vnculo
de dependncia entre os representantes daquela comunidade negra e os
poderes pblicos locais.
Depois de realizar esta digresso gostaramos de considerar que a
informao a respeito do no encaminhamento do abaixo-assinado para aquela
reunio na qual se encontravam no apenas pessoas do grupo mais tambm
agentes externos nos faz refletir sobre algumas questes: Ser que algumas
coisas s so dizveis numa situao como a de uma reunio da associao
com estranhos presentes? Ou estamos diante da possibilidade de se indicar as
divergncias que compem as situaes internas? Acreditamos que
justamente a ltima destas questes a de maior relevncia para aquele
momento, uma vez que segundo aquela senhora o abaixo-assinado havia sido
191
produzido na gesto anterior quela, na qual era justamente Lua que ocupava
o cargo de presidente da Associao.
Percebemos que ao se ocupar um cargo na diretoria, como o de
presidente da Associao, principalmente, as aes e at mesmo as ausncias
de atitudes dos representantes do grupo passam a ser analisadas pelos
demais, e que o que pode por vezes instaurar uma situao de
descontentamento para uns pode ser considerando como aprovao para
outros. Logo, comum a existncia de posicionamentos divergentes entre
alguns moradores da Pitombeira e seus representantes.
Mencionar o no encaminhamento do abaixo-assinado naquele
momento era mostrar que ela estava descontente com algumas atitudes,
usando os termos apresentados por Comerford seria esta uma fala de
denncia ou desabafo (COMERFORD, 1999, p. 56).
Retornando, para a reunio, depois do pronunciamento do tesoureiro
relativo s providncias tomadas com relao ao problema enfrentado com o
lixo, foi vez de Maria Izabel apresentar algumas informaes, esta senhora
a vice-presidente da Associao, a mesma reside no municpio de Santa
Luzia e funcionria do Frum daquela cidade. Maria Izabel possui parentes
que moram na Pitombeira, o que permite mesma um acesso tranqilo
naquela localidade, esta senhora vinculada Igreja Catlica do municpio de
Santa Luzia, e coordena, juntamente com a presidente da Irmandade do
Rosrio um grupo de catecismo com crianas e jovens da Pitombeira que se
renem quinzenalmente. Sua Insero no grupo se d tanto pela sua atuao
religiosa quanto pelas relaes de parentesco.
Em sua fala Maria Izabel mencionou o fato de que buscou informaes a
respeito da escritura das terras nas quais fica situado o prdio do antigo grupo
escolar125 da Pitombeira, mas que no conseguiu encontrar informaes, ela
125
importante destacar que as terras nas quais fica situado este grupo escolar (que no
funciona nos dias atuais) so de propriedade de um senhor que no mais reside naquela
comunidade (o mesmo mora hoje em Santa Luzia) e que alguns dos moradores da Pitombeira
no anseio de que a Prefeitura Municipal construa um posto de sade para o atendimento
mdico, cogitaram o referido prdio enquanto um possvel lugar, pensando que por se tratar de
um antigo prdio pblico no haveria problemas em tal empreendimento. (Porm com a venda
da terra, parece que no foi retirada a rea da antiga escola no obtivemos informaes
claras) Segundo informaes de alguns moradores da Pitombeira, Aurlio, em sua estada
naquela comunidade, sugeriu que eles se reunissem e se mobilizassem para retomar aquela
192
parcela da terra. Para ele aquela terra pertencia ao grupo, ela fora vendida, mas o
reconhecimento enquanto comunidade quilombola lhes garantia a posse daquela terra. Porm,
os moradores da Pitombeira que reconheciam a legitimidade de sua venda, no a
consideravam enquanto pertencente ao grupo, mas quele senhor em especfico, o que
instaurou uma sensao de desconforto entre os moradores que no queriam tomar e nem
invadir terras de ningum.
193
126
conveniente destacar que este reservatrio trata-se do j mencionado aude que fica na
propriedade de um ex-senador da Paraba. No tivemos acesso a informaes mais
detalhadas com relao elaborao deste projeto, ou mesmo, uma explicao para o fato de
a empresa ter cogitado a utilizao deste reservatrio para o abastecimento do grupo,
aventamos que aqui exista uma situao muito complexa, uma vez que entra em jogo a
questo da terra desse poltico e o poder que o mesmo possui na regio. Mencionamos este
fato por ele ter sido posto durante a reunio que acompanhamos, porm considerando as
lacunas nos dados apresentados relativos a este processo, o fazemos apenas a ttulo de
informao.
196
suas residncias (jantar para fazer, etc.). A finalizao deste modo talvez tenha
acontecido porque a reunio terminou se estendendo por mais tempo do que o
previsto, na realidade o encerramento da reunio acabou sendo motivado pelo
esvaziamento da Sede, pois se dependesse do Aurlio a mesma teria se
estendido por toda a noite.
Pareceu-nos que as pessoas que se fizeram presentes quela reunio
no tinham clareza de quais seriam os pontos a serem apresentados, muitos
pareciam insatisfeitos por estarem ouvindo as mesmas informaes e na
prtica no verem nada sendo resolvido. O objetivo de tal reunio foi por parte
do coordenador da Malungus o de buscar conscientizar aquele grupo de que
eles so portadores de direitos e que eles devem buscar esses direitos que so
garantidos pela Constituio mesmo que para isso, caso seja necessrio, eles
devam realizar grandes mobilizaes em busca da efetivao e aplicao dos
mesmos.
Embora j tivesse conhecido alguns moradores da Pitombeira, quando
estes estiveram em reunies que congregavam grupos negros realizadas em
outras cidades (Joo Pessoa, Campina Grande) Aurlio ainda no conhecia o
lugar, aproveitando a oportunidade da reunio ele ficou por alguns dias entre
os moradores daquele Stio.
Quando de sua chegada j nos encontrvamos em campo e apenas
participamos da reunio por ele executada no tendo acompanhado as suas
atividades127 durante os dias no qual ele permaneceu junto ao grupo.
Acompanhamos tal reunio por considerar importante observar a
presena de um membro do movimento negro junto aquele grupo e achamos
interessante apresentar algumas reflexes que tal momento nos proporcionou.
Com a realizao desta reunio pudemos observar que existente
diferena entre as concepes dos que fazem a comunidade negra de
127
Em conversa com alguns moradores do grupo tivemos conhecimento de que ele passou
alguns dias entre eles e durante sua estadia na Pitombeira realizou ainda outras reunies,
segundo tais informaes ele queria realizar uma reunio todos os dias nos quais esteve
naquela comunidade. Para tais pessoas foi um pouco insensato da parte de Carlos Henriques
a idia de realizar tantos encontros, eles at sabiam da importncia dessas reunies, mas o
grupo possui uma dinmica de vida e trabalho que muitas vezes no permite que eles possam,
simplesmente, deixar de lado.
197
128
Na reunio que mencionaremos mais frente de modo mais detalhado em um universo de
trinta e trs (33) pessoas presentes na reunio, dezenove (19) eram mulheres do grupo, sete
(07) homens tambm moradores daquela localidade, sendo outras sete (07) pessoas externas,
dentre os quais quatro (04) eram homens e trs (03) mulheres, no caso 58% dos presentes
eram mulheres da prpria comunidade.
199
129
Durante a realizao da pesquisa presenciamos um momento no qual uma moradora da
Viola ajudava nas atividades domsticas da casa de dois irmos (uma senhora de 93 anos e
um senhor de 81 anos), tambm encontramos pessoas desse assentamento na casa de seu
Tibrio (trata-se de um dos senhores que mora nas terras de um fazendeiro), este senhor
vende gado e aparentemente aquelas pessoas estavam interessadas em adquirir alguns
animais.
130
A expresso do cartaz era a seguinte: De olho aberto para no virar escravo. Defenda seus
direitos!
201
131
Utilizamos o termo relativa autoridade por considerar aqui que esta autoridade se d em
funo de ser ele um homem de engajamento no universo dos movimentos sociais e, portanto,
ter conhecimento de questes e direitos que em alguns momentos o grupo no teve acesso.
Porm, no que tange aos conhecimentos da realidade daquele universo em especfico suas
informaes eram reduzidas.
204
132
O fato de no existir na Pitombeira, bem como ocorre na maior parte das comunidades
rurais e urbanas negras, uma identidade negra afirmada na forma usual dos movimentos
negros, no pode ser caracterizado como a inexistncia de uma conscincia e/ou identidade
negra. A discriminao e o preconceito do qual tm sido alvos constantes sem dvida tm
levado muitas pessoas destas comunidades a ocultarem/negarem em alguns momentos
sua identidade, mas apenas para escaparem, ainda que apenas momentaneamente, do
preconceito e da discriminao. At onde nossa pesquisa nos levou ainda no encontramos
nenhum caso que possa ser caracterizado como identidade negativa segundo a acepo
dada a este termo por Roberto Cardoso de Oliveira (1976, p. 18). Mas temos sim encontrado
205
situaes que se adquam aquilo que ele chama de identidade latente e identidade histrica
(idem, p. 12-13).
206
133
Como mencionamos em um momento anterior a atuao deste representante no mundo da
poltica se inicia em 1982, quando ele eleito deputado estadual pelo PDS, sendo reeleito em
1986 pelo PFL. Em 1990 ele foi eleito deputado federal, sendo reeleito por duas vezes, pelo
mesmo partido. Em 2002, foi eleito senador, se candidatando em 2010 ao mesmo cargo, sendo
derrotado. Antes mesmo de este poltico ingressar no mundo da poltica sua famlia j havia
sido representada por seu pai, que foi prefeito de Santa Luzia em 1946 e de 1959 a 1963,
sendo ainda deputado estadual de 1967 a 1975.
207
134
Considerando que este senhor nasceu em 1929, podemos pensar que no momento o qual
se d a sua primeira participao em eleies vigorava as regras estabelecidas segundo a
Constituio de 1946, contexto no qual estavam excludos do direito ao voto os analfabetos,
havendo assim a necessidade de que aqueles que comparecessem aos locais de votao no
dia das eleies precisassem comprovar que possuam o domnio mnimo da escrita. Para mais
detalhes a respeito deste contexto poltico ver Carvalho (2008).
208
grupo, e dentre essas pessoas como suas falas repercutem junto queles que
no se pronunciam. Percebemos que a maioria das pessoas da Pitombeira que
falaram, fazem parte da Diretoria, e que o pronunciamento de uns teve um
sentido muito mais informativo, enquanto que a outros foram delegadas as
falas relativas aos problemas que vm sendo enfrentados por eles, com isto
no queremos dizer que o mesmo acontea em todas as reunies, mas nos
pareceu que ouvir determinados assuntos pronunciados por uns tm uma
repercusso diferente de ouvi-los de outros.
No que tange a relao com pessoas de fora, tambm nos foi possvel
vislumbrar o modo pelo qual os moradores da Pitombeira lanam mo do apoio
de seus representantes polticos, eles so chamados a, junto com o grupo, se
informarem e participarem de eventos que congregam aquelas famlias. Estes
por sua vez so vistos por alguns agentes externos enquanto uma comunidade
rural comum entre tantas outras do municpio e claro que nesta concepo
agrega-se apenas um elemento, uma comunidade rural negra, o que sob certo
ponto de vista no torna sua condio de viver no mundo rural com muitas
dificuldades diferenciada, seno sob o ponto de vista do preconceito velado
vivenciado pelo grupo, como mencionamos alhures um episdio que
acompanhamos ocorreu em um evento na escola local, aventamos que tal
posicionamento tenha relao com o olhar que direcionado a tal localidade
por algumas pessoas que fazem parte do municpio de Vrzea. Pois a prpria
condio de residir na zona rural j carrega olhares de atraso, imagine se
acrescendo a esta a condio de ser negro?
O reconhecimento enquanto comunidade remanescente de quilombo
trouxe para o grupo uma visibilidade que carrega consigo benefcios e
malefcios. Para eles rotineira a presena de pessoas externas aquele
universo que venham propor projetos, reunies, pesquisas e no que eles
sempre esperem o que ganharo com isso, pois no se trata disso. Mas diante
de propostas e promessas que vo se perdendo no meio do caminho entre eles
e aqueles outros (pessoas externas ao grupo), as pessoas vo comeando a
desacreditar e muitas vezes a se munir de dvidas, como nos falou uma
moradora na nossa primeira visita ao grupo: Ns estamos de olho aberto!,
assim sempre foi uma considerao nossa desde o incio da pesquisa o fato de
210
Consideraes Finais
212
Referncias Bibliogrficas
219
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1996.
MARX, Karl. Debates acerca da Lei sobre o Furto de Madeira. Disponivel em:
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222
OLIVEIRA, Joo Pacheco de. Uma etnologia dos ndios misturados? Situao
colonial, territorializao e fluxos culturais. Mana estudos de antropologia
social, PPGAS/MN/UFRJ, abril. 1998.
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Mapa%20Estadual/estados/port/pb.htm
www.clicpositivo.com.br
www.antropologia.com.br
http://www.scientific-socialism.de/KMFEDireitoCAP22Port.htmKarl
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
http://paulo-v.sites.uol.com.br/cinema/cinemanovo.htm
http://www.achegas.net/numero/nove/pedro_simonard_09.htm.
http://www.insite.pro.br/2005/24-
A%20Festa%20de%20Nossa%20Senhora%20do%20Ros%C3%A1rio%20na%
20Para%C3%ADba.pdf
http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=category&l
ayout=blog&id=252&Itemid=274.
http://www.iteia.org.br/jornal/seminario-promove-a-igualdade-racial-na-regiao-
nordeste-pb,
http://www.agencia.ufpb.br/vernoticias.php?pk_noticia=2716.
225
Anexos
ANEXO A Cpia da certido de auto-reconhecimento da Pitombeira
ANEXO B Cpia da certido de auto-reconhecimento de Serra do Talhado
ANEXO C Cpia da certido de auto-reconhecimento da comunidade urbana
de Serra do Talhado.
ANEXO D Lista com a relao dos nomes dos moradores da Pitombeira de
acordo com a numerao do croqui.