Modelos de Juiz - Streck PDF
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Resumo
J virou lugar comum dizer que se ps-positivista. Entretanto, pouco
se sabe o que realmente seja o positivismo jurdico (em suas vrias face-
tas), confundindo esse movimento com a mera aplicao da literalidade
da lei. Nesse sentido, no se pode admitir argumentos que afastam
o contedo de uma lei, democraticamente legitimada, com base numa
suposta superao da literalidade do texto legal. Desse modo, para ve-
rificar o papel do intrprete do direito, faz-se necessria a desconstruo
de uma tese que vem servindo de base para a caracterizao dos mode-
los de direito e de juiz nos diversos sistemas jurdicos contemporneos,
os conhecidos juzes Hrcules, Jpiter e Hermes (Ost), que tem levado a
diversos e diferentes equvocos na teoria do direito. Uma reflexo crtica
sobre a aplicao do direito no pode abrir mo dos pressupostos her-
menuticos que apontam para a superao dos modelos (solipsistas)
de juiz criados para enfrentar as agruras da indeterminabilidade
dos textos jurdicos. Kelsen, Hart e Ross foram todos positivistas. Como
Abstract
Has become commonplace to say that it is post-positivist. However,
little is known about what really is legal positivism (in its various fa-
cets), mistaking this movement with the mere literal application of the
law. In this sense, we can not accept arguments that drive the content
of a law, with democratic legitimacy, based on a supposed overco-
ming the literalness of the text. Thus, to verify the role of interpreter
of the law, it is necessary to deconstruct a thesis that has been serving
as the basis for the characterization of the model law and a judge in
many contemporary legal systems, the well-known judges Hercules,
Jupiter and Hermes (Ost), which has led to many misunderstandings
and different in legal theory. A critical reflection on the application
of law can not give up the hermeneutical presuppositions that link to
overcome the models (solipsist) to judge created to confront the
hardships of the indeterminacy of legal texts. Kelsen, Hart and Ross
were all positivists, as well as the jurists that are now betting on acti-
vism and judicial discretion ...!
Keyword: Legal Positivism. Models of Judges. Judge Hercules. Judge
Jupiter. Judge Hermes. Franois Ost. Ronald Dworkin. Philosophical
Hermeneutics.
REFERNCIAS
NOTAS
1 Permito-me remeter o leitor para o meu Verdade e Consenso, 3. ed (Lumen Juris, 2009) e 4.
Ed (Saraiva, 2011, onde essa problemtica esmiuada cum granu salis.
2 De que modo se pode falar em valores em sociedades complexas (ps-tradicionais, como
se refere Habermas) como as nossas? No h como defender um mtodo de ponderao,
porque ele supe valores intersubjetivamente compartilhados; alm disso, nega o carter deon-
tolgico do direito, colocando este sob a lgica gradual dos valores (ver HABERMAS, Jrgen.
A incluso do outro. So Paulo: Loyola, 2002, p. 355 et seq.). Isso s possvel porque fundado
no primeiro ponto, isto , se a sociedade compartilha valores comuns, pode-se escalon-los
de forma gradual. O problema que, se no h tal compartilhamento, o que resta, ao fim e ao
cabo, alm da violao ao cdigo (Luhmann) prprio do Direito, o decisionismo judicial.
Ademais, se o juiz se coloca como crtico das opes do legislador, para lhe definir sentidos
(e. g., interpretao conforme a Constituio), a partir da valorao dos valores constitucionais,
perdem-se os parmetros de controle de sua atividade (Ingeborg Maus). O que interessante
sobre esta adoo acrtica (ao contrrio, entusiasta!) da jurisprudncia dos valores germni-
cos que, na Alemanha, a mesma sofre duras crticas. Ingeborg Maus fala do mal que se abateu
sobre o Judicirio de seu pas desde o final da Segunda Guerra, dizendo que o mesmo assumiu
o superego de uma sociedade rf (MAUS, Ingeborg. Judicirio como Superego da Socieda-
de: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade rf. Novos Estudos CEBRAP, So Pau-
lo, n. 58, pp. 183-202, 2000). Em suas palavras: A eliminao de discusses e procedimentos
no processo de construo poltica do consenso [...], alcanada por meio da centralizao da
conscincia social na Justia. [...] Quando a Justia ascende ela prpria condio de mais alta
instncia moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social (pp.
186-187, grifos nossos). Na mesma linha, Habermas tambm tece crticas a partir, inclusive,
de outros constitucionalistas, como Denninger, Dieter Grimm e Bckenfrde (cf. HABERMAS,
Jrgen. Facticidad y validez: sobre el derecho y el estado democrtico de derecho en trminos de teora del
discurso. Madrid: Trotta, 1998, p. 317 e 322).
3 Importante registrar um esclarecimento: quando falo aqui em uma nfase semntica, estou
me referindo explicitamente ao problema da interpretao do direito tal qual descrito por
Kelsen no fatdico captulo VIII de sua Reine Rechtslehre. Para compreendermos bem essa
questo, preciso insistir em um ponto: h uma ciso em Kelsen entre direito e cincia do
direito que ir determinar, de maneira crucial, seu conceito de interpretao. De fato, tambm
a interpretao, em Kelsen, ser fruto de uma ciso: interpretao como ato de vontade e interpre-
tao como ato de conhecimento. A interpretao como ato de vontade produz, no momento de
sua aplicao, normas. A descrio dessas normas de forma objetiva e neutral interpreta-
o como ato de conhecimento produz proposies. Dado caracterstica relativista da moral
kelseniana, as normas que exsurgem de um ato de vontade tero sempre um espao de mo-
bilidade sob o qual se movimentar o intrprete. Esse espao de movimentao derivado,
exatamente, do problema semntico que existe na aplicao de um signo lingustico atravs
do qual a norma superior se manifesta aos objetos do mundo concreto que sero afetados
pela criao de uma nova norma. Por outra banda, a interpretao como ato de conhecimento
que descreve no plano de uma metalinguagem as normas produzidas pelas autoridades ju-
rdicas produz proposies que se relacionam entre si de uma maneira estritamente lgico-
formal. Vale dizer, a relao entre as proposies so, essas sim, meramente sintticas. Minha
preocupao, contudo, no dar conta dos problemas sistemticos que envolvem o projeto
kelseniano de cincia jurdica. Minha questo explorar e enfrentar o problema lanado por
Kelsen e que perdura de um modo difuso e, por vezes, inconsciente no imaginrio dos juris-
tas: a ideia de discricionariedade do intrprete ou do decisionismo presente na metfora da
moldura da norma. nesse sentido que se pode afirmar que, no que tange interpretao
do direito, Kelsen amplia os problemas semnticos da interpretao, acabando por ser picado
fatalmente pelo aguilho semntico de que fala Ronald Dworkin.
4 Essa questo extremamente relevante, porque a perspectiva sistmica, ao decretar a mor-
te do sujeito, aproxima-a dos modelos desconstrutivistas, isto , a superao do esquema
sujeito-objeto acaba anulando o prprio sujeito. Por isso, necessrio insistir, a partir, eviden-
temente, de um olhar heideggero-gadameriano, que a invaso da filosofia pela linguagem e
o resgate do mundo prtico no representou a morte do sujeito, e, sim, apenas a morte da
subjetividade assujeitadora (certeza de si do pensamento pensante).
5 No Brasil, Wlber Araujo Carneiro, no obstante veja no Hrcules de Dworkin a figura de
um juiz no-arbitrrio, prope a alegoria de um juiz adaptado s condies sistmico-ins-
titucionais do civil law e, em contraposio leitura ps-moderna de Ost, concebe o seu
juiz Hermes em uma morada mais familiar, isto , no contexto hermenutico-filosfico.
O juiz Hermes, proposto por Wlber, responsvel por traduzir juridicamente aquilo que
compreende a partir do mundo da vida. Embora Hermes tenha sido preparado para se
movimentar no mundo institucionalizado do direito, isso no fez dele um estrangeiro, pois
seu cotidiano vivido no seu mundo originrio. A releitura da alegoria de Hermes trazida
por Wlber enfrenta ainda a formao acadmica de Hermes, em uma cida crtica ao modelo
de ensino jurdico no Brasil, bem como o mtodo heterorreflexivo por ele proposto em sua
obra. CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica jurdica heterorreflexiva, 2011, p. 273-280.
6 Parece despiciendo referir que a resposta correta no , jamais, uma resposta definitiva. Do
mesmo modo, a pretenso de se buscar a resposta correta no possui condies de garanti-la.
Corre-se o risco de se produzir uma resposta incorreta. Mas o fato de se obedecer coerncia
e a integridade do direito, a partir de uma adequada suspenso de pr-juzos advindos da
tradio, j representa o primeiro passo no cumprimento do direito fundamental que cada
cidado tem de obter uma resposta adequada a Constituio.
7 Cf. Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal do Brasil, DJ 25.10.96.
8 De se consignar que h muitos trabalhos produzidos sob minha orientao que procuram
aproximar as conquistas da filosofia hermenutica e da hermenutica filosfica do direito.
Nesse sentido, importante citar o ncleo de estudos hermenuticos Dasein que, no mbi-
to do PPG em direito da Unisinos-RS, desenvolve atualmente um profcuo trabalho que pro-
cura enquadrar, hermenutica e criticamente, fenmenos como o Ativismo Judicial, a Judicia-
lizao da Poltica e o problema da interpretao da Constituio, nesses mais de vinte anos
de constitucionalismo democrtico no Brasil. Esse grupo conta com a participao da mes-
tranda Clarissa Tassinari, dos mestrandos Danilo Pereira Lima e Santiago Artur Berger Sito,
alm dos bolsistas de Iniciao Cientfica Rafael Kche e Fabiano Mller. O Dasein tambm
foi o espao que fomentou os trabalhos de Andr Karam Trindade, Fausto Santos de Moraes e
Rafael Tomaz de Oliveira. H ainda, tambm, publicaes importantes que foram forjadas na
trilha daquilo que venho denominando nova crtica do Direito. Nesse sentido, Cf. TOMAZ
DE OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Deciso Judicial e o Conceito de Princpio. A hermenutica e a (in)
determinao do direto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, em que este procura iden-
tificar o sincretismo conceitual que existe em torno do conceito de princpio procurando, a
partir do paradigma da fenomenologia hermenutica, um modo adequado de abordagem do
conceito de princpio em tempos de constitucionalismo compromissrio. Trata-se de obra im-
portante para enfrentar o problema daquilo que venho chamando de pan-principiologismo. No
campo do direito processual, tambm h importantes contribuies desenvolvidas a partir da
hermenutica filosfica e da filosofia hermenutica. Nesse sentido, Cf. MOTTA, Francisco J.
Borges. Levando o direito a srio: uma crtica hermenutica ao protagonismo judicial. Florianpolis:
Conceito Editorial, 2010, que procurada enquadrar o problema do protagonismo judicial no
mbito da teoria processual a partir da teoria integrativa de Ronald Dworkin, agregada pela
interseco com a obra de Hans-Georg Gadamer, na linha daquilo que, em Verdade e Consenso
venho trabalhando em termos de uma imbricao entre Gadamer e Dworkin. Tambm a obra
de HOMMERDING, Adalberto Narciso. Fundamentos para uma compreenso hermenutica do
processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, que procura situar o campo da teoria
processual em um ambiente hermeneuticamente adequado. Nesse sentido, Hommerding re-
aliza uma desconstruo dos modelos liberais-individualista de teoria processual, propondo,
a partir dos aportes da filosofia hermenutica, uma compreenso hermenutica do processo
civil. Destaco, ainda, o trabalho de RAMIRES, Maurcio. Crtica aplicao de precedentes no
direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, que procura, a partir de uma
crtica ao sincretismo praticado no Brasil entre as tradies da civil Law e da common Law,
efetuar uma crtica ao modo como os precedentes judiciais so aplicados em terrae brasilis.
sempre importante lembrar que a jurisprudncia brasileira tende a tratar os casos julgados
pelos tribunais como frmulas prontas verdadeiras capas de sentido passveis de serem
aplicadas aos casos futuros a partir de um modelo prt--porter. A hermenutica mostra, aqui,
toda singularidade que brota a partir da anlise do caso e a complexidade que toma conta do
processo de interpretao do direito, que deve estar pautado pelos deveres de integridade e
coerncia. Importante tambm lembrar o trabalho de MOREIRA, Nelson Camatta. Fundamen-
tos de uma teoria da constituio dirigente. Florianpolis: Conceito Editorial, 2010, no interior do
qual o autor procura, no campo da Teoria Constitucional, encontrar um fundamento para a
experincia do dirigismo constitucional, a partir da filosofia de Charles Taylor autor que
possui profundo vnculo com a hermenutica no modo como ela se desdobrou no sculo XX.
Enfim, h ainda uma centena de teses e dissertaes que ventilam as propostas e os estudos
desenvolvidos no mbito do PPG em Direito da Unisinos, particularmente ligados ao Dasein
Ncleo de Estudos Hermenuticos, que funciona sob a minha coordenao. O fio condutor
que une todos estes trabalhos pode ser traado a partir da descoberta do carter projetivo da
interpretao; a defesa do carter constitutivo da linguagem; e, em consequncia disso tudo,
a superao da relao sujeito-objeto pela intersubjetividade que instaura os sentidos do pro-
cesso compreensivo.
9 Tenho sustentado que as teorias da argumentao no superaram o paradigma representa-
cional (sujeito-objeto) e que a ponderao de que fala Alexy (em especial, ele) um modo
de repristinao da (velha) discricionariedade positivista, tese que, alis, as teorias da ar-
gumentao afirmam combater. Os sintomas desses problemas podem ser percebidos, v.g.,
a partir da para mim, indevida ciso entre casos fceis e casos difceis, quando Alexy (e
seus seguidores, especialmente no Brasil) dizem que os easy cases so resolvidos por sub-
suno (ou deduo) e os hard cases atravs da ponderao, momento em que os princpios
so chamados colao.
10 Despiciendo lembrar que a expresso objetivismos ou objetivista provm do paradigma
aristotlico-tomista e no da dicotomia subjetivistas (vontade do legislador) - objetivis-
tas (vontade da lei). Embora se possa fazer uma relao entre os termos relao essa que
necessitaria de uma ampla explicitao no plano da teoria do direito , na verdade estou a
tratar de um paradigma filosfico (que teima em no desaparecer) e no propriamente da
contraposio das referidas posturas surgidas no sculo XIX.