Resenha Crítica
Resenha Crítica
Resenha Crítica
Caractersticas:
Perfil: O livro Cidadania no Brasil, o longo caminho uma tese escrita por
Jos Murilo de Carvalho e tem por finalidade instruir todos os que se
interessarem na leitura sobre a cidadania e seus conceitos no Brasil. O autor
apresenta o resultado de investigao complexa e aprofundada sobre tema,
com sua teoria bem definida. Caracteriza-se pela defesa de uma ideia e
questiona o assunto por meio de argumentos, fatos, dados, que utiliza para
reforar ou justificar o desenvolvimento de suas ideias.
Da proposta da obra: A obra uma aula de cidadania dada por o professor e
pesquisador, Jos Murilo de Carvalho. O autor relata os 178 anos do
processo decidadania no pas, centrando o foco nos direitos civis, sociais e
polticos. Jos Murilo de Carvalho descreve o processo de independncia do
Brasil - razoavelmente pacfico se comparado com seus vizinhos - assim
como o significado do voto e o Movimento Sem Terra (MST). O livro constri
um relato novo sobre o tema, trazendo tona facetas obscuras da histria.
4- Aps ler a obra reflita: Uma cidadania plena, que combine liberdade,
participao e igualdade para todos, um ideal desenvolvido no Ocidente e
talvez inatingvel. Mas ele tem servido de parmetro para o julgamento da
qualidade da cidadania em cada pas e em cada momento histrico(em
Cidadania no Brasil, o longo caminho Jos Murilo de Carvalho)
Respostas :
Obra: De Carvalho, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio
de Janeiro: Civilizao brasileira, 2002
Da proposta da obra:
Questes:
4- Aps ler a obra reflita: Uma cidadania plena, que combine liberdade,
participao e igualdade para todos, um ideal desenvolvido no Ocidente e
talvez inatingvel. Mas ele tem servido de parmetro para o julgamento da
qualidade da cidadania em cada pas e em cada momento histrico (em
Cidadania no Brasil, o longo caminho Jos Murilo de Carvalho)
A comunicao
O que comunicao?
Segunda Onda
Terceira Onda
Padronizao, massificao: informaes concentradas, comportamentos e
horrios massificados.
Diversificao, personalizao, desmassificao.
Especializao: profissionalismo em tarefas mecnicas e repetitivas
Qualificao: astarefas mecnicas e repetitivas so feitas por robs. O que
se valoriza agora o que diferencia homem e mquina: a criatividade
Sincronizao: massificao nos padres do tempo no trabalho, nas
refeies, no lazer. Congestionamentos no trnsito nas horas de rush.
Pontualidade valorizada em todas as reas da atividade humana.
Individualizao nos padres do tempo, dessincronizao: tempo flexvel,
tempo parcial e trabalho noturno. Redistribuio dos fluxos de trfego no
espao e no tempo. Pontualidade para certas atividades apenas.
Concentrao: organizaes gigantescas, hierrquicas, permanentes,
compactas de alto a baixo, mecanicistas, bem planejadas para fazer
produtos repetitivos, massificados ou tomar decises tambm repetitivas
num ambiente industrial relativamente estvel.
Fragmentao: pequenos componentes ligados uns aos outros em
configuraes temporrias, repertrio mais amplo de estruturas e mais
papis orgnicos disponveis.
Maximizao: Maior melhor
Articulao entre organizaes de grande e de pequena escala; aumento no
nmero de franquias.
Centralizao: separao entre a produo e o consumidor
Descentralizao: crescente disperso geogrfica, com menos concentrao
demogrfica nas grandes cidades, as edge cities, desconcentrao das
fontes de energia, desconcentrao de populaes em escolas, hospitais e
instituies. Crescimento da cultura dofaa-voc-mesmo-para-voc-mesmo,
e no para o mercado, aproximao entre a produo e o consumidor.
. Desafios:
- Pensar que ainda estamos passando pelo momento de transio entre
Industrialismo e ps-Industrialismo. Toda transio gera crises.
Mas seria absurdo afirmar que os direitos civis em vigor nos sculos XVIII e
XIX estavam livres de falhas ou que fossem to equitativos n prtica quanto
o professavam ser em princpio. A igualdade perante a lei no existia. O
direito l estava, mas o remdio jurdico estava, muitas vezes, fora do
alcance do indivduo. As barreiras entre os direitos e remdios eram de duas
espcies: a primeira se originava nos preconceitos de classe e parcialidade;
a segunda, nos efeitos automticos da distribuio desigual da renda que
operava atravs do sistema de preos. (p. 80)
Pode ser que alguns dos conflitos no sistema social ingls se estejam
tornando muito acentuados para que o acordo realize sua finalidade por
muito tempo. Mas, se quisermos auxiliar na resoluo dos mesmos, temos
de tentar compreender sua natureza mais profunda e ter em mente os
efeitos mais profundos e inquietantes que seriam produzidos por qualquer
tentativa precipitada de reverter tendncias e movimentos presentes e
recentes. Foi meu objetivo nestas conferncias esclarecer um elemento que
julgo de fundamental importncia, ou seja, o impacto de uma noo em
rpido desenvolvimento, o dos direitos da cidadania sobre a estrutura da
desigualdade social.(p.114)
Referncia Bibliogrfica:
26/11/2013
1520 Palavras
Pgina
1
de 7
Resenha Descritiva:
A Gramtica Poltica do Brasil Clientelismo e Insulamento Burocrtico. De
Edson Nunes.
04/11/2013
971 Palavras
Pgina
4
de 4
nessa gramtica poltica, porm, ao analisar-seo atual cenrio poltico
brasileiro, parece que reencontramos uma nova formade adaptao e
sobrevivncia daquelas gramticas: o fisiologismo partidriocontinua
predominando, e habilmente manipulado pelo governo da hora seja qual
for para alm de aspectos ideolgicos; o pragmatismo
de resultadosvisando a centralizao do poder de Estado se vale da
cooptao de gruposprofissionais de acordo com a lgica corporativa de
eleger atores privilegiados;e o insulamento burocrtico, embora presente
com o reforo das estruturas decarreiras e ampliao do quadro de
servidores, enfraquecido por estratgiasde colonizao por grupos
estranhos quelas ilhas de excelncia, que sereduzem poucas
estruturas em que a legitimidade tcnica ainda tem maior fora (por
exemplo, talvez na rea econmica, no planejamento, na cincia
etecnologia). Assim, a leitura e as releituras - de A gramtica poltica do B
rasil se tornaobrigatria para os que desejam compreender as sutilezas
que enleiam oimaginrio poltico e social do Brasil e que resultam em
prticas de poder, almde ser um instrumento poderoso de interpretao do
presente cenrio polticonacional.Enfim, retomando a noo de clssico,
ainda poderamos fazer uma ltimaanalogia com o livro do prof. Edson
Nunes, que se insere na tradio
analticaque busca desvendar o funcionamento dos meandros da cincia pol
tica.Esperamos que, para a atual gerao de lderes polticos e para as
prximas
A deciso de participar
Alm disso, a atitude dos partidos socialistas com relao participao eleitoral
era no mnimo ambgua; Essa ambigidade no era terica: pouco se ganha
interpretando ou reinterpretando cada palavra que Marx escreveu sobre a
democracia burguesa, pelo simples fato que o prprio Marx e os homens e
mulheres que conduziam os recm-formados partidos nas batalhas eleitorais no
estavam bem certos d que esperar delas. A questo principal - que a histria
nunca solucionou porque no pode ser resolvida de uma vez por todas - era se a
burguesia respeitaria a sua prpria ordem legal em caso de um triunfo eleitoral do
socialismo. Se o socialismo tivesse que usar a instituio do sufrgio - estabelecida
pela burguesia na luta contra o absolutismo - para vencer eleies e legislar uma
sociedade rumo ao socialismo, no iria a burguesia recorrer a meios ilegais para
defender seus interesses? Isto foi o que aconteceu na Frana em 1851 e parecia
que era isso mesmo que ia acontecer de novo. Assim, a principal questo que
enfrentavam os partidos socialistas, como disse Hjalmar Branting em 1866, era se
"a classe alta respeitaria o desejo popular, mesmo se a abolio de seus privilgios
fosse necessria (Tingsten, 1973:361). Sterky, o lder da ala esquerda dos social-
democratas suecos,estava entre aqueles que tinham uma viso claramente
negativa: "suponha-se que... a classe operria pudesse enviar uma maioria at o
parlamento; nem assim chegaria ao poder. Podemos estar certos que a classe
capitalista providenciaria para no continuar a via parlamentar, mas recorreria s
baionetas" (id., ibid.). Ningum poderia estar completamente certo: os socialistas
austracos, por exemplo, prometiam em seu programa de Linz (1926) "governar em
estrita concordncia com as regras do estado democrtico" mas sentiam-se
compelidos a avisar que "se a burguesia, boicotando as foras revolucionrias,
tentar obstruir a mudana social que o movimento trabalhista ao assumir o poder
se compromete a levar adiante, ento a Social Democracia ser forada a empregar
meios ditatoriais para quebrar tal resistncia" (Lesser, 1976: 145). A principal
dvida sobre a participao eleitoral era se a revoluo no seria necessria de
qualquer forma, como August Bebel afirmou em 1905, "como uma medida
puramente defensiva, destinada a salvaguardar o exerccio do poder legitimamente
conquistado atravs do voto." (Schorske, 1955:43).
Absteno eleitoral nunca foi uma opo praticvel para os partidos polticos de
trabalhadores. Nem podia a participao permanecer meramente simblica.
Enquanto uma competio democrtica oferecer a vrios grupos uma oportunidade
para melhorar alguns de seus interesses a curto prazo, qualquer partido poltico que
procura mobilizar trabalhadores deve valer-se dessa oportunidade.
O dilema organizacional estende-se para mais longe. A luta pelo socialismo resulta
inevitalmente no "embourgeoisement" do movimento socialista esse o ponto focal
da clssica anlise de Robert Michels. A luta requer organizao; exige um aparato
permanente, uma burocracia assalariada; leva o movimento a engajar-se em
atividades econmicas de sua prpria lavra. Da que os militantes socialistas
inevitalmente tornam-se burocratas, editores de jornais, gerentes de companhias
de seguros, diretores de salas de funerais, e mesmo "parteibudiger" - atendentes
de balco de festa. Todas essas no passam de mesquinhas ocupaes burguesas.
"Imprimem", concluiu Michels, "...um marcadamente mesquinho selo burgus"
(1962: 270). Como um dissidente francs escreveu recentemente, "A classe
trabalhadora perde-se em si mesma administrando suas cidadelas imaginrias.
Camaradas disfarados de notveis ocupam-se com depsitos municipais de lixo e
cantinas escolares. Ou no esto, esses notveis, disfarados de camaradas? J
nem sei mais." (Knopnicki, 1979: 53).
Esse dilema tornou-se ainda mais agudo quando a democracia representativa que
caracteriza a sociedade burguesa deixou de ser apenas uma ttica e foi abraada
como a doutrina bsica da futura sociedade socialista. Os partidos social-
democratas reconheceram na democracia poltica um valor que transcende formas
diferentes de organizao da produo. Jean Jaurs (1971: 71) proclamou que "o
triunfo do socialismo no ser uma ruptura com a Revoluo Francesa, mas a
realizao da Revoluo Francesa em novas condies econmicas", Eduard
Bernstein viu no socialismo simplesmente a "democracia trazida sua concluso
lgica". A democracia representativa tomou-se para os social-democratas
simultaneamente o meio e o fim, o veculo para o socialismo e a forma poltica da
futura sociedade socialista, simultaneamente a estratgia e o programa,
instrumental e pr-figurativo. (Para os pontos de vista de Kautsky e Luxemburgo,
que eram um pouco mais cautelosos, ver respectivamente Salvadori, 1971, e
Geras, 1976).
A Promessa de Eleies
Tais questes devem ser deixadas para os psiclogos resolverem. Mas uma coisa
certa: aqueles que conduziram os partidos socialistas para as batalhas eleitorais
acreditavam que as classes dominantes podiam ser "batidas em seu prprio
terreno". Os socialistas estavam firmemente persuadidos que ganhariam as
eleies, que obteriam para o socialismo o apoio de uma incontestvel maioria
numrica. Colocaram todas as suas esperanas e seus esforos na competio
eleitoral porque estavam certos de que a vitria eleitoral estava prxima. Sua fora
estava nos nmeros, e as eleies so uma expresso de fora numrica. Da que o
sufrgio universal parecia garantir a vitria socialista, se no imediatamente, no
futuro prximo. A revoluo seria feita nas urnas. Entre as vrias expresses dessa
convico est a impressionante apologia feita por Engels em 1895: "Os
trabalhadores alemes... mostraram aos camaradas em todos os pases como fazer
uso do sufrgio universal... Com a bem sucedida utilizao do sufrgio universal...
um mtodo inteiramente novo de luta proletria foi efetivado, e esse mtodo
desenvolveu-se ainda mais rapidamente. Constatou-se que as instituies de
estado, em que o regime burgus est organizado, oferecem classe trabalhadora
oportunidades ainda mais amplas para combater essas mesmas instituies de
estado". E Engels formulou uma previso: "Se o progresso eleitoral continuar desta
maneira, pelo fim do sculo cresceremos...como o poder decisivo na terra, ante o
qual todos os outros poderes inclinar-se-o, gostem ou no gostem" (1960: 22).
"A luta pelo estado poltica. Seu desfecho - em grande medida contingencial - ,
portanto, a possibilidade aberta aos membros da sociedade, tornados proletrios
devido ao processo capitalista, de exercer suas prprias influncias ao nvel da
deciso poltica. Se a democracia alcanada, o crescimento do capitalismo
significa uma correspondente mobilizao de vozes contra o prprio sistema
capitalista. A democracia, portanto, possui um controle automtico que aumenta a
oposio ao capitalismo em proporo ao desenvolvimento do capitalismo."
(Tingsten, 1973: 402).
Se o movimento pelo socialismo no era para ser absorvido por esta ideologia e
estas instituies, tornava-se necessrio transformar a prpria viso do processo
poltico. Contra o abstrato racionalismo do "puro processo poltico" os socialistas
justapunham uma imagem representando o conflito de interesses numa sociedade
dividida em classes. No lugar do ideal de indivduos racionais em busca do bem
comum, os socialistas mostravam a "realidade" de homens que eram os condutores
de seus interesses de classe. O prprio conceito de sociedade baseada na harmonia
de interesses foi duramente negada pela ideologia do conflito de classe.
O dilema eleitoral
A maioria que os socialistas esperavam conseguir nas eleies deveria ser formada
de trabalhadores. O proletariado - agindo a partir de seus interesses e consciente
de sua misso - deveria ser a fora social a impelir a sociedade para o socialismo.
Mas esse proletariado no era e nunca tornou-se a maioria numrica dos eleitores
de qualquer sociedade. A previso, segundo a qual os membros desalojados das
antigas classes mdias iriam tornar-se proletrios ou alistarem-se no exrcito dos
desempregados, nunca confirmou-se.
Uma vez decididos a competir por votos de "aliados naturais", fossem eles das
camadas mdias velhas ou novas, os socialistas apelavam para a esmagadora
maioria da populao. A estimativa de Branting em 1889, de que o "povo"
constitua 95% da sociedade sueca, estava, provvel, ligeiramente exagerada,
dada a sua definio de "povo" (Tingsten, 1973:135). Buscando uma distribuio
eqitativa do peso da dvida da 1 Guerra Mundial, "Trabalho e Nova. Ordem
Social", um documento programtico do partido, asseverava que "desta forma, o
Partido Trabalhista reivindica o apoio de quatro quintos de toda a nao"
(Henderson, 1918: 125). No h porque duvidar que hoje a classe operria,
juntamente com seus aliados, compreenda cerca de 80% da populao da Frana
(Partido Comunista Francs, 1971) ou dos Estados Unidos (Wright, 1976). Se
somarmos aos trabalhadores na indstria os empregados de colarinho-branco,
pequenos-burgueses, donas de casa, aposentados e estudantes, quase ningum
representar os interesses antagnicos ao socialismo. Exploradores continuam a
existir, mas em pequeno nmero: "o homem de negcio com conta de crdito no
tributada, o especulador com ganhos de capital no tributados, o diretor de
empresa aposentado com uma remunerao extra no tributada", nas palavras do
manifesto eleitoral de 1959 do Partido Trabalhista (Craig, 1969: 130).
Algumas das razes porque nenhum partido poltico jamais conseguiu a maioria
com um programa de transformao socialista so indubitavelmente externas ao
sistema eleitoral. No entanto, os partidos social-democratas enfrentam um dilema
puramente eleitoral. As classes expressam o comportamento poltico dos indivduos
somente quando trabalhadores so organizados politicamente como trabalhadores.
Se os partidos polticos no mobilizam pessoas como trabalhadores, mas como
"massas", "povo", "consumidores", "pagadores de impostos" ou simplesmente
"cidados", ento os trabalhadores iro se identificar menos ainda como
trabalhadores. Estendendo seu apelo s "massas", os social-democratas
enfraquecem a proeminncia geral da classe como um determinante no
comportamento poltico dos indivduos.
Agora est claro que o dilema aparece com uma vingana do prprio sistema de
competio eleitoral. A escolha entre pureza de classe e apoio amplo deve ser
abandonada continuamente pelos partidos social-democratas porque, quando
conseguem ampliar seu apoio eleitoral para alm da classe operria, estes partidos
reduzem sua capacidade de mobilizar os trabalhadores. Esta escolha no foi feita de
uma vez por todas por nenhum partido, nem representa uma evoluo
unidirecional. De fato, se existe uma negociao eleitoral entre atrair as massas e
recrutar trabalhadores, ento mudanas estratgicas so imperativas do ponto de
vista puramente eleitoral. As histrias de cada partido esto repletas de reviravoltas
estratgicas, com drsticas mudanas de direo, controvrsias, cismas e cises. O
SPD, em 1905, voltou a enfatizar as classes sociais; os social-democratas suecos
abandonaram temporariamente sua inteno de tornar-se um partido policlassista,
primeiro em 1926 e de novo em 1953; o Partido Trabalhista Noruegus reforou
sua orientao classista em 1918; os jovens socialistas alemes lanaram um srio
ataque Mittlekiass Strategic uma dcada atrs; conflitos entre uma tendncia
obreirista e uma policlassista hoje atinge vrios partidos. Em termos de
consideraes puramente eleitorais, os social-democratas enfrentam um dilema.
So levados a hesitar entre enfatizar as classes ou agradar a nao. Parecem
incapazes de acertar o caminho e comportam-se da mesma maneira que o fazem
as pessoas racionais quando enfrentam problemas: se lastimam e se arrependem,
mudam sua estratgia e de novo se lastmam e se arrependem.
Reforma e revoluo
Estas eram as metas que deveriam ser atingidas atravs da legislao, no mandato
de uma maioria eleitoralmente manifestada, como resultado do sufrgio universal.
Os socialistas aboliriam a explorao, superariam a diviso da sociedade em
classes, removeriam todas as desigualdades econmicas e polticas, acabariam com
o desperdcio e a anarquia da produo capitalista, erradicariam todas as fontes de
injustia e preconceito. Emancipariam no apenas os trabalhadores, mas toda a
humanidade, construiriam uma sociedade baseada na cooperao, orientariam
racionalmente energias e recursos para a satisfao das necessidades humanas,
criariam condies sociais, para um desenvolvimento ilimitado da personalidade.
Razo, justia e liberdade eram as metas-guias do movimento social-democrata.
Esta orientao, dirigida a melhorias imediatas, nunca foi vista por seus arquitetos
como um afastamento de seus objetivos finais. Uma vez que o socialismo era
considerado como inevitvel, no havia razes para que medidas imediatas no
fossem defendidas plos partidos socialistas: no havia o perigo, nem mesmo a
possibilidade, que tais medidas pudessem evitar o advento do inevitvel. Como
disse Kautsky, "seria um profundo erro imaginar que tais reformas pudessem
atrasar a revoluo social (1971:93). Os objetivos finais realizariam-se porque a
histria estava do lado do socialismo. Os revisionistas dentro do movimento eram,
de fato, mais deterministas do que aqueles que defendiam tticas
insurreicionalistas. Millerand, por exemplo, argumentava, no discurso de Saint-
Mande, que "os homens no organizam e no organizaro o coletivismo; este
organiza-se por si prprio, diariamente; vai sendo secretado, se assim podemos
dizer, pelo regime capitalista." (Ensor, 1908: 50).
Uma verdadeira onda constituinte ocorreu aps a Primeira Guerra Mundial: Otto
Bauer na ustria (1919), Karl Kautsky na Alemanha (1925), G. D. H. Cole na Gr-
Bretanha (1919), Henri de Man na Blgica - todos buscaram a elaborao de um
modo de combinar a racionalizao da sociedade com todo o controle do operariado
sobre a produo.
Cada estratgia foi analisada pelos seus efeitos a longo prazo. Os defensores d
estratgia maximalista argurmentavam que o partido educaria o eleitorado para o
programa socialista e exporia o carter reacionrio dos partidos burgueses.
Alegavam que o povo responderia outorgando-lhes o poder com maioria e com
mandato para implantar seu programa socialista. Esta estratgia foi adotada
somente na Noruega; l, o governo durou apenas trs dias, em 1928.O partido
voltou ao poder somente quatro anos depois quando moderou seus objetivos
socialistas.
Os que propunham um programa mnimo defendiam que a tarefa mais importante
de um partido seria demonstrar que "competente para governar", que um
partido de governo. "No assumiremos o poder para preparar Eleies Gerais",
disse MacDonald em 1924, "assumiremos o poder a fim de trabalhar" (Miliband,
1975:101). Em contrapartida, sua expectativa repousava na crena de que as
reformas eram irreversveis e cumulativas. Como colocou Layman:
O compromisso
Esta diviso entre o estado e o mercado tem sido cultivada pela "teoria do estado
dos bens pblicos" (Samuelson, 1966; Musgrave, 1971). Esta teoria assume que o
mercado capitalista uma forma natural de atividade econmica; aceita-se o
mercado existente e suas leis tal como so. Supe-se que o papel do estado fique
limitado a prover os chamados "bens pblicos"; aqueles que so indivisveis e que,
se fornecidos, os so para todos. apropriado ao estado construir vias pblicas e
treinar a mo-de-obra: empresrios privados racionais no fornecero tais coisas
pois no podem impedir o uso pblico de vias pblicas ou as pessoas de venderem
aos concorrentes suas novas aptides. Assim, supe-se que o papel do estado fique
limitado s atividades que no so lucrativas para empresrios privados, mas
necessrias ao conjunto da economia. verdade que em diversos pases o estado
envolve-se na produo de bens privados - carvo e ao - mas tambm aqui
ocorreu, com raras excees, transferncia ao setor pblico quando e porque
estas indstrias eram deficitrias, sob as condies da concorrncia internacional.
De fato, estas eram as indstrias de mais fcil nacionalizao e manuteno pelo
setor pblico, visto que seus proprietrios no tinham razes para lutar contra a
nacionalizao de uma indstria deficitria.
A social-democracia e o socialismo
Os social-democratas no conduziro as sociedades europias ao socialismo.
Mesmo que os trabalhadores preferissem viver sob o socialismo, o processo de
transio necessariamente levaria a uma crise antes que o socialismo pudesse ser
organizado. Para alcanar picos mais elevados tem-se de atravessar um vale, e esta
descida no pode ser completada sob condies democrticas.
Forados a pagar salrios mais altos e manter o nvel de emprego acima do nvel de
eficincia, os capitalistas podem responder apenas com aumento nos preos dos
bens de consumo. A inflao tambm alimentada pelas dificuldades da balana de
pagamentos resultantes da necessidade de importar bens de consumo e de
presses especulativas. Assim ocorre inflao ou, se os preos so controlados,
escassez; o mercado negro se organiza, e assim por diante. Eventualmente os
aumentos nominais de salrio so corrodos, como na Frana em 1936 (Kalecki,
1936), Chile e Portugal.
Mesmo que o governo socialista seja resoluto, fazendo inclusive todas as tentativas
para tranqilizar pequenos empresrios e proprietrios, como recomenda Lange, a
transformao das relaes de produo ser acompanhada por uma crise
econmica. A presso da demanda opera tanto em relao s empresas pblicas
quanto privadas. Mesmo que aquelas empresas sejam autogeridas, para ambas
ser ainda melhor cobrar altos preos pelos seus produtos. A rigidez que impede o
deslocamento repentino para a produo de bens de consumo fsica, no
meramente organizacional. Alm do mais, a nacionalizao gera problemas
econmicos por si mesma. Se era ou no uma estratgia poltica deliberada, como
sustentam Bologna (1972) e Marglin (1974), o fato que a produo capitalista
reorganizou-se na esteira do movimento dos conselhos, na medida em que os
produtores imediatos enquanto classe perderam a capacidade de dirigir por sua
prpria conta o sistema de produo. A classe operria era caracterizada por Marx
no apenas por sua explorao mas tambm por sua capacidade d organizar, em
escala social, o sistema socialista de produo.
Mas, ainda que isso seja verdade, no mais possvel aos produtores imediatos
assumirem automaticamente o controle sobre o processo de produo social: talvez
qualquer cozinheira possa ser ensinada como administrar a sociedade socialista,
porm um longo perodo de aprendizado necessrio. A transformao socialista
exige uma capacidade administrativa e organizativa que no pode ser adquirida da
noite para o dia. No existem modelos e a experincia limitada. Aprender por
tentativa e erro, com todos os tropeos envolvidos, inevitvel.
Defrontados com uma crise econmica, ameaados com a perda de apoio eleitoral,
preocupados com a possibilidade de uma contra-revoluo fascista, os social-
democratas abandonam o projeto de transio ou ao menos ficam espera de
tempos mais auspiciosos. Encontram coragem para explicar aos trabalhadores que
melhor ser explorado do que criar uma situao que contm riscos que podem se
virar contra eles. Recusam-se a empenhar seu futuro numa piora da crise.
Dispem-se ao compromisso, e a defenderem-no perante os trabalhadores. A
questo que permanece saber se existe um caminho de escapar alternativa
traada por Olof Palme: "Retornar a Stalin e Lenin ou tomar o rumo da
tradio social-democrata"(Brandi, Dreisky, Palme, 1976: 120).
All the contents of this site www.scielo.br, except where otherwise noted, is licensed
under a Creative Commons Attribution License.
luanova@cedec.org.br
Services on Demand
Article
Article references
Automatic translation
Send this article by e-mail
Indicators
Cited by SciELO
Access statistics
Related links
Share
More
More
Permalink
Dados
On-line version ISSN 1678-4588
Dados vol.42 n.4 Rio de Janeiro 1999
http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581999000400001
Teoria Democrtica e Poltica Comparada*
Guillermo ODonnell
Passei boa parte da minha vida acadmica estudando um tema que detesto o regime
autoritrio e, mais tarde, um outro tema que me deu grande alegria, a falncia desse
regime. Durante esses anos, li muita coisa sobre teoria democrtica e as democracias
existentes, mas sempre o fiz, por assim dizer, de fora, isto , como um tema importante,
mas que no estava diretamente relacionado com minhas principais preocupaes.
Baseado nessas leituras e tambm nas grandes esperanas despertadas pelo fim dos
vrios tipos de dominao autoritria, pus-me a estudar, como tantos outros, os novos
regimes que haviam nascido. Concentrei-me na Amrica Latina, especialmente no sul
do continente, embora tambm tenha me ocupado do que vinha ocorrendo na Europa
meridional; alm disso, a despeito de minhas srias limitaes no conhecimento dos
idiomas, procurei manter-me razoavelmente informado sobre a situao dos pases da
Europa Central e Oriental e de alguns do Leste Asitico.
Ao iniciar esses estudos, parti de duas premissas, tal como fazia na poca a maior parte
da literatura da rea. A primeira delas que existe um corpo suficientemente claro e
consistente de teoria democrtica; a segunda, que esse corpus terico apenas requer
modificaes marginais para servir como ferramenta conceitual adequada ao estudo das
novas democracias. Estas premissas so muito convenientes, pois nos permitem
"navegar" em estudos comparativos sem muita preparao prvia ou grandes dvidas
tericas. Elas aparecem em grande parte da bibliografia dedicada a investigar se as
novas democracias se "consolidaro" ou no, as relaes dos novos regimes com as
polticas de ajuste econmico e as instituies tpicas desses regimes Parlamento,
Poder Executivo, partidos. Creio que as anlises institucionais tm produzido
conhecimentos valiosos, embora muitas vezes excessivamente limitados s
caractersticas formais das instituies. Com relao aos estudos sobre "consolidao
democrtica", j manifestei em outros trabalhos (ODonnell, 1996a; 1996b) meu
ceticismo ante a vagueza e a tendncia teleolgica desse conceito, de modo que no
preciso me repetir aqui. Quanto aos estudos sobre ajuste econmico, a maioria focaliza
exclusivamente as condies polticas que favorecem ou dificultam a adoo de
medidas de ajustamento. A conseqncia desse enfoque limitado transformar os
fatores polticos, inclusive o regime, em varivel dependente do ajuste o que nos
velhos tempos seria considerado um caso de flagrante "economicismo". O foco desses
estudos to estreito que at recentemente excluiu questes sociais e mesmo
econmicas de grande importncia, no s da tica da eqidade mas inclusive da
perspectiva do prprio desenvolvimento1.
Da mesma maneira como faziam essas vertentes da literatura, meus primeiros estudos
sobre as novas democracias (ODonnell, 19922) basearam-se nas premissas que acabei
de mencionar: que existe um claro e consistente corpo de teoria sobre a democracia e
que, com ele, possvel "viajar" confortavelmente no assunto. O problema o meu
problema, pelo menos que hoje estou convencido de que a primeira premissa
errada e a segunda, por conseguinte, impraticvel. Chegar a essa concluso me deixou
desconcertado; ela privou-me das lentes com as quais acreditava poder dar incio
imediato ao estudo das novas democracias. Vi-me ento obrigado a fazer um longo
desvio intelectual, durante o qual internalizei, digamos assim, minhas leituras sobre a
democracia e, por razes que esclareo adiante, retomei minhas antigas inquietaes em
filosofia, na teoria da moral e no direito.
Outro aspecto dessa mudana de rumo intelectual foi que dei incio a uma srie de
estudos em colaborao com outros pesquisadores, com o apoio institucional do
Kellogg Institute for International Studies, da University of Notre Dame. Esses
trabalhos trataram de temas que considerei importantes para esclarecer certas
peculiaridades empricas e tericas das novas democracias e das no to novas assim
, em especial, mas no exclusivamente, na Amrica Latina. Um desses projetos fez
um balano da situao geral da democracia no incio da dcada de 90, nas Amricas do
Sul e do Norte3. Outro examinou a pobreza generalizada e a profunda desigualdade
social na Amrica Latina4. Um terceiro analisou vrios aspectos do funcionamento dos
sistemas jurdicos da regio. Quanto s suas concluses, basta dizer que mudamos o
ttulo do livro que as incorporou de The Rule of Law... [O Estado de Direito...] para The
(Un)Rule of Law... [O Fracasso do Estado de Direito...] (Mndez, ODonnell e
Pinheiro, 19995). A mudana de rumo levou-me a algumas concluses que talvez caiba
resumir aqui:
(b) Nenhuma teoria sobre qualquer tema social deveria omitir o exame dos usos
lingsticos do seu objeto. A palavra democracia, desde tempos imemoriais, recebeu
fortes (mas diferentes) conotaes morais, todas fundamentadas em uma viso dos
cidados como agentes. Isso estende teoria da democracia, inclusive a de orientao
emprica, os complicados mas inevitveis problemas da filosofia poltica e da teoria
moral.
(c) Uma teoria da democracia da democracia tout court deveria tambm incluir, e
em uma posio central, vrios aspectos da teoria do direito, visto que o sistema legal
determina e respalda caractersticas fundamentais da democracia e, conforme explico
mais adiante, da cidadania como agency*1.
Essas concluses esto incorporadas em textos que escrevi nos ltimos dez anos. Neles,
examino certas caractersticas de algumas das novas democracias7, as quais dificilmente
poderiam ser consideradas como transitrias ou apenas marginalmente diferentes do que
pensam as teorias atuais. Nesses textos, questiono os estudos que "exportam"
acriticamente as teorias para o caso das novas democracias8. No entanto, meus artigos
abordam poucos temas de cada vez e logo voltam a problemas mais gerais da teoria
democrtica, sem tentar analisar ou reconstruir a teoria como tal. Sinto agora que essa
tentativa precisa ser feita; para tanto estou escrevendo um livro, cujos dois primeiros
captulos, em verso preliminar, constituem este artigo. Trata-se, portanto, de um texto
sobre a teoria da democracia tout court, e tem o indispensvel objetivo de limpar o
terreno conceitual para futuras incurses mais ambiciosas. Mas suas origens intelectuais
no estudo das novas democracias se tornaro visveis em algumas digresses
comparativas que inseri ao longo da exposio.
INTRODUO
A recente emergncia de pases que so ou dizem ser democrticos colocou importantes
desafios ao estudo comparativo dos regimes polticos9 e, inclusive, prpria teoria da
democracia, embora nem sempre se perceba isto. Classificar um caso como
"democrtico" ou no mais que um mero exerccio acadmico; tem implicaes
morais, na medida em que na maior parte do mundo contemporneo existe um consenso
de que a democracia, independente de como definida, um tipo de governo
normativamente prefervel. Essa qualificao tambm traz conseqncias prticas, pois
no atual sistema internacional o acesso a importantes benefcios tem estado dependente
da avaliao da condio democrtica de um pas.
Afirmo neste artigo que as teorias correntes sobre a democracia precisam ser revistas de
uma perspectiva analtica, histrica, contextual e legal, ainda que isso acarrete uma certa
perda de parcimnia [no sentido metodolgico N. T.]13. O resultado desses esforos
pode ser a criao de instrumentos conceituais adequados elaborao de uma melhor
teoria da democracia em suas vrias encarnaes. Este artigo tem a inteno de
contribuir para essa tarefa, embora seja apenas um primeiro passo destinado a limpar o
terreno conceitual. Portanto, no que diz respeito a diversos tpicos importantes
(especialmente a relao entre o regime democrtico e algumas caractersticas do
Estado e do conjunto do contexto social, bem como as diversas questes associadas
idia de agency), limito-me a estabelecer as primeiras conexes. Estas servem
principalmente para sinalizar os temas a serem desenvolvidos em futuros trabalhos.
Depois de afirmar que a "democracia um mtodo poltico [...] um certo tipo de arranjo
institucional para chegar a decises polticas, legislativas e administrativas," Joseph
Schumpeter (1975[1942]:242) enuncia sua famosa definio do "mtodo democrtico":
"o arranjo institucional para chegar a decises polticas pelas quais os indivduos
adquirem o poder de decidir mediante uma competio pelo voto popular." Esta a
definio "minimalista" (ou "processualista") paradigmtica de democracia. No entanto,
normalmente se esquece14 que Schumpeter no pra a. Em primeiro lugar, ele esclarece
que "o tipo de competio pela liderana que define a democracia [implica] a livre
competio por votos livres." (idem:217)15 Nessa mesma linha, faz uma advertncia ao
comentar que "o mtodo eleitoral praticamente o nico disponvel para comunidades
de qualquer tamanho", acrescentando ainda que isso no exclui outros modos menos
competitivos "de garantir a liderana [...] e no se pode exclu-los porque, se o
fizssemos, nos restaria um ideal totalmente irrealista." (idem:271) significativo que
essa frase termine com uma nota de rodap onde se l: "Como no campo da economia,
os princpios morais e legais da comunidade tm algumas restries implcitas."
(ibidem, nota 5) O significado dessas afirmaes, contrastando com a definio que
Schumpeter acabara de enunciar, bastante nebuloso. A razo, acredito, que o autor
compreendeu que estava prestes a abrir uma Caixa de Pandora: se a "competio pela
liderana" tem uma relao com "os princpios legais e morais da comunidade", ento
sua definio do "mtodo democrtico", ou de como ele funciona, acaba no sendo to
minimalista quanto poderia sugerir uma leitura isolada da clebre definio.
Mais ainda, Schumpeter compreende que para haver "livre competio por um voto
livre", preciso que se cumpram algumas condies externas ao processo eleitoral.
Citando suas prprias palavras: "Se, pelo menos em princpio, todos so livres para
concorrer liderana poltica apresentando-se ao eleitorado, isto exige na maioria dos
casos, embora nem sempre, um grau considervel de liberdade de expresso para todos.
Em especial, isso normalmente pressupe uma grande liberdade de imprensa."
(idem:271-272, nfases no original) Em outras palavras, para que o "mtodo
democrtico" exista, algumas liberdades bsicas, supostamente relacionadas com "os
princpios morais e legais da comunidade", tambm devem existir, e na maioria dos
casos, como Schumpeter faz questo de enfatizar, "para todos". Por fim, quando o autor
volta sua definio e declarao anloga de que "a funo primordial do eleitorado
[] gerar um governo," esclarece que "tive a inteno de incluir nessa frase a funo de
derrub-lo." (idem:272; ver, tambm, pp. 269 e 273) Schumpeter deixa claro, embora
no o explicite, que no est falando de um acontecimento isolado, mas de um modo de
eleger e derrubar governos ao longo do tempo; sua definio desloca-se ento de um
acontecimento nico, ou como freqentemente se diz, de um processo as eleies
para um regime que se prolonga no tempo.
Nas pginas posteriores s passagens citadas, Schumpeter prope vrias "condies para
o xito do mtodo democrtico": (1) uma liderana apropriada; (2) "a real abrangncia
das decises de polticas pblicas no deve ser excessiva"; (3) a existncia de uma
"burocracia bem treinada, de tradio e prestgio social, dotada de um forte senso do
dever e de um esprit de corps no menos forte"; (4) os lderes polticos deveriam
exercitar em alto grau o "autocontrole democrtico" e o respeito mtuo; (5) deveria
tambm existir "uma alta dose de tolerncia com as diferenas de opinio," a propsito
do que, voltando sua nota de rodap, Schumpeter acrescenta que "um carter nacional
e hbitos nacionais de um certo tipo" so bem apropriados; e (6) "todos os interesses
que tm importncia so praticamente unnimes no s na sua lealdade com o pas, mas
tambm com os princpios estruturais da sociedade existente." (idem:289-296)
Essas afirmaes, mais uma vez, esto longe da clareza, tanto em si mesmas quanto em
relao s conseqncias previstas por Schumpeter para o caso de faltarem as mesmas
condies que enumera. Em primeiro lugar, ele no nos diz se cada uma dessas
condies suficiente para "o xito do mtodo democrtico" ou se, como parece mais
razovel, preciso que o conjunto delas se cumpra. Em segundo lugar, ele no nos diz
se a "falta de xito" significa que o "mtodo democrtico" deveria ser suprimido em si
mesmo ou se daria lugar a uma democracia reduzida (Collier e Levitsky, 1997). Se a
resposta correta for a primeira, teramos ento de acrescentar definio de
Schumpeter, pelo menos como condies necessrias, todo o leque de dimenses que
transcrevi acima. Com isso, sua definio poderia ser qualquer coisa, menos
minimalista. Se, por outro lado, a resposta correta for que se criaria algum tipo de
democracia reduzida, ento, em vez de caracterizar integralmente o "mtodo
democrtico", Schumpeter no teria conseguido oferecer uma tipologia capaz de
diferenciar as democracias plenas das reduzidas.
Samuel Huntington, por sua vez, depois de declarar que est "seguindo a tradio
schumpeteriana", define a democracia "[como um sistema poltico que existe] na
medida em que seus mais poderosos decisores coletivos so escolhidos em eleies
limpas19, honestas e peridicas, nas quais os candidatos competem livremente por votos
e em que praticamente toda a populao adulta est apta a votar." Mas esse autor
acrescenta (Huntington, 1991:7), como fazem Schumpeter, de modo explcito, e
Przeworski, de modo implcito, que a democracia "tambm envolve a existncia das
liberdades civis e polticas de palavra, imprensa, reunio e associao, que so
indispensveis para o debate poltico e a conduo das campanhas eleitorais." Da
mesma maneira, Giuseppe Di Palma (1990:16) diz que a democracia "tem como
premissa [...] o sufrgio livre e isento em um contexto de liberdades civis, partidos
competitivos, opo entre candidaturas, e instituies polticas que regulam e garantem
os papis do governo e da oposio." Larry Diamond, Juan Linz e Seymour Lipset
propem uma definio similar embora mais extensa:
"Um sistema de governo que atende a trs condies essenciais: concorrncia ampla e significativa entre
indivduos e grupos organizados (especialmente os partidos polticos) para todas as posies de governo
que tm poder efetivo, em intervalos regulares de tempo e com excluso do uso da fora; um nvel
altamente includente de participao poltica na seleo dos lderes e das polticas pblicas mediante, ao
menos, eleies peridicas e isentas, de modo a no excluir nenhum grupo social importante dentre a
populao adulta; e um grau suficiente de liberdades civis e polticas liberdade de expresso, liberdade
de imprensa, liberdade de formar e filiar-se a organizaes para garantir a integridade da competio e
da participao poltica." (1990:6-7)
De sua parte, Giovanni Sartori (1987:24), ainda que mais preocupado com "um sistema
de governo majoritrio limitado pelos direitos da minoria" do que com eleies,
acrescenta que "para haver democracia preciso que exista uma opinio pblica
autnoma [...] [e uma] estruturao policntrica da mdia e seu jogo competitivo"
(idem:98 e 110). Por ltimo, embora partindo de perspectivas tericas distintas, Dietrich
Rueschemeyer et alii concordam que a democracia "implica, primeiro, a eleio regular,
livre e isenta de representantes pelo sufrgio universal e igualitrio; segundo, a
responsabilidade do aparelho de Estado perante o Parlamento eleito [...], e, terceiro, as
liberdades de expresso e de associao, bem como a proteo dos direitos individuais
contra a ao arbitrria do Estado." (1992:43)18
Outras definies tambm pretendem ser realistas, mas no se qualificam como tal, pois
propem caractersticas que ou no podem ser verificadas empiricamente, por no
serem encontrveis em nenhuma democracia existente, ou postulam atributos demasiado
vagos. Entre as primeiras, incluo as definies que continuam presas "democracia
etimolgica" (Sartori, 1987:21), quando afirmam que o demos, ou o povo, ou uma
maioria que de alguma forma "governa"20. No isso que acontece nas democracias
contemporneas, em qualquer interpretao da palavra "governo" que implique a
atividade deliberada de um agente, embora talvez tenha ocorrido de maneira ampla, mas
ainda incompleta, em Atenas (Hansen, 1991). Outras definies procuram contornar
essa objeo, mantendo a noo bsica do demos como um agente. Por exemplo,
Philippe Schmitter e Terry Lynn Karl afirmam que "a democracia poltica moderna um
sistema de governo em que os cidados responsabilizam os governantes por seus atos na
esfera pblica, agindo indiretamente por meio da competio e da cooperao dos seus
representantes eleitos." (1993:40, nfases minhas) O problema est nas palavras
enfatizadas: nada se diz sobre o que significa "agindo indiretamente".
Invoco agora uma outra definio realista, a de poliarquia, de Robert Dahl23. Prefiro
essa definio a outras da mesma espcie porque ela oferece detalhes teis, e porque o
termo "poliarquia" permite diferenciar a democracia poltica de outros tipos e espaos
democrticos. Ela tem a mesma estrutura das demais definies realistas: primeiramente
estipula alguns atributos das eleies (clusulas 1 a 4); em seguida, relaciona certas
liberdades que Dahl chama de "direitos polticos primrios [os quais] fazem parte
integrante do processo democrtico" (Dahl, 1989:170) (clusulas 5 a 7)24, entendidos
como necessrios para que as eleies efetivamente contenham as caractersticas
estipuladas. Neste ponto de minha argumentao, cabe-me definir o que entendo por
eleies em um regime democrtico.
Cabe advertir que os atributos antes especificados no dizem nada sobre a composio
do eleitorado. J houve democracias oligrquicas, de sufrgio restrito, que satisfizeram
os atributos especificados; acontece, porm, que, em conseqncia dos processos
histricos de democratizao nos pases originrios, e de sua difuso em outros, a
democracia adquiriu uma nova caracterstica, a da includncia: o direito de votar e de
ser votado outorgado, com poucas excees, a todos os membros adultos de um pas26.
Por razes de conciso, daqui por diante chamarei de eleies competitivas aquelas que
renem as condies de ser livres, isentas, igualitrias, decisivas e includentes27.
Como o carter decisivo das eleies no aparece nas definies atuais de democracia e
de sufrgio democrtico28, preciso dar aqui uma explicao. Em um trabalho anterior,
propus acrescentar esse atributo sob o argumento de que sua omisso mostra at que
ponto as atuais teorias da democracia incluem pressupostos no examinados, que
deveriam ser explicados para que elas adquiram uma adequada abrangncia
comparativa. Em outras palavras, a literatura presume que uma vez realizadas as
eleies e proclamados os vencedores, estes tomaro posse dos seus cargos para os
quais foram eleitos e governaro com a autoridade e pelos prazos que a constituio lhes
prescreve29. Isso , evidentemente, um reflexo da experincia das democracias
originrias. Mas no necessariamente verdade. Em diversos pases houve casos em
que os candidatos, depois de ganharem eleies que satisfaziam os atributos
mencionados, foram impedidos de tomar posse, freqentemente por um golpe militar.
Por outro lado, governantes democraticamente eleitos, como Boris Yeltsin e Alberto
Fujimori, dissolveram anticonstitucionalmente o Congresso e destituram os ocupantes
de altos postos no Poder Judicirio. Por fim, em casos como o do Chile contemporneo
(e menos formalmente, mas com igual eficcia, em outros pases latino-americanos,
africanos e asiticos), certas organizaes impedidas de participar do processo eleitoral,
geralmente as foras armadas, mantm, de modo explcito, poder de veto ou "domnios
reservados"30 que limitam substancialmente a autoridade dos funcionrios eleitos. Em
todos esses casos, as eleies no so decisivas: no geram, ou deixam de gerar,
algumas das conseqncias bsicas que supostamente deveriam acarretar.
Outra dificuldade que os limites internos das liberdades enumeradas por Dahl, e de
outras tambm potencialmente relevantes para a competitividade das eleies, sofreram
mudanas significativas ao longo do tempo. Basta assinalar que certas restries
liberdade de expresso e de associao que nos pases originrios eram consideradas
aceitveis at pouco tempo atrs, hoje pareceriam claramente antidemocrticas42.
Levando isso em conta, quo exigentes tero de ser os critrios que devemos aplicar s
novas democracias (e s velhas democracias que no pertencem ao quadrante Noroeste
do mundo)? Devemos aplicar os critrios hoje prevalecentes nos pases originrios ou os
que estes adotaram no passado? Ou, ainda, devemos fazer em cada caso uma
fundamentada avaliao indutiva dessas liberdades, tendo em vista a probabilidade de
que permitam ou impeam a realizao de eleies competitivas? Na minha opinio, a
ltima opo a mais razovel, mas ela nos joga em cheio na questo do carter
indecidvel dessas liberdades, agora ainda mais complicado por sua variabilidade
histrica.
Embora ainda tenhamos um longo percurso a fazer, com a anlise precedente chegamos
a um ponto importante em si mesmo e que nos situa, por assim dizer, em um
promontrio a partir do qual se podem vislumbrar os caminhos pelos quais teremos de
transitar. Um primeiro comentrio que devo fazer neste momento de minha
argumentao que concordei, embora com ressalvas e acrscimos, com os autores que
propem definies realistas da democracia poltica. Na verdade, em relao ao texto j
citado de Collier e Levitsky (1997), "precisei" suas definies, acrescentando alguns
elementos que elas deixam implcitos. Penso que convm incluir expressamente nessa
definio duas espcies de componentes: primeiro, eleies competitivas e
institucionalizadas; segundo, apesar de seu carter indecidvel, um conjunto de
liberdades que, de uma perspectiva racional porque derivada de atenta observao
, parece ser necessrio para sustentar uma alta probabilidade de haver eleies livres e
isentas. Outro comentrio que esse critrio no minimalista: no focaliza
exclusivamente as eleies competitivas e no ignora as liberdades simultneas. Penso
que uma definio apropriada de democracia poltica deve concentrar-se em um regime
que inclui um tipo especfico de eleies, mas no se limita a este. Por outro lado, o
critrio que proponho restritivo no sentido de que recusa incluir uma enumerao
muito detalhada das liberdades relevantes, o que acabaria sendo inesgotvel e
analiticamente estril.
Apesar de ainda ser necessrio incluir outros fatores no situados no plano do regime
para se chegar a uma definio adequada de democracia, a definio realista e restritiva
de regime democrtico til por vrias razes. Uma, de ordem conceitual e emprica,
que ela permite gerar um conjunto de casos diferentes a partir da ampla e variada gama
de exemplos de no-democracias, quer se trate de diferentes tipos de regime
abertamente autoritrios, quer dos regimes que realizam eleies, embora no
competitivas e no institucionalizadas44. A outra razo, emprica e tambm conceitual,
que uma vez gerado tal conjunto de casos, abre-se a possibilidade de analisar e
comparar as semelhanas e diferenas entre essas situaes e seus subconjuntos45.
Uma ltima razo , como as anteriores,. de ordem prtica e normativa. Tanto os dados
das pesquisas citadas quanto numerosas observaes impressionistas sugerem que,
sejam quais forem os significados adicionais atribudos palavra "democracia", a
maioria das pessoas, na maior parte dos pases, inclui certas liberdades polticas e a
realizao de eleies que, no seu entender, sejam razoavelmente competitivas. Na
concepo popular, na linguagem dos polticos e dos jornalistas e tambm pelos
critrios propostos nas definies acadmicas, que em parte por essa razo
denominei de "realistas", a existncia das liberdades e de eleies basta para chamar um
pas de democrtico. Esse qualificativo tem uma conotao normativa positiva, como
evidencia o fato de que chamar um "pas" de democrtico uma metonmia: isto ,
designa o todo, um pas, por um atributo de conotao positiva ligado a uma de suas
partes, o regime49.
O motivo dessa advertncia que, embora o regime seja uma parte fundamental da
questo, ela no se esgota a. Nisso me afasto dos tericos que preferem restringir o
conceito de democracia tomando como referncia o regime. No restante deste texto,
analiso algumas conexes do regime com outros temas que, a meu ver, tambm se
incluem na problmatique da democracia. Antes, porm, resumo em algumas
proposies os principais argumentos at aqui expostos:
I. Em uma definio realista e restritiva, o regime democrtico (ou poliarquia, ou democracia poltica)
consiste de eleies competitivas e institucionalizadas, acompanhadas por algumas liberdades polticas.
III. As liberdades simultneas s eleies competitivas e institucionalizadas s podem ser derivadas por
induo, tanto no que se refere s liberdades includas quanto aos limites internos de cada uma. Por
conseguinte, nessa matria, impossvel chegar a um acordo geral que se baseie em critrios tericos
claros e slidos51.
IV. Apesar de indecidveis, j que algumas liberdades simultneas podem gerar uma alta probabilidade de
haver eleies competitivas, convm explicit-las, tanto porque contribuem para uma definio adequada
do regime de que fazem parte, quanto porque ajudam a elucidar as divergncias que inevitavelmente
cercam a questo.
Vimos que em um regime democrtico cada eleitor tem pelo menos seis opes. Cabe
lembrar que este no o nico direito que a democracia reconhece a praticamente todos
os adultos residentes no territrio de um Estado. Cada eleitor tem ainda o direito de
tentar ser votado. O fato de que ele deseje ou no exercer esse direito irrelevante
porque, tendo o direito de ser eleito, cada adulto traz consigo a autoridade potencial de
participar de decises governamentais. Os eleitores no somente votam; alm disso, e
conforme define a legislao relativa aos cargos para os quais so eleitos, eles tambm
podem participar da responsabilidade de tomar decises coletivas de carter impositivo
e eventualmente aplicar a coao estatal. O que importa no direito de votar e de ocupar
cargos eletivos que isso define um agente. Trata-se de uma definio jurdica; os
direitos so atribudos pelo sistema legal maioria dos adultos que habitam no territrio
de um Estado, com algumas excees igualmente definidas por lei. uma atribuio de
alcance universalista, aplicvel a todos os adultos independentemente de sua condio
social e de suas caractersticas adscritas, com exceo da idade e da nacionalidade.
Atribuir a todo adulto a condio de agente, implica conferir-lhe a capacidade de tomar
decises consideradas suficientemente razoveis para produzir importantes
conseqncias, tanto para a agregao dos seus votos quanto para seu desempenho em
funes governamentais. Pode ser que os indivduos no exeram esses direitos, mas o
sistema jurdico os conceitua como igualmente capazes de exercit-los, assim como de
desempenharem as obrigaes correspondentes (por exemplo, abster-se de atos
fraudulentos ou da violncia no momento de votar, ou cumprir as obrigaes de cargos
pblicos dentro dos limites estipulados pela lei).
O que essa aposta? que, em uma democracia, cada ego deve aceitar que
praticamente todos os demais adultos participem votando e eventualmente sendo
votados do ato (as eleies competitivas) que determina quem os governar por certo
tempo. uma aposta institucionalizada, porque imposta aos indivduos a despeito de
sua vontade: cada ego tem de aceitar esse fato, ainda que ache que permitir que certos
indivduos votem ou sejam votados um grave erro. No resta outra opo a cada ego
seno aceitar o risco de que pessoas "erradas" sejam escolhidas como resultado de
eleies competitivas. Cada ego deve correr esse risco53, porque ele determinado e
sustentado pelo sistema legal de uma democracia. Ego pode no gostar ou mesmo ter
srias objees54 a que alter tenha direitos iguais aos seus de votar e ser votado. Mas
esta no uma questo de escolha para ego. Durante sua vida, ego pode escolher muitos
aspectos de sua vida social, mas no pode evitar que lhe atribuam, antes e a despeito de
sua vontade, um conjunto de direitos e obrigaes. Ego est imerso em um sistema legal
que estabelece esses mesmos direitos para alter e probe ego de ignor-los, transgredi-
los ou neg-los. Em virtude do local de nascimento ou da nacionalidade, e em muitos
aspectos pelo simples fato de residir em dado pas, ego adquire direitos e obrigaes
com relao a alter e ao Estado. Insisto que isso no uma questo de escolha: ego
um ser social constitudo e configurado pelos direitos e obrigaes promulgados e
sustentados pelo Estado se necessrio, por coero.
Quando se instala uma democracia, h evidentes excees ao que acabo de dizer. Existe
ento um momento de escolha: na medida em que os direitos e as obrigaes so
determinados por organismos constitucionais escolhidos em eleies limpas, ou
ratificados por referendos isentos, esses direitos expressam o acordo majoritrio e,
portanto, suficiente para a institucionalizao da aposta democrtica. Passado esse
momento, as sucessivas geraes so constitudas e configuradas ab initio em e por
relaes legalmente definidas pela aposta democrtica: cada indivduo tem de correr o
risco de as eleies darem resultados que julgam equivocados. claro que isso est
longe de esgotar toda a questo. Mas importante porque significa que descobrimos
ento uma outra caracterstica especfica da democracia poltica contempornea: o
nico regime que resulta de uma aposta institucionalizada, universalista e includente.
Todos os demais, quer incluam ou no eleies, impem algum tipo de restrio a essa
aposta, ou a suprimem completamente.
Essa aposta sustentada pela lei define parmetros amplos, mas importantes do ponto de
vista operacional, para a racionalidade individual: as tentativas de ignorar, transgredir
ou negar os direitos que ela confere a alter normalmente trazem graves conseqncias
negativas para quem as perpetua. Em suas interaes com alter, ao menos na esfera
poltica delimitada por eleies competitivas, geralmente convm a ego reconhecer e
respeitar os direitos do outro. Esse interesse pode ser reforado por motivos altrustas ou
orientados para o bem-estar coletivo, mas em si mesmo implica o reconhecimento de
outros como portadores de direitos idnticos aos de ego. esse o germe de uma esfera
pblica que consiste dos reconhecimentos mtuos baseados na atribuio universalista
de determinados direitos e obrigaes.
VI. A cidadania poltica consiste da atribuio legal e do gozo efetivo de direitos comprometidos com a
aposta democrtica, isto , as liberdades simultneas e os direitos de participao em eleies
competitivas, inclusive o de votar e ser votado.
VII. Um regime democrtico (ou democracia poltica, ou poliarquia) inclui: (a) um Estado que delimita
dentro do seu territrio aqueles que so considerados cidados polticos, e (b) um sistema legal vinculado
a esse mesmo Estado que outorga a cidadania poltica, conforme definida na proposio anterior, sobre
uma base universalista e includente.
Essas duas proposies nos levam a um terreno que devemos explorar com ateno.
AGENCY E DIREITOS
Como a adoo da aposta que concede direitos polticos universalistas muito recente,
precisamos fazer uma digresso histrica. Ela nos permitir rastrear as origens pr-
polticas da agency e depois relacion-la com a democracia contempornea.
Sabe-se que, nos pases originrios, muitas categorias sociais foram excludas do
sufrgio durante muito tempo, e portanto, obviamente, da possibilidade de serem
votadas: camponeses, operrios manuais, empregados domsticos (e, em geral, os no
proprietrios ou os que possuam baixo nvel de instruo), os negros nos Estados
Unidos, os ndios nesse mesmo pas e em muitos outros, alm, decerto, das mulheres.
Os direitos polticos s foram concedidos s mulheres durante o sculo XX e, em vrios
pases, somente depois da Segunda Guerra Mundial59. Por outro lado, pases do Sul e do
Leste adotaram em pocas distintas o sufrgio includente, muitas vezes de maneira
abrupta. Mas as inmeras variaes das democracias "tutelares" ou "de fachada" que
surgiram nessas regies, assim como, bvio, nos regimes abertamente autoritrios,
implicavam a negao da aposta democrtica.
Como vimos rapidamente na seo anterior, h uma idia central por trs de tudo isso: a
agency. Essa idia envolve complicadas questes filosficas, morais e psicolgicas62.
Contudo, para os fins deste artigo, basta dizer que um agente algum concebido como
dotado de razo prtica, ou seja, que faz uso de sua capacidade cognitiva e motivacional
para tomar decises racionais em termos de sua situao e de seus objetivos, e dos
quais, salvo prova conclusiva em contrrio, considerado o melhor juiz63. Essa
capacidade faz do sujeito um agente moral, no sentido de que normalmente ele se ver
(e ser visto pelos outros) como responsvel por suas escolhas e, ao menos, pelas
conseqncias diretas que delas decorrem. Sem dvida, as obras que abordam esse tema
pelos mais diversos ngulos introduzem vrias ressalvas ao que acabo de afirmar.
Apesar de importantes, essas restries no nos impedem de seguir adiante levantando
uma outra questo que tem sido negligenciada pela teoria democrtica.
Essa concepo de agency passou a ser o ncleo dos sistemas jurdicos dos pases
originrios bem antes da democracia. O reconhecimento institucionalizado (isto ,
legalmente determinado e respaldado, em geral aceito como evidente) de um agente
portador de direitos subjetivos foi o resultado de um longo e complicado processo, cujos
precursores so alguns sofistas, Ccero e os esticos (ver, esp., Villey, 1968).
Posteriormente, deram contribuies decisivas o minucioso trabalho jurdico da Igreja
Catlica e das universidades medievais, o nominalismo de William of Ockam (ver, esp.,
Berman, 1993; Villey, 1968), e, no fim do perodo, a influente elaborao, primeiro, dos
escolsticos espanhis do sculo XVI, e depois de Grotius (1583-1645), Pufendorf
(1632-1694) e outros tericos do direito natural (ver Van Caenegem, 1992; Gordley,
1991; Berman, 1993). Nessa poca, o que veio a ser chamado de "teoria consensual do
contrato" e a viso de agency que dela decorria alcanaram madura expresso. Como
disse James Gordley (1991:7):
"Os ltimos escolsticos e os juristas do direito natural haviam admitido o princpio fundamental de que
os contratos so realizados pela vontade ou consentimento das partes [...] [em contraste com as
concepes de Aristteles e Santo Toms de Aquino] entenderam que um contrato era simplesmente o
resultado de um ato de vontade, no o exerccio de uma virtude moral. As partes somente estavam
obrigadas ao que haviam concordado voluntariamente, no a deveres originados da essncia ou natureza
do contrato." (ver, tambm, Lieberman, 1998)65
Nessa poca, Hobbes props uma tese extremamente elaborada sobre a agency, baseada
em direitos subjetivos, e a transps para a esfera da poltica. Essa mesma concepo
impregnou a viso de mundo do Iluminismo66, e, aps Hobbes, foi continuada por
Locke, Rousseau, Stuart Mill, Kant e outros, apesar das divergncias desses autores em
outras questes. Alm disso e este argumento importantssimo para minha anlise
, a concepo de agency foi incorporada ao ncleo da teoria do direito por juristas
como Jean Domat (1625-1695) e Robert Pothier (1699-1772), cujas obras tiveram
profunda influncia sobre Blackstone, Bentham e outros tericos ligados tradio do
direito consuetudinrio, assim como nos cdigos franceses e alemes da primeira
metade do sculo XIX67.
claro que tudo isso constitui um captulo da histria do liberalismo. Muitos autores j
assinalaram que, como doutrina poltica, o liberalismo condensou as cruis lies
deixadas pelas guerras religiosas dos sculos XVI e XVII. Mas preciso acrescentar
que boa parte do trabalho de construo do indivduo que Hobbes, Locke, Kant e outros
fizeram j havia sido realizada pelas teorias filosficas e, especialmente, jurdicas que
citei. O agente portador de direitos subjetivos j estava esboado nessas teorias, quase
pronto para ser transposto esfera da poltica por esses grandes autores liberais.
Por outro lado, muitos autores chamaram a ateno para o fato de que a construo legal
de um agente portador de direitos subjetivos, ao omitir as condies reais de exerccio
desses direitos e excluir outros, avalizou e contribuiu para reproduzir relaes
extremamente desiguais entre capitalistas e trabalhadores78. Mas essa construo inclua
corolrios potencialmente explosivos. Primeiro, se a ego se atribui a condio legal de
agente em determinadas esferas da vida que, para ele e para o conjunto da sociedade,
so de suma importncia, levanta-se naturalmente a seguinte pergunta: por que se
deveria negar essa atribuio a outras esferas e, de todo modo, quem deveria ter
autoridade para tomar tal deciso? O segundo corolrio no menos explosivo, ainda
que hoje esteja muito menos resolvido do que o anterior: se a agency implica escolhas,
que opes reais poderiam ser consideradas como razoavelmente consistentes com a
condio de agente de ego?
O resultado desses processos foi que, quando em algum momento do sculo XIX a
maior parte dos pases do Noroeste adotou a democracia no includente, a maioria da
sua populao masculina (e, embora em menor extenso, tambm a feminina) j contava
com uma srie de direitos subjetivos que regulavam numerosos aspectos de sua vida82.
No se tratava ainda dos direitos polticos da aposta democrtica; eram direitos civis
relativos a atividades econmicas e sociais privadas. T. H. Marshall (1964) resumiu-os
no conceito de "cidadania civil"83 e, mais recentemente, Habermas (1996) os denominou
de "direitos burgueses"84. Em um trabalho anterior (ODonnell, 1999c), discuti esse
tema e formulei algumas restries s tipologias desenvolvimentistas que esses autores
propem. O que desejo ressaltar aqui que quando, nos pases originrios, se comeou
a discutir a questo da plena incluso poltica, j existia um rico repertrio de critrios
legalmente sancionados e elaborados sobre a atribuio de agency a um grande nmero
de indivduos. verdade que a restrio da abrangncia desses direitos esfera privada
parece muito limitada para os nossos padres contemporneos. Mas tambm certo
que, graas a esse processo de expanso da atribuio de direitos subjetivos, preparou-se
o terreno para estender cidadania poltica os conceitos, as leis, a jurisprudncia e as
ideologias originadas da cidadania civil85.
Nessa poca, s artificialmente se poderia separar o liberalismo, como uma doutrina
poltica, da histria jurdica que acabo de resumir. Muitos direitos que, desde o incio, o
liberalismo buscava proteger so os mesmos que j tinham sido aperfeioados e
extensamente aplicados pela lei. claro que com o tempo o liberalismo os ampliou, mas
sempre o fez definindo-os como direitos subjetivos, seguindo suas prprias premissas.
Foi na qualidade de defensores dessa espcie de direitos que os liberais conseguiram
aprovar Constituies e as Constituies, independentemente do que possam conter a
mais, protegem direitos subjetivos86. Foram essas as Constituies que
institucionalizaram pela primeira vez a aposta democrtica, embora se baseassem no
sufrgio restrito.
Quando, por fim, a aposta includente foi aceita nos pases originrios, muitas pessoas
(mas, certamente, nem todas) puderam perceber que essa deciso no era um salto no
vazio. Os governos da poca j estavam limitados por direitos subjetivos elaborados e
amplamente difundidos, alguns consagrados como normas constitucionais87. Tratava-se,
ademais, de sistemas representativos cujo funcionamento atenuava o temor causado
pelas experincias de democracia direta ou de governo de massas, desde Atenas at a
Revoluo Francesa. J tinham sido tambm adotadas, ou estavam prestes a s-lo,
outras medidas liberais de salvaguarda, de fundas razes no passado (embora com
histrias diferentes das que narrei aqui), principalmente a determinao de prazos aos
mandatos dos funcionrios eleitos e a diviso de poderes no interior do regime88.
Vimos em sees anteriores que a cidadania poltica uma condio definida por lei,
outorgada por um Estado nos limites do seu territrio, como parte e conseqncia da
aposta democrtica, a indivduos concebidos como portadores de direitos pertinentes a
um regime que se baseia em eleies competitivas e institucionalizadas, e em algumas
liberdades simultneas. Essa condio uma mistura de atributos. adscritiva91,
porque, excetuando os casos de naturalizao, atribuda a uma pessoa pelo simples
fato de ter nascido em determinado territrio (ius solis) ou ter um parentesco
consangneo (ius sanguinis). universalista, porque dentro da jurisdio delimitada
por um Estado, designa nos mesmos termos todos os adultos que satisfazem o critrio
de nacionalidade. tambm uma condio formal, porque resulta de normas legais que,
em seu contedo, promulgao e aplicao, devem satisfazer critrios por sua vez
estipulados por outras normas legais. Por ltimo, a cidadania poltica pblica. Com
isto quero dizer, em primeiro lugar, que o resultado de leis que devem cumprir
exigncias cuidadosamente especificadas quanto sua publicidade e, em segundo lugar,
que os direitos e obrigaes conferidos a cada ego pressupem (e demandam
legalmente) um sistema de reconhecimento mtuo entre todos os indivduos,
independentemente de sua posio social, na qualidade de portadores desses direitos e
obrigaes.
Neste ponto de minha argumentao devo lembrar que uma outra questo levantada pela
presuno da agency tem relao com as opes disponveis a cada indivduo, tanto em
termos da sua capacidade de escolha, quanto da gama real de escolhas de que dispe93.
Nos pases originrios, a resposta a essa questo se ramificou em duas direes. De um
lado, centrou-se nos direitos privados, em especial, mas no exclusivamente, na rea dos
contratos, definidos em sentido amplo. Criou-se uma srie de critrios jurdicos e
jurisprudenciais para anular, reparar ou impedir situaes em que exista uma relao
"manifestamente desproporcional"94 entre as partes, e/ou nas quais razovel supor que
uma das partes no consentiu livremente no contrato, devido incapacidade mental,
fraude ou coao etc.95. Essas medidas tutelares se fundamentam em um critrio bsico
de eqidade, que, por sua vez, um corolrio da idia de agency: presume que os
agentes se relacionam como tais, isto , que no so vtimas de desigualdades ou de
alguma forma de incapacidade que possam anular sua autonomia e/ou acesso a uma
gama razovel de opes. O requisito de um mnimo de eqidade foi introduzido nos
sistemas jurdicos dos pases originrios por meio dessas construes legais. Em
conseqncia disso, ao selo jurdico anterior anterior do ponto de vista histrico e
analtico das concepes universalistas de agency, acrescentaram-se vrias
consideraes de natureza jurdica e jurisprudencial de eqidade. De um lado, esses
acrscimos contradiziam as construes anteriores de agency, j que introduziam
critrios no universalistas atribuio e adjudicao de direitos em vrias situaes; de
outro, eram coerentes com as construes jurdicas anteriores, porque refletiam o
reconhecimento de que a agency no deve ser apenas presumida, mas tambm
examinada em sua efetividade. Essa ambivalncia contradio com as premissas
universalistas e coerncia com a concepo subjacente de agency contribuiu muito
para a enorme complexidade dos sistemas jurdicos tanto dos pases originrios quanto
dos que nestes se inspiraram.
Vemos assim que nos pases originrios houve um longo e complexo processo, que,
atravs de normas legais, impregnou a sociedade, a economia e o Estado de uma
concepo universalista de agency; esta, posteriormente, foi em parte transformada por
valores de eqidade fundados nessa mesma concepo. Adiante tratarei de algumas
implicaes desse processo; por ora, desejo salientar que, pelo menos em termos
lgicos, a relao entre agency e opes na esfera poltica mantm estreita conexo com
a mesma questo, quando formulada no mbito do direito privado e da legislao social.
Em outras palavras, formular essa questo na esfera poltica importa em ir alm da
atribuio universalista de direitos polticos que examinamos nas sees anteriores.
Requer que se indague sobre as condies que permitem ou no o exerccio efetivo da
cidadania poltica.
Vimos que, do ponto de vista dos direitos civis e sociais, essa questo no pode ser
ignorada nem pelo direito privado nem pela legislao social; no tenho clareza sobre as
razes pelas quais pode ser ignorada em relao aos direitos polticos. J que existe uma
estreita conexo, como acabei de mostrar, entre direitos civis e direitos polticos (e, mais
recentemente, tambm com os direitos sociais), no me parece coerente omitir o
problema da efetividade da cidadania poltica quando se aplica a indivduos privados de
muitos direitos sociais e civis e, portanto, incapazes de fazer opes minimamente
razoveis. certo que em um regime democrtico os indivduos contam com os direitos
polticos universalistas que analisamos. Tambm certo que a outorga desses direitos
representa em si mesma um grande avano em relao ao regime autoritrio. Entretanto,
olhar apenas para esse lado da questo, importa em suprimir da teoria democrtica o
mesmssimo tema da agency e suas opes que o direito privado e a legislao social
no puderam ignorar. Esta me parece ser uma limitao indevida e profundamente
esterilizante. Em vez disso, a teoria democrtica deve aceitar alguns fatos bsicos:
primeiro, desde Atenas, embora limitada a uns poucos indivduos, at os tempos atuais,
quando abrange muitos, a premissa da democracia poltica a agency; segundo, essa
idia j estava incorporada, muito antes dos regimes democrticos contemporneos,
tanto nos mltiplos aspectos do sistema legal quanto no valor concomitante da eqidade
devida aos agentes; terceiro, os direitos civis e os direitos polticos so homlogos;
quarto, as origens histricas, jurdicas e conceituais dos direitos polticos encontram-se
nos direitos civis. Esses fatos explicam o pertinaz ressurgimento, na teoria e na prtica,
da questo das condies de existncia da cidadania poltica, como preocupao ao
mesmo tempo terica e moral.
VIII. Nos pases originrios, a cidadania poltica teve razes diretas, inclusive conceitos, prticas e
instituies bem desenvolvidas e amplamente difundidas, no longo processo anterior de construo da
idia de agente, concebido como um sujeito jurdico dotado de direitos civis subjetivos. A concepo de
agency o aspecto legalmente promulgado de uma viso moral do indivduo como ser autnomo,
racional e responsvel.
IX. As regras que estabelecem a cidadania poltica so parte essencial de um sistema legal cuja premissa
a concepo de agency de um sujeito jurdico. Essa idia, por sua vez, sustenta e justifica logicamente a
aposta democrtica.
XI. Nesses sistemas legais, e por meio deles, que, contradizendo em parte sua orientao universalista, a
questo das opes de cada agente foi reconhecida (isto , sua real capacidade de escolher e sua gama de
opes). Em conseqncia disso, o direito civil e a legislao social adotaram polticas parcialmente
igualizadoras. Inspiradas na concepo da eqidade devida a uma adequada considerao da agency de
cada indivduo, essas polticas deram impulso democratizao, embora sem deixar de incorporar certos
trade-offs.
LIBERDADES "POLTICAS"?
No conclumos ainda a anlise das liberdades polticas. Vimos que algumas delas
mais adequadamente definidas como direitos dizem respeito realizao de eleies
competitivas: o direito de votar e de ser votado assim como, de modo geral, o de
participar em aes conducentes concretizao de eleies limpas. Trata-se de direitos
positivos, protegidos pelas liberdades simultneas que j analisei e s quais devo agora
retornar.
Voltando s liberdades propostas por Dahl, verificamos que existem diferenas entre
elas. De um lado, a existncia de informaes livres e pluralistas uma caracterstica do
contexto social e independe das decises de indivduos isolados. Em troca, as duas
outras liberdades, de expresso e associao, constituem direitos subjetivos. Fazem
parte da potestas de ego, seu direito a no ser molestado quando realiza ou no aes de
auto-expresso ou de associao.
Estamos mais uma vez diante de um problema de limites: no possvel decidir que
atos de expresso ou de associao so "polticos" e quais no so. A razo disso que,
conforme j foi assinalado, os direitos de expresso e de associao, assim como outros
tambm relevantes para a democracia, fazem parte das liberdades civis que analisei.
Evidentemente, os espaos sociais em que os direitos de expresso e associao so
relevantes e esto protegidos por lei so muito mais amplos do que a esfera do regime
poltico. Nesse sentido, as definies realistas de democracia, assim como muitas
outras, realizam, aparentemente sem sab-lo, uma dupla operao. Primeiro, "adotam"
algumas dessas liberdades, no sentido de que as consideram como diretamente referidas
a um regime democrtico103. Segundo, essas definies "promovem" as mesmas
liberdades categoria de condies necessrias ao regime. No entanto, devido ao
problema dos limites internos que j examinei, essa adoo e promoo
inevitavelmente arbitrria: difcil imaginar, por exemplo, que as liberdades de
expresso e de associao vigorem no campo da poltica e sejam grosseiramente
negadas em outras esferas da vida social. As liberdades polticas diluem-se em um
conjunto maior de liberdades civis porque grande parte de sua prtica efetiva, de suas
origens histricas e de sua formulao jurdica primordial corresponde s liberdades
civis. As liberdades de expresso e de associao so tipicamente civis; tornaram-se
direitos sancionados por lei bem antes de serem reconhecidas como direitos "polticos"
relevantes para um regime democrtico. Dessa maneira, no h nenhuma linha divisria
firme e clara entre os aspectos civil e poltico dessas liberdades. Elas tm em comum a
mesma concepo de agency e de direitos subjetivos acrescida do detalhe, fao questo
de insistir, de que os direitos polticos so uma extenso, jurdica e histrica, dos
direitos civis. Assim, partindo de um ngulo distinto, deparamo-nos outra vez com os
problemas de limites comentados na primeira "Digresso Comparativa"104.
H uma outra concluso que desejo expor agora. Ela deriva do fato de que todos esses
direitos civis, polticos e sociais so promulgados e respaldados por um sistema
legal que faz parte ou um aspecto do Estado. Normalmente, o Estado estende sua
autoridade, que na maioria das vezes se expressa na gramtica das leis, por todo o
territrio que abarca. Se afirmamos na proposio VII que para haver um regime
democrtico preciso existir uma delimitao territorial e, no mnimo, direitos
legalmente estabelecidos que protejam algumas liberdades "polticas", isto quer dizer
que deslocamos o foco da anlise do regime para o Estado. Em outras palavras105,
sustento que o Estado no deve ser entendido como um conjunto de burocracias; ele
tambm inclui uma dimenso legal, o sistema jurdico que o Estado promulga e
normalmente sustenta devido sua supremacia sobre a coero no territrio que
delimita106. esse sistema legal que configura e constitui como sujeitos jurdicos os
indivduos que habitam em um territrio. Portanto, na medida em que o sistema legal
sustenta a aposta democrtica, bem como um regime baseado em eleies competitivas
e algumas liberdades simultneas, esse sistema jurdico e o Estado do qual faz parte so
democrticos. A "democraticidade" , portanto, um atributo do Estado, no s do
regime. Esse Estado um Rechtsstaat democrtico, um Estado democrtico de direito,
porque promulga e sustenta as normas legais que correspondem existncia e
persistncia de um regime democrtico107.
Fiz referncias acima diferena entre o direito de acesso informao livre e pluralista
e os demais direitos, como os de expresso e associao. Por ser de uso corrente, utilizo
com relutncia a distino entre direitos positivos e negativos que tem sido criticada de
maneira convincente por vrios autores (ver Holmes e Sunstein, 1999; Raz, 1986; Shue,
1996; Skinner, 1984; Taylor, 1993). Mas a mantenho porque ela tem utilidade heurstica,
principalmente a de nos advertir que, ao contrrio do que se costuma pensar, nem todas
as liberdades polticas so negativas. H pelo menos um direito positivo nelas implcito:
o de acesso rpido e equnime aos tribunais de justia. Trata-se de um direito positivo
porque contm a expectativa de que certos agentes do Estado tomaro providncias,
quando legalmente apropriado, para tornar concretas as referidas liberdades (ver Fbre,
1998). A negao de tal direito implicaria que essas liberdades seriam puramente
nominais. Com essa afirmao voltamos a nos deparar com o Estado como sistema legal
que sanciona e respalda liberdades que, apesar de indecidveis, so geralmente aceitas
como componentes bsicos da democracia. Assim, alm das normas legais j discutidas,
identificamos certas instituies do Estado, principalmente os tribunais de justia, como
elementos necessrios ao funcionamento de um regime democrtico. Isso me permite
completar o quadro de um sistema legal: no se trata apenas de um agregado de normas,
mas de um sistema caracterizado pelo fato fundamental de que nem no Estado, nem no
regime (nem na sociedade) existe um poder legibus solutus, isto , que se possa declarar
acima do sistema jurdico ou isento das obrigaes que ele estabelece. Em um sistema
legal democrtico ou seja, em um Rechtsstaat democrtico ou um Estado
democrtico de direito todos os Poderes esto sujeitos autoridade legal dos outros
Poderes108. Um sistema legal desse tipo "encerra", [no sentido de fechar N. T.], quer
dizer, ningum pode estar acima ou alm de suas normas109.
Chegamos agora a uma outra concluso. Na seo anterior, assinalei que a democracia
poltica inclui duas caractersticas especficas no encontradas em nenhum outro
regime: eleies competitivas e institucionalizadas e uma aposta includente e
universalista. Acabamos de ver que ainda preciso acrescentar duas outras
caractersticas: a primeira que, como conseqncia lgica da definio de regime
democrtico, h um sistema legal que decreta e respalda os direitos e liberdades
associados a esse regime; a segunda o "fechamento" do sistema legal que faz com que
nenhuma pessoa, papel ou instituio possa julgar-se de legibus solutus110. A diferena
est em que as duas primeiras caractersticas dizem respeito ao regime, enquanto as
duas ltimas correspondem ao sistema legal do Estado. E assim, mais uma vez,
constatamos que focalizar a ateno exclusivamente no regime insuficiente para uma
adequada caracterizao da democracia. Essas concluses podem ser resumidas na
seguinte proposio:
XII. A democracia tem quatro caractersticas especficas que a diferenciam de todos os demais tipos de
regime poltico: (1) eleies competitivas e institucionalizadas; (2) uma aposta includente e universalista;
(3) um sistema legal que promulga e respalda, no mnimo, os direitos e liberdades includos na definio
de um regime democrtico; e (4) um sistema legal que exclui a possibilidade de que uma pessoa, papel ou
instituio sejam de legibus solutus. As duas primeiras caractersticas dizem respeito ao regime e as duas
ltimas ao Estado e ao seu sistema legal.
Como demonstra a enorme ateno que lhe dedicam a teoria e a prtica jurdicas, a
liberdade de informao e seus cognatos, liberdade de opinio e de expresso, abrangem
praticamente todos os espaos sociais, estendendo-se muito alm do regime113. Para ser
razoavelmente efetiva, essa liberdade pressupe duas coisas: de um lado, um contexto
social geral pluralista e tolerante; de outro, um sistema legal que lhe d sustentao. Se
aceitarmos a idia de que a liberdade de informao uma das liberdades necessrias e
simultneas a um regime democrtico, estaremos novamente no s ultrapassando o
regime e entrando no terreno do Estado e de seu sistema jurdico como tambm tratando
de alguns aspectos do contexto social geral.
XIII. Nas definies realistas de democracia, as liberdades que acompanham as eleies limpas so
consideradas "polticas" em virtude de uma operao de adoo e promoo de liberdades que
originariamente foram direitos civis clssicos. Embora essa operao seja til para caracterizar um regime
democrtico, ela acrescenta um complicador ao problema dos limites das liberdades e sua conseqente
indecidibilidade114.
XIV. As liberdades enumeradas por Dahl e com mais ou menos detalhes por outros autores so de
natureza distinta. Algumas so direitos positivos de participao em eleies competitivas. Outras, como
as de expresso e associao, geralmente so vistas como negativas, embora sua efetividade envolva pelo
menos um direito positivo: o de acesso rpido e equnime aos tribunais de justia. Por ltimo, a liberdade
de informao e, por implicao desta, um contexto social pluralista e tolerante, no nem negativa nem
positiva, mas um bem pblico que caracteriza o contexto social geral e em si mesma respaldada por um
sistema (democrtico) legal.
Essa uma diferena fundamental em relao aos pases originrios, onde, na maioria
dos casos, os direitos de cidadania civil foram adotados de maneira extensiva e
detalhada antes que se aceitasse a aposta democrtica, e onde, mais tarde, outros direitos
civis e sociais foram definidos. Essa diferena tem estreita relao com uma outra.
Afirmei que nos pases originrios o processo de formao do Estado e o surgimento do
capitalismo tinham se completado com sucesso em geral, e com excees cuja
importncia empalidece quando comparadas com a histria de muitas das novas
democracias antes que a aposta democrtica fosse adotada. Nesses pases, o xito da
formao do Estado e da expanso do capitalismo fez prevalecer em todo o territrio do
Estado um sistema jurdico baseado no conceito de agency individual. Em muitas
democracias do Leste e do Sul (quanto mais nos pases que no podem ser considerados
democracias), em contrapartida, muitos desses processos homogeneizadores no se
verificaram. A geografia desses pases muito mais marcada por regies, algumas bem
vastas, em que o sistema legal sancionado pelo Estado quase no tem uma efetiva
presena. E isso no acontece apenas nas reas rurais; tambm nas periferias de muitas
cidades e, no caso de certos setores discriminados, em todas as regies, a legalidade
estatal tambm pouco efetiva116. Parte do problema est em que essas "zonas pardas"
tm crescido, em vez de diminuir, nos ltimos vinte anos, muitas vezes j sob regimes
democrticos. Outra maneira de pensar esse problema considerar a maneira muito
desigual como o capitalismo se expandiu nesses pases. Ali prevalece uma mescla
bastante complexa de relaes entre capital-trabalho, principalmente, enormes e
crescentes mercados informais, que so no s focos de profunda misria como tambm
de relaes protocapitalistas, e at servis117.
Deve-se tambm levar em conta que muitas dessas pessoas vivem em condies de
tamanha pobreza que toda sua preocupao converge para a mera sobrevivncia; elas
no tm oportunidades, nem recursos materiais, nem educao, tempo ou mesmo
energia para muito mais do que isso. Essas carncias manifestam uma pobreza material,
ao passo que as anteriores se referem a uma pobreza legal. Pobrezas material e legal
fazem parte da situao real de grandes parcelas (em alguns pases da maioria) da
populao de novas e velhas democracias, no Leste e no Sul.
Uma pergunta importante que se deve fazer se esses fatos so relevantes para uma
teoria da democracia, ao menos para aquela que pretende incluir casos em que
predominam as condies que acabo de descrever. Alguns observadores, especialmente
nos pases atingidos por esses problemas, afirmam que isso deixa claro que a
"democracia" no passa de um disfarce para enormes desigualdades e esta uma das
origens da proliferao dos adjetivos e qualificativos compilados por Collier e Levitsky
(1997). Para aqueles que, como eu, acreditam que a despeito de suas limitaes o
regime democrtico uma conquista valiosa, essas opinies so inquietantes. Mais
preocupante ainda ver que em muitos pases governos democraticamente eleitos tm
sido incapazes de melhorar uma situao moralmente to repugnante e chegam mesmo,
s vezes, a pior-la. Por outro lado, alguns observadores respondem com um
peremptrio "no" pergunta sobre a relevncia dessa situao: chegam a lament-la,
mas pensam que uma teoria da democracia tem a ver com um regime, e um regime
consiste de comportamentos e instituies cuja anlise, a no ser que se admita uma
grave perda de parcimnia, deve isolar cuidadosamente variveis legais, sociais e
econmicas. Em todo caso, melhor deixar que essas condies sejam tratadas pelas
profisses especficas, e pelos idelogos e moralistas de toda sorte.
O nexo estreito que estabeleci entre direitos polticos, civis e sociais, assim como seu
fundamento comum nos conceitos de agency e de tratamento equitativo que esta
demanda, mostram que a posio desses autores insustentvel. Penso que a teoria
democrtica deve enfrentar de maneira decidida duas questes: uma a simples e
trgica situao das centenas de milhes de pessoas cujo desenvolvimento fsico e
emocional "atrofiado" (esta a expresso sinttica usada pela literatura pertinente)
pela desnutrio e pelas doenas tpicas da extrema pobreza118. Outra questo viver
sob o constante temor da violncia, tema sobre o qual Shklar (1989) escreveu com tanta
eloqncia e que atormenta a vida de muitas pessoas nesses pases, principalmente os
que moram nas "zonas pardas" e/ou pertencem a grupos discriminados. Salvo no caso
de indivduos realmente excepcionais, ambos os problemas, o da misria e o do
constante temor da violncia, impedem a existncia ou o exerccio de aspectos bsicos
da agency, inclusive a disponibilidade de opes mnimas compatveis com ela; essa
"vida de escolhas foradas" intrinsecamente contrria agency (Raz, 1986:123).
Essas questes so ignoradas pela maioria das teorias da democracia119. Mas, na medida
em que a democracia implica a agency e esta no tem sentido algum sem um grau
mnimo de opes no foradas, no vejo como se possa ignorar esses problemas.
Vimos que no h fundamentos lgicos, legais ou histricos para separar a agency
poltica da agency civil e social. O fato de que, de modo geral, a misria extrema e
generalizada e o constante temor no so problemas srios nos pases originrios, no
uma boa razo para ignor-los nas novas democracias. Uma questo fundamental a ser
examinada nessas novas democracias talvez a mais importante do ponto de vista que
adotei at que ponto e em que condies os pobres e os discriminados podem
recorrer s liberdades polticas de um regime democrtico como plataforma de proteo
e fonte de poder nas lutas pela ampliao dos direitos civis e sociais120.
XV. Aceitando o uso corrente, a existncia de um regime democrtico basta para (por metonmia)
qualificar um pas como "democrtico", ainda que nele existam srias deficincias quanto efetividade
dos direitos civis e sociais.
XVI. A existncia desse regime requer um Estado que delimita territorialmente quem so seus cidados
polticos, isto , os portadores dos direitos e obrigaes institudos pelo regime. Exige tambm a
existncia de um sistema legal que, a despeito de suas deficincias em outros aspectos, garanta a vigncia
universalista e includente dos direitos positivos de votar e ser votado, assim como de algumas liberdades
"polticas" bsicas includas na definio de um regime democrtico.
XVII. Contudo, a natureza em ltima instncia indecidvel desses direitos e liberdades significa que,
mesmo no mbito do regime, salvo casos claramente localizados nos plos de plena vigncia e de
negao desses direitos e liberdades, surgiro disputas quanto ao carter democrtico ou no democrtico
do regime.
XVIII. Ainda no mbito do regime, um alto grau de vigncia desses direitos e liberdades, junto com
medidas que aumentam a participao dos cidados e a transparncia e responsabilidade pblica dos
governos, justificam avaliaes sobre os vrios graus ou tipos de democratizao poltica dos pases que
incluem esses regimes, em diferentes pocas e casos.
XIX. Mais alm do regime, vrias caractersticas do Estado (especialmente seu sistema legal) e do
contexto social geral, justificam avaliaes sobre os vrios graus de democratizao civil e social de cada
pas, em diferentes pocas e casos.
XX. A concepo do ser humano como agente liga indissoluvelmente as esferas precedentes e vincula
logicamente sua pertinncia teoria democrtica, sobretudo na medida em que essa concepo tecida
pelo sistema legal nos mltiplos espaos sociais, inclusive no regime.
CODA
Examinei neste artigo vrias dimenses contidas ou conseqentes s definies de
democracia poltica (ou poliarquia, ou regime democrtico), especialmente as de ndole
realista, com as quais em geral concordo, mas achei necessrio precis-las. Ao propor
uma definio realista e restritiva de regime democrtico, examinei as implicaes
lgicas e algumas conseqncias empricas de seus atributos e componentes, e assinalei
alguns aspectos que extravasam, com limites indecidveis, para questes mais amplas.
Analisei esses aspectos, primeiro, em relao ao regime e depois, embora de modo
sumrio, a certas questes morais; posteriormente, relacionei-os ao Estado (com ateno
especial ao sistema jurdico que o integra) e, por fim, a algumas caractersticas do
contexto social geral. Durante essas exploraes, descobrimos um aspecto comum a
tudo isso: a agency.
Entretanto, talvez possa sintetizar boa parte de minha argumentao lembrando que o
ponto a que chegamos uma definio realista e restritiva de regime democrtico
se aplica por metonmia a pases inteiros. Isso nos sugere a importncia do regime e de
sua definio, e tambm nos indica que vrios importantes caminhos ainda esto por
trilhar.
NOTAS:
*
Verses anteriores deste artigo foram apresentadas em seminrios realizados na
University of North Carolina, na Cornell University, no Wissenschaftszentrum de
Berlim, na reunio de agosto de 1999 da American Political Science Association
APSA, em Atlanta, e no Helen Kellogg Institute, da University of Notre Dame, ocasies
em que recebi valiosos comentrios. Agradeo tambm as crticas e os comentrios de
Michael Brie, Jorgen Elklit, Robert Fishman, Ernesto Garzn Valds, Jonathan Hartlyn,
Osvaldo Iazzetta, Gabriela Ippolito-ODonnell, Ivn Jaksic, Oscar Landi, Hans-Joachim
Lauth, Steven Levitsky, Juan Linz, Scott Mainwaring, Juan M. Abal Medina, Martha
Merritt, Peter Moody, Gerardo Munck, Luis Psara, Adam Przeworski, Hctor Schamis,
Sidney Tarrow, Charles Tilly, Ashutosh Varshney e Ruth Zimmerling.
*1
Ver na oitava e dcima sees, e principalmente na nota 62, o significado de agency e,
por conseguinte, o uso particular do termo "agente" que o autor adota neste artigo. No
encontrei em portugus uma palavra ou expresso que desse conta simultaneamente da
presuno de autonomia, responsabilidade e razoabilidade atribuda aos cidados pelo
sistema legal no regime democrtico, que sintetizada pelo autor na palavra agency. [N.
T.]
2. Neste texto, publicado pela primeira vez no Brasil em 1988, incluo muitas opinies
sobre a "consolidao democrtica" que depois conclu estarem equivocadas.
3. O projeto foi coordenado por mim e por Abraham Lowenthal. Seu principal produto
foram artigos publicados em 1994 (Castaeda, Conaghan, Dahl, Karl e Mainwaring) em
uma srie especial do Kellogg Institute, onde podem ser solicitados.
4. Esse projeto foi coordenado por mim e por Vctor Tokman, e seus resultados foram
publicados em Tokman e ODonnell (1998).
5. Esse projeto foi coordenado pelos co-autores do livro. Entre outros estudos
patrocinados pelo Kellogg Institute nos quais tive menor participao, mas de que muito
me beneficiei, esto: um que analisou a situao depois da democratizao do Estado de
Bem-Estar e das polticas sociais na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai e outro que
examinou a situao atual da infncia, especialmente da infncia pobre, na Amrica
Latina. Esses projetos tambm devero ser publicados em livro proximamente. Ver,
respectivamente, Ippolito-ODonnell (no prelo) e Bartell e ODonnell (no prelo).
7. Ver ODonnell (1993; 1994b; 1996a; 1996b); os trs primeiros esto reunidos em
ODonnell (1999a).
8. Sartori (1995) tambm criticou esse modo de proceder; no entanto, nossas opinies
sobre como enfocar os problemas so muito diferentes.
10. Para uma proveitosa discusso desses procedimentos, ver novamente Collier e
Levitsky (1997).
11. Hart discute definies do direito, mas o que ele diz pode muito bem ser aplicado ao
conceito de democracia.
12. Adoto a expresso "pases originrios" como uma forma sinttica de me referir aos
primeiros pases que se democratizaram no quadrante Noroeste do mundo, mais a
Austrlia e a Nova Zelndia.
14. Uma exceo Nun (1987), o qual, depois de chamar a ateno para essa omisso
por parte da literatura (que Held, 1987, tambm notou), critica Schumpeter por alegar
sem nenhuma consistncia, conforme veremos a seguir que sua definio
minimalista.
16. Com este termo, alguns autores se referem a definies que pretendem focalizar
exclusivamente o "processo" de eleies. Como esse significado equivale ao de
"minimalismo", daqui por diante adotarei apenas o ltimo termo ao mencionar esse tipo
de definio.
18. Com o segundo atributo, esses autores introduzem um novo elemento, que faz
referncia ao Estado e no mais apenas ao regime. Mas no precisamos nos deter nisso,
neste momento.
20. Ver, por exemplo, a definio de Barber (1984:151): "Uma democracia forte, do tipo
participativo, resolve conflitos, na ausncia de um terreno independente, mediante um
processo participativo de contnua e direta legislao e de criao de uma comunidade
poltica que seja capaz de transformar indivduos privados e dependentes em cidados
livres, e interesses privados e parciais em bens pblicos". Ver, tambm, a definio de
Beetham (1993:61): "A essncia da definio de democracia est no controle popular do
processo decisrio coletivo por cidados iguais". Ou, ainda, a de Shapiro (1996:224):
"Os democratas esto comprometidos [com o princpio] do governo pelo povo [...]. O
povo soberano; em todas as questes da vida coletiva, [o povo] governa a si mesmo."
21. Essa definio, como outras de natureza prescritiva, omite a referncia pelo menos
explcita s eleies. O mesmo vale para algumas definies no prescritivas baseadas
na teoria da escolha racional, como a de Weingast (1997), centrada nas limitaes
impostas aos governantes e nas garantias dos governados. Considerando-se que, seja
qual for a avaliao normativa das eleies que cada um dos autores faz, elas so parte
integrante das democracias reais, a omisso prejudica seriamente a utilidade de tais
definies.
22. Ver Habermas (1996:296): "o elemento central do processo democrtico so os
procedimentos da poltica deliberativa." Na pgina 107, Habermas acrescenta: "As
nicas normas de ao vlidas [entre as quais esto as que estabelecem um
procedimento legtimo para a elaborao das leis p. 110] so aquelas com as quais
todas as pessoas por elas afetadas poderiam concordar como partcipes de discursos
racionais" (nfases minhas). Niklas Luhmann (1998:164) contrape-se a esta e a outras
definies similares com argumentos que considero decisivos: "Cada conceito dessa
definio explicado minuciosamente, exceto a palavra poderiam, com a qual
Habermas disfara o problema. Trata-se de um conceito modal que, alm do mais, est
formulado no subjuntivo. Desde Kant, sabe-se que em casos desse tipo a afirmao deve
ser especificada, determinando-se suas condies de possibilidade. Mas nada disso
feito [...]. Quem determina, e como, o que poderia gerar um acordo racional?" (nfases
no original). Recentemente, John Rawls props uma definio da lei legtima, e por
conseqncia, da democracia, que tambm prejudicada pela proposio de condies
hipotticas ideais, sem que fiquem determinadas as condies de possibilidade ou as
implicaes da ausncia dessas condies. "Assim, quando se trata de uma questo
constitucional essencial ou de um assunto de justia bsica, todas as autoridades
governamentais pertinentes agem de acordo com a razo pblica, e quando todos os
cidados sensatos pensam em si mesmos, idealmente, como legisladores se atm razo
pblica, o ato legal que expressa a opinio da maioria uma lei legtima." (Rawls,
1997:770) Para comentrios prudentes sobre vrias teorias "deliberativas" da
democracia, ver Maiz (1996), Johnson (1998) e Fearon (1998). Para evitar mal-
entendidos, gostaria de acrescentar desde logo que, a meu ver, a deliberao, o dilogo e
o debate tm um importante lugar na poltica democrtica e que, em princpio, quanto
mais deles houver, melhor ser a democracia. Mas isso no quer dizer que uma esfera
pblica hipottica e idealizada deva se tornar um componente da definio ou um
requisito para a democracia.
23. Entre as vrias definies um tanto diferentes que Dahl formulou, escolhi a que se
encontra em Dahl (1989:120). A poliarquia consiste das seguintes caractersticas: "(1)
funcionrios eleitos. O controle sobre as decises governamentais de polticas pblicas
constitucionalmente exercido por funcionrios eleitos; (2) eleies livres e limpas; (3)
os funcionrios eleitos so escolhidos [e removidos de seus cargos por procedimentos
pacficos p. 233] mediante eleies freqentes e isentas, nas quais a coero
comparativamente rara; (4) praticamente todos os adultos tm o direito de concorrer a
cargos pblicos; (5) liberdade de expresso; (6) existncia de informao alternativa,
[inclusive] de fontes alternativas de informao, protegidas pela lei; (7) autonomia de
associao. Para concretizar seus vrios direitos, inclusive os acima relacionados, os
cidados tambm tm o direito de formar associaes ou organizaes relativamente
independentes, entre elas partidos polticos independentes e grupos de interesse."
25. O que estou dizendo que, no momento do escrutnio, cada voto deve ser
computado como um voto (ou, no caso de um sistema de eleies plurais, na mesma
quantidade de todos os demais). Com isso, deixo de levar em considerao o
complicado problema no tenho nem espao nem conhecimentos para resolv-lo
aqui das regras de agregao de votos, que fazem com que votos de determinados
distritos na realidade pesem mais, s vezes significativamente mais, do que os de outros
lugares (em relao Amrica Latina e super-representao de alguns distritos em
certos pases, ver Mainwaring, 1999; Samuels e Snyder, 1998). claro que, a partir de
certo grau, a super-representao pode se tornar to acentuada que elimine toda
aparncia de votao igualitria, como acontecia em certos parlamentos medievais, nos
quais o voto era computado por estamentos, qualquer que fosse o nmero de seus
representantes e representados.
26. preciso estabelecer uma outra condio, embora se trate de uma precondio
estrutural das eleies competitivas mais do que de um de seus atributos. Refiro-me
existncia de um domnio territorial incontestado que define univocamente o eleitorado.
Como vrios autores discutiram esse tema recentemente (Linz e Stepan, 1996:16-37;
Offe, 1991; Przeworski et alii, 1996; Schmitter, 1994), no o abordarei aqui.
27. Note-se que, assim como nos mercados, poucas eleies so perfeitamente
competitivas; podem haver importantes restries factuais, digamos assim, devido a
profundas diferenas entre partidos no acesso aos recursos econmicos, ou ento
barreiras elevadas formao de partidos que, no fosse por isso, dariam provas de
significativas clivagens sociais. Essa advertncia aponta, no entanto, para a questo dos
diferentes graus de democratizao do regime, um tema que no posso abordar neste
artigo. Para uma boa discusso desse e de outros assuntos relacionados, ver Elklit e
Svensson (1997).
29. bvio que essa possibilidade no ignorada nos estudos regionais ou por pases.
O fato de no ter tido suficiente repercusso na teoria democrtica diz muito, a meu ver,
sobre a tenacidade com que pressupostos implcitos (nem sempre corretos) sobre os
pases originrios ainda sobrevivem nas verses contemporneas dessa teoria.
30. Sobre o caso do Chile, ver Garretn (1987; 1989) e Valenzuela (1992).
34. Como afirmam Przeworski (1991:26) e Linz e Stepan (1996:5). A bem dizer, esses
autores no esto falando de eleies, mas da democracia como "the only game in town"
[o nico jogo existente], mas neste momento no preciso discutir essa sutileza.
36. Advirto que essa definio est incompleta: trata exclusivamente dos padres de
acesso a posies superiores no governo, e nada diz sobre as modalidades de exerccio
da autoridade ligada aos cargos. Mazzuca (1998) argumenta convincentemente sobre a
convenincia de fazer essa distino que vem desde Aristteles. Mas, neste artigo,
fao apenas uma discusso muito genrica das modalidades de exerccio da autoridade,
tema que pretendo desenvolver em um futuro trabalho.
37. Uma boa imagem talvez seja a de uma cadeia de montanhas interligadas, de
diferentes alturas, com um nico caminho que leva at o cume. O mapa dessas
montanhas o das organizaes que compem o aparelho de Estado, todas interligadas
mas relativamente independentes entre si. O que caracteriza a democracia poltica que,
com as excees j apontadas, apenas funcionrios eleitos ocupam as montanhas mais
altas, de onde exercem uma autoridade legalmente definida sobre o resto da
configurao.
38. Embora, como observado na nota 50, at que ponto esses atributos de fato vigoram
seja uma questo de verificao emprica.
39. A razo pela qual emprego este termo entre aspas ficar clara mais adiante.
40. Esse problema deu origem a uma enorme produo de textos por parte dos tericos
do direito. Adiante voltarei a tratar de certos aspectos dessa literatura e de seu
desafortunado rompimento com a maior parte da sociologia e da cincia poltica.
41. As classificaes de pases em funo dos atributos que venho examinando (como
os da Freedom House), embora sejam operacionalizaes bastante grosseiras dos
conceitos subjacentes, esto muito difundidas. Contudo, essas classificaes no
escapam do problema dos limites externos e internos que assinalo neste texto. Alm
disso, outros atores adotam critrios diferentes. Por exemplo, os governos dos pases
originrios costumam aplicar critrios muito indulgentes (basicamente, a realizao de
eleies nacionais, sem a preocupao de averiguar se h competitividade) para conferir
a outros pases o ttulo de "democrticos", sobretudo quando mantm relaes amistosas
com os governos destes ltimos. Outros atores, ao contrrio, exigem o respeito efetivo e
generalizado a uma srie de direitos humanos, independentemente de sua influncia
mais ou menos direta sobre as eleies competitivas (ver, por exemplo, Mndez, 1999 e
Pinheiro, 1999).
42. Holmes e Sunstein (1999:104), por exemplo, afirmam que "o que a liberdade de
palavra significa para a jurisprudncia americana contempornea no o que
significava h cinqenta ou cem anos atrs." Esses autores acrescentam que "os direitos
esto permanentemente se ampliando e se restringindo." (ibidem)
43. Embora tratando de outro assunto (os conceitos de igualdade), Amartya Sen
(1993:33-34) afirma com toda a razo: "Se uma idia bsica contm uma ambigidade
essencial, a formulao exata dessa idia deve procurar captar a ambigidade em vez de
escond-la ou elimin-la." (nfase no original)
44. Alguns casos se situam, porm, em uma zona de sombra entre esses dois plos. No
entanto, dado o carter indecidvel das liberdades polticas (e dos diferentes graus de
competitividade de cada eleio, tema que como j afirmei no posso discutir neste
artigo), no vejo como evitar esse problema. Mas uma melhor elucidao da definio
de regime democrtico poderia minimizar a dificuldade ou, pelo menos, esclarecer em
cada caso quais so seus aspectos problemticos.
45. Por exemplo, em sua definio de "democracia liberal", Diamond (1999:11) inclui,
alm dos costumeiros atributos postulados pelas definies realistas, outras
caractersticas, como a responsabilidade pblica horizontal [horizontal accountability],
a igualdade perante a lei e um Poder Judicirio independente e no discriminador. No
tenho dvidas de que esses aspectos so altamente desejveis, mas tambm creio que,
em vez de transform-los em componentes da definio de democracia, seria mais
proveitoso estudar at que ponto essas e outras caractersticas esto presentes ou no no
conjunto de casos gerados pela definio realista e restritiva que proponho. Esse
procedimento facilitaria o estudo, ao longo do tempo e entre os diversos casos, das
diferenas e mudanas produzidas nas caractersticas que Diamond postula, entre
outros.
48. Klingeman (1998) mostra dados a respeito do apoio democracia "como uma forma
de governo", com base em entrevistas realizadas nas antigas e muitas das novas
democracias. As mdias regionais obtidas por esse autor so as seguintes: Europa
Ocidental, 90%; Europa Oriental, 81%; sia, 82%; frica, 86%; Amricas do Norte e
Central, 84%; Amrica do Sul, 86% e Austrlia/Oceania, 83%.
49. Embora nos ltimos tempos o valor da democracia tenha subido no mercado
mundial das ideologias polticas, suas conotaes normativas positivas tambm se
evidenciaram na maneira como os regimes comunistas se autodenominavam de
"democracias populares", no esplndido oximoro que o Chile de Pinochet inventou para
designar seu regime ("democracia autoritria"), e nas aberraes adotadas por muitos
lderes autoritrios, no passado e no presente, para convocar algum tipo de eleio,
esperando com isso legitimar seus governos.
50. Por extenso entendem-se "os diversos objetos aos quais se pode aplicar
corretamente um termo; sua denotao" (Copi e Cohen 1998:690).
51. Estou formulando uma razo de ordem epistemolgica para o carter indecidvel
dessa matria. H outras razes concorrentes que no tenho como discutir neste
momento.
52. Esta afirmao exige ressalvas em termos das legislaes civil e social que visam
beneficiar setores desfavorecidos. Voltarei a este tema mais adiante.
53. Veremos, porm, que nos pases originrios esse risco foi atenuado por diversos
arranjos institucionais.
54. Em alguns pases esses egos que fazem objees podem ser uma multido, embora
estejam todos legalmente obrigados a aceitar a aposta. Em uma pesquisa que realizei na
rea metropolitana de So Paulo, entre dezembro de 1991 e janeiro de 1992, espantosos
79% dos entrevistados responderam "No" pergunta: "Os brasileiros sabem votar?"
Essa porcentagem subiu para 84% entre os entrevistados de nvel de instruo
secundria ou superior. (No contexto, estava claro para os entrevistados que a pergunta
no se referia mecnica da votao, mas maneira como avaliavam as escolhas dos
demais eleitores entre candidatos e partidos concorrentes.)
55. Ernesto Garzn Valds (durante conversa realizada em Bonn, em maio de 1999) me
fez ver que, nesse ponto, toco em dois tipos de institucionalizao que no so
exatamente equivalentes. Um deles, o das eleies competitivas, apesar de respaldado
pelas regras jurdicas (inclusive constitucionais) que as sancionam, depende em sua
efetividade das expectativas subjetivas dos atores relevantes. No entanto, como deixa
claro o exemplo brasileiro exposto na nota anterior, a institucionalizao da aposta
depende diretamente dessas regras e relativamente independente das opinies dos
indivduos concretos, at mesmo da maioria deles.
56. Embora a aceitao em geral desses direitos contribua para seu prolongamento no
tempo e, presumivelmente, para sua ampliao. Mas isso irrelevante neste ponto de
minha argumentao.
57. Mas um ponto de partida slido. Deixo para trabalhos posteriores a discusso da
justificativa normativa da democracia.
58. O que, por seu turno, implica a existncia de um domnio territorial inconteste que
define o eleitorado de modo unvoco. J observei que vrios autores discutiram com
propriedade esse tema (Linz e Stepan, 1996:16-37; Offe, 1991; Przeworski et alii, 1996;
Schmitter, 1994).
60. Sobre essas resistncias, ver Hirschman (1991), Hermet (1983) e Rosanvallon
(1992). Como afirmou um poltico ingls contrrio Lei de Reforma de 1867, "como
sou liberal [...] considero que uma proposta [...] destinada a transferir o poder que est
nas mos da propriedade e da inteligncia para as mos de homens cuja vida
necessariamente devotada luta cotidiana pela subsistncia um dos maiores perigos"
(Lowe apud Hirschman, 1991:94).
62. Considero particularmente teis algumas obras que prestam ateno expressa aos
nexos entre as questes morais e filosficas implicadas no conceito de agency, de um
lado, e nas teorias jurdica e poltica, de outro, como Raz (1986; 1994), Gewirth (1978;
1996) e Dagger (1997). Mas na forma ampla em que defini o termo neste artigo, muitos
autores que se orientam por diversas perspectivas tericas, compartilham essa viso de
agency (ou autonomia). Ver Benn (1975-76); Crittenden (1992); Dahl (1989); Dworkin
(1988); Fitzmaurice (1993); Garzn Valds (1993); Habermas (1990; 1996); Held
(1987); Kuflik (1994); Rawls (1971; 1993); Taylor (1985) e, evidentemente, Weber
(1968). interessante notar que, partindo de perspectivas prprias, as psicologias
evolutivas de Piaget (1932; 1965) concordam com essa viso; ver, tambm, Gruber e
Vonche (1977), Reis (1984) e Kohlberg (1981; 1984), entre outros. Ver ainda a
interessante anlise deste ltimo autor e de outros psiclogos evolutivos em Habermas
(1996:116-194). Por outro lado, no so poucas as teorias da personalidade que, apesar
de importantes diferenas e da diversidade de suas terminologias, tambm destacam o
conceito e o desenvolvimento da agency como elemento fundamental de suas
respectivas concepes (ver Hall, Lindzey e Campbell, 1998).
63. Como disse Dahl (1989:108): "O nus da prova [da falta de autonomia] sempre
recair na reivindicao de uma exceo, e nenhuma exceo pode ser moral ou
juridicamente admissvel na ausncia de uma evidncia muito contundente."
64. Daqui por diante, usarei o termo agency para indicar a presuno e/ou atribuio
dependendo do contexto de autonomia, responsabilidade e razoabilidade ao
indivduo.
65. Os historiadores do direito concordam que nos pases regidos pelo direito civil a
teoria do contrato baseada na vontade alcanou decisiva influncia nos sculos XVI e
XVII, mas h divergncias quanto ao que aconteceu nos pases que seguem o direito
consuetudinrio. Hamburguer (1989:257), que em uma ampla resenha sobre esse tema
defende a tese de que nos ltimos pases essa influncia j era forte no sculo XVII,
transcreve uma passagem de um livro escrito em 1603 pelo jurista ingls William
Fulbecke, que resume muito bem essa teoria: "A principal base dos contratos o
consentimento, de modo que as pessoas que os celebram devem ser capazes de dar seu
consentimento [...] o consentimento nasce do conhecimento e da livre vontade de um
indivduo, diretamente de seu entendimento suficiente [...]".
67. Sobre essas influncias ver, especialmente, Gordley (1991) e Lieberman (1998).
68. Para uma discusso dessas concepes organicistas relativamente Amrica Latina,
ver Stepan (1978).
69. Como disse Santo Toms de Aquino: "Dado que a parte guarda com o todo a mesma
relao que o imperfeito tem com o perfeito, e dado que cada homem uma parte dessa
totalidade perfeita que a comunidade, segue-se que a lei deve ter como objeto
apropriado o bem-estar do conjunto da comunidade [...]. Em sentido estrito, a lei tem
como objeto primeiro e principal o ordenamento do bem comum." (apud Kelly,
1992:136)
72. Nessa poca, o princpio de cuius regio eius religio, que desencadeara as guerras
religiosas, foi substitudo pelo princpio de "um s Estado, um s cdigo legal" (Van
Caenegem, 1992:125).
73. Mas apenas entre os pases do quadrante Noroeste do mundo, e mesmo a, com a
importante exceo da escravido no sul dos Estados Unidos. Posteriormente, em outras
regies, a formao do Estado e a expanso do capitalismo tiveram, em geral,
caractersticas e conseqncias menos benficas.
74. Este um outro tema importante do Iluminismo que foi transposto para as leis por
influncia de Bentham, Montesquieu, Voltaire e, principalmente, Beccaria.
75. Tilly (1997:87) comenta que no incio do perodo moderno "o trabalho assalariado
deslocou os sistemas de aprendizagem, escravido e trabalho domstico agregado sob os
quais todos haviam trabalhado at ento" (ver, tambm, Habermas, 1996; Rosanvallon,
1992; Steinfeld, 1991; Tilly, 1990; e Tomlins, 1993).
76. Janowski (1998:200) escreve que: "[Nos sculos XVII e XVIII] os direitos
universais propriedade eram protegidos pelos tribunais bem antes dos direitos sociais e
polticos." Note-se que as origens da moderna legislao sobre a propriedade remontam
ao direito romano, no qual a propriedade era definida como exclusiva e transfervel.
Orth (1998) mostra que a relao histrica entre trabalho e leis de propriedade e
contrato nos pases de direito consuetudinrio era mais complexa do que descrevi aqui;
mas esses complicadores no desmerecem o fato de que as novas relaes de trabalho,
entendidas como derivadas do direito de propriedade ou do de contrato, foram
concebidas como resultado da livre vontade dos indivduos.
77. Como assinalam Alford e Friedland (1986:240), "o aparecimento do Estado foi
progressivamente constituindo o indivduo como um sujeito jurdico abstrato, portador
de direitos especficos independentemente da estrutura social e responsvel por seus
atos." Acrescento que isso tambm foi produto da expanso paralela do capitalismo.
Rosanvallon (1992) concorda com essa idia: "A histria do aparecimento do indivduo
pode ser entendida como uma parte da histria dos direitos civis [...] (:107) [antes da
Revoluo Francesa] a noo de autonomia [individual] [...] j fora formulada no direito
civil." (:111)
79. Essa generalizao omite importantes variaes entre pases, mas que no so
essenciais para minha anlise. Na vasta bibliografia sobre essa tema, ver Esping-
Andersen (1985; 1990); Przeworski (1985); Przeworski e Sprague (1988); Rothstein
(1998); Rueschemeyer et alii (1992); e Offe e Preuss (1991).
80. Alm disso, foram iniciados vigorosos esforos educacionais para assegurar que
esses setores sociais se tornassem "verdadeiramente confiveis". Isso teve a longo prazo
importantes efeitos democratizadores. Mas para um estudo sobre o carter defensivo dos
primeiros esforos realizados na Frana (os quais, pelo que sei, no foram muito
diferentes dos que se desencadearam nos pases originrios), ver Rosanvallon (1992).
Nesse sentido, no deixa de ser significativa a grande ateno que Condorcet, Locke,
Rousseau, Adam Smith e outros ilustres membros do Iluminismo prestaram educao
como instrumento fundamental de habilitao do indivduo condio de agency na
esfera poltica.
81. Marshall (1964:18) comenta que: "A histria dos direitos civis em seu perodo de
formao a da progressiva adio de novos direitos a um status que j existia e que era
considerado pertinente a todos os membros adultos da comunidade." Foram estes: "os
direitos indispensveis liberdade individual liberdade da pessoa, liberdade de
palavra, de pensamento e de religio, o direito propriedade e o de celebrar contratos
vlidos, e o direito justia" (idem:10-11).
82. Como escreve Tilly (1994:7) a respeito da Frana: "Com a Revoluo, praticamente,
todo o povo francs obteve acesso aos tribunais. Durante o sculo XIX, os direitos [...]
foram ampliados, junto com as obrigaes de freqentar a escola, prestar servio militar,
responder aos censos, pagar impostos individuais e cumprir outros deveres j ento
comuns aos cidados." Mais cedo ou mais tarde, isso tambm foi atoado em outros
pases originrios. As anlises neo-institucionalistas, como as de North (1991) e North e
Weingast (1989), prestaram muita ateno a essa juridificao das esferas civil e
econmica.
83. De acordo com Marshall (1964:71-72), os direitos civis incluem "a liberdade da
pessoa, liberdade de palavra, de pensamento e de religio, o direito propriedade e o de
celebrar contratos vlidos, e o direito justia."
84. Referindo-se a esses direitos, Habermas (1996:28) observa que "desde Hobbes, o
prottipo da lei em geral so as normas do direito privado burgus, que se baseia na
liberdade de celebrar contratos e de adquirir propriedades."
86. No posso tratar neste texto de outros aspectos power-enabling das Constituies.
Sobre isto, ver Hardin (1989); Holmes (1995); Bellamy (1996); Habermas (1996); e
Preuss (1996b).
87. Estou mais uma vez expondo de modo sumrio uma histria muito complicada. O
livro de Alexander (no prelo) e o de Gould (1999) tratam com detalhes valiosos dos
diversos padres e ritmos desses processos na Europa Ocidental.
88. Para uma discusso desses processos institucionais, ver Manin (1995).
89. Jones (1994:88) formula claramente essa idia: "A autoridade poltica autoridade
sobre e em benefcio de indivduos investidos de direitos."
90. Analisei essa questo em vrios textos, especialmente em ODonnell (1998a; 1988).
92. Uma exceo Habermas (1986; 1988; 1996), embora, como j observei, eu tenha
discordncias quanto sua abordagem geral. Outros trabalhos que realam a estreita
relao entre os fatores jurdicos e polticos so os de Bobbio (1989; 1990); Garzn
Valds (1993); Linz (1998); Preuss (1986); e Sartori (1987). Certamente no por acaso
que tanto esses autores quanto eu mesmo nos tenhamos formado na tradio jurdica e
poltica europia, em que jamais existiu a profunda diviso entre teoria do direito e
teoria poltica que deu origem, especialmente nos Estados Unidos, "revoluo
behaviorista" das dcadas de 50 e 60.
93. Daqui por diante, quando falo em "opes" me refiro capacidade efetiva de fazer
escolhas e gama de opes de que cada indivduo realmente dispe. Neste artigo,
minha anlise desse tema to complexo rudimentar, mas confio que seja suficiente
para destacar a parte da histria jurdica que me interessa. Para uma cuidadosa anlise
das opes e sua conexo necessria com a idia de agency, ver Raz (1986).
95. Esta foi outra longa e complexa evoluo, que variou significativamente nos pases
originrios, principalmente no seu timing (ver Atiyah, 1979; Van Caenegem, 1992; e
Trebilcock, 1993). A anlise pioneira foi feita, mais uma vez, por Weber (1968). Vale
notar que, acompanhando e apoiando essa evoluo, a concepo individualista da
teoria consensual do contrato (e de outros direitos em geral) foi revista no sentido de
uma viso mais relacional dos direitos (ver Dagger, 1997:21 e passim).
96. Ver as referncias bibliogrficas da nota 79. Talvez eu deva esclarecer que essa
bibliografia nos leva a deduzir que a motivao inicial de algumas polticas sociais foi a
de agir preventivamente contra questionamentos populares ou a de obter benefcios
setoriais estreitos. Mas essas leis no teriam sido formuladas se no respondessem a
intensos, generalizados e bem documentados sentimentos contra a injustia representada
pelas profundas desigualdades e riscos a que estavam expostas as pessoas durante sua
vida profissional e nos locais de trabalho. Aludindo introduo de leis sociais "pelo
alto", Bismarck disse: "Se no tivesse existido a social-democracia e se tantas pessoas
no a tivessem temido, no teramos realizado sequer os modestos progressos que agora
estamos alcanando no campo das reformas sociais" (apud Goldstein, 1983:346).
97. Por exemplo, a atual ofensiva neoconservadora visa exatamente anular essas
polticas parcialmente igualizantes. Na maioria dos pases da Amrica Latina atingidos
por graves crises econmicas e caracterizados pela fragilidade dos seus sistemas
jurdico e de proteo social, as conseqncias dessa ofensiva tm sido particularmente
devastadoras. Para uma anlise desse tema e de outros assuntos pertinentes, tendo em
vista o caso do Brasil e do cone sul da Amrica Latina, ver Ippolito-ODonnell (no
prelo).
99. Essa concepo foi memoravelmente inscrita na Declarao Universal dos Direitos
Humanos da Revoluo Francesa e na Primeira Emenda da Constituio dos Estados
Unidos. Posteriormente, a partir da Declarao dos Direitos Humanos das Naes
Unidas, de 1948, e na seqncia de numerosas convenes e declaraes internacionais,
foi incorporada ao direito internacional, criando uma espcie de ius gentium que a
maioria dos governos, pelo menos nominalmente, respeita.
100. ODonnell (1993) apresenta as inumerveis discusses geradas por essa disjuno,
no Leste e no Sul, entre o pays rel e o pays lgal. Esse outro processo histrico
extremamente complexo ao qual s posso fazer aqui uma rpida referncia. Os
antroplogos do direito estudaram as fascinantes ambigidades que nos pases coloniais
e semicoloniais cercaram a adoo dos sistemas jurdicos europeus e sua inter-relao
com as ordens legais preexistentes (sobre o caso do Egito, por exemplo, ver Brown,
1995). Ao que eu saiba, no entanto, ainda h muito o que estudar sobre esse tema. Um
livro de Jaksic (no prelo) a respeito de Andrs Bello e de sua grande influncia na
adoo e adaptao de vrias correntes da legislao europia em vrios pases da
Amrica Latina no sculo XVII tambm relevante.
101. Argumentos nesse sentido podem ser encontrados em DaMatta (1987); Fox (1994a;
1994b); Neves (1994; no prelo); Schaffer (1998); e ODonnell (1993; 1996a; 1999c).
102. Nesse texto analiso a fragilidade do componente liberal dessas democracias assim
como do que chamo de sua dimenso republicana.
104. Nesse ponto, no nos deve surpreender que em sua cuidadosa resenha de muitas
definies de democracia Collier e Levitsky (1997:443) concluam que: "H
divergncias sobre que atributos so necessrios para viabilizar a definio [de
democracia]."
109. Sobre esse tema, consulte os seguintes autores, cujas perspectivas, apesar de
diversas, convergem nesse aspecto: Alchourrn e Bulygin (1971); Fuller (1981);
Habermas (1996); Hart (1961); Ingram (1985); e Kelsen (1945). Ver, tambm,
ODonnell (1999c) para um desenvolvimento de minhas idias.
110. Em todos os outros regimes polticos h sempre algum (um ditador, um rei, um
partido de vanguarda, uma junta militar, uma teocracia etc.) que, por deciso unilateral,
pode anular ou suspender qualquer norma legal existente, inclusive as que regulam seus
papis.
111. Para voltar a uma comparao contrastante, os captulos escritos por Chevigny
(sobre a polcia), Brody (sobre o sistema carcerrio) e Garro e Correa Sutil (ambos
sobre o acesso aos tribunais) mostram de maneira conclusiva que na Amrica Latina
esse entrelaamento seguidamente interrompido e, portanto, a lei perde eficcia (ver,
tambm, Domingo, 1999).
112. Ver Raz (1986; 1994) para uma excelente anlise dessa liberdade como bem
pblico que caracteriza o contexto social geral.
114. Volto a lembrar, porm, que isso no invalida a utilidade de enumerar as liberdades
polticas.
115. Para uma anlise minuciosa e desoladora desses e outros problemas semelhantes na
Amrica Latina contempornea, ver Mndez, ODonnell e Pinheiro (1999).
116. Refiro-me legalidade efetiva do Estado porque essas "zonas pardas" (como as
denomino em ODonnell, 1993) constituem um sistema de dominao de base territorial
em que outros sistemas legais, de tipo mafioso, coexistem de maneira complexa com a
legalidade estatal. Algumas dessas regies, nas quais os funcionrios do governo
raramente ousam entrar, podem alcanar 70 mil quilmetros quadrados, como no Brasil
(segundo informa uma reportagem da revista Veja, de 1997, a respeito de uma rea do
Estado de Pernambuco, conhecida pelo significativo nome de "Polgono da Maconha").
Discusses mais aprofundadas desse tema podem ser encontradas em Holston (1991);
Psara (1998); e ODonnell (1993). Mndez, ODonnell e Pinheiro (1999) incluem
detalhes. Em diversos trabalhos, Touraine (esp. 1988) insistiu nessas caractersticas da
Amrica Latina.
117. Calcula-se que em 1995, 55,7% da populao urbana economicamente ativa estava
ocupada no mercado informal; e essa porcentagem tem aumentado progressivamente
era de 40,2% em 1980, passou a 47% em 1985 e aumentou para 52,1% em 1990 (Thorp,
1998:221). Referindo-se a um perodo anterior, 1950-1980, Portes (1994:121) comenta
que "ao contrrio do que se passou nos pases avanados, o trabalho por conta prpria
no diminuiu com a industrializao, mas permaneceu constante durante esse perodo de
trinta anos." Ver, tambm, Portes e Schauffler (1993); Portes, Castells e Benton (1989);
Rakowski (1994); Roberts (1994); e Tokman (1992; 1994) sobre o mercado informal na
Amrica Latina. No incio da dcada de 90, 46% da populao da Amrica Latina vivia
em estado de pobreza (195 milhes de pessoas ao todo) e aproximadamente a metade
destes em condies de indigncia, entendida como a falta de recursos para a ingesto
alimentar mnima necessria. Alm do mais, em 1990, o nmero de pobres na Amrica
Latina havia aumentado em 76 milhes relativamente a 1970 (dados extrados de
ODonnell, 1998b; para maiores detalhes ver Altimir (1998).
118. Veja os dados e a excelente anlise de Dasgupta (1993), cuja concluso a de que a
pobreza extrema afeta inclusive a capacidade para trabalhar: "Costuma-se dizer que
quando uma pessoa carece de bens materiais, ela possui um bem inalienvel, sua fora
de trabalho. Mostrei a importante verdade de que isto falso. [...] A converso da fora
de trabalho potencial em fora efetiva de trabalho pode ser feita quando a pessoa dispe
de meios para isso, de outro modo no. A nutrio e os cuidados com a sade esto entre
esses meios." (nfase no original) Ver a esse respeito os importantes trabalhos de Sen
(esp. 1992; 1993). Para dados e anlises sobre a Amrica Latina, ver Born (1995), e de
uma perspectiva mdico-biolgica, ver A. ODonnell (no prelo). Sobre um pas
relativamente rico, a Argentina, mas que padece desses males, ver Stillwaggon (1998).
Um estudo antropolgico que descreve em detalhes as conseqncias devastadoras,
tanto fsicas quanto psicolgicas, da extrema pobreza em uma cidade brasileira o de
Scheper-Hughes (1992).
119. Isso no verdadeiro para todas as correntes da teoria da democracia. Porm, pelo
que conheo, as obras que levam em conta essa situao no vo muito alm de uma
retrica de denncia, muitas vezes acompanhada pela negao pura e simples da
"democraticidade" do regime.
120. ODonnell (1998b) contm algumas especulaes sobre esse tema. A abundante,
variada e desigual literatura sobre movimentos sociais estimulada pelas transies do
regime autoritrio contm rica informao sobre esse assunto. No conheo, porm,
estudos que tenham focalizado especificamente a questo que estou aqui propondo.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ATIYAH, P.S. (1979), The Rise and Fall of Freedom of Contract. Oxford, Clarendon
Press.
BARBER, Benjamin. (1984), Strong Democracy. Participatory Politics for a New Age.
Berkeley, University of California Press.
BARTELL, Ernest, C.S.C. e ODONNELL, Alejandro (eds.). (no prelo), The Child in
Latin America: Health, Development and Rights. Notre Dame, University of Notre
Dame Press.
BEETHAM, David. (1993), "Liberal Democracy and the Limits of Democratization", in
D. Held (ed.), Prospects for Democracy. North, South, West, and East. Stanford,
Stanford University Press, pp. 56-87.
BELLAMY, Richard. (1996), "The Political Form of the Constitution: The Separation of
Powers, Rights and Representative Democracy". Political Studies, vol. 44, n 3, pp.
436-456.
BENN, S. I. (1975-76), "Freedom, Autonomy and the Concept of the Person". Journal
of the Aristotelian Society, vol. 76, pp. 109-130.
BERMAN, Harold J. (1993), Law and Revolution: The Formation of the Western Legal
Tradition. Cambridge, Harvard University Press.
BOBBIO, Norberto. (1989), Democracy and Dictatorship. The Nature and Limits of
State Power. Minneapolis, University of Minnesota Press.
BORN, Atilio. (1995), State, Capitalism, and Democracy in Latin America. Boulder,
Co., Lynne Rienner.
COLLIER, Ruth Berins e COLLIER, David. (1991), Shaping the Political Arena.
Critical Junctures, the Labor Movement, and Regime Dynamics in Latin America.
Princeton, Princeton University Press.
COPI, Irving e COHEN, Carl. (1998), Introduction to Logic. Upper Saddle River,
Prentice-Hall.
DAHL, Robert. (1989), Democracy and its Critics. New Haven/London, Yale
University Press.
DWORKIN, Gerald. (1988), The Theory and Practice of Autonomy. New York,
Cambridge University Press.
DYSON, Kenneth. (1980), The State Tradition in Western Europe. A Study of an Idea
and Institution. New York, Oxford University Press.
ELKLIT, Jorgen e SVENSSON, Palle. (1997), "What Makes Elections Free and Fair?".
Journal of Democracy, vol. 8, n 3, pp. 32-46.
___. (1994b), "Latin Americas Emerging Local Politics". Journal of Democracy, vol. 5,
n 2, pp. 105-116.
FULLER, Lon L. (1981), The Principles of Social Order. Selected Essays of Lon L.
Fuller. Durham, Duke University Press.
GALSTON, William. (1995), "Two Concepts of Liberalism". Ethics, vol. 105, n 3, pp.
516-535.
GEWIRTH, Alan. (1978), Reason and Morality. Chicago, The University of Chicago
Press.
___. (1996), The Community of Rights. Chicago, The University of Chicago Press.
GOULD, Andrew C. (1999), Origins of Liberal Dominance: State, Church, and Party
in Nineteenth Century Europe. Ann Arbor, The University of Michigan Press.
___. (1988), The Tanner Lectures on Human Values. Salt Lake City/Cambridge, UK,
University of Utah Press/Cambridge University Press.
___. (1990), Moral Consciousness and Communicative Action. Cambridge, Ma., The
MIT Press.
___ (ed.). (1996), Between Facts and Norms. Contributions to a Discourse Theory of
Law and Democracy. Cambridge, Ma., The MIT Press.
HANSEN, M.H. (1991), The Athenian Democracy in the Age of Demosthenes. Oxford,
Oxford University Press.
___ e SUNSTEIN, Cass R. (1999), The Cost of Rights. Why Liberty Depends on Taxes.
New York, W.W. Norton.
HOLSTON, James. (1991), "The Misrule of Law: Land and Usurpation in Brazil".
Comparative Studies in Society and History, vol. 33, n 4, pp. 38-64.
INGRAM, Peter. (1985), "Maintaining the Rule of Law". The Philosophical Quarterly,
vol. 35, n 141, pp. 359-381.
JAKSIC, Ivn. (no prelo), Andrs Bello. Scholarship and Nation-Building in Nineteenth
Century Latin America.
KELLY, J.M. (1992), A Short History of Western Legal Theory. Oxford, Clarendon
Press.
KELSEN, Hans. (1945), General Theory of Law and State. New York, Russell and
Russell.
KING, Gary, KEOHANE, Robert e VERBA, Sidney. (1994), Designing Social Inquiry:
Scientific Inference in Qualitative Research. Princeton, Princeton University Press.
KLINGEMAN, Hans-Dieter. (1998), "Mapping Political Support in the 1990s: A Global
Analysis". Discussion Paper FS III. Berlin, Wissenschaftzentrum Berlin.
___ e HOFFERBERT, Richard. (1998), "Remembering the Bad Old Days: Human
Rights, Economic Conditions, and Democratic Performance in Transitional Regimes".
Discussion Paper FS III. Berlin, Wissenschaftzentrum Berlin.
KRIEGEL, Blandine. (1995), The State and the Rule of Law. Princeton, Princeton
University Press.
LEVI, Margaret. (1997), Consent, Dissent, and Patriotism. New York, Cambridge
University Press.
MARSHALL, T.H. (1964[1950]), Citizenship and Social Class and Other Essays.
Cambridge, UK, Cambridge University Press.
___, ODONNELL e PINHEIRO, Paulo Srgio (eds.). (1999), The Rule of Law and the
Underprivileged in Latin America. Notre Dame, University of Notre Dame Press.
___. (1994b), "Some Reflections on Redefining the Role of the State", in C. I. Bradford
Jr. (ed.), Redefining the State in Latin America. Paris, OECD, pp. 251-260.
___. (1995), "Do Economists Know Best?". Journal of Democracy, vol. 6, n 1 pp. 21-
29.
___. (1998b), "Poverty and Inequality in Latin America: Some Political Reflections", in
V. Tokman e G. ODonnell (eds.), Poverty and Inequality in Latin America. Issues and
New Challenges. Notre Dame, University of Notre Dame Press, pp. 49-71.
___. (1999c), "Polyarchies and the (Un)Rule of Law in Latin America", in J. Mndez,
G. O'Donnell e P. S. Pinheiro (eds.), The Rule of Law and the Underprivileged in Latin
America. Notre Dame, University of Notre Dame Press, pp. 303-337.
OFFE, Claus. (1991), "Capitalism by Democratic Design? Facing the Triple Transition
in East Central Europe". Social Research, vol. 58, n 4, pp. 865-892.
ORTH, John V. (1998), "Contract and the Common Law", in H. N. Scheiber (ed.), The
State and Freedom of Contract. Stanford, Stanford University Press, pp. 44-65.
PSARA, Luis. (1998), La Justicia en Guatemala. Guatemala, Multicopied.
PINHEIRO, Paulo Srgio. (1999), "The Rule of Law and the Underprivileged in Latin
America: Introduction", in J. Mndez, G. ODonnell e P. S. Pinheiro (eds.), The Rule of
Law and the Underprivileged in Latin America. Notre Dame, University of Notre Dame
Press, pp. 1-18.
___, CASTELLS, Manuel e BENTON, Lauren (eds.). (1989), The Informal Economy.
Studies in Advanced and Less Developed Countries. Baltimore, The Johns Hopkins
University Press.
PREUSS, Ulrich. (1986), "The Concept of Rights in the Welfare State", in G. Teubner
(ed.), Dilemmas of Law in the Welfare State. New York/Berlin, Walter de Gruyter, pp.
151-172.
___. (1996b), "Two Challenges to European Citizenship". Political Studies, vol. 44, n
3, pp. 534-552.
___. (1991), Democracy and the Market. Political and Economic Reforms in Eastern
Europe and Latin America. Cambridge, Cambridge University Press.
RAKOWSKI, Cathy (ed.). (1994), Contrapunto: The Informal Sector in Latin America.
Albany, State University of New York Press.
___. (1997), "The Idea of Public Reason Revisited". The University of Chicago Law
Review, vol. 64, n 3, pp.765-807.
___. (1994), Ethics in the Public Domain. Essays in the Morality of Law and Politics.
Oxford, Clarendon Press.
ROTHSTEIN, Bo. (1998), Just Institutions Matter. The Moral and Political Logic of the
Universal Welfare State. Cambridge, UK, Cambridge University Press.
___. (1995), "How Far Can Free Government Travel?". Journal of Democracy, vol. 6,
n 3, pp. 101-111.
___ e KARL, Terry Lynn. (1993), "What Democracy Is ... and Is Not", in L. Diamond e
M. F. Plattner (eds.), The Global Resurgence of Democracy. London, The Johns
Hopkins University Press, pp. 39-52.
___. (1993), "Capability and Well-Being", in M. Nussbaum e A. Sen (eds.), The Quality
of Life. Oxford, Clarendon Press, pp. 30-53.
SHUE, Henry. (1996), Basic Rights. Subsistence, Affluence, and U.S. Foreign Policy.
Princeton, Princeton University Press.
SKOCPOL, Theda. (1992), Protecting Mothers and Soldiers. The Political Origins of
Social Policy in the United States. Cambridge, The Belknap Press.
SPRUYT, Hendrik. (1994), The Sovereign State and its Competitors. Princeton,
Princeton University Press.
STEINFELD, Robert. (1991), The Invention of Free Labor: The Employment Relation
in English and American Law and Culture, 1350-1870. Chapel Hill, University of North
Carolina Press.
STEPAN, Alfred. (1978), The State and Society. Peru in Comparative Perspective.
Princeton, Princeton University Press.
TAYLOR, Charles. (1985), "What Is Human Agency". Human Agency and Language:
Philosophical Papers, n 1. Cambridge, Cambridge University Press.
___. (1993), "Whats Wrong with Negative Liberty", in A. Ryan (ed.), The Idea of
Freedom. New York, Oxford University Press.
___. (1985), "War Making and State Making as Organized Crime", in P. B. Evans, D.
Rueschemeyer e T. Skocpol (eds.), Bringing the State Back In. Cambridge, Cambridge
University Press, pp. 169-191.
___. (1994), "Democracy Is a Lake. Citizenship, Identity, and Social History". Working
Paper, Center of Studies of Social Change, New School for Social Research, New York.
___. (1997), Roads from Past to Future. Lanham, Rowman & Littlefield.
___ e ODONNELL, G. (eds.). (1998), Poverty and Inequality in Latin America. Issues
and New Challenges. Notre Dame, Notre Dame University Press.
TOMLINS, Christopher. (1993), Law, Labor, and Ideology in the Early American
Republic. Cambridge, UK, Cambridge University Press.
VON WRIGHT, George H. (1993), The Tree of Knowledge. Leiden, E.J. Brill.
WEINGAST, Barry. (1997), "The Political Foundations of Democracy and the Rule of
Law". American Political Science Review, vol. 91, n 2, pp. 245-263.
ABSTRACT
Democratic Theory and Comparative Politics
The present article is a revision of democratic theory from the perspective of its
inadequacies to account for the new - and not so new -, democracies located outside the
Northwestern quadrant of the world. It begins by examining various definitions of
democracy, especially those that claiming to be Schumpeterian, are deemed to be
minimalist, or processualist; and proposes a realistic and restricted, but not minimalist
definition of a democratic regime. The connections of this topic with several others are
then explored, including political, social, and welfare rights; the state, mainly in its legal
dimension; and some features of the overall social context. The main grounding factor
that results from these explorations is the conception of agency, as it is expressed in the
legal system of existing democracies, although widely variable across cases.
Key words: democratic theory; comparative politics; political theory; democracy
RSUM
Thorie de la Dmocratie et Politique Compare
Dans cet article on examine la thorie de la dmocratie en soulignant son insuffisance
expliquer les jeunes dmocraties ainsi que les moins jeunes apparues dans la rgion
nord-ouest du monde. Tout dabord, on procde lanalyse critique de plusieurs
dfinitions de dmocratie, surtout celles qui, censes suivre les ides de Shumpeter, sont
considres comme minimales ou processuelles, et propose une dfinition raliste et
plus succinte, mais non pas minimale, du rgime dmocratique. Ensuite, on examine les
connexions de ce thme avec dautres, comme les droits politiques, civils et sociaux, ou
encore ltat dans sa dimension lgale et certaines caractristiques du grand contexte
social. De cette analyse se dtache la notion dagency, car on la trouve surtout exprime,
sous diverses variantes ce pendant, dans le systme juridique des dmocraties actuelles.
Mots-cl: thorie de la dmocratie; politique compare; thorie politique; dmocratie
All the contents of this site www.scielo.br, except where otherwise noted, is licensed
under a Creative Commons Attribution License.
dados@iesp.uerj.br