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Werner H Schmidt Introducao Ao Antigo Testamento PDF

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Tendo em vista a complexidade do processo de formao dos


escritos da Bblia e os resultados divergentes de seu estudo
cientfico, a tentativade apresentar os conhecimentos bsicos sobre
o carter, a constituio e a inteno teolgica dos livros do Antigo .
Testamento poderia parecer um empreendimen.to subjetivo e at
temerrio. Por esta razo, o autor coloca em segundo plano sua
. prpria posio e se esfora em destacar as concepes dominantes
na pesquisa, ainda 'que no seja possvel defini-Ias sem um
posicionamento pessoal, Por isso as concepes expostas so
devidamente fundamentadas, para que o/a leitor/a possa avaliar os
argumentos apresentados. 1 0) =
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Graas a seu profundo conhecimento dos assuntos tratados e de N=...o
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suacapacidade de sntese, Werner H. Schmidt consegue transmitir I~O
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os conhecimentos bsicos desta rea com a necessria conciso e
de forma bastante acessvel. Estaobra constitui, assim, um subsdio ~---~
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valioso para quem quer estudar os escritos do Antigo Testamento Z_('.O
com os recursos que a pesquisa cientfica atual coloca nossa c a - -oo
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ISinodal
g)) Escola
Superior de
Teologia
Werner H. Schmidt

INTRODUO AO
ANTIGO TESTAMENTO
3aEdio

.IaEditora
ISinodal
4J) Escola
Superior de
Teologia

2004
Traduzido do original Einfhrung in das Alte Testament, 4. ed. ampliada. Walter de
Gruyter & Co., Berlim, Repblica Federal da Alemanha.

Os direitos para lngua portuguesa pertencem


Editora Sinodal
Rua Amadeo Rossi, 467
93030-220 _ So Leopoldo _ RS
Tel.: (51) 590-2366
Fax.: (51) 590-2664
Homepage: www.editorasinodal.com.br

Traduo: Annemarie Hhn


Reviso da traduo: Nelson Kilpp
Renatus Porath
Reviso das provas: Claudio Molz
Lus M. Sander
Coordenao editorial: Lus M. Sander
Paginao e arte-fmalizao: Editora Sinodal
Srie: Estudos Bblico-Teolgicos AT-7

Publicado sob a coordenao do Fundo de Publicaes 'Iolgices


/Instituto Ecumnico de Ps-Graduao da Escola Superior de 'Ieo-
logia da Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil.

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)


(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Schmidt, Werner H.
Introduo ao Antigo Testamento / Werner H.
Schmidt ; I traduo Annemarie Hhn I. -- So
Leopoldo, RS : Sinodal, 1994.
Bibliografia.
ISBN 85-233-0218-9
1. Bblia. A.T. - Introduo 2. Bblia. A.T. -
Leitura I. Ttulo.

94-1896 CDD-221.6
ndices para catlogo sistemtico:
1. Antigo Testamento : Introduo 221.6
2. Antigo Testamento : Leitura 221.6
SUMRIO

Prefcios 9

I- ESBOO GERAL DO ANTIGO TESTAMENTO 11

1 - As partes do Antigo 'Iesuunento 12


a) Nome e estrutura 12
b) O surgimento do cnone 14
2 - pocas da histria de Israel .. 17
a) A pr-histria nmade 19
b) A poca pr-estatal (tomada da terra e poca dos juzes) 23
c) A poca da monarquia 26
1. A poca comum dos dois reinos 26
2. A poca dos reinos separados, especialmente do Reino
do Norte, Israel..................................................................... 28
3. A poca do Reino do Sul, Jud 30
d) A poca exlica/ps-exlica 32
3 - Elementos da histria da sociedade 35
a) Os cls nmades 35
b) A posse da terra 38
c) Transformaes ocorridas com a instalao da monarquia 40
d) Contrastes sociais no tempo dos grandes profetas 42
e) A situao ps-exlica 44

TI - TRADIES E FONTES ESCRITAS DO PENTATEUCO


E DAS OBRAS HISTORIOGRFICAS 45

4 - O Pentateuco 46
a) Nome e estrutura 46
b) Etapas e problemas da pesquisa do Pentateuco 49
1. Crtica referente autoria de Moiss .. 49
2. Descobrimento e delimitao das fontes do Pentateuco.... 49
3. Datao das fontes escritas 51
4. Resultados e questes abertas da crtica literria 52
5. Histria das formas e das tradies 60
5 - Formas narrativas selecionadas .. 64
a) Mito e histria dos primrdios .. 64
b) A saga como forma da tradio 66
1. A saga individual 66
2. Motivos etiolgicos 70
3. A lenda de santurio 70
4. Ciclos de sagas e formas recentes de sagas 71
c) A novela de Jos 72
6 - A Obra Historiogrfica Javista 75
a) Questes introdutrias 75
b) Intenes teolgicas 79
7 - A Obra Historiogrfica Elosta 84
a) Questes introdutrias 84
b) Intenes teolgicas 89
8 - O Escrito Sacerdotal 93
a) Questes introdutrias 93
b) b) Intenes teolgicas 101
9 - Direito veterotestamentrio 110
a) Formas de preceitos legais 110
b) Colees de leis 114
1. O Declogo 114
2. O Cdigo da Aliana 116
3. A Lei da Santidade 117
10 - O Deuteronmio 119
a) Questes introdutrias 119
b) Intenes teolgicas 127
11 - A Obra Historiogrfica Deuteronomstica .. 134
a) Questes introdutrias 134
b) Intenes teolgicas .. 138
c) Do livro de Josu aos livros dos Reis 143
1. O livro de Josu 143
2. O livro de Juzes 145
3. Os livros de Samuel 148
4. Os livros dos Reis 153
12 - A Obra Historiogrfica Cronista 156
a) As Crnicas 156
b) Esdras e Neemias 158
c) Intenes teolgicas 163
m - o PROFETISMO 167

13 - A forma da palavra proftica . 168


a) Palavra e livro profticos .. 168
b) Principais gneros literrios da literatura proftica . 174
1. Narrativas sobre profetas . 174
2. Vises . 176
3. Ditos . 178
c) Questes levantadas pela atual pesquisa dos profetas . 182
d) Precursores dos profetas literrios .. 184
14 - Ams . 188
15 - Osias . 194
16 - Isaas . 201
17 - Miquias . 212
18 - Naum, Habacuque, Sofonias, Obadias .. 216
19 - Jeremias . 223
20 - Ezequiel 236
21 - Dutero-Isaas e 'llito-Isaas . 245
22 - Ageu, Zacarias, Dutero-Zacarias, Malaquias . 258
23 - Joel e Jonas '" 269
24 - Daniel . 275

N - POESIA DO MBITO DO CULTO E DA SABEDORIA 283

25 - O Saltrio 284
26 - Cantares [Cntico dos Cnticos}, Lamentaes, Rute e Ester 295
27 - Provrbios '" 304
28 - Ec1esiastes (Cohlet), o Pregador 311
29 - O livro de J 315

V- TEOLOGIA E HERMENUTICA 323

30 - Como se fala de Deus no Antigo restamento 324


31 - A questo da unidade do Antigo 'Istemento
Aspectos de uma "Teologia do Antigo Testamento" 347
32 - A favor e contra o Antigo 'Iestsmento
Temas da hermenutica veterotestamentria 353

APNDICES

Bibliografia 363
Lista de abreviaturas 391
Indice remissivo 393
PREFCIOS

Este livro se coloca dentro de uma tradio e ao mesmo tempo rompe com
ela. Tem um precursor na obra de Johannes Meinhold, intitulada Einfhrung in
das Alte 'Testament (3. ed., 1932). Aquele livro, porm, se estrutura historica-
mente, enquanto que a minha exposio segue na sua organizao em grande
parte a literatura veterotestamentria. Pois uma ordenao dos diversos livros,
fontes escritas, cdigos de leis ou at dos salmos em conformidade com a
histria de Israel no pressupe um conhecimento mais seguro sobre a poca
de surgimento dos textos do que aquele que ns pOSSUllOS?
Ao contrrio do termo "Einleitung", o ttulo "Einfhrung" no tem um
significado to restrito na histria das cincias, de sorte que d margem a
diversas interpretaes. Porm evidente que uma "introduo" tem que
incluir elementos das trs reas temticas: da "histria de Israel", da crtica
literria (isto , elementos da tradicional "introduo") e da "teologia do AT".
A apresentao sucinta da histria de Israel se resume no 2 a uma sntese dos
fatos principais, sendo, porm, complementada no 3 por uma exposio de
certos acontecimentos scio-histricos.
Observando o mercado livreiro, vemos que esto em voga os compndios.
Enquanto que na dcada de sessenta ainda havia poucos compndios conside-
rados clssicos, a oferta deste tipo de livros agora to diversificada, que se
torna difcil escolher entre eles. Mas ser que as aparncias externas no enganam?
Em si no hora de compndios, do ponto de vista cientfico. Pois a
pesquisa, ao que parece, est passando por uma fase de profundas turbulncias.
Por tanto tempo a cincia veterotestamentria se mostrou unssona - mas
como est profundamente dividida agora! As mudanas ocorreram justamente
em pontos nevrlgicos: o que antes era mais ou menos bvio e intocvel, agora
se tornou questionvel. A explicao do Pentateuco a partir do assim chamado
pequeno credo (G. von Rad), a compreenso dos primrdios da histria de
Israel a partir da anfictionia (M. Noth), a distino entre direito apodtico e
casustico, a reconstruo da f de acordo com o "Deus dos pais" (A. Alt),
mas inclusive interpretaes mais antigas, como a associao do Deuteronmio
com a reforma do rei Josias ou a contextualizao do Javista nos primrdios
agora so questionadas. At mesmo o direito da diviso do Pentateuco em suas
fontes est sendo contestado.
Diante desta situao, qualquer tentativa de apresentar noes bsicas de
conhecimentos atuais sobre o Antigo Testamento - sobre a constituio, for-
mao e inteno teolgica de seus livros - torna-se um empreendimento subjeti-

9
vo, bastante temerrio. No seria melhor ento simplesmente contrapor as
diferentes concepes? Pode haver mais questes controvertidas do que se
percebe de imediato pela exposio e seus questionamentos. De qualquer forma
me esforcei em colocar em segundo plano minha viso particular e destacar o
que se pode considerar a opinio generalizada ou at dominante. Mas impos-
svel definir esta opinio sem recorrer a um posicionamento pessoal. Por isto
me preocupei em fundamentar a concepo exposta, de forma que o leitor possa
formar sua prpria opinio a respeito da sustentabilidade dos argumentos.
No pressuponho que o leitor tenha conhecimentos da lngua hebraica.
Cabe a ele, em todo caso, decidir at que ponto consegui conciliar trs prop-
sitos que so difceis de coadunar: a transmisso de conhecimentos bsicos
(inclusive noes de conhecimentos bblicos), a devida conciso e a compreen-
sibilidade geral.

Kiel, setembro de 1978

Felizmente esta obra foi bem recebida - inclusive entre a crtica especia-
lizada. Reconheceu-se a minha inteno de buscar o consenso na rea vetero-
testamentria a nvel de conhecimentos bsicos, consenso este muitas vezes no
explcito por causa da complexa situao da pesquisa neste campo.
Por ocasio da quarta edio deste livro, a ltima parte referente a aspec-
tos da teologia e hermenutica ( 30-32) foi ampliada; alm disto as indicaes
bibliogrficas foram atualizadas.
Agradeo de corao aos meus colaboradores em Kiel, Marburg e Bonn,
que me ajudaram a elaborar este livro.

Bonn, maro de 1989

Quero expressar meus agradecimentos tambm tradutora, Annemarie


Hhn, e ao revisor tcnico, P. Dr. Nelson Kilpp, pelo seu empenho na traduo
desta obra para o portugus. Fico feliz que desta forma se reforam os meus
vnculos com o Brasil. Espero que esta Introduo ao Antigo 1estamento ajude
a compreender melhor a peculiaridade do Antigo Testamento e a perceber sua
importncia para a f crist.

Bonn, novembro de 1991 Werner H. Schmidt

10
I - ESBOO GERAL
DO ANTIGO TESTAMENTO

11
1
AS PARTES DO ANTIGO TESTAMENTO

a) Nome e estrutura

o Antigo Testamento tornou-se "antigo" devido ao Novo Testamento. J


no nome "Antigo Testamento" - que, afmal, apenas se justifica pela contrapo-
sio ao Novo Testamento - oculta-se o problema da interpretao crist deste
corpus de tradio. No obstante, este nome, marcado pela autocompreenso
crist, remonta ao prprio AT, mais precisamente expectativa proftica em
relao ao futuro: depois do juzo, Deus se voltar novamente para o seu povo.
Segundo a promessa de Jr 31.3lss., uma nova "aliana" (em latim testamentum)
substituir a antiga aliana rompida. Esta palavra j no mostra exemplarmente
como o AT extrapola, supera a si mesmo na esperana? Tal expectativa, que
transcende as sua" prprias realidades, pode ser retomada pela compreenso
crist. O Novo Testamento relaciona a promessa proftica com o futuro que
irrompeu em Jesus (cf. 2 Co 3; Hb 8). Todavia, o termo "antiga aliana" ou
"testamento" no aparece ainda no Novo Testamentopara identificar os livros do AT.
No Novo Testamento o Antigo Testamento citado como autoridade (p.
ex., Lc 1O.25ss.), como "Escritura inspirada pelo Esprito de Deus" (2 Tm 3.16).
O AT considerado "a Escritura" ou "as Escrituras" pura e simplesmente (Le
4.21; 24.27ss. e outras). Esta designao reflete o alto conceito de que goza e
que, em certo sentido, singular; no deve ser mal-entendida, contudo, no
sentido de que o AT seja por sua natureza palavra codificada na escrita, o Novo
Testamento, ao contrrio, palavra viva, comunicada oralmente. Pois uma parte
considervel do AT, sobretudo na mensagem proftica, originou-se da pregao
oral e mais tarde foi lida e comentada no culto (Ne 8.8; Le 4.17).
O AT no seu todo perifraseado no Novo Testamento tambm como "lei"
(Jo 12.34; 1 Co 14.21 e outras), mais especificamente como" lei e os profetas"
ou "Moiss e os profetas" (Mt 7.12; Le 16.16,29; Rm 3.21 e outras) e, por fim,
uma vez como "Moiss, os profetas e os salmos" (Le 24.44). Esta designao,
porm, implica um possvel mal-entendido: o AT seria por sua natureza legalista.
A "lei", contudo, no tem apenas carter de mandamento (cf. Mt 22.40), mas
tambm de profecia (Jo 15.25; Mt 11.13 e outras). Uma interpretao legalista
de forma alguma corresponde autocompreenso do AT.

12
Na frmula bipartida, e mais claramente ainda na frmula tripartida, "Moi-
ss, os profetas e os salmos", reflete-se a estruturao do AT. Uma diviso
semelhante do AT em trs partes encontramos j por volta de 130 a.c. no
prefcio da traduo grega dos ditos (apcrifos) de Jesus Siraque. Ainda hoje se
usa no judasmo - ao lado de nomes como miqra', "a leitura, o livro a ser
lido" - a sigla TNK (pronunciada ~nak) para designar a Bblia. Ela compe-
se das consoantes iniciais dos nomes das trs partes do AT.
T: 'Ibts, ou seja, a "instruo", os cinco livros de Moiss: Gn, x, Lv, Nm, Dt;
N: Nebiim; ou seja, os "profetas" (inclusive os livros histricos Js - Rs);
K: Ketubim, ou seja, as (sagradas) "Escrituras" restantes, como os Salmos e o
livro de J.
Em contraposio, a traduo grega do AT, a Septuaginta (LXX), antes
quadripartida e, alm disso, mais volumosa, visto que contm em maior ou
menor medida tambm os assim chamados escritos apcrifos (como Macabeus,
Baruque ou Jesus Siraque). Compreende os livros:
da Lei (Gn-Dt);
histricos (Js, Jz, Rt, Sm, Rs, Cr, Ed, Ne, Mac e outros);
poticos (SI, Pv, Ec, Ct, J e outros);
profticos (o Livro dos Doze Profetas Menores, Is, Jr, Lm, Ez e outros).
Se juntarmos os dois primeiros grupos, isto , contarmos os assim chamados cinco
livros de Moiss entre os livros histricos, teremos, em contraposio verso hebraica,
uma diviso mais claramente delineada em trs partes, que corresponde distino dos
tempos: passado (obras histricas), presente (Salmos, Provrbios) e futuro (profetismo).
Atravs da traduo latina, a Vulgata, esta estruturao foi introduzida na nossa Bblia.

No primeiro complexo, o Pentateuco ou os cinco livros de Moiss (v.


abaixo 4a), a tradio hebraica e a grega tm a mesma extenso. Visto que o
Pentateuco principia com a criao do mundo, tratando, a seguir, dos primrdios
(patriarcas, Egito) e dos fundamentos de Israel (Sinai), com razo consta no
incio do cnone.
Em contraposio, na ordenao do segundo grupo a tradio crist difere
da judaica. O judasmo compreende os livros dos assim chamados profetas
maiores Isaas, Jeremias e Ezequiel (sem Daniel), como tambm o Livro dos
Doze Profetas Menores, que rene os escritos desde Osias at Malaquias
(originalmente num nico rolo), como "profetas posteriores". A eles antecedem
os livros de Josu, Juzes, Samuel e Reis como "profetas anteriores". Esta
contraposio "anteriores - posteriores" podemos explicar em termos de espa-
o, isto , simplesmente pela disposio dos livros dentro do cnone, ou antes
em termos cronolgicos, portanto conforme a ordem de aparecimento dos pro-
fetas. Nos escritos narrativos "anteriores" esto reunidas as informaes sobre

13
profetas como Nat, Elias ou Eliseu. Talvez a juno de obras histricas e
profticas em um nico bloco se baseie tambm na concepo de que aqueles
livros histricos foram escritos por profetas (Samuel).
De fato existem certos traos comuns entre a literatura narrativa e o profetismo.
Por exemplo: ambos coincidem em parte na sua compreenso de histria, especialmente
no estreito entrelaamento entre palavra (precedente ou subseqente e interpretativa) e
acontecimento. Alm disso encontramos nos dois mbitos a mesma reviso redacional
(da assim chamada escola deuteronomstica), que v a culpa do povo na transgresso do
primeiro e segundo mandamento. Assim a vinculaoentre literaturahistricae proftica
parece remontarj a uma poca antiga.
Em contraposio, a tradio crist relaciona as obras narrativas no com
o profetismo, mas - acompanhando a traduo grega e a latina subseqente -
agrupa o Pentateuco com os livros Js - Rs como livros histricos e junta a eles
outras obras narrativas (Cr, Ed, Ne, Et). Desta maneira o Pentateuco perde um
pouco de sua posio especial; em vez disso se destacam mais claramente seu
carter historiogrfico e sua relao com o livro de Josu: a tomada da terra
aparece como cumprimento da promessa feita aos patriarcas e a Israel. Sim, toda
a histria de Israel, desde os patriarcas ou mesmo desde a criao at a poca
ps-exlica, forma como que uma continuidade, que apenas se reflete de modo
variado em cada um dos escritos entre Gnesis e Esdras/Neetnias.
A terceira parte do cnone veterotestamentrio constitui muito menos ainda
uma grandeza delitnitada de maneira uniforme na tradio judaica e crist. Neste
grupo se incluam os "escritos" (hagigrafos) que no couberam mais nos dois
primeiros blocos, j considerados concludos; a seqncia destas obras ficou
indefinida durante sculos. Na Bblia hebraica, aos livros mais volumosos de
Salmos, J e Provrbios seguem em geral os cinco Megillot, isto , os "rolos"
das cinco festas anuais: Rute, Cantares, Eclesiastes, Lamentaes, Ester ( 26),
e por fim Daniel e a Obra Historiogrfica Cronista (Ed, Ne, 1-2 Cr).
A tradio crist mantm - novamente com base na traduo greco-latina
- uma parte da coleo (J, SI, Pv, Ec, Ct) como unidade de "livros poticos",
enquanto que classifica uma outra parte (Cr, Ed, Ne, Et) entre os livros histricos
e uma terceira (Lm, Dn), entre os livros profticos.

b) O surgimento do cnone

A ausncia de um princpio claro na ordenao do AT se explica pelo


processo histrico da formao do cnone. Livros existentes so agrupados
somente em uma fase posterior e, portanto, secundariamente, sobretudo no bloco
dos "escritos". Na diviso do AT repercutem, pois, as fases de sua formao.
Como parte mais antiga o Pentateuco, que foi se constituindo no decorrer

14
de sculos, assumiu sua forma atual no sculo Vou, o mais tardar, no sculo
IV a.c. Os samaritanos, que se separaram paulatinamente da comunidade de
Jerusalm - em definitivo decerto somente na era helenstica - reconheciam
e mantinham apenas a Tora, portanto os cinco livros de Moiss, como autorida-
de (cf. l2c,4). Tambm j se dispunha h muito do Pentateuco quando da
traduo grega que surgiu no Egito a partir do sculo III a.c.
A este ncleo se agregaram, por volta do sculo III a.C, os livros prof-
ticos como grandeza prpria. Parecia que a era do profetismo tinha chegado ao
seu fmal (cf. Zc 13.2ss.) e que se iniciava o tempo da interpretao. Ao redor
de 190 a.c. Belo 48s. j relaciona no "louvor dos pais" Isaas, Jeremias,
Ezequiel e os doze profetas, enquanto que ainda falta o livro de Daniel, que
surgiu somente por volta de 165 a.C.
o Pentateuco no estava como que reclamando uma continuao, embora esta no
pudesse ostentar a mesma dignidade? Os cinco livros de Moiss aludem muitas vezes
antecipadamente, tanto nas suas passagens narrativas como nas leis, estada de Israel
na terra cultivada. Inversamente os textos histricos, e s vezes tambm os textos
profticos, se reportam s tradies fundamentais dos primrdios de Israel.
Ademais o costume de ler em voz alta durante o culto passagens da "lei" e dos
profetas (At 13.15) poderia remontar a uma poca bem mais antiga (v. abaixo 13a3).
O grupo dos "escritos" delimitado defmitivamente apenas na poca
neotestamentria, quando o AT como um todo e com a atual extenso dos textos
canonizado, isto , reconhecido como inspirado e com isto vlido para a f e
a vida da comunidade. A insero de Crnicas ou do livro de Daniel s nesta
terceira parte do cnone deve-se provavelmente ao surgimento relativamente
tardio destas obras, visto que no encontraram espao nas colees mais anti-
gas, j concludas.
A extenso de todo o AT provavelmente s se determinou em definitivo
em fins do sculo I d.C. (talvez no assim chamado Snodo de Jabne-Jmnia),
quando a comunidade judaica tomou a se consolidar aps a destruio de
Jerusalm e do templo (70 d.C.). No teria um distanciamento do cristianismo
influenciado na canonizao do AT? No s a Tor era bem conceituada h
muito tempo, mas tambm os livros profticos e os Salmos eram considerados
de fato j como "cannicos". Todavia, o Novo Testamento no parece ter
conhecido o Antigo Testamento na sua forma atual, claramente defmida; em
todo caso cita diversos escritos (Jud l4s.; cf. 1 Co 2.9 e outras) que foram
excludos do cnone judeu e considerados apcrifos, isto , no-cannicos.
Esta histria do cnone ainda repercute nas igrejas crists, que no deli-
mitam a extenso do AT de forma igual, em parte conservando os apcrifos
(Igreja Catlica), em parte excluindo-os (Igreja Luterana, mais rigorosamente a
Igreja Reformada).

15
A estrutura do Antigo Testamento (hebraico)
Nome Contedo Provvel fixao
(' 'canonizao' ')
Tora Pentateuco: sc. V/IV a.C.
"Instruo" Gn, x, Lv, Nm, Dt (samaritanos)
Nebiim "Profetas anteriores":
"Profetas" Js, Jz, 1-2 Sm, 1-2 Rs.
,'Profetas posteriores": sc. III a.e.
Is, Jr, Ez
Livro dos Doze Profetas (Os - MI)
Ketubim SI, J, Pv
,'Escritos' , 5 Megillot: Rt, Ct, Ec, Lm, Et ca. de 100 d.e.
Dn, Obra Historiogrfica Cronista
(Ed, Ne, Cr)

16
2
POCAS DA HISTRIA DE ISRAEL

o AT se formou dentro da histria e se refere, na maiona de seus


enunciados, histria. Todavia, sua exposio constitui um testemunho de f
que no conserva a tradio em sua configurao original, "historicamente
pura", mas a relaciona com o respectivo momento histrico, modificando-a
com isso ao mesmo tempo.
Por isto compete ao historiador desentranhar a histria de Israel de forma crtica
do AT. Esta reconstruo se baseia num passo metodolgico triplo: 1) anlise das fontes,
inclusive da tradio oral nelas contida; 2) identificao e avaliao de material compa-
rativo extrabblico do Antigo Oriente e 3) com especial cautela, inferncias sobre
acontecimentos histricos.
Tradies fixadas por escrito aparecem, em Israel, de forma mais ampla
somente a partir da poca da monarquia; lembranas de pocas anteriores eram
transmitidas oralmente, muitas vezes em forma de sagas. A localizao das
fontes, mas tambm a diversidade da metodologia aplicada fazem com que,
sobretudo no mbito da pr-histria e da histria dos primrdios de Israel,
muitas vezes se alcancem apenas resultados controvertidos. Israel s se confi-
gura como grandeza coesa, sujeita a inferncias histricas, depois da imigrao
em Cana; sua autocompreenso, porm, se baseia em tradies dos tempos
anteriores ao assentamento.
Considerando-se este fato, podemos dividir a histria de Israel a grosso
modo em cinco ou seis pocas (sendo possvel, por exemplo, fundir a 4 e a 5
fase em uma nica), para termos uma viso melhor:
I. Pr-histria nmade sculos XV(?)-Xm
II. poca pr-estatal sculos XII-XI
III. poca da monarquia ca. de 1000-587
IV. Exlio 587-539
v. poca ps-exlica a partir de 539
VI. Era do helenismo a partir de 333
Claro que neste apanhado geral e sucinto no nos propomos apresentar os proble-
mas muitas vezes complexos da historiografia e expor os mltiplos detalhes da histria
de Israel em suas relaes com o contexto do Antigo Oriente. Pretendemos, isso sim,
delinear apenas um quadro referencial dos fatos de mxima importncia para compreen-
der o M.

17
pocas principais dIJ histria de lsnd
pocas Datas Acontecimentos principais
L Prhistria nmade scs. x:v Promessas aos patriarcas
(?)-XIII Libertao do Egito
Revelao no Sinai
11. ~ pr-estatai scs. Tomada da terra
XIT-XI poca da consolidao e expanso
poca dos juzes
Ameaa dos filisteus Guerras de Jav
Confederao tribal: "anfictionia" (?)
m. ~ da monarquia
poca do Reino unido ca. de J(XXJ Saul
Davi (capital Jerusalm)
Salomo (construo do templo) Javista?
poca dos Reinos separados: 926 Assim chamada diviso
Reino do Norte (Ismel) do Reino (primeira data certa da
e Reino do Sul (Jud) histria de Ismel; I Rs 12)
- Assdio dos arameus Elias, Eliseu, Elosta?
(esp. 850-8(0) Ams (ca de 7(fJ)
- Hegemonia assria Osias (ca. de 750-725)
ca de 733 Guerra Siro-Efraimita contra Jud
(ca de 750-630)
(2 Rs 16.5; Is 7) Isaas (ca de 740-700)
732 Perdas territoriais de Ismel (2 Rs 15.29) e
722 Conquista da Samaria pelos assrios
(2 Rs 17)
poca de Jud 701 Cerco de Jerusalm pelos assrios
(2 Rs 18-20 = Is 36-39; 1.4-8)
- Hegemonia babilnica ca de 622 Reforma de Josias (2 Rs 22ss.; Jeremias (ca. de 626-586)
(a partir de (fJ5) Deuteronmio)
597 Primeira destruio e, dez anos mais tarde, Ezequiel
IV. Exlio 587 Destruio definitiva de Jerusalm Lamentaes
pelos babilnios (2 Rs 24s.; Jr27ss.) Obra Historiogrfica
Deuteronomstica
(Dt-2 Rs) (ca de 560)
Escrito Sacerdotal
Dutero-Isaas
V. ~ ps.exlica 539 Queda da Babilnia nas mos dos persas
(Is 46s. e outras)
- Hegemonia persa
520-515 Reconstruo do templo (Ed 5s.) Ageu, Zacarias
(539-333)
Em helenstica 333 Alexandre Magno (vitria em Isso Obra Historiogrfica
sobre os persas) Cronista
164 Nova consagrao do templo Livro de Daniel
dumnte o levante dos macabeus
64 Conquista da Palestina pelos romanos

18
a) A pr-histria nmade

A fase histrica que pressupe o surgimento de uma escrita comeou no


Antigo Oriente j no incio do terceiro milnio a.c. Quando Israel entrou no
palco da histria, povos vtero-orientais, portanto, j tinham um longo passado
atrs de si, em que Israel se sente includo (Gn 10). Contudo, os antepassados
de Israel (apesar de Gn 11.28ss.; 12.4s.) dificilmente vieram do mbito das
culturas altamente evoludas da Mesopotmia e do vale do Nilo.
Gn l1.20ss. menciona nomes prprios como Naor ou Har, cuja existncia como
topnimos comprovada no noroeste da Mesopotmia; tambm no prprio AT Har
aparece como topnimo (Gn Il.Sls.; 12.4s.; 28.10). Todavia, pouco provvel que os
ancestrais de Israel sejam oriundos daquela regio, muito menos da mais distante Ur
(11.28,31). Houve, isto sim, relaes de parentesco com aquela populao (27.43; 22.20ss.;
24.4ss.) como tambm as houve com os vizinhos mais prximos no Leste e Sul: Amom,
Moabe (l9.30ss.) e Edom (36.10ss.), que surgiram do movimento migratrio aramaico.
Os antepassados de Israel integravam provavelmente aqueles grupos aramaicos
que no decorrer do tempo adentraram a terra cultivada frtil em levas, provindas
alternadamente do deserto ou da estepe. Os parentes de Abrao so considerados
arameus (Gn 25.20; 28.5; 31.18,20,24 e outras) e o credo preservado em Dt
26.5 afirma inclusive a respeito do ascendente de Israel: "Meu pai era um
arameu errante." Ao que parece os antepassados de Israel falavam originalmente
aramaico e adotaram a lngua local, o hebraico, somente depois do assentamento.
At mesmo o nome de Deus, Jav, provavelmente aramaico (hwh, "ser") e
significa "ele , mostra-se (eficaz, prestativo)", o que retomado pela interpretao de
x 3.12,14: "Eu serei (contigo)."
Por volta da segunda metade do segundo milnio a.C. surgiram as trs
tradies constitutivas para a autocompreenso do posterior povo de Israel: a
promessa aos patriarcas, a libertao da servido no Egito e a revelao junto
ao Sinai. Na verso [mal que temos no AT do complexo processo traditivo,
difcil de se acompanhar em seus pormenores, as tradies formam um continuum
histrico: os patriarcas Abrao, Isaque e Jac se inserem numa seqncia
genealgica, os filhos de Jac se multiplicam e constituem no Egito o povo de
Israel (x 1.7), e Moiss representa a figura de ligao na abrangente seqncia
de acontecimentos que vai desde a opresso no Egito, passando pela estada
junto ao Monte Sinai, at a migrao para a Transjordnia (Dt 34). A f
compreende o passado como atuao do nico Deus em favor de um nico
povo, que conduzido por desvios, mas em conjunto, para a terra prometida.
A partir deste ponto de chegada a f israelita v a histria de forma mais
unitria do que ela se apresenta numa retrospectiva histrica. Desde o livro de
xodo at o livro de Josu, as tradies foram submetidas posteriormente a uma
"orientao pan-israelita" (M. Noth); ou seja, originalmente no tratavam do

19
povo inteiro. De maneira mais adequada as sagas do livro de Juzes descrevem
a poca posterior ainda como histria de tribos. Quando ento investigamos de
forma crtica o transcurso histrico, temos de destacar, num primeiro momento,
a camada interpretativa pan-israelita que marca profundamente as tradies do
Pentateuco. Alm disto o historiador deve verificar a seguinte questo: com a
histria dos grupos familiais do tempo dos patriarcas e com a histria do povo,
que comea na poca de Moiss, ou at com as tradies do xodo e do Sinai
no se fundem diversas tradies de outro meio e contedo, que remontam a
episdios vivenciados por grupos independentes entre si? Isto constitui um dos
problemas principais da historiografia; qualquer reconstruo da histria desta
poca no passar de um tatear no escuro.

1. Particularmente sobre a religio dos patriarcas s podemos tecer conjeturas.


A soluo clssica (A. Alt, 1929), hoje mais e mais questionada, detectou um
tipo especial de religio da famlia ou do cl, que se enquadra bem na forma
de vida dos nmades: a f no "Deus dos pais".
O "Deus de Abrao", o "Temor (parente?) de Isaque" ou tambm o "Poderoso
de Jac" (Gn 31.29,42,53; 46.1; 49.24s.) no se vinculavam a nenhum santurio
provido de sacerdotes, mas se revelavam - sempre individualmente - ao lder de um
cl migrante, prometendo-lhe orientao no caminho, proteo, descendncia e a posse
de terras (12.7; 28.15,20 e outras). Todavia, Israel estendeu a promessa de terra a toda
a Palestina e ampliou a promessa de um filho para a promessa de tomar-se um povo
(15.4ss. e outras).
Segundo a exposio de Gnesis, os patriarcas se assentavam, durante
suas migraes, em certos locais sagrados, onde lhes eram concedidas revelaes
de Deus (v. abaixo 5b3). Presumivelmente os grupos patriarcais se fixaram
nos arredores destes mesmos lugares: Abrao, perto de Hebrom (Gn 13.18; 18;
23), Isaque, perto de Berseba, no Sul (24.62; 25.11; 26.23ss.), Jac, tanto na
Transjordnia, em Peniel e em Maanaim (32.2,23ss.), como tambm na Cisjordnia,
em Siqum e Betel (28.lOss.; 33.19ss.; 35.1ss.). Desta diversidade de locais
onde se fixaram os patriarcas conclumos que os grupos originalmente viviam
separados uns dos outros. Por conseguinte, Abrao, Isaque e Jac provavelmente
s foram vinculados numa cadeia genealgica posteriormente, quando os distintos
grupos e tribos se uniram ou at - ao mais tardar, caso isto no seja tarde
demais - quando se fundiram num Estado.
Atravs do comrcio, por ocasio da transumncia ou de visitas aos santurios de
peregrinao, muito mais intensamente depois do assentamento, os seminmades se
encontraram com os cananeus nativos e identificaram os deuses dos patriarcas com as
manifestaes do deus EI nos santurios da terra cultivada, como o El-Betel, "Deus (de)
Betel", em Bete! (Gn 35.7; cf. 31.13), ou o EI-0Iam, "Deus (da) Eternidade", em
Berseba (21.33; cf. 16.13 e outras).
Em um estgiosubseqente, as divindadesdos patriarcase de El foram identificadas

20
com Jav, o Deus de Israel (x 3.6,13ss.; 6.2s.; cf. Js 24.23). Este fenmeno no
significava uma distoro da f em Jav por elementos aliengenas, porque j o Deus
dos patriarcas, com a sua palavra que apontava para o futuro, estava voltado para os
seres humanos e com isto para a histria, e era adorado de modo "monoltrico", quer
dizer, como Deus nico dentro de cada cl.

2. 'Iambm a sada do Egito, que se tornou a confisso de f fundamental


para Israel (x 20.2; Os 13.4; Ez 20.5; SI 81.11 e outras), se apresenta como
cumprimento de uma promessa (x 3s.; 6). Segundo todos os indcios histricos,
porm, s houve um nico grupo que esteve no Egito e que mais tarde foi
absorvido pelo povo de Israel, mais precisamente, ao que parece, pelo Reino do
Norte.
Sob estas restries, contudo, a tradio contm um ncleo histrico
confivel. Os antepassados de Israel, que muito provavelmente foram forados
pela carestia a migrarem para o Egito (Gn 12.10; 42s.), foram submetidos ali a
trabalhos forados, participando na construo das "cidades-celeiros" Pitom e
Ramss (x 1.11). Este dado nos remete ao sculo XIII a.C; quando Ramss
11 mandou erguer uma nova capital ("casa de Ramss") no delta ocidental, na
fronteira nordeste de seu reino. Quando o grupo de trabalhadores fugiu (cf.
14.5), foi perseguido, mas salvo - talvez por uma catstrofe natural. O testemunho
mais antigo deste episdio um cntico que descreve este acontecimento no
como vitria de Israel, mas exclusivamente como feito de Deus, realizado sem
auxlio humano:
"Cantai a Jav; pois alto se ergueu,
cavalo e condutor (de carro de combate) ao mar atirou."
(x 15.21; cf. 14.l3s.25.)
Tanto a verso traditiva em forma de hino (x 15) como a verso em prosa
(14) antecipam dois traos bsicos da f veterotestamentria, que - ao lado da
adorao exclusiva a Jav e da proibio de imagens (x 20.2ss. e outras) -
a marcam at a poca tardia: a f se reporta a feitos de Deus na histria e
professa o Deus que liberta da aflio.
Todavia, a lembrana destes acontecimentos, seja da opresso (x 1.15ss.;
5), seja da libertao (14.23,26, 28s.P; 15.8ss.; SI 136.13ss.; Is 51.9s. e outras),
foi pintada com cores sempre mais fortes no decorrer do tempo. Os milagres
das pragas e da noite da Pscoa, que obrigam o fara a "deixar ir" Israel, em
ltima anlise so simblicos: filhos e netos, sim, todo o mundo deve saber o
que Jav fez (x 9.16; 10.2).
Por ocasio da ltima desgraa com que Deus golpeia os egpcios, a matana dos
primognitos humanos e animais, s "poupado" quem se garante por meio de um
rito de proteo. Esta praga revela algo da origem da Pscoa, que remonta aos tempos
nmades. nata-se de um antigo rito apotropico (asperso das entradas das casas ou das
tendas com sangue ovino, consumo de carne assada), atravs do qual os pastores

21
protegiam a si e a seus rebanhos contra um demnio do deserto, o "exterminador" (x
12.23; cf. Hb 11.28).
Em Israel, a Pscoa adquiriu um novo carter:vinculadacom a festa dos Massoth,
a festa dos pes asmos, quando por sete dias se comia apenas po sem levedura (x 13;
cf. 23.15; 34.18), tomou-se dia comemorativo do xodo (12.14 P; cf. Dt 16.3,12 e
outras), servindo assim de motivo para a proclamao (x 12.24ss.; 13.8,14ss. e outras)

3. O nome de Deus, Jav, est vinculado originalmente ao monte Sinai


(Jz 5.4s.; Dt 33.2), e diz-se que Moiss "subiu a Deus" para conduzir o povo
"ao encontro de Deus" (x 19; 24; cf. 33.12ss.; 1 Rs 19).
O monte Sinai, cuja localizao exata continua uma incgnita, ficava na
rea de migrao dos midianitas nmades? Possivelmente os antepassados de
Israel tenham assimilado a f em Jav pela mediao dos midianitas (cf. x
18.12) ou quenitas (cf. Gn 4.15); em todo caso a tradio preservou a lembrana
confivel de que Moiss era genro de um sacerdote midianita (x 2.16ss.; 18)
ou, ento, quenita (Jz 1.16; 4.11). Ser que foi desta maneira que Moiss
conheceu a f em Jav, divulgando-a depois entre aqueles que estavam submetidos
servido no Egito (cf. x 3s.)? Visto que Moiss tem um nome egpcio -
cujo significado aproximado "filho" - , podemos decerto ver em sua pessoa
um elo de ligao entre os territrios do Egito, de Midi e da Transjordnia (Dt
34.5s.). O papel de Moiss como mediador da revelao de Deus junto ao
monte Sinai tambm faz parte do ncleo desta tradio? Em todo caso, continua
controvertido o que "realmente" aconteceu ali. A percope do Sinai em sua
forma atual compreende essencialmente trs temas:
- a teofania, isto , a manifestao de Deus em um fenmeno natural, seja uma
erupo vulcnica ou uma tempestade (x 19.16ss.);
- a assim chamada frrmao da aliana, isto , a fundao da comunho entre Deus
e o povo (x 24; 34);
- o anncio do direito divino (especialmente em x 20-23; 34).
Certamente a teofania faz parte do acervo primitivo, e muito provavelmente
tambm o encontro com Deus, que inaugura um relacionamento duradouro que
s mais tarde deve ter sido chamado de "aliana". Mas a proclamao do
direito no constitui um elemento traditivo originalmente autnomo? Em todo
caso, pelo fato de o Declogo, o Cdigo da Aliana (x 20-23) e tambm outras
colees de preceitos jurdicos e normas clticas terem sido includos na percope
do Sinai, tanto o culto quanto a tica e as leis de convivncia humana so
considerados conseqncia do relacionamento com Deus.
Entre a sada do Egito e a revelao no Sinai, bem como entre esta e a tomada
da terra, foi introduzida a tradio da "conduo pelo deserto". Esta tradio, contudo,
no forma uma unidade coesa, sendo composta por diversas sagas e episdios isolados.
Estesdescrevem essencialmente a salvao de aflies e perigos durantea peregrinao pelo

22
deserto - a salvao da fome (alimentao com man e codornizes: x 16; Nm 11) e
da sede (gua que maria da rocha: x 17; Nm 20; cf. x 15.22ss.), mas tambm da
ameaa inimiga (guerra contra Amaleque: x 17.8ss.). No atual contexto as tradies
distintas testemunham de maneira exemplar a falta de confiana por parte de Israel nas
promessas divinas, que se expressa nas "murmuraes" do povo saudoso das "panelas
de carne" do Egito (16.3; Nm 11).
As diversas tradies locais do extremo Sul da Palestina (em especial x 17)
apontam para um centro geogrfico oculto e de cuja importncia o AT apenas conserva
uma vaga lembrana (Dt 1.46; 32.51; 33.8; Nm 13.26; 20 e outras). Os antepassados de
Israel se demoraram na regio do osis de Cades? Os que haviam sado do Egito
encontraram-se ali com outros grupos, eventualmente tambm da regio do Sinai?
Durante a caminhada em direo terra cultivada este serviu de ponto de parada
intermediria decisiva tambm para a divulgao da f em Jav? Neste perodo da
pr-histria de Israel, j bastante prximo da Palestina, h mais perguntas do que
respostas seguras.

b) A poca pr-estatal
(tomada da terra e poca dos juzes)

Enquanto na sia Menor o imprio hitita desmoronava e os grandes


imprios do Egito e da Mesopotmia experimentavam um declnio no seu
poder, na passagem da Idade do Bronze Recente para a Idade do Ferro, os
antepassados seminmades de Israel penetraram na Palestina e, ao que parece,
somente a formaram tribos organizadas. Este processo imigratrio, proposital-
mente designado com a expresso neutra "tomada da terra" (A. Alt), dificil-
mente se caracterizou (ao contrrio de Js 1-12) por atividades guerreiras onde
todo o Israel, unido sob uma liderana comum, tivesse conquistado, passo a
passo, todo o pas. Tratou-se, antes, de um processo essencialmente pacfico,
gradativo e, ao que parece, demorado de paulatina sedentarizao.
Este processo se deu de maneira diferente em cada regio, como mostram alguns
registros, conservados mais ou menos por acaso. A tribo de D tentou primeiro assentar-
se na Palestina Central, mas foi escorraada para o extremo Norte (Jz 1.34; 13.2,25;
17s.; Js 19.408s.). Provavelmente tambm a tribo de Rben (cf. Js 15.6; 18.17;Jz 5.15s.),
decerto tambm as tribos de Simeo e Levi (Gn 34; 49.5ss.) se assentaram originalmen-
te no mbito da Palestina Central.
A tribo de Issacar (= "homem de salrio, assalariado") pde, pelo que sugere o
nome, tomar-se sedentria apenas comprometendo-se a prestar servios a cidades cana-
nias (cf. Gn 49.14s.; tambm Jz 5.17).
A imigrao dos distintos grupos ocorreu presumivelmente tambm par-
tindo de diversas direes. Jud (ao redor de Belm) foi ocupada a partir do sul
(cf. Nm 13s.), a Palestina Central, ou seja, as reas habitadas por Benjamim e
a "casa de Jos", a partir do leste (Js 2ss.)? Em todo caso, o assentamento

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ocorreu primeiro nas reas montanhosas, menos populosas (cf. Js 17.16; Jz
1.19,34). As localidades fortificadas das plancies, que constituam cidades-
estados politicamente independentes e dispunham, graas aos seus carros de
combate, de armamento superior, no puderam ser conquistadas, como compro-
va a assim chamada "relao negativa de posse" (Jz 1.21,27ss.), altamente
significativa para a reconstruo dos primrdios de Israel.
Desta maneira surgiram quatro reas de ocupao israelita que estavam
interligadas apenas parcialmente: os dois centros eram formados pela' 'casa de
Jos" na Palestina Central e Jud no Sul, como tambm os territrios mais
perifricos da Galilia no Norte (Aser, Zebulom, Naftali, Issacar) e a Transjor-
dnia (Rben, Gade). Entre as trs reas de assentamento na Cisjordnia inse-
riam-se dois cintures de cidades-estados cananias fortificadas: o cinturo
setentrional passava pela plancie de Jezreel (Jz 1.27; Js 17.14), e o meridional
ia de Jerusalm em direo ao oeste (Jz 1.21,29.35). Porm estas duas barreiras
transversais dificilmente significavam uma separao rigorosa das diversas re-
gies de "Israel".
Durante a poca dos juzes - isto , um pouco mais tarde - indivduos e
tambm tribos da Palestina Central e da Galilia tinham oportunidades de se encontra-
rem (Jz 4s.; 6s.). Existiam tambm contatos com Jud no Sul (compare Js 7.1,16; 15.16
com Jz 3.9; eventualmente 12.8)?
tomada da terra, concluda por volta do sculo XII a.C; seguiu-se a
progressiva expanso e consolidao da posse da terra. Parece que somente este
perodo, em que "Israel se tornou mais forte" (Jz 1.28), marcado em medida
maior por confrontos blicos com as cidades-estados cananias, especialmente
pela assim chamada batalha de Dbora (Jz 4s.; cf. 1.17,22ss.; Js lOs.; Nm
21.21ss.; mas tambm Gn 34). Os cananeus foram submetidos a trabalhos
forados (Jz 1.28ss.; Js 9) e assim paulatinamente integrados, de modo que
Israel pde assimilar concepes religiosas da populao autctone.
No era natural que Israel mantivesse os costumes que desde tempos
imemoriais estavam vinculados agricultura (cf. SI 126.5s.)? Acaso a chuva,
que propiciava vida, e a fertilidade do solo no vinham dos deuses do pas, em
especial do deus Baal? Em ltima anlise a exigncia da f israelita de adorar
exclusivamente a Jav permitia apenas wna nica soluo, que por certo s se
imps depois de um perodo de tempo mais prolongado: Jav tambm senhor
das estaes do ano (Gn 2.5; 8.21 J; 1 Rs 17s.; Os 2 e outras). Nos santurios
do pas, como Betel ou Silo, Israel deve ter conhecido as tradicionais festas
agrrias do pas (Jz 9.27; 21.19ss.; cf. x 23.14ss.).
O cntico de Dbora (Jz 5) celebra a vitria que uma coalizo de tribos
obteve com o auxlio de Jav sobre as cidades cananias, na plancie de Jezreel.
De modo similar as tribos diretamente atingidas por qualquer emergncia se
coligavam com outras da circunvizinhana (cf. 7.23s.) para travar a "guerra de

24
Jav", sob a liderana de um "juiz" carismtico - seja contra ataques de
vizinhos inimigos, como os amonitas (Jz 11; 1 Sm 11), seja contra a invaso de
tribos inimigas, como os midianitas (Jz 6s.; v. abaixo llc2).
Como tribos distintas se uniam no caso de uma guerra, tribos vizinhas
tambm se encontravam em diversos santurios de peregrinao para celebra-
rem cultos em conjunto (cf. Dt 33.19 a respeito do 'Ibor). Havia alm disso um
vnculo duradouro, de alguma forma institucional, de todas as tribos? Havia,
antes da formao do Estado, uma confederao das doze tribos, uma assim
chamada anfictionia (M. Noth), que, em conjunto, prestava culto a Jav?
Conforme textos mais antigos (Gn 29.31ss.; 49; Dt 33), bem como textos mais
recentes (p, ex. 1 Cr 2.1s.), as tribos so sempre 12;elas so personificadas nos 12 filhos
do patriarca Jac-Israel e se relacionam conforme seu respectivo ascendente matemo:
filhos de Lia: Rben, Simeo, Levi, Jud, Issacar e Zebulom;
filhos de Raquel: Jos (Efraim, Manasss), Benjamim;
filhos das criadas: D e Naftali [de Bila], Gade e Aser [de Zilpa].
Numa verso posterior da lista (Nm 1; 26) falta Levi; o nmero 12 mantido, no
entanto, pela subdiviso de Jos em (seus filhos) Efraim e Manasss.
Certamente o smbolo e a realidade se confundem neste sistema de clas-
sificao -- mas o que constitui seu fundo histrico? O nmero 12, significati-
vamente constante e mantido por sculos (apesar da troca dos elementos men-
cionados), dificilmente pode ter-se originado no tempo da monarquia; pois a
monarquia trouxe consigo a constituio de um Estado nacional e, por fim,
territorial que ultrapassava em muito a estrutura tribal. Tambm a ordem hierr-
quica das tribos em pocas posteriores no corresponde mais realidade hist-
rica; pois as tribos de Rben, Simeo e Levi (cf. Gn 34; 49.3-7) h muito
haviam perdido sua importncia ou at haviam desaparecido. Assim, deve-se
supor que os diversos agrupamentos de tribos nas listas de 12 nomes espelham,
ao menos em parte, uma pr-histria diversificada das confederaes de tribos.
Especialmente o grupo dos seis filhos de Lia parece ter um passado prprio;
talvez j fosse sedentrio na Palestina Central antes de os filhos de Raquel Jos e
Benjamim imigrarem do Egito, possivelmente trazendo consigo a f em Jav e introdu-
zindo-a em Israel. Ser que Js 24 conserva uma lembrana deste acontecimento?
Como a lista com 12 nomes junta tribos do Sul e do Norte, deve ter
havido certos elementos comuns entre todas as tribos, talvez at uma organiza-
o abrangente.
Certamente exagerado afirmar que Jud, no Sul, e as tribos de Efraim e
Manasss, com o centro religioso em Siqum (cf. Gn 33.18-20; Js 24 e outras), tiveram
uma histriacomum somente a partir de Davi, pois decerto minimiza demais as relaes
j existentes na poca pr-estatal. Neste caso dificilmente se conseguiriaexplicar como
a f em Jav conseguiu se impor tambm no Sul.

25
As tradies dos patriarcas pressupem relaes bastante estreitas entre Berseba
(Gn 26.23ss.) ou Hebrom (Gn 18), no Sul, e Siqum (12.6 e outras), no Norte. Mas ser
que todas as tradies dos livros de Josu e Juzes que abarcam o Sul (Js 7; 10; Jz 3.9
e outras) s surgiram no tempo da monarquia? Mesmo a descrio de Jz 1 compreende
tambm a distribuio de propriedade em Jud. Talvez a lista dos assim chamados
"juzes menores" em Jz lO.1ss.; 12.8ss. at guarde recordaes de um cargo de
jurisprudncia sobre Israel (= tribos do Norte ou sua totalidade?).
De qualquer forma, a partir das diversas cidades-estados nas plancies e
nas reas de colonizao israelita nas montanhas formou-se gradativamente na
Palestina um organismo coeso, da mesma forma como ocorreu com os povos
vizinhos de Israel: os amonitas, moabitas e edomitas no Leste e Sudeste, como
tambm os arameus no Norte e Nordeste, que fundaram estados nacionais.

c) A poca da monarquia

Tambm na plancie litornea meridional surgiu uma potncia nova que


logo se tornou uma ameaa para Israel como um todo: os filisteus. No eram
semitas (por isto so chamados no AT de "incircuncisos"); antes, chegaram
Palestina dentro do movimento migratrio dos povos do mar, por sua vez
relacionado com a migrao drica. Os filisteus acabaram formando cinco
cidades-estados (Gaza, Ascalom, Asdode, Ecron, Gate). E, enquanto que no
perodo dos juzes os ataques de tribos ou povos inimigos ficaram limitados no
tempo e no espao, a hegemonia crescente (cf. Jz 3.31; 13-16) e fmalmente
duradoura (1 Sm 4ss.; 10.5) dos filisteus, com seu superior armamento de ferro
(cf. 13.19s.; 17.7), obrigou todo o Israel a agir em conjunto sob uma liderana
permanente, Assim, por volta de 1000 a.c., a monarquia foi instituda por
presso da poltica externa, surgindo, assim, um Estado (l Sm 8-12; cf. llc3).

1. A poca comum dos dois reinos

O reinado de Saulobteve sucessos iniciais (1 Sm 11; 13ss.), mas acabou


tendo um fmal catastrfico (l Sm 28; 31) e durou pouco. Fracassou ante a
ameaa dos filisteus, que s Davi conseguiu conjurar de forma defrnitiva.
Mais uma vez se coloca a pergunta pela ligao entre o Norte e o Sul. Compreen-
dia o reino de Saul - bem como o de seu filho Is-Bosete, que regeu por um curto
perodo transitrio aps a morte de Saul (2 Sm 2.9s.) - s o que se chamou mais tarde
de Reino do Norte, sem Jud? De qualquer modo, o poder de Sau1 se estendia tambm
para o Sul. Davi, da famlia de Jess, de Belm em Jud, foi levado para a corte de Saul
em Gibe, ao norte de Jerusalm (1 Sm 16.14ss.; cf. 22.6), e Saul perseguiu Davi, que
se havia cercado de um bando de mercenrios, at o Sul, porque Davi tinha mais
sucesso que ele (1 Sm 22ss.), o que o deixava invejoso.

26
Depois de um curto interregno, Davi se tomou rei - primeiro em He-
brom sobre a casa de Jud (2 Sm 2.1-4), mais tarde, atravs de um acordo,
tambm sobre as tribos setentrionais (5.1-3). A investidura no cargo acontecia
mediante uno, que os representantes do povo (2.4; 5.3), ocasionalmente
tambm o profeta, efetuavam em nome de Deus (2 Rs 9; cf. 1 Sm 10.1; 16.13).
Assim o rei o "ungido" de Jav (mashiah, "messias": 2 Sm 23.1s.; SI 2.2; 20.6
e outras), tomando-se, pois, intocvel (l Sm 24.7,11). Ademais considerado filho de
Deus, mesmo que por adoo (SI 2.7; 89.27s.; 2 Sm 7.14). A ele cabe governar o
mundo (SI 2; 110), e sua "justia" se estende para alm do mbito social, inclusive para
dentro da natureza (SI 72).
Davi unificou em sua pessoa no apenas tribos do Sul e do Norte, mas
tambm integrou em Israel as cidades-estados cananias ainda independentes.
Alm disso, com seu exrcito permanente subjugou em graus variados os povos
vizinhos, como os filisteus no Oeste, os amonitas, moabitas e edomitas no
Leste, e at os arameus no Norte (2 Sm 8; 12.30), de modo que conseguiu
formar no mbito srio-palestinense um grande reino, para o qual ele e seu
sucessor tambm providenciaram a organizao necessria ( 3c).
Dentro desta expanso de poder um passo foi de suma importncia para
o perodo subseqente e tambm para a f de Israel: Davi mandou seus merce-
nrios conquistar a cidade canania, mais precisamente jebusita, de Jerusalm,
que se localizava como que em territrio neutro entre o Reino do Norte e o do
Sul. Elevou a cidade categoria de residncia (2 Sm 5.6ss.) e ao mesmo tempo
- com o translado da arca (2 Sm 6) - transformou-a no centro cltico da f
em Jav.
Por meio de intrigas na corte e da deciso autoritativa de Davi, Salomo
tomou-se sucessor no trono (l Rs 1). Erigiu um templo na capital (1 Rs 6-8).
Para tanto se beneficiou de suas relaes comerciais internacionais (9.11,26ss.;
10), que propiciaram um tempo de paz e provavelmente tambm criaram as
condies necessrias para a "sabedoria" de Salomo (3; 5.9ss.; v. abaixo 27,1).
O templo, que mantinha uma relao estreita com o palcio real, obteve
a dignidade de santurio real (cf. Am 7.13), onde atuavam sacerdotes conside-
rados funcionrios pblicos (l Rs 4.2). A nova crena de que Jav habita no
templo (8.12s.) ou no monte Sio (Is 8.18; SI 46; 48; v. abaixo 25.4s.) no
reprimiu exageradamente as lembranas do tempo de vida nmade? Ao lado
dos outros santurios do pas, Jerusalm parece ter sido o lugar onde concep-
es de outras religies - p. ex., do monte de Deus (SI 48.3 [48.2]), da corte
divina (29; 89.6ss. [89.5ss.]), da realeza de Deus (47; 93ss.; Is 6), da luta contra
o drago (SI 77.17ss. [77.16ss.]), mas tambm da criao do mundo (8; 24.2;
104 e outras) - se infiltraram no javismo e foram remodeladas para configurar
enunciados da prpria f.

27
2, A peca dos reinos separados,
especialmente do Reino do Norte, Israel

J durante o reinado de Salomo, o grande reino criado por Davi comeou


a ruir nas suas bordas (1 Rs l1.14ss.; 23ss.. ), soobrando depois da sua morte.
A antiga oposio entre o Norte e o Sul, fomentada por levantes j durante a
vida de Davi e Salomo sob o lema: "Que parte temos ns com Davi?" (2 Sm
20.1; 1 Rs 12.16; cf. l1.26ss.), irrompeu de novo e definitivamente por ocasio
da assim chamada diviso do reino (926 a.Ci; 1 Rs 12). Ainda dois sculos mais
tarde esta diviso foi entendida pelo profeta Isaas (7.17) como dia do juzo.
Jud no Sul, cem a capital Jerusalm, e Israel no Norte mantiveram da em
diante sua respectiva autonomia poltica.
Quanto ao tempo de reinado de Davi e Salomo s se sabe que, em nmeros
arredondados, cada qual governou por 40 anos (l Rs 2.11; 11.42). S com a assim
chamada diviso do reino comea uma cronologia relativamente exata, dentro da qual
ocorrem apenas pequenas variaes numricas, j que, por um lado, a partir de ento se
comparam, no livro dos Reis, a durao dos reinados dos governantes do Reino do
Norte com a durao dos reinados dos governantes do Reino do Sul ( llc4) e, por
outro lado, a histria de Israel imerge mais na histria contempornea vtero-oriental
por ns conhecida (l Rs 14.25s.; 2 Rs 3 e outras).
Alm do 1~;aiS, com o surgimento da monarquia comeam a aparecer as fontes
escritas: primeiro, as histrias da ascenso e da sucesso de Davi no trono ( llc3),
depois as "crnicas" oficiais dos reis (l Rs 11.41; 14.19 e outras). Sobretudo parece ter
surgido na poca de Salomo a fonte javista e, um a um e meio sculo depois, a fonte
elosta do Pentateuco.
A dinastia de Davi governou inconteste por mais de trs sculos no Reino
do Sul, continuando sua residncia a ser naturalmente Jerusalm, onde se
localizava o santurio real. O Reino do Norte carecia de centros cultuais
correspondentes; por isso parece menos consolidado. A capital mudava: Si-
qum, Pcnuel (1 Rs 12.25), por mais tempo Tirza (14.17; 15.21,33 e outras),
por fim e defmitivamente Samaria, uma colina antes desabitada, que Onri
comprou por volta de 880 a.c. (16.24; cf. 2 Sm 24.21ss.). Desta forma a nova
residncia se tomou propriedade do rei, assim como acontecera com Jerusalm.
Embora tambm no Reino do Norte se tentassem estabelecer dinastias como
que naturalmente (l Rs 15.25; 16.8,29 e outras; j 2 Sm 2.8s.), estas eram
interrompidas mais cedo ou mais tarde, derrubadas por insurreies violentas (l
Rs 15.27; 16.9 e outras). Ocasionalmente o movimento proftico parece ter
desencadeado a subverso, designando o novo governante (p. ex., a revoluo
de Je, 2 Rs 9s.; cf. a apresentao esquematizada em 1 Rs 11.29ss.; 14.14 e
outras). Em todo caso, a monarquia encontrava severos crticos entre os profetas.
Entre os regentes do Reino do Norte vrios se destacam:

28
o primeiro governante Jeroboo I (926-907) parece ter emancipado Israel em
termos clticos, elevando Betel e D condio de santurios do reino (1 Rs 12.26ss.;
cf. Am 7.10,13).
Onri (razo pela qual os assrios puderam chamar o Reino do Norte de "casa de
000") e seu filho Acabe (por volta de 880-850) promoveram o sincretismo, para
possibilitar a integrao da populao canania. A tolerncia e at o apoio dado
religio de Baal (l Rs l6.3ls.) provocaram a oposio dos profetas, especialmente de
Elias (v. abaixo 13d).
Je (845-818) chegou ao poder mediante uma revoluo apoiada por grupos fiis
a Jav. Embora combatesse as tendncias sincretistas da corte (2 Rs 9s.), mais tarde
repudiado pelo profetas Osias, por causa das matanas que promoveu (1.4:,,). Je
fundou a dinastia real mais duradoura, que, no entanto, mal governou um SCUlO. Dela
faz parte Jeroboo TI (787-747), durante cujo reinado parece ter ocorrido mais uma
poca urea (2 Rs l4.25ss.). No ltimo quartel de sculo os usurpadores se sucederam
rapidamente (entre eles Menam, Pecaas, Peca), at a derrocada final do Reino do
Norte durante o reinado de Osias em 722 a.c. (2 Rs 17).
Na poltica interna o desenvolvimento deste Estado foi determinado pelo
grande contingente populacional cananeu, que tinha concepes polticas, jur-
dicas, sociais e religiosas prprias. Na poltica externa importava, num primeiro
momento, definir limites territoriais claros com Jud no Sul. Entre ambos os
estados-irmos s temporariamente houve um relacionamento amistoso; repeti-
das vezes houve escaramuas na fronteira, na disputa pela regio benjaminita
ao norte de Jerusalm (1 Rs 14.30; 15.16ss.; 2 Rs 14.8ss.).
Um adversrio muito mais perigoso e implacvel, porm, se levantou no
Norte. J no tempo de Salomo o Estado arameu de Damasco alcanou sua
independncia (1 Rs 11.23s.), logo envolvendo Israel em combates fronteirios
(15.20) e, durante a segunda metade do sculo IX, em pesadas guerras (20; 22;
2 Rs 6s.; 8.12; 13; Aro 1.3s. e outras). Sossego Israel apenas encontrou quando
os assrios enfraqueceram o poder de Damasco, mas no interferiram, por
algumas dcadas (ca. 800-750), no cenrio srio-palestinense, de sorte que Israel
conseguiu recuperar reas perdidas (2 Rs 13.25; 14.25,28). Mas j no [mal desta
mesma poca (a partir de 760 mais ou menos) os profetas Ams, Osias e Isaas
prenunciavam o "fim" de Israel.
J no sculo IX os assrios haviam reclamado a posse da Sria (854/3,
batalha em Carcar, junto ao rio Orontes, contra uma coalizo de pequenos
estados, inclusive Israel), mas s a partir de 740 a.c. esta potncia militar, to
ameaadora para Israel e famigerada por sua truculncia (cf. Is 5.26-29; Na 2),
avanou em direo ao Sul. A sujeio do Reino do Norte aconteceu em trs
etapas, caractersticas para a poltica expansionista assria: cada etapa superava
a anterior em termos de brutalidade:
1. Pagamento de tributo por Menam em 738 a.c. (2 Rs 15.19s.).
2. Reduo do Estado: em 733/2 a.C. a regio setentrional de Israel foi

29
desmembrada e transformada em trs provncias: Dor, Megido, Gileade (2 Rs
15.29); tambm foi instalado um governante ttere, subserviente a Assur (Osias).
3. Incorporao do Estado mutilado restante (Efraim) no sistema provin-
cial assrio e conseqente supresso do ltimo resqucio de autonomia poltica,
deportao da classe alta autctone e instalao de uma elite estrangeira (722
a.C; 2 Rs 17).
Assim, as tentativas dos estados pequenos de se livrarem da vassalagem
apenas os afundavam em uma dependncia cada vez maior, levando-os ao
segundo e, depois, ao terceiro estgio. Neste contexto se insere a assim chama-
da Guerra Siro-Efraimita (por volta de 733 a.C.), que Damasco (Sria) sob
Rezim e Israel (com o centro em Efraim) sob Peca, o "filho de Remalias"(Is
7.2,9), travaram contra o Reino do Sul, Jud, para for-lo a integrar uma
coalizo antiassria e derrubar o davidida Acaz, que se opunha a tal intento (2
Rs 16.5; Is 7) - sem, no entanto, obterem sucesso. Os assrios invadiram
Israel, que acabou no segundo estgio de dependncia, e pouco tempo depois
destruram Damasco (2 Rs 16.9). Jud escapou, mas teve que sujeitar-se a pagar
pesados tributos, tomando-se vassalo assrio (16.8,lOss.).
No ano de 722 a.C; depois de trs anos de cerco, caiu Samaria - o que
significou o fim da histria do Reino do Norte, do antigo ncleo territorial da
f em Jav! As tradies do Norte de Israel (como a mensagem de Osias,
provavelmente tambm o relato do Elosta e talvez uma forma primitiva do
Deuteronmio) migraram para o Reino do Sul, que adotou o nome de "Israel".
A se situa agora o centro gravitacional tambm para as futuras criaes literrias.
Visto que os assrios - ao contrrio do que fizeram os babilnios apenas
um sculo e meio depois - dispersaram a elite deportada (2 Rs 17.6), perdem-
se seus rastros. Da populao que ficou no pas, misturada com estrangeiros
reassentados fora (17.24; cf. Ed 4.2), surgiram mais tarde os samaritanos.

3. A poca do Reino do Sul, Jud

Os reis assrios determinaram por cerca de um sculo primeiramente a


histria de ambos os reinos, depois a do Reino do Sul apenas:

Tiglate-Pileser (III) 745-727 2 Rs 15.29; 16.7,10


sob o nome babilnico de PuI 2 Rs 15.19
Salmaneser (V) 726-722 2 Rs 17.3; 18.9
Sargom (lI) 721-705 Is 20.1
Senaqueribe 704-681 2 Rs 18.13; 19.20,36
= Is 36.1; 37.21,37
Asaradon 680-669 2 Rs 19.37 = Is 37.38
Assurbanipal 668-631(?)

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Mesmo que a sorte dos povos subjugados pudesse servir de alerta para os
outros pequenos estados, irrompiam constantemente rebelies como o levante
de 713-711 a.C., que irradiou-se da cidade filistia de Asdode, contagiando
tambm aJud (Is 20). Nas tentativas de libertar-se da hegemonia assria
procurou-se garantir a ajuda do Egito, onde reinava a dinastia etope (Is 18) sob
o fara Sabaca. Este arranjo poltico triangular - a grande potncia de Assur,
o Egito e os pequenos estados, inclusive Jud - pressuposto nas palavras da
poca tardia de Isaas, nas quais o profeta ameaa com a derrota do Egito e de
seus protegidos (especialmente Is 30.1-3; 31.1-3).
Depois que Senaqueribe ascendeu ao trono, o rei Ezequias at liderou uma
conspirao. (A partir deste contexto, a libertao da dependncia assria, poder-
se-ia explicar tambm a reforma do culto [2 Rs 18.4]). Os assrios reagiram no
ano de 701 aC., ocupando o pas e sitiando Jerusalm. Mas, por motivos que
no podemos mais decifrar por inteiro, Senaqueribe desistiu de conquistar a
cidade e se satisfez em cobrar um tributo e restaurar a relao de vassalagem
(2 Rs 18.13-16; cf. SI 46.6? [46.5?]). Em meio ao jbilo geral, Isaas convocou
o povo a manifestar seu luto (22.1-14). Jud parece, embora s por tempo
limitado, ter sido separado da capital e repartido entre estados filisteus leais aos
assrios (conforme o relato de Senaqueribe; cf. Is 1.4-8).
Embora os assrios conseguissem subjugar at o Egito por volta de 670
(cf. Na 3.8), seu poder foi lentamente corrodo aps 650 a.c.. Nas dcadas
turbulentas que se seguiram, passou a atuar, ao lado de Naum, Habacuque e
Sofonias, o profeta Jeremias.
Depois do longo reinado de Manasss, vassalo da Assria, Josias (639-609
a.C) conseguiu reconquistar a autonomia poltica, inclusive resgatar parte do
antigo Reino do Norte, durante o declnio da hegemonia assria. Este curto
perodo de liberdade possibilitou a reforma em que se introduziu o Deuteron-
mio ou sua forma primitiva, como uma espcie de lei estatal, depurou-se o
culto, excluindo elementos aliengenas e proclamou-se Jerusalm santurio ex-
clusivo em Israel (622 a.Cc; 2 Rs 22s.). Mesmo que esta reforma seja de
importncia decisiva para a compreenso de amplas partes do AT, sua histori-
cidade objeto de controvrsia (v. abaixo lOa,5).
Nos anos de 614-612 Assur e Nnive sucumbiram diante dos ataques
conjuntos dos medos (ao redor de Ecbtana no Noroeste do Ir) e dos caldeus
ou neobabilnios (que empreenderam uma restaurao do imprio veterobabi-
Inico sob o culto de Marduque). O fara Neco tentou evitar a queda do
imprio assrio. Foi durante esta campanha que o rei Josias (609 a.C.) perdeu
sua vida em Meguido, e seu sucessor Jeoacaz foi banido pouco tempo depois
para o Egito (2 Rs 23,29ss.; 2 Cr 35.20ss.; Jr 22.lOss.). Mas Nabucodonosor
derrotou o exrcito egpcio (em Crquemis junto ao rio Eufrates, 605 a.C) e
assim conquistou a Sria/Palestina para a Babilnia.

31
Quando um filho de Josias, Jeoaquim (608-598), ousou suspender o
pagamento de tributos, Nabucodonosor mandou sitiar Jerusalm. Neste meio
tempo morreu Jeoaquim. Seu filho e sucessor Joaquim s conseguiu governar
por alguns meses e, por ocasio da primeira conquista de Jerusalm, em 597
a.c., teve de seguir para o exlio, acompanhado pela famlia real, classe alta e
por artesos (2 Rs 24.8ss.) - entre eles, o profeta Ezequiel. Mesmo assim
parece que Joaquim em certos crculos continuou sendo considerado rei legti-
mo (cf. a datao em Ez 1.2); mas as esperanas que se associavam sua
pessoa, no se concretizaram (Jr 22.24ss.). Porm a ltima notcia que a Obra
Historiogrfica Deuteronomstica nos d a respeito de Joaquim (2 Rs 25.27ss.)
a de que foi indultado.
Nabucodonosor tratou Jerusalm com clemncia e instalou como regente
um novo davidida, Zedequias (597-587 a.c.; 2 Rs 24.17). Mas Zedequias
avaliou erroneamene a situao poltica e denunciou de novo a vassalagem,
desconsiderando os alertas de Jeremias. Por isto Jerusalm foi sitiada pela
segunda vez e ocupada em 587 (ou 586?) a.c. S ento os babilnios tomaram
medidas drsticas, sim, at cruis (2 Rs 25).
o acontecimento significou uma ruptura profunda em quatro sentidos:
- houve a perda definitiva da autonomia poltica (at o tempo dos macabeus);
Jud tomou-se provncia babilnica, depois persa;
- terminou a monarquia davdica (apesar da predio de Nat em 2 Sm 7);
- foram destrudos o templo, o palcio e a cidade (apesar da tradio de Sio
em SI 46; 48);
- foi expulsa da terra prometida, deportada a elite restante (juntamente com os
utenslios do templo).
Com isto tinham se cumprido as previses profticas de desgraa; porm
a histria do povo de Deus seguiu o seu curso.

d) A poca exlica/ps-exlica

Ao contrrio do costume assrio, os babilnios no instalaram uma elite


estrangeira na Palestina, de modo que no Reino do Sul tambm no penetraram
cultos religiosos aliengenas, ao contrrio do que ocorrera no Reino do Norte
apenas um sculo e meio antes (2 Rs 17.24ss.). Alm do mais, os babilnios
permitiram que a populao deportada vivesse junto (cf. Ez 3.15). Os exilados
podiam construir casas, cultivar jardins (Jr 29.5s.) e, ao que parece, eram
representados pelos "ancios" (Ez 20.1 e outras). Apesar das vrias deporta-
es, a maioria da populao provavelmente permaneceu na Palestina (cf. 2 Rs
25.12). Em todo caso, Israel (isto , os judatas) ou, como tambm podemos

32
afrrrnar depois desta ruptura, o judasmo existia em dois meios: na Palestina e
na gola (no exlio), ou seja, na dispora.
Comunidades na dispora surgiram no apenas na Babilnia, mas por
vrias razes tambm no Egito. Depois da destruio de Jerusalm os babil-
nios instalaram o judata Gedalias como governador sobre os israelitas no-
exilados (com sede em Mispa); aps seu assassinato, um grupo de judatas fugiu
para o Egito (2 Rs 25.22ss.; Jr 40ss.).
As mltiplas perdas externas trouxeram um ganho interno, na medida em
que o tempo do exlio tornou-se uma poca extremamente fecunda em termos
literrios: as Lamentaes (como tambm SI 44; 74; 79; 89.38ss.; Is 63.7ss. e
outras) deploravam a situao vigente no pas. Ali atuava a escola deuterono-
mstica que concebeu a Obra Historiogrfica Deuteronomstica como uma es-
pcie de confisso de culpa. Alm disso tambm transmitiu e retrabalhou a
tradio dos profetas, principalmente a de Jeremias. Em contrapartida mais
provvel que o Escrito Sacerdotal tenha surgido no exlio, onde tambm atua-
ram os profetas Ezequiel e Dutero-Isaas (Is 40-55).
Enquanto que at ento os centros de poder do Antigo Oriente se locali-
zavam no Egito e na Mesopotmia, a partir de mais ou menos 550 a.c. o
domnio mundial passou a ser exercido por outras potncias que, vindas de fora,
invadiram o espao do Antigo Oriente: por dois sculos o domnio passou s
mos dos persas.
O ltimo governante babilnico, Nabnides, que, ao contrrio dos sacerdotes de
Marduque da Babilnia, incentivava o culto do deus da lua.Sin (em Har), residiu por
dez anos na cidade-osis de Tema no deserto do Norte da Arbia, transferindo os
negcios de governo ao seu filho Belsazar. Em Dn 5, num relato em forma de saga,
Belsazar considerado o ltimo rei da Babilnia antes do domnio dos persas.
A ascenso fulgurante do persa Ciro (559-530) sucedeu em trs etapas: o
estabelecimento de um grande imprio medo-persa (tendo Ecbtana por capi-
tal), a subjugao da sia Menor pela vitria sobre o rei da Ldia, Creso, e a
entrada na Babilnia (539 a.C). O segundo acontecimento parece se refletir na
mensagem do profeta do exlio Dutero-Isaas (v. abaixo 21,1).
Os primeiros reis persas respeitavam as tradies dos povos subjugados e
incentivavam os cultos autctones. Condiz bem com esta atitude que j depois
de um ano (538) Ciro teria ordenado que o templo em Jerusalm fosse recons-
trudo e que os utenslios do templo, levados para a Babilnia, fossem devolvi-
dos. O edito foi conservado em Ed 6.3-5 (v. abaixo 12b) em aramaico, que
se tornou a lngua oficial da parte ocidental do imprio persa e suprimiu mais
e mais o hebraico como lngua popular.
O retorno s aconteceu paulatinamente e em sucessivas levas (segundo Ed
2, sob Zorobabel, segundo 7.12ss., sob Esdras; cf. 4.12). Muitos ficaram no

33
exterior, onde sua situao econmica era prspera. A reconstruo do templo
ocorreu apenas de 520 a 515 a.C., por insistncia dos profetas Ageu e Zacarias
(v. abaixo 22).
No tempo de Ciro destacou-se Sesbazar, que foi encarregado de entregar os
utenslios do templo e, pelo que consta, tambm colocou a pedra fundamental do
santurio (Ed 5.14ss.; 1.7ss.). Era funcionrio persa assim como Zorobabel, neto do rei
Joaquim (banido em 597 a.C.), que atuou um pouco mais tarde. Em Zorobabel se
depositaram mais uma vez esperanas messinicas (Ag 2.23; Zc 6.9ss.), que, no entanto,
no se cumpriram.
Os sculos V e IV so uma poca relativamente desconhecida, em que se
destacam apenas alguns poucos acontecimentos isolados. Por volta de 450 a.C.
Esdras e Neemias cuidaram - o primeiro preocupado com o cumprimento
rigoroso da lei e o segundo, com a construo do muro ao redor de Jerusalm
- para que houvesse a consolidao interna, embora o preo fosse um isola-
mento rgido (v. mais detalhes abaixo, 12b). Provavelmente foi mais ou
menos no mesmo perodo que atuou tambm o profeta Malaquias (v. abaixo 22,4).
Depois de dois sculos de hegemonia persa (539-333 a.C), Alexandre
Magno inaugurou com a vitria de Isso (333) a era helenstica. E aps a morte
de Alexandre (323), nas disputas dos didocos, a Palestina foi submetida por
um sculo ao domnio do reino (egpcio) dos ptolomeus (301-198), para depois
ser integrada ao reino dos selucidas (198-64 a.C).
Um fato marcante foi, aps a ascenso ao trono do selucida Antoco IV
Epfanes, a rebelio dos macabeus em repdio a cultos estranhos. Um pouco
antes da reinaugurao do templo em 164 a.C. surgiu o livro de Daniel ( 24).
No ano de 64 a.C, a Palestina caiu sob o domnio romano. No ano de 70
d.C. Jerusalm e o templo foram destrudos pela segunda vez, e, depois do
levante de Sirneo-Bar Cochba em 132-135 d. C, nenhum judeu podia mais
entrar na cidade, agora denominada Aelia Capitolina.

34
3
ELEMENTOS DA HISTRIA DA SOCIEDADE

Para compreender tradies veterotestamentrias s vezes importante ter


certas noes bsicas de seu pano de fundo social: como ser que era a vida
dos patriarcas, ou de que situao partiam os profetas em suas crticas sociais?
Todavia, as afirmaes bblicas pressupem mais a respectiva situao social do
que a apresentam, pois no tm interesse imediato nela. Interessa-lhes antes a
histria de Deus com Israel. Uma situao que conhecida por todos no
precisa ser mencionada ou anotada explicitamente.
Assim a estrutura social deve ser deduzida, em geral penosamente, de
informaes indiretas as mais variadas e aqui e acol, de possveis compara-
es. Neste sentido os resultados no raramente so incertos e, mesmo no caso
de questes bsicas, bastante diferenciados. O apanhado geral que se segue,
ordenado conforme as pocas da histria de Israel, s pretende esboar alguns
aspectos.

a) Os cls nmades
Os antepassados de Israel viviam em tendas ou num acampamento co-
mum e migravam de um lugar para outro (Gn 13.3; l8.1ss.; 31.25,33s.; cf. 32.2
e outras). "Armar" a tenda (12.8; 26.15; 33.19) significa permanecer num
lugar; ao contrrio, "arrancar" as estacas da tenda tem o significado de "par-
tir", "prosseguir viagem" (12.9; 33.12 e passim). Ainda sculos depois da
sedentarizao sobrevive o chamado "(Israel), s suas tendas", signillcando o
regresso para casa (Jz 7.8; 1 Sm 4.10; 2 Sm 20.1, 22; 1 Rs 12.16 e outras).

1. Os antepassados de Israel criavam gado, embora, diferentemente dos


bedunos rabes at a atualidade, no fossem pastores de camelos. S os
midianitas, que faziam incurses para saquear em Israel, que guerreavam
montados em camelos (Jz 6.5; 7.12; cf. Gn 37.25; tambm 1 Sm 30.17 a
respeito dos amalequitas). Como seminmades os antepassados viviam com e
de seus rebanhos de ovelhas e cabras (so'n = gado pequeno; cf. Gn 30.31ss.),
de cujas peles tambm fabricavam suas tendas marrom-escuras (Ct 1.5). Animal
de carga (Gn 22.3,5; 42.26s.; 45.23; x 23.5 e outras) e de montaria (x 4.20;
Nm 22.22ss.; ainda Zc 9.9) era o jumento - em casos muito raros, o camelo

35
(Gn 31.17,34; 24.lOss.), que ainda no era criado em rebanhos. A criao de
gado bovino,pelo menosem escalamaior,apenasfoi possvelaps a sedentarizao.
A criao de gado exigia um estilo de vida especial (menos beligerante).
Ao contrrio dos camelos, as ovelhas e cabras no podem vencer distncias to
longas e necessitam regularmente de locais de descanso, com suprimento sufi-
ciente de gua e pasto. Os rebanhos vivem apenas beira do deserto e na
estepe, onde cai mais chuva.
O que o AT chama de "deserto, estepe" (midbar) uma regio desprovida de
gua (x 15.22), embora esta no falte por completo, isto , h fontes, cisternas (Gn
16.7; 36.24; 37.22) e, s vezes, tambm chuvas esparsas, de modo que aqui e acol pode
crescer um arbusto ou uma rvore (1 Rs 19.4) e vez por outra tambm h pastagem para
ovelhas e cabras (x 3.1; 1 Sm 17.28).
Os poucos mananciais de gua eram objeto de freqentes conflitos (Gn 26.20s.;
21.25; 13.7; x 2.17ss.), mas tambm um lugar de encontro (Gn 24.11ss.; 29.2ss.; x
2.15ss.). Nos osis at havia julgamentos (Gn 14.7; cf. x 18).
Ademais, a vida dos seminmades parece ter sido determinada pela troca
peridica das pastagens, mais ou menos de meio em meio ano, entre a estepe
e a terra cultivada, a assim chamada "transumncia". Durante o perodo de
chuvas no inverno permaneciam na estepe; no vero, depois que a estepe
estorricava, migravam para os campos colhidos da terra cultivada, a que ento
tinham acesso.
Por estarem em constante migrao entre a beira da terra cultivada e a
terra cultivada em si e vice-versa, os seminmades mantinham tambm contato
intenso com a populao local; podia haver comrcio e casamentos entre eles
(cf. Gn 34; 38). Sim, os antepassados de Israel, ao que parece, j se encontra-
vam em transio gradual de uma vida seminmade para uma vida sedentria,
baseada na agricultura e criao de gado bovino (26.12; 33.19; 23 P). Dificil-
mente mera coincidncia o fato de que a maioria dos relatos sobre os
patriarcas tm como cenrio a terra cultivada e de que a promessa de posse de
terras representa um trao que caracteriza todas as histrias dos patriarcas (12.7;
28.13 e outras).

2. Dificilmente algum consegue sobreviver sozinho nas condies adver-


sas da estepe ou do deserto. Assim o ser humano vive em grupos que, por um
lado, tm que ser grandes o suficiente para que possam garantir o seu sustento
e sua proteo, mas, por outro lado, no devem tornar-se to grandes que no
encontrem mais gua suficiente. De fato, as comunidades nmades variam
bastante no seu tamanho. Se quisermos uniformizar a terminologia de forma
alguma j fixa no AT, podemos reconhecer uma estruturao que regulou o
convvio destes grupos at muito tempo depois da sedentarizao (Js 7.14; 1 Sm
1O.19ss.; 9.21):

36
Homem
"Casa", isto , ncleo familiar
Depois da sedentarizao o termo usado para designar a famlia, presidida pelo
chefe da famlia. A ele se atribui a autoridade de decidir ou julgar (cf. Gn
38.24ss.; 42.37; 16.5s.; 19.8; x 21.7; Jz 19.24; restringida em Dt 21.18ss.). Por
isto se fala tambm em "casa paterna".
Cl
liderado pelos ancios do cl - decerto os chefes de famlia - e parece
representar "um milhar" de homens em condies de servirem no exrcito (Mq
5.1; 1 Sm 8.12; 23.23; Jz 6.15).
Thbo
A comunidade bsica no a tribo, mas a (grande) famlia. Possivelmente
j nos tempos nmades, com certeza, porm, mais tarde, a famlia podia
compreender trs a quatro geraes: mulher e concubinas (1 Sm 1.1s.; Jz 19.1s.;
8.30), os filhos homens casados, os filhos destes e talvez netos, alm das filhas
solteiras (Nm 30.4), e por fim as irms e irmos do chefe da casa (cf. Dt 25.5;
SI 133.1; quanto questo toda v. Lv 18; Dt 27.20ss.).
A ameaa conhecida do Declogo: "Eu sou um Deus zeloso, que visita a
iniqidade dos pais nos ftlhos at a terceira e quarta gerao" (x 20.5; 34.7 e outras)
decerto tem em mente tal grande famlia, que vivencia e tem que partilhar os golpes do
destino. Apenas a promisso: "e fao misericrdia at mil (geraes)" extrapola em
muito toda realidade histrica.
A grande famlia, uma comunidade econmica, jurdica e cltica, "um grupo
constitudo por consanginidade, onde os deveres e tarefas esto regulamentados, a fim
de proteger todos os membros da comunidade, onde, portanto, imperam a solidariedade
e responsabilidade mtua, onde a propriedade familiar (rebanhos, mais tarde terras),
administrada pelo patriarca, serve para beneftciar e alimentar todos e onde as regras e
proibies autorizadas pelo pai de famlia devem assegurar o convvio harmonioso de
todos" ryv. Thiel).
3. A famlia, o cl, a tribo e at ainda o povo se compreendem como
"Iilbos' de um nico "pai", o pai original, o primeiro ancestral ou epnimo
(Jr 35.16). O grupo se sente personificado ou incorporado (corporate persona-
lity) neste ascendente. Enquanto num primeiro momento a tribo constitui o
grupo referencial de parentesco maior possvel, o povo passa a s-lo em Israel
(cf., p. ex., x 1.1ss. ou as listas de tribos em Nm 1; 26).
Independentemente dos processos histricos que tenham feito surgir uma
confederao nmade ou a tenham transformado, sua coeso e origem so
explicadas por laos de consanginidade (freqentemente fictcios) e atravs de
uma sucesso cronolgica, isto , por via genealgica. A genealogia representa
a unidade (a relao entre o indivduo e a comunidade) e a histria do grupo.

37
4. Dentro do grupo se pratica a solidariedade; o indivduo goza de prote-
o e de direitos. No h uma instncia jurdica superior. Porm em relao s
pessoas de fora do grupo reina uma severa ordem - o ius tsliotiis. o revide de
estrita equivalncia, portanto, no caso de uma leso corporal (x 21.23ss.; Lv
24.18ss.; tambm Dt 19.21) e, no caso de assassinato, a vingana de morte (Nm
35.9ss.; Dt 19; 2 Sm 21 e outras). "Decerto defrontamo-nos aqui com uma
norma jurdica que vigorava entre as distintas comunidades, isto , trata-se de
um direito intergental". (V. Wagner, p. 14.)
Originalmente no se distinguia entre homicdio premeditado e acidental
(cf. o adendo em x 21.13s., em contraposio antiga norma jurdica em
21.12). Do ponto de vista do indivduo, esta atitude cruel, mas fica compreen-
svel a partir do pensamento grupal pressuposto. A vingana de morte propicia
uma compensao para algo que se perdeu, mantendo desta maneira o equil-
brio de foras dentro do sistema de vida nmade: nenhum grupo deve sobrepor-
se consciente ou inconscientemente sobre os demais. Assim tambm a vingana
de morte serve em ltima anlise para proteger o grupoe o indivduo (cf. Gn4.14s.).
Mesmo que o indivduo no tenha direitos, os forasteiros so tratados com
hospitalidade (Gn 18s.; x 2.20s.; Jz ;19.16ss.), e o direito da hospitalidade
inclui o direito proteo.
Em suma, esta maneira de pensar e de viver implica que, muito alm da
poca nmade, a comunidade tenha primazia sobre o indivduo. S paulatina-
mente o indivduo se desprende da comunidade (cf. Ez 18).

b) A posse da terra

Com a sedentarizao, os nmades se transformam em agricultores e


aldees. Mesmo que todo um cl se assente num nico lugar, ou vrios cls em
conjunto fundem um lugarejo, gradativamente a vizinhana comea a predomi-
nar sobre os laos de parentesco; a unidade geogrfica sobrepe-se estrutura
do cl, chegando inclusive a reprimi-la.

1. A propriedade rural passa a constituir a base existencial do cl ou da


famlia e assegura ao mesmo tempo a posio social do homem livre (cf. Mq
2.2; "um homem - sua casa - sua herana"). Assim ele precisa obter uma
parcela de terras arveis que seja suficiente para prover seu sustento. Provavel-
mente havia alm disso ainda terras coletivas. No nada certo, porm, se
originalmente mais ou menos todo o solo pertencia ao grupo (terras comunit-
rias), sendo distribudo periodicamente por sorteio entre os diversos chefes de
famlia, pois o AT fala da partilha da terra por sorteio apenas como se fosse um
evento nico, no de um rito peridico (Js 14.2; 18.6,8; Ez 45.1 e outras;
tambm Mq 2.5; SI 16.5s.).

38
A herana cabia preferencialmente ao primognito (Dt 21.17). Mas podia
o pai atribuir o direito de primogenitura em tempos antigos tambm a outro
filho (Gn 48; cf. 49.3ss; 25.1ss.)? Em todo caso, a propriedade rural herdada
era, conforme o direito israelita - ao contrrio do direito cananeu (Gn 23; 2
Sm 24; 1 Rs 16.24) - , inalienvel; o proprietrio, portanto, no podia dispor
dela livremente. 'Ialvez no pudesse nem sequer arrend-la; em todo caso, no
podia vend-la (l Rs 21; cf. Dt 27.17 e outras).
Originalmente a "herana" (nali'la) "de um indivduo em todo caso constitui a
posse de terras arveis, obtidas por herana, distinguindo-se por isto da posse de terras
adquiridas por compra, permuta e execuo de hipoteca, etc., diferenciando-se tambm
da parcela de terras coletivas que algum podia possuir. (...) Quando, mesmo assim, se
chegava alienao (venda ou execuo de hipoteca), depreende-se de Ir 32 e Lv 25
que o cl tinha um direito de compra preferencial ou de resgate." (F. Horst, Festschrift
W. Rudolph, 1961, pp. 148s.).
Em ltima instncia o prprio Deus pode ter sido considerado o proprie-
trio (Lv 25.23), que num determinado ponto da histria passou a terra aos
imigrantes como herana (cf. Dt 12.10; SI 78.55). A terra no lhes pertencia por
princpio e por isto a sua posse no era natural.
O israelita reconhecia a soberania de Jav sobre a terra no momento em
que oferecia o melhor, as primcias dos animais e das colheitas a Deus ou as
destinava ao santurio (x 22.28s.; 23.19; 34.19ss.); o primognito humano era
resgatado (34.20).

2. Depois do assentamento os ancios dos cls passaram a ser os "ancios


da aldeia", ou seja, os cidados livres e proprietrios de terras, a quem compe-
tia tomar decises importantes no campo da poltica interna e externa (Jz
l1.5ss.; 1 Sm 30.26ss.; 2 Sm 3.17; 5.3; 19.12; Rt 4; cf. x 18.12; 24.1,9 e outras).
"Cidados com plenos direitos so aqueles homens que vivem em cima de sua
prpria gleba, que no precisam mais se submeter a tutela alguma e gozam dos quatro
grandes direitos: de se casar, prestar culto, guerrear e praticar a jurisprudncia." (L.
Khler, p. 147).
Os ancios provavelmente eram os chefes dos cls, portanto a parcela
notvel ou os representantes dos "homens", isto , de novo dos cidados com
plenos direitos, aptos para servirem no exrcito. Muitas vezes o termo "ho-
mem" (x 21.12ss.; 1 Sm 11.1,9s.,15; 2 Sm 2.4 e outras) designa estes cidados
plenos.
Alguns preceitos jurdicos veterotestamentrios, tambm a parte tica dos
Dez Mandamentos na sua forma original ainda detectvel (cf. 9b, 1), provm
deste mbito de vida. Atravs da proibio do adultrio, do rapto (x 21.16),
do homicdio (x 21.12; Dt 27.24) e do cobiar a "casa" do outro (Dt 5.21;

39
primariamente as terras), eram protegidas a famlia, a liberdade, a vida e a
subsistncia econmica do homem livre, enquanto que mulheres, crianas e
escravos (prisioneiros de guerra, adquiridos por compra) eram considerados,
segundo essa antiga concepo, em maior ou menor escala "propriedade" do
homem (cf. x 20.17).

3. No por mero acaso que encontramos naquele contexto que protege


o mbito de vida do homem livre tambm a proibio de prestar falso testemu-
nho diante do tribunal (x 20.16; cf. 23.1ss.; Dt 27.25); pois inicialmente a
jurisprudncia tambm estava nas mos dos cidados livres e com direitos
plenos. Juzes profissionais, funcionrios nomeados pelo rei, s houve mais
tarde (16.18 e outras; quanto a esta questo v. Macholz). Os homens atuavam
tanto como testemunhas quanto como juzes, isto , num primeiro momento
como mediadores em desavenas, quando se reuniam "no porto" para o
julgamento (Rt 4.1s.; Jr 26; Dt 21.19; 22.15ss.; Am 5.10,15; Lm 5.14).
'Irata-se a simplesmente do vo do porto da cidade ou de um espao imediata-
mente diante dele, mas j dentro dos limites do lugarejo, onde as pessoas podiam se
reunir (SI 31.22; cf. Ir 15.17) e tambm fazer compras (2 Rs 7.1).
A bno: "O Senhor guardar a tua sada e a tua entrada" (51121.8; cf. Dt 28.6)
provavelmente se insere neste cenrio junto ao porto da cidade. "Sada e entrada" se
referem caminhada matinal do agricultor at sua lavoura e sua volta tardezinha;
portanto, diz respeito faina diria (cf. SI 104.23).

Este tipo de jurisprudncia desfavorecia aquelas pessoas que no estavam


sob a proteo de um homem livre e que no tinham elas mesmas direitos
prprios. Assim o AT insiste que no se devem oprimir as vivas, os rfos e
os estrangeiros que moram no pas (x 22.20ss.; 23.6ss.; Dt 27.19; 24.17; Lv
19.33s.; Is 1.17, 23).

c) Transformaes ocorridas
com a instalao da monarquia
De forma parecida com a tomada da terra, a monarquia trouxe consigo
uma transformao lenta e gradual, mas profunda, no desenvolvimento social e
econmico - tanto pelas influncias diretas quanto por suas conseqncias
indiretas, qual seja, a incorporao das cidades cananias em Israel e a crescente
influncia estrangeira.

1. A monarquia criou uma administrao que ultrapassava a estrutura


tribal e abarcava o povo todo (cf. o censo geral em 2 Sm 24.1s.). Para levantar
os impostos e tributos necessrios para manter a corte e o exrcito, precisava-
se de funcionrios, que certamente eram formados em escolas (v. abaixo 27,2).

40
'frs listas (2 Sm 8.16-18; 20.23-25; 1 Rs 4.2-6; cf. 4.7ss.) enumeram os
altos funcionrios civis e militares no tempo de Davi e Salomo: o (sumo)
sacerdote (no santurio real), o escrivo (secretrio real; cf. 2 Rs 12.11), o porta-
voz (arauto), o comandante do exrcito e o comandante da tropa mercenria, o
responsvel pelos trabalhos forados, o "amigo do rei" (provavelmente conse-
lheiro) e o responsvel "sobre a casa", isto , o preposto do palcio e talvez
ao mesmo tempo administrador dos bens da coroa (cf. 2 Rs 15.5; Is 22.15ss.).

2. O exrcito popular s era recrutado em caso de necessidade e era


constitudo por agricultores livres, que tinham de providenciar suas prprias
armas e eram recompensados com os despojos de guerra (cf. Is 9.2). Mas este
exrcito perdeu progressivamente sua importncia quando foi organizado um
exrcito permanente. Existia tambm uma tropa de mercenrios de forma em-
brionria talvez j no tempo de Sau1 (1 Sm 14.52). Esta tropa certamente foi
ampliada por Davi (22.2; 27.2; 2 Sm 5.6); era tambm chamada de "cereteus
e feleteus" e atuava como guarda real (2 Sm 8.18 e outras). Desde Salomo
complementaram-se estas tropas com um corpo de carros de combate (1 Rs
5.6ss.; 9.17ss.; 10.28s.; cf. 1.5; 2 Sm 15.1; 1 Sm 8.11s.).

3. Ao lado da propriedade rural dos israelitas livres se formou no decorrer


do tempo um patrimnio da coroa (domnios reais), que aumentava com a
incorporao de propriedades rurais vacantes, compra de terras e de outras
maneiras (l Sm 8.12,14; 22.7; 1 Rs 21.2,15s.; 2 Rs 8.3ss.; 1 Cr 27.27s.; 2 Cr
26.10). Servia para prover o sustento da corte, para pagar o exrcito (profissio-
nal) e para a enfeudao do funcionalismo.

4. 1.lvez j Davi (2 Sm 20.24), certamente porm Salomo (l Rs 4.6 e


outras) submetia a populao aliengena (9.20ss.) ou tambm a nativa (5.27)
corvia, obrigando-a a trabalhar especialmente nas construes (como havia
acontecido com Israel no Egito: x 1.11). Deve-se, no entanto, diferenciar a
corvia da escravido: enquanto que um escravo tambm podia pertencer a um
particular e ser vendido, a corvia era prestada ao rei ou coletividade - talvez
s por tempo limitado, em todo caso sempre para uma finalidade especfica.
Em algumas destas inovaes no perodo da monarquia, como no caso da
instituio de cargos oficiais ou da sujeio do povo corvia, percebe-se a
influncia de modelos externos sobre Israel. Os poderes que o rei podia recla-
mar - decerto em razo de precedentes cananeus - aparecem nas polmicas
"prerrogativas do rei" (l Sm 8.11-17): "Tomar" os filhos para incorpor-los
na oficialidade (subalterna) do exrcito, incumbi-los da administrao das pro-
priedades rurais reais e da fabricao de utenslios; "tomar" as filhas como
perfumistas, cozinheiras e padeiras para a corte; e ficar com "o melhor das
suas lavouras, das suas vinhas e dos seus olivais", a fim de prover o sustento

41
dos funcionrios reais, e ainda tomar o dzimo como imposto. Contudo, no
se sabe ao certo at que ponto exatamente ia na prtica o poder do rei (cf. Dt
17.16; I Sm 22.7; I Rs 9.22; 21; Am 7.1).
Alm do mais, durante a monarquia no se configurou uma situao
uniforme em todas as partes. Assim havia certas diferenas, s vezes at
contrastes, entre a cidade e o campo, no Sul sobretudo entre a cidade de
Jerusalm e a terra de Jud. As elites dominantes da populao rural, denomi-
nadas no AT de "povo da terra" ('am ha'arez) - de novo os cidados com
plenos direitos, proprietrios rurais - , ocasionalmente interferiam intensamente
na poltica e se mantinham leais dinastia de Davi (2 Rs 11.14ss.; 14.21; 21.24;
23.30; cf. 15.19s.; tambm 17,1).

d) Contrastes sociais
no tempo dos grandes profetas

Alm dos contrastes acima expostos constata-se que desde o tempo da


monarquia surgiram gradativamente, ao que parece de forma acelerada no
sculo VIII a.C., contrastes sociais - oposies entre ricos e pobres em
propores desconhecidas na sociedade mais igualitria da poca nmade ou
ainda nos primeirostemposdepoisda tomadada terra (cf. j I Sm 25.2; 2 Sm 19.33).

1. Havia certas garantias sociais e normas jurdicas que tentavam manter


a igualdade scio-econmica dos membros do povo de Deus e que decerto
tambm vigoraram por algum tempo, como:
a) a proibio de vender terras herdadas (cf. I Rs 21);
b) o direito ou a obrigao do parente mais prximo de "resgatar", isto ,
comprar a propriedade rural para mant-Ia assim nas mos dos descendentes
da fanu1ia (Rt 4; Jr 32.6ss.; Lv 25.24ss.);
c) a alforria da servido decorrente de dvidas, depois de sete anos (x 21.1ss.;
Dt 15.12ss.), ou a exigncia em Lv 25 de devolver no ano do jubileu (Jobel),
isto , a cada 50 anos, as terras ao antigo dono e alforriar quem havia pago
suas dvidas com trabalho escravo. (Mas at que ponto esta regulamentao
realmente foi colocada em prtica?)
d) a proibio de cobrar juros (cf. x 22.24; Dt 23.20s.; Lv 25.35ss.);
e) em suma, as diversas exigncias referentes assistncia aos pobres (Lv
19.9ss.; Rt 2.9,14ss. e outras).

2. Entretanto, tais medidas preventivas no bastavam para enfrentar as


novas contingncias criadas pela monarquia e a progressiva urbanizao. Devi-

42
do s suas competncias polticas, militares, econmicas, mas tambm clticas
e jurdicas, a monarquia fez com que o poder se concentrasse em locais centrais,
principalmente nas capitais (Jerusalm, Samaria). Assim o centro gravitacional
se deslocou para as cidades, onde havia comerciantes, em vez do campesinato
da rea rural, e onde, ao que parece, desde cedo ofcios e o comrcio se
concentravam em becos reservados para estes fins (Ir 37.15; cf. 1 Rs 20.34).
Agraciado com feudos da coroa, o funcionalismo real, que tambm arrecadava
os impostos, transformou-se em uma nova classe alta.
A transformao na estrutura social parece ter tido ao mesmo tempo
aspectos "nacionais": nela a ordem social e econmica canania se imps
sobre a vtero-israelita, Ali a estratificao mais acentuada da sociedade, a
primazia do comrcio e da vida urbana, mas tambm o latifndio existiam h
bastante tempo. Desde o reinado davdico-salomnico a populao urbana ori-
ginalmente no-israelita havia sido incorporada ao Estado, de modo que pelo
menos a partir de ento tradies nmades e autctones se mesclaram tambm
na estrutura social. Talvez este desenvolvimento geral ainda tenha sido acelera-
do no Reino do Norte no sculo VIII pelo progresso econmico alcanado
devido a uma situao favorvel em termos de poltica externa (2 Rs 14.25).
Com o incremento do comrcio e do fluxo de pessoas, as construes se
tornaram mais suntuosas (Am 3.l5,9s.; 5.11; 6.4,8; Is 5.9). Ricos latifundirios
concediam aos agricultores mais humildes (contra o mandamento de x 22.24)
emprstimos com taxas de juros exorbitantes, que estes ltimos no tinham
condies de saldar. Seu procedimento foi facilitado pela passagem da econo-
mia de troca para a economia monetria (isto , no princpio se pesava apenas
o metal nobre; x 21.32; 22.16; Os 3.2 e outras).
"O rico domina sobre os pobres, o que toma emprestado servo do que empres-
ta." (Pv 22.7.)
Quem tinha dvidas podia ter suas terras penhoradas ou at vendidas. Tal
situao levava ao acmulo de terras nas mos de poucos (Is 5.8; Mq 2.2; em
contraste, Ez 47.14). A perda da propriedade rural transformava o pequeno
agricultor em diarista (cf. Lv 19.14; 25.39s.; Dt 24.13) ou at em escravo por
dvidas (2 Rs 4.1; Am 2.6; cf. j 1 Sm 22.2; 12.3; mais tarde, Ne 5). Enquanto
nos primeiros tempos havia poucos pobres, estes passaram a constituir a maio-
ria. E com o descenso social perderam simultaneamente seus direitos (cf. x
23.3,6s.).
,'A comunidade jurdica perfeita enquanto for uma associao de agricultores
livres, independentes e de posses mais ou menos iguais, cujos interesses devem ser
equilibrados de uma forma justa, que conserve a comunidade intacta. Mas o sculo vrn
(00') mostra-nos uma forte alterao das relaes de propriedade e o comeo de uma
sensvel estratificao da sociedade hebraica. Ao lado daquele que tem posses surge
aquele que nada tem, ao lado daquele que independente aparece o dependente; e ento

43
a comunidade jurdica entra em colapso. O carter oral e pblico de seu procedimento
pressupe que cada integrante do jri pronuncie sua sentena sem depender de outro;
mas o temor diante dos que detm o poder econmico e que podem prejudicar sensi-
velmente o convvio estreito das aldeias, torna as pessoas dependentes e servis e priva-
as de sua liberdade." (L. Khler, pp. 161s.)

3. Por conseguinte, podemos distinguir na populao de Israel a grosso


modo pelo menos quatro camadas sociais:
- os funcionrios civis e militares, comerciantes e artesos, que em geral
viviam nas cidades;
- os proprietrios rurais livres, no campo;
- as pessoas sem terra, os pobres (em maior ou menor grau incluem-se
a as vivas, rfos e estrangeiros);
- os escravos no-livres.
Os escravos - uma instituio normal no Antigo Oriente - pertenciam a seus
senhores e podiam ser vendidos (cf. x 21; ampliado em Dt 15.12ss.; 23.16s.). Entre-
tanto, nem sempre sua situao pessoal era necessariamente dura: podiam, por exemplo,
participar do culto (x 20.10; 12.44; Dt 12.18 e outras) ou assumir tarefas honrosas (Gn
24; cf. 15.2). O conceito "escravo" tambm no se restringe a um segmento especfico
da populao; at os funcionrios graduados da corte, por exemplo, so considerados
"escravos" (ministros) do rei.

e) A situao ps-exI1ica

Com a conquista de Jerusalm e o incio do exlio, a organizao poltica


e estatal de Israel acabou. O que se manteve ou ressurgiu tinha uma estrutura
mais familial: por um lado, a "casa paterna", uma espcie de grande famlia
(Ed 1.5; 2.59s.,68; 4.2s.; 10.16 e outras), por outro lado, a instituio dos
"ancios", que recuperou sua importncia h muito perdida (Jr 29.1; Ez 8.1;
14.1; 20.1ss.; Ed 5.9; 6.7; 10.8,14 e outras).
A administrao diretiva estava nas mos de funcionrios persas (Ne
2.7s.,16; 5.7,14s.; Dn 3.2s.; cf. 12b). Israel formava uma comunidade que se
agregava ao redor do segundo templo, vivia segundo a lei e gozava de autono-
mia cltico-religiosa. Era liderado pelo sumo sacerdote, que at havia adotado
emblemas reais (x 28; cf. Zc 6.9ss.).
Jerusalm era o centro cltico tambm para as comunidades filiais da
dispora, espalhadas por todo o mundo. Israel, porm, no vivia apenas disperso
no espao, mas comeou tambm a cindir-se em diversos grupos (na poca do
Novo Testamento: fariseus, saduceus, essnios e outros). No entanto, foi nestas
condies que a f cresceu e se tornou esperana para o mundo (Sf 2.11; Zc
14.9,16; Dn e outros).

44
...
11 - TRADIOES E FONTES
ESCRITAS DO PENTATEUCO E
"
DAS OBRAS HISTORIOGRAFICAS

45
4
o PENTATEUCO

a) Nome e estrutura

Os cinco livros de Moiss so chamados em hebraico de 1br (tambm


"Tor de Moiss" ou outro nome similar). Seria mais apropriado traduzir este
termo por "orientao" do que por "lei". A Tor originalmente a exortao
dos pais (Pv 1.8; 4.3s. e outras) ou a instruo do sacerdote num caso concreto
(Ag 2. 11ss.). S mais tarde o termo assume o significado genrico de "(livro da)
lei", que abrange todas as normas (Dt 4.44s.; 17.18; 31.9ss.) e est associado ao
nome de Moiss (Js 8.31; 23.6; 2 Rs 14.6 e outras). A sua ampliao semntica
definitiva para designar o complexo total dos cinco livros de Moiss no se
verifica ainda no Antigo Testamento, mas sim no Novo (Mt 5.17 e outras).
No nome greco-latino pentateuchus "(o livro guardado) em cinco vasos"
se reflete o costume antigo de transcrever textos mais extensos no em forma de
livro, mas em rolos de papiro ou couro e guardar estes em recipientes especiais.
J que no se consegue manusear um rolo por demais volumoso, tomou-se,
decerto, necessrio dividir a obra toda. A diviso em cinco partes deve ter
ocorrido relativamente cedo. Ela j se encontra na Septuaginta, a traduo grega
do AT (sculo m a.C), e ocasionou mais tarde uma diviso correspondente do
Saltrio em cinco livros.
Nomes formados de modo anlogo, tais como 'Ietrsteuco (quatro livros: Gn-Nm)
ou Hexateuco (seis livros: Gn-Dt e Js) correspondem a determinadas teorias sobre a
extenso original e, com isto, sobre o surgimento destas obras literrias. Assim o
conceito "Hexateuco" se baseia na tese de que o livro de Josu fecha o Pentateuco. Em
contraposio, a designao "Tetrateuco" pressupe - com razo - uma certa auto-
nomia do quinto livro de Moiss em relao ao complexo dos quatro primeiros.
O Pentateuco determinado por um entrelaamento estreito entre narrati-
vas e mandamentos. No incio predomina um estilo narrativo, onde s esporadi-
camente se inserem ordens clticas (Gn 9; 17; x 12); a partir de x 20, no
entanto, preponderam os trechos referentes s leis. Contudo, tambm as leis no
se compreendem como atemporais, mas se encaixam no quadro histrico amplo,
fazendo parte da autocompreenso histrica de Israel.

46
Por um lado, a composio global dos cinco livros concatenada por
certos temas que os perpassam, como os motivos da bno e da promessa (Gn
1.28; 9; 12; 15; 17s.; x 3; 6; Dt 7.12ss. e outras). Por outro lado, encontramos
constantemente referncias projetivas e retrojetivas onde os acontecimentos
decisivos so anunciados em palavras de Deus (Gn 15.13ss.; 46.3s.; x 3.12,19ss.
e outras) ou so resumidos em frmulas confessionais retrospectivas (Nrn
20.15s.; Dt 6.20ss.; 26.5ss. e outras).
O esboo histrico todo abarca o tempo desde a criao e o surgimento
dos povos, passando pelo tempo dos patriarcas, a estada no Egito e junto ao
monte Sinai, at o incio da tomada da terra, quando Moiss morre frente terra
prometida, na 'Iransjordnia (Dt 34). Este perodo histrico pode ser dividido a
grosso modo em cinco fases principais, que ao mesmo tempo compreendem os
grandes complexos traditivos (v. abaixo 4b5):

Gn 1-11 Histria dos primrdios


1-3 Surgimento do mundo e do ser humano
Irrupo do pecado
4 Cam
5; 11 Genealogias
6-9 Dilvio
10 Thbelados povos
11 Construo da torre de Babel
Gn 12-50 Histria dos patriarcas
12-25 Abrao (L)
26 Isaque
27-36 Jac (Esa, Labo)
37-50 Jos e seus irmos
x 1-15 Sada do Egito
1; 5 Corvia de Israel
2 Juventude de Moiss e
3-4; 6 Vocao
7-13 Pragas e Pscoa
14-15 Salvao junto ao mar
x 19-Nm 10.10 Revelaojunto ao monte Sna
(com ncleo em x 19-24 e 32-34)
x 19 Teofania
20 Declogo
21-23 Cdigo da Aliana
24 Assim chamada fmnao da aliana
25-31 Instrues referentes construo do assim
chamado tabernculo, executadas em 35-40
32 Bezerro de ouro
34 Assim chamado Declogo Cltico

47
Lv 1-7 Leis sacrificais
8-9 Consagrao sacerdotal (8) e primeiros sacrifcios
(9)
10 Falta de Nadabe e Abi (10)
11-15 Prescries de pureza
16 Ritual do Dia da Expiao
17-26 Cdigo da Santidade
Conduo pelo deserto
x 16-18 Do Egito ao Sinai
x 16 Man e codornizes (cf. Nm 11)
17 gua da rocha (Nm 20), vitria amalequita
18 Encontro com Jetro
Nm 10-36 Do Sinai at Moabe
(Dt 31-34)
Nm 12 Rebelio de Aro e Miri
13s. Espias
16s. Rebelio de Cor, Dat e Abiro
22-24 Balao

o tema da tomada da terra s ressoa nos relatos do Pentateuco (Nm 13s.; 32-34), mas
desenvolvido fora dele Os Iss.; Jz 1). A promessa feita aos patriarcas de que formaro
um povo j se cumpre no livro do xodo, ao passo que a promessa de posse da terra
se realiza apenas no livro de Josu.
Somente em um nico caso a diviso em cinco livros coincide com os
complexos temtico-traditivos. Enquanto que no hebraico em regra os livros so
designados por suas palavras iniciais, os nomes greco-latinos sempre pinam
um acontecimento importante ou o tema principal. A cesura entre os livros de
Gnesis ("origem") e do xodo ("sada") coincide com a passagem da hist-
ria familiar do tempo dos patriarcas para a histria do povo no tempo de
Moiss. Em contrapartida, a apresentao abrangente da estada de Israel junto
ao monte Sinai interrompida duas vezes. Depois da concluso do assim
chamado tabernculo (x 25-31; 35-40) o livro de Levtico acrescenta uma
variada gama de "determinaes levticas (i. , sacerdotais)". As indicaes
sobre o censo demogrfico e a ordem do acampamento no incio do livro de
Nmeros preparam a partida do monte Sinai. Por fim o Deuteronmio (' 'segun-
da lei") forma, com exceo de trechos narrativos no fmal (31-34), uma
unidade prpria: o discurso de despedida de Moiss, contendo outra coleo de
leis (v. abaixo 10).

48
b) Etapas e problemas
da pesquisa do Pentateuco

Questionamentos e mtodos da exegese bblica, como a crtica literria, a histria


das formas e das tradies, em regra foram experimentados primeiro na pesquisa do
Pentateuco, antes de serem aplicados aos evangelhos; assim a pesquisa do Pentateuco
repercutiu para alm de seus limites. Com o esboo sucinto que apresentamos a seguir
pretendemos apenas dar um apanhado geral das etapas e questionamentos principais da
pesquisa. Uma viso geral atual no s precisa levar em conta os problemas detectados
anteriormente, mas considerar tambm que at as propostas de soluo sugeridas man-
tm, mesmo que s em forma modificada e em determinado lugar, certo direito de ser.

1. Crtica referente autoria de Moiss

Ponto de partida de todas as consideraes crticas foi a tradio judaico-


crist que considerava Moiss autor do Pentateuco. O AT mesmo s atribui
partes, como determinadas leis (cf. x 24.4; 34. 27s.) ou o Deuteronmio (cf.
Dt 31.9,22ss.), mas no todo o Pentateuco a Moiss. 'Ial concepo encontramos
explicitamente apenas no sculo I d.e. em Filo ou Josefo; mais tarde ela foi
adotada pela Igreja Crist. J o NT, porm, usa o nome de Moiss para designar
o Pentateuco, cita dele como "livro de Moiss" (Me 12.26 e outras) ou
constata expressamente: "A lei foi dada por intermdio de Moiss." (Jo 1.17;
cf. At 13.38.)
Dvidas sobre a concepo tradicional quanto origem do Pentateuco
foram manifestadas j no sculo XII pelo estudioso judeu Ibn Esra, no tempo
da Reforma por Karlstadt, mais tarde no sculo XVII por T. Hobbes, B.
Espinoza, R. Simon e outros. Um argumento importante - ao lado de outras
informaes variadas, que s se tornam compreensveis na retrospectiva, ou
seja, a partir da estada de Israel na Palestina - consistia na referncia morte
de Moiss (Dt 34.5s.): Moiss profetizou as circunstncias de sua morte, ou
algum mais tarde as transmitiu? At que ponto, porm, tal ceticismo histrico
no atingia simultaneamente a doutrina da inspirao?
Desta maneira os debates sobre se Moiss pode ser considerado autor do Pen-
tateuco se estenderam at o sculo XVIII, isoladamente at por mais tempo ainda,
e coincidiram assim com o descobrimento das fontes do Pentateuco. Depois que
Moiss no podia mais ser considerado autor dos livros de Moiss, procurou-
se mant-lo ao menos como legislador, especialmente como autor do Declogo.

2. Descobrimento e delimitao das fontes do Pentateuco

Henning Bernhard Witter, pastor de Hildesheim, foi o primeiro a adotar a


alternncia entre o nome de Deus Elohim ("Deus") e Jav, que ocasionalmente

49
j se percebera na Antiguidade, como caracterstica distintiva de tradies em
Gn 1-2. Foi ele quem descobriu em Gn 1 uma fonte prpria. Sua obra,
publicada no ano de 1711, foi ignorada por dois sculos.
Repercusso teve por primeiro o mdico particular de Lus XV, Jean
Astruc, que dividiu em 1753 todo o Gnesis em dois (ou trs) fios narrativos
paralelos, com base nos nomes de Deus. Com isto se assentou o fundamento
da crtica literria, possibilitando estudos cada vez mais aprofundados nos um
e meio a dois sculos seguintes.
a) A hiptese (mais antiga) das fontes (ou documentos): Algumas dcadas
mais tarde, Johann Gottfried Eichhom, cuja "Introduo ao Antigo Testamen-
to" (1780 e anos seguintes) praticamente fundou - depois de 1. D. Michaelis,
considerado precursor - a isagogia e que, ao mesmo tempo, adquiriu impor-
tncia com a introduo do conceito de mito, retomou a diviso das fontes e a
imps, comprovando a diversidade em estilo e contedo das fontes principais.
Enquanto que Witter e Astruc compreendiam as fontes por eles detectadas
como tradies utilizadas por Moiss, s no decorrer de seu labor cientfico
Eichhom renunciou hiptese de que Moiss seria o redator do Pentateuco.
No [mal do sculo xvrn, Karl David llgen (Die Urkunden des jerusale-
mischen 'Impelsicbivs in ihrer Urgestalt, 1798) descobriu que ao lado das duas
fontes escritas j conhecidas havia uma terceira, que usa o mesmo nome de
Deus da primeira fonte. Deste modo se conhecem agora trs documentos ou
fontes escritas: duas falam de Elohim e uma, de Jav. S muito mais tarde se
percebeu a grande importncia de distinguir-se duas tradies nos textos em que
Deus designado Elohim.
b) A hiptese dos fragmentos: O enfoque progressivamente diferenciado
e a anlise de livros alm do Gnesis ajudaram a descobrir documentos cada
vez mais recentes: colees mais ou menos autnomas e coesas em si mesmas,
originrias de pocas diferentes e que no podem ser enquadradas em fontes
contnuas, pelo menos no de forma inequvoca. Assim se pressups por volta
de 1800 que em vez dos documentos havia tambm partes distintas, muito
diferenciadas, independentes entre si e de extenso variada, ou seja, "fragmen-
tos", que s mais tarde teriam sido juntadas para formarem uma histria
contnua (A. Geddes, J. S. Vater, tambm W. M. L. de Wette).
De fato, a partir do livro do xodo a diviso de fontes bem mais difcil
do que em Gnesis. Particularmente quanto questo do surgimento das cole-
es de leis, como do Declogo, e seu enquadramento nas fontes escritas, at
hoje no se achou uma resposta amplamente aceita. Tambm a hiptese de que
o Pentateuco consiste de complexos distintos, adquire nova importncia quando
recuamos para antes da fixao escrita, ou seja, para o estgio da transmisso
oral do texto. Contudo, sem a diferenciao entre tradio escrita e oral -

50
s alcanada posteriormente - a hiptese dos fragmentos no faz jus conti-
nuidade narrativa do Pentateuco, como aparece na sua estrutura global ou na
alternncia dos nomes de Deus.
c) Conforme a hiptese da complementao, que tenta combinar as duas
solues antecedentes, um escrito bsico, que utiliza o nome de Deus Elohim
(de Wette, H. G. A. Ewald, F. Bleek, F. Delitzsch e outros), perpassa todo o
Pentateuco ou Hexateuco desde a criao at a ocupao de Cana. Tanto o
Declogo e o Cdigo da Aliana quanto um segundo escrito mais recente, que
utiliza o nome de Deus Jav (e Elohim), foram complementados mais tarde por
um redator.
Tambm esta explicao ainda repercute at hoje de outra forma; pois o
processo de formao do Pentateuco atravs da juno de diversas fontes
escritas fica mais compreensvel quando se imagina que estas no foram entre-
laadas mecanicamente, mas que houve sempre uma fonte escrita que serviu de
fundo, onde se inseriu uma outra fonte (v. abaixo item 5c).
Estas trs hipteses constituem fundamentalmente os enfoques interpretativos
possveis para compreendermos o surgimento literrio do Pentateuco, que na poca
subseqente foram modificadas ou combinadas.

3. Datao das fontes escritas

Depois que se conheciam em princpio vrias fontes escritas, a relao


temporal entre elas, especialmente entre os textos mais narrativos e mais legis-
lativos, se tomou estmulo para a pesquisa. Iniciou-se uma nova fase quando se
imps uma percepo que j se supunha h muito tempo e que foi expressa de
forma definitiva em 1805 por W. M. L. de Wette: o Deuteronmio (o quinto
livro de Moiss) uma grandeza parte, quase que uma outra fonte prpria do
Pentateuco, e est relacionado com a reforma executada pelo rei Josias em 622
a.c. (2 Rs 22s.; v. abaixo lOa,2). Deste modo se obteve uma primeira data
fixa, um ponto de partida para a comparao, especialmente entre os trechos
legais do Pentateuco. Onde se pressupe a centralizao do culto mencionada
no Deuteronmio, onde temos um estgio anterior, em que Israel ainda tinha
vrios santurios?
Quando se associou a percepo da peculiaridade do Deuteronmio assim
chamada hiptese mais recente das fontes (H. Hupfeld, 1853; A. Dillmann e outros),
segundo a qual o resto do Pentateuco - como j supusera a hiptese mais antiga das
fontes (K. D. ligen) - consistiria de trs fontes escritas originalmente independentes,
tinha-se essencialmente a diviso em quatro fontes, na sua forma bsica vlida ainda
hoje. Entretanto, houve depois outra guinada decisiva.
Representou uma reviravolta revolucionria na apreciao das fontes j

51
identificadas e depois tambm na interpretao at ento vlida da histria de
Israel quando se constatou que a obra at ento considerada o escrito bsico
(com o nome de Deus Elohim) na verdade constitui a fonte mais recente, qual
seja, o Escrito Sacerdotal, surgido por volta da poca exilica. Demorou quase
meio sculo (ca. de 1830-1880) at que se imps esta verso, que se chama
hiptese Reuss-Graf-Kuenen-Wellhausen em homenagem a seus incentivadores
e representantes principais. Ela se fundamentou primeiramente na comparao
das prescries clticas do Escrito Sacerdotal com as informaes sobre o culto
de Israel contidas nos restantes livros histricos e profticos. S mais tarde
foram includos tambm os trechos narrativos (cf. 8a,4). A se constatou que
o Escrito Sacerdotal e com ele a parte principal das leis (clticas) veterotesta-
mentrias s podem ser datados depois dos grandes escritos profticos, o que
se pode resumir na frmula sucinta: lex post prophetas [a lei vem depois dos
profetas]. Em razo de ter conquistado o reconhecimento geral para esta hip-
tese e com isto ter esboado uma nova concepo da histria de Israel, J.
Wellhausen pde ser qualificado de "o maior estudioso alemo do Antigo
Testamento do passado" (R. Smend).
J que a crtica literria posterior representa essencialmente a continuao e
correo da posio j defendida por 1. Wellhausen, suas obras principais pertinentes:
Die Composition des Hexateuchs (und der literarischen Bcher des Alten 'Testaments)
(1876s., 1885, 4. ed. 1963) e Prolegomena zur Geschichte Israels (1883, 6. ed. 1923;
publicado primeiro em 1878sob o ttulo Geschichte Israels), ainda hoje se lem com proveito.
Um apanhado geral sinttico e ao mesmo tempo detalhado, ainda extremamente
notvel dos resultados crtico-literrios oferece H. Holzinger em Einleitung in den
Hexateuch (1893), e de forma mais sucinta, C. Steuemagel em Lehrbuch der Einleitung
in das Alte 'Testament (1912).
Exposies mais recentes encontramos, por exemplo, em M. Noth, berlieferungs-
geschichte des Pentateuchs (2. ed., 1960, pp. 17ss.), ou no apndice da coletnea WoIt
und Botschaft des AT (ed. por 1. Schreiner, 3. ed., 1975).

4. Resultados e questes abertas da crtica literria

No ltimo quartel do sculo passado configurou-se praticamente em defi-


nitivo a teoria das condies literrias que, apesar de contestaes mais antigas
ou recentes, mostrou sua validade em mltiplos momentos e provavelmente
tambm continuar mantendo sua validade, ao contrrio do que afirmam previ-
ses cticas. Embora houvesse vrias modificaes e complementaes, em
princpio no mais se apresentaram ou (ainda) no se impuseram novas solu-
es dos problemas do Pentateuco. Apesar de todas as dvidas, parece que
desde J. Wellhausen o nmero e a seqncia das diversas fontes escritas esto
mais ou menos definidos - designados com as siglas atualmente em uso e
complementados com as dataes geralmente aceitas:

52
J = Javista ca. de 950 a.C.
(poca de Salomo, antes da assim chamada diviso
do reino, 926 a.c.)
E = Elosta ca. de 800 a.c.
(antes do assim chamado profetismo escrito, espe-
cialmente ()sias)
D = (Proto)Deuteronmio aproximadamente sculo VII a.c.
(comeo antes da reforma de Josias, 622 a.C.; mais
tarde, ampliaes extensas)
P = Escrito Sacerdotal ca. de 550 a.c.
(exlio; complementaes na poca ps-exlica)

Muito provavelmente a formao do Pentateuco no se deu nem pela


simples adio das fontes escritas nem pelo enriquecimento gradativo da fonte
escrita mais antiga. Antes devemos contar com vrias redaes, que ligaram as
fontes escritas originalmente independentes entre si, de forma a criar uma
histria harmoniosa e coesa da pr-histria de Israel. A foram inevitveis certas
alteraes, reagrupamentos, omisses e tambm acrscimos.
Incerta permanece a questo em quantas etapas ocorreu a redao; em
princpio, porm, devemos distinguir pelo menos trs redaes:
RJE = a redao que ligou as fontes escritas mais antigas, J e E. Esta combinao, que
surgiu aps a derrocada do Reino do Norte (722 a.C), foi realizada com
tamanha habilidade que em certas passagens impossvel separar de novo J e
E de forma convincente. Assim se fala (desde 1. Wellhausen) tambm de uma
obra jeovista, isto , javista-elosta, J/E (cf. 7a).
RP = a redao (decisiva) que ligou na poca ps-exlica o jeovista (J/E) com o
Escrito Sacerdotal (P) ou, melhor dito, inseriu J/E em P.
RD(tr) = a redao que inseriu textos, frases ou mesmo partes de sentenas que se
aproximam do Deuteronmio em termos de vocabulrio, estilo e temtica,
vinculando desta forma as fontes escritas com o Dt, ou a Obra Historiogrfica
Deuteronornstica (Dt-Rs; cf. item e) abaixo). Se esta redao aconteceu antes
ou depois da insero do Escrito Sacerdotal discutvel, o que representaremos
com linhas pontilhadas no esquema a seguir.

Simplificando muito, podemos representar o surgimento do Pentateuco da


seguinte maneira num grfico:

53
J (ca, de 950, no Reino do Sul?)

E (ca. de 800, no
Reino do Norte?)

]E (depois de 722, atravs de R JE, no Reino do Sul)

P (ca, de 550)

- - -- -- - -- ---'- --,,
\
JEP (atravs de RI) \

~ j R~
As obras sinalizadas pela linha dupla formam a respectiva base em que a outra
obra (assim E em J) ou a combinao preexistente (JE em P) foi inserida (v. abaixo).
'Iodavia, parece que est-se perdendo hoje o consenso atingido graas a 1.
Wellhausen; as opinies atualmente defendidas sobre a existncia, extenso,
poca e local de surgimento das fontes escritas divergem muito. Assim os
resultados da pesquisa crtico-literria em geral esto sendo revistos.
Se quisermos evitar na interpretao de textos o perigo de chegar a resultados pr-
determinados pelo nosso prprio questionamento ou concepo, temos de distinguir
quatro passos metodolgicos na crtica literria:
1) Anlise (separao): Primeiro devemos analisar tanto quanto possvel cada
texto em separado, avaliando a sua coeso (estruturao, momentos de ligao), bem
como a ausncia desta (duplicaes, cesuras).
2) Sntese (correlao): Devemos auscultar as partes textuais distinguidas na
anlise no que se refere s suas ligaes recprocas (coincidncias em palavras, temas,
motivos, intenes) e examinar a sua harmonia interna (estruturao e desenvolvimento
da ao, demais lacunas e falta de coeso). Inteno deste passo reconstruir, na medida
do possvel, uma seqncia lgica da ao, narrativas ou discursos coerentes e com-
preensveis por si ss - e no fragmentos ou parcelas que no podem ter existido de
forma autnoma. Assim a sntese oferece uma espcie de contraprova para a anlise.

54
3) Comparao: S num passo seguinte poderamos relacionar as respectivas
unidades identificadas com outros textos (reconstrudos), para inserir o resultado isolado
num quadro de referncia maior e ao mesmo tempo formar correlaes mais amplas,
seja na circunvizinhana do bloco traditivo, seja na fonte escrita mais abrangente.
Vez por outra, no entanto, os critrios para a separao das fontes ou para o
enquadramento de um texto numa determinada fonte escrita no bastam; nestes casos
as fontes do Pentateuco talvez estejam por demais entrelaadas, ou a redao participou
mais intensamente na elaborao (la forma [mal do texto.
4) Explicao do amlgama textual no estgio atual: como e por que as unidades
reconstrudas foram juntadas para formarem a atual estrutura do texto, e como este
estruturado?
Assim a crtica literria parte do texto dado, para retomar mediante a sua recons-
truo a ele. A meta tem que ser a de encontrar uma teoria que explique tanto a coeso
como tambm a falta de coeso do texto.
Unilateralidades s sero evitadas se considerarmos neste estudo o maior nmero
possvel de pontos de vista e utilizarmos todos os argumentos com sensibilidade para
com as respectivas peculiaridades do texto. Razes diversas, independentes entre si,
concernentes linguagem e ao contedo, deveriam corroborar a soluo preferida
(convergncia dos critrios).
Impulsos e critrios principais para a separao das fontes no Pentateuco
continuam sendo duplicaes (de textos ou partes de textos, frasese eventual-
mente tambm de elementos sintticos) e a altemncia de nomes de Deus ou
de designaes de Deus (Jav, Elohim). Sem dvida, nos deparamos volta e
meia com uma expresso idiomtica fixa (p. ex., Gn 32.29: "lutar com Deus
ou deuses, e com seres humanos") ou o tema exige a meno do conceito Deus
[divindade] em vez do nome de Jav (p. ex., Gn 3.lss., especialmente v. 5: "ser
como Deus"). Na maioria dos casos, porm, a alternncia no se explica
objetivamente (p. ex., x 3.4a/b). Outras caractersticas, como contradies,
escolha de vocabulrio, diferenas estilsticas e teolgicas servem mais para
complementar e confirmar a existncia de fontes diferentes.
A presena das trs fontes escritas (J, E e P) na primeira metade do
Gnesis pode ser vista no grfico rudimentar abaixo. P foi representado maior
(no sentido vertical) para indicar a funo de moldura (no a extenso) do
Escrito Sacerdotal. Nos blocos de texto assinalados por linhas pontilhadas
encontramos, lado a lado, vrias fontes escritas (como acontece de forma mais
ou menos constante a partir de Gn 25).

55
;--------------, - ~

I r-..,
-J
~
' :J/E I--
P J P J/P P J E P'
J 14:? J.
1 2-4 5 6-11 12-13 16 17 18-19 20-22
: 15 f--- 23 I24
--
I ~_ ....
J
I----
- -

Alguns textos, cujas dificuldades obrigam a reconstruo de duas ou at trs


narrativas paralelas, podem servir como casos exemplares da crtica literria:
A diferena de nmeros em Gn 6-9 leva concluso de que h um fio mais antigo
e outro mais recente (1, P); Gn 28.10ss, e x 3 contm duas fontes mais antigas (J, E)
e x 14 at trs fontes (J, P e tambm E). O fato de o fio mais recente (P) oferecer em
x 6 uma verso prpria da vocao de Moiss, que no foi inserida na narrativa
correspondente mais antiga de x 3, mostra que P no uma camada redacional, mas
uma unidade autnoma (fonte escrita; cf. 8a,2).

Um estilo inconfundvel s encontramos no Escrito Sacerdotal e na litera-


tura deuteronmico-deuteronomstica. Desta forma podemos distinguir no Pen-
tateuco com maior facilidade este bloco textual mais recente, o Escrito Sacer-
dotal e a redao deuteronomstica, enquanto que no mais conseguimos deli-
mitar com a mesma seguran9a e rigor fontes escritas mais antigas, principal-
mente a partir do livro do Exodo. Estas no tm caractersticas to tpicas,
mesmo que ocasionalmente sejam perceptveis (p. ex., em Gn 20-22 E).
Afmal, vale a pena fazer crtica literria nestas condies? Os resultados
no so incertos e limitados demais? Sua tarefa consiste no apenas em verificar
a extenso, poca e local de surgimento das fontes escritas, mas ao mesmo
tempo sua inteno teolgica: o que a obra pretende dizer na sua situao; visto
que cada enunciado do texto est inserido num contexto e se modifica com este,
no possvel verificar a inteno teolgica de um texto sem considerar seu
contexto - original e posterior. Desta maneira o trabalho penoso da crtica
literria continua sendo uma tarefa inevitvel, mesmo que tenha de ser em-
preendida com a devida cautela.

No temos condies de acompanhar os diversos estgios e transforma-


es da histria mais recente, muitas vezes sinuosa, da crtica literria, que se
caracteriza por uma colorida pluralidade de opinies desde a passagem do
sculo at a atualidade. Destaquemos apenas ainda cinco problemas (a-e) que
so significativos por princpio e objeto de constante debate sob diversos aspectos.

a) As fontes escritas identificadas representam uma unidade ou h estrati-


ficaes dentro das fontes?
Para explicar certas irregularidades dentro das trs fontes escritas, elas

56
(principalmente J, mas tambm E e P) foram subdivididas em vrios fios, com
maior ou menor sucesso de caso em caso, no fmal das contas, porm, sem
sucesso completo no todo. At que ponto os autores das fontes escritas so
compiladores de tradies preexistentes e at que ponto so autores que criam
livremente? As fontes escritas mais antigas (especialmente J) retrabalharam o
contedo por elas transmitido com tamanho rigor, que surgiu uma unidade
coesa que desde a sua origem no pode mais conter saltos e contradies? Se
no for assim, ao menos se explicariam incoerncias dentro das fontes escritas':
estas assimilaram tradies que j estavam mais ou menos defmidas, eventual-
mente at incorporaram material escrito.
Ademais, a fonte escrita mais recente (P; algo similar contudo acontece
tambm com D) , na sua forma atual, resultado de um processo mais demora-
do; , pois, obra de vrios autores. Afmal, as obras literrias podem ter sido
complementadas posteriormente com acrscimos (material exclusivo).
A separao das fontes avanou incessantemente, mas no goza mais de aprova-
o geral. Isso no tem a ver apenas com as condies do texto, mas se deve a uma lei
universal que se aplica tambm crtica literria: quanto mais sofisticada e complicada
for uma teoria, tanto mais improvvel ela se toma. Inversamente uma teoria se toma
tanto mais provvel, quanto mais simples for, isto , quanto maior for o nmero de fatos
que ela explica com o menor nmero possvel de suposies. Neste sentido, a teoria das
trs fontes (1,E, P) por certo representa um valor-limite que dificilmente pode ser ultrapassado,

b) Como se explicam as coincidncias na estrutura das fontes escritas?


Foi a fonte escrita mais antiga, o Javista, que deu aos contedos do
Pentateuco sua forma defmida, foi s ele que alinhou os blocos traditivos
maiores, como a tradio dos patriarcas e do Sinai, numa seqncia coerente, e
so as fontes escritas mais recentes dependentes dele? mais provvel que os
blocos traditivos tenham formado uma unidade j na tradio oral, de modo que
o esquema do Pentateuco j existia em termos gerais quando surgiram as duas
fontes escritas mais antigas. Por um lado o Javista e o Elosta tm tanto em
comum em termos de estrutura e contedo, que no podem ter surgido de
maneira completamente independente um do outro. Por outro lado, porm, se
relacionam pouco um com o outro, como mostra a sua formulao, no sendo,
portanto, diretamente dependentes um do outro.
Embora se multipliquem as vozes que pleiteiam que o Elosta seja literariamente
dependente do Javista (ou tambm o inverso), raramente h pontos de contato estreitos.
J H. Gunkel afirma com razo "que entre J e E no h um relacionamento literrio
imediato: nem J copiou de E, nem E de 1. Se ambas as fontes s vezes coincidem na
formulao, isto se explica pelo fato de utilizarem tradies que tm origem similar"
(Genesis, p. LXXXIII).
Esta concluso se justifica mais ainda se as duas fontes escritas surgiram em
mbitos diferentes: J, no Reino do Sul e E, no Reino do Norte.

57
Assim M. Noth supe que haja "uma base comum (G = Grundlage) de
que ambas - independentemente uma da outra - hauriram o cerne de seu
contedo" (berlieferungsgeschichte des Pentateuch, p. 41). Tambm no caso
desta grandeza postulada e no imediatamente acessvel no se alcanou um
consenso generalizado. E ela foi questionada com freqncia justamente nos
ltimos tempos, mas continua sendo vlida porque ajuda a explicar coincidn-
cias e diferenas entre J e E. Noth deixa em aberto se essa base G existia em
forma escrita ou oral; provavelmente, porm, trata-se de um material traditivo
oral. no qual tradies avulsas, ciclos de sagas e blocos traditivos j estavam
unidos na sequncia de ao mais tarde testemunhada conjuntamente em J e E.
controvertido se o recente Escrito Sacerdotal conhecia as fontes escritas
mais antigas de forma direta ou (antes) tambm apenas indireta.

c) Como se explica que na sua verso atual as fontes escritas tenham


extenso variada?
Ocasionalmente j J. Wellhausen observou que na composio das fontes
escritas mais antigas se adotou o princpio de tomar o Javista como base e s
informar do Elosta "o que no se achava em absoluto ou no se achava desta
forma em J" (Die Composition des Hexateuchs, 3. ed., p. 22). Se for vlido
generalizar esta percepo, uma combinao da hiptese dos documentos e da
complementao deve corresponder, em termos gerais, realidade. Foi isto o
que pleiteou M. Noth: o processo redacional sucedeu de tal forma, que sempre
havia uma fonte que servia de moldura onde se inseria outra. Assim o Javista
forneceu a base que foi complementada pelo Elosta, e, muito mais tarde, a
narrativa JIE combinada foi inserida, por sua vez, na moldura geral do Escrito
Sacerdotal (cf. o grfico na p. 54). Desta maneira se explicaria o carter
fragmentrio do Elosta; todavia, vez por outra encontramos tambm lacunas no
Javista e no Escrito Sacerdotal.

d) Aonde terminam as fontes do Pentateuco?


Podemos verificar a continuao de uma ou at de vrias fontes escritas
para alm do Pentateuco? Por um lado acredita-se que as fontes escritas conti-
nuem ainda alm do livro de Josu, abrangendo inclusive os livros dos Reis.
Por outro lado, em conseqncia da hiptese antes mencionada, M. Noth
defende a opinio de que, visto que o Escrito Sacerdotal termina com a meno
da morte de Moiss (Dt 34.7-9), a parte excedente das fontes escritas mais
antigas, ou seja, o que as fontes continham da poca depois de Moiss, se
perdeu quando foram inseridas no Escrito Sacerdotal. Com isto, o problema do
Pentateuco praticamente se tomou um problema do 'Ietrateuco; pois, com exce-
o de poucos versculos em Dt 34, o Deuteronmio e os livros historiogrficos
que lhe seguem, pertencem a outro complexo literrio.

58
Se o Javista ou tambm o Escrito Sacerdotal realmente tm ou no
continuidade nas narrativas da tomada da terra no livro de Josu constitui um
problema muito discutido de momento.

e) Em que medida a redao participa na configurao do Pentateuco?


A questo do alcance da redao no recente, mas sua importncia foi
de novo reconhecida, e ela constitui um problema importante e controvertido
no estgio atual da discusso. Como a interpretao da proclamao proftica
em grande parte marcada pela delimitao do que se chama "material autn-
tico" ( 13a,3), assim tambm a avaliao das fontes escritas (mais antigas), a
sua datao e muito mais ainda a compreenso de sua inteno teolgica
dependem da identificao da parte redacional alm da atribuio do texto s
respectivas fontes escritas.
Portanto, no podemos distribuir todo o contedo do texto entre as diver-
sas fontes escritas; resta considerar a parte que se deve redao. Assim so
claramente perceptveis acrscimos a passagens mais antigas, como: "Ento
falou pela segunda vez o Anjo do Senhor." (Gn 22.15-18; tambm x 4.13ss.;
19.3ss. e outras.)
Especialmente certas passagens, cujos temas e cuja linguagem evocam o
Deuteronmio ou a literatura deuterono11stica, representam um problema para
a crtica literria. Certamente no h no Pentateuco trechos com esta forma de
expresso que sejam to extensos e estejam distribudos to regularmente como
entre o Deuteronmio e os livros dos Reis (ou tambm no livro de Jeremias).
Neste sentido a situao diferente. Encontramos, contudo, acrscimos em
forma de observaes isoladas do tipo deuteronmico-deuteronomstico (como
em Gn 50.24; x 3.8,17) e at passagens mais extensas (como em x 13;
23.20ss.; 32.7ss.; 33; 34.10ss. e outras). Parece que as complementaes au-
mentam a partir da vocao de Moiss - por ele a literatura deuteronmico-
deuteronomstica mostra um interesse todo especial.
Neste contexto permanecem em aberto sobretudo trs questes:
1) A redao imbuda do esprito do Deuteronmio propiciou a unificao da
Obra Historiogrfica Javista e Elosta? , portanto, RJE = RDII? mais provvel que em
relao juno de J e E a redao deuteronmico-deuteronornstica represente uma
segunda fase, posterior, porque os trechos redacionais pelo menos em parte podem ser
destacados da composio J/E, sem que esta seja destroada.
Em todo caso, por razes metodolgicas, temos de diferenciar tambm entre os
acrscimos redacionais, para que possamos delimitar a participao deuteronornstica.
2) Os acrscimos conduzem ao Deuteronmio, oferecendo, portanto, uma lingua-
gem pr-deuteronmica ou protodeuteronmica (do sculo VII a.C), ou antes pertencem
poca exlica ou ps-exlica? Devemos eventualmente supor que tenha havido uma
redao que ocorreu em vrias etapas e que se estende do assim chamado Protodeute-

59
ronmico at o Deuteronomstico? Mas o material lingstico disponvel basta para
comprovar tal diferenciao?
3) Como a redao deuteronmico-deuteronomstica se relaciona com a insero
do Deuteronmio no Pentateuco? Ocorreu simultaneamente ou a pressupe? Pelo menos
ocasionalmente a redao lembra camadas posteriores do Deuteronmio ou textos
deuteronomsticos.
O Dt formava a introduo da Obra Historiogrfica Deuteronomstica, de modo
que houve por certo tempo uma obra literria que abrangia Gn 2 at 2 Rs? A redao
deuteronomstica no Pentateuco ainda documenta tal obra? Ou o enquadramento do Dt
nos estratos de fontes, e com isto tambm a redao deuteronrnico-deuteronomstica,
apenas ocorreu depois da juno de JIE com P? De qualquer modo se encontram
esporadicamente elementos lingsticos deuteronomsticos tambm em passagens do
Escrito Sacerdotal (p. ex., em Nm 14.8; tambm no Cdigo da Santidade).
Ainda no est decidido se devemos expressar a formao do Pentateuco a grosso
modo pela frmula J-E-D-P ou J-E-P-D.

5. Histria das formas e das tradies

Novos impulsos para a compreenso do Pentateuco provieram da pesquisa


da histria das formas e das tradies, que no substitui a crtica literria, mas
se baseia nela, a desenvolve e, de certa forma, tambm a modifica ao retroce-
der, para alm do texto fixado na escrita, at a tradio oral.
H. Gunkel foi pioneiro neste procedimento. Aplicou o enfoque novo - igualmen-
te fecundo para a compreenso dos Salmos e de textos profticos - especialmente na
anlise de Gnesis (Schpiung und Chaos in Urzeit und Endzeit, 1895; Genesis, 3. ed.
1910), destacando dos ciclos de sagas existentes as sagas isoladas mais antigas (v.
abaixo 5b1). Seu aluno H. Gressmann (Mose und seine Zeit, 1913) adotou o mesmo
procedimento no caso do livro do xodo. G. von Rad complementou o mtodo de
trabalho ocupando-se com os complexos abrangentes: a composio e concepo global
em que o material original agora est inserido (Das fonngeschichtliche Problem des
Hexateuch, 1938). Explicou as tradies do xodo, do Sinai e da tomada da terra a
partir de seu vnculo cltico: estas formavam tradies originalmente independentes,
vinculadas a diversos santurios. M. Noth tentou unir anlise e sntese, o estudo de
tradies particulares com uma viso geral (berlieferongsgeschichte des Pentateuch,
1948; Exodus, ATD 5, 1958). Dividiu o Pentateuco em cinco "temas" principais: sada
do Egito, ingresso na terra cultivada, promessa dada aos patriarcas, conduo pelo
deserto e revelao junto ao monte Sinai, enquanto que considerava o material restante
do Pentateuco como "enchimento" ou ampliao. Os temas ou blocos traditivos tm
cada qual sua prpria histria preliminar, no tendo, originalmente, nada a ver com
outros blocos. Desta forma no mais se aceita o transcurso histrico como o Pentateuco
o relata (cf. 2a). A pesquisa mais recente em grande parte est marcada pelo confronto
com esta concepo.
Por que afmal temos que seguir por este caminho incerto para alm do

60
texto atual at uma histria pr-literria que apenas podemos inferir? Por um
lado, a poca da fixao escrita de um texto pouco revela sobre a idade do seu
"material" ou contedo; o que foi codificado na escrita numa poca tardia no
precisa necessariamente ter surgido tarde. Por outro lado, o primeiro testemunho
escrito no precisa necessariamente reproduzir de modo imediato o aconteci-
mento histrico que descreve; pelo contrrio, em regra ambos, o acontecimento
e o relato, esto separados por uma fase mais ou menos longa de tradio oral.
Neste estgio, acontecimentos foram atualizados ao serem narrados, seja no
santurio, seja na famlia (cf. x 12.26s.; Dt 6.20ss. e outras) ou tambm por
um estamento de contadores de sagas. Acrescentaram-se, neste estgio, motivos
novos e diferentes para vivificar e ilustrar os relatos, ou ento tradies prove-
nientes de diversos lugares se fundiram numa nica corrente traditiva? Como
que naturalmente experincias de tempos posteriores penetraram no processo
traditivo, de modo que a narrativa na sua forma fmal pode conter experincias
referentes a longos perodos.
, Por isto o recuo at a pr-histria de um texto - a pergunta por sua
origem, desenvolvimento e inteno na fase da tradio oral - no s
necessrio, mas, em resumo, apresenta uma vantagem mltipla:
a) A anlise da crtica literria reconheceu incoerncias no texto, rupturas
e contradies, que em muitos casos no consegue mais resolver com seus
prprios recursos - a separao sempre mais sutil e complicada das fontes,
chegando at a meios e quartos de versculos. A o enfoque histrico-traditivo
pode ajudar: compreende narrativas isoladas ou complexos narrativos, em lti-
ma anlise at as prprias fontes escritas, como ponto fmal de um processo
traditivo prolongado. Dissonncias que, para o enfoque crtico-literrio, teriam
que ser explicadas como uma associao mais ou menos arbitrria de fragmen-
tos textuais, explicam-se de modo orgnico e significativo a partir da histria
do texto, da formao acumulativa da tradio oral e das variaes introduzidas
no momento da narrao oral.
b) Assim o interesse se desloca de uma obra literria escrita num momen-
to determinado para um processo traditivo que talvez abranja vrias geraes
ou at espaos de tempo ainda maiores, deslocando-se assim tambm do autor
individual para grupos ou "escolas", isto , em regra para grandezas annimas
dentre o povo, no santurio ou na corte. Quando a histria das formas busca
determinar o Sitz im Leben [o lugar de origem] de um texto, pergunta pelas
condies sociais (instituies) em que se formaram e desenvolveram as tradies.
Segundo uma definio conhecida de A. Alt, a pesquisa da histria das formas ou
dos gneros se baseia "na percepo de que em cada gnero literrio, enquanto este
tiver vida prpria, determinados contedos se vinculam estreitamente a determinadas
formas de expresso e na percepco de que estes vnculos caractersticos no foram
sobrepostos ao material posteriormente e de modo arbitrrio por autores; pelo contrrio,

61
eles constituam uma unidade essencial desde sempre, portanto tambm j no perodo
de formao e transmisso oral popular, antes-que se tomassem literatura, visto que
correspondiam aos eventos e necessidades vitais recorrentes a partir dos quais cada um
dos gneros literrios se desenvolveu." (K1eine Schriften zur Geschichte des Volkes
Israel, 1, p. 284.)
Em situaes tpicas e repetitivas "surgem formas lingsticas apropriadas para o
seu propsito e as suas necessidades". Existe, portanto, uma relao entre a forma
lingstica (estilo, gnero, tambm temas, motivos, palavras-chaves) de um lado e forma
de vida, de outro. Esta ltima o lugar de origem (Sitz im Leben) da forma lingstica.
Por isto a histria das formas s informa sobre as expresses vitais de uma
comunidade, e no sobre um acontecimento isolado ou at um detalhe biogrfico.
Tradies tambm podem abandonar seu Sitz im Leben original, aparecer em
contextos bem diferentes e ser transmitidas com novas intenes. Assim temos de
distinguir onde surgiu e onde se utilizou determinada forma lingstica ou tradio.
c) Enquanto que a crtica literria reconheceu primordialmente as camadas
que perpassam horizontalmente o todo do Pentateuco, surge diante de nossos
olhos agora a diviso vertical, em diversos blocos, que j foi percebida pelos
representantes da hiptese dos fragmentos. Ao lado das camadas literrias
contnuas tomam-se visveis os blocos ou complexos treditivos, como as hist-
rias dos patriarcas e a revelao do Sinai. Com isto a unidade do Pentateuco
como um todo volta a ser problemtica: quanto tempo os blocos traditivos
existiram independentemente, onde confluram (nos santurios?), e como aca-
baram formando uma seqncia? Ou nem podemos mais separ-los to clara-
mente? Ser que na origem no estiveram vinculados de modo bem mais estreito?
Enquanto que a crtica literria parte da estrutura do texto atual, a histria das
tradies percorre o caminho inverso; parte da menor unidade, passando por complexos
mais amplos - por exemplo, ciclos de sagas - , at chegar ao texto dado.
Ambos os enfoques, portanto, tm que se encontrar. Mas permanecem algumas
perguntas em aberto (cf. a objeo que R. Rendtorff, apoiado na histria das tradies,
faz separao das fontes). Objetivo ltimo da explicao deve ser apresentar a histria
do texto como processo lgico em sua totalidade, detectando principalmente as inten-
es cambiantes do texto em seus vrios estgios - seja de um trecho isolado, de
complexos mais abrangentes, ou at do todo do Pentateuco - , partindo dos primrdios
mal-e-mal discemveis na tradio oral, passando pelos estgios intermedirios nos
blocos traditivos e fontes escritas at chegar forma cannica final.
d) medida que se pode identificar o material traditivo que precede a
uma obra literria e com isto distinguir entre elementos provenientes da tradio
e a contribuio do autor, possvel tambm destacar a inteno expressa no
material traditivo do deslocamento de nfase que ocorre na fixao por escrito.
Este enfoque da assim chamada histria da redao busca determinar a inteno
com que um autor modifica suas tradies ou que impinge s concepes que
utiliza. Esta remodelao ou este deslocamento se consegue somente em parte.

62
Assim, por causa das caractersticas prprias do material incorporado, pode-se
entender o fato de que nem todos os enunciados textuais correspondem sem
mais nem menos concepo da obra literria.
e) Um caso especial na relao entre tradio e interpretao representa a
apropriao de material traditivo ou iderio extrabblico no AT. S urna abor-
dagem histrico-traditiva permite que se adote o questionamento bisunico-
religioso de forma apropriada, especialmente a comparao com aspectos an-
logos do mundo circundante.
Uma problemtica que no se podia mais solucionar com auxlio da crtica
literria, e que s foi reconhecida em todo o seu alcance depois de 1. We1lhausen,
constituda pela ampla gama de paralelos entre textos veterotestamentrios e vtero-
orientais, por exemplo, entre o mito babilnico da criao Enuma elish e Gn I ou a
tbua XI da Epopia de Gilgamesh e a narrativa do dilvio. Algo anlogo acontece com
os Salmos, textos legais e sapienciais.
Dependncia literria imediata da literatura veterotestamentria em relao
literatura vtero-oriental s ocorre em casos excepcionais; em regra h uma
relao indireta, histrico-traditiva. Quando conseguimos captar o que foi assi-
milado e o que foi adaptado em termos de tradies, qual a inspirao em
modelos estranhos e a reinterpretao corretiva dos mesmos, ento se tornam
visveis ao mesmo tempo o condicionamento externo e a peculiaridade do texto
veterotestamentrio.

63
5
FORMAS NARRATIVAS SELECIONADAS

a) Mito e histria dos primrdios

Mitos so "histrias de deuses, ao contrrio das sagas, cujos protagonistas


so seres humanos" (H. Gunkel, Genesis, p. XIV). No mito os deuses apare-
cem personificados e designados com nomes prprios; descreve-se sua conduta,
tanto no relacionamento entre eles (casamento, conflitos, etc.) quanto com os
seres humanos. J que o mito se refere a com freqncia a um tempo que
precede experincia histrica (histria dos primrdios: teogonia, cosmogonia
e antropogenia, paraso, dilvio e outros motivos), pode ser repetido no culto e
com isto permanecer presente na histria. Desta maneira o mito constitui o
fundamento da cosmoviso e mantm a ordem csmica e social.
Neste sentido, a rigor, o AT no contm mitos; ao contrrio, at se
posiciona de forma reticente em relao a eles, em funo de sua perspectiva
teolgica e histrica. Embora possa expressar sua f tambm em linguagem
mtica e tome emprestado (na histria dos primrdios, no Saltrio e no profe-
tismo) farto material de fragmentos narrativos e motivos mticos de seu meio
circundante, o prprio AT quase no desenvolve mitos.
O relato de Gn 6.1-4, caso incomum e at singular no AT, que aftrma na sua
forma primitiva que os gigantes surgiram da unio de deuses e seres humanos, aparece
despojado de seu sentido etiolgico e modiftcado na sua inteno. Os gigantes no so
mais considerados descendentes desta unio (v. 4), e s os seres humanos so penaliza-
dos pelo incidente, sendo punidos com a limitao de seu tempo de vida (v. 3). Desta
forma a tradiomticase toma narrativaexemplar da atuaoreprovveldo ser humano (6.5).
Quando o AT aproveita concepes mticas, integra-as na sua prpria f e
pensamento, modificando-as essencialmente de trs maneiras:
1) A religio de Jav "desde o incio direcionada para o monotesmo;
uma histria de deuses, no entanto, requer pelo menos dois deuses (...). O
monotesmo de Israel aceita unicamente aqueles mitos em que Deus atua
sozinho (...). Ou a histria se passa entre Deus e os seres humanos." (H.
Gunkel, Genesis, pp. XIVs.) Assim, na narrativa bblica do dilvio, o castigo e
a graa, a ira e o arrependimento so obra do nico Deus (Gn 6.5ss.; 8.20ss.)
- ao contrrio do que acontece no paralelo babilnico (Epopia de Gilgamesh,

64
tbua XI). A exclusividade de Deus, que se expressa no primeiro mandamento,
no permite que haja mitos referentes a lutas entre deuses, gerao ou morte de
deuses. Podemos nos referir apenas criao do mundo e no de Deus (Gn
1.1; SI 90.2). Ao contrrio da epopia babilnica sobre a origem do mundo,
Enuma elish, o caos no mais visto pela histria da criao como um poder
personificado que atua por si s, mas apenas como a situao que fmda quando
Deus cria o mundo (Gn 1.2). Os monstros marinhos passam a ser incuos (1.21;
SI 104.26), as estrelas no so poderes astrais (cf. Ez 8.16; Dt 4.19) que
determinam o destino, mas corpos luminosos criados por Deus; servem apenas
para iluminar a terra e diferenciar o dia da noite (Gn 1.14ss.; cf. SI 136.7ss.).
De forma similar os poderes celestiais e demonacos so humilhados, transfor-
mados em servos de Deus (SI 29; 103.19ss.; cf. x 12.23; Am 9.3 e outras).
2) Concepes mticas so transpostas para o futura, isto , no funda-
mentam e idealizam a realidade presente, mas lhe contrapem de modo crtico
uma realidade vindoura (Is 1.21-26; 2.2-4,12-17; 11.1,; 24.21ss.; 27.1; 65.17ss. e
outras). O mtico pode adquirir, assim, a funo de expressar a dimenso
universal ou at csmica do acontecimento esperado e com isto da esperana
veterotestamentria em geral.
Neste mbito voltado ao futuro, porm, o AT de fato propiciou a criao de mitos,
enquanto que no Antigo Oriente - com exceo dos persas - se conhecem poucos
mitos escatolgicos.
3) Motivos mticos servem para ilustrar a importncia de um acontecimen-
to histrico (a assim chamada historizao do mito). Atribui-se, por exemplo,
concepo da luta de Deus contra o mar a funo de ilustrar a salvao junto
ao Mar Vermelho, na sada do Egito (Is 51.9ss., SI 77. 12ss. e outras). A
referncia histria ocorre em forma de recordao e atualizao (x 12.11,14
e outras) e no de repetio do passado.
Ao contrrio dos assim chamados mitos culturais, em Gn 4.17,20ss. J no se
atribui s conquistas culturais e tcnicas, tais como ferramentas, ofcios e profisses,
uma procedncia divina (salvo 3.21 como ato de proteo); elas so, antes, consideradas
invenes humanas. Ao ser humano, criado "imagem" de Deus e, com isto, decerto
incumbido de ser o seu representante na terra, concedem-se liberdade e responsabilidade
(Gn 1.26ss. P; cf. 2.19; SI 8) junto com a tarefa de dominar o mundo.

Tambm os relatos mais ou menos mticos da histria dos primrdios no


so propriamente autnomos, mas apontam para a exposio histrica que se
segue; pois servem de prembulo que conduz a esta ~posio, com que esto
entrelaados de diversas maneiras. Isto se constata, p. ex., nas genealogias (v.
acima 3a3), que estabelecem vnculos transversais - conexes entre grupos
de pessoas e povos diferentes e distantes uns dos outros no tempo:
Descendentes de Ado e Caim - Gn 4.1s.,17-24,25s. J; 5.1ss. P

65
Descendentes de No - Gn 10 J/P (tabela dos povos)
Descendentes de Sem - Gn 11.lOss.
As genealogias continuam na histria dos patriarcas (Gn 22.20ss.; 25.1ss.,12ss.;
36.10ss.) e na histria do povo (especialmente 1 Cr 1-9), visando assim, com
ou sem razo, demonstrar uma continuidade histrica.

b) A saga como forma da tradio

No Pentateuco e, para alm dele, at o Primeiro Livro de Samuel aproxi-


madamente, a lembrana do passado no se apresenta em forma de historiogra-
fia propriamente dita, mas em forma de sagas que, antes de serem fixadas por
escrito, foram transmitidas por longo tempo oralmente, de pessoa em pessoa,
sofrendo mltiplas influncias neste processo.

1. A saga individual

"Saga" um conceito genrico que precisa ser diferenciado. Isso pode


ser feito, classificando-a em diferentes categorias segundo seu contedo, sua
origem ou funo (sagas locais, etiolgicas, de heris e outras). Mas dificilmen-
te se chega a uma definio inequvoca, de validade geral.
H Gunkel dividiu as sagas veterotestamentrias em trs grupos: sagas da
histria dos primrdios (Gn 1-11), em que se misturam material mtico e
lendrio na reflexo sobre a humanidade (p. ex., a construo da torre de
Babel), as sagas patriarcais dos antepassados de Israel e do seu meio familiar,
e as sagas de heris tribais ou populares como Moiss, Josu, os juzes, mas
tambm profetas ( 13bl). Da mesma maneira como se podem classificar as
sagas segundo os diversos estgios da histria de Israel, tambm podemos
dividi-las segundo a alterao da estrutura social a que se referem: narrativas de
cls nmades, de uma sociedade pr-estatal agrcola ou do mundo da corte (H.
J. Hermisson).
Tal ordenao se sobrepe a uma outra que diferencia as sagas segundo
seu ensejo, fundo motivador ou motivo principal. Fatores que podem motivar a
formao de sagas so, p. ex., um acontecimento histrico, em especial da
histria da tribo, relaes com os povos vizinhos (cf. a descrio do estilo de
vida peculiar de Caim, o ancestral dos quenitas, em Gn 4 ou a histria da
disputa pelos poos em Gn 26), um fenmeno extraordinrio na natureza (p. ex.
Gn 19; x 16s.) ou um ritual cltico (v. abaixo as observaes referentes
lenda de santurio). Motivos secundrios se agregam aos motivos principais
para desenvolver a narrativa.

66
Muitas vezes explicaes de nomes, especialmente de topnimos, baseiam-se em
associaes fonticas ou jogos de palavras. Assim o nome da cidade de Babel, em
babilnico "porta de Deus", relacionado em Gn 11.9 com a confuso de lnguas. Ou
o nome de Moiss, em egpcio "filho", interpretado em x 2.10 pela palavra da filha
do fara: "porque das guas o tirei" (cf. ainda Gn 25.26; x 2.22 e outras). Nestes
casos se costuma falar de etimologias populares, embora tais jogos de palavras dificil-
mente pretendam representar etimologias no sentido estrito da palavra.
Vez por outra se encontram tambm palavras que servem de motivos ou motes
(p. ex., "ver" em Gn 22.4,13s.).
Numa saga podem se mesclar vrios motivos de origem distinta, se
sobrepor enunciados de inteno muito diferenciada, de sorte que no se pode
mais resumir o sentido do relato numa nica frase. J por isto cada saga contm,
ao lado de traos gerais, elementos especficos e singulares e, em ltima anlise,
deve ser examinada em sua peculiaridade, embora seja proveitoso compar-la
com narrativas similares.
Visto que os limites para outras formas narrativas so fluidos, at mesmo
o termo "saga" permanece cambiante e com isto ambguo. No obstante, as
caractersticas formais descobertas h tempos por A. Olrik em sagas proceden-
tes do meio europeu ("Epische Gesetze der Volksdichtung": Zeitschrift fr
deutsches Altertum und deutsche Literatur, 51, 1909, 1-12) aplicam-se em
medida surpreendente tambm a narrativas veterotestamentrias. Assim pode-
mos detectar, mesmo com ressalvas, certos traos comuns das sagas (especial-
mente da poca dos patriarcas):
1) Aspectos histricos ou polticos so apresentados como aspectos parti-
culares, pessoais. A saga condensa o geral, transformando-o em algo individual,
integra o destino de povos inteiros em experincias de indivduos, descreve
situaes annimas e impessoais como encontros diretos. 'Iribos ou povos so
apresentados como consangneos (v. acima 3a,3), corporificados nos seus
ancestrais. As sagas dos patriarcas relatam sobre as relaes entre homem e
mulher, pai e filhos ou entre irmos em forma de "histrias de famlias" (C.
Westermann). Desta forma a misria do povo no Egito se reflete no confronto
entre o fara e as parteiras ou na relao entre me, filho e filha do fara (x
ls.) quando o pequeno Moiss abandonado por fora das contingncias.
2) Simultaneamente s entram em cena duas ou trs personagens (lei da
dualidade ou trindade). Quando aparece uma terceira figura, uma outra tem de
retroceder para segundo plano (cf., p. ex., Gn 21 ou o relacionamento da me
e da irm de Moiss com a filha do fara em x 2). Assim os episdios so
breves e compreensveis. A trama no consiste em um emaranhado de motivos
e fios narrativos que ora correm lado a lado, ora se entrelaam, confundem e
destacam um do outro. A trama se desenvolve, isto sim, numa singela sucesso
de episdios distintos, at chegar ao seu objetivo. As situaes se tornam mais

67
compreensveis ao se destacarem os protagonistas em relao s personagens
secundrias e ao se omitirem aspectos secundrios.
3) A saga tipifica. Assim o fara opressor no Ramss II ou qualquer
outro soberano conhecido pelo nome, mas simplesmente o rei do Egito (x
1.8ss.; cf. Gn 12.15ss.), ou a salvadora de Moiss no qualquer mulher da
nobreza egpcia, mas a filha do fara em pessoa (x 2). Personagens secund-
rias muitas vezes permanecem annimas. - Os atores costumam ser de tipo e
origem diferenciados. Desta maneira a dualidade se polariza, transformando-se
em contraste: Abel e Caim ou Jac e Esa se contrapem como pastor e
caador, representando deste modo dois estgios culturais diferentes.
4) A aparncia fsica e o carter de uma pessoa apenas so esboados de
forma extremamente sucinta ou nem sequer se mencionam (p. ex., Gn 25.25).
Antes, qualidades e idias so transpostas para a ao (16.6; 18.2ss.; 22.3 e
outras). Como a saga costuma proceder de maneira sbria na sua descrio,
podendo omitir traos no absolutamente necessrios para a ao principal,
questes que nos parecem substanciais podem ficar sem resposta.
Nisto dificilmente se manifesta apenas uma caracterstica geral da saga, mas ao
mesmo tempo tambm uma peculiaridade israelita. E. Auerbach comparou a forma
narrativa de Homero, que amplamente elaborada e ilumina claramente os detalhes,
com o relato do sacrifcio de Isaque (Gn 22): neste "s se ressalta nos fenmenos aquilo
que importante para o objetivo da ao, o resto permanece no escuro. Apenas os
pontos altos decisivos da trama so destacados, os acontecimentos intermedirios no
tm importncia. 'Iempo e lugar so indefinidos e carecem de interpretao. Pensamen-
tos e sentimentos permanecem implcitos, s so sugeridos pelo silncio e pela fala
fragmentada. Submetido a uma tenso mxima e constante e mostrando-se neste sentido
bem mais uniforme, o todo permanece enigmtico e obscuro." (Mimesis, 3. ed., 1964,
pp. 13s.).
5) Uma outra caracterstica - que distingue especialmente a saga vetero-
testamentria - que motivos decisivos para o desenrolar da ao aparecem
em forma de discurso direto (Gn 26.9ss.; Ex 1.9ss. e outras). Principalmente a
palavra de Deus assume muitas vezes importncia capital; interpreta na pros-
pectiva ou retrospectiva o pice ou a reverso do acontecimento em questo.
Neste caso se percebe uma inteno teolgica do AT que repercute de maneira
tal, que molda a forma ou configura a tradio (p. ex., Gn 22.11s.; 18.17ss.).
Em sagas tardias os discursos podem ocupar tanto espao e adquirir tamanho
peso, que o desenrolar da ao fica em segundo plano (Gn 24).
6) A saga apresenta em regra um princpio e fnn claros. Muitas vezes a
introduo descreve a situao a partir da qual se desenvolve a ao (p. ex., Gn
18.1b: "Abrao estava assentado entrada da tenda, no maior calor do dia",
ou x 3.1: "Apascentava Moiss o rebanho de Jetro, seu sogro"). Como a fala
de Deus, o intrito tambm pode servir para interpretar ou at corrigir a
posteriori a histriatradicionada, apresentandocomo resumo uma espcie de ttulo.

68
Assim a lenda cltica da apario de trs seres divinos em Mame interpretada
pelo ttulo no sentido da exclusividade de Deus: "Apareceu Jav a Abrao" (Gn 18.1).
De maneira similar se evita a visibilidade de Deus no episdio da sara ardente com a
frase: "Apareceu o mensageiro de Jav a Moiss" (x 3.2). A ordem de sacrificar
Isaque s serve para provar a obedincia de Abrao na f: "Deus ps Abrao prova."
(Gn 22.1.) Funo anloga tambm tem a frase: "Deus criou os cus e a terra" (Gn
1.1.), que unifica diversas tradies sobre a criao.
Visto que uma saga no pretende registrar fatos histricos singulares, mas
algo tpico, ela mantm - para a compreenso moderna - uma relao
problemtica com a histria. Por isto no podemos excluir certos traos "len-
drios ou fantsticos" da saga para atribuir-lhe ento credibilidade histrica;
antes, temos de indagar primeiramente por origem, ensejo e inteno da mesma.
"Decerto no basta alegar o carter folclrico desta tradio para descartar certos
aspectos que comprometem a sua credibilidade histrica, segundo nossos critrios, e
manter ento o resto que sobra como 'ncleo histrico'. (...) 'Irata-se, antes, de apreen-
der, da maneira mais precisa possvel, os pressupostos histricos do surgimento e do
desdobramento destas tradies, em cada caso concreto, a partir das prprias tradies
(...) S quem percebeu sob que condies estas tradies surgiram e o que visam pode
responder pergunta inevitvel por que selecionam da abundncia de acontecimentos
justamente o que contam e por que o contam justamente da maneira como o fazem; e
s ento tambm pode discernir sobre o que podemos ou no esperar informaes delas
e que peso devemos atribuir quilo que dizem e quilo que omitem.' Todavia, as
respostas a estas questes no podem ser inequvocas, mas precisam "ser buscadas de
forma combinatria, ponderando todas as circunstncias (...)". (M. Noth, Geschichte
Israels, 3. ed., 1956, p. 49).
Em termos histricos especialmente importante a seguinte pergunta:
pessoa e ao desde sempre j andam juntas? O protagonista (p. ex., Moiss)
est originalmente ou s secundariamente vinculado com o contedo da saga?
Nesta questo no se pode perceber a relao entre a histria e a configurao
da tradio a um nvel genrico, mas apenas de caso em caso e, mesmo ento,
s com reservas.
Seja qual for a sua origem, na elaborao da saga de qualquer forma se
plasmaram experincias histricas, em especial teolgicas, dos tempos que
transmitiram a saga no intuito de interpretar sua respectiva situao. Nela
convergem e se condensam experincias de geraes inteiras (G. von Rad).
Neste sentido se fundem nela o passado e o presente, que a historiografia
procura separar rigorosamente.
"Ao contrrio de outras sagas (de heris), falta em grande parte s sagas israelitas
a tendncia idealizante, justamente porque Deus o sujeito interno das sagas. Quanto
mais tempo a saga se encontrar sob a influncia modeladora da f das geraes que a
transmitem, tanto mais teolgico ficar seu contedo. Desta maneira a saga se converte
mais e mais em testemunho proftico que retrojeta a ao de Deus (...) em imagens de
validade tpica." (E. Jenni, ThZ, 12, 1956, p. 264.)

69
2. Motivos etiolgicos

Muitas vezes ressoa numa saga a pergunta: por que existe determinado
nome, lugar, situao ou costume? Como surgiu o que existe? A resposta
"sempre esta: explica-se a situao presente com base na atuao dos ante-
passsados". As circunstncias pressupostas, que suscitam a pergunta acima pelo
porqu, "so histricas, o modo como so explicadas, porm, potico" (H.
Gunkel, Genesis, p. XXI). Partindo-se de um fenmeno chamativo deduz-se um
acontecimento histrico que o pode explicar (p. ex., a mulher de L em Gn 19
ou a conquista de Jeric em Js 6). O objetivo da etiologia est dado historica-
mente - mas o mesmo acontece tambm com o seu ponto de partida?
Por isto o problema da historicidade das etiologias, especialmente dos
relatos do livro de Josu, desencadeou uma ampla discusso, que, contudo, faz
tempo se acalmou. que em muitos casos se mostra que o motivo etiolgico
no coincide com os momentos culminantes de uma narrativa (C. Westermann),
representando inclusive um adendo posterior (B. S. Childs, B. O. Long). Ento
a narrativa no est configurada no sentido da etiologia conclusiva - "at este
dia", "por isto se chama ... desta ou daquela forma" ou algo assim - mas a
etiologia acrescenta um novo momento, qual seja, o aspecto etiolgico. Tambm
a concluso etiolgica, portanto, no nos dispensa da tarefa de questionar a
respectiva narrativa quanto a seu fundo histrico e seu interesse especfico.

3. A lenda de santurio

No na forma, mas no seu contedo e na sua funo, a lenda de santurio


(Hieros Logos) representa um tipo especfico de saga, de certa maneira um
gnero especial de etiologia. Da se explicam tambm as outras designaes
usadas para este tipo de literatura: etiologia cltica ou saga de fundao de um
culto. Ela legitima um santurio como local de peregrinao, contando de uma
revelao ocorrida naquele local e mostrando desta maneira o carter sacro do
lugar. Num lugar proeminente - seja junto a uma fonte (Gn 16.7), seja junto
a uma rvore, pedra ou passo do rio - apareceu inesperadamente uma divin-
dade a uma pessoa, fazendo-a reconhecer: "Quo temvel este lugar! No
nada menos que a casa de Deus!" (Gn 28.16s.), ou: "O lugar (...) terra
santa." (x 3.5.) Quem agraciado com uma revelao destas reage, construin-
do um altar ou fundando um culto e dando um nome a este local extraordinrio
(Jz 6.24; Gn 28.18s.; cf. 12.7s.; 16.13s.; 22.14; 32.31 e outras). Tais lendas de
santurio, cujo ncleo provavelmente pr-israelita (cf. 2a,I), esto por trs
dos seguintes relatos:
Gn 18 - visita dos trs homens junto a uma rvore em Manre perto de Hebrom (cf.
Gn 13.18);

70
Gn 22 - sacrifcio de Isaque (originalmente substituio do sacrifcio de crianas por
sacrifcios de animais);
Gn 28.10ss. - sonho da "escada" celestial junto a uma pedra em Betel (cf. Gn 12.7s.);
Gn 32.23ss. - luta num vau do rio Jaboque em Peniel (cf. x 4.24-26);
x 3 - sara ardente;
Jz 6.11ss. - apario junto a uma rvore em Ofra.
Nos seus detalhes estas e outras narrativas similares (como Gn 35.1ss.;
46.1ss.) so estruturadas de forma bastante diferenciada e apresentam, ao lado
de traos comuns, cada qual sua peculiaridade especfica. Em todo caso, porm,
se evidencia como o significado de uma histria pode ser polivalente, desde seu
significado original, que s infervel, at sua inteno no contexto em que
agora se encontra. No AT as lendas clticas perderam sua antiga vinculao
local, mas, em compensao, passaram a abranger todo o Israel (Gn 32.28) e
aprofundaram a sua projeo para o futuro. No justificam mais o que existe,
mas apontam no discurso de promessa para o porvir (28.14ss. e outras), a fim
de dar esperana ao ser humano, incentivando-o a caminhar futuro adentro,
confiante no cumprimento da promessa.

4. Ciclos de sagas e formas recentes de sagas

H. Gunkel estabeleceu o princpio: quanto mais curta, sucinta e coesa for


uma saga, tanto mais antiga ela . Quanto mais "elaborada" for sua narrao,
ou quanto menos compreensvel for por si mesma, quanto mais pressupuser,
portanto, tradies suplementares, tanto mais recente . O estilo se modifica.
Sagas tardias (como o cortejar de Rebeca em Gn 24) so elaboradas com maior
riqueza de detalhes. No extenso relato ou "novela" de Jos inclusive vrios
episdios se entrelaam (v. abaixo).
Tambm as sagas antigas, originalmente autnomas, sofrem uma alterao
semntica parecida quando se agregam para formar uma unidade maior, um
ciclo de sagas. A sua vinculao pode ser ocasionada pela sua proximidade
espacial (Js 2ss.), ou pelo fato de terem o mesmo protagonista. No Gnesis os
ciclos de sagas mais importantes, que envolvem cada qual duas pessoas, so os
seguintes:
Abrao - L Gn 13s.; 18s.
Jac - Esa Gn (25)27s.; 32s. como moldura para:
Jac - Labo Gn 29-31
Esta evoluo levanta vrias questes, tanto histrico-traditivas quanto
histricas. At que ponto os complexos de sagas constituem uma unidade
preexistente s fontes escritas? No haveria tambm um complexo narrativo
dado desde o comeo - p. ex., no caso da tradio do xodo?

71
Alm da forma conceptual do mito e da forma narrativa da saga, encontramos j
no Pentateuco outras formas traditivas variadas, como provrbios ou cnticos, palavras
de bno ou maldio (Gn 4.23s.; 9.25ss.; 48.15s.; 49; x 15; 17.16; Nm 6.24ss.;
1O.35s.; 21.17s.,27ss. e outras; cf. 9a,3).
No se conhecem no AT contos fantsticos autnomos, ocasionalmente, porm,
aparecem traos fantsticos isolados. Explicam-se em parte como resqucios de concep-
es mtico-demonacas (p. ex. a fala da serpenteem Gn 3, ao contrrio do jumento em
Nm 22).

c) A novela de Jos

Tambm a novela de Jos relata, primeira vista, sobre uma "histria de


famlia", as vicissitudes ocorridas na vida de Jac e seus filhos, os conflitos e
a reconciliao entre os irmos, mas abarca bem mais do que este estreito
mbito familiar. Ademais a narrativa parece ser bem menos primitiva que as
sagas do tempo dos patriarcas; mais compreensvel e adota um tom mais
amistoso. A novela de Jos constitui "uma unidade com um nico arco de
tenso" (G. von Rad), que se estende de Gn 37 a 50 (originalmente sem Gn
38; 48s.), compreendendo vrios episdios intermedirios e momentos retardan-
teso O estilo narrativo amplo, a estrutura clara e direcionada e sua configurao
marcada pela sabedoria da corte conferem novela de Jos um destaque especial.
J que a unidade temtica do todo est evidente, aventou-se nos ltimos
tempos em medida crescente a possibilidade de compreender a narrativa, em
termos gerais, como uma grandeza coesa em si. Em vez de dividi-la em dois
fios narrativos, como tal grandeza ela teria sido inserida na fonte javista ou
apenas mais tarde na obra javista-elosta combinada.
Encontramos, no entanto, uma srie de repeties e irregularidades que dificil-
mente se podem explicar com base na histria da tradio (ou como recurso estilstico).
Assim j em Gn 37 (especialmente nos vv. 22ss.) se alternam, por um lado, Jud e
Rben como porta-vozes dos irmos, enquanto que, por outro lado, aparecem alterna-
damente os ismaelitas e midianitas como condutores de caravanas (37.22-24,28a,29-31
E). No s Gn 46.1-5a, mas tambm 50.15-26 contm elementos tipicamente elostas
(cf. Elohim, "Deus", como sujeito da orao ou o paralelismo terminolgico em Gn
30.2). As frases-chaves em Gn 50.19s. retomam, por sua vez, 45.5bss. e preparam o
terreno para x 1.15ss.
Quem compreende a histria de Jos como unidade literria, tem de contar
com a presena de acrscimos perturbadores - mas podemos fundamentar
suficientemente a suposio de que sejam realmente complementaes? Assim
mais plausvel a acepo tradicional de que as tenses existentes se devem
juno de duas camadas narrativas no muito dspares entre si, o fio javista e o
fio elosta, que foram entrelaados aqui com muita habilidade. A participao

72
do Escrito Sacerdotal (principalmente em 37.1; 46.6ss.; 48.3-6; 49.29-33; 50. 12s.)
reduzida; a fonte escrita mais recente se contenta com algumas poucas frases,
sem apresentar o desenrolar da ao.
Gn 37 Introduo: conflito entre os irmos, Predestinao de Jos para a
funo de regente (tnica, sonhos). Venda para o Egito.
38 Intercalao: Jud e sua nora 1mar.
Primeiro filho: Perez, antepassado de Davi (Rt 4.12,18ss.).
39-41 Ascenso de Jos do crcere para o posto de representante do fara.
39 Jos e Potifar
40 Sonhos dos dois funcionrios da corte
41 Sonhos do fara: sete anos de fartura e sete anos de fome.
Jos (41.38s.), um intrprete sbio de sonhos, dotado do
Esprito, como mais tarde Daniel (Dn 2; 4s.). Introduziu o
armazenamento estratgico de vveres no Egito (cf. 47.13ss.).
Casou com a filha de um sacerdote egpcio, que deu luz
Manasss e Efraim.
42-45 Encaminhamento da reconciliao com os irmos,
42 Primeira viagem dos irmos ao Egito.
43 Segunda viagem, na companhia de Benjamim.
44 O copo. A fala de Jud: proposta troca de Benjamim.
Preocupao com o pai (vv. 18-34).
45 Jos se d a conhecer: primeira reconciliao.
46-47 Encaminhamento do reencontro com o pai.
46 Revelao em Berseba. Mudana de Jac para o Egito.
47.1-12 Jac diante do fara. Assentamento em Gsen (46.28ss.;
45.11; 47.27).
47.13ss. Jos como administrador: egpcios, escravos do fara.
48-49 'Iestamento de Jac. Duas intercalaes.
48 Bno do filho mais novo de Jos, Efraim, antes do mais
velho, Manasss.
49 Bno dos doze filhos de Jac. Ditos tribais como a bno
de Moiss em Dt 33.
Censura de Rben, Simeo, Levi; exaltao de Jud e Jos.
50 Morte e sepultamento de Jac em Hebrom (49.29ss.).
Depois da primeira reconciliao (45.5ss.), a reconciliao definitiva de
Jos com seus irmos (50.15ss.).
Morte de Jos, sepultamento em Siqum (50.25s.; Js 24.32).
Na transio de Gnesis para o livro do xodo, cabe histria de Jos a
funo de refazer o caminho dos filhos de Jac-Israel para o Egito e estabelecer
desta maneira a ligao entre a poca dos patriarcas e a poca mosaica. At que
ponto, porm, esta vinculao original, e at que ponto ocorreu posteriormente
(v. acima 2a)? De quando so os episdios egpcios da narrativa (como Gn
41.45,50; 40.1s.; 43.32)? Mesmo que no haja espao na histria poltica do

73
Egito para a figura e o cargo de Jos, a tradio no precisa carecer de respaldo
na histria. O mais provvel que a verso mais antiga da histria de Jos
provenha do Reino do Norte ou do mbito da Palestina Central (48.22; Js
17.16ss.; 24.32; Jz 1.22s.), que desde muito cedo j mantinha relaes com o
Egito (cf. Gn 46.1ss.). de se supor que a denominao "(casa de) Jos" se
aplique aos descendentes do grupo que esteve no Egito.
Ser que depois a narrativa foi retrabalhada na corte de Jerusalm, nos primrdios
da monarquia? O fundo de sabedoria cultivada na corte faz lembrar o assim chamado
iluminismo salomnco (G. von Rad). Isto corresponderia datao habitual, mesmo
que controvertida, do Javista. Contudo, difcil datar a narrativa de Jos quando tomada
em separado.
Ao contrrio das lendas de santurio, a novela de Jos silencia a respeito
de aparies e falas de Deus (com exceo de Gn 46.1ss.); tambm faltam sagas
vinculadas a locais. De maneira anloga aos relatos sobre Davi (v. abaixo
llc3), a histria com toda a sua trama emaranhada compreendida como um
complexo dinmico de causa e efeito, dentro do qual ocorre a ao humana.
Mas em todas as decises e acontecimentos se realiza o desgnio de Deus. J a
sabedoria reconhece que a atuao de Deus pode permanecer misteriosa e
incompreensvel (Pv 16.9; 19.21; 20.24; 21.30s.). Mas a histria de Jos se
projeta para alm desta percepo, confessando que Deus pode aproveitar
inclusive a injustia e maldade humana em prol de seus planos; mesmo que
apresente desvios, seu caminho alcana sua meta. Os irmos procuram impedir
fora que se concretize o futuro previsto nos sonhos de Jos, a prostrao
diante de Jos (Gn 37), e justamente assim precipitam os acontecimentos
(42.6ss.; 44.14ss.; 50.18). Jos salvo, precisa, no entanto, sujeitar-se a uma
vida de escravo; s ascende ao cargo de substituto imediato do fara egpcio
(41.40ss.; 45.26; cf. SI 105.16ss.) depois de superar grandes dificuldades. Quan-
do os irmos temem a sua vingana aps a morte do pai, que ainda conseguiu
rever o seu filho tido como morto, Jos objeta: "No temais; acaso estou eu
em lugar de Deus? O que planejastes de mal contra mim, Deus o planejou para
o bem." (Gn 50.19s. E; cf. 45.5ss.)
Com isto Jos no s desiste de julgar os irmos, deixando seu julgamento
a cargo de Deus (Pv 20.22), mas entende que toda a questo j foi "resolvida
por Deus" (O. Procksch). Jos no precisa mais demonstrar magnanimidade;
pois Deus j concedeu perdo pela maneira como conduziu a histria, ao
romper a vinculao entre a ao (causa) e o destino (efeito) humanos, trans-
formando desgraa em salvao. Mas, esperanosa, a narrativa aponta para
alm do quadro familiar: Deus transformou o mal em bem, para "manter vivo
um grande povo" (Gn 50.20; cf. x 1.15ss.).

74
6
A OBRA HISTORIOGRFICA JAVISTA

a) Questes introdutrias

1. Importncia: Decerto se reconheceu com razo a primazia da camada


javista entre as fontes escritas do Pentateuco: nela est "contido o que h de
teologicamente mais substancial em toda a narrativa do Pentateuco" (M. Noth)
- por um lado, a percepo radical da culpa humana (Gn 6.5; 8.21), por outro
lado, a promessa de que sero benditas "todas as famlias da terra" (12.3). Ao
mesmo tempo a histria do Javista a obra historiogrfica mais antiga que se
conhece, que tenha extenso to considervel e que abranja pocas diversas,
embora o Antigo Oriente tambm j conhecesse a vinculao de relatos sobre
os primrdios e a histria, de narrativas anteriores e posteriores ao dilvio. O
Javista "o primeiro que concebeu a idia de uma histria universal unitria
onde os acontecimentos em Israel se enquadram e exercem uma funo bem
especfica, quer dizer decisiva" (J. Hempel).
no Javista que se registra pela primeira vez por escrito o arcabouo do
Pentateuco - desde a histria dos primrdios at a tomada da terra - , porm
dificilmente ele mesmo o criou, amalgamando, assim os blocos traditivos para
formarem uma unidade (v. acima 4b4,b). Segundo G. von Rad, o Javista
ampliou a seqncia narrativa preexistente: eleio dos patriarcas - libertao
do Egito - tomada da terra (cf. Dt 26.5ss.) em trs sentidos, qual seja: anteps
a histria dos primrdios, ampliou a histria dos patriarcas (Dt 26.5 s mencio-
na um nico patriarca) e inseriu a revelao no Sinai. No entanto, esta concep-
o atribui um papel demasiado relevante ao Javista: dos trs desenvolvimentos,
dois, a ordenao dos patriarcas em uma cadeia genealgica Abrao - Isaque
- Jac e a vinculao do evento da sada do Egito com a revelao no Sinai
j ocorreram antes e, por isto, j so tambm do conhecimento do Elosta.
Contribuio prpria do Javista - em que acompanhado apenas pelo poste-
rior Escrito Sacerdotal - parece ter sido, porm, a anteposio da histria dos
primrdios (Gn 1-11); o Elosta inicia apenas com a poca dos patriarcas e com
isto decerto conservou o estgio traditivo mais antigo.

2. Delimitao: Enquanto que h consenso geral de que o Javista inicia com


a histria da criao e do paraso (Gn 2.4bss.), tanto mais controvertido o seu

75
[mal. Essencialmente dispomos de trs propostas de soluo: a) Uma corrente
de opinio mais antiga acreditava que o fio do Javista se estendia para alm do
Pentateuco, atravs dos livros de Josu, Juzes e Samuel, at a assim chamada
diviso do reino, portanto at o desmoronamento do reino davdico aps a
morte de Salomo (1 Rs 12.19; segundo G. Hlscher e outros). Thdavia, tanto a
linguagem como tambm o entrelaamento do material traditivo to longe do
Pentateuco no indicam de forma inequvoca que haja uma fonte escrita cont-
nua. b) Segundo uma outra concepo, renovada recentemente, a exposio
javista se estende at a tomada da terra inclusive, ou seja at o relato um tanto
estranho de Jz 1 ou, pelo menos, at as narrativas do livro de Josu. De fato,
dificilmente h quem duvide que a obra historiogrfica javista trate (no mnimo)
ainda da tomada da terra pelas tribos. Afinal, ela no s transmite a promessa da
terra (Gn 12.1,7; 28.15; Nm 10.29 e outras), mas contm ainda algumas indi-
caes sobre a imigrao das tribos transjordanianas (Nm 32; cf. ainda Nm
13.18ss.). Entretanto, at agora no se comprovou ainda de forma convincente
que textos fora do Pentateuco faam parte do Javista; algumas afrnidades
lingsticas (compare, p. ex. x 16.35 com Js 5.12 ou x 3.5 com Js 5.15) no
bastam como provas. c) Assim daremos preferncia ao ponto de vista defendido
por M. Noth enquanto no se achar uma resposta satisfatria para a pergunta
ainda em aberto referente ao [mal da obra historiogrfica javista: esse [mal (com
a narrativa da tomada da terra) perdeu-se por ocasio da sua insero no Escrito
Sacerdotal ou no Pentateuco (v. acima 4b4,d). O [mal ainda conservado
apresenta-se de fato na extensa percope de Balao em Nm 22-24, a que apenas
seguem ainda algumas frases isoladas em Nm 25 (vv. 1-5) e 32. Por conseguin-
te encontramos passagens javistas identificveis apenas nos livros de Gn, x e Nm.
Minuciosamente so relatadas a histria dos primrdios (Gn 2-4; 68*;
9.18ss.; 11.1-9 e outras), a poca dos patriarcas (12-13*; 18-19*; 24; 28.lOss.*;
32.23ss; 37-50* e outras) e a sada do Egito (x 1-17*), enquanto que a
percope do Sinai s foi conservada de forma sucinta (mas pelo menos existe
em x 19*). Entre os textos cuja autoria habitualmente se atribui a J esto
alguns, como Gn 15 (aliana com Abrao), x 34 (Declogo Cltico) ou x 4,
que foram omitidos por serem especialmente controvertidos; dependendo de
onde so enquadrados, altera-se em menor ou maior grau a compreenso da
obra no seu todo.
3. Situao: Embora o [mal da obra historiogrfica javista seja controver-
tido, em geral h consenso quanto ao seu surgimento, que se situa na poca
urea de Salomo, portanto, por volta de 950 a.c. Provavelmente esta poca
oferecia os pr-requisitos materiais necessrios para a elaborao de um escrito
to extenso, existindo uma escola de escribas na corte, onde eram formados os
funcionrios pblicos; ao mesmo tempo as relaes internacionais (estados
vizinhos dependentes de Israel, comrcio) eram propcias para suscitar uma
reflexo sobre o relacionamento de Israel com outros povos.

76
Argumentos importantes para recuar bastante a datao at a poca de
Salomo so, por exemplo: a) Parece que as novas impresses dos primrdios
da monarquia motivaram a retrospectiva do passado mais recente ou mais
remoto; pois as narrativas da ascenso de Davi e sua sucesso no trono (l Sm
16-1 Rs 2) so mais ou menos contemporneas e aparentadas com o Javista (cf.
com relao ao "grande nome" Gn 11.4; 12.2; 2 Sm 7.9; v. abaixo llc3). b)
O Javista menciona em sua obra justamente os povos vizinhos (como os
cananeus em Gn 9.l8ss.; filisteus em Gn 26; arameus em Gn 29ss.; Amom,
Moabe, Edom), que tiveram importncia para Israel na era pan-israelita de Davi
e Salomo (especialmente 2 Sm 8). c) A narrativa de No, o viticultor (Gn
9.18-25), que tem o propsito de amaldioar Cana como tambm sujeit-lo sob
Sem (isto , Israel) e Jaf (isto , os filisteus): "Bendito seja Jav, o Deus de
Sem! E Cana seja seu servo!", pressupe as circunstncias vigentes durante o
grande reino davdico. O mesmo vale tanto para a referncia indireta a Davi
como "astro procedente de Jac" (Nm 24.15-19), quanto para a aluso
sujeio de Edom (compare Gn 25.23; 27.40a com 2 Sm 8.13s.; Gn 27.40b,
acrscimo a partir de 1 Rs l1.l4ss.; 2 Rs 8.20ss?). d) O fato de que J integra
vrias tradies de Jud (Gn 38) ou do Sul (Gn 4; 19; tambm Nm 13s.; 16) na
sua exposio, corresponde posio de Jud desde o reinado de Davi (2 Sm
2). e) A descrio da corvia a que Israel foi submetido no Egito em x 1.11
parece que se inspirou nas condies vigentes durante o tempo em que Salomo
esteve ocupado em fazer obras pblicas (l Rs 9.15,19; cf. 5.29; 11.28); depen-
dentes foram forados a trabalhar nas construes. Desta forma possvel que
se possa situar o surgimento da obra historiogrfica javista mais prximo do
perodo das construes executadas por Salomo. f) Por fim, esta poca no s
experimentou um florescimento poltico-econmico, mas tambm espiritual, o
"iluminismo salomnco" (G. von Rad). De fato, o Javista se caracteriza por
intensa espiritualidade que revela sua afinidade com a sabedoria, provavelmente
cultivada naquela escola de funcionrios pblicos. No quer a histria dos
primrdios dar uma resposta narrativa pergunta levantada pela sabedoria (SI
8.5 e outras): o que o ser humano?
Decerto algumas observaes comprovam apenas a idade da tradio que a fonte
escrita adota (tenninus antequem non). Ao contrrio do que postula uma tendncia mais
recente (H. H. Schmid e outros), porm, no necessrio datar o Javista numa poca
posterior, visto que no pressupe nem o fim do imprio davdico com o dualismo de
Jud e Israel, nem a ameaa representada pelos assrios ou a mensagem proftica de
juzo, muito menos ainda a reivindicao deuteronrnica da centralizao do culto
(reforma de Josias) ou at o exlio. Ademais J expe muitas vezes, no em sua estrutura
global, mas em narrativas isoladas, uma verso mais antiga da tradio que E (v. abaixo
7a,1).
Todavia, temos de distinguir com cuidado entre o contedo bsico mais antigo e
ampliaes redacionais mais recentes (v. acima 4b4,e).

77
Uma parte dos argumentos decisivos para a datao tambm pode ser
aproveitada para responder pergunta pelo local de origem do Javista. Em
razo da assimilao de tradies provenientes do Sul (v. d) costuma-se consi-
derar em geral o Javista como sendo oriundo do Reino do Sul, Jud. O mais
provvel que tenha vindo do interior (O. H. Steck) e no da sua capital, visto
que no se destacam concepes tipicamente jerosolimitas.

4. Unidade: At que ponto as passagens javistas - que se obtm depois


da excluso de P, E e acrscimos redacionais - representam uma unidade?
Esta pergunta, que at agora ainda no foi respondida de maneira satisfatria,
se coloca em termos crtico-literrios e histrico-traditivos. Vrios estudiosos
(R. Smend seno e outros) separaram novamente o contedo bsico de J em duas
fontes: o Javista mais antigo (J', Ja; Eissfeldt; L[aienquelle]; de forma similar
Fohrer: N[omadenquelle)), e o mais recente (P, J). Esta "hiptese mais recente
de documentos" a obra Hexateuch-Synopse de O. Eissfeldt (1922. 1962) apre-
senta de maneira didtica. Todavia, at o momento no se conseguiu encontrar
o real inter-relacionamento entre os textos excludos, geralmente considerados
mais antigos. At sua prpria delimitao questionvel, de modo que
aconselhvel desistir desta separao adicional de fontes. Entretanto, isto no
impede que o trabalho crtico-literrio no Javista possa prosseguir em duas
direes: sua obra baseia-se em textos j codificados na escrita? At que ponto
foi complementado a posteriori por acrscimos que igualmente utilizam o nome
de Jav (como Gn 4.25s.; 6.1-4), mas prejudicam um pouco a coeso da fonte
escrita? Parece mais promissor indagar pela histria posterior e redacional do texto.
Sem dvida existem dentro das passagens javistas tenses considerveis.
Por exemplo, a tabela dos povos de Gn 10 e a narrativa da construo da torre
se contradizem, na medida em que Gn 11 mais uma vez pressupe a unidade
da humanidade. Ou as conquistas culturais (Gn 4.17ss.) no so de novo
destrudas pelo dilvio (Gn 6ss.)? Podemos, portanto, pressupor que J seja uma
obra narrativa elaborada com rigor lgico (v. acima 4b4,a)?
Ocultam-se atrs de J e E "no escritores distintos, mas escolas narrativas" (H.
Gunkel, Genesis, p. LXXXV)? "Seria absolutamente plausvel imaginar uma histria
de J cuja constituio bsica tivesse iniciado no muito depois da formao estatal e que
[matizasse no muito antes da dissoluo do Estado com a anteposio da histria dos
primrdios e a insero de alguns trechos de cunho novelstico" (R. Smend, Die
Entstehung des AT, p. 94). Onde, no entanto, podemos comprovar um crescimento
gradual dentro da camada javista - que se estendesse por sculos - com progressivos
acrscimos no texto, como aconteceu provavelmente com o Deuteronmio?
Certas irregularidades explicam-se mais facilmente em termos histrico-
traditivos; so "sinais da inteno de no abrir mo de nenhuma parcela da
tradio" (J. Hempel). O Javista no manipulava a tradio com a mesma
desenvoltura que mais tarde demonstrou o Escrito Sacerdotal. Ele prprio s

78
formulou parte de suas narrrativas, acolhendo, portanto, tradies sem ajust-las
entre si por completo; elaborou, isto sim, a concepo geral, mas pouco
provvel que tenha elaborado todas as tradies.
De fato, percebe-se pouco de uma inteno que perpasse toda a obra
javista e se manifeste em repetidas expresses idiomticas. Embora se possa
depreender da histria dos primrdios a inteno do Javista na amarrao das
diversas narrativas entre si, que alm do mais correspondem bem palavra
programtica de Gn 12.1-3, nos blocos traditivos restantes mais difcil dife-
renciar inequivocamente tradio e inteno. S esporadicamente se conseguem
determinar com maior preciso as intenes teolgicas bsicas que norteiam a
elaborao do contedo.

b) Intenes teolgicas

1. Com a anteposio da histria dos primrdios, a obra javista e com ela


todo o Pentateuco mais tarde adquirem uma dimenso universal. E quando o
Javista utiliza desde a criao o nome de Jav (ao contrrio de E e P) e supe
que a humanidade adore desde tempos imemoriais a Jav (Gn 4.26, acrscimo?;
cf. 8.20; 9.26), o Deus do povo se apresenta, de antemo, como Deus da
humanidade, juiz dos povos (Gn 4; 11; cf. 24.3,7). Na histria dos primrdios
o Javista expe de forma exemplar o destino do ser humano em sua ambiva-
lncia, qual seja, como multiplicao e diminuio, com poder e impotncia, na
graa e em juzo.
No sculo X a.c. provavelmente ainda no era bvio para Israel reconhecer em
Jav no apenas o que auxilia em tempos histricos de necessidade, mas tambm como
Criador (Gn 14.19ss.; 1 Rs 8.12; tambm SI 24.2 e outras). Dois sculos mais tarde,
pelo menos, ainda se contesta a convico de que Jav d a chuva (Gn 2.5; 7.4),
estabelece o ritmo da semeadura e colheita, vero e inverno (8.22) e com isto toda a
fertilidade (l Rs 17s.; Os 2).
O relato da criao em Gn 2.4bss. difere fundamentalmente tanto em sua pers-
pectiva quanto no desenvolvimento narrativo de Gn 1 P: enquanto que em Gn 1 aparece
a amplitude csmica, Gn 2 mostra o ambiente do agricultor. Enquanto que em Gn 1 a
gua precisa ser represada (transformando-se o caos em mar), em Gn 2 ela atua de
modo vivificante, tomando o deserto terra arvel (trata-se no primeiro caso de tradio
babilnica e no segundo de tradio palestinense?). Em Gn 2 no a humanidade que
criada (Gn 1.26ss.), mas dois indivduos, e ainda por cima um depois do outro. Deus
considera aqui a sua criao "no boa" (2.18), porque o homem que formou de argila
(2.7; cf. Jr l8.3s.) est s. A providncia de Deus s tem sucesso na sua segunda
tentativa; no nos animais, que so subordinados ao ser humano, mas s na mulher o
homem encontra sua parceira, o "auxlio complementar" sua altura, tomando-se,
assim, homem (2.19ss.). A histria, portanto, enfatiza (ao contrrio de 1 Co 11.7ss.; 1
Tm 2.11ss.) a igualdade de homem e mulher segundo a criao; a subordinao da
mulher ao homem ocorre em conseqncia da maldio (Gn 3.16).

79
Ao contrrio de Gn 1 P o relato de criao javista, contudo, no possui autonomia
prpria, mas apenas prepara o terreno para o relato do paraso. Desde o incio, o Javista
v a criao, o pecado e o sofrimento, o bem e o mal entrelaados (compare com a
seqncia Gn 1.31 e 6.13 P). Por esta razo os relatos da criao e do paraso, que pela
histria da tradio originalmente eram independentes entre si, foram entrelaados: no
encontro com Deus, que lhe designa o Jardim como espao vital e lugar de trabalho
(2.8,15), a criatura o enfrenta com dvidas e em desobedincia. Mesmo assim Deus no
realiza sua ameaa de que "no dia em que comeres da rvore do bem e do mal,
certamente morrers" (2.17), mas continua misericordioso no juzo, impede o pior para
o ser humano, ao garantir-lhe ainda proteo (3.21, em contraposio a 3.7) apesar de
toda a dureza do castigo - maldio lanada sobre o campo de trabalho do ser humano,
bloqueio do acesso vida eterna, expulso do Jardim (3.14ss.,22ss.). As palavras de
maldio criam etiologicamente as condies de vida atuais com suas aflies, como as
dores da mulher na hora do parto ou a fadiga do homem no seu trabalho de prover o
sustento, mas no acarretam a morte imediata nem (ao contrrio de Rm 5.12) a
mortalidade em si para o ser humano. J o fato do ser humano originar-se do "p" -
e do sopro divino - aponta de antemo para sua fmitude (cf. 2.7 com 3.19; tambm
Ec 12.7; J 10.9).
Em Gn 4 a narrativa de Cam e Abel retoma uma tradio que explica, a partir
do ponto de vista israelita, o fenmeno dos quenitas: tambm eles so adoradores de
Jav, mas no possuem terras. Seu ancestral, ou seja, sua figura representativa Caim,
que carrega um sinal de Jav, mas errante e fugitivo (4.14s.; cf. Jz 1.16). Esta narrativa
tribal foi ampliada dentro do quadro da histria dos primrdios javista para dimenses
humanas universais. Depois de Gn 2s., que apresenta tanto o relacionamento entre Deus
e o ser humano quanto o relacionamento entre o homem e a mulher, Gn 4 descreve
tipicamente mais uma possibilidade bsica da existncia humana: o relacionamento
entre irmos, retratado como confronto hostil. O comportamento de Caim tpico: quem
derrama sangue humano, mata seu irmo. Assim Gn 4 fala, sem dvida, de um
agravamento da maldade humana. Alis, ambas as narrativas esto inter-relacionadas
por semelhanas estruturais ("Onde ests? - Onde est teu irmo?": 3.9; 4.9; maldio
lanada sobre a lavoura, respectivamente sobre Caim: 3.17; 4.11). Assim como Deus
no despede Ado do Jardim sem garantir-lhe proteo, tambm o assassino Caim no
expulso impiedosamente da presena de Deus, mas protegido de ser assassinado pelo sinal.

2. O Javista chega a perceber criticamente toda a profundidade abissal


da maldade humana, que somente Jeremias (13.23) e o Salmista (51.7;
tambm 1 Rs 8.46; Pv 20.9 e outras), bem mais tarde, expressam: "O
desgnio do corao humano, isto , seu pensamento e vontade, so maus
desde a sua mocidade" (Gn 8.21; 6.5).
Como Gn 3s., a narratva do dilvio em Gn 6-8* encerra em si o motivo da
preservao: Deus pode aniquilar o que criou, mas tem piedade de um homem. Desta
maneira J interpreta a tradio difundida em mbito universal em dois sentidos:
Por um lado, J justifica o dilvio - dentro de uma moldura por ele livremente
formulada (6.5-8; 8.21s. aps a concluso tradicional 8.20) - com a maldade humana.

80
Suas palavras do razo a Deus, ao interpretarem a calamidade como conseqncia do
desgnio pecador do ser humano. Com isto o dilvio se converte em juzo punitivo que
o ser humano pode entender por ter sido causado pelo seu comportamento.
Por outro lado, a tradio popular da "justia" de No (Ez 14.14,20; cf. Gn 6.9
P; 5.29 J) reinterpretada no sentido passivo: No "achou graa" (6.8), foi reconhecido
como "justo" (7.1; cf. 18.3; 19.19). Desta forma se evita que a posio privilegiada de
No, de ser "resto" no meio da massa petditionis, seja associada sua moralidade e
piedade (continuao em Hb 11.7).
Tambm em outras ocasies J no delineia seus protagonistas como figuras
idealizadas: nem Abrao (Gn 12.lOss; 16), nem Jac (Gn 27) ou Moiss (x 2)
aparecem como pessoas virtuosas e justificadas pelos seus atos.
O juzo de Deus no melhora o ser humano; ele continua sendo o que
(Gn 8.21; cf. 18.20s. e o dilogo subseqente, provavelmente mais tardio, sobre
a justia de Deus). Esta percepo, desenvolvida por J de forma narrativa, sem
que formule um conceito prprio de "pecado", no se restringe em absoluto
apenas a Israel; antes, o Javista pronuncia, a partir da f, uma sentena sobre o
ser humano como tal (cf. Rm 7).
No todo transparece, pelas variadas narrativas de Gn 2-8, uma estrutura
bsica ou uma trama que podemos talvez parafrasear com os estgios: provi-
dncia salutar de Deus - culpa do ser humano - castigo - preservao
graciosa e, com isto, a chance de recomear.

3. Como acontece tambm na histria dos primrdios, o Javista costuma


interpretar as tradies preexistentes, introduzindo em passagens decisivas falas
de Jav que contm concepes teolgicas norteadoras (Gn 2.16s.; 3.14-19;
4.6s,l1ss.; 6.3,5-8; 8.21s.; 11.6s.; 12.1-3; 13.14-17; 18.17ss.; 26.24; 28.13-15;
31.3 e outras). Enquanto que na histria dos patriarcas as palavras de Deus so
promessas, na histria dos primrdios elas tm carter ameaador ou punitivo
- com uma exceo pondervel: a promessa de no mais amaldioar a terra,
isto , no mais prejudic-la (8.21s.). Parece que a ressoam tradies vtero-
orientais segundo as quais o dilvio encerra o tempo dos primrdios. Mas a
seqncia de pecado e castigo ainda no se interrompe (Gn 11); antes, aquela
concepo dada sobrepujada pela compreenso especificamente israelita de
histria, segundo a qual apenas o tempo dos patriarcas com a vocao de
Abrao encerra o tempo dos primrdios.
Assim a palavra de bno em Gn 12.1-3 constitui a concluso da histria
dos primrdios, o objetivo das palavras de maldio nela contidas (3.14,17;
4.11; 5.29; 9.25) e a abertura de um futuro venturoso. A humanidade por si est
em desgraa e carece da salvao oferecida por Deus em Abrao: "A assim
chamada histria dos primrdios explica de antemo por que todas as familias
da terra precisam de bno" (H. W. Wolif, p. 359). Os motivos da promessa
de descendncia numerosa e de terra, transmitidos pela f dos patriarcas (cf.

81
12.6; 28.l3s.), s ressoam de forma bem genrica e preparam a promessa mais
abrangente (12.3):
,'Abenoarei os que te abenoarem,
e amaldioarei os que te amaldioarem;
em ti sero benditas todas as fanu1ias da terra."
No relacionamento com Abrao se deveria decidir o destino da humani-
dade; todos deveriam compartilhar da sua bno. Estaria o Javista contrapondo
esta promessa ambio pelo poder e arrogncia de seu tempo? Explicita-
mente no h referncia sua situao histrica; a palavra tambm promete um
futuro ainda no-cumprido, que no foi garantido pela realidade poltica nem na
era davdico-salomnica. Podemos detectar a a esperana do Javista, que, como
as outras fontes escritas, se mostra muito reticente em fazer declaraes de
cunho escatolgico? De qualquer forma essa palavra programtica interpreta de
modo novo e universal a tradio dos patriarcas. Na redao fmal do Pentateu-
co, tal como se apresenta a ns, esta palavra ainda introduz a histria dos
patriarcas, oferecendo desta maneira uma espcie de "sentido global" da tradi-
o dos patriarcas - se que realmente podemos esperar que haja tal sentido
depois da unificao de correntes traditivas e fontes escritas antes independentes.
A promessa da bno retoma vez por outra na exposio javista (Gn
18.18; 28.14; cf. 22.18; 26.4; Nm 24.9), e ningum menos que o fara tem de
confirmar o seu cumprimento: "O povo dos israelitas por demais numeroso
e forte para ns" (Ex 1.9). - J nas narrativas de Isaque, Jac e Jos se
destaca, em contraposio ao motivo da bno, mais intensamente a promessa
da assistnciadivina: "Eu estarei contigo" (Gn 26.3,24,28; 28.15; 31.3;39.2s.,21,31),
que retoma de novo, por exemplo, nas histrias de Davi. Ser que, naquela
poca, se entendiam a salvao e o xito na histria, certamente baseando-se
em tradies mais antigas, como conseqncia do fato de Jav "estar junto"
(v. abaixo llc3)?

4. Uma inteno peculiar do Javista nota-se tambm no arco narrativo que


liga o complexo x 5 a 14, ao desenvolver as narrativas das pragas que
circulavam entre o povo de tal forma, que representam o relacionamento entre
os opressores estrangeiros e Jav. O tema introduzido pela pergunta insolente
do fara que desafia Jav (5.2): "Quem Jav, que eu deveria obedecer sua
ordem de despedir Israel? No conheo Jav!" Os acontecimentos subseqentes
devem forar o fara a "reconhecer" Jav como o verdadeiro Deus (7.17;
8.6,18; cf. 10.3 e outras). O fara o faz, confessando a sua culpa (9.27; 10.16)
e implorando que Moiss interceda junto a Jav (8.4,25; 9.28; 10.17; 12.32).
Como a salvao e a desgraa da humanidade se decidem no seu relacionamen-
to com Abrao, assim o fara poderia compartilhar a bno de Israel se no
permanecesse intransigente; na derrota tem de reconhecer (14.25) e experimen-
tar a supremacia de Jav.

82
Como neste relato sobre a salvao de Israel diante dos perseguidores
(13.13s., 30), o Javista ressalta tambm em outro material traditivo a ao
exclusiva de Jav - ele abenoa (Gn 12.3), conduz o povo para fora do Egito
(x 3.16s.), endurece o corao do fara (10.1), envia as pragas e derrota o
Egito (12.23; Gn 12.17) - e a sua transcendncia: Deus no habita na terra,
nem na sara nem no monte Sinai, mas "desce" (yarad: Gn 11.5,7; 18.21; x
3.8; 19.11,18,20 e outras), para intervir nos acontecimentos. Quando por fim o
Javista consegue formular ele prprio a introduo fala divina, "Jav disse a
Abrao" (Gn 12.1; cf. 26.2), sem indicar de onde e de que forma Deus se
revela, podemos presumir que J se posiciona diante das concepes antropo-
mrficas dadas pela tradio, por exemplo no relato do paraso, com uma certa
liberdade. Ou ser que ele at se atreve a repetir com uma certa dose de humor
a afirmao de que Deus passeia no Jardim no frescor do entardecer (Gn 3.8;
cf. 8.21 e outras)?

83
7
A OBRA HISTORIOGRFICA ELOSTA

a) Questes introdutrias

o Javista foi o primeiro a registrar por escrito as tradies que formam o


arcabouo do Pentateuco. Porm no foi esta a nica tentativa de representar os
primrdios de Israel; antes, foi complementada por uma outra verso, a elosta,
que foi entrelaada to intimamente com o Javista, que se fala de um "Jeovis-
ta" (J/E). Ocorre que difcil delimitar e identificar com preciso ambas as
fontes escritas j na narrativa de Jos, em todo caso a partir do livro do xodo.
Por conseguinte temos de proceder muitas vezes com parcimnia na atribuio
de textos s fontes escritas: "A separao de J e E uma das tarefas mais
difceis na anlise de textos e em muitos casos mostra ser impossvel" (H.
Holzinger, Einleitung in den Hexateuch, p. 485 e outras).

1. Autonomia: Estas condies fazem com que a fonte escrita elosta


represente na pesquisa - tanto nos aspectos crtico-literrios quanto histricos
e teolgicos - uma grandeza polmica. No s h discordncia quanto sua
extenso, mas at j se negou que tenha existido de fato uma fonte elosta (P.
Volz, W. Rudolph, S. Mowinckel e outros).
Todavia, h diversas razes que corroboram a tese de que devemos com-
preender o Elosta como um narrador autnomo: a) Encontramos uma srie de
bvias duplicaes, de contedo idntico, especialmente, p. ex., a histria do
perigo que correu a ancestral (Gn 20 E; 12.10ss. J; 26.7ss. J) ou a fuga de Hagar
(Gn 21.9ss. E; 16.1ss. J). b) H relatos paralelos onde as verses javista e elosta
so encaixadas uma na outra. Exemplos principais so os relatos do sonho de
Jac em Gn 28.lOss., a vocao de Moiss em x 3 ou a teofania no Sinai em
x 19.16ss. e provavelmente tambm a percope de Balao em Nm 22-24.
Dentro destes blocos a separao do texto anterior ao Escrito Sacerdotal em
dois fios oferece a explicao mais plausvel. Partindo destes pontos de refern-
cia, possvel traar ligaes transversais. c) Nos textos bsicos, mencionados
acima, a separao das fontes coincide com um critrio decisivo: a utilizao
do nome de Deus "Elohim" em lugar de "Jav".
Adicionalmente podem ser arrolados alguns argumentos complementares
que nem tanto fundamentam, mas mais reforam a tese da existncia do Elosta

84
e justificam a distino: d) A Obra Historiogrfica Elosta se destaca aqui e
acol por certas peculiaridades estilsticas e um pouco tambm pelo seu vocabulrio
prprio.
Caracterstica a seguinte seqncia: Deus se dirige a algum, chamando-o pelo
seu nome por duas vezes; e o interlocutor responde: "Eis-me aqui" (com variantes, Gn
22.1,7,11; 31.11; 46.2; x 3.4b).
Mesmo sem perpassar toda a obra elosta, uma srie de coincidncias concatena
textos distintos, como, p. ex., a pergunta: "Acaso estou eu no lugar de Deus?" (Gn
30.2; 50.19) ou a expresso idiomtica: Moiss "conduziu o povo para fora [ou fez
sair]" (x 3.10,12; 19.17).
Parece que E prefere utilizar, no lugar do topnimo "Sinai", a designao
"monte de Deus" (x 3.1b), enquanto que o nome prprio Jetro ou o ttulo "fara"
(em vez de "rei do Egito") so atpicos.
e) Reflexes so ocasionalmente introduzidas no texto e contm indicaes
retrojetivas e projetivas referentes trama, que ligam o passado e o futuro. Por
exemplo, a palavra conclusiva da narrativa de Jos:
"O mal que tnheis inteno de fazer-me,
o desgnio de Deus o mudou em bem;
a fim de cumprir o que se realiza hoje:
salvar a vida a um povo numeroso."
(Gn 50.20; preparado em 45.5,7.)
Esta palavra interpreta a posteriori o destino de Jos e ao mesmo tempo
antecipa tanto conceptualmente quanto objetivamente a percope seguinte (Ex
1.15ss.): as parteiras realizam atravs de seu temor a Deus a inteno dele de
"salvar a vida a um povo numeroso". Desta maneira se verifica uma relao
temtica entre distintas unidades textuais, mesmo quando faltam passagens
literrias que as concatenem. Parece at que Gn 50.20 tem a funo de ligar
dois complexos dentro da exposio elosta; a palavra de Jos conclui a histria
de famlias do tempo dos patriarcas e introduz a histria do povo. De maneira
similar outros textos com falas (como Gn 31.13 com urna referncia que se
reporta a Gn 28.lOss.) comprovam' 'uma arte de composio altamente refletiva"
(H. W. Wolff, p. 415).
1) Por fim podemos, segundo critrios metodolgicos, somente em
conseqncia das observaes feitas acima, reconhecer certas peculiaridades em
enunciados ticos e teolgicos.
Vrias vezes salta a nossos olhos uma especial sutileza no posicionamento tico
do Elosta. Damos trs exemplos disso: enquanto o Javista faz com que a necessidade
obrigue Abrao a pronunciar na emergncia a mentira de que sua mulher Sara sua
irm (Gn 12.11ss.; cf. 26.7ss.), o Elosta transforma Sara em meia-irm de Abrao, para
no ter de acus-lo de mentiroso, enfatizando expressamente a veracidade deste fato (Gn

85
20.2,5,12). - Enquanto, segundo a verso javista (Gn 37.27,28b), Jos vendido a
ismaelitas, 'segundo a concepo elosta, Jos "s" abandonado numa cisterna ou
mantidol cativopor certo tempo, sendoencontrado, porm,por comerciantes rnidianitas
que o levam junto (Gn 37.22-24,28a,29). - Enquanto, segundo Gn 16.6 J, Abrao
obedece sem hesitao a Sara, conforme Gn 21.11s. E, ele expulsa Hagar apenas depois
da interveno de Deus e somente aps prov-la com vveres.
Estes exemplos mostram tambm que o Elosta apresenta muitas vezes tradies
numa verso posterior, mais elaborada - mas nem sempre isto acontece(cf., p. ex., Gn
28.10ss.). Especialmente na estrutura global E conservou a configurao mais antiga do
Pentateuco (v. abaixo).
Entre as peculiaridades teolgicas est particularmente o tema que perpassamuitos
textos de E: o temor a Deus.

Apesar de vrias incertezas, sobretudo no livro de xe Nm, as diversas


razes apresentadas acima apontam decisivamente para a existncia original-
mente autnoma do Elosta. Embora seja considerado com certa freqncia
apenas como' 're-editor" (P. Volz), isto , como camada redacional ou comple-
mentar do Javista, E parece no se basear originalmente em J nem ter sido
dependente dele (v. acima 4b4,b), o que necessariamente aconteceria caso se
tratasse de uma camada redacional. Tambm se percebem vnculos entre as
diversas passagens elostas.
Thdavia, existem "s fragmentos dispersos" (j H. Holzinger, p. 173)
desta fonte escrita; pois o redator que fundiu J e E aproveitou a Obra Historio-
grfica Elosta apenas para complementar a verso javista em que se baseou (v.
acima 4b4,c).

2. Extenso: Apesar de este processo redacional ter transcorrido de forma


infeliz para E, conservaram-se narrativas completas desta obra historiogrfica.
O complexo textual mais extenso, onde podemos apreender melhor seu mtodo
de trabalho, Gn 20-22*. Incerto, porm, onde est seu ponto de partida. Em
geral pensa-se que a fonte E inicie em Gn 15, mas neste captulo concorrem
tradies mais antigas e mais recentes, de sorte que o enquadramento de seus
textos nas respectivas fontes escritas continua questionvel. "Salvo poucos
indcios incertos em Gn 15, nada restou em Gn 12-19 desta fonte." (H. Holzin-
ger, p. 174.) Mesmo ~e Gn 15 estiver baseado num fie) elosta, o incio real de
E - ao contrrio da introduo solene do Escrito Sacerdotal em Gn 1 e do
Javista em Gn 2.4bss. - no foi conservado. O Elosta originalmente princi-
piava com uma apresentao de Abrao? De qualquer forma no se descobriu
ainda E em Gn 1-11 (apesar de todas os esforos neste sentido). O Elosta no
continha, portanto, nenhuma histria dos primrdios, mas inicia com a histria
dos patriarcas. .
Tambm no h consenso quanto localizao do fmal da Obra Historio-

86
grfica Elosta. Uns o procuram em Js 24, outros, em Dt 3lss. Como ltimo
texto elosta maior costuma-se identificar a percope de Balao, em Nm 22s.
Textos conhecidos, que podem ser atribudos com maior ou menor grau
de certeza a E, so:
Gn 15*? Vocao de Abrao
Gn 20.1-22.19* Abrao e Abimeleque, nascimento de Isaque, expulso de Ha-
gar e sacrifcio de Isaque
Gn 28.11s.,17s.,20s. Sonho de Jac da escada celestial
Partes de Gn 30-33; 35.(especialmente vv. 1-5.7s.); 37; 40-42
(principalmente); 47s.
Gn 46.1b-5a Revelao a Jac
Gn 45.5b-15; 50.15-26 Perdo de Jos
x 1.15ss. Desobedincia das parteiras (tambm 2.1-1O?)
x 3s.* Vocao de Moiss (mais precisamente 3.lbB, 4b,6,9-14)
x 14* Milagre do Mar Vermelho (especialmente 13.17-19; 14.5a,19a)
x 18* Encontro de Moiss com seu sogro midianita; sacrifcio em
comum, instalao de juzes
x 19* Revelao no Sinai (sobretudo 19.16s.,19; tambm 24.[9-]11?)
Partes de Nm 20s.
Nm 22s* Balao
Houve quem quisesse inferir de certas dissonncias nos textos que houve
uma redao posterior do Elosta ou, ento, a juno de vrios fios elostas. Mas
faltam argumentos slidos para corroborar tais operaes complicadas. Deve-
mos contar, no entanto, com acrscimos em estilo elosta ou deuteronmico-
deuteronomstico. Entre eles esto provavelmente x 20.18-21 ou partes de x
32. Para definir a teologia do Elosta muito importante sabermos se podemos
atribuir (ou com mais razo) no atribuir textos como Gn 15.6; x 32; Nm
l2.6ss. ou at o Declogo e o Cdigo da Aliana (x 20-23) ao Elosta.
Contudo, para emitir um juzo seguro, melhor restringirmo-nos a um mnimo
de textos, assegurados pela crtica.

3. Situao: Na medida em que se reconhece a existncia da Obra Histo-


riogrfica Elosta, h um relativo consenso quanto ao local e poca de seu
surgimento - apesar de tambm a existirem vozes discordantes (M. Noth e
outros). Presumivelmente devemos procurar sua origem no Reino do Norte (o
que facilita a memorizao: E vem de Efraim, J, de Jud). Todavia, esta
concluso [mal se apia mais em indcios do que em pontos de referncia
slidos. O argumento principal um argumentum e silentio ("argumento a
partir do silncio' '): faltam na tradio dos patriarcas as narrativas ambientadas
no Sul, relatadas pelo Javista, como o ciclo de sagas de Abrao e L.
As tradies a respeito dos patriarcas foram conservadas, portanto, numa verso
mais antiga, onde santurios da Palestina Central, como Betel (Gn 28.22; 35.1ss.),

87
Siqum (Gn 33.19s.; 35.4,8; 48.22; cf. 50.24s.; x 13.19 com Js 24.32) e tambm
Berseba (Gn 21.3lss.; 22.19; 46.1ss.) - esta ltima localizada no Sul, mas com fortes
vnculos com o Norte (cf. Am 5.5; 8.14) - desempenham um papel decisivo. De forma
similarapresenta-se na histria de Jos no a Jud como em J, mas a Rben como porta-
voz (cf. Gn 37.22-24,29s. E, em contraposio a 37.21,26s. J), o que corresponde a um
estgio traditivo anterior.
Alm disso h certos vnculos, ainda que pouco perceptveis, da Obra
Historiogrfica Elosta com os profetas do Reino do Norte, talvez j com Elias,
mas mais visivelmente com Osias (cf. x 3.14 com Os 1.9; tambm x 3.lOss.
com Os 12.14) e com o Deuteronmio, cujas tradies mais antigas, ao que
parece, so oriundas do Reino do Norte ( lOa,3). Assim podemos perceber,
mesmo com reservas, uma corrente traditiva que vai desde o Elosta, passando
pelo profeta Osias e o assim chamado Protodeuteronmio, e que eventualmen-
te assumida por Jeremias no Reino do Sul.
Alm da determinao da procedncia do Elosta, M. Noth tambm ques-
tionou a sua datao habitual depois do Javista, "j que E no seu todo repre-
senta, antes, um estgio anterior a J na histria da tradio" (berlieferungsge-
schichte des Pentateuch, pp. 40s., nota 143). Assim E ignora tanto a histria dos
primrdios quanto as tradies do Reino do Sul no complexo das sagas dos
patriarcas. Mesmo assim tal objeo no necessariamente consistente, j que
um escrito mais recente pode preservar um estgio traditivo mais antigo. Sobre-
tudo em algumas narrativas distintas E oferece uma verso traditiva visivelmen-
te posterior, submetida a uma reflexo teologicamente mais elaborada do que J
(v. exemplos acima ref. a lf). Se observarmos bem as relaes com o Reino do
Norte, a obra do Elosta surgiu - e esta a opinio geral - entre a assim
chamada diviso do reino em 926 a.c. e o aparecimento do profeta Osias,
portanto antes do perigo mortal representado pelos assrios, que E, ao que
parece, ainda no conhece. O mais provvel que devamos situar o Elosta por
volta de 800 ou na primeira metade do sculo VIll a.c.
Neste quadro histrico se encaixa bem a situao teolgico-religiosa retra-
tada. Percebe-se que E tem afinidade com o profetismo (primitivo, que se
manifestou no Norte de Israel). Por um lado, contm elementos traditivos
profticos. Assim a vocao de Moiss em x 3.lOss. elaborada segundo um
formulrio em que tambm Jz 6; 1 Sm 9s. e Jr 1 se basearam. Sobretudo
Abrao chamado de "profeta", em Gn 20.7, por interceder. Por outro lado,
o prenncio do juzo por parte de Osias: "Eu no estou a para vs" (1.9)
parece que retoma a glosa do nome de Jav: "Eu estou (convosco)" (x
3.14,12 E) para rejeit-la.
Inversamente ainda no se percebe nenhuma influncia do primeiro pro-
fetismo literrio, p. ex. de Osias, sobre a Obra Historiogrfica Elosta. Elohim,
"Deus", como sujeito de uma orao absolutamente no-proftico. O Elosta
tambm ainda no conhece a crtica dirigida contra os santurios do Reino do

88
Norte, muito menos o anncio radical do juzo sobre Israel. 'Iambm o sonho,
que o Elosta utiliza como recurso estilstico nas narrativas dos patriarcas, recua
para o segundo plano nos profetas literrios, j que no era considerado como
forma de revelao, sendo mais tarde at criticado por estes (Jr 23.28s.; cf. Dt
13.2-6 e outras).
No destino da fonte escrita elosta encontramos uma ltima coincidncia
com a mensagem de Osias: ambas migraram, depois da queda do Reino do
Norte em 722 a.C; para o Sul. Ali, talvez em Jerusalm, a fonte E foi unificada
com o Javista.
Como prova disso talvez sirva x 3.15. O versculo que a redao intercala entre
x 3.14 E e 3.16 J parece originar-se do Sio, mais precisamente do culto de Jerusalm
(cf. SI 103.14; 135.13).

O fato de que E se originou de outro meio que J torna o relacionamento


entre ambas as fontes escritas compreensvel: coincidncias na estrutura global
e diferenas no vocabulrio se explicam de forma mais fcil se admitimos que
nenhuma das fontes conheceu nem se apoiou na outra, mas que ambas se
relacionam apenas indiretamente, mediante a tradio oral.

b) Intenes teolgicas

A constatao feita pela crtica literria de que o Elosta no apresenta


nenhuma histria dos primrdios tem ao mesmo tempo importncia objetiva:
falta a E a perspectiva universal do Javista. Jav no est atuando desde a
criao, mas se revela apenas por ocasio da vocao de Moiss (x 3). Caso
possamos deduzir deste argumentum e silentio que E se concentra mais no povo
de Israel e na posio especial que lhe conferida, encontramos a confrrrnao
desta concluso no dito de Balao:
"Eis que povo que habita S,
e no ser reputado entre as naes." (Nm 23.9.)
Parece que nesta palavra temos um testemunho de uma primeira auto-
compreenso de Israel: improvvel que Israel esteja separado dos outros
povos apenas geograficamente, mas tambm por sua natureza - ele est sob a
bno de Jav (Nm 23.8,1O,20ss.). Mesmo assim no podemos tachar o Elosta
de particularista, j que nele tambm encontramos tendncias contrrias (cf. o
dilogo de Deus com o rei estrangeiro em Gn 20.3ss.).

1. Como possvel que E utilize regularmente, em vez do nome prprio


"Jav", o termo genrico "Elohim" (sem diferenciar de modo perceptvel o
significado, com ou sem artigo)? E isto aconteceu no Reino do Norte, por volta
de 800 a.C., portanto numa situao em que, de acordo com as narrrativas de

89
Elias e a pregao de Osias, h um confronto duro entre Jav e Baal! Mesmo
assim dificilmente se encontra uma explicao satisfatria para o fato de esta
fonte escrita evitar o nome de Deus especfico para Israel. Certamente no
podemos ver por trs disto um antigo politesmo de Israel ou - de maneira
mais genrica - simplesmente uma tradio preexistente. pouco provvel
tambm que E pretendesse distinguir, como mais tarde o Escrito Sacerdotal o
fez, diferentes perodos da compreenso de Deus. Certamente E introduz o
nome Jav na resposta de Deus pergunta de Moiss e o interpreta ao mesmo
tempo: "Eu serei (sou) quem serei (sou)" (x 3.14). Mas mesmo depois disso
adota por via de regra o termo genrico "Elohirn".
Controvertido se E utiliza, depois de x 3.14, exclusivamente ou s predomi-
nantemente o termo "Elohim". Querer distinguir, a partir da, duas camadas dentro do
Elosta (C. Steuemagel e outros) deve ser considerado arriscado demais j pelo carter
do material traditivo existente. Pelo menos ocasionalmente nota-se uma influncia
secundria do Javista ou tambm do Escrito Sacerdotal, portanto uma interveno
redacional que introduz o nome de Jav em E (assim j acontece em Gn 22.11,14 antes
do acrscimo dos vv. 15-18). Se x 3.15 for uma complementao redacional, percebe-
se mais claramente que E em regra continua usando tambm depois de x 3.14 o termo
"Elohim".
o motivo mais provvel de E utilizar o termo "Elohirn" que pretende
enfatizar a transcendncia de Deus e, com isto, indiretamente tambm uma certa
universalidade da prpria f: Jav, o Deus do nico povo, Deus em si. No
parece que E pressupe a escolha feita entre a f em Jav e em Baal no episdio
do monte Carmelo: "Jav Elohirn, Deus" (1 Rs 18.39; O. Procksch)?
Assim se tornaria, ao mesmo tempo, compreensvel por que esta fonte escrita
mostra to pouca polmica anticanania nos textos que lhe so atribudos com
segurana.

2. Em todo caso se destaca visivelmente no Elosta a tendncia de enfati-


zar a transcendncia de Deus. Desaparecem narrativas que relatam um encontro
imediato entre Deus e o ser humano (como Gn 3; 18s. 1). Deus guarda, antes,
certa distncia: ele "fala" com Abrao (Gn 22.1), sem que se mencione
expressamente uma apario sua, ou "chama" Moiss (x 3.4b) como que de
longe, sem que se perceba de onde vem o chamado. Parece que Deus habita
nos cus, j que, de acordo com a exposio da poca dos patriarcas, envia dali
seus mensageiros terra e estes tambm falam do alto (Gn 28.12 ou 21.17;
22.11; cf. 22.15; x 14.19; 20.22). Por meio de seu mensageiro Deus deixa-se
representar no mundo visvel e desta maneira no pode mais ser percebido de
forma imediata (compare Gn 28.12 E com 28.13 1). O relacionamento com
Deus tambm no pode mais ser "objetivado", pois Deus - de novo s na
poca pr-mosaica - aparece em sonhos (Gn 20.3ss.; 28.12; 31.24; 46.2; cf.
37.5ss.; 40.9ss.; 41.17ss.). Ambas as formas de revelao - por meio de

90
mensageiros e em sonhos - tambm podem aparecer associadas entre si
(31.11; 28.12). A ento o sonho certamente no tem peso especfico, mas
introduzido conscientemente, com inteno teolgica, quase como recurso esti-
lstico literrio, para deixar Deus fa1ar; decisiva justamente no a viso, mas
a fala (Gn 20.3,6 e outras). Alis, fa1as ocupam um amplo espao; interligam e
ao mesmo tempo interpretam o desenrolar da ao (31.13 e outras). A exposio
elosta da vocao de Moiss (x 3.1bB,4b,6,9-14) apresentada quase que
exclusivamente em forma de dilogo. Tambm na descrio da atuao de
Moiss transparece a inteno do Elosta: enquanto que a libertao do Egito
considerada, segundo a tradio mais antiga, como ao de Jav (x 3.8,16s. J
e outras), E faz Moiss conduzir o povo para fora do Egito (3.10,12; cf. 19.17),
a fim de evitar um contato direto entre Deus e o ser humano. "E(losta)
empurrou Moiss muito mais para o primeiro plano, apresentando-o como
instrumento de Deus por ocasio do cumprimento da promessa de Deus de tirar
o povo do Egito" (G. von Rad, Theologie des AT I, p. 305). Ao contrrio do
estilo narrativo javista, a exposio elosta denota, no seu todo, uma reflexo
teolgica mais intensa. Mas no se pode afmnar do Elosta que ele tenha uma
imagem de Deus espiritua1izada e que no contemple os sentidos, visto que o
fa1ar e o ouvir desempenham um papel to decisivo.

3. Ao lado desta peculiaridade, que pode ser constatada na comparao


com textos paralelos, o Elosta denota de modo mais direto uma inteno
teolgica atravs de sua conceituao. J. Becker e H. W. Wolff descobriram na
provao do temor a Deus do ser humano um motivo que retoma nas mais
variadas narrativas. O tema da tentao que j ressoa em Gn 20 (v. 11)
retomado e desenvolvido na narrativa do sacrifcio de Isaque com outra nfase.
Esta lenda cltica origina1mente pr-israelita (v. acima 5b.3), que explicava a
substituio do sacrifcio de crianas pelo sacrifcio de animais (v. 22),
interpretada pelo Elosta como provao de f: "Deus ps Abrao prova" (v.
1). Abrao se mostra temente a Deus (v. 12), isto , est disposto a devolver a
Deus a ddiva prometida e concedida e a se confiar incondicionalmente a ele
(cf. Dt 8.2; 13.4). Tambm movidas pelo temor a Deus (x 1.17,21), as parteiras
resistem ordem desumana do fara de manter vivas apenas as filhas de Israel,
mas matar os filhos (cf. At 5.29), e desta maneira cumprem sem saber a
vontade de Deus de "preservar a vida de um grande povo" (Gn 50.20). Assim
o temor a Deus funciona nas diversas situaes de modo variado: na obedincia
da f (22.12), na confiabilidade da pa1avra (42.18; x 18.21), na proteo dos
desamparados, sejam estrangeiros (Gn 20.11), sejam recm-nascidos (x 1.17,21;
cf. ainda 20.20). No temor a Deus, portanto, a religio e o etos, a f em Deus
e a atitude frente ao ser humano so indissoluvelmente entrelaados.
A exposio elosta pretende ser exemplar e modelar na medida em que
convoca Israel a permanecer no temor a Deus no confronto com a religio

91
canania (cf. H. W. Wolff, K. Jaros)? No era de se esperar, diante do perigo
representado pela f em Baal e a ameaa do sincretismo, que se tentasse
delimitar claramente as frentes, enfatizando antes o "temor a Jav" do que
mais genericamente o "temor a Deus' '? Pode ser que a sabedoria tenha passado
a palavra-chave "temor a Deus" ao Elosta. Uma palavra como: "Pelo temor
a Deus mantemo-nos longe do mal" (Pv 16.6; cf. 14.26s.; 19.23 e outras)
parece exprimir exatamente a inteno das narrativas elostas. O Elosta assume,
ento, alm de tradies profticas, tambm tradies sapienciais, de modo que
se anuncia nele a conjuno posterior do profetismo com a sabedoria?

92
8
o ESCRITO SACERDOTAL

a) Questes introdutrias

1. O esprito diferente do Escrito Sacerdotal j se mostra nas suas (trs)


caractersticas relevantes e marcantes:
a) Nenhuma das outras fontes escritas se distingue to claramente como o
Escrito Sacerdotal, em razo de seu vocabulrio e suas peculiaridades estilsti-
cas. Apenas a literatura deuteronmico-deuteronomstica utiliza de forma simi-
lar uma linguagem especfica. Expresses idiomticas que dominam em P so,
p. ex., "ser fecundo e multiplicar-se" (Gn 1.28 e passim), "lembrar da alian-
a" (9.l5s. e outras) ou "fara, rei do Egito" (41.46 e outras). Especialmente
as leis so introduzidas com frmulas tpicas, em grande parte fixas (x 16.16;
Lv 1.ls. e passim). Ao lado da "preferncia por expresses idiomticas" j Th.
Nldeke considerou caracterstico para P "a grande prolixidade e as freqentes
repeties. Por via de regra o escrito bsico ressente-se da falta de vivacidade,
plasticidade, detalhes pitorescos e calor na linguagem (...). Os personagens que
aparecem apenas so esboados nos seus contornos, sem que se mencionem
caractersticas mais especficas" (p. 133). De fato, o elemento narrativo recua
para o segundo plano, ao contrrio do que acontece nas fontes escritas mais
antigas. A uniformidade, contudo, suscita sensaes ambivalentes: o estilo pode
parecer sublime (Gn 1), mas tambm imvel e rgido, esquemtico, at pedante.
A falta de elasticidade pode significar tanto uma atitude marcada por forte
reserva frente a concepes mticas (p. ex. Gn 1.l4ss), quanto uma intensifica-
o do maravilhoso (p. ex. x 14; 16). Em todo caso se oculta uma certa
inteno atrs deste estilo rebuscado, que acumula dados. O Escrito Sacerdotal
pretende dar uma descrio precisamente delimitada do respectivo fenmeno (p.
ex. Gn 1.11s, 29s) e procura se concentrar em afirmaes teolgicas, com o
propsito de direcionar "o pensamento do leitor para alm do que est imedia-
tamente enunciado, para razes que esto por detrs" (K. Elliger, p. 189).
b) O Escrito Sacerdotal apresenta muito mais nmeros do que as fontes
escritas mais antigas - desde as medidas da arca (compare Gn 6.15s com 7.20)
at o recenseamento (Nm 1). P contm sobretudo uma cronologia exata ~
embora seja elaborada na retrospectiva - que inicia cautelosamente com a

93
contagem de dias no relato da criao, indicando a datao do dilvio ainda
desconhecida tradio mais antiga (Gn 7.11; 8.13 e outras), at apontar o ano,
ms e dia exatos dos eventos posteriores (Gn 17.1, 24s; x 12.2,18,40s; 19.1 e
outras). Muitas vezes nmeros e nomes se encontram compilados em listas e
genealogias. Estes dados provavelmente provm em parte de um livro de
1bledot, isto , um registro genealgico originalmente independente, que prin-
cipiava com Gn 5.1: "Este o livro dos descendentes de Ado" e que foi
incorporado pelo Escrito Sacerdotal em passagens marcantes, dinamizando o
desenrolar da ao (6.9; 10.1; 11.10 e outras).
J antes de introduzir o livro genealgico, P adota o termo 'Ioledot; no sentido
ampliado, histria das origens, para caracterizar a criao do mundo (Gn 2.4a).

Embora j J interligue narrativas isoladas por genealogias, de modo que


formem uma seqncia narrativa (Gn 4.1s, 17ss e outras), P praticamente
inverte a relao: a exposio histrica "muitas vezes reduzida genealogia"
(H. Holzinger, Einleitung in den Hexateuch, pp. 369s.). Sobretudo na reprodu-
o da tradio dos patriarcas (mais especificamente da narrativa de Isaque-
Jac-Jos) o Escrito Sacerdotal extremamente reservado, restringindo-se a
transmitir essencialmente informaes genealgicas. S dois captulos, Gn 17 e
23, relatam detalhadamente a respeito do desenrolar de uma ao, e salta vista
que faltam passagens correspondentes a estas duas narrativas nas fontes escritas
mais antigas.
c) Uma certa caracterstica determinou o nome dado ao Escrito Sacerdo-
tal: a nfase no culto correto, e isto tanto no que diz respeito ao local do culto,
o assim chamado tabernculo, como tambm no que tange sua inteno de
preservar a pureza e santidade. Da se compreende a transmisso das leis
clticas como tambm o interesse no sacerdcio, encarnado na figura de Aro
e os levitas. Aro se coloca ao lado de Moiss, atua inclusive como mediador
entre Moiss e o povo (x 7.1s e outras).
Desta forma o Escrito Sacerdotal se posiciona de maneira bem mais livre
do que o Javista diante das tradies existentes - provavelmente devido
ruptura que representou a poca do exlio. E seu estilo sem dvida teologica-
mente ainda mais refletido do que no Elosta. Embora P acompanhe nas linhas
gerais as fontes escritas mais antigas, condensa propositalmente o material
traditivo, selecionando ou at omitindo partes.
No s faltam as narrativas coloridas da histria dos primrdios e dos patriarcas.
P silencia, p. ex., sobre a infncia de Moiss e com isto omite seu relacionamento com
Midi (x 2-4; 18 JE). O que mais salta vista so as correes que P introduz na
histria do dilvio e dos patriarcas, a partir do pressuposto de que o culto foi institudo
somente junto ao monte Sinai. Enquanto J relata, em associao com uma tradio
vtero-oriental, a respeito de um sacrifcio que No teria oferecido aps o seu salvamen-
to (Gn 8.20s J), P no menciona mais o sacrifcio e a construo do altar, nem a

94
distino entre animais puros e impuros (6.19s; 7.15s. P em contraposio a 7.2; 8.20
1). O Escrito Sacerdotal silencia sobre indicaes clticas do tempo pr-mosaico, porque
contradizem a sua concepo $lobal de que sacrifcios legtimos s se tornaram poss-
veis pela revelao do Sinai (Ex 25ss).

2. Mesmo que ocasionalmente o Escrito Sacerdotal apresente apenas um


arcabouo, trata-se de um escrito originalmente autnomo. Entretanto, se con-
testou esta tese, afirmando, em lugar dela, que P se identifica com a redao
[mal do Pentateuco ou que representa uma camada redacional que abrange
trechos do Pentateuco (L Engnell; R. Rendtorff; F. M. Cross e outros). Mesmo
que aqui e l se torne difcil separar rigorosamente o Escrito Sacerdotal da
redao posterior (RP), h razes ponderveis que desrecomendam tal identificao.
a) Especialmente a duplicidade das tradies transmitidas, uma vez nas
fontes escritas mais antigas e outra vez na fonte escrita mais recente, corrobora
a tese da autonomia original do Escrito Sacerdotal. Esta duplicidade evidente
sobretudo no entrelaamento das narrativas de dilvio em Gn 6-9 e da passa-
gem pelo mar em x 14, mas tambm na seqncia dos relatos da aliana de
Abrao em Gn 15 e 17 e da vocao de Moiss em x 3s e 6. Se P no fosse
originalmente uma fonte autnoma, ele no teria expresso suas intenes me-
diante a elaborao redacional de x 3s? O fato de que x 6 aparenta ser como
que uma repetio deslocada de x 3 se explica de uma forma menos forada
se pressupusermos que x 6 tenha existido independentemente de x 3 e que
os dois textos s tenham sido interligados posteriormente.
b) 1mbm a relao do Escrito Sacerdotal com ambas as fontes escritas
mais antigas no pde ser determinado com exatido at o presente momento.
P, entretanto, deve ter conhecido o esboo Javista de alguma forma; pois alm
das coincidncias na estruturao, h tambm afmidades lingsticas (p. ex., Gn
6.9 P; 7.1 J). Mas tudo isto no basta para afirmar que J/E formaram a base
escrita de P. Caso P tenha surgido no exlio, tambm no havia fontes escritas
disposio. Provavelmente podemos compreender melhor tanto coincidncias
quanto diferenas se partirmos do pressuposto de que houve um processo
traditivo oral que funcionou como grandeza mediadora, assim como tambm o
Evangelho de Joo retoma tradies sinticas.
Como podemos explicar que P, ao que parece, adotou apenas uma tradio que
foi influenciada e enriquecida por J e E? Ser que P conhecia as fontes escritas mais
antigas apenas de memria do tempo anterior destruio do templo? Estas fontes mais
antigas j teriam sido lidas no culto de Jerusalm (compare x 3.15 com SI 135.13)?
Ser que P procurou "reprimir o antigo" (H. Gunk.el, Genesis, p. XCIX) ou
apenas tentou encontrar no exlio uma espcie de compensao para o que se havia
perdido? Em todo caso P representa uma reinterpretao.
c) Ademais os textos do Escrito Sacerdotal podem ser lidos em separado,

95
oferecendo, apesar da extenso variada, um complexo contnuo, que se com-
preende por si s e apenas interrompido por lacunas mnimas que provavel-
mente surgiram com o trabalho da redao posterior (RP).
d) Por firn, os textos do Escrito Sacerdotal so interligados por temas ou
motivos que se alternam. Desta forma a promessa da bno divina perpassa o
Gnesis desde a histria da criao (1.28; 9.1,7; l7.2,20s e outras), at chegar
ao seu cumprimento (47.27; x 1.7), para seguir com a promessa da terra e a
promessa da proximidade de Deus junto ao seu povo (Gn 17.7; x 6.7; 25.22;
29.43 e outras).
o Escrito Sacerdotal, originahnente independente, constituiu mais tarde o material
bsico onde foram inseridas as fontes j combinadas J/E (v. acima 4b4,d). Justamente
porque o Escrito Sacerdotal procede de forma sumria, fazia sentido complet-lo,
introduzindo os textos mais antigos; desta maneira a redao do Pentateuco corrigiu a
reserva que o Escrito Sacerdotal tinha em relao tradio.

3. Em razo das suas peculiaridades estilsticas e de contedo e por causa


da sua coeso interna, a delimitao do Escrito Sacerdotal feita com relativa
unanimidade desde Th. Nldeke (1869). Contudo, se olharmos o Escrito Sacer-
dotal mais de perto, parece pouco uniforme. Embora se desenvolva de maneira
razoavelmente contfnua e ordenada no Gnesis, a partir da passagem para o
livro do xodo aumentam certas irregularidades, aparecendo inclusive a dupli-
cidade de contedos.
Mesmo que eliminemos complexos extensos como sobretudo a assim
chamada Lei da Santidade (Lv 17-26; v. abaixo 9b) ou, ento, preceitos sobre
os sacrifcios (Lv 1-7) ou sobre pureza e impureza (Lv 11-15), ainda no temos
um contedo bsico incontestvel. Assim nos vemos obrigados a explicar o
surgimento do Escrito Sacerdotal com uma espcie de hiptese de complemen-
tao: no decorrer do tempo agregou-se a um escrito bsico, denominado de Pc;,
que pode ser delimitado com maior ou menor preciso, um material bastante
variado que em sntese podemos chamar de ps, isto , acrscimos secundrios
ao Escrito Sacerdotal. Trata-se sobretudo de material cltico-legal (p. ex. x
l2.43ss. depois de 12.1-20). Todavia, tambm em passagens narrativas encon-
tramos complementaes, p. ex. indicaes genealgicas (como a enumerao
dos filhos e netos de Jac em Gn 46.8-27; alm de x 1.lb, 5b; tambm
6.14ss.). Tais acrscimos tm estilo seno idntico, ao menos muito parecido, e
por via de regra so ainda mais detalhados e desta forma acentuam tendncias
existentes em PC;.
No caso de alguns acrscimos, principahnente no livro de Nmeros, fica difcil
decidir se se trata de complementaes do Escrito Sacerdotal autnomo original ou de
suplementaes inseridas depois da juno das fontes escritas.
Quando destacamos o material secundrio, procuramos chegar a um escri-

96
to bsico o mais coerente possvel e partimos do princpio de que "se pode
conjugar com a narrativa de P (isto , do escrito bsico) somente material
legislativo e enumerativo (listas) na medida em que este esteja vinculado
organicamente com aquela" (K. Elliger, p. 175). Desta maneira obtemos, de
forma anloga s fontes escritas mais antigas, uma narrativa histrica (cont-
nua), e no s uma coleo de leis inserida num quadro histrico. Pois esta a
impresso que causa o Escrito Sacerdotal na sua forma atual, em que est
integrado o material secundrio.
A identificao de diversas camadas no Escrito Sacerdotal, um contedo
bsico e complementaes posteriores, significa tambm que na sua forma atual
o Escrito Sacerdotal - tal qual a literatura deuteronmico-deuteronomstica -
no obra de um nico autor, mas antes de uma escola, isto , de um crculo
sacerdotal que pensava de maneira afim (justificando assim a estreita afinidade
lingstica), coletava, retrabalhava e anotava tradies.
Estas percepes crtico-literrias bsicas G. von Rad tentou desenvolver disse-
cando o escrito bsico do Escrito Sacerdotal em dois fios narrativos paralelos (Die
Priesterschrift im Hexateuch, 1934). Esta hiptese, contudo, no encontrou muita acei-
tao, e mais tarde o prprio autor a descartou. P. l-Vimar repetiu tal empreendimento,
tentando extrair da histria do xodo segundo o Escrito Sacerdotal um documento
escrito anterior a P; no entanto tal procedimento pouco convincente, apesar da
argumentao rebuscada. que o Escrito Sacerdotal costuma retomar ou repetir os
temas e, apesar de toda a desenvoltura com que trata a tradio, no conseguiu fundir
as diversas tradies histricas numa unidade homognea, de sorte que persistem certas
dissonncias.

4. Por causa de sua formao literria demorada, bastante difcil situar


o Escrito Sacerdotal historicamente. Desde 1875 aproximadamente se imps a
assim chamada hiptese de (Reuss-Graf-Kuenen) Wellhausen (v. acima 4b3),
segundo a qual o assim chamado Cdice Sacerdotal teria surgido como ltima
fonte escrita no tempo do exilio. Esta a teoria corrente; outros, porm,
acreditam que mais provvel que tenha surgido no tempo imediatamente aps
o exlio (sc. V a.C).
A datao tardia desta fonte escrita foi determinada decisivamente por
motivos no tanto lingsticos quanto histrico-culturais:
a) bvio para o Escrito Sacerdotal que haja a centralizao do culto,
reivindicada pelo Deuteronmio (12.13ss), segundo a qual o povo de Deus
conhece um nico santurio. "No Deuteronmio reivindicada a unidade do
culto, no Cdice Sacerdotal pressuposta"; o tabernculo (x 25ss) "o nico
santurio legtimo da comunidade das doze tribos antes de Salomo e constitui,
portanto, uma projeo do templo construdo mais tarde" (1. Wellhausen, Pro-
legomena zur Geschichte Israels, 6. ed., 35.37). A permisso da matana "pro-

97
fana" de animais, proferida pelo Deuteronmio (12.15s) no contexto da exign-
cia da centralizao do culto, pressuposta em Gn 9.1ss. P (embora seja
suspensa de novo na Lei da Santidade em Lv 17.3s.). Por conseguinte pouco
provvel que o Escrito Sacerdotal tenha surgido antes da publicao do Deute-
ronmio (621 a.Ci). Ainda h outras coincidncias entre P e o Deuteronmio;
no deve ser mero acaso que ambos entendam que a tarefa de Moiss consiste
sobretudo em servir como mediador da lei.
b) P representa um estgio tardio da histria do culto, como a podemos
perceber no AT. Isto vale para a datao exata das festas, a diferenciao dos
sacrifcios e a hierarquizao da casta sacerdotal (aaronitas - levitas, status do
sumo sacerdote).
"Aaronitas so os privilegiados descendentes sacerdotais, levitas so os membros
no-sacerdotais da tribo de Levi, que compreendia ambas as classes (...). verdade que
se negam claramente eventuais direitos (dos levitas) de assumirem competncias espe-
cificamente sacerdotais (...). Mas de qualquer modo se conferem (...) diversas atribui-
es subalternas aos levitas e, segundo a proposta de P, deve-se-lhes garantir sobretudo
a subsistncia. Com este intuito P apresenta uma regulamentao de suas rendas: cabe
aos levitas o dzimo. No se pode falar, portanto, de uma degradao dos levitas, antes
de um saneamento da sua condio." (A. H. J. Gunneweg, p. 223).
c) P substitui o termo "povo" ('aro) por" comunidade" ('eda) - "pre-
sumivelmente porque ele, como membro da comunidade ps-exlica politica-
mente dependente, considerava decisivo o vnculo com o santurio, o 'ohe1 mo'ed"
(L. Rost, Die Vorstufen von Kirche und Synagoge im AT, 1938, p. 59). A uno
e outros smbolos da realeza se tomam agora caractersticas do sacerdote (x 28s.).
d) A importncia que no Escrito Sacerdotal se confere circunciso e
santificao do sbado como "sinais" e, portanto, como caractersticas distin-
tivas da f em Jav, s se compreende a partir da situao da poca exlica. O
costume certamente antiqssimo da circunciso, tambm existente entre os
vizinhos orientais de Israel (Jr 9.24s.), era desconhecido no mbito babilnico
e pde se tomar, por conseguinte, critrio de diferenciao em relao s
religies circundantes. Segundo o Escrito Sacerdotal no Moiss (cf. x
4.24ss.), mas j Abrao quem recebe o mandamento da circunciso como sinal
de uma "aliana perptua": todo recm-nascido do sexo masculino deve ser
circuncidado no oitavo dia de vida (Gn 17.9ss.; cf. Lv 12.3). Em contrapartida
a observao do sbado j se anuncia por ocasio da criao, quando Deus
descansa no stimo dia, o abenoa e santifica (Gn 2.2s.). As pessoas da poca
dos primrdios e dos patriarcas, todavia, ainda desconhecem o sbado. Israel
descobre a peculiaridade do stimo dia quase que por acaso durante a marcha
pelo deserto.
Quando o povo israelita recolhe o po enviado dos cus, o man no se conserva

98
de um dia para o outro. S no sexto dia encontra-se dupla rao diria e pode-se guardar
parte do recolhido para o stimo dia. Assim Israel observa, de forma mais ou menos
forada, o descanso no sbado (x 16.22ss.). J que simplesmente desnecessrio e
tambm impossvel ,trabalhar no sbado em razo da providncia divina, ainda no h
necessidade de promulgar um mandamento do sbado no sentido restrito do termo. Tal
mandamento se encontra apenas. como acrscimo tardio no contexto das instrues para
a construo do tabernculo; aqui destacado expressamente como nico mandamento
dirigido comunidade (x 31.12-17 PS). O dia do descanso a ser observado rigorosa-
mente vale como sinal para todas as geraes de que Jav "santifica", portanto, escolhe
Israel (cf. Ez 20. 12,20).
Em razo de tais ponderaes acredito que possamos chegar a um con-
senso na questo da datao: o escrito bsico (pG) surgiu no exlio, enquanto
que as complementaes (PS) se sucederam provavelmente na poca ps-exli-
ca. Todavia, P se baseia em material traditivo preexistente nas passagens narra-
tivas e mais ainda nas passagens legislativas e listas e remodelou este material,
de modo que o momento da fixao por escrito pouco revela da antigidade da
tradio, que precisa ser determinada de caso em caso.
Controvertido se o Escrito Sacerdotal foi redigido em Jerusalm ou -
como se presume em geral e provavelmente com mais razo - surgiu no
crculo dos deportados na Babilnia e foi trazido mais tarde (talvez s por
Esdras - Ed 7.14,25s.; Ne 8?) para a Palestina.

5. Enquanto que o Escrito Sacerdotal sem dvida tem seu incio e ao


mesmo tempo seu primeiro destaque na histria da criao em Gn 1.1-2.4a, no
h tanta unanimidade quanto ao seu [mal. H objees ponderveis contra
tentativas mais antigas e recentes de rastear P para alm do Pentateuco (cf.
llel): primeiro haveramos de constatar uma lacuna depois do ltimo texto que
se atribui a P (Dt 34.1a,7-9), j que no livro de Josu (cf. 14.1; 18.1 e outras)
no encontramos mais um fio contnuo do Escrito Sacerdotal. Alm disso os
indcios lingsticos no se destacam mais de forma to marcante fora do
Pentateuco, a no ser que a linguagem tenha sido bem mais retrabalhada. Assim
se recomenda adotar a opinio j considerada por J. Wellhausen (Prolegomena
zur Geschichte Israels, 6. ed., pp. 355s.) e melhor fundamentada por M. Noth:
o [mal do Escrito Sacerdotal est em Dt 34.7-9, de forma que esta obra
historiogrfica conduz da criao do mundo at a morte de Moiss.
Importantes para a exposio do Escrito Sacerdotal so os seguintes textos:
Gn 1.1-2.4a Criao
6-9* Dilvio, aliana com No
17 Aliana com Abrao
23 Aquisio da gruta de Macpela
x 1.1-5,7,13s.; 2.23-25 Formao do povo, opresso no Egito, lamentao, seguida
pela resposta de Deus:
6s. Vocao de Moiss, promessa de redeno

99
7-14* Pragas, Pscoa, sada, salvao no mar
16 ~urmuraes, man, sbado
19.1s.; 24.15ss. Revelao no Sinai
25-29 Instrues referentes ao tabernculo
Lv 8s. Consagraosacerdotal(segundox 29) e primeiro sacrifcio
Nm lO.11s. Partida do Sinai
13s. Mensageiros. Falta de f do povo
20 Falta de f de Moiss e Aaro. Morte de Aaro.
27.12ss. Investidura de Josu
Dt 34.1a,7-9 Morte de Moiss
6. Esta delimitao resulta num problema de contedo: por que falta um
relato prprio da tomada da terra no Escrito Sacerdotal- que renova repetida-
mente a promessa de terra e confere a esta questo um peso at maior do que
as fontes escritas mais antigas?
A promessa feita a Abrao: "Dar-te-ei a ti e a teus descendentes toda a terra de
Cana em possesso perptua" (Gn 17.8; cf. 28.4; 48.4) logo comea a se cumprir com
a compra legal da caverna de Macpela e do campo ao seu redor; a aquisio
antecipao parcial do que est por vir (Gn 23; cf. 49.29; 50.12s.). Por ocasio da
vocao de Moiss se refora a promessa (x 6.4,8; cf. Nm 13.2; 14.31; 20.12). Mas
quando Moiss cumpre a ordem de Deus e envia mensageiros do deserto de Par para
explorarem a terra prometida, retomam desapontados - ao contrrio do que relata a
tradio mais antiga - e, com exceo de Josu e Calebe, fazem uma crtica to acerba,
que o povo comea a murmurar. Em seguida pronuncia-se a sentena: a gerao vivente
no pode ver a terra (Nm 13s.). Quando at Moiss e Aaro caem em pecado (Nm 20),
tambm eles so impedidos de entrarem na terra. Aaro morre no Monte Hor depois
que seu filho Eleazar investido como seu sucessor no cargo (20.25-29). Antes de
morrer (Dt 34.7s.), Moiss s pode ver de relance a terra prometida do alto dos montes
dos moabitas (27.12ss.). Morre, porm, na certeza de que a comunidade ouvir o que
seu sucessor Josu tem a lhe dizer (Nm 27.15ss.; Dt 34.9) e de que - podemos concluir
isso? - na prxima gerao se cumprir a promessa. Esta exposio no lembra a carta
de Jeremias escrita aos exilados (29.5ss.,IO): no a gerao vivente, mas to-somente
uma gerao futura poder entrar de novo na terra?
'Ial qual os patriarcas que apenas percorrem a terra prometida e ali so
sepultados, tambm a comunidade est constantemente a caminho no deserto
- communio viatorum, escutando e seguindo a promessa (x 12.28; 14.4;
35.21 e outras), mas tambm duvidando e se indignando (6.9; 16.2; Nm 14.2;
20.2,12; 27.14). Movida pela promessa de Deus, mas tambm descontente
com a orientao de Deus, sempre tem o objetivo diante dos seus olhos, mas
jamais o alcana, persistindo no "ainda no". tal exposio histrica apenas
uma retrospectiva do passado ou tambm transparente para o presente, a poca
do exlio, quando a comunidade tambm mora fora da terra? Enquanto que
o Israel do tempo do deserto no podia entrar na terra por causa de sua cul-
pa, o Israel do exlio tem de abandonar a terra por causa de sua culpa. "A

100
antiga histria e principalmente o que h para aprender dela so apresentados
diante dos olhos do povo de Israel com tanto destaque, porque Israel de novo
est nas mos de uma grande potncia e longe de sua terra herdada. A ali-
ana e a promessa justamente da terra de Cana ainda vigoram." (K. Elliger,
p. 196).
Pretende P suscitar esperana no futuro, ao lanar mo de uma retrospec-
tiva do passado? Deve a comunidade esperar pela realizao renovada da antiga
promessa? De fato, diretamente P no incentiva em lugar algum a esperana e
pelo menos explicitamente no contm enunciados escatolgicos (Nm 14.21b
acrscimo). Assim a exposio do Escrito Sacerdotal admite duas leituras con-
trastantes: pertence P tal qual Crnicas ao grupo das obras literrias exlicas/
ps-exlicas que renunciaram s expectativas salvficas e se contentam com a
existncia da comunidade cltica e, assim, suscitam o protesto do profetismo
tardio ou do apocalipsismo emergente (O. Plger)? Ou, ento, se oculta nos
enunciados no pretrito perfeito um projeto concernente ao futuro, sendo que o
passado delineado luz deste futuro? "Os exilados esto tal qual os antigos
no passado espera da tomada da terra, que, embora lhes seja vetada no
momento, foi-lhes prometida." (R. Kilian, p. 247.) "A percope do Sinai
tambm um programa para o futuro; como era antigamente h de ser de novo."
(K. Koch, ZThK, 1958, p. 40.) Pressupondo que o assim chamado tabernculo
se tome o nico santurio no futuro, espera P uma vida comunitria na ptria
sob a liderana de um sumo sacerdote, sem haver um rei? Devero as leis valer
para esta situao? Toma-se difcil tomar partido por uma ou outra interpreta-
o, visto que a segunda concepo, amplamente aceita, s se apia em uma
fundamentao indireta, pois distingue entre o que o texto diz e o que intencio-
na transmitir - e isto constitui um empreendimento complicado, talvez legti-
mo, mas arriscado.
Parece que no Escrito Sacerdotal ressoa a mensagem radical da desgraa anuncia-
da pelos profetas literrios. J o juzo de Deus sobre a humanidade culpada - "O fim
de toda carne est diante de mim" (Gn 6.13) - como que amplia o "fim" anunciado
por Ams (8.2) e Ezequiel (7.2ss.) para uma dimenso universal, entendendo que este
fim j aconteceu no passado remoto por ocasio do dilvio. Um julgamento quase to
duro quanto o do dilvio tambm recai mais tarde sobre toda a comunidade de Israel:
todos tm de morrer no deserto - com exceo de Josu e Calebe; estes constituem,
como No, o resto que testemunha o tamanho da culpa e do castigo (Nm 14.26ss.).
Onde encontramos ressonncias dos anncios profticos de salvao? Ou o deserto
constitui ao mesmo tempo o lugar onde ocorre o recomeo depois do julgamento (Os
2.16; cf. Jr 29.1O)? Josu tal qual No a "santa semente" (Is 6.13)?

b) Intenes teolgicas
Quando 1. Wellhausen conseguiu impor a datao tardia do Escrito Sacer-
dotal, introduziu para ele a sigla Q, como abreviatura do nome Libet quattuor
foederum, livro das quatro alianas. De fato P distingue no decurso da histria

101
quatro perodos. No incio de cada uma destas pocas ocorre um acontecimento
incisivo, coloca-se um importante ato cltico-ritual ou at se comunica uma
ordenao cltica:
- por ocasio da criao (Gn 1), o descanso de Deus no stimo dia (como
tambm a concesso da alimentao vegetariana aos seres humanos e animais);
- no tempo de No aps o dilvio (Gn 9), a proibio do consumo de sangue
(pressupondo-se uma alimentao com carne) e do homicdio;
- no tempo de Abrao (Gn 17), o mandamento da circunciso;
- junto ao Sinai (x 19.1s.; 24.15ss.), a instituio das leis clticas (x 25ss.),
inclusive da santificao do sbado (16.22ss.; cf. 31.12ss. PS).
J cedo se reconheceu, no entanto (J. J. P. Valeton, 1892; teoria aperfei-
oada por W. Zimmerli, E. Kutsch), que P s tem conhecimento de uma dupla
frrmao de aliana, pois reserva o termo berit, "aliana" para designar os dois
acontecimentos do meio, as promessas divinas feitas a No e Abrao (cf. a
tabela abaixo).
Quadro dos perodos do Escrito Sacerdotal
Gn I Criao do mundo Indicao da alimentao
Elohim
(O ser humano imagem de vegetariana
"Deus"
Deus, senhor sobre a terra) Descanso de Deus no stimo dia
Gn 9 ''Aliana'' com No - com a humanidade Mandamentos a No:
Absteno de consumo de sangue e Elohim
proibio de homicdio "Deus"
Arco-ris como "sinal"
Gn 17 "Aliana" com Abrao - com ofuturo Exigncia de "perfeio" diante de EI Shaddai
povo de Deus Deus "oDeus
(Promessa de descendentes eposse da terra, Circunciso como "sinal" todo-poderoso"
assim chamada frmula da aliana vv. 7s., Abro
=Abrao, Sarai =Sara)
Gn 23 Compra de parcela de terra
Aps o cumIJf!llento da promessa de
descendentes (Ex 1.7):
x 6 poca de Moiss Desde a vocao de
(Frmula da aliana - bipartida, Pscoa (x 12) Moiss
mas somente como ao de Deus x 6.7) S!illtificao do sbado (x 6): Jav.
(Ex 16; cf. 31.12ss.)
x 24.15ss. Sinai
Promessa de Deus de "habitar" entre 1bemcu}o com prescries Junto ao Sinai (x 25) e
as pessoas (x 29.43ss.) clticas (Ex 25 ss.) depois da construo do
tabernculo (x 40; Lv
9): kabod, "glria" de
Jav

102
1. Apesar de seu intenso interesse na comunidade cltica, o Escrito Sacer-
dotal tem - tal qual o Javista, talvez at num grau maior - uma perspectiva
universal. A Histria comea com a criao do mundo. No s o israelita, mas
todo ser humano como criatura imagem de Deus, ou seja, de certo modo
representante de Deus na terra, abenoado e incumbido de domin-la (Gn 1.26ss.).
A tradio em que se baseia Gn 1 se assemelha epopia babilnica da criao
do mundo Enuma eJish e representa a criao como seqncia de oito obras (luz,
firmamento, mar/terra, plantas, astros, animais aquticos e alados, animais terrestres,
seres humanos). Provavelmente ela continha originalmente s um relato de atos criado-
res ["E fez Deus ..."]. A este relato se sobrepuseram, a posteriori, o relato da palavra
["E Deus disse: Haja ..."] e a contagem dos dias, que tambm o corrigiram teologica-
mente (W. H. Schmidt, ao contrrio de O. H. Steck). Se plantas e seres vivos so
criados "segundo sua espcie" (Gn l.11s., 20s.,24s.), j surgem as classificaes que
mais tarde vo ser decisivas para o culto, pois possibilitam a distino entre o que
puro e o que impuro (cf. Lv 10.10; 20.25; 11.13ss.). Para P a existncia de toda a
populao da terra conseqncia da bno divina (Gn 1.28; 9.1,7), ou seja, da palavra
poderosa e autoritativa de Deus. De uma forma sbria as genealogias espalhadas no
texto antes e depois do relato do dilvio confmnam o cumprimento desta palavra (Gn
5; 10; 11.10ss.*).
Enquanto a promessa da multiplicao se enraiza na tradio patriarcal, para P,
ao contrrio, as promessas feitas a Abrao e Jac (17.2ss.; 28.3; 35.11; 48.11) vm a ser
uma renovao da bno sobre a criao e No. Com a formao do povo de Israel se
concretiza de forma exemplar, prototpica ou tambm representativa a promessa feita
humanidade (cf. tambm Ex 1.7 com Gn 1.28).
Tudo o que foi criado cumpre sua funo aos olhos de Deus: "Eis que era tudo
muito bom" (1.31). Todavia, no se inclui neste juzo o derramamento de sangue na
terra (Gn 1.29s.; cf. 2.16 J e a inverso escatolgica em Is 11.6ss. e outras). "Atos
violentos" s aparecem no mundo atravs do ser humano e induzem Deus a modificar
seu juzo: "Eis que a terra estava corrompida" (Gn 6.1ls. P).
Tal qual o mundo, tambm se ordena o tempo; a criao se realiza como Histria.
Ao final de seis dias de labuta est o descanso como concluso e meta do trabalho. Num
primeiro momento o descanso est reservado exclusivamente a Deus (Gn 2.2s.). Mas
constitui tambm aluso e antecipao daquilo que o ser humano deve fazer mais tarde
(x 16). Desta forma o sbado da criao ainda no tem significado de "sinal".
Por isto no de estranhar, nem do ponto de vista da tradio nem do da
prpria inteno do Escrito Sacerdotal, que a criao no seja considerada
aliana. Ao contrrio, P transformou a confmnao de Deus aps o dilvio, de
no mais amaldioar a terra (Gn 8.21 J), em uma "aliana" - uma promessa
inquebrantvel, vlida independentemente de qualquer comportamento pecami-
noso humano (cf. Is 54.9s.). Esta promessa reforada pelo "sinal" do arco-
ris, que deve lembrar Deus de manter a "aliana" (Gn 9.11-17).
Enquanto, segundo a verso javista, o dilvio irrompe com uma chuva forte e
persistente, P descreve uma catstrofe csmica na qual novamente confluem as guas

103
do mar primitivo (Gn 7.11; 8.2) - as guas de cima do fmnamento e as debaixo da
terra - separadas por ocasio da criao (Gn 1.6s.). Representaria o dilvio, ento, o
retomo do caos (1.2)? Sem dvida no se anula a criao; o firmamento permanece,
mesmo que se abram suas comportas e peream todos os seres vivos. O dilvio no
destri o mundo criado e ordenado, mas sua parcela corrompida, os habitantes culpados
(6.12s.).
Depois do dilvio, Deus renova sua bno da criao; surge, contudo, uma
alterao incisiva e profunda na criao: permite-se, agora, a matana de animais (9.2
em contraposio a 1.29s.). Somente se probe o consumo de sangue, onde, segundo a
concepo vigente, se localiza a sede da vida (9.4; cf. Lv 17.11,14; Dt 12.23; At 15.20;
21.25). E a matana de seres humanos, feitos imagem de Deus, acarretar uma severa
punio (Gn 9.6). Desta forma se restringe o domnio do ser humano sobre a terra
(1.28); o ser humano protegido contra si mesmo.
Enquanto a promessa de Deus feita a No vale para todos os seres
humanos, a segunda promessa de aliana (Gn 17) limita-se a um crculo mais
restrito: a Abrao e seus descendentes. Neste caso P talvez tenha podido
recorrer a uma tradio de uma "aliana" com os patriarcas (Gn 15), pelo
menos a desenvolve e lhe confere novos acentos teolgicos. A aliana perptua
suplanta a promessa de uma descendncia incontvel e de posse da terra.
includa a promessa genrica, a assim chamada frmula da aliana: "Eu serei
seu Deus" (cf. x 6.4ss.; 29.45s.). Tambm esta aliana no est vinculada a
nenhuma condio prvia, embora imponha um compromisso aos envolvidos.
Desta vez os seres humanos assumem o "sinal": a circunciso, e com ela
confessam sua adeso aliana de Deus (17.9-14) e, com isto, seu "andar na
presena de Deus" (17.1; v. abaixo).
P compreende a aliana firmada com Abrao como "aliana com Abrao, Isaque
e Jac" (x 2.24; cf. 6.4; de maneiradiferente: Lv 26.42). No entanto, Isaque e tambm
Jos recuam para o segundo plano na exposio do Escrito Sacerdotal. S sobre Jac
relata mais minuciosamente. Ele recebe de novo em Betel a promessa (de terra e
descendncia; Gn 35.6a, 9-13; 48.3s.), que comea a se cumprir em seus filhos (x 1.7).
Caso depois da aliana com No e Abrao esperarmos que P tambm
retrate a revelao no Sinai e a instituio do culto nela contida como uma
"aliana", vamos decepcionar-nos (o termo somente se encontra numa camada
mais recente da Lei da Santidade, em Lv 26.39ss.). Talvez as fontes escritas
mais antigas (J, E) ainda no tenham conhecimento da firmao de uma aliana
junto ao monte Sinai ou Horebe, mas pelo menos sua camada redacional (x
24.7s.; 34.1O,27s.; cf. 19.5) e o Deuteronmio (5.2s.) sabem dela. Temos no
silncio surpreendente do Escrito Sacerdotal to-somente um efeito da tradio
mais antiga a respeito dos acontecimentos junto ao monte Sinai ou h uma
correo explcita da forma traditiva entrementes elaborada? Como j aconteceu
por ocasio da vocao de Moiss (x 6.2, em oposio a Gn 17.1), falta
tambm na percope do Sinai a proclamao do direito divino, nem se falando

104
de qualquer anncio de maldio ou bno. Embora P mencione somente de
passagem as tbuas da lei, estas levam o nome de "tbuas do testemunho" (x
31.18; 25.16,21). Estas tbuas devem ento testemunhar no somente o compro-
misso do ser humano, mas tambm a promessa de Deus. O que significam estas
mudanas na nfase? Manifesta-se na modificao da tradio novamente a
situao vigente no tempo do exlio, onde as ameaas j se tinham concretiza-
do? Foi isto que presumiu W. Zimmerli (p. 215): "Para P tornou-se question-
vel se a aliana do Sinai em sua forma antiga pode ainda servir de fundamento
do relacionamento com Deus. Assim toda fundamentao do estar sob a aliana
ancorada na aliana com Abrao."

2. classificao da histria em quatro estgios empreendida por P


corresponde apenas em parte a alternncia do nome de Deus. Ambos os prin-
cpios classificatrios somente coincidem, no sentido rigoroso da palavra, na
poca de Abrao (cf. a tabela na p. 102). Nas duas primeiras pocas, na criao
e na poca dos primrdios, depois do dilvio, P apenas v Elohim, "Deus",
em ao. Deus ainda no "aparece" a No e ainda no se apresenta a ele
atravs do Eu sou. Somente a Abrao Deus revela, em solene discurso na
primeira pessoa, um novo nome:
"Eu sou El Sbsddsi.
Anda na minha presena
e s perfeito [Lutero: piedoso]!"
- ou, ento, traduzido de forma consecutiva:
"e ento sers irrepreensvel!" (Gn 17.1.)
Mais tarde esse nome de Deus, vinculado com as promessas de numerosa
descendncia e da posse de terra, repetido algumas vezes (Gn 28.3; 35.11;
48.3 P); na vocao de Moiss (x 6.3) este perodo mencionado na retrospectiva.
Parece que no Escrito Sacerdotal ainda ressoa a memria de que as divindades EI
provieram da terra cultivada (v. acima 2a1): El Shaddai se revela primeiro em Cana;
mas no se percebe mais nenhuma vinculao com um lugar especfico. Parece que foi
apenas o Escrito Sacerdotal, ou pelo menos sua poca (cf. Ez 10.5), quem de fato criou
o nome duplo (EI Shaddai) a partir dos dois elementos mais antigos EI e Shaddai (Nm
24.4,16; cf. Gn 43.14; 49.25), para sintetizar nele as diferentes tradies da poca
patriarcal e, com isto, registrar ao mesmo tempo sua alteridade em relao precedente
poca dos primrdios e subseqente poca mosaica. Talvez para P o nome Shaddai,
difcil de ser interpretado, conote a transcendncia e o poder de Deus.
A condescendncia de Deus para com Abrao no uma "aliana de
graa pura" (W. Zimmerli), pois a auto-apresentao de Deus culmina numa
exortao. Este apelo programtico funciona praticamente como uma "anteci-
pao do Declogo" (K. Elliger, p. 197), onde a comunicao do mandamento
tambm segue ao discurso divino na primeira pessoa. Assim parece que o

105
Escrito Sacerdotal, que no contm nenhum Declogo, concentrou os manda-
mentos fundamentais da assim chamada primeira tbua, especialmente o pri-
meiro mandamento, na exortao: "Anda na minha presena!" e na exigncia
de perfeio (cf. Dt 18.13; 1 Rs 8.61; SI 15.2 e outras). Ao desvelo de Deus
para com Abrao deve corresponder a total dedicao de Abrao a Deus. J o
relacionamento dos patriarcas com Deus marcado pela decisiva exclusividade
da f em Jav, enquanto que o cerne da assim chamada segunda tbua, com os
mandamentos ticos do Declogo, j est contido na proibio de derramar
sangue dirigida a No (Gn 9.6). Parece que P como que divide o Declogo em
seus elementos principais: a exigncia tica vale para toda a humanidade, o
ncleo teolgico reservado a Abrao e seus descendentes.
Como no caso da poca abramica, P introduz o ltimo perodo, a poca
de Moiss, com uma auto-apresentao de Deus, a que no se vincula, no
entanto, nenhuma exortao:
"Apareci a Abrao, a Isaque e a Jac
como EI Shaddai,
mas no me dei a conhecer a eles
pelo meu nome Jav." (x 6.3.)
Compreende P a sucesso de perodos da revelao de Deus como simples
seqncia de fatos ou como uma progresso? Em todo caso parece que se sente
algo da diferena entre Deus e Deus na sua revelao. P professa a identidade
do nico Deus que se manifesta sob diversas formas e com nomes diferentes
no transcurso do tempo. Desta maneira P busca fazer, ao mesmo tempo, jus s
transformaes na histria e identidade da f.
Na poca mosaica, entretanto, nem sempre P menciona Jav, mas introduz uma
nova diferenciao na forma como Deus se revela: a manifestao da glria de Jav (v.
abaixo).

3. De forma parecida como j o fazia J (v. acima 6b, 4), P constri uma
grande ponte que vai da vocao de Moiss, passando pelas pragas, at o
milagre no Mar dos Juncos (x 6-14). Como um lema est colocada sobre esta
seqncia de ao a promessa: "Eu vos resgatarei (...) com grandes julgamen-
tos" (6.6; cf. 7.4; 12.12); os egpcios devem aprender a reconhecer a Jav (7.5;
14.4,18). Nos detalhes, P descreve as pragas como um confronto entre a religio
egpcia e a f em Jav, funcionando o milagre no Mar dos Juncos como
derradeiro julgamento em que Jav se glorifica a si mesmo.
Assim como Elias enfrenta os profetas de Baal (1 Rs 18), Moiss e Aro se
confrontam, em nome de Jav, com uma multido de sacerdotes adivinhos egpcios no
"embate com os magos". Quando os dois cumprem a ordem de Deus e realizam o
milagre que transforma a vara em cobra, os magos egpcios fazem o mesmo, apelando
para suas "cincias ocultas" (x 7.11s.). Assim no se nega num primeiro momento a

106
eficcia de tais poderes, s se estabelece a diferena: os egpcios trabalham com magia,
enquanto os representantes de Israel invocam a palavra de Jav; pois a exclusividade de
Jav no admite nem magia nem bruxaria (cf. Nm 23.23; Dt 18.10 e outras). Num
primeiro momento esta diferena entre f e magia "no se manifesta visivelmente e s
pode ser crida e em seguida professada" (M. Noth). Mesmo assim, ela se toma evidente
tambm no mbito emprico (ou seja, do milagre) quando no decorrer da ao se
demonstra em escala crescente a superioridade dos representantes de Jav ou antes a
superioridade da palavra de Jav (x 7.12). Mais duas vezes os magos logram imitar os
feitos de Moiss e Aro (7.22; 8.7), depois fracassam, de modo que tm de reconhecer
diante do rei a supremacia de Jav: atuando est o "dedo de Deus" e no magia (8.14s).
Por fim os prprios sacerdotes so acometidos pela praga, no conseguem mais "man-
ter-se de p" (9.11) e recuam. Embora no seja dito explicitamente que as foras
mgicas dos magos residam no poder de seus deuses, o motivo retomado na ameaa
de Jav: "Farei julgamento sobre todos os deuses do Egito." (12.12).
Reflete o episdio novamente a situao atual do Escrito Sacerdotal?
Pretende P expressar de forma velada a supremacia da f em Jav sobre a
religio e a magia dos babilnios (cf. Dn 1.20; 2.2ss.; Gn 41.8,24)? Em todo
caso o fracasso das negociaes conforme P , mais ainda do que em J (x
10.1), desgnio divino. Antes de qualquer ao do fara Deus anuncia: "Endu-
recerei o corao de Fara" (7.3; cf. 9.12; 10.20,27; 7.13,22 e outras), e antes
do milagre no Mar dos Juncos, o verdadeiro alvo das narrativas das pragas, a
palavra de Deus de novo antecipa o acontecido: "Glorificar-me-ei em Fara e
em todo o seu exrcito, para que reconheam que sou Jav" (14.4,17s.; cf. 7.5;
dito de Israel: 16.6,12).

4. A palavra-chave desta ltima predio, "glorificar-se" (kbd em x


14.4, 17s.; Lv 10.3), toma-se, como substantivo "glria (kabod) de Jav", o
lema do Escrito Sacerdotal em seu relato sobre a permanncia do povo no
deserto e sobre a revelao no Sinai.
J era familiar religio canania a noo de que dever-se-ia conceder a Deus
"honra, glria" (cf. SI 29.1s.,9; 19.2 e outras). A concepo canania, presumivelmente
adotada por Israel ao assumir a tradio cltica de Jerusalm (Is 6.3), foi ampliada para
representar a teofania de Deus. "Esta majestade pode manifestar-se num fenmeno
prico, mas no idntica ao fenmeno prico" (C. Westermann, p. 133). Tambm o
profeta Ezequiel (1.28 e outras), cuja mensagem apresenta vrias similaridades com
tradies cltico-sacerdotais, pode retomar esta terminologia.
Quando a comunidade comea a reclamar na marcha pelo deserto: "Quem
nos dera tivssemos morrido junto s panelas de carne do Egito!", "aparece a
glria de Jav na nuvem" (x 16.10). Esta apario nica no caminho ao Sinai
antecipa excepcionalmente os acontecimentos decisivos no monte onde o culto
de Israel fundado e referendado em trs revelaes da "glria de Jav" (x
24; 40; Lv 9), constituindo-se, assim, a comunidade.

107
Quando Israel chega ao Sinai (x 19.1-2a), "a nuvem cobre o monte Sinai
e a glria de Jav desce" - "como um fogo devorador (24.15ss.). Moiss
penetra na nuvem e recebe as instrues de Deus para a construo da "tenda
do encontro" ("tabernculo"; uma combinao de tenda, arca e templo de
Jerusalm) e para a investidura de sacerdotes (25-29). Depois de terminada a
obra, o santurio recm erigido est repleto da "glria" de Jav (40.34; cf.
25.22; 29.43ss.) e esta volta aps a consagrao do altar e a consumao do
sacrifcio, depois do primeiro culto, portanto (Lv 9.6,23). Decisivo que este
processo de revelao no se restringe ao espao santo junto ao monte, embora
o povo seja mantido distncia do santurio, protegido pelos sacerdotes e
levitas, de acordo com a ordem de acampamento sacerdotal (Nm Iss.). Tambm
depois da partida do Sinai, quando a "nuvem se levanta" (Nm 10.11), a "glria
de Jav" intervm em situaes emergenciais - auxiliando, mas tambm
julgando, sendo que o castigo resulta mais rigoroso depois da experincia da
revelao (Nm 14; 20; cf. 16s.). Mediante o conceito da "glria de Jav", que
a histria da sada do Egito j prepara (x 14), P conjuga, portanto, a revelao
do Sinai com a marcha pelo deserto (x 16; Nm 14 e outras). Por conseguinte
P no mantm o evento no Sinai isolado; ele preserva, antes, a continuidade:
no Sinai se revela o Deus que libertou Israel do Egito. A fala e ao de Deus
no culto e na histriase alternam, no podendo,portanto,ser separadas uma da outra.

5. A "glria" , sem dvida, o prprio Jav (cf. Lv 9.4,6; Nm 14.14),


mas somente na medida em que ele se revela na terra; pois a "glria" que
"aparece" (x 16.10; 27.17), mas o prprio Jav que fala (l6.1I; 25.1 e outras).
Desta maneira P retoma intenes teolgicas que, de maneira similar, j o
Deuteronmio defende quando tenta captar a presena de Deus sob o conceito
do "nome". No resulta tal diferenciao do af de falar de Deus de tal forma
que se descarte qualquer possibilidade de representar, comparar ou at manipu-
l-lo? No se observa nisso a influncia do segundo mandamento? De qualquer
forma P busca, ao mesmo tempo, expressar a transcendncia e o poder de Deus
no mundo e, com isto, tambm a liberdade de Deus manifesta na revelao (cf.
Gn 17.22; 35.13).
A mesma tendncia aparece em contextos bem diferentes. P usa um termo
especfico para designar a ao criadora de Deus (bara' em Gn 1.1 e outras),
para descartar qualquer analogia com a atividade humana. Tambm em sua
descrio da histria P procura preservar a compreenso de palavra de Deus
contida no relato da criao (1.3ss.): o mandamento de Deus e o seu cumpri-
mento pelo ser humano muitas vezes so narrados de forma rigorosamente
paralela e, assim, duplamente, de modo que se evidencia a total correspondncia
(Gn 17.II s./23; Nm 13.2/3,17 e outras; especialmente x 35ss., depois de
25ss.). Assim a histria constitui a realizao da palavra de Deus, tanto na
obedincia quanto na desobedincia humanas.

108
Sem sua concordncia, sim, apesar da sua desobedincia (x 6.9,12; cf. 16.20;
Nm 14.35; 20.10), o povo se encontra na comunho j anunciada e concedida por Deus
a Abrao; tambm por isso esta comunho concebida como "aliana perptua" (Gn
17.7), feita para todo o sempre. A promessa: "meu povo - vosso Deus" formulada
exclusivamente como atuao de Deus (x 6.7); o povo deve "reconhec-lo" (6.7;
16.6,12; 29.46).

109
9
DIREITO VETEROTESTAMENTRIO

No Pentateuco encontramos, ao lado das passagens narrativas, extensas


J2assagens que contm leis. Estas predominam na percope do Sinai (a partir de
Ex 20) e no Deuteronmio (a partir de Dt 12). Certamente as leis veterotesta-
mentrias esto inseridas no relato histrico, vinculadas estreitamente com a
figura de Moiss e so consideradas os estatutos que regulamentam a comunho
com Deus, constituda junto ao monte Sinai. Mesmo assim as leis representam
um mbito relativamente independente, que desenvolveu sua prpria linguagem
e se cristalizou em colees especiais, como o Declogo ou o Cdigo da Aliana.
H. J. Boecker apresenta uma introduo ao direito e legislao do Antigo
'Iestamento e do Antigo Oriente (1976). O estudo dos preceitos jurdicos se realizou em
parte de forma independente das outras cincias veterotestamentrias - um sinal de que
difcil situar as normas no tempo e enquadr-las na histria de Israel. Na histria da
pesquisa se destaca a obra de A. Alt, "Die Ursprnge des israelitischen Rechts" (1934);
ela introduziu a diferenciao entre direito casustico e apodtico, que entrementes foi
profundamente modificada, mas que foi fundamental e continua sendo til.

a) Formas de preceitos legais

1. O assim chamado direito casustico descreve um caso jurdico em todos


os seus pormenores - com as mltiplas condies que podem ocorrer na vida
diria - e determina a respectiva sano. P. ex.:
"Se dois brigarem, ferindo um ao outro com pedra ou com o punho, e o ferido
no morrer, mas cair de cama; se ele tomar a levantar-se e andar fora apoiado ao seu
bordo, ento ser absolvido aquele que o feriu; somente lhe pagar o tempo que perdeu
[isto , sua perda em termos de trabalho] e o far curar-se totalmente." (x 21.18s.;
anlogo a 21.2-11.20ss.).
A forma deste direito se distingue por trs caractersticas: condicional,
formulado de maneira impessoal e genrica (isto , na 3 pessoa) e com
precedentes no Antigo Oriente. Uma orao condicional - introduzida em
geral por ki, caso, - indica na primeira orao (tambm chamada de prtase)
a situao, e oraes condicionais consecutivas - em geral introduzidas por
'im, "se ... ento" - descrevem a situao com maiores mincias. A orao

110
principal ou complementar (a assim chamada apdose) estabelece a conseqn-
cia legal: impunidade ou determinao da pena, como reparao nica ou
mltipla, eventualmente tambm a condenao morte (p. ex. Dt 22.23-27). As
leis do Antigo Oriente em grande parte apresentam a mesma forma. Esta forma
deve ter sido transmitida a Israel pelos cananeus, se que os israelitas no
adotaram simplesmente preceitos jurdicos vigentes entre os cananeus.
Enquanto se percebem estas trs caractersticas de forma inequvoca, uma
outra propriedade, a funo deste gnero de direito, s pode ser inferida.
Presume-se que o direito casustico - melhor seria falar em direito formulado
de maneira condicional, talvez denominado de mishpat no AT (x 21.1) -
servia de critrio para fundamentar as decises da justia ordinria. Constitua
ele, portanto, a base legal para a comunidade jurdica representada pelos ancios
junto ao porto (v. acima 3b,3)? Surgiram os preceitos jurdicos de fato na
jurisprudncia concreta e foram somente a posteriori generalizados (G. Liedke)?
A. Alt distinguiu deste gnero o assim chamado direito apodtico. incondicional,
apresenta-se de forma rtmico-mtrica, geralmente compilado em sries. Incondicional
e apodtico significa que, por um lado, a lei no contm nenhuma orao condicional
prottica que defma exatamente o caso em questo. Por outro lado, prescreve sempre o
mesmo castigo, qual seja, a excluso da comunidade mediante maldio, banimento ou
morte, ou, ento, tal qual o Declogo, no faz qualquer meno das respectivas conse-
qncias jurdicas.
Este quadro determinou a discusso aps A. Alt. O que A. Alt reclamou como
sendo "apodtico", no representa nenhuma unidade, mas se subdivide em diversas
formas que mencionaremos a seguir. Entre elas podemos distinguir dois tipos bsicos:
por um lado, oraes participiais ou relativas com determinadas conseqncias jurdicas
como sentenas de morte e maldio e, por outro lado, proibies e mandamentos que
no so acompanhados por nenhuma sano: "Tu (no) deves". A rigor, cada forma de
preceito jurdico teria que ser examinado separadamente quanto ao seu Sitz im Leben.

2. Em x 21.12,15-17 encontramos uma seqncia de sentenas de morte,


aparentemente bastante arcaicas. Estas prescries ameaam com pena capital
no caso de ocorrer um delito interpessoal. descrio do caso jurdico:
V. 12: Quem golpear a outro de modo que este morra,
V. 15: Quem golpear (matar?) a seu pai ou a sua me,
V. 16: Quem raptar um homem - e o vender ou se for encontrado ainda em seu
poder-,
V. 17: Quem tratar seu pai ou sua me com desprezo,
segue invariavelmente o anncio da sentena formulado da mesma maneira:
ser [impreterivelmente] morto (mot yumat).
Em hebraico estas frases se constituem de apenas cinco palavras e eviden-
ciam uma estrutura mais rgida do que transparece na sua traduo. Descreve-

111
se o caso jurdico com auxlio de um particpio, sem estabelecer qualquer
condio prvia, ou seja, de modo "apodtico". Ao caso se vincula uma
sentena jurdica consecutiva que se mantm constante (cf. x 22.18). Os
preceitos valem para o homem adulto, que, alm dos pais, tambm objeto de
proteo. Desta forma a origem deste complexo de leis pode remontar aos
primrdios, talvez at aos tempos nmades, quando o homem era o membro
mais importante da sociedade (v. acima 3b,2). A forma rigorosa, que decerto
se baseia em tradio primitiva oral, se desfaz, ento, no decorrer do tempo
(compare, p. ex., x 21.12,17 com os paralelos Lv 24.17; 20.9); e complemen-
taes dentro do prprio conjunto mostram que mais tarde os preceitos jurdicos
careciam de interpretao.
Visto que x 21.12 fala do homicdio sem especificar se ele intencional ou
acidental, o preceitojurdico definido de forma mais restrita posteriormente (pelos vv. 13s.).
Pelo seu contedo as sentenas de morte lembram a assim chamada segunda
tbua do Declogo em x 20.12-15. Por via de regra, no entanto, ainda no se consegue
explicar de forma genrica o relacionamento entre preceitos jurdicos, que associam
determinadas sentenas a casos especficos, e as proibies desprovidas de sanes do
tipo: "Tu no deves". No caso apresentado, todavia, observa-se que os mandamentos
do Declogo provm de um estgio traditivo mais recente.
Ainda em poca mais recente preceitos jurdicos similares se ajuntam em
colees (Lv 20.2,9-16; tambm 24.10ss; 27.29). No faltam, contudo, determi-
naes isoladas formuladas de forma idntica ou similar (Gn 2.17; 4.15; x
19.12; Jz 21.5; 1 Sm 11.13 e outras).
Observa-se que tais leis isoladas - mais recentes - , inseridas dentro de contex-
tos narrativos maiores, mostram que h, por trs dos respectivos preceitos jurdicos, uma
autoridade que exige ou exclui determinado comportamento (cf. Gn 26.11; 2 Rs 11.8,15
e outras). Mas que autoridade se oculta atrs da antiga srie em x 21.l2ss: o pai de
famlia (segundo G. Liedke) ou o grupo nmade?

3. Na liturgia de Dt 27.16-25 se conservou uma srie de dez maldies


que tambm compreendem primariamente apenas transgresses interpessoais.
A srie, que se compe de blocos decerto originalmente independentes, foi com-
plementada a posteriori, por ocasio de sua insero no Deuteronmio (27.14), por um
mandamento especificamente teolgico (proscrio de imagens, v. 15), em outro estilo
e com outra terminologia, e por uma exortao conclusiva para que se observem as
"palavras desta lei" (v. 26), de modo que se formou um dodeclogo de maldies.
Somente assim as prescries sociais vieram a se relacionar com a peculiaridade da f
em Jav.
Todos os ditos iniciam com um "maldito" ('arur), a que segue a descrio
do delito (particpio masculino com objeto), e finalizam com a frase estereoti-
pada: "E todo o povo diga: Amm". Estas maldies se dirigem novamente

112
aos homens, especificamente aos homens maiores de idade, cidados de plenos
direitos, casados (vv. 20-23), juridicamente responsveis (vv. 19, 25) e proprie-
trios de terras (v. 17). As maldies no ameaam com a pena de morte no
caso de um determinado delito, mas constituem uma espcie de auto-amaldi-
oarnento antes de ocorrer qualquer delito de fato, uma sano promissria para
o caso da transgresso da lei, punida provavelmente com a excluso da comu-
nidade. Nesta questo ainda se fazem sentir costumes nmades (cf. Gn 4.11s.;
v. comentrio de W. Schottroff a respeito).
H tambm maldies isoladas, no agrupadas em sries e formuladas de
forma diferenciada, p. ex., na histria dos primrdios do Javista (Gn 3.14ss.;
4.11; tambm Jz 21.18; Jr 17.5; 20.14s. e outras). Alm disso encontramos
maldies (sem a caracterstica frmula de maldio) que se expressam no rogo
de doenas ou pragas (Dt 28.20ss.). Parece que por via de regra a maldio,
originalmente talvez uma poderosa palavra mgica, compreendida, no AT,
como atuao de Deus.
Contrapem-se s palavras de maldio as palavras de bno (baruk,
"bendito"; cf. Dt 28.3-6 em contraposio a 28.16-19). Estas devem ser distin-
guidas, por sua vez, das bem-aventuranas ou macarismos, que no AT consti-
tuem votos de felicidade ('ashre, feliz, ditoso, 1 Rs 10.8; SI 1; 128), cuja
contraparte so os "ais" (v. abaixo 13b3,b).

4. Ao contrrio do mal-entendido amplamente difundido, o direito penal


veterotestamentrio no se fundamenta por via de regra no princpio do talio,
ou seja, princpio da reparao rigorosamente equivalente para cada dano feito
(A. Alt). Retribuio estritamente equivalente, "vida por vida, olho por olho,
dente por dente" - como j no direito babilnico (Cdigo de Harnurbi,
196ss.) - s ocorre no caso de determinados delitos cometidos entre certas
pessoas (x 21.22ss.; Lv 24.17ss.; cf. Dt 19.15ss.) e suspensa, p. ex., no caso
de se ferir um escravo (x 21.25s.). Tanto o carter excepcional como tambm
o rigor formal do princpio do talio revelam que este, ao que parece, provm
da poca pr-israelita. Na sociedade nmade, que no conhecia nenhuma juris-
prudncia ordinria, o princpio da retribuio equivalente talvez tenha contido
a arbitrariedade da represlia desenfreada (cf. Gn 4.23s.) ou a infmdvel vin-
gana de sangue e talvez tenha garantido uma certa proteo (cf. 3a,4).
Em concordncia com A. Alt (KJeine Schriften zur Geschichte des Volkes Israel
I, pp. 341ss.) podemos presumir que a frmula do talio ou uma forma de expresso
similar tenha sido utilizada por ocasio da substituio do sacrifcio, p. ex., no resgate
do primognito (x 34.19) por um animal (cf. Gn 22.13).

113
b) Colees de leis
1. O Declogo

Em comparao com os preceitos legais tratados acima, evidenciam-se as


peculiaridades dos dez mandamentos (x 20; Dt 5). O Declogo constitui o
representante principal das sries de proibies que se dirigem de forma direta
ao indivduo: "No fars" (cf. Lv 18.7ss.; tambm x 22.17,20s.,27; 23.1ss.).
Os dez mandamentos, por sua vez, so categricos e incondicionais, isto
, no descrevem as circunstncias mais imediatas de uma situao, antes se
mantm propositalmente a um nvel genrico-bsico e, assim, exigem incondi-
cionalmente o ser humano. Para que todos possam memoriz-los, so formula-
dos de maneira bem concisa e, para abarcar os diversos mbitos da vida, so
agrupados numa seqncia de modo que se possa cont-los nos dedos - tal
qual as dez palavras originais de maldio em Dt 27. Todavia, faltam quaisquer
sanes penais, de modo que o Declogo no serve jurisprudncia. Alis,
podem proibies e mandamentos sem indicao de sanes ser enquadrados
na categoria dos preceitos jurdicos? Os mandamentos do Declogo advertem
contra o delito antes que seja cometido, constituem instrues para a vida, so,
portanto, mais ethos do que jus.
A antigidade do Declogo - tanto dos dois testemunhos literrios,
quanto mais ainda das formas orais preliminares - controvertida. Embora se
insira no relato de teofania e frrmao da aliana em Dt 5, o Declogo agregou-
se ao Deuteronmio como um todo apenas num estgio mais recente (v. abaixo
lOa,4), enquanto que x 20 est bastante solto na percope do Sinai. Assim
o Declogo deve representar' 'uma pea literariamente secundria na histria da
teofania sinatica (...), uma unidade coesa e autnoma (...), que de incio
certamente teve sua prpria histria traditiva" (M. Noth, Altes TestamentDeutsch
5, p. 124).
Podemos tentar desvendar a histria desta evoluo de diversas maneiras -
comparando x 20 com a configurao mais recente do texto de Dt 5 ou analisando
tanto a forma dos mandamentos como tambm comparando-a com preceitos jurdicos e
palavras profticas paralelas.
No s a fundamentao dos mandamentos varivel (compare no caso do
mandamento do sbado x 20.11 com Dt 5. 13ss.), sendo, portanto, pelo menos em
parte secundria, mas at a formulao dos mandamentos no rigorosamente estabe-
lecida uma vez por todas (cf. a anteposio da mulher no dcimo mandamento em Dt
5.21 ao contrrio de x 20.17). A cadeia de proibies interrompida com o manda-
mento do sbado e o dos pais que contm formulaes positivas. Os mandamentos
tambm tm uma extenso bastante varivel. Alm disso, em si s o primeiro manda-
mento e a fundamentao do segundo (x 20.3-6) so marcados pelo eu divino. Este
estilo misto indcio da origem recente do Declogo.

114
o Declogo dificilmente se originou, como muitos supem, de um "declogo
primitivo", que j teria compreendido todos os dez mandamentos. Antes, a srie de dez
foi composta de sries menores originalmente independentes, que compreendiam de um
a quatro mandamentos. Podemos delimitar, contudo, com relativa certeza apenas dois
subgrupos: a) o primeiro e o segundo mandamentos (cf. Lv 19.3s.; x 34.l4ss.) e b) as
trs proibies de homicdio, adultrio e roubo (cf. x 21.12ss.; Os 4.2 e outros). Ambos
os subgrupos provavelmente formavam antigamente cada qual urna unidade autnoma.
De forma similar ao que aconteceu com o dodeclogo de maldies em Dt 27 e em
outros textos jurdicos, preceitos ticos e teolgicos se ajuntaram, ao que parece, apenas
de forma secundria no plano histrico-traditivo (ou at literrio?).
Continua controvertido se o profeta Osias (3.1; 4.2; 13.4), no sculo VIII, e
Jeremias (7.9), apenas poucas dcadas antes do exlio, j conhecem o Declogo e citam
livremente dele ou apenas se inserem na corrente traditiva que culminou, mais tarde, no
Declogo.
Os dez mandamentos valem para o grupo que experimentou a promessa
(x 3) e o auxlio de Deus (x l4s.). J o prembulo: "Eu sou Jav, teu Deus"
com sua evocao histrica se refere expressamente ao libertadora de Deus.
Os mandamentos, portanto, no querem estabelecer a comunho com Deus,
seno mant-la. Formulados de forma negativa, no conseguem descrever o
relacionamento com Deus, mas apenas demarcam os limites cuja transgresso
implica o rompimento deste relacionamento.
Se, por um lado, os dez mandamentos apresentam o relacionamento com
Deus em sua peculiaridade (vinculao com a histria, adorao exclusiva de
Jav, proibio de imagens), eles servem, por outro lado, proteo do prxi-
mo. Os pais idosos devem ser protegidos contra danos, abusos, praticados por
filhos adultos (x 21.15,17; Pv 19.26; 28.24 e outros); a vida, a liberdade, o
matrimnio e a propriedade do prximo so resguardados da intromisso alheia.
A proibio do homicdio no-premeditado se refere to-somente ao derrama-
mento ilcito de sangue pelo indivduo e no se aplica ao homicdio perpetrado
pela coletividade, atravs de pena de morte ou na guerra. Em contraposio, a
proibio da "cobia" parece ir alm da apropriao violenta de bens alheios
(cf. Mq 2.2), coibindo j o pensar e o desejar (cf. Pv 6.25). Assim os dez
mandamentos no se contentam em apenas proibir um comportamento inacei-
tvel, mas ao mesmo tempo convidam a uma reflexo sobre a forma como os
pais podem ser honrados e o prximo, protegido. Pelo menos mais tarde, at a
poca neotestamentria inclusive, o Declogo teve seu lugar garantido (tam-
bm) no culto (cf. SI 50.7;81.9ss.).
Alm das caractersticas formais acima mencionadas (al ), A. Alt ainda assinalou
dois outros critrios quanto origem e funo do direito por ele denominado "apo-
dtico". "Por seu vnculo popular, ele seria israelita e por seu vnculo divino, javista"
(KJeine Schriften zur Geschichte des Volkes Israel I, p. 323). O direito apodtico seria,
portanto, singular no Antigo Oriente. Conforme Alt, ele estaria arraigado na leitura da

115
lei diante da comunidade reunida, tendo assim uma origem (Sitz im Leben) cultuaI.
Entrementes, contudo, foram descobertos paralelos no Antigo Oriente. Tambm o texto
arrolado por Alt como prova desta origem cultuaI, Dt 31.9-13 (um acrscimo ao livro
do Deuteronmio), segundo o quaI "esta lei" (deuteronmica) deve ser recitada por
ocasio da festa dos tabernculos a cada sete anos, no constitui um argumento slido
em favor da origem sacro-cultual do direito apodtico. Independentemente de quaI tenha
sido o Sitz im Leben das sentenas de morte e das maldies, o Declogo pelo menos
d margem seguinte concluso: dificilmente determinados preceitos jurdicos provie-
ram do culto, mas este os acolheu posteriormente (cf. tambm as liturgias de entrada
em SI 15; 24.3s.). Em todo o caso o direito integrado de forma surpreendentemente
conseqente na f em Jav.
Indo muito alm de sries semelhantes (x 34; Dt 27; Lv 19s.), o Dec-
logo abrange os mandamentos teolgicos e ticos mais importantes, ordenados
segundo seu peso temtico, na forma mais genrica possvel. A destacada
importncia que lhe foi conferida se depreende do fato de ele ser compreendido
como palavra de Deus (x 20.1; Dt 5.4) e de ser anteposto, na percope do Sinai
como tambm no Deuteronmio, s outras leis, que so estilizadas s como
palavras de Moiss. A partir do Cdigo da Aliana (x 20.22) estas outras leis
se caracterizam, assim, pela composio da percope do Sinai, como disposi-
es complementares ao Declogo.

2. O Cdigo da Aliana

A coleo de leis que se encontra em x 20.22-23.19(33) foi inserida


posteriormente medianteelementos narrativos precedentes e subseqentes (20.18-22;
24.3s.) na percope do Sinai, obtendo da (24.7) seu nome. Em termos formais
e temticos o Cdigo da Aliana apresenta-se como uma composio mista.
Desta forma continua sendo uma grandeza controvertida j em sua estruturao,
mais ainda na sua origem.
De maneira similar ao dodeclogo de maldies (Dt 27.15,26) e Lei da
Santidade (Lv 17; 26.1s.), o corpus de leis do Cdigo da Aliana circundado
por uma moldura teolgica ou cltico-legal - decerto posterior - que de
diversas formas visa uma delimitao frente religio canania (20.22-26;
23.10-19). Uma forma mais recente da proibio de imagens, que contrape
Deus no cu aos deuses de metal (20.22s.), e a lei do altar perfazem o prlogo
que precede ao ttulo (21.1). O calendrio festivo (23.1Oss.) apresenta afinidades
estreitas com o assim chamado declogo cltico (34.1Oss.). Alm disso acres-
centou-se um eplogo, estruturado de forma diferente: um discurso de despedida
de Jav (23.20-33).
A parte principal bipartida: a primeira metade (21.2-22.16) compreende
predominantemente preceitos jurdicos casusticos, onde se inserem os casos de
sentena de morte (21.12-17). A segunda metade, bem menos homognea

116
(22.17-23.9) chama a ateno (como j o prlogo 20.22-26) pelos proibitivos:
"No fars" (22. 17,27ss.; 23.1ss.) e pelas justificativas parenticas - decerto
mais recentes, mas teologicamente importantes, como: "Vs conheceis o cora-
o do forasteiro, visto que fostes forasteiros na terra do Egito" (23.9; 22.20)
ou: "Quando clamar a mim (o desamparado), eu o ouvirei" (22.22,26s.). Assim
temos a grosso modo a seguinte diviso:
Ill. Moldura narrativa 20.(18-)22
11. Moldura teolgica 20.23-26
Proibio de imagens, lei do altar
I. Ncleo legislativo 21.1-23.9
A) 21.2-22.16
21.2-11 Direito referente aos escravos
21.12-17 Sentenas com pena de morte
21.18-36 Leses corporais
21.23ss. (Lv 24.20) Jus telionis (lei do talio)
21.37-22.14(16) Responsabilizao legal, indenizao
B) 22.17-23.9
22.17-19.27ss. Preceitos religiosos
22.20ss. Conduta social
23.lss. Procedimento jurdico

11. Moldura teolgica 23.10-19


Ano sabtico, sbado, trs festas anuais
Apndice: 23.20-33
Ill. Moldura narrativa 24.3-8
pouco provvel que por trs desta configurao complexa esteja a
inteno formativa explcita de um legislador, sendo mais plausvel que a
formao do Cdigo da Aliana tenha ocorrido paulatinamente. J por isso
difcil situ-lo no tempo. Pressupe a sedentarizao (cf. 22.4s.), mas ainda no
faz aluso alguma monarquia e a suas implicaes. Assim podemos supor que
seu ncleo tenha surgido na poca dos juzes ou pelo menos nos primrdios da
monarquia. Como demonstra um cotejo dos preceitos jurdicos (compare, p. ex.,
x 21.2 com Dt 15.12ss.; Lv 25.10), o livro da aliana ao menos mais antigo
que o Deuteronmio, sendo este, por sua vez, mais antigo que a Lei da
Santidade. Da resulta a seqncia Cdigo da Aliana - Deuteronmio - Lei
da Santidade.

3. A Lei da Santidade
Se o Cdigo da Aliana a coleo de leis mais antiga, a assim chamada
Lei da Santidade Lv 17-26 (= H) constitui a mais recente, habitualmente datada
na poca do exlio. Tambm ela rene diversos temas e surgiu num processo

117
cumulativo paulatino, em vrias camadas. Recolheu tanto material muito antigo
(p. ex., em Lv 18; 19) como tambm material recente, que em grande parte
reelaborou e reinterpretou. Neste processo tambm a parnese aumentou muito
em relao ao Cdigo da Aliana; evoca a histria - de forma anloga
pregao deuteronmico-deuteronomstica - e exorta obedincia (Lv 18.2ss.,
24ss. e outras). controvertido se H foi, como se costuma supor, originalmente
independente, tendo sido somente mais tarde inserida no Escrito Sacerdotal
(PG), ou se no foi concebida desde o incio como complementao ao mesmo
(K. Elliger). Ocasionalmente H acolhe prescries deuteronmicas, as desenvol-
ve ou corrige (A. Cholewinski). Desconsiderando as normas clticas, h as
seguintes disposies importantes:
Lv 17 Continuao de Dt 12: santurio central, proibio da ingesto de sangue, mas
(ao contrrio de Dt 12; Gn 9.2ss. P) proibio do abate profano de animais.
"A alma da carne est no sangue" (vv. 11,14).
Lv 18 Relaes sexuais (num cl)
2 Sm 13.12: "No se faz assim em Israel."
Lv 19 Mandamentos teolgicos e ticos, similares ao Declogo.
Mandamento referente aos pais, ao sbado, primeiro e segundo mandamentos
(vv. 3s.; cf. 26.1s.).
Mandamento do amor (vv. 17s.,34; cf. vv. 14,32)
Lv 23 Calendrio festivo
Cf. x 23.14ss.; 34.18ss.; Dt 16
Lv 25 Ano sabtico (cf. x 23.10s.) e ano do jubileu; a terra de Israel.
Resgate no a cada sete (Dt 15), mas a cada 50 anos.
"A terra me pertence e vs sois para mim estrangeiros e hspedes" (v. 23).
Lv 26 Bno e maldio (cf. Dt 28)
Vv. 40ss. Promessa de salvao no exlio.
V. 46 Formulao conclusiva.
O material diversificado costuma ser interpretado com a assim chamada
frmula de auto-apresentao "Eu sou Jav" ou, de forma ampliada, com a
promessa de Deus, a assim chamada frmula de benevolncia "Eu sou Jav,
teu Deus". A interpretao que deu o nome Lei da Santidade uma parnese
que compreende a atitude da comunidade como resposta e reflexo da conduta
de Deus: "Sede santos, porque santo sou eu, Jav, vosso Deus." (19.2). A
partir da as diversas leis adquirem sua inteno comum (20.26; 21.8,23; 22.32
e outras).
Em suma, o fenmeno da "lei" aparece no AT sob mltiplos conceitos e
formas; todos eles no pretendem estabelecer, mas manter a comunho com
Deus, a qual se fundamenta numa ao dele, e assim testemunhar que a ddiva
de Deus implica certos compromissos.

118
10
O DEUTERONMIO

o Novo Testamento responde pergunta pelo maior dos mandamentos


(Me 12.28ss.) primeiro com Dt 6.4s. E esta palavra das Escrituras constitui ao
mesmo tempo a primeira parte fundamental da confisso da f judaica, do slrme:
"Ouve, Israel, Jav nosso Deus, Jav () nico. E deves amar a Jav, teu Deus,
com todo o teu corao, com toda a tua alma e com toda a tua fora."
Esta palavra sintetiza tematicamente a inteno principal do Deuteron-
mio: doao indivisa ao nico Deus. Provavelmente no h outro livro do AT
que, por um lado, fale com tanta intensidade do amor de Deus e que, por outro
lado, convoque o ser humano em contnuas exortaes para que ame a Deus e
se regozije com suas ddivas. O "Deuteronmio", considerado "segunda lei"
(sendo a primeira a do Sinai) - o nome surgiu em razo da interpretao
equivocada do termo "cpia da lei" em Dt 17.18 - trata de granjear a
aprovao do povo para esta lei.
De fato, este livro se destacou e interferiu profundamente na vida do povo,
marcando em grande parte o AT. Inspirando-se em menor ou maior medida
neste livro, surgiu a Obra Historiogrfica Deuteronomstica (= OHD) e a reda-
o deuteronomstica (dtr.) procedeu a uma reviso, aqui e acol, no Pentateuco
(v. 4b4,4), intervindo de forma mais intensiva na tradio proftica ( 19.1 e
outros). Este livro se torna ainda mais importante quando considerarmos suas
influncias indiretas, que acarretaram conseqncias srias: depois dele todos os
escritos veterotestamentrios conhecem somente um nico santurio. O Escrito
Sacerdotal seria impensvel na sua forma atual sem a reivindicao centraliza-
dora do Dt,

a) Questes introdutrias

1. Enquanto, por via de regra, as colees de leis do Pentateuco represen-


tam a fala de Deus dirigida a Moiss, o Dt a fala de Moiss dirigida ao povo,
tratando-se, portanto, apenas indiretamente de palavra de Deus. As promessas
e instrues so consideradas herana daquele que leva Israel para fora do Egito
e atravs do deserto, at bem perto da terra prometida: so os discursos de
despedida de Moiss.

119
Ao redor do ncleo de leis (Dt 12-26) agregam-se uma moldura interior
(5-11; 27-28) e outra exterior (1-4; 29-30) de discursos, enquanto os captulos
fmais (31-34) interligam o cntico (32) e a bno (33) de Moiss, como
tambm informaes sobre a investidura de Josu (31) e a morte de Moiss
(34), alm de outros temas. Assim podemos visualizar a grosso modo a estru-
tura do Dt num grfico em forma de degraus:

I. Dt 12-26
11. ..--_5_-1_11 127-28
TIL ~ 129-30

Como o Cdigo da Aliana (x 20.24ss.), a lei deuteronmica (= dt.)


principia com disposies referentes ao local de culto, neste caso, concernentes
centralizao do culto (12-16). Segue no meio (16-18) um bloco sobre auto-
ridades, como o rei e os profetas - o que lembra o livro de Jeremias (21-23).
Na terceira e ltima parte (19-25) se mesclam diversos temas.

Ill. Dt 1-4 Primeiro discurso introdutrio


1-3 Depois da descrio da situao (1.1-5) retrospec-
tiva da migrao de 40 anos do Horebe (= Sinai)
at Moabe; retomam-se as tradies de x e Nm
4 Ampliaes em relao a 1-3; exortaes para cum-
prir os mandamentos, sobretudo a proibio de
imagens. Assim chamada frmula cannica: no
acrescentar nem omitir nada - 4.2; 13.1.
11. Dt 5-11 Segundo discurso introdutriosobre a natureza do mandamento
5 Declogo (em oposio a x 20: fundamentao
social do mandamento do sbado), anteposto s
falas de Moiss como palavra de Deus
6.4s. Slt'ma: Ouve, Israel! (vv. 8s: sinais distintivos na
mo, testa, porta da casa)
6.20ss. Catequese, instruo das crianas (cf. 4.9s.; 6.7; x
12.26s.; 13.14 Js 4.6ss., 20ss.): perseverana na
proclamao e confisso de gerao em gerao
7.16ss. 9.1ss. e outras: assim chamadas exortaes guer-
ra (cf. x 14.13s; Is 7.4ss.)
8 A boa terra
8.15; 9.4-6 Posse da terra sem merecimento
I. Dt 12-26 Mandamentos isolados. Corpus legal
a) 12-16 Mandamentos referentes unicidade e pureza do culto

120
12 Exigncia de centralizao
13 Seduo para adorar deuses estranhos
14 Mandamentos referentes alimentao (cf. Lv 11)
15 Remisso de dvidas
16 Calendriofestivo, sobretudoPscoa (cf. x 23.14ss.;
Lv 23; Nm 28s.)
b) 16 (v. 18)-18 Disposies referentes a autoridades:
juzes (16.18-17.13), rei (17.14-20), sacerdotes (18.1-8), pro-
fetas (18.9-22; cf. 13.2-6)
c) 19-25 Mandamentos de contedo variado, sobretudo concernentes
conduta social
19 Direito de asilo (cf. 4.41ss.; Nm 35; Js 20)
20 Leis referentes guerra (cf. 21.10ss.; 23.9ss.; 24.5s.)
21s.; 24s. Leis referentes ao matrimnio, entre outras
23.1-8 Leis sobre pertena comunidade (cf. Is 56)
d) 26 Apndice litrgico
(primcias, dzimo, credo)
11. Dt 27-28 Primeiros discursos de despedida
27 Maldio (vv. 15ss.: dodeclogo de maldies)
Ebal e Garizim (cf. 11.26ss.; Js 8.30ss.)
28 Bno e maldio
Ill, Dt 29-30 Segundo bloco de discursos de despedida (parnese)
28.69 Aliana de Horebe e Moabe
30.11ss. Proximidade da lei
IV. Dt 31-34 Concluso do Pentateuco. Apndices
31.9ss. Leitura da lei a cada sete anos
32 Cntico de Moiss
33 Bno de Moiss constituda por um hino (vv.
2-5,26-29) e ditos tribais (vv. 6-25; cf. Gn 49)
34 Morte de Moiss (P: vv. la, 7-9)
2. Depois que surgiram dvidas crescentes a respeito da autoria do Pen-
tateuco, atribuda a Moiss, que diziam diretamente respeito ao Dt como fala
de Moiss, e depois que se elaborou gradativamente a teoria das fontes, imps-
se j no incio do sculo passado (de Wette, 1805) a concepo mais antiga de
que o Dt uma grandeza autnoma que est correlacionada com a reforma do
culto realizada por Josias no ano de 621 a.C. De fato h profundas coincidncias
entre o Dt e o relato sobre a descoberta da lei e a reforma, contido em 2 Rs
22s. Assim as exigncias da lei do Dt coincidem com as seguintes inovaes
de Josias:
a) a centralizao do culto (compare 2 Rs 23.5,8s.,19 com Dt 12), que vai
muito alm do objetivo de reformas at ento conhecidas - de purificar o culto
de elementos estranhos - ao excluir outros santurios de Jav;

121
b) a festa da Pscoa, comemorada em conjunto (2 Rs 23.21ss.; Dt 16);
como tambm
c) a proscrio da adorao dos astros (2 Rs 23.4s.,11; Dt; 17.3), da
prostituio sacra (2 Rs 23.7; Dt 23.18s.), das massebas [estelas] e asheras
[postes sagrados], do sacrifcio de crianas, da adivinhao, da necromancia e
outras prticas tpicas de religies estranhas (2 Rs 23.4s., lOss.,24; Dt 12.2s.,31;
16.21s.; 18.lOs.).
Porm nem todas as disposies do Dt foram colocadas em prtica (cf.
talvez 2 Rs 23.8s. em oposio a Dt 18.6ss.). At o susto do rei ao encontrarem
e lerem a lei (2 Rs 22.11,13,16s.; cf. Ne 8.9) pode ter sido provocado pelas
maldies com que Dt 27(s) ameaa no caso de desobedincia.
Pretendia a reforma de Josias originalmente apenas purificar o culto a Jav de
elementos assrios? Ento a descoberta do Dt no teria desencadeado a reforma, mas
estabelecido um objetivo novo, mais abrangente, para a obra j iniciada (cf. abaixo o item 5).
Ao contrrio de suas pretenses, o Deuteronmio no fala de Moiss,
mas reflete as circunstncias da poca da monarquia ou at de um tempo mais
recente ainda; provavelmente no mera coincidncia que ele conhea os riscos
da monarquia (17.l4ss.) ou alerte contra o falso profetismo (13.2ss.; 18.9ss.).
Em razo desta fixao histrica se levantam perguntas relativas origem e
coeso do livro que at hoje no foram respondidas de maneira definitiva.

3. Quando e onde surgiu o Deuteronmio? Certamente mais recente do


que o Cdigo da Aliana em algumas disposies legais (v. acima 9b) - mas
o que significa isso em termos absolutos? Renunciou-se tese antigamente vez
por outra defendida de que o Dt teria sido redigido imediatamente antes de sua
descoberta, ou de que a descoberta teria sido uma farsa piedosa com a fmalida-
de de forar o rei a introduzir reformas. Via de regra se admite que o contedo
bsico do livro provenha do sculo vn ou at da segunda metade do sculo
VIII - dificilmente surgiu antes do aparecimento dos primeiros profetas liter-
rios por volta de 750, mas possivelmente ainda pouco antes da destruio do
Reino do Norte, em 722 a.c. Diversos indcios corroboram a suspeita de que o
Reino do Norte no seja o lugar de origem do Dt como um todo, mas que certas
tradies, concepes ou at partes do livro tenham surgido no Reino do Norte
(ainda existente ou j destrudo).
A favor desta tese podemos arrolar os seguintes argumentos, embora no tenham
todos o mesmo peso:
a) certas relaes com as tradies de Elias e Eliseu (tradio de Moiss, engaja-
mento pelo primeiro mandamento),
b) semelhana com a profecia de Osias (na rejeio da religio canania, no
posicionamento crtico diante da monarquia e na linguagem comum, como "amar"; cf.
Os 11.1,4; 14.5 respectivamente Dt 7.8,13 e outras),

122
c) talvez tambm semelhanas com o Elosta (p. ex., na idia de "provar"; cf.
Gn 22.1 E respectivamente Dt 8.2,16; 13.4),
d) a concepo de monarquia, inclusive o alerta contra a instalao de um
estrangeiro no cargo de rei (Dt 17.15), cabe muito bem no Reino do Norte, mas
dificilmente teria sentido em Jerusalm e Jud, onde a dinastia de Davi era incontestada,
e) o alerta contra a apostasia da f em Jav por parte de uma cidade inteira (Dt
13.13ss.) tambm corresponde melhor s condies do Reino do Norte.
Depois de 722 a.C. este legado provindo do Norte de Israel poderia ter migrado
- tal qual a mensagem de Osias e possivelmente tambm a do Elosta - para o Reino
do Sul, fundindo-se ali com as tradies locais.
Outros procuram mais insistentemente tradies jerosolimitas no Dt. Contudo, no
Dt pouco se encontra da teologia sionista, tpica de Jerusalm (como no SI 46; 48; Is
6). Ser que certas referncias no so de camadas posteriores? Jerusalm antes o
lugar onde se aplicam as leis deuteronmicas do que o lugar de onde estas provm.
Tambm a frmula caracterstica: "o lugar que Jav escolheu" (v. abaixo) provavelmen-
te s foi relacionada posteriormente com Sio (cf. o SI 132).

4. O Deuteronmio no constitui, portanto, nenhum projeto isolado, fe-


chado em si, mas uma grandeza surpreendentemente complexa Na sua forma
contempornea no coincidiu certamente com a lei descoberta no tempo de
Josias. Que parte abrangia o Deuteronmio original encontrado no templo, o
assim chamado "documento do templo", e como se desenvolveu at alcanar
a sua configurao fmal atual?
Por um lado, o relato da descoberta em 2 Rs 22.8 fala de um "livro da
lei". O Dt, porm, contm bem mais do que sugere este ttulo, a saber, tambm
alocues parenticas extensas, acompanhadas de relatos. Por outro lado, po-
rm, o Dt j revela pela introduo mltipla dos discursos e pelo acmulo dos
ttulos (l.l; 4.44s.; 6.1; 12.1; 28.69; 33.1) que no homogneo. Originalmente
iniciava com o captulo 4 (v. 45) ou 6 (v. 4) e fmalizava no captulo 28? Ou o
complexo mais antigo compreendia apenas o ncleo legal Dt 12-26, que gra-
dualmente foi enriquecido? De qualquer forma, tal diviso continua sendo tosca
demais. No s as passagens narrativas, mas tambm as leis isoladas so
heterogneas em si; a reivindicao de uma centralizao do culto em Dt 12, p.
ex., foi feita em no menos de trs ou at quatro formulaes distintas, que
soam mais ou menos iguais (vv. 2-7,8-12,13-19,20-27).
Neste caso o Dt oferece um recurso especfico para destacar diversas
camadas dentro dos textos em prosa e das leis: a mudana de nmero. O Dt se
dirige ao povo em parte usando o singular tu, em parte o plural vs. E embora
este critrio seja utilizado h tempos para a separao de fontes (C. Steuernagel
e outros), questiona-se vez por outra sua utilidade. Mas se confirmou muitas
vezes como regra bsica o princpio de que a verso no singular mais antiga
e que formulaes no plural foram acrescentadas mais tarde. H, porm, tam-
bm acrscimos no singular.

123
Originalmente as leis se dirigiam ao povo, portanto na verso no singular (cf.
abaixo a referncia a Dt 12 e, como exemplo das passagens discursivas, a referncia a
Dt 7.6-8).
Devem-se atribuir as frases no plural em Dt 5ss. redao deuteronomstica (G.
Minette de Tillesse)? Vale lembrar que decerto nem sempre os trechos no plural se
distinguem das passagens no singular, de modo que devemos considerar tambm a
possibilidade de se tratar de um recurso estilstico.
Muitas vezes se percebe claramente a estratificao relativa nos diversos
captulos, enquanto que difcil correlacionar as camadas das diversas passa-
gens e situ-las no tempo, de modo que podemos reconstruir s com grande
reserva a histria do seu desenvolvimento. Provavelmente o crescimento do
livro aconteceu de dentro para fora, num processo demorado que compreendeu
pelo menos trs estgios principais (a-c), que numa classificao mais rigorosa
facilmente poderiam ser, por sua vez, subdivididos de novo:
a) Devemos procurar a primeira verso do Deuteronmio, o assim chama-
do Protodeuteronmio, predominantemente, seno exclusivamente, no ncleo
de leis (Dt 12-25). Esta coleo antiga se constitui ela mesma de corpora legais
menores e complementaes explicativas. Neste primeiro estgio j temos de
destacar, portanto, diversas fontes ou tradies, que podem ser de pocas
diferentes, daquela camada que funde os materiais variados numa unidade.
Inteno principal desta camada a centralizao do culto. Todavia, no se
chegou at hoje a um consenso quanto extenso do Protodeuteronmio.
b) Uma redao deuteronmica retrabalha (na poca de Josias?) as leis e
acrescenta essencialmente a moldura interna das falas introdutrias de Dt 5-11 *,
talvez tambm ainda partes de 27s.
Na lei de centralizao de Dt 12 as duas passagens construdas no plural - vv.
2-7,8-12 - so mais recentes do que a verso dos vv, 13-19, que j sofreram uma
primeira interpretao e restrio no trecho dos vv, 20-27, tambm construdo no
singular. Pode ser que este acrscimo, que sugere a expanso territorial (12.20; cf. 19.8),
pressuponha a poltica expansionista de Josias para dentro do antigo Reino do Norte (2
Rs 23.15ss.). Por conseguinte, a camada antecedente, que j constituiria uma coleo,
teria surgido antes da poca do rei Josias.
Mais difcil que a questo da antigidade a pergunta pela extenso da redao.
Podemos partir, por um lado, dos ttulos (mais antigos) 4.45; 12.1 (cf. 6.1). Por causa
do conceito duplo "estatutos e juzos", estes ttulos parecem apontar para 26.16. Havia
antigamente a um final, de modo que o complexo tinha uma fala introdutria, mas
nenhuma fala conclusiva? Ou ser que partes dos captulos 27s. desde sempre fizeram
parte deste bloco?
Por outro lado, podemos localizar o comeo da redao em Dt 6.4-9, sobretudo
porque a anteposio do Declogo (Dt 5) ocorreu em tempos mais recentes. Talvez as
diversas hipteses devam ser combinadas, pois o livro se formou gradativamente.

124
c) A redao ps-deuteronmica, ou seja, deuteronomstica, que pressupe
o exlio (587 a.Ci), acrescenta complementaes adicionais no corpus de leis,
p. ex., na lei sobre o rei e os profetas (Dt 17.18; 18.19-22) e mais intensamente
nos discursos da moldura interna (Dt 5-11; 27s.), mas, sobretudo, os discursos
Dt 1-4 e 29ss., que constituem a moldura externa. Estes distintos acrscimos
posteriores certamente no provm do mesmo punho, de sorte que ainda pode-
ramos diferenciar entre camadas deuteronomsticas (= dtr.) mais antigas e mais
recentes. Estas camadas tm a ver com a integrao do livro na Obra Historio-
grfica Deuteronomstica (= OHO).
Assim parece que o Dt j teve uma histria preliminar antes de ser
descoberto e de exercer influncia na poca de Josias; e este acontecimento
incisivo teve copiosos desdobramentos. Na reconstruo, porm, no h certeza
de como transcorreu exatamente este processo. Mesmo assim, fica evidente que
o Deuteronmio no surgiu a partir de diversas fontes escritas, mas de sucessi-
vas complementaes. Alis, tal processo de formao certamente s com-
preensvel se concebermos o livro no como obra de um nico autor, mas de
uma escola. Com mais preciso podemos destacar uma escola deuteronmica
de uma outra, deuteronomstica, mais recente. Visto, porm, que ambas tm
afmidade entre si, como mostra a linguagem similar, em parte at idntica,
podemos falar tambm de uma escola deuteronmico-deuteronomstica, cuja
atuao, ao que parece, comea j na poca pr-exlica e adentra bastante a era
exlica e ps-exlica. Mas por razes metodolgicas teramos de fixar o exlio
como limite entre "deuteronmico" e "deuteronomstico".

5. A hiptese apresentada da relao entre a reforma de Josias e o Dt


corresponde soluo mais ou menos "tradicional", que tem sido progressiva-
mente contestada nos ltimos tempos. Por um lado, o relato de uma centraliza-
o do culto em razo de um "livro da aliana", em 2 Rs 23, considerado
fico histrica, oriunda de um programa dtr. da poca do exlio (E. Wrthwein
e outros). Por outro lado, questiona-se se existiu de fato um (Proto-)Deuteron-
mio numa poca anterior reforma - seja por no se reconhecer no assim
chamado Protodeuteronmio nenhuma grandeza que unisse o material traditivo
diversificado, seja por o livro ser datado numa poca posterior, ps-exlica (G.
Hlscher, O. Kaiser e outros). Estas objees no tocam num problema margi-
nal, mas numa questo fundamental, essencial para a compreenso do AT,
especialmente a datao das fontes escritas do Pentateuco.
As ponderaes a seguir podem ajudar-nos a encontrar critrios - em parte
oriundos de fora do assunto em controvrsia - para formarmos um juzo a respeito
desta questo:
a) Desde a reforma de Josias at o registro por escrito da Obra Historiogrfica
Deuteronomstica (por volta de 560 a.C,) passaram-se aproximadamente seis dcadas,
de modo que possvel que tenha havido ainda sobreviventes que tenham assistido aos

125
eventos sob Josias. Assim fica difcil imaginar que os fatos tenham sido inventados, ou
seja, que no se apiem em acontecimentos histricos. A favor da historicidade da
reforma no testemunha tambm o fato de que o rei no teve o gosto de ver o xito de
sua obra? O destino do rei no corresponde, neste caso, sua atuao piedosa. Alm
do mais possvel que a reforma at tenha deixado vestgios arqueolgicos.
b) Certamente o profeta contemporneo Jeremias - como tambm o jovem
Ezequiel- no se posiciona explicitamente em relao reforma (cf. Jr 22.15s.; talvez
porm 8.8), mas a polmica que manteve contra o templo no ano da investidura do
sucessor de Josias, Jeoaquim (Jr 7; 26), se toma mais compreensvel se pressupusermos
que, com a reforma, o santurio jerosolimita foi bastante valorizado.
A crtica ao culto articulada pelo jovem Jeremias (Ir 2), como tambm por
Sofonias (1.4ss.), parece denunciar a situao antes da reforma. Ser que outros textos
(Ir 13.27; 17.1ss.) representam provas suficientes contra uma reforma? Ser que a viso
de Ez 8 no condensa num s instante o que na realidade ocorreu em momentos
histricos distintos do passado? Ou os abusos clticos irromperam de novo logo depois
que Josias faleceu?
c) A viagem dos peregrinos da Samaria at as runas do templo na Jerusalm
devastada (Ir 41.4ss.) se justifica melhor se, pela reforma de Josias, o Norte foi
integrado na centralizao do culto.
d) Por que razo o Escrito Sacerdotal pressupe a centralizao do culto como
fato natural (v. acima 8a,4) se a mesma teria sido somente uma reivindicao
deuteronmica, no constituindo fato real e histrico?
e) Uma das primeiras camadas interpretativas do Dt, ainda formulada no singular,
fala da possibilidade de uma expanso territorial de Israel (12.20; 19.8); esta pode ser
muito bem relacionada com a poltica expansionista de Josias (2 Rs 23.15ss.). 1mbm
a meno da Pscoa em Dt 16 provavelmente se deve atribuir a uma camada redacional
antiga que poderia estar relacionada com a celebrao da Pscoa em 2 Rs 23.21s.
Estas e outras ponderaes aconselham que se mantenha - pelo menos proviso-
riamente - a datao habitual.

6. Ao lado do enfoque crtico-literrio ensaiou-se j na virada do sculo a


perspectiva histrico-formal. Chamou a ateno de A. Klostermann o fato de
que no Dt se alternam o texto legal e sua interpretao. Ele explicou esta
disposio paralela a partir da leitura pblica oral da lei. Mais tarde G. von Rad
(retomando a tese de A. Bentzen) entendeu o estilo descontrado da parnese
como lei pregada: "Afmal, esta a diferena mais elementar entre o Cdigo da
Aliana e o Dt e que, justamente devido s amplas coincidncias do material
em ambos os cdigos, cai na vista: o Dt no direito divino codificado, mas a
se prega sobre os mandamentos" (Gesammelte Studien Il, p. 112). Este livro
transforma a lei que exige ou at sentencia ("Tu fars" ou "Quem fizer [...],
deve ser morto") em exortaes que lanam um apelo amoroso; o cumprimento
dos mandamentos resposta do ser humano ao desvelo e amor de Deus.
difcil descobrir que grupo foi responsvel por esta pregao da lei. Como j

126
outros antes dele, G. von Rad procurou situar o 01 nos crculos levticos do Reino do
Norte (residentes na rea rural); deles proviria o esprito tanto sacerdotal quanto guer-
reiro do livro; e os levitas que tinham a tarefa de instruir o povo (01 33.10; Ne 8.7 e
outras). Visto que Levi representa no AT uma grandeza complexa, cuja definio exata
difcil, esta teoria pouco contribui para esclarecer a formao do livro. Todavia, deve
haver uma ligao entre o Deuteronmio e os levitas (cf. os acrscimos posteriores:
27.9ss.; 31.9,24ss.), j que o livro se preocupa com o bem-estar destes (l2.12,18s. e
passim) e os inclui no grupo das personae miserae, que carecem de proteo e auxlio
(l4.27ss.; 26.11ss. e outras).
Ou devemos procurar os agentes traditivos - mais tarde - no crculo dos
escribas sapienciais junto corte jerosolimita (Pv 25.1; M. Weinfe1d)?
Chama a ateno que von Rad explica o arcabouo global do livro (certamente
surgido numa poca tardia), com suas quatro partes principais:
Relato histrico e parnese 01 1(ou 6)-11
Leitura da lei 01 12-26
Comprometimento com a aliana Dt 26.16-19
Bno e maldio Dt 27ss.,
no a partir da instruo de leigos efetuada pelos levitas, mas a partir do culto da
aliana, cuja estruturao tambm se refletiria na percope do Sinai (x 19ss.). Todavia
admite que a forma teria estado evidentemente liberada h muito tempo para um
aproveitamento literrio e homiltico diversificado (Altes Testament Deutsch 8, p. 15).
Outros compararam a estruturao do livro ou tambm de algumas passagens do
mesmo com o formulrio de contratos de vassalagem, especialmente hetitas. No se
podem excluir certas semelhanas. A partir da dominao dos assrios no sculo vn
pode ter havido influncias do pensamento contratual. Todavia, no se pode esquecer
que h diferenas j na forma, mais, porm, ainda no contedo (relao entre Deus e o
povo em vez do relacionamento entre povos); ademais nossos conhecimentos do culto
veterotestamentrio da "aliana" so por demais limitados.
Podemos considerar como certo, porm, que pelo menos em pocas posteriores
leis eram lidas no culto em voz alta (Dt 31.l0ss.; 2Rs 23.2; cf. x 24.7; Ne 8; Sl81 e outras).

b) Intenes teolgicas

A rigor as diversas camadas interpretativas do Dt deveriam ser auscultadas sepa-


radamente quanto s suas intenes teolgicas. Entretanto, a distino das diversas
camadas literrias do livro ainda bastante incerta, a no ser em alguns casos excep-
cionais. De modo muito mais acentuado isto vale para a diferenciao histrico-teol-
gica. No haveria tambm o perigo de supervalorizar diferenas, visto que as amplia-
es freqentemente mantm afinidades com o contedo traditivo em termos de lingua-
gem e inteno? Por outro lado, uma abordagem sinttica cai na tentao de considerar
precipitadamente o livro como unidade. A seguir indicaremos apenas vez por outra
diferenas entre camadas em termos de poca de surgimento.

127
Resumindo a questo numa frmula, poderamos caracterizar a inteno
do Dt com trs conceitos: um nico Deus, um nico povo, um nico culto e
poderamos acrescentar ainda: um nico pas, um nico rei, um nico profeta.

1. Enquanto que para Israel at ento era bvio que houvesse uma multi-
plicidade de santurios (x 20.24), entre os quais alguns gozavam de muito
prestgio como centros de peregrinao, o Dt exige exclusividade:
"Guarda-te que no ofereas os teus holocaustos em todo lugar que vires; mas
somente no lugar que Jav escolher - numa das tuas tribos; ali oferecers os teus
holocaustos" (l2.l3s.).
Seria meio forado, mas possvel, relacionar esta frmula que tpica para
o Dt e que fornece a fundamentao teolgica para a centralizao do culto -
"o lugar que Jav escolheu" - com lugares diferentes, que Deus teria deter-
minado em ocasies diversas. Tanto a indicao do local - "numa das tuas
tribos" - como tambm o tratamento diferenciado dado ao holocausto e
imolao mostram, porm, que aquela verso mais antiga da lei da centralizao
(12.13-19) procurou destacar a vinculao exclusiva da f em Jav a um nico
santurio. E foi neste sentido que a reforma de Josias compreendeu e concreti-
zou tal formulao. A identificao com Jerusalm quase que no se sugere nas
camadas mais antigas do Deuteronmio e nem ressoa imediatamente nas cama-
das mais recentes, visto que o livro no menciona a cidade ou o Sio; todavia,
a Obra Historiogrfica Deuteronomstica retoma esta formulao e a vincula
claramente com Jerusalm (1 Rs 9.3; 11.36 e outras).
forma breve e presumivelmente mais antiga da frmula de centralizao
- o lugar que Jav escolheu (Dt 12.14,18,26) - logo se acrescenta uma
justificativa: "para a colocar o seu nome" (12.21) ou (numa verso provavel-
mente mais recente) "para a fazer habitar o seu nome" (12.11 e outras).
Segundo esta ampliao, o nome divino distingue um santurio (cf. j x
20.24): este o local que pertence a Jav e onde Jav est presente. Pelo menos
mais tarde associa-se a esta concepo uma conotao diferente, mais crtica:
Deus mesmo habita nos cus (cf. Dt 26.15; 4.36), "s" seu nome permanece
na terra. Com esta diferenciao entre Deus e a presena de Deus na terra -
que lembra a introduo do conceito "glria" no Escrito Sacerdotal (v. acima
8b,5) - restringe-se concepo mais antiga (cf. 1 Rs 8.29 e outras; quanto
a esta questo, R. de Vaux), segundo a qual o prprio Deus "habita" no
santurio (1 Rs 8.12; Is 8.18 e outras).
A exigncia da concentrao do culto num nico local acarreta modifica-
es incisivas na vida cltico-religiosa de Israel, principalmente na vida da
populao rural que vive distante de Jerusalm. A conseqncia principal a
permisso do assim chamado abateprofano (12.15s.). Ao contrrio do holocaus-
to que oferecido por inteiro no local santo, a imolao ou o sacrifcio de

128
comunho - ao menos aquele feito longe do nico santurio (segundo vv.
20ss.), local exclusivo em si para a oferenda de sacrifcios - toma-se uma
simples refeio (zabah, "sacrificar", Dt 15.21, adquire o significado singelo
de "carnear", 12.15,21). Qualquer abate era originalmente um sacrifcio, ou
seja, uma refeio sacrifical (cf. 1 Sm 2.13; 9.13 em oposio a Gn 18.7s.)?
Neste caso a determinao do Dt teria sido, para a Antiguidade, um descomunal
ato de secularizao. S o sangue protegido por um rito, determinando-se que
deve "ser derramado como gua sobre a terra" (Dt l2.16,23s.; retomado por P
em Gn 9.4s.; diferente de Lv 17.3ss.). Alm disso a exigncia de centralizao
se faz sentir nas determinaes referentes a dzimo, primognitos e primcias
(Dt 14.22-27; 15.9-23; 26.lss.), ao calendrio festivo (16.1ss.) como tambm a
juzes e sacerdotes (17.8-13; 18.1-8). Assim, as disposies referentes centra-
lizao certamente constituem uma camada mais recente dentro do material
legal, representando justamente a interpretao que congrega as diversas tradi-
es preexistentes sob uma nica inteno.

2. Dentro da verso atual do Dt, a unicidade do culto s surge em


conseqncia da unicidade de Deus, como antecipada e articulada de forma
programtica no s1Jem:
"Ouve, Israel, Jav nosso Deus,
Jav [] um [s, nico]." (6.4.)
A confisso formulada de tal forma, que no se refere s de passagem
a uma situao particular, mas tem validade fundamental, geral e por isso pode
avanar em direes diferentes e assumir mltiplos significados. No sentido de
um monotesmo rigoroso (s Jav Deus; cf. 4.19,35,39; 32.39) esta confisso
dificilmente pode ser interpretada, conforme sua inteno original. Por um lado,
pode, porm, rechaar - para fora - tentaes da religio canania e invocar
frente multiplicidade do culto a Baal a unidade e unicidade de Jav. Por outro
lado, o enunciado pode ser compreendido - para dentro - no contexto da
exigncia de centralizao, como "confisso unidade de Jav diante da grande
quantidade de divergentes tradies e locais de adorao de Jav e santurios
de Jav" (G. von Rad, Altes Testament Deutsch 8, pp. 45s.). Nas suas conse-
qncias, de qualquer jeito, ambas as acepes se fundem, pois atravs da
nfase dada unidade da manifestao da f em Jav h uma delimitao diante
da multiplicidade da religio de Baal.
Assim se confere ao Deuteronmio uma importncia eminente na histria
da f em Jav, ao expressar de outra forma o primeiro mandamento. Nas suas
verses mais antigas (x 22.19; 34.14 e outras) o primeiro mandamento deter-
mina a relao entre Deus e o ser humano, mas no faz nenhuma afirmao
direta "sobre" o prprio Deus. a confisso em Dt 6.4 (cf. Zc 14.9; M12.1O)
que aproveita a possibilidade de interpretar o relacionamento neste sentido. Ao

129
depreender da exigncia de Jav por adorao exclusiva a unidade ou unicidade
do prprio Deus, ela transforma uma definio do relacionamento do ser huma-
no com Deus numa afirmao sobre o prprio Deus (como x 34.6s e outras,
sem referncia histria). Na medida em que a exigncia de centralizao
representa a conseqncia prtica que advm desta percepo, tambm a cen-
tralizao do culto pode ser compreendida como um momento dentro da hist-
ria da interpretao do primeiro mandamento.
caracterstico para o AT que tal enunciado sobre o ser de Deus no fica
isolado; o Dt logo tira uma concluso para a conduta humana:
"Amars, pois, a Jav, teu Deus, de todo o teu corao, de toda a tua alma e de
toda a tua fora!" (6.5; cf. 5.10; 7.9; 10.12; 11.1,13,22; 13.3s.; 19.9).
Desta maneira se reinterpreta de novo o primeiro mandamento. Enquanto
que formulaes proibitivas mais antigas excluam apenas a adorao de deuses
estranhos, no enunciando, ao menos expressamente, nada de positivo sobre a
modalidade, o "espao interior" do relacionamento de Israel com Jav, o Dt
compreende a exclusividade num sentido antropolgico, abrangendo a totalida-
de do comportamento humano. unicidade de Deus corresponde a dedicao
integral e incondicional de todo o ser humano para com Deus. J que tanto
"amar" quanto "temer" (isto , um reconhecimento respeitoso de Deus; 6.2,13,24
e outras) se referem a um certo comportamento, pode-se exigir amor e temor
(6.5s.; 1O.12s.) como uma resposta agradecida ao amor de Deus (7.8; 10.15 e outras).
A parnese circunscreve igualmente a totalidade do relacionamento com
Deus como "aderir, servir, seguir" ou tambm "no esquecer, lembrar" (6. 12ss.;
8.18s.; 10.20 e outras). No se expressa nesta conceptualidade, como em todo
o desenvolvimento do primeiro mandamento, uma influncia proftica (cf. Os
2.1; 3.1)? Ao que parece no h outra parte do AT onde se insiste tanto neste
mandamento como justamente no Dt e tambm na literatura deuteronomstica
subseqente. No s encontramos determinaes especficas para o caso de um
profeta, um parente ou at uma cidade inteira convidarem para adorar deuses
estranhos (13.2-19) ou eles prprios os adorarem (17.2-7; cf. 12.30s.; 18.20),
mas as ponderaes gerais precedentes sobre o significado da lei tambm
atribuem importncia decisiva ao primeiro mandamento (7.4ss.; 8.19; 11.16ss. e
outras). Quem se deixa corromper pela idolatria e perde, "esquece" a histria
comete os dois erros bsicos contra os quais o Dt alerta, visto que descaracte-
rizam a f em Jav.
Assim deve ser mais do que mera coincidncia que o Declogo - onde
se juntam referncia histrica e reivindicao de exclusividade (5.6s.) - ocupe
uma posio de destaque entre os mandamentos. Como na percope do Sinai
(x 20), o Declogo anteposto a todos os "estatutos e juzos", embora isto
acontea num estgio de formao mais recente do Dt, e apresentado no

130
como fala de Moiss, mas como palavra direta de Deus (Dt 5.4,22ss., ao
contrrio de 5.5), de modo que todas as leis que lhe seguem se tornam como
que instrues de execuo, comentrio ou desdobramento do Declogo. 'Iam-
bm a "aliana" interpretada a partir do Declogo (4.12s.; 5.2; 9.9ss.) e a
arca se torna o receptculo que contm as duas tbuas de pedra com os dez
mandamentos (lO.lss.; cf. 31.26). Assim se pode at recriminar o Dt por
atribuir aos mandamentos uma valorao exagerada na vida do povo de Deus,
mas no se pode acus-lo de avaliar os diversos mandamentos de forma casus-
tica e uniforme demais.

3. Enquanto os preceitos legais mais antigos se dirigem ao indivduo em


particular, o Dt se volta tanto nas suas passagens na segunda pessoa do singular,
como nas mais recentes, na segunda pessoa do plural, ao povo todo. Ser que
de novo se faz sentir a a influncia do profetismo, que se dirige em geral ao
povo e s em poucos casos ainda ao indivduo (Os 2.4ss.; Am 3.2, etc)? Em
todo caso a unicidade do povo corresponde unicidade de Deus: Jav se coloca
diante de "todo o Israel" (Dt 5.1 e outras).
Falta qualquer classificao do povo em tribos ou em Reino do Norte e Reino do
Sul. Ser que se manifesta a, alm da situao literria (Israel na poca mosaica, antes
da tomada da terra), tambm a situao histrica da poca de Josias quando se tentou
unificar o norte e o sul, ou inclusive se percebe a uma expectativa proftica(Os 2.1-3;
2.1; Ez 37.15ss. e outras)?
Por um lado, o Dt inculca nos seus ouvintes/leitores: Jav "teu/vosso
Deus", e o faz com mais insistncia que qualquer outra parte do AT, de sorte
que a aposio mencionada pode at ser considerada caracterstica de estilo da
literatura dt-dtr. Por outro lado, porm, se designa Israel de "propriedade" de
Deus, "povo santo" (7.6; 14.2; 26.18s. e outras). Desta forma se destaca
enfaticamente e com terminologia prpria a diferena entre Israel e os outros
povos, diferena esta de que j a tradio mais antiga tem conhecimento (x
8.18s.; 9.4s. J; Nm 23.9 E).
Dt 26.17s. resume ambos os lados do relacionamento entre Deus e o povo na
assim chamada fnnula daaliana, que terrninologicamente recente, mas, pelo assunto
em si, pode ser considerada "comeo e princpio permanente" (1. We1lhausen) da
histria de Israel: "Jav, Deus de Israel; Israel, povo de Jav".
O Dt evita expressamente o perigo de um mal-entendido deste tratamento
privilegiado, fundamentando a santidade de Israel apenas no relacionamento
definido por Deus e subtraindo-o desta forma a qualquer condio prvia:
"Porque tu s povo santo a Jav teu Deus; Jav teu Deus te escolheu, para que
lhe fosses o seu povo prprio, dentre todos os povos que h sobre a terra."
Esta promessa mais tarde detalhada - na passagem do singular para o plural
caracterstico para os acrscimos:

131
"No vos teve Jav afeio, nem vos escolheu, porque fosseis mais numerosos
do que qualquer povo, pois sois o menor de todos os povos - mas porque Jav vos
amou, e para guardar o juramento que fizera a vossos pais." (Dt 7.6-8.)
O relacionamento entre Deus e o povo se estabelece mediante um ato
prvio de Deus, a "eleio" (babar), se fundamenta no "amor" de Deus (4.37
e outras) e garantida pelo juramento inquebrantvel prestado diante dos pais
(outra caracterstica da literatura dt-dtr: 6.10 e passim). Assim Israel ganha a
terra no por causa de suas prprias capacidades e mritos, mas em ltima
anlise graas promessa de Deus:
"No por causa da tua 'justia' (isto , tua conduta correta) nem pela retitude
do teu corao que entras a possuir a sua terra, mas pela maldade destas naes Jav
teu Deus as lana fora, de diante de ti; e para confirmar a palavra que Jav teu Deus
jurou a teus pais, Abrao, lsaque e Jac." (9.5; cf. 8.17.)
J que, da mesma forma, a santidade do lugar de culto (12.14 e outras) ou
da classe dos levitas (21.5 e outras) se baseia na "eleio" por Deus, podemos
resumir praticamente a inteno do Dt em uma' 'teologia da eleio" (T. C. Vrie-
zen).

4. Da unidade do povo de Deus o Dt tenta tirar concluses vlidas para a


convivncia humana. As autoridades mais graduadas devem provir do "meio
dos innos" - como acontece com o profeta anunciado (18.15,18) e o prprio
rei (17.15), cujos direitos so fortemente restringidos e que advertido para que
seu corao "no se eleve sobre seus irmos" (17.20). Apesar da diversidade
dos cargos no se insinua a algo da igualdade de todos diante de Deus? O
relacionamento dos irmos entre si acarreta ao mesmo tempo conseqncias
sociais; pois tambm o correligionrio empobrecido "teu pobre irmo" (15.2s.,7ss.
e outras; tambm Lv 25.35ss.), que no deve ser tratado com dureza de corao,
mas a quem, pelo contrrio, se deve perdoar a dvida, para que os pobres
possam compartilhar a ddiva de Deus. A se consideram entre os desampara-
dos, personae miserae, alm das "vivas e rfos" (x 22.21-23; Is 1.17,23),
os "estrangeiros", ou seja, "cidados necessitados de proteo alheia" (gerim),
que vivem longe da sua ptria e famlia, sem possurem terras, carecendo,
portanto, de determinados direitos, e os levitas (Dt 14.29; 16.11,14; 26. 12s. e
outras). Entre eles se encontram fugitivos que foram acolhidos no Sul, depois
da derrocada do Reino do Norte?
O mesmo esprito humanitrio impregna leis que abrangem esferas dife-
renciadas, mas que so reunidas por causa de sua tendncia comum sob o nome
de "leis humanitrias" (15.1-18; 22.1-8; 23.16-26; 24.6,10-22; 25.1-4). Entre
elas tm carter exemplar as prescries sobre a dispensa do servio militar;
podem ter um pano de fundo mgico, mas servem no AT apenas para possibi-
litar pessoa em questo o usufruto de sua nova aquisio, seja ela sua casa,

132
sua vinha ou tambm sua mulher (20.5-7), e o regozijo com as boas ddivas de
Deus (12.7,12,18; 16.11,14s. e outras):
"Quando um homem for recm-casado, no sair guerra nem se lhe impor
qualquer [outro] encargo; por um ano ficar livre para a sua famlia e promover
felicidade mulher que tomou." (24.5.)
Tais disposies - que decerto no passaram do plano "terico" - em
que o direito do indivduo ou da famlia pode prevalecer sobre as obrigaes
para com a comunidade, fizeram com que o Dt fosse tachado de "utopia" (G.
Hlscher), no sentido de alienao da realidade. Mas at que ponto a exeqibi-
lidade prtica constitui um critrio apropriado para uma proposta teolgica?
Alm disto o Dt de fato modificou profundamente a realidade num outro sentido.
A mesma atitude humanitria que transparece no tratamento do estrangeiro (10.18;
24.14; cf., porm, 23.20s.), faz com que, segundo a legislao marcial (20.lOss.,19s.),
haja uma certa benevolncia at para com os inimigos. Apenas os cananeus so exclu-
dos deste tratamento mais amistoso - no na realidade, mas s na retrospectiva a partir
de uma poca posterior! - , pois sua religio representa uma tentao perigosa demais
para a prpria f (7.4s.,25; 12.2ss.,30s. e outras).

5. A unidade do povo de Deus no se expressa somente na convivncia


comunitria lado a lado do Israel contemporneo, mas tambm na viso sincr-
nica da seqncia das geraes passadas no "hoje". A atualizao do passado
toma-se prioritria em relao conservao da unicidade dos fenmenos
histricos: "Jav vos (ou nos) tirou (...) do Egito" (4.20; 6.20ss.; 26.6ss. e
outras). A palavra de Moiss interpela diretamente, atravs dos sculos, aos que
vivem hoje; o passado at ameaa ser tragado pelo presente: "Ouve, Israel,
os estatutos e juzos que hoje vos falo aos ouvidos!" (5.1). Como o profeta do
exlio pode contrapor o "antigo" e o "novo", o que j foi e o que ser (Is
43.18s.), o Dt pode colocar o passado e o presente numa oposio excludente:
"No foi com nossos pais que fez Jav esta aliana, e, sim, conosco, todos os
que hoje aqui estamos vivos." (5.3s.) Aqui est falando o pregador, que quer
dirigir-se a seus ouvintes de forma realista? Este estranho "hoje" ainda no foi
suficientemente explicado.
Embora o Dt no contenha em si (como P) uma expectativa quanto ao
futuro, ele sabe que h uma sobrevalia sobre o presente para quem obediente
na f quando acena com uma "longa vida" (5.16; 6.2; 11.9,21 e outras),
"descanso" diante dos inimigos (12.9s.,15; 25.19), fertilidade para a natureza e
o fnn de todas as enfermidades (7.13ss. e outras). Ser que devemos considerar
que todas estas ddivas j tenham sido distribudas e que, portanto, existam?
Provavelmente, no. Assim, a verdadeira plenitude da vida humana decerto
constitui uma possibilidade ainda no realizada.

133
11
A OBRA mSTORIOGRFICA
DEUTERONOMSTICA

a) Questes introdutrias

Passando para os livros histricos, ingressamos num outro mbito liter-


rio. Todavia, o reconhecimento de que a situao literria nos livros histricos
diferente da do Pentateuco ou do Tetrateuco relativamente recente. Ao
comentar o livro de Josu (1938), M. Noth foi levado por suas percepes a
supor que haja uma Obra Historiogrfica Deuteronomstica (= dtr) que se
estende desde o Dt at o Segundo Livro dos Reis (berlieferungsgeschichdiche
Studien, 1943. 1957). A. Jepsen chegou a resultados parecidos (Die Quel1en des
Knigsbucbes, 1953).
Antes se explicavam estes livros histricos veterotestamentrios de manei-
ra anloga ao Pentateuco, onde as fontes escritas j ofereciam certas unidades
narrativas que perpassavam o complexo todo. Certamente no se ignoraram as
passagens dtr do livro de Josu at o Segundo Livro dos Reis, j que chamam
a ateno por sua linguagem caracterstica no que tange a linguagem e estilo.
Todavia, estas partes eram consideradas acrscimos redacionais a um complexo
narrativo j existente; s nos livros dos Reis j se atribua em maior grau a
seleo e a configurao da tradio a esta mesma redao.
At bem recentemente se tentou repetidas vezes rastear os fios do Pentateuco
(sobretudo J e P, ocasionalmente tambm E) pelo menos at o livro de Josu ou mais
alm, at os livros dos Reis. Mas os resultados foram divergentes e at o presente
momento ao menos no encontraram reconhecimento geral. J o entrelaamento dos
textos entre si, de maneira a formar uma obra narrativa que abrange vrias pocas, ainda
mais sua equiparao com uma das fontes escritas mais antigas do Pentateuco, suscitou
controvrsias. Em termos gerais, se imps a tese de M. Noth, embora diferenciada e
modificada.
M. Noth reconheceu no Deuteronomista o autor de todo o extenso com-
plexo literrio. O Deuteronomista criou - e nisto poderia ser comparado ao
Javista? - uma obra "inigualvel no seu meio circundante (...). Rene cerca
de sete sculos de histria israelita desde o tempo de Moiss at o exlio
babilnico, retrabalha com grande esmero tradies literrias e fatos que foram

134
vivenciados diretamente e elabora uma concepo de surpreendente coeso."
(H. W. Wolf, p. 308.)

1. Antes da Obra Dtr, portanto, no havia um projeto historiogrfico


contnuo que abrangesse todos estes sculos, mas, sim, compilaes de narrati-
vas isoladas, que formavam ciclos narrativos, como as colees de histrias da
poca de Josu e de Juzes, ou ento tambm relatos autnomos de certas
pocas, como a histria da ascenso e sucesso de Davi no trono, em 1 Sm 16-1
Rs 2. Independentes ainda eram o ciclo das histrias de Elias e Eliseu, em 1 Rs
17-2 Rs 13, e outras narrativas referentes a profetas. Alm disso a obra compila
material bem diversificado: tradies de santurios ou da corte, listas, p. ex. de
funcionrios pblicos (2 Sm 8.16ss.; 20.23ss.; 23.8ss.; 1 Rs 4), extratos de uma
crnica e outras.
Caso a Obra Historiogrfica Dtr se tenha baseado em contextos narrativos
j existentes, ficaria mais fcil compreender por que ela no altera suas tradi-
es de maneira uniforme, j que a participao dtr nos livros varia. Estas
irregularidades, portanto, dificilmente representam uma objeo existncia e
unidade da obra. Pelo contrrio, h sobretudo dois motivos (segundo Noth) que
comprovam a coeso do complexo literrio de Dt ou Js at 2 Rs:
a) Perceptvel em maior ou menor grau o complexo da cronologia (cf.
como observao sucinta 1 Rs 6.1: a construo do templo por Salomo 480
anos depois da sada do Egito).
b) Em pontos altos e decisivos da histria so inseridas reflexes retroje-
tivas e projetivas, apresentadas ou na forma narrativa ou como fala do protago-
nista. No relatam sobre uma nova ao em si, mas tentam antes interpretar e
julgar a histria; neste intento expressam concepes teolgico-histricas bsi-
cas similares e apresentam o mesmo estilo caracterstico. Assim, estas passa-
gens intermedirias se parecem com sermes - uma forma literria onde
possivelmente ressoe a proclamao proftica. Incio, incises e [mal do relato
historiogrfico dtr so marcados por esta caracterstica:

I. poca de Moiss
Dt 1-3(4) Rememorada por Moiss a caminhada do Horebe at a 'Iransjordnia,
antecipando a indicao de Josu como seu sucessor
Dt 31.1-8; 34 Discurso de despedida de Moiss, instalao de Josu no cargo,
morte e sepultamento de Moiss
Il. poca de Josu
Js 1 e 23(24) Incio e fim da tomada da terra na Cisjordnia
1 'Iransferncia da liderana para Josu
12 Resultados da conquista da terra

135
21.43-45 Observao conclusiva referente ao cumprimento da pro-
messa
22.1-8 Retomo das tribos para a Transjordnia
23 Discurso de despedida de Josu (anlogo a Dt 31)
24.28ss.; Jz 2.6ss. Morte e sepultamento de Josu (cf. Dt 34.5s.)
Ill. poca dos juzes
Jz 2 e 1 Sm 12 Incio e fim da poca dos juzes
1 Sm 8; 12 Discurso de Samuel
IV. poca da monarquia
2 Sm 7 Profecia de Nat
(reelaborada pela redao dtr, com retrospectiva no v. 1)
1 Rs 3; 9 Revelaes de Deus a Salomo
1 Rs 8 (vv.14ss.) Orao de Salomo por ocasio da consagrao do templo
1 Rs 11 Apostasia de Salomo
2 Rs 17 Queda do Reino do Norte
(apresentando uma avaliao retrospectiva: vv. 7-23)
2 Rs 25 Destruio de Jerusalm
(com avaliao sucinta: 21.10ss.; 24.3s.; cf. 22.16s.; 23.26s.)

A distribuio posterior da obra toda entre os livros de Josu, Juzes,


Samuel e Reis corresponde, portanto, somente no incio s incises originais da
obra; ou seja, s pocas de Moiss e Josu correspondem Dt e Js.
Parece, no entanto, que a diviso atual da obra j se esboou cedo, visto que no
fmal do livro dos Juzes e do Segundo Livro de Samuel (Jz 17-21; 2 Sm 21-24) e talvez
tambm no incio do livro dos Juzes (Jz 1) se encontram presumveis acrscimos
posteriores que interrompem o fluxo narrativo original. Em contraposio, o desmem-
bramento dos livros de Samuel e dos Reis cada qual em duas partes se comprova s a
partir da Idade Mdia Tardia.
Com a indicao da extenso da obra ao mesmo tempo se determina o
ltimo marco anterior da poca de seu surgimento: deve ter sido redigida aps
os ltimos acontecimentos relatados em 2 Rs 25.27-30, presumivelmente ainda
durante a poca do exlio, por volta de 560 a.c. - o rei judata deportado,
Joaquim, libertado do crcere e acolhido na corte pelo sucessor de Nabuco-
donosor, Evil-Merodaque (Avil-Marduque, 562-560 a.Ci), De qualquer forma,
o contedo bsico da obra deve remontar a este tempo. No h nem mesmo
uma aluso reviravolta que a poca persa (a partir de 539 a.C) trouxe
consigo. O local onde foi redigida controvertido, mas (como nas Lamenta-
es) mais provvel que tenha sido na Palestina do que (como no caso do
Escrito Sacerdotal) no mbito da Babilnia - talvez, mais precisamente, em
Mispa, que alcanou certa evidncia depois da destruio de Jerusalm (2 Rs
25.22ss.).

136
2. Diversas constataes, porm, nos obrigam a corrigir a opinio de M.
Noth em um aspecto: dificilmente houve apenas um nico Deuteronomista,
seno antes uma escola dtr. Desta forma se explicam, em primeiro lugar, certas
irregularidades e complementaes dentro da prpria Obra Historiogrfica Dtr
- caracterizada de resto por um estilo estreitamente afim e imbuda de um
esprito muito similar: o redator mudava, a escola continuava. Em segundo
lugar, se toma compreensvel a ampla influncia que a obra exerceu no AT, que
se estende muito alm dos livros histricos de Js at Rs, p. ex., interferindo
inclusive na configurao dos livros profticos. A escola transmitia e comentava
- sob a influncia do Deuteronmio? - a tradio histrica e proftica.
Ser que o Dt foi como que o fator desencadeador do surgimento da escola dtr?
controvertido se o Dt de fato fazia parte da Obra Historiogrfica Dtr desde o princpio
ou se foi inserido a s secundariamente.
Em razo de certas irregularidades nos livros de Reis suspeita-se tambm que haja
uma verso mais antiga, pr-exlica da Obra Historiogrfica Dtr.
Em tempos mais recentes se atribuem, com mais razo, progressivamente mais
partes dos livros de Samuel e dos Reis redao dtr. Certamente a tradio dtr interferiu
de modo mais profundo na tradio e nos textos do que se supunha anteriormente. Mas
no h tambm o perigo de supervalorizar a contribuio dtr, de classificar contedo
demais como sendo "dtr"? Como no Pentateuco, devemos distinguir entre observaes
concatenadoras e interpretativas, em suma, entre observaes redacionais do tipo mais
geral e o material especificamente dtr - que pode ser identificado lingisticamente.
Esta diferenciao importante para poder determinar a antiguidade do contedo e das
narrativas.
Sobretudo se busca descobrir uma histria da redao dtr, distinguindo uma
camada bsica e duas camadas redacionais mais recentes: "a concepo fundamental da
Obra Historiogrfica (DtrH), uma redao que contribui com textos profticos (DtrP) e
outra ainda, cujo interesse principal est na lei (DtrN)" (R. Smend, Die Entstehung des
AT, p. 123; cf. W. Dietrich; T. Veijola; E. Wrthwein, ATD 11).
Como no caso do Dt (v. acima lOb) deveramos partir tambm aqui das diversas
camadas da Obra Historiogrfica Dtr ao buscarmos as suas intenes teolgicas - caso
possam ser delimitadas com maior ou menor preciso.

3. Em respeito ao passado, a Obra Historiogrfica Dtr acolhe as mais


variadas tradies - importantes para o historiador atual- e reporta-se s suas
fontes, em especial aos "dirios" dos reis (1 Rs 11.41; 14.19,29 e outras), onde
leitores interessados podem buscar informaes complementares. "O Deutero-
nomista no pretendeu construir a histria do povo de Israel, mas quis apresen-
t-la objetivamente, com base no material de que dispunha." (M. Noth, ber-
lieferungsgeschichtliche Studien, p. 95.) Mas este juzo no suscetvel a mal-
entendidos, pelo menos na sua segunda metade?
Primeiramente a Obra Historiogrfica Dtr procede a uma seleo de seu

137
material traditivo, ao preferir, em razo de suas intenes teolgicas, p. ex.,
tradies que tm a ver com o relacionamento com Deus e o culto, em
detrimento de notcias sobre acontecimentos polticos e blicos. Em segundo
lugar, a tradio complementada, de modo que corrigida por acrscimos. H
tradies, no entanto, que so transmitidas mesmo no correspondendo exata-
mente inteno teolgica da obra (cf. 1 Sm 8-13 quanto ao surgimento da
monarquia). Por fim, a obra julga os episdios a partir de sua idia-mestra. Por
conseguinte a obra certamente no pretende representar situaes do passado,
do jeito "como realmente aconteceram"; ela no se restringe apenas a compi-
lar, ordenar e repassar fatos, mas pretende interpret-los. Descreve a histria em
razo da f, em ltima anlise como conduta frente a Deus e seu mandamento.
Por isso a Obra Historiogrfica Dtr, que, por um lado, foi valorizada como obra
de um historiador, por outro lado, pde ser caracterizada, com a mesma razo,
como "escrito tendencioso" (J. A. Soggin).

b) Intenes teolgicas

1. Israel foi afetado como um todo pelo ocaso do Reino do Norte, muito
mais ainda pela catstrofe que levou ao exlio babilnico. A Obra Historiogr-
fica Dtr, portanto, tinha de responder a uma pergunta que no tinha ainda sido
levantada antes por nenhuma outra narrativa isolada, por nenhum outro ciclo
narrativo: a pergunta pela existncia e pelo destino de todo o povo de Deus.
Assim a obra rasteia (ao contrrio do que fez mais tarde o Cronista em 2 Cr
lOss.) a histria de ambos os estados; importava-lhe "a histria do povo de
Israel como um todo" (M. Noth, berlieferungsgeschichdiche Studien, p. 95).
Afinal, o Reino do Norte e o Reino do Sul no constituam partes do mesmo
povo de Deus, que carregavam ambos uma culpa equivalente e que por isto
tiveram de sofrer um destino parecido, embora consecutivamente (2 Rs 17; 21;
24.3s.)? A concepo da unidade do povo de Deus no corresponde apenas a
uma compreenso condicionada pela situao, mas retoma ao mesmo tempo a
abordagem da mensagem proftica e uma preocupao principal do Deuteron-
mio (v. acima lOb,3).
Enquanto o Dt exorta para a obedincia, temor e amor a Deus, a Obra
Historiogrfica Dtr mostra, com base no passado, como Israel poucas vezes
seguiu tal orientao. A obra oferece, portanto, depois e durante a catstrofe,
uma espcie de auto-reconhecimento ou confisso em forma de retrospectiva
histrica: o passado de Israel, desde a tomada da terra at o tempo mais recente,
uma histria de constante apostasia de Deus, que repetidamente repreendeu,
puniu e, por fim, vingou com severidade a contnua desobedincia. Desta forma
a historiografia adquire um sentido concreto: em vista da catstrofe nacional
indica a culpa exclusiva de Israel e a razo e o direito de Deus.

138
o primeiro resultado a que chegou o Dtr foi que Jav no falhou em nada, que
Israel destruiu sua salvao com as suas prprias mos, ou seja, com seu pecado. O
julgamento de Jav na histria foi justo. "De maneira que sers tido por justo no teu
falar" (SI 51.4). Esta a preocupao do Deuteronornista. Sua obra urna grande
"doxologia do julgamento", transposta do domnio do culto para o da literatura. (G.
von Rad, Theologie des AT 1, 4. 00., voI. 1, 1973, pp. 329s.)
Sem a profecia precedente tal confisso dificilmente seria possvel. Por
exemplo, o cntico da vinha de Isaas (Is 5) contrape a ao salvfica de Deus
ingratido de Israel; as retrospectivas histricas crticas (como Os 11s.; Is
9.7ss.; 43.27s.) parecem mais ainda uma antecipao da Obra Dtr in nuce. A
histria juzo sobre culpa, a culpa do povo, (ainda) no do indivduo. O
castigo pode ser adiado por geraes, mas no suspenso (compare 1 Rs 13
com 2 Rs 23.15ss. ou 1 Rs 21.23 com 2 Rs 9.36).

2. Do Dt a Obra Historiogrfica Dtr adota a concentrao no mandamento


principal e consegue destacar este primeiro e segundo mandamento com diver-
sas formulaes. Cumprir tudo o que o mandamento determina no se resume
em cumprir de forma casustica o mandamento, mas assume, em ltima anlise,
um nico sentido: no servir aos deuses dos povos vizinhos (Js 23.6s.). Assim
a obra movida por uma nica pergunta: at onde Israel correspondeu ao
postulado de exclusividade da f em Jav e da proscrio de imagens. Ambas
as exigncias so vistas como uma unidade (l Rs 14.9; 2 Rs 17.16 e outras).
Atravs dos sculos Israel passa por provaes para verificar se "se apegar"
a Jav (Js 23.8) ou se o rei est "de todo" (1 Rs 11.4 e passim) junto a Jav.
Este julgamento resulta negativo tanto na poca dos juzes (Jz 2.10ss.), como
tambm na poca da monarquia, mesmo que seja diferente em cada uma destas
pocas.
Enquanto que a Obra Historiogrfica Dtr apresenta a poca dos juzes no
fundo como tempo do povo, em que este oscila entre Jav e Baal (Jz 2.lOss.),
na poca seguinte enfoca exclusivamente um nico indivduo: poder e respon-
sabilidade esto (apesar das restries impostas pela lei sobre o rei em Dt
17.14-20) somente com o rei; a ele comunicada a sentena que em si valeria
para toda a sua gerao.
Logo se perde, no entanto, a chance que a monarquia tem; ascenso
sbita sob Davi segue um descenso gradativo, no havendo um sobe-desce
cclico como na poca dos juzes. A sentena sobre Salomo j diz: seu corao
no estava de todo junto a Deus (l Rs 11.4; cf. 8.58,61). Isto vale muito mais
para quase todos os seus sucessores. A a avaliao de Davi, que falta na
prpria narrativa de Davi, recuperada indiretamente, servindo a conduta dele
como critrio:
"Seu corao no estava integralmente com Jav, seu Deus, corno o corao de

139
Davi, seu pai. (...) Pois Davi fez o que era reto perante Jav, e no se desviou de tudo
quanto lhe ordenara em todos os dias da sua vida, com exceo do caso de Urias, o
heteu." (l Rs 15.3,5; cf. 9.4; 11.34.39; 14.8 e outras.)
Alm de Davi, vrios reis - judatas - so elogiados: de forma condi-
cional, p. ex., Asa (l Rs 15.11,14); de forma incondicional, Ezequias (2 Rs
l8.3ss.) e sobretudo Josias:
"Antes dele no houve rei que lhe fosse semelhante, que se convertesse ao
Senhor de todo o seu corao, e de toda a sua alma, e de todas as suas foras, segundo
toda a lei de Moiss; e depois dele nunca se levantou outro igual." (2 Rs 23.25; cf. 22.2.)
A atitude do rei para com Deus, mais precisamente para com a lei mosaica
contida no Dt, decisiva para a prosperidade ou o infortnio da poca. Este
critrio fatalmente tem que levar condenao da monarquia do Reino do
Norte; pois a separao poltica do Reino do Sul implicou o afastamento do
santurio exclusivo, escolhido por Jav, que se localizava em Jerusalm. Em-
bora tambm o Reino do Norte pudesse ter experimentado a salvao se tivesse
obedecido tal qual Davi aos mandamentos (l Rs 11.38s.), na realidade j o
primeiro rei Jeroboo se desviou do caminho correto ao empenhar-se em atingir
a autonomia cltica, condicionando, assim, a trajetria errada das pocas poste-
riores (compare 1 Rs 14.7ss.; 2 Rs 17.21ss. com 1 Rs 12.26ss.). Com a
instituio de um culto prprio, que seria mantido durante toda a histria deste
Estado e seria considerado o "pecado de Jeroboo" (l Rs 14.16 e passim; 2 Rs
17.21), parece que a queda j estava sacramentada. Mesmo assim tambm o
julgamento dos monarcas de Israel pode realizar-se de forma diferenciada (cf.
2 Rs 17.2).
No todo, portanto, os critrios da Obra Historiogrfica Dtr so bastante
unilaterais. No se fala em transgresses ticas ou polticas, da injustia social
que os profetas criticam; por via de regra se mencionam apenas transgresses
clticas - apostasia e adorao de deuses estranhos, transgresso do primeiro
e segundo mandamento, violao da unidade e pureza cltica. Todavia, a obra
pode ser comparada mensagem proftica ao limitar-se mais a indicar desvios
do que a exortar conduta correta. At "a adorao de Deus vista menos na
perspectiva do desenvolvimento de suas diversas possibilidades, mas antes a
partir dos diversos desvios possveis e de fato ocorridos no transcurso da
histria"; pouco interesse a obra mostra no desenrolar do culto em si (M. Noth,
berlieferungsgeschicht1iche Studien, pp. 103ss.). Independentemente do fato
de que esta verso possa ser simplista ou at injusta, no deixa de expressar a
concluso de que a salvao ou a desgraa se decidem na histria atravs da
fidelidade ou infidelidade prpria f, que exige exclusividade.

3. A reduo da denncia a transgresses religioso-clticas em contra-


posio proclamao proftica chama ainda mais a ateno porque a Obra

140
Historiogrfica Dtr reserva amplo espao, pelo menos na sua verso [mal, a
narrativas de profetas. Ela at atribui aos profetas grande destaque na interpre-
tao do transcurso da histria. A palavra de Deus, que, segundo a mensagem
proftica, se concretiza aqui e acol na histria (Is 9.7), toma-se agora agente
da histria global, de forma similar como acontece no Escrito Sacerdotal, que
mais ou menos da mesma poca, de acordo com o qual a palavra de Deus
cria o mundo no princpio (Gn 1) e configura o tempo subseqente (v. acima
Sb,5). A exposio dtr esboada a partir da palavra de Deus enunciada na
histria como promessa e como ameaa (1 Rs l1.29ss.; 14.7ss. e outras) e
dotada do poder de modificar o futuro (cf. as mltiplas referncias a cumpri-
mentode prenncios, comoJs 21.43ss.;23.14; tambm 1Rs 15.29; 16.12e outras).
Enquanto as narrativas sobre profetas relatam que profetas como Elias
anunciam a alguns reis especficos a morte (1 Rs 21; 2 Rs 1), a Obra Dtr
generaliza esta profecia - sem dvida devido influncia do profetismo
literrio - e considera o ocaso do Reino do Norte (2 Rs 17.23), como tambm
o do Reino do Sul, concretizao do anncio proftico de juzo: destruir Jud
"segundo a palavra que Jav falara pelos profetas, seus servos" (2 Rs 24.2,
depois de 20.12ss.; 21.lOss.; 22.16s.; 23.27).
Mesmo assim, os grandes profetas do juzo, como Ams, Osias ou Jeremias,
estranhamente no so mencionados nominalmente (quanto a Isaas cf. 2 Rs 19s.).
Os "profetas, servos" de Jav, como muitas vezes so chamados de
forma estereotipada na literatura dtr (17.23; 21.10 e outras), por um lado,
ameaam com o juzo, por outro lado, assumem, segundo 2 Rs 17.13, a funo
de alertar o povo, convocando-o penitncia: "convertei-vos!" e exortando-o
obedincia diante da lei (deuteronrnica). Ambas as acepes de profetismo
se tomam possveis porque a Obra Historiogrfica Dtr se coloca diante dos
profetas numa situao completamente diferente da dos seus ouvintes. Os
anncios profticos de juzo se concretizaram e com isto confirmaram a auten-
ticidade da pregao proftica. Assim a pregao proftica assume - tanto no
seu prenncio (agora concretizado) do futuro, como tambm na sua exigncia
(no ouvida) de converso - a funo de apontar a culpa: no h desculpa para
o procedimento do povo, pois foi alertado previamente. Com isto, no entanto,
no ocorre um deslocamento do acento? No estamos a at diante de uma
acepo de profetismo diferente daquela que aparece na autocompreenso dos
assim chamados profetas literrios, que prenunciam o juzo baseados na certeza
da desgraa vindoura e o fundamentam nas suas denncias? Embora a mensa-
gem proftica e tambm a Obra Dtr visem apontar a culpa do povo - queriam
os profetas somente alertar para um possvel juzo?

4. O tema do Deuteronornista era, segundo M. Noth (berlieferungsge-


schichtliche Studien, pp. 107s.), "a histria passada e -
para ele - concluda

141
de seu povo". A questo "se afmal o sentido da histria que reproduzia no
estaria no futuro, em coisas que ainda deveriam brotar dos destroos do passa-
do" ele deixou sem resposta; nem mesmo chegou a articular esta pergunta.
Assim o Deuteronomista "viu evidentemente algo definitivo e conclusivo no
juzo divino que acontecia por ocasio da runa externa do povo de Israel
relatada por ele, e no expressou esperana referente ao futuro nem ao menos
na sua forma mais modesta e singela: a expectativa de que os deportados
dispersos fossem reunidos no futuro".
Embora a Obra Dtr de fato ameace vrias vezes com deportao no caso
de desobedincia (Js 23.13ss.; 1 Rs 9.7ss.; 2 Rs 17.18,23; 21.14s. e outras),
raramente se encontram a expectativas projetadas para alm do juzo. (Esta
falta sentida sobretudo em 2 Rs 17; 25). De forma similar ao Escrito Sacer-
dotal, que mais ou menos da mesma poca, a Obra Dtr no contm nenhuma
afirmao expressa sobre um futuro de salvao; tambm neste sentido ela no
retoma a proclamao proftica.
G. von Rad defendeu a opinio de que para a Obra Historiogrfica Dtr "a
imagem do ungido perfeito estava constantemente presente", desde a poca de Davi.
No s as ameaas profticas, mas tambm a "promessa de salvao contida na
profecia de Nat" afmal "atravessou a histria, atuando eficazmente". Assim, atravs
da observao [mal sobre a anistia de Joaquim (2 Rs 25.27ss.), a Obra Dtr apontaria
para uma possibilidade de que Deus ainda disporia (Theologie des AT L 4. 00., pp.
357.355). Todavia, este relato conclusivo no lembra a profecia de Nat e dificilmente
tem a inteno de sugerir um futuro messinico. Salvao ou juzo contidos no futuro
permanecem em suspenso com este [mal em aberto? Ainda valem a oferta e a exortao
de andar diante de Deus "fielmente de todo corao" (1 Sm 12.24,14s.; 1 Rs 2.4; 9.4
e outras)?
Segundo H. W. Wolff, a Obra Historiogrfica Dtr contm mltiplos enun-
ciados ocultos e indiretos referentes ao futuro; pois o tema da converso (shub)
ressoa em quase todas as passagens significativas (Jz 2.6ss.; 2 Rs 23.25 e
outras). 2 Rs 17.13 resume expressamente a mensagem de todos os profetas na
exortao: "Convertei-vos de vossos maus caminhos!" Contudo, a reao ao
chamado penitncia a de que "no deram ouvidos; antes endureceram a sua
cerviz como seus pais, que no creram em Jav seu Deus" (17.14ss.,19; 21.9).
O oferecimento de converso se refere - de novo comparvel, portanto,
percepo proftica (Is 9.12; 30.15 e outras) - a uma situao passada e
desperdiada.
S a orao de Salomo por ocasio da consagrao do templo - ainda
que nas suas complementaes posteriores (1 Rs 8.46ss.) - relembra expres-
samente que Israel poderia converter-se mesmo depois do juzo, no exlio, e
reconhecer sua culpa, fazendo com que Jav atendesse a orao, perdoasse o
pecado (v. 50) e no condenasse o seu povo:

142
"Jav nosso Deus esteja conosco, assim como esteve com nossos pas; no nos
abandone, e no nos rejeite; a fim de que a si incline os nossos coraes para andarmos
em todos os seus caminhos, e guardarmos os seus mandamentos, e os seus estatutos, e
as suas normas, que ordenou a nossos pas." (I Rs 8.57s.; cf. Lm 5.21s.; Lv 26.44.)
Esta esperana inclui o reconhecimento de Jav por parte de todos os povos (I
Rs 8.6O,41ss.).
Com maior confiana a moldura posterior do Deuteronmio percebe um
tempo salvfico depois e durante a poca da disperso, e at espera a reunifica-
o da dispora e o retomo de Israel terra (01 4.29-31; 30.1ss.). Assim, apenas
nas passagens complementares Obra Historiogrfica Dtr., cujas afirmativas
elas ampliam, aparece uma previso de um futuro que ultrapassa o juzo
experimentado, indicando desta forma uma nova meta da histria. A Obra
Historiogrfica em si, ao que parece, contenta-se com a reviso do passado,
com a confisso da culpa de Israel e a justificao de Deus.

c) Do livro de Josu aos livros dos Reis

1. O livro de Josu

O livro de Josu pressupe a instalao de Josu no cargo antes da morte


de Moiss (Dt 31.2ss.; cf. 3.21ss.; Nm 27.15ss.) e conduz da confmnao desta
tarefa Os 1) at a morte de Josu Os 24). Objetivamente descreve a tomada da
terra de Israel em duas etapas principais: conquista (caps. 2-12) e distribuio
da terra (13ss.).
I. Js 1 Discurso introdutrio (dtr)
Misso de Josu: atravessar, firme na f, o Jordo e incumbir as
tribos da 'Iransjordnia (Rben, Gade, meia tribo de Manasss) de
participarem na conquista da Cisjordnia (cf. 22.1-6).
n. Js 2-12 Conquista da Cisjordnia
2-9 Compilao das sagas etiolgicas que j tinham sido independentes,
vm do territrio tribal de Benjamim e talvez tenham sido transmitidas
no santurio de Gilgal junto a Jeric (M. Noth e outros):
2; 6 Jeric (prostituta Raabe)
3-4 Gilgal junto passagem do Jordo (doze pedras)
5 Circunciso, Pscoa, apario do "prncipe do exrcito de Jav"
7-8 Ai (furto de Ac)
8.30ss. Construo do altar e recitao da lei em Siqum; cf.
Dt 27; 11.28s.
9 Gibeom, aliana com quatro cidades
10-11 Dois relatos de guerra, que conduzem, depois da conquista da
Palestina Central, representada exemplarmente em 2-9, para o sul
judata (lO) e o norte galileu (11):

143
10 Batalha de Gibeom contra uma coalizo de cidades sob o
comando de Adoni-Zedeque de Jerusalm; cf. Jz 1.5ss.
"Sol, detm-te!" (vv. 12s.)
li Batalha na gua de Merom contra Hazor; cf. Jz 4.2
11.16ss.; 12 Resumo. Lista dos reis vencidos
ru. Js 13-22 Distribuio da Transjordnia (13.7ss.; cf. 22; Nm 32; Dt 3) e da
Cisjordnia (14-19; cf. Nm 34).
13-19 Delimitao do territrio tribal com descrio dos limites e relaes
de localidades (l5.21ss. e outras)
As duas tradies recebem dataes diversas.
20-21 Discriminao das cidades de asilo (20) e dos levitas (21);
cf. Dt 4.41ss.; 19; Nm 35
22 Retomo das tribos da Transjordnia (vv. 1-6; cf. U2ss.) e construo
de um altar para elas junto ao Jordo (vv. 9ss.)
IV. Js 23 (22.1-6) Discurso de despedida (dtr) de Josu
V. Js 24 Adendo: assim chamada assemblia de Siqum. Profisso de f em
Jav por parte das tribos (cf. acima 2b).
"Eu e a minha casa serviremos a Jav." (V. 15.)
Comprometimento com o direito (vv. 25ss.). Morte e enterro de Josu.
Os discursos Js 1 e 23 (com 22.1-6) formam a moldura interpretativa do
livro de Josu; outras passagens mais ou menos deuteronomsticas so, p. ex.,
8.30-35; 12; 14.6-15 (cf. Dt 1.22ss.) e tambm 24.
Visto que as falas de Josu nos caps. 23 e 24 correm por um tempo em paralelo,
portanto dificilmente estiveram originalmente lado a lado, e visto que o capo 24, que
relata no apenas palavras mas tambm aes, foi no mnimo trabalhado redacionalmen-
te de modo deuteronomstico, devemos contar no livro de Josu em todo caso com duas
redaes deuteronomsticas.
Alm disto encontramos alguns versculos sacerdotais ou, antes, versculos afina-
dos em linguagem e inteno com o Escrito Sacerdotal - que conclui com a morte de
Moiss; cf. sobretudo o relato da Pscoa em Js 5.10-12, a meno dos sacerdotes e da
arca da lei em 4.15ss.; 14.1s.; 18.1; 19.51; 2Us.; tambm 9.15ss. e outras.
At a parte narrativa principal (caps. 2ss.) parece que no uniforme literariamen-
te. A atribuio de um trecho do livro de Josu a uma das camadas de fontes mais
antigas do Pentateuco (cf., p. ex., a coincidncia da frmula de Js 5.15 com x 3.5 J)
ao contrrio no pode ser comprovada com certeza.
As sagas locais (caps. 2-9) que explicam determinadas situaes ( 5b) e
as narrativas blicas (caps. lOs.) que anunciam ou antecipam os acontecimentos
do tempo dos juzes decerto s foram interligadas posteriormente entre si,
transformando-se Josu no comandante do exrcito e elo de ligao das dife-
rentes tradies, agora relacionadas com o pan-israelismo.
O prprio Josu, que oriundo do mbito efraimita (cf. Js 24.30; Nm 13.8),
eventualmente pode ter atuado de maneira similar aos heris carismticos do tempo dos

144
juzes na Palestina Central (cf. Js 10), embora dificilmente desempenhasse um papel to
proeminente como o livro de Josu lhe atribui (Jz 1.22ss. nada sabe dele).
Todavia seu nome - em que pela primeira vez se comprova com segurana o
nome de Deus ("Jav ajuda") - parece confirmar que ao mesmo tempo Josu se
empenhava de forma extraordinria pelo culto a Jav (cf. Js 24). Fundamentam-se nisso
o ensejo e a validade da tradio que considera Josu servidor e sucessor de Moiss (x
33.11; Nm 11.28; 27.15ss.; Dt 31.14.23; 34.9; Js I)?
OS diversos acontecimentos e diferentes tradies so interpretados no
livro de Josu como sendo um complexo nico (cf. 10.42), em conformidade
com a vontade de Jav. A tomada da terra se realiza a seu mando (1.2ss.) e
ocasionalmente por meio de sua interveno milagrosa 00.12s.; cf. Jz 5.20s.).
Assim, em ltima anlise, o prprio Jav concede a terra (Js 1.11,15; 9.24;
24.13). Na segunda e extensa parte principal do livro de Josu se destaca este
direito de posse de Jav procedendo-se distribuio da terra por sorteio
08.8ss.; 14.2 e passim), isto , segundo a deciso de Jav (cf. 7.14ss.; 1 Sm
1O.20ss.); deste modo o direito de escolha e a auto-suficinciado povo se rompem.
Alm disto a tomada da terra representa o cumprimento da promessa que
j havia sido dada aos pais e tinha sido reforada por ocasio da vocao de
Moiss (x 3.8,17 RDtr): "Nenhuma promessa falhou de todas as boas palavras
(...); tudo se cumpriu." (Js 21.43-45). J que a posse de terra no uma
condio natural, no automtica. Seguindo o raciocnio do profetismo, pode-
se afirmar que Deus pode retirar suas boas ddivas de Israel quando este se
mostrar desobediente (23.13ss.).

2. O livro de Juzes

Depois da conquista da terra comea, com a poca dos juzes, uma poca
fundamentalmente diferente para a Obra Historiogrfica Dtr, condicionada pela
mudana de comportamento de Israel. Durante a vida de Josu o povo se
mantinha fiel a Jav (Js 24.31; Jz 2.7), mas agora comete apostasia. Passando
a adorar deuses estranhos, os Baalins, Israel enfrenta dificuldades que os juzes
podem reverter - embora apenas o consigam temporariamente, at que Israel
de novo se mostra desobediente (2.11ss.; cf. 3.7ss.; 4.1ss.; 6.1,6 e outras).
I. Jz 1 Introduo (possivelmente anteposta posteriormente)
Relato ou breves informaes distintas sobre a conquista da terra.
Esta conquista descrita - ao contrrio da orientao pan-israelita
do livro de Josu - como empreendimento de distintas tribos,
sem a liderana de Josu (o que historicamente mais provvel).
Assim chamada relao negativa de posse (vv. 19,2l,27ss.; cf. Js
15.63; 16.10; 17.11ss.)
2.1-5 Subida do anjo de Jav (cf. x 23.20; 33.2) de Gilgal para
Boquim

145
11. Jz 2-16 Parte principal
2.6-3.6 Observaes introdutrias, de cunho histrico-teolgico (dtr) sobre
a relao com Deus de todo o Israel - com diversos adendos no
[mal, em contraposio s narrativas de heris tribais individuais
(3.7-16.31)
3.7-11 Otniel (cf. 1.13; Js 15.17)
3.12-30 Ede de Benjamim contra Eglom de Moabe para libertar
Jeric
3.31 Sangar (cf. 5.6 contra os filisteus
4-5 Assim chamada batalha de Dbora na plancie de Jezreel (Tabor)
contra as cidades cananias. Dbora de Efraim e Baraque de
Naftali contra Ssera (Jabim de Hazor).
Assassinato de Ssera pela quenita Jael
5 Cntico de Dbora. Vitria graas teofania de Jav a
partir do Sinai (vv. 4s.; cf. Dt 33.2) com a ajuda de Israel
(v. 14). Participao de tribos do centro e do norte da
Palestina. Elogio dos participantes, censura dos ausentes.
6-8 Gideo (Jerubaal) de Ofra em Manasss contra os midianitas
(primeiros nmades que se utilizavam de camelos); cf. Is 9.3
. 6.1lss. Frmula de vocao (como x 3.10ss. E; 1 Sm 9s.; Jr 1)
com uma etiologia de santurio
8.22s. Recusa de aceitar a dignidade real (cf. 1 Sm 8; 12). Em
contrapartida:
9 Abirneleque, filho de Gideo, rei da cidade de Siqum
(antes que se formassem os dois reinos)
9.7-15 Fbula de Joto (abordagem crtica da monarquia)
10-12 Jeft de Gileade contra os amonitas.
Simultaneamente heri tribal e juiz (12.7).
10.1-5;
12.8-15 Relao dos assim chamados juzes menores
13-16 Sanso de D contra os filisteus, Sagas de heris populares
m. Jz 17-21 Dois adendos (?)
Reportam-se situao vigente antes da monarquia (17.6; 19.1;21.25)
17-18 Idolatria de Miquias. Justificativa do santurio da tribo de D.
Sua migrao para o norte.
19-21 Crime abominvel de Gibe
Guerra pan-israelita (originalmente apenas de Efraim?) contra
Benjamim. Confronto entre tribos de Israel tambm em l2.1ss.
A interpretao dtr da histria se expressa num primeiro momento na
introduo de Jz 2.6ss., que corresponde ao discurso [mal de 1 Sm 2, ocasio-
nalmente se manifesta em passagens mais extensas (Jz 10.6-16), inclusive na
forma de palavra proftica (6.7-10), por fim em diversas observaes isoladas
(8.33ss. e outras). Parece que a esta exposio histrica precederam sobretudo
duas tradies diferentes provenientes dos primrdios de Israel, entre a tomada
da terra e a formao dos reinos:

146
a) Como o livro de Josu incorporou uma coleo mais antiga, preexis-
tente de sagas (Js 2-9.lOs.), o livro de Juzes contm uma coleo de narrativas
sobre heris tribais, vocacionados de forma carismtica. Surgiam como salva-
dores na emergncia ou "ajudantes" (como aconteceu no quadro referencial
tardio de Jz 3.9,15; cf. I Sm 11.3), em momentos em que uma tribo se via
ameaada por inimigos externos, cabendo-lhes convocar as tribos diretamente
atingidas e as tribos vizinhas para que se alistassem no exrcito. Estes assim
chamados juzes maiores, despertados pelo Esprito de Jav (6.34 e outras)
tiveram uma atuao limitada tanto no tempo como tambm no espao: condu-
ziam determinadas tribos em uma operao militar especfica e retornavam para
casa depois da campanha libertadora como que destitudos de sua funo.
W. Richter definiu aquela coleo de sagas de forma mais precisa como "livro
de salvadores" que se estenderia de Jz 3 (vv. l2s.) at 9, tendo surgido no norte de
Israel no sculo IX.
b) H uma relao onde constam nomes, origem, tempo de atuao e
lugar de sepultamento dos assim chamados juzes menores (Jz 10.1-5; 12.7-15),
que "julgavam a Israel". Exerciam individualmente sua funo - ao contrrio
do que previa Dt 16.18 - e parecem ter tido - ao contrrio daqueles heris
tribais - uma influncia maior que abarcava as tribos vizinhas. Suas funes
dificilmente tinham a ver com poltica externa ou operaes militares, antes
atuavam de forma pacfica, internamente. Eram magistrados, arbitravam (cf. 1
Sm 7.15s.; 2 Sm 15.4,6) ou at pronunciavam sentenas? At onde se estendia
sua jurisdio, s sobre o que mais tarde seria o Reino do Norte ou tambm
inclua o Sul? J se discute at mesmo se a relao de fato transmite recorda-
es de tempos pr-estatais ou apenas projeta sobre o passado circunstncias
(pan-israelitas) da poca da monarquia.
Ambos os grupos se sobrepem na figura de Jeft, que tem uma atuao
tanto de "juiz" (menor) (Jz 12.7) como tambm de lder carismtico (cf.
tambm Dbora, Jz 4.4s.).
Provavelmente inspirada nesta tradio, a Obra Historiogrfica Dtr justape am-
bos os fenmenos. Talvezos heris tribais tenham se transformado em "juzes" (maio-
res) apenas pela sua identiftcao com os "juzes" (menores) - como afirma M. Noth.
Num primeiro momento o acontecimento de que falam as sagas de heris
singular e particular, mas no decorrer da histria traditiva amplia sua signifi-
cao. Em analogia com o processo por que passam as sagas e lendas de
santurio da poca patriarcal, tambm as narrativas tribais da poca dos juzes
so relacionadas com todo o Israel e com isto tornam-se de fato, ou pelo menos
em medida crescente, testemunho da f em Jav. A iniciativa humana recua
para segundo plano, para que Israel no se vanglorie: "Ajudei-me a mim
mesmo." (7.2.) Esta interpretao teolgica (mais tardia) culmina na recusa da

147
dignidade real por parte de Gideo: "Nem eu nem meu filho, mas Jav
dominar sobre vs!" (8.22s.; cf. quanto histria traditiva W. Beyerlin).
Alm disto a Obra Historiogrfica Dtr insere as tradies no seu quadro
referencial global e configura o que, segundo a tradio, acontecia uma vez aqui
outra vez acol como um acontecimento tpico, que se repete de forma quase
que constante: apostasia de Jav - assdio dos inimigos - apelo de socorro,
dirigido a Jav - salvao - nova apostasia. Por isto se perguntou de forma
crtica "se neste programa histrico-teolgico do livro de Juzes Israel no
pagou um perigoso tributo ao pensamento circular vtero-oriental" (G. von
Rad, Theologie des AT I, 4.00., p. 343). Certamente o livro de Juzes descreve
a repetio por vrias vezes da mesma situao ou de outra que lhe similar.
Todavia, falando em imagens, o que parece constituir um crculo antes uma
espiral dirigida em determinado sentido. A sucesso dos acontecimentos tem-
ao lado do movimento circular - um movimento progressivo: a poca dos
juzes de antemo flui em direo poca da monarquia.

3. Os livros de Samuel

Ao contrrio do que o nome sugere, no centro dos livros de Samuel no


est a figura de Samuel (l Sm 1-3; 7-16; 28). Enfocam-se, depois de uma breve
introduo, o destino dos dois primeiros reis, Saul (l Sm 9-31) e Davi (l Sm
16-2 Sm 24; 1 Rs ls.). Primeiro as relaes entre Saul e Davi (1 Sm 16-2 Sm
1) e depois a relao de Davi com seus filhos (2 Sm 13-19) ocupam amplo
espao. Por isto, julgando a questo a partir da temtica, a Septuaginta e a
Vulgata - a traduo grega e latina - tm mais razo quando denominam os
livros de Samuel como o primeiro e o segundo livro dos Reis e, por conseguin-
te, os dois livros dos Reis subseqentes como terceiro e quarto.
Em vista das unidades literrias, os livros de Samuel se estruturam antes assim:
I. 1 Sm 1-15 Samuel e Saul
1-3 Histria da infncia de Samuel (em Silo)
Eli e seus filhos
2 Cntico de louvor de Ana
"Jav o que tira a vida, e a d." (Vv. 6s.)
4-6 Narrativa da arca
e 2 Sm 6 Do templo em Silo, aprisionamento pelos ftlisteus (deus Dagom)
e retorno a Israel (Quiriat-Yearim) at a colocao em Jerusalm
7-12 Surgimento da monarquia
Costumam se distinguir (segundo 1. Wellhausen) duas verses:
a) uma mais antiga, simpatizante com a monarquia: 1 Sm 9-10.16; 11
b) uma mais recente (predominantemente dtr), com uma atitude
crtica em relao monarquia: 1 Sm 7-8; 10.17-27; 12

148
13-15 Feitos de Saul em guerras contra os filisteus (13s.; Jnatas) e Ama-
leque (15; cf. x 17). Conflito entre a monarquia e a tradio (da
guerra de Jav): mediante antema, todo o despojo ofertado a Jav
Rejeio de Saul por Samuel: "A obedincia melhor do que o
sacrifcio." (15.22.)

11. 1 Sm 16- Histria da ascenso de Davi


2 Sm 5(7-8) 16 Uno de Davi (cf. 1 Sm 9s.; uno de Saul)
Davi como msico na corte de Saul
17 Luta com Golias (cf. 2 Sm 21.19)
18ss. Cime de Saul (cntico: 18.7; 21.12)
Amizade de Jnatas
2lss. Davi como guerrilheiro e lder de mercenrios (22.2; 27.18.).
Recebe como feudo Ziclague (27.6s.).
28 Saul com a assim chamada "feiticeira" de En-Dor
31 Morte de Saul e de seus filhos na batalha contra os filis-
teus (junto ao monte Gilboa)
1 Lamento de Davi pela morte de Saul e Jnatas
2-4 Davi eIs-Baal
2 Davi ungido como rei sobre Jud em Hebrom, base de
um tratado
5 Davi ungido como rei sobre Israel
Conquista de Jerusalm. Vitria sobre os filisteus
6 'Iranslado da arca (continuao da narrativa da arca de 1
Sm 4-6)
7 Profecia de Nat: reinado da casa (dinastia) de Davi "para
sempre". Jav rejeita a construo de um templo.
O material textual mais antigo deve procurar-se nas pro-
messas incondicionais da continuidade da dinastia de Davi
(vv, llb,16) ou pelo menos nas promessas de um sucessor
(vv. 12,14a).
Ecos: 2 Sm 23.5; SI 89; 132; Is 55.3
8 Sujeio dos povos vizinhos. Altos funcionrios de Davi
(8.16-18; 20.23-26; cf. 1 Rs 4)
Ill. 2 Sm (6)9-20; Histria da sucesso ao trono de Davi
2 Rs ls. 10-12 Guerra contra os amonitas (cf. 1 Sm 11)
11 Bate-Seba. Nascimento de Salomo
12 Parbola de Nat sobre o homem rico e o homem pobre
(narrativa de um caso judicial como o cntico da vinha Is
5.1-7)
"Tu s o homem." (V. 7.) "Pequei contra Jav." (V. 13;
cf. SI 51.)
13ss. Os filhos de Davi, Amnom e Absalo
15-19 Levante de Absalo
20 Levante de Seba

149
"No temos parte com Davi." (V. 1; 1 Rs 12.16)
IV. 2 Sm 21-24 Adendos: (?, insero na histria da sucesso ao trono)
22 = SI 18
23 "ltimas palavras" de Davi (espelho de regentes)
Heris de Davi (23.8ss.; 21.15ss.)
24 Etiologia do local do templo de Jerusalm?
Recenseamento. Gade, "vidente de Davi". Escolha do
castigo. Construo do altar na eira de Arana, Reinterpre-
tou-se de forma profana (como eira) um local de culto j
utilizado pelos antigos habitantes?

Desconsiderando-se narrativas isoladas (como Jz 9; 2 Rs 9s.), os dois


livros de Samuel contm as primeiras obras mais extensas da historiografia
israelita. Ao que parece a historiografia surgiu depois da criao da monarquia
e decerto tambm em funo desta nova instituio, que anteriormente era
estranha a Israel; pois o Estado necessitava, para sua administrao, de funcio-
nrios que soubessem escrever (cf. 3c,1). Correspondentemente a historiogra-
fia se voltou em primeiro lugar para a histria contempornea, para, no entanto,
retomar logo em seguida ampla e extensamente o passado de Israel, na obra do
Javista.
Ser que podemos at rastear o desenvolvimento da historiografia israeli-
ta, pelo menos em parte, dentro dos livros de Samuel? Chama a ateno que na
estrutura dos livros de Samuel a liberdade no trato com as diversas tradies
isoladas preexistentes cresce progressivamente. Comeando com as tradies
ainda bastante dispersas de Samuel e Saul, passando pela histria da ascenso
de Davi, estruturada de maneira solta, juntando diversas sagas de heris e
narrativas populares, at a histria bem planejada e direcionada a um objetivo
definido da sucesso ao trono cresce o rigor da composio; o material preexis-
tente est cada vez melhor inserido no contexto e na inteno global de toda a
exposio (R. Rendtorff, p. 40).
Se observarmos na primeira parte as diversas tradies sobre a formao
da monarquia, fica claro quo diferenciadamente visto e avaliado na retros-
pectiva este perodo de transio. A rigor, temos cinco relatos diferentes:
a) 1 Sm 8: O fracasso dos filhos de Samuel como juzes, ou seja, motivos de poltica
interna fazem surgir o desejo de ter um rei "como todos os outros povos".
Inserido neste captulo est o "direito (privilgio) do rei" (vv. 11-17), que cons-
tata, de forma polmica, os privilgios do rei diante dos israelitas livres (recruta-
mento para o exrcito, corvia, desapropriaes, dzimos).
b) 1 Sm 9.1-10.16: Uno de Saul para nagid, "lder" por Sarnuel (cf. a uno de Davi
em I Sm 16).
"Como algumsaiuparaprocurarjumentase encontrou umacoroareal" (H. Gressmann).
c) I Sm 10.20-24: Eleio do rei por sorteio (em Mispa).

150
d) 1 Sm 1O.23b-24: Dentro do episdio anterior se conservou uma tradio mais
primitiva, segundo a qual Saul declarado rei porque sobressai no meio do povo,
por ser mais alto ("dos ombros para cima" = altura equivalente cabea; cf. 9.2).
e) 1 Sm 11: Ameaa representada pelos amonitas (Jabes em Gileade). Saul atua como
lder carismtico (juiz maior). Saul proclamado rei "perante Jav" em Gilgal (v. 15).
Conforme o acrscimo dos vv. 12-14, que fala de forma harmonizante de "renovar"
a monarquia, Samuel participou da entronizao.
A ltima verso - talvez a mais antiga - v o motivo para o surgimento
da monarquia, com razo, em conflitos blicos (cf. tambm 1 Sm 8.20; 10.1).
A ameaa, porm, dificilmente provinha dos amonitas (ao contrrio do que
afIrma 1 Sm 11), mas muito provavelmente dos filisteus (cf. 9.16; 13s.; 28s.;
31), cujo acossamento constante exigia uma reao duradoura - tomando
necessrio, por conseguinte, o surgimento de uma monarquia, em substituio
liderana de juzes carismticos, cuja atuao se restringia a uma situao
emergencial. A motivao imediata, portanto, parece no ter sido registrada
literariamente.
Uma questo histrica especial at que ponto Samuel, originalmente decerto um
assim chamado juiz menor O Sm 7,15s.), participou destas importantes inovaes. Na
retrospectiva sua importncia neste processo aumenta gradativamente (uno de Saul em
10.1; convocao do povo em 10.17; adendos em 11.7,12-14; cf. 13d).
Mesmo que o acontecido se reflita de forma mu1tifacetada nos diversos
relatos, estes tm intenes teolgicas afms. O que sugerido em 1 Sm 11.15
com a observao "perante Jav", desenvolvido, tanto pelo ato simblico da
uno quanto pelo sorteio: apesar de toda reserva crtica, a escolha do novo
ocupante do cargo corresponde, em ltima anlise, vontade de Deus, a quem
o "eleito" (10.24), por sua vez, se vincula e deve continuar vinculado.
Os captulos deuteronornstcos de moldura, 1 Sm 8 e 12, que compreendem as
tradies mais antigas e as interpretam, julgam a monarquia na retrospectiva de maneira
bastante ctica, podendo at contrapor o senhorio de Deus autoridade do rei (8.7;
12.12; cf. Jz 8.23). Deus mesmo reclama proporcionar a verdadeira ajuda na necessidade
(cf. 1 Sm 1O.18s.).
As tradies surpreendentemente amplas da poca davdica - 1 Sm 16-2
Rs 2 - costumam-se subdividir em duas unidades maiores: a narrativa da
ascenso (1 Sm 16-2 Sm 5) e a da sucesso ao trono (2 Sm 9-20; 1 Rs 1s.).
Segundo a anlise fundamental de L. Rost (926), o objetivo da histria da
sucesso ao trono responder, atravs da apresentao da intrincada histria dos filhos
de Davi, a questo: quem deve assentar-se no trono de Davi O Rs 1.27)? Salomo!
Todavia, a extenso das duas narrativas no definida de modo uniforme.
Discute-se em especial a paternidade literria dos captulos de transio (2 Sm
5 ou 6-8), que se reportam primeira narrativa e preparam a segunda, entrela-
ando desta maneira a ambas. Nesta passagem intermediria, alm disto, est

151
inserida a ltima parte da narrativa da arca que originalmente era independente
(1 Sm 4-6; 2 Sm 6). Em razo desta juno hbil das fontes - anterior Obra
Historiogrfica Dtr? - uma grande parte dos livros de Samuel desenvolve a
narrativa de forma mais ou menos coerente, adotando um amplo arco temtico
que abrange os vrios episdios isolados, de forma a dar a impresso de ser
mais compacta do que os livros dos Reis com sua constante mudana de
pessoas e ao.
J que as narrativas revelam conhecimentos precisos sobre o que se passa
na corte de Davi, conservaram certamente - ao lado de falas ou at episdios
possivelmente criados livremente? - abundantes lembranas historicamente
confiveis. Mas continuam incertas a datao de determinadas tradies isola-
das, a poca da fixao por escrito do todo (ainda no tempo de Salomo ou s
depois da assim chamada diviso do reino em 926 a.c. ?), a parcela proveniente
da redao posterior e principalmente a inteno da exposio. Quanto mais
complexo for um relato histrico, tanto mais difcil , por natureza, reconhecer
de forma inequvoca sua tendncia. A narrativa da ascenso pr-davdica, a
histria da sucesso ao trono, anti-salomnica, at crtica monarquia heredit-
ria (E. Wrthwein)?
Critica-se o princpio dinstico porque a investidura de Salomo aconteceu sem a
participao dos israelitas livres (cf. 2 Sm 2.4; 5.3; 1 Rs 12.20)? Pode ser que bastante
cedo j tenha havido oposio monarquia (l Sm 10.27; 11.12s.; tambm 2 Sm 15.3s.;
Jz 9.7ss. e outras).
No geral evidencia-se bem a ambigidade da histria. A narrativa chama
a ateno por seu carter "profano". Nela foram introduzidas luzes teolgicas
s de forma reticente, quase que velada: introduo (provavelmente) original
da narrativa de ascenso, que relata como o jovem Davi veio de Belm corte
de Saul como msico (l Sm 16.14ss.), se antepe a narrativa decerto mais
recente da escolha de Davi como rei mediante uno (16.1-13). A vinculao
interna destas duas narrativas, que em termos histricos dificilmente se conse-
guem harmonizar, se d atravs da idia da transferncia do carisma: o Esprito
de Jav passa de Saul para Davi; um esprito mau, igualmente enviado por Jav,
assalta Saul (vv. 14s.). A inteno da histria da ascenso reside na constatao
de que Jav estava "com" Davi (1 Sm 17.37; 18.12,14,28), com a qual
principia (16.18) e decerto tambm finaliza: "Ia Davi crescendo em poder cada
vez mais; porque Jav Deus Zebaote estava com ele." (2 Srn 5.10; cf. tambm
7.3,8s.; 1 Sm 10.7.) Ao que parece explicava-se o sucesso de Israel na poca
davdico-salomnica pelo fato de Jav "estar junto", reconhecendo-se, portan-
to, no transcurso "natural" dos acontecimentos a atuao (indireta) de Deus e
no se atribuindo simplesmente o sucesso competncia humana. Ser que o
Javista, que era mais ou menos contemporneo, adotou esta viso para interpre-
tar as sagas patriarcais (Gn 26.3; 28.15 e outras)?

152
De fato, os livros de Samuel confessam a indignidade e a impotncia do ser
humano e destacam a ajuda de Deus (l Sm 9.21; 14.6; 15.17; 16.11; 17.45,47; 2 Sm 7.18).
controvertido se os juzos teolgicos emitidos na histria da sucesso ao
trono remontam aos primrdios ou se devem ser atribudos a uma viso mais
tardia. Eles entendem o emaranhado de culpa e sofrimento na corte real como
desgnio de Deus: "Jav assim o determinou." (2 Sm 17.14; cf. 11.27b; 12.24b;
14.14 e outras.) De novo se impe uma comparao com a fonte mais antiga
do Pentateuco. Quando a histria da sucesso ao trono mostra tanto os altos
quanto os baixos, tanto as potencialidades quanto as fraquezas dos seres huma-
nos, o leitor lembrado do realismo com que a obra javista v o ser humano
(Gn 4; 8.21).

4. Os livros dos Reis

Os livros dos Reis iniciam com a morte de Davi e a investidura no cargo


de seu sucessor Salomo (l Rs ls.), relatam a histria dos dois reinos e
terminam com a destruio de Jerusalm e o exlio babilnico (2 Rs 25). Este
espao de tempo de aproximadamente quatro sculos como que por si s se
subdivide em trs partes:
I. 1 Rs 1-11 Reinado de Salomo
1-2 Final da histria da sucesso ao trono de Davi. Coroao
de Salomo (contra Adonias)
3.4ss.; 9 Revelaes de Deus
3; 5.9ss. Sabedoria salomnica
4 Altos funcionrios de Salomo (cf. 1 Sm 8.16ss.; 20.23ss.)
e prefeitos sobre os doze distritos de Israel
5-8 Construo do templo e do palcio
10-11 Empreendimentos comerciais (9.26ss.), relaes
internacionais, poltica externa Apostasia de Salomo,
anncio da runa do Reino (11)
11. 1 Rs 12- Histria dos dois reinos separados de Israel e Jud
2 Rs 17 (926-722 a.c.)
12 Assim chamada diviso do reino. Jeroboo (I) e Roboo.
Dois "bezerros" de ouro
17-19; 21; Elias
2 Rs 1 18 Juzo divino no Carmelo "At quando coxeareis de
ambos os lados?" (V. 21.)
19 Teofania junto ao Horebe (cf. x 33.18ss.) Vocao de
Eliseu (vv. 19ss.)
21 Vinha de Nabote
1 Acazias consulta a Baal-Zebube
20 Profeta annimo na guerra contra os arameus

153
22 Micaas, filho de Yiml.
Em contraposio aos profetas da corte o profeta de desgraa com
duas vises
2 Rs 2-9; 13 Eliseu
2 Ascenso de Elias aos cus.
Eliseu recebe dois teros (cf. Dt 21.17) do esprito de
Elias (2.9)
2; 4; 6ss. Milagres
3 Guerra.contra Mesa de Moabe
5 Cura do srio Naam. Uma carga de terra
9s. Assim chamada revoluo de Je (cf. 1 Rs 19.16s.)
11 Atalia de Jud
17 Conquista de Samaria por Sargom (lI)
Recolonizao da terra
m. 2 Rs 18-25 Histria do Reino do Sul, Jud (at 587 ou 561 a.Cc)
18-20 = Is 36-39. Ezequias e Isaas.
Stio de Jerusalm por Senaqueribe (701 a.c.).
22-23 Reforma de Josias (622 a.C).
Cf. j 18.4ss. (Ezequias); 1 Rs 15.11ss. (Asa)
24 Primeira conquista de Jerusalm (597 a.C)
Deportao de Joaquim
25 Segunda conquista de Jerusalm (587 a.C).
Exlio babilnico. Gedalias. Anistia de Joaquim.
(561 a.c.)

Os livros dos Reis contam uma histria de culpa - com juzos teolgicos
fortes, no oferecendo, portanto, uma verso neutra, muito menos completa da
poca monrquica. Eles falam do relacionamento em geral tenso entre profetas
e reis, de trocas de governo pacficas e violentas, de medidas clticas e de
guerras, mas dificilmente se mencionam problemas sociais e de poltica interna,
que, afmal, alcanaram projeo cada vez maior na poca da monarquia.
Desconsiderando o variegado material avulso, a exposio dos livros dos
Reis se embasa em dois tipos de fontes principais, distintos entre si:
a) O primeiro tipo apresenta carter formal, oficial e contm:
1. o assim chamado sincronismo, que vincula o ano de entronizao de
um novo rei com o perodo de reinado do soberano do reino vizinho (l Rs
15.1,25 at 2 Rs 18.1);
2. a indicao do tempo de reinado, freqentemente tambm da cidade
que serve de residncia (l Rs 2.11; 11.42; 14.20s. e passim).
Estes dados permitem que a historiografia moderna estabelea, mesmo que com
grandes dificuldades, uma cronologia relativa, que, vinculada com pontos de referncia
vtero-orientais, tem que ser transformada em uma cronologia absoluta.
A. Jepsen, que prossegue os estudos de J. Begrich e se manifestou vrias vezes

154
(sobretudo em BZAW 88, 1964; VT 18,-1968, pp. 31-46) a respeito da metodologia,
elaborou aqui um quadro cronolgico claro que d uma viso geral da histria vtero-
oriental e, em especial, da histria israelita (cf. o respectivo apndice aos comentrios
de W. Rudolph sobre o livro dos doze profetas ou A. Jepsen et alii, in: Von Sinuhe bis
Nebukadnezar, 2. ed., 1976). Esta tabela tambm adotada nesta obra.
As duas informaes acima, que sempre so fornecidas, so complemen-
tadas, no caso dos reis judatas, por indicaes sobre:
3. a idade do soberano no momento em que assume o trono;
4. o nome da rainha-me (1 Rs 14.21 e outras) que exercia como "senho-
ra" (gebira) certas funes administrativas (cf. 15.13; 2 Rs 10.13; Jr 13.18).
Finalmente encontramos informaes gerais sobre a morte do rei e sobre
a seu sucessor (1 Rs 14.20,31 e outras).
Estes dados oficiais, alm de outros complementares (12.25 e outras),
poderiam ter sido tomados dos anais citados constantemente nos livros dos
Reis: "o livro da Histria de Salomo" (11.41), as "crnicas dos reis de Israel"
(14.19 at 2 Rs 15.26,31), como tambm as "crnicas dos reis de Jud" (1 Rs
14.29 at 2 Rs 24.5). claro que as indicaes de fontes so do redator ou dos
redatores dos livros dos Reis. A ele ou eles se devem atribuir tambm os juzos
sobre a piedade dos reis (1 Rs 14.218s; 15.3,11,26,34 e outras at 2 Rs 14.19;
v. acima 11b,2).
b) Destas informaes mais ou menos estereotipadas se distinguem as
narrativas de profetIls, elaboradas de forma mais solta ( 13bl). Chama a
ateno que estas narrativas ocupam um amplo espao justamente nos livros
dos Reis. Encontramos ali histrias tanto de profetas annimos (1 Rs 13; 20) como de:
Aas de Silo 1 Rs 11.29ss.; 14
Micaas, filho de Yiml 1 Rs 22
Elias 1 Rs 17-19; 21; 2 Rs 1
Eliseu 2 Rs 2-9; 13 (1 Rs 19.19ss.)
Isaas 2 Rs 18-20 (= Is 36-39)
Da mesma forma como as sagas patriarcais do Gnesis, tambm as nar-
rativas de profetas j estavam em parte reunidas em ciclos narrativos, como, p.
ex., o ciclo de sagas sobre Elias ou Eliseu, antes que fossem integradas na Obra
Historiogrfica Dtr. Um problema histrico-literrio surge com o trabalho reda-
cional, especificamente deuteronomstico, que complementa pressgios e relatos
profticos na retrospectiva: onde realmente temos tradio antiga, onde temos
um trabalho redacional posterior? Porm a redao retoma teologicamente uma
inteno que j marca as narrativas de profetas: o intuito de apontar a eficcia
da palavra de Deus.

155
12
A OBRA mSTORIOGRFICA CRONISTA

a) As Crnicas

Chama a ateno que ao lado dos livros de Samuel e dos Reis se encontra
no AT mais outra verso da poca da monarquia, que no essencial relata
acontecimentos paralelos, mas coloca acentos diferentes: os livros das Crnicas.
O termo hebraico "dirios, anais" (dibre hayyamim) foi parafraseado por
Jernimo com a palavra "crnica", adotada por Lutero.
O nome greco-latino Paralipomena quer sugerir "coisas omitidas", dando a
entender que ambos os livros das Crnicas oferecem contedos "omitidos" nos livros
de Samuel e dos Reis? Ou o nome se refere apenas traduo grega, onde os livros das
Crnicas num primeiro momento poderiam ter sido "omitidos" exatamente por repeti-
rem o contedo dos livros de Samuel e dos Reis e acrescentados posteriormente?
Segundo a acepo habitual, mas de forma alguma inconteste, ambos os
livros das Crnicas formavam originalmente a primeira parte de uma obra
extensa que tambm abarcava Ed e Ne - este ltimo livro totalmente ou em
parte. Como se chega tese de que h tal Obra Cronista (= Cr), cujo autor se
denomina Cronista?
1. Ambos os livros das Crnicas relatam a histria de Israel at o exlio;
do tempo posterior tratam Ed/Ne. O importante edito de Ciro, que marca a
virada do exlio, se encontra tanto no fmal do Segundo Livro das Crnicas,
como tambm no incio do livro de Esdras. Esta repetio (mais precisamente,
uma antecipao do edito em 2 Cr 36.22ss.) tem sua origem na poca em que
a obra foi subdividida, evidenciando que originalmente 2 Cr e Ed formavam
uma unidade ou a exposio contnua.
2. Cr e Ed/Ne se correspondem em grande parte na linguagem, estilo,
idias bsicas e na inteno, mesmo que tambm tenham evidentes diferenas.
Por exemplo, a grande importncia que a monarquia davdica e o profetismo tm
para o Cronista, deixa de existir completamentepara Ed/Ne - acaso pela simples razo
de Ed/Ne se reportarem a uma poca em que ambos os fatores no exercem mais
nenhum papel decisivo?
3. Por fim, o desmembramento da Obra Historiogrfica Cr tem uma ex-
plicao. Como apenas Ed e Ne apresentam informaes que vo alm dos dados

156
oferecidos pelos livros de Samuel e dos Reis, eles foram separados de 1-2 Cr
e canonizados mais cedo. Desta maneira se explica ao mesmo tempo que no
texto hebraico Ed/Ne anteposto s Crnicas (canonizadas posteriormente).
Esta seqncia, que contradiz o desenrolar dos acontecimentos relatados, foi
corrigida na traduo grega, latina e, por conseguinte, tambm nas verses portuguesas.
Estas tradues enquadram a Obra Cr entre os "livros histricos", enquanto na Bblia
hebraica a Obra Cronista est entre os "Escritos", concluindo toda a Bblia. 'Iambm
isto um sinal do surgimento tardio da obra.
Apesar dos argumentos acima, tambm se defende a tese contrria de que
desde o princpio Cr e Ed/Ne foram obras distintas, atribudas ou no ao mesmo autor.
Os ltimos acontecimentos relatados na Obra Cr se situam na poca ao
redor de 400 a.c. Embora o relato no mais mencione a campanha de Alexan-
dre Magno nem revele nenhuma influncia helenstica, no h consenso se a
obra foi elaborada ainda no sculo N ou apenas depois da queda do Imprio
Persa, por volta de 300, ou inclusive mais tarde, no sc. III a.C.
Todavia, a obra no uniforme. Em geral se excluem trechos maiores identifica-
dos como complementaes posteriores. De forma semelhante como aconteceu com o
Escrito Sacerdotal, acrescentaram-se mais tarde sobretudo diversas listas (em 1 Cr 2-9;
23-27; tambm Ne 7; lls. e outras).
Houve vrios redatores ou podemos supor que tais complementaes sejam de
autoria de uma nica pessoa? Retomando anlises anteriores, K. Galling (Altes Testa-
ment Deutsch 12) atribuiu a Obra Cr a dois autores, a um Cronista mais antigo (por
volta de 3(0) e a outro, mais recente, que o complementa (por volta de 200 a.C).
Embora esta bipartio tenha encontrado poucos adeptos, possvel que haja comple-
mentaes to recentes.
Os dois livros de Crnicas contam a histria de Ado at o exlio babil-
nico. O relato se subdivide como que por si em quatro segmentos. A primeira
parte, que abrange todo o tempo pr-davdico, se constitui apenas de uma nica
rvore genealgica - ampliada por diversos informes genealgicos e histricos
- de Ado a Davi. Com isto o Cronista documenta o enraizamento do povo
de Deus na humanidade ou, em outras palavras, o Cronista relata como a
histria da humanidade conflui para a autntica comunidade.

1 Cr 1-9 Genealogia de Ado a Davi,


levando em especial considerao Jud (2-4) e Levi (6; 5.27ss.)
1 Cr 10-29 Reinado de Davi - da queda de Saul (10; I Sm 31) at a ascenso de
Salomo ao trono (29)
Coroao de Davi sobre todo o Israel (11), preparativos demorados para
a construo do templo de Salomo e a fundao de instituies clticas
(17; 21ss. com acrscimos)

157
2 Cr 1-9 Reinado de Salomo com construo do templo
2 Cr 10-36 Os reis de Jud/Jerusalm -
de Roboo a Zedequias (sem o Reino do Norte), com meno especial de
Asa (14-16), Josaf (17-20), Ezequias (29-32) e Josias (34-35)
36: ira de Deus (v. 16), exlio (v. 20) e virada (vv. 22ss.)
As Crnicas mencionam grande nmero de fontes - perdidas - tanto
sobre reis (2 Cr 16.11; 20.34; sobretudo 24.27), como tambm sobre profetas
(1 Cr 29.29; 2 Cr 9.29; 32.32 e outras). O Cronista de fato dispunha de fontes
com um contedo mais amplo do que o do Pentateuco (em 1 Cr 1-9) e da Obra
Historiogrfica Dtr (em 1 Cr lOss.)? Na verdade, o Cronista podia ter-se
restringido, para a elaborao de suas Crnicas, essencialmente aos livros de
Samuel e dos Reis. Tambm as diferentes tradies exclusivas, principalmente
relatos sobre construes e guerras (como 2 Cr 20), no constituem - com
algumas poucas excees (como a relao das fortificaes em 2 Cr 11.5b-l0a;
cf. 26.6,10; 35.lOss. e outras) - testemunhos historicamente fidedignos da
poca pr-exlica, mas so oriundos do tempo do Cronista (P. Welten).

b) Esdras e Neemias

Para falar do retorno dos exilados, da construo do templo e dos muros


e da reconstituio da comunidade de Jerusalm, o Cronista dispunha de fontes
bastante variadas.

1. O documento mais extenso e importante a "histria de Neemias" (Ne


l.1), chamado de fonte de Neemias ou memorial de Neemias, considerado em
geral obra historiogrfica de grande valor (cf. Kellermann). Relata principal-
mente sobre a misso de Neemias e as medidas necessrias para construir a
muralha de Jerusalm (Ne l.1-7.5a e 12.27-43 com pequenas complementa-
es), mas tambm brevemente sobre algumas reformas efetuadas (13.4-31 *).
As "memrias" no s se destacam pelo uso da primeira pessoa singular diante
do pano de fundo do relato do Cronista na terceira pessoa, mas tambm
apresentam diversas particularidades estilsticas (p. ex., a indicao dos meses
por nomes em 1.1; 2.1 em vez de nmeros em 8.2).
Ocasionalmente encontramos desvios da forma na primeira pessoa singular, como
no relato na primeira pessoa plural em 3.38ss. ou na relao dos que construram o
muro, em 3.1ss., da qual Neemias possivelmente j dispusesse.
'Irechos maiores so encerrados com a frmula (de petio ou dedicao):
"Lembra-te de mim, meu Deus, para meu bem (...)" (5.19; 13.14; cf. 13.22,31).
Neemias ousa, portanto, apresentar seus feitos como mritos diante de Deus.
Ele sabe, no entanto, tambm que sem a bondade e a ajuda de Deus no teria

158
terminado sua obra (2.8,18,20; 6.16 e outras). J por sua riqueza de detalhes o
relato na primeira pessoa do memorial de Neemias extraordinrio. Perguntou-
se se inscries vtero-orientais de reis, inscries votivas ou de dedicao,
estelas memoriais ou - por causa daquele apelo dirigido divindade -
oraes de um acusado poderiam ter servido de modelo. Em todo caso, quando
uma variante daquela frmula pode incluir splica por vingana contra o adver-
srio (6.14; 13.29; 3.36s.), ela ainda deixa transparecer quo duros eram os
confrontos de Neemias com os vizinhos de Israel (2.10,19 e outras) e com os
prprios compatriotas (6.lOss.) em virtude da construo do muro. Assim o
memorial funciona como uma espcie de prestao de contas, que tem uma
tica bem pessoal e expressa "como Neemias compreende sua obra e quer que
seja compreendida pela opinio pblica e diante de Deus" (KeIlermann, p. 88).
A Bblia latina denomina os livros Ed/Ne de 1 e 2 Ed. O 3 Ed um livro apcrifo
que se estende, de acordo com as partes conservadas, da Pscoa de Josias em 2 Cr 35
at a recitao da lei em Ne 8, acrescentando algum material extrabblico (disputa dos
pagens de Dario sobre o que seria o mais poderoso no mundo: vinho - rei - mulheres
- verdade). O quarto livro de Esdras (4 Ed) um apocalipse, importante por sua
distino entre o on presente e o futuro, como tambm por sua expectativa messinica.
Visto que o terceiro livro de Esdras (3 Ed) - tambm utilizado por Josefo nas
suas Antiquitates - omite o memorial de Neemias, Ne 1-7, perguntou-se se esta
traduo no preservaria um estgio traditivo mais antigo, ou seja, se o memorial de
Neemias no teria sido apenas inserido posteriormente na Obra Cr (cf. Pohlmann). Mas
ser que em 3 Ed no temos antes uma omisso proposital?

2. Em analogia fonte de Neemias costuma-se supor que haja uma fonte


de Esdras ou memorial de Esdras, que teria abrangido, p. ex., Ed 7-10; Ne
8(-10). De fato, tambm a narrativa de Esdras elaborada em forma de depoi-
mento na primeira pessoa singular, mas somente em parte, de modo que a
alternncia entre a primeira pessoa (Ed 7.27-9.15) e a terceira (7; 10; Ne 8) tem
que ser explicada. Alm disto, ela no se destaca da mesma maneira por
peculiaridades estilsticas. Assim parece que o prprio Cronista elaborou o
relato de Esdras, inspirando-se na fonte de Neemias.
"Esta dependncia sugere (...) que tenha sido elaborado pelo Cronista, que conhe-
cia e retrabalhou as memrias de Neemias. No mais no consta em Ed 7-10 nada que
o prprio Cr(onista) no possa ter deduzido das fontes utilizadas (Ed 7.12-26; 8.1-14 e
as memrias de Neemias) ou acrescentado por conta prpria. A espinha dorsal de tudo,
a viagem de Esdras da Babilnia para Jerusalm e sua atuao l em prol do cumpri-
mento da lei de Deus, resultou de Ed 7.12-26. Podia-se deduzir de Ne 13.23-25 que
existiam j h mais tempo casamentos mistos. Estes tinham que representar, aos olhos
do Cr(onista), uma transgresso to grave da lei de Deus, que Esdras, responsvel por
esta lei, certamente no os poderia ter ignorado. Desta forma o Cr(onista) no teve
dificuldades em afirmar que o posicionamento de Esdras contra os casamentos mistos

159
representava o seu primeiro feito em Jerusalm." (M. Noth. berlieferungsgeschichtli-
che Studien, p. 147; cf. Kellermann; In der Smitten).

Em vez de uma fonte de Esdras completa, portanto, o Cronista provavel-


mente s dispunha de algum material avulso mais antigo, como o edito - na
sua essncia presumivelmente "autntico" - do rei persa Artaxerxes para
Esdras (7.12ss.) e talvez tambm a relao dos repatriados (8.1-14).

3. Uma outra fonte importante a Crnica de Jerusalm, Ed 4.6-6.15(18),


redigida em aramaico (como tambm Dn 2.4ss.), e que basicamente uma
coleo de cartas. Se este documento trata do tempo de Xerxes e Artaxerxes
(485-424) antes do reinado de Dario (I, 522-486 a.C), isto certamente se deve
inteno do Cronista, "que primeiro quis falar dos entraves e depois do [mal
feliz" (cf. comentrio de K. Galling a respeito). A coleo epistolar digna de
ateno por duas razes: por um lado menciona os profetas Ageu e Zacarias,
que incentivaram a construo do templo (5.1; 6.14); por outro lado, contm
(6.3-5) o edito de Ciro sobre a construo do templo (538 a.C). A epstola
redigida em aramaico oficial, a lngua diplomtica da regio ocidental do
Imprio Persa, corresponde inteno dos antigos reis persas - tambm
perceptvel em outras passagens - de promoverem as peculiaridades clticas e
jurdicas dos povos dependentes. Esta carta pode ser considerada "autntica"
j pelo fato de o Cronista ter acrescentado (em Ed 1.2ss.) a licena concedida
aos exilados de voltarem, corrigindo desta forma a carta - na perspectiva de
que apenas os exilados formam a verdadeira comunidade.
Enquanto Ed 1-6 (com exceo de 4.6ss.) tem sua ao situada em
538-515 a.c., o capo 7 d um salto de vrias dcadas at meados do sculo V
e apenas agora apresenta o personagem que deu o nome ao livro: Esdras. Ao
contrrio procede o livro de Neemias, que principia com o depoimento na
primeira pessoa singular de Neemias; Ne 8 retoma o relato de Esdras.

Ed 1-6 Do edito de Ciro (538) at a construo do templo (515).


I Edito de Ciro a respeito da construo do templo e - extrapolando o
texto mais antigo de 6.3-5 - sobre o retomo. Regresso da primeira leva
daqueles " cujo esprito Deus despertou". Devoluo dos utenslios do
templo a Sesbazar (cf. 5.14ss.).
2 Cf. Ne 7. Relao de repatriados (registro dos membros pertencentes
comunidade) com Zorobabel, o neto do rei Joaquim, deportado em 597,
e Josu, o neto do ltimo sacerdote de Jerusalm. Personagens de origem
obscura (vv. 59ss.). Doaes para o templo (vv. 68s.).
3 Recomeo do culto: reconstruo do altar de holocaustos, sacrifcios,
Festa das 'lendas, lanamento da pedra fundamental do templo por Zoro-
babeI (que o Cronista por equvoco identifica com Sesbazar; cf. 5.2,16) e
Josu (cf. Ag 1.12ss.).

160
Mas "o povo da terra" (= samaritanos) interfere na construo do templo
(por duas dcadas, at 520 a.C; cf. 4.24).
4.6-6.18 Crnica aramaica de Jerusalm. Coleo (retrabalhada) de epstolas ofi-
ciais interligadas por um texto, em seqncia no-cronolgica:
5 Por insistncia dos profetas Ageu e Zacarias, Zorobabel e Josu
comeam a construir o templo (520 a.C), respectivamente conti-
nuam a construo. Tatenai, strapa persa da Sria, informa-se
junto a Dario (521-485 a.C) sobre a situao legal.
6 A resposta de Dario com base no edito de Ciro encontrado em
Ecbtana (na residncia persa de vero; vv. 3-5). Apoio constru-
o do templo s custas do Imprio.
4.6ss. Reclamao apresentada diante de Xerxes. Por volta de 450 a.C;
sob Artaxerxes (I), proibio de reconstruir as muralhas da cidade
de Jerusalm.
6 Aps a concluso do templo (vv. 14ss.; 515 a.Ci) primeira comemorao
da Pscoa e da festa dos pes zimos (cf. 2 Cr 30; 35)
Ed 7-10 Narrativa de Esdras
7 Apresentao e investidura de Esdras, o "escriba da lei do Deus do cu"
de Babel, mediante um decreto (vv. 12ss. em aramaico) do rei Artaxerxes
(I?): repatriao, lei, doaes para o templo e utenslios do templo
8 Retomo de Esdras com grupos de exilados, sem proteo armada (ao
contrrio de Ne 1.7ss.), to-somente sob a guarda da bno de Deus
9-10 Orao de penitncia de Esdras (9.5ss.) e dissoluo dos casamentos
mistos com concordncia do povo (1O.9ss.). Cf. Ne 9s.
1O.18ss. Relao (posterior?) dos culpados
Ne 1-7 "Histria de Neemias, filho de Hacalias" (1.1). Parte principal do memo-
rial de Neemias na primeira pessoa.
1 Neemias, copeiro na corte persa de Susa. Informao sobre a situao em
Jerusalm. Orao (obedincia lei, congregao do povo)
2 Neemias incumbido por Artaxerxes (I), a seu prprio pedido, de recons-
truir os muros de Jerusalm (vv. 1-10). Preparativos - fiscalizao secre-
ta do muro - e incio da obra (vv. 11-20)
3 Relao dos que construram o muro (na terceira pessoa; documento oficial?)
Diversos trechos da muralha distribudos entre farm1ias de Jerusalm e
Jud para serem construdos (cf. 12.31ss.). Resistncia e orao de vingan-
a por parte de Neemias (vv. 33ss.).
4 Dificuldades externas criadas por vizinhos inimigos: Sambalat, governa-
dor de Samaria, o amonita Tobias e o rabe Gosem (cf. 2.1O,19s.; 3.33ss.).
Operrios da construo armados (vv. lOs.). Sua lamentao (v. 4).
5 Problemas internos. Poltica social de Neemias
Opresso das camadas inferiores em razo do custeio da construo:
penhora de propriedade e filhos (cf. 2 Rs 4.1) camada superior. Em
assemblia geral, suspenso das exigncias, sacramentada por juramento
e Amm (vv. 12ss.). Renncia de Neemias ao salrio de governador,

161
obtido com tributao da populao, apesar de sua rica e dispendiosa corte
(vv. 14ss.)
6 Apesar das hostilidades, concluso da construo do muro depois de 52
dias (6.1,15; 7.1)
7 Providenciada a segurana dos portes da cidade
'Iranslado de parte da populao (sinecismo) para Jerusalm (cf. l1.1s.)?
Relao dos que regressaram Palestina (= Ed 2)
Ne 8(-10) Narrativa de Esdras (retomando Ed 7-10)
8 Leitura da lei por Esdras por solicitao do povo
Uma espcie de culto sinagogal ao ar livre: Esdras parado em cima de um
estrado (cf. 2 Cr 6.13), participao de leigos, instruo (em aramaico?)
Festa das Tendas (vv. 13ss.; cf. Dt 31.10)
9 Cerimnia de lamentao com orao de penitncia (cf. 1.5ss.; Ed 9; Do 9)
10 Comprometimento do povo com a lei (casamentos mistos, manuteno do
sbado, imposto do templo, primcias e outras). Cf. Ne 13
Ne 11-13 A comunidade de Jerusalm
11 Repovoamento de Jerusalm (cf. 7.4s.), relao dos habitantes
12 Relao de sacerdotes e levitas
Inaugurao dos muros da cidade (vv. 27ss.)
13 Medidas de reforma de Neemias (delimitao da comunidade, garantia do
sustento dos levitas, cumprimento do sbado, casamentos mistos)

o relato de Esdras (Ed 7-10; Ne 8) emoldura, portanto, a parte principal


do memorial de Neemias (Ne 1-7), o que dificilmente deixa de ser proposital.
O Cronista d prioridade a Esdras - tanto em termos de contedo como em
termos de precedncia cronolgica - como sacerdote (Ed 7.12; cf. a genealo-
gia 7.1ss.). Esdras vocacionado a superar a obra de Neemias e suplant-lo em
importncia. Se o relato de Esdras tiver sido reelaborado em grande parte pelo
Cronista, dispomos de parcas informaes histricas confiveis sobre Esdras,
enquanto que o memorial de Neemias presta informaes boas e fidedignas
sobre Neemias, embora o faa de forma pessoal. ardorosamente discutido se
o Cronista tem razo em datar a atuao de Esdras pelo menos uma dcada
antes de Neemias ou se, pelo contrrio, Esdras somente atuou depois de Nee-
mias. Por que Neemias no menciona Esdras em seu memorial? E o alerta de
Neemias contra futuros casamentos mistos (Ne 13.23ss.) ainda faz sentido
depois da expulso das mulheres estrangeiras, ordenada por Esdras (Ed 10.11s.,44;
cf. Ne 9.12; 13.3)?
Neemias, copeiro real na corte persa em Sus, recebe, a seu prprio
pedido no ano de 445 a.c. (Ne 1.1; 2.1), a autorizao de construir as muralhas
de Jerusalm. Tem sucesso no seu empreendimento - sob excluso dos sama-
ritanos. Mais tarde Neemias se torna "governador" (5.14; cf. 8.9; 10.2) da
provncia de Jud, que, com isto, separada de Samaria, se torna independente.

162
Ser que a acusao no sentido de Neemias alimentar ambies polticas (6.6s.)
tem um fundo real?
Tambm Esdras est a servio dos persas, decerto como "escriba da lei
do Deus do cu" (Ed 7.12). Como encarregado especial para assuntos religiosos
enviado para Jud, acompanhando um grupo de repatriados (segundo 7.7s.,
no ano de 458 a.C), Uma questo famosa, mas que dificilmente ainda encon-
trar resposta, : que obra aquela "lei do Deus do cu" que Esdras, ao que
parece, traz consigo da Babilnia (7.14,25) e (segundo Ne 8) l em voz alta
diante do povo como "livro da lei de Moiss" - o Deuteronmio, o Escrito
Sacerdotal, incluindo determinadas leis (sobretudo a Lei da Santidade) ou todo
o Pentateuco? At que ponto realmente podemos confiar no relato de Ne 8? O
ttulo oficial de Esdras, que o Cronista parece interpretar no sentido de "versa-
do nas Escrituras" (Ed 7.6,lOs.), sugere que Esdras teve importncia decisiva
para que a lei fosse reconhecida - agora oficialmente - em Israel. Desta
forma se viu em Esdras praticamente o "fundador do judasmo".

c) Intenes teolgicas

O Cronista "pretendeu expor a histria da formao da comunidade ps-


exlica em que vivia" (M. Noth, p. 172). Neste sentido anda nas pegadas da
Obra Historiogrfica Dtr, tomando-se em certas passagens como que sua' 'exe-
gese" (T. Willi). Tambm a a interpretao dos fatos acontece pela exortao
ou pelo prenncio de profetas (2 Cr 12.5ss.; 15.2ss. e outras). Todavia, o
Cronista traa o passado a partir da tica de seu tempo, o reestrutura, emite
mais fortemente juzos de valor, o corrige e idealiza. Em grande parte pode-se
definir a inteno do Cronista, comparando os livros das Crnicas com os livros
de Samuel e dos Reis: o que o Cronista omite, o que acrescenta?

1. Critrio decisivo a relao causal entre a ao de wna pessoa (causa)


e seu destino (conseqncia), ou seja, a idia da "retribuio pessoal", que
ajuda a perceber a contingncia da histria. Assim se explica o fato de o rei
Uzias ter sido acometido de lepra com a sua interveno nos direitos sacerdotais
(2 Cr 26.16ss., ao contrrio de 2 Rs 15.5). Enquanto que no caso de Uzias se
distingue uma poca anterior boa de outra posterior ruim, no caso de Manasss,
ao contrrio, segue a um perodo de iniqidade a humilhao diante de Deus
- resultante de um cativeiro (fictcio) do rei na Assria. Esta humilhao
consegue explicar o reinado surpreendentemente longo do rei (2 Cr 33.1,lOss.).
Atrs desta maneira de contar a histria est o seguinte princpio, vrias vezes
enunciado: quem se mantiver fiel a Deus ser sustentado por ele; quem, porm,
o abandonar ser tambm abandonado por ele (1 Cr 28.9; 2 Cr 15.2 e outras).

163
2. Como na Obra Historiogrfica Dtr, tambm na Obra Historiogrfica Cr
se atribui elevado destaque a Davi. Ele "homem de Deus" (2 Cr 8.14),
modelo de fidelidade lei (7.17 e outras); Jav inclusive chamado - em
analogia ao nome de Deus dos tempos patriarcais - de "Deus de Davi, teu
pai" (21.12; 34.3). Da histria de Davi suprimem-se episdios menos agrad-
veis, como o caso com Bate-Seba ou a rebelio de Absalo. Embora o reinado
de Davi seja um tempo de grandes guerras (l Cr 18s.; 22.8; 28.3), tambm
representa um perodo de amplos preparativos para a construo do templo, que
Salomo levar a cabo: Davi adquire o terreno para a obra e planeja o culto (l
Cr 21ss.; 28.19). A profecia de Nat (2 Sm 7) se concentra em Salomo, o
construtor do templo (l Cr 17.11ss.; cf. 22.6ss.; 28.5ss.). Na consagrao o
prprio Deus reconhece o santurio mediante o fogo que desce dos cus sobre
o altar (2 Cr 7.1; cf. 1 Cr 21.26; Lv 9.23s.; 1 Rs 18). Assim a escolha da
dinastia davdica e do santurio de Jerusalm coincidem.

3. Enfim, o culto, precisamente o do santurio de Jerusalm, desempenha


um papel fundamental. O Cronista fala minuciosamente das grandes cerim-
nias, em especial da Pscoa (2 Cr 30; 35; Ed 6.19ss.) e da Festa das Tendas (2
Cr 7.9s.; Ne 8.13ss.). Quando Esdras recita a lei e o povo , em seguida,
instrudo (em aramaico?) na lei, parece antecipar-se, de certa forma, o culto
sinagogal (Ne 8). Reflete-se em tais exposies a vida da comunidade jerosoli-
mita? Da celebrao do culto fazem parte tambm a msica do templo, os
cantores levticos (l Cr 15.16ss.; 2 Cr 5.11ss.; 29.25ss.) e os sacerdotes neces-
srios para o servio sacrifical (l Cr 23.13; 24.1ss. e outras). Em casos espec-
ficos a hierarquizao do pessoal que trabalha no templo bastante diferencia-
da. H tambm alteraes nesta categorizao que se mostram tanto na compa-
rao com o Escrito Sacerdotal como tambm nas diferenas existentes dentro
das prprias camadas redacionais da Obra Historiogrfica Cr.
Quanto o Cronista se apia na tradio, mostram as citaes livres de textos
bblicos, seja da Tor, seja de livros historiogrficos ou do profetismo. Principalmente
em falas inseridas em sua narrao (como 2 Cr 15.2ss.), o Cronista relaciona com o
momento presente palavras de profeta numa verso atualizada (compare 2 Cr 20.15,20
com x 14. 13s.; Is 7.9 ou 2 Cr 15.2 com Jr 29.14 e outras). "Recorrendo a frases
profticas e apresentando uma retrospectiva teolgica de determinada poca da histria
do povo", este relato reflete "a prtica da pregao levtica" (G. von Rad, p. 252; cf.
2 Cr 17.7ss.; 35.3 e outras)?
O hino inserido em 1 Cr 16.7ss., que entrelaa diversos salmos (105; 96; 106), de
modo a formarum novocntico,poderiacomprovaro usodos salmosno culto desta poca.

4. Enquanto a justificao e sobrevivncia da comunidade cultual de


Jerusalm constituem o tema do Cronista, a manuteno de sua identidade
representa o seu objetivo. Parece que no lhe resta outra alternativa seno

164
distingui-la claramente de elementos estranhos (cf. a polmica contra casamen-
tos mistos em Ed 9; Ne 9.2; 1O.29ss.). Ser que a segregao dos samaritanos,
os descendentes do Reino do Norte, Israel (2 Cr 13.5ss.; 19.2; 25.7; 30.6ss.; Ed
4.lss.; tambm Ne 2.l9s. e outras) - que no so mais considerados seguido-
res da f correta de Israel - representa um dos motivos principais da obra? Sua
inteno "apresentar Jud, atravs do confronto com os samaritanos, como o
verdadeiro Israel, j que a sua monarquia a nica monarquia legtima e o seu
local de culto, o nico local de culto legtimo" (segundo W. Rudolph). Ou a
Obra Historiogrfica Cr apenas espelha o antagonismo cada vez mais aguado
que resulta, por fim, na separao definitiva?

5. J o prprio comeo da historiografia cronista depois das genealogias


(1 Cr lOss.) deixa entrever a importncia dada monarquia. A monarquia e o
senhorio de Deus esto vinculados de forma muito mais estreita do que na
tradio mais antiga (cf. porm SI 110.1). O soberano davdico "no trono de
Jav" parece ser o representante de Deus, a monarquia em Jerusalm, como
que o reinado de Deus na terra (1 Cr 17.14; 28.5; 29.11s.,23; 2 Cr 9.8; 13.8).
Atrs de tais depoimentos - que se reportam ao passado - se encontra de
forma velada a esperana pelo Messias, em quem se revelar o poder de Deus?
No relato da poca ps-exlica, que conduz para o seu tempo, o Cronista
no retoma esta expectativa; o movimento messinico irrompido sob Ageu e
Zacarias at mesmo omitido. O perodo da monarquia acaba numa catstrofe
(2 Cr 36.11ss.). o edito do rei persa Ciro, despertado pelo Esprito de Jav
(36.22s. = Ed 1.1ss), que traz, depois de 70 anos de penitncia (36.21), a virada
salvfica, associada ao retorno dos exilados e reconstruo. Se j o profeta do
exlio, Dutero-Isaas, via em Ciro o "ungido" de Jav, que se dirige cidade
de Jerusalm e ao templo e diz: "Seja construdo!" (Is 44.28s.), agora a
benevolncia do rei persa (Ed 3.7; 6.14; 9.9 e outras) possibilita o culto jeroso-
limita e garante "a proteo da comunidade cultual em Jerusalm. Para o
Cronista na teocracia ps-exlica no h mais nenhum messianismo legtimo e
nenhum davidida monrquico" (Kellermann, p. 97). Com isto a poltica externa
entregue nas mos de soberanos estrangeiros, e a comunidade que se congrega
ao redor do santurio e se mantm fiel lei se contenta com a sua f? Ou o
Cronista compartilha "a esperana de uma renovao ainda por vir do trono de
Davi" (M. Noth, p. 179)? Mantm-se vivo, mesmo que de forma oculta (Ed
9.7ss.; Ne 9.32,36s.), o anseio por autonomia poltica, concretizado apenas na
poca dos macabeus?
Polmico , de forma parecida como acontece no caso da interpretao do
Escrito Sacerdotal (veja acima 8a,6), se o Cronista ainda alimenta esperanas
decisivas quanto ao futuro ou at quer opor-se a correntes escatolgicas do seu tempo.

165
fi - O PROFETISMO

167
13
A FORMA DA PALAVRA PROFTICA

a) Palavra e livro profticos

1. Diferenciao entre proclamao oral e fixao por escrito: O profeta


pode ser vocacionado com a misso: "Vai e fala!" (Am 7.15s.; Is 6.9; cf. Jr
1.7 e outras) e introduzir sua mensagem com: "Ouvi a palavra de Jav!" (Is
1.10 e outras). Assim se encara o profeta com a confiana, mas tambm com a
ressalva de que a palavra que transmite no foi imaginada, mas recebida de
Deus. Ter recebido a palavra de Deus considerado sinal da autenticidade da
misso proftica; por isso os adversrios de Jeremias so confrontados com a
palavra de Deus: "Mas se tm estado no meu conselho, que proclamem ento
as minhas palavras ao meu povo (...), mas aquele em quem est a minha
palavra, fale a minha palavra com verdade!" (Ir 23.22,28; cf. 20.8s.; 27.18;
28.8s. e outras).
Lana-se contra os assim chamados "falsos" profetas de salvao a acusao de
que "furtam" as palavras de Deus (Jr 23.30). Por isso por um lado se convoca o povo
para no confiar nas palavras dos profetas "de mentira" (23.16; 27.14,16), enquanto
que por outro lado se lamenta que se acolham as palavras dos "verdadeiros" profetas
com descrena, dvida (17.15) e desobedincia (29.19; Is 28.12; 30.10,12; Ez 2.7s.; Am
2.11s.; 7.16; Os 9.7 e outras). E mais: o prprio profeta pode sofrer com a palavra de
que foi incumbido (Jr 20.8; 23.9; cf. Is 50.4ss.).
Neste sentido o termo usual "profetismo literrio (clssico)", associado
aos profetas que surgiram a partir de 750 a.c. aproximadamente, insatisfat-
rio e at extremamente dbio, no caso dos profetas Ams, Osias, Isaas ou mais
tarde Jeremias e outros; pois no se tratava de profetas que escreviam, mas de
profetas ou mensageiros que falavam. A situao original em que atuavam era
a de proclamao oral no contato direto com o ouvinte. S mais tarde suas
palavras foram compiladas, fixadas por escrito, em parte retrabalhadas, comple-
mentadas por outras palavras ou narrativas e, por fim, reunidas num livro (cf. Jr 36).
Por longo tempo o fato de as palavras profticas terem sido preservadas
apenas na forma escrita propiciou considerveis mal-entendidos. Chamou a
ateno j de Lutero que os profetas "falam de um jeito estranho, no mantm
nenhuma ordem no que dizem, mas jogam o cento no milhar, de forma que no
os podemos compreender nem aceitar" (WA XIX, 350,13). De fato existe para

168
o leitor uma contradio bvia entre a pretenso da palavra proftica de basear-
se em fala viva e a atual configurao desta palavra: trechos extensos, sem
subdivises, de um raciocnio estranho e incoerente. Como solucionar o proble-
ma posto por estas irregularidades? A histria das formas (H. Gunke1), que
surgiu por volta da virada do sculo, aponta para a seguinte soluo: um livro
proftico se constitui - como tambm os evangelhos sinticos - de muitas
pequenas unidades, que representam falas independentes em termos de forma e
contedo, com sentido prprio, compreensveis a partir de si mesmas, pronun-
ciadas numa situao especfica. Num primeiro momento se havia definido as
unidades da fala proftica de forma muito extensa, mas ento se descobriu que
podem constituir-se de algumas frases curtas, eventualmente de apenas um ou
dois versculos:
"S a vs eu conheci
de todas as fanu1ias da terra,
por isso vos castigarei
por todas as vossas faltas."
(Am 3.2; cf. 5.2; 9.7; Is 1.2s. e outras.)
Ocasionalmente se encontram composies mais extensas, como o ciclo
de vises (7.1-9; 8.1-3) e os ditos contra as naes (1.3-2.16) do profeta Ams
ou a retrospectiva histrica de Isaas (9.7-20; 5.25-29) e a seqncia de ais
(5.8ss.). A devemos verificar caso por caso se estamos lidando com uma
unidade coesa existente j na fase da proclamao oral ou se a srie s surgiu
durante a etapa redacional, ou seja, no momento da fixao por escrito. Parece
que os profetas tardios, como Ezequiel, costumavam utilizar com maior fre-
qncia unidades discursivas mais extensas.
De que forma surgiram os livros profticos a partir da proclamao oral
de ditos independentes? Esta questo, que em determinadas pocas provocou
uma discusso violenta, deve formular-se individualmente para cada livro pro-
ftico e, na maioria das vezes, no encontrar uma resposta inequvoca. A
mensagem proftica foi fixada por escrito apenas depois de um perodo prolon-
gado de tradio predominantemente oral, ou seja, na poca ps-exlica (tese
defendida pela escola de Uppsala; cf. E. Nielsen, Ora11tadition, 1955)? Sobre-
tudo no caso do livro de Jeremias, certamente a tradio oral tem importncia
decisiva, mas no todo sua importncia limitada na formao dos livros
profticos. Vez por outra encontramos referncias (principalmente Jr 36) que
indicam que os prprios profetas (cf. Is 8.1; 30.8) j escreviam parte de suas
mensagens ou faziam com que fossem anotadas por um escriba (cf. Jr 36.4).
Corrobora esta tese, alm das diversas narrativas na primeira pessoa, que devem
ser atribudas ao prprio profeta (como Am 7s.; Os 3; Is 6 e outras), tambm a
forma potica, rigorosamente dentro da mtrica em que a maioria das palavras
profticas se conservou, de modo que em muitos casos ainda possvel distin-
guir entre a formulao original e a redao posterior.

169
Outra parcela, decerto maior, das palavras profticas foi compilada e
transmitida por amigos ou discpulos do profeta. Raramente se fala destes
discpulos diretamente (Is 8.16; cf. 50.4; 2 Rs 4.34ss.; 6.1), porm se consegue
inferir sua atividade. Quem seno discpulos dos profetas teria condies de
redigir depoimentos sobre o profeta na terceira pessoa, que s vezes parecem
estar muito prximos dele (Am 7.lOss.; Os 1; Is 7; 20 e outras)?
Qual a fmalidade da fixao por escrito dos ditos profticos? J que o
juzo anunciado no acontece logo (cf. Is 5.19) e o profeta se defronta com
sarcasmo e rejeio entre seus ouvintes, ele faz com que sua mensajem seja
"selada" - na esperana de que o futuro confirme sua proclamao e lhe d
razo (Is 8.16s.; 30.8; cf. 8.1s.; tambm Hc 2.2s.). Assim as palavras so
anotadas como que no intervalo entre o anncio e o seu cumprimento, toman-
do-se a palavra escrita uma outra forma de pregao que continua testemunhan-
do o signiftcado futuro da mensagem proftica. Acrescenta-se um novo motivo
depois do cumprimento da profecia: os acontecimentos comprovam a autenci-
dade da mensagem proftica (j Am 1.1 e outras).
As diversas colees de palavras profticas foram mais tarde interligadas
e complementadas com mais material traditivo. Por conseguinte, os livros
profticos no so de autoria do prprio profeta, mas se formaram num proces-
so demorado, difcil de ser desvendado, onde as palavras profticas precisam
ser recuperadas e seu contexto original, reconstrudo.

2. Distino entre palavra isolada e composio: A compilao das pala-


vras isoladas, originalmente independentes, foi feita segundo critrios mais ou
menos aleatrios, como a associao por palavras-chaves. s vezes talvez se
tenha buscado estabelecer uma seqncia cronolgica; em parte se compilaram
textos que se assemelham na sua temtica (p. ex. sobre os profetas Jr 23; Ez
13), de forma que podem surgir "unidades querigmticas".
Entendemos de forma correta as palavras profticas somente quando re-
conhecemos a delimitao original das pequenas unidades, portanto o incio e
o ftm da respectiva fala. No primeiro momento deste trabalho de delimitao
podemos recorrer s frmulas introdutrias e conclusivas de falas profticas.
Entre elas se destaca a assim chamada frmula de mensageiro: "Assim diz (ou
disse) Jav" (Am 1.3ss. e passim), que identiftca o profeta como algum que
foi enviado por Deus, algum que intermedirio autorizado para transmitir
determinada mensagem a um destinatrio concreto. O assim chamado chama-
mento: "Ouve (ouvi)!", no caso de duplicao: "Ouvi, atentai!", tambm
conhecido como apelo introdutrio da instruo, se origina do ensino da sabe-
doria (Pv 1.8; 4.1 e passim) e tambm exorta para que se preste ateno tanto
antes de entoar um cntico (Gn 4.23; Jz 5.3 e outras) como em situaes
similares que ocorrem durante o culto (Dt 6.4; SI 17.1; 50.7; 81.9 e outras).

170
'Ianto o prprio profeta (ls 1.2,10; 32.9; Mq 1.2), como tambm a redao
posterior (cf. Os 4.1; Am 3.1 e outras) aproveitam este chamado para introduzir
de forma enftica a sua pregao e caracteriz-la como palavra de Deus. Da
mesma forma expresses idiomticas como "palavra/orculo/dito (Il"um) de
Jav" (Am 2.16 e outras), "pois Jav o disse/ decidiu" (Is 1.2; 22.25 e outras)
ou "pois a boca de Jav o disse" (Is 1.20; 40.5) reivindicam para a unidade
precedente ou posterior a autoridade de Deus. Numa formulao tpica para o
livro de Ezequiel esta reivindicao se encontra como declarao do prprio
Deus: "Eu, Jav, o disse - e o fao" (Ez 5.15,17; 17.24 e passim).
Mesmo no adotando frmulas delimitadoras, novas falas podem se de-
nunciar pela alternncia do pblico receptor, do tema ou da estrutura formal.
As pequenas unidades muitas vezes tm caractersticas de estilo ou formas
estruturais comuns, p. ex., iniciam com um "ai", de sorte que podemos distin-
guir diferentes gneros de palavras profticas (v. abaixo). Por fim, o discurso
proftico se caracteriza sempre pela sua forma potica e mtrica, portanto pelo
paralelismo dos membros (v. abaixo 25,1). Este rigor formal se mantm de
forma to consistente, que palavras em prosa, sobretudo quando esto inseridas
numa fala metrificada, se tomam suspeitas de constiturem complementaes
posteriores (p. ex., Am 3.7 dentro de Am 3.3-6.8). Problemas especiais surgem,
por esta razo, na compreenso do livro de Jeremias, no qual grandes trechos
de palavras profticas so discursos em prosa.
Na sua linguagem potica as palavras profticas, tal qual os Salmos, se
distinguem por sua riqueza, plasticidade e at audcia das imagens (cf. Am
5.19; Os 5.12,14; Is 1.2s.; 28.20; Jr 8.7 e diversas outras). As imagens apenas
aludem a determinado acontecimento e, mesmo assim, o apresentam de forma
marcante ao ouvinte. Excepcionalmente a comparao "(ser) assim como" (Is
17.5; cf. Am 3.12; 9.9 e outras) tambm pode ser ampliada e transformada
numa parbola (Is 5.1-7; cf. 2 Sam 12).
Se a palavra isolada, delimitada por sua forma e contedo, estava sozinha na sua
situao original - que apenas podemos inferir - , o seu significado pode se deslocar
por influncia do contexto literrio em que agora est inserido. A exegese precisa
rastear, na medida do possvel, tambm tais alteraes de significado. A questo da
inteno de um texto dentro do seu contexto, em ltima anlise dentro do livro todo,
procura-se abordar na "histria redacional".

3. Diferenciao entre palavra proftica original e redao posterior: A


pregao proftica no foi fixada por escrito e transmitida para ser arquivada,
mas em funo de seu significado futuro. Assim tambm geraes posteriores
leram as colees de palavras profticas como sendo palavra de Deus ainda em
vigor, interpretaram a partir delas o presente e com elas perscrutaram o porvir,
mas tambm puderam, nestas circunstncias, introduzir seus prprios pensa-
mentos nas tradies profticas. Da mesma forma como a primeira comunidade

171
crist no preservou a mensagem de Jesus de forma "historicamente pura" nos
evangelhos, tambm a pregao dos profetas foi complementada ou at retraba-
lhada a partir das experincias de anos posteriores. As ampliaes redacionais
revelam, portanto, algo da continuidade, da histria posterior ou da histria da
interpretao da mensagem proftica; constituem uma primeira exegese que
oferece instrumentos importantes para sua compreenso, mas tambm podem
transmitir informaes falsas. A nomenclatura infeliz, mas habitual, que distin-
gue entre "autntico" e "no autntico" no pretende conotar um juzo de
valor, mas apenas histrico: palavras "autnticas" podem ser atribudas ao
prprio profeta com toda a probabilidade que a anlise histrico-crtica permite.
Tambm o material "no autntico", isto , no proveniente diretamente do
profeta, portanto redacional, pode ser "autntico" no seu contedo, isto , pode
conter enunciados verdadeiros sobre os quais vale a pena refletir.
As complementaes no precisam ser somente literrias. s vezes o uso
cultuaI influenciou a formao do livro proftico: quando era lida a palavra
proftica, a comunidade respondia - incluindo a si mesma, em tom de reco-
nhecimento e confisso - na primeira pessoa plural (p. ex., Is 1.9; 2.5; Mq
4.5) ou tambm com uma doxologia que foi acolhida no livro proftico (Os
12.6; Am 4.13; 5.8s.; 9.5s.; cf. Is 12; Mq 7.8ss.; tambm Zc 2.17 e outras). Mais
tarde, no culto judaico se complementava a leitura da Tor com a recitao de
textos profticos, chamada de haftara (cf. At 13.15; Lc 4.17).
A diferenciao entre as assim chamadas palavras autnticas e as redacio-
nais em grande parte pode ser irrelevante ou indiferente, enquanto no esbarrar
em contedos diferentes e, com isto, em intenes divergentes. Mas isto de fato
acontece. Como as complementaes na sua maioria provm de uma poca em
que a desgraa anunciada pelo profeta j aconteceu, elas tm um interesse
completamente diferente que a palavra proftica original.
Por um lado as complementaes buscam por sinais de salvao em meio
desgraa: Deus no quer que o povo sobreviva? Assim os anncios profticos
de juzo so complementados com promessas de salvao (p. ex. Am 9.11ss.).
Os diversos livros profticos foram at mesmo estruturados a partir desta
perspectiva, de acordo com o mesmo esquema: primeiro vem a desgraa (para
Israel e os povos estrangeiros), depois a salvao (para Israel). Esta diviso -
decerto motivada pela pregao proftica (Is 1.21-26 e outras) - parece que
pressupe e sugere uma sucesso de acontecimentos no fmal dos tempos em
duas fases: depois do juzo, a salvao.
Por outro lado aqueles que so atingidos pela desgraa se perguntam: por
que isto aconteceu? - e confirmam que o julgamento por que passaram foi
justo. Desta forma a reflexo sobre as razes do acontecido e a confisso da
culpa adquirem uma funo prioritria sobre o anncio proftico de punio.
Busca-se a culpa do povo na sua desobedincia em relao ao mandamento

172
divino (p. ex., Am 2.4s.) e compreendem-se os profetas agora como pessoas
que conclamaram penitncia, mas cujas exortaes encontraram ouvidos
moucos. Neste sentido a atuao dos profetas diferente na retrospectiva; pelo
menos se desloca o acento: os profetas que anunciam um futuro iminente,
transformam-se, na retrospectiva, em profetas que alertam o povo em vo (cf.
sobretudo 2 Rs 17.13; Zc 1.4 e outras; quanto a isto v. Ub,3).
Sobretudo a escola deuteronomstica (v. acima lla,2) parece ter tido importn-
cia significativa para a compilao e configurao das palavras profticas; pois elemen-
tos deuteronomsticos se encontram em quase todos os livros profticos (pelo menos nos
ttulos), predominantemente no livro de Jeremias.
Thmbm grupos sapienciais participaram na redao dos livros profticos (Os
14.10; Jr 17.5ss.; cf. Am 1.1 e outros).
A partir da se torna evidente que a distino entre a palavra proftica
original e as suas complementaes redacionais de forma alguma representa
somente uma questo histrica marginal. Mas ela levanta um importante pro-
blema de contedo de cuja "soluo" depende a compreenso global do
profetismo: p. ex., a relao entre anncio de juzo e promessa de salvao, o
anncio de um "resto". Mas, da mesma forma que esta distino bsica, ela
continua sendo profundamente polmica.
No se resolveria esta questo, adotando a postura radical de exigir que
se comprove no a inautenticidade do material traditivo tardio, mas, pelo
contrrio, a autenticidade do material traditivo original, assentando desta forma
a exegese sobre uma base segura?
"O verdadeiro problema no mais determinar o que representa material tardio
e distingui-lo de um contedo bsico que, ento, seria considerado sem sombra de
dvida como autntico, mas, ao contrrio, identificar o ncleo da tradio proftica (...).
Numa anlise metodolgica rigorosa a busca pelo genuinamente proftico dever-se-ia
orientar pelo critrio de que apenas autntico aquele material que pode ser compreen-
dido unica e exclusivamente a partir das circunstncias concretas do tempo de um
determinado profeta. Alm disso, necessrio ainda apontar que h entre as diversas
palavras supostamente autnticas a mesma inteno especfica, prpria do referido
profeta." (W. Schottroff, ZThK 67, 1970, p. 294).
Embora um princpio deste tipo parea ser bastante bvio por sua coern-
cia metodolgica, difcil aplic-lo concretamente. A aplicao deste princpio
classificaria necessariamente como redacionais todos os textos que podem ser
explicados tambm a partir de uma situao posterior. Isto, no entanto, no
pode ser justificado de forma convincente.
Se a explicao histrico-redacional for demasiadamente enfatizada - sobretudo
em contraposio questo histrico-traditiva que pergunta pela forma da tradio antes
de sua fixao por escrito - , existe o perigo de que se veja o texto como um todo de
maneira por demais uniforme e se ignorem diferenas perceptveis na estrutura do texto.

173
Justamente textos profticos muitas vezes apresentam camadas agregadas (redacionais),
que revelam algo da histria do texto. Ser que a formao do livro proftico no se
torna mais compreensvel na sua complexidade quando pressupomos que tenha havido
um enriquecimento paulatinode um material bsico proveniente do prprio profeta e de
seus discpulos? Thdavia, muitas vezes no h condies de reconhecer claramente a
delimitao deste material. Neste caso argumentos histrico-culturais s so aproveit-
veis em termos relativos para determinar a "autenticidade" ou no de um texto; pois
dificilmente conhecemos as concepes e convices possveis ou no no sc. vrn ou
VIT. S fatos profundamente incisivos, como o exlio, deixam marcas facilmente detec-
tveis no texto bblico.
Por via de regra certamente no h como comprovar a autenticidade de
um texto. Por isto persiste a tarefa difcil de ponderar cuidadosamente todos os
argumentos cabveis (lingsticos, de contedo, histricos) a favor e contra.
Mesmo assim os critrios que podem ser objetivados no permitem, em diver-
sos casos, uma definio inequvoca - no raro tambm nos casos em si
importantes para a interpretao. Assim temos de adotar, depois de termos
excludo o que reconhecemos como "no autntico", o critrio mais subjetivo
da coerncia: os textos em questo se enquadram na pregao proftica -
inferida a partir de palavras que difIcilmente podem deixar de ser consideradas
"autnticas" - ou a contradizem? Esta questo sobretudo importante para o
julgamento das promessas de salvao questionadas veementemente (v. Is 2; 9;
11): estas promessas suspendem as ameaas de juzo ou as pressupem e levam
adiante? 'Iambm com este procedimento persistem incertezas suficientes, que
permitem diversas acepes.

b) Principais gneros literrios


da literatura proftica

As formas literrias utilizadas nos livros profticos podem ser classifIca-


das a grosso modo em trs categorias principais: narrativas sobre profetas,
vises, ditos.

1. Narrativas sobre profetas

Contam de experincias, feitos ou sofrimentos do profeta. Mesmo assim


no a sua sina, muito menos ainda a vita de um santo que constitui o seu tema
principal. Desta forma tambm a designao habitual "lenda proftica" no
adequada, pois d margem a mal-entendidos. O peso decisivo recai sobre as
palavras, de modo que, ao menos na sua forma traditiva atual, as narrativas
sobre profetas relatam da "histria" da palavra de Deus e da palavra do profeta.
As tradies dos assim chamados profetas pr-literrios ou pr-clsssicos,
como Nat, Elias ou Eliseu, apenas se conservaram na forma narrativa na qual

174
se relata sobre o profeta na terceira pessoa (2 Rs 1). Tambm as palavras destes
profetas foram, portanto, reportadas apenas no contexto de uma ao. Os ditos
dos assim chamados profetas literrios ou clssicos, ao contrrio, esto inseridos
s excepcionalmente numa moldura narrativa, que, ento, descreve a situao
em que foi articulada a palavra (Os 1) ou para dentro da qual foi pronunciada
(p. ex., Is 7). Sobretudo quando se dirige a indivduos (como no caso de Am
7.10ss.; Is 7), para ser compreensvel, a palavra requer uma descrio breve da
situao, com indicao do receptor. Mas o relato tem to pouco interesse
biogrfico, que nem informa sobre o destino do profeta (Am 7.10ss.).
Por via de regra a palavra dos assim chamados profetas literrios se transmite de
fonna independente, sem estar vinculada a uma descrio mais pormenorizada da
situao em que ocorreu. Desta forma ela tambm pode preservar com maior facilidade
a perspectiva do futuro; pois geraes posteriores podemrelacionar diretamente consigo
mesmas o queoriginalmente notinha nadaa vercomelas, visto quefaltaa moldura narrativa.
A diferena na transmisso das palavras dos assim chamados profetas pr-
clssicos e dos profetas clssicos tambm reside no fato de dirigirem sua
mensagem proftica a diferentes destinatrios. Ao contrrio dos profetas pr-
clssicos, os assim chamados profetas literrios se dirigem apenas excepcional-
mente a pessoas isoladas, como ao rei (Is 7). Sua mensagem se dirige por via
de regra a grupos ou a todo o povo. Por outro lado, os assim chamados profetas
literrios no agem mais no sentido restrito do termo, pois no intervm mais
ativamente na rea poltica, mas apenas atuam pela palavra.
As poucas aes profticas transmitidas so as assim chamadas "aes
simblicas" ou "aes metafricas". Estes gestos podem ter origem na magia,
mas eles no desencadeiam os acontecimentos iminentes, apenas os anunciam
atravs de um sinal (Is 20.3 e outras), antecipando-os dramaticamente. Com isto
apiam e reforam a palavra proftica. Assim, Jeremias carrega um jugo de
ferro para mostrar diante dos olhos de todos que Israel e seus vizinhos tero de
carregar o jugo da dominao babilnica (Jr 28.12ss.; cf. 1 Rs 22.11). A ordem
para executar, o relato sobre a execuo e a interpretao da ao simblica so
elementos importantes, mas no necessrios (l Rs 19.19ss.; Os 1; 3; Is 8; 20;
Jr 13; 16; 19; Ez 4s.; 12; Zc 6.9ss. e outras; cf. G. Fohrer).
Nos livros profticos se encontram no apenas narrativas na terceira
pessoa - redigidas por terceiros, um grupo de discpulos ou transmissores
(como Am 7.lOss.; Os 1; Is 7; 20; a narrativa de Baruque no livro de Jeremias
ou o livreto de Jonas), mas tambm narrativas na primeira pessoa, em forma de
depoimento (Os 3; Jr 13; 24 e outras) - redigidas pelo prprio profeta.
Desta categoria fazem parte principalmente os relatos de vocao (Is 6;
40; Jr 1; Ez Iss.). Servem para fundamentar, justificar e dar crdito ao profeta,
que pode alegar, quando algum o questiona, que foi forado a proceder desta
maneira (cf. Am 7.15; Jr 26.12). Entre os relatos de vocao temos de distin-

175
guir de novo duas formas bsicas: por um lado, a vocao acontece num
momento de dilogo entre Deus e o profeta, de sorte que este pode protestar,
argumentando que indigno e a tarefa, pesada; mas a sua objeo rebatida
pela palavra de apoio de Deus, expressa de forma mais ou menos estereotipada,
p. ex. em frmulas como no caso de Moiss em x 3s.; Gideo em Jz 6.11ss.;
Saul em 1 Sm 9s. e Jr 1). Por outro lado a vocao tambm pode acontecer de
forma mais indireta, a partir de uma viso do conselho do trono (Is 6; 40; Ez
1; cf. 1 Rs 22.19ss.; Zc 1.7ss.; J 1). Em ambos os casos a misso pode ser
resumida nas palavras "enviar" e "ir" (x 3.10; Jr 1.7; Is 6.8s.; Ez 2.3s.; cf.
Jr 14.14s. e outras).
Podemos contrapor s narrativas profticas de forma generalizada os "orculos".
Visto que este termo, porm, d margem a mal-entendidos, melhor que nos contente-
mos com a tripartio: narrativas, vises, ditos.

2. Vises

Enquanto o sacerdote d instrues e o sbio ou anciao, conselhos, o


profeta se distingue pela "palavra" (Ir 18.18) ou "viso" (Ez 7.26). Ams e
provavelmente tambm Isaas, ao que parece, se compreenderam a si mesmos
como "visionrios" ou "videntes" (Am 7.12,14; Is 30.9s.). At nos ttulos dos
livros ainda ressoa que os profetas recebem tanto palavras (Am 1.1; Os 1.1 e
outras) como tambm vises (Is 1.1; 2.1; Ne 1.1; Hc 1.1 e outras). Eles mesmos
contam: "Eu vi" (Am 9.1 e outras).
Embora as vises representem de longe um elemento menor na tradio
proftica, elas tm importncia constitutiva. E mais: a compreenso do profe-
tismo em grande parte depende do peso que atribudo s vises. Pois em
nenhum outro lugar se evidencia mais a prioridade do futuro; e a percepo do
futuro das vises certamente advm em grau mnimo de uma anlise do presente.
As vises se situam cronologicamente e em termos de contedo no prin-
cpio da atividade proftica? Parece que a atuao de Ams comea com um
ciclo de vises (Am 7.1-8; 8.1-2); Isaas (Is 6), Ezequiel (Ez 1-3), Dutero-
Isaas (Is 40), talvez tambm Jeremias (Jr 1, sobretudo vv. 13s.; cf. 24.1ss.), so
incumbidos de sua misso mediante vises inaugurais ou vocacionais. No se
transmitiram vises de Osias ou Miquias. Tanto mais extensas e significativas
elas se tomam no profetismo tardio, na passagem para o apocalipsismo, em
Ezequiel (1-3; 8-11; 37; 40-48), Zacarias (1-6) e no livro de Daniel (7s.; 10-12;
cf. os sonhos 2; 4). Assim podemos constatar na histria do profetismo um
certo desenvolvimento e uma certa ampliao desta categoria, at que no
apocalipsismo (p. ex., no livro de Enoque) a viso assume tamanha predomi-
nncia, que se transforma num gnero literrio por trs do qual praticamente
no se pode mais captar o fundo vivencial (cf. porm Lc 10.18).

176
Nas visoes o profeta pode manter um dilogo com Deus. Portanto a
conscincia do profeta de forma alguma est desligada, pelo contrrio, ela est
muito alerta. Alm disso o contedo da viso no precisa ser posteriormente
traduzido em pensamentos claros e compreensveis. Antes, as vises de ante-
mo desembocam em audies, ou seja, em contedos que podem ser expressos
em palavras e so, portanto, compreensveis e transmissveis. As vises podem
at transformar-se em meras audies (Is 40.1-9).
Reproduzindo e transmitindo as vises, o profeta de certa maneira j cumpre sua
misso de pregao, de que foi incumbido de forma direta (Zc 1.14) ou apenas indireta
(cf. Am 3.8). Alm disso ressoa no todo da mensagem proftica a percepo que se
impe ao profeta na viso.
Podemos distinguir as vises de acordo com as variaes na estrutura
formal ou segundo critrios que levam em conta seu contedo, em especial
considerando a relao entre imagem e palavra. Se aquilo que foi visto corres-
ponde exatamente ao evento anunciado para o futuro, ento temos uma viso
de um evento (p. ex., Am 7.1-6). Se o contedo da viso e o evento futuro
apenas se vinculam por intermdio da palavra que reproduz o contedo da
viso, trata-se de uma viso de jogo de palavras ou uma viso de assonncia
verbal (Am 8.1s.; Ir 1.11s.). Todavia, a classificao das vises nestes e em
outros tipos (como viso de presena, viso simblica, viso de uma situao)
nem sempre possvel; o enquadramento de uma viso em um determinado
tipo muitas vezes discutvel e as delimitaes entre um e outro tipo de viso
no so ntidas.
Entretanto, no se deveria ignorar uma diferena importante. Em parte o
profeta experimenta a viso como interveno de Deus, que concede ao profeta
a viso: "Isto me fez ver o Senhor" (Am 7.1; cf. Ir 24.1; Zc 3.1; tambm Ez
37.1 e outras); em parte o prprio Deus se toma contedo da viso, d-se a
conhecer: "Vi o Senhor" (Am 9.1; 1 Rs 22.19; Is 6.1). Mas mesmo estas
diferenas podem ficar esmaecidas, pelo menos posteriormente (Am 7.7).
'Iambm na viso de Deus se mantm a transcendncia de Deus; a audio
predomina sobre a viso (cf. j 1 Rs 22.11ss.). O anncio: "Vi o Senhor" promete mais
do que a prpria viso oferece; Deus no descrito nem por Ams nem por Isaas. Na
viso de Zacarias um candelabro dourado com sete lmpadas (4.2) simboliza a onipre-
sena, oniscincia ou tambm a onipotncia de Deus sobre a terra (4.10).
Liberdade maior ousam assumir Ezequiel, na representao do que est ao redor
do trono de Deus (1.4ss.), e sobretudo Daniel, na descrio do "Ancio" (7.9ss.).
Ezequiel acrescenta a ressalva "algo semelhante a" (1.22,26s.), para indicar a inade-
quao da linguagem usada. Apesar destas referncias vagas, Ezequiel ousa constatar
no final: "Esta era a aparncia da glria de Jav" (1.28), mas parece com isto ainda
querer evitar a afirmativa direta: "Esta era a imagem de Jav".
Quando na poca ps-exlica se passa a enfatizar mais a transcendncia

177
de Deus, surge, ainda de forma velada na viso de Ezequiel do novo templo
(40.3s.; cf. Is 40.6), de forma constitutiva no ciclo de vises de Zacarias como
tambm no livro de Daniel (7.16; 8.15ss. e outras), a figura de um anjo que
funciona como intrprete (angelus interpres), como agente intermedirio entre
Deus e o ser humano, de sorte que no h mais um contato direto entre Deus
e o profeta.

3. Ditos

A categoria mais ampla na tradio dos assim chamados profetas literrios


formada pelos ditos. O uso do termo "audio", em analogia ao termo
"viso", empregado de forma genrica, no adequado. No pressupe ele que
todas as palavras tenham sido recebidas pelo profeta, embora uma grande
parcela delas seja apresentada formalmente no como palavra de Deus, mas
como palavra do prprio profeta? Entretanto, tambm os ditos que so atribu-
dos expressamente a Deus levantam a pergunta: na situao concreta o profeta
tinha de aguardar at que lhe era dita a palavra que deveria transmitir (cf. Jr
28.6ss.; 42.7; Nm 22.8,19 e outras)? Ou o prprio profeta podia formular e
pronunciar diversos ditos com base na sua percepo do futuro, que lhe era
concedida principalmente atravs das vises?
Assim, melhor reservar o conceito "audio" para aquela forma especial ou
tambm aquele segmento de vises que no relatam mais do que se viu, mas unicamente
do que se ouviu (cf. sobretudo Is 40.1-9).
Os ditos profticos se caracterizam por uma linguagem surpreendente-
mente variada. A maioria destas formas de expresso no estiveram original-
mente, mas s secundariamente vinculadas ao profetismo. Foram, portanto,
emprestadas pelo profeta de outras reas vivenciais. Isto nos ajuda a reduzir as
numerosas formas de expresso proftica a algumas poucas formas bsicas,
facilitando-nos no apenas a obteno de uma viso geral, mas tambm consti-
tui um ganho em termos de contedo: na busca do "gnero propriamente
proftico" (H. Gunkel, p. XLVI) se destacar o que caracterstico do fenme-
no proftico. Este gnero propriamente proftico encontraremos no anncio do
futuro, seja ameaa ou promessa, inclusive na sua respectiva fundamentao.

a) Anncio do futuro e sua fundamentao (denncia): J ditos dos assim


chamados profetas pr-literrios apresentam os dois elementos caractersticos.
Num primeiro momento mencionam o fato obviamente culposo, para ento
apontar - muitas vezes aps a frmula de mensageiro - o anncio da punio
como conseqncia:
"Mataste
e ainda por cima tomaste a herana?

178
Assim diz Jav:
No lugar em que os ces lamberam o sangue de Nabote,
ces lambero o teu sangue, o teu mesmo."
(l Rs 21.19; cf. 2 Rs 1.3s. e outras.)

Anncios de juzo, embora dirigidos mais a grupos sociais ou ao povo


todo do que a indivduos, representam tambm a maioria dos ditos dos assim
chamados profetas literrios. Assim, Ams censura num dito irnico e acerbo
as mulheres nobres da capital do Reino do Norte:
"Ouvi esta palavra,
vacas de Bas [isto , gado de engorda], que estais no monte de Samaria,
oprimis os pobres,
esmagais os necessitados,
e dizeis a vossos maridos:
Dai c, e bebamos.
Jurou o Senhor Jav pela sua santidade,
que dias esto para vir sobre vs,
em que vos levaro com anzis
e as vossas restantes com fisga de pesca." (Am 4.1s.)
Embora o futuro que aguarda os duramente atingidos pela palavra prof-
tica corresponda conduta atual deles, apenas o anncio do futuro, que segue
imediatamente denncia introdutria, considerado palavra de Deus (cf. Am
3.9-11; 8.4ss. e outras). O juramento de Deus, uma espcie de frmula de
mensageiro radicalizada, confirma de forma irrefutvel o juzo anunciado: dura
deportao por um exrcito estrangeiro. A justificativa que antecede o anncio
do castigo palavra do prprio profeta. Por conseguinte, parece que a diferen-
ciao entre a denncia e o anncio do futuro em parte se identifIca com a
distino entre palavra humana e palavra divina. Com certeza o prprio profeta
tambm formulou a palavra de Deus; pois mostra de forma muito evidente as
particularidades lingsticas de Ams. Sente ele, porm, que a predio do
futuro uma palavra que em medida maior lhe estranha, talvez por o futuro
no estar, em ltima anlise, ao alcance dos seres humanos? Teria Deus talvez
concedido ao profeta apenas a certeza de que o futuro ser calamitoso (cf. Am
8.2), deixando a cargo do profeta, no entanto, reconhecer e nomear as faltas do
povo (G. von Rad)?
O anncio do futuro - muitas vezes introduzido por "eis" - chama-se,
na medida em que implica desgraa, palavra de ameaa ou de juzo, anncio
de desgraa ou de punio, ou ento sentena judicial ou algo parecido. Os
diferentes termos conotam sempre determinadas interpretaes da pregao
proftica, entendida em analogia a um processo jurdico, p. ex. Estas expresses
abrangem, no entanto, somente aspectos parciais desta mensagem; elas nem
sempre so adequadas. Por isso, enquanto no houver consenso sobre a origem
histrico-traditiva da estrutura do dito proftico, a designao mais formal

179
parece ser a mais adequada; ao menos se recomenda adotar uma compreenso
o mais formal possvel dos termos habituais.
O anncio do futuro necessita ser fundamentado, a fim de que possa falar
para dentro da situao concreta, atingir o destinatrio visado e tomar-se trans-
parente para ele. S ento os ouvintes podero reconhecer o juzo como castigo
para sua culpa; em vez de fatum (destino) ela se lhes apresenta como juzo
decretado por Deus. Esta parte do dito proftico, que traz a fundamentao do
anncio e denominada discurso de reprimenda, palavra de censura, denncia
ou tambm indicao situacional, contm uma anlise da situao, portanto uma
crtica da realidade existente, seja referente ao culto, sociedade ou poltica.
Por isso, a anlise da situao constitui o segundo elemento fundamental da
proclamao proftica, ao lado do anncio do futuro. Ambas as partes aparecem
s vezes isoladamente, costumam, porm, constituir uma unidade. Neste caso,
denncia e anncio se interligam muitas vezes por partculas como "por isso,
porque" ou similares.
melhor reservar a categoria de discurso de tribunal a certos textos que refletem
um julgamento (p. ex., Is 1.18ss.; Os 2.4; Jr 2.9; v. abaixo 21,2c). De caso para caso
podemos distinguir a entre disputas preliminares (antes do tribunal), discursos de
acusao ou de defesa e outros (cf. H. J. Boecker).

b) Nos ais profticos segue ao "ai" introdutrio (hoy) um substantivo,


adjetivo ou, muitas vezes, um particpio ativo que caracteriza uma pessoa ou
um grupo de pessoas por sua conduta persistente:
"Ai daqueles que desejam o dia de Jav!" (Am 5.18.)
"Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal." (Is 5.20; cf. Mq 2.1.)
Tais lamentos costumam apresentar-se encadeados (Is 5.8ss.; Hc 2.6ss.) ou
por formarem originalmente uma unidade de discurso, ou por constiturem uma
composio posterior, que tambm pode servir para estruturar o texto (Is 28.1;
29.1; 30.1 e outras). De onde os profetas emprestaram o "ai"? Esta pergunta
suscitou uma discusso acalorada (por ltimo, C. Hardmeier). Como se expli-
cam semelhanas estruturais com as maldies (Dt 27.15ss.)? Tematicamente h
pontos de convergncia com a sabedoria (Is 5.20ss. e outras). Porm o "ai"
originou-se da lamentao fnebre (l Rs 13.30; Jr 22.18; 34.5; cf. Am 5.16). O
profeta o transfere a pessoas vivas, para demonstrar aos seus ouvintes "que
uma certa conduta humana j contm o grmen da morte" (G. Wanke). A partir
da distino entre anncio do futuro e sua fundamentao, o "ai" constitui um
gnero misto em que se fundem a indicao da culpa (na descrio da conduta)
e o anncio do castigo. O "ai!" que lamenta por pessoas vivas estarem
destinadas morte j contm em si o juzo iminente, e at o juzo presente.
Todavia, pode seguir-lhe um anncio expresso do futuro (Is 5.8s.; 30.1-3 e outras).
Aparentado com o "ai" a qina ou o cntico fnebre. Quanto forma,

180
um estquo maior (3 acentos) seguido por um menor (2 acentos) - p. ex.,
Aro 5.2 - , enquanto na apresentao do assunto se costuma contrapor o
passado ao presente (Is 1.21; 14.12ss.; Ez 27 e outras; cf. 26,2).
Contrape-se ao "ai" o macarismo (ashre, "feliz, bem-aventurado") que pode
ser uma congratulao (l Rs 10.8; cf. SI 127.5; 128) ou um elogio a uma determinada
conduta (SI 1.1; 2.12; 32.2s. e outras; cf. Mt 5.3ss.).

c) Os profetas no perscrutam apenas o futuro, mas tambm o passado.


Entretanto, os profetas de juzo aproveitam a retrospectiva histrica - seja ela
breve (Aro 2.9; 9.7; tambm Is 28.21 e outras) ou extensa (Os 9.lOss.; sobretu-
do 11.1s.; Is 9.7ss. v. abaixo 20.3c) - essencialmente como prova de culpa,
isto , como justificativa para seu anncio do futuro. Assim, "no se pode
ignorar a unilateralidade desta apreciao histrica cuja fmalidade era provar o
pecado de Israel, constante em todos os tempos" (H. Gunkel; cf. J. Vollmer).

d) Na palavra de controvrsia, tambm chamada de palavra de disputa,


dilogo ou discusso polmica ou algo parecido, o profeta aceita o desafio de
enfrentar diretamente seus ouvintes. Ele pressupe que estes tenham dvidas
quanto sua mensagem e procura conduzi-los mediante perguntas para que
cheguem a determinadas concluses (Aro 3.3-6.8; 6.12; 9.7; Jr 13.23; 23.23s.;
Ag 1.2,4ss. e outras). Este tipo de fala proftica, ao que parece, assume rigor
formal maior com o decorrer do tempo (DtIs 21,2b; Ml 22,4). Provm ela
originalmente do conflito de opinies do dia-a-dia ou antes de um debate
acadmico de cunho sapiencial (cf. J 6.5s.; 8.11)?

e) A palavra de exortao ou admoestao contm um imperativo: "Ras-


gai os vossos coraes, e no as vossas roupas!" (Jl 2.13; Jr 4.4). Menciona-se
a seguir uma conseqncia ("para que, para que no") ou uma justificativa
("pois"). Quando o imperativo negativo ("No busqueis a Betel!"; Aro 5.5)
ou quando o significado negativo ("Cessai de praticar o mal!"; Is 1.16),
falamos de palavra de advertncia. A admoestao especfica: "Voltai! Arre-
pendei-vos" (Ir 3.22 e outras), denominamos chamado penitncia ou arrepen-
dimento. Considerando seus temas e suas palavras-chaves, as admoestaes so
bastante diversificadas, revelando origem e aplicao variadas: sabedoria (v.
abaixo 27,3e), direito (Os 2.4ss.; cf. 1 Rs 3.24ss.), guerra (Os 5.8; Jr 6.1;
51.6,27s.,45; n 2.1; 4.9; cf. x 14.13; Dt 20.3; Is 7.4 e outras) e culto. No culto
encontramos imperativos, p. ex., no hino (v. abaixo 25,4a), na convocao
lamentao do povo (Jr 36.9; 6.26 e outras; v. abaixo 25,4b) ou na Tor
sacerdotal adotada pelos profetas (' 'instruo" sobre peregrinao ou sacrifcio;
Am 4.4s.; 5.4,21ss.; Is I.lOss. e outras).

f) A contraparte do anncio de juzo, a palavra ou promessa de salvao,


parece que formulada de maneira muito menos uniforme (cf., p. ex., Os

181
2.16ss.; Am 9.11ss.; Is 11; Ir 28.2s.; 30s. ou Ez 37). Frmulas introdutrias
costumam ser "naquele dia/naqueles dias" (Os 2.18ss.; TI 4.1), "na sucesso
(ou no [mal) dos dias" (Is 2.2), "eis que viro dias" (Jr 31.31; cf. Am 4.2) e
outras. Da forma mais clara se identifica o "orculo de salvao" - original-
mente sacerdotal - "que em nome de seu Deus prometia a quem orava o
atendimento do seu pedido" (J. Begrich; v. abaixo 21.2a). Devemos distinguir
desta promessa de salvao ainda o anncio de salvao e uma descrio de
salvao (C. Westermann)? Como o anncio de juzo, tambm a palavra de
salvao est muitas vezes marcada pelo eu divino e com isto aponta para
aquele que possibilita e desencadeia o futuro (Os 14.4; Is 1.26 e outras).

c) Questes levantadas pela atual


pesquisa dos profetas

Se os profetas utilizam uma variedade de formas de expresso, onde se


deve ento buscar o decisivo e essencial de sua proclamao - no anncio do
futuro, na anlise da situao (inclusive na crtica social) ou na palavra de
admoestao, radicalizada na conclamao ao arrependimento? Devemos apon-
tar ao menos alguns problemas fundamentais da pesquisa atual sobre os profe-
tas, que certamente no so os nicos.

1. At que ponto podemos "deduzir" a mensagem dos profetas literrios


a partir de tradies mais antigas de Israel, sejam elas relacionadas ao culto, ao
direito ou sabedoria? Certamente os profetas adotaram vrias formas de
expresso, temas, tradies e concepes, para transfigur-los dentro de sua
mensagem, com o objetivo de atingir os seus ouvintes na sua situao atual.
Mas, ao anunciar que Deus denuncia a comunho com seu povo (Am 8.2; Os
1.9; Is 6.9ss.; Ir 1.13s.; 16.5 e outras), os profetas literrios poderiam ter-se
estribado em tradies anteriores? Este anncio proftico no contradiz o con-
tedo bsico da tradio que justamente confessa a comunho entre Deus e o
povo (Gn 15; x 3 e outras)?

2. Por outro lado, os profetas literrios tm tanto em comum na sua


percepo do futuro, nas formas de expresso que adotam (anncio de juzo
com justificativa, "ai", lamento fnebre e outras) ou nos seus temas (crtica
cultual, social e outras), que dificilmente atuaram completamente desvinculados
uns dos outros. Apesar dos traos individuais e de diferenas bvias tambm
em pontos centrais, sua mensagem mostra-se intimamente relacionada. Como
surgem estas similaridades? No se percebe a uma dependncia direta, muito
menos escrita. Mas ser que h uma relao por intermdio da tradio oral (cf.
a citao de Mq 3.12 em Ir 26.18) - eventualmente repassada por discpulos
de profetas (ls 8.16)?

182
Entretanto, raro os profetas literrios se relacionarem expressamente com outros
profetas (Os 6.5; cf. Ir 28.8). Vrias vezes contrapem-se, antes, a grupos de profetas
de forma crtica (Am 7.14; Mq 3.5ss. e outras).

3. Anncio do futuro e anlise do presente por via de regra esto associa-


dos. Controvertido, porm, como se deve compreender esta relao: a intuio
do futuro se origina da percepo profunda da situao atual do povo, ou, pelo
contrrio, a indicao da culpa constitui antes uma conseqncia da certeza
proftica quanto ao futuro?
Atrs disto se oculta ao mesmo tempo a relao entre palavra isolada e revelao:
representam as palavras isoladas do profeta concretizaes formuladas pelo prprio
profeta a partir de sua percepogeral do futuro - obtida em vises? Ou cada uma das
palavrasidentificadas como ditosde Deus se apianum ato revelatrio semprerenovado?

4. Questiona-se a relao entre futuro e presente tambm na compreenso


das palavras que se referem ao futuro. Devem os anncios profticos de juzo
ser interpretados a partir das palavras de admoestao, ou, ao contrrio, esto
as exortaes - mais raras nos primrdios - a servio da proclamao
escatolgica (cf., p. ex., Am 5.5)? No constituem as predies de juzo em si
apenas ameaas, isto , ltimos alertas, com a fmalidade de desviar o juzo pelo
prprio comportamento? Ou os profetas pretendem anunciar com sua mensa-
gem de desgraa e de salvao um futuro que certamente vir e j irrompeu no
presente?
Um problema menor que se coloca dentro deste contexto: afirmativas to radicais
como a assim chamada misso de endurecimento de que Isaas foi incumbido (6.9s.) fo-
ram formuladas na retrospectiva, em razodasreaes dosouvintes proclamao proftica?

5. Com exceo de Ams, parece que os assim chamados profetas de


juzo no proclamaram em absoluto apenas o juzo, mas tambm a salvao. Se
no queremos classificar as promessas de salvao de forma genrica como no
autnticas (v. 13a,3), surge a pergunta: a mensagem proftica , em ltima
anlise, incoerente ou at contraditria, j que o profeta pode emitir, em mo-
mentos diferentes e diante de um pblico diferente, opinies distintas e at
opostas? Ou o anncio de juzo e a promessa de salvao tm contedos que
podem ser correlacionados entre si?
Segundo uma acepo, ambos os tipos de anncio se relacionam mediante
a esperana de que um "resto" sobreviva ao juzo (l Rs 19.17s.). Porm, em
ditos profticos inquestionavelmente "autnticos", o resto pode tomar-se sinal
da catstrofe, a sobra que no promete mais nada para o futuro ou se encontra
ameaada e que apenas testemunha a amplitude da destruio (Am 3.12; 8.10;
9.4; Is 17.5s.; 30.17 e outras; cf. J 1.15ss.). Em contraposio a isso o resto
aparece como "semente santa", como o alvo do juzo e portador de uma nova

183
salvao, muitas vezes justamente em palavras cuja autenticidade controver-
tida (Is 6.13; 4.3; j Am 5.15; 9.8 e outras).
De forma similar apenas na retrospectiva de tempos posteriores que o
chamado ao arrependimento se toma sntese da mensagem proftica (2 Rs 17.3;
Zc 1.3s.)? No raro que os profetas constatam que no houve arrependimento
(Am 4.6ss.; Is 9.12; 30.15) ou que at nem pode ocorrer (Os 5.4; Jr 13.23). De
maneira correspondente podem prometer uma virada propiciada pelo prprio
Deus (Os 14.5; Ez 37 e outras). Aqui, no contexto do anncio da salvao,
tambm h espao para o chamado ao arrependimento (Os 14.2; Jr 3.12; cf. Is
55.6 e outras). Ser que para a pregao proftica o ser humano no consegue
manter a salvao assegurada para si, mas somente receb-la reiteradamente
como presente?
Tais perguntas so respondidas na atual pesquisa sobre os profetas de
forma muito variada. Visto que qualquer compreenso do profetismo pressupe
que se tomem decises referentes "autenticidade" ou "inautenticidade" de
textos, a imagem projetada dos profetas acaba sendo bastante diversificada.

d) Precursores dos profetas literrios

O profetismo literrio veterotestamentrio constitui uma forma relativa-


mente tardia do fenmeno proftico. Este se apresenta de diversas formas e j
aparece nos tempos pr-israelticos, manifestando-se tanto em grupos - ext-
ticos (1 Sm 1O.5ss.; 19.22ss.) - como tambm em indivduos destacados.
Balao em si nem deveria estar entre os profetas israelitas, porque
estrangeiro. Diz-se que pronunciou nos primrdios uma palavra poderosa sobre
Israel. Foi uma maldio que Jav "transformou em bno" (Dt 23.5), ou
Balao teve de pronunciar por solicitao de Jav uma bno em vez da
maldio que esperava que dissesse (Nm 22-24)? Em todo caso, a tradio
bastante extensa, constituda de um fio javista (24) e outro elosta (23),
marcada em alto grau por elementos profticos, como a experincia da coao
divina (22.8,18) ou a revelao em forma de viso e palavra (23.3; 24.3s.,15ss.).
Neste caso, como de resto em todas as tradies sobre personalidades
destacadas de Israel, bastante discutvel at que ponto tempos posteriores
participaram na formao da tradio. Os complexos narrativos, p. ex. o ciclo
de sagas sobre Elias ou Eliseu, surgiram de narrativas isoladas que devem ser
questionadas uma a uma quanto ao seu fundo histrico e sua formao. Face
a esta situao s podemos dar uma viso geral sucinta do profetismo pr-
literrio. A dificuldade de encontrar o fundo histrico pode representar, porm,
um ganho para a interpretao teolgica. Justamente onde as narrativas passam
para o plano milagroso e lendrio, elas apontam para alm dos fatos histricos

184
e sugerem que a no atua a pessoa do profeta, mas o prprio Deus. Em ltima
anlise todos os relatos profticos, em parte mais, em parte menos lendrios,
pretendem ser "narrativas de Jav" (G. von Rad).
Samuel o primeiro de uma sucesso de profetas individuais? Segundo a
informao, ao que parece a mais antiga de que dispomos, Samuel surge como
um assim chamado juiz menor (1 Sm 7.15ss.,6). Como "homem de Deus" ou
"vidente" (9.6ss.) e at mesmo como esprito de um morto (28.7ss.) ele repassa
informaes, apresenta-se como lder de um grupo exttico (19.l8ss.); e na
histria de sua infncia, certamente mais recente, at lhe atribudo o ttulo
"profeta" (3.l9s.). Uma vez designado como comandante carismtico do
exrcito (7.7ss.); e a tradio conhece sobretudo a participao de Samuel no
surgimento da monarquia (cf. 11c3). Independentemente das funes que o
Samuel histrico tenha assumido, a partir dele liderana e carisma, antes unidos
na figura dos juzes maiores, se dissociam. O profetismo torna-se um corretivo
crtico em relao monarquia.
Na poca de Davi surge, ao lado do "vidente" Gade, que enfrenta o rei
depois de um censo demogrfico (2 Sm 24 com a etiologia de um altar
jerosolimita; tambm 1 Sm 22.5), o "profeta" Nat. Nat anuncia a Davi -
depois do translado da arca para Jerusalm (2 Sm 6) - que a sua casa
perdurar; ao mesmo tempo o desestimula a construir o templo (2 Sm 7). Esta
profecia ressoa por mais vezes no AT e submetida, progressivamente, a
sucessivos condicionamentos no decorrer de vrios sculos de histria (SI 89;
132; 1 Rs 2.4; 8.25; 9.4s.; cf. Zc 3.7 e outras); o profeta do exlio at transfere
a promessa do rei para o povo (Is 55.3s.). Em outra ocasio Nat se defronta
com o rei, no com promessas, mas com ameaas, quando induz o prprio Davi
a pronunciar a sentena sobre seu delito (violao do matrimnio de um no-
israelita), recorrendo a uma parbola sobre um caso jurdico (2 Sm 12). Por fim,
Nat desempenha um papel decisivo nas intrigas palacianas junto ao leito do
moribundo Davi, posicionando-se a favor de Salomo como herdeiro do trono
(1 Rs 1).
Os profetas de renome que lhe seguem atuam, iniciando com Aas de Silo
(1 Rs 11; 14), no Reino do Norte.
Elias , pelo menos do ponto de vista dos tempos posteriores, o mais
importante dos profetas pr-literrios (cf. Ml3.23s.; Me 9.11). O profeta encar-
na no prprio nome ("Meu Deus Jav") a sua proposta: "Tenho sido zeloso
por Jav" (1 Rs 19.10,14). Numa situao de sincretismo ou at de hegemonia
do culto a Baal, promovido no Reino do Norte por Acabe, Jezabel e Acazias,
Elias luta em prol da exclusividade da f em Jav (2 Rs 1: consulta ao deus da
cura Baal). O profeta coloca seus contemporneos diante da alternativa Jav ou
Baal: "At quando mancareis de ambos os lados?" (1 Rs 18.21: julgamento de
Deus no monte Carmelo). Como j Nat havia feito antes dele, Elias se engaja

185
na defesa da justia quando o rei comete um delito concreto, o de mandar
assassinar Nabote, o proprietrio de uma vinha. Por trs desta narrativa (1 Rs
21) encontramos duas concepes distintas de direito: o poder inconteste do rei
- concepo corrente no territrio cananeu - e a inalienabilidade da herana
de acordo com o direito israelita. A importncia de Elias se expressa, por fim,
na tradio segundo a qual ele, na sua condio de sucessor de Moiss, se dirige
origem da f em Jav, ao monte de Deus, experimentando ali uma teofania
(l Rs 19; cf. x 19; 33). Deus no (mais) se manifesta nos fenmenos naturais
da tempestade, do terremoto e do fogo, mas no silncio. Ali Elias recebe a
incumbncia de ungir Hazae1 como rei da Sria e Je como rei de Israel (l Rs
19.15ss.). Desta forma dois acontecimentos incisivos da histria posterior, as
cruis guerras aramaicas e a revoluo de Je (2 Rs 8; 9s.), so vinculados com
o homem de Deus, Elias. Com esta vinculao os mencionados eventos so
compreendidos como purifIcao do povo, j que Elias ameaa Israel com um
juzo a que s escaparo sete mil: "todos os joelhos que no se dobraram a
Baal, e toda boca que no o beijou" (l Rs 19.18).
Na tradio do "arrebatamento" de Elias (cf. Gn 5.24; SI 73.24), da sua
ascenso aos cus (cf. Gn 5.24; SI 73.24) numa carruagem puxada por cavalos
de fogo (2 Rs 2), est expressa a idia de que ele foi um profeta singular. Mas
este episdio - a que Eliseu assiste como espectador e sucessor - j faz parte
do ciclo de sagas sobre Eliseu (2 Rs 2-9; 13). Eliseu vocacionado de forma
imediata e incondicional para assumir o "discipulado" quando Elias lhe atira o
manto sobre os ombros (l Rs 19.19ss.). Do esprito de Elias ele recebe a parte
que cabe ao primognito (2 Rs 2.9; cf. Dt 21.17). Entende-se, portanto, que o
carisma de Eliseu no tenha advindo diretamente de Deus, mas tenha sido
intermediado por Elias (assim como os ancios de Israel, segundo Nm 11.17,25,
recebem parte do esprito de Moiss). O prprio Eliseu mestre de um grupo
de discpulos que ao menos ocasionalmente se rene (2 Rs 2.3ss.; 4.1,38; 6.1 e
outras). Embora a confrontao com a religio de Baal fique em segundo plano
nas tradies de Eliseu, parece que, juntamente com os seus discpulos, ele
conspirou para que se fizesse a assim chamada revoluo do entusiasta de Jav,
Je (845 a.C; 2 Rs 9). Como revela o ttulo honorfico "carros de Israel e seus
cavaleiros (= condutores)" (13.14; 2.12), a atividade poltica de Eliseu tambm
incluiu algum tipo de participao na guerra (com os arameus; 6.8ss.). Alm
disto Eliseu foi associado, assim como j fora Elias, ascenso do arameu
Hazael de Damasco ao trono (2 Rs 8). Ainda mais do que no ciclo de sagas
sobre Elias predominam aqui histrias milagrosas. Entre elas merece ateno
especial a narrativa do arameu Naam - que se converte f em Jav, mas
obrigado a prestar servio num templo estrangeiro (2 Rs 5) - devido s suas
implicaes teolgicas ("converso" de um estrangeiro, porm dispensa do
cumprimento do primeiro mandamento?).
J Elias foi tachado pelo rei de "inimigo meu" (l Rs 21.20; cf. 18.17); e

186
o rei de Israel comenta sobre Micaas, filho de Yim1: "Nunca profetiza de
mim o que bom, mas somente o que mau." (l Rs 22.8,18.) Na nica
narrativa que trata deste profeta do perodo pr-literrio que ainda merece ser
mencionado, j se delineiam os contrastes que mais tarde aparecem no profe-
tismo: a contraposio de profetas profissionais que prometem a salvao e o
profeta individual, que anuncia o juzo iminente. At que ponto a narrativa
influenciada por esta situao mais recente e ilustra de forma didtica e exem-
plar a distino entre profetismo autntico e profetismo falso e at que ponto a
narrativa reproduz eventos histricos do passado? Micaas no s prev o juzo
iminente que afetar todo o povo ("Vi todo o Israel disperso pelos montes
como ovelhas que no tm pastor"), mas tem condies de esclarecer, por meio
de uma outra viso em que participa do conselho da corte celestial ("Vi Jav
assentado no seu trono"; cf. Is 6; Jr 23.22; J 1), a mensagem salvfica falsa
de seus adversrios: o esprito se tomou "esprito mentiroso na boca de todos
os seus profetas".
Em tais vises se esboa a mensagem de juzo dos assim chamados
profetas maiores ou se antecipa a mesma na retrospectiva. Independentemente
de como seja o fundo histrico dos livros de Samuel e dos Reis, que temos
dificuldades em clarear, persiste a certeza de que j os profetas pr-literrios
ousavam enfrentar o rei com ameaas e promessas no seu engajamento por
Jav. Os profetas literrios transferem esta mensagem ao povo todo.

187
14
AMS

1. Com Ams se completa de forma repentina e definitiva a passagem


para o assim chamado profetismo literrio, que se caracteriza por "atuar" -
excludas as aes simblicas - apenas atravs da proclamao oral, mais tarde
fixada por escrito. O livro em que esto compiladas as tradies de Ams
contm quase que exclusivamente palavras e vises, e s excepcionalmente
uma narrativa proftica na terceira pessoa (7.10-17). Ao lado de ditos isolados
de um (3.2,8; 6.12; 9.7) ou mais versculos tambm se encontram unidades
maiores. Assim o livro principia - algo completamente extraordinrio em
comparao com os outros livros profticos - com um ciclo das naes
(1.3-2.16). Tirando as complementaes, as estrofes que formam esta composi-
o extensa constituem, com certeza, uma unidade previamente estabelecida.
Tambm o ciclo de vises (7.1-9; 8.1-3) representa uma unidade preexistente
cujo ponto alto se encontra, como no caso dos ditos contra as naes, no fmal.
O livro de Ams est estruturado de tal forma que ao ttulo (1.1) se seguem:

Am 1.2 Lema (abrangendo os caps. 1-2 ou 1-9?)


"Jav rugir de Sio."
I. Am 1.3-2.16 Ciclo das naes com o refro:
"Por trs transgresses (...) e por quatro ( ) no sustarei (a
palavra de desgraa) (...). Eu enviarei fogo ( )"
2.6-16 contra Israel
Crtica social, vv. 6-8; feitos de Deus em prol de
Israel, vv. 9(10-12); anncio de terremoto e guer-
ra, vv. 13ss.
11. Am 3-6 Ditos isolados com anncio de juzo sobre Israel, subdivididos
pelas introdues:
a) "Ouvi esta palavra" (3.1; 4.1; 5.1; cf. 8.4)
3.2 Eleio significa ser responsabilizado em caso de
culpa
3.3-6.8 Palavras de controvrsia
3.9-4.3 Diversas palavras contra a capital Samaria
3.12 No h salvao
4.1-3 Contra as mulheres nobres (cf. Is 3.16ss.)
4.4s.(5.5) Admoestao contra o culto

188
4.6-12 Retrospectiva histrica com o refro: "contudo
no vos convertestes a mim"
5.1s.,3 Lamentao fnebre
b) "Ai" (5.18; 6.1; talvez 5.7; 6.13)
5.4-6.14s. "Buscar Jav"
5.18-20 Dia de Jav
5.21-27 Contra o culto ("eu odeio as vossas festas"), em
favor do direito, com anncio de castigo ("des-
terro para alm de Damasco")
6.1-7.8ss. Contra os despreocupados em Samaria
m. Am 7-9 Cinco vises, relato de terceiros e ditos
7.1-8(9); 8.1s.(3) Quatro vises em dois pares
"Isto me fez ver Jav"
7.10-17 Relato na terceira pessoa: Ams e Amazias. Ex-
pulso de Betel.
"Eu no sou profeta..." (v. 14)
8.4-14 Ditos isolados
8.11s.: fome pela palavra de Jav
9.1-4 Outra viso, independente
("Vi o Senhor.")
Destruio do altar
9.7(8-10) Contra a conscincia de Israel de ser o povo eleito
"No sois para mim como os cuchitas?"
IV. Am 9.(8-10)11-15 (Anexo secundrio:) Palavras de salvao
9.11s. Restaurar a tenda cada de Davi

2. No livro de Ams encontramos diversos acrscimos, que, no entanto,


no so reconhecidos de maneira uniforme:
a) As doxologias (4.13; 5.8; 9.5s.) - talvez formassem originalmente um
hino contnuo - foram inseridas mais tarde no livro de Ams, assim como
tambm o lema (1.2), presumivehnente na poca exlica/ps-exlica. Com este
louvor ao Criador a comunidade reconhece o juzo como justo (cf. SI 51.6; F.
Horst) ou confessa a importncia futura, escatolgica da palavra do profeta (cf.
K. Koch; W. Berg).
b) Decerto tambm foi na poca exlica/ps-exlica - que vivenciou o
juzo - que se acrescentou mensagem de juzo uma concluso conciliadora:
a esperana na restaurao da tenda de Davi e na bno da natureza (9.11-15).
A maioria dos exegetas (exceto W. Rudolph, p. ex.) concorda em considerar
estas palavras de salvao no autnticas, mesmo que esta deciso determine a
compreenso global do profeta.
c) Como complementaes deuteronomsticas, em todo caso ps-exlicas,
devemos considerar: 1) os trs ditos contra Tiro, Edom e Jud (1.9s.,l1s.; 2.4s.),
que j chamam a ateno por suas similaridades - eliminao da frmula

189
conclusiva "diz Jav", reduo do anncio de castigo e ampliao da denncia;
2) palavras isoladas como 2.10-12; 3.1b,7; 5.25(s.); em parte tambm 1.1; 3)
dbias so 5.13; 8.11ss.; 9.8ss. e outras passagens.
O livro de Ams formou-se, portanto, gradativamente. No incio havia os
ditos e as vises de Ams, que foram complementados pelo relato na terceira
pessoa (7.10-17) e talvez ainda por outras palavras de um grupo de amigos ou
discpulos do profeta (a assim chamada escola de Ams, que no pode ser
comprovada, mas apenas inferida). Por fim so acrescentadas diversas comple-
mentaes posteriores. Este processo se deu no Reino do Sul (cf. 1.1s.; 2.4s.;
7.10 e outras), de onde provm Ams e para onde expulso (7.12). Uma
redao especificamente judata reconhece-se, porm, com maior clareza no
livro de Osias.

3. Ams, natural de Tecoa no Reino do Sul (1.1), atua (somente) no Reino


do Norte, por volta de 760 a.c., sob Jeroboo lI, numa poca de paz na poltica
externa, sim, at de certas vitrias militares (cf. Am 6.13 com 2 Rs 14.25ss.) e
bem-estar econmico. O motivo da "atuao [do profeta] no se explica pelas
circunstncias polticas ou culturais de seu tempo; estas ofereciam, visto de fora,
poucos motivos de escndalo" (A. Weiser, Altes Testament Deutsch, ref. a Am
1.1). Foram, antes, as condies polticas internas, injustia social (v. acima
3d) que motivaram as denncias do profeta. Em todo caso, a potncia assria
no se delineava ainda no horizonte seno para quem enxergava muito longe
em termos polticos. O reino dos arameus tinha sido j praticamente derrotado
pelos assrios. Estes, no entanto, ainda no estavam avanando em direo ao
sul. Assim, Ams s faz aluses vagas a eles (5.27; 4.3; 6.2,14); ao contrrio
de Osias ou Isaas, porm, (ainda) no os menciona pelo nome.
Arns atua por pouco tempo, talvez apenas alguns meses, no Reino do Norte (cf.
1.1: "dois anos antes do terremoto" - previsto por Arns) , em Betel (7.10ss.),
eventualmente tambm na Samaria (cf. 3.9; 4.1; 6.1) e em outros lugares. Conhece o
passado e o presente de Israel, tem conhecimento, inclusive, do que acontece nas naes
vizinhas (1.3ss.; 9.7 e outras) e formula suas palavras ilustrativas e ricamente metafri-
cas com vigor potico (cf. 3.3ss.,12; 5.19 e outras). H. W. Wolff constatou vnculos
entre Arns e a sabedoria (de cl): p. ex., quando utiliza o dito numrico; compare 1.3ss.
com Pv 30.15ss. (v. posicionamento crtico de H. H. Schrnid). A mensagem proftica
referente ao futuro em todo caso no se explica a partir deste pano de fundo.
De maneira diferente de Osias, Ams s de vez em quando alude histria
primitiva de Israel. Argumenta ento com tradies fundamentais - sada do Egito
(9.7; cf. 3.1s.) e tomada da terra (2.9) - contra Israel. Ele tambm pode converter a
tradio da guerra de Jav em prol de Israel em anncio de guerra contra Israel (2.13ss.).
Ao contrrio de Osias (4.2), Arns no cita literalmente a lei divina; a sua mensagem
apenas coincide com a inteno desta lei.
De profisso Ams "pastor e colhedor de sicmoros", talvez tambm

190
proprietrio de um rebanho. Em todo caso no precisa manter-se com sua
atividade proftica. De fato nem se considera profeta ou discpulo de profeta,
pois se sente diretamente vocacionado por Deus (7. 14s.; cf. 1.1) - mediante as
vises?

4. Supe-se que as vises tenham acontecido no incio de sua atividade


proftica. Pois nas primeiras duas vises nas quais antev um juzo duro, mas
talvez ainda no definitivo (destruio da colheita por gafanhotos e do campo
plantado por um incndio), Ams ainda intercede pelo povo: "Senhor Jav,
perdoa! como subsistir Jac?" Apenas no segundo par de vises, que desem-
boca na palavra de Deus: "Chegou o fim para o meu povo Israel!" (8.2), Ams
se convence do juzo inevitvel sobre todo o povo (cf. 8.7; 9.4). Nesta percep-
o bsica se encontram tanto a novidade quanto a peculiaridade do profetismo
literrio pr-exlico (quanto ao tema cf. Os 1.9 e outras, quanto terminologia,
Ez 7; Gn 6.13 P). Como vai ser o juzo parece que no esclarecido num
primeiro momento; mais tarde Ams fala dele em termos concretos: ocasional-
mente como terremoto (2.13; 9.1; cf. 3.14s.; 1.1), normalmente como guerra
(2.14ss.; 3.11; 4.2s.; 5.3,27; 6.7; 7.11,17; 9.4) que Deus conduz contra Israel,
atravs de um povo estranho (6.14). Mesmo uma motivao definida parece no
existir no incio; ela includa posteriormente na pregao do profeta quando
passa a criticar o culto e a sociedade. Antes de sua vocao Ams certamente
no fechava seus olhos diante da realidade circundante. Mas ser que ele no
aprende a ver de forma diferente o presente, enxergando as suas falhas, a partir
do que pressente que ir acontecer no futuro? Entretanto, desde o incio no h
dvidas de que a desgraa atinge um Israel culpado; no constitui um fatum
(destino) inexplicvel e inexorvel, mas o castigo enviado por Deus (' 'no mais
passsarei por ele (poupando-o)": 7.8; 8.2) Este juzo que ameaa a todos no
se espera em um futuro remoto, mas iminente, e parece at "um fato j
consumado" (comentrio de A. Weiser sobre esta passagem bblica). Na medi-
da em que o futuro anunciado j condiciona o presente, a mensagem proftica
merece ser chamada de "escatolgica" (apesar da controvrsia em tomo do termo).

5. Esta percepo proftica, inclusive a compreenso de tempo nela em-


butida, ressoa na pregao do profeta, como, p. ex., no lamento fnebre sobre
o povo que prosperava materialmente.
"Caiu a virgem de Israel,
nunca mais tomar a levantar-se:
estendida est na sua terra,
no h quem a levante [de novo]." (5.2.)
A mensagem que vale para a totalidade das pessoas pode assumir feies
concretas quando, dirigida a grupos ou indivduos, como, p. ex., no "ai",
anuncia um castigo gradual do qual no h como escapar:

191
"Ai daqueles que desejam o dia de Jav! (...)
Como algum que foge do leo,
e ento o urso cai sobre ele!
Mal escapando para sua casa,
encosta sua mo na parede,
e a a cobra o pica." (5.l8s.; cf. 9.2-4; 1 Rs 19.17; Is 5.5s.).
Ams tambm anuncia de forma concreta a morte (5.3, 16s.; 6.9s.; 8.3;
9.4) e o desterro (5.5,27; 6.7; 7.11). Inclui neste destino comum a famlia do
sacerdote que o denuncia junto corte por "conspirao" e lhe probe a palavra
(7.17). Nem ao menos um resto sobreviver (3.12; cf. 4.2; 6.10 e outras).
A objees dos ouvintes Ams responde, alegando em primeiro lugar que
sofreu coao (3.8; 7.14s.; cf. 3.3-6). Os ditos contra as naes, talvez a
primeira manifestao pblica de Ams (1.3-2.16), equiparam Israel em maior
ou menor grau aos povos vizinhos em termos de culpa e castigo. Quando os
interlocutores de Ams objetam, ao que parece, que Israel o povo escolhido,
Ams deduz outra conseqncia bem diferente da eleio, a saber, responsabi-
lizao e at punio da culpa; 3.2; cf. 6.12), ou at relativiza a posio
privilegiada de Israel:
"No sois vs para mim, filhos de Israel,
como os filhos dos cuchitas? - diz Jav.
No fiz eu subir a Israel
da terra do Egito
e de Caftor os filisteus,
e de Quir os arameus?" (9.7; cf. 6.2.)
Uma palavra destas revela ao mesmo tempo algo da amplitude universal
de Deus na viso deste profeta. Jav no to-somente o juiz dos povos
(1.3ss.), que pune tambm crimes cometidos contra outros povos que no Israel
(2.1), mas tem tamanho poder que ultrapassa em muito as naes vizinhas (9.7),
alcanando at os limites do cosmo (9.2s.).

6. Enquanto Ams identifica a culpa dos povos sobretudo nas suas aes
blicas (1.3ss.), ele destaca, no caso de Israel, em primeiro plano a transgresso
do direito (3.10; 5.7,24; 6.12), isto , a crtica social: "Vendem o justo por
dinheiro." (2.6; cf. 2 Rs 4.1). Ao lado da opresso dos pobres e do luxo
mantido s suas custas (4.1), mencionam-se delitos econmicos, como a falsi-
ficao de pesos e medidas (8.4s.), a distoro do direito "no porto" (5.10,12,15)
e outros (2.6-8; 3.9s.,15; 4.1s.; 5.7ss.; 6.4ss.,12; 8.4ss.; cf. 7.9,11 contra a casa
real). Em sua crtica Ams aparentemente no denuncia apenas transgresses
da classe alta (2.7: "Um homem e seu pai coabitam com a mesma jovem").
Em todo caso Ams no toma explicitamente o partido da classe baixa. Antes,
a sua crtica. social permanece sendo denncia de culpa, de modo que pode

192
desembocar no anncio de juzo contra todo o Israel (2.13ss., aps 2.6ss.; cf.
3.11). Ams "no vai alm da negao do que descreve, mas justamente a
mostra sua acuidade analtica e agressiva" (M. Fendler, p. 53).
Ams considerado o profeta da justia social. Este realmente o tema
preferido, mas no exclusivo de sua denncia. Polemiza tambm contra a falsa
segurana ou arrogncia (6.1s.,8,13; 8.7) - um motivo retomado sobretudo por
Isaas - e contra o culto. O que Ams experimenta na sua quinta viso (9.1)
transparece em suas palavras: a destruio do altar (3.14), isto , dos santurios
do Reino do Norte (5.5; 7.9). Compreendeu-se esta condenao mais tarde -
certamente em discordncia com Ams - como um posicionamento a favor de
um nico santurio em Jerusalm' (1.2)? Ao contrrio de Osias, que foi quase
seu contemporneo, Ams no fundamenta sua crtica cultual na apostasia do
povo ao optar pelo culto a Baal. Mas da mesma forma que os profetas tardios,
Ams condena, atravs do uso irnico-polemizante da linguagem sacerdotal,
sacrifcios e festas (4.4s.; 5.21ss.; 8.10; cf. 2.8). Tambm a crtica cultual no
pode ser isolada; ela est integrada na mensagem referente ao futuro (5.5,27;
8.10) e com isto na compreenso proftica de Deus. Desta forma o lema
"direito e tica em vez de culto", que apenas abrange um aspecto (5.24,14s.),
em ltima anlise no seria insuficiente?

7. Muito discutido se em Ams sobra espao para um resqucio de


esperana que v alm da denncia e do anncio de castigo. As profecias de
salvao no [mal do livro (9.11ss.) dificilmente constituem palavras do prprio
Ams. No entanto, permanece incerto se no lhe deve ser creditada aquela
exortao que promete salvao sob uma nica condio: "Buscai-me e vivei!"
(5.4s.,6,14s.) (como afmna H. W. Wolft). Independentemente de se a se mani-
festa um grupo de discpulos ou o prprio profeta, a palavra restringe dupla-
mente a possibilidade de (sobre)vida daqueles que amam o bem e praticam a
justia: a misericrdia reservada apenas a um resto e mesmo a este s
eventualmente (5.15). Tal palavra pode e quer mesmo encorajar que se adote
uma outra conduta? Osias quem manifesta por primeiro uma expectativa
salvfica autntica, embora o transcurso da histria, o ocaso do Reino do Norte,
antes tenha dado razo a Ams.

193
15
OSIAS

1. O livro dos Doze Profetas Menores (Dodekapropheton) inicia com o


livro de Osias porque este o mais extenso dos livros dos profetas menores
mais antigos ou porque, na retrospectiva, Osias foi considerado o mais antigo
destes profetas. Na realidade, porm, um contemporneo mais novo de Arns,
atuou apenas mais ou menos uma dcada depois dele, ainda durante o governo
de Jeroboo II de Israel, mencionado por Arns (7.9,11), e do rei judata Uzias,
em cujo ano de falecimento Isaas (6.1) foi vocacionado. A assim chamada
guerra siro-efraimita em 734/3 a.c. se reflete na proclamao de Osias (5.8ss.).
Mas em contrapartida ele dificilmente ainda vivenciou a concretizao de suas
ameaas contra a Samaria (14.1), ou seja, a destruio do Reino do Norte pelos
assrios em 722 a.c. Assim, a atividade proftica de Osias abrange aproxima-
damente a poca de 750 a 725 a.c. - em comparao com Arns um espao
de tempo bastante prolongado, considerando-se que o livro de Osias apenas
mais ou menos 50% mais extenso que o de Arns.
Osias o nico profeta literrio no-judata; pois no apenas atuou no Reino
do Norte, mas provavelmente tambm era natural de l. Da se explicariam
algumas peculiaridades lingsticas ou at certos temas de sua pregao, como
a incluso da tradio de Jac e do xodo (caps. 11s.). O fato de os precursores dos
profetas literrios terem em geral atuado no Reino do Norte toma compreens-
vel que Osias, ao contrrio de Arns, oriundo do Sul, atribua aos profetas um
papel de muita importncia para Israel (6.5; 12.11,14). Podemos perceber a
uma correlao entre tradies? Talvez possamos supor que haja uma cadeia
traditiva que liga Elias e o Elosta com Osias e este com as tradies do
Deuteronmio e com Jeremias, que na sua juventude possivelmente tenha sido
influenciado por Osias (cf. lOa,3). Decerto no por acaso, p. ex., que
Osias, Jeremias (7.9) e o Deuteronmio retomem o Declogo ou suas tradies.
Biograficamente sabemos pouco de Osias, nem ao menos conhecemos o
lugar de seu nascimento e sua profisso, como o sabemos no caso de Arns.
Conhecemos o nome de seu pai Beeri (1.1), da sua esposa Gmer (1.3) e de
seus trs filhos (1.4ss.), cujos nomes simblicos foram incorporados na prega-
o de Osias. Tambm no h nenhum relato de vocao propriamente dito
(como Arn 7.14; Is 6; mas cf. Os 1.2). Da mesma forma como decerto acontecia
com a maioria dos profetas, Osias teve de suportar hostilidade e sarcasmo por

194
parte dos outros: "O seu profeta um tolo, o inspirado um louco." (9.7s.)
Desta forma Osias designado de "profeta", mesmo que seja em tom irnico.

2. Enquanto que no livro de Ams as pequenas unidades de discurso oral


podem ser delimitadas com bastante clareza, os ditos que formam as pequenas
unidades de fala se fundem, no livro de Osias, em composies maiores, de
acordo com critrios temticos ou histricos. Como faltam quase que por
completo frmulas estilsticas de interligao, como a frmula do mensageiro
(cf., porm, 2.15,18 e outras), fica difcil delimitar os ditos originais. S ocasio-
nalmente incio (4.1) e fim (2.23; 11.11) de uma coleo so marcados por uma
frmula, e o livro termina com uma exortao sapiencial (14.10). Explica-se
esta espantosa coeso do livro de Osias j a partir da exposio oral (H. W.
Wolff imagina que Osias tenha feito "resumos de sua pregao"), ou mais
provavelmente a partir do processo traditivo subseqente antes ou durante a
fixao por escrito? Se Osias no anotou suas prprias palavras ou apenas o
fez excepcionalmente, se no compilou os discursos, devemos atribuir redao
uma participao maior na elaborao do livro. Todavia, dificilmente podemos
separar no livro de Osias de maneira inequvoca a redao posterior do texto
atribuvel ao profeta.
O livro de Osias consiste de duas partes principais que, por sua vez, se
compem de pequenas colees. A primeira parte (caps. 1-3) quer mostrar, com
o relato na terceira pessoa no capo 1, o relato na primeira pessoa singular no
capo 3, e tambm atravs das palavras de ameaa e salvao na parte interme-
diria no capo 2, "como a vida particular de Osias se refletia na sua pregao"
(W. Rudolph). A segunda parte do livro (caps. 4-14), por sua vez, se subdivide
em duas unidades maiores (caps. 4-11 e 12-14) onde se seguem, como j nos
caps. 1-3, a mensagem de desgraa e de salvao. Desta forma se alternam,
vrias vezes, no livro de Osias ameaa e promessa - no que pode ser
comparado ao livro de Isaas:
Desgraa Salvao
I. Caps. 1-3 1.2-9 2.1-3
2.4-15 2.16-25
3.1-4 3.5
n. Caps. 4-14 4.1-11.7 11.8-11
12.1-14.1 14.2-9
Dificilmente conseguimos perceber nos ditos isolados da segunda parte
principal uma estruturao clara; a partir de capo 9.lOss. prevalecem as passa-
gens retrospectivas que servem para apontar a culpa de Israel.
I. Os 1-3
1 Relato em terceira pessoa, incumbncia de casar com uma prostituta
'Irsfilhos: Jezreel, Aquela-de-quem-no-se-tem-piedade, No-Meu-Povo
2 Ditos isolados (a contagem de versculos no uniforme)

195
Vv. 1-3 Promessa. 'Iransformao dos nomes que exprimem des-
graa em nomes promissores: "filhos do Deus vivo".
Vv. 4-15 Ameaa. Deus retira as ddivas da terra.
Imagem do matrimnio. Confrontao com o culto a Baal.
Vv. 16-25 Promessa. Retorno ao deserto ("segundo xodo"). Nova
comunho.
3 Relato na primeira pessoa: "Ama a uma adltera!"
V. 4 "Sem rei e sem sacrifcio"
V. 5 (sec.) Retorno a Deus e a Davi (cf. Jr 30.9)
11. Os 4-14
4-11 4 Contra sacerdotes (vv. 1-10) e culto (vv. 11-19)
V. 2 Nenhum conhecimento de Deus no pas
5.1-7 Contra os lderes do povo
Vv. 4,6 Nenhuma possibilidade de voltar
5.8ss. Guerra siro-efraimita
6.1-3 Cntico de arrependimento (cf. 14.3s.): cura de-
pois de 2, 3 dias
6.4 Israel se mostra incorrigvel
6.6 Conhecimento de Deus em vez de sacrifcios
7.8 "Efraim se mistura com os povos."
8.4ss. Contra a monarquia e o culto
9.7s. "O profeta um tolo."
9.lOss. Primeira retrospectiva histrica (Baal-Peor)
"Achei a Israel como uvas no deserto."
11 Israel como filho apstata
"Quando Israel era menino, eu o amei."
11.8ss. O amor sagrado de Deus: "Eu sou Deus e no homem."
12-14 12 Israel, imagem do astuto patriarca Jac
(cf. Gn 27ss.; Jr 9.3; Is 43.27)
13 Runa de Israel
14 Chamado converso (vv. 2-4), em conseqncia da
cura por Deus (vv. 5ss.)
Observao interpretativa fmal, de cunho sapiencial (v. 10):
"Os caminhos de Jav so retos."
Como aconteceu com Ams, tambm a mensagem de Osias foi levada
ao Reino do Sul, porm decerto s por ocasio da queda do Reino do Norte. A
histria do livro explicaria o estado ruim de seu texto? - De forma similar
segunda parte do livro de Ams (3.1), a segunda parte principal do livro de
Osias introduzida por uma conclamao para ouvir: "Ouvi a palavra de
Jav" (4.1; cf. 5.1). Como acontece vrias vezes no livro de Ams, tambm no
livro de Osias (12.6) se insere uma doxologia. Podemos deduzir disso que h
correlaes entre a redao de ambos os livros profticos, j que palavras de
Ams (5.5; 1,4 e outras) tambm foram acrescidas numa verso alterada no
livro de Osias - provavelmente a posteriori (4.15; 8.14; cf. 7.10; 11.1O)?

1%
Em todo caso houve uma redao judata - provavelmente de mltiplas
camadas - que atualizou no Reino do Sul as palavras de Osias dirigidas
contra o Reino do Norte, ampliando desta maneira o seu alcance (l.7; 4.15; 5.5;
6.11; tambm l.l; 3.5 e outras). Esta redao podia basear-se no prprio Osias,
que, s vezes, inclua Jud nas suas consideraes (5.10,12; 6.4).
O problema principal consiste nas palavras de salvao. Mesmo que uma
pequena parte (l.7; 3.5) possa ser destacada de forma bastante inequvoca como
secundria, muito difcil encontrar provas do carter secundrio de grande
parte do livro (sobretudo em 2.1-3 ou 2.20ss.). Desta forma devemos deixar em
aberto a questo da autenticidade. Ao contrrio de Ams, no entanto, no resta
dvida de que Osias no apenas ameaa com desgraa, mas tambm promete
salvao.
3. Num primeiro momento, porm, predominam o anncio de desgraa e
a denncia, como mostram os dois relatos na terceira e primeira pessoa repro-
duzidos nos caps. 1 e 3. Relatam o relacionamento de Osias com uma mulher
(adltera) e com isto apresentam exegese problemas que at hoje parecem
praticamente insolveis: trata-se do mesmo acontecimento ou de dois aconteci-
mentos distintos; trata-se da mesma mulher ou de duas? Osias casou conscien-
temente com uma prostituta, em obedincia a uma incumbncia de Deus, ou s
tomou conhecimento da infidelidade de sua mulher posteriormente, durante o
seu casamento? O texto (1.2) foi alterado posteriormente? E que sentido tem o
termo "prostituir-se"? Refere-se infidelidade no casamento, prostituio no
templo ou participao num culto estranho, especialmente num rito sexual
cananeu (cf. 2.4ss.; 4.12ss.; 5.4)?
No temos condies de apresentar aqui todas as possibilidades de resposta.
Talvez possamos optar, apesar de todas as incertezas, pela interpretao que H. W. Wolff
d ao capo I e pela que W. Rudolph d ao capo 3.
Osias teria casado ento por ordem divina "com urna das mulheres jovens, em
idade de casar, que se submeteram ao ritual de iniciao nupcial, assimilado por Israel
(00') ocasio em que a virgindade era sacrificada divindade na esperana de, assim,
obter fertilidade" (Wolff, BK XIV/I, 3. 00., pp. I4s.).
O capo 3, ao contrrio, no se refere (segundo Rudolph) mesma mulher, nem a
um casamento, mas compra e ao encarceramento de uma prostituta: "Vai, ama uma
mulher que amada por um outro!"
Independentemente de como tenha sido o desenrolar da ao, o significa-
do de ambos os relatos evidente. No pretendem ser nem vises nem alego-
rias, mas aes simblicas com que o profeta ilustra e refora sua pregao. De
forma similar Isaas mais tarde inclui sua famlia na sua mensagem (7.3; 8.3).
Ambos os acontecimentos relatados em Osias tm uma inteno dupla (sim-
blica), ao caracterizarem tanto a situao atual de Israel como tambm defini-
rem seu futuro. A mulher encarna em ambos os casos o Israel atual, alienado

197
de Jav, seduzido pela idolatria (1.2; 3.1). Em contraste com esta indicao de
culpa, a respectiva ao subseqente representa o futuro. O nome do primeiro
filho Jezreel (segundo o local dos crimes de sangue de Je: 2 Rs 9s.) prenuncia
a queda no s da dinastia, mas da monarquia em si (Os 1.4). O nome da filha,
Aquela-de-quem-no-se-tem-piedade, e do filho, No-Meu-Povo, predizem o
fim da comunho entre Deus e o povo: "Vs no sois [mais] meu povo, e eu
no mais estou a para vs" (1.6,9, ao contrrio de x 3.14). De forma parecida
o isolamento da prostituta (Os 3.3) no simboliza nem disciplina nem a recu-
perao da mulher ou do povo, mas o fim da monarquia e de algumas prticas
cultuais: por longo tempo Israel ficar sem rei e sem sacrifcios (v. 4. O v. 5,
provavelmente um acrscimo, espera uma converso depois do juzo).
4. A inteno de ambas as aes simblicas tambm se mostra no resto
da mensagem de Osias. Em sintonia com Ams, Osias anuncia o fim da
solicitude amorosa de Deus para com Israel (1.6; 2.6), prediz guerra (7.16; 8.3;
10.14; 11.6; 14.1 e outras), morte (13. 14s.) e disperso: "Andaro errantes entre
as naes." (9.16s.) As imagens da ao punitiva de Deus usadas por Osias
so ainda mais fortes do que as usadas por Ams: "Sou como pus, como
podrido, como um leo, como um urso." (5.12,14; 13.7s.; cf. 7.12.)
Na denncia, no entanto, se mostram deslocamentos de enfoque caracte-
rsticos. Enquanto que em Ams predomina a crtica social, em Osias preva-
lece a crtica cultuai. Ele retoma o anncio de desgraa contra altares e santu-
rios do Reino do Norte (8.11; 10.2,8; 12.12), anuncia o fim da alegria reinante
nas festas (2.13; 9.5) e condena os sacrifcios:
"Quero lealdade,
e no sacrifcios;
conhecimento de Deus,
e no holocaustos."
(6.6; cf. 3.4; 8.13; 9.4.)
Indo alm da confrontao isolada de Ams com Amazias (7.10ss.),
Osias proclama uma sentena dura contra os sacerdotes em geral (4.4ss.; 5.1;
6.9). Ele fundamenta a crtica cultual sobretudo em motivos que no so muito
valorizados por Ams (apesar de 5.26; 8.14): Osias censura a apostasia ao
culto a Baal e a idolatria, portanto a transgresso do primeiro e do segundo
mandamento. At que ponto se manifestam a problemas tpicos do Reino do
Norte (cf. 1 Rs 12.28s.), talvez at temas especficos do profetismo do Reino
do Norte (cf. 1 Rs 18; 2 Rs I)? Contudo, a tradio de Elias ainda no se engaja
pela proibio de imagens.
Imagens de Deus so obras humanas e como tais no podem represent-
10, diminuem tanto a Deus como ao ser humano:
" obra de artfice -
no Deus."

198
"Homens beijam bezerros."
(8.6; 13.2; cf. 8.4ss.; 10.5; 11.2; 14.4.)
Como se associava ao culto aliengena a prostituio - originalmente a
reproduo terrena do casamento celestial entre um deus e uma deusa - ,
Osias chama as prticas apstatas de "prostituio" (2.4s.; 4.lOss.; 5.3s.; 9.1;
assimilado em Jr 2s.; Ez 16; 23). Manifesta-se a tanto a desvalorizao do culto
cananeu de fertilidade como tambm a confisso da exclusividade da f em
Jav. At a poltica de procurar apoio junto a povos estrangeiros Osias denun-
cia como "prostituio" (8.9ss.; cf. 5.13; 7.8ss.; 10.4; 12.2). Contudo, quando
descreve o vnculo entre Deus e seu povo como um relacionamento entre um
homem e uma mulher (2.4ss.; cf. Jr 2 e outras), Osias empresta da religio
canania a conhecida concepo mtica do matrimnio entre um deus e uma
deusa, transformando-a numa metfora para o adultrio de Israel, a infidelidade
do povo diante de seu Deus. Com tudo isto Osias concretiza a exigncia do
primeiro mandamento, que ele cita explicitamente (13.4; 3.1). O profeta tam-
bm se utiliza da parte tica do Declogo ou ao menos da tradio do Declogo
para comprovar a culpa do povo (4.2).
Ser que Osias recorre tanto histria por causa da sua confrontao
com a religio no-javista? A histria lhe ajuda a mostrar sobretudo a fidelidade
de Deus e a constante apostasia de Israel, evidenciando, assim, a continuidade
da culpa no transcurso do tempo (caps. 9-12). Nas retrospectivas histricas
predominam as tradies do xodo ("Do Egito chamei o meu filho": 11.1;
12.10; 13.4) e da marcha pelo deserto (2.5,16s.; 9.10; 13.5s.). Osias evoca
tambm a tradio dos patriarcas que apenas Dutero-Isaas mais tarde destaca
(Jac, Os 12).
Enquanto que Ams indica delitos concretos decorrentes dos antagonis-
mos sociais de seu tempo (p. ex., 2.6-8), a crtica social de Osias mais genrica:
"No h fidelidade, nem senso comunitrio
nem conhecimento de Deus na terra."
(4.1; cf. 6.6ss.; 12.7.)
No entanto, entre todos os profetas Osias se apresenta como o crtico
mais contundente da monarquia: "Eles instituram reis sem o meu consentimen-
to." (8.4.) Ele compreende a monarquia como instituio exclusivamente hu-
mana ou, ento, como ddiva da ira de Deus (13.11) e ameaa: "Farei cessar o
reino da casa de Israel." (1.4; 3.4). Da sua crtica adquire seu carter radical;
pois os profetas do Reino do Sul depois de Osias censuram os governantes ou
a casa reinante, mas preservam, nas suas profecias messinicas, a instituio da
monarquia. At a profecia - contestada em sua autenticidade - da unificao
de Jud e Israel promete apenas que haver uma "cabea" comum (2.2; 3.5
acrscimo). Ser que na sua esperana por salvao depois do juzo Osias no
acredita na continuidade da monarquia e do culto? Pois no menciona nem a
monarquia nem o culto entre as ddivas que Deus conceder de novo (2.16ss.).

199
5. O juzo se concretiza de tal forma que Deus retira de Israel os bens
enganosos da terra, mas tambm a monarquia e o culto (2.5,11-14; 3.4). Osias
desenvolve esta idia bsica, tendo em vista toda a histria de Israel. Assur
ocupar a terra e levar a sua populao ao desterro, no s para Assur, mas
tambm para l de onde Israel veio: "Eles voltaro para o Egito." (8.13; 9.3,6;
11.5; cf. 7.16). Desta forma o xodo e a tomada da terra, e at toda a histria
do povo anulada. O retomo ao Egito, ou seja - atualizando para a situao
poltica da poca de Osias - , o exlio na Assria tem um duplo significado.
Ao eliminar-se o que existe, h retomo s origens, mas justamente este retomo
possibilita um recomeo:
"1femendo viro, como passarinhos os do Egito,
e como pombas os da terra de Assur.
E os farei 'retomar' s suas prprias casas." (11.11; cf. 2.l6s. do deserto.)
Esta concepo de um assim chamado segundo xodo retomada mais
tarde por Jeremias, Ezequiel e Dutero-Isaas. Para a compreenso de Osias
decisivo que no se dicotomize sua mensagem em duas partes independentes.
A salvao que promete no limita o juzo nem o suspende, mas o pressupe.
S na "situao de estaca zero" (H. W. Wolff) que Deus concede comunho
renovada, harmoniosa e permanente e restitui o que se perdeu: "Naquele dia
(...) me chamars 'meu marido'; e no mais me chamars 'Meu Baal' (isto ,
Senhor)." (2.18ss.; 14.6ss.)
Embora Israel deva experimentar de novo a salvao, no a pode conser-
var por si s. Onde recebe uma proposta neste sentido, recusa-a (2.4ss.; cf. 4.16;
6.4; 7.14ss.; 1O.12s.). Israel "me esqueceu" (2.15); "eles no escutam" (9.17;
cf. 11.5ss.). "Atada est a culpa de Israel, guardado o seu pecado." (13.12.)
Assim Deus dificilmente pode (apesar de 14.2ss.) contar com a disposio de
Israel de se arrepender, mas precisa suscitar nele este sentimento:
"Eu curarei a sua apostasia,
de espontnea vontade os amarei." (14.5.)
Em ltima anlise, Deus pode fundamentar sua misericrdia apenas na sua
prpria santidade (cf. Is 40.25); no seu corao o amor luta contra a ira justificada:
"Como poderia eu abandonar-te, Efraim?
entregar-te, Israel? (00')
Meu corao se volta contra mim,
minha compaixo arde poderosamente.
No executarei o furor da minha ira;
no tomarei a destruir Efraim,
porque eu sou Deus e no homem,
o Santo no meio de ti." (11.8s.)
Embora as promessas de Osias para com o Reino do Norte nunca tenham
se cumprido, profetas posteriores, como Jeremias (3.12,22; 31.3,20), mantive-
ram viva a chama desta esperana.

200
16
ISAAS

1. O extenso livro que a tradio atribui ao profeta Isaas constitui uma


obra literria extremamente complexa, que se formou no decorrer de vrios
sculos. J na Idade Mdia se constataram diferenas entre as diversas partes
do livro de Isaas, mas foi s depois de 1780 (atravs de 1. G. Eichhom e 1.
Chr. Dderlein) que paulatinamente se imps a concluso de que os caps. 1-39
e 40-66 devem ser separados e atribudos a dois autores distintos: Isaas (I) e a
um autor desconhecido, que costuma-se chamar de Dutero-Isaas ("Segundo
Isaas"). Vrios motivos nos foram a desistir de afmnar que haja homogenei-
dade no livro de Isaas:
a) Segundo 6.1, Isaas viveu antes de 700 a.c., na poca em que os
assrios representavam uma ameaa; ele os menciona nominalmente (1O.5ss. e
outras). Os caps. 4Oss., porm, j pressupem a destruio de Jerusalm pelos
babilnios no ano de 587 a.c. Correspondentemente em Is 47 anuncia-se a
queda no mais de Assur, mas de Babel; menciona-se inclusive vez por outra
o nome do rei persa Ciro (44.28s.).
b) A linguagem, as formas estilsticas, o mundo das idias e a intenciona-
lidade se alteram por completo a partir do capo 40. Em vez de ameaas de juzo
predominam promessas de salvao e costumam-se ajuntar ao nome de Deus
apostos, como "o Santo, o Salvador" e similares.
c) Os captulos em prosa Is 36-39, um acrscimo posterior proveniente de
2 Rs 18-20, revelam que de incio o livro fechava com o capo 35.
Somente a partir do comentrio de Isaas escrito por B. Duhm (1892; 4.
ed., 1922), at hoje significativo, separa-se, por sua vez, o Dutero-Isaas, caps.
40-55, do 'Irito-Isaas (o "Terceiro Isaas"), caps. 56-66.
Na estruturao geral do livro se oculta um significado especial, de forma anloga
composio de outros livros profticos: a mensagem de Isaas (I), onde predomina o
anncio de desgraa, parece confluir para a promessa de salvao em Is 4Oss.

2. Dentro de Isaas I, j o capo 2 aberto por um novo ttulo (compare


2.1 com 13.1). Assim, tambm este livro se compe de colees menores mais
ou menos perceptveis, como os caps. 1; 6-8; 28-32 e outros. Embora s vezes
Isaas tenha anotado ou ditado ele mesmo sua mensagem, por causa de seu

201
significado futuro (8.1s.; 30.8; cf. os relatos na primeira pessoa do singular nos
caps. 6; 8), mais provvel que as colees tenham surgido num grupo de
discpulos (8.16; cf. o relato na terceira pessoa singular em Is 7; tambm 20),
na medida em que no foram ampliadas em pocas mais recentes.
Como no livro de Osias, palavras de salvao foram colocadas no fmal
de colees menores mais antigas, como, p. ex., a promessa de peregrinao
dos povos a Sio (2.1-5) no fmal do capo I ou a profecia messinica (9.1-6)
depois dos caps. 6-8; cf. ainda 4.2-6, depois dos caps. 2.6-4.1, alm de 32.15ss.
e outras passagens.
Mesmo que as expectativas de salvao se acumulem na parte fmal de
Isaas (caps. 24ss.; 33ss.), o princpio estruturador principal do livro no se
encontra na ordem de ao juzo seguir a salvao. H compilaes de palavras
dirigidas contra o prprio povo (caps. 1-12; 28-32) e um bloco de ditos contra
povos estranhos (13-23), de forma que surgem trs segmentos principais (I-ID).
Estes so interrompidos por trs extensos acrscimos posteriores (A-C: caps.
24-27; 33-35; 36-39).
I. Is 1-11(12) Predominantemente ameaas contra Jud e Jerusalm
1 "Sntese da mensagem de Isaas" (G. Fohrer)
Vv. 2-3 Filhos apstatas
Vv.4-8(9) Jerusalm, comparada a Sodoma (701 a.C.)
Vv. 10-17 Crtica ao culto e falta do direito: "Vossas
mos esto cheias de sangue."
Vv. 18-20 Convocao para o julgamento (cf. 3.13s.)
Vv.21-26(27s.) Purificao de Jerusalm
"Restituir-te-ci os teus juzes como eram anti-
gamente."
VV.29ss. Culto s rvores (cf. 17.9-11;57.5; 65.3 e outras)
2-4 2.1,2-4,5 (= Mq 4.1-3,4s.) Peregrinao dos povos ao Sio
2.12-17 Dia de Jav (no quadro referencial em parte
secundrio 2.6-22)
3.1-7,8s. Contra "o sustentoe o apoio" , os cargos de mando
3.16s.,24(18-23) Contra as mulheres nobres (cf. 3.25s.; 4.1; 32.9ss.)
4.2-6 (sec.) Glorificao do Sio
6-8 Assim chamado documento original ou "Escrito Memorial de Isaas"
(6.1-8.18; ampliado at 9.6)
6 Viso de vocao, redigida em forma de relato
na primeira pessoa: "Eu vi o Senhor (...)", com
a misso de provocar o endurecimento
7 Encontro do profeta com o rei Acaz durante a
guerra srio-efraimita, em dois episdios (vv.
3-9, 10-17)
V. 9 "Se o no crerdes, certamente no
permanecereis! ' ,

202
V.14 Sinal de Emanuel: "Eis que a jovem
concebeu..."
Vv. 18ss. Ditos distintos. Juzo realizado por
intermdio de Assur.
8.1-4,5-8 Rpido-Despojo-Presa-Segura
Similar a Is 7, desgraa anunciada ao Reino do
Norte e ao Reino do Sul
8.11-18 Jav, pedra de tropeo. Selada a mensagem nos
discpulos
5; 9-11 Moldura dos caps. 6-8
5.1-7 Cntico da vinha
"Ele esperou o bem e eis a assassinatos!"
5.8-24; 10.1-4 Ais (cf. 28.1-31.1)
9.7-20; 5.25-29(30) Retrospectiva histrica com refro:
"Com tudo isto no se apartou a sua ira."
10.5-9(10-12),13-15 Ai sobre Assur
10.16ss. Diversos ditos
9.1-6; 11.1-5(6ss.) Profecias messinicas
12 Adendo: hino escatolgico de agradecimento
n.Is 13-23 Ameaas contra as naes
Ttulo: "Sentena" (13.1; 15.1 e outras)
Ditos contra Babel, Assur, ftlisteus (13s.), Moabe (15s.), Edom (21)
e Tiro-Sidom (23)
14.12 "Como caste do cu, estrela d'alva!"
14.24-27 Contra Assur. Plano de Jav em relao a toda
a terra
14.28-32 Contra os ftlisteus (vv. 30a,32b acrscimo?)
17 Contra Damasco e Israel (vv. 1-3,4-6)
17.9,lOs. Contra os jardins de Adnis (cf. 1.29s.)
17.12-14 Ataque dos povos e sua destruio
(cf. 8.9s.; 29.5ss.; SI 48 e outras)
18-20 Contra o Egito e a Etipia
18 Palavra dirigida a uma delegao etope
20 Ao simblica de Isaas contra o Egito:
por trs anos (713-711 a.C) "despido e descalo"
22 Contra Jerusalm (vv. 1-14; 701 a.C.) e funcionrios da corte (vv.
15-23.24s.)
A) Is 24-27 Assim chamado apocalipse de Isaas da poca ps-exlica (cf. 24,3)
m. Is 28-32 Ameaas contra Jerusalm da poca tardia de Isaas (antes de 701).
Assim chamado "ciclo de Assur". Diversos "ais".
28s. 28.1-4(5s.) Ai sobre a Samaria (antes de 722 a.C)
28.7-13 Contra sacerdote e profeta
28.14-22 Aliana com a morte.
Obra estranha de Deus (28.21; 29.14)

203
V. 16 "Eis que assento em Sio uma pedra angular."
28.23-29 Poema didtico (ou parbola?) do campons
29.1-4,5-8 Ai sobre Ariel-Jerusalm
29.9s,l1s. Cegueira (cf 6.9ss.)
30s. Contra a proteo do Egito (sobretudo 30.1-3; 31.1-3)
31.3 Os egpcios so seres humanos, no Deus.
32.9-14 Contra as jerosolirnitas despreocupadas (cf. 3.16ss.)
B) Is 33-35 Apndice com palavras de salvao
33 Imitao de uma liturgia com lamentao e orculo de
salvao (cf. Mq 7.8ss.)
34 Juzo sobre Edom (cf. Ob; Ez 35 e outras)
35 Redeno e retomo ao Sio (similar a DtIs)
C) Is 36-39 Apndice histrico extrado de 2 Rs 18-20
Descrio do cerco a Jerusalm feito por Senaqueribe (701)
Salmo de agradecimento de Ezequias (38.9ss.)
Cf. o apndice Jr 52, extrado de 2 Rs 24s.
Com maior probabilidade encontraremos palavras "autnticas" de Isaas nos
caps. 1-4.1; 5-11; 14; 17s.; 20; 22; 28-32.

3. Enquanto que Ams e Osias atuaram no Reino do Norte, Isaas o


primeiro profeta literrio que atua no Reino do Sul. Todavia se dirige "s duas
casas de Israel" (8.14). Uma srie de palavras de ameaa da poca anterior a
722 a.c. se dirige contra o Reino do Norte (9.7ss.; 28.1ss. e outras). Por via de
regra, porm, ele fala a "Jerusalm e Jud", isto , cidade e terra de Davi
(3.1,8; 5.3; 22.21), e por fim, do mesmo modo que Ams, tambm a povos
estrangeiros (p. ex. 18.1ss.).
Amoz - que no deve ser confundido com o profeta Ams, cujo nome
se escreve com outro fonema inicial e [mal - o nome do pai de Isaas.
Atribui-se sua mulher o ttulo de trbi'sh; "profetisa", eventualmente tambm
no sentido de "mulher de profeta". O prprio Isaas evita empregar o ttulo
"profeta" (cf. 28.7) e prefere considerar-se a si mesmo, como Ams, "viden-
te" (cf. 1.1; 30.10; 2.1). Como Osias fazia com seus filhos, tambm Isaas
insere seus dois filhos (7.3; 8.3) na sua pregao, apresentando-os como "sinais
e avisos" (8.18), na medida em que lhes confere provocantes nomes simbli-
cos. Dificilmente "Emanuel" (7.14) um outro filho de Isaas.
Visto que Isaas tem acesso ao rei e a grupos de funcionrios mais
graduados da corte (7.3; 8.2; 22.15ss.) e tambm conhece bem a conjuntura
poltica, social e cltica da capital, possvel que seja de origem nobre e se
tenha criado em Jerusalm. Da se explicaria a espantosa proximidade de Isaas
com a sabedoria (1.2; 11.2; cf. 10.15 e outras), apesar de o profeta no se
mostrar, de maneira alguma, acrtico frente a ela (5.20s.; 10.13; 29.14ss.; 31.2;

204
cf. 2.17; 3.3 e outras). Por outro lado, o profeta marcado intensamente pela
tradio de Sio (1.21ss.; 6; 8.18; 28.16s. e outras) e pela tradio de Davi
(29.1; 11.lss, e outras). Enquanto isso, a tradio do xodo ou tambm a
tradio dos patriarcas, importantes para Ams e Osias, so relegadas por
completo a segundo plano. Por seus contatos com o templo de Jerusalm, onde
decerto foi vocacionado, Isaas possivelmente tenha se familiarizado ali com a
linguagem dos Salmos, que, por sua vez, reinterpreta de forma crtica (8.14,17;
28.15; 30.2s.; 31.2s. e outras).
Uma lenda apcrifa e tardia, o "martrio de Isaas", conta que o profeta foi
serrado ao meio no tempo de Manasss (cf. 2 Rs 21.16), por ter afirmado que vira Deus
(Is 6.1), ter chamado Jerusalm de Sodoma (1.10) e ter anunciado a devastao da
cidade e da terra (6.11 e outras). Isto significa que palavras decisivas da mensagem de
Isaas provocaram escndalo at em tempos tardios.

4. O perodo de atuao de Isaas, de aproximadamente 740 - o ano de


falecimento de Uzias em Is 6.1 no pode ser datado com .exatdo - at 701
a.c., uma poca politicamente conturbada por causa da crescente ameaa
assria, e Isaas assume gradativamente uma posio mais decidida em relao
poltica do momento. Em razo dos eventos principais da poca costuma-se
classificar a atuao de Isaas em diversos perodos, embora o enquadramento
cronolgico de muitos textos permanea controvertido.
a) Na proclamao do perodoinicial de Isaas, que se concentra a grosso modo
nos caps. 1-5, a poltica externa que mais tarde assume um lugar de destaque (Is 7s.;
20; 308.) ainda se mantm em segundo plano; as denncias enfocam predominantemen-
te a crtica social.
O perodo inicial da atuao proftica no pode preceder a vocao de Isaas,
visto que 6.1 contm a data mais antiga mencionada no livro de Isaas. 'Iambm a
radicalidade da mensagem de juzo de Is 6 se reflete neste complexo textual antigo
(1.10,15; 3.8s.,25ss.; 5.5-7,13s. e outras). No se deve interpretar uma exortao como
a que consta em Lls. isoladamente, fora de seu contexto (1.lOss.).
Por via de regra se situa a pregao inicial no perodo entre a vocao de Isaas
e a ecloso da guerra siro-efraimita, s vezes, porm, tambm aps a mesma.
b) Na poca da guerra siro-efraimita, por volta de 733 a.C., quando tentou-se
forar Jud a participar da coalizo antiassria, ocorrem os episdios turbulentos de Is
7s. Segue-se um tempo de silncio em que Isaas "sela" sua mensagem em seus
discpulos e espera que Deus realize o que anunciou (8.16-18).
Nestes dois perodos ou tambm depois deles, em todo caso antes de 722 a.C.,
devem ser situados anncios da queda do Reino do Norte (Is 9.7ss.; 5.25ss.; 17.3ss.;
28.1-4; cf. 7.4ss.; 8.4).
c) Na poca das rebelies contra o imprio assrio sob Sargon, rapidamente
debeladas (veja-se em especial o levante da cidade filistia de Asdode, por volta de 711

205
a.c. (cf. Is 20.1), se situam a ao simblica de Is 20 e palavras como 18.1ss.; talvez
22.15ss. e outras.
d) Durante ou aps a destruio da regio de Jud pelos assrios sob Senaqueribe
(cerco de Jerusalm em 701 a.C.) foram pronunciadas partes maiores do assimchamado
"ciclo assrio" nos caps. 28-32. No ano de 701 ou 700 a.C. terminaa atuao de Isaas;
seus trs ltimos ditos provavelmente so 1.4-8; 22.1-14; 32.9-14.

5. Em comum com Ams Isaas tem a crtica cultual e social, a expecta-


tiva pela vinda do "dia de Jav", os ais, a polmica contra a arrogncia
humana, etc. Mas Isaas supera Ams na variedade de seus temas, j que
estende a sua mensagem a Jerusalm, abarca a poltica externa ou entrelaa
frrmemente o anncio de juzo com o anncio de salvao (1.21ss.). Tambm a
linguagem de Isaas rica em metforas, chegando inclusive uma vez a ensaiar
uma parbola (5.1ss.).
"A pregao de Isaas o fenmeno teolgico de maior envergadura em todo o
Antigo Testamento" (G. von Rad), infelizmente, porm, tambm o mais controvertido.
Em questes fundamentais de contedo h interpretaes to divergentes e a incerteza
na distino entre textos "autnticos" e acrscimos redacionais posteriores - impor-
tante para qualquer compreenso global- to grande, que se toma difcil traarlinhas
gerais aceitveis para todos.
A viso do santo Deus no seu trono, circundado por seu conselho (Is 6;
cf. 13b,2), acaba numa ao de expiao que redime Isaas de culpa e o
capacita para seu servio: "A quem enviarei?" "Envia-me a mim!" Assim, a
viso de vocao torna-se tambm etiologia de sua mensagem de juzo. En-
quanto que a viso similar de Micaas, filho de Yiml (l Rs 22.19ss.), explica
a cegueira do rei, a misso de Isaas tem como alvo o endurecimento do povo:
"Ouvi, ouvi, e no entendais; vede, vede, mas no percebais!" pergunta pela
durao desta situao: "at quando?", Deus responde duramente: "At que
sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes" (v. 11; vv. 12s. provavel-
mente so acrscimos). Como j acontece no caso de Ams, a viso no
informa com detalhes sobre o momento e a maneira como se realizar o juzo,
apenas sugere o seu motivo (v. 5). A pergunta at que ponto esta descrio de
Is 6 reproduz realmente o acontecimento da vocao e at que ponto nela j se
condensa experincia proftica posterior, suscita respostas muito diferentes. A
compreenso do texto como interpretao retrospectiva no lhe tira seu carter
ofensivo?
Isaas fica sabendo menos do contedo do que do efeito de sua pregao.
O seu insucesso desgnio de Deus e assim incorporado na misso proftica.
A exortao de Isaas para que haja converso desta forma rejeitada por parte
dos ouvintes e ajuda a desencadear o juzo. Isto ilustrado, p. ex., pelo encontro
entre o profeta e o rei (Is 7). Quando Damasco e Israel tentam forar Jerusalm
a participar de uma coalizo antiassria e querem substituir o governante davi-

206
dida Acaz por um filho de Tabeel, Isaas - retomando a tradio da guerra de
Jav (x 14.13; Dt 20.2-4) - incita o povo a no ter medo e manter-se calmo
e confiante em Jav (ls 30.15). Ambas as naes inimigas, a Sria e o Reino do
Norte, so consideradas, na antecipao proftica do futuro, apenas "ties
fumegantes". A potncia assria, que Isaas menciona nominalmente apenas
mais tarde (8.4ss.; 7.18ss.), avana. Mas tambm a casa real de Jerusalm alvo
no de uma promessa, mas de um anncio condicional de juzo: "Se o no
crerdes, certamente no permanecereis!" (7.9; cf. 28.16). No decorrer do
episdio seguinte, onde Acaz rejeita a proposta apresentada, a ameaa se toma
anncio incondicional de juzo contra o rei e o povo - na profecia altamente
discutida de Emanuel, que em si no visa o nascimento e a colocao do nome,
mas uma indicao cronolgica, qual seja, o momento da diviso do pas
(7.14,16s.).
A correspondncia entre Is 6 e 7 foi percebida apenas na retrospectiva? no
decorrer do dilogo que Isaas se convence da iminente desgraa que tambm atingir
a Jud, causada primeira vista pelos assrios, mas em ltima anlise pelo prprio Jav
(8.12ss.) - ou o profeta entra em cena j pressentindo o desfecho de tudo?
No encontro com o rei, Isaas se faz acompanhar de seu filho Sf10ar yashub. O
nome "(S)-Um-Resto-Voltar" - acrescente-se: da batalha (dificihnente: Um-Resto-
Se-Converte) - decerto se deve compreender como palavra de ameaa dirigida contra
Jud, da mesma forma que o nome de seu segundo filho, "Rpido-Despojo-Presa-
Segura", (8.3s.) prediz infortnio para o Reino do Norte.
Como para Ams (3.12), tambm para Isaas o "resto" o que sobrou (em
sentido negativo) da catstrofe (1.8; 17.3,5s.; 30.14,17) e no (em sentido positivo) o
objetivo do castigo, ou seja, pessoas portadoras da nova salvao (ao contrrio do que
afirmam textos considerados acrscimos: 1.9; 4.3; 6.13; 1O.20s.; 11.11,16; 28.5 e outras).
Alm disto, uma srie de anncios de juzo (5.6,24,29; 6.11; 28.2-4,18-20; tambm 8.8
e outras) no deixa espao nem para um resto de esperana.

6. Assim Isaas retoma, nos diversos perodos de sua atuao, afmnativas


fundamentais de Is 6. No s indivduos, como o rei ou um funcionrio da corte
(22.15ss.), nem s grupos (3.16ss.; 5.8ss.), mas o povo como um todo culpado
(6.5; 9.12; 10.6; 30.9; 31.2) e tem que enfrentar o juzo (6.lls.; 3.8; 5.13,29;
8.5ss.; 28.18ss. e outras). O prprio Jav se torna "pedra de tropeo" para as
"duas casas de Israel" (8.14). Isaas se queixa da ingratido e desobedincia de
Israel, que se ope a toda a solicitude paternal (1.2s.; 5.1-7). Aquilo que na
assim chamada "misso de endurecimento" (6.9s.; 29.9s.) considerado atua-
o de Deus, aparece aqui como ao culposa do povo, pela qual este deve ser
responsabilizado diretamente. Entrelaam-se o no-poder e o no-querer:
"Na converso e na calma estaria a vossa salvao,
na tranqilidade e na confIana estaria a vossa fora -
mas vs no o quisestes!" (30.15.)

207
Os israelitas no queriam ver (5.12) nem ouvir (28.12; 30.9,12; cf. 1.5;
8.6; 29.13 e outras); at a converso aparece como uma oportunidade perdida
(9.12 em relao ao Reino do Norte; cf. 6.10). So filhos de Jav, mas perver-
tidos (l.4; 30.1,9). Desta forma, em vez de cham-los "meu povo" (1.3 e
outras), Deus tambm pode trat-los em tom depreciativo por "este povo"
(6.9s.; 8.6,l1s.; 29.14s. e outras).
Como j o faziam Ams ou Osias, Isaas entende o juzo em regra como
incurso de um exrcito inimigo (5.25ss.; 7s. e passim), s vezes tambm como
interveno direta de Deus (1.24ss.; 8.13s.; 29.1-3), excepcionahnente como catstrofe
natural (2.12-17; cf. 5.14,24; 32.12-14). O profeta no pensa a, em ltima anlise, num
nico fenmeno que se concretiza de diversas maneiras?
Em geral se compreende o juzo como acontecimento iminente, e que at j se
projeta para dentro do presente (1.15; 7.4; 29.10 e outras). s vezes parece, porm, que
Isaas pensa num prazo maior, de dois a trs anos (7.16; 8.4).

7. Isaas retoma a denncia de Ams contra a injustia e a opresso, mas


inclui entre os marginalizados, alm dos pobres e fracos (3.14s.; 10.2), um
grupo omitido por Ams e que no tem defensor na comunidade de direito:
"Defendei o direito do rfo,
pleiteai a causa da viva!"
(Is 1.17,23; 10.2; j x 22.21 e outras.)
Tambm o "ai" lanado contra os latifundirios que "ajuntam casa a
casa, renem campo a campo" (5.8) se encontra apenas de novo no contempo-
rneo Miquias (2.2). Mais significativa ainda a ameaa de juzo contra "o
sustento e o apoio", ou seja, contra os cargos superiores (Is 3.1ss.). Assim, o
tema da "justia" predomina na pregao inicial de Isaas (1.16s.,21-26; 5.7ss.
e outras), mas no cai em esquecimento nas pocas posteriores (28.17). O tema
determina tanto a denncia como a expectativa de salvao: "Restituir-te-ei os
teus juzes, como eram antigamente." (1.26; 9.6; 11.3ss.; 28.17).
Muito menor espao ocupa a crtica ao culto, entrelaada com a crtica
social. Tambm ela denuncia culpa: "As vossas mos esto cheias de sangue".
A culpa no s da elite, mas do povo todo, dos' 'prncipes de Sodoma" e do
"povo de Gomorra" (1.10-17; cf. 22.12s.; 29.1,13s.; contra sacerdotes: 28.7).
Ser que Isaas tambm retoma Ams (6.8 e outras) quando se ope
arrogncia humana? Isaas percebe arrogncia em todos os destinatrios a que
se dirige: em Assur (1O.5ss.), no Reino do Norte (9.8; 28.1ss.) e no Reino do
Sul, especialmente em Jerusalm (5.14), nas mulheres nobres da capital (3.16s.;
32.9ss.) e em um funcionrio da corte (22. 15ss.). O orgulho e a vaidade
representam em ltima anlise contestao de Deus, daquele que Isaas viu
sentado "sobre um alto e sublime trono", Deus, o "Santo de Israel" (l.4;
30.15; 31.1 e outras). A exclusividade que o primeiro mandamento exige, Deus
a impor no seu "dia":

208
"A arrogncia do ser humano ser abatida,
e a altivez dos homens ser humilhada;
s Jav ser exaltado naquele dia." (2.17.)

8. O posicionamento frente a acontecimentos atuais da poltica externa


constitui outro tema principal da pregao de Isaas. No incio de sua atuao
ele se engaja na guerra siro-efraimita (Is 7) e proclama que Assur a potncia
que, a mando de Jav, executar o juzo tanto no Reino do Norte (5.25ss. e
outras) como no Reino do Sul: "Eis que o Senhor far vir sobre eles as guas
do Eufrates, fortes e impetuosas" (8.7) e "assobiar s abelhas que vivem na
terra de Assur" (7.18). Visto que a potncia estrangeira atua a mando de Deus,
fala-se dela como "homem valente e poderoso" do Senhor (28.2). Mas, como
ela se mostra insolente e presunosa, extrapolando sua tarefa de ser instrumento
de juzo, Isaas proclama sobre Assur seu "ai" (10.5ss.; tambm 14.24ss.?).
Mesmo assim combate com paixo, no fmal de sua atuao, todas as tentativas
de Israel de se desvencilhar do jugo assrio, atravs de alianas com o Egito
(20; 30.1ss.; 31.1ss.). O que so tais alianas seno sinais da prepotncia
humana contra Jav (30.2)?
"Todavia tambm ele sbio
e faz vir o mal (...)
O Egito homem e no Deus,
os seus cavalos so carne e no esprito.
Quando Jav estender a sua mo,
a tropea o protetor
e cai o protegido,
e juntos todos sucumbiro." (31.2s.)
Como suas palavras (9.7), o "conselho, desgnio" e a "obra" de Deus
atuam na histria. Mas Israel no tem olhos para o futuro: "No olham para as
obras das suas mos." (5.12,19; 9.12; 22.11; cf. 14.26; 28.21 e outras). Nesta
linguagem surpreendentemente constante mostra-se o incio de uma conceitua-
lizao. Esta permite a Isaas compreender a vinda de Deus para o julgamento
ou at o endurecimento como opus alienum de Deus: "a sua obra estranha, (...)
o seu ato inaudito!" (28.21; cf. 29.14; 31.2).

9. Extremamente controvertida , alm das profecias messinicas, a men-


sagem sobre Sio de Isaas. Sua interpretao depende em grande parte da
defmio quanto "autenticidade" de textos que prometem a Jerusalm uma
virada milagrosa mais ou menos incondicional no meio da atribulao. Promete
Isaas a Sio uma salvao milagrosa de ltima hora? Ou as promessas que
prevem, de forma bem genrica, a vitria sobre os "povos" que atacarem a
Israel - promessas estas que no deixam reconhecer nenhuma situao con-
tempornea e lembram o motivo do assdio dos povos nos salmos de Sio (46;
48; 76) - constituem acrscimos posteriores (8.9s.; 17.12ss.; 29.5ss.; cf.

209
14.30a,32b)? Sobretudo aquelas palavras que introduzem, imediatamente depois
de uma ameaa dirigida contra Jerusalm, uma profecia de salvao e esperam,
de forma mais ou menos explcita, por uma mudana radical so suspeitas de
serem acrscimos posteriores (29.5ss.; 31.5ss.; 32.15ss.; cf. 18.7; 28.5s. e ou-
tras). Excluindo textos h muito controvertidos, a pregao de Isaas parece ser
mais uniforme e coesa: visto que no [mal de sua atuao ele retoma os anncios
de juzo (6.11), proferidos por ocasio de sua vocao (22.14; 28.22; 29.9s.;
32.14 e outras), uma eventual mensagem de salvao caberia somente no
perodo intermedirio. Mas falta qualquer indcio de uma dupla mudana de
opinio do profeta. Isaas no censura (28.15,18ss.) - de forma similar a
Miquias (3.11) e Jeremias (7.8ss.) - o sentimento de segurana dos jerosoli-
mitas tal como ele se manifesta na tradio de Sio (5146 e outras)? Em todo
caso Isaas ameaa os habitantes da capital com a morte (22.14; cf. 29.4 e
outras) e a cidade mesma, com sua destruio (3.8; 5.14,17; 32.14).

10. Ser que Isaas "tem esperana" no Deus que "esconde o seu rosto"
(8.17)? No resta dvida de que juzo e salvao se entrelaam: a capital
corrompida ser purificada e receber no futuro de novo o nome de "cidade da
justia, cidade fiel" que antigamente merecia (1.21-26).
Desconsiderando este texto, onde brota o novo do juzo sobre o que
existe, todas as outras expectativas de salvao so controvertidas quanto sua
"autenticidade". Isto vale no apenas para as palavras [mais da viso de
vocao - s o toco "santa semente" (6.13) - , mas tambm para as trs
grandes promessas nos caps. 2; 9 e 11. Estas promessas dificilmente podem ser
atribudas a uma determinada situao histrica. O problema, no entanto, surge
com freqncia em palavras de salvao. J que muito difcil encontrar
critrios objetivveis, independentes da compreenso que cada um tem do
profeta, principalmente critrios lingsticos, que exijam a excluso destes tex-
tos dbios, temos de admitir que eles possivelmente sejam "autnticos" -
pelo menos Is 11, com que Is 9 tem afmidade. De fato, as profecias de salvao,
ao acentuarem com rigor o cumprimento do direito, p. ex., representam a
contrapartida das denncias de Isaas e esto com isto ligadas entre si e com o
resto da mensagem de Isaas.
Is 9.1-6 (decerto sem 8.23b) promete apenas ao "povo, que anda nas
trevas", que vive no mbito da morte (9.1; cf. 29.4), uma "grande luz":
libertao pelo prprio Deus, nascimento de um governante, paz sem fim. Em
contrapartida em Is 11 (vv. 1-5 com complementaes em vv. 6-8,9s.) a profe-
cia messinica se emancipou; o dom do Esprito (11.2) corresponde aos ttulos
honorficos (9.5). O que falta ao povo - conhecimento, justia e solicitude para
com os pobres (1.3,17 e outras) - o governante futuro ir trazer. Conforme a
imagem do broto que nasce de um toco de tronco, o futuro soberano no

210
proceder da dinastia de Davi, que est no poder e que, alis, ter de enfrentar
o juzo (7.16s.).
Como Isaas espera aqui a preservao da instituio, mas no a manuten-
o dos ocupantes do cargo, tambm de Jerusalm permanece apenas a identi-
dade do local. Is 28.16s. proclama um recomeo no Sio: "Eis que assento em
Sio uma nova pedra angular." A promessa da peregrinao dos povos (2.2-4;
Mq 4.1-3 conserva a mesma tradio) menciona inclusive a fundao e exalta-
o do Sio. Mas no se fala da supremacia nacional de Israel nem do seu
domnio sobre os povos, apenas da instituio do direito e do trmino da guerra
entre todos os povos por ocasio do encontro com o nico e excelso Deus (cf.
Is 6.1; 2.17).

211
17
MIQUIAS

1. Miquias contemporneo, mas mais novo do que Isaas; ambos atuam


aproximadamente no mesmo espao, no Reino do Sul, e ao mesmo tempo. O
ano de falecimento de Uzias (Is 6.1) no mais mencionado no livro de
Miquias; no mais os ttulos dos livros (ls 1.1; Mq 1.1) mencionam os mesmos
trs reis: Joto, Acaz e Ezequias. S uma nica palavra de Miquias (1.2-7) se
dirige contra o Reino do Norte: "Farei de Samaria um campo de runas." Este
anncio de juzo deve ter sido pronunciado antes de seu cumprimento, em 722
a.c., quando a cidade caiu. Percebe-se na mudana da linguagem a inciso
profunda que representa o ocaso do Reino do Norte: o ttulo honorfico "Is-
rael" passa do Reino do Norte (segundo 1.5) para o Reino do Sul (3.1,9 e
outras). Mas parece que a campanha dos assrios contra Jerusalm no ano de
701 ainda se reflete na mensagem de Miquias (1.8ss.). Da se depreende que
o profeta provavelmente deve ter atuado entre 740 (?) e 700 a.c. aproximadamente.
Miquias decerto atua na capital (3.9ss.), porm oriundo do interior, de
Moresete-Gate (1.1,14; Jr 26.17s.), na regio montanhosa de Jud, no muito
longe da cidade natal de Ams - ao contrrio de Isaas, que vem de Jerusalm.
Esta origem explicaria por que Miquias prediz para a capital Jerusalm o
mesmo destino nefasto da Samaria (3.12; cf. 1.12,16; 2.4), mas mantm a
esperana na casa real davdica, que no originria de Jerusalm, mas de
Belm (5.1ss.)? Ser que o profeta pertence populao rural proprietria de
terras ('am ha 'ares), que em todas as conspiraes golpistas na corte manteve-
se leal dinastia de Davi (2 Rs 11.14; 14.21 e outras)? Ser que Miquias
ocupou o cargo de ancio local que se preocupa com o seu "povo" (1.9; 2.8s.;
3.3,5; H. W. Wolft)? S ocasionalmente Miquias fala de si mesmo, como na
lamentao sobre o destino de seu povo (1.8; cf. 7.1,7) ou na referncia
autoconfiante sua misso (3.8).
2. Como no livro de Osias se seguem repetidas vezes palavras de des-
graa e salvao, assim, por trs vezes, palavras de promessa encerram uma
coleo de ameaas no livro de Miquias (W. Rudolph):
Desgraa Salvao
I. Caps. 1-2 1.2-2.11 2.12-13
11. Caps. 3-5 3.1-12 4.1-5.14
Ill, Caps. 6-7 6.1-7.7 7.8-20

212
As trs colees so todas iniciadas - neste ponto tambm h analogia
com o livro de Ams (3.1 e passim) ou o livro de Osias (4.1) - com o apelo:
"Ouvi!" (Mq 1.2; 3.1; 6.1; cf. ainda 3.2; 6.2,9).
I. Mq 1-2
1 Queda da Samaria (vv. 2-6), ameaa contra cidades judatas e Jeru-
salm (vv. 8s.,lOss.)
Vv. 2-4 Convocao dos povos, para que escutem (cf. Is 1.2).
Teofania
2 Ai sobre os latifundirios (vv. 1-5). Pregador para o povo:
Contra a objeo de ouvintes (vv. 6s.), novas acusaes (vv. 8ss.)
Vv. 12s. Promessa (exlica/ps-exlica) da reunificao de Israel
sob liderana do rei Jav (cf. 4.7)
11. Mq 3-5
3 "Prdica aos grupos sociais". Contra os "cabeas, lderes" (vv.
1-4,9), profetas (vv. 5-8), juzes, sacerdotes, profetas (vv. 9-12)
V. 12 Destruio do templo (Jr 26.18)
4s. Promessas
4.1-4,5 = Is 2.2-4: Peregrinao dos povos at o Sio
4.6-8 Retorno da dispora (cf. 2.12s.), do exlio (4.9s.)
4. llss. Vitria sobre os povos (cf. Is 8.9s. e outras)
5.1-5 O governante futuro oriundo de Belm
5.9-14 Cumprimento do primeiro mandamento - contra ins-
trumentos de guerra e culto estrangeiro
m. Mq 6-7
6.1-7.7 Litgio jurdico de Deus com seu povo (vv. 1-8; vv. 4s. so acrscimo?).
As palavras seguintes lamentam o no-cumprimento da exigncia de
Deus (6.8):
6.9ss. Contra a ganncia de Jerusalm. Medidas adulteradas
7.1ss. No h mais nenhum justo no pas (cf. Jr 5.1)
Vv. 5s.: No confieis em nenhum semelhante!
V. 7: Confisso de confiana (cf. Is 8.17)
7.8-20 Liturgia proftica da poca ps-exlica:
Promessa da graa de Deus para Jerusalm, cujas muralhas ainda
esto destrudas (no orculo de salvao, vv. lls.).
V. 18 "Quem, Deus [aluso ao nome de Miquias?],
semelhante a ti?"
Entre os pesquisadores h consenso somente de que a parte principal dos
caps. 1-3 (sem 2.12s. e outras; cf. J. Jeremias) deve ser atribuda a Miquias,
enquanto que a "autenticidade" dos anncios de juzo em 6.1-7.7 e ainda mais
a das palavras de salvao so controvertidas. Este profeta s proferiu anncios
de desgraa - proveniente de Jav (1.9,12)? Mesmo que a maioria das pro-
messas (sobretudo 4.1ss.) no seja de autoria de Miquias, ao menos o material
bsico da profecia messinica (5.1ss.) se enquadra bem na sua pregao. Mi-

213
quias, portanto, parece que vincula - semelhante neste ponto a Isaas? - o
anncio de juzo inevitvel, da destruio absoluta (1.6; 3.12), com a promessa
de um novo incio depois do juzo - mas isto continua sendo uma questo
controvertida.
3. Com Ams e sobretudo com Isaas (5.8ss.) Miquias tem em comum
traos essenciais da crtica social. A crtica do culto a deuses aliengenas e da
idolatria, que predomina em Osias, relegada a segundo plano. Quando
Miquias critica o sistema latifundirio, a ganncia da classe dominante em
possuir casas e terras, parece que atualiza o dcimo mandamento (x 20.17):
"Ai daqueles que maquinam o mal (...).
Cobiam campos, e os arrebatam,
e casas, e as tomam;
assim fazem violncia a um homem e sua casa,
a uma pessoa e sua herana." (2.1s.; cf. 2.8ss.; 3.2s.,1O.)
Alis, Miquias se queixa da opresso exercida pelas camadas superiores
da sociedade, principalmente da transgresso da lei: "Odeiam o bem, amam o
mal." (3.lss.,9ss.; cf. 6.lOss.; 7.2s.). Como j seus precursores profticos (Am
5.21ss.; Os 6.6; Is 1.lOss.), Miquias contrape, caso a palavra for de sua
autoria, a observncia do direito ao culto (de sacrifcios):
"Com que me apresentarei a Jav,
e me inclinarei ante o Deus excelso?
Virei perante ele com holocaustos?
com bezerros de um ano? (...)
Ele [Jav ou sujeito indefinido] te declarou (...)
o que bom; e que que Jav pede de ti,
seno que pratiques a justia e ames a benignidade,
e andes concordemente (humildemente) com o teu Deus?" (6.6-8.)
Como o peregrino informado das condies de acesso ao santurio (SI
15; 24), assim o profeta aponta ao "ser humano" o que lhe deveria ser familiar
como vontade de Deus. Ser que com a escolha de suas trs exigncias Mi-
quias reproduz tambm as intenes principais dos trs profetas literrios mais
antigos: exercer a justia (Ams), amar a benignidade (Osias) e andar sem
arrogncia diante de Deus (Isaas)?
Indo alm da crtica aos sacerdotes (3.11), Miquias retoma um tema que
Isaas (28.7) apenas sugere e que s se tomou decisivo para Jeremias: o
confronto com o profetismo:
"Assim fala Jav contra os profetas
que fazem errar o meu povo,
que clamam: paz!
quando tm o que mastigar entre os dentes,
mas declaram guerra contra aqueles
que nada lhes metem na boca.

214
Portanto, se vos far noite sem viso,
e tereis trevas sem adivinhao (...)." (3.5s.)
Miquias acusa seus opositores profticos de fazerem depender sua res-
posta - seja ela referente salvao ou tambm desgraa - do pagamento
recebido e reivindica dispor de maior conhecimento do futuro; pois ousa anun-
ciar-lhes o fim de sua atuao. Mesmo que no passado possam ter recebido
revelaes, no futuro Deus se cala (3.4,7)! Miquias entende que sua autoridade
lhe foi concedida por Deus, mas esta lhe d o direito de expor o pecado de todo
o povo. Sua incumbncia denunciar a culpa e no chamar penitncia:
"Eu, porm, estou cheio do poder,
- do Esprito de Jav - cheio de juzo e de fora,
para declarar a Jac a sua transgresso
e a Israel o seu pecado." (3.8; cf. 1.5.)

4. Como Isaas o faz de forma velada (28.l5ss.), Miquias polemiza


contra o sentimento de segurana e a esperana dos habitantes de Jerusalm de
que a cidade seja inviolvel, fomentada pela tradio de Sio (SI 46; 48):
"No est Jav no meio de ns?
Nenhuma desgraa nos sobrevir.
Portanto, por causa de vs, Sio ser lavrada como um campo,
e Jerusalm se tornar lugar de runas,
e o monte do templo uma colina coberta de mato."
(3.12; cf. 1.6; Is 32.14; na retrospectiva: Lm 5.18.)
O dito de Miquias contra o templo circula ainda um sculo mais tarde
(citao livre em Jr 26.18), quando Jeremias renova este anncio de juzo.
Como h diversas relaes entre a pregao de Isaas e Miquias na
denncia e no anncio de juzo, a tradio deve estar com razo quando atribui
a ambos os profetas a incorporao da tradio de Davi nas suas profecias
messinicas:
"Mas tu, Belm Efrata,
a menor (...) entre os milhares de Jud,
de ti (me) sair
o que h de governar em Israel."
(5.1,3a,4a; Vv. 2.3b,4b-5a, talvez tambm 5b, provavelmente so acrscimos.)
Como Is 11.1, Miquias se reporta origem da dinastia de Davi, espera
no por continuidade, mas por um recomeo - um soberano oriundo da aldeia
natal de Davi (l Sm 17.12; Rt 1.2). Esta expectativa de salvao pressupe a
queda de Jerusalm, junto com a casa real que l vive? Em todo caso Deus
escolhe o pequeno, insignificante (cf. 1 Sm 9.21 e outras) para ser seu repre-
sentante; este governar na fora de Deus e representar pessoalmente a paz
(Mq 5.3a,4a).

215
18
NAUM, HABACUQUE, SOFONIAS, OBADIAS
Depois que Isaas deixa de atuar, o profetismo silencia por meio sculo,
na poca da repressora hegemonia assria, aproximadamente de 700-650 a.c.
Depois surgem sucessivamente Naum, Sofonias, Habacuque e principalmente
Jeremias.

1. Como j revela o ttulo "Sentena contra Nnive", a mensagem do


profeta Naum, proveniente de uma localidade desconhecida, Elcs, se concentra
num tema: a derrocada de Nnive, a capital assria (capital desde Senaqueribe,
por volta de 700 a.C}, A descrio viva da conquista da cidade em episdios
distintos, retratados numa linguagem plstica (2.4ss.), decerto no pressupe a
destruio de Nnive, que na realidade s aconteceu em 612 a.C., mas se refere
a ela como que numa "viso" proftica do futuro (1.1), ocorrida ainda na poca
urea da potncia assria. No passado est apenas a conquista da capital egpcia
Tebas pelos assrios (3.8; 663 a.C). Assim Naum deve ter procurado ansiosa-
mente por indcios do ocaso da potncia hegemnica, odiada em todo o Antigo
Oriente: "Nnive est destruda! Quem ter compaixo dela?" (3.7.)
A primeira parte do livro determinada por um hino ao poder de Deus,
que tem condies de transformar a natureza e proteger os seus (um hino cuja
"autenticidade" como palavra de Naum fortemente contestada). Assim o
salmo introdutrio contm a justificativa teolgica para o anncio subseqente
do futuro: Deus pode e vai propiciar uma reviravolta na situao poltica.
Depois de algumas palavras intermedirias (1.11-2.3), inicia a parte principal
(2.4ss.), onde se alternam por trs vezes palavras de ameaa contra Nnive e
cnticos de lamentao ou de zombaria sobre a cidade cada.
1.2-8.9s. Hino ao poder de Jav
Versculos iniciam com as letras da primeira metade do alfabeto, a-k (como
no caso do SI 9s. e outros)
"Jav Deus zeloso e vingador."
Teofania (vv. 3b-6; cf. SI 18.8ss.; Hc 3 e outras)
1.11-2.3 Ditos isolados (de difcil compreenso)
1.12s. Promessa de salvao dada a Jud: "Quebrarei o jugo."
2.1 Convocao (escatolgica) para a celebrao das festas (cf. Is 52.7)
2.4-3.19 Queda de Nnive
2.4-14 Ameaa (vv. 4-11), cntico de lamentao ou zombaria (vv. 12s.).
Assim chamada "frmula de desafio' ': "Eis que eu estou contra ti." (2.14; 3.5)

216
3.1-7 Ameaa (vv. 1-4,5s.), cntico de lamentao ou de zombaria (v. 7)
3.8-19 Ameaa (vv. 8-17), cntico de lamentao ou zombaria (vv. 18s.)
Comparao de Nnive com a conquistada N-Amom = Tebas no Egito(v. 8)
Ressoam nesta composio do livro de Naum, que junta salmos e promes-
sas de salvao para Israel, rituais litrgicos? Tal conjetura encontra mais
respaldo na estrutura do livro de Habacuque.
As ameaas dirigidas contra Nnive evidenciam em parte afinidade to grande
com anncios de juzo contra Israel/Jerusalm, pronunciados por outros profetas, que 1.
Jeremias supe que tambm ditos de Naum (como 3.1ss.) se dirigissem originalmente
contra Jerusalm e s mais tarde tenham sido redirecionados contra Nnive. Naum no
era, portanto, apenas profetade salvao (cf. 1.12)?
O anncio de desgraa sobre Nnive se cumpriu. Independentemente de
quo unilateral se mostre a mensagem de Naum, dirigida que contra o inimigo
externo, em todo caso contm a confisso decisiva para o profetismo posterior
(Zc 2) at o apocalipsismo (Do 2; 7): Deus pode pr fim maior potncia do
mundo. Com esta percepo o livro de Naum quer promover a confiana no
poder do Senhor da histria - e neste sentido decerto tambm foi compreen-
dido em tempos posteriores.

2. Contedo principal da mensagem de Habacuque tambm o anncio


da derrocada da nao conquistadora. Surge algumas dcadas depois de Naum,
pouco antes de 600 a.C, no tempo dos distrbios aps a queda do imprio
assrio e a ascenso da hegemnica Babilnia..Os caldeus ou neobabilnios so
mencionados expressamente (1.6, decerto no texto original), Israel ainda tem
um rei ("ungido": 3.13), mas a primeira conquista de Jerusalm em 598 a.c.
ainda no se reflete na mensagem de Habacuque.
O livro de Habacuque se constitui de trs segmentos principais que - de
forma anloga a Na 2.4ss. - j representam pequenas composies. Na pri-
meira unidade 1.2-2.5 se alternam por duas vezes a lamentao do profeta e a
resposta de Deus. A segunda manifestao de Deus (2.1-5) em si representa o
centro do livro; pois a percepo de futuro nele transmitida retomada pelas
palavras de lamentao (2.6ss.) e desenvolvida amplamente na "orao" do capo 3.
1.2-2.5 Dilogo entre profetae Deus
1.2-4 Lamentao do profeta sobre iniqidade e violncia
1.5-11 A resposta de Deus como anncio de juzo:
"Eis que suscito um povo impetuoso - os caldeus." (V. 6.)
1.12s.,14-17 Objeo (cf. 2.1) ou novo lamento do profeta
2.1-5 Resposta conclusiva de Deus
V 1: O profetacomo sentinela (cf. Jr 6.17; Ez 3.17e outras)
Vv. 2s.: Fixao por escrito da revelao (cf. Is 8.16)
Vv. 4s.: Contedo da revelao. Fim do injusto, vida do justo.

217
2.6-20 Cinco ais (cf. Is 5.8ss.) contra a Babilnia
"Jav est no seu santo templo - cale-se diante dele toda a terra." (V. 20;
cf. Sf 1.7; Ze 2.17)
3 Orao de Habacuque
Lamentaes (vv.2,16,18s.) emolduram a descrio da teofania(vv. 3-12.13-15)
Lamentando-se (1.2ss.,12ss.) e aguardando ansiosamente por uma mani-
festao de Deus (2.1), Habacuque dirige-se na sua atribulao a Deus, pare-
cendo que antes o profeta que toma a iniciativa do que Deus que se revela.
Ser que Habacuque , como se costuma supor, profeta cultual? Alguns ind-
cios, como o ttulo "profeta" (1.1), a forma como recebe a revelao (2.1;
3.2,16) ou a proximidade com a linguagem dos Salmos (1.2ss.,12s.; 3.2.18s.),
deixam margem a tal suposio, mas decerto no permitem chegar a uma
definio segura. Todo o livro - que dificilmente o prprio Habacuque com-
pilou - forma uma liturgia (P. Humbert)? Em todo caso se encontram no capo
3 vestgios de seu aproveitamento no culto (v. abaixo).
Na primeira orao (1.2-4) o profeta lamenta a injustia e violncia -
concretamente se queixa mais da opresso jurdica e econmica vigente em
Israel do que da opresso por parte dos assrios. Deus responde anunciando uma
"obra" incrvel (1.5; cf. Is 28.21). Providencia o castigo por intermdio de um
povo inimigo veloz e avassalador: os babilnios (1.5-11,14ss.). Mas estes ini-
migos se excedem na sua funo de acrisolar Israel? Em todo caso a brutalidade
e at presuno (1.11,16) da potncia hegemnica provocam uma manifestao
de protesto por parte do profeta: como o Deus santo, imortal pode assistir
fria malvada, impiedosa e se calar (1.12s.)? Como uma sentinela no mirante
- um lugar real (para um profeta cultual seria no templo?) ou s se trata de
uma atualizao metafrica? - o profeta busca a resposta de Deus (2.1). Esta
contm em primeiro lugar a incumbncia de transcrever a revelao que se
refere ao "fim" (2.2s.) e em seu contedo restabelece o princpio de que cada
um experimentar os efeitos de sua prpria ao, reafirmando, assim, a diferen-
ciao entre o transgressor e o justo: "[S] O justo viver por sua fidelidade
[para com Deus]." (2.4; radicalizado em Rm 1.17; GI 3.11.)
A palavra de Deus (2.4s.) desenvolvida na segunda parte principal do
livro (2.6ss.) em cinco "ais" do profeta contra o poder conquistador da Babi-
lnia. Todavia, o texto sofreu uma redao posterior (cf. no ttulo 2.6a a
interpretao de que o que se segue uma fala enigmtica ou a polmica
referente aos dolos em 2.18ss.), de sorte que se chegou a questionar se os
"ais" foram realmente dirigidos desde o princpio contra o imprio babilnico
(1. Jeremias; E. Otto). As palavras [mais, que contrapem os dolos mortos ao
Deus vivo (2.19s.), fazem a ponte para a "orao" de Habacuque, que nova-
mente retoma o anncio do futuro (2.4s.).
Lamentaes e declaraes de confIana do profeta ("eu", 3.2,16,18s.)

218
emolduram uma descrio visionria de uma teofania: o aparecimento glorioso
de Deus a partir do Sinai (v. 3; cf. Jz 5.4s.; Dt 33.2), acompanhado pelo
estremecimento da natureza, visa punir o "transgressor" (vv. 13-15; cf. 1.13;
2.5), isto , derrotar a potncia babilnica. Ao receber a revelao, o profeta
tem tremores corporais (3.16; cf. Is 21.3s.; J 4.12ss.).
Embora anseie pela concretizao rpida do que viu (3.2; 2.3) e com isto
busque a ajuda de Deus para seu povo (3.13), o profeta j se alegra no presente,
confiante no poder do "Deus da minha salvao" - caso as palavras finais
(3.18s.) realmente sejam de Habacuque e no de algum outro que as formulou
mais tarde. Pois, como ttulo e apndice (3.1,19b) e tambm os "sel" inseridos
no corpo do texto (vv. 3,9,13) mostram, a viso proftica (3.2ss.) foi utilizada
posteriormente, tal qual outros salmos, no culto de Israel como orao, invo-
cando a interferncia de Deus em situaes emergenciais.

3. Apesar de sua mensagem sucinta, Sofonias, por sua vez, est entre os
profetas "maiores", por causa da radicalidade com que aponta a culpa e
anuncia o castigo. Tematicamente tem afinidade com Isaas e seu contempor-
neo Jeremias. Sofonias atualiza sobretudo o anncio do juzo iminente, visto
como "dia de Jav" (Am 5.18ss.; Is 2.12ss.), de modo que no anncio proftico
da desgraa sobressai claramente seu carter de urgncia escatolgica: "Perto
est o dia de Jav" (1.7,14ss.; 2.2; retomado em TI 1.15 e outras). Sob esta
forma (Sf 1.14ss.) o anncio proftico se torna o paradigma para a seqncia
medieval: Dies irae, dies illa [Aquele dia ser um dia de ira].
11 qual o jovem Jeremias (cap. 2), tambm Sofonias (1.4ss.) denuncia a
idolatria, especialmente o culto a Baal e aos astros, que se alastrou na poca da
dominao assria, no sculo Vll, e pouco depois foi eliminado, pelo menos
temporariamente, pela reforma do rei Josias em 622 a.c. (cf. acima lOa,5).
Visto que Josias foi coroado rei quando ainda era criana (1 Rs 22.1),
compreensvel que Sofonias no mencione o prprio rei na sua crtica dirigida
contra funcionrios da corte e a casa real (1.8). Assim se comprova o que diz
o ttulo (1.1): Sofonias atuou na poca de Josias - mais precisamente, decerto,
em Jerusalm (1.lOs.), antes da reforma, por volta de 630 a.c. A rpida
decadncia da potncia assria ainda no se vislumbra na palavra de ameaa de
Sofonias (2.13ss.).
o ttulo menciona, alm do nome do pai, mais trs geraes. Isto to incomum
nos livros profticos que se especulou que o profeta seria filho de um estrangeiro (Cuchi
= o etope?) ou de descendncia davdica (Ezequias = o rei?).
Embora na estruturao do livro as palavras de desgraa (1.2-3.8) sejam
sucedidas por ditos de salvao (3.9-20), a habitual diviso tripartida aparece
apenas de forma fragmentada. Depois dos ditos ameaadores contra povos
estrangeiros (2.4-15) novamente se retomam os anncios de juzo contra Jeru-

219
salm (1.2-18; 3.1-8); e tambm as profecias de salvao se apresentam em
forma de promessas para os povos (3.9s.) e para Israel (3.11ss.).
1.1 Ttulo
1.2-18 Ameaas contra Jud/Jerusalm
Vv. 2s.,17s. Moldura universal (acrscimo? Cf. 3.8)
Vv. 7,14ss. Dia de Jav. Dies irae
2.1-3 Exortao humildade e justia -
"talvez" proteo no dia de Jav
2.4-15 Ameaas contra povos estrangeiros:
filisteus, Moabe/Amom, Cuche (Etipia), Assria
V. 11 (Acrscimo, expressando esperana universal): "todas as ilhas
das naes, cadaumadoseulugar, adoraro a Jav" (cf. MlUl).
V. 15 Lamentao sobre a queda da autoconfiante Nnive
3.1-8 Ameaas contra Jerusalm
Vv. 1-5 Ai do profeta com prdica contra as classes sociais nos vv.
3s. (cf. Is 3; Mq 3 e outras)
Vv. 6-8 Palavra de Jav: Reno as naes contra vs
Parece que a ameaa contra Jerusalm em 3.8 foi alterada
posteriormente mediante uma correo do texto (contra "e-
les" em vez de "vs"), tornando-o anncio de juzo contra
os povos, e com isto promessa para Jerusalm.
3.9s. Palavra de salvao para os povos
Converso dos povos em adoradores de Jav (cf. 2.11)
3.11-20 Promessas de salvao para Israel
Vv. 14s. Convite escatolgico alegria (cf. Zc 2.14; 9.9s.) por causa
do reinado de Deus
Vv. 16s.,18s.,20 da poca (ps)exlica: Deus "um heri que ajuda". -
"Reunirei o disperso [a dispora]."
Do horizonte universal emerge o anncio de juzo: "Estenderei a minha
mo contra Jud e contra todos os habitantes de Jerusalm." Mesmo que a
expectativa de um juzo [mal, universal, do aniquilamento dos seres humanos e
animais em toda a terra (1.2s.,18), continue injustificada, a punio de Jerusa-
lm motivada por uma denncia detalhada da sua culpa: culto a outras
divindades (1.4ss.), violncia e fraude cometidas pela classe dominante (1.8s.;
3.3) e pelos comerciantes (1.11), deslealdade dos profetas e sacerdotes (304),
excessiva auto-segurana e falta de confiana no poder de Deus, como o
expressa a citao: "Jav no faz o bem nem o mal." (1.12; cf. Is 5.19; Ml
3.l4s.). A crtica exemplar s categorias sociais e aos grupos est incorporada
no anncio de juzo sobre a totalidade do povo (IA), de modo que Sofonias
(3.1s.; cf. 1.12) pode retomar o "ai" sobre a cidade violenta, que desrespeita a
Deus: Jerusalm (Is 29.1; cf. Ez 22). Mesmo assim ele conclama, face ao dia
do juzo iminente:

220
"Buscai a justia, buscai a humildade!
Talvez sejais protegidos no dia da ira de Jav."
(2.3; cf. Am 5.14s.; Is 2.lOss.)
Nesta palavra Sofonias oferece preservao diante do juzo, embora con-
dicionalmente (s vale para aqueles que se humilham diante de Deus), e ao
mesmo tempo mantm a liberdade de Deus ("talvez" haja perdo). At onde
ento vai a confiana do profeta na reta conduta dos seus ouvintes? Em ltima
anlise espera que o prprio Deus mude o ser humano: "Eu transformo" (3.9).
"Deixarei no meio de ti
um povo modesto e humilde,
e procurar refgio no nome de Jav
o resto de Israel.
Eles no praticaro mais a iniqidade,
no diro mentiras." (3.l2s.)
Esta esperana, que parece retomar a expectativa de Isaas da vitria de
Deus sobre a arrogncia humana, superada ainda - seno na pregao
proftica, pelo menos dentro da verso atual do livro de Sofonias - pela
esperana na converso de todos os povos a Jav (3.9s.; 2.11).

4. Enquanto que Habacuque atua na poca imediatamente anterior ao


primeiro cerco a Jerusalm, Obadias j pressupe os acontecimentos dos anos
catastrficos de 597 e 587 a.c. Descreve certos fenmenos relacionados com a
catstrofe como se os tivesse acompanhado bem de perto, levando a crer que
possivelmente at os tenha testemunhado pessoalmente. Os edornitas, que antes
haviam participado de uma coalizo antibabilnica, se tomaram inimigos de
Israel e, aproveitando-se de sua desgraa, da destruio de Jerusalm, perse-
guiam e entregavam os fugitivos judatas (Ob 14). As hostilidades de Edom e
a inimizade de Israel com Edom se refletem em uma srie de textos exlicos e
ps-exlicos (Ez 25.l2ss.; 35; Lm 4.21s.; SI 137.7; Is 34 e outras).
Como "novas de Jav" Obadias anuncia o juzo de Deus contra Edom:
"Eis que te fao pequeno entre os povos"(vv. ls.). Esa/Edom cometeu vio-
lncia contra seu "irmo" Jac/Israel (Ob lOss.; cf. Gn 25ss.; Dt 23.8s.). Num
primeiro momento os povos so os instrumentos com que Jav castiga (vv.
5ss.), mas depois eles mesmos so ameaados: "O dia do Senhor est prestes
a vir sobre todas as naes." (Vv. l5a,16ss.) O princpio da retribuio:
"Como tu fizeste, assim se far contigo:
os teus atos recairo sobre a tua cabea."
(V. 15b; cf. Pv 12.14; 26.27 e outras.)
se aplica no somente a Edom, mas tambm aos povos (vv. 16s.).
Ob 1-14,15b Ameaas contra Edom (a quem se dirige a palavra) e respectiva fun-
damentao:

221
Arrogncia dos habitantes das rochas (vv. 3s.), violncia perpetrada
contra o povo-irmo Jac/lsrael (vv. IOss.).
Conclamao de Jav para os povos lutarem contra Edom (v. 1).
Vv. 1-4,5 correspondem a Jr 49.14-16.9.
A famosa sabedoria de Edom (Jr 49.7; J 1.1 e outras) acaba (Ob 8).
Ob 15a,16-18 Juzo sobre os povos (cf. Jl 4; Is 34)
Os povos bebem do clice da ira de Jav (cf. Jr 25.15ss. e outras).
Ob 19-21 Trs complementaes em prosa (?).
Vv. 19 e 20 complementam v. 17b, v. 21 complementa v. 17a.
O livrinho est dividido em duas ou trs partes. A principal linha divisria
passa pelo v. 15, cuja segunda metade, v. 15b, indica o princpio e a meta da
primeira parte do livro (vv. 1-14), enquanto que o v. 15a menciona, tal qual um
ttulo, o tema da segunda parte (vv. 16-18). Mas j os vv. 1-14 congregam em
si vrios grupos de palavras, de modo que se pde atribuir o livrinho, que
apenas compreende 21 versculos, a diferentes autores. Ser que o nome do
pouco conhecido profeta Obadias ( = "servo de Jav") no seria simblico (cf.
Am 3.7) - semelhana de Malaquias ( = "meu mensageiro")? mais
provvel, porm, que se trate da mensagem de um profeta que, numa poca
funesta, anunciava como revelao divina o juzo sobre Edom e os povos.
Obadias era um profeta cultual que proferia seus "orculos de salvao" em
cerimnias de lamentao (H. W. Wolft)? Em todo caso encontramos nele
vinculaes estreitas com palavras de outros profetas (sobretudo Jr 49). As
afmidades com TI 4 (Am 9.12) tambm podem explicar a incluso do livrinho
no Livro dos Doze Profetas depois de TI-Am.
Decerto apenas os versculos fmais constituem uma complementao mais
recente. Descrevem as possesses futuras de Israel (vv. 19s. depois de v. 17b),
sobrepujando, contudo, todas as expectativas concernentes esperana pela
vinda do reino de Deus. Apesar de toda a retribuio anunciada, a Deus - e
no a Israel (v. 21; cf. Zc 14.9; Sf 3.15 e outras) - que pertence o domnio.

222
19
JEREMIAS

1. Fala-se vez por outra no livro de Isaas que o profeta anotou ou ditou
palavras isoladas, talvez tambm pequenas colees (8.1,16; 30.8), mas o
livro de Jeremias que oferece pela primeira vez um relato sobre a transcrio
de pregao proftica. Baruque anota as palavras que Jeremias lhe dita em um
rolo e as recita ao povo no templo e mais tarde diante dos funcionrios reais no
palcio. Quando o rolo, depois de lido em voz alta pela terceira vez, rasgado
e queimado pelo rei Jeoaquim, Jeremias dita de novo o seu contedo e o
complementa (Jr 36). Este relato, cuja historicidade freqentemente contesta-
da, defronta a exegese h tempo com a questo: que textos do livro de Jeremias
j constavam do roloprimitivo? A esta altura no h mais como encontrar uma
resposta inequvoca. Visto que o rolo, ao que parece, apenas continha ameaas,
descartam-se profecias de salvao e, da mesma maneira, relatos sobre Jeremias
na terceira pessoa e com certeza todas as palavras redacionais mais recentes.
Mas como podemos distinguir estas palavras?
De fato, o livro de Jeremias apresenta problemas histrico-redacionais
srios. Por um lado compreende - de forma anloga mensagem do profetis-
mo mais antigo do sculo VIII - ditos rtmico-poticos de estrutura mtrica
defmida; por outro lado, porm, tambm contm discursos em prosa que lem-
bram prdicas (como Jr 7). Estes ltimos chamam a ateno por vrias razes:
a) por sua forma em prosa, b) pela sua afinidade em termos de linguagem,
terminologia e pensamento com a literatura deuteronmica e deuteronomstica,
c) pela opo colocada ao ouvinte de escolher entre salvao e perdio. Ser
que Jeremias utilizaria uma linguagem to destoante de seus outros escritos em
termos de estilo e intencionalidade?
Se considerarmos os textos em prosa componentes genunos da pregao jeremi-
nica, podemos explicar as coincidncias das palavras profticas com a literatura deute-
ronmica e deuteronomstica de forma diferente: Jeremias teria sido influenciado, depois
da reforma de Josias, pelo Deuteronmio, representando a sua linguagem o linguajar
culto do final do sculo vn a.c. ou o linguajar tpico do culto. Mas por que este estilo
no se encontra tambm nas palavras metrificadas em que temos de buscar em primeiro
lugar a pregao autntica de Jeremias? Aquele linguajar culto do sculo VII, seja em
prosa literria ou estilo de prdica, no se deveria detectar tambm fora do crculo
lingstico deuteronomstco?

223
Qualquer deciso nesta complexa questo literria acarreta conseqncias
profundas para a compreenso global do profeta. Pois, dependendo desta deci-
so, ou o profeta enquadrado na tradio proftica de seus precursores ou se
admite que o profetismo passou no [mal do sculo Vil a.c. por uma sensvel
transformao, de forma que aumenta consideravelmente o nmero de exorta-
es e advertncias e a conclamao penitncia pode resumir tanto a mensa-
gem de Jeremias (36.3,7), como a de todos os profetas (25.4s.; 35.15).
Inspirando-se no comentrio de B. Duhm (1901), que introduz a pesquisa
mais recente sobre o profeta, S. Mowinckel (1914) discriminou no livro de
Jeremias trs, respectivamente quatro fontes, e esta classificao se imps em
grande parte, embora tenha sido submetida a modificaes:
A) Ditos do profeta e relatos na primeira pesssoa
Como nos outros livros profticos, tambm encontramos no livro de Jeremias
muitos ditos distintos, em forma rtmica. Foram compilados em diversas colees sobre
um determinado tema que tm em comum (p. ex., caps. 2; 4-6 ou os ditos sobre reis e
profetas nos caps. 21-23; cf. Dt 17s.).
Vrias vezes (como j em Os 3 ou Jr 6) so inseridos relatos autobiogrficos do
profeta, na primeira pessoa (Jr 1; 13; 18; 24; 25.15ss.; cf. 3.6,11; 14.11,14 e outras).
B) Relatos sobre Jeremias na terceira pessoa, a assim chamada "biografia de Baruque"
Nos captulos 19-20.6; 26-29; 36-44; 45 (51.59-64) predominam relatos de tercei-
ros que narram os sofrimentos de Jeremias. Principiam na poca de Jeoaquim e vo at
a fuga do profeta para o Egito. Como ali se transmitem pormenores que tm que provir
da proximidade de Jeremias, costumam-se atribuir estes relatos de terceiros a Baruque,
o confidente de Jeremias (cf. caps. 36; 43; sobretudo 45 com uma profecia dirigida a
Baruque). Em todo caso, estes detalhes nos informam mais sobre o destino de Jeremias
do que sabemos sobre a vida de outros profetas.
C) Discursos em prosa, com roupagem deuteronomstica
Caracterizam-se por similaridades em estilo, linguagem e tema (p. ex.: culpa do
povo por desobedecer a Deus, ao no ouvir advertncias profticas, anncio de castigo)
e com isto interpretam a situao de exlio a partir da palavra do profeta, ou seja, de
Jav. A estruturao esquemtica remonta ao estilo depregao da poca exlica/ps-exlica?
At hoje no se conseguiu ainda estabelecer uma delimitao clara desta fonte C;
todavia, enquadram-se nela pelo menos os caps. 7-8.3; 11.1-14; 18.1-12; 21.1-10; 22.1-5;
25.1-11(14); 34.8-22; 35.
D) Profecias de salvao dos caps. 30s.
Com certeza estes dois captulos formam uma coleo prpria. J que no seu
contedo bsico so jereminicos, tambm podemos enquadr-los no grupo A (segundo
W. Rudolph) e vincul-los especialmente com Jr 3.

Como valor aproximativo esta explicao das condies literrias tem


suas vantagens; pois toma compreensveis certas duplicidades (p. ex., Jr 7; 26)

224
e diferenas estilsticas. Na verdade, o caso mais complexo: a assim chamada
biografia de Baruque no constitui nenhuma unidade; originalmente decerto
apenas os captulos 37ss. estiveram juntos (cf. G. Wanke). Sobretudo nos
deparamos com linguagem deuteronomstica, alm do complexo C, tambm em
B e A, portanto no apenas num estilo amplo, prolixo, mas tambm em
complementaes sucintas, acrescentadas a textos poticos (bsico neste sentido
W. Thiel, que apresenta uma histria da pesquisa). Deste modo devemos
provavelmente partir do pressuposto de que, em vez de fontes, haja camadas de
tradio (como j afirma S. Mowinckel, 1946): na tradio oral ditos de Jere-
mias foram retrabalhados - alguns, mais, outros, menos - e atualizados ou
at recriados na situao do exlio ou aps o exlio. Por isto a passagem entre
os complexos A, B e C permanece fluida.
No livro de Jeremias devemos contar com um processo de formao mais
demorado e uma redao constituda de vrias camadas. At as passagens
deuteronomsticas no so uniformes, mas mostram diferenas bastante marcan-
tes na sua inteno. Alm de estarem direcionadas para Israel ou israelitas
isolados, visam os povos (l8.7ss.; cf. 12.14ss.); ao lado de denncia de culpa e
ameaa h profecias de salvao em estilo igualmente deuteronomstico (p. ex.
Jr 30s., sobretudo 31.31ss.). A esperana na reconciliao de Deus com Israel
depois do juzo, que se expressa de forma embrionria em complementaes
Obra HistoriogrfIca Deuteronomstica (v. acima llb,4), desenvolvida no
livro de Jeremias (l2.14ss. e outras). Se compreendermos a redao deuterono-
mstica como obra de uma escola que se transforma e ao mesmo tempo se
expande (v. acima lla,2), temos uma explicao para as relaes complexas:
similaridades e diferenas com a Obra HistoriogrfIca Deuteronomstica, que
em si j no uniforme na linguagem; assuno e adaptao da pregao jere-
minica; como tambm, por [lID, irregularidades dentro dos prprios textos de
cunho deuteronomstico do livro de Jeremias.
Metodologicamente podemos distinguir entre:
a) Ditos de Jeremias com complementaes dtr;
b) Ditos em linguagem dtr que, embora se baseiem em um dito "autntico" de
Jeremias, o ampliam;
c) Ditos da redao dtr. sem fundo jereminico.
Uma diferenciao inequvoca, porm, se toma difcil, de modo que, por um lado,
a investigao da histria redacional do livro de Jeremias continua inconclusa; por outro
lado, no h consenso quanto identificao do material autntico. Um exame minu-
cioso do material exige a anlise versculo por versculo, e at de cada parte de
versculo. Ao que tudo indica, a redao interferiu mais profundamente no livro de
Jeremias do que nos livros profticos mais antigos. O exlio significou uma ciso que
influenciou a transmisso da mensagem proftica.

225
2. Na estruturao do livro de Jeremias se realam diversos critrios: em
primeiro lugar, predominam na primeira parte (caps. 1-25) os ditos, enquanto
que na segunda parte (caps. 26-45; 52) predominam os relatos em prosa. Em
segundo lugar, encontramos - de forma parecida como no livro de Isaas -
uma certa estrutura cronolgica quando, p. ex., os ditos do primeiro perodo de
Jeremias (caps. 1-6) antecedem as palavras do segundo perodo (caps. 7ss.), e
os caps. 1-39 se referem ao tempo antes, os caps. 40-45 ao tempo depois da
queda de Jerusalm. Por fim, o livro de Jeremias est dividido em duas ou trs
partes segundo o habitual esquema de cunho escatolgico: primeiro vem a
desgraa, depois a salvao (caps. 29; 30ss.); as profecias de desgraa, por sua
vez, se subdividem em ditos contra o prprio povo (caps. 1-25) e contra povos
estrangeiros (caps. 25.15-38; 46-51).

I. Jr 1-25.13(14) Predominantemente ameaas contra Jerusalm e Jud


1 Relato da vocaonos vv. 4-10,com toque simbliconos lbios(v. 9)
Escolha "no ventre matemo" (v. 5) para ser "profeta das naes"
(v. 10)
Viso do ramo de amendoeira (ou zimbro) nos vv. lls. e do
panelo fervendo nos vv. 13s.(15s.)
Envio, vv. 17-19 (cf. 15.19ss.): "Eis que te coloco, hoje, (...) como
uma muralha de bronze."
2 Denncia de culto natureza. Israel, a noiva infiel.
Vv. 2s. Lembro do amor de tua juventude - no tempo
do deserto.
Vv. lOs. Conclamao para comparar as religies
Vv. 13,32 Apostasia absurda, no-natural (cf. 8.7 e outras)
3-4 (v. 4) Tema: Retorno a Jav
3.1-5 Impossvel retornarao primeirocnjuge (cf. Dt 24)
3.6ss. As duas irms infiis: Israel e Jud (cf. Ez 23)
3.12s. Conclamao dirigida ao Reino do Norte (cf.
31.2ss.)
4.1s.,3s. Retorno condicional: Circuncidai os coraes!
(cf. 9.24s.)
4(v.5)-6 O inimigo do norte. Assim chamados "cnticos sobre os citas"
Ouo o alarido de guerra (4.19), vejo o caos (4.23).
5.1 Vagueai pelas ruelas de Jerusalm, para ver se
algum pratica a justia!
6.27-30 Provaode Israel:"prata de refugo" (cf. 13.10s.).
7; 26 Discurso contra o templo. Jerusalm comparada a Silo.
V. 9 Declogo (cf. Os 4.2)
Vv. 16ss. Contra o culto rainha dos cus (cf. 44.17ss.)
Vv. 21ss. Contra sacrifcios (cf. 6.20)
8-9 Ditos isolados
8.8s. Tor transformada em mentira

226
9.22s. Ningum se vanglorie (cf. 1 Co 1.31)
1O(vv.I-16) Complementao: polmica sobre a idolatria (cf. Is 40.19s.; 44.9ss.
e outras)
11 Palavras da aliana
Em 11-20 Confisses de Jeremias (11; 15; 17s.; 20)
11.18-12.6 Perseguio em Anatote por parentes
17.14ss.; 18.18ss. Queixa contra os inimigos (cf. 11.20-12.3;20.11s.)
15.lOss. "Ai de mim, minha me! pois me deste luz!"
(cf. 20.14ss.)
20.7ss. "Tu me seduziste, e eu me deixei seduzir."
13 Ao simblica ou viso (?) do cinto junto ao Eufrates
13.23 Incapacidade de fazer o bem (cf. 2.21s. e outras)
14(-15.4) Liturgia com lamentao do povo (vv. 7-9, 19-22) e resposta de Deus
14.11 Proibio de interceder (cf. 7.16; 11.14; 15.1)
16 Celibato como sinal
17.5ss. Palavra sapiencial (cf. SI 1)
17.19ss. Defesa da santificao do sbado
18 Jeremias com o oleiro
Vv. 7ss. Salvao e desgraa das naes, arrependimen-
to de Deus
19s. Ao simblica, quebra da bilha e incio dos maus tratos (20.1-6)
21.11-23.8 Palavras "sobre a casa real"
Salum/Jeocaz - Jeoaquim - Jeconias/Joaquim
22.15 Josias mostrou-se justo
23.1-4 "Ai dos pastores! " (cf. Ez 34)
23.5s. Profecia messinica (cf. 33.14ss.)
23.7s. Novo credo
23.9-20 Palavras "sobre os profetas"
V. 29 "No a minha palavra fogo?"
24 Viso de dois cestos com figos
11. Jr 25 (vv.15-38) Viso do clice que faz cambalear (como introduo para:)
46-51 Ameaas contra as naes
Os ditos contra as naes nos caps. 46-51, s em parte "autnti-
cos" (sobretudo 46.3-12), esto colocadas em outra seqncia na
verso grega (LXX) e inseridas antes de 25.15ss. Desta forma a
tradio grega apresenta, na estrutura global do livro, a ordem
mais clara - por isto seria a mais antiga?
rn. Jr (29)30-33 Palavras de salvao para Israel
30s. Assim chamado "livrinho (cf. 30.2) de consolao para Efraim"
(Reino do Norte)
"Eu mudarei a sorte do meu povo." (30.3)
O material bsico (sobretudo 31.2ss,15ss.) dirige-se aos habitantes

227
do antigo Reino do Norte. Ser que c e l o texto foi retrabalhado
atravs do complemento "e Jud" (30.3s.; 31.27,31) no sentido
pr-judata?
31.15 Raquel (matriarca de Israel do Norte) chora por
seus filhos.
31.31ss. Nova aliana
32 Aquisio de um campo em Anatote durante o cerco a Jerusalm
V. 15 "De novo se compraro casas, campos e vinhas."
33 Diversas promessas
34 Incio do cerco de Jerusalm. Destino de Zedequias
Libertao e recaptura dos escravos hebreus
35 Exemplo dos recabitas
IV. Jr (19s.)26-29;
36-45 "Biografia de Baruque"
26 Destino de Jeremias depois do discurso contra o templo
Citao de Mq 3.12. Morte do profeta Unas
27-29 Contra os falsos profetas
27 Ao simblica: jugo em sinal da submisso a Nabucodonosor
28 Jeremias e Hananias
Vv. 8ss. O verdadeiro profeta, arauto da desgraa (cf. Dt
18.21s.)
29 Carta dirigida aos deportados para a Babilnia (597)
"Edificai casas, (....) orai pela cidade/nao!"
36 O rolo do livro: surgimento, recitao, destino
37-39 Cerco e destruio de Jerusalm
Consultasde Zedequias,advertnciasde Jeremias e destino do profeta
40-43 Assassinato do governador Gedalias (40-41) e partida para o Egi-
to, contrariando o conselho de Jeremias (42s.).
44 Contra o culto rainha dos cus (cf. 7.16ss.)
45 Profecia para Baruque
"Eu te darei a tua vida como despojo."
V. Jr 52 Depois da observao conclusiva, no final dos ditos contra as
naes (51.64), apndice tirado de 2 Rs 24s.: conquista de Jerusa-
lm, deportao, anistia de Joaquim.
Cf. Is 36-39, tirado de 2 Rs 18-20

3. Conforme indica o livro (1.2s.; 3.6; 25.3; 36.2), Jeremias foi vocacio-
nado no 13 ano de governo do rei Josias, isto , no ano de 627/6, significando
que provavelmente nasceu por volta de 650 (cf. 1.6). Deve ter atuado at
aproximadamente 585 a.C.
Dificilmente ele mesmo era sacerdote - como Ezequiel (1.3) -; vinha,

228
porm, de uma famlia sacerdotal; seu pai se chamava Hilquias (1.1). Jeremias
era natural de Anatote (cf. 1 Rs 2.26), no muito longe, a nordeste, perto de
Jerusalm, de modo que, diferentemente de Isaas, no era oriundo da capital,
mas do interior, como, p. ex., Ams ou Miquias. A procedncia de Jeremias
explica seu posicionamento crtico em relao capital e ao templo (5.1; 7; 26)?
Talvez no seja mero acaso que a tradio de Davi e de Sio ocupem um papel
secundrio ou at nem estejam presentes na expectativa de salvao de Jeremias
(23.5s.); "salvao" (shalom) existe para os exilados tambm fora de Jeru-
salm (29.7).
Enquanto que Osias recebeu a ordem divina de casar e seus filhos se
tornaram testemunhas de sua mensagem de juzo (Os 1; cf. Ez 24.16ss.),
Jeremias teve de manter-se celibatrio e sem filhos, em sinal da desgraa
iminente (16.1ss.). A pregao determinava sua vida (15.17; 20.10). Por causa
dela Jeremias sofreu atentados por parte de sua famlia (11.8ss.) e foi persegui-
do, maltratado, preso e deportado para o Egito. Todavia, encontrou em Baruque
um ajudante, amigo e companheiro no sofrimento (32; 36; 43.3; 45).
Nas quatro dcadas de sua atuao, aproximadamente entre 625 e 585
a.c., Jeremias presenciou acontecimentos to incisivos como a centralizao do
culto por parte de Josias, o declnio da potncia assria e a ascenso da potncia
babilnica, a tentativa dos egpcios de barrar este processo, a primeira conquista
de Jerusalm e a sua destruio definitiva em 587 a.c. (v. acima 2c). No
conturbado princpio da poca exlica, Jeremias foi deportado para o Egito,
onde desapareceu sem deixar vestgios.
Em razo dos acontecimentos principais podemos distinguir, como no
caso de Isaas, trs ou quatro fases na atuao de Jeremias:
a) A primeira fase compreende a pregao durante o reinado de Josias e vai da
vocao de Jeremias at a reforma de Josias, ou seja, aproximadamente de 626 a 622
a.c. A mensagem deste perodo est contida a grosso modo nos caps. 1-6 e finaliza com
uma concluso desoladora (6.27ss.). Os abusos no mbito do culto que so combatidos
no capo 2, ao que parece, so eliminados pela reforma de Josias.
A seguir, Jeremias silencia - de forma semelhante a Isaas - por mais de uma
dcada. Depois da reforma, Jeremias no v mais motivos para atuar em pblico como
profeta ou ele se recolhe, aguardando ou at rejeitando o desenrolar dos acontecimen-
tos? (por causa desta problemtica alguns situaram a vocao de Jeremias, em contra-
dio com os dados apontados pelo prprio livro, apenas depois da morte de Josias.)
Embora mantenha boas relaes com os adeptos da reforma (compare 26.24;
36.10 com 2 Rs 22.12), o prprio Jeremias em parte alguma se manifesta expressamente
a respeito dela. O rei Josias elogiado no por causa da reforma, mas por causa de seu
engajamento em prol de justia social (22.15s.). Ser que a palavra crtica sobre a lei de
Jav (8.8s.) inclui o Deuteronmio ou sua utilizao (cf. lOa,5)?
Como Isaas pronunciou no princpio de sua atividade ameaas contra o Reino do
Norte, tambm Jeremias se dirige no incio - na poca em que a poltica expansionis-

229
ta de Josias se estende ao norte? - aos habitantes do antigo Reino do Norte, que fora
destrudo um sculo antes, e lhes promete converso ou retorno e reconstruo (3.12ss.;
31.2ss.,15ss.). Na sua pregao de salvao dirigida ao Reino do Norte, bem como na
sua crtica ao culto, Jeremias poderia estar influenciado na primeira fase por Osias.
b) No reinado de Jeoaquim, ou seja, at a primeira conquista de Jerusalm (de
aproximadamente 608 a 597 a.C), ocorre uma grande parte dos acontecimentos relata-
dos nos caps. 7-20; 26; 35s.
Depois do interregno de apenas trs meses de Jeocaz/Salum (Ir 22.1Oss.; 2 Rs
23.31ss.), Jeremias toma a palavra to logo Jeoaquim assume o trono, proferindo o
discurso contra o templo, em que o profeta parece se opor ao impacto da reforma de
Josias sobre a autoconfiana dos jerosolimitas. Tambm em outras circunstncias teve
de se confrontar com os sacerdotes (Jr 20; 36.5; cf. j 6.13; 8.8s.), como com o prprio
rei Jeoaquim (22.1s.,13ss.). A opinio deste sobre o profeta transparece na sua reao
leitura do rolo (Ir 36) no ano de 604 a.c.
O tempo do reinado do sucessor de Jeoaquim, Joaquim, tambm chamado Jeco-
nias (Ir 22.24ss.), de novo breve, e sua sorte, infeliz (2 Rs 24.8ss.).
c) No tempo do reinado de Zedequias, entre a primeira e a segunda conquista de
Jerusalm (por volta de 597-587 a.C), situam-se os caps. 21-24*; 27-29; 32; 34; 37-39.
Neste seu terceiro perodo de atuao, Jeremias vive um momento de dura
confrontao com os "falsos" profetas (Ir 27-29) e de crescente perseguio, que
culmina na sua priso (37-39). Contudo, o seu relacionamento com o rei se torna mais
amistoso; Zedequias se dispe a ouvir o conselho de Jeremias - de submeter-se aos
babilnios - , mas no o consegue (Ir 21; 27; 37s.).
d) A ltima e breve poca da queda de Jerusalm at a permanncia forada do
profeta no Egito (depois de 587 a.C) se distingue de outras fases da atuao de Jeremias
(Jr 40-44) somente pela situao completamente alterada em que ocorre, o que no
transparece, contudo, no teor de sua pregao.
Quando, contrariando o seu conselho, o povo foge para o Egito, aps o assassi-
nato do governador Gedalias, Jeremias obrigado a declarar-lhe que mesmo na terra do
Nilo no esto a salvo de Nabucodonosor (43.8ss.) e precisa insistir novamente nos seus
protestos contra a idolatria de Israel (44).

4. Embora o relato da vocao, integrado na composio geral de Jr, seja


formulado na primeira pessoa, foi pelo menos retrabalhado redacionalmente,
caso no tenha sido criado por inteiro posteriormente. Pois de que outra maneira
se explicaria que a estrutura com a objeo: "No passo de uma criana"
corresponde inteiramente ao assim chamado "formulrio de vocao" (de x
3s.; Jz 6) e lembra a lei acerca dos profetas (Dt 18.18)? Jeremias j "conhe-
cido" antes de seu nascimento (cf. Is 49.1,5; GI 1.15) e chamado para ser
"profeta s naes"; porm, quando ele mesmo fala, parece que, assim como
Ams e Isaas, no se chama a si mesmo de "profeta", reservando este ttulo

230
antes aos seus opositores (23.9ss.). Tambm a misso referente aos outros povos
e a tarefa de "demolir e edificar" - termos que circunscrevem a pregao
global de Jeremias como mensagem de desgraa e salvao - se inserem antes
na sua atuao posterior, j que no incio decerto somente atuou em Jud/
Jerusalm proferindo lamentaes, acusaes e palavras de ameaa. Assim o
capo 1 j delineia antecipadamente o que Jeremias tem que ameaar, prometer
e suportar - como oferece resistncia e lhe conferida fmneza.
Enquanto a primeira viso abarca de novo toda a pregao com a promes-
sa de Deus: "Eu velo sobre a minha palavra para a cumprir" (1.11s.), a
segunda, do panelo fervendo, contm o anncio da desgraa reservada ao
Reino do Sul: "Do norte derramar-se- a desgraa sobre todos os habitantes da
terra." No mais tardar a se manifesta o "autntico" Jeremias. Esta viso
lembra Ams (8.1s.) na sua estrutura, radicalidade e generalidade e introduz um
tema que Jeremias desenvolve progressivamente: a desgraa vinda do norte
acontece no campo militar (1.15), personificada num inimigo do norte que
inicialmente nem identificado pelo seu nome, (Ir 4-6; sobretudo 6.22), mas
que mais tarde identificado com os babilnios (20.4ss. e outras), at que por
fim Nabucodonosor mencionado pessoalmente. Como nos profetas mais an-
tigos, a potncia estrangeira figura no papel de ajudante de Jav no juzo
(20.4ss.; cf. 1.15 e outras), e mais: Nabucodonosor at considerado "servo"
de Jav, representando o seu senhorio no mundo (27.6ss.; 28.14). No fmal das
contas, porm, o juzo permanece sendo obra exclusiva de Jav (9.10; 10.18;
13.26 e outras).
No faltam denncias sociais em Jeremias (5.1s.,26ss.; 6.6; 22.13ss.; cf. a
citao do Declogo em 7.9 e outras). Pelo menos na primeira fase predomina,
no entanto, a lamentao sobre a transgresso do primeiro e segundo manda-
mentos (Ir 2; cf. 7.16ss.; 44; Sf 1.4ss. e outras). Jeremias at parece estar
influenciado por Osias na escolha dos temas de sua pregao: quando compara
o relacionamento de Deus com o povo a um matrimnio, quando compreende
a marcha pelo deserto como tempo de harmonia anteposto apostasia por
ocasio da entrada na terra cultivada ou quando lana acusaes contra o povo
por adorar deuses estrangeiros e praticar a idolatria, referindo-se em especial ao
culto a Baal com seus ritos. Alis, percebe-se esta influncia de Osias at na
terminologia usada ("ser infiel, prostituir-se"; "abandonar, esquecer" Deus),
embora Jeremias tambm formule com suas pprias palavras:
"Dois males cometeu o meu povo:
a mim me deixaram, o manancial de guas vivas,
e cavaram cisternas,
cisternas rotas, que no retm as guas." (2.13.)
No muito fcil distinguir nesta rea temtica o que "autenticamente"
jereminico e o que redacional; pois a escola deuteronomstica retoma a

231
mesma temtica e terminologia, mas parece apenas reproduzir, tipificar e gene-
ralizar a mensagem de Jeremias (p. ex., 2.20b). - At a culpa humana Jeremias
percebe com a mesma radicalidade de Osias (5.4 e outras):
, 'Ainda que te laves com salitre,
e uses muito sabo para ti,
a mcula da tua culpa permanecer diante de mim."
(2.22; cf. 3.1-5; 17.1,9; 30.12s. e outras.)
A maldade tomou-se como que "a segunda natureza" do ser humano (W.
Rudolph), de que no pode (13.23; cf. 4.22 e outras) nem quer (6.16; 8.5 e
outras) se desfazer. De novo se conjugam compulso interna inevitvel e
vontade prpria, carter e conduta, incapacidade e falta de vontade. Israel tem
"ouvidos incircuncisos" que "no podem ouvir" (6.10). Esta obstinao pare-
ce a Jeremias to desnaturada e absurda como tambm j a considerava Isaas
(1.2s.; 5.1-7):
"Acaso se esquece uma virgem de seus adornos,
uma noiva de seu cinto?
Mas o meu povo se esqueceu de mim,
por dias sem conta." (2.32; cf. 2.lOss.; 6.10; 8.4ss.; 12.8 e outras.)
Procura-se em vo nos becos e praas de Jerusalm por "um homem que pra-
tique ajustia" (5.1); nem o acrisolamento do povo teria sucesso (6.27-30; cf. 9.6).
Diante de um testemunho to impressionante pouco provvel, no s por
motivos lingsticos, mas tambm pelo contedo, que a redao esteja com razo
quando, nos relatos na terceira pessoa, resume a mensagem de Jeremias com o chamado
converso (36.3,7; 26.3).
No contexto da mensagem de juzo a inteno de induzir o povo a penitenciar-se
mencionada apenas uma nica vez nos textos metrificados, e neste caso (23.22b),
provavelmente, se trata de um acrscimo (W. L. Holladay, G. Mnderlein e outros).
Como j acontecia com os profetas antigos (Is 9.12; Os 7.10 e outras), o chamado de
Jeremias ao arrependimento no mais promete a salvao, mas serve para acusar Israel
justamente por no voltar atrs (8.4ss.; cf. 3.1; tambm 23.20 e outras).
Provavelmente este juzo crtico valha para exortaes em geral (cf. 2.lOss.,25;
6.16 e outras), embora tenhamos de ter ressalvas em relao a certas palavras, suspeitas
de serem acrscimos redacionais (como 4.3s.). - Uma funo bem diferente adquire a
exortao, inclusive o chamado ao arrependimento, quando enquadrada dentro da
mensagem de salvao (veja abaixo).
Apesar da diferena que h entre a palavra do profeta e a redao dos livros
profticos, no se pode esquecer que tambm o trabalho redacional pode ressaltar a
impenitncia do povo (7.23s.; 11.8ss.; 18.11s.; 44.5,16 e outras). At que ponto ento o
chamado ao arrependimento constitui uma proposta ainda vlida na situao de exlio?
(Cf. 11b,4.)

232
5. Depois de um tempo de silncio, quando Jeoaquim assume o governo,
Jeremias denuncia a falsa sensao de segurana que o templo confere precisa-
mente depois da reforma de Josias (Jr 7; 26). Nas duas dcadas antes da
derrocada Jeremias conclama o povo - atravs de suas palavras e do seu gesto
simblico de carregar o jugo (Jr 27s.) - a submeter-se dominao babilnica.
Aos babilnios Jav confiou o senhorio sobre o mundo, inclusive sobre o Egito
(43.8ss.). A crtica que Jeremias tece contra os ltimos reis judatas (21.11ss.;
36.30s.) at Zedequias (34; 37s.) no fundo constitui uma faceta de sua mensa-
gem de juzo dirigida ao povo como um todo (8.l4ss.; 1O.l8ss.; 13.12ss.;
15.1ss.; 16.3ss.; 17.Iss.),
Por analogia isto vale tambm para o confronto com os profetas advers-
rios, bem mais acirrado do que em pocas anteriores (Mq 3.5ss.). Aos assim
chamados profetas de salvao ou, como aparecem na anlise retrospectiva (do
texto grego, no ainda no texto hebraico), aos profetas falsos, Jeremias contra-
pe sua percepo de que passou o tempo de salvao e de paz (8.11ss.), de
graa e de misericrdia (16.5; cf. 12.12; 30.5), e at de intercesso (14.11ss.;
15.1ss.). Face a esta situao, a mensagem de salvao emana de um desejo ou
de uma mentira (6.13s.; 23.16ss.; 28.15s. e outras), de sonhos humanos, mas
no da palavra de Deus (23.25ss.).
"No a minha palavra fogo - diz Jav -
e martelo que esmia a penha?" (23.29.)
Enquanto os adversrios de Jeremias protestam contra seu anncio de
desgraa (23.17; cf. 28.2s.), ele contesta a legitimidade deles: "No mandei
estes profetas, todavia eles foram correndo" (23.21,16). A verdadeira oposio
no reside na conduta tica (23.11ss.), mas justamente no anncio do que vir.
Na radicalidade da ameaa de juzo que atingir o povo todo no se percebe
um critrio de autenticidade, mas ao menos um critrio de diferenciao entre
profetismo "autntico" e "falso". Somente na retrospectiva o cumprimento do
anncio do futuro pode confirmar (convincentemente?) qual foi a "verdadeira"
profecia.

6. Uma linguagem que nos livros profticos mais antigos s ressoa vez
por outra ocupa amplo espao no livro de Jeremias: ao lado do dito proftico
dirigido aos contemporneos aparece o dilogo com Deus - em forma de
lamentao. Quando Jeremias profere uma denncia ou um anncio de juzo,
pode faz-lo em forma de lamento.
"Ah meu corpo, meu corpo, tenho de me contorcer (...).
At quando preciso suportar o som da trombeta?"
(4.l9ss.; 8.18ss.; 1O.19ss.; 13.17; 14.17s.)
Jeremias adotou esta categoria literria para assim expressar seus prprios

233
sentimentos? As confisses, controvertidas quanto sua autenticidade, mostram
em linguagem mtrica, formal e impessoal o efeito da mensagem sobre a pessoa
do profeta: "Nunca me assentei na roda dos que se alegram" (15.17). s
perseguies externas correspondem sofrimentos internos que o levam a rebe-
lar-se contra Deus e at a acus-lo (20.7ss.):
"Tu me seduziste, e eu me deixei seduzir;
tu te tomaste forte demais para mim, tu me dominaste."

Como seus adversrios (23.29; 5.14), Jeremias (20.9) sente a palavra


como "fogo ardente". Embora lhe seja oferecida uma oportunidade para arre-
pender-se (15.19ss.; cf. 4.1), o ciclo termina de forma sombria: Jeremias amal-
dioa o dia em que nasceu (20.14ss.; cf. 15.10; J 3).

7. verdade que a maioria das profecias de salvao do livro de Jeremias


(23.3ss.; 30s. e outras) tambm so controvertidas na sua "autenticidade". Mas
h alguns indcios seguros (29; 32) de que tambm este profeta - de forma
parecida como, p. ex., Osias ou Isaas - alimentava uma esperana de
salvao. Provavelmente no incio de sua atuao, na poca de Josias, Jeremias
se dirigiu aos habitantes do Reino do Norte, que fora destrudo aproximadamen-
te um sculo antes:
"Volta [ou retoma para casa], renegada Israel (00')'
no olho (mais) incompassivo para vs;
porque sou compassivo - orculo de Jav."
(3.12s.; desenvolvido em 31.2s8.,1588.)
A nova salvao ocorre de forma incondicional e se fundamenta no
prprio Deus, mais ainda: numa transformao de Deus (cf. Os 11.8s.; Jr 3.22;
31.3,18-20). Enquadrado dentro desta promessa, o chamado penitncia adqui-
re novo significado: no coloca o ser humano diante da alternativa de ter de
optar entre o bem e o mal, mas o conclama a confiar na graa e no amor de Deus.
Como na sua mensagem endereada ao Reino do Norte Jeremias promete
a salvao para aqueles que experimentaram a desgraa, da mesma forma
anuncia tambm perante Jud/Jerusalm a salvao que vir somente no e aps
o juzo. Jav olha de forma amorosa no para os que ficaram em Jerusalm (no
ano de 597), mas para os que foram deportados para a Babilnia (Jr 24).
Entretanto, tero de ficar duas ou trs geraes, cerca de 70 anos, longe da sua
terra; Jeremias os conclama para que se adaptem a esta situao e orem pelo
bem-estar da potncia estrangeira. Os vivos no vero mais sua ptria, mas
participam, como que num prenncio do porvir, "do futuro e da esperana"
(29.5-7,10s.; cf. 27.7). Durante o cerco de Jerusalm por parte dos babilnios,
Jeremias promete da mesma forma contida, ao adquirir um campo em Anatote,
nova vida depois da destruio: "Ainda se compraro casas, campos e vinhas

234
nesta terra." (32.15; cf. 31.5; 33.12s.; alm disso as promessas pessoais: 39.17s.;
45.5; 35.19.)
Em contraposio, a profecia messinica do "renovo justo" (23.5s.) pa-
rece mais esmaecida - tambm em comparao com as promessas do livro de
Isaas que retoma. Em todo caso a tradio davdica no tem importncia
decisiva para Jeremias.
A palavra a respeito da "nova aliana" (31.31ss.; cf. 32.27ss.), que foi
retomada de forma to marcante mais tarde (l Co 11.25 e outras; veja acima
la), dificilmente pode ser atribuda a Jeremias; mas, com a oposio entre o
rompimento da aliana por Israel e a renovao da aliana pelo prprio Deus,
a palavra reflete profundamente a pregao proftica. A percepo da maldade
imutvel do ser humano (Jr 13.23 e outras) suscita a esperana de que o prprio
Deus deposite sua vontade no corao humano, propiciando desta forma obe-
dincia voluntria e com isto o conhecimento de Deus por parte de todos (cf. 24.7).

235
20
EZEQUIEL

1. De forma diferente existem tambm no livro de Ezequiel problemas de


cunho histrico-redacional to graves como aqueles que apresenta o livro de
Jeremias. Vrios indcios, como a amplitude da exposio, a retomada de temas,
certas irregularidades apesar da linguagem similar ou perceptveis estgios de
formao, indicam que houve uma "escola" (annima) que no s coletou
palavras profticas preexistentes, interligando-as, mas tambm as interpretou,
desenvolveu e refonnulou, ou seja, "reescreveu".
Uma interpretao "deve levar a srio a constatao de que a palavra proftica
aparece no livro proftico apenas mediada pela escola traditiva. Esta escola deixa seus
vestgios no apenas na redao formal e na juno dos ditos tradicionados. Antes,
interfere, certamente em grau variado, no prprio material." (W. Zimmerli, EzechieJ.
Gestslt und Botschaft, 1972, p. 21.)
Por causa de seu estilo surpreendentemente uniforme, o livro toma difcil
a diferenciao entre o material original e a redao secundria. Sem dvida,
Ezequiel no era (s) escritor, mas atuava em pblico, como seus precursores,
proferindo suas palavras e encenando seus atos simblicos (Ez 4s.; 12; 21; 24;
37). Mas at que ponto a posteridade apenas conservou e desenvolveu sua
mensagem e at que ponto a modificou? Onde se capta realmente a pregao
proftica autntica? Podemos atribuir a Ezequiel apenas palavras de forma mais
ou menos rtmica ou ele tambm se expressava em prosa? At onde podemos
confiar na fala na primeira pessoa? At que ponto podemos confiar na exata
cronologia que perpassa praticamente todo o livro (de 1.2 at 40.1), mas
desconhecida nesta proporo no profetismo literrio mais antigo, antecipando
as indicaes cronolgicas nos livros de Ageu e Zacarias?
Nesta determinao da autoria, a pesquisa oscila, mostrando-se mais con-
fiante ou ctica quanto ao papel efetivo do profeta. Este ceticismo alis irrom-
peu de novo recentemente, em adeso crtica de G. Hlscher, Ele entendera
o livro - essencialmente em razo da distino entre textos poticos e em
prosa - como "uma obra redacional constituda por mltiplas camadas, onde
as vises e os poemas do profeta Ezequiel formam apenas o ncleo" (1924, p. 26).

2. Segundo indica o livro, Ezequiel, filho de Buzi, estava entre aqueles

236
que foram deportados para a Babilnia por Nabucodonosor em 597 a.C., grupo
que compreendia, alm do rei Joaquim e seu squito, tambm parte da camada
superior da sociedade e artesos (2 Rs 24.108s.). Ezequiel vivia num grupo que
estava assentado em Tel-Abibe (em hebraico: "colina de espigas", em babil-
nio: "colina do dilvio"), junto ao rio ou canal Quebar, provavelmente perto
de Nipur. Ali vocacionado no quinto ano aps o desterro do rei Joaquim, em
593 a.C. (1.1-3; 3.15). Nos poucos anos at a destruio de Jerusalm em 587/6,
de que Ezequiel toma conhecimento de longe, por intermdio de algum que
escapou da catstrofe (33.21s.), se formou o material bsico de palavras de juzo
contra a capital e a nao (caps. 4-24; cf. 8.1; 20.1; 24.1). Do ltimo perodo
desta poca procedem tambm, no essencial, os ditos contra as naes estran-
geiras (caps. 26-32), ao passo que a viso do novo templo, ao que consta, teria
surpreendido o profeta mais de uma dcada depois, em 573 a.c. (40.1; cf.
29.17). Da cronologia, em todo caso, podemos depreender que as palavras de
ameaa remontam poca anterior queda da cidade em 587 a.C, enquanto
as palavras de salvao provavelmente surgiram apenas depois desta data.
A viso do templo de Jerusalm (8-11) suscitou a pergunta se Ezequiel no atuou
tambm na Palestina. Contudo, segundo 8.3; 11.24, a viso se baseia em um arrebata-
mento, um "distanciamento geogrfico" efetuado pelo Esprito, e o profeta poderia ter
tomado conhecimento da situao em Jerusalm - se realmente no obteve as respec-
tivas informaes a partir do passado (com contrao dos tempos verbais?) - atravs
de mensageiros (cf. Jr 29).
Da mesma forma que o celibato teve um significado simblico para
Jeremias (16.2ss.), a morte repentina de sua mulher parece adquirir um signifi-
cado simblico para Ezequiel. Representa a reao de Israel diante da destrui-
o de Jerusalm: "Mas no lamentars, nem chorars!" No mais, tambm a
maneira pessoal de Ezequiel vivenciar a sua pregao de forma psicossomtica,
chegando a tremer, ficar atordoado, mudo ou paralisado (3.15,22ss.; 4.4ss.;
6.11; 12.17ss.; 21.11s.; 33.21s. e outras), incorporada na respectiva forma e
inteno da proclamao, sobretudo no anncio do juzo, de modo que no
devemos considerar tais fenmenos estranhos como sintomas de alguma doena.

3. Em vrios sentidos o livro de Ezequiel diferente dos livros profticos


mais antigos. Contm menos colees de ditos breves e isolados, mas compo-
sies maiores onde se desenvolve amplamente um tema. Apresenta as seguin-
tes caractersticas:
a) Em comparao com o profetismo mais antigo, as vises so to
numerosas e extensas (1-3; 8-11; 37; 40-48), que j prenunciam a importncia
que a viso ter no apocalipsismo.' Ezequiel interfere no evento visionrio (cf.
4.14; 21.5) no apenas atravs de intercesses (9.8; 11.13), mas tambm com
profecias e ao direta (11.4; 37.4ss.).

237
b) As extensas falas metafricas (alegorias) podem retratar o mesmo
contedo com nuanas e intenes diferenciadas: a imagem de uma ou duas
mulheres infiis (16; 23), da videira (15; 17; 19.10ss.), do fogo (22.17ss.; 24).
Diversas imagens (como a da videira e da guia no capo 17) ou tambm a
imagem e sua interpretao podem se fundir.
c) As minuciosas retrospectivas histricas abrangem, de forma metafrica
(16, de Jerusalm; 23, de ambos os reinos) ou no (20), toda a histria desde
as suas origens obscuras (16.2; 20.7s.; 23.3), apresentando-a com incomum
rigor crtico, como acusao ou ameaa, aos olhos de seus contemporneos.
d) Mais ou menos tpicas so certas expresses idiomticas, como a
frmula de reconhecimento: "reconhecereis (reconhecers ou uma forma verbal
semelhante) que eu sou Jav" (6.7,13s. e passim), que costuma encerrar o
anncio de um ato de Jav \IN. ZirnInerli: palavra de demonstrao); o convite
introdutrio para um assim chamado "gesto expressivo": "volta a tua face
para" (6.2; 21.2,7; 38.2 e outras); a manifestao do prprio Deus sobre si
mesmo, por via de regra destacando no [mal a confirmao ou realizao da
palavra: "Eu, Jav, o disse e o fao" (5.15,17; 17.24; 37.14 e outras; cf.
12.25ss.); e sobretudo o tratamento do profeta por parte de Deus como "Filho
do homem" no sentido de ser humano, indivduo, criatura (2.1 e passim).
e) Ezequiel gosta de retomar tradies profticas, para lhes conferir novos
acentos. Ento, por um lado, d nova vida a concepes conhecidas a partir das
tradies dos profetas pr-literrios, mas relegadas ao segundo plano pelos
profetas literrios: a "mo" de Jav vem sobre o profeta (Ez 1.3; 8.1; 37.1;
40.1 e outras; cf. 1 Rs 18.46); o "Esprito" arrebata Ezequiel (3.12ss.; 8.3 e
outras; cf. 2 Rs 2.16; 5.26); ou, ento, o costume de os ancios se sentarem
diante de Ezequiel na sua casa (8.1; 14.1; 20.1; cf. 2 Rs 6.32). Por outro lado,
a sua pregao (compare Ez 7 com Am 8.2) e fala metafrica (compare Ez 16;
23 com Os 2; Jr 3) retomam a temtica do profetismo literrio anterior, em
especial a temtica de Jeremias.
f) O fato de o prprio Ezequiel ser sacerdote, ou pelo menos filho de um
sacerdote (1.3), torna compreensvel no apenas seu interesse pelo templo e
suas instalaes (especialmente 8; cf. 4Oss.), mas explica tambm a afrnidade
marcante de sua linguagem com o linguajar sacerdotal, especialmente com a
Lei da Santidade(Lv 17-26)- o que no se conhece no profetismo literrioanterior.

4. Na estruturao do livro de Ezequiel a tripartio - desgraa lanada


sobre o prprio povo (1-24), desgraa lanada sobre as naes estrangeiras
(25-32), palavra de salvao (33-48) - mantida com excepcional rigor,
mesmo que haja excees. Os anncios de juzo ocasionalmente vm acompa-
nhados ou entremeados com palavras de salvao (11.14ss.; 17.22ss.; 20.32ss.
e outras), como, em contraposio, a promessa do verdadeiro pastor inicia com

238
um "ai" (34; cf. Ir 23). Em particular caracterstico que vrias vezes seguem
aes simblicas (4s.; 12; 37.15ss.) aos relatos de vises (1-3; 8-11; 37); alm
disso os caps. 1-20; 29-32 em regra so ordenados cronologicamente.

I. Ez 1-24 Palavras de juzo sobre Jud e Jerusalm


1-3 A assim chamada "viso do carro do trono" (1) com audio e
recepo simblica da palavra: Ezequiel come um rolo de livro (2s.)
3.16ss. Nomeao para atalaia (cf. 33.1ss.; Jr 6.17)
4s. 'Irs aes simblicas (introduzidas por 3.22ss.) para representar o
cerco de Jerusalm:
4.1s.,3 Cerco de um tijolo de argila em que est riscado um
esboo da cidade
4.9ss. Racionamento de po misto e gua, em sinal da escassez
de alimentos (cf. Jr 37.21)
5.1s.,3s. Corte dos cabelos: um tero deve ser queimado, outro
tero, golpeado ou picado pela espada e o ltimo tero,
espalhado pelo vento (cf. Is 7.20).
4.4-8.12ss. Insero de outras aes simblicas: carregar a culpa e
fazer o po, para representar a situao no exlio
5.5ss. Juzo sobre Jerusalm, centro dos povos (cf. 38.12)
6 Contra as montanhas (e os vales) de Israel
Destruio e profanao dos altares (altos onde se pratica culto)
7 O dia do fim (cf. Am 8.2)
8-11 Viso do pecado e do juzo de Jerusalm
8 Arrebatamento em xtase para Jerusalm. Quatro abomi-
naes: cultos impuros ou estrangeiros, como a idolatria,
culto a 1muz e ao Sol
9-11 Juzo
9 Seis anjos justiceiros e um anjo escriba
10 Incinerao da cidade. O carro de querubins (cf. capo 1)
11 Morte de Pelatias. Sada de Deus do templo
12 Duas aes simblicas: a bagagem de exilado (deportao dos jero-
solimitas) e a ingesto de comida e bebida com tremor (vv. 17ss.)
12.12ss. Acrscimo: destino de Zedequias
12.21ss. Cumprimento certo e iminente da palavra do profeta
13 "Ai" sobre os profetas e as profetisas (cf. Mq 3.5ss.; Jr 23)
14 Nenhuma consulta a Deus (cf. 20.1ss.) por idlatras
14.12ss. At os trs justos - No, Daniel e J - conseguem
salvar somente a si mesmos (cf. Jr 5.1; 15.1)
15 Jerusalm como madeira de videira, que serve apenas para ser queimada
16 Jerusalm retratada como esposa infiel (cf. 23; Os 2)
17; 19 Lamentao sobre os ltimos reis de Jud (cf. Jr 21s.)
17 "Enigma": representao alegrica do destino de Joaquim (uma guia

239
rouba a ponta dum cedro) e do destino de Zedequias (videira diante
de duas guias: o Egito e a Babilnia)
17.13ss. Quebra da aliana por parte de Zedequias
18 Assim chamada "doutrina da retribuio individual" (cf. 33.lOss.)
O justo e o injusto (cf. SI 15; 24.3ss.). Liberdade para converter-se.
"Eu vos julgarei, a cada um segundo os seus caminhos." (18.30)
19 Lamentao. Fbula da leoa e de seus dois filhotes referente mo-
narquia (Joacaz, Joaquim)
e - na complementao (vv. IOss.) - da videira seca (Zedequias)
20 Retrospectiva histrica do tempo no deserto
Revelao do nome de Jav, transgresso do primeiro mandamento e
do mandamento do sbado
Vv. 25ss. Estatutos ruins, que no conduzem vida
(exigncia da primogenitura)
Vv. 32ss. Acrscimo: juzo no deserto "face a face" e salvao.
Segundo xodo.
21 "Espada" de Jav
VV.23ss. Ao simblica: Nabucodonosor diante de dois caminhos.
O sorteio decide por Jerusalm.
22 A "cidade sanginria" (22.2; 24.6,9)
Vv. 17ss. Na fornalha (cf. Is 1.21ss.)
Vv. 23ss. Prdica s classes sociais. Todos so corruptos.
23 As irms infiis Ool e Oolib,
Samaria e Jerusalm (cf. Jr 3.6ss.)
24 Imagem da panela (enferrujada) no fogo
Vv. 15ss. A morte da mulher de Ezequiel como smbolo da queda
de Jerusalm: nenhum luto.
n. Ez 25-32 Palavras sobre (sete) povos estrangeiros (cf. Am ls.; Jr 46ss. e outras)
25 Contra Amom, Moabe, Edom (cf. cap 35), filisteus
26-28 Contra Tiro (no conquistada por Nabucodonosor, cf. 29.18)
Como j no capo 19 se destaca em 26. 15ss.; 27; 28. 11ss.; 32 a forma da
lamentao. Neste bloco ressoam, com maior intensidade nos caps.
28-32; 47, tradies mticas.
27 Lamentao sobre o navio Tiro
28.1ss. Queda ao inferno do ser celestial (cf. Is 14; Ez 31.14ss.;
32. 17ss.)
28. 11ss. Lamentao: o rei, como o primeiro homem, expulso
do jardim de Deus (cf. Gn 3)
28.20ss. Contra Sidom e promessa para Israel
29-32 Contra o Egito (cf. 17.7ss.,15ss.)
O fara como crocodilo (29; 32) e rvore gigantesca (31; cf. Dn 4)
m. Ez 33-39 Palavras de salvao
Apresentando correspondncias com os caps. 1-24, o capo 33 marca
a transio da mensagem de desgraa para a mensagem de salvao

240
33 Nomeao para o cargo de atalaia (cf. 3.16ss.)
Vv. lOss. Prdica de converso: o justo e o injusto (cf. capo 18)
Vv. 21s. Notcia da queda de Jerusalm (cf. 3.26s.; 24.25ss.)
Vv.23ss. Contra a segurana dos que permaneceram no pas e dos
deportados (vv. 30ss.)
34 Os pastores malvados de Israel (vv. 1-10) e o pastor verdadeiro -
Deus (vv. 11ss.) e seu servo Davi (vv. 23s.; 37.22ss.; cf. Jr 23)
Vv. 25ss. Aliana de paz
35-36.15 Juzo sobre Seir/Edom (por causa de sua conduta durante e depois da
queda de Jerusalm; cf. Ob; Is 34; 63) e salvao para os montes de
Israel (cf. capo 6). Contra a pretenso dos inimigos de se apossarem
da terra.
36.16ss. Purificao de Israel. Novo corao e novo esprito (vv. 26s.; 11.16ss.)
37 Viso da revivificao das ossadas; nova vida e retomo do povo
Vv. 15ss. Ao simblica: juno de duas varas com a inscrio
"Jud" e "Jos" representando a unificao do Reino
do Sul com o Reino do Norte
38s. Assalto a partir do Norte (cf. Jr 4-6) sob Gogue, da terra de Magogue,
o principe de Meseque e Tubal. Seu aniquilamento. Segurana para o pas.
IV. Ez 40-48 Viso do novo templo. Assim chamado "projeto constitucional" de
Ezequiel (em diversos estgios de formao)
40 Conduo do profeta por um anjo. Medidas bsicas do
santurio.
43 Retomo da glria de Jav para o templo
44 Servos no santurio. Levitas e sacerdotes
45s. O "prncipe" (cf. 44.3; tambm Ed 1.8)
47 Fonte do templo (rio do paraso; cf. Gn 2.lOss.; Zc 14.8)
47s. Distribuio da terra

s. Na viso de vocao Ezequiel v quatro seres quadrialados, vindos


numa nuvem de fogo do Norte (cada um com rosto de ser humano, leo, touro
e guia), que carregam sobre suas cabeas uma placa de um material semelhan-
te a cristal: sobre ela repousa uma figura brilhante "semelhante a um homem" ,
sentada em uma espcie de trono. "Esta era a aparncia da glria de Jav."
(1.5ss.,22ss., sobretudo 28; cf. 13b,2). O trono de Deus, desde os tempos
davdico-salomnicos estabelecido firmemente junto ao Sio, se toma mvel e
como que ganha rodas (1.15ss. numa camada mais recente; cf. 1O.9ss.) e surge
na terra distante e profana (4.13; 11.15). Da viso emerge o encargo: "Filho do
homem, eu te envio aos filhos de Israel." (2.3.) Como os profetas mais antigos,
Ezequiel enviado a todo o Israel, cuja reao diante da mensagem no se
espera ser em nada mais favorvel do que a reao de antigamente: "quer
ouam, quer deixem de ouvir - porque so casa rebelde - , ho de saber que
esteve no meio deles um profeta." (2.5; cf. 33.33.) Desta forma se atribui "casa

241
de Israel", considerada "casa rebelde", toda a responsabilidade, mas ja se
antecipa que ela o reconhecer apenas na retrospectiva. Para poder resistir s
objees daqueles "que no querem ouvir", Ezequiel recebe uma testa dura
como diamante (3.5ss.; cf. 2.6ss.; 12.2ss e outras). Enquanto a viso introdutria
lembra Is 6, a promessa de frnneza em meio a todas as hostilidades um
prolongamento de Jr 1 (vv. 17ss.). Tambm a recepo simblica da mensagem
se processa de tal forma, que uma metfora de Jeremias (15.16; cf. 1.9)
transformada numa experincia visionria: Ezequiel tem de ingerir um rolo de
livro, onde em ambos os lados esto inscritas "lamentaes, suspiros e ais",
que, no entanto, tinham um gosto de mel (2.8-3.3).

6. No texto do rolo antecipada indiretamente a temtica dos caps. 4-24


e diretamente o efeito do anncio do futuro nos ouvintes. Assim, nos ltimos
anos antes da catstrofe, novamente retomada e radicalizada, s vezes at
exacerbada ao extremo por Ezequiel a dura mensagem de juzo dos profetas
literrios anteriores. Em variaes sempre novas, mediante vises (8-11), aes
simblicas (4s.; 12; 21.24ss.; 24.15ss.) e palavras, Ezequiel anuncia ao pas e
cidade de Jerusalm o "fim" (7):
"Ai da cidade sanginria!" (24.9.)
"Como o pau da videira entre as rvores do bosque,
que dei ao fogo para que seja consumido,
assim entregarei os habitantes de Jerusalm." (15.6.)
O templo de que emigra a glria de Jav (10.18s.; 11.23s.) no poupado:
"Eis que profanarei o meu santurio." (24.21.) Como Jeremias e de forma
semelhante tambm j Isaas, Ezequiel protesta (17; 23; 29ss.) contra a poltica
de alianas com o Egito na tentativa de escapar do juzo - precipitado pelos
babilnios (sobretudo 21.23ss.).
A acusao arrola motivos clticos (6; 8; 13s.; 43.7ss.), sociais (22; 34),
mas tambm de poltica externa (17). Israel como um todo se toma culpado (16;
23; 22.23ss. e outras); o juzo iminente de Deus atinge a todos:
"Em todo rosto haver vergonha
e calva em todas as cabeas." (7.18.)
"Eliminarei do meio de ti assim o justo como o perverso." (21.3.)
Por via de regra se destaca a irreversibilidade do juzo que no poupa nenhum
restolho (9.8ss.; 11.13; 15; 21.3,6ss.; 22; 24 e outras). Contrape-se, porm, a esta
compreenso sobretudo o acontecimento visionrio do capo 9: quem receber do escriba
sacerdotal um sinal na testa (em forma de cruz?) estar a salvo de ser eliminado pelos
seis anjos da destruio e, com isto, do juzo (cf. tambm5.3 e outras). 'Ial episdio no
lembrao ritual pascal de proteo com sangue (x 12.23s.) ou tambm o ritual batismal
efetuado sculos mais tarde por Joo Batista, que promete salvao do juzo? De
qualquer forma se prenuncia neste episdio uma individualizao, na medida em que
indivduos so excludos do juzo que ameaa a totalidade do povo.

242
o juzo acontecer em breve: "O tempo vem, o dia se aproxima." (7.7.)
Como no livro de Isaas (5.19), tambm no livro de Ezequiel (12.21ss.) ressoa
o sarcasmo que esta expectativa da proximidade do fim desperta nos ouvintes.

7. De acordo com a exposio do livro - sublinhada expressamente pela


redao - , a notcia da queda de Jerusalm: "Caiu a cidade" (33.21s.; cf.
3.25ss.; 24.25ss.) confirma a mensagem de juzo de Ezequiel e representa uma
reviravolta na sua pregao. Todavia, a "autenticidade" da mensagem de sal-
vao ainda bastante controvertida; encontramos palavras de salvao autn-
ticas sobretudo no acontecimento visionrio e simblico do capo 37.
Na estruturao do livro h correspondncia entre anncios de desgraa e
de salvao. Ao gesto de Deus de retirar-se de seu santurio (8-11) corresponde
sua iniciativa de retomar (40-48; cf. tambm 6 com 36). Se a acusao se refere
culpa de Israel, profundamente enraizada nele, a promessa no pode vincular-
se conduta e natureza do povo, mas espera por nova vida propiciada por um
novo ato criador de Deus (cf. 36.21ss.).
desesperana dos exilados - "Os nossos ossos se secaram, e pereceu
a nossa esperana" (37.11; cf. 33.10; Is 49.14) - se contrape a viso do
reavivamento das ossadas: "Eis que farei entrar o esprito em vs, e vivereis."
(Ez 37; cf. Gn 2.7). Esta nova criao, a reviviftcao do vale dos mortos e a
abertura das sepulturas simbolizam renascimento, libertao, mais precisamen-
te: o retomo do povo ptria. A esperana do retomo complementada, na
ao simblica que segue imediatamente - a juno de duas varas - , pela
esperana da reunificao de Jud e Israel (37.15ss.; cf. Os 2.1-3).
A tradio do xodo (20; 23) e a tradio de Jerusalm, que sobrevivem
separadamente, por exemplo, em Osias e em Isaas, se juntam no livro de
Ezequiel. No entanto, a expectativa de que vir um novo Davi como "prnci-
pe" justo (34.23s.; 37.24s.; cf. 17.22ss.) provavelmente s foi acrescentada em
camadas mais recentes. Davi assume a a tarefa de Deus (34.1Oss.) de ser o
nico e verdadeiro pastor. Como o prprio Deus instala seu servo Davi e firma
a aliana de paz (34.25ss.; 37.26), assim tambm Deus que cria a obedincia,
a renovao interna, a humanizao do ser humano:
"Dar-vos-ei um corao novo,
porei no vosso ntimo um esprito novo,
tirarei do vosso peito o corao de pedra
e vos darei um corao de carne."
(36.26; cf. 11.19; 18.31; Jr 24.7; 31.33.)
A concepo de que Deus habita no meio do povo (37.26s.; cf. Zc 2.14)
desenvolvida na viso, gradualmente ampliada, do novo santurio e de suas
instalaes (40-48, especialmente 43).

243
8. Nos captulos 3.17-21; 18; 33.1-20; mas tambm em 14.1-20 h seme-
lhanas surpreendentes que fazem destas passagens um conjunto que se destaca
do seu contexto. As similaridades se manifestam na preocupao com o indiv-
duo, na proposta da converso e na incorporao de aspectos jurdicos. Ser que
todos estes textos no so da autoria de Ezequiel (H. Schulz) ou eles fazem
parte da fase mais tardia de sua pregao, ou seja, so de depois de 587 a.C?
O livro de Ezequiel introduz o anncio da salvao com uma espcie de
segunda vocao (33.1-9; antecipada em 3.17ss.). O ministrio do profeta
ampliado pelo de atalaia ou sentinela (cf. Jr 6.17), que deve alertar diante do
perigo, de modo que o perverso possa renunciar iniqidade e ser salvo. Com
isto se restringe a responsabilidade do profeta pelos atos e o bem-estar do
ouvinte. Cabe a ele apenas executar fielmente a sua tarefa, enquanto o prprio
ouvinte assume a responsabilidade pelos seus atos. Para tal converso pessoal,
a mensagem de desgraa praticamente no deixava espao (cf. Ez 15; 2.5ss. e
outras). A possibilidade de converter-se, que o capo 18 desenvolve amplamente,
s surge de fato a partir da promessa de salvao?
O ditado amargo: "Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos
que se embotaram" (18.2; cf. Jr 31.29) capta a autocompreenso daqueles que
j foram atingidos pela catstrofe: "O caminho de Jav no direito." (Ez
18.25ss.; 33.17ss.) No entanto, parece que esta citao no apenas expressa uma
experincia histrica, mas tambm contradiz a mensagem (anterior) de juzo do
profeta, que atribui culpa a diversas geraes sucessivas, responsabilizando-as,
assim, pelo juzo (16; 23). A isto Ez 18 contrape agora, incorporando tradies
jurdicas da liturgia de entrada no templo (SI 15; 24.3ss.), a responsabilidade de
cada nova gerao, inclusive a responsabilidade pessoal, e acena com a possi-
bilidade de uma nova vida:
"Acaso tenho eu prazer na morte do perverso? - diz Jav -; no desejo eu
antes que ele se converta dos seus caminhos, e viva?" (Ez 18.23; cf. 33.lOss.; 14.6).
Assim a responsabilidade individual de cada um por sua prpria vida
afirmada de uma forma que o profetismo mais antigo ainda desconhecia, mas
que incorporada no profetismo de salvao mais recente (Is 55.7; 44.5 e outras).

244
21
DUTERO-ISAAS E TRITO-ISAAS

1. Em Is 40-55 fala um outro autor, a partir de uma situao completa-


mente diferente do contexto dos caps. 1-39, dois sculos depois de Isaas (v.
acima 16,1). Este autor no anuncia o juzo, mas o pressupe. Jerusalm est
destruda (44.26; 51.3 e outras); o povo a que se dirige vive oprimido no exlio
(42.22 e outras). Espera-se que Babel sucumba (43.14; 46s.) e o persa Ciro
assuma o poder (44.26s. e outras).
Visto que em Is 40-55 faltam quaisquer ttulos com indicaes geogrficas ou
cronolgicas, apenas podemos inferir a localizao geogrfica (a Babilnia, dificilmente
a Palestina) e a poca de atuao de Dutero-Isaas (= DtIs). Estes captulos, tal qual
outras passagens da poca tardia do profetismo (ls 56-66; 24-27), continuam annimos,
seja por acaso ou, antes, intencionalmente.
No quadro geral do livro de Isaas os caps. 4Oss. prometem perdo depois da
acusao e do anncio de juzo dos caps. lss. Ser que entre ambas as partes h, de
antemo, uma relao, na medida em que DtIs retoma a mensagem de Isaas? Afinal,
Is 40 lembra Is 6 e 43.8ss., 6.9s., como tambm ambos os profetas tm em comum o
predicado de Deus "o Santo de Israel" (41.14,16 e outras), a crtica aos sacrifcios
(43.22ss.) e a tradio de Sio, entre outros.
Enquanto Ezequiel atua no princpio do exlio, DtIs aparece na poca
tardia do exlio, aproximadamente entre 550-540 a.C. A rpida vitria de Ciro
sobre o rei ldio Creso (546) possivelmente se reflita nos textos profticos
(41.2s.,25; 45.1ss.), mas no a tomada da Babilnia em 539 a.c. Embora o
profeta anuncie a destruio da cidade e a derrocada de seus deuses (46s.; cf.
21.9), Ciro, de fato, entra na cidade de forma triunfal e, de acordo com sua
poltica de tolerncia em relao religio dos povos vencidos (cf. Ed 6.3-5),
mantm ou reconstitui o culto babilnico.

2. DtIs se dirige s vtimas atingidas pela catstrofe, ao "restante da casa


de Israel" (46.3), e enfrenta a desesperana e o desespero de seus contempor-
neos que se lamentam: "Jav me abandonou" (49.14; 40.27; cf. 45.15: "um
Deus que se esconde"). Nesta situao compreensvel que DtIs abra mo do
gnero literrio mais importante para o profetismo pr-exlico de juzo, o
anncio de desgraa e a sua justificativa, a denncia de culpa. Apesar disso o
profeta pode adotar e repetir determinadas acusaes de seus antecessores. A

245
crtica aos sacrifcios (43.22ss.) mostra: culpado o povo, no Jav. Mas o
povo continua "cego" e "surdo" (42.l8ss.; 43.8; cf. 6.9s.; Jr 5.21; Ez 12.2) e
insensvel diante da mensagem de consolao de DtIs como havia ficado
tambm diante dos anncios de juzo de seus antecessores. Assim a contradio
entre a palavra do profeta e a realidade com que o povo convive no menor
do que anteriormente, na poca do profetismo de juzo. Caso interpretemos os
cnticos do servo de Deus (sobretudo Is 53) em sentido autobiogrfico, DtIs at
sofreu perseguies e foi morto.
Embora DtIs utilize vez por outra gneros literrios do profetismo literrio
anterior, como o relato de uma viso ou de uma audio (40) ou a exortao,
o centro gravitacional se desloca por completo. As categorias literrias decisivas
so de "origem no-proftica" (J. Begrich):
a) O assim chamado orculo de salvao, originalmente uma palavra de
conforto pronunciada pelo sacerdote e dirigida a pessoas atribuladas a quem
prometia que seu pedido seria atendido (cf. 1 Sm 1.17; Gn 21.17; Lm 3.57; v.
abaixo 25.4b), transferido por DtIs para a totalidade do povo: "No temas,
Israel!" Aps um vocativo, que identifica o destinatrio, e o apelo para nada
temer, Deus pronuncia, na primeira pessoa (no pretrito perfeito), a promessa
de redeno em si: "Eu te remi". Esta promessa desenvolvida ento atravs
da descrio das conseqncias que acarreta para a pessoa a que se dirige (no
imperfeito): "Quando passares pelas guas, eu serei contigo." A unidade cos-
tuma concluir com uma indicao sobre a fmalidade e o objetivo da interveno
divina (Is 43.1-7; 41.8-13,14-16; tambm 44.1-5 e outras). Em geral o orculo
de salvao apenas alude indiretamente, mas s vezes tambm se refere de
forma explcita (cf. 49.14; 51.9ss.) lamentao precedente do povo. Ser que
DtIs proferiu suas palavras no culto, em cerimnias de lamentao da comuni-
dade (Zc 7; 8.19; H. E. v. Waldow)? A liberdade, porm, com que o profeta
maneja os gneros literrios faz supor que a pregao proftica esteja desvin-
culada do culto.
C. Westennann distinguiu entre orculo de salvao (ou promessa de salvao) e
textos como Is 41.17-20; 42.14-17 ou 43.16-21, que denominou anncios de salvao.
A estes falta o tratamento pessoal atravs de vocativo e a exortao ao destemor e se
expressam na forma verbal do futuro, no do pretrito perfeito. Como, porm, apenas
o orculo de salvao apresenta uma estruturafechada com Sitz m Leben originalmente
prprio (no culto), teremos de interpretar os textos mencionados como variantes e
diferenciaes profticas da forma bsica do orculo de salvao.
b) Nas controvrsias ou polmicas, que j eram utilizadas pelos profetas
literrios mais antigos (Am 3.3-6.8; Jr 13.23; v. acima 13b3,d), mas que agora
so ampliadas, DtIs procura se defender contra acusaes. Em regra, no entanto,
tais acusaes no so mencionadas; precisam, portanto, ser inferidas. O profeta
do exlio defende o direito e a necessidade de sua pregao, atualiza verdades

246
da f negligenciadas e esquecidas, interpreta e desenvolve a partir desta "base"
as "concluses [mais": "Os que esperam em Jav renovam as suas foras."
(Is 40.27-31,12-17,21-24; 46.5ss. e outras.) Caractersticas para esta categoria
literria so perguntas - apenas retricas, simuladas ou, ento, de verdade?-,
elementos lingsticos sapienciais e tambm particpios hnicos que costumam
celebrar o poder do Criador, a incomparabilidade de Jav ou a confiabilidade
da sua palavra.
c) Nos discursos de tribunal DtIs dificilmente reproduz um ritual cultual,
mas antes um julgamento profano dos ancios junto ao porto da cidade. As
mltiplas categorias literrias que a emprega, como a convocao ao tribunal
(43.22ss.) ou tambm as falas diante do tribunal (44.6ss.), se refletem na
pregao de DtIs. Temos de diferenciar quanto ao contedo entre a defesa de
Jav diante de acusaes de Israel (43.22-28; cf. 50.1-3) e as confrontaes,
mais freqentes, entre Jav e os povos ou seus deuses, tpicas para DtIs
(41.1-5.21-29; 43.8-13; 44.6-8). Ser que neste segundo caso concepes mti-
cas de um tribunal de deuses (SI 82) so atualizadas de acordo com um
momento determinado da histria?
d) Por fim, h hinos escatolgicos (cf. 25,4a) que convocam todo o
mundo a participar do louvor e do jbilo pela salvao concedida por Deus no
futuro, mas que j irrompe aqui e agora (42.10-13; 44.23; 45.8; 48.20s.; 52,9s.).
Os pequenos cnticos de louvor parecem ser ocasionalmente importantes para
a diviso do livro (C. Westermann), visto que podem finalizar composies
maiores (como evidente em 44.23).
J foi o prprio DtIs quem efetivou a juno das unidades menores em
unidades maiores (como j acontece em Is 40.12-3l)? O profeta logo teria,
ento, formado composies literrias mais amplas? Teria ele atuado (talvez
exclusivamente)como profeta escritor? Ou a redao interveio de forma criativa
no processo de fixao por escrito da pregao? O reconhecimento da eficcia
da palavra de Deus (40.8; 55.10s. com a promessa do retorno em 40.tOs.;
55.12s.) forma a moldura do livro. Tambm se costumam contrapor os caps.
40-48, onde Ciro desempenha um papel importante, aos caps. 49-55, que
anunciam de forma mais genrica a virada da salvao. Ambas as partes,
entretanto, esto interligadas, p. ex., pelos cnticos do servo de Deus, a espe-
rana de voltar ao Sio, etc. A ordem: "Clama!" (40.6), as citaes dos
ouvintes (40.27 e outras), as unidades menores - que podem ser delimitadas
com maior ou menor preciso, por seu contedo e sua forma - e a estrutura
rtmico-potica rigorosa, bem diferente do livro de Ezequiel, mostram que
tambm na base de Is 40-55 esto palavras isoladas, pronunciadas oralmente,
que foram posteriormente ordenadas e transformadas em unidades temticas e
querigmticas. Alm disto devemos contar com certos acrscimos, entre os
quais de modo geral devemos incluir toda a polmica contra os dolos (v. abaixo).

247
o quadro geral abaixo aponta apenas alguns poucos temas-chaves:
40 Prlogo. "Viso" de vocao (vv. 1-8,9-11)
Incomparabilidade de Deus. Controvrsias (vv. 12-31)
41.8ss.; 51 Abrao
44 Derramamento do Esprito (vv. 1-5). Polmica contra as ima-
gens (vv. 9ss.)
41; 44.24ss.; 45.1-7 Ciro
46s. Queda da Babilnia. 47: cntico de zombaria
42; 49; 50; 53 Cnticos do servo de Deus
51.9ss. "Desperta (...), brao de Jav!" Lamento e resposta de Deus
52.7-10 Cntico escatolgico da ascenso ao trono (cf. SI47; 93; 96-99)
54 Aliana de No (vv. 9s.)
55 Promessa de Davi (vv. 3ss.). Eplogo
"Meus pensamentos no so os vossos pensamentos."

3. O livro introduzido por uma viso que se assemelha de forma


surpreendente a Is 6. A viso de DtIs tem tambm a funo de vocacionar o
profeta, mas apresenta intenes bem diferentes. Todavia, a viso pura audi-
o; nada visvel; o profeta ouve o que ainda irreconhecvel na terra. DtIs
pode participar, como Isaas, no rgio conselho de Deus, escuta vozes que se
comunicam entre si e se torna testemunha do momento em que Deus incumbe
seus mensageiros celestiais: .
"Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus,
falai ao corao de Jerusalm e dizei-1he em alta voz
que a sua corvia est cumprida,
que a sua culpa est expiada!" (4O.1s.)
Deus mesmo anuncia um novo tempo, o fim do tempo de servido e
sofrimento. A virada que h para os exilados, a mudana de juzo para salvao
se faz notar at nos pormenores lingsticos: "vosso Deus" fala (de novo) ao
"meu povo". A duplicao da convocao tem a fmalidade de atrair, encorajar,
confortar (49.13; 51.12 e outras). Aos cansados se promete nova esperana-
esperana em um futuro que de antemo parece levar em considerao que os
ouvintes continuam cticos, no querem se envolver. No so as pessoas, mas
os prprios seres celestiais que so convocados: "Preparai [no deserto] o
caminho de Jav!" E a estrada, toda aplainada, se destina em princpio a Deus:
ele manifestar nela a sua glria e trar consigo os exilados, como se estes
constitussem o seu sqito (40.5,lOs.).
Do dilogo no cu nasce com a ordem: "Clama!" a misso proftica. Ao
perguntar: "Que hei de clamar?", o profeta fica sabendo: "Toda a carne
erva." A percepo da transitoriedade humana - atribuda posteriormente no
v. 7 ao prprio povo - certamente no representa uma objeo do profeta, mas
uma resposta sua pergunta. Somente assim o terceiro episdio (40.6-8) deixa

248
de ser genrico e atemporal, e passa a referir-se a algo concreto: indica o limite
e o fim do poder dos opressores (51.12s.; 40.24; 41.11s.). Alm disso a promes-
sa: "A palavra de nosso Deus permanece eternamente" (cf. 44.26; 45.19; j Jr
1.11s.; Is 9.7 e outras) refora a constncia e intencionalidade da palavra de
consolao anterior. Dificilmente se pode expor de forma mais clara do que
atravs do episdio celestial que a promessa de salvao no depende da
conduta dos atingidos, mas unicamente de uma transformao do prprio Deus
(43.25; 48.9ss.).

4. O profeta desenvolve na sua mensagem do "resgate" de Israel (43.1,14


e outras) os temas que afloram na audio de Is 40: "Jav remiu a seu servo
Jac" parece ser quase que uma nova confisso (48.20; 44.23). A libertao da
Babilnia se concretiza na sada, sem impedimentos, sob o jbilo da natureza
(41.17ss.; 42.16; 43.19s.; 49.9ss.; 55.12s. e outras). Este assim chamado segun-
do xodo - uma expectativa que j Osias (2) e Ezequiel (20) nutriam de
forma mais contida - superar em muito o primeiro xodo (compare Is 52.12;
48.21 com x 12.11; 17.5s. e outras). O prprio Jav conduzir Israel (ls 52.12;
40. lOs.), para que ingresse em Sio. O profeta v este acontecimento to
palpvel sua frente, que j faz o mensageiro proclamar a chegada de Deus:
"Eis a est o vosso Deus!" (40.9) e anunciar o incio de seu reinado: "O teu
Deus tomou-se rei!" (52.7, sob inspirao da tradio dos salmos de ascenso
ao trono: 47.9; 93.1).
Desta forma o retomo a Jerusalm e a reconstruo da cidade destruda,
mas tambm do templo (44.26,28; cf. 52.11), constituem a meta da sada
(49.16s.; 51.3,11; 54.11ss. e outras). Aqui, onde reina Deus, habita a sua comu-
nidade (cf. 52.1). Porm a cidade no ter mais espao suficiente (54.1ss.; cf.
li; 2); pois juntam-se ao grupo dos que retornam todos os "filhos" que foram
trazidos dos quatro cantos do mundo (43.5s.), mais ainda: que foram trazidos
pelas prprias naes (49.22s.; de forma mais crassa, 45.14; 49.26).
No geral, o profetismo literrio relega a segundo plano a tradio dos patriarcas.
Osias (12) s retoma a tradio de Jac de forma polmica, como demonstrao de
culpa, o que ainda ressoa em DtIs (43.27). Contudo, DtIs pode agora consolar, relem-
brando a promessa abramica (41.8s.; 51.1s.), e tratar os prprios exilados por Jac-
Israel (44.1-5 e outras) ou Sio-Jerusalm (40.2; 49.14 e outras). At a tradio da
"aliana de paz" de Deus com No, depois do dilvio, conjurada, para assim
visualizar a extenso da mudana: "A minha misericrdia no se apartar (mais) de ti."
(54.9s.)
Nesta concepo da "aliana eterna" com No (Gn 9) ou da apario da "glria
de Jav" no deserto (x 16), como tambm em afirmativas a respeito da criao, etc.
podemos descobrir similaridades entre o profeta do exlio e o quase contemporneo
Escrito Sacerdotal, embora este ltimo esteja voltado para o passado remoto (cf. A. Eitz).
Na retomada do conceito de "glria", na expectativa de um segundo xodo e do

249
retorno de Jav para Jerusalm, etc. tambmh correlaes com o profetaEzequiel, que
atuou um pouco antes (cf. D. Baltzer).
Embora a mensagem de consolao de DtIs se concretize j na expectativa
de retomo, reunificao do povo e reconstruo de Jerusalm, ela de novo
radicalizada e atualizada atravs da evocao de uma figura histrica. Assim
como os profetas mais antigos compreendiam os assrios ou babilnios como
instrumentos do juzo de Jav, chegando Jeremias ao ponto de designar Nabu-
codonosor "servo" de Jav (25.9 e outras), DtIs considera o rei persa Ciro
"pastor" de Jav (44.28) e at o "Ungido" (Messias: 45.1; cf. 48.14). No
so mais os reis de Israel, mas Ciro quem governa, a mando de Jav (41.25).
Por conseguinte, Ciro no tem significncia por si mesmo, mas recebe o
encargo de conquistar a Babilnia e libertar os exilados s dentro do contexto
maior da obra salvfica de Jav: "Ele cumprir tudo o que me apraz." (44.28
numa autopredicao de Jav, vv. 24ss; cf. 41.2ss.,25ss.; 45.13; 46.11 e outras).
O aspecto "poltico" constitui como que uma parte do aspecto "teolgico", da
f e da esperana, numa perspectiva histrica. Em ltima instncia o prprio
Jav que conquista a vitria (42.13; 49.24s. e outras).

5. DtIs defende sua promessa de salvao na situao do exlio, perante a


f no-israelita e diante do poder e do esplendor impressionantes das divindades
babilnicas (cf. 46.1). Na maior parte dos discursos de tribunal trata-se da
questo: quem o verdadeiro Deus? O critrio para verificar esta verdade -
nisto ainda se sente a repercusso dos profetas pr-exlicos e o cumprimento de
seus anncios de juzo - a palavra eficaz, a comunicao correta do tempo, do
que j passou e do que ainda vir:
"Eles [os deuses] se acheguem e nos mostrem
o que h de acontecer.
a passado - o que era? Interpretai-o,
para que o levemos a srio!
Ou ento anunciai-nos o futuro,
para que conheamos no que vai dar.
Mostrai-nos o que vir depois,
para sabermos que sois deuses." (41.22s.,26.)
Os deuses se calam, nada fazem, nada so (41.24,29 e outras) - com isto
dificilmente se nega a existncia de outros deuses, no sentido de um "mono-
tesmo" conseqente, mas se questiona seu poder e sua capacidade de conduzir
e predeterminar a histria. Desta forma o profetismo (cf. 44.25s.) como que se
toma critrio para determinar a veracidade de Jav.
Enquanto DtIs atualiza neste tipo de confrontao o primeiro mandamento
("Minha honra no dou a nenhum outro": 42.8; 48.11), o segundo mandamento
destacado quando se zomba das imagens de deuses feitas mo (40. 19s.;

250
41.6s.; 44.9ss. e outras). Todavia, as descries da confeco das imagens
decerto devem ser consideradas inseres posteriores - como tambm aconte-
ce com declaraes polmicas similares nos livros profticos mais antigos (Is
2.8; 17.8; Jr 10 e outras). Nestes trechos a f em Jav mostra sua peculiaridade
e superioridade, contrapondo-se s outras religies, chegando mesmo a carica-
tur-las. Professa o nico Deus vivo, que no pode ser representado de forma
alguma e incomparvel (cf. SI 115; 135).

6. Numa poca em que se perderam bens prometidos como a terra e o


templo, Dtls argumenta apenas ocasionalmente a partir da tradio da sada do
Egito (43.16s.; 51.9s. com traos mticos da luta com o drago). Para funda-
mentar suas promessas, reporta-se vrias vezes criao, concebida como
demonstrao do poder de Jav - uma inovao surpreendente em relao ao
profetismo mais antigo. Neste ponto Dtls serve-se de diversas concepes
cosmolgicas, usa tanto o particpio hnico como a primeira pessoa do singular
na fala de Deus (40.22,26,28; 42.5; 45.12,18 e outras) e o orculo de salvao
para identificar a formao e eleio de Israel (43.1; 44.2 e outras). Desta forma
a criao no , para DtIs, um tema autnomo, que fala de um acontecimento
primrio "no princpio", mas se relaciona com a histria, com o presente e o
futuro. O Criador o Salvador (44.24). 1l qual o mundo inteiro, com luz e
trevas (45.7), assim tambm a salvao vindoura criao de Deus (41.20;
45.8; 44.3s.; cf. 65.l7s.):
"No vos lembreis das coisas passadas,
nem considereis as antigas.
Eis que fao coisa nova,
que est saindo luz; porventura no o percebeis?" (43.18s.)
"Coisas passadas" e "coisas novas", "coisas do passado" e "coisas do
futuro" at podem constituir pares contrastantes. O par de termos contrastantes,
que vrias vezes se repete, com variaes, em DtIs, mas que no fcil de
compreender, contrape a palavra proftica j concretizada e a que ainda est
por ser realizada (cf. 42.9; 48.3,6s.; tambm 41.22s.; 43.9), portanto a histria
passada e a salvao anunciada. Provavelmente as "coisas passadas" incluem,
alm do juzo experimentado, toda a histria da salvao, desde a sada do Egito
(43.16s.; 46.9), de modo que a nova salvao no apenas supera a salvao
antiga - como na expectativa de um novo xodo - mas tambm a relega ao
esquecimento (cf. Jr 23.7s.). Esta afmnao extremada sublinha o apelo dirigido
aos ouvintes para no olharem para trs, mas para se comprometerem comple-
tamente com o futuro de Deus (cf. 42.lOss.; 44.23; 52.9,11 e outras). Da mesma
forma que o anncio de desgraa dos profetas pr-exlicos, a mensagem de
consolao de DtIs anuncia um futuro prximo, que inclusive j irrompeu, e at
j est presente na palavra do profeta e que, neste sentido, escatolgico: j
"est saindo luz!"

251
Esta salvao de forma alguma se restringe aos que so atingidos direta-
mente, mas se concretiza visivelmente diante de todo o mundo (40.5; 52.10) e
at inclui todos os povos. DtIs radicaliza sua viso da atuao exclusiva de
Deus na criao e na histria, utilizando para tanto declaraes de Deus sobre
si mesmo: Eu crio a luz e as trevas, concedo a salvao e a desgraa (45.7),
"Eu sou o primeiro, e eu sou o ltimo, e alm de mim no h Deus" (44.6;
48.12 e outras). Assim espera que futuramente os povos reconheam esta verdade:
"Diante de mim se dobrar todo joelho
e jurar toda lngua:
To-somente em Jav h salvao e fora."
(45.23s.; cf. 45.3,6,14s.; 49.26; 43.10.)
Assim Dtls reala o primeiro mandamento no s em controvrsias atuais,
mas espera que futuramente seja cumprido em todo o mundo. Para que isto
acontea o prprio povo de Deus incumbido de atuar como "mensageiro"
(42.19) e "testemunha" (43.10,12; 44.8): "Eis que chamars a uma nao que
no conheces" (55.5). Dificilmente se trata aqui de uma "misso" de Israel,
mas, antes, da expanso do povo de Deus mediante a integrao de estrangeiros
(cf. 56.3ss.; Zc 8.20ss.).

7. As tradies do rei Davi e da realeza so cindidas por DtIs: "rei"


designa exclusivamente o prprio Jav (52.7), tambm na funo de soberano
do mundo, voltado para Israel: "vosso rei" (43.15; 41.21; 44.6). O ttulo
"ungido" se reserva ao persa Ciro (45.1). As "graas prometidas a Davi", a
promessa de Nat (2 Sm 7), DtIs transfere para o povo (55.3). Isto significa que
na mensagem do profeta do exlio - ao contrrio do que acontece com seus
precursores (por ltimo Jr 23.5s.; Ez 34; 37) e sucessores (Ag, Zc) - no h
mais espao para profecias messinicas? Devemos inserir a figura enigmtica
do servo de Deus neste contexto teolgico, isto , devemos interpret-la como
sendo o "ministro do rei" (cf. 2 Rs 22.12), ou seja, o encarregado do rei Jav?
Os assim chamados "cnticos" do Ebed Yahwe, do servo de Deus,
formam uma camada independente e coesa, que pode ser destacada do livro;
narram o que acontece com o servo desde a sua instalao no cargo (42) at a
sua morte (53). Thdavia, a delimitao dos quatro textos, que influencia essen-
cialmente a sua interpretao, no feita de modo totalmente uniforme: 42.1-4(5-9);
49.1-6(7-13); 50.4-9(10s.); 52.13-53.12. As passagens indicadas entre parnteses
provavelmente representam ampliaes posteriores onde j se expressa uma
compreenso da figura do servo diferente, divergente da camada bsica.
Em Is 42.1-4 o servo apresentado em pblico - decerto a uma corte
celestial - como "eleito", imbudo do Esprito de Deus, que deve proclamar
perante todo o mundo o direito divino, sua opo pela graa, a sua ordem justa,
a "Tor". Nos cnticos seguintes, a promessa de que o servo ter xito, apesar
das adversidades futuras esboadas - "Ele no desanimar" - desenvolvi-

252
da de forma mais ampla em dois sentidos: em termos de eficcia e de sofrimen-
to. Em um discurso na primeira pessoa, que lembra o formulrio de vocao de
Jr 1, o servo relata aos povos em Is 49.1-6 como foi comissionado, j antes de
nascer, a no apenas "restaurar e tomar a trazer" Israel, mas tambm a ser "luz
para os povos", a fim de que a salvao de Jav alcance os confins da terra.
Como ponte parece funcionar o terceiro cntico, Is 50.4-9, de novo formulado
na primeira pessoa do singular, apresentando os dois temas: a incumbncia do
servo de pregar, usando como instrumento a lngua.e o ouvido, de um lado, e
a assistncia de Deus e a frnneza do servo no sofrimento, de outro. Auge e
ponto fmal o quarto cntico, onde duas falas de Deus (52.13-15; 53.11b-12)
- de novo situadas num episdio celeste? - emolduram o relato e a profisso
de f de um grupo que fala na primeira pessoa plural (53.1-11a): "Ele tomou
sobre si as nossas enfermidades." As palavras de Deus reforam o triunfo e a
exaltao do desprezado, que sofre no lugar dos outros: o justo far com que
"muitos" (decerto todos os povos) sejam tornados justos, carregar sua culpa
e reis emudecero diante dele (53.11s.; 52.15). As afirmaes centrais sobre
morte, sepultura e - em aluso reticente e velada - nova vida, os enunciados
sobre a justificao de todos e o reconhecimento universal do humilhado trans-
cendem a experincia historicamente possvel.
Como em todo o livro de Dutero-Isaas encontramos tambm nos cnticos do
servo de Deus elementos dos salmos, sobretudo dos salmos de lamentao e de confian-
a no Senhor e da literatura sapiencial. Predominam contudo duas tradies, que se
juntam, surgindo ento algo inauditamente novo (cf. 52.15).
Da tradio real-messinica provm, p. ex., em Is 42 o cerimonial da corte, o
tratamento de "servo eleito", que Deus toma pela mo (SI 89.4,20ss.), a vinculao da
doao do Esprito com a jurisprudncia e a prtica da beneficncia (2 Sm 23.2s.; Is
l1.2ss.). Ou em Is 49 provm desta tradio a palavra da vocao junto com a entrega
de um ttulo (SI 2.7) e a concesso da palavra incisiva (ls 11.4).
Este fio traditivo retomado e reinterpretado em Is 42 e 49 pela tradio prof-
tica, que sabe do ministrio da palavra e do sofrimento e que se impe em Is 50.
Chamam a ateno as afinidades com o livro de Jeremias, especialmente com as
confisses (12.5s.; 11.19 e outras).
Com seu referencial universal que lembra Is 42, no entanto, Is 53 retoma a
tradio rgia, mas a corrige (53.2) e transcende, como a todas as manifestaes de
sofrimento formuladas no profetismo e no Saltrio.
O ttulo honorfico "servo (de Deus)" concedido no AT a Moiss, a
profetas (44.26), reis, at ao prprio Messias (Ez 34.23s.; Zc 3.8 e outras), de
sorte que o conceito no oferece muita ajuda na interpretao da difcil pergun-
ta: quem o servo? As respostas so muito desencontradas: a) A interpretao
coletiva reconhece no "servo" o prprio Israel, seja como o povo todo, seja
como a comunidade do exlio, e pode invocar a seu favor o contexto (Israel
como servo em 44.1s. e outras) e Is 49.3. Neste texto, porm, "Israel" repre-

253
senta provavelmente uma insero, j que o servo recebe uma incumbncia
relacionada com Israel (49.5s.) e, ao contrrio do povo "cego e surdo", aceita
de bom grado sua sina (40.5s.). b) A interpretao individual pode lembrar
pessoas no futuro, passado ou presente e dispe de um leque de opes bastante
amplo: 1) A tradicional compreenso escatolgico-messinica tem contra si o
fato de que o servo no nenhuma figura davdica e de que incumbido da
tarefa de conduzir Israel, em sua poca, de volta para sua terra. Os cnticos
decerto no pretendem ser profecias destinadas a tempos posteriores, mas que-
rem - como acontece com a pregao escatolgica de DtIs em geral - atingir
a situao presente. 2) O servo foi identificado com diversas personagens do
passado, sejam reis ou profetas. Na verdade, os nicos que poderiam entrar em
cogitao so Moiss, tal qual aparece na tradio mais recente (Nm 12.3; x
32.31s. e outras), e Jeremias, cuja herana literria oferece, afmal, vrias afrni-
dades com o servo. 3) A compreenso autobiogrfica, ou seja, de que se trata
do prprio DtIs, a mais aceita atualmente (cf. j At 8.34) e pode invocar a
seu favor que se atribui ao servo a misso da pregar e que no segundo e terceiro
cntico se usa a forma do discurso na primeira pessoa do singular. Tem que
atribuir, no entanto, o quarto cntico, que tambm apresenta certas peculiarida-
des lingsticas, a outro autor, provavelmente integrante do crculo de discpulos
de DtIs (' 'ns' ').
As dificuldades que a interpretao autobiogrfica apresenta podem ser resumidas
em duas questes bsicas. Primeiro: por que a apresentao do servo de Deus em Is 42
no foi incorporada no relato da audio em Is 40? Ser que necessria uma espcie
de segunda vocao porque a misso de DtIs junto a Israel ampliada, atingindo ento
a todos os povos? At que ponto, porm, o profeta realmente assume esta pregao
universal (cf. 42.10; 43.10; 52.10 e outras)?Segundo: ser que os trs primeiroscnticos
no apontam j de antemo para Is 53, de modo que estes quatro textos deveriam ser
compreendidos como uma nica unidade? Como o grupo de discpulos pode confessar
na retrospectiva, em relao a seu mestre, que ressuscitou aps a morte e que carregou
a culpa de "muitos"?
Afinal, as declaraes que constam de Is 53 e que transcendem todas as
experincias histricas no se tomam mais compreensveis se as entendermos
como anncios do futuro? plausvel, pelo menos, que os cnticos do servo de
Deus tenham influenciado as expectativas messinicas mais recentes, visto que
Zc 9.9s. espera por um rei "justo, humilde" que pregue a salvao aos povos
(cf. tambm a aluso obscura ao "Ttaspassado", Zc 12.10).
A expectativa escatolgica imediata de DtIs no se cumpriu da forma
como ele mesmo a descreveu: a destruio da Babilnia, o retomo glorioso do
povo, o reconhecimento de Jav por parte de Ciro (45.3), etc. Mesmo assim a
esperana de que Deus se revelar no futuro e assumir o seu reinado mantida
e transmitida, talvez j por um discpulo de Dutero-Isaas, o assim chamado
'frito-Isaas.

254
8. Como B. Duhm percebeu (1892), os caps. 56-66 formam um complexo
literrio independente. Todavia, continua controvertido se realmente se trata de
uma unidade e no antes de uma composio de pequenas colees de palavras
de pocas diferentes. H concordncia de que pelo menos as profecias de
salvao no ncleo do livro, os caps. 60-62, devem ser atribudas a um profeta
da poca imediatamente posterior ao exlio, portanto j da poca persa. Este
teria atuado (em Jerusalm) depois de 538, mas talvez ainda antes da recons-
truo do templo em 520-515 a.C.
Na estrutura do livro se reconhecem diversas camadas que envolvem este
ncleo mencionado. A camada interior que circunda o ncleo, constituda de
duas lamentaes do povo: uma, estruturada de forma solta (59) e a outra, mais
fechada (63.15ss.). A resposta a ambas as lamentaes est na promessa de
salvao, que se encontra no ncleo. Numa camada intermediria h palavras
de acusao (56-58; 65s.), s quais se acrescentaram anncios de salvao em
forma de intercalaes (57.14ss.; 65.17ss.) ou de apndices (66.6ss.). As pala-
vras mais externas da moldura lembram em proporo menor (56.1-8) e mais
abrangente, quase j apocalptica (66.18ss.) a ampliao da comunidade para
alm dos limites existentes na poca pr-exlica.
56.1-8 "Lei da comunidade" . Admisso de estrangeirose eunucos (contraDt 23)
,'A minha casa ser chamada casa de orao para todos os povos." 01. 7.)
56.9-57.13 Vrias acusas
(oriundas da poca pr-exlica e atualizadas?)
56.9ss. Contra pastores (cf. Jr 23; Ez 34)
57.3ss. Contra a idolatria, prostituio
57.14ss. Palavras de conforto para os humildes e abatidos
58 Assim chamada "prdica do jejum" (cf. Zc 7s.). Exortao sobre o
jejum correto:
"Por que jejuamos ns, e tu no atentas para isso?" (V. 3.)
"Reparte o teu po com o faminto, (...) e se vires o nu, cobre-o!" (Y. 7.)
59 "Liturgia proftica" com elementos de lamentao, acusao, confis-
so de pecados (v. 12) e a promessa de Deus
"No, a mo de Jav no muito curta." (V. 1.)
60-62 Palavras de salvao para Jerusalm. Glorificao do Sio
60 Peregrinao dos povos para o Sio (cf. Is 2; Ag 2)
61.1-3 Ministrio proftico da consolao
61.6 "Mas vs sereis chamados sacerdotes de Jav!" (cf. x 19.6)
63 Retomo de Deus aps o julgamento dos povos, sobretudo Edom (vv. 1-6).
Retrospectiva histrica, com meno especial de Moiss, em tom de
lamentao (vv. 7-14)
63.15-64.11 Lamento do povo com splicas, perguntas (cf. Lamentaes)
Abrao no, mas Deus nosso Pai (63.16; 64.7)
"Oh! se fendesses os cus!" (63.19,15)

255
65 Justos e perversos (vv. 1-16)
"Somatrio" das expectativas escatolgicas de salvao (vv. 17ss.)
"Pois eis que eu crio novos cus e nova terra." (65.17; 66.22.)
66 Crtica do templo: "O cu o meu trono" (cf. 1 Rs 8.27)
Alegria pela riqueza de Jerusalm (vv. 7ss.)
O autor annimo destas profecias de salvao, convencionalmente chama-
do de "Trito-Isaas" (TtIs), assim descreve sua autoridade e sua incumbncia:
.'o esprito do Senhor Jav est sobre mim,
porque Jav me ungiu;
enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres,
a curar os quebrantados de corao
e proclamar a liberdade aos cativos (...)."
(61.1-3; cf. quanto ao tratamento na primeira pessoa do singular: 62.1,6; quanto
questo em si: 57.14; 66.2.)
Este profeta parece compreender-se a si mesmo como discpulo de DtIs,
retoma inclusive literalmente a sua mensagem de salvao e a renova sob as
circunstncias alteradas de sua situao. A mensagem atualizada de Dtls adqui-
re assim um tom mais genrico ou at um sentido figurado (compare sobretudo
4O.3ss. com 57.l4s.). Contudo, mesmo na misria econmica de sua poca,
onde se evidencia de maneira desanimadora que a promessa de salvao de DtIs
no se cumpriu, TtIs insiste em anunciar a virada salvfica e em proclamar sua
esperana na glorificao de Sio. A orientao pelo futuro de Deus deve
mesmo assim determinar a conduta do povo:
'Dispe-te, resplandece;
porque vem a tua luz,
e a glria de Jav nasce sobre ti!"
(60.1s.; cf. 56.1.)

A situao e problemtica da poca ps-exlica se manifestam no lamento


sobre a destruio do templo (64.9s.), na esperana da reconstruo da cidade
(61.4; 60.lOs.,18) e do santurio (60.13 em contraposio crtica em 66.lss.),
na celebrao do jejum (58) e nas lamentaes (63.l5ss.; 59), alm disso no
anseio por condies econmicas mais favorveis (62.8s.; 60.17; cf. Ag 1) e na
importncia atribuda santificao do sbado (56.ls.; 58.13s.).
Chama a ateno que a diferena fundamental entre os caps. 56-66 e a
mensagem consoladora de DtIs est no fato de que aqueles contm acusaes
que lembram a pregao dos antigos profetas de juzo: "As vossas iniqidades
fazem separao entre vs e o vosso Deus." (59.2.) Aqui encontramos ao lado
da crtica social (58.3ss.) de novo a rejeio de cultos aliengenas, especialmen-
te os cultos de vegetao (57.3ss.; 65.3ss.; 66.17). Temos de atribuir a outro que
no TtIs todas estas acusaes e apenas associar a ele o desenvolvimento da

256
mensagem de salvao que retoma DtIs (60-62; cf. 57.14ss.; 65.17ss.; 66.6ss.)?
Tambm as palavras em que se divide a comunidade em dois grupos: "perver-
sos" e "fiis" (57.19ss.; 65; 66.5) parece que espelham tempos mais recentes.
Em todo caso as circunstncias ps-exlicas oportunizam que se retomem a
denncia de culpa e o anncio de castigo que o profetismo antigo continha,
embora agora se restrinjam a grupos especficos.
Alm disto TtIs espera que, servindo a Israel, os povos sejam includos na
salvao vindoura (60.3s.,9; 61.9; 66.12,20; j 49.22s.) e no experimentem o
juzo de Deus (63.1ss.; 60.12; 66.15s.,24). Nas palavras [mais (mais recentes)
do livro, porm, qualquer particularismo sobrepujado pela expectativa univer-
sal de que Deus congregar a todos os povos, mostrar-lhes- sua glria e at
escolher entre eles - dispensando a legitimao por genealogias sacerdotais
- "sacerdotes e levitas" (66.18,21; cf. MI 1.11; Sf 2.11).

257
22
AGEU, ZACARIAS,
DUTERO-ZACARIAS, MALAQUIAS

1. Provavelmente poucos anos depois de 'Irito-Isaas o profeta Ageu


retoma a mensagem da salvao iminente nas trevas da poca (Is 60.1s.; 56.1)
e a vincula com acontecimentos contemporneos - como antes Dutero-Isaas
a associou com a vitria do persa Ciro. De acordo com o edito de Ciro (Ed
6.3ss.), o governador persa Sesbazar deve ter trazido de volta, logo aps 539
a.c., os utenslios do templo levados para a Babilnia e talvez tenha tambm
colocado a pedra fundamental para a reconstruo do templo (Ed 5.14ss.; cf.,
no entanto, Ag 2.18; Zc 4.9). Mais que isto a obra no podia progredir numa
poca de penria econmica (Is 62.8s.; Ag 1.6,9s.; 2.16s.). A atua em Jerusa-
lm, no segundo ano de governo do rei persa Dario I, em 520 a.c., por poucos
meses apenas, o profeta Ageu, que se dirige aos antigos judatas que haviam
permanecido no pas, como tambm aos que retomaram do exlio (Ed 2).
Inverte a anlise da situao realizada por seus contemporneos: a situao
econmica no razo, mas conseqncia da circunstncia de que o templo
ainda jaz em runas.
,'Subi ao monte, trazei madeira e edificai o templo;
dele me agradarei,
e serei glorificado." (Ag 1.8.)
Os poucos ditos de Ageu so todos datados com preciso (1.1 at 2.20),
como j antes a pregao de Ezequiel e imediatamente depois a de Zacarias.
Assim se alternam nos dois captulos do livro de Ageu as partes narrativas que
formam a moldura do texto (1.1,3,12-15; 2.1s.,1O,20) e os ditos profticos mais
ou menos rtmicos. Por isso cabe de novo perguntar at que ponto podemos
acreditar nas dataes (ago.-dez. 520), mas tambm surge a questo de como
as unidades eram delimitadas originalmente e (sobretudo no caso de 2.10ss.) a
quem se dirigiam. A grosso modo a pregao de Ageu pode ser subdividida em
quatro temas (I-N):
I. Convocao para a reconstruo do templo
1-2.5 Controvrsias (1.2,4ss.,9ss.) e exortaes com promessa condicional (1.7; 2.3ss.;
cf. 2.15-19)
Il, Abalo do mundo

258
2.6-9 Promessa incondicional: peregrinao dos povos para o Sio (cf. Is 2; 60; 66.20)
Ill. Povo impuro
2.10-14 Instruo (Tor) do sacerdote sobre o que puro e o que impuro (cf. Lv
1O.lOs.), atualizada pelo profeta
IV. Expectativa messinica
2.20-23 Promessa incondicional: estremecimento e pacificao do mundo
ZorobabeI, sinete de Jav
Embora Ageu analise a situao geral com sobriedade, com suas pergun-
tas e exortaes chega concluso: a reconstruo da casa de Deus tem
prioridade sobre a melhoria das prprias condies de moradia (1.4,9; cf. 2 Sm
7.2). O Esprito de Deus tambm est com a obra (Ag 2.5; 1.13), de sorte que
ela ter xito. A carestia enviada pelos cus (1.lOs.) se transformar em salva-
o: "Mas desde este dia vos abenoarei" (2.19; Zc 8.9ss.). Mais ainda: em
breve Deus abalar cus e terra, para que os povos tragam seus tesouros, a fim
de que o futuro templo supere em brilho o templo destrudo: "Minha" - de
Jav, no de Israel - " a prata, meu o ouro." (Ag 2.6-9.) Portanto, a
salvao que profetas anteriores como Dutero-Isaas e fito-Isaas esperavam,
ainda est por vir, mas j irrompe com o novo templo (2.9).
De fato Ageu tem sucesso com seu apelo; a obra inicia logo em seguida
(1.12ss.) e tem continuidade (2.1ss.; Ed 5.1s.; 6.14). Mas Ageu negou a um(a)
(parcela do) povo a participao na obra e com isto o acesso ao templo? A
instruo sacerdotal sobre o que puro e o que impuro, que alerta sobre o
perigo e o poder da impureza, conflui para a percepo proftica: "este povo",
apesar de todas as obras de suas mos e de seus sacrifcios, impuro (2.10-14).
Costuma-se atribuir (desde J. W. Rothstein) a designao imprecisa "este
povo" populao do antigo Reino do Norte, portanto queles que seriam mais
tarde os samaritanos (Ed 4), a populao que, depois que foi reassentada fora
pelos assrios, teve de assimilar levas de estrangeiros com suas respectivas
religies (2 Rs 17). Ageu j segrega a comunidade deste grupo, para rechaar
de antemo um eventual sincretismo da f em Jav? Ou ser que Ageu tacha,
tal qual seus precursores profticos (cf. apenas Is 6.4; Ez 36.25; 37.23), seu
prprio povo de "impuro" (K. Koch)? 'Ianto maior seria ento o contraste entre
a promessa de salvao por parte de Deus e a situao deste mesmo povo.
Ageu incentiva o comissrio persa, designado para atuar em Jud, Zoro-
babeI, neto do rei Joaquim, deportado em 598 a.c. para a Babilnia, e o sumo
sacerdote Josu a reconstrurem o templo (2.2ss.; 1.1,12) - as instituies
poltica e sacerdotal esto lado a lado na poca ps-exlica. Na ltima parte do
livro Ageu atribui ao davidida Zorobabel dignidade messinica. Dentro do
contexto do estremecimento do mundo (2.6,21) o prprio Deus destroar os
instrumentos de guerra dos povos e instalar seu representante no seu reino de
paz (2.22s.). Com isto Ageu parece que renova expectativas de Isaas (9.3ss.),
ampliando-as para o nvel universal; pelo menos vincula as tradies de Sio e

259
de Davi. Entretanto, a linguagem expressa a nova situao: Zorobabel "elei-
to" para ser, ao atuar como "servo" de Jav (Ez 34.23s. e outras), sinete na
mo de Deus (contraposto a Jr 22.24).
Tambm Ageu se enganou com sua expectativa escatolgica iminente
(2.6ss.,20ss.), mas plasmou a realidade, ao incentivar a reconstruo do templo,
de sorte que marcou por longo tempo a histria de f do Israel ps-exlico e
sobretudo manteve viva, em sua situao, a esperana no futuro de Deus.

2. Pouco tempo depois de Ageu, talvez apenas dois meses depois, surge
Zacarias, que atua por pelo menos dois anos, entre 520-518 a.c. (cf. Ag 1.1
com Zc 1.1; 7.1). O profeta mais novo prossegue com a pregao de salvao
do seu predecessor, mas a supera em seu alcance universal (1.7ss.; 6.1ss.) e no
profundo reconhecimento da culpa (5.5ss.). Alis, Zacarias retoma temas de
seus precursores profticos: a dedicao de Deus a Jerusalm, a purificao da
comunidade de sua culpa, o retomo da dispora, a multiplicao de Israel, a
derrocada das naes, mas tambm sua participao na salvao, a concluso
da construo do templo e a expectativa messinica. Porm os motivos tradi-
cionais so configurados e atualizados de forma autnoma com a utilizao de
imagens novas. A encontramos tambm dentro da mensagem de salvao,
como no livro de Trito-Isaas, acusao e anncio de juzo (5; 7).
Atravs das dataes precisas, vinculadas frmula do evento da palavra
(1.1,7-7.1), a primeira parte principal do livro de Zacarias (1-8) se subdivide em
trs sees. Todavia a introduo e a parte [mal, com seu sucinto chamado
penitncia (1.1-6) e um sermo mais detalhado sobre o jejum (7s.), apresentam
caractersticas diferentes das predominantes na composio central, constituda
de vises e ditos (1.7-6.15). Na moldura encontramos referncias retrojetivas
explcitas s palavras dos "profetas anteriores" (1.4ss.; 7.7ss.; 8.9ss.); o emba-
samento na tradio cresce na poca tardia e j prenuncia a validade cannica
dos livros profticos.
O material bsico constitudo por um ciclo (redigido na primeira pessoa
do singular) de sete vises noturnas, que possivelmente tenham sobrevindo ao
profeta numa nica noite (1.8; 4.1; segundo 1.7, em fevereiro de 519). Da forma
como se estruturam - descrio das vises e sua interpretao, pergunta e
resposta - estes relatos lembram vises como Am 8.1s. ou Jr 1.13s., embora
sejam mais elaborados. Enquanto Ams pode afirmar de si: "Isto me fez ver o
Senhor", nas vises de Zacarias Deus representado por um anjo intrprete
(angelus interpres), que d explicaes, faz perguntas e a elas responde, e que
at pode provocar a viso (4.1s.,5; 5.3ss. e outras). Desta forma o anjo atua
como figura mediadora entre o "Senhor de toda a terra" (4.14; 6.5) e o profeta
(cf. j Ez 40.3s.; mais tarde Dn 8; 10).
No ciclo setenrio (1.8-15; 2.1-4; 2.5-9; 4.1-6a,lOb-14; 5.1-4; 5.5-11;
6.1-8) foi inserida uma outra viso (3.1-7), que na sua forma e no seu contedo

260
estruturada de modo diferente, dispensa o anjo intrprete e se dirige, ao
contrrio da srie setenria, a uma pessoa especfica, o sumo sacerdote Josu.
Esta viso foi colocada em quarto lugar, antes da viso messinica central, com
que tem afinidade temtica. (Por conseguinte a contagem varia entre l-VII e 1-
VIII, dependendo da incluso ou no da viso independente do capo 3.)
Como j acontece, p. ex., com as vises do livro de Ams (7.9,10-17;
8.3), juntam-se tambm s vises de Zacarias diversas palavras explicativas,
originalmente independentes (1.16s.; 2.10-17; 3.8-10; 4.6b-1O; 6.9-15). Parece
que por intermdio delas Zacarias transmite as percepes do futuro que lhe
ocorreram. Desta maneira as palavras provm em sua essncia de Zacarias, mas
dificilmente foram inseridas por ele mesmo na composio, cujo fluxo interrompem.
Parece que se deve atribuir antes redao do livro do que pregao do profeta
a frmula que aqui e acol (2.13,15; 4.9; 6.15) introduzida no texto e que lembra
Ezequiel: "sabereis/sabers (reconhecereis/reconhecers) que Jav quem me enviou".
Tal frmula refora a veracidade do anncio proftico de salvao, talvez justamente
frente ao seu no-cumprimento no presente.
As dataes semelhantes no livro de Ageu e Zacarias e os ecos de Ag ls. em Zc
8.9ss. fazem suspeitar que haja entre a redao de ambos os livros um nexo que; por
sua vez, poderia apontar para correlaes com a Obra Historiogrfica Cronista.
O fato de a redao do livro de Zacarias entender que no s o chamado
penitncia (1.1-6) e o sermo sobre o jejum (7s.), mas tambm a volumosa
parte central (1.7-6.15) formam uma unidade recebida em apenas um dia, nos
leva a no dar muito crdito a esta cronologia. E mais: ser que em 1.3-6;
7.7-14 e tambm em 8.14ss. no se percebe uma voz mais recente que tem
afinidade com a escola deuteronomstica (cf. W. A. M. Beuken)? O fato de a
converso ser apresentada como condio para que ocorra a salvao - assim
decerto se deve compreender a anteposio de 1.3ss. - contradiz inteno
das vises (1.7ss.). "As vises noturnas formam uma promessa de salvao
incondicional"; proclamam "a salvao como uma nova realidade de valor
absoluto" (Beuken, p. 112).
A) 1.1-6 Exortao penitncia (out./nov. 520)
B) 1.7-6.15 Composio de vises e palavras (fev. 519)
1 1 viso (vv. 8-13,14s.): homem montado num cavalo castanho, entre
murteiras, atrs dele cavaleiros montados em cavalos de outras cores
Vv. 16s.: Dito isolado
2 2 viso (vv. 1-4):quatro chifres, a serem derrubados por quatro ferreiros
3 viso (vv. 5-9): homem com cordel de medir para tomar as medidas
de Jerusalm
Ditos diversos (vv. 10-17.)
3 Viso intercalada (vv. 1-7): absolvio e investidura de Josu
Ditos diversos (vv. 8-10); pedra diante de Josu

261
4 4 viso (vv. 1-6a,lOb-14): candelabro entre duas oliveiras
Promessas para Zorobabel (vv. 6b-1O)
5 5 viso (vv. 1-4): rolo de livro voador, carregado de maldies
6 viso (vv. 5-11): mulher no tonel
6 7 viso (vv. 1-8): quatro carruagens, indo nas quatro direes dos
pontos cardeais
Coroao simblica (vv. 9-15)
C) 7s. Assim chamado "sermo sobre o jejum" (dez. 518; cf. Is 58) com
denncia e diversas profecias de salvao, em parte posteriores (8.lss.)
Embora o contedo metafrico das vises de Zacarias s vezes seja de
difcil compreenso, toda a nfase recai na inteno das mesmas, como j
acontecia com as vises do profetismo anterior, e esta inteno expressa de
forma clara e inequvoca. Na primeira viso o profeta enxerga cavaleiros
celestes, que Deus enviou para averiguar a situao sobre a terra (cf. J 1.7;
2.2). Em resposta notcia de que a terra jaz quieta e silenciosa, entoam-se
lamentos: ao cabo de 70 anos ainda no tem fim a ira divina lanada contra
Jud e Jerusalm? Deus, porm, responde com palavras de consolo. Desta
forma Zacarias renova e atualiza a mensagem escatolgica (de Is 40.1; 66.13;
Jr 29.10 e outras) para contestar sua poca: o tempo de salvao irrompe,
mesmo que a realidade parea desmenti-lo! Deus "zeloso" com Jerusalm,
est irado contra as naes (Zc 1.15; 8.2). O tempo das naes se esgota. Os
quatro chifres da segunda viso simbolizam a fora dos povos (opressores) que
"dispersaram" Israel, cujo poder, porm, foi quebrado (por quatro artesos).
Visto que o nmero quatro est, como na ltima viso, representando a totali-
dade do mundo, a imagem antecipa a esperana apocalptica da supremacia de
Deus sobre os imprios do mundo (Dn 2; 7; cf. Ag 2.22). Na terceira viso
aparece um homem que mede a extenso de Jerusalm; mas impedido neste
seu empreendimento. A promessa da multiplicao populacional de Jerusalm
(Is 49.19s.) se cumpre de forma to exagerada, que a cidade cresce para alm
dos limites de seus muros, de modo que somente pode ser protegida pela
"glria" de Deus (Ez 43.5; Ag 1.8):
"Jerusalm ser habitada como as aldeias sem muros
por causa da multido de homens e de animais que haver nela.
Pois eu lhe serei - orculo de Jav-
um muro de fogo em redor,
e eu mesmo serei, no meio dela, a sua glria." (2.8s.)
Acrscimos interpretativos apenas tiram a conseqncia desta expectativa,
ao aconselhar que se fuja da Babilnia (2.lOss.; cf. Is 48.20; 43.5s.). O cresci-
mento demogrfico deve-se concretizar mediante o retomo da dispora ou da
adeso de "muitas naes" (Zc 2.15; 8.20ss.). Em todo caso se conclama o
povo no presente para que se regozije com o futuro de Deus:

262
"Canta e exulta, filha de Sio;
porque eis que venho, e habitarei no meio de ti." (2.14,17)
A quinta (ou sexta) viso (5.1-4) mostra um rolo de livro voador aberto,
onde esto inscritas maldies contra ladres e perjuros; desta forma, ainda
antes do tempo da salvao, a comunidade purificada de malfeitores (trata-se
concretamente dos que permaneceram na terra e se apropriaram dos bens dos
exilados e no os restituram quando estes retomaram?) A sexta (ou stima)
viso (5.5-11) mantm esta expectativa de que a comunidade ser purificada
pelo prprio Deus (cf. Ez 36.25; 37.23), usando uma imagem metafrica: a
mulher simboliza a iniqidade. Sentada no efa, em que toda a culpa da terra
est concentrada, levada pelos ares por duas mulheres aladas, de Jud para
Babel. Ali a mulher deve permanecer como imagem divina em cima de um
pedestal no templo. - A ltima viso retoma a primeira, rompe o silncio ali
lamentado: quatro carruagens, puxadas por cavalos de cores variadas, vm de
Deus, passam por entre duas montanhas de bronze na entrada do cu, para
seguirem em direo dos quatro pontos cardeais. A junta de cavalos que vai
para o norte "faz repousar o Esprito de Jav na terra do norte", decerto no
para descarregar a ira de Jav, mas para motivar os exilados a retomarem ou
at incentivar estrangeiros a se filiarem a Israel (cf. 2.lOss.; 8.7s.,20ss.).
As vises externas (1.8ss.; 6.1ss.) delineiam o contexto universal; no
centro do ciclo setenrio est a expectativa do Messias da quarta viso, mais
desenvolvida (4.1-6a,10b-14). Sete lamparinas em um candelabro de ouro, cada
qual tendo sete bicos com pavio (portanto, no total 49 fontes luminosas),
simbolizam os olhos de Deus que vagueiam por sobre a terra e so, falando de
modo no-figurativo, a onipotncia e onipresena do Senhor do universo. Duas
oliveiras, uma esquerda e outra direita do candelabro, simbolizam os dois
"filhos do leo" ou ungidos, que esto a servio de Deus. Com isto se realiza
na viso do futuro uma partilha de poderes desconhecida nos tempos pr-
exlicos; o chefe poltico e o chefe religioso, o poder secular e o poder espiritual
esto lado a lado, no mesmo nvel hierrquico.
Esta expectativa bipartida referente ao futuro s ressoa ainda fora do AT em
Qurnr; na liderana da comunidade ps-exlica se imps o ministrio sacerdotal.
Tambm o sacerdote agora "ungido" (Lv 8.12,30 e outras).
Caso Zacarias, o filho ou neto de Ido (Zc 1.1;Ed 5.1; 6.14), possa ser identifIcado
com a pessoa de igual nome que aparece em Ne 12.16, ele provm, como Ezequiel, de
uma famlia sacerdotal. Desta maneira se explicaria a razo pela qual Zacarias, ao
contrrio de Ageu,atribui ao sumosacerdote importncia capitalna confIgurao do futuro.
A meta da viso central (4.14) desenvolvida numa outra viso, em um
ato simblico e palavras. Os dois ungidos, que no princpio ainda permanecem
no anonimato, mas depois so mencionados nominalmente, so o sumo sacer-
dote Josu e o davidida Zorobabel, ao qual j Ageu havia atribudo dignidade

263
messiamca (2.23). A este, e no ao sumo sacerdote, se promete na palavra
intermediria (Zc 4.6b-1O) que o templo ser concludo: "no por fora nem
por poder, mas pelo meu Esprito!"
Em contraposio, o sumo sacerdote Josu quem est no centro da viso
inserida posteriormente no ciclo setenrio (3.1-7) e estruturada de forma dife-
rente. Diante do anjo de Jav, Josu acusado por Satans, o acusador celestial
(cf. J ls.). Mas Josu despido de suas roupas sujas - e com isto de sua
culpa - e vestido com roupa nova, sendo at coroado com um turbante (cf. Lv
16.4; tambm a palavra de difcil interpretao em Zc 3.8s.). O sumo sacerdote
presta votos de obedincia e assume no apenas a administrao do santurio,
mas tambm recebe a garantia de livre "acesso" a Deus, de modo que Josu
pode interceder pela comunidade (3.7; cf. Jr 30.21).
A contrapartida representa a ao simblica de Zc 6.9ss., que evidentemente foi
corrigida mais tarde e, portanto, interpretada de forma muito divergente; trata-se, como
as vises, de um relato na primeira pessoa. Zacarias incumbido de recolher ouro e
prata entre os exilados, de mandar confeccionar uma coroa e coloc-la na cabea de
algum - segundo o atual texto, na do sumo sacerdote Josu. Como ele, no entanto,
j est com o turbante na cabea e a construo do templo (6.12s.; 4.9s.) tarefa de
Zorobabel, a coroao simblica se referia originalmente com muita probabilidade a
Zorobabel; ele quem proclamado o "rebento" prometido, sob quem "germinar"
(cf. Jr 23.5; tambm Ag 2.23 e outras). Tem a seu lado o sumo sacerdote (Zc 6.13; 4.14).
Mas quando o desenrolar da histria no confirma a entronizao messinica, o texto
corrigido- provavelmente no por Zacarias- de modo que a expectativaescatolgica
no se dirige mais para a histria contempornea, mas para o futuro (6.12).
Zacarias experimenta nas vises que "todo o reino de Deus j est
preparado no cu". "No mundo superior as instituies salvficas e as funes
escatolgicas j esto presentes de forma prefigurada." (G. von Rad).
Segundo K. Seybold (p. 107), a inteno por trs do ciclo visionrio servir de
"conclamao para e anteviso da reconstruo do templo em Jerusalm, memorial e
escrito programtico da restaurao do centro cultual no Sio, e desta maneira adquire
o carter de um meros Jogos do novo santurio". Thdavia, chama a ateno o fato de
que o templo mencionado s esporadicamente e nunca no ciclo de vises (1.16; 4.9s.;
6.12s.). A expectativa de que irromper o reinado de Deus no extrapola em muito a
situao contempornea do profeta?
Os caps. 7s. so diferentes e no mnimo foram enriquecidos posteriormen-
te com material variado; quanto ao contedo tm a ver com a continuao da
construo do templo. pergunta se o jejum ou o luto celebrado no dia da
destruio do templo (ou em outras datas comemorativas semelhantes: 7.3,5;
8.19) podem ser agora cancelados, d-se primeiro uma resposta negativa, j que
se menciona a dureza de corao dos ouvintes. S num segundo momento a
resposta positiva e desemboca numa profecia de salvao: o jejum se torna

264
alegria (8.19). expectativa de uma virada se segue uma seqncia de vrias
promessas (cf. Is 65.17ss.).
Contudo, parece que no tempo subseqente no se abriu mo das cerim-
nias de jejum, mas se as manteve (cf. MI2.13; 3.14). Tanto este detalhe quanto
os prenncios de Zacarias em geral permanecem sendo apenas esperana, mas
esperana no triunfo do poder de Deus neste mundo.

3. No capo 9 do livro de Zacarias inicia algo novo em termos de estilo,


linguagem e situao histrica. A redao demarcou trs colees ao colocar
trs ttulos semelhantes: "Sentena. Palavra de Jav..." (9.1; 12.1; MI1.1). Os
trs ttulos se referem cada qual a trs captulos, que formam a concluso do
Livro dos Doze Profetas Menores: Zc 9-11; 12-14 e Malaquias. Os dois apn-
dices ao livro de Zacarias so designados habitualmente, em analogia ao livro
de Isaas, Dutero-Zacarias (9-14); ou se distinguem, ento, ainda por razes de
contedo Dutero-Zacarias (9-11) e 'Irito-Zacarias (12-14). Em todo caso, a
expectativa de um ataque dos povos, no capo 14, constitui uma grandeza
prpria, que tem afinidades com o capo 12 em termos de temtica, mas mesmo
assim diferente. Isso significa que os textos dos caps. 9-14 no podem ser
atribudos a um nico autor. Sugeriram-se dataes muito variadas, do tempo
pr- e ps-exlico. Supe-se que a primeira parte, mais antiga, seja de 300 a.c.
aproximadamente, enquanto que a segunda parte, mais recente, provenha do
sc. m a.c. Ambas as partes formaram-se, portanto, depois da campanha
vitoriosa de Alexandre Magno, ao redor de 330 a.c. (cf. 9.l-8?), pelo menos
dois sculos depois da atuao de Zacarias. Faz-se referncia ao cisma samari-
tano (11.14), aos gregos (9.13) como tambm aos reinos dos ptolomeus no Egito
e selucidas na Assria/Sria (1O.10s.; cf. Is 19.23s.).
Qual a justificativa para acrescentar passagens to extensas a Zc 1-8? De
fato h um parentesco temtico, alm de certas coincidncias literais (p. ex.
2.14; 9.9 ou 2.9; 9.8). Mesmo utilizando recursos diferentes e variados, tambm
os caps. 9-14 narram como desponta o tempo de salvao: a preocupao de
Deus com Jerusalm (9.8,15s.; 10.6; 12; 14), o retomo e a congregao do povo
(9.11s.; 1O.6ss., inclusive do Reino do Norte; cf. Jr 3.l2s.; 30s.), perdo do
pecado (13.1ss.), derrocada das naes (9.13ss.; l1.lss.; 12; 14), anexao das
mesmas a Israel (9.7; 14.16ss.), por ltimo, o reinado de Deus:
"Jav ser rei sobre toda a terra;
naquele dia Jav ser nico,
e seu nome, o nico." (14.9,16s.; cf. Dt 6.4.)
Ao duplo ataque dos povos (12; 14), Jerusalm resistir uma vez (12), mas
na segunda vez, no (14); Deus mesmo trar os inimigos que de novo deporta-
ro a metade da populao da cidade. Com esta profecia de um juzo depurador
(13.7ss.; 14.2ss.) o profetismo tardio continua de forma modificada e parcial o

265
anncio de juzo e salvao dos profetas pr-exlicos. Ao lado de textos com
uma inteno claramente perceptvel encontramos tambm passagens realmente
obscuras (como a fala sobre os pastores em l1.4ss.). Aquele que foi "traspas-
sado", por quem os jerosolimitas choram (12.10), uma figura messinica que
teve de sofrer o destino do servo de Deus (Is 53.5)? Em todo caso predomina
no princpio (Zc 9.9s.) a expectativa de um rei humilde, que depende da ajuda
de Deus e que no est montado num cavalo de guerra, mas num jumento,
embora traga com sua palavra a paz para todo o mundo.
9 Vv. 1-8 Ampliao do poder de Jav para o norte e para o oeste
(aluso campanha vitoriosa de Alexandre Magno?)
Vv.9s. Conclamao alegria pelo futuro rei da paz (cf. Mt 21)
Vv. 11-17 Palavras de salvao (glosas explicativas): retomo, guerra de
Jav
10 Vv.ls. Bno de Deus
Vv.3-l2 Guerra e retomo (cf. 9.lOss.)
11.1-3 Cntico sarcstico sobre o que est no alto e cai (cf. Is 2.12ss.;
Jr 25.36ss.)
l1.4ss.; O pequeno livro dos pastores (cf. Jr 23; Ez 34; Is 56.9ss.)
13.7-9
11.4-14,15-17 Mescla de ao simblica, viso e alegoria.
Pastoreio das ovelhas destinadas matana
Duas varas - "graa" e "unio" (cf. Ez 37.15ss.) -
smbolo da separao entre os judeus e samaritanos
11.13: 30 moedas de prata (Mt 27.3ss.)
13.7ss. Purificao do resto (um tero)
12 Ataque frustrado dos povos contra Jerusalm
Derramamento do Esprito. Lamentao pelo "traspassado" (vv. IOss.)
13 Libertao de impureza, idolatria e profetismo (exttico)
14 Ataque dos povos, salvao apenas depois da tomada da cidade. Purificao
de Jerusalm (a metade; cf. 13.7ss.). Teofania.
O resto dos povos adora Jav como rei (vv. 16ss.)
4. Com certeza os trs captulos de ditos de Malaquias constituem a
concluso do Livro dos Doze Profetas Menores. Atravs do ttulo "Sentena.
Palavra pronunciada por Jav contra Israel por intermdio de Malaquias" estes
captulos esto vinculados com Zc 9-11,12-14, formando uma s coleo ou
unidade redacional. Todavia, Malaquias atuou aproximadamente um sculo
antes que Zc 9-11, embora seja, por outro lado, mais recente do que Ageu e
Zacarias. Em todo caso se discute at mesmo se Malaquias o nome verdadeiro
de uma pessoa e no antes o ttulo de um profeta annimo: "meu mensageiro"
(cf. Ag 1.13; Ml 3.1; 2.7).
Da mesma forma que seu nome permanece incerto, tambm sua poca de
atuao s pode ser determinada aproximadamente. Malaquias j tem que

266
combater abusos (1.6ss.) no (segundo) templo (1.10; 3.1,10); o livro tambm
menciona como elemento contrastante o "governador" (persa) (1.8). Parece
que diminuiu o assdio por parte de Edom (1.3ss.), experimentado por Jud
depois da destruio de Jerusalm em 587 a.c. (1.3ss.). O fato de que se faz
necessrio regulamentar questes matrimoniais (2.10ss.) e a oferta do dzimo
(3.8ss.) decerto pode ser compreendido como uma aluso vaga poca de
Esdras e Neemias (Ed 9s.; Ne 13.lOss.,23ss.). Assim, o profeta a que se atribui
o material bsico do livro de Malaquias deve ter atuado no sculo V a.c.,
provavelmente na primeira, mas eventualmente tambm na segunda metade do
sculo.
O gnero da controvrsia, que encontramos ocasionalmente nos profetas
mais antigos e com maior freqncia em Dutero-Isaas, predomina no livro.
Caractersticas so perguntas (1.2s.,6; 2.10 e outras) ou citaes (2.17; 3.13s.).
O profeta retoma as concepes (cticas) de seus ouvintes e de certo modo
adota uma "pregao dialogada" (poimnica), desdobrando sua mensagem em
resposta a perguntas feitas.
1.2-5 Amo-vos e odeio Edom (cf. Ez 35; Ob; Is 63)
Livre eleio de Deus
1.6-2.9 Denncia (1.6ss.) e anncio de juzo (2.lss.) sobre sacerdotes. Sacrifcio
com falhas, impuro (cf. Dt 15.21; Lv 22.20ss.)
" grande entre as naes o meu nome." (1.11)
A aliana com Levi (cf. Dt 33.8-11) rompida (2.4-9)
2.10-16 Denncia contra o povo por causa de divrcios (vv. 13ss.) e casamentos
mistos (vv. 11b,12, decerto acrscimo; cf. Ed 9s.; Ne 13)
"No temos todos um nico Pai?" (Ml 2.10; cf. 1.6)
"Odeio o repdio [divrciol." (2.16)
2.17-3.5 Purificao da comunidade (cf. Ze 5)
"Quem pratica o mal bom aos olhos de Deus" (2.17)?
Deus vem para o juzo (3.1,5; cf. 2.3,9)
"Eis que eu envio o meu mensageiro que preparar o caminho diante de
mim." (3.1)
"Quem pode suportar o dia da sua vinda?" (3.2; Jl 2.11)
3.6-12 Promessa de bno condicional
"Tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vs outros." (3.7; Ze 1.3)
3.13-21 O "sol da justia" nasce por sobre os que temem a Deus.
"Vs dizeis: Intil servir a Deus." (v. 14; cf. Sf 1.12)
Livro memorial de Deus (v. 16; cf. x32.32s.; Dn 12.1;SI 139.16; 56.9 e outras)
O destino dos piedosos e dos mpios (vv. 18ss.; cf. SI 1.6)
3.22,23s. Concluso do Livro dos Doze Profetas Menores
Exortao (deuteronomstica) lembra (alm da profecia) a lei de Moiss
Retorno de Elias
Fazendo frente s dvidas, Malaquias insiste no irrevogvel amor de Deus
para com seu povo (1.2): Deus se mostrar magnnimo diante de Israel (1.5),

267
mas zelar por sua honra (1.6; 2.2). Desta forma Malaquias continua a expec-
tativa de salvao, mas tambm o anncio de juzo, que - ao contrrio do
profetismo pr-exlico - se restringe a grupos da comunidade. promessa de
eleio e salvao segue a acusao de que os sacerdotes no oferecem os
sacrifcios de forma correta. Com isto Malaquias retoma a crtica proftica
contra os sacerdotes (Os 5.1; Is 28.7; Jr 2.8 e outras), levando muito a srio,
porm, a correta execuo do culto como forma de obedincia respeitosa a
Deus (Ml 1.6ss.; 3.6ss.,3s.).
Nos dilogos reais ou retricos percebe-se a decepo causada pelo atraso
no cumprimento das promessas de um Ageu ou Zacarias. Mas contra todo o
ceticismo Malaquias de certa forma pleiteia um voto de confiana na palavra
de Deus: Deus no muda, mantm as promessas de bno e salvao (Ag
2.9,16; Ze 8.9ss.), embora as faa depender da obedincia e do temor a ele (Ml
3.6ss.,17ss.). Deus eliminar abusos, purificar a comunidade de malfeitores
que no o temem, como feiticeiros, adlteros e perjuros (3.5,19; cf. Ze 5). Em
contraposio no encontramos em Malaquias a esperana na derrocada dos
povos (cf., porm, a expectativa universal, provavelmente mais recente: 1.11).
Antes do juzo Deus envia um mensageiro - dificilmente o prprio
profeta, antes um personagem do futuro. Ele preparar o caminho de Deus (3.1;
cf. Is 40.3s.). No apndice conclusivo do Livro dos Doze Profetas Menores este
mensageiro identificado com o profeta Elias, que retomar e reconciliar os
pais com seus filhos. A unio das geraes no constitui a condio bsica para
a transmisso da f (x 13.8,14 e outras)?

268
23
JOEL E JONAS

1. A poca de atuao de Ioel; filho de Petuel, no revelada nem pelo


ttulo do livro nem de qualquer outra forma; ela apenas pode ser inferida a partir
da mensagem. Por conseguinte h uma ampla gama de teorias, mas mencionare-
mos apenas as duas propostas principais. Por um lado, Joel datado na era pr-
exlica tardia. Seria ento contemporneo de Jeremias, com sua expectativa de
salvao talvez at antagonista deste profeta. A situao poltica agitada daquela
poca, a presso exercida pelos babilnios ou tambm o destino turbulento dos
ltimos reis, porm, no se refletem no livro. A expectativa do juzo sobre os
povos que dispersaram e venderam Israel (4.2s., 17) pressupe, antes, a catstrofe
de 587 a.c. Neste caso o santurio (1.14; 2.17) teria que ser o segundo templo
em Jerusalm, que est protegida de novo por um muro (2.6ss.). Caractersticas
para a poca tardia tambm so as mltiplas afinidades lingsticas com a
pregao dos profetas mais antigos.
As correspondncias entre Jl 4.16,18 e Am 1.2; 9.13 devem ter sido o motivo para
que se colocasse o livro de loel antes do livro de Ams (como acontece no texto hebraico,
mas no no texto grego, onde a seqncia : Os - Am - Mq - Jl - Ob - In).
Interpretava-se o profetismo mais antigo com o esprito do profetismo mais recente ou
procurava-se estabelecer uma ordem cronolgica dos profetas - de acordo com a
compreenso da poca posterior?
Joel tem o culto e os sacerdotes em alta estima, ao contrrio dos profetas
literrios pr-exlicos (1.9,13s.,16; 2.14ss.). Ele pode, por isso, ser considerado
"profeta cultual"? difcil responder a esta pergunta de forma inequvoca, visto
que na poca ps-exlica o culto tem importncia maior para o profetismo em
geral, especialmente para Malaquias. De fato, Joel deve ter estado bastante
prximo de Malaquias e provavelmente atuou por volta do ano de 400 ou no
sculo IV a C.
A grosso modo o livro de Joel se subdivide em duas partes (caps. 1-2; 3-4).
Estiveram juntas desde o princpio - desconsiderando-se o acrscimo posterior
em prosa (4.4-8) - , constituindo obra literria de um nico autor? No raro se
manifestaram dvidas a respeito. Mas motivos principais, tal como a palavra-
chave do "dia de Jav", se repetem (2.1ss.; 3.4; 4.14; cf. tambm 2.10; 4.15).
Cabe ressaltar que ambas as partes se encerram com uma afirmao sobre

269
o reconhecimento de Jav (2.27; 4.17), formando assim uma unidade carregada
de tenso. A estrutura geral forma uma espcie de composio litrgica, cons-
tituda de lamentaes (1.4-20; 2.1-17) e promessas de salvao (2.19ss.; 3s.).
Nelas Joel retoma os temas habituais da expectativa escatolgica do profetismo
exlico/ps-exlico: derrocada dos povos, bno, salvao e redeno de Jeru-
salm. Mas caracterstico para o profeta que ele parte de uma situao de
calamidade concreta, contempornea. Assim como, p. ex., Ageu (1.6ss.; 2.16ss.)
se reportou situao econmica desfavorvel de seu tempo, tambm Joel toma
como ponto de partida para sua mensagem uma grave praga de gafanhotos e
uma estiagem.
A) Caps. 1-2
1.2-20 Lamentao sobre a praga de gafanhotos e a estiagem
Vv. 2s. Chamado manuteno da tradio atravs das geraes:
Aflio (v. 4) e salvao por Jav (2.18)
VV.5-14 Convocao do povo lamentao
V. 15 Clamor: "O dia de Jav est perto!" (Sf 1.7; Is 13.6 e
outras)
Vv. 16-18 Lamentao de um grupo ("ns")
Vv. 19s. Splica ("a ti (...) clamo") do profeta como recitador
/liturgo
2 Nova lamentao e atendimento da orao
Vv. 1s. Alerta: O dia de Jav est chegando (cf. Sf 1.14s.)
Vv. 3-11 Descrio do inimigo
Vv. 12-14 Chamado penitncia
Vv. 15-17 Nova convocao lamentao popular
V. 18 Fim da aflio
Vv. 19s. Resposta de Deus ("orculo de atendimento"):
Bno, expulso do "que vem do norte" (gafanhotos,
exrcito?; cf. Jr 1.14s.)
Vv. 21-24 Chamado alegria e gratido
Vv. 25-27 Nova promessa de salvao, tendo por objetivo o co-
nhecimento de Deus (2.27; 4.17)
Nos caps. 3 e 4 a contagem dos versculos varia de acordo com as
verses adotadas.
B) Caps.3-4
3 Derramamento do Esprito (vv. 1s.)
Sinais no cu e na terra (vv. 3s.), salvao em Jerusalm (cf. Ob 17)
4 Juzo sobre as naes em Jerusalm (cf. Is 17.12ss.; 29.5ss.; Ez 38s.;
Zc 12; 14)
VV.4-8 Intercalao em prosa
Vv. 18-21 Apndice depois da afmnao [mal sobre o conheci-
mento de Deus: 4.17

270
Numa moldura narrativa (1.4; 2.18s.) est inserida uma dupla lamentao,
acompanhada por um chamado penitncia. Ao relato introdutrio sucinto
sobre a situao de calamidade (l.4) segue um chamado mais extenso, com
diversas estrofes, convocando para um jejum ou, ento, uma lamentao do
povo (cf. Zc 7s.; Is 63). Na situao catastrfica atual Joel v sinais dos tempos,
qual seja, pressgios do juzo [mal: "O dia de Jav est perto!" (1.15; 4.14; cf.
j Am 5.18ss.; Is 2.12ss.; sobretudo Sf 1.7ss.). Nesta perspectiva escatolgica
(2.1s.,lOs.) Joel convoca o povo pela segunda vez para o lamento pblico: um
inimigo trazido por Deus est se aproximando de Jerusalm! Neste ponto a
praga de gafanhotos retratada com motivos do esperado ataque das naes (Is
5.26ss.; Jr 4-6; Ez 38s.; sobretudo Is 13), tomando-se, com isso, indicativa de
um evento escatolgico-apocalptico: "Grande o dia de Jav, e mui terrvel!
Quem o poder suportar?" (2.11; 3.4; Ml 3.2). A possibilidade de salvao
introduzida pelo chamado penitncia:
"Rasgai o vosso corao, e no as vossas vestes,
e convertei-vos a Jav vosso Deus!
Porque ele misericordioso, e compassivo,
e tardio em irar-se, e grande em benignidade,
e se arrepende da desgraa.
Quem sabe se no se arrepender novamente..."
(2.13s.; cf. Jn 3.8ss.; tambm x 34.6s. e outras.)
Ser que o chamado penitncia foi atendido espontaneamente? Em todo
caso se descreve de maneira sucinta a mudana que ocorreu: Jav' 'mostrou-se
zeloso" (cf. Zc 1,14; 8.2) por compaixo com sua terra e seu povo, promete
salvao, nova bno, reparao das perdas: "No vos entregarei mais ao
oprbrio entre as naes" (2.18s.). - Todo o desenrolar da ao: lamentao,
chamado penitncia, atendimento e promessa de salvao foi considerado to
extraordinrio, que se julgou importante transmiti-lo de gerao em gerao (1.2s.).
As promessas de salvao da primeira parte (2.19s.,25-27) so desenvol-
vidas amplamente nas profecias da segunda parte do livro (caps. 3s.). O derra-
mamento do Esprito concede o dom da profecia para todos, sem distino de
idade, sexo e posio social, proporcionando com isto para todos uma relao
direta com Deus e a capacidade de prenunciar o futuro:
"Depois disto,
derramarei o meu esprito sobre toda came.
Vossos filhos e vossas filhas profetizaro,
vossos ancios tero sonhos,
vossos jovens tero vises.
Mesmo sobre os escravos e sobre as escravas,
naqueles dias, derramarei o meu esprito."
([na verso de Almeida, 2.28s.] 3.ls.; interpretado no sentido universal em At 2.)

271
Por causa da culpa dos povos, Deus os conduz a Jerusalm: "Ali eu me
sentarei para julgar todas as naes dos arredores." (4.2,12.) Assim como o
nico Deus (TI 2.27) acaba com a praga de gafanhotos e a estiagem, ele tambm
proteger seu santurio no juzo [mal. Quem "invocar o nome de Jav" ser
salvo na Jerusalm intocvel (3.5; 4.l6s.; cf. SI 46; 48).

2. Muito mais longe vai a esperana manifesta no livreto de Jonas, que


da mesma poca ou um pouco mais tardio. Dentro do Livro dos Doze Profetas
Menores constitui uma grandeza singular, pois no uma coleo de ditos
profticos (cf. apenas 3.4), mas uma narrativa proftica em prosa. Retoma, s
vezes at na linguagem, a forma da tradio do profetismo pr-literrio, como
as narrativas sobre Elias ou tambm os relatos na terceira pessoa no livro de
Jeremias. Em sua forma literria elaborada o livreto de Jonas tem afrnidade com
a narrativa da moldura do livro de J, os livros de Rute ou Ester. Podemos
consider-lo uma novela de carter didtico e (sobretudo no capo 4) detectar
traos irnicos. Compe-se de vrios episdios distintos. Trs episdios em que
o profeta rebelde est diante de Jav (1.1-3; 2.1-3.3; 4.1-11) circundam dois
episdios onde o profeta encontra pagos e envergonhado pela conduta destes
(1.4-16; 3.4-10). Os personagens e a ao mostram traos tpicos, idealizados:
a "maldade" de Nnive representa a conduta da metrpole mundana (1.2;
3.2s.,8; 4.11; cf. Gn 10.12), enquanto Jonas encarna o ouvinte ou leitor israelita
que deve ser levado a perceber a bondade espontnea de Deus (4.2) para com
os pagos.
Segundo 2 Rs 14.25, um profeta no mais desconhecido, de nome Jonas,
filho de Amitai, prediz ao rei Jeroboo II (787-747 a.C.), do Reino do Norte,
que recuperar territrios perdidos. Em tempos ps-exlicos este "profeta de
salvao nacional" se torna "heri" - o nome Jonas, "pomba", sugere j sua
natureza inconstante ou antes insensata? - na narrativa didtica sobre a mise-
ricrdia de Deus para com os estrangeiros. Provavelmente porque Jonas viveu
mais ou menos na mesma poca do profeta Ams, o livro de Jonas, que surgiu
no sculo IV ou talvez s no sculo l i a.C, foi colocado posteriormente no
atual lugar, to no incio dentro da seqncia do Livro dos Doze Profetas Menores.
Entre ambas as metades do livro (caps. ls.; 3s.) h certas tenses, p. ex.
no uso do nome de Deus, que tambm se tentou resolver pela crtica literria.
Mas o livreto literariamente bastante coeso, mesmo que tenha assimilado
diversas tradies e motivos narrativos (p. ex. do homem na barriga do peixe).
Jn 1-2 No mar
1.1-3 Introduo: misso e fuga
1.4-16 No navio: da ameaa de uma tempestade at a calmaria dos ventos
2.1-11 Jonas fica trs dias e noites na barriga do peixe
VV. 3-10: Salmo de ao de graas (decerto acrscimo)

272
Jn 3-4 Em terra
3 Nova misso (vv. 1-3), pregao em Nnive (v. 4), jejum de penitncia
de seres humanos e animais (vv. 5-9) e o arrependimento de Deus (v. 10)
4 Ira de Jonas por causa da graa de Deus

Uma camada recente do livro de Jeremias reflete sobre o procedimento de


Deus para com as naes, contrape ameaa e promessa e chega a uma
concluso genrica e de princpio, inclusive um tanto estereotipada, que, no
caso de uma ameaa, diz:
"No momento em que eu falar acerca de uma nao ou de um reino para o
arrancar (...) e destruir, se tal nao se converter da maldade (...), tambm eu me
arrependerei do mal que pensava fazer-lhe." (Jr 18.7s.)
Esta possibilidade o livreto de Jonas ilustra atravs de uma histria exem-
plar para realar a liberdade de Deus em sua atuao ("talvez": 1.6; 3.9) e para
confrontar Israel como que atravs de um espelho com seu prprio egocentrismo.
Deus incumbe Jonas de pregar contra a metrpole de Nnive, pois sua
maldade subiu at os cus. Mas em vez de obedecer (Am 3.8), o profeta foge
"para longe da presena de Jav", indo de navio para Trsis (na Espanha?),
nos confms do mundo. Entretanto, o fugitivo no consegue escapar de Deus (SI
139.7ss.). A relao triangular Jav-Jonas-Nnive preparada pelo episdio do
navio; na sua composio heterognea como tambm na sua reao a tripulao
do navio antecipa o comportamento da metrpole. A tripulao age de forma
exemplar quando, no medo e na aflio, "clamavam cada um a seu deus"
(1.5). E mais: os marinheiros so levados a reconhecer Jav atravs de Jonas,
que, na sua teimosia, se nega a invocar o seu Deus e no confessa sua culpa, e
assumem a profisso de f no Criador feita por Jonas (1.9,16).
A tripulao s consegue salvar-se da violenta tempestade quando por fim
atira Jonas ao mar. O profeta engolido, a mando de Jav, por um "grande
peixe", que depois de trs dias e trs noites o cospe fora, lanando-o numa
praia (2.1-11). Quando Jav envia Jonas pela segunda vez a Nnive (3.1-3), ele
no oferece mais resistncia, pois aprendeu a lio, mas apresenta a sua men-
sagem de forma surpreendentemente concisa: "Ainda quarenta dias, e Nnive
ser destruda." A cidade ser defrontada com a mesma sorte que Sodoma e
Gomorra, mas, apesar do anncio de juzo incondicional, ainda lhe dado mais
um prazo. A ameaa desperta "f"; o prprio rei se submete ao ritual de
penitncia (ao contrrio de Jr 36), conclama os seres humanos e animais a
participarem da penitncia mediante jejum e a se afastarem do mal - na
esperana de que Deus talvez revogue mais uma vez a desgraa e aplaque-se a
sua ira, "de sorte que no pereamos" (3.9; 1.6; cf. n 2.13s.). Nesta sua reao
diante da palavra proftica, Nnive representa um exemplo inigualado por Israel
(cf. apenas Ez 3.4ss.).
O impacto de sua pregao perturba Jonas. No ltimo episdio onde est

273
sozinho com Deus diante da cidade, Jonas se torna mais loquaz na sua lamen-
tao e justifica a posteriori seu comportamento recalcitrante desde o princpio.
Em lugar de Deus (3.9s.) Jonas quem se zanga e justamente por causa do
arrependimento e da compaixo de Deus (4.2). E, embora este tente fazer o
profeta compreender seu procedimento atravs de perguntas e atravs do cres-
cimento e da morte da mamoneira sombrosa, Jonas persiste na sua teimosia face
bondade de Deus e deseja sua prpria morte (cf. 1 Rs 19.4). A narrativa
encerra com uma pergunta, deixando assim em aberto a questo e convidando
o leitor reflexo. Por um lado, o livreto confronta o povo de Deus com a
constatao: "Nem mesmo em Israel achei f como esta" (Mt 8.10; cf. 12.41);
por outro lado, porm, tenta despertar neste mesmo Israel compreenso para a
misericrdia de Deus para com os estrangeiros.

274
24
DANIEL

1. Dificilmente encontraremos outra obra literria no AT que tenha tido


tamanha ressonncia como o livro de Daniel com sua doutrina dos quatro reinos
universais (2; 7) e a expectativa do Filho do homem (7. 13s.). A histria
situada na poca da passagem do imprio babilnico ao imprio medo-persa.
Todavia, as informaes histricas sobre aquela poca, a sucesso de soberanos
e reinos, so em parte imprecisas e no confiveis (5.1,30s.; 9.1 e outras). Em
contrapartida, os dados se tomam mais precisos onde se referem aos aconteci-
mentos depois da campanha de Alexandre Magno (11.3s.). No relato visionrio
ou histrico h inclusive vrias referncias a Antoco N Epfanes (2.41ss.;
7.8,20ss.; 8.9ss.,23ss.; 9.26ss.; 11.21ss.), que, em 167 a.C., aboliu o culto
jerosolimita (8.12s.; 9.27; 11.31,36s.; 12.11) e tentou helenizar o judasmo
fora. Nesta poca difcil e atribulada, em que estava em perigo a prpria
sobrevivncia da f judaica, o autor escreveu seu livro, por volta de 165 a.C.
Embora assista ainda ao levante dos macabeus (desde 166), v nele apenas um
"pequeno socorro" (11.34), pois espera a salvao decisiva do prprio Deus.
A reconsagrao do templo (164 a.c. com a festa da Dedicao do 'Iemplo,
"Hanukka") e a morte de Antoco IV (163 a.C.) no mais se refletem no livro
(cf. o pressgio diferente em 11.4Oss.).
Na confrontao, o judasmo se divide em simpatizantes do helenismo e
grupos que se mantm fiis a Deus mesmo em tempos de perseguio (11.32ss.).
Supe-se que o autor seja um dos "sbios" (11.33; 12.3) que fazem parte do
crculo dos "fiis" (hassidim, assideus; 1 Mac 2.42; 7.13). Estes se dispem a
ir ao extremo e submeter-se, se for preciso, ao martrio (Do 11.33,35), embora
esperem por uma reviravolta exclusivamente com o despontar do reino de Deus
- "sem auxlio de mos" humanas (2.34,45).
O surgimento tardio do livro explica por que no foi mais includo no
cnone proftico (hebraico), mas entre os "escritos". Apenas a traduo grega
e as tradues subseqentes colocam o livro, por motivos justificados, entre os
livros profticos (cf. Mt 24.15).
A Bblia grega apresenta quatro extensas complementaes apcrifas. No capo 3
se inserem a orao de Azarias, que lembra a lamentao do povo em Do 9.4ss., e o
cntico dos trs jovens na fornalha ardente. Mais dois acrscimos encontramos no [mal

275
do livro: a narrativa de Bel e o drago, que ridiculariza toda adorao de imagens, e a
histria de Susana, que exalta a sabedoria de Daniel.

2. Vivendo no incio da poca dos macabeus, o autor se vale em sua


narrativa de um personagem que h muito tempo considerado justo e sbio
(Ez 14.14,20; 28.3; tambm conhecido de Ugarite) e o faz atuar na poca do
exlio, de Nabucodonosor at Ciro. Enquanto que na primeira metade do livro,
constituda de narrativas ou lendas (caps. 1-6), se fala de Daniel na terceira
pessoa, este passa a ser o autor nas vises da segunda parte (caps. 7-12), falando
de si mesmo na primeira pessoa, depois de uma breve transio (7.1; 10.1). Por
conseguinte, nota-se no prprio livro a passagem do anonimato para o pseudo-
nimato, que caracterstico para o apocalipsismo posterior (Abrao, Baruque,
Enoque, Esdras e outros). O desenrolar da histria at a poca do autor apoca-
lptico do livro de Daniel e os acontecimentos esperados no futuro so conside-
rados uma sucesso de eventos predeterminados e prenunciados h muito tem-
po. Por isto se impe ao Daniel da poca exlica a condio de manter sigilo
sobre seu conhecimento do futuro (12.4,9; 8.26).
Como j sugerem certas irregularidades na composio geral, o autor recorre na
primeira parte - "biogrfica" - do livro em grande parte a material narrativo mais
antigo, que ainda desconhece as tribulaes do tempo de Antoco IV. Este material
circulava de forma oral, em narrativas isoladas (p. ex., caps. 3; 4s.; 6) ou j estava
compilado numa coleo?
A partir da transmisso oral talvez se explique tambm o fato surpreendente de
que, depois da descrio introdutria da situao, escrita em hebraico (no capo I), se
conserva uma extensa parte central (2.4b-7.28) - mais ou menos preexistente - em
aramaico. Mas o autor aproveita esta troca de idiomas como recursopara sua exposio:
ele passa a usar a lngua aramaica justamente no incio de um discurso (2.4b; cf. Ed
4.8). Os captulos 2 e 7, que formam uma unidade temtica, utilizam, alm disso, no
incio e no fim da narrativa intermediria uma linguagem comum (O. Plger),
Muitas vezes o livro de Daniel retoma tradies profticas, como em
narrativas, vises, audies, motivos isolados ou quando fala da reao do
profeta diante da revelao (9.3; 1O.2s.,8ss.,15), que lembra Ezequiel. Se j nas
vises de Zacarias aparece um anjo intrprete, que serve de intermedirio entre
Deus e o profeta, este anjo mediador (4.10; 7.16) recebe agora um nome:
Gabriel (8.15ss.; 9.21ss.). Entre os anjos das naes, os representantes celestiais
das potncias terrestres, Miguel se apresenta como padroeiro de Israel (10.13,20s.;
12.1). Antes de mais nada o livro de Daniel tenta manter viva a escatologia
proftica (tardia), mesmo que - ao contrrio dos profetas - tente prever o
futuro por meio de clculos. A definio dos ltimos tempos, esperados num
futuro prximo, mais ou menos trs anos e meio depois da profanao do
templo por Antoco, se toma mais clara medida que se desenvolvem as vises
(7.25; 8.14; 9.24ss.; 12.7), at que o curso dos acontecimentos obriga o prprio
autor ou uma terceira pessoa a fazer pequenos retoques (12.11s.).

276
3. Assim, o livro de Daniel continua tradies profticas, associadas a
concepes sapienciais (1.17,20; 2.20ss. e outras), e est, ao mesmo tempo, no
princpio da literatura "apocalptica" no sentido mais estrito do termo. (Pode
ser, no entanto, que partes do livro extracannico de Enoque sejam mais
antigas.) O termo "apocalipse" indica o contedo principal desta literatura:
"desvelamento, revelao" do desenrolar e do [mal da histria. Todavia, a
passagem do profetismo tardio para o apocalipsismo fluida, de modo que no
podemos determinar uma delimitao rgida. Na profecia sobre a invaso e a
derrocada de Gogue (Ez 38s.), nas vises noturnas de Zacarias (Zc 1-6), nas
expectativas do dia de Jav no livro de Joel e do 'llito-Zacarias (Zc 12-14), na
esperana por um novo cu e uma nova terra (Is 65.17; 66.22) e no anncio de
um juzo universal no "Apocalipse de Isaas" (Is 24-27) j se prepara o terreno
para o pensamento apocalptico com o tema da imposio do poder de Deus
neste mundo.
Is 24-27, um trecho coeso em si, que no pode ser atribudo a Isaas, localizado
no adendo aos orculos sobre as naes no livro de Isaas, ainda no constitui um
apocalipse, no sentido estrito do termo, embora j se reconheam a certos motivos
apocalpticos (24.21s.; 26.19; 27.1 e outras). Como acontece freqentemente no profe-
tismo ps-exlico, pressupe-se tambm nestes captulos que j existam os escritos
profticos mais antigos, que so atualizados dentro de uma perspectiva universal. A
unidade forma uma composio que no muito clara nos seus pormenores e provavel-
mente s se estruturou de modo gradual. A pesquisa distingue (desde B. Duhm) pelo
menos entre expectativas escatolgicas (Is 24.1ss.,16ss. e outras) e cnticos - introdu-
zidos posteriormente? (24.lOss.; 25.1ss.; 26.1ss. e outras) - que em grande parte
celebram a queda de uma cidade annima. Os aspectos teolgicos mais pertinentes
encontramos em passagens que talvez sejam mais recentes (24.21-23; 25.6-8) e que
exprimem a esperana num reinado de Deus que englobe todos os povos, tendo at uma
dimenso csmica. Esta esperana vencer at a prpria morte - segundo um acrsci-
mo decerto ainda mais recente (em 25.8; cf. 26.19).

4. O tema em si do livro de Daniel a relao entre o domnio sobre o


mundo e o senhorio de Deus. Enquanto que as narrativas da primeira parte
objetivam o reconhecimento de Deus por parte do soberano do mundo e com
isto visam a aceitao do senhorio deDeus na atualidade (2.46s.; 3.33; 4.22s.,31ss.;
5.18ss.; 6.26ss.; cf. SI 145.13), a segunda parte anuncia o despontar iminente
do reinado de Deus, que por fim ao poder poltico terreno (2.44; 7.27; 9.24;
l1.40ss.). Aqui a questo dos "ltimos dias" est no centro das atenes (2.28;
8.17ss.; 10.14; 12.6,13); pois o tempo do mundo limitado (11.24ss.). Face a
este futuro que transforma as condies vigentes, o autor apocalptico tenta
consolar seus contemporneos atribulados, conclamando-os a manterem-se fiis
na f, esperanosos e persistentes.
I. Dn 1-6 Narrativas ou lendas sobre Daniel, escritas na terceira pessoa do singular
a) No tempo de Nabucodonosor

277
1 Educao de Daniel e de seus trs companheiros na corte babilnica
2 Sobre o fim dos imprios do mundo. Sonho de Nabucodonosor: uma
esttua de vrios metais, destroada por uma pedra
3 Sobre a firmeza na f: os trs companheiros de Daniel so salvos da
fornalha ardente
4 Sobre a humilhao do soberano do mundo. Sonho de Nabucodonosor,
divulgado em todo o mundo: a rvore do mundo cortada (3.31-4.34)
b) No tempo de Belsazar/(Baltazar)
5 Sobre a punio do soberano: inscrio misteriosa depois da profana-
o dos utenslios do templo durante a ceia de Belsazar
c) No tempo de Dario, "o medo"
6 Sobre a firmeza na f de Daniel: salvao da cova de lees

11. Do 7-12 Vises relatadas pelo prprio Daniel


a) Ainda no tempo de Belsazar
7 Quatro animais, juzo de Deus e Filho do homem
8 Luta entre o carneiro (Prsia) e o bode (Alexandre Magno)
b) No tempo de Dario, "o medo"
9 Interpretao da palavra de Jeremias dos "70 anos" como 70 semanas
de anos
c) No tempo de Ciro, rei da Prsia
10-12 Viso final
10: Dilogo com o anjo junto ao grande rio (Eufrates)
11: Retrospectiva histrica em forma de profecia, de Ciro at Antoco IV.
Juzo (ll.40ss.) e redeno (l2.lss.) nos ltimos dias
12: Ressurreio. Certeza do [mal.

o livro inicia sua anlise histrica na poca em que Israel perde sua
autonomia poltica. No terceiro ano do governo de Jeoaquim - durante a
primeira deportao, 597 a.C. - Daniel, chamado Beltessazar/(Baltassar),
deportado de Jerusalm para a Babilnia. Junto com seus trs sbios amigos
Hananias, Misael e Azarias, que no estrangeiro ganharam os nomes de Sadra-
que, Mesaque e Abede-Nego (1.6; 2.26), instrudo na corte de Nabucodonosor
no idioma e na sabedoria dos caldeus ou babilnios. Apesar de observarem
rigorosamente as prescries alimentares dos judeus, os quatro apresentam
aspecto melhor do que todos os outros (cap. 1). Quando ento Nabucodonosor
se inquieta com um sonho seu, espera que seus sbios caldeus saibam no
apenas interpretar, mas tambm cont-lo. No momento em que os sbios por
sua vez tomam a palavra, o livro passa lingua aramaica (2.4b). Embora a
incumbncia seja difcil demais para os adivinhos caldeus, Daniel e seus amigos
solucionam a dupla tarefa, revelando o "Deus nos cus, o qual revela os
mistrios" (2.28,22,47; 4.6; 5.11ss.; cf. Gn 41.16,38): o sonho trata de uma
esttua que da cabea aos ps de ouro, prata, bronze e ferro ou barro. Esta

278
esttua quebrada "sem auxlio de mos" humanas por uma pedra que se
avoluma at tornar-se um rochedo que "encheu toda a terra" (2.31-35, Almei-
da). A esttua simboliza quatro imprios sucessivos: provavelmente o imprio
babilnico, o dos medos, persas e ptolomeus/selucidas. (Maior influncia his-
trica teve a interpretao mais recente que reconheceu no ltimo imprio
Roma: assrios/babilnios - medos/persas - gregos - romanos). O reino de
Deus, representado pelo rochedo, esmagar todos estes reinos, mas ele mesmo
subsistir para sempre (2.44).
Se a interpretao de sonho por Daniel antecipa os acontecimentos dos caps. 4s.,
a imagem e a inteno do capo 2 lembram muito o capo 7. A esttua colossal mostra a
histria universal (desde o tempo do exlio) na forma de um ser humano, e a sucesso
dos imprios corporificada pelo valor decrescente dos metais. Aqui ou no relato dos
caps. 7 e 8, onde os poderes polticos aparecem na forma de animais, o livro de Daniel
assimila concepes vtero-orientais.
O soberano estrangeiro Nabucodonosor presta culto ao Deus de Daniel e
investe a este e a seus amigos em altos cargos honrosos (cap. 2). No episdio
seguinte apenas os trs companheiros - representantes e exemplos de Israel no
exlio - so testados na sua firmeza na f e na sua coragem em professar a
sua f. Ao se recusarem a adorar uma esttua dourada erigida por Nabucodo-
nosor (transgresso do primeiro e do segundo mandamento), so atirados na
fornalha ardente, mas no queimam, j que so protegidos por um ser celestial,
"semelhante a um filho dos deuses" (3.25). Como antes, Nabucodonosor louva
ao Deus que pode livrar (3.17,29; 6.28). Em razo de sua experincia com
"Deus, o Altssimo" (3.32s.), Nabucodonosor divulga, num edito, entre todos
os povos o seu sonho de uma rvore gigantesca que cortada at sobrar apenas
o toco. Com isto se antecipa, segundo a interpretao de Daniel, o destino do
prprio Nabucodonosor: o rei insolente (4.27) viver feito um bicho at que
reconhea o Senhor dos cus, que concede poder aos humanos e que os exalta
e humilha (4.29; 5.18s.). Somente ento Nabucodonosor recuperar seu poder
(4.23,31ss.). E assim que realmente acontece.
No capo 4 parece que se atribui por transferncia a Nabucodonosor material
narrativo referente ao ltimo rei babilnico Nabnides, conhecido por sua conduta
estranha (cf. a "orao de Nabnides", achada em Qurnran). Assim tambm se expli-
caria por que Belsazar (5.1; 7.1; 8.1), que s exerceu a regncia na Babilnia durante a
longa ausncia de Nabnides, aparece no livro de Daniel como rei e sucessor de
Nabucodonosor, ignorando-se os soberanos intermedirios e contraindo pelo menos trs
dcadas.
Nabucodonosor ainda encontra misericrdia; o mesmo no acontece mais
com o "rei" Belsazar. Em um banquete, enquanto que Belsazar bebe dos
utenslios que foram roubados do templo de Jerusalm, aparece na parede uma
inscrio escrita de forma misteriosa por uma mo. De novo falham os sbios

279
do rei (2.5ss.; 4.3s.; 5.8,15; cf. x 9. llP). Apenas Daniel consegue ler e
interpretar o que ali est escrito: mene, mene, tequel e parsim - trata-se
decerto de trs tipos de moeda: a mina, o sido e (suas) partes, a meia-mina-
o que significa: "contado, pesado, dividido". Isto , aproxima-se o [mal do
domnio babilnico, o imprio ser repartido entre os medos e persas (cap. 5).
Depois da morte de Belsazar o poder passa para o medo Dario (6.1) -
que na verdade foi rei dos persas e no dos medos, pai e no filho de Xerxes
/Assuero (9.1) e sucessor de Ciro (10.1). Dario se deixa convencer por funcio-
nrios da corte a proibir por escrito e, portanto, de forma irrevogvel (6.9,16;
Et 1.19; 8.8), que, durante um ms, se dirijam oraes a Deus - a no ser ao
rei divinizado. Daniel permanece firme em sua f e por isso atirado na cova
dos lees, mas - como j acontecera com seus trs amigos na fornalha ardente
- salvo. Depois disto Dario expede em todos os seus domnios a ordem de
temer ao "Deus vivo", cujo "domnio no ter fim" (6.27; 3.33; 4.31).
A transio da parte narrativa para a parte das vises na primeira pessoa
e ao mesmo tempo o centro temtico do livro so constitudos pela viso dos
quatro animais, que lembra o capo 2, sendo que os quatro animais representam
os quatro imprios do mundo. Ambos os captulos se vinculam no apenas pelo
idioma aramaico, usado pela ltima vez no capo 7, mas tambm pela temtica
similar; a questo do "fim", j abordada no capo 2, predomina na segunda parte
do livro. Depois de um leo com asas de guia, de um urso e uma pantera
alada, surge um animal com dez (ou onze) chifres, eliminado por um rio de
fogo que emana do trono do juzo de Deus, o "Ancio de dias". Enquanto a
pedra, que, segundo o capo 2, quebra a esttua colossal, simboliza o reino de
Deus que por sua vez substituir os reinos do mundo, aparece ento, somente
depois do juzo de Deus, uma figura de aparncia humana - contrastando com
os animais. "Com as nuvens do cu" vem algum que "como o Filho do
homem"; a ele atribudo o domnio eterno (7.13s.). representado como
indivduo, e assim tambm compreendido tanto no livro de Enoque como no
Novo Testamento. Mas, estranhamente, o "Filho do homem" corresponde na
interpretao da viso a uma grandeza coletiva - aos "santos do Altssimo",
que por sua vez recebem o reino (7.18ss.). 'Irata-se a de seres celestiais ou do
povo escolhido ou (em sentido mais restrito) do povo ainda firme na f, apesar
de oprimido (7.2l,25)? Ou Israel aparece somente em 7.27 como "o povo dos
santos do Altssimo", para, assim, participar do poder? Talvez a viso do futuro
tambm tenha sido reelaborada e reinterpretada. Em todo caso continua extre-
mamente atual na sua forma presente: a srie dos dez chifres do quarto animal,
isto , a sucesso dos dez reis, converge no undcimo soberano, o decisivo,
Antoco IV, sob cujo reinado funesto despontar o reino de Deus.
As imagens da prxima viso parece que foram retiradas do mundo astral.
Daniel v como um carneiro com dois.chifres, representando o reino medo-

280
persa, pisoteado e morto por um bode com um chifre s, smbolo de Alexan-
dre Magno. No lugar do chifre nico surgem quatro chifres (os reinos dos
didocos?). Nasce um chifre adicional (de novo Antoco IV), que avana no
s para o sul e o leste, mas tambm em direo ao cu, e profana o santurio,
de modo que no se podem mais oferecer sacrifcios - mas somente por um
prazo limitado, mais ou menos trs anos e meio (8.9ss.,23ss.). Depois de uma
orao de penitncia com confisso de culpa e splica por salvao (9.4-20;
acrscimo posterior?), Daniel recebe a interpretao da profecia dos "setenta
anos" de juzo sobre Israel (Jr 25.11; 29.10; Zc 1.12; 2 Cr 36.20s.): compreen-
dendo os anos como semanas de anos (isto , 490 anos), a antiga profecia
aponta para a tribulao presente e a proximidade do fim pelo qual se esperava.
Esta atualizao mostra exemplarmente o significado da pregao proftica para
o apocalipsismo e, ao mesmo tempo, a maneira como se relia a tradio,
relacionando-a com o presente e o futuro.
Depois de uma introduo extensa, que fala do encontro com um mensa-
geiro de Deus, a ltima viso (Dn 10-12) acaba de maneira similar num esboo
da histria (em forma de audio), que enfoca em especial a poca de Antoco
IV e que visa anunciar o fim. A queda esperada de Antoco IV, perto de
Jerusalm (11.40ss.) - que, na verdade, no ocorreu desta forma - , representa
o incio dos ltimos dias; a punio do transgressor simboliza o fim da aflio
de Israel. O despontar do senhorio de Deus significa no s o domnio do povo
de Deus (7.27), mas tambm a ressurreio de seus mortos. Todavia, participa-
ro da redeno apenas aqueles que se mantiverem firmes na f; o cisma de
Israel no presente se confirma no juzo fmal:
"Muitos [isto , todos os membros do povo de Deus, ou, ento, apenas os fiis,
em todo caso no toda a humanidade],
dos que dormem no p da terra acordaro -
uns para a vida eterna,
e outros para oprbrio eterno." (12.2.)
Desta forma os ltimos dias cumprem tanto os ameaadores anncios
profticos de juzo como tambm as promessas profticas de salvao: Deus
mantm-se fiel sua palavra.

281
IV - POESIA DO MBITO
DO CULTO E DA SABEDORIA

283
25
O SALTRIO

1. A poesia veterotestamentria abrange, alm dos salmos, p. ex., tambm


grande parte dos ditos profticos ou da literatura sapiencial. S raramente apare-
cem indcios de rima [mal (como em Ir 1.5; SI 75.7s.). Com maior freqncia
encontramos aliteraes (Gn 1.1; Am 5.5; SI 1.1 e outras). Fundamental o
ritmo frasal, o assim chamado paral1elismus membrorum (paralelismo dos mem-
bros), que combina a identidade na forma com a mudana na terminologia.
Como no hebraico ritmo frasal e pensamento, forma e contedo em regra
coincidem, o [mal do verso e o [mal da frase tambm costumam coincidir.
Os semiversculos, tambm chamados de membros, estquios ou clons, formam
um versculo. Este chama-se perodo, sentena ou, dependendo de sua bi- ou tripartio,
dstico ou trstico, biclon ou triclon.
Quando os estquios correspondentes expressam o mesmo pensamento com
outras palavras, falamos de paralelismo sinnimo:
"Lava-me completamente da minha iniqidade,
e purifica-me do meu pecado."
(SI 51.4s.; cf. 5.2; Is 1.10 e outras.)

Quando ambos os membros do versculo contrastam de forma mais ou


menos rigorosa, temos um paralelismo antittico:
"Pois Jav conhece o caminho dos justos,
mas o caminho dos mpios perecer."
(SI 1.6; cf. 27.10; Pv lO.1ss.)

Quando a segunda parte do versculo ou da frase leva adiante a idia da


primeira, sem repeti-la com palavras diferentes, temos o assim chamado "para-
lelismo sinttico". 'Iambm este se constitui de dois ou trs membros, mas
dificilmente se percebe ainda o paralelismo do enunciado:
"Jav a minha luz e a minha salvao;
de quem terei medo?"
(SI 27.1; cf. 23.1; 1.3; 103.ls.; Is 40.31.)

Destas trs formas bsicas distinguimos ainda como caso especial o para-
lelismo parablico, onde as duas partes do versculo contm imagem e significado:

284
"Como um pai se compadece de seus filhos,
assim Jav se compadece dos que o temem."
(SI 103.11-13; 42.2; Is 1.3; 55.9-11; Pv 26.14 e outras.)
Versculos de trs membros costumam adotar o paralelismo escalonado -
tambm chamado de climtico, repetitivo ou tautolgico - , que repete algumas
palavras decisivas, mas avana o pensamento. Nesta forma se conservou repe-
tidas vezes a tradio vtero-oriental, anterior a Israel.
"Mais que o estrondo das guas torrenciais,
mais imponente que a ressaca do mar,
imponente Jav, nas alturas."
(SI 93.3s.; 24.7s.; 29.ls.; cf. 92.10 e outras.)
Raramente encontramos os assim chamados "versculos curtos", que no apre-
sentam mais nenhum paralelismo, mas que podem ter sido reunidos em sries similares
(SI 111s.; talvez tambm sries de preceitos legais como o Declogo).
Ocasionalmente versculos so juntados, formando "estrofes" que se des-
tacam umas das outras por meio de um refro (SI 42s.; 46; Is 9.7-29; 5.25ss. e
outras). - No acrstico alfabtico as iniciais dos versculos ou das "estrofes"
correspondem ordem alfabtica (SI 9s.; l11s.; 145; Na 1; Lm 1-4 e outras).
Este recurso estilstico funciona como tcnica mnemnica? Ou pressupe a
transmisso em forma escrita do salmo, visto que o acrstico percebido muito
mais na imagem escrita do que na recitao oral?
Sem dvida a poesia hebraica tambm apresenta uma estrutura mtrica; esta se
baseia numa sucesso determinada de slabas tnicas e tonas - no numa ordem certa
de slabas longas e curtas. Segundo uma acepo, o assim chamado "sistema alternan-
te' " slabas tnicas e tonas se alternam quase que regularmente; segundo o sistema
mais livre e, por isso, certamente o mais apropriado, o assim chamado "sistema
acentuante", podem seguir vrias slabas tonas a uma slaba tnica.
Como a pronncia do hebraico mudou no decorrer do tempo e raramente temos
metros puros, difcil chegar a uma concluso totalmente convincente sobre o contro-
vertido problema da mtrica.

2. Desde tempos remotos cantava-se em Israel nas mais diversas situa-


es, eventualmente com acompanhamento instrumental (x 15.20s.; Nm
21.17s.,27ss.; Jz 5; 2 Sm 1.17ss.; cf. Am 5.23 e outras). Enquanto que nos livros
histricos Davi j considerado cantor (2 Sm 1; 22s.) e Salomo, autor de
provrbios e cnticos (l Rs 5.12), a metade do Saltrio atribuda a Davi e dois
salmos (72; 127) a Salomo.
Certamente ainda continua aberto a vrias interpretaes o ttulo l'dawid: "de ou
para Davi". Este ttulo, sem dvida, indica a origem do salmo somente quando vem
acompanhado de indicaes mais precisas sobre a situao em questo (SI 18; 51 e outras).
Todavia, as observaes histricas introdutrias foram acrescentadas pos-

285
terionnente e so, portanto, de pouco valor histrico; elas revelam menos sobre
a origem do salmo do que sobre a compreenso do mesmo no tempo em que
foi compilado o Saltrio. "Jav o meu pastor" (SI 23) um salmo de
confiana que dificilmente provm da poca davdica, nem o SI 90 uma
"orao de Moiss". As historizaes secundrias, que ainda aumentam na
Bblia grega, se devem a uma inteno interpretativa que busca situar os salmos
numa situao apropriada na histria de Israel (compare S151.6 com 2 Sm 12.13).
Uma srie de salmos so atribudos a guildas de cantores levticos que
atuavam junto ao templo ps-exlico, como acontece com os SI 50; 73-83,
atribudos a Asafe (cf. 1 Cr 15.17,19). Um grupo de doze salmos (42-49; 84s.;
87s.) faz parte do "hinrio" dos coretas (filhos de Cor), destinados a louvar
"a Jav, Deus de Israel, em voz alta sobremaneira" (2 Cr 20.19; cf. 35.15; 1
Cr 9.19,31). Dificilmente devemos ver nestes cantores do templo os autores,
mas antes os transmissores dos salmos. Da mesma maneira como os ditos
profticos foram complementados mais tarde, decerto tambm as canes mais
antigas foram retocadas em tempos mais recentes.
Os salmos podem ser enquadrados de acordo com os ttulos ou com
palavras-chaves (salmos de entronizao, salmos de aleluia) em colees meno-
res ou maiores (v. abaixo o quadro geral). Vrias duplicaes demonstram que
estas colees originalmente existiam independentemente umas das outras e s
mais tarde se agregaram (SI 14 = 53; 40.14ss. = 70 e outras).
Por quatro vezes, encontramos a doxologia: "Bendito seja Jav ..." no
final de uma coleo (no [mal do SI 41; 72; 89; 106). Esta doxologia permite
entender o Saltrio, pelo menos a posteriori, como uma composio constituda
por cinco livros, em analogia ao Pentateuco. O SI 150 pode ser considerado,
ento, o hino de louvor [mal. Em contrapartida, a bem-aventurana do SI 1 e o
salmo rgio (SI 2), decerto interpretado de forma escatolgica, foram colocados
antes do primeiro livro, que contm o extenso e relativamente antigo saltrio de
Davi (3-41). O segundo livro e uma parte do terceiro contm o assim chamado
"saltrio elosta" (42-89). Este saltrio rene diversas colees menores e
utiliza a designao Elohim, "Deus", em substituio ao nome Jav. Ser que
aqui o terceiro mandamento entendido no seu sentido rigoroso ou ser que se
quer ressaltar - como em outra literatura mais recente (Crnicas, J) - a
diferena entre Deus e o ser humano?
Estnitum do Saltrio
Primeiro livro: SI 1-41
com doxologia final: 41.14
SI 1: Introduo de todo o Saltrio:
"Bem-aventurado" ser aquele que l o escrito (o Saltrio).
SI 2: Salmo rgio, decerto considerado antigamente como SI 1 (cf. At
13.33) e interpretado de forma escatolgica.

286
SI 3-41: Primeiro saltrio de Davi
SI 3-41 (sem 33): "De Davi"
Segundo livro: SI 42-72
com doxologia final: 72.18s.
'Ierceiro livro: SI 73-89
com doxologia final: 89.53
SI 42-83: Saltrio elosta
constitudo de trs colees parciais (a-c);
a) SI 42-49: "Dos coteitss"
Percebem-se pelas observaes complementares os seguintes sub-
grupos: SI 42-45; 46; 47-49
Adendo: SI 50: "De Asafe"
b) SI 51-72: Segundo saltrio de Davi
Para ser mais preciso, trata-se de SI 51-65; 68-70 (conforme a
LXX tambm: 67; 71): "De Davi"
Percebem-se 'pelas observaes complementares os seguintes sub-
grupos: SI 52-55; 56-60; 62-64; 65 + 67s.
Adendo SI 72: "De Salomo" (cf. SI 127; 1 Rs 5.12)
Eplogo de SI 72.20: "Findam as oraes de Davi, filho de Jess."
c) SI 73-83: "De Asafe"
SI 84-89: Adendo ao saltrio elosta
SI 84s.; 87s.: "Dos coretas"
SI 86: "De Davi"
SI 88 tambm: "De Hem, o ezrata"
SI 89: "De Et, o ezrata" (cf. 1 Rs 5.11; 1 Cr 15.17ss.)

Quarto livro: SI 90-106


com doxologia final: 106.48 (= I Cr 16.36)

Quinto livro: SI 107-150


com doxologia final: SI 150 (v. 6)
SI 90: "Orao de Moiss" (cf. Dt 32s.)
SI 93; 96-99; 47: assim chamados salmos de entronizao
SI 104-106; 111-117 (sem 114?); 135; 146-150: salmos de "aleluia" com o ttulo ou o
fim "Aleluia" ("Louvai a Jav"), concebido como resposta da co-
munidade; cf. 106.48)
Assim chamado Hallel: SI 113-118 (recitado na Pscoa e por ocasio
de outras festas)
SI 108-110; 138-145: "De Davi"
SI 120-134: Cnticos de "peregrinao" ou "graduais".
Salmos isolados, como o assim chamado Salmo da Lei 119 (cf. 1; 19)
A traduo grega rene por duas vezes dois salmos num s (com justa razo, SI
9s.; SI 114s. por equvoco) e desdobra dois outros salmos (116; 147). Desta forma varia
a contagem na Septuaginta, em geral inferior em um nmero.

287
3. Desde o comeo os salmos foram analisados sob pontos de vista
bastante divergentes:
A interpretao escatolgico-messinica j aparece nos primrdios do
judasmo e desde cedo foi adotada na Igreja, mas encontra pouco apoio no
prprio texto. Certamente os salmos contm enunciados sobre o futuro, mas
mesmo em textos que estamos tentados a interpretar no sentido escatolgico,
devido ao seu horizonte universal (como os SI 96ss.), faltam as frmulas
caractersticas para as promessas profticas como: "naquele dia" ou algo semelhante.
No sculo XIX se imps a interpretao histrica, que tenta interpretar os
salmos a partir da suposta poca de surgimento. Todavia, dificilmente os salmos
do a conhecer um contexto ou local histrico especfico, porque expressam a
situao concreta numa linguagem genrica, tpica, caracterizada pelo uso de
frmulas. No refletem nenhum destino individual nico, mas acontecimentos
tpicos, exemplares, de forma que o mesmo salmo pode ser repetido em uma
situao distinta e serve para exprimir o prprio lamento ou louvor. Por isto as
dataes dos salmos por via de regra so muito incertas e polmicas. S o SI
137- "s margens dos rios de Babilnia ns nos assentvamos e chorva-
mos" - aponta seguramente para a poca do exlio. Contudo, no podemos
considerar sistematicamente todos os outros salmos ps-exlicos (cf. o comen-
trio de B. Duhm), nem em bloco, pr-exlicos. Temos, antes, de contar com
salmos pr-exlicos (p. ex. SI 2; 24; 29; 45-48; 93; 110) e ps-exlicos.
Com base no mtodo da histria das formas (criado por H. Gunkel, se
bem que houvesse precursores; v. abaixo 4), S. Mowinckel elaborou a interpre-
tao histrico-cultuaI. Compreendeu os salmos como cantos clticos e o culto
como um drama sagrado, consistindo o evento central numa festa de entroniza-
o. Mas a interpretao cltica continua ainda muitas vezes incerta, porque os
pontos de referncia so frgeis demais e nossos conhecimentos sobre o culto
a Deus em Israel, reduzidos demais (x 23. 14ss. e outras), para podermos
relacionar ambos os aspectos.
Embora os salmos sejam na sua maioria lamentos ou splicas, foram definidos
pelos ttulos e pelas doxologias intercaladas como "cnticos de louvor". Esta a razo
por que se caracterizao Saltrio como "hinrio da comunidade do segundo templo" (J.
Wellhausen). Mas os prprios salmos dificilmente foram aproveitados, mais tarde,
exclusivamente como cnticos no culto (pblico); eram tambm oraes "pessoais",
individuais (cf. as Lamentaes de Jeremias). Em todo caso, devemos distinguirentre a
primeira localizao e a segunda localizao, entre o surgimento e o posterior aprovei-
tamento do salmo - dentro do contexto do culto ps-exlico, como tambm na coleo
dos salmos.
A interpretao estilstico-literria (M. Weiss e outros) busca ver em cada
salmo uma obra de arte singular, uma unidade em termos lingstico-estruturais.
Mas o peso da tradio no ignorado quando ela considerada mera matria-
prima a ser forjada pela criatividade do poeta?

288
A interpretao na perspectiva da histria da tradio mostra bons resul-
tados em relao ao Pentateuco, ao explicar o texto a partir de sua formao
gradativa no decorrer da histria e ao buscar destacar diversas camadas, sejam
estas orais ou literrias, a partir dos seus respectivos contextos. Mas a aplicao
desta metodologia aos salmos ainda se encontra no estgio inicial.

4. No culto cristo se conservaram em breves frmulas litrgicas as duas


categorias principais que os salmos usam para falar de Deus: o hino, que se
refere a Deus na terceira pessoa (hallelu-ya, "louvai a Jav!' '), e a splica que
se dirige diretamente a Deus: (kyrie-eleison, "Senhor, tem piedade!")
a) Como "forma bsica mais simples e importante do hino [salmo de
louvor] israelita" (F. Crsemann) temos o cntico de Mriam, que celebra a
vitria de Jav sobre os perseguidores egpcios:
"Cantai a Jav, pois bem alto se ergueu
[ou exaltado ele est],
e precipitou no mar o cavalo e o condutor [de carro de combate]." (x 15.21.)
H o convite, dirigido a um grupo, para que cante ou louve, a que segue
a parte principal, introduzida por ki, "pois". Esta parte principal constitui ao
mesmo tempo a fundamentao para a convocao ao louvor e o contedo desta
mesma convocao, pois louvar a Deus significa recontar seus feitos. Esta dupla
estrutura, o convite e a parte principal, reaparece mais tarde em extensos hinos,
ampliada e distendida de maneira variada (SI 33; 100; 145-150 e outras). Estes
hinos podem adotar, por exemplo, o estilo participial, peculiar dos hinos (104.2ss.;
136.3ss. e outras) ou encerrar, em analogia ao chamado introdutrio, com um
convite ao louvor (103.20ss.; 136.26 e outras). Ocasionalmente se louva a
atuao de Deus na histria (SI 135s. e nos assim chamados "salmos histri-
cos" 105s.; 114; 78), com maior freqncia, porm, o poder criador de Deus e
sua benignidade (SI 96 ou nos assim chamados "salmos de natureza" 8; 19A;
104; cf. 24.1s.; 29), como acontece na frmula:
"porque ele bom;
a sua misericrdia dura para sempre"
(SI 106.1; 107.1; 118.1ss.; 136.1 e outras).

Nos hinos escatolgicos o profeta Dutero-Isaas j conclama o povo a se


alegrar com os feitos futuros de Deus (v. acima 21,2d; cf. Zc 2.14; 9.9s. e
outras). Mas tambm o indivduo pode se animar a si mesmo: "Bendize,
minha alma, [isto , meu eu] a Jav!" (SI103s.; 146; 8; x 15). Em tais formas
individuais o hino paulatinamente se desprende de seu Sitz im Leben original
no culto (SI 135.1s. e outras)?
b) Enquanto que o hino se dirige com seu apelo primordialmente
comunidade, a lamentao se volta a Deus, constituindo no fundo, portanto,

289
uma orao: hosianna - "ajuda (meu Deus)!" (SI 3.8 e outras), "Senhor,
lembra-te, s clemente, perdoa!" (Jz 16.28; Am 7.2; tambm 1 Rs 18.26 ou,
em sentido profano, 2 Sm 14.4 e outras). A splica, junto com a invocao de
Deus, o cerne da lamentao, de modo que seria mais apropriado falar de
"cntico de splica". A designao "lamentao" provm da justificativa que
acompanha a splica, que consiste num relato da situao vigente, portanto um
lamento sobre a aflio.
"No h um nico salmo de lamentao que se limite ao lamento. A lamentao
no tem sentido em si mesma (...), pois no se trata de exibir o prprio sofrimento e
comiserao consigo mesmo, mas de acabar com o sofrimento (...). A verdadeira funo
da lamentao lanar um apelo mediante o qual o sofrimento saia de si mesmo e se
coloque diante daquele que pode terminar com ele. Vista desta maneira, a lamentao
como tal constitui um movimento em direo a Deus." (C. Westermann, Forschung am
Alten Testament tt. 1974, pp. 255 e 261).
Assim, a forma completa da lamentao consta essencialmente de trs
partes: invocao, lamento e splica. Porm costumam se ajuntar a estes ingre-
dientes bsicos outros elementos estruturais (a seguir designados pelas alneas
a) at e)), sem que se possa determinar rigorosamente a sua seqncia. Na sua
estrutura as lamentaes do povo ("ns") e do indivduo ("eu") se assemelham:
1. Invocao de Deus, muitas vezes acompanhada por uma splica ou pergunta breve:
"Por que nos rejeitas, Deus, para sempre?" (SI 74.1.)
"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (22.1.)
"Das profundezas clamo a ti, Jav!" (130.1.)
a) Aluso atuao salvfica anterior de Deus no passado, em especial ao xodo.
"Remiste" (74.2; cf. 44.2-4; 85.2-4; Is 51.9s.)
2. Lamento ou queixa como descrio da aflio ou necessidade: doena, culpa, perse-
guio por inimigos, abandono por Deus - com as perguntas tpicas: "por que, at
quando?"
"Por que diriam as naes: onde est o seu Deus?" (SI 79.10; 115.2.)
"At quando me esquecers, Jav?" (13.2.)
Dependendo do sujeito da orao, o lamento pode ser dividido em trs elementos (C.
Westermann): os inimigos - ns/eu - tu (cf. B.2s.).
b) Protesto de inocncia
"Sondas-me o corao, (...) e iniqidade nenhuma encontras em mim." (17.3.)
c) Manifestao de confiana ou declarao de confiana
"Tu, porm, Deus, s meu rei desde a origem." (74.12.)
"Quanto a mim, confio na tua graa!" (13.6; cf. 22.1Os.; 28.7; 71.6.)

290
Como a retrospectiva histrica (a), a manifestao de confiana (c) contm ao
mesmo tempo motivo para a interveno de Deus.
3. Splica
"Restaura, Jav, a nossa sorte!" (126.4; cf. 80.15.)
"Cria em mim, Deus, um corao puro!'" (51.12s.)
d) Voto que promete louvor e ao de graas aps a salvao
"Para sempre te daremos graa." (79.13.)
"Eu, porm, renderei graas a Jav (...) e cantarei louvores ao [seu] nome." ([7.17]
7.18; 13.6.)
e) Certeza de atendimento
splica pode seguir um orculo de salvao. Desta resposta, proferida por um
sacerdote ou profeta, s restaram raros vestgios nos salmos (12.6; 60.8ss.; 85.9ss.;
107.19s.; 119.25,81; 1 Sm 1.17; Lm 3.57; cf. tambm a resposta que o prprio
salmista encontra em SI 42.6,12 ; 130.5), explicitamente, porm, na mensagem do
Dutero-Isaas (cf. Is 50.4; v. acima 21.2a).
Tal orculo de salvao parece que pressuposto onde a lamentao termina com
uma "inverso no estado de esprito" do salmista, a certeza do atendimento da
orao por parte de Deus:
"Afastai-vos de mim, malfeitores todos:
Jav escutou a voz do meu pranto!" (SI 6.9ss.; cf. 28.6ss.; 56.10ss. e outras).
J lamentaes babilnicas apresentam uma estrutura similar, com moti-
vos anlogos; decerto Israel a conheceu por intermdio dos cananeus. No mais
se percebem ainda diversas relaes dos lamentos israelitas com oraes vtero-
orientais. A peculiaridade dos salmos veterotestamentrios que tanto a comu-
nidade como tambm o indivduo se dirigem na aflio, em aplicao concreta
do primeiro mandamento, somente a Jav, invocando apenas o seu auxlio. Ele
o mdico verdadeiro (x 15.26),que mata e vivifica (l Sm 2.6; Dt 32.39 e outras).
Tanto o hino como tambm a lamentao tinham originalmente seu espao
no culto. A lamentao do povo era recitada em cerimnias pblicas de luto
nacional. Convocava-se o povo para este "jejum" por ocasio de conflitos
blicos, de uma catstrofe natural ou por outro motivo (l Rs 8.33ss.; 21.9ss.; Jr
36.9; Jn 3.5; Jl 1.5ss.). Depois da destruio do templo em 586 a.c. tambm se
realizavam regularmente dias de "jejum" comemorativos (Zc 7.3ss.). Assim
talvez se explique que as lamentaes do povo na sua atual forma (SI 44; 74;
79s.; 83; 85; cf. Lm; Is 63.l5ss.; Dn 9) procedem em sua maioria da poca
exlica/ps-exlica.
Lamentaes individuais (SI 3; 5-7; 13; 22 e muitas outras) decerto se
originaram na maioria das vezes no culto. Mas elas podiam ser rezadas tambm
longe do santurio (SI 42s.), por um doente acamado (Is 38), p. ex. Como h
mltiplas ocasies para dirigir uma splica a Deus, as lamentaes dificilmente

291
tm um nico Sitz im Leben em comum. As diversas aluses a perseguies,
prises e doenas deixam entrever um pano de fundo especfico, como a
situao de um acusado (SI 7; 26 e outros) ou de um entenno (SI 38s.; 41 e
outras) e as instituies de direito sacro correspondentes, como o ordlio ou o
procedimento para a reintegrao do doente (cf. por ltimo W. Beyerlin, K.
Seybold). Entretanto, os salmos por via de regra no so suficientemente con-
cretos, mas genricos e tpicos demais para possibilitar uma concluso inequ-
voca. Em ltima anlise, as lamentaes pedem pelo restabelecimento da co-
munho com Deus.
Independentemente de quais tenham sido as situaes concretas de ori-
gem, tanto as lamentaes do povo como as do indivduo podem transcend-las
e lamentar a situao humana em geral diante de Deus, como o faz o SI 90,
quando deplora a transitoriedade do ser humano (cf. 103.14ss.; 104.29s. e
outras). Nos sabnos de penitncia (51; 130; 32; cf. 6; 38; 102; 143) passa para
o primeiro plano a confisso do pecado, acompanhada de uma splica por
perdo, que substitui a lamentao sobre a tribulao.
Podemos entender o salmo de ao de graas como conseqncia da
lamentao. Agradece aquele que se lamentou e prometeu na aflio: "Eu,
porm, renderei graas a Jav" ([SI 7.17] SI 7.18; v. acima alnea d)). Depois
que experimentou sua salvao, o salmista expressa sua gratido durante o
sacrifcio, junto ao santurio: "Cumpro meus votos feitos a ti." (SI 66.13; cf.
116.17; 118.19; Jn 2.10.) Todavia, o cntico de ao de graas pode tambm se
desvincular do sacrifcio de agradecimento ou at substitu-lo (ambos se cha-
mam em hebraico toda; Am 4.5; SI 50.14). Como o lamento individual, tambm
o cntico de ao de graas se dirige a Deus:
"Render-te-ci graas;
porque me acudiste." (SI 118.21; cf. Is 12.1; Jn 2.3.)

Cerne do salmo de ao de graas o relato do agir redentor de Deus (SI


40.2ss.) diante da comunidade ou dos convidados (22.23ss.; 66.16; 116.18s.;
118.17). A confisso transmitida para que outros possam fazer experincias
similares. Costuma-se ampliar o relato dos cnticos de ao de graas (30; 32;
41; 66. 13ss.; 116; 118; Is 38.lOss.; Jn 2.3ss.; cf. SI 18 sobre o rei) com uma
retrospectiva, introduzindo a dimenso da aflio e da lamentao.
Visto que o hino ("Bendizei a Jav; pois...") e o cntico de ao de graas
("Render-te-ei graas; pois...") tm estrutura e provavelmente tambm origem diferen-
tes, no aconselhvel reunir ambos os gneros (como faz C. Westermann): o do louvor
descritivo e o do louvor narrativo, em uma s categoria, a de "louvor" (cf. F. Crse-
mann). No h consenso se h realmente tambm cnticos de ao de graas do povo
(SI 124; 129).
Enquanto o cntico de ao de graas nasce do juramento de prestar

292
louvor, contido na lamentao, o cntico de confiana desenvolve a manifesta-
o de confiana: "O Senhor quem me sustenta a vida." ([SI 54.4] SI 54.6.)
A manifestao de confiana, um elemento estrutural (v. acima c)) da lamenta-
o ou tambm da ao de graas, se emancipou no salmo de profisso de
confiana individual (23; 27) ou tambm coletiva (125; 46 e outras). Porm
ressoa ainda o fundo temtico da calamidade ou aflio, de modo que a
confisso no perde seu vnculo com a realidade, nem contradiz s aparncias:
"Jav o meu pastor: nada me faltar (...).
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, no temerei mal nenhum." (SI
23.1,4.)

c) Trs grupos de salmos, que podem estar correlacionados entre si: os


salmos rgios, os salmos de Sio e os salmos de entronizao, diferem mais por
critrios temticos e da histria da tradio do que por critrios relacionados
com a histria da forma.
Os salmos rgios (2; 18; 20s.; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144) variam
muito na sua forma, estrutura e decerto tambm no seu Sitz im Leben. "Sua
unidade interior" se deve simplesmente "ao fato de que todos tratam de reis"
(H. Gunkel). Trata-se, no caso, do soberano que est no governo, em regra um
davidida (o cntico nupcial SI 45, porm, vem do Reino do Norte?). Todavia,
os salmos contm to poucas referncias concretas e contemporneas e esboam
com tamanha intensidade uma imagem do "soberano ideal" (justia, longa
vida, poder universal; cf. 2cI), que foi fcil para a poca posterior interpretar
os salmos em sentido escatolgico-messinico.
"Deus e no o rei est em primeiro plano. Como, ao que parece, no houve
cnticos nem de glorificao do rei nem autoglorificao do rei, fala-se nos salmos
litrgicos referentes ao rei menos de sua fora e de seus feitos do que daquilo que Deus
lhe promete, do que pede a Deus e daquilo por que lhe agradece." (G. Fohrer,
Einleitung in das AT, pp. 29Is.)
Esta dependncia do rei se expressa, p. ex., no fato de que lhe so
atribudas a dignidade filial e a soberania apenas mediante uma palavra prof-
tica de Deus (SI 2; 89; 110) e ainda no fato de que o rei necessitada orao ou
da intercesso (SI 20s.; 72; 144). J que no se esquece a condio humana do
rei (89.48s.; 144.3s.), facilmente se transferem os predicados reais a qualquer
outra pessoa, ocorrendo a assim chamada "democratizao" (SI 8).
Os salmos de Sio, formalmente parecidos com os salmos de confiana
do povo (SI 46; 48; 76; cf. 87; 84; 122; 132; 137.3), celebram o lugar onde
habita Deus: o Sio. J os profetas assumem um posicionamento crtico em
relao concepo da inexpugnabilidade da "cidade de Deus" ( Is 28.15ss.;
Mq 3.11s.) - tambm diante do ataque do mar e dos povos (tambm Is

293
17.12ss. e outras). Ser que os salmos de Sio pressupem um ritual litrgico
associado a uma procisso (SI 48. 13s.; 46.9)?
Mais importante esta pergunta para a compreenso dos assim chamados
salmos de entronizao ou salmos do rei Jav (47; 93; 96-99), que proclamam
o reinado de Deus: "Jav se tornou rei" ou, como tambm podemos traduzir,
"Jav governa como rei" (93.1; 96.10 e outras). Ser que dentro do enfoque
do SI 47 (vv. 6,9) esta exclamao no sugere uma cerimnia cltica, uma vez
que se realizava uma cerimnia similar por ocasio da entronizao do rei
terreno (2 Sm 15.10; 2 Rs 9.13)? Em analogia com a festa babilnica do Ano
Novo, quando eram comemorados o combate contra o caos, a criao do
mundo e a entronizao do deus Marduque, S. Mowinckel (1922; alis, antes
j P. Volz, 1912) inferiu uma festa de entronizao de Jav como parte da festa
do outono, tese at hoje defendida por uns e veementemente contestada por
outros. O texto no permite que se faa uma reconstituio convincente do
drama cultual; mas pelo menos podemos imaginar que havia uma procisso
com a arca, onde se aclamava Deus como rei (cf. SI 24.7ss.), ao ingressar-se
no santurio. Embora a datao destes salmos seja problemtica, Dutero-Isaas
(Is 52.7-10) pressupe, na poca do exlio, a tradio dos salmos de entroniza-
o. Tambm parece que os SI 47; 93 so antigos, enquanto que os SI 96-99
so mais recentes, talvez at ps-exlicos. Este grupo de salmos tematiza a
decisiva confisso do reinado universal de Deus, vinculado fidelidade de Deus
para com seu povo (93.5; 98.3; 99.4ss.).
Como aqui e acol transparece nestes trs grupos de salmos um rito cultual (SI 2;
110; 46-48), tambm outros salmos contm elementos litrgicos (SI 115; 121; 134 e
outras). Podem-se distinguir concretamente liturgias de entrada por ocasio do ingresso
no templo (SI 15; 24; cf. Mq 6; Ez 18), liturgias de ao de graas (SI 107; 118) ou
discursos profticos de tribunal no culto (50; 81; cf. 95; 82). De forma similar se
refletem em textos profticos (como Jr 14; Mq 7) celebraes cultuais.
Outros salmos (112; 127s.; 133) contm na sua linguagem e no seu contedo
elementos sapienciais. Estes elementos tambm caracterizam os assim chamados salmos
de lei: 1; 119 (19B), que elogiam o caminho do justo; o SI 73 (37; 49), que reflete sobre
o destino do justo face ao "fim" dos mpios, e o salmo histrico 78. Elementos
sapienciais, porm, se encontram em muitos outros textos - por exemplo, na splica:
"Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos corao sbio!" (SI 90.12;
cf. 32.8ss.; 111.10 e outras).

294
26
CANTARES [CNTICO DOS CNTICOS],
LAMENTAES, RUTE E ESTER

Os trs livros poticos - Cantares [Cntico dos Cnticos], Lamentaes,


Eclesiastes [Cohlet/Pregador] - (v. abaixo 28) e as duas narrativas em
prosa, Rute e Ester, que nas nossas Bblias esto dispersos entre os livros
histricos (Rt, Et), poticos (Ec, Ct) e profticos (Lm), esto reunidos na Bblia
hebraica num grupo s: os cinco meguilJot ou "rolos" festivos. Desde o
princpio o livro de Ester esteve vinculado festa de Purim; tambm as
Lamentaes decerto eram desde cedo entoadas em cerimnias de lamentao. Mas
s a partir da Idade Mdia existe o aproveitamento litrgico tambm dos outros livros:
Cantares, na Pscoa; Rute, na Festa das Semanas (Pentecostes); Lamentaes,
na cerimnia comemorativa da destruio do templo; Eclesiastes, na Festa das
Tendas (Tabernculos) ou na festa do outono e Ester, na festa de Purim. Em
parte os cinco livros esto organizados nesta seqncia, que corresponde
sucesso sazonal das festas, em parte, porm, tambm esto ordenados de
acordo com critrios (supostamente) cronolgicos, de modo que o livro de Rute,
cuja ao se desenrola no tempo dos juzes, est no comeo. que na terceira
parte do cnone, nos "escritos", ainda se percebe certa liberdade (v. acima la).

Cantares (como tambm Rute e Eclesiastes) mostra claramente como a


relao interna dos livros com as festas pode ser reduzida.

1. Interpretou-se de forma bastante variada o "cntico dos cnticos", isto


, o cntico que supera todos os outros, Cantares, apesar de sua linguagem
natural: a) em analogia s falas metafricas dos profetas (Os 1-3; Jr 2; Ez 16;
23; tambm Is 5) a interpretao alegrica transfere o relacionamento entre
amantes ou noivos, celebrado nos cnticos, ao relacionamento de Jav com
Israel. Esta interpretao, que remonta aos primrdios do judasmo, foi modifi-
cada pelo cristianismo no sentido de o relacionamento entre amantes ser enten-
dido como o relacionamento de Cristo com a igreja ou tambm com a alma
piedosa ou algo parecido. Porm o significado literal do livro dificilmente
oferece subsdios para tal compreenso. b) A interpretao cltico-mtica enten-
de os cnticos no seu sentido original, mais ou menos obscuro atualmente,
referindo-se relao entre um deus e uma deusa; no segundo plano estaria o

295
ritual do casamento sagrado (no culto de Ishtar-Tamuz), que no mnimo teria
influenciado a linguagem utilizada. Certamente h, s vezes, afinidades lings-
ticas com textos cltico-mticos; mas no seu todo Cantares no se explica seno
de forma forada a partir deste contexto. c) A interpretao "natural", literal,
compreende Cantares como uma coleo de diversos cnticos de amor original-
mente independentes. A estrutura geral no mostra uma unidade coesa, direcio-
nada a um objetivo, nem apresenta um enredo dramtico. Ela foi elaborada
posteriormente, como tambm acontece com a redao dos livros profticos, e
s ocasionalmente apresenta motivos temticos, sendo em regra mais acidental,
utilizando-se, p. ex., da associao por palavras-chave (W. Rudolph).
Qual foi o Sitz im Leben dos cnticos de amor e o que motivou a sua
transmisso? Celebram o "amor livre"? A maioria, seno todos os cnticos
devem ter sido entoados por ocasio da cerimnia nupcial, que durava vrios
dias e era acompanhada de msica, dana e folguedos. Celebravam, portanto, o
relacionamento entre o noivo e a noiva (cf. 4.9ss.; 1.2ss.; 2.4ss.). Nesta oportu-
nidade o noivo pode ser tratado como "rei", como ainda documentam cnticos
rabes recentes, podendo ser at comparado a Salomo (1.4,12; 3.11; 6.8s.;
8.11s.). Talvez o nome Sulamita sugira que a noiva seja princesa, da casa de
Salomo (7.1s.). Tambm vrios traos isolados podem ser entendidos como
costumes nupciais, documentados no no AT (cf. Gn 29.2lss.; Jr l6.8s.; do rei:
SI 45), mas em poca mais recente.
Cnticos descritivos celebram a graa e o fascnio da mulher: "Como s
formosa, querida minha, como s formosa!" (4.1ss.; 6.4ss.; 7.lss.; tambm do
homem: 5.lOss.). O texto est repleto de comparaes e aluses. Assim, vinhas
e jardins so smbolos para a mulher (2.15; 4.12), ou colher, comer, beber
significam o gozo do amor (4.16s.; 8.2; cf. 7.3). Surpreende quantas vezes a
prpria mulher tem a palavra: "A vinha, porm, que me pertence no a
guardei" (1.6); "O meu amado meu, e eu sou dele" (2.16; cf. 6.3; 8.6). Em
parte fala o homem; vez por outra se entabula um dilogo (1.15s.).
Como mostra a linguagem, os cnticos provm da poca ps-exlica,
decerto do meio circundante de Jerusalm (3.lOs. e outras), mas contm mate-
rial traditivo mais antigo, da poca da monarquia. J as comparaes do noivo
com Salomo devem ter levado atribuio da coleo a esta personagem
modelar. Como se via tambm em Salomo o mestre da sabedoria e, ao mesmo
tempo, o autor dos livros de Provrbios e Eclesiastes (cf. 1 Rs 5.12), talvez se
possa concluir da que h uma correlao - perceptvel tambm em algumas
expresses distintas - entre Cantares e a literatura sapiencial. que os cnticos
de amor no parecem reproduzir o linguajar simples do povo; so obras artsti-
cas, poticas, que - de modo similar aos salmos - no tm uma orientao
individual, mas exemplar, tpica: devem ser cantadas.
E. Wrthwein resume a sua opinio sobre o surgimento dos cnticos afirmando

296
,'que os poemas de Cantares representam cnticos artsticos que surgiram em crculos
de sbios ps-exI1icos jerosolirnitas e eram destinados a ser recitados por ocasio das
festas nupciais, que em geral duravam sete dias" (Handbuch zum Alten Testament 1/18,
1969, p. 34).

Mais tarde, quando Cantares j fora enquadrado no cnone entre os


"escritos" (graas autoridade de Salomo), a sua compreenso "natural"
pareceu escandalosa. Ser que a interpretao alegrica tentou eliminar este
aspecto? Por si s Cantares fala com alegria espontnea da beleza do ser
humano e tambm da beleza da natureza (2. llss.), e, por conseguinte, da
criao - e isto no legtimo teologicamente?

2. As Lamentaes so de bem outra natureza: o sentimento bsico que


as transpassa de pesar; no so "profanas", mas lamentos proferidos diante
de Deus. Descrevem asituao depois da grande catstrofe de 587 a.c., quando
Jerusalm e o templo foram destrudos (2.6ss.), o rei, "o flego da nossa vida,
o ungido de Jav, foi preso" (4.20) e o pas, "a nossa herana, passou a
estranhos" (5.2). Na forma e nos motivos os cnticos combinam caractersticas
da lamentao do povo (sobretudo o capo 5; cf. SIM e outras, V. acima 25,4b)
com elementos da qina ou elegia, que contrape o passado glorioso ao presente
desolador e costuma ser introduzida por um "ai!":
,'Ai, como jaz solitria a cidade, outrora populosa!
Tomou-se como viva, a que foi grande entre as naes (...).
Todos os seus amigos a traram, tomaram-se seus inimigos."
(1.1s.; cf. 2.1; 4.1; Is 1.21ss.)
Esta estrutura deu aos cantos o seu nome: ou "ai", em hebraico eha, por
causa da introduo, ou qina, de acordo com seu gnero, ou tambm "livro"
ou "rolo das lamentaes". Os quatro primeiros captulos contm cada um 22
estrofes; e cada estrofe tem trs ou (no capo 4) duas linhas. Todas as estrofes
comeam com uma letra diferente do alfabeto (cf. acrsticos alfabticos seme-
lhantes em SI 9s. e outras; v. acima 25,1). A lamentao coletiva mais breve,
no capo 5, no alfabtica, mas conta com 22 versculos, correspondendo ao
nmero de letras do alfabeto hebraico.
J esta forma mostra que os diversos cantos originalmente eram indepen-
dentes entre si e decerto s posteriormente foram compilados numa unidade
mais ou menos solta. Porm surgiram no mesmo espao geogrfico, provavel-
mente na Palestina e no na Babilnia, mais ou menos simultaneamente, a uma
distncia cronolgica varivel da catstrofe de 587. Ser que certas descries
(como 4.17ss.) at se baseiam na experincia de uma testemunha ocular? A
traduo grega e tambm a latina defmem melhor esta testemunha ocular, ao
inclurem as lamentaes no livro de Jeremias (o que ressoa nas nossas Bblias)
e atriburem sua autoria ao profeta (cf. 2 Cr 35.25). De fato, Jeremias est bem

297
familiarizado com a forma da lamentao (8.21s. e outras); mas, por razes
cronolgicas e de contedo, o profeta, que logo depois da catstrofe foi depor-
tado para o Egito, no entra em cogitao como autor. Tampouco se sabe se as
Lamentaes tm um ou mais autores. Mais claramente se infere seu Sitz im
Leben. Se as Lamentaes (sobretudo o capo 1) no foram elaboradas de
antemo para o culto, foram, em todo caso, logo usadas em cultos de "jejum"
ou de luto em que se relembravam periodicamente os acontecimentos terrveis
de 587 (Zc 7s.).
De forma similar Obra Historiogrfica Deuteronomstica, que profere
uma confisso de culpa na sua retrospectiva histrica a partir do exlio, as
Lamentaes tentam interpretar mediante a orao a situao vigente. Assumem
a denncia e o anncio de juzo do profetismo literrio sob a forma de confisso
de culpa:
"Fez Jav o que intentou; cumpriu a ameaa que pronunciou." (2.17.)
"Tomou-se o Senhor como inimigo, devorou Israel (...).
Rejeitou o Senhor o seu altar, profanou o seu santurio." (2.5,7.)
A ira de Jav trouxe a desgraa (2.1ss.; 3.43ss.), mas foi a prpria culpa
que a provocou: "Jerusalm pecou gravemente!" (1.8; cf. 1.13s.; 3.42; 4.6;
5.7,16). Grande parcela da culpa cabe aos profetas de salvao:
"Os teus profetas te anunciaram vises falsas e absurdas,
e no manifestaram a tua maldade, para restaurarem a tua sorte."
(2.14; cf. 4.13.)

Com esta acusao as Lamentaes concordam com a polmica dos


profetas literrios (Jr 23 e outras) e tambm reconhecem como justificadas as
acusaes profticas relacionadas com a poltica de alianas praticada por Israel
(4.17; 5.6s.).
Em meio misria, retratada nos seus pormenores, as Lamentaes invo-
cam a Deus (1.21; 2.18). Outro consolador no h (1.9,16s.,21). S aquele que
castigou, pode ouvir a splica e talvez atend-la. Assim a orao vive da
certeza: "O Senhor no rejeitar para sempre" (3.31; cf. 3.21ss.; 4.22), mas
ousa articular esta esperana apenas de forma velada na splica:
"Traze-nos de volta, Jav, para que sejamos como antes;
renova os nossos dias como dantes!
A no ser que nos tenhas rejeitado totalmente,
estejas enfurecido sobremaneira contra ns!" (5.21s.)

3. De lamentao e confiana em Deus no sofrimento tambm relata o


livrinho de Rute, embora o faa de maneira bem diferente, de forma narrativa.
A "novela" elaborada magistralmente em diversos episdios e conduz, num
grande arco, desde a amarga carestia inicial at o [mal feliz.

298
Vv. 1-7a Exposio: histria preliminar e situao.
Vv.7b-19a Dilogo entre Noemi e Rute. Deciso de Rute.
Vv. 19b-22 Lamentao na ptria, em Belm: Noemi, antes "a graciosa, formo-
sa", retoma, parecendo ser mais Mara, "a amargurada".
2 Vv. 1-17 Primeiro encontro entre Rute e Boaz no campo durante a respigadura.
Vv. 18-23 Rute fala deste encontro a Noemi.
3 Vv. 1-5 O plano de Noemi
Vv.6-15 Encontro de Rute e Boaz noite na eira.
Vv. 16-18 Rute relata a Noemi o que aconteceu.
4 Vv. 1-12 'Iratativas legais junto ao porto da cidade. Renncia do resgatador.
Vv. 13-17 Boaz casa com Rute. Nascimento do filho.
Vv. 18-22 Apndice secundrio. Lista genealgica (secundria) at Davi.
Na poca dos juzes a carestia obriga Elimeleque a emigrar com sua
mulher Noemi e os dois filhos de Belm para Moabe. Depois da morte do pai,
ambos os filhos casam com mulheres moabitas. Quando tambm os filhos
morrem, a desamparada Noemi pe-se a caminho de volta sua terra natal,
Belm. Suas noras, Orfa e Rute, querem acompanh-la, ao que Noemi reage,
insistindo que fiquem na terra delas. Enquanto que Orla volta "ao seu povo e
aos seus deuses", Rute mantm sua deciso de "apegar-se" a Noemi e com
isto, ao mesmo tempo, apegar-se a Jav:
,'Aonde quer que fores, irei eu,
e onde quer que pousares, ali pousarei eu.
O teu povo o meu povo, o teu Deus o meu Deus.
Onde quer que morreres, morrerei eu,
e a serei sepultada.
Faa-me Jav o que bem lhe aprouver -
apenas a morte h de me separar de ti." (1.16s.; cf. 2.12.)
Em casa, Noemi lamenta o destino amargo que Jav lhe reservou (1.13,20s.;
cf. J 1.21). Rute cuida do sustento de ambas as mulheres, fazendo uso do
direito dos pobres (Lv 19.9s.; 23.22; Dt 24.19) de rebuscar as espigas que
ficaram para trs nos campos j colhidos. Por acaso vai parar no campo de
Boaz, um parente de Elimeleque. Boaz acolhe com solicitude a estrangeira,
tratando-a como parente e desejando-lhe a bno de Deus (2.12). Quando
Noemi v quanto Rute conseguiu ajuntar, seu lamento se transforma em louvor
benignidade de Deus (2.20). Querendo arranjar um "lugar de repouso", isto
, um lar para Rute, Noemi lhe aconselha ir de noite ao encontro de Boaz na
eira (3.1; 1.9). L Rute lhe pede que cumpra a lei matrimonial de cunhado ou
a lei do levirato: "Tu s resgatador!" Segundo esta instituio legal (Gn 38; Dt
25.5ss.), o parente mais prximo de um homem que falece sem deixar filhos
obrigado a casar com a viva, sendo o primeiro filho considerado filho do
falecido (cf. 4.10). J que h um parente mais prximo, a quem cabe em
primeiro lugar cumprir o direito ou dever de resgate, Boaz espera at que

299
amanhea, para apresentar-se ento no tribunal dos cidados plenos, junto ao
porto da cidade (4.1ss.; cf. 2.1; v. acima 3b,3), corno intercessor a favor das
duas mulheres. Boaz prope ao parente em questo, na presena de dez ancios,
"resgatar" a terra de Elimeleque (cf. Lv 25.25; Jr 32.7ss.), isto , adquiri-la por
opo de compra e casar com a nora enviuvada. Quando o parente renuncia a
este direito, confirma a sua cedncia a Boaz, mediante o costume antigo de tirar
urna sandlia e entreg-la ao mesmo. Com isto Rute se toma esposa de Boaz.
Nasce-lhe um filho, que considerado filho de Noemi (4.13ss.). Por causa de
seu amor a Noemi, a nora estrangeira considerada "melhor do que sete filhos".
Segundo a lista genealgica [mal (4.l8ss.), o filho primognito de Rute,
de nome Obede, toma-se pai de Jess e, com isto, av de Davi. Esta genealogia,
que se refere ao passado remoto, estilisticamente estranha dentro do contexto
narrativo e foi emprestada de 1 Cr 2.5,9ss., certamente constituindo um acrs-
cimo. Significa isto que a histria foi vinculada s posteriormente com a famlia
de Davi? Objees crticas neste sentido, no entanto, devem levar em conta
tambm a escolha do nome de "Obede" (4.17b) e supor que a criana origi-
nalmente tivesse outro nome. Mas urna interpretao deste tipo no elimina o
escndalo que representa a meno de urna moabita entre os antepassados de
Davi? Alm disso, j a indicao introdutria da origem de Elimeleque aponta
para a ptria de Davi: Belm (na regio) de Efrata (l.ls.; cf. 1 Sm 17.12; Mq
5.1). Talvez tambm no seja mera coincidncia que os votos de felicidade das
mulheres aludam a um outro antepassado de Davi: Perez (4.12). Desta maneira
igualmente possvel que a genealogia mais recente s quisesse comentar
aquilo que a narrativa j sempre pretendeu mostrar.
De qualquer forma tais consideraes ainda no confrrrnam a historicidade
dos fatos, mas apenas expressam a inteno original da "novela". Os aconte-
cimentos ali relatados so para ela situados num passado remoto (Ll: 4.7). -
Se a narrativa ignora a proibio de os moabitas pertencerem comunidade de
Jav (Dt 23.4), ento a histria eventualmente ainda desconhece esta norma,
porque anterior ao Deuteronmio, proveniente ainda da poca da monarquia,
ou a desconsidera, porque de urna poca posterior. Fica difcil determinar a
idade exata do livrinho de Rute, porm mais provvel que tenha surgido em
poca mais recente, ps-exlica, aproximadamente na mesma poca da "nove-
la" de Jonas, que igualmente demonstra simpatia para com os estrangeiros.
A histria conta de urna conduta exemplar, de senso de dever, solicitude
e fidelidade (cf. l.8; 3.10) - certamente se referindo fidelidade na esfera
familiar, mas tambm fidelidade de urna estrangeira para com outra estran-
geira. Mas dentro e junto com a tornada de decises, o planejamento e a ao
das pessoas atua o desgnio oculto de Deus, que dirige, com sua bno, os
acontecimentos e oferece urna soluo (l.6,9; 2.12,20; 3.10; 4.11,13s.) para a
aflio e o sofrimento (l.13,20s.).

300
4. Muito mais reticente nas suas afirmaes teolgicas o livro de Ester,
igualmente uma "novela" constituda de diversos episdios. Sua ao se de-
senrola na corte persa em Sus. Os dois captulos introdutrios (1-2) apresentam
os protagonistas e criam as condies para a trama (caps. 3-9). O rei Assuero
(isto , Xerxes I, 485-465 a.C) repudia sua esposa Vasti porque esta se recusa
a comparecer a um banquete (cap. 1). Quando se procura ento uma sucessora
para ela entre todas as jovens bonitas do pas, Ester, uma rf judia (que em
hebraico se chamava Hadassa, "murta"), cai nas graas do rei e elevada
condio de nova rainha. O primo e tutor de Ester, Mordecai, consegue alertar
o rei para uma conspirao que se est tramando contra ele; e os servios
prestados por Mordecai so registrados por escrito (cap. 2). Contudo, ele se
recusa a prostrar-se diante do favorito do rei, Ham. Chama a ateno que este
no persa, mas um agagita, isto , um membro da dinastia real dos amalequi-
tas, inimigos de Israel (x 17.8ss.; 1 Sm 15). A ento Ham pressiona para que
seja promulgado um edito de que num dia determinado por sorteio, no dcimo
terceiro dia do ms de Adar, todos os judeus devem ser exterminados em todo
o imprio persa (cap. 3). Informada por Mordecai e disposta, aps alguma
hesitao, a interceder junto ao soberano (cap. 4), Ester convida o rei e Ham
para um e depois para outro banquete (5.1-8). Entrementes Ham manda
levantar uma estaca, para executar Mordecai, que continua se recusando a
prostrar-se diante de Ham (5.9-14). Com isto o "perseguidor dos judeus"
(3.10 e outras) atinge o auge de seu poder, e se prepara uma reverso da
situao. Numa noite de insnia, o rei ordena que lhe leiam em voz alta um
trecho das crnicas e assim lembrado dos mritos de Mordecai (2.22s.),
decidindo ento recompens-lo, mesmo que com atraso. Crendo que ele mesmo
seja o agraciado, Ham sugere uma homenagem pblica que, no fmal, tem que
prestar a Mordecai, como constata com horror (cap. 6). No segundo banquete,
Ester revela sua origem judaica e suplica que sua prpria vida e a do seu povo
sejam salvas. Quando o rei pergunta quem o perseguidor, Ham se prostra
num gesto de splica junto ao div de Ester. Por equvoco, porm, o rei entende
esta atitude como atrevimento e manda empalar Ham no lugar de Mordecai na
estaca que ele mesmo havia erguido (cap. 7). Substituindo Ham, Mordecai
recebe o sinete de selar e, com isto, plenos poderes do rei, enquanto que a casa
de Ham dada a Ester. Indo ao encontro do rei uma segunda vez, Ester pede
ao rei que revogue tambm o edito dirigido contra os judeus: "Pois como
poderei ver o mal que sobrevir ao meu povo?" (8.6.) Se a fmalidade da
narrativa fosse a concretizao deste desejo, bastaria um relato sobre como foi
evitado o dano e compensada a tribulao sofrida para ter-se um bom fmal. Por
que, alm disto, os perseguidos precisam tornar-se perseguidores? Como a
legislao decretada pelo rei no pode ser invalidada (8.8; 1.19; Dn 6.9ss.),
permite-se aos judeus resistirem a seus inimigos e matarem seus perseguidores
- assim acontece no dcimo terceiro dia de Adar e no dia seguinte (9.1-19).

301
o fmal tripartido conclui, a partir destes acontecimentos: nos dois dias "em que
os judeus tiveram sossego dos seus inimigos" e o luto se transformou em
regozijo (9.22; 8.15s.) deve ser comemorada por todos os tempos a festa de
Purim, por ordem de Mordecai e Ester (9.20ss.,29ss.). O fmal recorda de novo
o prestgio de Mordecai: ele era "o segundo depois do rei" (l 0.1-3; cf. 8.2,15).
Certamente a narrativa contm um certo colorido persa e nomes persas
(1.10,14; 9.7ss.), mas no se detecta um fundo histrico concreto. O desenrolar
da ao, inclusive o triunfo sobre os inimigos, no tem fundamento histrico,
de modo que o livro de Ester tambm chamado de "romance histrico".
Todavia, histrica a situao geral retratada: o judasmo, disperso em todo o
mundo, experimenta, por ser diferente (3.8), rejeio e chega inclusive a ser
perseguido (cf. Dn 3ss.). O boato sobre a riqueza deste povo (3.9,13) teria tido
algo a ver com isto? Em todo caso pode ser conveniente ocultar a origem
judaica (2.10). Esta situao provavelmente s se criou na poca helenstica, de
forma que a narrativa deve ter surgido no sculo m ou II a.C; provavelmente
no mbito da dispora oriental.
Na sua forma atual, o livrinho de Ester conflui para a festa de Purim e
tenta justific-la. Todavia questionou-se de diversas formas a coeso do texto.
possvel que 9.20ss. constitua um adendo, que ilustra a observao fmal
anterior sobre a festa (9.18s.) e explica o significado do nome "purirn" como
sendo "sorte" (cf. 3.7). Pelo menos dois motivos narrativos, condicionados
pelas personagens Ester (5.1ss.; 7.1ss. e outras) e Mordecai (3.1ss.; 6.l ss.),
foram entrelaados (2.5ss.,19s. e outras). Talvez transpaream aqui e acol
formas preliminares mais antigas, que apontam para um material narrativo oral
subjacente, mas no tanto para fontes escritas preexistentes. A composio
global desde o princpio enfoca a festa de Purim.
A narrativa decerto se tornou apenas posteriormente a lenda da festa; pois
a festa de Purim j existia antes como uma espcie de festa de Ano Novo no
mbito persa ou mesopotmico e certamente foi assimilada pelo judasmo. A
partir da tambm se explicariam os nomes Ester (em persa: "estrela"; cf.
Ishtar) e Mordecai ("adorador de Marduque"?)? No dia do Ano Novo se
definia por "sorteio" o destino ou se deve interpretar (segundo G. Gerleman)
o termo "purim" no sentido de "parcelas", ou seja, a troca de presentes? Em
todo caso a festa tem um carter expressamente "profano", marcado pela
alegria, pela distribuio de presentes entre amigos e pobres (9.18s.,22; 8.16s.),
talvez tambm por jejum (9.31). Como no AT as festas de colheita adquirem
uma fundamentao histrico-salvfica (p. ex. Lv 23.42s.), tambm a festa de
Purim recebe, atravs da narrativa de Ester, uma motivao histrica.
J no judasmo incipiente, muito mais ainda no cristianismo, surgiram
dvidas sobre se Ester deveria ser considerado livro cannico. Sem dvida
Mordecai e Ester se mantm fiis ao judasmo de forma exemplar, mesmo

302
numa situao de perigo. Mas o livro no destaca de forma exagerada a
superioridade do judasmo (6.13)? Por que a salvao do extermnio tem que ser
transformada em triunfo sobre os inimigos? Claro que o anseio de pessoas
perseguidas em fazerem justia com as prprias mos algo compreensvel,
mas uma esperana teologicamente ilegtima. Como o posicionamento do
livrinho de Jonas diferente!
A narrativa de Ester evita mencionar o nome de Deus; mesmo assim o
desenrolar da ao pressupe a providncia oculta de Deus. Quando as pessoas
falham, "de outra parte se levantar para os judeus socorro e livramento"
(4.14). A recusa de prostrar-se diante de Ham (3.2; 5.9) no documenta a
obedincia diante do primeiro mandamento, mesmo que isto implique arriscar
a prpria vida (cf. Dn 3)?

303
27
A SABEDORIA DE PROVRBIOS

"Sabedoria", num primeiro momento, no significa tanto a capacidade de


responder a perguntas tericas fundamentais, mas antes a habilidade de saber
lidar com o cotidiano, de adaptar-se s circunstncias e pessoas. Sabedoria pode
ser, p. ex., a percia do arteso ou do artista (x 31.3ss.; 35.1O,25s.,35; Is 40.20
e outras), do governante ou do juiz (l Rs 3; Is 11.2ss.), a sabedoria de vida (Pv
6.6), em sntese: trata-se de um cabedal de saber adquirido pela experincia.
Este saber provm da observao de processos vitais, do agrupamento de
elementos comparveis entre si e do reconhecimento de regras. A percepo de
uma ordem subjacente, seja na natureza ou nas relaes interpesssoais, for-
mulada numa linguagem metafrica intensa e articulada em paralelismos (v.
acima 25,1), o que ajuda a memoriz-la. A compilao e transmisso de
experincia criam uma tradio ("o provrbio dos antigos": 1 Sm 24.14); esta
tradio adquire autoridade, ao lado da prpria vivncia (J 8.8). Inteno da
sabedoria manter distncia perigos e danos, encontrar o caminho para uma
vida reta, respeitvel e realizada (Pv 13.14; 15.24).

1. Visto que a literatura sapiencial se encontra predominantemente entre


os "escritos", na terceira e mais recente parte do cnone veterotestamentrio,
chegou-se concluso de que a sabedoria constitui um fenmeno tardio em
Israel. De fato no se trata de um fenmeno especificamente israelita, mas
comum ao mundo oriental. Assim, temos sabedoria babilnica e canania; em
Israel famosa a sabedoria dos "filhos [nmades] do oriente" (l Rs 5.lOs.; J
1.3 e outras). O prprio AT atribui a estrangeiros a autoria de certas colees
de provrbios (Pv 30.1; 31.1; cf. J 1.1). Sobretudo o Egito ao que parece
influenciou a sabedoria israelita. A passagem de Pv 22.17-23.11 foi emprestada
mais ou menos literalmente do livro sapiencial egpcio de Amenemop, mas
mostra ao lado das coincidncias tambm elementos prprios (as fundamenta-
es teolgicas em 22.19,23; 23.11). Assim os Provrbios representam "a
sabedoria vtero-oriental na sua confIguraojudaico-israelita" (J. Fichtner, 1933).
Esta correlao mostra que a sabedoria de forma alguma se difundiu
apenas na poca ps-exlica em Israel. Quando o AT relata da sabedoria de
Salomo (l Rs 3; 5.9ss.), esta tradio pode ser considerada historicamente
confivel na medida em que ditos isolados ou at pequenas colees devem

304
remontar ao incio da poca da monarquia. Alm disto os profetas pressupem
a sabedoria, referindo-se a ela de forma positiva (Am 6.12; Is 1.2s.; 11.2;
28.23ss.) ou crtica (Is 5.21; 29.14; 44.25; Jr 8.9 e outras).
Todavia, o pensamento sapiencial tem uma longa histria. Ela inclui, p.
ex., desde ditos isolados que retm experincia de vida (1 Sm 24.14; Pv 1O.1ss.;
25.1ss.) at reflexes teolgicas extensas como no dilogo de J ou no livro de
Eclesiastes, abarcando ainda livros fora do cnone hebreu como Jesus Siraque
ou a Sabedoria de Salomo. Mas as unidades mais extensas (Pv 1-9) obrigato-
riamente so mais recentes que as unidades mais curtas, ou provm de um outro
Sitz im Leben? Ser que a personificao da sabedoria (1.20ss.; 8; 9; cf. J 28)
ou a vinculao de sabedoria e "lei" (SI 1 e outras) constitui um fenmeno
mais recente? Em Israel parece que foi isto o que aconteceu. Em todo caso
Salomo considerado, ainda na poca tardia, como autoridade a que se
costumava recorrer freqentemente (Pv, Ec, 0, Sab).

2. Um grupo de provrbios "os homens de Ezequias, rei de Jud, trans-


creveram" (Pv 25.1). Portanto, a sabedoria era cultivada na corte real. O rei
necessitava de conselheiros sbios (2 Sm 16.23; Gn 41.33). Talvez existisse uma
escola para o funcionalismo pblico.
Ser que o primeiro Sitz im Leben no foi a laml1ia? Principalmente ali
acontecia a educao. No s o pai, mas tambm a me ensinam, e o filho os
ouve (Pv 1.8; 4.1ss.; 6.20; 31.26; cf. x 12.26; 13.14 e outras); pois cabe ao
filho honrar aos pais (Pv 10.1; 20.20 e outras). Da se compreende melhor que
a sabedoria proverbial apenas contenha provrbios isolados sobre reis (16.lOss.;
25.2ss.) e, ao contrrio dos ensinamentos egpcios, no contenha nenhum ensi-
namento tico para o funcionalismo pblico. Dirige-se a todos, no apenas a
uma determinada classe.
At que ponto, portanto, os sbios da corte apenas "compilaram" mate-
rial preexistente (25.1) e at que ponto eles mesmos o elaboraram? Em todo
caso a sabedoria originria da escola de funcionrios pblicos ou de sacerdo-
tes (Jr 8.8s.), cuja existncia apenas se pode inferir no caso de Israel. Mas numa
poca tardia provavelmente Jerusalm ainda tinha seu prprio centro de forma-
o. Atrs do tratamento "pai/filho" possivelmente se oculte o relacionamento
vigente entre mestres e discpulos (Pv 1.1ss.). Ao lado dos sacerdotes e profetas
existia um grupo especfico de "sbios" que ofereciam "conselhos" (Jr 18.18;
cf. Ez 7.26)? Tinham-se em alta estima os conselhos dos sbios (2 Sm 16.23),
e estes podiam at reportar-se a uma revelao (J 4.12ss.; 32.6ss.). Sbio,
porm, no apenas oferecer um conselho, instruir outros, mas tambm escutar
um conselho e educar-se a si mesmo (Pv 1.5; 10.17; 12.15).

3. Para cumprir a sua fmalidade, a de transmitir experincia, a sabedoria


de provrbios utiliza diversos recursos estilsticos.

305
a) Na sentena, tambm conhecida como mashal, aforismo ou mxima, a
sabedoria recolhe "os fatos da realidade e os coloca em uma seqncia ou em
frases que descrevem impresses" (W. Zimmerli, Gesammelte Aufsatze L p.
304). Capta-se a vida como ela - p. ex., no comrcio:
" 'Mau, mau', diz o comprador,
e depois vai-se gabando da compra." (Pv 20.14.)
Costuma-se estabelecer um princpio de retribuio, ou melhor, uma rela-
o entre ao humana e futuro do sujeito da mesma ao, de forma que o
destino parece ser conseqncia da prpria conduta:
"Quem abre uma cova nela cair;
e a pedra rolar sobre quem a revolve."
(26.27; cf. 1 Sm 24.14; Pv 11.2,17,25; 22.8s.)
Por via de regra, porm, a situao no descrita de uma forma neutra,
mas valorada. O julgamento muitas vezes se d atravs de conceitos contras-
tantes, como, p. ex., sbio e insensato, justo e mpio, pobre e rico, trabalhador
e preguioso. Nestes conceitos contrastantes o comportamento da pessoa se
identifica com sua postura, sua mentalidade, que determina seu futuro:
,'A esperana dos justos alegria,
o anseio dos mpios fracassa."
(10.28; cf. 11.7,23 e outras.)
Em razo de seu enfoque pedaggico, a sabedoria gosta de adotar a
tcnica simplista do contraste "preto e branco". No se oculta a uma exortao
clara para que se adote uma conduta correta e se rejeite um comportamento insen-
sato?
b) Na metfora ou na comparao (caracterizada pelo "como") so cor-
relacionadas aes ocorridas em reas distintas, geralmente no mundo natural e
no mundo humano. A nfase costuma recair sobre o [mal:
"Como a porta se revolve nos seus gonzos,
assim o preguioso no seu leito." (26.14.)
"Como o co que toma ao seu vmito,
assim o insensato que reitera a sua estultcia."
(26.11; cf. 25.3,l1ss.,26,28.)
A relao que se estabelece desta maneira apenas serve para ilustrar uma
situao ou pressupe, em ltima anlise, uma analogia entre a natureza e a vida
humana, isto , uma ordem universal? Trata-se "em todo caso em Israel no de
uma ordem universal global, mas antes de ordens parciais" (Herrnisson, p. 191),
de analogias descobertas aqui e acol. No deve ser por acaso que muitas vezes
aquilo que as diversas situaes tm em comum, o tettium comparationis,
aquilo que se manifesta nos diferentes contextos e seqncias de ao, no

306
pode ser determinado de forma inequvoca, mas pode ser interpretado de diver-
sas maneiras, permanecendo assim enigmtico (cf. o enigma em 1 Rs 10.1; Pv
1.6; Jz 14.12ss.).
c) Isto vale tambm para o provrbio numrico, que pode ser interpretado
como forma especial da metfora ou comparao, porque igualmente relaciona
fenmenos diferentes:
"H trs coisas que so maravilhosas demais para mim,
e h quatro que no entendo:
o caminho da guia no cu,
o caminho da cobra na penha,
o caminho do navio no meio do mar,
e o caminho do homem com uma donzela." (30.18s.)
O jogo de palavras com o termo "caminho" se refere ao caminho que
nunca foi trilhado, que precisa ser aberto cada vez de novo ou ao caminho que
na retrospectiva no se reconhece mais (como acontece no caso de 30.20)? Em
todo caso tem-se "a impresso de que os trs primeiros fenmenos apenas so
enumerados para dirigir a ateno para o quarto fenmeno: o fenmeno huma-
no" (H. W. Wo1ff). Um saber a respeito da natureza (cf. 1 Rs 5.13) aparece,
portanto, nos Provrbios apenas como sabedoria direcionada para o ser humano
(cf. tambm SI 104; J 38ss.).
Ao lado das enumeraes "trs/quatro" tambm encontramos seqncias
numricas de "um/dois" at "nove/dez" (Pv 30. 15ss.; 6. 16ss.); o prprio
profeta as pode retomar (Am 1.3ss.).
d) Uma forma especfica de comparao contm aqueles provrbios que
contrapem duas situaes, valorando a primeira de forma positiva e a segunda,
de forma negativa:
"Melhor o pouco havendo o temor de Jav,
do que grande tesouro, onde h inquietao.
Melhor um prato de hortalias, onde h amor,
do que o boi cevado e com ele o dio."
(15.16s.; cf. 16.8; 17.1; Ec 7.1ss. e outras.)
A expresso hebraica (tob min), que se costuma traduzir por "melhor do
que", talvez no se deva compreender de forma comparativa, mas excludente
e contrastante: "bom em oposio/contraste a". Esta interpretao no cor-
responde melhor ao raciocnio sapiencial plasmado em conceitos antitticos?
Em todo caso a contraposio pretende, por sua vez, ajudar a enfrentar a vida
- no s no mbito do cotidiano, mas tambm no sentido tico (Pv 19.1,22)
ou at teolgico (SI 118.8s.).
e) S o gnero literrio da exortao convida expressamente a que se

307
adote determinada conduta, acrescentando geralmente uma justificativa ("pois")
ou um alerta quanto s conseqncias ("para que no"). Assim exorta as
pessoas, em razo do princpio da retribuio, para que sejam precavidas diante
do malfeitor:
"No te aflijas por causa dos malfeitores,
nem tenhas inveja dos perversos;
porque o maligno no ter bom futuro
e a lmpada dos perversos se apagar."
(24.19s.; cf. SI 37.1s.)
Este recurso estilstico, que encontramos com freqncia na coleo Pv
22.17ss. (tambm 1.8ss.), influenciada pela sabedoria egpcia, invade muitas
reas literrias, inclusive a mensagem dos profetas (v. acima 13b3,e).

4. O livro dos Provrbios de Salomo se compe, de forma similar aos


livros profticos ou ao Saltrio, de diversas coles ou partes de colees.
Seno, como se explicariam certas repeties (cf. 19.1, com 28.6; 11.13 com
20.19 e outras)? Os diversos provrbios se interligam de forma tnue; ocasio-
nalmente um tema comum o elemento unificador (como acontece com os
provrbios de Jav em 16.1ss.); em regra, porm, provrbios so juntados
apenas por associao de palavras (25.2s.) ou algo similar. A ento pode
acontecer que colidam experincias diferentes e at opostas (26.4s.; 17.27s.);
porm um dito tambm pode explicar o significado do dito precedente (25.16s.).
As colees podem, em parte, ainda ser reconhecidas pelo ttulo. Apre-
sentam caractersticas bastante diferenciadas e provm tambm de pocas dife-
rentes. Todavia, uma datao das colees com base em critrios de forma ou
de contedo pode ser feita somente com muita cautela. Das trs colees
principais (I, Il, V) a primeira a mais recente; cabe-lhe explicar todo o livro
(cf. 1.7). Isto corresponde a um princpio muitas vezes encontrado no AT (cf.
Gn 1 P antes de Gn 2 J). Chama a ateno que a ambas as colees mais
antigas (Il, V) se acrescentaram adendos no-israelitas.

1-9 "Provrbios de Salomo, filho de Davi, o rei de Israel."


Provavelmente a coleo mais recente de ditos (ps-exlica).
1.1-7: Ttulo de todo o livro com o lema: "O temor de Jav o
princpio do saber." (1.7 e outras.)
Podem-se explicar as unidades mais extensas como instrues, que
so introduzidas por um convite para ouvir e que contm exorta-
es (1.8ss.; 4.1ss.,lOss.,20ss. e outras; B. Lang)?
5-7 (sem 6.1-19): Alerta contra a "mulher estrangeira" (cf. 2.16ss.).
1.20ss.; 8; 9: Personificao da sabedoria, "Senhora sabedoria"
(em oposio "Senhora tolice", 9.13ss.).
8.22ss.: Hino criao: a sabedoria vista como primcias da cria-

308
o presente por ocasio do surgimento do mundo (cf. 3.19s.),
brinca diante de Deus e, por isto, necessria ao ser humano
(8.32ss.; 2.2ss.).
n 10.1-22.16 "Provrbios de Salomo".
a 10-15 Ao lado de V, uma das colees mais antigas, decerto composta
b 16-22.16 de duas partes (a,b).
Em (a) encontramos em geral sentenas com paralelismo antittico
(como 10.l ss.),
Muitas vezes o comportamento e o destino do sbio e do insensa-
to, do justo e do mpio so contrapostos.
1lI 22.17-24.22 "Palavras dos sbios".
a 22.17-23.11 Grande afinidade com o livro sapiencial egpcio de Amenemop
(anterior a 1000 a.C), Predominam exortaes. Ao dito introdut-
rio (22.17-21) seguem dez temas (22.22-23.11).
b 23.12-24.22 Com exceo de 23.13s. (formulado segundo os provrbios ass-
rio-aramaicos de Ahicar) e 24.10-12, h "pouca influncia estran-
geira", mas uma "forte religiosidade": 23.17; 24.12,18,21 (B.
Gemser).
IV 24.23-34 ,'So tambm estes provrbios dos sbios."
V 25-29 "Provrbios de Salomo, os quais transcreveram os homens de
Ezequias, rei de Jud."
a 25-27 "O segmento 'mais secular' da literatura sapiencial israelita",
constituindo por isto a sua "forma mais original" (H. H. Schmid,
p. 145)? Somente 25.2,22 falam de Deus.
b 28-29 Maior conotao religiosa
Pode-se considerar (a) um retrato da situao de agricultores ou
artesos, (b), um retrato dos governantes (D. Skladny)?
VI 30.1-14 "Palavras de Agur".
Como Vlll, de origem extra-israelita, provavelmente da regio de
Edom ou do Norte da Arbia.
Vil 30.15-33 Provrbios numricos.
VllI 31.1-9 "Palavras dirigidas a Lemuel, rei de Massa".
O filho escolhido para ser rei instrudo pela me.
IX 31.10-31 Elogio da dona-de-casa virtuosa; acrstico.

5. Os temas dos provrbios so mltiplos. A sabedoria reflete sobre a


utilizao da palavra (18.7,13; 25.11), sobre a educao (13.24; 29.19), o com-
portamento para com os pais (10.1 e outras) ou diante do rei (16.12ss.; 23.1ss.),
sobre o lar e a famlia (12.4; 19.14; 21.9; 31.lOss.), a sociedade (11.11,14;
14.34), a conduta e o bem-estar do sbio ou do justo/crente (1O.20s.; 11.3,31;
13.25; 14.16; 15.2,28) e outros temas. Da responsabilidade de Deus de conser-

309
var o princpio da retribuio ou at estabelec-lo (10.3,22 e outros) derivam-
se conseqncias para a ao humana: Entrega os teus caminhos ao Senhor
(16.3), no te vingues a ti mesmo (20.22; 24.29), no te alegres com a queda
de teu inimigo (24.17ss.), mas o socorre (25.2ls.)! Os alertas contra o desres-
peito aos pais (28.24; 30.11,17; cf. 17.25; 23.24), contra o adultrio (6.20ss.;
23.27), o falso testemunho (12.19,22; 19.5; 21.28; cf. 18.5) ou a apropriao de
bens alheios (10.2; cf. 16.8 e outras) se aproximam dos mandamentos do
Declogo. Os oprimidos esto sob a proteo do Criador (14.31; 17.5; 15.25).
Ao lado da exortao de ajudar aos pobres (19.17; 22.9,22s.; 23.lOs.) est a
percepo de que existem ricos e pobres - mas ambos esto na mo de Deus
(22.2; 29.13). Deus consegue olhar para dentro da intimidade do ser humano,
para prov-lo (15.3,11; 16.2; 21.2), mas a pessoa preserva sua liberdade de ao
(16.1,9; cf. 25.2a). Assim o ser humano no consegue perscrutar a si mesmo
nem a seu destino (20.24; 21.30s.). Visto que o conhecimento do sbio sobre a
ordem das coisas (11.24s.) e at sobre o seu prprio corao (16.1s.) limitado,
cabe-lhe ser humilde (16.5,18s.; 22.4; 26.12). Em ltima anlise o temor a
Deus, que ao mesmo tempo confiana em Deus, representa a verdadeira
sabedoria (14.26s.; 1.7; 9.10; J 28.28; SI 111.10; cf. Jr 9.23s. e outras).

310
28
ECLESIASTES (COHLET), O PREGADOR

Eclesiastes um mestre da sabedoria que na poca helenstica reflete de


forma crtica sobre o que resultou dos esforos de reflexo dos sbios, dando a
impresso de ser surpreendentemente autnomo. Literalmente Cohlet (chama
a ateno que em hebraico um particpio feminino) parece designar um cargo
na assemblia (kahal), seja o do lder que convoca ou o de um liturgo. Mas a
designao profissional (em 12.8 com artigo; cf. 7.27) se tornou nome prprio
(1.12; l2.9s.). Lutero reproduziu a traduo greco-latina Ecc1esiastes com "Pre-
gador".
O nome prprio no ttulo (1.1) tambm um pseudnimo? O ttulo
identifica Eclesiastes com o filho de Davi que governa em Jerusalm. Eviden-
temente se trata de Salomo (cf. 1.16). Seu nome, contudo, no mencionado
em lugar nenhum, enquanto os livros de Provrbios e Cantares expressamente
se referem a Salomo. Mas o fato de Cantares e Eclesiastes terem sido atribu-
dos a Salomo pode ter facilitado ou at possibilitado a aceitao destes livros
no cnone veterotestamentrio (quanto ao seu uso posterior no culto, cf. 26).

1. Provavelmente Eclesiastes no compilou o livro na sua verso atual.


Em parte a formao do livro se desvenda a partir da sua moldura externa, isto
, a partir dos dados introdutrios e conclusivos na terceira pessoa (1.1-2a;
12.9ss.; cf. 7.27).
A identificao de Eclesiastes com o filho de Davi (1.1) provavelmente
secundria e deve ter ocorrido em associao com 1.12: "Eu, o Pregador, fui
rei de Israel em Jerusalm. Acontece que no texto somente 1.12-2.11,12 so
identificados como palavras de um rei. Mas esta assim chamada "fico real"
se prolonga de certa forma com a fala na primeira pessoa: "eu vi, eu entendi"
(2.13ss.), que perpassa todo o livro. Esta fala reproduz situaes como expe-
rincia vivencial pessoal (cf. quanto a este recurso estilstico j Pv 24.30ss.; SI
37.25,35). Alm disto encontramos exortaes na segunda pessoa do singular
(5.1ss.) e consideraes gerais (3.1ss. e outras).
No fmal do livro h dois adendos - prosaicos? - com inteno diferen-
ciada. O primeiro eplogo informativo e caracteriza Eclesiastes de forma
positiva como sbio que "ensinou ao povo o conhecimento" e anotou "pala-
vras de verdade" (12.9-11). O segundo eplogo, ao contrrio, contm sem

311
dvida uma conotao crtica, pois alerta, por um lado, contra a infmdvel
compulso de escrever livros e de empreender cansativos estudos (12.12) e, por
outro lado, exorta: "Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos." O juzo de
Deus atinge toda a ao humana, inclusive a ao oculta (l2.13s.).
Esta retificao por parte da f tradicional se mostra tambm no corpo do
livro? provvel que os trechos que falam do juzo de Deus (l1.9b) e da justa
retribuio (8.12b-13) sejam acrscimos. Em relao a outros textos (como
3.17a; 8.5 e outras) h dvidas. Certas irregularidades se justificam pela situa-
o material; pois Eclesiastes retoma tradies da sabedoria, reinterpretando-as
criticamente, sem, no entanto, ser sempre totalmente conseqente ("sim -
mas": 2.13ss.; 9.4s. e outras). Alm disto diferenas lingsticas no so fceis
de detectar. Assim, h aparentemente uma camada redacional "ortodoxa",
embora seja difcil comprov-la.

2. A moldura externa na terceira pessoa circunda a moldura interna que


consiste na mesma afirmativa pragmtica: "Vaidades das vaidades, tudo
vaidade." (1.2; 12.8.) Assim como, p. ex., a histria da criao interpretada
por um ttulo e uma subscrio (Gn 1.1; 2.4a) que a resume integralmente,
temos nesta frase uma espcie de indicao temtica ou leitmotiv. 'Irata-se de
uma interpretao posterior que submete as palavras a um "mote"?
Possivelmente tambm as sentenas sobre a alternncia das geraes em 1.3-11 e
o envelhecimento em 11.9-12.7 tenham sido colocadas conscientemente no incio e no
fmal do livro por serem afirmaes bsicas. Ento faz sentido supor que na sua
formao o livro tenha passado por trs estgios de fonnao:
a) Pode ser que na fala na primeira pessoa do singular em 1.12ss. se tenha
conservado a introduo original da coleo de sentenas redigida por "Cohlet",
b) A composio do livro talvez seja de autoria do primeiro epilogador, o autor
da observao fmal que elogia Cohlet (12.9-11). Trata-se de um discpulo de Cohlet?
c) Eventualmente o segundo epilogador poderia ter interferido na redao fmal do
livro, acrescentando os acrscimos crticos acima mencionados.
Em todo caso o livro de Eclesiastes no um tratado sobre um nico
tema. No apresenta nenhuma construo lgica em seu desenvolvimento,
embora j seja muito mais homogneo do que o livro de Provrbios, mas ainda
no to coeso como a obra potica de J. Provrbios distintos que encontramos
aqui e acol so compostos de modo que formam poemas didticos, sentenas
ou reflexes. Por exemplo: uma srie de provrbios que repetem a expresso
"melhor do que" O.lss.), est inserida entre 6.12 e 7.14, subordinando-se a
uma idia fundamental. No entanto, as unidades maiores no podem ser deli-
mitadas de forma to clara. Vrias vezes h uma tese no incio da unidade (3.1
e outras).
Formalmente o livro unificado pela fala na primeira pessoa do sin-

312
gular e pelo seu contedo, o tema da "nulidade" ["vanidade"] da vida huma-
na. Outras palavras-chaves caractersticas so, p. ex.: "fadiga", "sopro", "cor-
rer atrs do vento", "estultcia", "vantagem", "proveito", "debaixo do sol"
(isto , sobre a terra, face morte).
1.1 Ttulo.
1.2; 12.8 Leitmotiv: "Tudo vaidade."
1.3,4-11 Repetio da mesma situao:
"Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se
afadiga (...)?" (1.3.)
"Nada h, pois, novo debaixo do sol." (1.9.)
1.12-11.8 Desta "pea central", a coleo de sentenas, se destacam:
1.12-2.11: Retrospectiva do rei.
3.1ss.: "Tudo tem o seu tempo."
11.9-12.7 Comentrio sobre o envelhecimento.
12.9-11,12,13s. Eplogos.

3. Eclesiastes parece pressupor que o Pentateuco j tenha sido concludo


(cf. 5.3-5 com Dt 23.22ss.); expressa-se num hebraico tardio, influenciado pelo
aramaico, ocasionalmente tambm incorpora estrangeirismos persas (2.5; 8.11).
Estima-se que o livro tenha surgido na Palestina, depois da dominao persa,
mas algumas dcadas antes das guerras dos macabeus, l por meados ou fmal
do sculo Ill a.c., durante a primeira fase do helenismo.
As idias de Eclesiastes apresentam afmidades com textos sapienciais
egpcios e babilnicos em que no faltam consideraes crticas (cf. O. Loretz).
Mas o contexto histrico faz antes pensar em influncias gregas (R. Braun),
mesmo que dificilmente se possam comprovar transposies diretas. Ser que
por isto devemos supor que a crtica de Eclesiastes sabedoria tambm tenha
sido influenciada pelo ceticismo greco-helenstico?

4. No estilo e enfoque Eclesiastes se aproxima da sabedoria de Provrbios,


chegando inclusive a retomar suas palavras e percepes: "Os olhos do sbio
esto na sua cabea, mas o estulto anda em trevas." (2.14a; cf. 4.13; 8.1; 10.12).
No entanto, em sua inteno Eclesiastes contradiz profundamente sabedoria
proverbial (1.17; 7.23ss.; 8.17). Relativiza as concluses da sabedoria a partir
de duas idias bsicas que esto relacionadas entre si.
Primeiro: o sbio em ltima anlise no tem nenhuma "vantagem" (6.8),
mas falece tal qual o insensato. Tanto o piedoso como o mpio tem um s
destino; no h lembrana depois da morte, por isto no h diferena entre o
ser humano e o animal (2.14bss.; 3.19ss.; 9.2ss.). Eclesiastes tambm se man-
tm ctico em relao emergente esperana na ressurreio (3.21; cf. 12.7)?

313
Segundo: h fiis que tm a mesma sorte que os mpios; h mpios que
experimentam o mesmo que os fiis; o princpio da retribuio no explica a
vida (8.14; 7.15; 9.11).
Juntam-se outras questes difceis a estes dois problemas principais: a evidente
injustia no mundo (3.16; 4.1; 5.7; 8.9ss.; cf. 9.16; 1O.6ss.), a riqueza (5.9ss.), a
incerteza de poder dispor da herana (2.18s.), a maldade do ser humano em geral
(8.6,11)e da mulher em especial (7.27ss.;diferenteem 9.9). 1mbm o fiel imperfeito (7.20).
Por conseguinte, Eclesiastes no mais busca, ao contrrio da sabedoria
proverbial, compreender ordens especficas por trs das experincias, mas busca
apreender a totalidade da vida (muito evidente na comparao das pessoas com
a natureza: Ec 3.19 em oposio a Pv 6.6 e outras). Como aqui no h uma
resposta convincente nem para o sbio (8.17), Eclesiastes chega a uma conclu-
so extremamente dura: "Eu odiava a vida" (2.17), melhor seria nem ter
nascido (4.2s.) - uma opinio que compreensvel, vindo de algum que
desabafa (1 Rs 19.4; Jr 15.10; 20.14s.; J 3 e outras), mas que estranha nesta
concepo genrica ao resto do AT. Certamente a vida tem suas alegrias (como
a juventude ou o vinho: 2.24s.; 3.12s.; 5.17s.; 9.7ss.; 11.9 e outras), de que
devemos desfrutar como ddivas vindas da mo de Deus (9.7; 3.13; 5.19); mas
tambm a alegria frgil diante da morte (2.1; 3.22; 8.15).
Apesar de tudo Eclesiastes sem dvida no desiste do "temor a Deus"
(5.6; 3.14; mas adverte contra exageros em 7.16s.). Deus d e tira a vida (5.17;
12.1,7), d tanto alegria como fadiga, tanto felicidade como desgraa (2.24s.;
3.10; 6.2; 7.14). Aqui no se sentem os efeitos do primeiro mandamento?
Naquilo que Deus determina e faz, o ser humano nada pode mudar (3.14; 6.10;
7.13). Embora Deus tenha feito tudo bem, o ser humano no tem condies de
compreender a obra de Deus (3.11; 8.17; cf. 7.29; 5.1) - e com isto a ordem
da vida e o princpio da retribuio. No conhece o seu tempo determinado
(3.1ss.; cf. 9.1) nem o seu futuro (8.7; 9.12; 10.14).
Podemos repreender Eclesiastes por no mencionar mais o nome de Deus,
o Deus que se mostra clemente para com Israel (x 34.6s.)? Na poca tardia o
nome de Jav j relegado ao segundo plano, sobretudo na sabedoria (cf. J).
Embora o livro de Eclesiastes, completamente atpico para o AT, tenha sido
incorporado no cnone, parece confrontar o leitor com a pergunta: a profisso
de f no Deus que atua, mata e vivifica na histria (1 Sm 2.6), esta profisso
de f se mantm firme diante da experincia individual do mundo e da vida?

314
29
O LIVRO DEJ

o livro, denominado segundo o nome de seu protagonista J, constitudo


de duas partes bem distintas entre si: uma narrativa, extensa e em prosa, que
forma a moldura do livro (prlogo: 1.1-2.13; eplogo: 42.7-17), e uma compo-
sio potica, metrificada, que forma o corpo do escrito. O trecho em poesia
contm um dilogo entre J, seus amigos e Deus (apresentado num primeiro
momento como interlocutor oculto; 3.1-42.6).

1. J as frases introdutrias so bsicas para as duas partes do livro: J


um homem temente a Deus, ntegro e ao mesmo tempo rico. Conforme o
princpio da retribuio, J no deveria sofrer mal nenhum. Se mesmo assim
atingido pelo infortnio, a narrativa da moldura questiona: J consegue conser-
var sua f? No dilogo potico, no entanto, difcil para os amigos perceberem
que se trata de discutir no o problema do sofrimento em si, mas o sofrimento
do piedoso, justo.
J no tem culpa, mas perde bens e filhos (J 1), por fim at a sua sade
(J 2). Apesar disto, no cede s palavras sedutoras de sua mulher (2.9) e
considerado fiel; aceita seu destino da mo de Deus e at consegue ainda louvar
o Criador:
"Jav o deu, e Jav o tomou;
bendito seja o nome de Jav!" (1.21.)
"Temos recebido o bem de Deus,
e no receberamos tambm o mal?" (2.10.)
Superada a provao, J experimenta sua reabilitao, e no fim at acaba
sendo abenoado mais ricamente do que antes (42.lOss.).
Enquanto o J da narrativa (ou lenda) se mantm submisso a Deus, o J
do dilogo se rebela, se lamenta e acusa. O nome de Jav, usado na narrativa
da moldura (1.6ss.), s se encontra excepcionalmente na parte potica, onde
provavelmente foi inserido a posteriori (38.1 e outras). Esta parte potica
prefere utilizar designaes como El, Eloah ("Deus") e Shaddai ("o Todo-
Poderoso"). Face a esta e a outras diferenas a narrativa em prosa e a parte
potica no podem ser atribudas ao mesmo autor.
evidente que a lenda de J j existia previamente na tradio oral, mas

315
dificilmente representa uma singela "saga popular", antes uma "narrativa
sapiencial didtica", redigida em prosa artstica (H. P. Mller, pp. 45, 80).
Utilizando-se da figura representativa de J, trata da relao entre piedade e
realidade, melhor dito, da conduta dos que temem a Deus quando so atingidos
pelo sofrimento. Todavia, a narrativa e a parte potica no so independentes
uma da outra; antes, a ltima pressupe a primeira (8.4 e outras). A lenda de
J, no incio transmitida como lenda independente, tornou-se a narrativa que
emoldura o dilogo mais recente. Neste processo foi retrabalhada redacional-
mente. Porm o alcance desta interveno controvertido.

2. A histria do surgimento da lenda explicada - em razo de certas


irregularidades - de maneira bastante diferenciada.
Segundo uma acepo, os dois episdios no cu (1.6-12; 2.1-7) represen-
tam um acrscimo posterior. S a aparece a figura de Satans como membro
da corte celestial. Com a concordncia de Deus ele pode provar a J, para ver
se este se mantm incondicionalmente fiel f, mesmo no sofrimento. Nesta
disputa Satans perde de Deus. Mas justamente para o raciocnio sapiencial que
se embasa no princpio da retribuio, os episdios celestiais praticamente so
imprescindveis, visto que s eles apresentam um motivo - que at para J
est oculto - por que o justo tem de suportar o sofrimento, interpretando desta
maneira o acontecido.
Alm disto, no podemos suprimir o episdio celestial do capo 2 sem
interromper o fluxo da trama (2.7). No entanto, segundo outra acepo, consi-
dera-se que J 2 seria apenas uma duplicao posterior do capo 1. E que chama
a ateno que J 42 no menciona a cura de J (2.7) e silencia sobre sua mulher
(2.9s.). Mas o capo 1 no de antemo direcionado para o capo 2, j que os
primeiros golpes do destino no afetam a pessoa de J? Ademais ambos os
captulos esto intimamente entrelaados, no apenas atravs de elementos
dentro dos episdios celestiais (1.6-8,1l,12b = 2.l-3a,5,7a), mas tambm fora
dos mesmos (1.22 = 2.lOb e outras). "De forma muito artstica o narrador
trabalha com duplicaes, usando-as como recurso estilstico de intensifica-
o." (E. Ruprecht, p. 427.)
Desta maneira diversas irregularidades decerto permitem inferir os est-
gios preliminares da tradio oral da narrativa de J, mas dificilmente bastam
para questionar a coeso literria da narrativa em seus traos bsicos.
Uma outra questo difcil de responder: alm da visita dos parentes, que
apresentam seus psames (em 42.11, numa hora bastante inoportuna e com atraso), a
lenda de J mencionava desde o princpio no seu relato a visitados trs amigos (2.1ss.)?
Ou estes foram introduzidos pelo poeta apenas mais tarde como interlocutores no
dilogo subseqente (cf. 42.7ss.)?

316
3. evidente que a tradio de J remonta a origens remotas, estrangeiras.
J um dos "filhos do Oriente" (1.3; cf. 1 Rs 5.10) e vem da "terra de Uz",
que devemos procurar no Sudeste, na regio habitada pelos edornitas (Lm 4.21).
Alm disto, os amigos de J: Elifaz de Tem (em Edom?), Bildade de Sus
(junto ao Eufrates?) e Zofar de Naamate (no Norte?) so estrangeiros. Todavia,
a narrativa do J temente a Deus difIcilmente surgiu em outro lugar - Edom,
Arbia ou onde quer que seja - seno em Israel.
A narrativa contm, por um lado, elementos traditivos antigos, quando, p.
ex., o pai de famlia oferece pessoalmente sacrifcios, como se costumava fazer
na poca patriarcal (1.5). Por outro lado, encontramos ali concepes mais
recentes como o aparecimento de Satans no papel de sedutor ou antagonista
(cf. Zc 3; 1 Cr 21.1). Por conseguinte, a lenda de J provm, na sua forma
escrita, da poca ps-exlica - como o livrinho de Jonas. Quando o profeta
Ezequiel (14.14,20) cita No, Daniel e J como exemplos de justia e piedade
em tempos remotos, decerto ainda no conhece a narrativa atual, mas apenas
uma tradio oral mais antiga sobre J.
Segundo a acepo habitual, o livro de J surgiu como um todo entre o
sculo Vem a.c., portanto na poca persa ou no incio da poca helenstica.
Torna-se difcil estabelecer uma datao mais precisa.

4. Houve modificaes ainda no prprio livro de J, depois de ter sido


fixado por escrito. Duas inseres merecem ser destacadas:
O acrscimo mais extenso e importante representam os discursos do
quarto amigo Eli (caps. 32-37). Antes ou depois disto (42.7ss.) este amigo no
mais mencionado nem recebe qualquer resposta de J. Sobretudo estes dis-
cursos de Eli rompem a ligao entre o ltimo apelo de J a Deus (31.35ss.)
e a resposta de Deus. Representam mais uma tentativa de destacar algumas
concepes sapienciais de forma diferente: no mero acaso que, ao contrrio
do que acontece nas palavras precedentes dos trs outros amigos, citem vrias
vezes J (33.8ss. e outras). Alm de repetirem diversas vezes idias j antes
expressas, externa-se a opinio de que o sofrimento uma advertncia que Deus
usa para disciplinar e educar (33.19; 36.8ss.; cf. 5.17).
O segundo acrscimo o cntico da sabedoria (cap. 28), que originalmen-
te pode ter circulado de forma independente. No celebra a sabedoria personi-
ficada (como Pv 8s.), mas a encara como grandeza objetiva. O ser humano pode
cavar e procurar por riquezas minerais, mas a sabedoria continua inatingvel
para ele (vv. 13,21). "Onde se achar a sabedoria?", diz o refro (vv. 12,20).
S Deus tem acesso a ela (vv. 23ss.). Este poema dificilmente foi includo nas
palavras de J sem uma inteno crtica, pois em ltima anlise nem os amigos
nem J, mas apenas e exclusivamente Deus possui sabedoria. Um acrscimo
mais recente ainda (v. 28) restringe esta percepo no sentido de Pv 1.7: A
verdadeira sabedoria o temor a Deus.

317
Alm disto parece que no mnimo em mais duas outras passagens houve inter-
veno no texto.
Enquanto nos dois primeiros ciclos de discursos os trs amigos Elifaz, Bildade e
Zofar se manifestam um aps o outro, o terceiro ciclo de discursos (caps. 22-27)
permanece incompleto: Bildade fala bem pouco, e Zofar no mais se manifesta.
O discurso de Deus (caps. 38-41) no deve ter sido acrescido na sua ntegra, mas
provavelmente recebeu complementaes posteriores. Na verso atual se compe de
duas partes que terminam ambas com a submisso de J (40.3-5; 42.1-6). Originalmente
deve ter havido apenas uma nica fala, sendo que 40.3-5 (com os versculos de transio
40.1,6s.) pode ter sido antecipado do [mal para o meio da fala ou, ento, criado
especialmente para o presente contexto. Alm disto se pressupe que as descries de
Beemot - "hipoptamo" (40.15-24), Leviat - "crocodilo" (40.25-41.26) e talvez
tambm a do avestruz (39.13-18) tenham sido inseridas mais tarde.
Devemos contar, portanto, a grosso modo, pelo menos com quatro est-
gios de formao do livro de J:
I. Pr-histria oral da narrativa sobre J (cf. Ez 14.14ss.)
lI. Narrativa sobre J (caps. ls.; 42)
m. Composio potica de J (caps. 3-27; 29-31; 38.1-42.6), que utiliza a
narrativa como moldura.
IV. Acrscimos posteriores na composio potica (sobretudo caps. 28; 32-37)
I. J 1-2 Narrativa da moldura. Prlogo.
Dupla provao e fidelidade de J:
"Porventura J debalde teme a Deus?" (1.9.)
Perda de bens, filhos (cap. 1) e da sade (cap. 2).
n. J 3-31 Dilogo distribudo por trs ciclos de discursos
com monlogos de J (3; 29-31) como moldura
3 Monlogo de J.
Maldio de seu nascimento (cf. Jr 20.14ss.; Ec 2.17)
4-27 Trs ciclos de discursos (4-14; 15-21; 22-27)
com falas de Elifaz de Tem (4s.; 15; 22),
Bildade de Sus (8; 18; 25),
Zofar de Naamate (11; 20)
e respostas de J (6s.; 9s.; 12-14; 16s.; 19; 21; 23s.; 26s.).
28 Excurso: Cntico sobre a sabedoria (cf. Pv 8s.).
29-31 Monlogo de J
com a lamentao: antigamente era respeitado e esperanoso (cap. 29),
agora hostilizado de fora e afligido por dentro (cap. 30).
Confisso de inocncia em forma de juramento de purificao (cap. 31)
com desafio lanado a Deus (31.35ss.).
m. 32-37 Insero: Falas de Eli.

318
IV. 38.1-42.6 "Teofania". Duas falas de Deus
com resposta de J (40.3-5; 42.1-6).
V. 42.7-17 Moldura narrativa. Eplogo.

5. J a narrativa sobre J contm elementos sapienciais (2.10 e outras).


Mas sobretudo no dilogo a sabedoria aparece como tradio predominante.
No se expressa em provrbios breves e autnomos, mas - em grau maior
ainda do que em Eclesiastes - em extensos discursos. Porm existem tambm
elementos formais provenientes da jurisprudncia israelita (13.3ss.; 40.8 e ou-
tras; cf. H. Richter) ou dos Salmos (C. Westermann). Assim, encontramos
motivos hnicos (9.4ss.; 38ss. e outras), alm de uma grande afinidade com as
lamentaes (J 3; 29s. e outras).
Como Eclesiastes (7.15), embora de forma diferente, tambm o autor do
dilogo duvida que haja correspondncia entre a ao humana e a retribuio,
que haja relao entre a piedade e a felicidade, entre a injustia e o sofrimento.
J questiona esta concepo de vida (21.7ss. e outras), pelo menos para o seu
caso pessoal. Seus amigos, entretanto, a pressupe de forma estranhamente
rgida (4.6ss.; 8.6ss.; l5.20ss.; 20 e outras), embora saibam que em ltima
anlise no h ser humano que seja justo e puro diante do Deus exaltado (4.17;
l5.14ss.; 25.4ss.). Somente neste ltimo ponto J concorda com eles (9.lss.).
J dentro da literatura sapiencial vtero-oriental encontramos vrios textos bastan-
te heterogneos entre si, que se assemelham na sua forma (dilogo) e no seu tema
(justiae sofrimento) ao livro de J, como o assimchamadoJ sumrio, o J babilnico
("Quero louvar o Senhor da sabedoria.") ou a assim chamada teodicia babilnica (ou
Eclesiastes babilnico). Cf. por ltimo a obra Religonsgeschichtliches 'Iextbucn zum
AT, ed. por W. Beyerlin, 1975, pp. 157ss.; quanto a isto, H. P. Mller, pp. 49ss.
Dentro do AT o SI 73, um dos salmos sapienciais, que se assemelha a J; o
Salmo, no entanto, d uma respostaque no se detm nem diante da fronteira da morte
(vv. 23ss.).

6. Visto que no decorrer do dilogo os amigos insistem no seu ponto de


vista e repetem os mesmos argumentos, a progresso no seu raciocnio quase
que imperceptvel. Tambm as explanaes dos amigos e de J se relacionam
por via de regra apenas de maneira tnue e indireta, mesmo quando h uma
conexo formal (16.2ss.; 18.2; 19.2ss.; s o capo 21 se ope fundamentalmente
ao capo 20).
Por isto no fcil distinguir se J responde aos seus amigos ou se, ao contrrio,
so os amigos que reagem fala de J (como afirma G. Fohrer). Ou seja, o dilogo
inicia com a fala de Elifas, no capo 4, ou j com o monlogo queixoso de J no capo 3?
Outra questo controvertida se os trs amigos tm, alm de sua oposio a J
e sua concordncia na assim chamada doutrina de retribuio, caractersticas prprias:
Elifaz seria solene e sensato, Zofar, rspido e Bildade, o meio-termo?

319
No entanto, percebe-se claramente uma progressiva intensificao no es-
copo global. No incio, os amigos proferem palavras de conforto (4.1ss.), mas
no final acabam lanando acusaes pessoais (22.4ss.). A caminhada de J
comea com o amaldioamento do prprio nascimento (3.3ss.; cf. 6.8; 1O.18ss.),
passa por acusaes contra Deus que atormenta o fraco (7.12ss.) e declara
culpado o inocente (9.20ss.), e chega esperana de que encontrar ajuda em
Deus. Desta maneira J acaba formulando - como que aplicando o primeiro
mandamento ao seu destino - enunciados quase que paradoxais sobre Deus.
Embora constate que entre Deus e ele no h nenhum rbitro, portanto nenhuma
instncia superior neutra (9.32s.), conclama Deus para o julgamento (13.3,18ss.;
23.4ss.). Ser que J segue, por fim, o conselho dos amigos (5.8s.; 8.5s.;
11.13ss.; 22.21ss.) quando se volta - em contradio a seu apelo anterior:
"Deixa-me!" (7.16; 10.20) - a Deus? J pede que lhe seja dado abrigo contra
a ira divina no reino da morte, para que Deus ento se lembre dele com
benevolncia (14.13). Assim, contra o Deus que o persegue (16.9ss.; 19.6ss.,21)
e que lhe tira seu direito (27.2) J invoca o Deus que na aflio defende a ele
e a seu direito. Contra o Deus irado, aparentemente injusto e arbitrrio, J apela
para o Deus que lhe benevolente:
"A minha testemunha est no cu,
e nas alturas quem advoga a minha causa." (16.19-21.)
"Eu sei que o meu Redentor (advogado) vive...
1mbm sem carne verei a Deus." (19.25s.)
J est seguro de que encontrar um intercessor e at que ver a Deus,
seja - segundo esta passagem muito controvertida - diante da morte ou
mesmo na morte. Mas tais confisses no permanecem instantes iluminados no
meio das trevas profundas da lamentao?
Enquanto os amigos de J apenas vem nele a pessoa sofredora, no o
justo, ele mesmo insiste em afirmar sua inocncia (6.24,28ss.; 9.21; 10.7; 16.17;
23.10ss.). Mais ainda: promete manter-se ntegro at o [mal de seus dias
(27.2ss.) e refora suas palavras com um juramento extenso de purificao (31),
assegurando que tem plena conscincia de que nem no passado nem no presente
cometeu qualquer transgresso. A declarao de inocncia culmina - de novo
em contradio com a queixa de que Deus no escuta seu grito por socorro
(30.20) - no apelo de J: "Que o Todo-Poderoso me responda!"
Na verso mais antiga do livro de J, que ainda no continha os discursos
de Eli, a resposta de Deus "do meio de um redomoinho" (38.1) segue
imediatamente ao desafio lanado por J. Esta resposta apenas aborda de forma
indireta a sina de J. Defrontando J com o milagre da criao, perguntas
como: "Onde estavas tu, quando eu lanava os fundamentos da terra? (...) Tens
brao como Deus?" (38.4; 40.9) trazem diante dos olhos de J a incapacidade
do ser humano de criar o mundo ou at de apenas conserv-lo. Cabe a Deus e

320
no ao ser humano, limitado no seu conhecimento e poder, preservar a ordem
na natureza distante e prxima dos homens (astros, condies climticas, animais).
Atravs das perguntas retricas "Deus [transforma] o interrogador em interrogado
e, por fIm, em algum que acaba questionado na sua condio humana (...). As falas de
Deus retificam os enunciados precedentes sobre a relao entre ele e o ser humano,
colocando J diante do Deus visvel na sua criao, mas ao mesmo tempo incompreen-
svel." Recorrendo criao, mostra-se que o ser humano "limitado no tempo, em
poder, conhecimento e capacidade diante do Deus que atua em tudo desde o princpio
e infinitamente superior e incompreensvel" (E. Wrthwein, p. 215).
Para J a palavra de Deus antes reprimenda do que justificao (38.2;
40.8). Mesmo assim a experimenta como a almejada solicitude misericordiosa
de Deus? Em todo caso J se submete ao Todo-Poderoso: "Sou indigno; que
te responderia eu?" (40.4), renuncia sua dvida sobre a ordem universal, s
acusaes contra Deus e seus prprios protestos de inocncia:
"Eu te conhecia s de ouvir,
mas agora os meus olhos te vem.
Por isto retiro o que disse
e me arrependo no p e na cinza." (42.5s.)
Esta "soluo do problema de J" surge a partir de uma vivncia pessoal
de Deus que supera e relativiza qualquer explicao do mundo e experincia de
dor? Quando J "retira o que disse", o J que (no dilogo) se rebela e discute
com Deus volta a ser o J que se sujeita a Deus (o J do prlogo), que na f
aceita sua sina (1.21; 2.10). Ser que o autor do dilogo conservou a narrativa
da moldura porque tinha a secreta inteno de conduzir J, no [mal, novamente
at o princpio? Com as suas ltimas palavras, J volta a assumir a postura
humilde "no p e na cinza" (2.8; 42.6). Tornou-se outra pessoa ou continua
sendo o mesmo, enriquecido por novas experincias?
Depois da retratao de J, Deus precisa pronunciar uma sentena decisi-
va na disputa entre J (13.7; 27.5 e outras) e s~us amigos (20.3; 22.5 e outras),
manifestando publicamente: o autoconhecimento de J de forma alguma con-
firma a teologia dos amigos. Pelo contrrio, eles vivem graas intercesso
dele; pois no falaram "o que era reto" diante de Deus (42.7-9).
A virada na sorte de J, que recebe de volta muito mais do que havia
perdido, no representa pr-requisito, mas antes conseqncia de sua percepo
- ddiva de Deus, confirmao de sua sentena (42.lOss.; v. 11 originalmente
fazia parte dos caps. ls.). Com isto Deus coloca de novo em vigor o princpio
de retribuio, interrompido anteriormente?

321
v- TEOLOGIA E
A

HERMENEUTICA

323
30
COMO SE FALA DE DEUS
NO ANTIGO TESTAMENTO

1. O AT se destaca pelo que fala de Deus e no pode ser compreendido


sem isto. Contudo, este falar se apresenta de forma variada no decorrer da histria.
Alis, o AT sabe vincular a confisso da eternidade de Deus com a
conscincia histrica da temporalidade da f. "Antes que os montes nascessem
e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu s Deus." (SI
90.2; cf. 93.2; 102.26s.; Gn 1.1; Dt 33.27.) Visto que Deus anterior a todo o
tempo, pode estar presente em todos os tempos, "de gerao em gerao" (SI
90.1). Deuses podem nascer e morrer; mas inconcebvel que o Deus uno
venha a ser e tenha uma existncia passageira (Hc 1.12; texto corrigido): "No
s tu, Jav, desde o incio o meu 'santo' Deus, 'que no morre'?" Deus no
tem princpio nem fim, mas a f em Deus tem um princpio, sim: os pais de
Abrao "serviram a outros deuses" (Js 24.2; cf. Jub lls.). Assim no podemos
rastear a f infinitamente no passado: a f tem uma histria (cf. x 6.2).

2. Todavia, a pergunta histrica sobre como se configuraram os incios da


f (cf. acima 2a) em seus detalhes difcil de ser respondida porque para tanto
ela precisa recuar a um tempo bem anterior fixao literria da tradio e
assim tem que se apoiar mais em aluses, nomes especfficos, fragmentos
narrativos, em vez de tradies completas. Em razo disto as tentativas de
resposta diferem. Acrescenta-se a istoo fato de que todos os textos precisam ser
interpretados contra seu significado no contexto atual; pois o AT testemunha a
identidade do nico Deus na mudana dos nomes e tempos, como acontece
expressamente na fala de Deus dirigida a Moiss: "Eu sou Jav. Apareci a
Abrao, a Isaque e a Jac como EI Shaddai, mas pelo meu nome, Jav, no
lhes fui conhecido." (x 6.2s.P; cf. acima lOb.) O enfoque histrico-religioso
procura recuar para detrs desta confisso de identidade, arriscada na retrospec-
tiva, para poder seguir e reconstruir o desenrolar da histria.
Enquanto, segundo aquela citao, o Escrito Sacerdotal conserva a recor-
dao de que Jav - melhor dito: Deus sob o nome Jav - se revelou
primeiro a Moiss (cf. x 3.13ss. E; tambm Os 12.10 e outras), a camada
narrativa javista parte do pressuposto de que Jav adorado desde os primr-
dios (Gn 4.26; 9.26 e outras). A se expressa de outra maneira a mesma
percepo teolgica fundamental de que o Deus uno atua desde a criao (2.4bss.).

324
Talvez sobreviva nestas duas tradies to diferentes entre si tambm uma
lembrana histrica: Jav j era adorado antes que Israel se constitusse, porm
dentro de Israel apenas a partir de Moiss? Que divindades eram conhecidas
anteriormente pelos grupos sociais assentados na Palestina, que mais tarde
constituram Israel?
2.1. A frmula de juramento utilizada por ocasio do contrato de delimi-
tao de terras firmado entre Jac e Labo (Gn 31.53) deve ser bem antiga por
causa da forma verbal que estranhamente est no plural: "O Deus de Abrao e
o Deus de Naor julguem entre ns!" Ao que parece se invocam duas divinda-
des que se relacionam cada uma com um dos grupos ("Deus de Abrao" se
relaciona com Jac, "Deus de Naor", com Labo). Cada grupo adorava o seu
prprio deus, um deus diferente? Ambas as divindades se assemelham no
apenas na forma como so denominados ("Deus" + o nome de uma pessoa),
mas tambm em sua natureza; pois ambos ocupam a funo de rbitro e decerto
tambm responsabilizam-se pela proteo do respectivo grupo (cf. Gn 4.15).
Quo diferente a revelao onrica que ocorreu junto ao santurio de Bete1,
ou seja, a apario em sonho de uma multido de anjos (28.12; cf. 32.2)!
Gn 31.53 decerto oferece o embasamento mais firme para a reconstruo de uma
f no Deus dos pais (patriarcas) (A. Alt). Num primeiro momento esta tese foi aceita
amplamente - por causa da correspondncia entre o estilo de vida nmade e a forma
religiosa - , mas entrementes, se no for rejeitada por completo, s pode ser assumida
com ressalvas e alteraes. De fato a expresso "Deus de meu/seu pai" (31.5,42 e
outras) parece ser mais antiga que o plural "Deus de meus/seus pais" (x 3.13ss.); da
mesma forma, formulaes isoladas tais como "Deus de Abrao" (Gn 31.53; SI 47.10),
"Temor (Parente?) de Isaque" (Gn 31.42,53) ou "Poderoso (Touro?) de Jac" (49.24;
SI 132.2,5) parecem ser mais antigas que a frmula sinttica "Deus de Abrao, lsaque
e Jac" (x 3.6,15s.). Nesta frmula se juntam as diversas divindades de cls ou
famlias, formando um nico Deus, o que deve ter acontecido depois da juno das
tradies patriarcais, originalmente vinculadas a diversas localidades. No entanto, a
existncia de uma f de nmades num Deus patriarcal, vinculado a pessoas e no a
lugares, inferida por A. Alt, no pde ser comprovada at agora no Antigo Oriente e
tambm no no caso dos bedunos pr-islmicos. Nomes de Deus formulados de
maneira parecida por via de regra no so nomes prprios, mas apenas cognomes.
Sero, portanto, tambm aqueles nomes do Deus dos pais apenas cognomes, qual seja,
do deus En
Teroos pais adorado seu deus ou seus deuses sob o nome comum entre os semitas: El!
Mas os textos do AT que comprovam que os pais nmades adoravam o Deus El
(Gn 49.25; cf. 33.20; 46.3; x 15.2; 18.4) dificilmente so to antigos e confiveis como
Gn 31.53. Provavelmente devemos diferenciar entre a f dos grupos patriarcais e a
religio praticada em santurios da terra cultivada, como Betel, e distinguir esta, por sua
vez, da posterior adorao de Jav por parte do povo de Israel. Seja qual for a opinio
que se tenha sobre a possibilidade de clarear a escurido da pr-histria, no h dvida
de que a f em Jav tinha precursores.

325
Thmbm os nomes de El so multiformes e podem ser comprovados na forma
conservada no AT apenas de modo restrito atravs de paralelos extrabblicos. O nome
El'Olsm, "Deus (da) eternidade" (Gn 21.33), deve estar relacionado com Berseba, EI
Ro'i, o "Deus que me v (?)" (16.13), com um poo localizado no Sul, EI Bet-El,
"Deus (de) Betel" (35.7; cf. 31.13; Jr 48.13), com o santurio do mesmo nome e EI
'Elyon, "o Deus supremo" (Gn 14.18ss.; cf. Nm 24.16; SI 46.5; 47.3; 82.6 e outras),
com Jerusalm. Parece que nestas denominaes sobrevivem as divindades locais que
eram adoradas no respectivo lugar e (segundo O. Eissfeldt) talvez fossem compreendi-
das como manifestaes locais do nico Deus El. Em contraposio, o nome "El, Deus
de Israel" (Gn 33.20; cf. Js 8.30), que aponta para Siqum, j diferente na sua forma
e comprova antes a vinculao a um grupo.
Em sua tentativa de sistematizare periodizar antigas tradies, o Escrito Sacerdo-
tal sintetiza no conceito EI Shaddai os diversos nomes de Deus da poca patriarcal,
diferenciando, assim, a poca patriarcal (em Cana) da poca pr-histrica anterior e da
poca mosaica subseqente (Gn 17.1; 28.3 e outras at x 6.3; cf. 8b). A traduo "o
Todo-Poderoso" remonta (por intermdio da Vulgata: omnipotens) LXX, que no livro
de J reproduz vrias vezes Shaddai por "Pantocrata".
O AT conservou as mltiplas formas nominais porque EI tambm pode
ser interpretado como apelativo, "Deus", de sorte que o antigo nome prprio
s aparece ainda como cognome ou atributivo de Jav: "o Deus eterno", "o
Altssimo" (Gn 21.33; SI 47.3 e outras). Alm disto os diversos elementos
traditivos mantm ou adquirem em ltima anlise apenas uma intencionalidade
no AT: a de transmitir "as promessas feitas aos pais" (Rm 15.8). Deus conduz
os patriarcas e suas famlias para o futuro, prometendo-lhes proteo e assistn-
cia na sua caminhada (Gn 28.15; 31.3,5; 35.3; 46.3s. e outras), descendentes
(18; 16.11s. e outras), como tambm a posse de terra (12.6s.; 15.7,18; 28.13 e
outras). Por conseguinte a f se manifesta numa confiana esperanosa na
promessa de salvao futura, j presente na conduo divina: "Eu sou conti-
go!" (26.24,28 e outras).
As promessas esto to difundidas na tradio patriarcal, que devem ter a as suas
origens e no em contextos mais recentes. Todavia, um ncleo bsico da tradio
patriarcal - que dificilmente conseguimos delimitar com preciso - foi ampliado
consideravelmente de acordo com experincias posteriores e com isto, modificado.
Desta maneira a promessa de um filho foi associada constituio do povo de Israel
(12.2; 17.4ss.; 26.4 e outras), e a promessa de terra foi considerada cumprida apenas
aps a ocupao da Palestina (sobretudo Dt 6.10 e outras). Segundo o Escrito Sacerdo-
tal, a fonte mais recente, os patriarcasviviam na "terra de (...) peregrinaes" (Gn 17.8;
28.4 e outras) e obtinham com o local de sepultamento (Gn 23) apenas um penhor do
futuro prometido (cf. 8a,6). Com isto o AT constata, ao mesmo tempo, que o povo
no estava vinculado com a terra desde o princpio, como que de forma natural e bvia;
a posse de terra , antes, um bem prometido e concedido por Deus, que Israel no
conseguiu obter com suas prprias foras (Dt 8.17; 9.6), constituindo assim em ltima
anlise no propriedade sua, mas propriedade de Deus (Lv 25.23; Js 22.19).
2.2. Segundo testemunhos antigos do AT, diversificados e por isto confi-

326
veis, o Sinai foi a ptria de Jav (Jz 5.4s.; Dt 33.2; x 19ss.). Talvez Jav j
tenha sido adorado pelos quenitas (cf. Gn 4.15) ou midianitas (x 18.12). Foi
possivelmente na convivncia com eles que Moiss, casado com a filha de um
sacerdote midianita (segundo x 2.15ss.), conheceu o nome de Jav, levando a
f em Jav, em seguida, aos seus conterrneos, obrigados a prestarem trabalhos
forados no Egito. Prometeu Moiss a ajuda de Jav aos oprimidos (como
afirma x 3.8,16s. J, enquanto que 3.10-12 E atribui, decerto para ressaltar a
transcendncia de Deus, um papel de liderana a Moiss)? Neste sentido, os
diferentes fios traditivos (3.13ss.,16) destacam da mesma forma a identidade do
Deus dos patriarcas com Jav; a isto corresponde que Jav se manifesta da
mesma maneira: na promessa. S que esta promessa no mais se restringe
famlia ou ao cl, mas se estende a todo o povo (3.7s.,16s. J,9ss. E). Enquanto
no tratamento utilizado diante do fara se usa a designao "Deus dos he-
breus" (5.3 e outras), entende-se pelo contexto (3.18; 7.16 e outras) que se trata
de Jav. Agradece-se a ele (x 15) depois que o povo salvo dos inimigos que
o perseguem (x 14). J nas tradies mais antigas ainda identificveis este
evento no era considerado mero fenmeno natural nem smples vitria de
Israel, mas feito de Jav: foi ele quem "lanou" (segundo o cntico de Miri:
15.21) ou "sacudiu" (14.27 J) os inimigos para dentro do mar. Assim se
reconhece a Deus atravs de seu agir, e por isto louvado - at o hino tardio
do SI 103.2: "Bendize, minha alma, a Jav, e no te esqueas de nem um s
de seus benefcios!' Visto que o acontecimento preserva um signifIcado que
ultrapassa o mbito daqueles que foram diretamente atingidos e com isto se
mantm aberto em relao ao futuro, podem ser acrescentados a este evento
singular outros acontecimentos, de sorte que na retrospectiva o louvor a Deus
abarca uma sucesso de acontecimentos (como acontece no cntico de Moiss:
x 15.1-18; cf. SI 105s.; 135s. e outras). Mas a libertao do Egito conside-
rada ao longo da histria de Israel como o ato fundamental da eleio de Israel
(Os 12.10: "Eu sou [...] teu Deus, desde a terra do Egito"; cf. SI 114.1s. e
outras). A confisso: "Jav, que conduziu Israel para fora do Egito" se toma,
"considerando a freqncia com que ocorre, o enunciado teolgico mais im-
portante do AT" (E. Zenger), perpassando amplos trechos da literatura do AT
- com exceo da literatura sapiencial ou da tradio jerosolirnita - e con-
vertendo-se em fundamento da eleio do povo (cf. Arn 3.1s.; 9.7 e outras).
2.3. 'Iraos caractersticos completamente diferentes apresenta a percope
do Sinai: o Deus que acompanha seu povo habita ou se manifesta em cima de
um morro, revela-se no atravs de promessas e aes, mas antes em manda-
mento e lei. controvertido se a tradio do xodo e a do Sinai formaram desde
o princpio uma unidade. Comum a ambos os blocos traditivos a figura de
Moiss, mas sobretudo o Deus Jav. Segundo x 19.16ss., sua revelao
acompanhada de fenmenos naturais (trovo, raios, fumaa, fogo; cf. Gn 15.17),
que no tomam Deus visvel (cf. a interpretao tardia em Dt 4.12; v. abaixo

327
3.2), mas apenas indicam sua vinda. Ademais, Jav deixa de ser um deus local
ou de um monte; ele "desce" sobre o Sinai (x 19.18,20 J; cf. 24.16 P) e dali
sai para prestar socorro (Jz 5.4s.) ou acompanhar as pessoas (x 33.12ss.; Nm
10.11 ss.). A prpria teofania do Sinai sobretudo objetiva a comunho entre
Deus e o povo. Esta comunho se d atravs da viso de Deus e reforada
por uma refeio (x 24.10s.) ou um rito de sangue (24.6,8). Conseqncia
desta comunho a proclamao de mandamentos e preceitos jurdicos (x 20;
21-23; 34) que extrapolam o mbito cltico e interferem na vida cotidiana.
2.4. A salvao do povo diante dos perseguidores junto ao mar com-
preendida, desde o princpio ou desde cedo, como feito de Jav e desenvolvida
como sua interveno militar: "Vede o livramento de Jav (...). Jav pelejar
por vs, e vs vos calareis." (x 14.13s.,25; a formulao talvez seja tardia).
Pelo que afirmam x 17.8ss. (v. 16: Jav minha bandeira.) e Nm 21, a
experincia de que "Jav homem de guerra" (15.3; cf. Is 42.13) se repetiu
de novo na jornada pelo deserto, mas uma experincia feita essencialmente
depois, na terra cultivada, em especial no confronto com as cidades-estado
cananias (Jz 4s.) e por ocasio da invaso de povos vizinhos (Jz 6ss.; cf. Js
2ss.). Na conftgurao desta tradio desaparece em medida crescente (Jz 7.2;
SI 33.16ss.; 44.4,7s.; cf. Is 30.l5s. e outras) a colaborao por parte de Israel
(Jz 5.23; cf. 2 Sm 5.24).

3. Talvez tenhamos de situar Moiss nos princpios da f em Jav (x 3).


A pesquisa histrico-traditiva, no entanto, no consegue mais relacionar as
peculiaridades da f veterotestamentria com as revelaes a Moiss, j que ela
consegue apreender melhor processos traditivos relacionados a grupos do que
experincias e atuao de indivduos. Assim continua em aberto como e quando
as caractersticas ou a natureza da f veterotestamentria se cristalizaram.
3.1. O postulado da exclusividade do relacionamento com Deus, que no
pode ser inferido das religies circunvizinhas de Israel, est expresso em diver-
sos preceitos jurdicos: "Quem sacrificar a [outros] deuses (a no ser Jav
somente), ser destrudo." (x 22.19; cf. a respeito da invocao ou adorao
23.13,24; 34.14). Em contrapartida, o I2rimeiro mandamento do Declogo: "No
ters outros deuses diante de mim!" (Ex 20.3; cf. SI 81.10 e outras) formulado
numa linguagem mais genrica, que eventualmente pode incluir, alm da esfera
cltica, o comportamento cotidiano. O primeiro mandamento no contesta a
existncia de outros deuses (cf. Jz 11.23s.; 1 Sm 26.19; 2 Rs 5.17s. e outras),
mas demanda dedicao exclusiva a um Deus especftco:
"Todos os povos andam, cada um em nome de seu deus;
mas, quanto a ns, andaremos em o nome de Jav nosso Deus para todo o sempre."
(Mq 4.5; cf. ainda 1 Co 8.5s.)
Assim no se nega que "existam" deuses, mas que "estejam a para" Israel:

328
"No h salvador seno eu." (Os 13.4; Is 43.11; cf. Jr 2.13.)
Se chamamos este relacionamento com Deus de monolatria, temos de
admitir: o "mono-javismo" constitui um "estgio preliminar do monotesmo
(...), porque o postulado de exclusividade de Jav conflui para ele" (W. Hol-
sten). O monotesmo como que conseqncia terica da f veterotestament-
ria, pois com a exigncia de exclusividade se estabelece uma pretenso que
procura pennear mais e mais a realidade da vida humana, da natureza e da
histria, no deixando mais espao em termos de poder para outros deuses.
Por exemplo, probem-se a conjurao e o culto aos mortos (Lv 19.31; 20.6,27; 1
Sm 28), a feitiaria ou magia (x 22.17; Dt 18.9ss.) e o culto astral (Dt 4.19 e outras);
os astros no so grandezas mtico-numinosas (cf. Ez 8.16), mas fenmenos naturais
(Gn 1.14ss.; SI 136.7ss. e outras).
A assimilao - ou at criao - de mitos que pressupem a existncia de
vrios deuses ou a dualidade de um deus e uma deusa, ou que contam do nascimento,
do casamento ou da morte de deuses, no possvel, a no ser que sejam fortemente
alterados. Assim a concepo mtica do matrimnio divino visto como representao
para o relacionamento entre Deus e o povo (Os 1-3; Jr 2s.; Ez 16; 23).
A perguntapela incomparabilidade de Deus (j comum no Antigo Oriente): "Que
deus to grande como 'Jav'?" (SI 77.14; cf. 89.7; x 15.11; 18.11 e outras) se torna
confissoda exclusividade de Jav: "No h semelhante a ti, e no h outro Deus alm
de ti." (2 Sm 7.22; cf. SI 83.19 e outras). O Deus "altssimo" (97.9; 82.6 e outras)
o Deus exclusivo (73.11).
A crena em demnios desempenha no AT um papel secundrio, visto que
tambm os poderes ameaadores foram integrados em Deus, de sorte que o ser humano
recebe a alegria e o sofrimento, o bem e o mal da mesma mo: "Temos recebido o bem
de Deus, e no receberamos tambm o mal?" (J 2.10.)
Por isto o primeiro mandamento - ou o postulado de exclusividade que
nele transparece - tem importncia decisiva para uma parte considervel do
AT. Sobretudo os profetas tiram dele as conseqncias para sua mensagem,
como acontece na confrontao com o culto aliengena (l Rs 18; 2 Rs 1; Os;
Jr 2; 44; Ez 8 e outras), a arrogncia (Is 2.12ss. e outras), a confiana depositada
em outros poderes (30.1-3; 31.1-3 e outras) e diversas outras questes. Do
postulado da adorao exclusiva o Deuteronmio (v. acima lOb) deduz a
unidade ou unicidade de Jav e formula assim a confisso bsica para tempos
posteriores (6.4): "Ouve, Israel, Jav, nosso Deus, uno [ou nico, exclusi-
vo]! " unidade de Deus corresponde a dedicao exclusiva, indivisa do ser
humano a Deus: "Perfeito [ntegro] sers para com Jav, teu Deus." (18.13; cf.
Gn 17.1 P; 1 Rs 8.61; 11.4 e outras). Na Obra Historiogrfca Deuteronornstica
o postulado de exclusividade se torna critrio para avaliar a histria (Js 23.6ss.;
1 Rs 11.2,4; 2 Rs 17.35s. e vrias outras). Quando Dutero-Isaas insiste em
enfatizar a unicidade de Jav: "Eu sou o primeiro, e eu sou o ltimo, e alm
de mim no h Deus" (Is 44.6; cf. 43.10; 45.5; tambm Dt 4.35 e outras),

329
podemos detectar um monotesmo no enunciado de tais palavras, mas no
devemos esquecer que a mensagem do profeta do exlio no visa chegar a uma
concluso terica, mas tem em mente fortalecer a confiana no Deus que , "s
ele" , Criador e Salvador (Is 44.24) e por isto consegue ajudar (43.11; 45.21 e outras).
Aproximadamente na poca do exlio encontramos em diversos mbitos literrios
enunciados monotestas ou de conotao monotesta (Gn 1.1 P; Dt 4.39; 32.39; 2 Sm
7.22; 2 Rs 5.15; DtIs e outras).
3.2. A proibio de imagens, que no tem paralelo na circunvizinhana e
na poca do antigo Israel, encontra-se em todas as colees de leis: interdita a
confeco e adorao de imagens (x 20.4; Dt 27.15; cf. Os 11.2; 13.2) ou
deuses (x 20.23; 34.17; Lv 19.4; cf. 26.1), esculpidos ou fundidos. A primeira
formulao (x 20.4: "No fars para ti imagem de escultura nem semelhana
alguma do que h em cima nos cus, nem em baixo na terra, nem nas guas
debaixo da terra") parece ser a mais antiga; na outra, o primeiro e o segundo
mandamento j se fundiram numa unidade. A proximidade temtica e a estreita
relao entre estes dois mandamentos, decisivos para a f em Jav, tambm
transparecem no Declogo (mediante as glosas interpretativas: x 20.5: "No
as adorars!") e em outros textos (x 34.14,17; Lv 19.4; cf. Jr 1.16 e outras).
A polmica contra a adorao de imagens, caracterstica nas partes mais recen-
tes do AT (Is 2.8,20; 40.19s.; 44.9ss.; Jr 10; SI 115.4ss. e outras), foi iniciada
por Osias (8.4ss.; 1O.5s.; 11.2; 13.2) e ainda falta em Elias ou Ams (apesar
de 5.26; 8.14). Mas provavelmente no houve na f em Jav oficial, sobretudo
no templo de Jerusalm, nenhuma imagem especificamente de Jav (cf. porm
Jz 17s.). O AT exclui o que para o meio religioso circundante (com exceo de
Zaratustra) era algo costumeiro, natural, respeitado e santo. Pode adotar a
expresso "ver o rosto de Deus", sem ao mesmo tempo presssupor o objeto
- que haja uma imagem de Deus no santurio. Israel utiliza, portanto, a
expresso apenas no sentido figurado.
difcil estabelecer de onde provm, o que motivou e como iniciou a
proibio de imagens; mais fcil delinear suas implicaes. Em primeiro
lugar, a proibio de imagens no deve ter tido a pretenso de preservar a
"personalidade" de Jav. Pois no decorrer do tempo e em medida crescente ela
destaca a diferena entre Deus e o mundo, ou seja, a transcendncia de Deus.
Nada nos cus, na terra ou debaixo da terra deve ou pode (segundo a explana-
o em x 20.4) retratar Deus. Seja masculino ou feminino, Deus no pode ser
representado nem concebido em categorias mundanas (Dt 4.15ss.). A no se
traa por princpio um limite entre o mundo espiritual e o mundo dos sentidos;
faz-se, antes, distino entre os prprios sentidos. At por ocasio de sua
revelao Deus no se tornou visvel (Dt 4.12): "A voz das palavras ouvistes;
porm (...) no vistes aparncia nenhuma."
Em conformidade com este procedimento, figuras retricas e de lingua-

330
gem (Os 5.12,14; Lm 3.10 e outras) no so proibidas: o AT admite que o
ouvido escute o que o olho no deve enxergar. Mesmo que - excepcionalmen-
te - algum "veja" a Deus, no se descreve sua aparncia (x 24.10s.; cf. Gn
12.7 J; 17.1,3 P; vises profticas como Is 6). Algumas aluses bastante reti-
centes encontramos apenas em Ez 1.22ss., em uma comparao que j indica,
no entanto, a inadequao da mesma: "semelhante a um homem", e em Dn
7.9ss., que descreve de maneira sucinta o "Ancio de dias". Em si vale o
princpio: "Homem nenhum ver a minha face, e viver." (x 33.20; cf. Jz
13.22; Is 6.5 e outras). At em narrativas de cunho mtico mais pronunciado,
segundo as quais Deus intervm diretamente no que acontece no mundo, ele
continua oculto aos olhos humanos na sua atuao (Gn 2.21; 15.12; 19.17,26;
x 12.22s.). Assim, Moiss (x 3.6) e Elias (l Rs 19.13) cobrem seu rosto na
presena de Deus (segundo Is 6.2 inclusive os serafrns). 1mbm um mensagei-
ro ou anjo pode representar a Deus na esfera do visvel (x 3.2 em contrapo-
sio a 3.4ss.), apresentando-se, atuando e falando como se fosse Deus (Gn
21.17s.; cf. 16.22; Jz 6; 13 e outras). Segundo x 33.12ss., o Deus longnquo
est prximo em sua "face"; segundo a Obra Historiogrfica Deuteronomstica
(l Rs 8.16ss.,29 e outras), no seu "nome"; e, segundo o Escrito Sacerdotal (x
16.7,10; 24.16s. e outras), em sua "glria". Assim se diferencia alternadamente
entre Deus e sua presena na terra, o fato de ele ser-para-si e o de voltar-se ao
ser humano, entre a sua liberdade e a sua revelao, sua transcendncia e sua
atuao na histria; ao mesmo tempo, ambos os aspectos so afrrmados. Con-
tudo, pode-se esperar que haja no futuro um encontro com Deus sem mediao
("face a face": Ez 20.35; "olho no olho": Is 52.8), de modo que "a glria de
Jav se manifestar, etodaacame a ver" (Is 40.5; cf. 52.10; tambm 1 Co 13.12).
3.3. O AT pode compreender um fato histrico to rigorosa e exclusiva-
mente como feito de Deus, que este feito serve para descrever a essncia divina:
"Eu sou Jav teu Deus, que te tirei [i. e., libertei] da terra do Egito." (x 20.2.)
Em analogia, o Deus de Abrao caracterizado na retrospectiva (Gn 15.7): "Eu
sou Jav que te tirei de Ur dos caldeus." Quem e como Deus parece
evidenciar-se na histria. Embora j existisse no Antigo Oriente a concepo de
que Deus se revela na histria, cabe ressaltar que "a noo de que aconteci-
mentos histricos so manifestaes divinas marcou o culto israelita de uma
forma que no encontra paralelos reais entre os vizinhos de Israel" (B. Albrekt-
son). Assim se atribui Pscoa a funo de atualizar a estada no Egito; o rito
que se repete regularmente no deve repetir a histria, mas' 'recordar" o evento
nico (x 12.14; cf. Dt 16.3.12), para que as geraes futuras se conscientizem
tanto do distanciamento temporal como tambm do significado atualizado.
Talvez a exclusividade e a historicidade da f veterotestamentria estejam pro-
fundamente entrelaadas: j que a f de Israel no conhece nenhum inter-rela-
cionamento entre os deuses, todo feito do Deus nico mostra sua postura diante
do mundo e/ou diante do ser humano.

331
Na sntese mais recente do assim chamado "pequeno credo" (Dt 26.5-11;
cf. SI 136 e outras), p. ex., aparecem acontecimentos histricos importantes,
colocados em ordem cronolgica e apresentados como obra de Jav; ou a
comunidade professa, na retrospectiva, que a preservao de Jerusalm consti-
tuiu um ato clemente de Deus: "Se Jav Zebaote no nos tivesse deixado
alguns sobreviventes, j nos teramos tomado como Sodoma, e semelhantes a
Gomorra!' (Is 1.9; cf. SI 94.17). A posteridade pode expressar sua esperana
atravs de uma nova profisso de f que descreve o que acontecer no futuro
como feito de Deus (Jr 23.7s.; Is 48.20; cf. 44.23 e outras). Como, p. ex., na
palavra introdutria do Declogo acima citada, o "eu" de Deus afirma ter
plasmado o passado, assim os profetas podem predizer o futuro, utilizando uma
fala divina na primeira pessoa singular (Am 5.27; 6.14 e outras). J a tradio
do xodo conta que o Deus de Israel tambm tinha poder sobre o Egito (x
7-15; cf. Gn 12.17 e outras), e de maneira mais acentuada ainda os profetas
incorporam os povos estrangeiros na sua mensagem (p. ex. Am 9.7): "No fiz
eu subir a Israel da terra do Egito, os filisteus de Creta e os arameus de Quir?"
As decises que j foram tomadas ou ainda devem ser tomadas na histria, fatos
acontecidos ou anunciados podem ser compreendidos como desgnio de Deus,
de sorte que a responsabilidade humana e a atuao de Deus no se excluem
(cf. Gn 50.20 E; Ex 8.15; 9.12 P; 2 Sm 17.14; Is 29.10; 30.9,15 e outras). No
contexto desta f e desta mentalidade se toma compreensvel que, segundo a
interpretao controvertida de x 3.14, o nome Jav - depois da promessa:
"Eu serei contigo!" (3.12) - desenvolvido como anncio da presena e da
atuao de Deus: "Serei quem eu serei."
Mantendo e desenvolvendo as peculiaridades arroladas acima (3.1-3), a f
veterotestamentria articula novos enunciados sobre Deus que extrapolam em
muito a relao Deus-povo, porm incorporando de maneira criteriosa concep-
es de religies vizinhas, selecionando e adaptando contedos ao prprio da
f israelita.
4.1. A f no Criador talvez constitua a principal herana deixada pelo AT
cristandade. Enunciados referentes criao, no entanto, de forma alguma
marcam todo o AT, mas tm seus centros de gravidade em certas reas (sobre-
tudo em Gn 1s.; o Saltrio; DtIs; a literatura sapiencial: Pv/J/Ec; acrscimos
aos livros profticos) e surgiram predominantemente em um perodo mais
recente, exlico ou ps-exlico (Gn 1 P; SI 8; 33; 136; 148; Is 40. 12ss. e outras),
embora no faltem textos da poca do incio da monarquia (p. ex., Gn 2 J;
14.19ss.; talvez 1 Rs 8.12 LXX; SI 19 A; 24.2; 104; Pv 14.31 e outras). Ao que
parece, a f do AT j estava profundamente marcada pelas tradies histricas
mais antigas (dos patriarcas, xodo, Sinai), que tambm conhecem o poder de
Jav sobre a natureza (x 14-17; 19.16ss. e outras) antes de confessar o Criador.
Assim no se deduz a salvao da natureza, mas se interpreta o mundo como

332
criao a partir das experincias da f na histria. Ao incluir os primrdios, a
f assume dimenses universais - extrapolando a vida da comunidade e do
indivduo.
Neste processo se formularam os enunciados veterotestamentrios a respeito da
criao, em confronto com as concepes cosmognicas e antropognicas conhecidas
do meio circundante. Estas concepes ressoam no episdio retratado em Gn 14.19ss.:
Melquisedeque, rei de (Jeru-)Salm, abenoa Abrao em nome de EI 'EIyaD, "o Deus
Altssimo que criou o cu e a terra" (tambm a estranha designao de Deus aqui
conservada deve se referir a Jav; cf. 14.22; SI 47.3). Motivos que contradizem a prpria
f (como a criao do ser humano a partir de sangue divino) foram excludos; outros
(como a batalha contra o mar e a batalha contra o drago: SI 74.12ss.; 77.17ss.; 89.lOss.;
Is 27.1; 51.9s. e outras) so apenas utilizados em aluses poticas.
Porm as concepes surpreendentemente multiformes sobre a criao no AT (cf.
p. ex. Gn 1.24; 2.7,19; SI 90.2; 139.15s.; Is 42.5; 45.18; 48.13 e vrias outras) no se
fundem numa "cosmoviso" mais ou menos coesa, mas, ao contrrio, so colocadas
de forma dissonante lado a lado. Quando o AT interliga relatos de criao fundamental-
mente diferentes como Gn 1 e 2, parece que no acha mais essencial retratar a maneira
como ocorre a criao; decisiva a inteno comum de enunciados to diferentes: Deus
criou o mundo todo com seu espao vital, as criaturas (Gn 1; SI 104; 121.2 e outras),
os seres humanos (8; 22.lOs.; 139.13s.; Jr 1.5 e outras), e seu Senhor (SI 24.1s. e outras).
Alm disto encontramos ali afmnaes que esto de maneira especial em confor-
midade com a f e - correspondendo ao primeiro e ao segundo mandamento -
destacam tanto a incomparabilidade de Deus como tambm a sua liberdade de atuao:
"Ele falou, e tudo se fez." (SI 33.6,9; 148.5; Lm 3.37; Gn 1.3 e outras); ele "chama"
os astros (Is 40.26) e concede terra a fora necessria para que brote a vegetao (Gn
l.11s.,24; 8.22), como tambm d aos seres vivos as condies necessrias para que se
reproduzam (1.22,28). Seu "criar" (bara': Gn 1.1,27 e outras) no necessita de nenhu-
ma matria-prima e, como no AT este verbo reservado a Deus, seu ato criador no
pode ser comparado com a atuao humana. O termo nada explica a respeito de
"como" sua concretizao.

o relato da criao de Gn 1 (v. acima Sb) compreende o universo e o


espao vital, bem como a prpria vida, como ddiva de Deus e, ao comear
desde o "princpio", aponta para a histria - primeiro para a histria do ser
humano que se distingue de todos os outros seres vivos, por ser imagem (1.26s.;
9.6) e interlocutor de Deus (1.2Ss.), e depois (a partir de Gn 17; x 1.7 P), para
a histria do povo. Conforme Gn 1, o mundo criado por Deus - um mundo
belo e til, que ainda no conhece o derramamento de sangue (1.29s.; cf. o
trecho correspondente 2.Sss. J) - recebe a sua total aprovao: "Eis que era
muito bom!" (Gn 1.31) Quando mais tarde surge a "violncia", diz-se, ao
contrrio: "Eis que estava corrompida [a terra]." (6.lls. P; cf. 3.14ss.; 4.6ss.
J). Somente os dois juzos juntos mostram na sua tenso a ambigidade da
realidade presente.

333
Os salmos destacam que a confisso de f no Criador inclui vivncias
atuais (SI 8; 104; 139 e outras) e expressam a confiana naquele Criador que
pode ajudar na necessidade (121.1s; cf. 33 e outras). Para a Sabedoria na
atitude diante do oprimido que se espelha a atitude frente ao Criador (Pv 14.31;
17.5); mas a criao continua sendo o fundamento que tambm suporta e
comporta a contradio entre riqueza e pobreza (22.2; 29.13; cf. J 31.13ss.; Ml
2.10). Deus criou o mundo "com sabedoria" (Pv 3.19s.; 8.22ss.; cf. J 38s.),
embora Eclesiastes se mostre ctico e acrescente que o ser humano no capaz
de perscrutar esta ordem na criao.
Em contrapartida, o profeta Dutero-Isaas pode justificar suas promessas
recorrendo criao - e no histria, que se tomou dbia pela inciso
profunda representada pelo exlio - para enfatizar: apesar da impotncia do
povo, Deus tem o poder e a capacidade de realizar a redeno anunciada (Is
40.12ss.; 45.7s.,18 e outras). Nisto a criao se aproxima da eleio e redeno
(43.1s.; 44.2,24 e outras), mais ainda: a salvao futura se assemelha a uma
nova criao: "Eis que fao coisa nova" (43.19; 48.6s.), "novos cus e nova
terra" (65.17; 66.22; cf. Jr 31.22 e outras).
4.2. A f veterotestamentria tambm sofreu transformaes quando deu
a Jav o ttulo de rei. De maneira semelhante ao ocorrido com a criao, a f
israelita modificou tambm a concepo do "reinado" de Jav, deslocando seu
significado para o futuro. Em sua origem a maneira como se fala da "realeza"
de Deus justamente no professa a exclusividade de Deus, mas pressupe a
concepo difundida nas religies vtero-orientais de que h um amplo crculo
de deuses presidido por um soberano. Quando Israel assimilou esta concepo
teolgica na terra cultivada, pde proclamar seu prprio Deus como sendo o rei
dos deuses e decretar desta forma o senhorio universal de Jav: "Jav o Deus
supremo, e o grande rei acima de todos os deuses" (SI 95.3; cf. 29.1s.,1O; 47.3;
Is 6 e outras). No entanto, a supremacia deste Deus sobre os outros deuses (SI
97.7,9) se transforma - no sentido do primeiro mandamento - na afirmao
de que ele o nico "rei de Israel" (Is 44.6), "vosso rei" (43.15), de forma
que o ttulo comprova tanto o senhorio, como tambm a disposio de Deus
para estabelecer comunho (33.22): "Jav o nosso rei: ele nos salvar."
Talvez se pudesse ouvir na festa de outono em Jerusalm, p. ex. por ocasio de
uma procisso com a arca, a exclamao: "Jav se tomou rei", como sugerem
os assim chamados "salmos de entronizao", tambm conhecidos por "cn-
ticos do rei Jav" (sobretudo SI 47; 93; depois 96-99; cf. 24.7ss.; Zc 14.16ss.).
Quando Dutero-Isaas assimila esta tradio, transforma a frmula em promes-
sa: "'leu Deus se tornou rei". Entende que esta palavra ainda est por se
concretizar e anuncia o irromper do reinado de Deus " vista de todas as
naes" para o futuro prximo (Is 52.7-10). Quando outros profetas (Ez 20.33ss.;
Mq 2.12s.; 4.7 e outras) assumem e transmitem esta expectativa, a confisso de

334
f no reinado de Deus equivale a uma interpretao do primeiro mandamento
voltada ao futuro:
"Jav ser rei sobre toda a terra;
naquele dia um s ser Jav; e um s ser o seu nome."
(Zc 14.9; cf. 14.16.)
O reinado universal de Deus abrange inclusive os mortos (SI 22.28-30), ou
Deus "tragar a morte para sempre" (Is 24.23; 25.6-8) quando reinar incondi-
cionalmente e aceitar os povos na sua comunho. Todavia, o reinado de Deus
no aguardado apenas no futuro, mas tambm se cr que ele j se concretiza
no presente (SI 103.19) e se professa: "o domnio de Deus sempiterno, e seu
reino de gerao em gerao" (Dn 4.31; cf. 2.46s.; 3.33; 6.26s.; SI 145.13).
Por isto o mundo j pode ser convocado agora para se alegrar com o senhorio
de Deus: "Jav se tornou rei - regozije-se a terra!" (SI 97.1; cf. 98.6.)

5. O juzo: "A Bblia fala constante e amplamente de propriedades divi-


nas" (G. Ebeling), ao que parece, no se aplica ao AT. Desconsiderando ttulos
como "rei" ou "senhor", o AT reserva poucos atributos a Deus, no o elogia,
acumulando cognomes, e por via de regra no enumera propriedades atribudas
a Deus, mas costuma se referir a ele na forma verbal. Neste ponto se percebe
tambm uma certa cautela crtica diante das possibilidades lingsticas que o
Antigo Oriente oferece; pois os atributos com que se designa a Jav devem
fazer jus exclusividade - bem como contextualidade histrica - da f. Ao
mesmo tempo se evidencia claramente quo pouco o AT contm uma doutrina
sistematicamente refletida sobre Deus.
5.1. O AT justificou e interpretou - decerto somente mais tarde - o
postulado da adorao exclusiva de Deus com o "zelo" de Jav (x 20.5;
34.14; Dt 4.23s.; 6.14s. e outras). Ao usar o atributo "zeloso", o AT entende o
termo semtico genrico El, "Deus", no sentido rigoroso do primeiro manda-
mento. Este "santo zelo" no se volta - em forma de cime ou inveja -
contra deuses estranhos, mas contra Israel (Js 24.19 e outras), embora tambm
possa trazer salvao ao povo (Is 9.6; Zc 1.14 e outras).
Enquanto que j o Antigo Oriente podia chamar uma divindade de "san-
ta" (cf. a meno aos "filhos dos deuses": x 15.11; SI 89.6,8; a Sio: SI 46.5;
48.2), o AT defme a "santidade" de Deus como "zelo" Os 24.19): "No h
santo como Jav" (l Sm 2.2; cf. Is 6.3; 40.25). O "Santo de Israel" acusa o
seu povo (Is 1.4 e outras) e realiza depois do juzo a salvao (41.14 e outras;
cf. 57.15; Os 11.9). Assim o Deus excelso continua prximo aos seres humanos
(SI 99.9): "Santo Jav, nosso Deus."
No Antigo Testamento Jav no chamado de "vivo" por ser um Deus
que morre e ressuscita, adquirindo assim vida nova depois da morte, mas

335
porque demonstra ser "verdadeiramente Deus" (Jr 10.10) e , como tal, "vivo"
(l Sm 17.26,36 e outras) e pode presentear vida: "A minha alma tem sede de
Deus, do Deus vivo." (SI 42.3,9; cf. 84.3; Os 2.1). Ele "o manancial da
vida" (SI 36.10; cf. Jr 2.13 e outras).
5.2. Alm do credo histrico, que aponta para os feitos de Deus na
histria, o AT tambm conhece uma frmula de confisso estruturada de forma
bem diferente, que descreve a natureza de Deus de forma aparentemente gen-
rica e atemporal, sem fazer nenhuma referncia explcita histria. Encontra-
mo-la com certas variaes em vrios textos mais recentes onde no representa
(apesar de x 34.6s.) uma autodefrnio de Deus, mas uma afirmativa de
terceiros sobre sua dedicao ao ser humano:
"Jav misericordioso e compassivo; longnimo e assaz benigno."
(SI 103.8; cf. 86.15; 145.8; Ne 9.17 e outras)
Como uma confisso to fundamental da benignidade, pacincia e dispo-
sio divina de perdoar se relaciona com a experincia humana histrica?
Mantm-se esta confisso mesmo perante a necessidade e o sofrimento -
inclusive diante da morte - , de forma que at esteja em contradio com a
realidade? "A tua graa melhor que a vida", ousa formular o SI 63.4.
Uma frmula litrgica que aparece repetidas vezes diz algo parecido:
"porque Jav bom; porque a sua misericrdia dura para sempre" (SI 106.1;
136 e passim). Alis, o AT testemunha de mltiplas formas a benignidade de
Deus (x 20.6; Is 54.10; Jr 3.12; 9.23; Os 2.21; SI 33.5; 51.3; 103; 130.7 e
vrias outras).
5.3. A confisso acima, articulada em vrias partes, que se refere graa
de Deus, ampliada em JI 2.13 (em relao a Israel) e em Jn 4.2 (em relao
aos povos) pela seguinte afmnativa: "[Deus] (...) arrepende-se do mal." Para
o AT Deus no simplesmente imutvel e inaltervel; ele no tem um posicio-
namento fmnado em defmitivo desde o princpio - em razo de sua oniscin-
cia - , mas pode "arrepender-se" de sua inteno ou de seu feito, pode mudar
sua deciso em razo do comportamento ou da intercesso humana (Gn 18.17ss.;
x 32.9ss. e outras). Face maldade abissal de sua criatura "Jav se arrependeu
de ter feito o homem" (Gn 6.5-8 J). Visto que este no se regenera mesmo
depois de ter sido punido com o dilvio, Deus muda seu posicionamento em
relao ao ser humano e lhe promete de forma absoluta que, apesar da maldade
persistente, conservar sua criao no ritmo dos anos e dos dias (8.21s. J; cf. Is
54.9). De forma anloga Deus "se arrepende" por ter escolhido Saul para ser
rei (l Sm 15.11,35; cf. quanto condenao de Jerusalm 2 Rs 23.27). Todavia,
nestes dois casos excepcionais se encara o passado como tempo j concludo e
se interpreta a tradio na retrospectiva, usando um conceito teolgico - e no
popular - de "arrependimento", oriundo de um estgio avanado de reflexo

336
(J. Jeremias). Aquilo que Gn 6-8 J sugere de forma narrativa, o profeta Osias
expressa claramente: o prprio Deus se transforma, luta consigo mesmo (11.8:
"meu corao se volta contra mim"), para curar a apostasia de Israel (14.5),
que o prprio povo no consegue superar (5.4; 7.2; 11.7 e outras). Enquanto
que para Ams (7.3,6) o arrependimento de Deus no constitui mais nenhuma
possibilidade real que pudesse adiar ou suspender o castigo desencadeado pela
culpa de Israel (7.8; 8.2), a mensagem de Osias abre a srie de enunciados
segundo os quais Deus muda de opinio, se contm ou sente compaixo e assim
preserva seu povo (x 32.11-14; Jr 26.3,13,19; Jl 2.12ss. e outras) e os outros
povos (Jr 18.7ss.; Jn 3s.) de sua ira justa e, por conseguinte, os livra da
destruio. Desta maneira, o AT pode testemunhar, por um lado, que Deus no
volta atrs para anular sua palavra (de salvao): "Deus no homem, para que
minta; nem filho do homem, para que se arrependa." (Nm 23.19; cf. 1 Sm
15.29 e outras). Por outro lado, porm, espera que as pessoas se convertam e
que Deus se arrependa (Jr 18.7s.; Jl 2.12-14 e outras).
5.4. Deus o juiz do mundo (SI 82; 96ss.) e dos indivduos; ele prova o
corao (7.9ss.; 9.5; cf. 1 Rs 8.30ss. e outras). Este Deus do direito socorre
aquele que o invoca (SI 4.2; 31.2 e outras): "Compassivo e justo Jav; o
nosso Deus misericordioso" (116.5; cf. 25.8; 145.17; Is 45.21). Porque a
justia de Deus constitui sua atuao salvffica (como j afirma o cntico de
Dbora: Jz 5.11), o salmista pode pedir, por um lado: "Por tua fidelidade, por
tua justia, responde-me!" (SI 143.1), enquanto que, por outro lado, pode
louvar a disposio de Deus em ajudar: "A minha boca relatar a tua justia e
de contnuo os feitos da tua salvao." (71.15; cf. 40.lOs.; 145.7 e outras.) Ao
futuro governante ser inclusive atribudo o ttulo de "Jav-Justia-Nossa" (Jr
23.6; cf. 33.16).
Da mesma maneira, outros predicados mais raros, como "fiel" (01 7.9;
cf. Is 65.16 e outras), "perdoador" (SI 99.8) ou tambm "que se esconde" (Is
8.17; 45.15), atribudos a Deus, se referem ao relacionamento de Deus com o
ser humano. A as "propriedades" de Deus compreendem no apenas sua
atitude mental, mas ao mesmo tempo sua capacidade e disposio de agir,
abarcando, portanto, inteno e ao, ser e agir: "Justo Jav em todos os seus
caminhos, benigno em todas as suas obras." (SI 145.17; cf. 103.8-10.)
Deus atua de maneira singular, especial e constante tambm mediante seu Esprito
(em hebraico uma forma feminina). Desperta os assim chamados "juzes maiores" (Jz
6.34 e outras) e os primeiros profetas (l Sm 1O.6ss.; 19.20ss.; cf. Nm 11.16ss.),
enquanto que os assim chamados profetas literrios se apiam antes na palavra do que
no Esprito (ao contrrio: Ez 3.12,14 e outras; cf. Os 9.7; Jr 29.26; Mq 3.8; Is 61.1). O
Esprito de Deus uma fora que concede (SI 104.29s.; J 33.4; cf. Gn 2.7 e outras) e
renova a vida (nova criao: Ez 37; cf. Jl 3.1s.; SI 51.12s.), a presena de Deus junto
sua criatura (SI 139.7). O Esprito de Deus e a "carne", que representa a impotncia
humana, podem se contrapor (ls 31.3; 40.6s.; tambm Zc 4.6).

337
6.1. O rei experimenta de forma especial a dedicao de Deus: Jav "d
grandes vitrias ao seu rei e usa de benignidade para com o seu ungido, com
Davi e sua posteridade para sempre" (SI 18.51). Deus escolheu Davi e o Sio
(1 Rs 8.16: LXX; SI 132). Juntamente com a coroa Deus d a bno, vida,
altivez, de sorte que o rei pode confiar em Deus: "O rei confia em Jav, e pela
misericrdia do Altssimo jamais vacilar." (21.4-8.) Embora o rei deva ajudar
aos pobres (72.12ss.), ele mesmo depende de auxlio alheio (20.2ss.,IO). Esta
dependncia se mostra, p. ex., no pedido do rei (1 Rs 3.5ss.; SI 2.8; 21.3,5;
144.7) ou na intercesso por ele (20.2ss.; 72.1; 132.1,10). Enquanto que os
heris da poca dos juzes so convocados diretamente, parece que a instalao
do rei em seu cargo ocorre de forma mediada. Sua legitimao se baseia numa
palavra de Deus que lhe assegura na primeira pessoa do singular (decerto
atravs de um interlocutor proftico): "Tu s meu filho." (SI 2.7; cf. 89.4s.,28ss.)
A distino entre a ao divina e a humana . sugerida na palavra anloga de
instalao do rei em seu cargo: "Assenta-te minha direita, at que eu ponha
os teus inimigos como escabelo de teus ps!" (110.1) e destacada cada vez
mais, at que ambas as atuaes podem ser contrapostas: "No h rei que se
salve com o poder dos seus exrcitos (...). Eis que os olhos de Jav esto sobre
os que o temem." (33.16,18; cf.20.8s.; 147.lOs.) Assim tambm o governante
includo na confisso da impotncia humana (89.48s.; 144.3s.), reservando-se
mais espao atuao de Deus.
6.2. Percebe-se uma tendncia anloga, embora mais intensa, nas profe-
cias messinicas. O Messias no propriamente "portador da salvao", mas
surge depois que Deus j criou uma situao de paz. Assim o Messias pode ser
denominado "governante da paz", porque no promove mais a guerra (Is
9.1-4,5s.). O prprio Deus quebra o jugo (cf. x 14s.; SI 20.8s. e outras), traz
ou a luz, isto , a salvao, a redeno (Is 9.1; cf. 60.1s.; SI 27.1; 36.10 e
outras). O rei do futuro "apascentar o povo na fora de Jav" (Mq 5.3), e
inclusive lhe atribudo o nome "Jav-Justia-Nossa" (Jr 23.5s.). Desta forma
o Messias est, por um lado, bem prximo de Deus e quase se equipara a ele.
Os ttulos honorficos "Planejador de Maravilhas", "Deus Forte" ou "Deus
Heri" e "Pai Eterno" (Is 9.5) so predicativos atribudos somente a Deus (cf.
28.29 ou SI 24.8). Apesar de lembrarem concepes e costumes vtero-orien-
tais, em especial egpcios, em Israel estes ttulos dificilmente foram transferidos
de Deus para o soberano humano (apesar do tratamento - nico no AT -
dado ao rei em SI 45.7: "Deus", "divino"). Estes ttulos, ao que parece,
estavam reservados ao ungido esperado no futuro. Por outro lado, o Messias
continua subordinado a Deus; entre os carismas atribudos a ele tambm est o
do "esprito de temor de Jav" (Is 11.2). De acordo com a ltima profecia
messinica do AT (Zc 9.9s.), o Messias vem pacificamente, montado num
burrico, em vez de estar montado num cavalo de guerra, e carece da ajuda de
Deus como "pobre" que (cf. SI 20.7,10; 33.16), mas divulga sua mensagem

338
de paz em todo o mundo e "proclama a salvao dos povos". Assim, o
senhorio do Messias adquire uma dimenso universal (cf. Mq 5.3; Is 11.10;
tambm SI 72.8 e outras) e ao mesmo tempo se confessa a humildade daquele
que vir. Semelhante o juzo que se faz mais tarde de Moiss: "Moiss era
um homem muito humilde, o mais humilde dos homens que havia na terra."
(Nm 12.3; cf., quanto ao servo de Deus, Is 53.4.)
6.3. O relacionamento especial entre Deus e o rei expresso em 2 Sm
7.14 mediante a seguinte frmula: "Eu lhe serei por pai, e ele me ser por
filho." Por natureza, o rei no de origem divina, mas declarado - presu-
mivelmente na sua entronizao - filho (SI 2.7; cf. 89.27s.; tambm Is 9.5).
Alm disto o AT vez por outra conserva a concepo mtica de "filhos de
deus" ou "filhos de deuses" (Gn 6.1-4; SI 29; 82), que, no entanto, so mais
e mais subordinados a Jav (89.6ss.; J ls. e outras).
O ttulo "filho" atribudo sobretudo ao povo: "Do Egito chamei o meu
filho." (Os 11.1; cf. x 4.22s.) Todavia, parece que em tempos mais remotos
houve uma certa reserva em comparar a relao entre Deus e Israel com o
relacionamento existente entre pai e filho, visto que com esta linguagem meta-
frica facilmente se podiam associar concepes problemticas para a f em
Jav (cf. Jr 2.27). J a afmnao: "Filhos sois de Jav vosso Deus" (01 14.1)
acarreta conseqncias para a conduta de Israel, mas os profetas chegam a
acusar o povo de serem filhos malcriados, pervertidos, rebeldes (Is 1.4; 30.1,9;
Jr 3.14,22 e outras) e com isto atestam a desobedincia de todo o povo (Os 2.6;
Jr 2.29; Ez 2.3ss. e outras). De forma anloga, o cntico de Moiss fala de
filhos em que no se pode confiar (Dt 32.20) e, ao denunciar sua culpa (33.6),
ousa falar do Criador como pai e me: "Esqueceste a Rocha que te gerou, Deus
que te deu luz." (32.18; cf. Nm 11.12.) S em nomes prprios, em parte bem
antigos - como Abrao, "(Meu Deus) Pai excelso" - , Deus chamado
com mais freqncia de "Pai", provavelmente no sentido de lder e protetor.
Em documentos posteriores a designao "Pai" se refere mais ao Criador:
"No temos ns todos o mesmo Pai?
No nos criou o mesmo Deus?"
(Ml 2.10; cf. 1.6; Is 64.7 e outras)
O aspecto da autoridade do pai amoroso (Pv 3.12) pode ficar em segundo
plano, destacando-se sua bondade e solicitude: "Como um pai se compadece
de seus filhos, assim Jav se compadece dos que o temem." (SI 103.13; cf. Mq
3.17.) Por isto a comunidade pode se dirigir ao Redentor, chamando-o "nosso
Pai" (Is 63.15s.; 64.7; cf. Jr 31.9).

7. J por ocasio da entronizao do rei parece que uma palavra de Deus,


transmitida por um porta-voz proftico, tem certa importncia. Alm disto, j

339
nos primrdios os profetas podem dirigir-se ao rei com promessas (2 Sm 7) ou
ameaas (2 Sm 12; 24; 1 Rs 2ls.).
7.1. Os assim chamados profetas literrios maiores do sculo VIII e vn
(cf. acima 13) vo alm da simples crtica ao rei (Arn 7.9,11; Is 7; Jr 21.11ss.)
ou monarquia (Os 1.4; 3.4; 8.4 e outras); sua mensagem de juzo sobre a
totalidade do povo atinge os alicerces da f veterotestamentria. Estes profetas
confrontam a acepo fundamental de que Deus simpatiza com Israel e lhe
perdoa sua culpa com a viso do futuro em que o senhorio de Deus se
evidenciar no sofrimento do povo, e mais: levar destruio de Israel.
Num ciclo de quatro vises Ams induzido a dar-se conta: "Chegou o
fim para o meu povo Israel; e jamais [no mais] passarei por ele [poupando-
o]." (8.2.) O profeta transmite tambm este anncio referente a um futuro certo
(1.3-2.6: "no o revogarei") em forma de fala divina na primeira pessoa do
singular: "Eu vos punirei por todas as vossas iniqidades." (3.2; cf. 2.13 e
outras.) J para Ams Jav mais do que simplesmente Juiz de Israel e dos
povos circunvizinhos, que tambm pune transgresses que no afetam Israel
(2.1). O seu poder ultrapassa as fronteiras das naes vizinhas (5.27; 6.14; 9.7),
indo at os limites do cosmo: nem nos confms do cu, nem nos confms do
mundo dos mortos, nem nas profundezas do mar h um esconderijo diante dele
(9.2s.; cf. SI 139.7ss.). Com isto Jav extrapola a categoria de um Deus
nacional, do Deus de um povo, voltando-se inclusive contra seu prprio povo.
Os sucessores de Ams retomam sua pregao, colocando cada qual seu
acento peculiar: Osias parece que contradiz abertamente promessa da presen-
a de Deus: "Serei (estarei presente)" (x 3.14), ao afirmar: "Vs no sois
[mais] meu povo, e eu no estou [mais] a para vs." (Os 1.9.) A dureza desta
mensagem, segundo a qual o prprio Deus denuncia a comunho com o povo,
se reflete tambm em imagens metafricas, tais como: "(...) eu sou (...) como
um leo, (...) despedao, (...) carrego minha presa e ningum salva" (5.14; cf.
5.12; 13.7s.).
I
Para Isaas Deus no mais a rocha segura (SI 18.3 e outras), mas a
"pedra de escndalo e a rocha de tropeo para ambas as casas de Israel" (Is
8.14). Como o profeta j vislumbra na cegueira do povo (9.9s.; 29.9s.) - que
os ouvintes mesmos desejam (9.12; 28.12; 30.9,12,15) e pela qual tambm so
responsabilizados - a antecipao do juzo divino, ele pode negar o atendi-
mento da orao de Israel quando profere a palavra de Deus (1.15): "Sim,
quando multiplicais vossas oraes, no as ouo [mais]."
De forma semelhante a Ams, tambm Jeremias se convence atravs de
uma viso que "se derramar o mal sobre todos os habitantes da terra" (1.13s.).
Ele at pode ser proibido de interceder por seu povo (14.11 e outras), pois deve
testemunhar tambm atravs de sua conduta: "Deste povo retirei a minha

340
salvao, a graa e a misericrdia." (16.5; cf. Am 9.4; Os 13.14.) O Deus
prximo se toma um Deus distante (Jr 23.23). Isto o prprio Jeremias experi-
menta, quando acaba isolado e contestado por causa de sua mensagem (15.17):
"Para mim te tomaste como que um riacho ilusrio." (15.18.) Assim Jeremias
(20.7) sente com maior intensidade ainda do que Ams (3.8; 7.15; cf. Is 8.11)
a obrigao que pesa sobre ele (cf. 1 Co 9.16).
Os profetas podem descrever o juzo de diversas maneiras: s vezes como encon-
tro direto com Deus (Aro 5.17; 9.1ss.; Is 1.24ss.; 2.12ss. e outras), mais freqentemente,
porm, apenas de forma indireta, como feito de Deus. A lembrana da guerra de Jav
em favor de seu povo se transforma para os profetas no prenncio de uma guerra de
Deus contra seu prprio povo (Aro 2.14ss.; Is 28.21: "a sua obra estranha" e outras).
As potncias estrangeiras so consideradas instrumento de Jav, que a seu mando
executam o juzo. Assim, o assrio "um homem forte a servio de Jav" (Is 28.2; cf.
5.26ss.; 7.18ss.; Aro 5.27; 6.14; Jr 27.6; tambm no contexto da promessa de salvao,
Is 44.23; 45.1).
Em face da iminente "ira" de Deus (Is 5.25; Jr 23.19s. e outras) se toma
compreensvel que os profetas destruam a esperana existente. "Ai de vs que
desejais o dia de Javl (...) dia de trevas e no de luz." (Am 5.18; cf. Is
2.12-17.) Quando Sofonias (1.7, 14ss.) retoma este tema, destaca-se especial-
mente que j o anncio do juzo - como mais tarde a promessa de salvao
(Is 43.19) - se concebe como expectativa escatolgica imediata: "O dia de
Jav est prximo! (...) Um dia de ira, aquele dia!" No confronto com seus
adversrios, os profetas de "salvao", Jeremias mantm sua convico: "Di-
zem: 'Salvao, salvao', quando no h salvao." (6.14; cf. 23.16ss.; 28s.;
Ez 13.) Da mesma forma os profetas podem opor-se convico do povo de
ser o povo escolhido (Am 3.2; 6.1; 9.7) e sensao de segurana manifesta
pelo mesmo: "No est Jav no meio de ns? Nenhum mal nos sobrevir!"
(Mq 3.11; cf. Jr 5.12.) Desta forma, at Jerusalm com o templo no pode
garantir a salvao (Mq 3.12; Jr 7; 26; Ez 8ss.; cf. Is 28.14ss. e outras) - ao
contrrio do que afmna a tradio de Sio (SI 46 e outras).
Os profetas esto decerto imbudos da mesma inteno quando criticam o
culto e os sacrifcios, ao proferirem a fala de Deus: "Eu odeio, eu desprezo as
vossas festas." (Am 5.21ss.; cf. 4.4s.; 5.5; Is 1.lOss.; 43.22ss. e outras.) Apon-
tam o "pecado" do povo (Am 3.2,14; 5.12; Is 1.4; 6.5 e outras) em diversas
esferas - no culto, na sociedade, no direito ou na poltica - de forma
exemplar, mas tambm contrapem diretamente e de forma genrica a dedica-
o de Deus e a apostasia de Israel: "Criei filhos (...), mas eles se rebelaram
contra mim." (Is 1.2; desenvolvido na parbola da vinha, 5.1-7; cf. Jr 2.7 e
outras.) Vez por outra se pode rastear a culpa at as suas origens ("No ventre
de sua me traiu seu irmo" - Os 12.4; cf. Is 43.27; Ez 15s.; 23 e outras) ou
constatar que no s h impenitncia (Is 30.15; Jr 6.16; Ez 2.3ss. e outras), mas

341
que at impossvel ocorrer uma converso: "O seu proceder no lhes permite
voltar para Jav." (Os 5.4; cf. Jr 2.22; 13.23 e outras.)
7.2. Apesar desta percepo to radical da realidade, os profetas literrios,
talvez com exceo de Ams, prenunciam, em face do juzo, tambm salvao,
como demonstra a ao simblica de Jeremias: durante o cerco a Jerusalm o
profeta compra um campo (Jr 32.6-15). Osias entende a deportao para a
Assria como se Israel fosse reconduzido ao Egito, de sorte que do retorno s
origens pode surgir um recomeo (8.13; 9.3,6; 11.5,11; 12.10; 2.16s.). A revira-
volta acontece como transformao em Deus ("Meu corao se volta contra
mim": 11.8) e aparece como sua obra: "Curarei sua infidelidade." (14.5;
retomado em Jr 3.22; 31.20). De forma semelhante Isaas ousa ter esperanas
no Deus "que se esconde" (8.17) e aguarda, baseando-se no que houve no
passado, um futuro renovado, concebido como feito de Deus: "Restituir-te-ei
os teus juzes, como eram antigamente, os teus conselheiros, como no princ-
pio." (1.26; cf. 28.16s.) Jeremias renova a promessa de Osias, dirigida ao
Reino do Norte: "Volta (...), porque eu sou compassivo" (3.12); e da mesma
maneira palavras mais recentes exigem um determinado comportamento, seja
de penitncia, alegria ou retido, tendo em vista o futuro salvfico (Is 44.22;
55.6s.; 56.1; 60.1; Zc 2.14; 9.9s. e outras). Enquanto Jeremias constata, sobre
o Reino do Sul, que a salvao s acontecer durante ou depois do juzo (Ir 24;
29; 32), a viso da revivificao das ossadas, por sua vez, evidencia que o
futuro do povo depender de um ato de criao divina: "Eis que porei o sopro
da vida em vs." (Ez 37.5s.) De forma similar se espera que haja uma
renovao da criao (v. acima sob 4.1) ou do ser humano: "Dar-vos-ei corao
novo." (Ez 36.26; cf. Jr 31.31ss.; SI 51.12 e outras.)
Enquanto que na mensagem dos profetas a palavra de Deus desempenha
um papel cada vez mais importante (Am 3.8; Is 9.7; Jr l.11ss.; 5.14; 23.28s. e
outras), o profeta do exlio, Dutero-Isaas, j se reporta ao cumprimento da
palavra de seus antecessores (Is 44.26; cf. 41.22s.; 43.9 e outras). Antecipando
o futuro, j ouve o chamado: "Eis a est o vosso Deus." (40.9; cf. 52.7.)
Embora a sua mensagem de salvao se tenha cumprido s de forma bem
restrita, conservada como palavra "que permanece" (40.8) e mantm sua
eficcia (55.lOs.), sendo por isto transmitida por profetas ps-exlicos como
fito-Isaas, Ageu ou Zacarias: "Canta e exulta, filha de Sio, porque eis que
venho, e habitarei no meio de ti." (Zc 2.14.) Por fim, a expectativa proftica
do futuro incorporada pelo apocalipsismo emergente, que diferencia rigorosa-
mente entre a obra de Deus e a dos homens (Dn 2.34s. e outras).

S.l. Provavelmente a f em Jav s penetrou aos poucos no pensamento


sapiencial israelita de cunho vtero-oriental (cf. acima 27), que compila e
interpreta experincias sob forma de provrbios, com o intuito de ajudar as

342
pessoas a enfrentarem as agruras da vida. Dentro deste contexto sapiencial
desempenha um papel importante o princpio da retribuio, ou melhor, a
correlao entre a boa conduta e a salvao, entre a injustia e o infortnio:
"Quem anda em integridade anda seguro; mas o que perverte os seus caminhos
ser conhecido." (Pv 10.9; cf. 26.27 e outras.) Como Deus procede diante desta
ordem existente na vida? Ele "sonda os coraes" (21.2; 16.2) e retribui ao ser
humano de acordo com seus atos (24.12; 25.21s.; Jr 17.10 e outras). "O homem
de bem alcana o favor de Jav" (Pv 12.2); injustia e arrogncia lhe so
"abominveis" (11.1,20; 16.5 e outras). Cabe ao ser humano ser humilde
(20.24; 21.30; 26.12); pois diante da ao misteriosa (25.2) de Deus a percepo
humana se mostra limitada: "O corao do homem traa o seu caminho, mas
Jav lhe dirige os passos" (16.9; cf. 16.1; 19.21); no o esforo prprio, mas
"a bno de Jav [que] enriquece" (10.22). Desta perspectiva resultam tam-
bm conseqncias ticas. Assim, no se deve oprimir o pobre; pois ele encon-
tra proteo junto ao seu Criador (14.31; 17.5; 22.22s.; 23.1s.). J que o prprio
Deus executa o castigo ou a "vingana" (cf. Gn 9.5; 2 Sm 16.8; Is 35.4; 47.3
e outras; em relao a Israel: Is 1.24), no compete ao ser humano vingar-se
(Pv 20.22; 23.17s.; 24.29; 1 Sm 24.13; S137.1s.).
Na f se integram de forma mais eficaz a experincia do mundo e da vida
sob o lema - decerto mais recente - da coleo de provrbios: "O temor de
Jav o princpio do saber." (Pv 1.7; cf. 9.10; 14.26; J 28.28; Jr 9.22s. e
outras.) O profeta Isaas at incorpora de forma crtica a tradio sapiencial na
sua mensagem do juzo de Deus e chega a afirmar: "Pois bem, tambm ele
sbio e traz a desgraa." (31.2; cf. 5.21.)
Diante do destino comum de todos - a morte - o "pregador", Cohlet
(Eclesiastes), tem dvidas a respeito da sabedoria (1.16s.; 2.14ss. e outras) e em
relao ao princpio de retribuio, pois "h justos a quem sucede segundo as
obras dos perversos, e perversos a quem sucede segundo as obras dos justos"
(8.14; cf. 7.15). No entanto, Eclesiastes aceita o .curso das coisas e as ddivas
desta vida provenientes da mo de Deus (2.24s.; 7.14; 12.1,7 e outras). Em tudo
Deus agiu bem e deve ser temido. O ser humano, no entanto, no consegue
desvendar a obra de Deus (3.11; 8.17) e por conseguinte tambm no sabe do
seu prprio futuro (3.21; 8.7; 9.12; 10.14).
Enquanto que Eclesiastes persiste na f de que Deus dirige o destino do
ser humano, apesar de a existncia humana ser imperscrutvel, J luta com o
Deus que o persegue e oprime (16.9ss.; 19.6ss.): "Arruinou-me de todos os
lados, e eu me vou; e arrancou-me a esperana, como a uma rvore." (19.10;
cf. 14.19.) Mas contra o Deus que lhe tira o direito (27.2; cf. 9.20ss.), J invoca
o Deus que defende seu direito: "A minha testemunha est no cu." (16.9-21;
19.25s.). E quando J recebe a resposta esperada (31.35), que lhe mostra a
limitao do saber e do agir humanos (38ss.), acaba concordando com Deus e

343
volta a ser humilde diante dele, depois de ter-se rebelado profundamente (42.5s.;
2.8; cf. acima 29.6).
Certa vez J ousa pronunciar o desejo de que Deus o oculte de sua ira no
reino dos mortos, para ento l se compadecer dele (14.13; cf. 19.26). Entretan-
to, a confisso de que a comunho com Deus continua mesmo depois da morte
extrapola o livro de J: "Todavia, estou sempre contigo. (...) Ainda que a minha
carne e o meu corao desfaleam, Deus (...) a minha poro, para sempre."
(SI 73.23-26; cf. 49.16.)
8.2. Ao contrrio da experincia terrvel com Deus feita por J: "Clamo
a ti, e no me respondes" (30.20; cf. 19.7), os Salmos testemunham: "Na
minha angstia clamei a Jav, e ele me respondeu." (120.1; 18.7; 22.6; 40.2;
Lm 3.55ss.; Jr 29.12; Is 55.6; 65.24 e outras.) Este clamor pode vir das
profundezas (SI 130.1), da experincia de abandono por parte de Deus (22.2)
ou da abscondidade de Deus (13.2; 88.15 e outras). E o salmista lembra e se
anima: "Por que ests to abatida, minha alma? Por que te perturbas dentro
em mim? Espera em Deus!" (42.6,12; cf. 27.14; 37.3ss.) A pergunta: "E eu,
Jav, que espero?" respondida logo em seguida: "Tu s a minha esperana!"
(39.8; cf. 71.5; 130.5ss.) O salmista confia que Deus conduzir at "no vale da
sombra da morte" a cada um (23; 27; cf. Jr 15.20 e outras) e a comunidade (SI
46; 125 e outras). Na confisso de culpa se encontra uma concentrao similar:
"Pequei contra ti, contra ti somente." (51.6; cf. 32.) De muitas maneiras os
Salmos testemunham distncia e proximidade, ira e graa de Deus, impotncia
e altivez do ser humano. Por um lado, louvam o Criador (v. acima sob 4.1):
Fizeste o homem "por um pouco menor do que Deus" (8.6); mas, por outro
lado, lamentam: "Somos consumidos pela tua ira." (90.7.) Deus, porm, "sabe
que somos [apenas] p" (103.14). Assim, o louvor a Deus deve ressoar alm
da comunidade (22.23), em todo o mundo: "Todo ser que respira louve a
Jav!" (150.6; cf. 33; 96-99; 145; 148.) At "os cus proclamam a glria de
Deus." (19.2; cf. 29.1s.)
9.1. O sensato "busca a Deus"; s "o insensato diz no seu corao: No
h Deus." (Sl14.1s.; cf. Pv 19.3.) Tais dvidas que surgem no AT no provm
de nenhum atesmo terico, mas antes de um atesmo prtico, no contestam a
existncia de Deus, mas a eficcia de sua atuao na vida humana: "Ele no
castiga" (SI 10.4,11), "Jav no faz bem nem faz mal." (Sf 1.12; cf. MI2.17;
3.14s.; Jr 5.12; SI 73.)
Em contrapartida, o AT confessa com muitas vozes e de mltiplas manei-
ras: " certo que no dormita nem dorme o guarda de Israel" (SI 121.4), "nem
se cansa nem se fatiga" (ls 40.28). Comprovar isto constitui a finalidade dos
antropomorfismos. Proibidas so em Israel imagens visuais de Deus, mas se
empregam com freqncia imagens auditivas, lingsticas para anunciar o Deus
que intervm no destino humano. E na luta renhida com Deus que se vivencia

344
a tribulao mais profunda que o AT conhece. Ele pode exprimir as aflies
existenciais no lamento diante de Deus ou at na acusao a Deus (SI 22; Jr
15.10ss.; 20.7ss.; J; cf. Is 53; tambm 1 Rs 19.4; Jn 4 e outras). No decorrer
da histria se fazem constantemente novas experincias com este Deus, novas
esferas existenciais so exploradas e interpretadas a partir da f. Assim a
compreenso veterotestamentria de Deus no determinada de forma esttica,
mas est inacabada e em constante movimento, em busca de respostas, porm
tambm se professa com segurana. Articula-se em diversas categorias liter-
rias, como a orao e a palavra proftica, a lamentao e a palavra consoladora.
9.2. Esta compreenso de Deus alcana as maiores amplitudes, alturas e
profundezas e abarca inclusive contrastes: Deus Deus do povo (cf. a assim
chamada frmula da aliana: "Eu serei vosso Deus, vs sereis o meu povo"),
do indivduo e do mundo: "Bendize, minha alma, a Jav (...). Bendizei a
Jav, vs, todas as suas obras, em todos os lugares do seu domnio!" (SI
103.1,22; cf. 139.7ss.) Deus abarca o princpio e o fim dos tempos (Gn 1.1; Is
41.1; 44.6; 48.12; 65.17 e outras); est perto e distante: o Excelso est junto aos
humildes (SI 33.13ss.; 34.19; 113.5ss.; Is 57.15; 66.1s. e outras). O cu presen-
teia a terra com aquilo de que ela necessita (55. lOs.); assim a transcendncia e
a imanncia no se excluem.
Embora o xr diferencie muitas vezes entre a ao de Deus e a ao do ser
humano (x 14.13s.; Is 43.24s.; Zc 4.6; Sl115.1s. e vrias outras), s com o decorrer
do tempo que comea a destacar mais a diferena entre Deus e o ser humano (Os 11.9;
Is 31.3; Ez 28.2,9; J 9.2,32; Ec 5.1 e outras). O nome prprio "Jav" progressiva-
mente substitudo pela designao genrica "Deus" (EI, Elohim, inclusive na orao:
SI 5.11; 51.3 e outras). Contudo, para tanto concorrem ainda outros motivos: a proibio
de abusar do nome de Deus (x 20.7) interpretada com maior rigor, e a confisso de
adeso a um s Senhor do universo (SI 136.26; Lm 3.41; Jn 1.9 e outras) contesta o
poder e a existncia de outros deuses.

Embora os dois relatos de criao em Gn 1-2 diferenciem entre a realidade


condizente com a criao e a realidade existente, ambivalente e at dolorosa (v.
acima sob 4.1.), persiste a esperana de um mundo sem derramamento de
sangue, sem mortes violentas (Is 11.6ss.; cf. 2.4; 65.25) ou mesmo sem morte
(25.8). Mas Deus propicia o bem e o mal sobre a terra, concede alegria e
sofrimento ao ser humano (Gn 30.2,22; Ex 4.11; 21.12; 1 Sm 16.13s.; Am 3.6;
Is 45.7; Lm 3.37s. e vrias outras). Tambm a Sabedoria israelita insiste em
afirmar: "Jav repreende a quem ama" (Pv 3.11s., cf. 16.4; 22.2), e mesmo
Eclesiastes exorta, face ao curso insondvel da vida (7.14): "No dia da prospe-
ridade goza do bem, mas no dia da adversidade considera: Deus fez tanto este
como aquele!" Desta forma fundamental para o AT a percepo, apenas
radicalizada pelos profetas maiores: Deus "tira e d a vida", "humilha e
exalta" (l Sm 2.6s.; Ez 17.24; cf. Dt 32.39; 2 Rs 5.7; Is 19.22 e vrias

345
outras). "Pois, ainda que ele entristea a algum, usar [de novo] de compaixo
segundo a grandeza das suas misercrdias." (Lm 3.31.)
9.3. Neste aspecto o AT de forma alguma enfoca exclusivamente a Israel,
mas inclui muitas vezes os povos em sua reflexo (SI 115.1s.; 126.1s.; Jonas e
vrias outras) e especialmente em sua esperana. Todo o mundo ver a glria
de Jav (Is 40.5) e experimentar: "To-somente em Jav h salvao e fora."
(45.23; cf. 19.21ss.; 25.6; Zc 2.15; 5122.28; 83.19 e outras.) Nas suas expecta-
tivas mais ousadas, o AT at capaz de renunciar ao vnculo com o Sio (Is
2.2ss.): "Todas as ilhas das naes, cada uma do seu lugar, o adoraro." (Sf
2.11; cf. 3.9s.; Ml1.11; Is 66.21.)
Com os relatos de criao o AT abarca desde o princpio toda a humani-
dade e considera todo ser humano, independentemente de sua nacionalidade e
de seu sexo, "imagem" de Deus (Gn 1.26s.) - o que acarreta certas conse-
qncias ticas (9.6). O AT tambm formula diversas concepes teolgicas
com validade bsica, genrica: "Frente a ti nenhum vivente justo!" (51143.2;
cf. Gn 8.21; J 4.17; tambm x 33.20; Dt 8.3; 1 Sm 16.7; Is 2.17; Mq 6.8 e
vrias outras.) Assim o AT ajuda ao ser humano a questionar-se a si mesmo,
diante dos "cus, obra dos teus dedos", e a admitir diante de si mesmo que
vive graas providncia de Deus (SI8.4s.): "Que o homem, que dele te lembres?"

346
31
A QUESTO DA UNIDADE
DO ANTIGO TESTAMENTO
Aspectos de uma "Teologia do Antigo Testamento"

Uma "Teologia do Al" condicionada pelo texto bblico - que precisa


ser constantemente reinterpretado - e, ao mesmo tempo, pelo contexto, com
os respectivos problemas da decorrentes, em que surge a tentativa de sintetizar
as percepes decisivas do AT. Neste intento qualquer nova proposta ir aceitar
ou rejeitar verses anteriores. Por isto conveniente examinar a histria da
disciplina, a fim de alcanar uma melhor compreenso de uma possvel' 'Teologia".

1. Enquanto pelo final do sculo XVIII se havia reconhecido e declarado


a autonomia do xr em relao dogmtica (J. Ph. Gabler, Rede iiber die techte
Unterscheidung biblischer und dogmatischer Tbeologie; 1787) e pouco tempo
depois tambm em relao ao NT, aprendeu-se no sculo XIX a diferenciar
mais e mais dentro do prprio xr, entre suas pocas e seus fenmenos. Passou-
se, assim, a distinguir entre o hebrasmo e o judasmo, isto , entre a religio
pr- e ps-exlica (W. M. L. de Wette, 1813 e outros); compreendeu-se o
profetismo como fenmeno autnomo (B. Duhm, 1875) e se delimitou o apo-
calipsismo da poca helenstica/romana. Por um lado. se obtiveram a percep-
es irrenunciveis sobre a peculiaridade do AT e de suas pocas. Por outro
lado, a compreenso histrica da religio veterotestamentria se tomou a via de
acesso predominante. Desta situao R. Smend tirou em 1893 a concluso
lgica: chamou sua exposio de "Manual da Histria da Religio Veterotesta-
mentria", em vez de "Teologia Bblica", e estruturou-a no conforme critrios
sistemticos, mas por perodos da histria de Israel: Israel Antigo, profetas, judasmo.
Pouco tempo depois K. Marti defendeu o ttulo "Histria da Religio Israelita",
que escolhera para substituir a "Teologia do Antigo Testamento" (1897,3. ed.; 1907,5.
ed.), argumentando que " impossvel derivar uma teologia uniforme de um livro to
multiforme e multifacetado, como o Antigo 'Iestamento" (IV). Pretendia tambm
"proceder de forma histrica, apresentando as concepes religiosas dos diversos pero-
dos, suas modificaes e seu desenvolvimento no decorrer dos tempos" (3).
O enfoque "meramente histrico" trouxe consigo numerosas e profundas

347
percepes, mas a multiplicidade dos distintos fenmenos histricos e as revi-
ravoltas das diversas pocas fizeram com que se perdesse de vista o objetivo de
ver o AT na sua totalidade e unidade. Alm disto as relaes da cincia
veterotestamentria com a teologia como um todo se perderam progressivamen-
te; a autonomia do AT acarretava o risco da marginalidade.

2. Por isto irrompeu pouco antes da Primeira Guerra Mundial - como


aconteceu tambm com outras disciplinas teolgicas - um novo questionamen-
to que no se contentava mais com conhecimentos histricos gradativamente
mais depurados. Numa palestra intitulada "O Futuro da Cincia Veterotesta-
mentria", R. Kittel exigiu, em 1921, no s "que se observassem as manifes-
taes e formas vitais da religio veterotestamentria", mas que se avanasse
para uma "apresentao [religioso-sistemtica] da natureza e do cerne da reli-
gio e de sua verdade" (ZAW 39, 1921, pp. 96s.).
O empenho em assumir uma outra perspectiva buscava fazer jus ao fato
de que a cincia veterotestamentria faz parte da teologia. Assim, C. Steuerna-
gel entendeu ser uma necessidade "libertar a teologia veterotestamentria das
amarras da histria da religio veterotestamentria em que periga definhar por
completo". A divisa deve ser: "teologia veterotestamentria e histria da reli-
gio veterotestamentria" (Festschrift K. Marli, 1925, p. 269).
Questionamentos histrico-religiosos e teolgicos deveriam ter o seu es-
pao e no se excluir mutuamente, mas, pelo contrrio, complementar-se. Esta
reivindicao certamente importante e correta de uma convivncia de ambos os
enfoques foi assumida pela pesquisa de uma forma tal que no podia, em ltima
anlise, satisfazer; pois conseguiu-se apenas colocar ambas as abordagens lado
a lado, biparti-las e com isto duplic-las. A "histria da religio" manteve a
configurao de uma narrativa histrica, a "teologia" obteve de novo - como
j no sculo XIX - uma estruturao sistemtica (E. Knig, 1912/22; E. Sellin,
1933; posicionamento similar mais tarde assumido por G. Fohrer, 1969n2).

3. J W. Eichrodt tentou conciliar no seu significativo esboo (com trs


temticas principais - "Deus e povo, Deus e mundo, Deus e ser humano" -
bem como com o conceito central da aliana), ao "colocar ao lado do princpio
sistemtico o princpio histrico, complementando-o e incorporando na aborda-
gem dos diversos conceitos de f os traos principais do seu desenvolvimento
histrico" (Theologie des AT L 1933,8. ed., p. 4). Neste intuito se esforou em
"expor a religio de que relatam os documentos do Antigo Testamento como
uma grandeza coesa, com uma tendncia bsica constante e de um tipo bsico
permanente, apesar das vicissitudes da histria" (Prefcio da 1 edio).
W. Eichrodt preocupava-se em conseguir' 'uma exposio do mundo das
idias e do mundo da f no Antigo Testamento" (I, 4. ed., p. 2). E tambm L.

348
Khler oferece uma "compilao daquelas concepes, idias e termos do AT
que so teologicamente pertinentes ou o poderiam ser" (Theologie des AT,
1935, Prefcio, 1966,4. ed.). Embora a proposta e sua execuo tivessem sido
diferentes, relacionaram-se os enunciados essenciais do AT sobre Deus, Israel,
o mundo e o ser humano a um enfoque bsico, para assim indicar a correlao
dos distintos aspectos com o todo, a historicidade da revelao e seu carter
normativo. Quanto mais se buscava, no entanto, a unidade do AT, tanto mais
se arriscava perd-la, j que podia ser determinada de vrias maneiras.
Como centro do AJ' se mencionaram, p. ex.: a santidade de Deus (A. Dillmann,
G. Hnel), a aliana (VI. Eichrodt), a presena do Senhor que exerce o domnio (L.
Khler), o conhecimento de Deus como relao de comunho (Th. C. Vriezen), a
promessa fundamental: "Eu sou o Senhor, teu Deus" (F. Baumgrtel), o reinado de
Deus (tambm W. Eichrodt e outros), a conjuno do senhorio de Deus e da comunho
com Deus (G. Fohrer e outros).
As diversas tentativas de extrair da multiplicidade e contextualidade do
AT uma idia unificadora no levaram a nenhum resultado inconteste. Nenhuma
proposta logrou manter o enfoque bsico em todos os mbitos do AT. Ou a
exposio sistemtica oculta a multiplicidade histrica ou ento o enfoque
logo abandonado no tratamento especfico dos diversos fenmenos. difcil
sistematizar os enunciados do AT, sendo mais difcil ainda fundi-los num s conceito.

4. G. von Rad partiu desta percepo na sua abordagem inovadora, que


marcou poca; rompeu com a bipartio entre histria e doutrina, tentando
destacar o testemunho veterotestamentrio de f a respeito da atuao de Deus
na histria: "Se no podemos dissociar o mundo das concepes teolgicas
israelitas do seu mundo histrico, cuja exposio afmal j constitua uma
operao complicada da f de Israel, isto significa ao mesmo tempo que temos
de nos submeter seqncia dos acontecimentos como a f de Israel os viu (...).
A forma mais legtima de falar teologicamente do Antigo Testamento por isto
continua sendo uma reproduo narrativa." tTbeologie des AT 1. 1957. 1962,
4. ed., p. 134). G. von Rad conseguiu aproximar "introduo" (ou cincia da
literatura) e "teologia", "recontando" os testemunhos histricos; procedendo
em grande parte de forma exegtica, fazia teologia em vinculao estreita com
os textos. Assim, von Rad no comps mais complexos conceituais a partir de
manifestaes isoladas, provenientes de contextos diversificados, respondendo,
entretanto, de maneira reticente pergunta pela unidade do Antigo Testamento;
pois os diversos testemunhos histricos no se reportam ao mesmo evento de
revelao.
A revelao de Jav no Antigo Testamento se secciona "numa longa sucesso de
atos de revelao distintos, de contedos muito diferenciados. Parece carecer de um
centro que determine o todo, a partir de onde os muitos atos distintos poderiam obter

349
sua interpretao e tambm encontrar o relacionamento teolgico apropriado entre si"
(1,4. ed., p. 128). Ao AT "falta o centro de que o Novo Testamento dispe" - nem
mesmo Jav pode ser considerado como tal, "pois no vemos quase nunca este Israel
repousando de fato no seu Deus" (11, 4. ed., p. 386).
C. Westermarm concorda: "No [] possvel transferir a questo da definio do
centro do Novo Testamento ao Antigo 'Iestamento." (Theologie des AT in Grundzgen,
1978, p. 5.)
Prosseguindo neste raciocnio, A. H. 1. Gunneweg pergunta "se o Antigo Testa-
mento de fato pode ter um 'centro' na perspectiva de uma teologia crist, visto que na
teologia crist Cristo constitui o seu centro e fundamento" (Vom Verstehen des AT,
1977, p. 79; cf. Festschrift E. Wrthwein, 1979, p. 42). Mas ser que sem a herana
veterotestamentria at mesmo este "centro" pode ser enunciado?
Todavia, G. von Rad insiste na busca da unidade na medida em que
formula "a pergunta pelo que tpico na f em Jav e nos testemunhos da
mesma" (li, 4. ed., p. 447; cf. Gesammelte Studien lI, 1973, p. 295). Enfatica-
mente W. Zimmerli considera que no se pode desistir de buscar esclarecer a
questo do centro do AT (EvTh 35, 1975, p. 102).
Para destacar a coerncia interna do falar veterotestamentrio de Deus ao longo
da mudana da histria, W. Zimmerli reala "a mesmidade de Deus", que o AT
"conhece pelo nome Jav", e inicia seu manual de teologia do AT (Grundriss der
alttestamentlichen Theologie) com o "nome revelado" (1972, 1982,4. 00., pp. lOs. ou
1). Mas, seguindo no desenvolvimento do tema, este programa relegado a segundo
plano. Expressamente o AT s reflete em determinadas camadas literrias (como x
3.14s.; Os 1.9; Dt) sobre o nome "Jav"; e urna parte considervel de escritos ps-
exlicos (J, Ec, SI 42-83 e outras) evita mencionar este nome. Assim, a unidade da f
s pode ser enunciada levando-se em conta a alterao dos nomes (cf. x 6.2): "Sem
dvida a mesmidade deste nico Deus pressuposta, mesmo quando em pocas mais
recentes se evita timidamente mencionar o nome de Jav (...)." (Theologische Realenzyklo-
piidie, VI, p. 445). Mas esta identidade no deveria ser detectvel lingisticamente em
textos veterotestamentrios?
Em sua exposio abrangente do problema, R. Smend encontra o centro do AT
- seguindo o raciocnio de J. We1lhausen - na assim chamada frmula da aliana:
"Jav o Deus de Israel, Israel o povo de Jav". Esta expresso bastante caracterstica
para o AT (embora seja comprovada apenas em escritos tardios) tambm abarca a
literatura sapiencial ou torna compreensvel o processo de confrontao com as religies
circundantes que perpassa o AT? A crtica proftica do relacionamento entre Deus e o
povo, como tambm a esperana de que este relacionamento seja ampliado, ao ponto
de o Deus uno ser reconhecido universalmente, no so suficientemente contemplados
nesta abordagem.

5. Apesar de todas as dificuldades permanece a tarefa de buscar um


elemento unificador, que na sua essncia seja comum s diversas partes ou que
represente um motivo fundamental do AT. Pois o problema sugerido pela

350
habitual - embora controvertida - metfora do "centro' , (entendido no
como um centro, no sentido espacial, mas no sentido de fio condutor) implica
certos aspectos significativos.
a) A questo da identidade da f em Jav, definida em relao ao meio
circundante: o que a distingue objetivamente na sua essncia das religies
vizinhas? Isto significa tambm: o que muda quando se "segue" 'a Jav em vez
de Baal (1 Rs 18.21), quando em vez de Baal Jav sujeito de manifestaes de f?
Numa "teologia do AT" no se pode ignorar o reconhecimento exegtico
de que o AT, por um lado, nega concepes das religies circundantes, por
outro lado, porm, tambm as integra e reinterpreta, modificando profundamen-
te seu significado. Desta maneira se impem intenes da assim chamada
escola da histria das religies no sentido de captar "a originalidade de Israel"
(H. Gressmann, ZAW 42, 1924, p. 10) e a peculiaridade da f veterotestamen-
tria, em comparao com as religies do Antigo Oriente. Nesta tarefa est
implcita a questo mais difcil dos critrios que o XI' adota quando entra em
contato com as concepes de seu meio circundante: segundo que critrios a f
veterotestamentria seleciona entre a multitude de fenmenos manifestados em
outras religies, segundo que critrios transforma o que assimila e rejeita o que
considera incompatvel com sua essncia?
b) A questo da continuidade na descontinuidade da histria: que enfo-
ques e motivaes persistem - sobretudo no que diz respeito relao com
Deus - nas rupturas histrico-traditivas e na sucesso de perodos histricos?
Entretanto, qualquer tentativa de procurar algo que permanea constante nas
mudanas, no encontrar aspectos constantes sem variao; por isto no basta
distinguir entre essncia e manifestao ou entre ncleo e invlucro.
c) A questo dos aspectos comuns entre os escritos multiformes do Antigo
Testamento: h uma inteno bsica que interligue estilos to variados e obras
literrias to diversificadas - seja de forma implcita ou explcita? Sem dvida
uma inteno comum s pode, por sua vez, encontrar expresso vlida numa
forma de linguagem que vai se alterando.
d) A questo do legado deixado pelo Antigo Testamento, os seus efeitos
posteriores para alm de Israel: o AT somente "cristianizado" pela histria
dos seus efeitos, ou h uma concordncia profunda, ltima entre o Antigo e o
Novo Testamento? O que o XI' tem de "singular, peculiar, essencial" , ao
mesmo tempo, aquilo que tem em comum com o NT?
Levando em considerao tudo isto, a unidade buscada na multiplicidade
no deve ocultar a amplitude do AT, suas experincias diferenciadas ou at seus
enunciados antagnicos, nem sua longa caminhada histrica.
Mas ser que no h mesmo nenhuma resposta para as questes bsicas

351
acima mencionadas? A exclusividade da f em Jav, que a distingue das outras
religies vtero-orientais e que se expressa no primeiro mandamento, determina
amplos segmentos do AT (livros histricos, cdigos de leis, profetismo, Salt-
rio), seja desde o princpio ou (como no caso da tradio patriarcal e talvez da
Sabedoria) apenas num estgio de tradio mais tardio. Esta exclusividade
abrange a bipolaridade ou o antagonismo existencial, como vida e morte (l Sm
2.6s.; 2 Rs 5.7; Ez 17.24), luz e trevas, desgraa e salvao (Is 45.7; Lm 3.37s.;
x 4.11; Pv 29.13; J 2.10; Ec 7.14) ou passado e futuro (Gn 1.1; Is 43.18s.;
65.17 e outras).
No NT o primeiro mandamento como que automaticamente continua
valendo (Mt 6.24,33; 22.37s. e outras) - mesmo na expectativa escatolgica
(l Co 15.28; cf. Zc 14.9). No s interpretado de forma renovada pelo
"evento de Cristo", mas este mesmo fato interpretado de tal maneira - at
no desenvolvimento do dogma da trindade na Igreja Antiga - que a inteno
do primeiro mandamento mantida. Quem, alm disto, pode se esquecer das
conseqncias deste legado veterotestamentrio na histria da teologia?

352
32
A FAVOR E CONTRA
O ANTIGO TESTAMENTO
Temas da hermenutica veterotestamentria

A continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento apresenta problemas.


Na Igreja o AT um livro estimado, mas tambm controvertido, e desde cedo
foi ao mesmo tempo reconhecido e visto criticamente. A cristandade tem um
relacionamento tenso com o AT, marcado por aceitao e contestao, proximi-
dade e distncia, afirmao e negao, concordncia e discordncia. O AT
contm aspectos que podemos assumir incondicionalmente e aspectos que difi-
cilmente podemos reafmnar.

1. A comunidade crist primitiva aceitou o AT naturalmente e o relacio-


nou consigo mesma - movida por trs percepes fundamentais: o Deus do
AT Pai de Jesus; Jesus o Messias prometido, o Cristo; e a nova comunidade
o verdadeiro povo eleito de Deus. Embora se delineie desta maneira a
identidade, tambm se destaca logo a diferena - acentuada ainda mais por
acontecimentos contemporneos, como a destruio do templo: considera-se
que os sacrifcios foram substitudos pela morte de Jesus na cruz, em vez da
circunciso o batismo que constitui o sinal da integrao na comunidade, os
preceitos rituais e legais do AT so suspensos, a lei perde seu significado unificador.
No decorrer da histria eclesistica, sobretudo desde o iluminismo, desco-
brem e destacam-se outras diferenas, de modo que se acentuam as ressalvas
ao AT, ao ponto de se rejeit-lo. Kant, por exemplo, aprofunda em Religion
innerhalb der Grenzen der blossen Vemunft (1794, 2. ed., pp. 185ss.) a diferen-
a entre os Testamentos, compreendendo-a como a ruptura entre o judasmo e
o cristianismo. Retomando pensamentos de 1. S. Sernler, comenta o tema mais
de passagem: a f judaica de fato "precedeu imediatamente" fundao da
igreja crist, mas no se encontra "de forma alguma essencialmente vinculada
a ela, isto , no h nenhuma unidade na conceituao" com a f da Igreja. "A
histria eclesistica geral, na medida em que pretende representar um sistema",
s pode iniciar com o cristianismo, "que se fundamenta num princpio total-
mente novo, visto que implica o abandono total do judasmo, de onde se
originou"; a nova f no continua a f antiga. continuidade histrica, portan-

353
to, corresponde a descontinuidade de contedo. H telogos que chegaram a
juzos similares.

2. Essencialmente so trs os motivos recorrentes que (desde B. Espinoza


ou J. S. Sernler) so levantados como objees lanadas contra o AT e que
podemos delinear, a grosso modo, da seguinte forma:
a) Particularismo ou nacionalismo:
A f veterotestamentria est vinculada a um determinado povo, e a religio nacional
parece constituir a caracterstica de um certo estgio cultural do passado.
b) Legalismo:
O AT ameaa desvirtuar a f crist com preceitos legais.
c) Imanncia:
O AT desconhece "uma f em uma vida futura" (Kant), Assim existe o perigo de
que a compreensocristde salvaosejasecularizadapelas expectativasimanentesdo AT.
Se a exegese do AT no quer simplesmente deixar de lado os problemas
que surgiram na histria da interpretao do mesmo, deve levar em considera-
o estas objees. Todavia, tais recriminaes apenas dizem respeito a partes
do AT (mais ou menos extensas), mas no sua totalidade e multiplicidade.
Principalmente na sua esperana o AT consegue ultrapassar seus prprios "li-
mites" - tanto em relao aos outros povos (Is 2.2ss.; 40.5; 45.6; 66.21; Sf
2.11; 3.9), como tambm diante da morte (SI 22.28ss.; 73.23ss.; Is 25.8 e outras).
Se quisermos encontrar para a contraposio de lei e evangelho uma correspon-
dncia no AT, podemos ach-la antes na diferenciao, fundamental para o AT, entre o
agir de Deus e o agir do ser humano (x 14.13s.; 20.2ss.; Dt 7.6s.; Os 13.4; 14.5; Is
5.1ss.; 43.25; 56.1; 60.1; Jr 1.5ss.; 3.12; Dn2.34,45; cf. Gn50.19s.; 2 Rs 5.7 e vrias outras).

3. Diante da peculiaridade ou at alteridade do AT, a pergunta pelo que o


vincula ao NT no se toma menos importante. H diversas possibilidades de
expressar a correlao sem ignorar a diferena:
a) Promessa e cumprimento:
O fenmeno j familiar ao AT (Gn 21.1; Nm 23.19; Js 21.45; 1 Rs 17.16; Is 44.26;
cf. 55.11; Ez 37.14 e outras); at promessas j cumpridas podem ser renovadas para
o futuro (cf. Os 2.1 com Gn 22.17; 32.13; tambm Is 54.7s.; 55.3) e esperanas no-
realizadas (40.5; 52.7,10 e outras) podem ser mantidas vivas. O Novo Testamento
pode caracterizar o Antigo com o termo "promessa" (Rm 4.13ss.; 9.3; 15.8; Gl
3.14ss.; cf. 2 Co 1.20; Mt 1.22s.; Jo 19.24s. e outras). De fato este enfoque por um
lado salienta um trao caracterstico do AT: sua abertura para o futuro; em longas
passagens (Gn, x, livros profticos e outros) o AT se constitui de promessa. Seu
cumprimento, por outro lado, pode superar a expectativa ou at mesmo corrigi-la.
Desta maneira a liberdade e a autonomia do NT so mantidas, nem sempre tendo o
AT como ponto de referncia.

354
b) Tipologia:
Enquanto a promessa por si s j anncio do futuro, na interpretao tipolgica
uma pessoa, um evento ou at uma palavra podem se tomar, na retrospectiva,
paradigmas ou modelos que antecipam exemplarmente o futuro. Assim a passagem
pelo deserto (x 16s.; 32 e outras) aconteceu de uma forma "exemplar" (l Co
10.6,11; cf. Jo 19.36 com x 12.46; tambm Rm 5.14; dentro do AT, compare Is
52.11s. com x 12.11 e outras; na arte, cf., p. ex., a representao do sacrifcio de
Isaque como prefigurao do sacrifcio de Cristo). Apesar da distncia histrica que
separa dois fatos, eles so relacionados diretamente por apresentarem certas seme-
lhanas, partindo-se evidentemente do pressuposto de que em ambos os acontecimen-
tos atua o mesmo Deus. Alm disto este procedimento de relacionar eventos pode
ser associado categoria "promessa e cumprimento" ou pode ser vinculado a uma
concepo que afirma a continuidade histrico-salvfica e, com isto, sofrer vrias
transformaes. Como o acontecimento posterior pode completar o acontecimento
anterior ou se colocar em oposio a ele, a relao "tipo-antitipo" pode expressar
tanto identidade como diferena Mas podemos de fato depreender de um aconteci-
mento alm de seu significado prprio ainda um significado futuro que ele, por si s,
no tem? - G. von Rad antigamente defendia a interpretao tipolgica, que pode-
ria, "por princpio avanar alm da autocompreenso do respectivo texto veterotes-
tamentrio e super-la" (EvTh 12, 1952, pp, 17-33, sobretudo p. 31); mais tarde,
porm, compreendeu a interpretao mais no sentido de uma histria da tradio
(Theologie des AT Il, 4. ed., pp. 350ss., 387ss.).
c) Histria da tradio:
Observa a recepo e adaptao da tradio no transcurso histrico e com isto se
mantm dentro do contexto da metodologia histrica. Por causa da contingncia da
histria, o processo traditivo, porm, no nenhum continuum sem profundas cises
e rupturas; tradies podem se modificar profundamente, podem se perder e renovar-se.
d) Analogia estrutural:
Na comparao entre o Antigo e o Novo Testamento (ou a atualidade) procuram-se
analogias na concepo de Deus, do mundo e do ser humano, correspondncias na
interpretao de experincias ou no jeito de lidar com situaes. C. H. Ratschow (Der
angefochtene Glaube, 2. ed., 1960, pp. 67ss.) mencionou algumas destas analogias
estruturais, p. ex.: a atuao de Deus em acontecimentos determinados pelo tempo e
pelo espao, uma atuao ao mesmo tempo velada e evidente, a dedicao de Deus
ao que est perdido e o sofrimento de Deus por causa do ser humano (cf. tambm
A. H. J. Gunneweg, H. D. Preuss).
Segundo R. Bultmann, no AT o ser humano " visto em sua temporalidade e
historicidade (...). Esta compreenso da existncia, porm, idntica do Novo
Testamento." (Glauben und Verstehen 1, 1933, p. 324.)
Mas ser que a coeso interna e a identidade prprias de cada Testamen-
to no impossibilitam, em ltima anlise, qualquer esquema, de sorte que
persistem e so necessrias maneiras distintas de abordar e comparar os
Testamentos? Ambas as perspectivas, qual seja, o olhar a partir do Antigo para

355
o Novo Testamento (expectativas concernentes ao futuro no AT; adoo de
linguagem e tradio por parte do NT), como tambm o olhar a partir do Novo
para o Antigo Testamento (identificao de similaridades) no se deveriam
excluir mutuamente, mas podem se complementar. Visto que o Antigo e o Novo
Testamento esto colocados em seqncia e lado a lado, cabe inquirir sobre sua
similaridade, isto , sua unidade na "causa", apesar de todas as profundas diferenas.
No entanto, o AT deveria ter oportunidade de manifestar seu sentido prprio.
E. Haenchen reivindicou com razo: podemos "apropriar-nos de s conscincia
do legado do Antigo Testamento to-somente quando e na medida em que reconhecer-
mos a afinidade do sentido original dos escritos veterotestarnentrios, redescoberto pela
pesquisa histrica, com a mensagem neotestamentria" (Die Bibel und Wir, 1968, p. 27).

4. Entre os aspectos que ambos os Testamentos tm em comum tambm


est - alm das citaes literais do AT no NT - uma certa similaridade na
linguagem. O Novo Testamento toma do Antigo uma linguagem teolgica j
configurada, para poder expressar as novas experincias. P. ex., a expresso
"Ele apareceu a (...)" (Gn 12.7 e outras), que remonta a tempos longnquos,
ajuda tradio protocrist, anterior a Paulo, a formular a apario do Ressur-
reto; a confisso (l Co 15.3s.) toma a referncia inclusive explcita: "segundo
as Escrituras". Como a Pscoa celebrada como "memorial" da salvao da
aflio (x 12.14; cf. Dt 16.3,12; SI 111.4 e outras), assim tambm a Santa Ceia
mantm a referncia histria: "Fazei isto em memria de mim" (l Co
11.24s.; Lc 22.19); aqui como l, a respectiva gerao incorporada na salvao
ao ser identificada com outra gerao do passado (x 12.27: "as nossas casas";
1 Co 11.24; Lc 22.19s.: "por vs").
Certamente til examinar determinados conceitos comuns a ambos os
Testamentos (como "Esprito", "justia", "reinado" de Deus, "pecado", ou
ainda "crer", "perdoar" e outros), mas isto no basta; pois nem sempre o AT
raciocina em termos conceituais; conhece fenmenos que no converte em conceitos.
At que ponto a concordncia na linguagem implica, at alm desta
concordncia, uma unidade em termos de contedo? Que perguntas ou percep-
es se mantm e continuam na passagem do Antigo para o Novo Testamento?
At onde a f crist se embasa no AT?
Certamente temos que destacar sobretudo a fala veterotestamentria de
Deus como se expressa de forma concentrada no primeiro mandamento. Com
suas mltiplas configuraes e implicaes o primeiro mandamento constitui o
legado do AT - e ao mesmo tempo o questionamento constante do cristianis-
mo. Assim, H. Grass (Christliche Glaubenslehre lI, 1974, p. 97) pode chamar
o AT de "a conscincia monotesta da Igreja".
R. Bultmann, que interpretava a concepo veterotestarnentria da existncia
como ser sob a lei (Glauben und Verstehen I, 1933, pp. 313-336), tambm sublinhava

356
o importante efeito do AT: para a comunidade gentlico-crist o AT, que tinha "uma
compreenso de Deus segundo a qual ele atua na histria junto aos seres humanos", se
toma "um contrapeso contra as idias da 'teologia natural' que desde cedo se infiltra-
ram. A noo de que Deus se manifesta naquilo que faz se conserva graas ao Al'; e a
partir do Al' tambm surge a possibilidade de compreender a pessoa de Jesus e sua
cruz." (Theologie des NT, 6. ed., 1968, p. 120.)
De forma semelhante opina H. Braun (ZThK 59, 1962, p. 30): "Se os autores do
Novo Testamento no tivessem sido marcados pela mentalidade veterotestamentrio-
judaica, o cristianismo helenstico teria resultado em xtase e misticismo."
Contra a doutrina de Marcio, conforme a qual havia dois deuses (o
Senhor justo deste mundo e o Deus estranho e bondoso), e contra concepes
semelhantes do gnosticismo, a Igreja crist conservou, no sculo Il, a profisso
de f em um s Deus Criador e Salvador; desta maneira manteve ao mesmo
tempo o AT - que j exprime esta unidade (Is 43.1; 44.6 e outras) - como
testemunho da f.
Sem o Antigo Testamento, o Novo Testamento no estaria merc de mal-
entendidos? Por isto tambm no possvel substituir, nas assim chamadas
igrejas novas, o AT pela respectiva tradio local.

5. Na configurao tradicional da dogmtica crist mostram-se conseqn-


cias do AT de forma mais acentuada em trs complexos temticos: a doutrina
de Deus (propriedades de Deus, como a de ser "Deus vivo", criao, histori-
cidade da revelao), antropologia (semelhana com Deus, integridade do ser
humano, criao e responsabilidade pelo mundo, culpa e perdo), escatologia
(expectativa messinica, reino de Deus, etc.). Alm disto, no mbito da cristo-
logia principalmente a doutrina dos trs ministrios (do profeta, do sumo
sacerdote e do rei) que retoma elementos traditivos veterotestamentrios; tam-
bm na pneumatologia aproveitam-se testemunhos veterotestamentrios para
expressar a atuao do Esprito. Especialmente no culto se preserva a linguagem
veterotestamentria (Nm 6.24ss.; Is 6.3; Salmos).
Ser que no se deveria atribuir proibio de fazer imagens - que
distingue, no fundo, entre o falar de Deus e a representao plstica de Deus
- uma maior importncia para a teologia? O AT no mostra apenas o entrela-
amento da f com o seu contexto, mas tambm lana o desafio de refletirmos
sobre a historicidade de nossas concepes de f, mundo e ser humano. Est-
mulos podero surgir a partir da esperana que no se contenta com as aflies
da nossa existncia atual e aguarda que este mundo se transforme (Is 2.4; 11;
65.17 e outras). Onde quer que se fale da f em um s Deus, isto acontece em
conseqncia direta ou indireta do AT. E esta percepo no pode levar a uma
nova busca de aspectos comuns das religies (sobretudo do judasmo, cristia-
nismo, islamismo)?

357
Em ltima anlise no h uma nica resposta pergunta pela importncia
do AT. E isto no poderia ser diferente, j que tanto o contedo do AT quanto
os seus efeitos sobre a histria so por demais multiformes.

No [mal do livro quero resumir e destacar, em algumas teses (que am-


pliam o artigo publicado em EvTh 47, 1987, pp. 457-459), certos traos bsicos
do Antigo Testamento:

1. O Antigo 'Iestamento conserva e testemunha uma histria de f - a f num


mesmo e nico Deus (x 6.2s. e outras) - e integra o crente contemporneo (tanto a
comunidade crist como o indivduo) nesta histria de f.
Para quem tem f no importante ter e conhecer alm dos irmos tambm os
pais na f (cf. Rm 4.lOss. a respeito de Abrao; Hb Il)?

2. O Antigo 'Iestamento pergunta: "Que o ser humano?" (SI 8.5) e retrata -


muitas vezes num estilo colorido e metafrico - a amplido e profundeza da condio
humana, inclusive a sua culpabilidade e frnitude. Desta maneira o AT compartilha
percepes e interpretaes da realidade humana a partir da f, ou seja, de experincias
do ser humano diante de Deus (homo coram Deo).
Neste sentido o AT pode compreender as experincias vividas em Israel de forma
genrica e atribuir-lhes validade geral: "No s de po viver o homem." (01 8.3; cf.
Gn 1.26s.; 8.21; 9.6; Mq 6.8; Is 2.17; Pv 16 e vrias outras.)

3. O Antigo 'Iestamento no s pergunta pelo ser humano, mas tambm d uma


resposta a esta questo - dando continuidade quela citao acima (SI 8.5): "E dele
te lembras." Esta resposta no provisria, titubeante, mas dada com convico,
como promessa incondicional.

4. Na polifonia do xr o tom bsico predominante (Os 13.4; Is 45.21) :


"No conhecers outro deus alm de mim,
porque no h salvador seno eu."
Correspondentemente, no Declogo (x 20.2s.) a reivindicao de exclusividade
conseqncia do comprometimento de Deus: "Eu sou teu Deus"; assim tambm os
mandamentos e cdigos de leis (x 20ss.) apenas resultam da promessa de Deus (x 3;
6), da sua atuao libertadora e provedora (x 14-17).
Tudo o que o Antigo Testamento transmitiu cristandade e tudo o que ainda tem
importncia para a linguagem da f at hoje, marcado profundamente por esta
exclusividade que se expressa de forma radical no primeiro mandamento - p. ex.: a
profisso de f no Criador, a lamentao e o louvor dos Salmos, a invocao de Deus
como "Pai" (cf. Is 63.16; Ml 2.10 em confronto com Ir 2.27) ou a expectativa do
reinado de Deus (cf. Zc 14.9 em contraposio a SI 95.3).
Por conseguinte, o primeiro mandamento de forma alguma constitui apenas um

358
elemento "formal" que serve para interligar temas ou como mero motivo bsico, mas
marca profundamente tradies, concepes e experincias, inclusive posicionamentos
ticos (cf. Lv 19.2; Pv 20.22; Rm l2.17ss.) e esperanas.
1mbm as profecias messinicas prometem, em ltima anlise, a atuao de
Deus: "A alegria lhe aumentaste (...). O zelo de Jav Zebaote far isto." (Is 9.2,6; cf.
11.2); o rei vindouro (Jr 23.6) tem o nome "Jav-Justia-Nossa [ou Salvao-Nossa]".
Assim de fato Deus quem o Redentor (cf. SI 130.7s.).

5. A f veterotestamentria engloba a ambivalncia, se no ambigidade da


experincia humana: "H tempo de nascer, e tempo de morrer; (...) tempo de chorar, e
tempo de rir" (Ec 3), confessando a Deus tanto em tempos ruins como em tempos bons:
"Quem faz com que algum possa ver ou seja cego? No sou eu, Jav?" (x 4.11; cf.
Is 45.7; J 1.21; tambm Rt; Lm e vrias outras.)
Apesar da percepo: "Tu reduzes o homem ao p", o SI 90 se refere a Deus
como "refgio", lembrando desta forma a limitao temporal do ser humano na
invocao a Deus (cf. J 14). Face a experincias dolorosas, as lamentaes no livro
dos Salmos, as acusaes de J ou as confisses de Jeremias expressam a luta renhida
por e com este "tu" divino. O Antigo 'Iestamento preserva tais palavras, constata que
a pessoa crtica para com Deus no s pode falar sobre Deus (na terceira pessoa: "No
h Deus" - SI 14.1; cf. 10.4,11; 73.11; Sf 1.12 e outras), mas se pode dirigir com sua
lamentao ou acusao diretamente a Deus. Assim atribulaes e dvidas no precisam
necessariamente fazer a pessoa abandonar a sua f, mas podem ser expressas dentro do
mbito da f.

6. Quando o Antigo Testamento destaca a santidade (Is 6) ou o senhorio de Deus


(SI 47.8s.; 145.13 e outras) e probe que se faam imagens de Deus, ele ressalta com
isto que Deus no se deixa prender em concepes humanas, nem fiador dos desejos
humanos (cf. Am 5.18; Jr 6.14), mas, pelo contrrio, pode ser um Deus "que se oculta"
(Is 8.17; cf. 29.14; 45.15) ou est distante (Jr 23.23).
Com isto o Antigo Testamento mantm viva a percepo de que Deus "tira a
vida, e a d" (1 Sm 2.6 e outras), ocultando-se nesta seqncia certa intencionalidade.
Assim, a explicao de Lutero no Catecismo Menor corresponde a uma inteno do
Antigo Testamento (01 6.15,13 e outras): "Devemos temer e amar a Deus."
De maneira anloga, o Antigo Testamento transmite a promessa de que, em ltima
anlise, Deus no protege de, mas em perigos (Jr 1.8; 15.20 e outras). Os profetas que
podem imaginar que a graa de Deus acabe (Jr 16.5 e outras), prometem nova salvao
na desgraa (Is 1.21-26; 11.1; Jr 29; 32; Ez 37 e outras), e os que oram os Salmos
confiam que tambm nas trevas so sustentados: tambm no "vale tenebroso - tu ests
comigo" (SI 23.4; cf. 73.23ss. e outras).

7. Os Salmos confessam: "Perto est Jav dos que tm o corao quebrantado."


(SI 34.19; cf. 51; Is 57.15.) De Moiss se diz: "Era (...) muito humilde, o mais humilde
dos homens que havia na terra." (Nm 12.3.) At o rei vindouro pelo qual se espera vai
ser (conforme o texto hebraico de Zc 9.9s.) pobre e dependente da ajuda de Deus e
pregar a salvao aos povos. Se, alm disto, nos lembrarmos de como, p. ex., Jere-

359
mias sofre no meio de seu povo por causa de sua pregao ou o servo de Deus sofre
por seu povo, temos de concordar com o juzo de D. Bonhoeffer de que "no AT a
bno tambm implica a cruz, como no NT a cruz tambm implica a bno".

8. O juzo positivo de Deus sobre sua criao: "viu tudo quanto fizera e eis que
era muito bom" (Gn 1.31) no se aplica ao mundo atual, ambivalente, onde h alegria
e sofrimento, mas vale para um mundo sem derramamento de sangue (1.29s.), ao menos
sem sofrimento provocado por atos de violncia. Com isto se estabelece uma diferena
entre o mundo criado e o mundo existente; assim como est, o mundo no agrada a
Deus. Por isto a injustia e o sofrimento no precisam ser acobertados.
Esta diferenciao retomada pela esperana proftico-escatolgica que esquadri-
nha o horizonte em busca de uma "paz sem fim" (ls 9.6; 2.4), do aniquilamento da
morte (25.8; cf. SI 22.28ss.; 73.23ss.) ou de "novos cus e nova terra" (Is 65.17). J
Isaas (2.17) formula a expectativa futura a partir da exclusividade da f: "A altivez do
homem ser humilhada; s Jav ser exaltado naquele dia." Embora a comunidade
crist - extrapolando o Antigo Testamento - professe o futuro daquele que veio,
espera tambm - com o Antigo Testamento e em conformidade com o seu sentido (Ze
14.9; cf. Is 24.23; 60.19s. e outras) - que "Deus seja tudo em todos" (l Co 15.28).

9. Quando a comunidade crist repete e acompanha no culto as palavras da


bno aarnica (Nm 6.24-26; cf. SI 90.17; 121.8 e outras) ou uma orao como:
"Rendei graas ao Senhor,
porque ele bom,
porque a sua misericrdia dura para sempre"
(SI 136.1; cf. x 34.6s.; SI 103 e outras),
ela se coloca sob a promessa - j concedida no Antigo 'Iestamento - da presena
graciosa de Deus ("Estou contigo") e professa a sua convico de que esta promessa
foi reafirmada no Novo Testamento.
Para a comunidade crist, o Antigo Testamento desde o princpio, e no s a
posteriori, testemunho da f no Deus nico.
Incontestado, o primeiro mandamento continua em vigor no Novo 'Iestamento:
"Ningum pode servir a dois senhores." (Mt 6.24; cf. 6.33; 22.37s.; Rm 3.30 e outras.)
Segundo Me 15.34, quando Jesus se sente abandonado por Deus na cruz, ele se entrega
a este mesmo Deus com as palavras do SI 22: "Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste? "
Enquanto os primeiros testemunhos da Pscoa se reportam obra deste Deus,
"que ressuscitou Jesus dentre os mortos" (GI 1.1 e outras), a Igreja Antiga desenvolve
mais tarde inclusive a doutrina da trindade de tal forma, que o primeiro mandamento
continua em vigor. Assim, por um lado, o Novo 'Iestamento compreende Deus de forma
renovada, mas, por outro lado, se interpreta a experincia com Cristo de tal maneira,
que a relao com o Antigo Testamento mantida.
J o Antigo 'Iestamento profere a importante confisso da identidade do Criador
com o Redentor (Is 43.1; 44.6 e outras), to significativa para a Igreja Antiga - p. ex.,
para enfrentar Marcio.

360
10. A comunidade crist interpreta o conceito "povo", extrado do Antigo Testa-
mento, que espera o reconhecimento do Deus uno por parte de todos os povos (Is
19.24s.; 25.6s.; 45.23; Sf 2.11; SI 22.28s.; 100 e outras), e o emprega para designar em
sentido figurado o povo constitudo por judeus e pagos (Ef 2; 3.6). A Igreja, apesar de
ser "corpo de Cristo", se entende tambm como "povo de Deus" (l Pe 2.9s., segundo
x 19.6) - no entanto, nem como "o povo de Deus", nem simplesmente como "um
povo de Deus".
Assim, a Igreja tem conscincia de que no se fundou a partir de si mesma, mas
que, como Israel, "chamada" (Os 11.1), "escolhida" (Dt 7.7s.)e "criada" (Is 43.1e outras).
Ao atribuir Tor autoridade superior dentro da Bblia hebraica, a comunidade
judaica tambm confessa estar na "aliana eterna" concedida a Abrao (Gn 17.19 e
outras). A comunidade crist, por sua vez, invoca a promessa proftica da "nova
aliana" (Jr 31.31-34; cf. 1 Co 11.25 e outras).
Mesmo que esta diferena seja profunda, a Tor e o profetismo coincidem ao
compreenderem, por um lado, a dedicao de Deus como opo espontnea por parte
dele, sem ignorarem, por outro lado, a desobedincia do ser humano.
Enquanto a salvao prometida pelos profetas pressupe a denncia proftica,
inclusive a acusao de o povo ter rompido a aliana (Jr 31.32), o povo, segundo a Tor,
em seguida responde promessa de ajuda divina "no ouvindo" (x 6.9) e murmuran-
do (14.11s. e passim). Nem o prprio Moiss poupado (Nm 20.12 e outras), como j
os patriarcas ou Davi de forma alguma so retratados como se fossem perfeitos. Neste
sentido a Tor narra a respeito da dedicao permanente de Deus e o profetismo espera
nova dedicao de Deus queles que se tomam ou so pecadores (Gn 8.21; Jr 17.1; SI
143.2 e vrias outras).

361
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prophetischer Sozialkritik, KuD, 18:1-17, 1972; M. FENDLER, Zur Sozialkritik des Amos, EvTh,
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4
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364
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Einleitungin den Hexateuch, 1893; O. EISSFELDT, Hexateuch-Synopse, (1922) 1980; G. VON
RAD, Das fonngeschichtliche Problem des Hexateuch (1938), in: -, Gesammelte Studien, (1958)
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1976]; M. NOTH, berlieferungsgeschichte des Pentateuch, (1948) 3. 00., 1966; G. HOLSCHER,
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'Irabalhos mais recentes: R. RENDTORFF, Das berlieferungsgeschichtliche Problem des


Pentateuch, 1976(BZAW, 147); E. OTTO, Stehen wir vor einem Umbruch in der Pentateuchkritik.?,
VF, 22(1):82-97, 1977; P. WEIMAR, Untersuchungen zur Redaktionsgeschichte des Pentateuch,
1977 (BZAW, 146); B. DIEBNER, Neue Anstze in der Pentateuch-Forschung, DBAT, 13:2-13,
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1982; H. H. SCHMID, Auf der Suche nach neuen Perspektiven fr die Pentateuchforschung, in:
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neueren Pentateuchforschung, ThR, 48:227-253, 1983;ID., ThR, 50:107-131, 1985;L. RUPPERT,
Die Aporie der gegenwrtigen Pentateuchdiskussion und die Josephserzlihlung der Genesis, BZ,
29:31-48, 1985; H. C. SCHMlTI, Die Hintergrnde der "neuesten Pentateuchkritik." und der
literarische Befundder JosephsgeschichteGen 37-50,ZAW, 97:161-179,1985; C.1.LABUSCHAGNE,
Neue Wegeund Perspektivenin der Pentateuchforschung, VT, 36:146-162, 1986;E-L. HOSSFELD,
Der Pentateuch, in; E. SfD\RZ, ed., Hore; Israel!, 1987, 11-68; T. L. THOMPSON, The Origin
'Iisdition of Ancient Israel; 1. The Literary Fonnation of Genesis and Exodus 1-23, 1987 (JSOT.
SS, 55); R. N. WHYBRAY, The MaldngofthePentateuch, 1987(JSOT.SS, 53); W. H. SCHMIDT,
Pldoyer fr die Quellenscheidung, BZ, 32:1-14, 1988.

Comentriose obras semelhantes sobreGnesis:H. GUNKEL (HK), 3. 00., 1910; O. PROCKSCH


(KAT), 2. e 3. 00., 1924; G. VON RAD (Al'D), (1953) 11. ed., 1981 [tra. esp.: EI Libra deI
Genesis, Salamanca, Sgueme, 1977]; U. CASSOTO, ingl., 1%1, vol. I; 1964, vol. 11; E. A.
SPEISER (AB), 1964; C. WESTERMANN (BK), 3. ed., 1983, vol. 1/1; 1981, vol. 1/2; 1982, vol.
1/3; W. ZIMMERLI (ZBK), 3. ed., 1984, vol. I; 1976, vol. 11; J. SCHARBERT (NEB), 1983.

Relatos da pesquisa: C. WESTERMANN, Genesis 1-11, 1972 (EdF, 7); ID., Genesis 12-50,
1975 (EdF, 48).

'Irabalhos mais recentes: E. BLUM, Die Komposition der Vfitergeschichte, 1984 (WMANT, 57);
M. KOCKERT, Viitergott und Viiterverheissungen, 1988 (FRLANT, 142).

Sobre xodo: H. HOLZINGER (KHC), 1900 (x, Nm); B. BAENTSCH (HK), 1903 (x-Nm);
H. GRESSMANN, Mose und seine Zeit, 1913; G. BEER & K. GALLING (HAT), 1939; M.
NOTH (Al'D), (1958) 6. 00., 1978; G. FOHRER, berlieferung und Geschichte des Exodus, 1964
(BZAW, 91); U. CASSOTO, ingl. 1967; B. S. CHILDS (OTL), 1974; W. H. SCHMIDT (BK),
1974ss.; P. WEIMAR & E. ZENGER, Exodus, 1975 (SBS, 75) (bibl.);1. JEREMIAS, Theophanie,
2. 00., 1977, 194ss. (WMANT, 10) (bibl.); P. WEIMAR, Die Meerwundererziihlung, 1985; E
KOHATA, Jahwistund Priesterschrift in Exodus 3-14,1986 (BZAW, 166) (cf. ID., AJBI, 12:3-28,
1986; 14:10-37, 1988).

365
Relatos da pesquisa: R. SMEND, Das Mosebild von Heinrich Ewald bis MaItin Noth, 1959
(bibl.); E. OSSWALD (supra 4); H. SCHMID, Mose; berlieferung und Geschichte, 1968, 1-13
(BZAW, 110); R. THOMPSON (supra 4); H. ENGEL, Die Vorfahren Israe1s in gypten;
forschungsgeschichtlicher berblick ber die Darstellungen seit R. Lepsius (1849), 1979 (FThSt,
27) (bibl.); W. H. SCHMIDT, Exodus, Sinai und Mose, 1983 (EdF, 191) (bibl.); H. SCHMID,
Die Gestalt des Mose, 1986 (EdF, 237).

Sobre Levtico: M. NOTH (ATD), (1962), 4. ed., 1978; K. ELLIGER (HAT), 1966; W.
KORNFIELD (NEB), 1983; R. RENDTORFF (BK), 1985.

Sobre Nmeros: M. NOTH (ATD), (1966) 4. 00., 1982; J. DE VAULX, 1972.

Sobre Deuteronmio: v. 10.

5a
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Interpretation, 1974 (BZAW, 134); H. P. MLLER, Jenseits der Entmytho1ogisierung, 2. 00.,
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Myths in the 01d Testament, 1980; J. ASSMANN; W. BURKERT; F. STOLZ, Funktionen und
Leistungen des Mytbos, 1982 (OBO, 48); H. GRAF REVENTLOW, Hauptprob1eme der
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5b
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366
Se
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COATS, From Call11fI11 to Egypt, 1976; H. OONNER, Die literarische Gestaltderalttestamentlichen
Josephsgeschichte, 1976; R orro, Die "synthetische Lebensauffassung"..., ZThK, 74:387-400,
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theonome 1tadition in der Joseph-Erziihlung, 1978; I. WILLI-PLEIN, Historiographische Aspekte
der Josephsgeschichte, in: Henoch 1, 1979, 305~331; H. C. SCHMfIT (supra 4); L. RUPPERT
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6
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Israel, 1972 (BZAW, 128); C. ~TERMANN, BK, 1974, vol, 1/1, 782ss.; H. H. SCHMID, Der
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(infra 8), 194ss. (sobre Gn 2-3); O. H. STECK, Die Paradieserziihlung, 1970 (BSt, 60); 10., Gen
12,1-3 und die Urgeschichte des Jahwisten, in: Festschrift G. von Rad, 1971, 525-554 (bibI.); J.
JEREMIAS, Die Reue Gattes, 1975 (BThSt, 65); W. DIETRICH, "Wo ist dein Bruder?", in:
Festschrift W Zimmerli, 1977,94-111; I. VON LOEWENCLAU, Gen 4,6-7 - eine jahwistische
Erweiterung?, in: Congress Volume Gttingen, 1978, 177-188 (VTS, 29); E. RUPRECIIT, ...Gen
Xll,l-3, VT, 29: 171-188, 444-464, 1979; F. CRSEMANN, Die Eigenstndigkeit der Urgeschichte;
ein Beitrag zur Diskussion um den "Jahwisten", in: Festschrift H. W Wo1ff, 1981, 11-29; R.
OBERFORCHER, Die Funptolog als Kompositionssch1sse1 der biblischen Urgeschichte, 1981;
V. FRITZ, "Solange die Erde steht" - vom Sinn der jahwistischen Fluterzhlung in Gen 6-8,
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Urgeschichte, in: Dynamik im Wort; Festschrift Katholisches Bibelwerk, 1983, 35-54 (bibI.); R-J.
WASCHKE, Untersuchungen zum Menschenbild derUrgeschichte, 1984 (ThA, 43); H.-P. MLLER,
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Entfaltung theologischer und anthropologischer Konzeptionen in Genesis 2/3, 1988 (SBB, 17).

367
7

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RUDOLPH, Der "Elobist" von Exodus bis Josua, 1938 (BZAW, 68); J. BECKER, Gottesfurcht
im A1ten 'Iestsmcm, 1965, 193ss. (AnBib, 25); L. RUPPERT, Der Elohist - Sprecher fr Gottes
Volk, in: WuB, 121-132; H. W. WOLFF, Zur Thematik der elohistischen Fragmente im Pentateuch
(1969), in: - , Gesamme1te Studien, 2. ed., 1973,402-417; K. JAROS, Die Stellung des Elohisten
zur kanaanischen Religion, 2. ed., 1982 (OBO, 4); J. SCHPPHAUS, Volk Gottes und Gesetz
beim Elohisten, ThZ, 31:193-210, 1975; J. F. CRAGHAN, The Elohist in Recent Literature,
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The Elohist at Work, ZAW, 96:315-332, 1984; H. C. SCHMlTT, Die Erzhlung von der Versuchung
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Priesterschritt, 1954 (FRLANT, 62); K. KOCH, Die Eigenart der priesterschriftlichen Sinaigesetzgebung,
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in: - , Wortund Existenz, 1970, 39-54; H. J. BOECKER, Redeformen des Rechtslebens im Alten
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"apodiktischen Rechts", 1965 (WMANT, 20); R. HENTSCHKE, Erwgungen zur israelitischen
Rechstgeschichte, ThViat, 10:108-133, 1965/66; W. SCHOTTROFF, Deraltisraelitische Fluchspruch,
1969 (WMANT, 30); H. SCHULZ, Das Todesrecht im Alten '!estament, 1969 (BZAW, 114); G.
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Vergeltung in Religion und Recht des Alten Testaments, 1972 (WdF, 125); G. WALLIS, Der
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369
Sobre o Declogo:

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Commandments in Recent Research, 1967; E. ZENGER, Eine Wende in der Dekalogforsehung?,
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H. SCHNEIDER, Der Dekalog in den Phylakterien von Qumrn, BZ, 3:18-31, 1959; H. H.
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Fonn- und berlieferungsgesehiehtliche Studie zum Dekalog, Cone, 1:392-401, 1965; E. NIELSEN,
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in: AAT 212, 1981, 259-195; E-L. HOSSFELD, Der Dekalog, 1982 (OBO, 45) (bibI.); F.
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Bundesbueh, in: TRE, 1981, voI. VIl, 412-415 (bibl.),

Sobre a Lei de Santidade: W. THIEL, Erwgungen zum Alter des Heiligkeitsgesetzes, ZAW,
81:40-73,1969 (bibI.);V. WAGNER,Zur Existenz des sog. "Heiligkeitsgesetzes", ZAW, 86:307-316,
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18 in Their Setting, JBL, 98:187-203,1979; W. ZIMMERLI, "Heiligkeit" naeh dem sogenannten
Heiligkeitsgesetz, VT, 30:493-512, 1980; H. D. PREUSS, Heiligkeitsgesetz, in: TRE, 1985, voI.
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10
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Testamento. Salamanca, Sgueme, 1976]; ID.. Deuteronomium-Studien, in: ibid.. 109-153; F.
HORST. Das Privilegrecht Jahwes (1930). in: - . Gottes Recm, 1961. 17-154; A. ALT. Die
Heimat des Deuteronomium (1953). in: - . KleineSchriften. voL lI, 250-275; F. DUMMERMUTH.
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1l
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des livres historiques, in: -, Aux grands carrefours de la rvlation et de l'exgese de l'Ancien
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Die ehronologischen Angaben in den Bchem Deuteronomium bis 2 Knigc, ThZ, 24:1-14,1968;
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Abschnitten des 1. Ssmuelbucbes, 1969 (WMANT, 31); G. C. MACHOLZ (supra 8); R.
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Geschichtliche und heilsgeschichtliche 'Iraditionsbildung im Alten 'Iestament, VT, 13:1-25, 1963;
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(BBB, 18); ID., Die Bearbeitung des "Retterbuches" in der deuteronomischen Epoche, 1964
(BBB, 21); J. SCHLAURI, W. Richters Beitrag zur 'Iraditionsgeschichte des Richterbuches, Bib,
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Geschichte und berlieferung, 1%8; L. SCHMIDT, Mensch1icher Erfolg und Jahwes Initistive,
1970 (WMANT, 38); J. H. GRONBAEK, Die Geschichte vom Aufstieg Davids, 1971; R.
RENDTORFF, Beobachtungen zur altisraelitischen Geschichtsschreibung..., in: Festschrift G. von
Rad, 1971,428-439; H. J. STOEBE (KXI'), 1973, vol. I; E. WRTHWEIN, Die Erziihlung von
der Thronfolge Davids, 1975 (ThSt, 115); V. FRIlZ, Die Deutungen des Knigtums Sauls ...,
ZAW, 88:346-362, 1976 (bibl.); F. LANGLAMET, RB, 83:114-137, 321-379, 481-528, 1976; T.
N. D. METTINGER, King and Messiah, 1976; T. ISHIDA, The Royai Dinasties in Ancient Israel,
1976 (BZAW, 142); B. C. BIRCH, The Rise of the Israelite Monarchy, 1976; W. DIETRICH,
David in berlieferung und Geschichte, VF, 22(1):44-64, 1977 (bibl.); 1. KEGLER, Politisches
Geschehen und theologisches Verstehen, 1977 (CThM A, 8); E. OTTO (supra 5e); D. M.
GUNN, The Story of King David; Geme and Interpretation, 1978 (JSOT.SS, 6); H. SEEBASS,
David, Saul und das m&n des biblischenGlaubens, 1980; F. STOLZ (ZBK), 1981;F. LANGLAMET,
RB, 93:115-132, 1986 (bibl.); T. SEIDL, David statt Saul, ZAW, 98:39-55, 1986; W. DIETRICH,
David, Saul und die Propheten, 1987 (BWANT, 122).

Sobre Reis: M. NOTH (BK), 2. 00., 1983, vol. I; J. GRAY (OTL), 2. 00., 1970; E. WRTHWEIN
(ATD), 1977, vol. I; 1984, vol. lI; M. REHM (NEB), 1979, vol. I; 1982, vol. lI; H.-D. HOFFMANN,
Refonn und Reformen, 1980 (AThANT), 66); S. TIMM, Die Dynastie Omri, 1982 (FRLANT,
124); H. SPIECKERMANN, Juda unter Assur in der Sargonidenzeit, 1982 (FRLANT, 129); G.
HENTSCHEL (NEB), 1984, vol. I; A. LEMAIRE, Vers L'histoire de la Rdaction des Luivres
des Rois, ZAW, 98:221-236, 1986; E. WRTHWEIN, Prophetisches Wort und Geschichte in den
Knigsbchern, in: Festschrift A. H 1. Gunneweg, 1987,399-411.

Sobre as narrativas de/sobre profetas cf. 13.

12
Relatos da pesquisa: E. JENNI, Aus der Literatur zur chronistischen Gesehichtsschreibung,
ThR, 45:97-108, 1980; D. MPJHIAS, Die Geschichte der Chronikforschung im 19. Jahrhundert,
ThLZ, 105:474s., 1980.

Panorama: M. SAEBO, Chronistisehe Theologie/Chronistisches Gesehichtswerk, in: TRE,


1981, vol. VIII, 74-87; ID., Esra, Esraschriften, in: TRE, 1982, vol. X, 374-386.

Comentrios: H. G. M. WILLIAMSON (NIC), 1982 (1/2 Cr); 1. BECKER (NEB), 1986, vol.
1(1 Cr); A. H. J. GUNNEWEG (KXI'), 1985, vol. I (Ed); 1987, vol. II (Ne).

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Studien, 1958, 248-261; M. NOTH, berlieferungsgeschichtliche Studien (supra 11), 110s.; W.
RUDOLPH (HAT), 1949/1955; K. GALLING (ATD), 1954; ID., Studien zur Geschichte Israels
im persischen Zeitalter, 1964; S. MOWINCKEL, Studien zu dem Buche Esra-Nehemia l-Ill,
1964/5; U. KELLERMANN, Nehemia; Quellen, berlieferung und Gesehichte, 1967 (BZAW,
102) (bibl.); K-F. POHLMANN, Studien zum dritten Esra, 1970 (FRLANT, 104); T. WILLI, Die
Chronik ais Auslegung, 1972 (FRLANT, 106); ID., Thora in den biblischen Chronikbchem, Jud,
36:102-105, 148-151, 1980; R. MOSIS, Untersuchungen zur Theologie des chronistischen

373
Geschichtswerkes, 1973 (FfhSt, 92); P. WELTEN, Geschichte und Geschichtsdarstellung in den
Chronikbchem, 1973 (WMANf, 42); ID., Lade - Tempel - Jerusalem; zur Theologie der
Chronikbcher, in: Festschrift E. Wiirthwein, 1979, 169-183; W. T. IN DER SMITTEN, Esra;
Quellen, berlieferung und Geschichte, 1973 (bibI.); K. KOCH, Esra and the Origins of Judaism,
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His Purposes, JBL, 94:201-217, 1975; H. G. M. WILLIAMSON, Israel in the Book ofChronicles,
1977; I. L. SEELIGMANN (supra 11); S. JAPHET, Conquest and Settlement in Chronicles,
JBL, 94:205-218, 1979; ID., Sheshbazzar and Serubbabel; against the Background of the Historical
and ReligiousTendencies ofEzra-Nehemia, ZAW,94:66-98, 1982;95:218-229, 1983;1. P. WEINBERG,
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Chronisten, VT, 31:324-345, 1981; R. L. BRAUN, Chronicles, Ezra, and Nehemia, in: VTS 30,
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Volume Vienna, 1981, 146-161 (VTS, 32); ID., Die aramische und die hebrisehe Erzhlung ber
die naehexilische Restauration; ein Vergleieh, ZAW, 94:299-302, 1982; M. A. THRONTVEIT,
Linguistie Analysis and the Question of Authorship in Chronicles, Ezra and Nehemia, VT,
32:201-216, 1982; R. MlCHEEL, Die Seber- und Prophetenberlieferungen in der Chronik, 1983
(BET, 18); A. H. J. GUNNEWEG (KAJ), 1985; T.-S. IM, Das David-Bildin den Chronikbchem,
1985 (EHS.T, 263); S. JAPHET, The Historieal Reliability of Chronicles, JSOT, 33:83-107, 1985;
W. JOHNSTONE, Guilt and Atonement; the Theme of 1 and 2 Chronicles, in: Festschrift W.
McKane, 1986, 113-138 (JSOT.SS); P. R. ACKROYD, Chronicles-Ezra-Nehemiah; the Coneept
of Unity, ZAW, 100:189-201, 1988 (supl.); M. OEMING, Das wahre Israel; die genealogisehe
Vorhalle 1 Chronik 1-9 (BWANT).

1388.
Relatos da pesquisa sobre o profetismo: G. FOHRER, ThR, 28:1-75, 235-297, 301-374, 1962;
40:337-377, 1975; 41:1-12,1976; 45:1-39, 109-132, 193-225, 1980; 47:105-135, 205-218,1982; F.
VAWTER, Neue Literatur ber die Propheten, Cone, 1:848-854, 1965; 1. SCHARBERT, Die
prophetisehe Literatur, in: Festschrift J. Coppens, 1969, vol. I, 58-118; J. M. SCHMIDT, Probleme
der Prophetenforsehung, VF, 17(1):39-81, 1972; ID., Ausgangspunkt und Ziel prophetiseher
Vetkndigung im 8. Jahrhundert, VF, 22(1):65-82, 1977; H. D. PREUSS, 00., Eschatologie im
Alten Testament, 1978; D. KINET, Knder des Geriehts oder Mahner zur Umkehr?, BiKi,
33:98-101, 1978; P. H. A. NEUMANN, ed., Das Prophetenverstiindnis in der deutschsprachigen
Forschung seit H Ewald, 1979 (WdF, 307); W. MeKANE, Prophecy and Prophetie Literature, in:
Tal, 163-188; B. LANG, Prophetie, prophetisehe Zeichenhandlung und Politik in Israel, ThQ,
161:275-280, 1981; W. H. SCHMlDT, UTB 1238, 1983, 31-48; J. JEREMIAS, Grundtendenzen
gegenwiirtiger Prophetenforsehung, EvErz, 36:6-22, 1984; E. OSSWALD, Aspekte neuerer
Prophetenforsehung, ThLZ, 109:641-650, 1984.

Panorama: R. RENDTORFF, ThWNT, 1959, voI. VI, 796-813; R. MEYER; J. FlCHTNER;


A. JEPSEN, RGG, 3. 00., 1961, vol. V, 613-633; J. JEREMIAS, TRAT, 1976, voI. 11, 7-26.

Exposies sumariantes: B. DUHM, Israels Propheten, 2. 00., 1922; H. GUNKEL, in: H.


SCHMIDT, Die grossen Propheten, 2. 00., 1923, XVlIss. (SAT, 11/2); M. BUBER, Der Glaube
der Propheten (1950), in: - , ltrke, 1964, vol. 11, 231-484; C. KUHL, Israels Propheten, 1956;
G. VON RAD, Theologie des Alten Testaments, (1960) 7. ed., 1980, vol. 11 (cf. Die Botschaft der
Propheten, 4. 00., 1981) [trad. port.: Teologia do Antigo Testamento, So Paulo, ASTE, 1973, voI.
11]; J. LINDBLOM, Prophecy in Ancient Israel, 1962; 1. SCHARBERT, Die Propheten Israels bis
700 v.Chr/um 600 v.Chr., 1965{7; G. FOHRER, Studien zur alttestamentlichen Prophetie, 1967;
ID., Die Propheten des Alten Testaments, 1974{7, vols. I-VII; K. KOCH, Die Propheten, 1978/80,
vols. 1-11; G. WALLIS, 00., Von BiJeam bis Jesaja, 1984; ID., 00., Zwischen HeiJ und Gericht,
1987; H. W. WOLFF, Studien zur Prophetie, 1987 (TB, 76).

374
13ab
H. GUNKEL (supra 13ss.); H. W. WOLFF, Die Begrndungen der prophetischen Heils- und
Unheilssprche (1934), in: - , Gesammelte Studien, 1964,9-35; C. WESTERMANN, Gnmdfonnen
prophetischer Rede, 5. ed., 1978; R. RENDTORFF, Botenfonne1 und Botenspruch (1962), in: - ,
Gesammelte Studien, 1975, 243-255; K. KOCH, WJs ist Fonngeschichte?, 4. ed., 1982, 258ss.;
H. W. WOLFF, BK, XN/2, 165s.; W. E. MARCH, in: J. H. HAYES (supra 5b), 141ss. (bibl.);
A. BJORNDALEN, Zu den Zeitstufen der Zitatfonnel..., ZAW, 86:393-403, 1974; Thwxr, vol.
I, 365ss.; vol, II, 108, 119ss.; W. ZIMMERLI, Vom Prophetenwort zum Prophetenbuch, ThLZ,
104:481-496, 1979; D. VETTER, Satzfonnen prophetischer Rede, in: Festschrift C. ~stennann,
1980, 174-193.

Sobre a narrativa de profetas: G. FOHRER, Die symbolischen HandJungen der Propheten, 2.


ed., 1968 (AThANT, 54); A. ROF, The C1assification of the Prophetical Stories, JBL, 89:427-440,
1970; ID., Classes in the Prophetical Stories, in: VTS 26, 143-167, 1974; B. O. LONG, 2 Kings
m and Gemes of Prophetic Narrative, VT, 23:337-348, 1973; B. LANG, Prophetie, prophetische
Zeichenhandlung und Politik in Israel, ThQ, 161:275-280, 1981; S. AMSLER, Les actes des
prophetes, 1985 (cf. Festschrift C. ~stennann, 1980, 194-201).

Sobre a viso: F. HORST, Die Visionsschilderungen der alttestamentlichen Propheten, EvTh,


20:193-205, 1960; B. O. LONG, Prophetic Call 'Iraditions and Reports ofVisions, ZAW, 84:494-500,
1972; ID., Reports of Visions among the Prophets, JBL, 95:353-365, 1976; C. JEREMIAS, Die
Nachtgesichte des Sacharja, 1977 (FRLANT, 117)(bibl.); G. BARTCZEK, Prophetie und '\-nnittlung,
1980.

Sobre o relato de vocao ainda: E. KUTSCH, Gideons Berufung und Altarbau, ThLZ,
81:75-84, 1956; W. ZIMMERLI, Ezechiel, (1969) 2. ed., 1979, 16-21 (BK, XIII/l); N. HABEL,
The Fonn and Significance of the Call Narratives, ZAW, 77:297-323, 1%5; R. KILIAN, Die
prophetischen Berufungsberichte, in: - , Theologie im Wandel, 1967, 356-376; W. RlCHTER,
Die sogenannte vorprophetischen Berufungsberichte,1970 (FRLANT, 101); W. H. SCHMIDT,
Exodus, 1977, 123-129 (BK, II/2) (bibl.); B. O. LONG, Berufung I, in: TRE, 1980, vol. V,
676-684 (bibl.).

Sobre o discurso de juzo: H. J. BOECKER, Redefonnen des Rechtslebens im Alten Testament,


2. ed., 1970 (WMANT, 14) (bibl.); E. WRTHWEIN, Kultpolemik oder Kultbescheid?, in: - ,
Wort und Existenz, 1970, 144~ 160; J. JEREMIAS, Kultprophetie und Gerichtsverkndigung in der
spiiten Kmgszeit Israels, 1970, 151ss. (WMANT, 35) (bibl.); J. BLENKINSOPP, The Prophetic
Reproach, JBL, 90:267-278, 1971; THAT, vol. II, 776.

Sobre lamentao fnebre e ai: H. JAHNOW, Das hebraische Leichenlied, 1923 (BZAW, 36);
H. W. WOLFF, Der Aufruf zur Volksklage (1964), in: -, Gesammelte Studien, 2. ed., 1973,
392-401; G. WANKE, 'j und hj, ZAW, 78:215-218, 1966; H. W. WOLFF, loel/Amos, 284ss.
(BK, XN/2) (bibl.); W. JANZEN, Mouming CIyand Woe Orscle; 1972 (BZAW, 125); H. J.
KRAUS, hj als prophetische Leichenklage ber das eigene Volk irn 8. Jahrhundert, ZAW,
85:15-46, 1973; C. HARDMEIER, Texttheorie und biblische Exegese, 1978 (BEvTh, 79) (bibl.).

Sobre a retrospectiva histrica: J. VOLLMER, Geschichtliche Rckblicke und Motive in der


Prophetie des Amos, Hosea und lesaja, 1971 (BZAW, 119).

Sobre a palavra de controvrsia: J. BEGRlCH, Studien zu Deuterojesaja, (1938) 2. ed., 1963,


41ss.; H. J. HERMISSON, Diskussionsworte bei Deuterojesaja, EvTh, 31:665-680, 1971 (bibl.).

375
Sobre a palavra de admoestao: H. W. WOLFF, Das Thema "Umkehr' in der a1ttestamentlichen
Prophetie (1951), in: - , Gesammelte Studien, 1964, 130-150; W. RICHTER, Recht und Ethos,
1966 (StANT, 15); A. J. BJORNDALEN, "Form" und "Inhalt" des motivierenden Mahnspruchs,
ZAW, 82:347-361,1970; T. M. RAm, The Prophetic Summons to Repentance, ZAW, 83:30-49,
1971; G. WARMUTH, Das Mahnwort, 1976 (BET, 1) (bibl.); A. V. HUNTER, Seek the Lordf,
1982; K. A. TANGBERG, Die prophetische Mahnrede, 1987 (FRLANT, 143).

Sobre a palavra de salvao (cf. 21): J. BEGRICH, Das priesterliche Heilsorakel (1934),
in: - , Gesammelte Studien, 1964,217-231; S. HERRMANN, Die prophetischen Heilserwartungen
im Alten 1estament, 1965 (BWANT, 85); C. WESTERMANN, Der Weg der Verheissung durch
das Alte 'Iestament, in: - , Forschung am Alten 1estament, 1974, vol. Il, 230-249; W. H.
SCHMIDT (& J. BECKER), Zukunft und Hoffnung, 1981, 18ss. (bibl.); C. WESTERMANN,
Prophetische Heilsworte im Alten 1estament, 1987 (FRLANT, 145) (cf. ZAW, 98:1-13, 1986).

Sobre a crtica ao culto: H. J. BOECKER, berlegungen zur Kultpolemik der vorexilischen


Propheten, in: Festschrift H. W Wolff, 1981, 169-180 (bibl.).

Sobre a crtica social cf. 3.

13c
W. H. SCRMIDT, Zukunftsgewissheit und Gegenwartskritik, 1973 (bibl.); ID., "Rechtfertigung
des Gottlosen" in der Botschaft der Propheten, in: Festschrft H. W Wolff, 1981, 157-168; L.
MARKERT & G. WANKE, Die Propheteninterpretation, KuD, 22:191-220,1976; J. M. SCHMIDT,
Ausgangspunkt und Ziel prophetischer Verkndigung im 8. Jahrhundert, VF, 22(1):65-82, 1977;
H. W. WOLFF, Die eigentliche Botschaft der Idassischen Propheten, in: Festschrift W Zimmerli,
1977,547-557; W. ZIMMERLI, Wahrheit und Geschichte in der alttestamentlichen Schriftprophetie,
in: Congress Volume Gttingen, 1978, 1-15 (VTS, 29); 1. L. SEELIGMANN, Die Auffassung von
der Prophetie in der deuteronomistischen und chronistischen Geschichtsschreibung, in: VTS 29,
254-284, 1978.

13d
H. GUNKEL, Jahve und Baal, 1906 (RV, Il/8); R. RENDTORFF, Erwgungen zur Frhgeschichte
des Prophetentums (1962), in: - , Gesammelte Studien, 1975,220-242; G. FOHRER, Elia, 2. ed.,
1968 (AThANT, 53); O. H. STECK, berlieferung und Zeitgeschichte in den Elia-Erziihlungen,
1968 (WMANT, 26); K. H. BERNHARDT, Prophetie und Geschichte, in: VTS 22, 20-46, 1972;
H. C. SCHMlDT, Elisa, 1972;ID., Prophetie und 'Iradition, ZThK, 74:255-272, 1977;H. SCHWEIZER,
Elischa in den Kriegen, 1974 (StANT, 37); R. SMEND, Das Wort Jahwes an Elia, VT, 25:525-543,
1975; ID., Der biblische und der historische Elia, in: VTS 28, 167-184, 1975; G. HENTSCHEL,
Die Elijserzhhmgen, 1977 (EThSt, 33); H. SEEBASS, Elia I, in: TRE, 1982, vol. IX, 498-502
(bibl.); ID., Elisa, in: ibid., 506-509 (bibl.).

14
Comentrios sobre o livro dos 12 profetas: J. WELLHAUSEN, (3. ed., 1893) 4. ed., 1963; E.
SELlN (KAT), (2. ed., 1929) 3. ed., 1930; T. ROBlNSON & F. HORST (HAT), 3. 00., 1964; A.
WEISER & K. ELLIGER (ATD), (7. 00., 1979) 8. 00., 1982; H. W. WOLFF (BK), 1956ss.
(Os-Mq); W. RUDOLPH (KAT), 1966-1976; A. DEISSLER (NEB), 1981 (Os-Am); 1984, vol. lI;
H. W. WOLFF (BK), 1986 (Ag).

376
Sobre Ams: F. HORST, Die Doxologien im Amosbuch (1929), in: - , Gottes Recht, 1961,
155-166; A. WEISER,DieProphetiedesAmos, 1929 (BZAW, 53); E. wRTHWEIN,Amos-Studien
(1950), in: - , WoIt und Existenz, 1970, 68-110; V. MAAG, Text, WoItschatz und Begriffswelt
des Buches Amos, 1951; H. GRAF REVENTLOW, Das Amt des Propheten bei Amos, 1962
(FRLANT, 80); R. SMEND, Das Nein des Amos, EvTh, 23:404-423, 1963; H. W. WOLFF,
Amos' geistige Heimat, 1964 (WMANT, 18); W. H. SCHMIDT, Die deuteronomistische Redaktion
des Amosbuches, ZAW, 77:168-193,1965; H. H. SCHMID, Amos (1969), in: - , Altorientalische
~lt in der alttestamentlichenTheologie, 1974, 121-144;1.VOLLMER (supra 13); I. WILLI-PLEIN,
VoIfonnen der Schriftexegese, 1971 (BZAW, 123) (sobre Am, Os, Mq); M. KRAUSE, Das
Verhiiltnis von sozialer Kritik und kommender Katastrophe in den Unheilsprophezeiungen des
Amos, tese de doutorado, Hamburg, 1972; M. FLENDER (supra 3); W. BERG, Die sogenannten
Hymnenfragmente im Amosbuch, 1974; K. KOCH, Die Rolle der hymnischen Abschnitte des
Amosbuches, ZAW, 86:506-537,1974; ID., Amos, 1976 (AOAT, 30/1-3) (bibI.); J. M. BERRIDGE,
Zur Intention der Botschaft des Amos, ThZ, 32:321-340, 1976; L. MARKERT, Struktur und
Bezeichnung des ScheltwoIts, 1977 (BZAW, 140); ID., Amos(buch), in: TRE, 1978, voI. 11,
471-487 (bibl.); 1. VERMEYLEN (infra 16), voI. 11, 519ss.; W. SCHTTROFF, Der Prophet
Amos, in: - , Der Gott der kleinen Leute (supra 3), voI. I, 39-66; C. I. K. STORY, Amos -
Prophet of Praise, VT 30:67-80, 1980; W. ZIMMERLI, Das Gottesrecht hei den Propheten Amos,
Hosea und Jesaja, in: Festschrift C. ~stennann, 1980,216-235; P. WEIMAR, Der Schluss des
Amos-Buches, BN, 16:60-100, 1981; H. GESE, Komposition hei Amos, in: Congress Volume
Vienna, 1981,74-95 (VTS, 32); A. J. BJORNDALEN, Jahwe in den Zukunftsaussagen des Amos,
in: Festschrift H. W. Wolif, 1981, 181-202; A. J. BJORNDALEN, Untersuchungen zur allegorischen
Rede der Propheten Amos und Jesaja, 1986 (BZAW, 165); J. JEREMIAS, Amos 3-6; Beobachtungen
zur Entstehung eines Prophetenbuches, ZAW, 100:123-138, 1988 (supI.).

15
Comentrios, v. 14, especialmente H. W. WOLFF, 3. 00., 1976; W. RUDOLPH, 1966; F. I.
ANDERSEN & D. N. FREEDMAN (AB), 1980; J. JEREMIAS (ATO), 1983.

G. FOHRER, Umkehr und Erlosung beim Propheten Hosea (1955), 1967,222-241 (BZAW,
99); G. OSTBORN, Jahwe und Baal, 1956; H. W. WOLFF, Hoseas geistige Heimat (1956), in:
- , Gesammelte Studien, 1964, 232-250; E. JACOB, Der Prophet Hosea und die Geschichte,
EvTh, 24:281-290, 1964; J. BUSS, TheProphetic WJrd ofHosea, 1969 (BZAW, 111);J. VOLLMER
(supra 13); I. WILLI-PLEIN (supra 14); D. KINET, Bacal und Jahwe, 1977; ID., Eschatologische
Perspektiven im Hoseabuch, in: Festschrift E. Neuhausler, 1981,224-257; J. JEREMIAS, Hosea
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377
16
Comentrios: B. DUHM (HK), (4. 00., 1922) 5. 00., 1968; O. PROCKSCH (KAT), 1930; V.
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17
Comentrios, v. 14, especialmente W. RUDOLPH, 1975 (bibI.); H. W. WOLFF, 1982. W.
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(supra 14); V. FRITZ, Das Wort gegen Samaria Mi 1,2-7, ZAW, 86:316-331, 1974; 1. L. MAYS,
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378
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Volume Gttingen, 1978,403-417 (VTS, 29); 1. VERMEYLEN (supra 16), TI, 570ss.

18
Comentrios, v. 14, especialmente W. RUDOLPH, 1975, sobre Na, Hc, Sf; H. W. WOLFF,
1977, sobre Ob (bibL).

Sobre Naum: J. JEREMIAS, Kultprophetie und Gerichtsverkndigung in der spiiten Knigszei:


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1973 (BZAW, 129); B. RNAUD, La composition du livre de Nahum, ZAW, 99:198-219, 1987.

Sobre Habacuque: J. JEREMIAS (v. supra); P. JOCKEN, Das Buch Habakuk; Darstellung der
Geschichte seiner kritischen Erforschung..., 1977; E. OITO, Die Stellung der Wehe-Worte in der
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1985; A. H. 1. GUNNEWEG, Habakuk und das Problem des leidenden tsadik, ZAW, 98:400-415, 1986.

Sobre Sofonias: A. S. KAPELRUD, TheMessage ofthe Prophet Zephanja, 1975; H. IRSIGLER,


Gottesgericht und lahwetag, 1977; G. KRINETZKI, Zefanjastudien, 1977; R. EDLER, Das
Kerygma des Propheten Zefanja, 1984; K. SEYBOLD, Satirische Prophetie, 1985.

Sobre Obadias: G. FOHRER, Die Spnicbe Obadjas (1966), 1981, 69-80 (BZAW, 155); P.
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19
Introduo: C. WESTERMANN, lereInia, 1967; W. TIllEL, Jerernia, in: G. WALLIS, ed.,
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Panorama: S. HERRMANN, in: TRE, 1987, voL XVI, 568-586.

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Comentrios: B. DUHM (KHC), 1901; P. VOLZ (KJIT), 1922; W. RUDOLPH (HAT), 3. 00.,
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1980; J. SCHREINER (NEB), 1981, voL I; 1984, voL TI; W. L. HOLLADAY (Hermeneia), 1986,
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Sobre as confisses: W. BAUMGARTNER, Die K1agegedichte des Jeremia, 1917 (BZAW,


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Sobre a problemtica do verdadeiro e falso profetismo: E. OSSWALD, Falsche Propheten im


Alten Testament, 1952; G. QUELL, Wahre und falsche Propheten, 1962; H. J. KRAUS, Prophetie
in der Krisis, 1964; T. W. OVERHOLT, The Threat of Falsehood, 1970; F. L. HOSSFELD & I.
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die falschen Propheten, 1977 (OBO, 13).

20
Introduo: W. ZIMMERLI, Ezechiel; Gestalt und Botschaft, 1972 (BSt, 62).

Comentrios: G. FOHRER & K. GALLING (HAT), 1955; W. EICHRODT (ATD), 4. ed.,


1977, voI. I; 2. ed., 1969, voI. II; W. ZIMMERLI (BK) (1969) 2. ed., 1979; M. GREENBERG
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Panorama: W. ZIMMERLI, Ezechiel/Ezechie1buch, in: TRE, 1982, vol. X, 766-781 (bibl.).

380
Relatos da pesquisa: C. KUHL, ThR, 5:92-118, 1933; 20:1-26, 1952; 24:1-53, 1956n; H. H.
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21
Introduo: H. D. PREUSS, Deuterojesaja, 1976 (bibI.).

Comentrios: B. DUHM (HK), (4. 00., 1922) 5. 00., 1968; P. VOLZ (KAT), 1932; C. R.
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Panorama: D. MICHEL, Deuterojesaja, in: TRE, 1981, voI. VIII, 510-530 (bibI.).

Relato da pesquisa: R-J. HERMISSON, Deuterojesaja-Probleme, VF, 31(1):53-84, 1986.

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WALDOW, Anlass und Hintergrund der Verkndigung des Deuterojesaja, tese de doutorado,
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Deuterojesaja, VT, 32:104-124, 1982; H. WILDBERGER, Der Monotheismus Deuterojesajas, in:
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Alten Testament, 1986, 169-196 (BZAW, 168).

Sobre 'Irito-Isaas (Is 56-66): K. ELLIGER, Die Einheit des llitojesaja, 1928 (BWANT, 45);
ID., Der Prophet 'llitojesaja, ZAW, 49:112-141, 1931; W. ZlMMERLI, Zur Sprache 'llitojesajas
(1950), in: - , Gottes Offenbarung, 1963, 217-233; D. MICHEL, Zur Eigenart 'Iritojesajas,
ThViat, 10:213-230, 1965/6; H. J. KRAUS, Die ausgebliebene Endtheophanie (1966), in: - ,
Biblisch-theologische Aufsiitze, 1972, 134-150; F. MAASS, "'llitojes~a?", in: Festschrift L. Rost,
1967,153-163; G. WALLIS, Gott und seine Gemeinde, ThZ, 27:182-200,1971; K. PAURITZSCH,
Die neue Gemeinde, 1971 (AnBib, 47) (bibI.); E. SEHMSDORF, Studien zur Redaktionsgeschichte
von Jesaja 56-66, ZAW, 84:517-576, 1972; P. D. HANSON, The Dawn of Apocalyptic, 1975,
32ss.; J. VERMEYLEN (supra 16), voI. 11, 445ss.; S. SEKINE, Die llitojesajanische Sammiung
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22
Comentrios, supra 14, especialmente K. ELLIGER, 7. ed., 1975; W. RUDOLPH, 1976 (bibI.).

Sobre Ageu (e Zacarias): W. A. M. BEUKEN, Haggai-SachaIja 1-8, 1967; K. KOCH, Haggais


unreines Volk, ZAW, 79:52-66, 1967; O. H. STECK. Zu Haggai 1,2-11, ZAW, 83:355-379, 1971;
K. M. BEYSE, Serubbabel und die Knigserwsrtungen der Propheten Haggai und SachaIja, 1972;
K. SEYBOLD, Die Knigserwartung hei den Propheten Haggai und Sacharja, Jud, 28:69-78,
1972; F. SAUER, Die Tempeltheologie des Propheten Haggai, tese de doutorado, Freiburg, 1978;
H. W. WOLFF, Haggai/Haggaibuch: in: TRE, 1985, voI. XIV, 355-360 (bibI.).

382
Sobre Zacarias ainda: H. GESE, Anfang und Ende der Apokalyptik (1973), in: - , Vom Sinai
zum Zion, 1974, 202-230 [trad. port.: Incio e Fim do Apocalipsismo, Base do Livro de Zacarias,
in: VVAA, Apocalipsismo; Coletnea de Estudos, So Leopoldo, Sinodal, 1983, 190-218]; K.
SEYBOLD, Bilder zum Tempelbau, 1974 (SBS, 70); C. JEREMIAS (supra 13ab); G. WALLIS,
Die Nachtgesichte des Propheten Sacharja, in: Congress Volume Gttingen, 1978, 377-391 (VTS,
29); A. S. VAN DER WOUDE, Serubbabel und die messianischen Erwartungen des Propheten
Sacharja, ZAW, 100:138-156, 1988 (supI.).

Sobre Dutero-Zacarias (Zc 9-14): O. PLOGER, Theokratie und Eschatologie, (1959) 3. ed.,
1968 . (WMANT, 2); B. OlZEN, Studien ber DeuterosachaIja, 1964; H. M. LU1Z, lahwe,
lerusalem und die Volker, 1968 (WMANT, 27); M. SAEBO, Die deuterosacharjanische Frage,
StTh, 23:115-140, 1969; ID., SachaIja 9-14, 1969 (WMANT, 34); I. WILLI-PLEIN, Prophetie am
Ende, 1974 (BBB, 42).

Sobre Malaquias: E. PFElFFER, Die Disputationsworte im Buche Maleachi, EvTh, 19:546-568,


1959 (sobre isto H. 1. BOECKER, ZAW, 78:78-80, 1966); G. WALLIS, Wesen und Struktur der
Botschaft Maleachis, in: Festschrift L. Rost, 1967,229-237; A. RENKER. Die Tora hei Maleachi,
1979 (FThSt, 112); W. RUDOLPH, Zu Maleachi 2,10-16, ZAW, 93:85-90, 1981.

23
Comentrios, supra 14, especialmente W. RUDOLPH, 1971; H. W. WOLFF, 2. ed., 1975
ou 1977 (bibI.).

Sobre Joel: O. PLOGER (supra 22); E. KUTSCH, Heuschreckenplage und Tag Jahwes in
Joel 1 und 2, ThZ, 18:81-94, 1962; H. W. WOLFF, Die Botschaft des Buches loel, 1963 (TEH,
109); H. P. MLLER, Prophetie und Apokalyptik bei Joel, ThViat, 10:231-252, 1965/6; G. W.
AHLSTRM, loel and the Temple Cult. 1971 (VTS, 21); J. JEREMIAS, Die Reue Gottes, 1975,
87ss. (BSt, 65); W. S. PRINSLOO, The Theology of the Book of loel, 1985 (BZAW, 163); J.
JEREMIAS, Joel/Joelbuch, in: TRE, 1988, voI. XVII, 91-97 (bibI.); S. BERGLER, loel als
Schriftinterpret, 1988.

Sobre Jonas: H. W. WOLFF, Studien zum lonabuch, (1965) 2. ed., 1975 (BSt, 47); G. H.
COHN, Das Buch lona im Lichte der biblischen Erziihlkunst, 1969; A. JEPSEN, Anrnerkungen
zum Buche Jona (1970), in: - , Der Herr ist Gott, 1978, 163-169; O. KAISER, Wirk1ichkeit,
Mglichkeit und Vorurteil, EvTh 33:91-103, 1973; J. JEREMIAS (v. supra), 98ss.; J. MAGONET,
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FRETHEIM, The Message oflonah, 1977; ID., Jonah and Theodicy, ZAW, 90:227-237, 1978; S.
SCHREINER, Das Buch Jona..., ThVers, 9:37-45, 1977; G. VANONl, Das Buch lona, 1978; H.
WI1ZENRArH, Das Buch lona, 1978; S. SEGERT, Syntax and Style in the Book of Jonah, in:
Festschrift G. Fohrer, 1980, 121-130 (BZAW, 150); P. WEIMAR, Jonapsalm und Jonaerziihlung,
BZ, 28:43-68, 1984; H.-J. ZOBEL, Jona/Jonabuch, in: TRE, 1988, vol, XVII, 229-234 (bibI.).

24

Histria da pesquisa: W. BAUMGARTNER, Ein Vierteljahrhundert Danielforschung, ThR,


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383
Comentrios: A. BENlZEN (HAT), 2. ed., 1952; N. W. PORTEOUS (ATD), 3. ed., 1978; O.
PLGER (KAT), 1965; A. LACOCQUE, 1976; L. E HARTMAN & A. A DiLELLA (AB),
1978; J. C. H. LEBRAM (ZBK), 1984; K. KOCH (BK), 1985.

I. WILLI-PLEIN, Ursprung und Motivation der Apoka1yptik im Danielbuch, ThZ, 35:265-274,


1979; O. H. STECK, Weltgeschehen und Gottesvolk im Buche Daniel, in: Festschrift G. Bomkamm,
1980,53-78; E. HAAG, Die Errettung Danie1s aus der Lwengmbe, 1983 (SBS, 110).

Sobre o chamado Apocalipse de Isaas (Is 24-27), por ltimo: H. WILDBERGER, BK, 1978,
vol. Xl2, 885ss. (bibl.)

Sobre o apocalipsismo: P. v. d. OSTEN-SACKEN, Die Apokalyptik in ihrem Verhii1tnis zu


Prophetie und Weisheit, 1969 (TEH, 157) [trad. port.: O Apocalipsismo em Sua Relao com o
Profetismo e a Sabedoria, in: VVAA, op. cito ( 22), 121-170]; J. C. H. LEBRAM,
Apoka1yptik/Apokalypsen n, in: ras, 1978, vol. m, 192-202 (bibl.); L. W CHTER, Apokalyptik
im Alten Testament, ZdZ, 9:334-340, 1979; O. H. STECK, berlegungen zur Eigenart der
sptisraelitischen Apoka1yptik, in: Festschrift H H. Wolff, 1981, 301-315; K. KOCH & J. M.
SCHMIDT, eds., Apokalyptik, 1982 (WdF, 365) (bibl.); D. HELLHOLM, ed., Apocalypticism in
the Mediterranean World and the Near East, 1983.

25
Introdues: C. BARTH, Einfhrung in die Psalmen, 1961 (BSt, 32); C. WESTERMANN,
Der Psalter, 4. ed., 1980; J. H. HAYES, Understanding the Psalms, 1976; H. SEIDEL, Auf den
Spuren der Beter; Einfhrung in die Psa1men, 1980; K. SEYBOLD, Die Psalmen, 1986; E.
ZENGER, Mit meinem Volk berspringe ich Mauem, 1987.

Relatos da pesquisa: M. HALLER, ThR, 1:378-402, 1929; J. J. STAMM, ThR, 23:1-68, 1955;
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Panorama: K. GAlLING, RGG, 3. ed., 1961, vol. V, 672-684, 689-691; E. LIPINSKI et al.,
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Comentrios: B. DUHM (KHC), 2. ed., 1922; H. GUNKEL (HK), (1929) 5. ed., 1968; R.
KITTEL (KAT), 5. e 6. ed., 1929; H. SCHMIDT (HAT), 1934; A. WEISER (ATD), 9. ed., 1979;
H. J. KRAUS (BK), (1960) 5. ed., 1978 (bibl.); M. J. DAHOOD (AB), 1966{70; L. JACQUET,
1975{7; E. BEAUCAMP, 1976.

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SCHMIDT, Das Gebet des Angek1agten im Alten Testament, 1928 (BZAW,49); C. WESTERMANN,
Das Loben Gottes in den Psalmen, 1954; ampliado: Lob und Klage in den Psalmen, 6. ed., 1983;
ID., Ausgewiihlte Psalmen, 1984; L. DELEKAT, Asylie und Schutzorakel am Zionheiligtum,
1967; N. FGLISTER, Das Psalmengebet, 1965; E CRSEMANN, Studien zur Forrngeschichte
von Hymnus und DankJied in Israel, 1969 (WMANT, 32); O. KEEL, Feinde und Gottesleugner,

384
1969(SBM, 7); W. BEYERLIN, DieRettungdesBedriingten in denFeindpsalmen desEinzelnen...,
1970 (FRLANT, 99); N. H. RIDDERBOS, Die Psalmen (ps 1-41), 1972 (BZAW, 117); H. GESE,
Die Entstehung der Bcherteilungdes Psalters (1972), in: - , Vom Sinaizum Zion, 1974, 159-167;
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Psalmen, 1973 (CThM, 2); K. SEYBOLD, Das Gebet des Kranken im Alten restament, 1973
(BWANT, 99); ID., Die Wallfahrtspsalmen, 1978 (BThSt, 3); L. VOSBERG, Studienzum Reden
vom Schpferin den Psalmen, 1975 (BEvTh, 69); H. J. KRAUS, Theologie der Psalmen, 1979
(BK, XV/3) [trad. esp.: Teologa de los Salmos, Salamanca, Sgueme, 1985]; O. LORElZ, Die
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1983(ThSt, 129); C. BARTH, DieErrettung vom Tode in denindividuellen KIage- undDankliedem
des Alten 'Istsmems (1947),2.00., 1987; H. GRAF REVENTLOW, Gebet im Alten restament,
1986; E-L. HOSSFELD, 00., Freude an der "-isungdes Herm; Festschrift H. Gross, 2. 00., 1987;
H. STRAUSS, Gott preisen heisst vor ihm leben, 1988 (BThSt, 12); H. SPIECKERMANN,
Heilsgegenwart; eine Theologie der Psalmen, 1989 (FRLANT, 148).

Sobre os salmosrgios: K. H. BERNHARDT, DasProblem deraltorientalischen Konigsideologie


im Alten restament, 1961 (VTS, 8) (bibI.); G. WIDENGREN, Religionsphanomenologie, 1969,
3608s. (bibI.); W. H. SCHMIDT, Kritik am Knigtum, in: Festschrift G. von Rad, 1971,440-461
(452ss.); J. H. EJITON, Kingship and the Psalms, 1976; S. S. PJITRO, Royal Psalms in Modem
Scholarship, tese de doutorado, Kiel, 1976 (histria da pesquisa); H. 1. KRAUS, Theologie der
Psalmen, 134ss.

Sobre os salmos de Sio: H. SCHMID, Jahwe und die Kulttraditionen von Jerusalem, ZAW,
67:168-197, 1955;G. WANKE, DieZionstheologie derKorachiten, 1966(BZAW, 97);1.JEREMIAS,
Lade und Zion, in: Festschrift G. von Rad, 1971, 183-198; O. H. STECK, Friedensvorstellungen
im alten Jerusalem, 1972 (ThSt, 111); W. H. SCHMIDT, Alttestamentlicher Glaube in seiner
Geschichte, 4. 00., 1982, 206ss. (bibI.); H. 1. KRAUS, Theologie der Psalmen, 94ss.

Sobre os chamados salmos de entronizao: P. VOLZ, Das Neujahrsfest Jahwes, 1912; S.


MOWINCKEL, Psalmenstudien II; das Thronbesteigungsfest Jahws und der Ursprung-der
Eschatologie, 1922; H. GUNKEL & J. BEGRICH, Einleitung in die Psalmen (v. supra), 94ss.; D.
MICHEL, Studien zu den sog. Thronbesteigungspsalmen (1956):in: Zur neueren Psalmenforschung
(v. supra), 367-399; W. H. SCHMIDT, Kaigtum Gottes in Ugarit und Israel, 2. 00.,. 1966, 74ss.
(BZAW, 80); J. A. SOGGIN, in: THJIT, 1971,voI. I, 914ss. (bibI.); E. LIPINSKI, in: DBS, 1973,
voI. 0048, 32ss. (bibI.); E. OTTO (& T. SCHRAMM), Fest und Freude, 1977, 46ss.; J. GRAY,
The BiblicalDoctrine of the Reign of 000, 1979; F. STOLZ, Erfahrungsdimensionen im ROOen
von der Herrschaft Gottes, WuD, 15:9-32, 1979; H. 1. KRAUS, Theologie der Psalmen, 29ss.,
103ss.; P. WELTEN, Knigsherrschaft Jahwes und Thronbesteigung, VT, 32:297-310, 1982; J.
JEREMIAS, Das Kaigtum Gottesin den Psalmen, 1987 (FRLANT, 141).

26
Sobre o Cntico dos Cnticos:

Comentrios: H. RINGGREN (iITD), 3. 00.,1981;W. RUDOLPH (KJIT), 1962;G. GERLEMAN


(BK), 2. 00., 1981; E. wRTHWEIN (HiIT), 1969; M. H. POPE (AB), 1977; G. KRINE1ZKI
(NEB), 1980; O. KEEL (ZBK), 1986.

385
Histria da pesquisa: C. KUHL, ThR, 9:137-167,1937; E. wRTIIWEIN, ThR, 32:177-212,1%7.

H. SCHMKEL, Heilige Hochzeit und Hohes Lied, 1956; O. LORElZ, Das althebriiische
Liebeslied, 1971 (A01Xf, 14/1); 1. B. WHI1E, A Study of the Language of Lave in the Song of
Songs and Ancient Egyptian Poetry, 1978; G. KRINE1ZKI, Kommentar zum Hohenlied, 1981
(BET, 16); O. KEEL, Vergleich und Metapher im Hohenlied, 1984; H. GRAF REVENlLOW,
Hoheslied, in: TRE, 1988, vol. XV, 499-502.

Sobre as Lamentaes:

Comentrios: H. K. KRAUS (BK), (1956) 4. 00., 1983; A. WEISER (ATD), 1958; W.


RUDOLPH (KAT), 1962; O PLOOER (H1Xf), 2. 00., 1969; D. R. HILLERS (AB), 1972; O.
KAISER (1XfD), 3. 00., 1981; H. 1. BOECKER (ZBK), 1985; H. GROSS (NEB), 1986.

B. ALBREKTSON, Studies in the Text and Theology of the Book of Lamentations, 1963
(1XfL; 21); R. BRANDSCHEIDT (supra 19).

Sobre Rute:

Comentrios: H. W. HERlZBERG (1XfD), 5. 00., 1974; W. RUDOLPH (K1Xf), 1%2; G.


GERLEMAN (BK), 2. 00., 1981; E. wRTHWEIN (HJXf), 2. 00., 1969; E. F. CAMPBELL
(AB), 1975; E. ZENGER (ZBK), 1986.

H. WTIZENRATH, Das Buch Ruth, 1975 (StANT, 40); O. LORElZ, Das Verhli1tnis zwischen
Rut-Story und David-Genealogie..., ZAW, 89:124-126, 1977; K. K. SACON, The Book of Ruth,
AJBI, 4:3-22, 1978; 1. M. SASSON, Ruth, 1979; W. S. PRINSLOO, The Theology of the Book
of Ruth, VT, 30:330-341, 1980; B. GREEN, The Plot of the Biblical Story of Ruth, JSOT,
23:55-68, 1982; R. VUILLEUMlR, ThZ, 44:193-210, 1988.

Sobre Ester:

Comentrios: H. RINGGREN (1XfD), 3. 00., 1981;H. BARDTKE (K1Xf), 1%3; E. wRTHWEIN


(HJXf), 2. ed., 1969; G. GERLEMAN (BK), 2. 00., 1981 (bibl.); C. A. MOORE (AB), 1971; W.
OOMMERSHAUSEN (NEB), 1980.

W. DOMMERSHAUSEN, Die Estherrolle, 1968 (SBM, 6); J. C. H. LEBRAM, Purimfest und


Estherbuch, VT, 22:208-222, 1972; ID. & J. VAN DER KLAAUW, Esther, in: TRE, 1982, vol.
X, 391-395 (bibl.); A. MEINHOLD, Die Gattung der Josephsgeschichte und des Estherbuches;
Diasporanovelle, ZAW, 88:72-93, 1976; ID., Theologische Erwiigungen zum Buch Esther, ThZ,
34:321-333, 1978; ID., Zu Autbau und Mitte des Estherbuches, VT, 33:435-445, 1983 (bibl.); J.
A. LOADER, Esther as a Novel..., ZAW, 90:417-421, 1978 (sobre isto C. H. MILLER, ZAW,
92:145-148, 1980).

27

Introduo: C. BAUER-KAY1XfZ, Einfhrung in die alttestamentliche Weisheit, 1969 (BSt, 55).

Relatos da pesquisa: W. BAUMGARTNER, ThR, 5:259-288, 1933; ID., The Wisdom Literature,
in: H. H. ROWLEY, 00., The Old Testament and Modem Study, 1951, 210-237; R. MURPHY,
Cone, 1:855-862, 1965; E. GERSTENBERGER, VF, 14(1):28-44, 1969; R. B. Y. SCOTI, Interp,

386
24:2045, 1970; J. A. EMERTON, Wisdom,in: 1I,214-237; H. GRAFREVENlLOW, Hauptprobleme
der alttestamentlichen Theologie... (infra 30), 183ss.

Panorama: H. GESE, in: RGG, 3. 00., 1962, vol. VI, 1574-1581; G. FOHRER, in: ThWNT,
1964, vol, vn, 476496 = BZAW 115, 1969, 242-274; M. SAEBO, in: rnsr, 1971, vol, I,
557-567; H. P. MLLER, in: ThWAT, 1977, vol. 11, 920-944 (bibL).

Comentrios: F. DELflZSCH, 1873; B. GEMSER (HIIT), 2. 00., 1963; H. RINGGREN


(JITD). (1962) 3. 00., 1980; W. McKANE (OIL). 1970; O. PLOOER (BK), 1984.

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1933 (BZAW, 62); H. GESE, Lehre und Wirldichkeitin der alten misheit, 1958; u. SKLADNY.
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KAYA1Z, Studien zu Proverbien 1-9, 1966 (WMANT, 22); W. RICHTER, Recht und Bthos, 1966
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misheit in Israel, 1970[trad.esp.: La Sabiduria en Israel, Madrid,FAX, 1973];C. WESTERMANN,
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Conceito de Deus na Sabedoria mais Antiga de Israel, in: E. GERSTENBERGER. org. Deus no
Antigo Testamento, So Paulo, ASTE, 1981. 313-344]; B. LANG, Die weisheitliche Lehrrede,
1972 (SBS. 54); ID., Frau misheit, 1973; R. N. WHYBRAY. The Intellectual Iiedition of the
Old Testament, 1974 (BZAW, 135); W. BHLMANN, Vom rechten Reden und Schweigen, 1976
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sogenannten Verge1tungsg1auben im Proverbienbuch, in: Festschrift W. Zimmerli, 1977, 223-238;
E. HORNUNG & O. KEEL, OOs. Studien zu altiigyptischen Lebenslehren, 1979 (OBO, 28); M.
GILBERT, 00. La Sagesse de l'Ancien Testament, 1979; P. DOLL, MenschenschOpfung und
mltschOpfung in der alttestamentlichen misheit, tese de doutorado, Heidelberg, 1980; P. J. NEL,
The Structure and Bthos of the Wisdom Admonitions in Proverbs, 1982 (BZAW, 158); O.
KAISER, Der Mensch unter dem Schicksal, 1985 (BZAW. 161); H. D. PREUSS, Binfhrung in
die alttestamentliche misheitsliteratur, 1987.

28
Relatos da pesquisa: K. GALLING, Stand und Aufgabeder Kohe1et-Forschung, ThR, 6:355-373,
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Comentrios:W. ZIMMERU (JITD). (1962). 3. 00., 1980; H. W. HERTZBERG (KJIT), 1963;


K. GALLING (HAT). 2. 00., 1969; A. LAURA (BK), 1978 (bibL); N. LOHFINK (NEB), 1980.

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MLLER, Wie sprach Qohlt von Gott?, VT, 18:507-521, 1968; M. HENGEL. Judentum und
Hellenismus, (1969) 2. 00., 1973. 2108s.; M. A. KLOPFENSTEIN, Die Skepsis des Qohelet, ThZ,
28:97-109, 1972; R. BRAUN, Kohelet und die frhhellenistische PopularphiIosophie, 1973(BZAW,
130); A. STIGLMAIR, Weisheitund Jahweglaube im Buche Kohelet, TThZ, 83:257-283. 339-368,
1974; W. ZIMMERU, Das Buch Kohe1et - 'Iraktat oder Sentenzensammlung? VT. 24:221-230,

387
1974; D. LYS, L 'Ecclsiaste ou Que vaut la vie?, 1977; H. P. MLLER, Neige der althebrii.ischen
Weisheit, ZAW, 90:238-264, 1978; F. CRSEMANN, Die unvernderbare Welt, in: - , Der Gott
der kJeinen Leute (supra 3), 80-104; ID., Hiob und Kohelet, in: Festschrift C. ~stennann, 1980,
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WIllTLEY, Kohe1et, 1979 (J3ZAW, 148); A. SCHMI1T, Zwischen Anfechtung, Kritik und
Lebensbewltigung; zur theologischen Thematik des Buches Kohelet, TThZ, 88:114-131, 1979; B.
LANG, 1st der Mensch hilflos?, ThQ, 159:109-124, 1979 = Wie wird man Prophet in Israel?,
1980,120-136; A. LAURA, Kohelets Verhltnis zur Geschichte, in: Festschrift H W. Wolif, 1981,
393-401; W. ZIMMERLI, "Unvernderbare Welt" oder "Gott ist Gott"?, in: Festschrift H. 1.
Krsus, 1983, 103-144; I. VON LOEWENCLAU, Kohelet und Sokrates, ZAW, 98:327-338,1986;
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mit dem Kohelet, Prediger Salomo, in: Festschrift A. H 1. Gunneweg, 1987, 30-51; H. P.
MLLER, Theonome Skepsis und Lebensfreude, BZ, 30:1-19,1986; D. MICHEL, Qohe1et, 1988
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29
Introduo: A. JEPSEN, Das Buch Hiob und seine Deutung, 1963.

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MLLER, Das Hiobprob1em, 1978 (EdF, 84) (bibI.); B. LANG, Neue Literatur zum Buch Ijob,
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Comentrios: G. HOLSCHER (HAT), 2. ed., 1952; A. WEISER (ATD), (1951) 6. ed., 1974;
G. FOHRER (KXf), 1963; F. HORST (BK), 1968 (1 1-18); F. HESSE (ZBK), 1978; H. GROSS
(NEB), 1986.

Panorama: J. EBACH, Hiob/Hiobbuch, in: TRE, 1986, voI. XV, 360-380 (bibI.).

E. WRTHWEIN, Gott und Mensch in Dialog und Gottesreden des Buches Hiob (1938), in:
- , Wort und Existenz, 1970,217-292; C. WESTERMANN, Der Aufbau des Buches Hiob, 1956,
arnpliado com um relato da pesquisa (1. KEGLER): 2. ed., 1977 (CThM, 6); H. RICHTER,
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SCHMID (supra 27), 173ss.; E. KUTSCH, Hiob: leidender Gerechter - leidender Mensch,
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(FThSt, 115); F. CRSEMANN (supra 28); P. WEIMAR, Literarkritisches zur Ijobnovelle, BN,
12:62-80, 1980; S. WAGNER, "Schpfung" im Buche Hiob, ZdZ, 34:93-96, 1980; R. ALBERlZ,
Der sozialgeschichtliche Hintergrund des Hiobbuches und der "Babylonischen Theodizee", in:
Festschrift H W. Wolif, 1981, 349-372; N. C. NABEL, "Naked I Carne ..."; Humanness in the
Book of Job, in: ibid., 373-392; V. MAAG, Hiob, 1982 (FRLANT, 128); H. GESE, Die Frage
nach dem Lebenssinn: Hiob und die Folgen, ZThK, 79:161-179, 1982; E. KUTSCH,
Unschuldsbekenntnis und Gottesbegegnung; der Zusammenhang zwischen Hiob 31 und 38ff, in:
- , KJeine Schriften zum Alten Testament, 1986, 308-335 (BZAW, 168); J. VAN OORSCHOT,
Gott als Grenze; eine literar- und redaktionsgeschichtliche Studie zu den Gottesreden des Hiobbuches,
1987;H.-P. MILER, Gottes Antwortanljobund das Rechtreligiser Walnheit, BZ, 32:210-231,1988.

388
30
TRE, 1984, vol. XIll, 608-626 (a as indicaes).

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Relatos da pesquisa sobre a teologia do AT: H. 1. KRAUS, Geschichtederhistorisch-kritischen
Erforschung des Alten Testaments, 3. 00., 1982, especialmente 503ss.; R. SMEND, Die Mitte des
Alten Testaments (1970), in: - , GesammelteStudien, 1986, vol. I, 40-84; ID., Theo1ogie im Alten
Testament (1982), in: - , ibid., 104-117; W. H. SCHMIDT, Das erste Gebot, 1970 (TEH, 165);
ID., "Theologie des Alten Testaments" vor und nach Gerhard von Rad, VF, 17(1):1-25, 1972;
ID., Die Frage nach der Einheit des Alten 'Iestaments - im Spannungsfe1d von Religionsgeschichte
und Theo1ogie, in: JBTh 11, 1987, 33-57; ID. et al., Altes 'Iestament, in: Grundkurs Theologie 1,
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1971; G. F. HASEL, Old Testament Theology, 3. 00., 1982 (sobre isto E. OSSWALD, ThLZ,
99:641-658, 1974) [trad. port.: Teologia do Antigo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1987]; ID.,
The Prob1em of the Center in the 01d Testament Theo1ogy Debate, ZAW, 86:65-82, 1974; ID., A
Decade of 01d Testament Theo1ogy, ZAW, 93:165-183, 1981; W. ZIMMERLI, Zum Prob1em der
"Mitte des Alten Testaments", EvTh, 35:97-118, 1975; W. BRUEGGEMANN, A Convergence
in Recent 01d TestamentTheo1ogies,JSOT, 18:2-18, 1980;H. GRAF REVENTLOW, Hauptprobleme
der alttestamentlichen Theologie im 20. Jahrhundert, 1982 (EdF, 173); ID., Zur Theo1ogie des
Alten Testaments, ThR, 52:221-267, 1987; J. GOLDINGAY, Diversity and Unity in 01d Testament
Theo1ogy, VT, 34:153-168, 1984.

Relatos da pesquisa sobre a teologia bblica: H. 1. KRAUS, Die Biblische Theologie, 1970; K.
HAACKER, 00., Biblische Theologie heute, 1977 (BThSt, 1); W. ZIMMERLI, Biblische Theo1ogie
I: in: TRE, 1980, vol. VI, 426-455; ID., Biblische Theo1ogie, BThZ, 1:5-26, 1984; H. SEEBASS,
Zur biblischen Theo1ogie, VF, 27(1):28-45, 1982; ID., Der Gott derganzen Bibel, 1982; H. GRAF
REVENTLOW, Hauptprobleme der Biblischen Theologie im 20. JahrhundeIt, 1983 (EdF, 203);
M. OEMING, Gesamtbiblische Theologien der Gegenwart, 2. 00., 1987; H. SEEBASS, 1st
biblische Theo1ogie mglich?, Judaica, 41:194-206, 1985; P. HFFKEN, Anmerkungen zum
Thema Biblische Theo1ogie, in: Festschrift A. H 1. Gunneweg, 1987, 13-29; O. KAISER, Die
Bedeutung des Alten Testaments fr den christlichen G1auben, ZfhK, 86:3-17, 1989.

Jahrbuch fr Biblische Theologie, a partir do n 1, 1986.

32
Relatos da pesquisa: C. WESTERMANN, 00., Problemealttestamentlicher Hermeneutik, 1960;
A. H. 1. GUNNEWEG, Vom Verstehen des Alten Testaments, 2. 00., 1988 (cf. ID., in: Festschrift
E. WIthwein, 1979,39-46; Sola Scriptura, 1983, 159ss.); H. D. PREUSS, Das Alte Testament in
christlicher Predigt, 1984.

389
ABREVIATURAS
AB Anchor Bib1e
AJBI Annual of the Japanese BiblicalInstitute
AnBib Analecta Bibliea
AOX!' AIter Orient und AItes Testament
ATD AItes Testament Deutsch
AThANT Abhandlungen zur Theologie des AIten und Neuen 'Iestaments
AzTh Arbeiten zur Theologie
BX!' Die Botschaft des AIten 'Iestaments
BBB Bonner biblische Beitrge
BET Beitrge zur biblischenExegese und Theologie
BEThL Bibliothecaephemeridwn theologiearum Lovaniensiwn
BEvTh Beitrge zur evangelisehen Theologie
Bib Biblica
BiKi Bibe1 und Kirche
BiLe Bibe1 und Leben
BK Bibliseher Kommentar
BN Biblische Notizen
BSt Biblische Studien
BThSt Biblisch-theologisehe Studien
BThZ Berliner Theo1ogische Zeitschrift
BWANT Beitrge zur Wissenschaftvom AIten und Neuen 'Iestament
BZ BiblischeZeitschrift
BZAW Beihefte zur Zeitschrift fr die alttestamentliche Wissensehaft
CX!' Commentaire de I' Ancien Testament
CB.OT Coniectanea bibliea - Old Testament Series
CBQ Catholic Biblical Quarter1y
Cone Concilium
CThM Calwer Theologische Monographien
DBX!' DielheimerB1iitter zum Alten Testament
DBS Dictionnaire de la Bib1e. Supp1ment
EdF Ertrge der Forschung
EHS.T Europische Hochschulschriften. Theologie
EtB tudes bibliques
EThSt Erfurter theologische Studien
EvErz Der evangelische Erzieher
EvTh Evangelische Theo1ogie
FRLANT Forschungenzur Religion und Literatur des AIten und Neuen Testaments
FThSt Freiburger theologisehe Studien
FzB Forschung zur Bibel
HXf Handbuch zum AIten Testament
HK Handkommentar zum AIten Testament
HUCA Hebrew Union College Annual
IKZ Intemationale kirchliche Zeitschrift
Interp Interpretation
mL Joumal of BiblicalLiterature
ISOT(SS) Joumal for the Study of the 01d Testament (Supp1ement Series)
ISS Joumal of Semitic Studies
Iud Judaica
KXf Kommentar zum AIten Testament
KHC Kurzer Hand-Commentar zum AIten Testament

391
KT Kaiser-'Iraktate
KuD Kerygma und Dogma
NCeB New CenturyBible
OBO Orbis Biblicus et Orientalis
OLoP Orientalia Lovaniensia periodica
OrAnt Oriens Antiquus
OTL Old 'Iestament Library
OTS Oudtestamentische Studien
PW A. Pauly & G. Wissowa, Real-Encyclopiidie der kIassischen Altertumswissenschaft
RB Revue Biblique
RGG Die Religion in Geschichte und Gegenwart
RV Religionsgeschichtliche Volksbcher
SAT Die Schriften des Alten 'Iestaments
SBB Stuttgarter biblische Beitrge
SBM Stuttgarter biblische Monographien
SBS Stuttgarter Bibelstudien
SBT Studies in Biblical Theology
StANT Studien zum Alten und Neuen 'Iestament
STL Studia theologica Lundensia
StTh Studia Theologica
Tal 7J:adition and Interpretation, ed. por G. W. Anderson, 1979
TER Theologische Existenz heute
THAT Theologisches Hendwncibuch zum Alten Testarnent, 1974/6, vols, I e Il
ThGI Theologie und Glaube
ThQ (Tbinger) Theologische Quartalschrift
ThR Theologische Rundschau
ThR Theologische Revue
ThSt Theologische Studien
ThVers Theologische Versuche
ThViat Theologia viatorum
ThWAT Theologisches WOIterbuch zum Alten Testarnent, 1970ss.
ThWNT Theologisches Worterbuch zum Neuen Testarnent, 1933-79
ThZ Theologische Zeitschrift
TRE Theologische RealenzykIopiidie, 1977ss.
TThZ 'Iiierer theologische Zeitschrift
DF Ugarit-Forschungen
VF Verkndigung und Forschung
VT Vetus Testarnentum
VTS Vetus Testamentum. Supplement
WdF Wege der Forschung
WMANT Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament
WuB WoIt und Botschaft des Alten Testarnents, ed. por 1. Schreiner, (1967) 3. 00., 1975
WuD WoIt und Dienst
WZKM WienerZeitschrift fr die Kunde des Morgenlandes
ZAW Zeitschrift fr die alttestarnentliche Wissenschaft
ZBK Zrcher Bibelkommentar
ZdZ Zeichen der Zeit
ZEE Zeitschrift fr evangelische Ethik
ZKTh Zeitschrift fr katholische Theologie
ZThK Zeitschrift fr Theologie und Kirche

Outras abreviaturasem S. Schwertner,lista de abreviaturas da Theologische RealenzykIopiidie, 1976.

392
NDICE REMISSIVO
Abrao: 19ss., 81s., 85s., l04ss. Criao: 27, 64s., 79, 103s., 108, 243, 251,
Aliana: 22, 98, 101s., 103ss., 127, 131, 235, 289,297,320, 332ss., 357
249, 348s. Crtica social (crtica sociedade): 191, 192,
Aliana, Cdigo da: v. Cdigo 199, 205, 208, 214, 220, 242, 256
Anfictionia: 25 Cronista: 138, 156ss.
J\njos; ~ensagerros: 90, 178, 260, 276 Cronologia: 93, 135, 154s.
Apocalipsismo: 101, 159, 176,217,262, 276ss. Culpa, indicao/comprovao da: 141, 180,
Arameus (aramaico): 19, 26, 27, 29, 33, 77, 183,220
160, 186, 190, 276 Culto (crtica ao): 94, 97s., 101, 107, 121s.,
Arca: 27, 108, 131, 152, 294 127s., 14Os., 164ss., 193, 198, 199, 208,
Arrependimento; Converso; Penitncia (cf. 214, 242, 259, 269, 288, 341
, Exortao): 141s., 184, 244, 271
Davi (dinastia de): 26ss., 41, 77, 139s., 142,
Arvore genealgica: v. Genealogia
148ss., 152s., 164, 185, 205, 211s., 215,
Assrios: 29ss., 127, 190, 200, 201, 205ss.,
243, 252, 259s., 285, 293, 300
212, 216, 219s.
Declogo: 39, 50, 87, 105, 110ss., 130ss.
Astros (culto a): 65, 122, 219
Desgraa, anncio da/mensagem da (cf Culpa):
Auto-apresentao (frmula de): 105s., 118
101, 178ss., 183, 212, 213, 215, 219, 222,
231, 233, 240s., 243, 248, 339ss.
Baal: 24,29, 90, 92, 129, 139, 145, 185s., 198,
Deus dos pais: 208., 324ss.
219, 231, 351
Deus, nome de: 19, 49, 55, 84, 88, 89s., 105,
Babilnios: 31ss., 107,201,218,237,245, 278s.
185s., 286, 326s. (v. tambm Deus, reino
Balao: 184
de, e Deus, transcendncia de)
Bno (promessa de): 47, 81s., 89, 96, 113
Deus, reino de: 148, 165, 249, 252s., 265,
Berseba: 20, 26, 88
277s., 293s., 334s. (v. tambm Deus, nome
Betel: 20, 24, 29, 87, 104, 190
de, e Deus, transcendncia de)
Bruxaria: v. Magia
Deus, transcendncia de: 83, 90,105,108, 177s.
(v. tambm Deus, nome de, e Deus, reino de)
Cades: 23
Deuses, casamento de/luta de: 64s., 199, 295s.
Cana (cananeus): 20s., 23ss., 43, 77, 111, 129,
Deuteronmio: 31, 51, 59, 88, 97s., 108, 117,
133, 199
119ss., 163
Caos: 104
Deuteronomista/deuteronomstico: 56, 59ss., 87,
Casamento: v. Deus, casamento de
118, 125s., 134ss., 173, 189s., 224s.
Causa-efeito, relao: v. Retribuio
Dia de Jav: 206, 219, 269, 271
Circunciso: 98, 104
Dispora: 33, 44, 143, 302
Ciro: 33s., 160, 165, 201, 245, 250
Direito (proclamao do); Jurisprudncia; cf.
Cdigo da Aliana: 22, 87, 116ss.
Declogo: 22, 37s., 40, 42, 43, 110ss., 181
Complementao, hiptese da: 51, 58, 86, 96
Documentos, hiptese dos: 50
Conduo pelo deserto: 22, 60
Confisso: 21,47, 129 Edom: 77, 221
Conselho do trono: v. Corte celestial/divina, Egito: 21s., 31, 33, 73s., 106s., 200, 230, 304
conselho da El: 20, 105, 325s.
Corte celestial/divina, conselho da; Conselho Eleio: 128s., 132, 251, 268
do trono: 27, 176,206,248,252,316 Elias; Eliseu: 29, 88ss., 135, 141, 155, 174,
Corvia: v. 'Irabalhos forados 185s.,268

393
Elosta: 30, 53, 57, 72, 75, 84ss., 123 Javista: 53s., 57, 75ss., 86, 88, 150, 152
Escatologia; Futuro: 65, 81, 101, 133, 141ss., Jeovista: 53, 84
165, 173, 182, 183s., 191, 247, 250s., 254, Jeremias: 80, 126, 223
276,288 Jerusalm: 26, 31s., 43, 44, 89, 107, 123, 128,
Escravo: 44 164ss., 206s., 209s., 212, 231, 234, 249s.,
Escrito Sacerdotal: 52ss., 73, 76, 93ss., 118, 262, 296s.
126, 144, 163 Josias (reforma de): 31s., 51, 97s., 122, 124ss.,
Esperana: v. Escatologia; Salvao, palavra de 128, 140, 219, 223, 229
Esprito (de Deus): 147, 152, 238, 259, 263s., Judasmo: 32s., 163, 275, 302ss., 347, 353
271,337 Juzes, poca dos: 25, 139, 147s., 151, 185
Etiologia: 70 Juzo: 106, 139, 189, 268, 312
Exclusividade (exigncia de; 1 mandamento): Juzo, anncio do: v. Desgraa, anncio da
21, 24, 65, 69, 106s., 122s., 128, 129s., Julgamento(s): v. Juzo
139s., 185s., 198s., 209, 231, 250ss., 279,
291, 303, 314, 320, 328ss., 353, 356ss. Lei: 115s., 126, 353s., 357
xodo, Sada: 21s., 65, 199s., 243, 249 Levita: 94, 98, 108, 127, 132, 164, 286
Exortao, palavra de (chamada
converso/penitncialao arrependimento): 46, Magia: 106s., 113
105, 138, 141s., 173, 181, 184, 193, 205s., Maldio: 112s.
232, 234, 259, 271, 306, 307s. Mandamento, primeiro: v. Exclusividade
Expectativa: v. Messias Mandamentos, Dez: v. Declogo
Mandamento, segundo: v. Imagens, proibio de
Fertilidade, culto de: v. Prostituio sacra Mar (luta contra o drago): 27, 65, 79, 103s.,
Festa: 22, 164s., 193, 294, 295, 301s. 251,293
Filisteus: 26ss., 77, 151 Mensageiros: v. Anjos
Fragmentos, hiptese dos: 50 Messias, expectativa do: 27, 34, 165,210,250,
Funcionalismo: 27, 40ss., 76s., 305 253s., 259, 263, 288, 338s., 353, 357
Futuro: v. Escatologia; Salvao, palavra de; Midianitas: v. Quenitas
Desgraa, anncio da Moiss: 19, 22, 48ss., 67s., 81, 91, 95, 99s.,
106s., 327s.
Genealogia: 37, 65s., 157s., 300 Monarquia (cf Davi; Deus, reino de): 26ss.,
Gesto simblico: v. Smbolo 4Oss., 139ss., 150ss., 165, 199, 252s., 338s.
Glria: 106ss., 241s., 249, 262 Monotesmo: v. Exclusividade
Guerra de Jav: v. Jav, guerra de
GuerraSrro-EfirnWrrrita: 30,194,205,209 Nat (predio/profecia de): 32, 149, 164, 185
Nomadismo: 20, 21s., 35ss., 42, 112ss.
Hebrom: 20, 26s.
Histria/historiografia: 20, 65, 69s., 75, 150, Palavra/Promessa de salvao: v. Salvao,
152, 164, 181, 238, 275s., 289, 302, 324, palavra/promessa/profecia de
331s., 347ss. Pan-israelita: v. Povo
Honra: v. Glria Paralelismo: 171, 284s., 304
Parnese (cf Exortao): 118, 126, 130
Imagem de Deus: 65s., 103s., 357 Particularismo: 89, 355s.
Imagens (proibio de/ausncia de; 2 Pscoa: 21, 122, 331
mandamento): 21, 108, 114s., 116, 139, 140, Patriarcas: 19s., 25s., 35s., 60, 249
198, 231, 250, 279, 330ss. Penitncia (v. Arrependimento)
Israel: 24s., 30, 131, 212 Povo, todo o/a totalidade do (cf Israel
[caracterizao pan-israelita]): 19s.,4O, 131,
Jac: 19s., 68, 80s., 103s. 138, 220, 233
Jav: v. Deus, nome de Primeiro mandamento: v. Exclusividade
Jav, guerra de: 23ss., 190, 207, 328 Profecia; Profetismo: 28s., 52, 88s., 92, 101,

394
130s., 139, 14Oss., 164, 168ss., 34Oss., 347, 140,160, 164s., 229, 237, 242s., 249, 258s.,
352 264s.
Profetas de salvao: 168, 232ss. Santurio, lenda de: 70s.
Promessa: v. Salvao, palavra de SatiVSatans: 264, 316
Prostituio sacra (adultrio, infidelidade): 122, Saul: 26, 148, 152
197, 199 Semelhana com Deus: v. hnagem de Deus
Senhorio de Deus: v. Deus, reino de
Quenitas; Midianitas: 22, 35, 66, 80, 94, 326s. Septuaginm: 13,46,148
Servo de Deus: 252ss., 266
Redao: 53s., 59, 62, 87, 124s., 134, 171s., Servo de Jav: v. Servo de Deus
173, 197, 225, 236 Sio (tradio de Jerusalm): 27, 89, 123,205,
Reinado: v. Monarquia 209s., 229, 243, 247, 249, 256, 259s., 264,
"Resto": 81, 101, 183s., 193, 207 293s.
Retribuio, doutrina/princpio da;Causa-efeito, Smbolo; Simblico/a (ato/ao): 175, 197, 203s.,
relao; Vinculao entre causa e efeito 206, 233, 237, 243, 264
(ao e destino): 74, 163, 218, 306, 310, Sinai: 19, 22s., 60, 85, 95, 102, 100s., l07s.,
315, 319, 321, 343 119,327
Revelao; Teofania: 20, 22, 90, 105ss., 183, Sinal: .v. Smbolo
186, 217ss., 254, 277, 305, 349 Sincretismo: 29, 92, 185, 259
Siqum: 20, 25, 28, 88, 143
Sbado: 98s., 102s., 114, 256 Social, crtica: v. Crtica social
Sabedoria (literatura sapiencial): 72, 74, 77, Sorteio: 38, 145, 150s., 302
92, 170, 181, 190, 204ss., 294, 296, 304ss., Sucesso ao trono, histria da: 77, 151ss.
313s., 317, 319, 342ss.
Sacerdotes (cf Culto): 27, 41, 98, 164, 198, 'Ialio, princpio do (retribuio equivalente)
263, 268 (cf Relao ao-efeito): 113
Sacrifcio (cf Culto): 95, 128s., 353 Templo: v. Santurio
Saga: 66ss. Teofania: v. Revelao
Sada: v. xodo Ttulo: 69
Salomo: 28s., 41,77, 139,285,296, 304s., 311 Tomada da terra (promessa da): 14, 22ss., 36,
Salvao, palavra/profecia/promessa de (cf 48, 76, 1oos., 143, 145
Escatologia): 171s., 181ss., 189, 192, 197, 'Irabalhos forados: 21, 41s.
zoos, 213, 217, 219, 225, 234, 246, 250, 'Iranscendncia: v. Deus
251s., 256, 265, 341s., 354s. 'Irbo (estrutura tribal): 25, 37, 147
Samaria: 28, 30, 43, 190, 217 'Iribunal, discurso de: 180, 247
Samaritano(s): 15, 30, 162, 165, 259
Samuel: 148ss., 185 Uno: 27, 98, 150ss.
Sangue (derramar; vingana de): 21, 29, 80, Universalismo: 79, 82, 90,101, 220s., 257, 344ss.
102, 103s., 113ss., 129
Santidade: 94, 118, 131s., 335s. Viso: 176ss., 188, 191, 206, 219, 231, 237,
Santidade, Lei da: 96, 117s., 238 241, 248, 26Oss., 280s.
Santurio; Templo: 27, 33s., 98,101,108, 128s., Vocao: 88, 90s., 175s., 206, 230, 241, 248

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