Por Uma Ética Da Passividade
Por Uma Ética Da Passividade
Por Uma Ética Da Passividade
Mas a escrita e traduo deste livro, que comea com um insulto, o famoso
vai tomar no cu, alm de poltica, colabora com uma significativa produo
de conhecimento que impacta e enfrenta determinados saberes e se filia a
outros. Por exemplo: o que esse insulto significa para quem tem o nus como
um rgo sexual? Quem tem o poder de determinar quais partes de nossos
corpos devem ser considerados como rgos sexuais? O que pode sair de um
cu alm de excrementos? Como possvel pensar a partir do cu ou pelo cu?
Perguntas como essas perpassam a leitura do livro e nos levam para produo
de uma tica da passividade. Para fazer isso, o livro retira a analidade do
campo privado e a coloca no campo social e poltico e assim gera no somente
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Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Ps-graduado pela Faculdade
Latino Americana de Cincias Sociais (FLACSO). Graduado em Filosofia pela Pontifcia Universidade
Catlica de Minas Gerais (PUC-MG). autor do livro Temporadas de abandono e Introduo ao O anti-
dipo: capitalismo e esquizofrenia (no prelo). Contribuiu para a coletnea de textos sobre cinema brasileiro
no livro Directory of World Cinema: Brazil. Correio eletrnico: ralasfer@gmail.com.
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Doutor em Comunicao e Cultura Contemporneas pela Universidade Federal da Bahia. Professor do
Instituto de Humanidades, Artes e Cincias (IHAC), Milton Santos, e professor permanente do Programa
Multidisciplinar de Ps-graduao em Cultura e Sociedade, ambos da Universidade Federal da Bahia.
Criador e coordenador do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS) e um dos criadores e editores da
revista acadmica Peridicus, primeira e nica inteiramente dedicada aos estudos queer no Brasil. autor
do livro Que os outros sejam o normal: tenses entre movimento LGBT e ativismo queer e organizador dos
livros Stonewall 40 + o que no Brasil? e Estudos e polticas do CUS, todos publicados pela Editora da
Universidade Federal da Bahia. Correio eletrnico: leandro.colling@gmail.com
uma analtica, mas toda uma gama de possveis polticas anais que so
extremamente necessrias. Se h tanto preconceito, se h um dispositivo que
decide sobre a vida e a morte de determinadas pessoas, se h tanto pnico em
relao a qualquer possibilidade existencial que fuja do ideal estanque de uma
feminilidade e de uma masculinidade de mrmore, so necessrias polticas
anais que possam esquizofrenizar o que alguns tm o orgulho de chamar
de identidade. Esfarelar essa identidade, seja apontando-a como sem nenhum
fundamento biolgico, ou ainda, mostrando-a como uma fico social,
poderia nos tornar menos segregativos, menos fincados a uma iluso de um
essencialismo heterocentrado e suas identidades molares.
Pelo cu: polticas anais o livro mais recente de Javier Sez com coautoria
de Sejo Carrascosa. Sez tradutor de diversos livros, autor de Teoria queer
e psicanlise e um dos organizadores de Teoria queer: polticas lesbianas,
bichas, trans, mestias. J Carrascosa se identifica como um autodidata. Em
comum, ambos possuem uma longa amizade e trajetria do
ativismo queer espanhol. no trnsito dos saberes da Sociologia, da
Filosofia, da Teoria Queer e da Psicanlise que surgem algumas indagaes
de uma tica da passividade, ou ainda, como preferem os autores,
uma analtica.
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Talvez por isso Deleuze e Guattari, de forma irnica e contra-intuitiva, escrevem que somente o esprito
capaz de cagar. Claro que os autores neste momento fazem uma referncia a sublimao da analidade, os
prazeres anais deveriam ser sublimados em uma sociedade heterocentrada e, por isso, o esprito anal, o
esprito aquele que defeca.
corporeidade e seus elementos, do prazer com o corpo at a estranheza e
desconforto com ele. Alm disso, em regra, quando pensamos o corpo damos
privilgio epistemolgico para algumas partes e no para outras, sempre um
maior valor para a cabea e uma desvalorizao do baixo-ventre. Dessa
forma, compreendemos que h toda uma arquitetura poltica do corpo, as
partes dignas e as partes indignas, as partes desejveis e as indesejveis. O
que h de novo na obra de Javier Sez e Sejo Carrascosa , exatamente, uma
densa e importante produo terica tendo como temtica exclusiva o nus.
Da podemos apontar a primeira referncia filosfica, de Gilles Deleuze e
Flix Guattari, principalmente o primeiro tomo da sua obra O anti-dipo:
capitalismo e esquizofrenia.
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A respeito de grande parte da antropologia deleuzo-guattariana ver, ademais, LEOPOLDO,
Rafael. Deleuze & Guattari: critica a psicanlise freudiana. Dissertao de MestradoPrograma
de Ps-graduao em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, 2015.
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Claro que Deleuze e Guattari tambm fazem alianas com a Antropologia, mas chamam para o seu
ambiente terico o mais filosfico dos antroplogos: Pierre Clastres.
comuns para assinalar a propriedade privada6. Hocquenghem, de outra
forma, diz que
Esses trs elementos podem ser questionados e o so por Javier Sez e Sejo
Carrascosa. No entanto, a potencialidade da analidade foi apontada de forma
incisiva para gerar uma compreenso da necessidade de uma epistemologia
que perpasse a superfcie da pele mas, tambm, por toda as entranhas e que
tenha como mote o final do reto, pois desse lugar ainda obscuro que surgem
as polticas anais e, para os autores de Pelo cu uma analtica.
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