O Corpo Nas Neuroses PDF
O Corpo Nas Neuroses PDF
O Corpo Nas Neuroses PDF
2010
II
UFRJ
Rio de Janeiro
Julho de 2010
III
Aprovada por:
_____________________________________
Presidente, Prof. Dra. Anglica Bastos Grimberg
_____________________________________
Prof. Dra. Bianca Faveret
_____________________________________
Prof.Dra. Elizabeth Elias Chacur Juliboni
_____________________________________
Prof.Dra. Fernanda Costa Moura
_____________________________________
Prof.Dra. Mrcia Mello de Lima
Rio de Janeiro
Julho de 2010
IV
FICHA CATALOGRFICA
AGRADECIMENTOS:
Nesse momento final e tambm de recomeo, agradeo queles que contribuiram para
a construo desse trabalho.
Primeiramente aos pacientes, que me inspiram e, com suas questes, instigam a minha
movimentao.
Profa. Anglica Bastos, por ter aceito meu projeto e meu tempo de descobertas e
escrita. Sua escuta atenta e, s vezes, silenciosa foram de grande ajuda para que eu tomasse o
caminho da inveno, assumindo a dificuldade que escrever implica. Alm disso, sua leitura
minuciosa fez a diferena.
Ao Cnpq, por ter financiado esta pesquisa.
RESUMO
O CORPO NAS NEUROSES: INIBIO, SINTOMA E ANGSTIA.
RSUM
LE CORPS DANS LES NVROSES : INHIBITION, SYMPTME ET
ANGOISSE.
SUMRIO
INTRODUO.............................................................................................................11
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................189
11
I- Introduo:
A clnica tem nos mostrado a presena impetuosa do corpo tanto nos consultrios
psicanalticos como nas publicaes acerca dos impasses que o mesmo coloca ao sujeito e ao
analista na atualidade (QUINET, 2004). O aumento da inquietante presena do corpo no
setting analtico foi previsto por Jacques Lacan (1966), que nos disse que o hiato entre o saber
e o soma, provocado pelo avano da cincia sobre a abordagem mdica do corpo, iria se
expandir proporcionalmente aos progressos da cincia, provocando o retorno do que esse
campo exclui.
A cincia apresenta um corpo fragmentado em nmeros, tabelas, grficos e
ressonncias que acabam mantendo o mesmo no lugar de mquina, delimitado por Descartes.
Se o corpo como substncia gozante foi excludo do dualismo estabelecido por Descartes, o
sujeito se faz presente, a todo tempo, nos impasses que o corpo coloca em cena.
H, ento, um retorno do que foi excludo: o corpo marcado pelo desejo e pelo gozo se
faz ver no prprio campo da medicina e ouvir no campo da psicanlise. O corpo padece, cada
vez mais, de males diversos e inespecficos, sendo a psicanlise uma prxis que vem apontar
justamente para isso. Esse retorno, que tende a aumentar cada vez mais, convoca o analista a
acolher e trabalhar o corpo e seus impasses em outra dimenso, a do gozo.
Nesse sentido, podemos afirmar que o aumento da presena do corpo na psicanlise
um efeito da contemporaneidade. Aprisionado no discurso da cincia, o corpo faz sintoma,
produz fenmenos, adoece, inibe-se e assolado pela angstia. O que caracteriza o discurso
da atualidade no que tange ao corpo a tentativa de dom-lo. O corpo deve ser controlado,
visando-se a preveno de doenas e o adiamento da velhice e da morte. Freud (1930), porm,
j havia dito que o corpo uma das fontes do mal-estar do sujeito. No h como escapar.
Como o corpo tem se apresentado na clnica da neurose? Destacamos as dores
inexplicveis, os adoecimentos, as leses, as manchas na pele, as diarrias, os desmaios, as
enxaquecas, anorexias e bulimias, alm de um impulso para se arranhar e se morder em
situaes limites. Como classificar esses fenmenos?
Parecia clara a satisfao que esses sintomas traziam para o sujeito, mas, para alm
disso, intrigava-nos a forma como essas queixas apareciam na fala dos pacientes. Em que
momento particular da anlise elas se tornavam mais frequentes ou cessavam? Tais queixas
reportavam-se apenas ao campo da histeria? Seriam sempre da mesma ordem? Teriam alguma
funo? Qual seria?
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Desenvolvimento da tese
O corpo um objeto de pesquisa que abarca vrios conceitos e tivemos que fazer um
esforo para traar um percurso que permitisse chegar a nosso objetivo: averiguar qual o lugar
do corpo na clnica da neurose. Iniciamos o primeiro captulo com Descartes e sua excluso
do corpo do pensamento. O corpo como extenso, mquina regida por leis que descrevem seu
funcionamento, uma das substncias que fez o homem moderno dualista.
Freud, porm, promoveu o retorno do corpo: ele se apresenta como algo intrnseco ao
pensamento. Foi a partir da histeria, que Freud pode ver a dimenso simblica do corpo.
Assim, percorremos os principais conceitos freudianos que tocam de alguma maneira o corpo.
Sexualidade infantil, fantasia, auto-erotismo, narcisismo, pulso e a segunda tpica freudiana
foram fundamentais para chegarmos ao corpo com o qual a psicanlise trabalha: fantasmtico,
ergeno, e, a rigor, pulsional. O conceito de sintoma permite o enlace entre a pulso, o desejo,
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desejo e do gozo. A anorexia deixa mostra que o nada pode ser um objeto e, investido como
tal, passa a ter um lugar prioritrio na economia libidinal do sujeito. Especificamente em
relao anorexia e bulimia, o que se destaca o movimento do sujeito de comer e de saber
nada. Comendo nada ou devorando tudo outro lado de um movimento onde o sujeito
tambm se depara com o nada o sujeito mantm uma posio de nada querer saber sobre a
castrao, deixando mostra a paixo pela ignorncia como destaca Lacan (1972-73, p.164).
A anorexia abordada como um sintoma que aponta tambm para uma inibio do
sujeito. Apresentamos a anorexia como uma recusa do sujeito em saber da falta, da castrao,
da no existncia da relao sexual apesar de, paradoxalmente, coloc-la em cena (Ibid).
Apesar da anorexia e da bulimia se aproximarem da histeria, mostramos a
impossibilidade de igual-los: desejo insatisfeito difere de desejo de nada. Alm disso,
apresentamos o que Recalcati (2004) denominou de verso obsessiva da anorexia-bulimia,
ou seja, a possibilidade da anorexia-bulimia trazer consigo alguns traos obsessivos.
O quarto captulo apresenta uma discusso sobre a neurose obsessiva. Em que
cenrio o corpo aparece nas queixas dos pacientes obsessivos? Possuiria sempre um papel
secundrio em relao ao pensamento? O corpo se apresenta da mesma maneira com que
aparece na dinmica histrica, ou seja, no sintoma que metaforiza o corpo e direciona uma
mensagem ao Outro ou haveria algo de diferente?
Freud j dizia que em todos os meus casos de neurose obsessiva descobri um
substrato de sintomas histricos (FREUD, 1896, p. 168-9, grifo do autor). Essa articulao
se repete anos depois: ao afirmar que toda neurose obsessiva parece ter um substrato de
sintomas histricos que se formam em uma fase bem antiga (Id, 1926[1925], p.115). Na
neurose obsessiva, as queixas em relao ao corpo seriam, ento, sinais desse substrato, a
concretizao da afirmao de que a neurose obsessiva um dialeto da histeria? A clnica,
porm, dava-nos sinais de que havia diferenas na forma como o corpo se apresenta nessas
duas neuroses; restava delimit-las.
O objeto a excrementcio guia nossa abordagem nas contribuies de Lacan sobre a
dinmica de funcionamento dessa neurose. Assim, trabalhamos a analidade em sua
proximidade com a inibio. O desejo de reter traz em si um carter inibitrio. O objeto a
excrementcio funciona como rolha (LACAN, 1962-63, p.348), por isso, o neurtico
obsessivo consegue sustentar seu desejo nos nveis da impossibilidade (Ibid, p.351).
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Captulo 1
A clnica freudiana: o sintoma histrico e a constituio do corpo
para a psicanlise.
O filsofo Ren Descartes com seu Penso, logo sou promove a separao entre o
pensamento (res cogitans) e o corpo (res extensa). Trs sculos depois, o mundo foi palco de
duas subverses: com o avano da biologia, notadamente a partir dos anos 50 do sculo XX,
identificou-se o pensamento com o res extensa, gerando um movimento da cincia de
restringir o corpo, cada vez mais, a sua determinao cientfica, biolgica e anatmica.
Freud subverteu o dualismo de Descartes ao tomar o corpo como algo intrnseco ao
pensamento. A partir da histeria, o corpo aparece enquanto simblico e, com a pulso, o
limite entre o psquico e o somtico entra em discusso. Um sintoma no corpo pode ter uma
causalidade psquica e, assim, a psicanlise promove o retorno do exlio (ALBERTI &
RIBEIRO, 2004) do corpo em relao ao pensamento e viceversa (LACAN, 1966). H,
porm, uma diferena: o corpo que retorna do exlio aquele marcado pelas paixes, guiado
pelo pensamento inconsciente e pela sexualidade.
Instigado pelo desejo de separar o verdadeiro do falso, Descartes realizou um corte
entre cincia e religio, pretendendo, com isso, fundamentar o conhecimento humano em
bases slidas e seguras (DESCARTES, 1644). Para tanto, questionou todo o conhecimento
aceito como correto e verdadeiro. A dvida metdica o mtodo com que Descartes procurou
chegar prova da existncia de verdades absolutas e de reconhecimento universal, tal como
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exige a defesa do dogmatismo por ele preconizada e defendida, no que toca produo do
conhecimento. Este mtodo consistia em passar por todas as ideias, eliminando aquelas que
no se afigurassem como verdadeiras ou fossem dbias, retendo apenas as que no suscitavam
qualquer tipo de questionamento.
Ao pr em dvida todo o conhecimento que ento julgava ter, concluiu que apenas
podia ter certeza que duvidava. Se duvidava, necessariamente tambm pensava, e se pensava,
necessariamente existia. Por meio de um complexo raciocnio baseado em premissas e
concluses logicamente necessrias, Descartes, ento, concluiu que podia ter certeza de que
existia porque pensava.
Na metafsica, chama-se de dualista o sistema que explica a realidade como composta
de dois tipos de realidades, duas substncias, ou seja, dois tipos distintos e independentes de
seres: material e espiritual. A substncia material, definida como fsica, a realidade do
mundo emprico que pode ser medida pelos nossos sentidos, bem como por instrumentos
(MARCONDES, 2008). No dualismo de Descartes o corpo fica relegado a um plano que no
digno de ser levado a srio. Ele marcado pelos sentidos que podem nos enganar. O corpo
aparece, ento, como uma matria sem vida. Nas palavras de Descartes: no se pode deixar
de concluir aqui que existe certa coisa extensa em comprimento, largura e profundidade,
tendo todas as propriedades que percebemos claramente convir coisa extensa. E essa coisa
extensa a que chamamos corpo ou matria (DESCARTES, 1644, p.69).
Descartes utilizou analogias de mquinas hidrulicas e relgios na tentativa de
compreender o funcionamento, o mecanismo do corpo humano. Lacan, porm, marcando a
diferena que a psicanlise vem trazer, firme: nada prova que o corpo seja uma mquina e
altamente provvel que no seja o caso (LACAN, 1954-55, p.97). Complementa que ao
nos referirmos ao corpo na psicanlise no se trata de mquina nem de biologia. Mesmo
quando Freud utiliza termos da biologia, a biologia freudiana est distante do campo
tradicional da biologia. Trata-se de uma manipulao de smbolos no intuito de resolver
questes energticas, como manifesta a referncia homeosttica, a qual permite caracterizar
como tal no s o ser vivo, mas tambm o funcionamento de seus mais importantes
aparelhos (Ibid, p.100).
O dualismo de Descartes fez surgir um conjunto de dificuldades. Isto porque ao
afirmar que pensamento e corpo so totalmente distintos, algumas questes ficam sem
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resposta: como eventos mentais podem causar eventos fsicos? Como as nossas intenes, que
esto ligadas a pensamentos, levam ao, que envolve movimentos do nosso corpo?
Para Lacan, a viso dualista mente e corpo que marca o homem moderno, no a
que melhor se encaixa com a posio psicanaltica. Essa coisa que s existe no vocabulrio
dos psiclogos uma psique aderida como tal a um corpo. Por que diabos, cabe diz-lo, por
que diabo o homem seria duplo? (LACAN, 1975, p. 130). Ele introduz mais um termo que,
ao mesmo tempo, subverte a ordem dualista cartesiana e marca o que caracteriza de fato o
corpo para a psicanlise: a substncia gozante (LACAN, 1972-73). O corpo para a
psicanlise, no simplesmente caracterizado pela dimenso da extenso. Um corpo algo
feito para gozar, gozar de si mesmo (LACAN, 1966, p.11), corpo vivo, como veremos
adiante. Assim, Lacan (1974-75, 17/12/1974) vai se aproximando, cada vez mais, da idia de
que o corpo comporta trs dimenses.
Ao esclarecer as conseqncias desse divrcio entre o corpo e o pensamento na
medicina cientfica, Lacan (1966) props para essa separao a expresso falha epistemo-
somtica em substituio ao termo psicossomtica que, para ele, possui um uso vago e
indefinido. Permitam-me assinalar como falha epistemo-somtica o efeito que ter o
progresso da cincia sobre a relao da medicina com o corpo (Id, 1966, p. 11). Em sua
opinio, o hiato entre o saber e o soma se expandir proporcionalmente aos progressos da
cincia, como testemunha de que nenhuma biologia, por mais sofisticada que seja, pode
apreender inteiramente o corpo dos seres falantes. Nas palavras de Lacan,
Descartes excluiu o corpo do pensamento de tal forma que o mesmo s pode retornar a
esse campo como mquina, como se observa nos desenvolvimentos da medicina aps a
fundao da cincia moderna. Assim, o corpo da cincia um corpo recortado, fragmentado,
ilustrando o movimento que a prpria biologia e a medicina iro fazer. Os implantes e as
prteses podem ser considerados um avano da mecanizao de Descartes. Alm disso, a
dimenso tomada pelo descobrimento do DNA aponta para a importncia de definir o corpo a
partir da informao, ou seja, do simblico. A dimenso do gozo completamente excluda
disto que chamei relao epistemo-somtica (LACAN, 1966, p.11). Com o avano da cincia
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esperado que o retorno do que foi excludo se imponha cada vez mais e isso o que a clnica
tem nos mostrado.
Ao abordarmos o lugar do corpo na psicanlise e na cincia, de maneira peculiar na
medicina, devemos estar atentos para no cairmos no seguinte engodo (VIEIRA, 1999): situar
o corpo morto, cadaverizado pelo significante no campo da medicina e o corpo vivo, animado
pelo gozo que escapa ao simblico, no campo da psicanlise. O que um corpo vivo ou
morto? Considerar que o corpo vivo aquele que escapa ao simblico nos aproxima do
incerto, do inefvel. No h de um lado o que se diz e de outro o que no se diz; o
significante ao mesmo tempo mortifica e vivifica o corpo, pois s a partir do prprio
significante situa-se esta suposio de uma animao Outra do corpo, para alm da dimenso
simblica (VIEIRA, 1999, p.45). Assim, a psicanlise trata do corpo morto-vivo com a
complexidade que esses dois campos envolvem.
Lacan leu em Freud a inverso do cogito cartesiano. O inconsciente nos revela outra
lgica: penso onde no sou, logo sou onde no penso (LACAN, 1957, p. 522), desvelando
que, para alm da cincia moderna, existe o sujeito, como um efeito em constante retorno,
para denunciar que no possvel saber antecipar tudo. O homem sempre tentou modificar e
controlar o corpo, este inimigo ntimo, este estranho prximo. O corpo ameaa o homem,
sendo uma das razes de seu mal-estar (FREUD, 1930[1929]), pois o limite do corpo vem
apontar para o limite da vida, a morte.
angustias que vm demonstrar que este encarna o desejo do sujeito e foi feito para gozar. A
psicanlise o saber que vem apontar justamente para isso.
O sujeito da psicanlise o mesmo que o da cincia embora esta no o leve em
considerao para articular o saber decorrente de sua prtica. O psicanalista tambm situa o
saber no lugar da verdade, mas aqui, porm, o saber que tomamos como verdade o do
inconsciente e no o do pensamento racional. O corpo retorna para ser tratado, enxugado em
seu excesso de gozo.
Ao escrever um texto para questionar o lugar da psicanlise na medicina, Lacan
(1966) destaca que o lugar da psicanlise marginal, extra-territorial (LACAN, 1966, p.8).
A medicina foi introduzindo as medidas de controle quantitativo, os grficos, as escalas, os
dados estatsticos atravs dos quais se estabelecem, indo at uma escala microscpica, as
constantes biolgicas (Ibid, p. 9 e 10). Tal movimento acaba gerando a extra-territorialidade
do corpo enquanto gozo.
A situao da medicina subvertida com a psicanlise. A dicotomia entre pensamento
e corpo deixa completamente fora de sua apreenso aquilo de que se trata, no no corpo que
ela imagina, mas no corpo verdadeiro em sua natureza (Ibid, p.11), corpo de gozo. Mas a
prpria medicina, mesmo sem querer dar ouvidos a isso, aponta para o impasse existente entre
o sujeito, seu corpo e sua doena. Lacan destaca que, muitas vezes diante do paciente,
conseguiu ouvir que a demanda feita a ele era para autentic-lo como doente (Ibid, p.10),
mostrando a dificuldade do sujeito em abrir mo de seu sintoma. O doente veio me encontrar
no terror de que eu fizesse a mnima coisa que fosse (Ibid, p. 10).
Apontando para o futuro que j vemos hoje, Lacan faz um alerta aos mdicos e, de
uma forma geral, a todos ns, ao dizer:
Que tm vocs a dizer, mdicos, sobre o mais escandaloso daquilo que se seguir?
Pois se era excepcional o caso em que o homem at aqui proferia < se teu olho se
vende bem, d>. Em nome de qu tero vocs que falar, seno precisamente desta
dimenso do gozo do corpo e disto que ele comanda quanto participao em tudo
que est no mundo? (Ibid, p. 14).
Lacan convoca o analista a acolher e trabalhar o gozo que o corpo coloca em cena,
sustentando um lugar onde isso possvel. Essa uma convocao tica. Questionando a
demanda do paciente, ou seja, a funo de seu sintoma e a dificuldade de perd-lo, juntamente
com o gozo que o prprio corpo envolve, oferecemos uma nova forma de articular o corpo
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com seu gozo. Nas palavras de Lacan, a dimenso tica aquela que se estende em direo
ao gozo. Eis ento duas balizas, primeiramente a demanda do doente, em segundo lugar o
gozo do corpo. De certo modo elas confluem nessa dimenso tica (...) (Ibid, p.12).
As alteraes que o sujeito realiza no corpo cirurgias plsticas, tatuagem,
modificaes na imagem, sintomas das mais diversas ordens podem ser vistas como uma
prtica do sujeito para conseguir barrar um gozo intolervel que o invade (ALBERTI &
RIBEIRO, 2004, p.10). Essa afirmao fundamental para nossa tese. Destacamos que o
corpo se apresenta de forma audvel, atravs dos sintomas e da angstia, aps o encontro do
sujeito com um ponto traumtico para ele.
O corpo seria, ento, tanto um recurso para a conteno e localizao de um excesso
de gozo, numa tentativa de estabilizar o sujeito, como o que permite materializar uma resposta
frente ao desejo do Outro. Vale destacar a afirmao de Lacan (1967a) de que toda formao
humana tem, por essncia, e no por acaso, de refrear o gozo (Ibid, p.362), e o corpo um
instrumento privilegiado nessa tentativa, ponto que ser desenvolvido nos prximos captulos.
Vejamos agora como Freud chegou maneira original com a qual a psicanlise aborda
o corpo.
Encontramos essa recomendao ainda em Freud, que ressalta a importncia do analista estar
atento a como o corpo se apresenta durante a sesso. Freud ouviu a participao na conversa
que as pernas de sua paciente, Elizabeth Von R, tiveram durante a sesso (FREUD, 1893-95,
p.173). Suas pernas doam e, segundo ele, a dor despertada persistia enquanto a paciente
estivesse sob a influncia da lembrana traumtica. Lacan refora esse ensinamento ao dizer
que as dores que reaparecem, que se acentuam, que se tornam mais ou menos intolerveis
durante a prpria sesso, fazem parte do discurso do sujeito (...) (LACAN, 1957-58, p. 337).
H algum tempo, vem chamando nossa ateno o grande nmero de queixas em
relao ao corpo, presentes na fala dos pacientes. So dores, mal-estares, leses, manchas pelo
corpo, diarrias, desmaios, enxaquecas, anorexia, bulimia, alm de um impulso para se
arranhar e se morder em situaes limites, dentre muitos outros. Como escutar esses
fenmenos? A princpio, tomamos os mesmos como a expresso da angstia e a possibilidade
de se constiturem como sintomas. De maneira curiosa, esses relatos so feitos em uma tica
que circunda a impotncia do sujeito, o inexplicvel da doena, a impossibilidade do sujeito
controlar a repetio e a constncia dos mesmos.
Diante disso, cabe a pergunta: como a psicanlise trata o corpo? O que esses sintomas
vm dizer? O corpo uma realidade para alm da realidade bruta, visto que o inconsciente
nos leva a supor que a realidade no um dado primrio, ela fantasmtica. Soler (1989) nos
prope uma questo: se a psicanlise opera atravs da fala e do ato do analista, como ter
acesso ao real do corpo? A que corpo temos acesso na clnica?
O sintoma se apresenta no corpo, tanto na medicina sintoma como sinal de uma
disfuno , quanto na psicanlise sintoma como um modo particular de gozar. O sentido
que a psicanlise d ao sintoma, porm, demarca seu campo de atuao: ele singular, a
marca da existncia de um sujeito e possui uma funo. Os sintomas so testemunhas do fato
de que o desejo estruturado em um impasse (SOLER, 1998).
Freud instituiu um sujeito dividido pela linguagem, habitado pelo inconsciente, ele no
nasce com um corpo. necessrio construir um (FREUD, 1914). Ao procurar responder
pergunta sobre a origem da histeria, Freud cria a psicanlise. A histeria aparece como uma
busca incansvel de fazer falar aquilo que no possvel dizer. a carne se fazendo verbo e o
verbo apontando para um resqucio da carne.
O corpo participou, de forma bastante peculiar, da descoberta e do desenvolvimento da
psicanlise. O que afeta o corpo sempre fez parte do material analtico. As queixas das
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histricas eram queixas corporais. Os sintomas que despertaram o interesse de Freud, pela
primeira vez, eram essencialmente o que ele denominava de sintomas somticos, as
converses.
Ao estabelecermos o corpo como nosso campo de pesquisa, fundamental
destacarmos que ele no um conceito da psicanlise e sim um objeto a ser construdo com
os conceitos da psicanlise. Interessante destacar que o verbete corpo no se encontra
presente nos principais dicionrios de psicanlise (ROUDINESCO & PLON, KAUFMAN).
possvel constru-lo com a ajuda de alguns outros. Entendemos, porm, sua ausncia. Ele
envolve uma imensa gama de conceitos, confundindo-se com os mesmos em diversos
momentos do desenvolvimento terico da psicanlise. Optamos, ento, por falar em uma
concepo psicanaltica de corpo e, nessa tese, vamos nos restringir ao campo da neurose.
Dentre os conceitos freudianos que nos remetem forosamente ao corpo, destacamos:
a complacncia somtica - facilidade do corpo em aceitar uma carga psquica que se
condensa em uma somatizao (FREUD, 1910, p.227) -, a pulso, a satisfao auto-ertica, as
zonas ergenas, o narcisismo, o eu como uma projeo de superfcie (Id, 1923), o
masoquismo primrio, a inibio, o sintoma e a angstia.
O inconsciente e a pulso so duas formas de alteridade radical que constituem o
sujeito dividido. A partir de Freud, a verdade do inconsciente comea a ser ouvida atravs do
que o corpo pulsional coloca em cena. Freud nos apresentou o corpo histrico como um corpo
ertico, que no obedece s leis da anatomia, corpo disputado, em um primeiro momento,
pela pulso do eu e pela pulso sexual.
Desde o incio, Freud afirmou que o sintoma histrico encontra seu determinante no
em uma leso orgnica, mas em uma representao: a lembrana de um trauma que, para um
primeiro Freud, teria acontecido de fato. Os sintomas de pacientes histricos baseiam-se em
cenas de seu passado que lhes causaram grande impresso, mas foram esquecidas (traumas)
(Id, 1914a, p.19). importante ressaltar que desde o incio o sintoma aparece na psicanlise
atrelado ao corpo e como resultado de um trauma, sendo uma resposta do sujeito ao
insuportvel que o assola.
Posteriormente, a localizao da causa do sintoma em um acontecimento traumtico
que no havia ocorrido de fato, abre espao para a fantasia inconsciente e um novo olhar
sobre o corpo que agora tambm fantasmtico, marcado pelas vivncias da sexualidade
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As zonas ergenas esto localizadas no corpo como pontos eleitos pelo sujeito, um
nmero limitado de bocas na superfcie do corpo, so os pontos de onde Eros ter de extrair
sua fonte (LACAN, 1959-60, p.118). Um corpo cheio de bocas, furos eleitos pelo sujeito a
partir de sua histria e que possibilitam que o sujeito se relacione com o mundo.
As pulses parciais - oral, anal e genital -, possuem um papel importante na formao
dos sintomas das psiconeuroses (FREUD, 1905, p.158), que resultam da fixao do sujeito
nessas respectivas fases. Foi a partir dos sintomas neurticos que Freud chegou formulao
da fantasia inconsciente, do complexo de dipo e da sexualidade infantil. A pulso permeou
todo esse desenvolvimento e, em 1905, Freud estabeleceu uma primeira definio para a
mesma. O conceito de sintoma permitiu o enlace entre a pulso, o desejo, a sexualidade e a
fantasia. O sintoma implica uma satisfao pulsional, revela um desejo inconsciente, e
origina-se das experincias infantis s quais a libido se encontra fixada. A fantasia, por sua
vez, aponta para uma relao ntima entre a histria do paciente e sua doena (Id, 1893-5, p.
184).
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Quanto ao sintoma, que tambm exprime algo estruturado e organizado como uma
linguagem, suficientemente evidenciado pelo fato, (...), do sintoma histrico, que
fornece sempre algo equivalente a uma atividade sexual, mas nunca um equivalente
unvoco. Ao contrrio, ele sempre plurvoco, superposto, sobre determinado, e,
para resumir, construdo exatamente da mesma maneira que as imagens so
construdas nos sonhos (LACAN, 1953, p.24).
obsessiva tem demonstrado que o corpo tambm se apresenta em seus sintomas. O corpo
habitado pela linguagem e, consequentemente, pelo gozo, aparece no sujeito independente de
sua estrutura. A neurose obsessiva apresenta queixas em relao ao corpo que h um tempo
atrs colocaramos apenas no campo da histeria. Abordaremos as peculiaridades dessa relao
no captulo quatro.
Colocamos em destaque que, por mais que o corpo tenha sido, em alguns momentos,
reduzido ao eu, ou seja, a uma projeo de superfcie, o conceito de pulso no permite essa
equivalncia. Localizada no Isso, ela vem perturbar essa aparente unidade com sua satisfao.
Vemos que os sintomas, atravs da satisfao que fornecem ao sujeito, possibilitam uma
articulao entre a pulso e o real. Como isso ocorre? O sintoma uma satisfao pulsional
substitutiva que, por colocar em cena a repetio do fracasso, do mal-estar e do que ultrapassa
o sujeito, estabelece uma relao com o real. Alm disso, pulso e real nos direcionam para
um ponto em comum: o gozo. com a pulso que damos continuidade a nossa apresentao
da relao entre o sintoma e o corpo.
preservao da vida esto sob o efeito da pulso, ou seja, elas no existem de forma
autnoma, puramente fisiolgica.
As diversas organizaes sexuais geram um prazer parcial e local, assim denominado
por no haver ainda a unificao das pulses para a obteno do prazer genital. Isso no quer
dizer que haja a possibilidade de um prazer pleno, quando o sujeito despertado para a pulso
genital. A era do genitalismo normativo demonstrou o equvoco de alguns leitores de Freud,
que enxergaram em sua obra a possibilidade de se ascender a uma satisfao plena, com a
consequente eliminao dos problemas que o sujeito vive em relao ao sexo. Este equvoco
foi discutido e combatido por Lacan (1972-73) a partir da afirmao da no
complementariedade entre os sexos.
Quando esse prazer inicial, oriundo das zonas ergenas, intenso, h o risco de que o
meio de obter prazer na excitao se transforme no alvo em si. Freud, ao falar da
possibilidade da fixao da satisfao pulsional em uma determinada zona - oral, anal, dentre
outras -, aponta para a implicao do corpo no gozo, para a localizao do gozo no corpo
(SOLER, 1989, p.103).
A satisfao pulsional no coincide com a satisfao da necessidade porque a pulso
no um dado natural e se encontra entrelaada desde a origem com o Outro. Vemos isso
tambm em Freud ( 1950[1895]) a partir do semelhante que vem em auxlio do beb na
experincia de satisfao dando, com isso, um sentido ao seu grito. A pulso demanda outra
satisfao, a satisfao libidinosa.
Freud afirmou que a pulso resulta de estmulos constantes oriundos do corpo e que,
ao mesmo tempo, s temos acesso a ela atravs de um representante psquico. A pulso
aparece como um conceito que est entre o psquico e o somtico. Ela um dos conceitos da
delimitao entre o anmico e o fsico (FREUD, 1905, p.159). Ressaltou (1915) sua
importncia ao classific-la como um conceito bsico da psicanlise, apesar de ainda ser algo
obscuro. To obscuro que Freud nos disse da necessidade de abord-lo de diferentes ngulos
(Ibid, p. 123). Ela um estmulo aplicado mente (Ibid, p. 124); surge de dentro do
organismo (Ibid, p. 124); uma fora que imprime um impacto constante (Ibid, p. 124).
Mantm sua origem em fontes de estimulao dentro do organismo (Ibid p. 125), e o que
para ns fundamental nenhuma ao de fuga prevalece contra elas (Ibid, p, 125),
resultando da seu carter imperativo.
34
essa satisfao no sem objeto. o trajeto da pulso que articula seus elementos numa
espcie de circuito de ida e vinda borda corporal, atravs do contorno do objeto.
H ento um carter circular no trajeto da pulso: o alvo da pulso no outra coisa
seno esse retorno em circuito (Ibid, p.170). Reconhecemos esse ponto em Freud quando ele
nos apresenta o auto-erotismo, definido como a boca que se beija a si mesma. A atividade da
pulso se concentra nesse se fazer, e reportando-o ao campo das outras pulses que
poderemos talvez ter alguma luz (Ibid, p.184, grifo do autor). O se fazer aparece em Lacan
em referncia ao terceiro tempo da pulso, o tempo reflexivo, estabelecido por Freud (1915)
ao escrever a gramtica da pulso. Nesse sentido, impossvel retirarmos o corpo do circuito
da pulso e de sua ao, ou seja, a ao da pulso fornece uma satisfao ao corpo.
A pulso porta em si um fator traumtico e, ao mesmo tempo, possibilitador: ela nunca
obtm uma satisfao (Befriedigen) total, permitindo que o movimento pulsional nunca cesse.
H algo da natureza da prpria pulso que nos nega satisfao completa e nos incita a outros
caminhos (FREUD, 1930 [1929], p.111), ou seja, ao sintoma. O que a satisfao da
pulso? Esse um enigma sustentado por Freud durante sua obra (MILLER, 2005). Lacan,
porm, claro:
no nvel da pulso que o estado de satisfao deve ser retificado. Esta satisfao
paradoxal. Quando olhamos de perto para ela, apercebemo-nos de que entra em
jogo algo de novo a categoria do impossvel. Ela no fundamento das concepes
freudianas, absolutamente radical (LACAN, 1964, p.158).
necessita a elaborao complexa que tento aqui articular para vocs. A pulso
propriamente dita, algo muito complexo. No redutvel complexidade da
tendncia entendida em seu sentido mais amplo, no sentido energtico. Ela
comporta uma dimenso histrica (LACAN, 1959-60, p.256).
A pulso vem articular corpo e gozo e o gozo nos aponta para a satisfao presente no
sintoma. A fora pulsional possui uma dimenso histrica, estando ligada s marcas e s
imagens que colhemos do Outro. atravs delas, juntamente com a repetio e o gozo, que
conseguimos ter sinais do movimento pulsional que age no sujeito.
A palavra emergiu no mundo miticamente natural, ou seja, onde no havia
linguagem, como um signo arbitrrio, no-natural. A palavra significou e ressignificou o que
denominamos de corpo, seus sentidos, definies, faltas e gozo. Falamos ento de uma
desnaturalizao do organismo com o surgimento de um corpo. Lacan ressalta que a pulso
no apenas um impulso (LACAN, 1964, p 154) e se pergunta: ora, o de que se trata, no que
concerne pulso, ser do registro orgnico? (Ibid) No. O orgnico no o corpo.
O corpo desnaturado, habitado pela pulso que exige satisfao a todo tempo e
aponta para alm da representao. Quando falamos que a pulso nunca se satisfaz totalmente,
que no h um objeto especfico para ela, a justificativa no se encontra no fato de haver um
problema, uma deficincia na linguagem, e sim pela perda da ordem natural que guia a
relao entre o homem e o mundo. Tendo perdido sua suposta organizao natural, o corpo,
enquanto corpo natural, perdeu sua forma (GARCIA-ROZA, 1990, p.17).
Ao postular uma identidade entre o mecanismo do inconsciente, estruturado como
uma linguagem, e o da zona ergena, Lacan (1964) trabalhar mais especificamente a relao
entre o significante e o gozo da pulso. Alm de tomar o inconsciente em sua relao com a
linguagem, compara o mesmo com uma zona ergena que abre e fecha, tal qual uma borda.
nesse sentido que destacamos a importncia das manifestaes do corpo na sesso analtica.
abertura do inconsciente pode corresponder alguma alterao no corpo, um adoecimento, uma
alergia, o surgimento de furnculos, por exemplo. Nas palavras de Lacan: no que algo no
aparelho do corpo estruturado da mesma maneira, em razo da unidade topolgica das
hincias em jogo, que a pulso tem seu papel no funcionamento do inconsciente (LACAN,
1964, p.172). Freud tambm denominou o corpo de aparelho (FREUD, 1926[1925], p. 137).
O termo aparelho definido como um utenslio que possui um uso (FERREIRA, 2008,
p.128). Na perspectiva da psicanlise, o corpo, como um aparelho, possui uma funo na
materializao do desejo e na localizao do gozo.
37
significante (Ibid, p.149). Das Ding, como j nos disse Freud (1900), o centro do aparelho
psquico, em torno do qual gira toda a movimentao do desejo.
Para articularmos a questo da pulso via das Ding com a tica, destacamos a
seguinte proposio: O que h no nvel de das Ding desde o momento em que revelado o
lugar dos Triebe, na medida em que nada tm a ver, enquanto revelados pela doutrina
freudiana, com qualquer coisa que seja que se satisfaa de uma temperana (Ibid, p.138).
Abordamos a pulso, ento, em sua dimenso convulsiva, impulsiva e indomvel.
O analista conhece o pulsional pela sua experincia. na clnica que vemos o peso
clnico de cada um dos casos que temos que manipular e que se chama pulso (LACAN,
1964, p.154). Apostamos em uma funo clnica para a pulso: quando transposta para as
queixas e demandas do analisando, ela traz ao setting analtico a dimenso de uma alteridade
radical, de surpresa, de descontinuidade, do ultrapassamento do sujeito, de sua vacilao.
Como podemos, ento, estabelecer um ponto em comum entre a pulso, a tica e o
real? Quando falamos de uma tica da psicanlise, estamos tratando das possibilidades, dos
diferentes posicionamentos do sujeito frente ao real. No um posicionamento comum, como
nas tentativas de escamotear o real, mas um posicionamento singular que aponte para um
enfrentamento de uma alteridade mxima. Se o vazio primordial, das Ding, une a pulso e o
desejo no sentido de ser o furo primordial que impossibilita o encontro do sujeito com o
objeto que o satisfaa, o trabalho analtico, por sua vez, pode t-lo como referencial para que a
interveno do analista seja feita levando em considerao o imperativo da pulso que
promete ao sujeito a existncia desse objeto que o satisfaria totalmente. Apontando sua
impossibilidade atravs da prpria permanncia do movimento pulsional, com a busca
constante por sempre mais, algo do desejo pode aparecer.
Segundo Lacan (1972-73), o sujeito se depara com a dimenso do impossvel atravs
do real, do sexual e propomos a pulso como mais uma possibilidade. A pulso de morte
aponta para o intransponvel. Lacan nos diz que toda pulso virtualmente pulso de morte.
O importante apreender como o organismo vem a ser apanhado na dialtica do sujeito
(LACAN, 1964b, p.863). Diante desse intransponvel que a morte, o homem arrumou uma
sada, como nos diz Lacan: a fuga para as doenas impossveis (Id, 1959-60, p.333), ou
seja, para os sintomas.
Cabe ao analista, a partir do desejo do analista, apontar a direo para o que no pode
ser domesticado. S se escuta o lugar do sujeito em relao ao pulsional a partir do desejo do
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Para entendermos a dinmica existente entre o orifcio, a pulso e o corpo, temos que
passar pelas diferentes maneiras com que Lacan abordou o corpo durante seu ensino e a isso
que nos dedicaremos no prximo captulo. Vale agora indicarmos o caminho, apontando a
relao de proximidade entre a pulso e o furo. Veremos que, nos ltimos seminrios de
Lacan, o corpo vai ser trabalhado em sua dimenso de furo, borda onde a pulso circula,
apontando para sua ligao com o real. O real tomado como o limite do pensamento, o
irrepresentvel, o que retorna sempre ao mesmo lugar. Resta, ento, ao sujeito optar por
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mudar de lugar diante dele ou no. A anlise aposta que tomando o impossvel como
referencial, algo se faz possvel para o sujeito em seu posicionamento na vida.
Dando continuidade nossa pesquisa sobre o que afeta o corpo do sujeito, alm do
sintoma, chegamos angstia. A angstia se fez presente na clnica de Freud, despertando seu
interesse e estudo e, com ele, localizamos a angstia no corpo.
angstia de seus pacientes neurticos tinha muito a ver com a sexualidade (Id, 1950[1982
1989], p. 235). H algo na sexualidade que perturba.
A teoria de Freud sobre a angstia esteve presente desde o incio de sua obra e sofreu
algumas alteraes no decorrer de seu percurso. A mais importante delas faz referncia ao
processo de recalque. A angstia derivava do recalque, era resultado de um excesso de libido
que, por se manter represado no aparelho psquico e sofrer ao do recalque, gerava angstia.
Posteriormente, Freud (1915b) inverteu esse processo: o sujeito se angustia com alguma coisa
referida castrao, e ento recalca o elemento insuportvel. A partir da, a ligao entre a
angstia e a castrao se constitui de maneira clara.
A articulao entre a angstia e a sexualidade sempre se manteve presente em Freud.
O coito interrompido e a masturbao estavam relacionados com o adoecimento nas neuroses
atuais: a angstia era resultado do excesso de libido que ficava retido no aparelho psquico,
sendo a libido oriunda do prprio movimento pulsional (FREUD, 1905). Quando Freud
estende o campo da sexualidade para alm do ato sexual em si, a angstia vai sendo aos
poucos relacionada com o que o encontro sexual coloca em cena: a castrao.
Assim, desde o incio da obra de Freud, a angstia interroga o estatuto da satisfao da
pulso, apontando j para o que depois Freud nomeia com a pulso de morte. A dificuldade de
ser colocada em palavras, seu tempo de urgncia, o elevado sofrimento que impe ao sujeito,
gerando inclusive situaes de risco para o mesmo, faz com que relacionemos a angstia com
a pulso de morte, com o gozo que invade o sujeito.
Freud no falou de gozo de uma maneira conceitual e estruturada, cabendo a Lacan
essa tarefa. Podemos encontrar indicativos do conceito de gozo nas entrelinhas de Freud: no
ganho secundrio do sintoma, onde encontramos uma satisfao que traz consigo um
sofrimento, na repetio, na resistncia e, englobando tudo isso, na pulso de morte que
coloca em cena o alm do princpio do prazer.
Em Inibio, sintoma e angstia (1926[1925]) Freud no considera mais a angstia
como o efeito da transformao da libido, e sim como uma reao sobre um modelo
especfico a situaes de perigo. O que causa angstia o desamparo, a ausncia de
referncias, o medo de perder (Id, 1933[1932] c, p.91).
Freud formula ento que o eu a sede real da angstia (Id, 1926[1925]). Apesar de ter
a funo de um escudo protetor, no h como o eu se proteger contra os estmulos internos, ou
seja, contra a pulso, da seu carter avassalador. A angstia deixa de ser um processo que
42
irrompe de maneira automtica conscincia e surge como uma liberao pelo eu, a partir do
encontro do sujeito com a castrao.
Com a segunda tpica freudiana (1923), o eu sofre algumas alteraes em sua
conceituao: no equivale mais conscincia, pelo contrrio, h uma grande parte do eu que
inconsciente (Id, 1923, p.31), apresentado em suas relaes com o isso e o supereu, e, ao
mesmo tempo, definido como um eu corpreo.
O eu , primeiro e acima de tudo, um eu corporal; no simplesmente uma entidade
de superfcie, mas , ele prprio, a projeo de uma superfcie (Ibid, p.39, grifo nosso). Em
uma nota de rodap Freud (1923) complementa: o eu em ltima anlise deriva das sensaes
corporais, principalmente das que se originam da superfcie do corpo (Ibid, p.39). Nesse
sentido, atravs do corpo, enquanto uma projeo de superfcie, superfcie passvel de sofrer
inscries, que a angstia se faz ouvir.
Alm de ser habitado pelo inconsciente, uma projeo de superfcie e sede da angstia,
o eu possui grande proximidade com as pulses. O eu no se acha nitidamente separado do
isso; sua parte inferior funde-se com ele (Ibid, p.37) ou de forma mais clara, o eu est
sujeito tambm influncia das pulses, tal como o isso, do qual, como sabemos, somente
uma parte especialmente modificada (Ibid, p.53).
Como sabemos da angstia? Tradicionalmente vemos a angstia ser apresentada como
algo que se sente, ela um afeto que no engana (LACAN, 1962-63) e, ao mesmo tempo,
expressa a dificuldade de ser representada em palavras. A angstia se faz acompanhar de
sensaes fsicas mais ou menos definidas que podem ser referidas a rgos especficos do
corpo (FREUD, (1926 [1925]), p.131). Temos notcias da angstia pelos sinais que o corpo
nos fornece. no corpo que seus efeitos se manifestam.
No final de sua obra, Freud mantm a definio da angstia como uma reao a uma
perda, uma separao (Ibid, p.129) que se faz acompanhar de sensaes fsicas mais ou
menos definidas (Ibid). Tais sensaes seriam provas de que as inervaes motoras isto ,
processos de descarga desempenham seu papel no fenmeno geral da angstia (Ibid,
p.131). Respirao ofegante, aperto no peito e frio na barriga ilustram que a angstia um
estado especial de desprazer, com atos de descarga ao longo de trilhas especficas que
envolvem o corpo (Ibid, p.132).
O fato de a angstia ser sobretudo corporal, estando na base da maioria dos sintomas,
faz dela um ponto de passagem obrigatrio para essa pesquisa. Ao falarmos de um frio na
43
barriga, um n na garganta, vemos que o corpo pode fornecer uma localizao para a
expresso da angstia. O sujeito tenta colocar em palavras o mal-estar oriundo da angstia,
formular um saber sobre o mesmo e, quem sabe, transform-lo em um sintoma.
A angstia deixa claro que o significante no basta para representar o que se passa
com o corpo, ou melhor, que o corpo no apenas simblico como poderamos pensar com os
sintomas histricos que metaforiza no corpo. Sendo assim, a constituio do corpo em uma
realidade tripardida - imaginria, simblica e real -, ser de grande ajuda no mapeamento de
como o corpo se apresenta na clnica da neurose. No sendo um s, o corpo tambm no deve
responder de uma nica maneira aos impasses do sujeito.
Captulo 2
O corpo: imaginrio, simblico e real.
o que pode haver de mais certo para o homem do que aquilo que ele experimenta e
sente no seu prprio corpo?
(SCHREBER, 1903, p. 128).
ter uma relao complexa com seu corpo. Essa relao marcada por uma
extraterritorialidade. O corpo - lugar onde a princpio nos sentiramos em casa, visto ser a
sede do nosso eu - sai fora a todo instante (LACAN, 1975-76).
Quais as estratgias com as quais o sujeito (re) modela a relao que estabelece com
seu corpo? O corpo um veculo importante nas tentativas de localizao do gozo do sujeito,
sobretudo atravs da consistncia que a imagem lhe fornece.
O corpo sofre os efeitos dos movimentos de alienao e separao entre o sujeito e o
Outro, sendo os mesmos cruciais para a construo de um corpo. Vemos essa relao de
maneira peculiar no setting analtico, ficando atentos presena de uma dor, uma doena ou
alterao de uma funo no corpo do paciente como resposta a essas duas operaes no
processo de anlise. Como nos alerta Lacan, a enfermidade algo enganchado ao corpo (Id,
1971-72, 21/06/1972), no existe uma sem o outro.
O significante, ao marcar o corpo, circunscreve o gozo nas bordas, recortando o
mesmo. Destacamos, ento, que algumas intervenes do analista com seu arranjo
significante prprio possibilitam tanto uma localizao como o alastramento do gozo no
corpo do paciente.
Ao se deparar com o real e o desamparo, o sujeito pode responder a isso com uma dor,
com a perda da voz, com o no reconhecimento da imagem de si. De forma contrria, tambm
possvel que o sujeito consiga circunscrever algo do gozo durante a prpria sesso analtica,
fazendo com que algumas queixas desapaream a partir de sua fala. Lacan nos disse que as
dores que reaparecem, que se acentuam, que se tornam mais ou menos intolerveis durante a
prpria sesso, fazem parte do discurso do sujeito, e que o analista mede pelo tom e pela
modulao da fala o grau de ardor, a importncia, o valor revelador daquilo que o sujeito
declara, daquilo que ele deixa escapar na sesso (Id, 1957-58, p.337).
Com o intuito de averiguar como uma interveno analtica ou um evento traumtico
afetam o corpo do sujeito, bem como o lugar e a funo do corpo para ele, fundamental
detalharmos a relao do corpo com os trs registros: o real, o simblico e o imaginrio.
Seguindo as formulaes de Lacan, veremos que o corpo pode ser localizado em cada um
desses trs registros de maneira diversa e, ao mesmo tempo, complementar. So necessrias
trs dimenses para que possamos abordar o corpo de forma mais fidedigna ou, melhor seria
dizer, de forma mais consistente.
45
Por corpo entendo tudo que pode ser limitado por alguma figura (...) (DESCARTES,
1641, p. 127). Se no soubssemos quem o autor dessa frase, rapidamente faramos
46
um outro, Lacan ressaltou que essa vivncia resulta de uma alienao na imagem do outro,
o que pode possibilitar uma primeira identificao, mesmo que imaginria, entre o eu e o
a aventura original atravs da qual, pela primeira vez, o homem passa pela experincia de que se v, se
reflete, e se concebe como outro que no ele mesmo (...) a imagem do corpo d ao sujeito a primeira forma
que ele permite situar o que e o que no eu (Ibid, p.96).
1
O estdio do espelho. Teoria de um momento estruturante e gentico da constituio da realidade, concebido
em relao com a experincia e a doutrina psicanaltica.
49
relao estereotipada. isso o que Lacan (1948) define como transitivismo, ou seja, a
possibilidade de a criana responder, em espelho, ao que v no outro. Como ele ilustra, a
criana que bate diz que bateram nela, a que v cair, chora (Id, 1948, p. 116). O transitivismo
est ligado forma cativante da captao pela imagem do outro (Id, 1946, p.182).
Num segundo tempo desse estdio, ocorre algo decisivo para o processo de
identificao. A criana consegue distinguir a imagem que aparece no espelho do que est
fora do espelho e, num terceiro momento, a criana sabe que o reflexo do espelho uma
imagem, no nada mais que uma imagem, mas a dela.
Essa fase simboliza o incio da constituio do eu e pressupe, em seu princpio
constitutivo, seu destino de alienao no imaginrio, na imagem. Vemos ento que surgimos
no campo da alienao: o eu se constitui a partir da imagem do outro. E ainda, o eu isso em
que o sujeito s pode se reconhecer inicialmente alienando-se (Id, 1953a, p.30).
Lacan deu destaque aos efeitos do reconhecimento do sujeito em uma imagem. Para
isso, retirou algumas formulaes da psicologia do desenvolvimento que estuda o
comportamento do beb com o intuito de evidenciar a diferena entre a inteligncia dos
humanos e a dos primatas. Partiu de uma minuciosa descrio comportamental de Wallon,
que demonstrou que o beb, entre seis e dezoito meses, passa por vrias etapas atravs das
quais chega a reconhecer, em determinado momento, a sua imagem no espelho.
A partir dos seis meses, ainda sem ter o controle da marcha, mas estreitado por algum
suporte humano ou material, o beb supera, numa azfama jubilatria, os entraves desse
apoio, para sustentar sua postura numa posio mais ou menos inclinada e resgatar, para fix-
lo, um aspecto instantneo da imagem (Id, 1949, p. 97). Em funo do desenvolvimento
neurolgico, o ser humano prematuro no domnio da motricidade voluntria. A imaturidade
neurolgica predominante nos primeiros 6 meses de vida do homem seria originria de uma
falta de mielinizao cerebral o que gera a ausncia da coordenao motora.
O chimpanz, porm, segundo os trabalhos do psiclogo W. Kller, durante o
primeiro ano de idade, apesar de superar o filhote do homem em inteligncia instrumental,
no se reconhece no espelho. Nas palavras de Lacan, o filhote do homem, numa idade em
que, por um curto espao de tempo, mas ainda assim por algum tempo, superado em
inteligncia instrumental pelo chimpanz, j reconhece no obstante como tal sua imagem no
espelho (Ibid, p. 96).
50
A imagem do corpo prprio constitui uma matriz simblica para o sujeito e no uma
matriz imaginria como se poderia esperar, caso mantivssemos um olhar sobre esse estdio
exclusivamente em sua relao com o imaginrio. O estdio do espelho permite, de maneira
sutil, a articulao do imaginrio ao simblico, ele fornece a regra de partilha entre o
imaginrio e o simblico (Id, 1966a, p.73) ao apontar a importncia da imagem e, ao mesmo
tempo, fazer dela uma matriz simblica. O papel do simblico no acesso imagem especular
ganhar cada vez mais destaque.
Por mais que a imagem tenha a funo de velar o despedaamento do corpo e a
diviso do sujeito, atravs dela que esses pontos tambm aparecem. A imagem presentifica a
constante possibilidade do retorno do corpo despedaado atravs de um auto-quebramento,
de um auto-dilaceramento, de uma auto-mordida, diante daquilo que ao mesmo tempo ele e
um outro (Id, 1960-61, p.341). O corpo , em sua origem, desconexo devido desordem do
corpo pulsional. As imagens de castrao, emasculao, mutilao, desmembramento,
desagregao, eventrao, devorao e exploso do corpo que a clnica nos fornece, retratam
esse corpo despedaado (Id, 1948, p.107).
Se por um lado o estdio do espelho permite a idia de um continente e um contedo
(Id, 1953-54), ao destacar a importncia da delimitao de uma imagem, no devemos pensar
o corpo somente como extenso, mesmo nesse momento inicial. A imagem do corpo um
objeto sobre o qual se modelam todos os objetos de investimento libidinal do sujeito em uma
relao especular. Mas desde o estdio do espelho existe algo que escapa a esse processo.
Perguntamos como o Outro participa da constituio da imagem do eu. Lacan (1953-
54) prope ento uma nova verso do estdio do espelho: o esquema ptico. Atravs da
construo de um modelo ptico composto de dois espelhos, destaca-se a importncia do
significante para a constituio da imagem especular.
Para que essa imagem seja fundada e esta se abra a uma dialtica, preciso que
intervenha, mais alm do imaginrio, o simblico, encarnado no grande Outro. na medida
em que o terceiro, o significante, intervm na relao do eu com o pequeno outro, que algo
pode funcionar, algo que acarreta a fecundidade da prpria relao narcsica (Id, 1960-61,
p.341-42).
Destacamos ento que o esquema ptico trata do lugar do Outro na constituio do
sujeito particularmente na constituio de uma imagem prpria assim como da introduo
52
da criana no universo da linguagem. H uma nominao a ser incorporada pelo infans para
que a este seja franqueada a identificao especular (FERNANDES, 2000, p.98).
Ao utilizar-se da tica para demonstrar o que se passa na constituio de uma imagem,
Lacan relembra Freud que desenhou um modelo do aparelho psquico que no possui uma
localizao anatmica (FREUD, 1900, p.567). Na carta 52, enviada a Fliess, Freud comenta
o aparelho que ser dito, mais tarde, na Interpretao dos Sonhos (1900, p. 567), tico. Em
suas palavras, proponho simplesmente seguir a sugesto de visualizarmos o instrumento que
executa nossas funes anmicas como semelhante a um microscpio composto, um aparelho
fotogrfico (Ibid) aparelhos em que, de forma curiosa, o lugar onde as imagens se formam
no corresponde a nenhuma parte tangvel do aparelho. Este modelo representa um certo
nmero de camadas permeveis a algo anlogo luz, cuja refrao mudaria de camada para
camada (LACAN, 1964, p.48).
Servindo-se do jogo das imagens reais e virtuais fornecido pela tica, Lacan vai
salientar o lugar estruturante da imagem para o sujeito se colocar na realidade. Em suas
palavras:
Por um outro lado, existe em ptica uma srie de fenmenos de que se pode dizer
que so inteiramente reais, porque tambm a experincia que nos guia nessa
matria, mas em que, entretanto, a todo instante, a subjetividade est engajada.
Quando vocs vem um arco-ris, vem algo de inteiramente subjetivo (...). Ele no
est l. (...) E, entretanto, graas a um aparelho fotogrfico vocs o registram (...)
(Id, 1953-54, p.93).
Adiantamos o uso da tica em Lacan, pois com ela que ele destaca o papel do
subjetivo na construo da imagem. O subjetivo intervm de maneira definitiva na
constituio do mundo objetivo, o qual serve de paradigma para a construo de nosso eu,
nosso corpo. prprio da imagem o investimento da libido, energia da pulso. O termo
libido no faz seno exprimir a noo de reversibilidade que implica a de equivalncia de um
certo metabolismo das imagens (Id, 1953a, p.17).
A imagem uma via para a expresso e a localizao do gozo. Lacan nos aponta isso
ao situar o gozo em sua relao com a imagem desde o incio de seu ensino. Ao fazer
referncia jubilao do sujeito, ainda no estdio do espelho, em relao imagem
especular que o gozo aparece. Apesar de raramente utilizar esse termo nos Escritos (1998),
Lacan se refere ao gozo de Schreber, justamente em relao s alteraes e s invases que
53
sofre na imagem de seu corpo. Por efeito dos milagres divinos, os rgos e membros do corpo
de Schreber foram prejudicados, destrudos, deformados (SCHREBER, 1903, p. 127 a 135).
Tambm encontramos na experincia analtica a presena frequente de imagens
inesquecveis, difceis de apagarem. Essas imagens, que parecem conter o gozo do sujeito,
que o retm, que o aprisionam, apontam para a ligao entre o imaginrio e o gozo, para a
presena do gozo no imaginrio (MILLER, 2008 a). A fixao do sujeito em uma
determinada imagem o paralisa, angustiando-o. O que estaria na base dessa dinmica?
queixas do sujeito que se apresentam atravs do corpo. A qual corpo temos acesso na clnica?
Temos acesso ao corpo circunscrito em significantes e imagens, que implica, de alguma
forma, a desordem proporcionada pelo caos pulsional.
Ao ressaltar o momento em que as imagens de despedaamento aparecem no processo
analtico, Lacan nos diz que elas se apresentam quando o sujeito est s voltas com a
elucidao dos problemas mais precoces de seu eu (Id, 1951, p.8), ou seja, haveria uma
ligao entre o que se passa no eu, seus conflitos e impasses, e a forma como o sujeito se
relaciona com o corpo. Essa relao colocada em cena atravs do excesso de investimento
na imagem corporal, das sensaes de despersonalizao, do adoecimento ou da dor que se
apresenta no corpo.
Entre as queixas mais freqentes que desde o incio nos incitaram a realizar essa
pesquisa, a dor se destaca na fala dos pacientes. Vemos que a dor tambm intrigou a Freud,
sendo considerada o ponto clnico a partir do qual elaborou sua teoria (MILLER ET AL,
2003, p.167). Que lugar a dor pode ocupar na dinmica libidinal do sujeito?
Uma pessoa atormentada por dor e mal-estar deixa de se interessar pelas coisas do
mundo externo, (...) ela tambm retira o interesse libidinal de seus objetos amorosos
(FREUD, 1914, p.89, grifo do autor) e coloca-o no corpo. importante destacarmos que a dor
pode ser tomada como uma tentativa de relanar o sujeito em seu narcisismo, ela reflete um
apelo ao olhar e busca de sentido. Freud nos disse que adoecer e sentir dor permitem o
acesso verdade do sujeito. Por que um homem precisa adoecer para ter acesso a sua
verdade? (Id, 1917 [1915], p.252) Verdade inconsciente, verdade sobre seus limites e
impasses.
Perguntamos, ento, se a dor no seria uma tentativa de localizar algo do insuportvel
no corpo, de transformar o mal-estar geral em um mal-estar do corpo. Se, por um lado, o
padecimento do corpo serve de alerta para o sujeito de que algo est acontecendo com ele,
mesmo que ele no saiba sua procedncia e como fazer para elimin-lo, por outro lado, as
dores, inexplicveis pela cincia e pelo prprio sujeito, representam o no-senso encarnado.
Sentir dor um dos sinais da consistncia narcsica do corpo, na medida em que nela o
sujeito nos d provas de que tem um corpo (LACAN, 1975-76). A dor aparece justamente no
momento em que o eu se depara com algo que exige a alterao de suas coordenadas, como
uma perda, uma separao ou uma mudana brusca. Ela uma possvel resposta do sujeito
frente ao real sem deixar de ser, ao mesmo tempo, um direcionamento para ele.
55
Uma paciente fica tomada por enjo, mal-estar e dores pelo corpo aps os encontros
amorosos frustrantes. Freud dizia que entre a premncia da pulso e o antagonismo da
renncia ao sexual situa-se a sada para a doena (...) (FREUD, 1905, p.156). O sujeito se
defende, isso que nossa experincia nos mostra, com seu eu, com sua doena. Ele se
defende contra esse desamparo, com esse meio que a experincia imaginria se d (...)
(LACAN, 1958-59, lio de 12/11/58).
Alm disso, Freud destacou que dor e prazer andam juntos, j apontando para o que
Lacan desenvolver depois a respeito do gozo: toda dor contm em si mesma a possibilidade
de uma sensao prazerosa (FREUD, 1905, p.151). Lacan tambm aborda a dor em relao
ao gozo, destacando que ela capaz de colocar em cena uma dimenso do organismo qual
dificilmente temos acesso de outra maneira, sua satisfao pulsional.
2
LACAN, 1954-55, p.307.
57
3
LACAN, 1957-58a, p.559.
58
uma formiga que caminhe por ela passa de uma das faces aparentes para a outra
sem ter necessidade de passar pela borda. (...) uma superfcie de uma nica face, e
uma superfcie de uma nica face no pode ser virada. Se vocs a virarem sobre si
mesma, ela ser sempre idntica a si mesma. (LACAN, 1962-63, p.109).
Interno que se mistura com o externo. Somos marcados pela ausncia de uma
separao rgida entre o que est dentro e o que est fora, tal qual ocorre no processo de
construo da realidade. A realidade qual temos acesso a que conseguimos perceber a
partir de um ngulo particularizado pela nossa fantasia inconsciente.
Em comparao com o esquema L, a relao do eu com a imagem especular j nos
fornece a base do tringulo imaginrio, aqui indicado pelo pontilhado (Id, 1957-58, p.165),
mas nesse esquema, algo diferente se destaca na constituio desse tringulo: o falo. o falo
quem regula as relaes imaginrias entre o eu e o outro (Ibid). Apresentado aqui como objeto
imaginrio, ele o piv em torno do qual gira a relao imaginria.
Outro ponto a se destacar o fato do Ideal dar suporte ao campo da realidade na
neurose. O Ideal do eu aparece aqui como efeito do dipo, operando como o plo de
identificao do neurtico. a funo apaziguadora do Ideal do eu, instalado a partir da
identificao edpica, que permite ao sujeito transcender a agressividade constitutiva de seu
eu, estabelecendo uma separao entre o eu e o Outro.
Vejamos agora como o esquema ptico consolidou a importncia do simblico para a
constituio da imagem do corpo prprio, bem como a proximidade entre corpo e neurose.
4
LACAN, 1953-54, p.94.
60
permite ilustrar de uma forma particularmente simples o que resulta da intrincao estreita do
mundo imaginrio e do mundo real na economia psquica (LACAN, 1953-54, p.95).
Lacan (1953-54) referiu-se tica como uma cincia que se esforava para produzir
as imagens com aparelhos, diferena das outras cincias, que introduzem na natureza um
recorte, uma disseco, uma anatomia (Ibid, p.92). Essa cincia apia-se na teoria
matemtica que imprescindvel para sua estruturao. Dessa forma, existe uma base
simblica, sobre a qual se fundamenta essa cincia.
Poderamos nos perguntar o que essa experincia tem em comum com o estdio do
espelho. Ora, antes do sujeito adquirir o domnio motor de seu corpo, apreende a idia de
totalidade do mesmo antecipando este domnio pela viso de um outro que no ele mesmo.
Ao invs de um corpo despedaado, tem-se a imagem apaziguadora de um corpo uno. Abaixo
segue o primeiro esquema que Lacan (1953-54) nos apresenta.
No esquema ptico6 que, como Lacan mesmo nos diz, - no passa de uma elaborao
muito simples do que tento lhes explicar h anos com o estdio do espelho (Ibid, p. 147) - o
corpo aparece representado na caixa, ele um objeto que se reflete e vem representar o eu. A
caixa quer dizer o prprio corpo de vocs. O Buqu so instintos e desejos (Ibid, p. 146).
5
LACAN, 1953-54, p. 147.
6
Para uma viso mais detalhado do esquema ptico nesse momento inicial, consultar o Seminrio 1(1953-54),
pgs 94 e 191.
61
Desde o incio de seu ensino, Lacan desenha um corpo animado pelo desejo e investido de
libido.
O esquema ptico um aparelho que possui um valor metafrico. Com ele,
observamos como se d a construo de uma imagem, suas condies e conseqncias. O
vaso tem a funo de permitir ao olho acomodar-se de maneira tal que a imagem real lhe
aparea no espao (Id, 1960-61, p.335). Com o vaso oculto na caixa, o esquema tambm nos
mostra o pouco acesso que o sujeito tem realidade de seu corpo, perdida no interior da caixa
(Id, 1960).
H um ponto neste esquema que difere do estdio do espelho: Lacan explicita as
condies de acesso imagem, que no ocorre mais de forma automtica, pela mera viso de
um semelhante. necessrio um olho situado no cone de emisso. Este olho corresponde ao
lugar do sujeito no mundo simblico, seu nome e suas relaes de parentesco. deste lugar
que depende o fato de que se tenha direito nominao, ou seja, de se chamar Pedro ou Joo,
de se reconhecer em um nome.
Lacan (Ibid, p. 679 a 690) foi, aos poucos, introduzindo novos elementos no esquema
ptico. O olho desloca-se da frente do espelho esfrico, para sua borda fora do alcance que
lhe permite discernir a imagem real razo pela qual ela no est representada nesse
esquema. O espelho plano passa a ser nomeado de A, nica via atravs da qual o sujeito pode
realizar a iluso do vaso com as flores, do corpo enquanto um.
Se a posio do sujeito, localizado no olho do esquema, sofre uma alterao, a imagem
no espelho, ou seja, a realidade que o sujeito v, modifica-se. Isso nos faz pensar que,
havendo uma mudana no posicionamento do sujeito, atravs do processo de anlise, por
exemplo, a imagem que o sujeito v no espelho tambm se altera. O esvaziamento de queixas
em relao a insatisfaes com a imagem, assim como, um maior investimento na mesma so
efeitos das alteraes na posio do sujeito frente ao Outro, proporcionadas pela anlise.
62
7
LACAN, 1960, p.681.
63
Uma das razes para Lacan expor o modelo ptico a distino entre o eu ideal e o
Ideal do eu. A novidade a concorrncia no s de elementos imaginrios, mas tambm de
fatores simblicos para a constituio desta imagem.
Eu ideal e Ideal do eu tm uma funo no interior da temtica econmica introduzida
por Freud em torno do conceito de narcisismo (Id, 1960-61). Em que sentido? O eu, o supereu
e o ideal do eu so registros que possibilitam a alienao do sujeito e impedem de levar o
sujeito aonde queremos lev-lo, a saber, ao seu desejo (Ibid, p.324); por isso, nosso peculiar
interesse sobre eles. Eu ideal e ideal do eu esto relacionados com a preservao do
narcisismo (Ibid, p.329), isso porque Freud colocou sob o registro do narcisismo a idia de
que a equao libidinal visa a restaurao de uma integridade primitiva (Ibid, p. 328), a
recuperao de uma imagem total, sonhada e perdida.
Retomamos, ento, que o ponto chave desse esquema est situado na ligao da
imagem especular, eu ideal, com a estrutura simblica, Ideal do eu. Isso se d com a
introduo do espelho plano. H a meno de que o olhar fundador do Outro fundamental
nesse processo. Como nos diz Lacan, a criana diante do espelho, voltando-se para aquele
que a segura, apela com o olhar para o testemunho que decanta, por confirm-lo, o
reconhecimento da imagem (Id, 1960, p.685). Destacamos que s se pede a confirmao de
algo previamente afirmado, ou seja, esse esquema aponta para a possibilidade de uma
insero prvia do sujeito no desejo do Outro, lugar fundamental para que o sujeito receba
algum reconhecimento. Esse movimento de virada da cabea (da criana), que se volta para
o adulto, para invocar seu assentimento, e depois retornar imagem, ela parece pedir a quem
a carrega, e que representa aqui o grande Outro, que ratifique o valor dessa imagem (Id,
1962-63, p.41).
O que orienta o sujeito na busca por uma imagem prpria so as marcas que balizam a
posio na qual ele tem que forjar um lugar, para receber uma confirmao do Outro. Esta a
funo do ideal. Tal lugar remete constelao de desejos que antecedem o nascimento de
uma criana (Id, 1960, p. 689).
O ideal da me ou de quem ocupa o lugar do Outro, quando recai sobre o corpo do
beb, torna esse corpo ergeno. Entretanto, no momento em que a criana nomeada pelo
Outro, a iluso proporcionada pelo investimento libidinal que mantinha o beb no lugar de
majestade comea a se desfazer. mediante a palavra do Outro que a criana pode se separar
dessa imagem ideal, da qual fazia parte e que no encontrar jamais.
64
A imagem especular virtual, i(a), e caracteriza-se por uma falta, isto , pelo fato de
que o que convocado a no pode aparecer (Ibid). H algo que no se projeta na imagem,
que no se investe no nvel da imagem especular e que, ao mesmo tempo, irredutvel a ela.
8
LACAN, 1962-63, p.49.
9
Ibid, p. 105.
65
Como ento temos acesso ao a? Indo na direo do que Lacan (1962-63) nos diz, a
imagem real cerca os objetos a, ou seja, atravs dos impasses do sujeito em relao
imagem do corpo, i (a) que chegaremos ao objeto a. a esse objeto inapreensvel no
espelho que a imagem especular d sua vestimenta (Id, 1960, p.832, grifo nosso).
Utilizamos, ento, o corpo, presente na fala do paciente, como instrumento para depurar a
relao do sujeito com o desejo e com o gozo.
O que o homem tem diante de si a imagem virtual, falaciosa, ela orienta e polariza o
desejo, tendo a funo de captar a libido (Id, 1962-63, p.53).
Um ponto interessante a se ressaltar em relao a essa reserva libidinal, a, esse ponto
que no se projeta, que ele permanece profundamente investido no prprio corpo, no nvel
do narcisismo primrio, daquilo que Lacan chama auto-erotismo, de um gozo autista. Em
suma, ele um alimento que fica ali para animar, eventualmente, o que intervir como
instrumento na relao com o outro (Ibid, p.55).
Vemos que a partir de 1960 o objeto a comea a se fazer presente no ensino de Lacan.
Definido como parcial, o objeto a se situa aqum e mais alm da demanda (Id, 1960-61, p.
66
199). Sua especificidade enquanto conceito, ou seja, o fato de ser irrepresentvel e se situar
como resto, apresenta-se somente com o Seminrio 10 (1962-63) e 11 (1964).
Acompanhando o esquema, vemos que as primeiras formulaes de Lacan sobre o
objeto a o relaciona com a imagem, com o resto, o resduo, o objeto cujo status escapa ao
status do objeto derivado da imagem especular (Id, 1962-63, p.50). Assim, para que o vaso
se constitua necessrio o intermdio do Outro, e agora, tambm do objeto a, vazio que a
imagem contorna. O corpo constitudo a partir da delimitao que o objeto a proporciona ao
mesmo. Ele faz do corpo um continente para a libido ao delimitar zonas de vazio que
proporcionam prazer e gozo ao sujeito.
Retomamos um questionamento de Lacan (1953-54), feito ainda no incio de seu
ensino: por que os planetas no falam? No falam porque no tm boca. Para falar, e
acrescentaramos, para ter um corpo, preciso uma boca, uma fenda que se apresente como
zona ergena. Sabemos que a falta operativa desde Freud. Ela move o aparelho psquico
(FREUD, 1900, p. 596) e Lacan faz dela um elemento necessrio para nos sentirmos em casa,
para fazermos do corpo um lar (1962-63, p. 57-58).
Atrs do espelho plano vemos uma imagem onde, no lugar de a na imagem real
aparece, sobre a boca do vaso (-), ou seja, a falta. Isso o que Lacan chama de no
especularizao do objeto a, ou seja, o a um objeto que no pode ser encontrado no espelho,
apesar de sua presena ser fundamental para que o reflexo fique ntido.
O falo vem apontar justamente para a castrao, para a presena de uma ausncia na
imagem, de uma fratura ntima. Somente com a presena do falo, vazio constitutivo que
delimita a imagem, a imagem do corpo consegue se refletir sem tantos borres. com ele que
chegamos relao entre o corpo e a neurose.
63, p.49), que deriva da entrada do sujeito na linguagem. Isso faz com que possamos tomar o
Outro como o que produz uma estabilizao na imagem corporal atravs da insero de um
vazio, uma distncia, entre o real do corpo e sua captura na imagem do espelho (SILVA,
2008, p.39).
Freud utilizou poucas vezes o termo falo, apresentando-o com um sentido que, se, por
um lado, nos remete quele empregado na Antiguidade - smbolo de poder, de virilidade, de
algo mgico e sobrenatural -, por outro, introduz sua dimenso inconsciente e o liga
diferena sexual e ao complexo de dipo. Muito mais utilizada foi sua forma adjetiva, a qual
deu nome a uma das organizaes da sexualidade infantil. Freud (1905) apontou a fase flica
como um momento de interseo entre os dois perodos da escolha de objeto: o pr-genital e o
genital. J que apresenta a eleio de um objeto sexual, a fase flica poderia ser genital. Mas
h um fator que o impede. Nesse momento em que a diferena sexual se faz notar, tanto para
a menina como para o menino, existe apenas um tipo de genitlia: a masculina (FREUD,
1905, p.188), o que justifica o nome dado a esta organizao de fase flica.
Lacan abordou o falo em sua vertente imaginria, ou seja, como um objeto investido
pelo sujeito, para, em um segundo momento (1958b), fazer referncia ao falo como um
significante que gera efeitos no sujeito atravs de sua insero na rede de significantes. O falo
o significante que designa a falta no outro e, conseqentemente, no prprio sujeito,
permitindo a identificao do sujeito em uma posio sexuada e o desvio do registro da
necessidade, possibilitando o aparecimento do desejo e da demanda.
Que o falo seja um significante impe que seja no lugar do Outro que o sujeito tem
acesso a ele. Mas, como esse significante s se encontra a velado e como razo do
desejo do Outro, esse desejo do Outro como tal que se impe ao sujeito
reconhecer, isto , o outro enquanto ele mesmo um sujeito dividido pela spaltung
significante (LACAN, 1958b, p.700).
A partir dessa afirmao, ressaltamos que o falo est profundamente ligado ao desejo.
Ao se dar conta do desejo do Outro, ilustrado na evidncia de que a me deseja algo que se
encontra para alm dele, o sujeito se depara com a ausncia do falo na me. a descoberta da
castrao da me que servir de base para a significao da castrao do sujeito.
Significante que inscreve a hincia prpria do encontro sexual, o falo () essencial
para a apropriao do corpo que consiste no fato de, numa espcie de engodo, o corpo ser
68
tomado pelo sujeito como seu corpo, como corpo prprio e de servir de suporte
subjetivao (BASTOS, 2009, p. 137). Graas ao falo operador simblico o sujeito se
posiciona na partilha dos sexos e subjetiva o corpo como um corpo sexuado. A funo
constitutiva do falo, na dialtica da introduo do sujeito, em sua existncia pura e simples e
em sua posio sexual, impossvel de deduzir, se no fizermos dele o significante
fundamental pelo qual o desejo do sujeito tem que se fazer reconhecer como tal (LACAN,
1957-58, p.285).
A definio de neurose implica a inscrio do nome-do-pai na cadeia de significantes.
O nome-do-pai vem representar a castrao do Outro e, consequentemente a do prprio
sujeito. O pai enquanto funo o que negativiza o gozo, instaura a ordem, estabelece limites
e d sustentao ao corpo ao permitir que o falo se inscreva.
A metfora paterna, com a inscrio do nome-do-pai, consente em um remanejamento
do imaginrio, que habitualmente se manifesta atravs da pacificao da relao narcsica. A
metfora paterna tem por efeito separar o sujeito no tanto da me, mas da vacilao inerente
relao especular com a me. Uma vacilao que faz com que o sujeito possa oscilar entre
uma identificao transitiva com a prpria me e uma identificao com o objeto do desejo da
me. Deixando o lugar de ser o falo da me, o sujeito tem a possibilidade de se localizar na
partilha dos sexos como aquele que tem ou no o falo. Esse efeito de basta tem
conseqncias clnicas observveis. Ele d ao sujeito sua base, seu alicerce, e tem por
correlato a impulso do que chamamos de processo de historicizao, o qual introduz
coerncia, continuidade na histria (SOLER, 2007, p.197-98).
O complexo de castrao inconsciente tem uma funo estruturante para o sujeito, seja
na dinmica dos sintomas, seja na sua instalao em uma posio inconsciente na qual ele se
identifica com o tipo ideal de seu sexo, e em sua capacidade de responder s necessidades de
seu parceiro na relao sexual (LACAN, 1958b).
Ao falarmos dos efeitos da inscrio do significante no corpo, sobretudo o nome-do-
pai, chegamos, de maneira mais efetiva, ao registro do simblico e sua relao com o corpo.
A metfora paterna escreve as premissas do incio do corpo para a psicanlise: o homem,
sendo definido como ser falante a partir de sua imerso na linguagem (A), provoca uma perda
de gozo; irrecupervel, mas, ao mesmo tempo, constitutiva do corpo (LYSY-STEVENS,
2008, p.9). A linguagem certamente perturba o corpo vivo. Age sobre seu gozo,
negativizando-o, mas tambm o regula, sobretudo quando o nome-do-pai est inscrito. O
69
O corpo, enquanto simblico, vai sendo aos poucos introduzido no ensino de Lacan.
Ao expor a frmula da pulso como ($ D), presente no primeiro esboo do grafo do desejo
(LACAN, 1957-58), Lacan realizou um importante passo nessa direo. O corpo animado
pela pulso que agora pode ser escrita em uma frmula, ou seja, representada atravs de
significantes. O que essa frmula nos diz? A pulso se inscreve a partir da relao entre o
sujeito dividido e a demanda que o Outro lhe faz, sendo um efeito da cadeia de significantes.
Com a formalizao da relao da pulso com a linguagem, o corpo, que a rigor
pulsional, passa a ser visto tambm em sua relao com o simblico. Os significantes
organizam a relao do sujeito com a sua imagem, pois a prpria imagem provm do exterior,
a partir da mediao do Outro. Quando tratamos da constituio do corpo, sujeito e Outro no
podem ser pensados separada e autonomamente.
O que permite a articulao entre a imagem especular, formadora o eu, e o significante
que constitui o sujeito o corpo.
no nos dado de maneira pura e simples em nosso espelho (Id, 1962-63, p.100,
grifo nosso).
que o complemente. O corpo despedaado pode ser tomado, ento, de maneira positiva, j que
d origem ao prprio movimento do sujeito.
A relao do sujeito com seu corpo determinada pelos ditos daqueles que ocupam o
lugar do Outro para ele. A incorporao significante no se d, entretanto, sem angstia, sem
afeto. A extruso do gozo sai sob a forma de afeto, que est fora do corpo, mas no deixa de
estar articulado com ele em funo desses ditos (QUINET, 2004, p.61).
Lacan (1969-70) passa a abordar a relao entre o significante e o gozo, no mais
apenas em uma forma de mortificao, mas tambm de possibilitar este ltimo. Alm de
permitir uma separao entre o corpo e o gozo o significante implica a morte da coisa
(LACAN, 1959-60) a linguagem admite tambm a aparelhagem do gozo (Id, 1972-73,
p.75). O significante um instrumento capaz de agir sobre o gozo e provoc-lo. Alm de ter
a funo de representar o sujeito, o significante afeta o corpo. No o sujeito que o
significante afeta. O sujeito, o significante representa. o corpo que ele afeta.
o significante no tem apenas efeito de significado, mas que ele tem efeito de afeto
em um corpo. O termo afeto deve ser entendido em sentido amplo, trata-se do que
vem perturbar, fazer trao no corpo. A meu entender, o efeito de afeto inclui
tambm o efeito de sintoma, o efeito de gozo e inclusive o efeito de sujeito
(MILLER, 2003a, p. 377).
O corpo goza de objetos, sendo o primeiro deles, o que escrevo como a (LACAN,
1974 a, p.89). A grande proximidade entre o corpo e o objeto a marca o ensino de Lacan: o
fator comum aos pequenos a sua ligao aos orifcios do corpo (Id, 1974-75, 21/1/1975), o
objeto a se apresenta como uma pea do corpo (Id, 1960a, p. 682), estilhao no corpo (Id,
1974a, p.53), resduo corporal (Id, 1967, p. 357).
Se fosse to fcil falar dele, ns lhe daramos outro nome que no objeto a
(Ibid, p.364).
conceitos da psicanlise. O objeto a se apresenta como o conceito que aponta para o vazio
constituinte do sujeito e de seu corpo. O a (...) no apenas parte ou pea desvinculada do
dispositivo que aqui imagina o corpo, mas elemento da estrutura desde a origem e, por assim
dizer, da distribuio das cartas da partida que se joga (Id, 1960, p.689). Falta ao corpo do
ser falante o objeto que poderia complet-lo e satisfaz-lo, o significante que poderia
represent-lo completamente, a imagem que poderia recobri-lo por inteiro. O objeto a aponta
para o vazio original em relao a todos esses pontos: ele causa do desejo, objeto da pulso,
surge da constituio do sujeito e o ponto que no se reflete na imagem do eu.
Desde Freud o encontro do objeto , na verdade, um reencontro (FREUD, 1905,
p.210). Objeto perdido sem nunca ter sido tido, deixa um vazio capaz de mover o psiquismo,
nada seno o desejo pode colocar nosso aparelho anmico em ao (Id, 1900, p.596).
Faamos uma retrospectiva. Lacan abordou o objeto em diferentes perspectivas no decorrer de
seu ensino: objeto especularizvel (eu), objeto imaginrio (falo), objeto resto das operaes de
alienao e separao, objeto cingido pelo corte, no especular; objeto causa de desejo, objeto
pulsional, objeto nada - o objeto por excelncia- (MILLER, 2005, p.326) e o objeto como
mais-de-gozar (LACAN, 1968-69).
O objeto a um elemento esquivo a qualquer atribuio de sentido, elemento real que
escapa a qualquer significao ou referncia previamente reconhecvel. Objeto a como abjeto
(Id, 1971-72a, p.548), ele a perda irreparvel destinada ao falante por ele estar submetido
ordem significante.
aqui que eu adianto que a importncia que o sujeito d a sua prpria esquize est
ligada ao que a determina isto , um objeto privilegiado, surgido de alguma
separao primitiva, de alguma automutilao induzida pela aproximao mesma
do real, cujo o nome, em nossa lgebra, objeto a (Id, 1964, p.83, grifo nosso).
Nesse sentido, Lacan (1964) fez da libra de carne um dos representantes do objeto a,
uma parte de ns mesmos presa na mquina formal do significante que gera efeitos no corpo.
A especificidade do objeto a traz um outro corpo, diferente daquele do estdio do espelho ou
do corpo simbolizado. No mais o corpo visual do espelho e sim o corpo libidinal, o corpo
de zonas ergenas. O corpo da boa forma substitudo pelo corpo disforme (LYSY -
STEVENS, 2008, p.10).
Com o conceito de objeto a, h uma designificantizao e uma desimaginarizao do
objeto (MILLER, 2005 a, p.19) apesar dele ser apresentado como encarnado no corpo.
Atuamos na clnica sobre essas encarnaes, manifestaes e tradues do objeto a.
O objeto a no pode ser visto apenas enquanto perda, mas tambm como excesso, ou
seja, no s enquanto causa de desejo, mas tambm como mais-de-gozar. O estatuto desse
objeto permanecer localizado entre a causa de desejo e o gozo. justamente por ser
apreendido na dimenso da perda que alguma coisa necessria para compensar, por assim
dizer, aquilo que de incio negativo. H um mais-de-gozar a recuperar (LACAN, 1969-70).
O objeto a se constitui como uma dobradia formada pelo par desejo e gozo. Por um
lado, ele tem a funo de causa de desejo e, por outro, a funo de mais-de-gozar, resultante
da entrada do sujeito na linguagem. Ele tem, concomitantemente, a possibilidade de dividir e
76
de suplementar o sujeito. O que Lacan indica por esse mais-de-gozar que o objeto a, sem
deixar de ser perda, fornece tambm um excesso de satisfao ao sujeito.
Podemos localizar o germe da idia de mais-de-gozar ainda no Seminrio 10 (1962-
63) onde vemos que necessria uma renncia, uma perda de gozo, para que o sujeito se faa
representar no campo do Outro e tenha acesso ao gozo proporcionado pelo objeto a. Com a
perda do gozo do ser, o corpo marcado por zonas de gozo, originando o circuito pulsional.
Os objetos a so listados, a partir da lista das pulses estabelecidas por Freud e ordenadas por
Lacan seio, fezes, olhar, voz e, eventualmente, complicando um pouco, o nada (MILLER,
2000, p.100). So esses os objetos que capturam o mais-de-gozar atravs de suas formas
encarnadas no corpo (RABINOVICH, 2004).
Se, por um lado, Lacan ressalta a ligao do gozo com o objeto a em sua vertente de
mais-de-gozar, e se, por outro, uma das formas do objeto a se apresentar em sua relao
com os orifcios corporais, o gozo como satisfao pulsional passa a envolver
necessariamente o corpo, estando o corpo comprometido pela ao do significante. So as
montagens pulsionais do corpo, (...) as que so meios de produo desse mais-de-gozar que o
objeto a captura (Ibid, p.88).
O corpo do ser falante, atravessado pelo significante, no traz em si um puro prazer e
sim diferentes possibilidades de gozar. S h gozo do corpo por efeito do significante, e s h
gozo do significante se o ser da significncia estiver enraizado em um corpo (MILLER, 1998-
99).
Se olharmos com ateno, veremos que o corpo se apresenta como um envelope para o
objeto a (LACAN, 1975a, p.54), havendo entre eles a mesma relao entre o hbito e o
monge. Lacan (1972-73) nos diz que o que h sob o hbito, e que chamamos de corpo, talvez
seja apenas esse resto que chamo de objeto a (Id, 1972-73, p.14). Hbito e monge so apenas
um (Ibid).
Com o desenvolvimento do conceito de objeto a, o gozo se encarna na materialidade
do corpo. So as diferentes formas do objeto a que do corpo ao gozo. Os orifcios se
erotizam e a libido se localiza em um continente. Com o objeto a, o gozo est situado em uma
pequena cavidade. Temos acesso ao gozo pela pulso que realiza um ir e vir em torno de um
objeto, fragmentado nos vrios objetos que podem encarnar o objeto a, ele se faz presente
tomando do corpo algumas peas separveis.
77
Os rgos do corpo marcados pela atividade pulsional, ficam subvertidos pela libido.
A funo, dizem, cria o rgo. Pelo contrrio, justamente do rgo que a gente se serve
como pode (Id, 1969-70, p. 45). O homem tem a possibilidade de se servir dos rgos para
outras funes, tal qual Freud j havia nos mostrado com a histeria. Segundo Lacan, a
relao do sujeito com o rgo est no corao de nossa experincia (Id, 1964, p.90).
Pudemos ver que foi no seminrio dedicado angstia que Lacan formalizou o
conceito de objeto a. A angstia se expressa no corpo, nos pontos de impasse do sujeito com
seu corpo, seus rudos e seu silncio. Retomamos, ento, algumas formulaes sobre a
angstia, agora sob a tica do objeto a, como um recurso a mais para materializarmos o objeto
a na clnica.
Lacan (1962-63) destacou a relao existente entre a angstia, a imagem e o corpo. A
angstia est ligada falta ou perda de referncia. O reconhecimento de nossa forma
limitado por deixar escapar algo do investimento primitivo em nosso corpo, o objeto a,
esse resto, esse resduo no imaginado do corpo, que, (...) vem manifestar-se no
lugar previsto para a falta, e de um modo que, por no ser especular, torna-se
impossvel de situar? Com efeito, uma das dimenses da angstia a falta de certos
referenciais (Id, 1962-63, p.71).
Se para Freud (1926[1925]) a angstia era sem objeto, estando, ao mesmo tempo,
referenciada castrao, Lacan afirma que a origem da angstia se localiza no enigma do
desejo, no que eu sou para o Outro e o que este quer de mim. Assim, o objeto a, que
tambm causa de desejo, nomeado o objeto da angstia.
A angstia possui uma funo na clnica. Inerente ao humano, ela um sinal daquilo
que, do desejo e do gozo, revela-se como estranho ao eu. O Unheimlich o eixo
indispensvel para abordar a questo da angstia (Id, 1962-63, p.51), o estranho familiar que
assola o corpo do sujeito.
Onde temos notcias da angstia no corpo? Ela aparece no orifcio da imagem, na
borda corporal. Esse lugar, delimitado por algo que materializado na imagem uma borda,
uma abertura, uma hincia , onde a constituio da imagem especular mostra seu limite, o
lugar de eleio da angstia (Ibid, p.121). A angstia aparece quando o limite se apresenta.
Retomando Freud, a angstia um fenmeno de borda no campo imaginrio do eu. O termo
borda legitimado por se apoiar na afirmao do prprio Freud de que o eu uma
superfcie, e at, acrescenta ele, a projeo de uma superfcie (...) (Ibid, p.131).
Partindo da angstia, trabalharemos alguns sintomas que conseguem esboar, de forma
clara, o que temos visto em relao aos impasses do sujeito na constituio de um corpo e s
possibilidades de o mesmo gozar. Como vimos, a angstia se apresenta, sobretudo, como um
efeito do no reconhecimento de si em uma imagem. A anorexia-bulimia, que se apresenta na
neurose, um sintoma que coloca em cena, de maneira clara, as dificuldades que podem
aparecer em relao ao reconhecimento do sujeito em sua imagem. Um corpo para gozar, o
que ela coloca em cena e com ela que damos continuidade a nossa pesquisa sobre o corpo.
Captulo 3
O que a anorexia e a bulimia nos ensinam sobre o lugar do corpo na clnica
da neurose
79
mulheres exige cuidado, a clnica e a bibliografia sobre o tema apontam para o contrrio
(LAURENT, 2000).
Mais interessante ressaltarmos a inegvel prevalncia da anorexia e da bulimia em
mulheres jovens. Alguns autores (BASTOS & PENCAK, 2009) vo nessa direo e
encaminham suas pesquisas para a relao entre a anorexia e a feminilidade, apostando na
anorexia mental como uma resposta particular de alguns sujeitos aos problemas colocados
pelo desejo e pelo gozo femininos (Id). Seguindo as formulaes de Lacan (1972-73) sobre as
frmulas da sexuao, possvel abordar a anorexia, atravs de sua recusa alimentar, como
um movimento do sujeito onde o mesmo se sacrifica para instituir uma universalidade no
conjunto das mulheres, seja atravs da imago da me onipotente qual ele precisa responder
com uma constante recusa ou com o prprio corpo, tentando mant-lo no lugar de perfeio,
sem o registro da falta. Fazer existir a exceo, nesse caso, a mulher flica, traz conseqncias
para o corpo. Sabemos que a universalidade de um determinado conjunto s pode ser
estabelecida com a existncia de uma exceo a seu campo. O lado homem apresenta essa
exceo, que se faz representar pelo pai da Horda aquele que no est submetido castrao
exceo que originalmente se encontra ausente do campo mulher (LACAN, 1972-73). A
anorexia se apresenta assim como uma tentativa de instituir a exceo para fazer existir o
todo, tarefa que sabemos ser impossvel (PENCAK & BASTOS, 2009). A bulimia tambm
responderia necessariamente a essa dinmica? Responder a esse questionamento exigiria um
desvio do nosso objetivo inicial. Optamos, ento, por dar prioridade funo que a imagem
exerce nesse sintoma em sua relao com o enigma da feminilidade, ponto que
desenvolveremos no decorrer do captulo.
Tanto a anorexia como a bulimia colocam em cena a defasagem entre o que se obtm e
o que se deseja. Tal defasagem possui algo de estrutural, sendo constitutivo do sujeito.
comum s crianas, num momento precoce, recusarem e vomitarem, seno toda alimentao -
esse seria o caso extremo de anorexia ou bulimia -, algum tipo de alimento, traduzindo com
suas predilees e averses, um movimento de subjetivao. So as anorexias leves e
passageiras dos primeiros anos da infncia, quando a criana se mostra inapetente ou sujeita a
acessos de vmitos que costumam marcar os relatos da infncia do paciente. Perguntamos,
porm, o que h de peculiar no processo de constituio do sujeito, quando ele mantm esse
sintoma como resposta ao Outro (SILVA & BASTOS, 2006).
85
objetos (GORALI, 2000, p.8). Alm disso, se fixamos nossa escuta na alimentao, deixamos
de lado pontos importantes como a funo da imagem, a relao do sujeito com a castrao, o
lugar do sintoma no jogo fantasmtico com o Outro, dentre outros.
Faamos a retomada da dinmica desse sintoma desde Freud.
A satisfao mais primitiva, apesar de ser auto-ertica, tem como objeto o seio. Isso
ocorre porque a criana no consegue diferenciar o seio como sendo dela ou do outro. A
separao, enquanto corte, no ocorre entre a criana e o seio, e sim entre a me e o seio.
Lacan indicou, ento, a funo original da mama. Esta se apresenta como algo intermedirio
entre o rebento e sua me (...) , entre a mama e o prprio organismo materno, que reside o
corte (LACAN, 1962-63, p.256). A perda do seio efetivada com a representao da
imagem daquele que vem satisfazer a criana. O seio perdido, portanto, a partir da separao
que ocorre com a diferenciao entre a imagem do eu e a do outro, fazendo-nos relembrar do
estdio do espelho.
Freud (1917[1916-17]) nos disse que a perda do seio, enquanto objeto de satisfao,
fundamental para que outras zonas e outros objetos sejam investidos, deixando marcas na
relao do sujeito com o Outro atravs dos processos de identificao, ambivalncia e
diferenciao. A partir da, poderamos afirmar que, desde o incio, o seio, associado com a
alimentao, que traz uma das primeiras marcas de separao entre o sujeito e o Outro, e que,
em um momento posterior, a cada ativao dessa marca, a partir das perdas que o sujeito sofre
em relao a seus objetos, entra em jogo um movimento de separao que utiliza o alimento
como instrumento.
Para a criana, a amamentao no seio materno torna-se modelar para todos os
relacionamentos amorosos. As futuras escolhas amorosas esto apoiadas nos modelos infantis
primitivos como tentativa de recuperar a suposta felicidade perdida, movimento de
reinvestimento no trao deixado pela primeira experincia de satisfao. O corpo, sobretudo
atravs do seio e da satisfao oral, est envolvido nesse processo de encontro e desencontro
com a satisfao que o objeto pode proporcionar.
O excesso, tanto do lado da criana, que se mostra insacivel em relao ternura
parental, como tambm do lado dos pais, que exibem um cuidado desmedido em relao ao
filho, serve de prenncio instalao de uma neurose na vida adulta. Isso porque h uma
elevada adesividade das impresses deixadas pela vida sexual infantil. Tais impresses podem
agravar-se a ponto de produzirem uma repetio compulsiva e poderem prescrever por toda a
vida os caminhos da pulso oral (FREUD, 1905, p. 228).
Freud, inventando a psicanlise, falou sobre a anorexia, sem que tenha escrito um
texto dedicado ao tema. Desde suas correspondncias com Fliess, ele se interroga a respeito
desse sintoma, afirmando que a neurose nutricional paralela melancolia a anorexia. A
88
famosa anorexia nervosa (...) uma melancolia em que a sexualidade no se desenvolveu. (...)
Perda do apetite em termos sexuais, perda de libido (Id, 1950 [1892-1899], p. 247).
Relacionando a perda de apetite e de libido com uma perda objetal, encontramos o caminho
pelo qual Freud articulou a anorexia com a melancolia. Ambas seriam resultado de uma
dificuldade do sujeito em lidar com a perda e a separao do objeto. O processo anorxico
revela, j em Freud, uma dificuldade em relao perda, realizao de um luto. Em nenhum
outro momento, porm, Freud far esse paralelo, passando a relacionar a anorexia com a
histeria, e, consequentemente, com um aumento da erotizao na zona oral que perturba as
atividades a situadas. Paralelo e no equivalncia.
Vale destacar que na organizao oral, a libido narcsica, e a fixao nessa fase est
relacionada com uma dificuldade do sujeito em lidar com a perda do seio como ideal de
completude. Tal perda deixa uma marca, a qual reativada sempre que o sujeito se depara
com a sexualidade ou algo do sexual que traga uma diferenciao (Ibid).
Tanto a anorexia como a bulimia geralmente aparecem no momento em que surgem os
primeiros caracteres sexuais secundrios, ou seja, na adolescncia, como tambm no
momento do encontro do sujeito com o sexo. As alteraes no corpo, que se destacam
principalmente na menina, representam o afloramento da sexualidade; sendo assim,
emagrecer pode significar infantilizar o corpo, anular esses contornos que passam a ser vistos
como um excesso, numa tentativa de retorno ao momento anterior onde o sexual no estava
colocado de forma to explcita. O frequente aparecimento desse sintoma quando as meninas
entram na puberdade estaria, ento, ligado dificuldade do tornar-se mulher que as
mudanas corporais vm materializar. O sujeito, ao invs de falar sobre seu encontro
traumtico com o desejo do Outro, com o enigma da sexualidade, mostra-o inscrito em seu
prprio corpo, que utilizado, assim, como um instrumento que coloca seu desamparo em
cena.
Freud (1893-95) localiza os vmitos crnicos e a anorexia (que pode chegar ao
extremo da rejeio de todos os alimentos) entre os sintomas histricos, resultando de uma
emoo penosa surgida durante a alimentao a qual foi deslocada pela ao do recalque
para outra representao, retornando atravs de nuseas (Id, 1893-95).
Dentre os casos de histeria apresentados por Freud, destacamos o de Emmy Von
N., que apresentou uma recusa de comer. Ao procurar o motivo dessa recusa, Emmy se
lembra das vezes em que, quando pequena, era obrigada a comer carne fria e dura, o que
89
gerava grande revolta na paciente. Nesse caso, o ato de comer, desde os primeiros tempos,
se vinculara a lembranas de repulsa cuja soma de afeto jamais diminura em qualquer
grau; e impossvel comer com prazer e repulsa ao mesmo tempo (Ibid, p.118).
no Projeto para uma psicologia cientfica (1950 [1985]) que Freud fez um
primeiro esboo do que ele denomina desejo, ponto que ser essencial retomar para
iniciarmos o estudo lacaniano da articulao entre a necessidade, a demanda e o desejo.
A partir do complexo do prximo, registro da primeira experincia de satisfao,
Freud articulou em um s tempo o que o parte e a similitude, como signo de separao e
identidade. Das Ding justamente a parte desse complexo que isolada pelo sujeito como
estranho Fremde , desconhecido. Das Ding constitui o primeiro exterior em torno do qual
se orienta todo o encaminhamento do sujeito, sua referncia em relao ao mundo do desejo
(LACAN, 1959-60, p.69). o princpio de prazer que guia a busca desse primeiro objeto de
satisfao e, ao mesmo tempo, mantm uma certa distncia em relao a ele. Sendo assim, o
elemento imaginrio do objeto, ou seja, a crena na possibilidade de encontrarmos o objeto de
nosso desejo, diz de um engodo vital para impulsionar o movimento em busca desse objeto.
No nos esqueamos, porm, que, por trs desse movimento em relao ao objeto do desejo,
encontramos um trao mnmico deixado pela primeira experincia de satisfao, ou seja, a
marca de um objeto que no existe, objeto sonhado e perdido, conceito nodal de estatuto tico
para a teoria e a clnica psicanaltica, como poderemos ver mais adiante.
Freud (1900) ressaltou a existncia de um hiato entre a saciedade aps a absoro do
objeto da necessidade e o trao mnmico que ir representar esse tempo mtico. Esse
primeiro objeto da necessidade perdido no momento em que se torna trao, havendo
sempre um resto entre essa primeira satisfao e sua representao. A partir da perda do
objeto da necessidade, h a possibilidade de surgir, para alm desse campo, a demanda e o
desejo.
Se a necessidade indica a dimenso fisiolgica/biolgica da urgncia, um estado que
incita prpria resoluo, o desejo, por sua vez, inscreve-se mais alm da necessidade, no
estando dirigido para os objetos em si e sim para o Outro. O desejo altera o que da ordem da
91
necessidade, visto esta ltima ter que passar pela linguagem para se espressar. nesse sentido
que afirmamos a no existncia da nescessidade pura. Todas as necessidades do ser falante
esto contaminadas pelo fato de estarem implicadas com uma outra satisfao (Id, 1972-73,
p.70).
O objeto serve para rechear um vazio anatomizado no corpo, como por exemplo o
alimento em relao boca. O alimento aplaca a urgncia da fome tanto no homem como no
animal. Mas o homem, diferena do animal, inventa um discurso alimentar, cria a
gastronomia, enriquece o objeto da necessidade com adornos, guarnies e especiarias. O
sujeito goza ao comer. Ao manipular o alimento, d-lhe um nome, o desnaturaliza e o
transfigura. H, na fome de comida, a fome que nenhum objeto pode acalmar porque fome
do seio, do seio como significante do primeiro objeto de satisfao.
Comer implica uma relao com o Outro. A maioria dos sujeitos com anorexia e
bulmia tendem a romper essa regra geral (RECALCATI, 2004). Recusam-se a comer em
pblico, no participam das refeies, comem ss, devorando quantidades nfimas ou
exageradas de comida, sem critrio e sem horrio, seguindo apenas o mpeto de sua
voracidade. Isso contradiz a lei da alienao significante: negam-se mesa do Outro.
O estudo da anorexia e da bulimia passa a ter um novo enfoque com a diferenciao
que Lacan estabelece entre a necessidade, a demanda e o desejo. Com a perda da dimenso do
natural e do instinto - efeitos da insero do sujeito na linguagem-, a pulso e o desejo
ganham espao na relao do sujeito com seus objetos. A boca no se satisfaz com a comida,
e sim com o prazer da boca. Fazem srie o beijar, o falar, o comer, o devorar, o incorporar e o
destruir.
A necessidade s aparece alienada na demanda, a qual, por sua vez, se articula na
cadeia de significantes. Sendo assim, podemos concluir que qualquer coisa que se d para a
necessidade ser sempre interpretada em termos de demanda de amor (CLASTRES, 1990,
p.51). J que toda demanda , antes de tudo, demanda de amor, o objeto da necessidade a
comida sempre obtido como objeto signo de amor; o alimento tomado na relao do
sujeito com o Outro como moeda amorosa. Comer ou recusar o alimento uma forma de se
posicionar diante do Outro e das marcas amorosas que permeiam o sujeito. Jogando com a
necessidade, o sujeito coloca uma barra, uma falta diante do excesso de cuidado que o Outro
lhe oferece. Alm disso, busca um olhar que ateste a existncia desse amor do Outro,
colocando-se em risco.
92
Cada vez que h uma frustrao de amor, esta compensada pela satisfao da
necessidade. na medida em que a me falta criana que a chama, que esta se
agarra ao seio, e que este seio se torna mais significativo que tudo. Enquanto o tem
na boca e se satisfaz com ele, por um lado a criana no pode ser separada da me,
93
por outro lado isso a deixa alimentada, repousada e satisfeita (LACAN, 1956-57, p.
178).
Freud nos coloca que a me o primeiro objeto de amor (FREUD, 1917 [1916-17]b,
p.385) tanto para a menina como para o menino. Aquela que cuida e nutre nos mostra a
ligao entre os primeiros investimentos objetais e a satisfao das necessidades. Esse estgio
preliminar de ligao com a me muito rico, podendo deixar atrs de si muitas
oportunidades para fixaes e disposies (FREUD, 1933-32b, p.120).
A hostilidade em relao me, a reclamao de que ela lhe deu pouco leite, uma
censura que lhe feita como falta de amor (Ibid, p.122). Freud nos diz que essa reclamao
geralmente no se justifica, estando diretamente relacionada com a insaciabilidade da criana
e com a dificuldade de lidar com a perda do seio materno.
Podemos pensar a comida como uma espcie de objeto transicional falido
(RECALCATI, 2004, p. 83). O objeto transicional, como desenvolve Winnicott (1951), tem a
funo de abrir um espao potencial entre a criana e o Outro, permitindo a separao atravs
do objeto. A comida, ao invs de simbolizar a ausncia do Outro, leva o sujeito espiral de
uma repetio compulsiva de um reencontro do objeto na bulimia e, na anorxica, repetio
de sua ausncia.
Vemos ento que o vmito mantm a repetio contnua das comilanas, esvaziando o
corpo de gozo e preparando-o para um novo excesso. O vmito no est relacionado s
exigncias do comer, de satisfazer-se, e sim mostrao do gozo especial do vazio, junto
inconsistncia do objeto-comida (Id, 2004, p.61). Comer nada versus tudo devorar coloca em
evidncia a oscilao do fort-da aqui representado no par formado pelo vazio e o pleno (Ibid).
Os sujeitos anorxicos que no conseguem vomitar, aps terem comido um pouco mais,
mostram uma maior angstia persecutria em relao comida, pois uma vez incorporada,
promove no sujeito violentos sentimentos de indignidade e malignidade. O vmito, de forma
ilusria, atenua esses efeitos. A extenuante repetio do vmito, na realidade, no faz outra
coisa que demonstrar a inconsistncia do objeto, o nada que est em sua raiz. Por mais que o
94
sujeito tente colocar esse nada no lugar de das Ding, ou seja, do objeto que seria capaz de
preencher o vazio primordial, esse vazio se mantm presentificado no encontro do sujeito com
o nada.
abordada. O comer nada figura aqui, de forma mais clara, como uma tentativa de separao
do Outro (LACAN, 1958).
De forma curiosa, o amor do Outro e pelo Outro encontra-se presente nessas duas
referncias: como paixo sacrificial no desejo de larva e como gatilho para uma manobra
(falida) de separao do sujeito. O amor resulta da esperana do sujeito de que o Outro
preencha sua falta. Ele est por trs de toda a demanda, mascarado no pedido da satisfao de
uma necessidade. Pode ocorrer que o Outro, no lugar disso que ele no tem, que lhe falta,
coloque justamente a comida, confunde seus cuidados com o dom de seu amor. a criana
alimentada com mais amor que recusa o alimento e usa a sua recusa como desejo (anorexia
mental) (Ibid, p. 634). Nessa citao, Lacan se refere anorexia infantil. As anorexias
pontuais, que se apresentam na infncia do sujeito, encontram-se dentro de uma dinmica de
separao. Assim, dizendo no demanda da me, a criana pede que ela olhe em outra
direo que no ela prpria. Destacando o nada no ato de recusar o alimento, o sujeito
presentifica a falta que no aparece em outro lugar.
Poderamos nos perguntar se essa configurao a mesma apresentada pelas
anorexias que se apresentam na puberdade ou na idade adulta do sujeito. Muito embora as
anorexias que se apresentam em um momento posterior, tambm nos faam pensar em uma
tentativa de separao, temos que acrescentar como fatores relevantes para seu aparecimento
o encontro com o sexual, a perda do objeto de amor, as mudanas corporais prprias da
puberdade e, como foi dito anteriormente, o enigma sobre o tornar-se mulher. Nesse sentido
apostamos, juntamente com outros autores (BASTOS & PENCAK, 2009), na possibilidade de
uma descontinuidade lgica entre a anorexia que se apresenta na infncia e aquela da
puberdade ou idade adulta, sobretudo pelo importante papel que manter ou alcanar uma
imagem ideal exerce na cristalizao desse sintoma.
A experincia clnica evidencia que o desencadeamento da anorexia e da bulimia
coincide muitas vezes com a perda de um objeto de amor. A perda de um objeto que possua
uma funo narcsica para o sujeito gera uma ruptura em sua identificao, fazendo com que
o corpo despedaado, que o vu do amor permitia recobrir, aparea. A fantasia mtica de Eros,
potncia unificante, uma compensao do terror ligado a esse fantasma do corpo
fragmentado (LACAN, 1966-67, 10/05/67).
96
O amado fica recoberto de uma imagem que adorna o corpo. Por isso, a perda do
amor uma perda narcsica, com conseqncias dilacerantes sobre o eu e sobre o
corpo. Na rejeio ou no abandono, o sujeito fica despossudo da imagem com a
qual o outro o cobria, da imagem que o outro projetou sobre ele (BASTOS, 2009, p.
140-41).
Em resposta a isso, o sujeito pode fazer um sintoma que afete justamente sua imagem,
na tentativa de reaver o que foi perdido. Coloca a imagem no lugar do Ideal que o amor
representava, agarrando-se a ela. Vale lembrar que Narciso10 morreu de fome por amor sua
imagem. Lacan nos fala que no h amor que no dependa dessa dimenso narcsica
(LACAN, 1967-68, 10/1/1968) e retoma Freud (1914) ao colocar que amamos para sermos
amados.
Tanto a anorexia como a bulimia so respostas possveis diante da perda libidinal.
Vale retomar Freud em seus primeiros escritos: perda de apetite, em termos sexuais perda de
libido (FREUD, (1950 [1892-1899]), p. 247). A aproximao que Freud fez entre a anorexia
e a melancolia originou-se da dificuldade do sujeito em realizar o luto por uma perda. Na
anorexia, o luto pelo objeto perdido impossibilita a inteno mesma de realizar um trabalho
de luto. A anorxica reage ao evento agarrando-se ao objeto (...) (RECALCATI, 2004,
p.155). O trabalho de luto implica na mobilizao do simblico diante do encontro irredutvel
com o real, na historicizao desse furo.
A bulimia, ao contrrio da anorexia, tenta compensar a ausncia do signo de amor,
atravs da perseguio contnua e voraz do objeto comida. Em ambos os movimentos
encontramos a paixo pelo signo do amor. Mais ainda, ainda mais, a demanda insiste na
repetio do ato no ataque bulmico mostrando, de forma extrema, a interseo entre a
demanda de amor e a satisfao que a comida proporciona. O excesso que anima o sujeito diz
respeito satisfao possvel oferecida pelo consumo do objeto. Mas o amor no uma
mercadoria, no se pode consum-lo.
A bulimia indica a presena do real no objeto oral, seu resto pulsional deixa mostra a
cifra do gozo da pulso oral. Gozo enlaado no realidade da substncia porque a pulso,
10
Segundo o Dicionrio de Mitologia Grega e Romana (KURY, 1990), Narciso era um rapaz muito bonito e
indiferente ao amor. Quando nasceu, seus pais Cfiso e Lrope, perguntaram a Tirsias qual seria o seu destino.
A resposta foi que ele teria uma vida longa se no visse o prprio rosto. Muitas moas se apaixonaram por
Narciso, mas ele no se interessou por nenhuma. A ninfa Eco, inconformada com a indiferena, afastou-se para
um lugar deserto onde definhou at que restassem somente seus gemidos. As moas desprezadas pediram
vingana aos deuses. Com pena delas, o deus Nmesis, induziu Narciso a debruar-se numa fonte de gua depois
de um dia de caa. Foi quando viu seu rosto e apaixonou-se pela prpria imagem. Permaneceu nessa posio at
morrer de fome e sede.
97
como sustenta Lacan (1964), no se fecha sobre o objeto e sim sobre o vazio. O que o
sujeito coloca em cena com seus ataques bulmicos o vazio. Apesar de buscar a Coisa,
enfrenta a desiluso do mal encontro. Essa busca do ter, da aglomerao de objetos, encontra
a inconsistncia do ser, o vazio no lugar da plenitude esperada.
A anorexia est sem nenhuma dvida do lado do sujeito barrado. At se pode dizer
que a anorexia a estrutura de todo desejo. Enquanto que a bulimia pe em
primeiro plano a funo do objeto. Isso poderia conduzir a formular que a anorexia
est do lado da separao (MILLER & LAURENT, 2000, p.24).
Enquanto a bulimia revela uma dificuldade de dizer no, sendo um efeito da alienao
entre o sujeito e o Outro, a anorexia se aproxima do campo da separao. Esses movimentos,
porm, no ocorrem de maneira isolada: no h separao sem alienao e localizamos a a
dificuldade de encontrarmos esses sintomas tambm dissociados. controlando o corpo o
que entra e sai, seu tamanho e pesagem que se controla uma boa distncia em relao ao
Outro.
Se por sua forma radical de apresentao, por seu no constante diante do alimento
que lhe ofertado e, sobretudo, pela recusa renitente diante da demanda do Outro, muitas
vezes a anorexia vista como separao, perguntamo-nos se realmente podemos falar de uma
98
separao? Visto ser a anorexia um sintoma que definha o corpo, podendo levar morte, no
seria ela uma separao mal sucedida ou em impasse? (SILVA & BASTOS, 2006, p.99). Por
isso, optamos por falar de uma pseudo-separao (COPPUS & MONTEIRO, 2009). Recalcati
chega a classificar essa pseudo-separao como um movimento de separao contra
alienao (RECALCATI, 2001, p.29), uma vez que a anorxica tenta negar a dependncia, a
alienao originria, do sujeito em relao ao significante. o que demonstra sua recusa
radical a qualquer objeto que a satisfaa, atitude que a coloca em um lugar de onipotncia
frente a todos e, principalmente, frente ao Outro.
atravs do sintoma, aqui representado na relao peculiar do sujeito com o alimento
ofertado pelo Outro e com o seu corpo, que o sujeito tenta dar um sentido ao desejo do Outro,
fazendo uma equivalncia entre o alimento e esse desejo.
Diante da angstia gerada pelo desejo do Outro, o sujeito pode se fazer representar,
atravs de seu desaparecimento. O primeiro objeto que ele prope a esse desejo parental
cujo objeto desconhecido, sua prpria perda. Pode ele me perder? (LACAN, 1964,
p.203). Face dificuldade ou impossibilidade de saber sobre o desejo Outro, o sujeito se
refugia na fantasia de sua prpria morte. Nesse momento, Lacan coloca que
A anorexia retrata a posio daquele que quer saber at que ponto o Outro o quer, qual
o limite desse querer, sendo esta posio uma tentativa de tatear o desejo do Outro.
Vemos, porm, que tanto a anorexia como a bulimia so sintomas que mantm o
sujeito firmemente amarrado ao Outro. Isso aparece na clnica atravs da falta de autonomia
do sujeito em suas atividades corriqueiras, de sua complacncia para com o Outro. A
dependncia ao Outro materno um trao fenomenologicamente recorrente da experincia
anorxico-bulmica, a ponto da clnica da anorexia-bulimia ser considerada uma clnica do
Outro materno (RECALCATI, 2004, p. 82).
Na singularidade de cada caso, o analista, s voltas com a anorexia e a bulimia, ter
que lidar com o fato de que nem bem sucedida, nem totalmente malograda, essa tentativa de
separao pode aspirar ao desejo do sujeito. justamente pelo vis do desejo, que a falta pode
99
ser afirmada e que o trabalho analtico pode apostar em uma via onde a separao entre o
sujeito e o Outro ocorre de outra maneira, em prol do circuito do desejo (SILVA & BASTOS,
2006). De qualquer modo, esses sintomas ilustram como o corpo participa de maneira direta
das tentativas do sujeito de se posicionar frente o desejo do Outro.
Alguns pontos costumam ser centrais quando se trata da abordagem da anorexia como
sua frequncia maior em mulheres, a grande proximidade com a histeria, o emagrecimento do
corpo, a peculiar relao com o Outro materno. Com isso, acaba-se deixando de lado a
afirmao de Lacan de que a anorexia mental e possui uma relao muito prxima com o
saber. De que saber se trata? Por que Lacan aproxima a anorexia do saber? A anorexia vai
pouco a pouco se apresentando como uma recusa do sujeito em saber da falta, da castrao, da
no existncia da relao sexual (LACAN, 1972-73) apesar de, paradoxalmente, coloc-la em
cena. Com a anorexia, o sujeito cria um modus operandi, uma forma ilusria de obter uma
resposta sobre o desejo do Outro, sobre o que fazer em relao ao sexual e ao ser mulher.
Localizamos dois momentos no ensino de Lacan que possibilitam esse enfoque:
quando aborda, em seu ensino, a interveno de E. Kris em seu conhecido caso O homem
dos miolos frescos e no Seminrio 21 Les non-dupes errent/Les noms du Pre (1973-74)
onde define a anorexia em relao ao saber. Vejamos em detalhe essas passagens.
Lacan (1954 e 1958) qualifica de anorexia mental o sintoma do paciente de Ernst
Kris11. Este homem, um jovem cientista de trinta e poucos anos, apresentava uma severa
inibio intelectual e foi tratado primeiramente pela analista, Melitta Schmideberg (1904-
1983), que publica seu caso em 1934. Esse paciente no podia pensar por medo de roubar,
como roubava coisas para comer quando criana (LAURENT, 2000, p.132). O paciente
estava bloqueado em sua profisso por um impedimento de publicar suas pesquisas: ele
acreditava ser um plagiador (KRIS, 1951). um belo dia, eis que ele chega sesso com um
ar de triunfo. Est feita a prova: ele acaba de pr as mos num livro, na biblioteca, que contm
todas as idias do seu (LACAN, 1954, p.396). O analista tomou a liberdade de ler essa obra,
e, percebendo que no havia nada no trabalho do paciente que merecesse ser considerado
plgio, relata isso ao mesmo, considerando que tal interveno faz parte da anlise. Aps um
11
Ernst Kris (1900-1957) era vienense e contemporneo de Lacan. Representante da psicologia do ego, foi
criticado por Lacan algumas vezes.
100
longo silncio, o paciente diz que Ao meio-dia, quando saio da sesso antes do almoo, e
antes de voltar ao escritrio, sempre dou uma volta pela rua (...) e espio os cardpios atrs das
vitrines da entrada. num desses restaurantes que costumo encontrar meu prato predileto:
miolos frescos (Ibid, p.399), o que traduzimos, tendo como base o contedo do caso, por
idias frescas, originais.
Lacan (1958) critica E. Kris que toma o ato do paciente como uma confirmao de sua
interpretao. Ele (1955-56) localiza a um acting-out. O acting-out se produz quando o
analista simboliza algo prematuramente ao paciente, quando ele aborda alguma coisa na
ordem da realidade e no no interior do registro simblico do paciente (Id, 1955-56, p.96).
Lacan, nesse mesmo texto, discorda da atuao do analista e aponta a direo do trabalho.
No o fato de seu paciente no roubar que importa aqui (...) que ele rouba nada.
E era isso que teria sido preciso faz-lo ouvir. (...) no a defesa dele contra a idia
de roubar que o faz crer que rouba. Que ele possa ter uma idia prpria que no
lhe vem idia (Id, 1958, p.606).
H uma anorexia quanto ao mental, quanto ao desejo do qual vive a idia (Ibid,
p.607). O acting-out se caracteriza por colocar o objeto a em cena atravs de uma mensagem
endereada ao Outro. O essencial do que mostrado esse resto, sua queda, o que sobra
nessa histria (Id, 1962-63, p. 137). Atravs do acting o sujeito procura um lugar no desejo
do Outro, colocando em destaque algo da causa do seu desejo, expe o resto, o objeto a que
pode arrastar o sujeito em sua queda se o outro no lhe der uma mo e sustent-lo
outorgando-lhe um lugar em seu desejo (AMBERTN, 2006, 116). Nesse caso
especificamente, o que sobra o nada em sua vinculao com o objeto oral, que aparece na
cena dos miolos frescos, contada ao analista posteriormente. Comia os miolos frescos apenas
com os olhos, procurando-os nos cardpios. Comia nada assim como roubava nada.
Lacan (1973-74) fala do desejo de saber e do horror ao saber. De forma inovadora,
aponta que o horror e no o desejo que preside o saber. Buscamos o saber para no nos
depararmos com o horror gerado pelo no-saber. Assim Lacan possibilita um aprofundamento
na abordagem da anorexia. Ele interpreta a anorexia mental mais alm de sua incidncia oral e
a estende ao campo do saber.
Segundo Lacan (1973-74), diante da impossibilidade da relao sexual, h duas
opes para o sujeito: ou a certeza delirante da psicose ou a fantasia neurtica marcada pelo
saber inconsciente. Pollo apresenta a anorexia como uma resposta sintomtica ao horror que
101
Mas por que eu como nada? Isso no a perguntaram, mas se o perguntam aos
anorxicos, ou melhor, se a deixam vir (...) eu perguntei a ela porque j me
encontrava no desejo de inveno sobre o tema; e que me responderam? muito
claro: ela estava to preocupada em saber se comia e para alimentar esse saber, esse
desejo de saber, havia deixado desfazer-se de fome a menina. muito importante
esta dimenso do saber (...) (LACAN, 1973-74, lio de 9/04/1974, grifo nosso).
A anorexia oscila entre a afirmao exaltada da imagem do corpo magro - via esttica
que encontra satisfao na fascinao narcsica - e o rigor que o sujeito se impe na forma de
uma renncia progressiva vida, ao desejo. O automatismo do supereu, presente na clnica
da anorexia-bulimia, oscila entre o coma o nada! e o coma tudo. A anorexia e a bulimia
vm mostrar que o corpo sofre os efeitos dessa tirania. A abordagem do supereu como o
verdadeiro centro matapsicolgico do discurso anorxico-bulmico (Ibid) possibilita um novo
olhar sobre esse sintoma.
E esse supereu hipersevero permite que o sujeito desafie a morte na anorexia. Na
bulimia, o supereu se apresenta em sua dimenso de puro imperativo de gozo, presente na
compulso repetio dos ataques de comida que tenta obturar a falta-a-ser do sujeito atravs
do suporte do objeto-comida.
Seja na verso histrica ou na obsessiva da anorexia, assim como na bulimia, a busca
por uma imagem ideal encontra-se na base de suas sintomatologias. Perguntamos ento por
que a imagem do corpo um campo to frtil para que os impasses do sujeito apaream
atravs dela?
12
12
HTTP://health.ninemsn.com.au/aricle.aspx?id=68961
104
libido que pertence imagem e que no cede lei simblica indica a obstinao do gozo
narcsico e sua insistncia no plenamente simbolizada.
Vale ressaltar que a Terapia cognitivo-comportamental (TCC) - tcnica que vem sendo
fortemente indicada pela psiquiatria para o tratamento do que eles denominam de TAs., ou
seja, transtornos alimentares -, no leva em considerao a dimenso da causalidade psquica
e os efeitos do inconsciente na construo da imagem. Se h um descompasso entre a forma
como o paciente se v e a forma como os ndices (IMC) estabelecidos pela medicina o
classificam, detectado uma distoro da imagem corporal. Tal distoro seria gerada por
um problema cognitivo cabendo ao profissional mostrar e corrigir esse erro atravs de
tcnicas especficas (BECK, 2009).
Acreditamos que o que a psiquiatria e a TCC chamam de percepo distorcida da
imagem efeito do excesso de gozo que o sujeito experimenta na busca pelo controle e
consistncia de sua imagem. O a mais que s ele enxerga no espelho e tenta eliminar a
qualquer custo, retorna atravs da deformao da imagem especular (SORIA, 2001). o que
vem demonstrar a angstia que o sujeito sente diante do espelho: algo a mais sempre
permanece na imagem, indicando um ponto irredutvel, cego na cena. Por mais que o sujeito
aspire a uma imagem ideal, no pode - por questes lgicas - obt-lo. A prpria libra de carne
no permite a realizao desse sonho.
A anorxica busca a coincidncia entre seu eu e o ideal. Busca que aponta para um
fracasso, testemunhado pela percepo equivocada do prprio corpo: ainda que seu corpo
esteja reduzido a um esqueleto, existe sempre, em alguma parte, um excesso de carne, um
excesso de gordura. O sujeito que apresenta anorexia-bulimia reduz a imagem do corpo
loucura narcisista de um ideal descarnado (RECALCATI, 2002, p. 51).
Verificamos, ento, um aumento do controle do sujeito em relao a sua imagem. O
sujeito se agarra imagem, ao sentido que a imagem fornece para ele (LACAN, 1975-76). A
anorexia coloca em ato a tentativa de fazer valer o poder e o controle da imagem, tendo como
objetivo apaziguar o sujeito. possvel situar a a aspirao anorxica de existir como pura
imagem (SORIA, 2001, 38). O sujeito tenta extrair do corpo o excesso prprio da carne,
rechaando o corpo em sua dimenso real (..) (Ibid). A imagem, porm, traduz sempre a
relao do sujeito com a castrao (LACAN, 1962-63), por mais que ela tambm tenha a
funo de vu para a mesma.
106
Quando afirmamos que esse sintoma pode aparecer aps o encontro traumtico do
sujeito com o real seja na puberdade ou com a perda do amor , sendo o corpo uma
possibilidade de enquadrar o excesso de gozo experienciado pelo sujeito, vamos na direo
apontada por Lacan vale repetir de que toda formao humana tem, por essncia, e no
por acaso, de refrear o gozo (Id, 1967a, p. 362). No Seminrio 23 (1975-76), Lacan deixa
isso ainda mais claro, afirmando que o corpo serve para enquadrar o gozo atravs de sua
imagem: o enquadramento tem sempre uma relao pelo menos homonmia com o que lhe
suposto contar como imagem (Id, 1975-76, p.144).
O corpo magro parece, primeira vista, representar o esvaziamento do gozo do corpo
operado pelo significante, um corpo convertido em um deserto de gozo. Mas esta aparncia se
dissolve diante do gozo puro da pulso de morte que se faz presente com esse corpo
desfalecido. Sentir os ossos, ver as veias e os msculos marcarem a pele, apalpar o corpo em
renovadas inspees, realizar contnuas operaes de purificao, deixam vista a
possibilidade de se fazer do corpo um instrumento de gozo.
Fazer do controle da imagem um meio de se aproximar do ideal o que nos faz
aproximar a anorexia-bulimia da neurose obsessiva. Aproximao que feita a partir de
traos. No encontramos, em nossas pesquisas, muitos artigos que trabalhem o
desenvolvimento desse sintoma em neurticos obsessivos. Quando se apresentam em homens,
costumam ser histricos. O que ocorre? Como o corpo se apresenta na neurose obsessiva?
O homem dos ratos13, caso clssico para se estudar a neurose obsessiva, apresentou em
anlise um desejo de emagrecer. Comeou a se sentir gordo e adotou estratgias, consideradas
por Freud (1909) exageradas, para perder peso rapidamente, como caminhar ao meio-dia sob
um sol quente. Onde poderamos localizar esse sintoma? Em busca de uma imagem ideal
um corpo mais magro o sujeito sacrifica sua satisfao oral. A aproximao do sintoma da
anorexia-bulimia com os traos obsessivos, juntamente com o que a clnica vinha nos
erigindo, instigou-nos a pesquisar as possveis maneiras do corpo se apresentar na neurose
obsessiva.
13
Analisado por Freud em 1909, o paciente ficou eternizado na histria da psicanlise como uma das cinco
anlises mais conhecidas e discutidas por Freud. Trata-se de um caso clssico de neurose obsessiva.
107
Captulo 4
As vicissitudes do corpo na neurose obsessiva.
14
A teoria boa, mas no impede as coisas de existirem.
108
O campo de origem dos estudos sobre a obsesso foi a psiquiatria. Seu quadro clnico
comeou sendo denominado com o termo genrico obsesso e situado bem prximo da
psicose. Em um segundo momento, chegamos s alteraes realizadas por Freud e pela
psicanlise que fornece mesma o estatuto de uma neurose.
De forma curiosa, obsesso (FALRET, 1886) vem do ingls obsession, cuja raiz vem
da expresso latina obsessus que significa sitiado, cercado (RIBEIRO, 2001, p.19). Aquele
que sofre de obsesses um sujeito preso em seus pensamentos. A submisso do sujeito aos
mesmos to marcante que Pinel (1745-1820), em 1801, acaba por definir o quadro por sua
sintomatologia tpica: a mania sem delrio (apud SAUR, p.41). Apesar de localiz-la no
campo da mania, ressaltou seu diferencial: no havia nenhum comprometimento no
entendimento do sujeito. Alm dessa primeira caracterizao, Pinel destaca tambm outras
particularidades do quadro como a presena de um instinto de furor, fortes alteraes de
humor, ondas de calor e ardor veemente nos intestinos (Ibid, p.42). Dessa forma, desde o
primeiro momento, h uma ligao entre o quadro da obsesso e um mal-estar no corpo, aqui
delineado como um incmodo intestinal. O termo idia obsessiva apareceu pela primeira vez
112
em 1867, em um texto de Krafft-Ebing (apud FREUD, 1907, p.109). Foi com esse termo que
Freud deu incio s suas formulaes sobre a neurose obsessiva.
Falret (1886) ser o primeiro a utilizar o termo loucura racional (FALRET, 1886,
apud SAUR, p.42) para definir a obsesso. Psiquiatra francs, Falret fez uma boa
caracterizao fenomnica da neurose obsessiva, destacando o temor de contato e a
loucura da dvida como fundamentos principais (Ibid, p. 47-48), assim como, em
importncia menor, a demora mesa e no toilette15. Alm disso, reconhece que esse estado
exige do paciente um desgaste excessivo de energia nervosa.
A loucura da dvida ganha destaque no texto de Saulle em 1875. O autor
caracterizou a relao entre o doente e sua doena como uma luta silenciosa onde o sitiado
no se queixa do sitiador (Saulle, 1875 apud SAUR, p.53). Alm disso, enfatizou a presena
de escrpulos exagerados, apreenses, angstias e instintos anormais de limpeza. Saulle
acreditava em uma causa hereditria. Freud, no incio de seus escritos, utilizou tambm essa
expresso, chamando os atos obsessivos de folie de doute16 (FREUD, 1950[1892-1899a],
p.238).
Destacamos, de uma maneira geral, a maneira como a obsesso era definida pela
psiquiatria no final do Sc. XIX, ou seja, como o medo de contato (...) as obsesses, as
impulses, as manias mentais, a loucura da dvida, os tiques, as agitaes (SAUR, 1985,
p.73).
Kraepelin, em1905, escreve um artigo intitulado Obsesses e Fobia, mesmo ttulo
utilizado por Freud (1895[1894]), onde aproxima as mesmas (apud SAUR, 1985, p.73). No
entanto, como veremos, uma das primeiras preocupaes de Freud foi exatamente diferenci-
las.
Vale a pena destacar que nesse momento inicial da entrada da obsesso na psiquiatria,
havia um lugar para os impasses daquele que portava esse sofrimento psquico, lugar
representado nos prprios termos que eram utilizados para classific-lo: loucura da dvida,
sitiado e sitiador. Na atualidade, essa neurose foi reduzida nos manuais de psiquiatrias a uma
sigla. O TOC transtorno obsessivo compulsivo acaba sendo o representante da dinmica
de uma neurose que foi reduzida, por essa linguagem, a um de seus traos, a compulso.
15
Banheiro.
16
Loucura da dvida.
113
Nesse sentido, a singularidade do sujeito bem como a de sua estrutura, o que diferencia o
lugar e a funo daquele comportamento, fica relegada ao segundo plano ou ignorada.
Submetido palavra do outro, escravo temeroso em relao ao desejo, o neurtico
obsessivo j um conformista. Negar sua subjetividade e reduzir toda a complexidade de seu
sofrimento a uma sigla confirm-lo como morto-vivo, mant-lo para sempre escravizado
palavra do Outro (RIBEIRO, 2006).
Se o analista consegue ouvir a o no me toque do obsessivo ou o seu categrico
no quero tocar nisso, abre espao para uma outra via de trabalho, aquela em que o sujeito
est implicado.
Em um primeiro momento, Freud (1894) destaca que as obsesses podem ser uma
patologia que, juntamente com a fobia, est relacionada ao afeto que, livre, liga-se a outras
representaes que no so incompatveis em si mesmas, e graas a essa falsa ligao, tais
representaes se transformam em representaes obsessivas (FREUD, 1894, p.59). Essa
forma de defesa possui, porm, menos vantagens que a converso, pois o eu fica restrito,
inibido, sofrendo os efeitos do afeto livre (Ibid, p.61, grifo nosso).
Freud (1895[1894]) fez uma diferenciao entre obsesso e fobia. Caracterizou a
ltima pela presena marcante e nica de um determinado tipo de afeto: o medo. J na
obsesso, outros afetos, para alm do medo, esto presentes. Falava ainda em obsesso e no
em neurose obsessiva.
Foi apenas em 1896 que Freud utilizou pela primeira vez o termo neurose obsessiva.
Fui obrigado a comear meu trabalho por uma inovao nosogrfica. Julguei razovel dispor
ao lado da histeria a neurose obsessiva, como distrbio auto-suficiente e independente (...)
(Id, 1896, p.146).
Surgia assim uma neurose singular, o tema, segundo Freud, mais interessante e
compensador da pesquisa analtica (Id, 1926[1925], p.115). A obsesso qual Freud se
referia era uma neurose. E isso queria dizer o que? Houve uma aposta de que todos aqueles
sintomas derivavam da difcil relao do sujeito com o pai, das marcas deixadas pelo
complexo de dipo. Com a universalidade da influncia do dipo no campo da neurose
(15/10/1897), possvel compreender como na neurose obsessiva o encontro com o sexo
114
retorna como culpa e desprazer. Se sua teoria sobre o complexo de dipo estava sendo
formulada, a sexualidade enquanto uma experincia traumtica se situava no centro de suas
atenes. Ao concentrar a questo da obsesso em torno do pai e da experincia sexual
traumtica, Freud delimita o campo de uma nova neurose ao lado da histeria.
As idias obsessivas so, sobretudo, auto-acusaes. Geralmente so acompanhadas
de vergonha, angstia hipocondraca, social e religiosa (Id, 1896, p.173). Pensamentos e atos
obsessivos, cerimoniais e autoflagelao passam a constituir essa entidade clnica especial
(Id, 1907, p.109). Os cerimoniais neurticos so definidos como restries ou arranjos de atos
cotidianos. Todas essas caractersticas surgem no cenrio da psicanlise como atos de defesa
do sujeito, medidas protetoras que visam segurana (Ibid, p.114). O que est representado
nesses atos deriva das experincias mais ntimas do sujeito (Ibid, p.111).
Freud, ento, cria um novo lugar para a obsesso ao discutir sua etiologia. Como uma
neurose, ela regida pelo recalque dos eventos traumticos da sexualidade. Da
correspondncia com Fliess at o texto do Homem dos Ratos (1909), sua etiologia gira em
torno do prazer experimentado no encontro com o sexo ainda na infncia. Haveria a marca de
um prazer excessivo ligado a uma experincia sexual que, quando recordada, evoca a
recriminao e o escrpulo. Na neurose obsessiva haveria uma atividade sexual precoce. E
ela, mais do que a histeria, torna bvio que os fatores que formaro uma psiconeurose podem
ser encontrados na vida sexual infantil (Id, 1909, p.148-9). Isso se justifica pelo fato de que na
histeria essas experincias caem na amnsia, enquanto na neurose obsessiva elas ficam
guardadas na memria.
A diferena em relao s neuroses est relacionada forma como a experincia
sexual traumtica foi vivenciada: de maneira ativa e prazerosa na neurose obsessiva e de
maneira passiva e desprazerosa na histeria. Soler (2004) nos dir que na histeria o
traumatismo est relacionado com um a menos que faz furo, utilizando para caracteriz-lo o
neologismo francs troumatisme (trou = furo). De forma semelhante, na neurose obsessiva
observamos um tropmatisme, um excesso de gozo, um gozo a mais (trop = excesso)
(SOLLER, 2004, p.73).
Freud (1906[1905]) posteriormente modifica essa tese inicial que ligava a escolha da
neurose forma como a experincia sexual era vivenciada. Seguindo seu desenvolvimento,
em A disposio neurose obsessiva (1913) a organizao anal ganha destaque na etiologia
da neurose obsessiva. Em suas palavras, a neurose determinada pela forma com que o
115
indivduo atravessa o curso de desenvolvimento de sua funo sexual (...), pelas fixaes a
que sua libido se submeteu (FREUD, 1917a, p.148). A neurose obsessiva passa a ser
definida como uma neurose em que houve a fixao do sujeito em uma etapa no
desenvolvimento libidinal do sujeito: a fase anal.
Dessa forma, possvel destacarmos que, em um primeiro momento, o corpo se
apresentou na etiologia da neurose obsessiva como o campo onde a experincia sexual
vivida de maneira excessiva e prazerosa. Tais experincias deixaram marcas no corpo do
sujeito. Marcas que ele sonha apagar ou anular. Como nos disse Freud (1908): Dirt is matter
in the wrong place17. O corpo o lugar onde a sexualidade se expressa e a pulso se satisfaz.
Posteriormente, com a influncia da constituio anal nessa neurose, sua etiologia
passa a ser derivada de um ponto de ancoragem do sujeito no corpo. Colocando em destaque
essa articulao, Freud evidenciou a conexo entre a constituio do carter do sujeito e a
fixao libidinal em determinada fase da sexualidade (Ibid), marcada em determinada zona do
corpo ergeno. Surge ento o carter anal que possui como caracterstica a ordem, a
parcimnia/avareza e a obstinao/rebeldia (Ibid, p. 159). Esses traos so resultados da
sublimao e da formao reativa do erotismo anal (Ibid, p. 161). Abraham foi um autor de
grande influncia nas construes freudianas acerca desse tema. Foi ele quem apresentou a
derivao da fase anal em fase anal-sdica e, alm disso, apontou a forte presena da inibio
na neurose obsessiva, relacionando-a tambm com a fase anal (Abraham, 1921, apud SAUR
1985, p. 96).
A limpeza, a ordem e a fidedignidade do exatamente a impresso de uma formao
reativa contra um interesse pela imundice perturbadora que no deveria pertencer ao corpo
(FREUD, 1908, p. 162). desse texto a afirmao freudiana de que o diabo nada mais do
que a personificao da vida pulsional inconsciente recalcada (Ibid, p. 163).
Freud (1915b) fez uma diferenciao das neuroses a partir dos diferentes destinos que
so dados ao afeto do representante pulsional aps o processo de recalque. Se na histeria o
afeto inervado no corpo, produzindo os sintomas somticos, na neurose obsessiva ele
deslocado para outras idias, ficando retido na esfera mental. O que retorna do recalque uma
ansiedade social, moral e autocensuras ilimitadas.
17
A sujeira est situada no lugar errado.
116
diante do receio de que seus pensamentos ganhem vida, aconteam, gerando s vezes
situaes cmicas, como a do pagamento da dvida dos culos pelo Homem dos Ratos. Os
atos obsessivos, em seus rituais, so tomados como defesas mgicas contra desejos malignos
(Id, 1913[1912-1913], p.98). a crena na onipotncia dos pais que se espelha em seus
rituais, provises mgicas e profecias (RIBEIRO, 2006, p.36).
Em Totem e tabu a inibio comea a ser trabalhada em sua relao com a neurose.
Como Freud afirma os neurticos so, acima de tudo, inibidos em suas aes: neles, o
pensamento constitui um substituto completo do ato (FREUD, 1913[1912-13], p.162, grifo
do autor). A relao entre a neurose e a inibio to prxima que Freud denomina a neurose
obsessiva de doena do tabu (Ibid, p.44). No ncleo da neurose obsessiva estaria uma
proibio de tocar no querer entrar em contato com, uma folie du toucher18. O tabu
apresentado nesse texto como uma manifestao de repulsa e horror, que pode ser pessoal ou
cultural, dirigida justo ao que se apresenta como impossvel (Ibid, p.45-6).
Em uma neurose que faz do desejo um tabu, ou seja, que situa o desejo no campo do
impossvel, o processo analtico se apresenta particularmente rduo. Ao afirmar que o desejo
indestrutvel no aparelho psquico, Freud (1900, p.583) aponta para a dimenso tica da
psicanlise que v no desejo o cerne de seu trabalho. A neurose obsessiva vivencia o desejo
na dimenso do impossvel, posio subjetiva resultante da defesa contra o carter
indestrutvel do desejo.
No percurso dessa construo retomamos o clssico caso do Homem dos Ratos em
busca das diretrizes que pudessem auxiliar nossa pesquisa acerca da neurose obsessiva. A
histria clnica de Ernst Lanzer (1878 1914), que ficou conhecido como o Homem dos
Ratos, a mais elaborada e mais bem estruturada dos casos trabalhados por Freud. Seu
tratamento durou nove meses. Na mesma poca Freud ouvia os relados do pai de Hans sobre a
fobia do mesmo. Em ambas as anlises, lidou com aquilo que o apaixonava: a relao entre
um filho e um pai (ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 463). O pai de Lanzer morre em 1898
e em 1901 ele entra na carreira militar. Comea ento a ter estranhas e mrbidas obsesses,
como a de colocar o pnis para fora em um corredor tarde da noite como desafio ao pai que
j estava morto. Em 1907, ouve do capito Nemeczek o suplcio oriental com os ratos. Em tal
suplcio, o torturado era amarrado nu a um balde cheio de ratos famintos. No mesmo dia, o
18
Loucura de tocar.
118
paciente perde seu pincen, o que dar origem a um tormento em relao ao pagamento de
uma dvida relacionada obteno de um novo culos. Fortes sentimentos de culpa marcavam
o caso.
Ao requisitar que um novo par de culos fosse entregue pelo correio, Lanzer tomado
por um comportamento delirante em torno da dvida, j que um dos funcionrios do correio
faz o depsito para ele. Dvida e suplcio se misturam. O relato do castigo com os ratos
despertou o erotismo anal de Lanzer, fazendo com que suas caractersticas obsessivas se
acentuassem a ponto de procurar pela ajuda de Freud em Viena.
Ao ouvir o paciente, Freud destaca seu gozo diante do relato da tortura realizada com
os ratos em prisioneiros. Freud ressalta sua face de horror ao prazer todo seu do qual ele
mesmo no estava ciente (FREUD, 1909, p.151) e destaca a importncia do erotismo anal na
constituio desta neurose.
Com esse tratamento Freud almejava compreender a gnese da neurose obsessiva que,
segundo ele, mais ou menos fcil de compreender que a histeria (Ibid, p. 140). A neurose
obsessiva no implica o salto de um processo mental a uma inervao somtica converso
histrica que jamais nos pode ser totalmente compreensvel (Ibid, p.140). Alm disso, na
neurose obsessiva o afeto ligado idia traumtica deslocado, mas no esquecido, j na
histeria, como vimos, ele cai na amnsia (Ibid, p.172).
O paciente era um jovem em formao universitria que apresentava obsesses desde
a infncia. Suas principais queixas eram o medo de que algo ruim acontecesse ao pai e a uma
dama - por quem nutria um afeto especial -, impulsos compulsivos por compreender e
proteger, alm de proibies. O paciente se sentia incapacitado para o trabalho (Ibid, p.156) e
adiou por anos a concluso de sua educao. O ponto principal sobre o qual o tratamento de
Freud atuou nesse caso foi a inibio apresentada naquela poca pelo paciente (Ibid).
Sua neurose tivera incio ainda na infncia. Desde os seis anos havia a idia de que
seus pais conheciam seus pensamentos, demonstrando a crena na onipotncia dos mesmos.
Freud fala que nessa idade j podamos reconhecer uma neurose obsessiva.
O que fez o paciente adoecer? A narrao do suplcio dos ratos no desencadeia sua
neurose, provoca um horror fascinado que atualiza sua neurose e suscita angstia (LACAN,
1953 a, p.52-53). Ela se desencadeou com o conflito entre a mulher rica e a mulher pobre.
Freud diz que ele adoeceu com a tentao de casar-se com outra mulher, em vez
daquela a quem amava. Esse dilema no era um dilema propriamente seu. O paciente repete a
119
posio do pai na escolha amorosa entre a mulher pobre que amava e a de melhores
condies. Com esse exemplo Freud ilustra a funo da dvida na neurose obsessiva: retirar o
sujeito da realidade e isol-lo do mundo. Se no possvel escolher, perder uma das opes,
no possvel sair do lugar. Em resposta a esse dilema, o paciente adoece, cai de cama. Esse
um dos momentos em que Freud utiliza a expresso fuga para a doena, dizendo que,
impossibilitado de decidir, o sujeito adoece para adiar a deciso.
Se por um lado esse um caso cheio de riquezas em relao descrio da formao e
do sofrimento presente nos sintomas obsessivos, no que tange nossa pesquisa em relao a
essa neurose, destacamos como fundamental as seguintes formulaes de Freud acerca da
estrutura obsessiva: o medo corresponde a um desejo (Ibid, p.160), a satisfao no sofrimento
(Ibid, p.163), a substituio do agir pelo pensar (Ibid, p.211) e a sexualizao desse ltimo
(Ibid, p.211).
Com esse caso a questo da culpa ganha mais destaque nas formulaes freudianas: o
sentimento pela morte do pai era como a fonte principal da intensidade de sua doena (Ibid,
p.164). Um pouco mais tarde Freud dir que a culpa est sempre fundada no desejo (Id,
1913[1912-13], p.97), sua base est situada na morte do pai, na realizao do complexo de
dipo e no crime de incesto (Ibid).
Seguindo nossa pesquisa sobre o lugar do corpo na neurose obsessiva deparamo-nos
com a afirmao de Freud de que a doena pode se apresentar como uma soluo para os
impasses do sujeito. Adoecido ele no pode decidir; sendo assim, essa sada contribui para a
paralisao do sujeito, mantendo-o impedido. Alm dessa articulao, o relato de uma
compulso diretamente relacionada ao corpo no Homem dos Ratos tambm nos chama
ateno: como vimos, uma compulso por emagrecer. O paciente comeou a levantar-se da
mesa antes de servirem a sobremesa e apressar-se pela rua, sem o chapu, sob o calor
ofuscante do sol de agosto (FREUD, 1909). Os efeitos do supereu sobre o corpo do paciente
que se sacrifica em prol de um corpo magro, ideal, sero retomados logos a seguir. O paciente
morre em 1914, prisioneiro dos russos.
Essa anlise permitiu que Freud desse continuidade aos seus estudos sobre a neurose
obsessiva. Em 1918[1914] colocou a importncia de diferenciar atos obsessivos presente em
qualquer estrutura de estrutura obsessiva. Vale repetir que Freud manteve a etiologia dessa
ltima em relao constituio anal, sendo esse o diferencial em relao aos atos obsessivos
120
Ainda no incio de seu ensino, Lacan nomeia o obsessivo como um ator que
desempenha seu papel e assegura um certo nmero de atos como se estivesse morto
123
(LACAN, 1956-57, p.26). Assim o sujeito tenta se colocar ao abrigo da morte, mostrando-se
invulnervel. Lacan possibilitou uma leitura frutfera da neurose obsessiva em vrios sentidos:
a ferocidade do supereu, a articulao do objeto anal com a demanda do Outro, a relao do
obsessivo com o desejo e com o Outro, os efeitos da inibio em sua economia libidinal e a
incluso da trade freudiana - inibio, sintoma e angstia - nos trs registros. Abordaremos
esses pontos, extraindo da leitura de Lacan o que fundamental para sustentar nossa pesquisa
sobre o lugar do corpo na neurose obsessiva.
Os mecanismos mais caractersticos da neurose obsessiva so: o isolamento de uma
representao que ponha em risco o eu, a anulao retroativa atravs da qual o sujeito
procura apagar representaes, palavras e aes recorrendo a outras , a busca eterna pelo
porqu - e a inibio (Id, 1957-58, p.496). Encontramos a algum que fala e nos fala do lugar
de morto, de suas dificuldades e empecilhos, bloqueios, medos, dvidas e proibies (Ibid,
p.423). O obsessivo tenta reencontrar a causa autntica de todo o processo mental, o objeto
ltimo (Id, 1962-63, p.347) e assim no sai do lugar, preso no labirinto onde as indicaes de
sada se do pela via do entendimento. isso o que justifica seus tempos de suspenso, seus
caminhos errados, suas pistas falsas (...) que fazem com que essa busca gire indefinidamente
(Ibid, p.347). Assim, o desejo do obsessivo se apresenta como uma tentativa de tornar
possvel o impossvel e, de forma curiosa, justamente quando as coisas do erradas, quando
aquela situao to esperada j no possvel, que o sujeito consegue ter notcias do seu
desejo em relao a ela e, agora que no h mais tempo, dizer que era realmente aquilo que o
causava (Ibid, p.348).
Sua temporalidade especfica a postergao, o tarde demais. No h tempo suficiente
para ele, o obsessivo anula os tempos. Estende o tempo de compreender em detrimento do
momento de concluir (Id, 1953a, p.258). Atravs da escolha objetal adiada, o sujeito consegue
que seu desejo esteja mesmo no impossvel. Retido no tempo remoto do se, defende-se do
presente que espera dele um posicionamento. Aqui no se trata de viver a vida que implica
movimento, mudanas e sim de ret-la, de saber em que direo ela caminha. Sempre com
medo de no ter pago tudo o que tem para pagar e de que no tenha sido pago de tudo o que
lhe devem, a dvida alimenta o tempo que se gasta confabulando alternativas diante desses
impasses.
Assim, o obsessivo vive a eterna saga de ser o melhor (MELMAN, 2004) em prol da
manuteno do inchao na sua imagem. No intuito de criar estratgias para lidar com a falta, o
124
obsessivo busca na imagem especular, em seu eu, uma referncia que venha contemporizar a
relao com o Outro. A importncia que a imagem possui nessa neurose encontra-se
diretamente ligada ao lugar ocupado pelo falo na mesma. O obsessivo mais apegado forma
que qualquer outro (LACAN, 1975-76, p.14). Ele como a r que quer ser to gorda quanto o
boi (Ibid, p.19).
Essas caractersticas tm como pano de fundo a compulso repetio que assinala
para Freud um limite para a rememorao. Com ela Freud destaca o que ter grande efeito na
clnica psicanaltica: o que no pode ser dito (COSENTINO, 1987). Por que a compulso se
faz to presente na neurose obsessiva? Alm de sua articulao direta com a constante busca
de um a mais na satisfao pulsional, de maneira interessante Freud fez uma articulao entre
a compulso repetio, a dvida e a inibio. Ela resulta de uma tentativa para alguma
compensao pela dvida e para uma correo das intolerveis condies de inibio das
quais a dvida apresenta testemunho (FREUD, 1909, p.210). A compulso pode ser uma
resposta dvida e inibio, uma tentativa do sujeito sair desse estado de impedimento. Nas
compulses o sujeito obsessivo no consegue conter-se, ele fica impedido de se ater a seu
desejo de reter (LACAN, 1962-63, p.3). Voltaremos a esse ponto ao abordarmos as
formulaes de Lacan (1962-63) sobre a inibio.
O neurtico obsessivo alcanou o estgio flico de seu desenvolvimento libidinal,
mas, por no conseguir satisfazer o nvel desse estgio efeito de seus sintomas e inibies ,
retorna fase anterior, anal, que deixou marcas de satisfao para o sujeito. Com isso, o
objeto a excrementcio passa a ter um lugar fundamental em sua constituio fantasmtica, ou
seja, o objeto a como causa do desejo ir se configurar para o sujeito como um desejo de
reter (Ibid, p.348).
O objeto anal ganha destaque na economia libidinal do sujeito mediante a demanda do
Outro. Como resposta demanda do Outro, este objeto apresenta-se como o primeiro suporte
da subjetivao na relao do sujeito com o Outro (Ibid, p.322). Ter alguma coisa que o Outro
demanda, responder ou no a essa demanda, faz com que o sujeito coloque seu desejo na
dimenso da ao. A educao dos pais em prol da limpeza e do controle das fezes produz
um excesso nesse campo, podendo ter efeitos de devastao para o sujeito (Ibid, p.327). A
demanda do Outro presente na fase anal justamente a demanda de reter (Id, 1960-61, p.203-
4). nessa fase que o sujeito , pela primeira vez, solicitado pelo Outro a se manifestar como
sujeito do direito, conseguindo uma diferenciao do Outro. O sujeito se v tomado pela
125
demanda do Outro (de reter e de soltar, de fazer ou no o que o Outro quer) e confunde seu
desejo com o que lhe pedido. O neurtico identifica a falta do Outro com sua demanda.
em torno da demanda que o obsessivo funciona, utilizando a mesma como um
recurso para encobrir o desejo. Isso ocorre pela proximidade entre o desejo e a castrao.
Quando a hora do desejo soa, a castrao aparece deixando o sujeito vulnervel. O neurtico,
porm, elege uma estratgia para lidar com isso: reduz o desejo demanda, esquivando-se da
dimenso do risco e da castrao que o desejo exige.
Incapaz de suportar a falta que o desejo do Outro presentifica, recorre picardia de se
oferecer como essa garantia impossvel ao Outro... (AMBERTN, 2006, p. 99). Ao se
colocar como o portador do objeto que o Outro demanda, o obsessivo sustenta a fantasia de
que possvel preencher a falta que h no outro e assim evitar o aparecimento do desejo. O
obsessivo constri a fantasia de ser portador de um dom que deve ser dado ao Outro. Alm
disso, outra estratgia muito utilizada pelo neurtico obsessivo, com o mesmo objetivo,
recusar incessantemente a demanda do Outro, como se assim pudesse anular o desejo.
O desejo insiste e diante do impasse que o mesmo coloca para o sujeito, este ltimo
pode eleger como sada a oblatividade tudo para o Outro colocando-se em total submisso
s demandas do outro. Aparece aqui a dimenso do sacrifcio pelo Outro, o movimento de
estar sempre o poupando, tentando assim garantir que o Outro consista e exista.
Ao pretender excluir o no saber e a falta do Outro, oferece-se para preencher seus
furos, fornecendo seu eu como garantia. Por isso deve fazer com que o Outro saiba dele (...)
conta, informa, atualiza, sempre tem a ltima (...) Enciclopdia de saberes, faz de seu relato
gozo (Ibid, p. 99). No auge de sua onipotncia, ningum sabe ou faz melhor do que ele. A
neurose obsessiva pe em evidncia a unio entre pensamento e gozo (MILLER, 2004). O
exemplo de que a libido se liga ao significante a presena do pensamento erotizado na
neurose obsessiva. O pensamento gozo (LACAN, 1972-3, p.96), como um dia nos disse
uma paciente obsessiva ao comparar um orgasmo a sua satisfao com os entendimentos a
que chegava sobre si na anlise. Orgasmo este que no aparecia em seus encontros sexuais. O
sujeito fica retido em suas frmulas, podendo nunca sair. Nesse sentido, se o processo de
anlise toma como direo apenas a busca dos porqus e do entendimento dos sintomas do
paciente, corre um srio risco de tambm se tecer uma teia onde analista e paciente se
encontram presos nos fios do saber. Se, por um lado, o tratamento analtico trabalha com a
vertente do entendimento, da significao, por outro, trata-se de uma travessia fantasmtica
126
constituda por frases e pontos de gozo aos quais o sujeito se agarra; o entendimento no seu
objetivo ltimo.
O saber do qual se trata na anlise de outra ordem. O saber inconsciente traz em seu
cerne o umbigo dos sonhos (FREUD, 1900), um vazio primordial que nos aponta exatamente
para a impossibilidade de se chegar ltima interpretao, ao sentido final, resposta que
libertar o sujeito de seus males e imperativos superegicos. O analista, atento ao
desconcerto, ao fora do lugar, coloca em cena o inesperado, o descompasso que faz o sujeito
manter o passo na trilha do dever superegico. Diante da neurose obsessiva, isso, mais do que
nunca, fundamental.
Lacan (1960-61) desdobra a frmula que elegeu para representar a fantasia ($ a) em
uma verso histrica e outra obsessiva. Enquanto o essencial no fantasma histrico a outra
mulher seu desejo sempre aparece sobre o questionamento do sexo, do Outro sexo e esse
Outro sexo sempre o feminino o fantasma obsessivo tem como questo central o desejo do
Outro, a questo de sua existncia no mundo, da vida e da morte.
A fantasia fornece o enquadre realidade (LACAN, 1967a, p.364). ento
fundamental que o analista balize a posio do sujeito na mesma, atento posio que prende
o sujeito e o fixa numa relao lgica precisa com o objeto. A frmula da fantasia obsessiva,
escrita como A/ <> (a, a, a,.......) (Id, 1960-61, p. 248), pode ser lida como um
posicionamento particular do sujeito frente o desejo do Outro, em que o sujeito procura
tamponar sua angstia com o falo imaginrio ou com seu desdobramento narcsico. O falo
introduzido no lugar do significante da falta do Outro. Por conseguinte, na neurose obsessiva
o sujeito regido pela lgica flica, ele o sujeito que precisa ter. E por estar bastante
submetido a uma lgica flica, podemos dizer que a neurose obsessiva uma estratgia
masculina (RIBEIRO, 2006, p.29) possvel de se apresentar em homens e mulheres. Na
fantasia obsessiva, o sujeito se coloca como falo imaginrio diante da falta do Outro,
camuflando-se atrs do mesmo. Por isso, o obsessivo fornece ao Outro tanta consistncia,
amarrando sua existncia dele. O Outro , portanto, seu sintoma, cuja permanncia e defesa
mantm o sujeito distante da angstia.
Apesar de sua forte relao com a analidade, h uma subjacncia oral nas fantasias
obsessivas (LACAN, 1957-58, p.424): a gulodice do supereu parece devorar o sujeito. O que
se apresenta de maneira mais aparente nos sintomas do obsessivo , como vimos, a
127
voracidade do supereu (Ibid). Ele est sempre pedindo permisso, colocando-se na mais
extrema dependncia do Outro. Sem medida, perde a noo do excesso e se deixa devorar.
O obsessivo tenta escapar do gozo (Id, 1968-69, p.360), delegando o mesmo ao campo
do Outro. Sabemos, porm, que o gozo difcil de ser evitado (GAZZOLA, 2005, p35).
Lacan nos disse que o inconsciente trabalha em prol do gozo (LACAN, 1973, p.556). Ele
desempenha um papel especial na economia do obsessivo em que a intruso desse gozo em
seu prprio campo experimentada como excessiva e estrangeira. Vale lembrar a face do
Homem dos Ratos ao relatar a Freud a tortura ouvida em relao aos ratos. Seu gozo com os
ratos e tudo mais que ele representava florins, merda nomeou o caso. O obsessivo tenta
tornar o gozo manejvel pela via do falo, elegendo determinados objetos que fornecem a ele
essa idia de poder e completude.
Dando continuidade articulao entre a neurose obsessiva e a analidade, Lacan
destaca que, alm da fixao libidinal em uma determinada organizao libidinal do
desenvolvimento, fundamental o tipo de relao que o sujeito mantm com o objeto. H
uma ligao entre o excremento, -, e o a (Id, 1962-63, p.328), ou seja, alm de ser flico, o
objeto a encarna o lugar de causa de desejo para o sujeito, ou seja, seu desejo fica configurado
em uma determinada cartilha regida pelo impossvel e pela reteno.
O desejo anal por excelncia a reteno do movimento, da clera, da articulao
verbal (SKOLIDIS, 2008, p.53). O excremento aquele pedao de si que o sujeito tem
receio de perder, afinal, v-se reconhecido por um instante a partir de ento (LACAN, 1962-
63, p.327). nesse nvel que o neurtico obsessivo se reconhece em um objeto pela primeira
vez (Ibid, p.328). O obsessivo sustenta a crena que seria possvel no perder a libra de carne,
o pedao de si para se constituir enquanto corpo, enquanto sujeito. Apesar de trazer essa perda
em si, sonha em reconstitu-la com seus objetos flicos.
Skolidis (2008), em um artigo que trata do objeto anal, relata um caso de neurose
obsessiva que apresentava crises de angstia, palpitao, tontura, dor na nuca, sensao de
desmaio (SKOLIDIS, 2008, p.53) que conduzem o sujeito a comportamentos agorafbicos e
hipocondracos com a presena de inibies. Esses comportamentos estavam relacionados
possibilidade de um encontro amoroso e, quando apareciam, impediam o mesmo.
O fundamental de nos determos na analidade sua proximidade com a inibio. O
desejo de reter traz em si um carter inibitrio. O objeto a excrementcio tem a funo de
inibir o acesso do sujeito ao campo do desejo. O objeto a excrementcio funciona como rolha
128
(LACAN, 1962-63, p.348), por isso, o neurtico obsessivo consegue sustentar seu desejo nos
nveis da impossibilidade (Ibid, p.351).
Nesse nvel, o que o sujeito j tem para dar o que ele , uma vez que o que ele
s pode entrar no mundo como resto, como irredutvel em relao ao que lhe
imposto pela marca simblica. a esse objeto, como objeto causal, que se prende o
que identificar primordialmente o desejo como o desejo de reter. A primeira forma
evolutiva do desejo, portanto, aparenta-se como tal com a ordem da inibio (Ibid,
p.356).
O obsessivo no autoriza seu desejo a se manifestar como ato. Para que o obsessivo
possa desejar preciso que haja um Outro que lhe demande. preciso que o Outro o autorize.
Da autorizao ao mandamento no resta muita distncia.
Desde o primeiro Seminrio, Lacan (1953-54) define o supereu como um imperativo
de carter insensato, tirnico, cego. Seu diferencial em relao a Freud deixar clara sua
ligao com o gozo. Lacan tambm aborda o supereu a partir da voz que veicula um
imperativo de gozo. Ao interrogar a voz, que no aquela da realidade fonatria, Lacan
apresenta uma voz silenciosa, terrificante, a voz como uma das vestimentas do objeto a
(LACAN, 1962-63).
O comando da voz aparece em seu real. O supereu o que h de mais devastador, de
mais fascinante nas experincias primitivas do sujeito (Id, 1953-54, p.123). Ele a um s
tempo a lei e a sua destruio. A gula do supereu (Id, 1973b, p. 528) carrega o peso da pulso
de morte e aparece como parceira do gozo. Ele exige o acesso ao gozo perdido com a entrada
do sujeito na linguagem, impossvel de ser alcanado. O supereu derruba o suposto domnio
do eu, impele o gozo ao pior, sendo tomado como um corpo estranho e traumtico que,
enquistado no mais ntimo da subjetividade, fustiga implacavelmente (AMBERTN, 2006,
p.17).
Se o sujeito perde gozo com sua entrada no mundo simblico, ele tenta recuper-lo
pela via do objeto. O objeto aglutina o gozo que o significante no conseguiu excluir
totalmente. Com a entrada do sujeito no mundo da linguagem, o gozo passa a ser sempre
limitado (LACAN, 1960b, p.834), insuficiente. Da a crueldade do supereu que exige sempre
um pouco mais. Como consequncia desse empuxo ao gozo, vemos surgir a culpa, j que a
culpabilidade do sujeito no se deve ao fato de que ele goza, mas sim por no alcanar o
impossvel. Essa via de recuperao do gozo, dominada pelo objeto mais-de-gozar, fortalece o
supereu ao fornecer a ideia de que esse gozo primeiro pode ser recuperado.
129
Dentre tantas coisas que Freud nos ensinou, so suas formulaes em relao ao
desejo que nos permitiram dar continuidade em nossa pesquisa acerca do corpo na neurose e,
em especial neurose obsessiva. Ele inconsciente, indestrutvel e sempre d um jeitinho de
aparecer. Diante do desejo, o sujeito na neurose tem algumas opes: inibir-se, recalc-lo e
produzir sintoma ou se angustiar. Vejamos com mais detalhe como a inibio se apresenta
nesse campo.
4.4 - A inibio
Nosso interesse pela inibio surgiu com a clnica da neurose obsessiva. Trazer as
contribuies da clnica psicanaltica para nossas formulaes tericas faz com que tenhamos
como ponto de partida a singularidade daquele que fala, como fala, sobre o que fala e a quem
se dirige. Faremos um recorte que incide, em um primeiro momento, sobre as inibies de
uma forma geral e, posteriormente, sobre suas peculiaridades em relao neurose obsessiva.
fundamental renovar o estatuto da inibio na psicanlise a partir do cotidiano da clnica.
Apesar de ser silenciosa, a inibio coloca impasses ao analista, convocando a construo de
uma articulao sobre a mesma.
O termo inibio advm do campo da fisiologia, estando ligado a um impedimento
motor (SANTIAGO, 2005). Ele foi incorporado neurologia em 1870 pelo mdico e
fisiologista francs Brown-Squard (Ibid, p. 206), fazendo com que Freud tivesse contato com
o mesmo.
A inibio um trao presente em diversas estruturas, significando a suspenso de um
processo em seu estado nascente (KAUFMANN, 1996, p.271). Ela traz consigo a sensao de
paralisia devido a um conflito de vontades. Curioso destacar como geralmente as inibies
aparecem na fala dos pacientes equivalentes a uma incapacidade. Inibido difere de incapaz?
Fazer de uma dificuldade, uma incapacidade foi uma das primeiras coisas que nos chamou a
ateno na fala dos obsessivos.
Freud (1892) fala de inibio (Hemmung) se questionando sobre a relao entre a
mesma e a angstia: ser a angstia das neuroses de angstia derivada da inibio da funo
sexual (...) ? (FREUD, 1892, p. 221). Desde o incio, a inibio para a psicanlise tem
relao com o sexual. Conforme veremos, h uma afinidade entre a funo inibida e o
130
neurose obsessiva (...) (SANTIAGO, 2005, p. 119). Como forma de exemplo, citamos o
relato de Freud em que O paciente, um neurtico obsessivo, era dominado por uma fadiga
paralisante que durava um ou mais dias (FREUD, 1926[1925], p. 94). Sendo assim, fadiga e
vertigem podem ser tomados como efeitos da inibio. Alm disso, a obsesso de pensar e a
erotizao do pensamento tambm so formas da inibio se apresentar na neurose obsessiva,
alimentando a posio defensiva do obsessivo diante do desejo (LACAN, 1962-63, p.345).
As inibies esto relacionadas ao sexual. Elas representam o abandono de uma
funo que, de alguma maneira, produziria angstia: muitos atos obsessivos vm a ser
medidas de precauo e de segurana contra exigncias sexuais (FREUD, 1926[1925], p.
92). A inibio ocorre sobre determinados rgos do corpo que se tornaram muito erotizados
(Ibid, p. 93). O que determina a inibio do eu o supereu. Ela pode ser destacada como
resultado da autopunio (Ibid, p. 110). O eu renuncia a determinadas funes a fim de no ter
que adotar novas medidas de recalque. O eu abre mo de uma funo sua disposio para
evitar um conflito com o isso ou com o supereu.
A inibio a introduo de um desejo diferente daquele que a funo satisfaz
naturalmente. A ocultao estrutural de desejo por trs da inibio o que comumente nos
faz dizer que o Sr. Fulano est com cibra de escrivo, por erotizar a funo de sua mo
(LACAN, 1962-63, p.344). O desejo deve ser situado no nvel da inibio (Lacan, 1962-63,
p.343). Nesse sentido, a inibio sinaliza ao analista onde se localiza a dimenso do desejo
para o sujeito.
As inibies que Freud aborda no texto so as que se apresentam em destaque na
clnica da neurose obsessiva: falta de ereo e outros impasses que impedem o sujeito de se
colocar de forma mais efetiva no campo sexual, timidez, falta de inclinao para comer,
vmitos, desmaios, indisposio, dores, fraqueza (Freud, 1926[1925], p. 92), perda da voz,
diarrias, dores de cabea, espirros incessantes durante o ato sexual, dentre outros. Esses
eventos, inibindo o sujeito em seu cotidiano, podem acabar impedindo o mesmo de se colocar
na vida.
Perder a voz, diminuio da funo, deixar o sujeito impedido de falar. Lacan
trabalhou a relao entre o impedimento e a inibio, dizendo que o impedimento a inibio
posta no museu (Lacan, 1962-63). O que isso quer dizer? O impedimento uma duplicao
da inibio. no museu que encontramos as peas que esto em desuso, elas fazem parte da
histria, mas no circulam no cotidiano.
132
Tal formulao sobre a inibio nos faz recortar a forma como a mesma abordada
por Lacan (1974-75): uma nomeao pelo imaginrio. A inibio produz um nome, que tem
seu valor no nvel do imaginrio, tratando-se de uma significao. O sujeito fica amalgamado
a esses atributos, a essas significaes, imobilizando seu desejo. O vazio do objeto a
ocupado por uma significao que gera um ser de fico, produzindo um gozo que se sonha
desligado do desejo do Outro (HANNA, 2005, p.74). Mantendo a inibio, o sujeito
experimenta um gozo narcsico que invade o eu do sujeito (Ibid, p.76).
As notcias que temos deste gozo so os afetos que tomam conta do sujeito tais
como a tristeza, o mal-humor, a irritabilidade e algumas alteraes que produzem
um movimento intenso do corpo, chegando ao ponto de no poder ficar quieto
(hiperatividade) (Ibid).
se colocar como garantia do analista, seu avalista. Nesse sentido, os impasses transferenciais
exigem que o analista se movimente.
O que permitiu que Freud desse ouvidos a esses traos, muitas das vezes, foi a
dimenso que os mesmos possuam na fala do paciente e em seus sintomas. Apesar do
trabalho analtico histericiz-lo, seu posicionamento frente ao Outro e ao desejo so
marcantes. O objeto do seu desejo s se torna vivel quando se encontra no estatuto do
impossvel e o Outro marcado pela falha, falha que ele mesmo quer preencher.
Gazzola (2005) afirma que diante das inconsistncias da atualidade, com a falncia
dos ideais sociais e culturais, a inoperatividade da lei e os ditames do discurso capitalista com
seu empuxo ao consumo e ao gozo, a neurose obsessiva aparece como uma resposta
estratgica frente a essa desorganizao. A inconsistncia do Outro parece tornar bastante
adequadas as estratgias obsessivas (GAZZOLA, 2005, p.7).
Ribeiro (2001 e 2006) uma das autoras que questiona a afirmao de que a clnica da
neurose sustentada pela histeria. Ela nos diz que a neurose obsessiva tem aparecido cada vez
mais na atualidade e em nossos consultrios, inclusive em mulheres. No livro Um certo tipo
de mulher (2001), a autora destaca as peculiaridades da mulher obsessiva que, diante da
inconsistncia que a ausncia de um significante que defina o que ser mulher traz, menos
enganada pelo falo que vela o furo no outro. Sendo assim, a mulher obsessiva ainda mais
religiosa do significante, mais propensa ao deslizamento metonmico (que no deve ser
incentivado), busca de um corpo que funcione sem rateios e s compulses. Drogadas
compulsivas, as obsessivas, escravas, consomem obedientemente as drogas que prometem um
alvio que nunca chega (RIBEIRO, 2001). Seja em busca de um sono tranqilo, de um
controle da ansiedade e da tristeza, de um corpo perfeito, a medicao ocupa o lugar de um
objeto a mais que atue no que est fora do lugar, no que no funciona bem. Essa medida de
perfeio o que deteriora o sujeito e o conduz a um Outro absoluto, tpico de seu tipo
clnico: a morte (Ibid, p.119). Preso em seu labirinto, onde o desejo se esconde, ela trabalha
incessantemente para a morte.
ordem: tantos ratos, tantos florins, tantos relmpagos, tantos escarros, tantos quilos
(Ibid, p.15).
A histeria est referida ao sexo e a neurose obsessiva existncia. Lacan nos diz que a
histeria e a neurose obsessiva so, respectivamente, uma espcie de resposta a essas questes
(LACAN, 1953). A morte a figura limite a responder pergunta sobre a existncia.
No tendo no corpo o suporte imaginrio do falo, a obsessiva faliciza o que bem
entende, ou melhor, o que acredita entender bem. Vale destacar que as oscilaes do
obsessivo entre o ouro e a merda, entre o tudo e o nada, ganham conotao particular no caso
de mulheres. A dor de existir caracterstica da mulher aparece por vezes na neurose obsessiva
sob uma mscara extremamente trgica (...) (RIBEIRO, 2001, p.63).
Destacamos duas queixas frequentes na fala de pacientes obsessivas e que envolvem
diretamente o corpo. Uma a frigidez, uma impossibilidade do sujeito concretizar o ato
sexual. Lacan (1958a) diz que a frigidez no um sintoma, ainda que tenha toda a estrutura
inconsciente que determina a neurose (LACAN, 1958a, p, 740). Ela uma defesa em face do
gozo. A mulher se fixa na mscara flica, no condescendendo posio de objeto. Isso
verificado em falas que trazem o receio de perder o controle no ato sexual e a equiparao da
sensao do orgasmo com a de que o corpo estaria se desfazendo.
Outra queixa tambm comum se situa na privao sexual da qual reclamam essas
mulheres. Tal privao est diretamente ligada sua modalidade clnica de evitao do
desejo, j que deixam a iniciativa ao outro, do qual dependem para pr em jogo, a
contrabando, seu desejo (RIBEIRO, 2001, p. 96-7). Isso nos faz lembrar de Lacan que (1954-
55) diz que o obsessivo s consegue se colocar na cena atravs de um outro.
Recorrentes nas comdias de Molire (1622-1673), os mdicos so personagens que
encarnam uma crtica severa do autor medicina e ilustram bem a dinmica que vemos
desenhada na clnica do obsessivo. Esses mdicos, de maneira peculiar, fazem de tudo para
que a morte aparea de acordo com determinadas regras e com medicaes constantes que
no tm grande efeito nem utilizao justificada. O mdico era aquele que queria que o
paciente nunca morresse e, caso isso acontecesse, a morte deveria ser programada
(MOLIRE, 1656). Dessa forma, o importante para o mdico de Molire no que ele fosse
capaz de curar. Mesmo porque, na medicina do sc. XVII, a cura era difcil de ser alcanada.
O importante era deixar o paciente morrer dentro de determinadas regras (Ibid). Assim
137
tambm vemos o obsessivo. Freud destacava que o medo tanto da morte como da vida so
expresses do supereu. Desses medos se origina a covardia da neurose obsessiva diante da
vida, diante da sexualidade. As obsesses so justamente uma modalidade de proteo contra
as tentaes sexuais que trazem turbulncia vida. A estabilidade to sonhada na neurose
obsessiva nos faz lembrar da prpria definio de pulso de morte cujo objetivo conduzir a
inquietao da vida para a estabilidade do estado inorgnico (...) (FREUD, 1924, p.177).
As exigncias do supereu aparecem de diversas maneiras no cenrio obsessivo. Os
efeitos do supereu surgem nas tarefas desgastantes, no sentimento de culpa, nos fracassos
mantidos, nos adoecimentos, nas compulses em busca de um gozo a mais, nos rituais
(LACAN, 1957-58, p.430). Pela possibilidade de sua desfuso pulsional, como vimos, o
supereu promove um empuxo destruio (Ibid, p.478), que marca de maneira peculiar a
relao do sujeito com o desejo. Ser carrasco de si mesmo no em vo. A pena que se paga
pelo submetimento a um supereu feroz sustenta a fantasia de um Outro onde a falta poderia
ser controlada.
Mesmo no incio de sua obra, Freud trabalhou a presena de auto-leses como
resultado de autopunies, castigos como resposta culpa, ao poder da conscincia moral
(FREUD, 1901, p. 183). Muitas das vezes, aquilo de que o sujeito se queixa apresenta-se
como forma de punio, gerando sintomas, inibio ou crises de angstia. Temos como
exemplo dores, enxaquecas e diarrias que se manifestam curiosamente quando o sujeito
comea a fazer movimentos em direo ao desejo. O prprio sujeito, rapidamente, fornece um
sentido a esses eventos: so punies, um aviso de que as coisas devem ficar como esto, que
o melhor mesmo, como ele previa, no se movimentar.
O obsessivo empenha-se justamente em destruir o desejo do Outro. Mantm uma
relao agressiva com o outro, exemplificada na frase tu s aquele que me mata, ficando
preso no eixo imaginrio do esquema L, a - a ou no primeiro patamar do grafo do desejo, o
eixo especular formado por m i (a) (LACAN, 1957-58).
A culpa, uma das formas do supereu se materializar na clnica, muitas vezes tomada
como injustificada e incompreensvel pelo sujeito. No entanto, atravs da funo que a mesma
possui para ele, esta pode ser trabalhada de maneira interessante pelo analista. Com ela o
sujeito se convence que pagou o preo da falta com o excesso de sofrimento que experimenta.
Est quite com a dvida impagvel com o Outro. Soler (2007) define a culpa como aquilo que
acontece quando a causa assume a forma de uma falha, um erro (SOLER, 2007, p.52).
138
Pensada como uma defesa do sujeito diante da impossibilidade de se chegar causa, ela um
modo de dar sentido infelicidade. Como nos diz Lacan, no existindo o Outro, s me resta
imputar a culpa ao eu (LACAN, 1960a, p.834).
importante no tomarmos as diversas queixas em relao ao corpo na neurose
obsessiva como equivalentes em relao ao lugar e funo que as mesmas possuem para o
sujeito. Assim, a angstia difere da dvida, a hesitao do jogo ambivalente do obsessivo (Id,
1962-63), a angstia do sintoma e o sintoma da inibio. O fato de diferirem entre si no quer
dizer que eles no possam ter semelhanas, pontos que veremos com mais detalhe a seguir.
Detendo-nos por enquanto em apenas uma dessas diferenciaes, Lacan desenvolveu a
relao e diferena entre a angstia e a dvida: a angstia no a dvida, a angstia a
causa da dvida (Ibid, p.88). A dvida serve para combater a angstia que diz de uma certeza
(Ibid).
A neurose obsessiva coloca o sacrifcio em cena em busca do ideal: jejum, arranhes,
dores e penitncias so exemplos da ao do supereu e do masoquismo do eu. Dificilmente
tais sacrifcios no envolvem o corpo; inclusive, falando do sacrifcio que Lacan, mesmo
que raramente, aborda o corpo na neurose obsessiva. Em suas palavras: O corpo, o corpo
idealizado, reclama um sacrifcio corporal. Esse um ponto importantssimo para
compreender (...) a estrutura do obsessivo (Id, 1968-69, p.359).
H uma afirmao freudiana que desde o incio nos chamou ateno quanto ao lugar
do corpo na neurose obsessiva: em todos os meus casos de neurose obsessiva descobri um
substrato de sintomas histricos (FREUD, 1896, p. 168-9, grifo do autor). Essa articulao
se repete anos depois: ao afirmar que toda neurose obsessiva parece ter um substrato de
sintomas histricos que se formam em uma fase bem antiga (Id, 1926[1925], p.115).
Esse substrato era justificado por uma cena sexual experimentada de maneira passiva
pelo sujeito, tal qual ocorre na histeria, e que teria precedido a ao prazerosa que
caracterizava a constituio da neurose obsessiva. Outra afirmao que aborda a proximidade
entre a obsesso e a histeria feita por Freud (1909), quando o mesmo nos diz que a
linguagem utilizada pela neurose obsessiva apenas um dialeto da histeria.
Na neurose obsessiva, as queixas em relao ao corpo seriam ento sinais desse
substrato, a concretizao da afirmao de que a neurose obsessiva um dialeto da histeria?
Ou seja, essas queixas seriam definidas tal qual ocorre com os sintomas histricos, onde o
corpo se oferece como metfora para os conflitos inconscientes? A clnica, porm, dava-nos
139
sinais de que havia diferenas, restava delimit-las. Lacan tambm dizia que o sintoma do
obsessivo mais voltado para o pensamento difere do sintoma da histeria que toma o
corpo como seu meio de expresso. Apostamos, ento, que quando Freud nos diz que a
neurose obsessiva um dialeto da histeria esteja se referindo ao desejo. A impossibilidade
uma outra maneira de dizer a insatisfao que caracteriza a histeria, ambos apontando para a
dificuldade do neurtico em relao ao desejo.
Localizamos o campo do sintoma como aquele onde h a presena de um conflito,
sendo uma forma singular de o sujeito responder aos impasses em relao castrao, ou seja,
sexualidade. Os sintomas na neurose obsessiva so os dispositivos que permitem ao sujeito
manter o desejo como impossvel. para isso que o obsessivo trabalha na posio de escravo
e sustenta o mestre espera de sua morte. A dvida e a procrastinao so justificados pela
espera da morte do pai, do mestre. Com isso ele tenta manobrar sua distncia com respeito ao
gozo, que fica situado no campo do mestre que ele se recusa ser.
Na neurose obsessiva, o corpo aparece como instrumento que busca viabilizar uma
estratgia pela qual ele encontra uma sada para responder s questes sobre o seu desejo
(SANTIAGO, 1999). A via neurtica faz do corpo uma armadilha do desejo para o sujeito
histrico ou um instrumento de resposta demanda do Outro na neurose obsessiva
(LAURENT, 2008a, p.46). O corpo na neurose obsessiva aparece como um corpo fixado, um
corpo que no se gasta, na intenso de continuar preservado, fica intacto, espera do
julgamento final (GAZZOLA, 2005, p.155). um corpo que deve ser dominado e, para isso,
o sujeito almeja um corpo esvaziado de gozo.
O obsessivo dedica-se a abolir a diferena entre os sexos, o que gera como
conseqncia algumas dificuldades no encontro sexual, conforme estamos vendo. O obsessivo
se pergunta como se desfazer de seu pequeno instrumento (MELMAN, 2004, p. 20)
enquanto objeto de gozo. A neurose obsessiva, de maneira clara, deixa mostra que o sexo
pode ser uma dor de cabea. A dor da existncia, da ausncia de algo que define e delimita o
sujeito, desloca-se para a existncia da dor, para o impedimento. A dor um encontro com o
real, com o impossvel de dizer (Ibid, p.5). A dor na neurose obsessiva pode ser um efeito da
afetao do significante. Ela aparece quando o sujeito se deixa afetar por algo, quando a
dimenso do afeto no ganha disfarce.
Por outro lado, justamente o corpo que faz com que a dimenso do vivo aparea para
a neurose obsessiva. Atravs da sexualidade, da angstia, das inibies, das dores, o sujeito
140
A inibio exige do analista pacincia e manobras que atuem sobre o gozo, ou seja,
que passe o mesmo para a fala. Essa alterao permitir o desenrolar da associao livre que
suscitar angstia, um novo recalque e a possibilidade de interpretao. Tirar o sintoma do
museu, definio de Lacan (1962-63) para o impedimento, faz-lo circular na cena analtica
(Ibid, p.77). A sada para o analista diante da inibio tentar transform-la em sintoma. Para
isso, ele deve sustentar a transferncia sem aliment-la, para permitir a entrada do desejo do
Outro em cena, o que promover a diviso do sujeito. Para tal, ser fundamental o corte com
perguntas que levem o sujeito a outra direo e a interrupo da sesso que introduza algo
enigmtico (Ibid, p.78), algo que faa vacilar as significaes do sujeito s quais ele se
encontra preso em seu gozo narcsico. O analista fica atento, com sua ateno flutuante, ao
aparecimento de um significante que possa promover o sintoma analtico que dar incio
associao livre e interpretao.
Aps abordarmos algumas peculiaridades nas diferenas entre a inibio, o sintoma e
a angstia, destacamos seu ponto comum em Freud: o eu, o corpo. O eu tenta incorporar o
sintoma a si, ele a sede da angstia (FREUD, 1926[1925], p. 97) e onde a inibio se
manifesta. O eu pode subtrair-se da angstia por uma evitao, um sintoma ou uma inibio.
Assim, mesmo em Freud, vemos a articulao entre inibio, sintoma e angstia com o corpo
e com o campo da neurose, no em relao a qualquer ponto do corpo, mas, justamente, em
sua questo central, a sexualidade. Inibio, sintoma e angstia intervm na manifestao
sexual, estando referidos ao desejo. O sintoma o retorno do desejo recalcado; a inibio
aparece quando o desejo se manifesta e, da mesma forma, a angstia, como j desenvolvemos
anteriormente.
Sendo assim, inibio, sintoma e angstia esto afinados com a relao do sujeito com
o Outro. Entre inibio, sintoma e angstia se constri o mundo fantasmtico do sujeito
(RABINOVICH, 2005, p.37), como ser desenvolvido no prximo captulo. O grafo do
desejo desenha a articulao entre a trade freudiana e o desejo do Outro.
Como jogar com algum que torna inoperante o risco? A anlise implica riscos. O
analista tem dificuldade de desalojar o obsessivo de sua jaula. Ambertn (2006) nos chama
ateno para o fato de que quem no demanda obter um lugar no desejo do Outro, no pode
participar de nenhuma partida, quanto menos da analtica (AMBERTN, 2006, p. 104). S o
sofrimento e a angstia podem escrev-lo nesse jogo. O obsessivo faz do dever um enigma e
por essa via que ele pede socorro ao analista (LACAN, 1959-60). Fica preso em suas defesas
143
como em uma armadura de ferro, onde ele se detm e se enclausura, para se impedir de
aceder ao que Freud chama a certa altura de um horror por ele mesmo desconhecido (Ibid,
p.247-48).
No inconsciente impera a imortalidade. Freud, porm taxativo: se queres suportar a
vida, prepara-te para a morte (FREUD, 1915c, p.309). Para sacudir o obsessivo de suas
defesas, preciso que as inconsistncias do Outro apaream. Freud em Sobre a
transitoriedade (1916[1915]) nos diz que no possvel sustentar um tratamento com esse
horror transitoriedade (Id, 1916[1915], p.192). A morte, a morte da coisa com a entrada do
sujeito na linguagem, permite que o desejo se eternize, possibilitando a movimentao do
sujeito na vida.
O que transitrio se transforma. De maneira curiosa, no isso o que o neurtico
valoriza. Diante das incertezas que o no saber implica, opta pela constncia do mesmo (Ibid).
Como no perder isso no processo de anlise? No h direo do tratamento sem o risco do
luto e nem vacinas contra as inconsistncias da vida, risco que cabe tambm ao analista
sustentar. No possvel sustentar um tratamento, sem colocar a questo do valor da vida em
cheque e sem enfrentar o horror transitoriedade. O horror morte est ligado s
inconsistncias da vida, ao enfrentamento do luto. Como nos disse Freud (1916 [1915]), o
luto um enigma do qual o sujeito prefere se afastar.
Um dos pontos fundamentais a ser necessariamente perpassado na anlise do
obsessivo seu submetimento ao supereu. O destino do supereu na clnica est relacionado
com uma perda de gozo, que no necessariamente oriunda da renncia. As formulaes de
Freud (1930 [1929]) de que a renncia pulsional serve de alimento ao supereu, leva-nos a
buscar uma outra direo do tratamento para o supereu e sua exigncia de gozo que no a
renncia. Tanto a realizao da agressividade quanto a sua renncia trazem infelicidade.
Freud, portanto, reconhece como impossvel o mandamento superegico de renncia
pulsional que desconsidera a quem o eu tambm serve: o isso.
Para que se possa responder voz superegica do lugar de sujeito e no do objeto de
injuno de gozo, necessrio a perda na crena de que o gozo pleno seria possvel, ou seja,
que o sujeito se desse conta no apenas da castrao, - disso ele j se d -, mas de seus efeitos,
ou seja, do que ela poderia proporcionar. Para isso, fundamental que o sujeito consiga abrir
mo do ideal. a partir da clnica do desejo que possvel negociar com a intruso
superegica.
144
prima pela pura diferena, por um despertar que definitivamente no se alcana pela via do
entendimento.
O eu penso do obsessivo se apresenta profundamente investido em sua imagem
especular, o que faz com que ele resista ao confronto com o inconsciente. Vemos essa
resistncia estampada na dificuldade de se entregar associao livre, nos tempos longos
entre uma fala e outra, na busca eterna pelo porqu. Da a necessidade do tempo varivel, da
movimentao no tempo das sesses (Id, 1953, p. 313-7). Guardar uma temporalidade fixa
se fingir de morto enquato um dos objetivos do analista tentar fazer o sujeito sair da priso
temporal, do eterno adiamento.
Para a psicanlise o sujeito no unvoco. Ali onde penso no me reconheo, no sou
sou justamente onde no penso, subvertendo a afirmao de Descartes. Ali onde sou,
mais que evidente que me perco (Id, 1969-70, p.96). Cabe anlise retomar a inverso no
cogito de Descartes penso onde no sou, sou onde no penso, marcando o lugar do sujeito
desejante, do corpo pulsional e sua satisfao. Desidero, o cogito freudiano, desejo logo
existo (Id, 1964, p.147).
O que fazer com esse corpo que s em parte nos pertence? A anlise visa obter uma
relao com o corpo que seja nova. No a da idolatria, no a da inibio e da angstia, nem a
do excesso e, sim, a da encarnao da castrao, que permite a variabilidade, o movimento
dos objetos do desejo. Para isso, a morte, a dor, podem se configurar como uma via de
trabalho onde os impasses em relao ao desejo se encarnam. O desejo uma barreira ao gozo
fundada na linguagem, ele uma perturbao do corpo. Almejar que a anlise possibilite um
bom entendimento do corpo com o gozo ilusrio (MILLER, 2009).
O horror morte e doena sustenta a hipocondria que consome o sujeito em
formulaes infindveis de hipteses que justifiquem qualquer alterao no corpo. O
obsessivo quer estar sempre so, palavra que vem de sanus e que significa intacto e infalvel
(CANGUILHEM, 2005, p.38). Da vem a expresso so e salvo. A anlise vai na direo
oposta: a morte est na vida, o adoecimento signo disto (Ibid). A forma como o corpo vai
aceder a sua relao com a morte ser para ns uma questo tica.
Na fala do obsessivo, risco equivale perda, perda da suposta certeza e segurana que
a imobilidade traz. A causa do desejo, porm, no se sustenta sem perdas. Apostar no discurso
analtico apostar no furo no saber, na incompletude. Caso o sujeito se disponha a pagar o
146
preo de ir ao encontro de sua verdade, poder talvez desfrutar de um novo saber e um novo
espao para criao.
O tratamento analtico do neurtico opera a partir da distino entre alienao e
separao (LACAN, 1964) do sujeito em relao ao outro, ao desejo do Outro. Quando o
sujeito procura o analista, faz um apelo de encontrar sentido para o que est rateando, ao que a
fantasia no conseguiu enquadrar. Mesmo que chegue nesse registro da alienao, o lugar da
anlise apresentar a ele o enigma do desejo que aparece nos buracos da fala, nos silncios, na
relao transferencial. o desejo que aponta para o movimento de separao.
A psicanlise opera. Com custos e no tempo singular de cada um, mas opera. Permite
que o sujeito aceite a dimenso do real e do impossvel, fazendo-o operar com sua prpria
perda (Id, 1964a, p.858). Ela aposta na possibilidade do desejo e de o sujeito se quiser
mudar seu destino. No que diz respeito neurose obsessiva, a psicanlise demonstra que
autorizar-se no campo do desejo no auto-ri-(tuali)-zar-se como nos diz Lacan (Id, 1973a,
p.312), bem ao contrrio, experimentar o novo.
147
Captulo 5
A inibio, o sintoma e a angstia na clnica da neurose:
o corpo no n borromeano.
O corpo um elemento que faz parte do processo analtico. Foi com ele que a
psicanlise comeou, tentando descobrir que outra realidade, alm da conscincia, habitavao:
a realidade inconsciente. Apresentamos o corpo como um instrumento que, na neurose, coloca
em cena os impasses do sujeito frente ao desejo e ao gozo. Com as formulaes de Lacan
sobre o n borromeano, veremos indicaes preciosas para trabalharmos o que o corpo nos
apresenta na clnica. Consistncia, orifcio e nomeao so termos que se fazem bastante
presentes nos ltimos seminrios de Lacan. O n ser apresentado como um recurso a mais
que auxilia o analista em seu direcionamento da anlise. Com isso, de acordo com o que o
paciente desdobra, o analista, acolhe, recorta e religa significantes, separa questes relevantes,
questiona, oferece uma palavra, e, sobretudo, aponta a dimenso do furo que se encontra
presente em sua fala, em seu modo de gozo.
148
que esto na origem do recalque e da neurose - no haviam acontecido de fato; elas faziam
parte de uma outra realidade, a realidade do inconsciente.
Nesse sentido, surge a possibilidade de definirmos o corpo como ertico, marcado pela
sexualidade infantil, que traz consigo as marcas do desejo do Outro, da histria edpica.
Assim, o corpo ao qual temos acesso na neurose o corpo fantasmtico e Lacan corrobora
essa posio ao afirmar que a forma do corpo humano (...) o envoltrio de todas as
fantasias possveis do desejo humano (LACAN, 1959-60, p.357).
Lacan tambm destacou a ligao entre a fantasia e a sexualidade, valorizando,
justamente, a ausncia de uma inscrio a priori sobre a diferena sexual, ou seja, sobre o que
ser homem ou ser mulher. Ao contrrio do animal que j nasce com determinados instintos
que indicam o parceiro sexual e o momento da reproduo, o ser falante possui, neste ponto,
uma brecha, um vazio que ser ocupado, mas no totalmente, pela linguagem.
Assim, quando Freud relacionou a construo da fantasia com um no-saber da
criana diante, por exemplo, de um novo beb - passando a formular as teorias sexuais
infantis (FREUD, 1908a) - abriu caminho para que, num segundo momento, Lacan
destacasse, nesta relao entre fantasia e sexual, a presena de um real no sexo, ou seja, de um
impossvel de representar no campo sexual.
A fantasia se constitui a partir de uma formulao simblica ela uma frase e
imaginria fornece um sentido ao sujeito -, servindo de ancoramento para o mesmo, e
tambm como meio do desejo se apresentar. Mas, alm de estar a servio do princpio do
prazer, a fantasia traz consigo a possibilidade de um prazer diferente, relacionado pulso de
morte e ao masoquismo originrio (Id, 1919a, p. 199).
Mesmo sem ter formulado o conceito de real, Freud se aproximou da dimenso do
impossvel e do irrepresentvel, ao notar que o elemento fantasmtico no est em harmonia
com o resto da estrutura: em grande medida, essas fantasias subsistem parte do resto do
contedo de uma neurose (Ibid), sem um lugar exato para se inserir.
Com as formulaes lacanianas sobre a fantasia, chegamos a sua definio como um
elemento clnico e estrutural responsvel por aquilo que h de constante na pulso, o que
fornece uma ordem lgica da relao do sujeito com a falta de objeto (LACAN, 1956-57,
p.39).
A fantasia traz consigo o posicionamento do sujeito frente a seu desejo e exatamente
por isso que este tem a propriedade de ser fixado, de ser condicionado, no a um objeto, mas
152
sempre, essencialmente, a uma fantasia (Id, 1962-63). O desejo algo que no se pode
apreender e compreender seno no mais estreito n, no de algumas impresses deixadas pela
realidade, mas no ponto mais estreito onde se atam, para o homem, o real, o imaginrio e o
simblico.
Em sua prpria constituio, o desejo traz uma falta capaz de faz-lo movimentar-se
em direo a diversos objetos. A construo fantasmtica, porm, possibilita a fixao do
sujeito em um roteiro, com a repetio de um modo particular do mesmo se posicionar em
relao ao objeto de satisfao, o que, por sua vez, acaba impedindo o mesmo de movimentar-
se.
De que maneira surge a fantasia? Para que ela seja construda necessrio que o
sujeito se depare com a falta no Outro, constatao necessria para que o sujeito se depare
com uma incompletude em si. A fantasia surge, ento, como uma tentativa de manipular, de
mascarar as impresses recebidas do Outro, de modo que este aparea completo.
Na frmula da fantasia, $ a (Id, 1956-57), $ representa o sujeito barrado, marcado
pela ciso fundamental, a spaltung freudiana, o sujeito clivado, o sujeito do inconsciente. E a
letra a, em um primeiro momento, faz referncia ao outro. Em sntese, o matema da fantasia
fala dos impasses do sujeito diante do outro, diante da imagem de si que se reflete no outro. O
pequeno a representa este objeto prevalente do erotismo humano, a imagem do corpo
prprio no amplo sentido que ns lhe daremos (...) a que o sujeito mantm sua existncia,
mantm o vu que faz com que possa continuar a ser um sujeito que fala (Id, 1958-59,
10/12/1958).
Para se proteger da falta real presente no Outro, o sujeito constri uma trama
fantasmtica na tentativa de saber o que o Outro deseja, enigma representado na pergunta
retirada do livro O diabo enamorado de Cazotte, Che vuoi?, que queres?. Se no texto
original o diabo quem faz essa pergunta ao personagem lvaro (CAZOTTE, 1978/1992,
p.26), pergunta que o leva aos enganos do amor, no texto de Lacan, o Che Vuoi? sinaliza um
pedido do sujeito para que o Outro diga o que quer.
Vejamos o grfico:
19
19
LACAN, 1957-58, p.525.
154
imaginria lhe fornece. A partir do grafo do desejo, a fantasia passa a ser apresentada como o
estojo do eu (LACAN, 1960 a, p. 831), que o contorna e o protege. Conforme destacamos
anteriormente, Lacan coloca o eu como uma resposta possvel diante da falta no Outro. O eu
pode se apresentar como uma defesa diante do real que a falta apresenta e, agora
completamos, o eu pode comparecer frente radicalidade da falta do Outro se angustiando,
inibindo-se ou produzindo sintoma.
Se o neurtico d tanta importncia demanda do Outro, para tentar evitar sua
angstia diante do desejo do Outro (Id, 1960). Com as formulaes de Lacan (1962-63) sobre
o objeto a, o a, presente na frmula da fantasia, passa a caracterizar a causa do desejo e no
mais o outro. Causa em relao ao desejo do qual a fantasia a montagem (Id, 1967a,
p.366).
A frmula da fantasia fornece a mscara para o sintoma (Id, 1957-58), ou seja,
atravs dela que o sujeito elege as coordenadas para seu sintoma. A fantasia vai contra o fato
de que uma significao sempre remete a outra significao, fixando o sujeito em um sentido
determinado. Inibio, sintoma e angstia esto afinados com a relao do sujeito com o
Outro, ou melhor, com o desejo do Outro. Entre inibio, sintoma e angstia se constri o
mundo fantasmtico do sujeito (RABINOVICH, 2005). Assim, Rabinovich (2005) estabelece
uma leitura do grafo do desejo em que se desenha uma articulao entre a trade freudiana e o
desejo do Outro.
20
20
RABINOVICH, 2005, p. 73.
155
21
A inibio se situa no ponto onde h a menor dificuldade, que cresce da esquerda para
a direita, e o menor movimento, que aumenta gradativamente de cima para baixo. Assim,
encontramos nesse quadro a paralisao, o pouco movimento que a inibio implica. Quanto
mais avanamos transversalmente no quadro, mais os valores dessas variveis. Com isso, o
sintoma implica maior dificuldade e mais movimento, caso o comparemos com a inibio, e a
angstia, envolve ainda mais movimentao e maior dificuldade, caso a comparemos com o
sintoma.
Vimos no captulo dois que o Seminrio 10 (LACAN, 1962-63) apresenta a angstia
em relao ao objeto a. A angstia possui um objeto, denominado de a, objeto sempre outro
que estamos a buscar a fim de preencher nossa falta estrutural. Lacan, porm, no aborda a
angstia de maneira isolada. Ele apresenta a inibio, a angstia e o sintoma como diferentes
movimentos do sujeito em relao ao desejo: o que angustia o sujeito o aparecimento do
desejo, a inibio do eu indica a localizao de seu desejo e o sintoma, por sua vez, aponta
para a realizao, s avessas, de um desejo. Assim, a ligao que Lacan estabelece entre esses
trs elementos a dificuldade que o desejo implica para o sujeito. Levando-se em
21
LACAN, 1962-63, p.89.
156
de que temos medo? De nosso corpo. o que manifesta esse fenmeno curioso sobre
o qual fiz um seminrio um ano todo e que denominei angstia. A angstia
justamente alguma coisa que se situa alhures em nosso corpo, o sentimento que
surge dessa suspeita que nos vem de nos reduzirmos ao nosso corpo (LACAN, 1974a,
p.65).
(Ibid, p.182) e por isso o ato tenta arrancar da mesma a dimenso de certeza que ela traz
consigo, ela o nico afeto que no engana (Ibid).
Alm disso, depois de superada a angstia, e fundamentado no tempo da angstia,
que o desejo se constitui (LACAN, 1962-63, p.193). No se trata, porm, de curar a angstia,
tarefa impossvel pela prpria introduo da linguagem no humano, e sim de atravess-la,
oferecendo a palavra ao analisando e, como nos diz Lacan, seu acolhimento. A metfora
utilizada por Lacan para representar a sutileza que a angstia exige do analista segurar o
analisando pela mo (Ibid, p. 136) a fim de que ele possa se agarrar em algum ponto de
referncia nesses tempos de turbulncia.
Alm disso, se os apontamentos freudianos sobre a angstia nos fazem pensar na
relao existente entre o eu e o corpo, com Lacan, a angstia se mostra um importante
instrumento para trabalharmos a articulao entre o corpo e o real. A angstia a nica
subjetivao possvel do objeto a, com ela que localizamos a presena do real na clnica
(Ibid).
Inerente ao sujeito, a angstia aponta, tanto para o analista como tambm para o
analisando, aquilo que, do desejo e do gozo, revela-se como estranho ao eu. A relao entre a
angstia e o real volta a ser abordada com a formulao dos ns, conforme veremos a seguir.
Alm do eu ser a sede da angstia (FREUD, 1923, p.69), pudemos ver que em seu
territrio que a inibio se apresenta (Id, 1926[1925], p. 93) e os sintomas so incorporados a
si (Id, 1923). O eu se v obrigado a buscar satisfao em nos sintomas e diante dos mesmos,
angustia-se ou se inibe (Id, 1926[1925]). Vale ressaltar que ao estabelecer a ligao desses
trs elementos com o eu, Freud os remete ao corpo.
O sintoma ganha um novo estatuto na obra de Freud ao ser abordado em parceria com
a inibio e a angstia (1926[1925]): alm de ser definido como uma alterao da funo do
eu, impe sofrimento ao sujeito e compromete o corpo. Ele no mais apenas o retorno de
uma representao recalcada, h algo no simbolizvel que atua em sua dinmica, uma
fixao pulsional, diramos com Freud, ou um ponto de gozo, segundo Lacan. O sintoma
difere da inibio por ser o lugar da discrdia, do conflito e da angstia, por estar diretamente
referido a uma estrutura de linguagem; ele , sobretudo, a metfora de um desejo
inconsciente.
Lacan d incio a seu ensino definindo o sintoma tambm em sua relao com o
significante. Ele uma metfora, a expresso subjetiva do poder da palavra sobre o corpo.
158
Nas palavras de Lacan, o sintoma, se nos apresenta inicialmente como um trao, que nunca
ser mais do que um trao, e que ficar sempre incompreendido at que a anlise tenha ido
suficientemente longe, e que tenhamos compreendido o seu sentido (LACAN, 1953-54,
p.186).
O sintoma vai sendo apresentado como uma resposta posio fantasmtica do
sujeito. Ele uma tentativa de velar a falta que a pergunta sobre o desejo comporta (HANNA,
2005, p.73). O sintoma tem uma funo de defesa ao tentar responder questo quem sou eu
para o Outro?. Com seu sintoma o sujeito paga um preo para no saber que existe algo que
no cessa de no se escrever, a falta radical. O sintoma definido como o que fornece gozo ao
sujeito encoberto pelo sofrimento (LACAN, 1962-63, p.140).
O sintoma fundamental para o sujeito. Ao questionar essa aparente adaptao, a
anlise provoca angstia, presente nas eventuais queixas do analisando de que a anlise est
piorando sua condio. Lacan se pergunta, ento, sobre o que que pode, no final das
contas, levar o paciente a recorrer ao analista para lhe pedir algo que ele chama sade, quando
seu sintoma a teoria nos diz isto feito para lhe trazer certas satisfaes? (LACAN,
1964, p. 131). Apenas o excesso de sofrimento justifica a interveno analtica nesse modo de
ser do sujeito.
Se, como vimos, a angstia se aproxima do real, tal destino tambm resta ao sintoma.
Em vrios momentos vemos Lacan relacionar o sintoma ao real, dizendo que o sintoma o
que muitas pessoas tm de mais real (Id, 1975 a, p.41). Em suas palavras:
O sintoma definido por Lacan como o que no funciona, apesar de possuir uma
funo de defesa para o sujeito (Id, 1974a, p.27). O sintoma onde o sujeito tropea,
atrapalha-se e se agarra frente inconsistncia da vida, mortalidade (do corpo). Ao mesmo
tempo, tambm com o sintoma que ele opera na vida, sem deixar de ser obstculo.
Ao nos perguntarmos como o real opera no sujeito, encontramos, nesse momento, o
sintoma e tambm a angstia (Id, 1962-63, p.178). O sintoma a sada, muitas vezes precria,
159
que fornece uma certa ordenao ao sujeito. Por isso, jamais ser eliminado totalmente j que
a prpria diviso do sujeito o produz.
pelo fato de haver um descompasso entre o homem e seu corpo que existe o
sintoma. O sintoma no estado natural (...) que no se poderia identificar o homem com seu
corpo (MILLER, 2003 a, p.373). O sintoma interroga cada sujeito sobre aquilo que perturba
seu corpo.
Nos anos 70 Lacan passa a utilizar a grafia antiga de sintoma, sinthoma para nomear o
elo que mantm os trs registros unidos de maneira borromeana. O sinthoma, como veremos,
organiza um modo particular de gozo do sujeito e definido como um acontecimento de
corpo (LACAN, 1975-76). O corpo afetado, desde a sua constituio, pelo trauma, pela
inexistncia de proporo entre os sexos no campo sexual. Antes de nos determos no
sinthoma, ser de fundamental importncia averiguarmos como a escrita do n borromeano
influenciou a concepo psicanaltica de corpo.
22
Conforme podemos ver na figura, o n implica uma superposio dos registros: o real
se sobrepe ao simblico, o simblico passa por cima do imaginrio, e o imaginrio fica sobre
o real. A partir do enlace entre os registros, destacamos a impossibilidade de encontrar uma
palavra que coincida com o real, a ao do significante, e a necessidade de um vu imaginrio
para vestir o real (MONTES, 2000).
A metfora borromeana visa dissolver o mistrio do corpo falante (MILLER, 2006).
Ao falarmos do corpo em sua articulao com os trs registros, entramos em um universo
extremamente rico, mas tambm complexo, que ocupou Lacan em seus ltimos seminrios.
Apesar de o corpo estar situado no registro do imaginrio, no podemos exclu-lo do
simblico e do real. No h corpo sem simblico e sem os orifcios onde o objeto a se
22
LACAN (1974 a), p.66.
161
Prova disso que nada seno ele (o significante) isola o corpo, a ser tomado no
sentido ingnuo, isto , aquele sobre o qual o ser que nele se apia no sabe que a
linguagem que lho confere, a tal ponto que ele no existiria, se no pudesse falar
(LACAN, 1970, p.406).
(Ibid, p.118), uma atividade de gozo. Lacan se pergunta para que o corpo pode servir (Ibid,
p.97) se no h uma satisfao completa no campo sexual: para o gozo.
Lacan (1973-74) segue em suas formulaes sobre o corpo e o gozo e, assim, se
aproxima do n borromeano. Um corpo goza dele mesmo, ele goza bem ou mal, mas est
claro que este gozo o introduz em uma dialtica onde indiscutivelmente fazem falta outros
termos para que isto se sustente de p, a saber, nada menos que este n (Id, 1973-74, lio de
12/03/74).
A psicanlise toma o corpo como uma superfcie que fornece consistncia ao sujeito.
Superfcie em que os significantes vm se inscrever e produzir gozo. O corpo como uma
configurao em torno do vazio, ganha seu formato final com a escrita borromeana. Imagem e
significante em torno do objeto a, encarnado nos furos do corpo.
O corpo colocado no registro do imaginrio e definido como uma consistncia que
se constitui a partir de seus orifcios. So justamente os orifcios que fornecem consistncia ao
corpo (Id, 1974-75). Com essas formulaes, no h imaginrio que no suponha uma
substncia (Ibid, 17/12/1974) e que no permita uma consistncia, mas uma consistncia que
difere daquela fornecida pelo imaginrio no incio do ensino de Lacan, caracterizado por uma
imagem fechada, pelo sentido.
Os furos delimitam a superfcie, mantendo um campo aberto ao mundo, um campo
que aponta para o infinito (VIEIRA, 1999). Os orifcios possuem uma funo. Suas bordas
so contornadas pela pulso, permitindo a localizao de pontos de gozo para o sujeito, do
objeto a como mais-de-gozar. A relao com o corpo no uma relao simples em nenhum
homem alm do que, o corpo tem furos (LACAN, 1975-76, p.148).
Em relao aos trs registros, o orifcio tambm passa a ter um lugar fundamental.
ele que permite o enlace do real, do simblico e do imaginrio. O que consiste no n
borromeano est referido sua prpria amarrao. Como vimos, cortando-se um dos
registros, desamarram-se todos. Os trs registros so definidos, ento, como trs toros que se
entrelaam a partir de seus prprios orifcios, restando um furo central, onde habita o objeto a
(ver figura da pgina 165).
Lacan deu grande importncia ao furo em suas formulaes tericas e clnicas nesse
momento de seu ensino. Ele nos lembra que Freud iniciou a psicanlise se interessando pelos
furos do discurso os atos falhos, os esquecimentos bem como pelos furos no corpo as
zonas ergenas. Com isso, podemos destacar elementos que situam o corpo em uma topologia
163
fundada no orifcio. A topologia estuda as superfcies com base nos furos. O corpo esse
campo topolgico que Freud j contava em furos quando identificava explicitamente o corpo,
ele mesmo, como zona ergena (ALBERTI, 2004, p.39).
A superfcie se sustenta da fenda (LACAN, 1974-75, 14/02/75). Assim, no podemos
nos referir ao corpo tendo como parmetro apenas o interno e o externo, ele envolve uma
topologia muito mais complexa (Id, 1968-69, p.112). Lacan nos apresenta o toro como o
desenho que representa o corpo e depois dar origem aos ns (Id, 1974-75). O toro foi uma
figura bastante utilizada por Lacan para representar a articulao entre desejo e demanda em
torno do vazio primordial no qual localizou o objeto a. A consistncia do toro se d a partir do
furo central contornado pela materialidade do significante e da imagem. Nesse sentido, ao
representar o corpo pelo toro, Lacan destaca a importncia do desejo e do objeto a na
constituio do mesmo. O toro a estrutura da neurose, onde o desejo, pela repetio
eternizada da demanda, fecha-se em crculo (Id, 1972, p. 487-88).
A definio de furo que geralmente temos em mente, a euclidiana, que faz deste a
ruptura da continuidade dos pontos de uma superfcie dada (VIEIRA, 1999, p.47). Com Lacan
(1975-76), o furo apresentado como o que est em torno de uma reta infinita, ou seja, ele
no definido pela superfcie, mas, ao contrrio, ele quem a define.
Indagamos, ento, o que essa forma de abordar o furo traz de novo para o corpo. H,
fato, a necessidade de alterarmos a perspectiva do corpo como uma materialidade que em sua
continuidade possui alguns furos. fundamental mantermos a prevalncia dos furos em
relao superfcie. Assim, o furo no est no real do corpo, transmitido por contiguidade
aos buracos negros em sua imagem. O corpo no existe per si, tendo reas cheias que
definem, em sua ausncia, os orifcios (Ibid, p.48-9).
O corpo pode ser definido como um tecido constitudo por significantes e imagens
que, ao ser esgarado, deixa mostra os furos que definem seu tranado. Localizamos nesses
furos o locus do saber inconsciente, que juntamente com o simblico, apontam a dimenso do
estranho para o sujeito, onde o circuito pulsional delimita seus campos de desejo e gozo.
Sujeito objeto nada
23
23
LACAN,1956-57, p. 158.
165
faria buraco a, por deixar entrar o mundo por a, por necessitar que esse saco fosse, de
alguma forma, fechado pela percepo (Ibid, lio de 17/12/74).
Mas a forma de Joyce deixar cair a relao com o corpo prprio totalmente
suspeita para um analista, pois a idia de si como um corpo tem um peso.
precisamente o que chamamos de ego. Se o ego dito narcsico, porque, em certo
nvel, h alguma coisa que suporta o corpo como imagem (LACAN, 1975-76,
p.146, grifo do autor).
apostar em um diagnstico de psicose. Como soluo para esse impasse ele constri
artesanalmente um ego que lhe faz consistir um corpo atravs de seu nome como escritor
(SILVA, 2008).
Lacan nos fornece um apontamento clnico que vale repetir: a relao entre o corpo e o
n tem uma senhora funo para o analista (LACAN, 1974-75, lio de 15/04/75). Que
funo seria essa?
Com o n planificado, Lacan escreve a movimentao dos trs registros com suas
sobreposies. Foi com essa escrita que Lacan introduziu a diferenciao dos gozos, flico e
do Outro, em relao s sobreposies dos registros, bem como os efeitos da invaso de um
registro sobre o outro para o sujeito.
24
24
LACAN, 1974a, p.104.
168
destacando sua dimenso de inominvel, de horror insuportvel. Ele se apresenta fora da fala,
mas no da estrutura da linguagem.
A inibio apresentada como uma nomeao realizada pelo registro do imaginrio,
assim como a angstia uma nomeao pelo real e o sintoma uma nomeao pelo simblico.
Nesse sentido, Lacan passa a abordar os trs registros em sua possibilidade de fornecer uma
nomeao ao sujeito. Com o n, Lacan destaca que o que fornece um nome ao sujeito faz
referncia ao nome-do-pai. O nome-do-pai passa a ser definido como aquilo que nomeia, que
d nome s coisas, permitindo uma ordenao mnima ao sujeito, uma ligao entre os trs
registros (LACAN, 1974-75). o que veremos a seguir.
25
25
LACAN, 1975-76, p 21.
170
Qual a maneira de atar essas trs consistncias independentes? H uma maneira, que esta a
que chamo de nome-do-pai (Ibid, 11/3/1975).
Perguntamos como as formulaes sobre o n borromeano influenciaram a clnica da
neurose. O n borromeano escreve a inconsistncia do Outro, seu ponto fundamental e
ineliminvel de falta atravs do buraco central do n. A inconsistncia do Outro significa a
impossibilidade de tudo dizer. A linguagem, cada vez mais, passa a ser abordada como o
lugar onde se inscreve a impossibilidade de tudo representar.
Lacan (1955-56) definiu e detalhou os efeitos da funo paterna em sua relao com a
vivncia edpica, bem como as consequncias de sua foracluso, o que ocorre na psicose.
Pudemos encontrar a idia do nome-do-pai como um significante que ordena o simblico e
fornece ao sujeito algumas referncias para que ele se situe minimamente na existncia e
tenha acesso ao campo da realidade. O dipo tem a funo de possibilitar a virilidade e a
feminizao (Id, 1957-58, p.171), ao instituir o significante flico como referncia para o
sujeito se colocar na partilha dos sexos. Como efeito da operao do dipo, produzida uma
ordenao do campo do Outro, sendo o simblico restringido a seus prprios limites e os
significantes impedidos de desencadear no real (Id, 1955-56, p. 114).
O primeiro desenvolvimento terico sobre as diferenas estruturais entre neurose e
psicose - na neurose h a inscrio do significante nome-do-pai, aquele que inscreve a
castrao e a referncia flica, e na psicose a sua foracluso deu margem leitura da psicose
como uma estrutura que se encontrava em dficit em relao neurose, como se tivesse
faltado algo fundamental na mesma.
O nome-do-pai era definido como o significante do Outro enquanto lugar da lei, o
responsvel pela consistncia da ordem simblica para os neurticos (1957-58a). Segundo
esta definio, nas neuroses, o Outro seria dotado de uma consistncia prpria, visto existir
em seu campo um significante primordial capaz de assegur-la, o nome-do-pai. Este, desde
sua entrada na psicanlise, apresentado como o significante que permite ordenar o mundo
em sua dimenso significante, instaurando vnculos entre significante e significado.
Destacamos, entretanto, uma equivalncia que, nesse momento final, se dissolve. A
metfora paterna concernia apenas funo do pai em referncia ao dipo (Id, 1957-58,
p.166). Como Lacan nos disse, falar do dipo introduzir como essencial a funo do pai
(Ibid, p.171). O que permitia a mnima, porm fundamental, localizao do sujeito no
simblico era apenas o nome-do-pai em sua relao com o complexo de dipo.
171
A partir da inconsistncia do Outro, que agora se impe para todo ser que se encontra
submetido linguagem, h a possibilidade de um suplemento, algo que auxilie na amarrao
dos trs registros, o que Lacan denominar de sinthoma. A metfora paterna, com o
significante nome-do-pai, pode se apresentar como um dos recursos para compensar a falha
estrutural do Outro, assim como um delrio ou uma obra literria, como demonstra Joyce.
Com os desenvolvimentos de Lacan sobre o n e a inconsistncia do Outro como um
efeito da prpria estrutura da linguagem, h uma mudana decisiva na abordagem do nome-
do-pai. A funo paterna passa a ser abordada (1975-76) como uma operao de suplncia a
esta falta significante estrutural do Outro. O nome-do-pai, presente na neurose, aparece como
uma suplncia para o enodamento dos trs registros e a produo de consistncia. o nome-
do-pai que instaura a realidade psquica do sujeito (LACAN, 1974-75, 11/2/1975).
A partir da teoria dos ns, neurose e psicose resultam da impossibilidade de tudo
simbolizar, o que corresponderia construo de modalidades singulares de localizao do
gozo. Os impasses, que se colocam para todos os falantes, esto relacionados aos limites do
tratamento do gozo pelo significante, impossibilidade de tudo representar, inconsistncia
do Outro com a qual temos que nos virar. O nome-do-pai como suplncia aponta para a
necessidade de cada sujeito criar uma histria que fornea um lugar para si, uma resposta para
o quem eu sou? e o de onde eu vim?. Histria capaz de ordenar o acesso do sujeito
realidade. , portanto, o nome-do-pai que fornece a direo narrativa e ao narrar do sujeito
atravs do enlace entre o real, simblico e imaginrio.
porque essa suplncia indispensvel que ela tem vez: nosso imaginrio, nosso
simblico e nosso real esto talvez para cada um de ns ainda num estado de
suficiente dissociao para que s o nome-do-pai faa n borromeano e mantenha
tudo isso junto, faa n a partir do Simblico, do Imaginrio e do Real (Ibid,
11/2/1975).
nesse sentido que Lacan ir dizer que a funo do pai equivale funo do
sinthoma (Ibid, 21/1/1975). Outros operadores alm do dipo podem fazer valer a funo
paterna enquanto nomeao. O ponto inovador do final do ensino de Lacan justamente a
pluralizao dessa funo. So vrios os nomes-do-pai (Ibid, 15/4/1975).
A funo do pai uma funo de nomeao dar nome produzir um modo de
amarrao e ordenao do universo significante, fornecendo para o sujeito pontos de
ancoragem na existncia (Ibid), que disfarcem o horror que significa, para todo sujeito, a
172
Ao utilizar a grafia sinthoma Lacan marca uma diferena em relao forma como
o sintoma era abordado at ento em seu ensino. Desde o ttulo da primeira seo do
Seminrio 23 (1975-76), h uma nota de rodap, feita pelo editor, onde se explica a origem do
termo sinthoma: ela a grafia antiga em francs para a palavra symptme (sintoma), datada de
1503 (Ibid, p.11). Tal inovao ressalta, ainda mais, o que trabalhado nesse seminrio: a
26
Vale ressaltar que a conferncia Joyce, o sintoma foi ministrada por Lacan antes do mesmo adotar a grafia
antiga da palavra sintoma sinthome . Optamos por manter a traduo oficial, destacando que o sintoma do qual
se trata no texto faz clara referncia ao sinthoma,cunhado logo aps a conferncia.
173
O homem tem um corpo, isto , ele fala com seu corpo ou, em outras palavras, ele
falasser por natureza (LACAN, 1975-76a, p.562). Lacan (1975-76a) insiste no fato de que o
homem no seu corpo, ele o tem, mas para que o corpo seja apropriado pelo sujeito,
necessrio que ocorra uma operao que o atribua a si: esta operao a operao de enlace
entre os trs registros (SOLER, 1998), seja pelo nome-do-pai ou pelo sinthoma.
Miller (2004) afirma que a definio do sinthoma como um acontecimento de corpo
parece negligenciar a evidncia de que existem sintomas, como o sintoma obsessional, que
se apresenta como sintoma do pensamento por excelncia, se bem que o sintoma obsessional
do pensamento tenha sempre seu cortejo de sintomas corporais (MILLER, 2004, p.19).
Como vimos no captulo anterior, localizamos a presena do corpo na neurose obsessiva no
s como efeito do significante, ou seja, de seus pensamentos que atormentam o sujeito, mas
tambm como um lugar privilegiado para a expresso da inibio e da angstia.
H tambm outro ponto a ser abordado a partir da definio do sinthoma como
acontecimento de corpo: a discusso sobre o estatuto da interpretao que ir incidir sobre o
mesmo (Ibid, p. 27) ou, de maneira mais especfica, as possibilidades do analista incluir o
corpo, atravs do que ele apresenta na clnica, em seu direcionamento clnico. Apostamos que
inibio, sintoma e angstia so as trs maneiras de o corpo se apresentar na clnica da
neurose, que possibilitam ao analista trabalhar, atravs delas, os trs registros real, simblico
e imaginrio, no que os mesmos tocam o corpo.
Nossa inteno, desde o incio da tese, foi apresentar o corpo como um instrumento
que localiza o gozo experimentado pelo sujeito e materializa sua posio frente ao desejo (no
campo da neurose). Os impasses e solues concernentes ao corpo marcaram todo esse
percurso. O corpo signo do embarao do sujeito com a castrao, com o desejo e, ao mesmo
tempo, serve para o enquadramento do gozo (LACAN, 1975-76, p.144), vide a possibilidade
de ser colocado em cena aps o encontro do sujeito com o real.
A psicanlise implica uma prtica que leve em conta o corpo como substncia
gozante. Encontra-se destinada a retificar o gozo do sujeito, e no elimin-lo, pois sabemos
que o gozo o fim visado pelo movimento pulsional e que esse no tem fim. Alm disso, o
analista prima para que o sujeito no recue de sua posio desejante. Lacan nos pergunta:
27
Inibio, sintoma e angstia reportam estrutura do ser falante por estarem referidas
ao desejo, conforme viemos desenvolvendo, e tambm ao campo do gozo. O sintoma faz
borda ao gozo flico, a angstia faz borda ao gozo do Outro, enquanto a inibio bordeja o
sentido.
Assim, a inibio o resultado do embarao do sujeito com um sentido particular que
o amarra (LACAN, 1974-75, 17/12/1974). Ela est sempre referida ao corpo (Ibid), j que
resulta da invaso do imaginrio no simblico. A angstia, alm de ser tomada, de uma forma
geral, como a invaso do real no imaginrio, ou seja, no corpo, especificamente, podemos
afirmar que ela aparece quando algo do interior do corpo se apresenta como estranho, como
exterior, como o que ex-siste ao sujeito. O mal-estar, invasor do corpo, o ndice desse gozo
que o sujeito apresenta.
Assim, inibio, sintoma e angstia se apresentam no campo da neurose, ou seja, so
manifestaes do sujeito presentes na histeria e na neurose obsessiva.
27
BECKER, 2009, p.154.
179
sem referncia ao corpo que eu penso que a funo do real pode ser a distinguida (Ibid,
p.135).
A especificidade da psicanlise justamente dar um lugar ao real que no se pode
dominar. O analista aponta a direo do que no pode ser domesticado e o que no pode ser
domesticado no sujeito , sobretudo, a pulso. A pulso deixa aberta a formulao da relao
entre os sexos (Id, 1975, p.14). O que prprio da pulso o fato de ela localizar o ponto de
incompletude no corpo. Essa incompletude atravessa o corpo e angustia o sujeito, fazendo
com que ele eleja determinadas prticas sintomticas e inibitrias que fornecem a ele um gozo
a mais, na tentativa de completar o vazio que restou. H, porm, a possibilidade de direcionar
esse vazio de outra forma, em prol do movimento desejante do sujeito.
Por que o homem recua diante do desejo? Porque o desejo no garante satisfao e a
pulso sim. As propostas que circulam nos discursos atuais, sobretudo no capitalismo, so de
que o sujeito equacione sua falta pela via da satisfao. A proposta da anlise que o sujeito
encaminhe sua falta pela via do desejo. Nesse sentido, no se trata, no discurso analtico, de
um savoir-faire dos corpos (Id, 1972, p.479) e sim que o sujeito consiga se posicionar frente
ao seu desejo, o que deve trazer consequncias na forma como o ele lida com seu corpo.
Quais seriam elas? Se no possvel um saber-fazer em relao ao corpo, o que uma anlise
permitiria/visaria na relao do sujeito com o corpo no campo da neurose? Caber ao sujeito
inventar, quando possvel, uma outra sada para a sustentao de seu desejo que no apenas a
inibio, o sintoma e a angstia.
183
Consideraes Finais
possui uma relao necessria com o corpo. O corpo na neurose se apresenta como um lcus
suficientemente distinto e alheio onde o sujeito pode encontrar satisfao pulsional.
Logo pudemos ver que o sintoma, para a psicanlise, no permite a excluso da
dimenso do corpo de seu campo, independentemente de seu aparecimento na histeria ou na
neurose obsessiva. O sintoma implica a satisfao pulsional que exige um corpo para se
satisfazer.
A qual corpo temos acesso na clnica? Temos acesso ao corpo circunscrito em
significantes e imagens, que implica, de alguma forma, a desordem proporcionada pelo caos
pulsional, ou seja, deparamo-nos com um corpo marcado pelo desejo e pelo gozo.
A psicanlise define o corpo como uma unidade narcsica que fornece consistncia ao
sujeito. Tal consistncia resulta tambm de uma operao simblica, ou seja, o corpo efeito
do significante e da extrao do objeto a, definido aqui como o vazio em torno do qual a
pulso faz seu circuito, criando um continente para a libido. O objeto a possui uma funo
estruturante para o corpo, qual seja, ele se desprende da imagem narcsica e constitui a borda,
responsvel pela instalao de uma forma, de um contorno. A extrao desse objeto comanda
a unificao imaginria do corpo, como um lugar ordenado pelo significante, no qual a pulso
vai inscrever seu circuito.
No h neurose sem corpo. Graas ao falo operador simblico o sujeito se
posiciona na partilha dos sexos e subjetiva o corpo como um corpo sexuado. O pai enquanto
funo o que negativiza o gozo, instaura a ordem, estabelece limites e d sustentao ao
corpo, ao permitir que o falo se inscreva. A renncia ao gozo do corpo, enquanto ser, traz
consigo a constituio do sujeito e de seu corpo marcado pela impossibilidade da satisfao
plena. Essa perda aponta para a castrao, o que, por sua vez, implica na neurose. Assim,
apontamos que onde h castrao h perda de gozo, sendo essa perda necessria para a
existncia de um corpo.
A partir das operaes de alienao e separao, vimos que o sujeito requer a inscrio
do significante para o seu surgimento e, ao mesmo tempo, traz consigo seus efeitos: a
extrao do objeto a. O corpo se constitui a partir dos cortes realizados pelos significantes que
subvertem a anatomia fisiolgica. Eles do origem a uma anatomia erotizada, ordenada pela
lgica inconsciente (LACAN, 1962-63). O significante um instrumento capaz de agir sobre
o gozo e provoc-lo. Alm de ter a funo de representar o sujeito, o significante afeta o
corpo.
185
28
Silva, Alinne Nogueira. A anorexia entre o desejo e o gozo. Dissertao de mestrado defendida na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
186
relao impossibilidade da relao sexual, o sujeito cria um sintoma que o inibe e promete
ao mesmo uma resposta sobre o desejo do Outro e o que ser mulher. A anorexia pode se
enquadrar em uma tentativa do sujeito saber o quanto pesa, ou seja, o quanto vale para o
Outro, podendo levar o mesmo morte.
A bulmia, ao contrrio da anorexia, trata de compensar a ausncia do objeto de amor,
atravs da perseguio contnua e voraz do objeto comida. Os mtodos purgativos do vmito
e o uso de laxantes nos dizem que o movimento do fort-da pode ser realizado atravs do
corpo, do que entra e sai, com a encenao dos impasses presentes nos movimentos de
alienao e separao do sujeito. A busca por uma imagem ideal tambm se apresenta na
bulimia. O sujeito se agarra consistncia que a imagem fornece ao mesmo, tentando se
reduzir mesma. A imagem, porm, no diz tudo. O ponto que escapa mesma, ou seja, o
vazio que no se reflete e ao mesmo tempo a sustenta, retorna como um a mais que insiste em
aparecer na imagem do espelho.
A experincia clnica evidencia que o desencadeamento da anorexia e da bulimia
coincide, muitas vezes, com a perda de um objeto de amor. A perda de um objeto que possua
uma funo narcsica para o sujeito, gera uma ruptura em sua identificao, fazendo com que
o corpo despedaado, que o vu do amor permitia recobrir, aparea.
A clnica psicanaltica nos mostrou que o corpo se apresenta de maneira impetuosa e
insistente tambm na neurose obsessiva. As constantes queixas que esses pacientes, homens e
mulheres, colocam em sua fala, apontam a dificuldade dos mesmos em lidar com um corpo
que se apresenta, tambm aqui, como vivo e desejante. Questionando a tradicional separao
entre histeria e corpo de um lado e neurose obsessiva e pensamento de outro, possibilitamos o
retorno do corpo a essa neurose. Falamos em retorno pelo fato do prprio Freud ter localizado
um substrato de sintomas corporais na neurose obsessiva.
O corpo na neurose obsessiva encarna a inibio do sujeito diante do encontro com o
outro, materializa sua angstia diante do desejo, assim como participa de seus sintomas. Alm
disso, o corpo coloca em cena a dimenso do vivo para o sujeito no sentido como o
abordamos aqui, ou seja, o campo do gozo , seja atravs da sexualidade, da doena, da dor
que o corpo, sentido como desarticulado, faz surgir.
Na neurose obsessiva o corpo tambm aparece como um instrumento que busca
viabilizar uma estratgia pela qual o sujeito encontra uma sada para responder s questes
sobre o seu desejo. A via neurtica faz do corpo uma armadilha do desejo para o sujeito
187
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