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Inclusão Étnica e Racial PDF

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SRIE ANTROPOLOGIA

382

INCLUSO TNICA E RACIAL NO


ENSINO SUPERIOR: UM DESAFIO PARA AS
UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

Jos Jorge de Carvalho

Braslia
2005
2

INCLUSO TNICA E RACIAL NO ENSINO SUPERIOR:


UM DESAFIO PARA AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

Jos Jorge de Carvalho1

Agradeo imensamente s professoras Dircenara, Clarice, Ins e ao professor


Gabriel a honra e o convite para participar da II Semana da Conscincia Negra da
FEEVALE e compartilhar com vocs o rico momento que vivemos da tentativa de
implementao de aes afirmativas no ensino superior no Brasil. Conforme foi
colocado pelos professores Mauro e Arnaldo, o Estado, a sociedade civil, as empresas e
todas as instituies do pas comeam, talvez pela primeira vez, a passar a limpo o que
foi que ns conseguimos construir, em termos de incluso, desde a construo da
Repblica em 1889. A prpria existncia do COPAA aqui em Novo Hamburgo atesta
essa efervescncia atual da luta pelas reparaes. Discutir as aes afirmativas nas
universidades uma oportunidade de rever a imagem de nao com que vivemos. Por
muito tempo estabilizou-se no Brasil uma imagem do pas que foi muito favorvel a
uma parte da nossa populao branca. Essa imagem de um pas cordial, que vivesse uma
democracia racial, uma estabilidade e uma leveza de comportamento raciais, funcionou
durante muitos anos. Provavelmente ela foi estabilizada nos anos trinta, tendo como
figura central na construo desse discurso da nao brasileira o grande escritor Gilberto
Freyre, cuja obra continua circulando como referncia obrigatria. A questo que
Freyre no ofereceu uma soluo real: ele apenas criou uma soluo discursiva para um
problema que no se resolveu nunca no Brasil, que o racismo e a incluso tnica e
racial.
No momento em que teria sido muito mais fcil realizar essa incluso, a obra de
Gilberto Freyre, ao propor uma noo de democracia racial, encontrou um eco na elite
brasileira e o que a elite fez o tempo todo a partir da foi reproduzir essa obra, ensin-la
nas escolas e nas universidades. Os jornalistas liam e ouviam professores que faziam as
exegeses dessa obra e as colocavam nos jornais e muitas pessoas se convenceram (ou
quiseram se convencer) como se ela fosse uma representao veraz da nossa realidade.
Enquanto a elite intelectual celebrava essa idia de Casa Grande e Senzala, os ndices
de excluso racial no Brasil continuaram alarmantes, como o so at hoje. A grande
mudana, no momento presente, que essa idia de nao vai ter que se transformar, vai
ser necessria uma mudana na maneira em que nos vemos enquanto sociedade
nacional. O passivo com os negros e os ndios que ns temos no presente
conseqncia de que por muito tempo s foi possvel falar desse modo. Dito de outra
maneira: muitos intelectuais negros nos anos trinta tentaram confrontar e criticar essa
idia de integrao racial apontando para o sofrimento da comunidade negra e eles
foram reprimidos severamente ainda nos anos trinta. Nos anos cinqenta, um outro
grupo de intelectuais negros tentou novamente colocar para a nao a realidade dessa
excluso. Inclusive Abdias do Nascimento, que est vivo, organizou o Congresso do
Negro Brasileiro em 1950. H uma foto inclusive daquele congresso com Gilberto
Freyre sentado no canto da mesa, ouvindo os palestrantes. Essa foto me transmite a
impresso de que ele estaria absorvendo os argumentos dos negros, para depois dar uma
1
Conferncia proferida na II Semana de Conscincia Negra, no Auditrio do Campus II da Feevale, em
Novo Hamburgo, dia 17 de novembro de 2004.
3

resposta conservadora e teoricamente convincente para fazer com que as coisas no


pudessem mudar.
Chamo a ateno para o Congresso de 1950 porque a luta pelas aes
afirmativas e as cotas nas universidades comeou no Brasil no Jornal Quilombo, que foi
um jornal publicado em 1949 e 1950 pelo grupo de Abdias do Nascimento. Inclusive
Haroldo Costa, que j foi presidente do carnaval carioca, pessoa que tem uma trajetria
importante na indstria cultural e na mdia brasileira at hoje, j era vice-diretor da
Associao dos Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro naquela poca, e ele tinha
no Jornal Quilombo uma coluna, que saa sempre com cinco pontos fundamentais do
programa do jornal.
Um desses pontos era que, enquanto no se universalizasse a educao pblica
no Brasil, seria necessrio que os estudantes negros entrassem como bolsistas do
Estado, na verdade antecipando o que o MEC agora prope como resposta a essa velha
reivindicao. Ou seja, uma forma de aes afirmativas, parecida com a idia de uma
bolsa de estudos para jovens negros, foi colocada em 1949 pelo jornal Quilombo.
Conforme ocorrera no anos 30, tambm nos anos cinqenta esse assunto encerrou, no
houve um avano institucional por parte da elite para incorporar a demanda negra por
incluso no sistema educativo. Evidentemente, a demanda no parou e nos anos setenta
essa reivindicao cresceu muito mais e encontrou outra barreira muito forte, que foi a
barreira da ditadura militar. No momento em que o MNU (Movimento Negro
Unificado) colocou com mais nfase e franqueza a crise do racismo brasileiro, a
democracia racial tornou-se uma espcie de doutrina de segurana nacional. Ela
construiu uma imagem de nao que foi colocada para a sociedade de forma
compulsria, sustentada em uma represso feroz da discusso do racismo no Brasil,
como muitos dos meus colegas negros e brancos esto colocando agora, ao realizarem
uma reviso histrica desse perodo. Forou-se uma inclusive uma associao das
reivindicaes dos negros brasileiros com as dos Panteras Negras e outros movimentos
de direitos civis que existiam nos Estados Unidos. Houve inclusive uma certa influncia
do governo norte americano daquele momento sobre os militares brasileiros,
pressionando-os para que no permitissem o crescimento da luta anti-racista no Brasil,
porque os comunistas se infiltrariam atravs das suas reivindicaes.
Outro pacto construdo entre as elites brancas foi atravs do silenciamento e as
universidades ficaram sempre de fora dessa discusso, isto , sempre participaram desse
pacto branco para silenciar a denncia contra o racismo. Na verdade, esse pacto
continua at hoje. Por outro lado, acredito que neste momento no ser mais possvel
conter essa denncia da excluso racial e da excluso indgena. Isso foi colocado
inmeras vezes pelas lideranas indgenas nos fruns internacionais, na Declarao de
Barbados nos anos setenta, e ns continuamos na situao que os ndios esto hoje.
Gostaria de fechar essa primeira parte dizendo o seguinte: ns convivemos durante mais
de cem anos com um dos ndices de excluso racial e tnica mais brutais do planeta na
prtica, e simultaneamente com uma imagem de nao completamente oposta a isso, de
uma nao que fazia inveja a outras naes do mundo que achavam que aqui no Brasil
esse problema estava resolvido. Isso fez gerar em todos ns, acadmicos, uma
esquizofrenia monumental, que a esquizofrenia da qual estamos procurando nos tratar
no momento presente.
As universidades ficaram fora porque o projeto das universidades brasileiras foi
evidentemente um projeto eurocntrico, era o orgulho das nossas universidades
transladar para o Brasil o saber europeu e isso elas o fizeram sem nenhuma vergonha de
dizer que disso se tratava. As universidades federais mais antigas do pas (como vocs
4

sabem a Universidade do Paran a mais antiga de todas; depois veio a UFRGS e


depois a Universidade de So Paulo), so todas da dcada de trinta e todas tiveram um
perfil completamente branco. E naquele momento inicial teria sido possvel integrar
negros e ndios com muito mais facilidade e com eles teramos formado os que depois
se transformaram em professores das outras universidades. Mas isso no ocorreu.
Naquele momento em que teria sido possvel gerar uma discusso pblica sobre a
funo social da universidade pblica, seu papel social ficou restrito apenas formao
da elite poltica e econmica do pas - a do Rio Grande do Sul, do Paran, de So Paulo
e depois do Rio de Janeiro. A USP, para mim, seria o exemplo tpico dessa universidade
que se orgulha de ser completamente branca, completamente eurocntrica at hoje e
completamente reacionria discusso das cotas raciais. Isso no uma crtica s
pessoas, mas maneira como a instituio se constituiu e se definiu como uma pessoa
abstrata na qual as pessoas concretas se espelham.
Um outro momento muito importante, que teria sido tambm de incluso, se deu
nos anos cinqenta com a formao da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, do Rio de
Janeiro, que cresceu tambm dentro de um clima otimista de modernizao e expanso
de horizontes.
Um dos maiores cientistas sociais brasileiros do sculo XX foi Guerreiro Ramos,
socilogo negro, egresso da primeira turma de filosofia da Universidade do Rio de
Janeiro. Contudo, apesar do seu brilho intelectual, ele no se tornou professor da UFRJ,
tendo sido barrado no concurso para professor. No final da sua vida, contou esse
episdio de um modo dramtico. Na verdade, ele declarou em uma entrevista histrica,
ter sido vtima de racismo: os professores brancos da UFRJ no o queriam em seu meio
excludente. Vocs podem imaginar as conseqncias positivas para a comunidade negra
caso Guerreiro Ramos tivesse sido professor da UFRJ nos anos cinqenta. Ele teria
formado outros alunos que tambm teriam sido professores, e teramos hoje um outro
panorama da presena negra nas universidades pblicas. Ficou no seu lugar um
professor que no causou nenhum impacto especial nas nossas Cincias Sociais.
Edison Carneiro tambm foi outro intelectual negro que tentou ser professor da
UFRJ. Ele j tinha sido presidente da Campanha Nacional de Defesa do Folclore
Brasileiro e ia substituir Arthur Ramos, seu professor de Antropologia. Ele tambm
perdeu esse concurso para algum que nem sequer de longe possua uma produo
cientfica comparvel de Edison Carneiro.
Em 1960 tivemos um outro momento importantssimo que teria sido tambm
crucial para a incluso tnica e racial no Brasil, que foi a fundao da Universidade de
Braslia. Lembremos que aquele foi um momento de muita expectativa, de idealismo, de
um projeto de nao liderado por Juscelino Kubitschek com a fundao de Braslia.
Logo depois, com Joo Goulart, Darcy Ribeiro tornou-se extremamente influente na sua
condio de Chefe da Casa Civil. Darcy havia participado do Congresso Negro
Brasileiro de 1950, declarava-se amigo dos ndios aps haver feito pesquisa entre vrios
grupos nos anos cinqenta. Infelizmente, parece que ele se esqueceu desses vnculos
em 1960, quando podia ter includo negros e ndios na UnB, por ele fundada em 1961.
Sempre digo que com uma s canetada Darcy Ribeiro teria colocado os negros e os
ndios facilmente na UnB e agora estaramos em uma situao muito melhor como
nao multi-tnica e multi-racial. Por outro lado, visto que ele se esqueceu de exercer o
poder de incluso que certamente teria naquela poca na sua condio de Reitor, os
negros e os ndios continuaram de fora da universidade pblica por mais quatro dcadas.
A partir dos anos setenta cresceu o campo das universidades no Brasil, formado
por professores que tinham sido egressos daquelas universidades dos anos trinta, da
5

USP, UFPR, UFRGS, depois da UFRJ, depois da UnB. Assim, a mesma rede branca
original simplesmente se duplicou e se expandiu geometricamente. No momento
presente, ns temos em mdia 0,5% de professores negros nas universidades pblicas
brasileiras. Em algumas, isso chega a um escndalo como o da USP que de 0,2%. De
4700 professores, ns no contamos 10 professores negros em toda a USP. A
Universidade de So Carlos tem 670 professores e tem 3 professores negros, isso chega
tambm a 0,2 %. A UnB tem 1500 professores tem 15 professores negros, 1%. A
maioria chega a 1% como teto. a mesma porcentagem de diplomatas negros: dos 1000
diplomatas do Itamaraty, apenas uns 10 so negros. Esta a porcentagem da presena
negra na elite brasileira.
Penso que os argumentos em favor das aes afirmativas se esclarecem mais se
ns vemos o topo da pirmide escolar e no apenas a sua base. Ns estamos lutando
primeiro para a incluso no vestibular, mas preciso compreender que o controle
acadmico, o controle da cincia, o controle do ensino superior por parte da etnia branca
de 99% e por muito tempo ainda permanecer deste modo inquo. Acredito que essa
situao, moralmente escandalosa deveria motivar-nos e inspirar-nos quando
comeamos a pensar o que significa propor cotas, se elas devem seguir apenas o recorte
de baixa renda ou se deve ser para egressos da escola pblica. Tudo isso depende de
como nos vemos e nos compreendemos, de quanto tempo achamos que ser necessrio
para que o Brasil se apresente como um pas integrado racial e etnicamente.
Posso ilustrar essa excluso com uma pequena simulao, a partir de uma
pesquisa amostral da composio racial dos docentes da Universidade de So Paulo. A
USP demorou 20 anos para passar de 0,1% a 0,2% de professores negros. Se
continuarmos nesse ritmo to lento de absoro, vamos precisar de 160 anos para que a
USP chegue a ter 1% de professores negros. Isso, partindo de uma hiptese positiva de
uma incluso crescente porque, se piorar, no alcanaremos 1% de professores nem nos
prximos trs sculos. preciso ter a conscincia desse passivo numrico na cabea na
hora de projetarmos uma imagem de nao multi-racial para o Brasil.
Podemos, ento, fazer essa comparao com o Brasil, porque evidente que este
um assunto extremamente grave e doloroso e difcil de lidar, quando o discutimos
apenas entre ns, brancos acadmicos, que a situao mais comum que vivenciamos
dada a segregao racial j naturalizada em nosso meio. Mudanas dramticas j
ocorreram h dcadas passadas em outros pases, quando outras sociedades racistas
compreenderam que no era mais tolervel continuar com seus padres histricos de
racismo e decidiram mudar seus projetos de nao. So alguns exemplos clssicos
gostaria de mencionar rapidamente. Primeiro, a ndia em 1949. Quando a ndia deixou
de ser uma colnia britnica, (e ns tambm estamos vivendo um momento histrico-
poltico que poderamos chamar de um momento ps-colonial) e se transformou em
uma nao independente, foram abertas cotas para os dalits, ou shudras, tambm
conhecidos como os intocveis, que conformam o grande conjunto de sub-castas dos
que no tinham nenhum acesso educao. Foram estipuladas cotas para os dalits em
todas as faixas do sistema educativo e do funcionalismo pblico. Atualmente, aps mais
de 50 anos, a ndia ainda est no processo de integrao dos dalits na vida social, porm
evidente que a situao de incluso est muito mais avanado agora do que no seu
incio.
O segundo exemplo a Malsia, pas onde as aes afirmativas funcionaram
muito bem at agora. Em 1968, por uma deciso de Estado parecida com a deciso da
ndia, o Executivo iniciou um plano de reparaes para os bhumiputras (o grupo tnico
malaio original) que estavam totalmente fora das universidades e do mercado de
6

trabalho. Eles, que estavam prximos desse 1% de que falvamos da comunidade negra
no Brasil, passaram a ter uma porcentagem de cotas de 30% de todos os concursos para
funcionrios pblicos, nas vagas para estudantes e professores, em todos os cargos
acadmicos. Trinta anos aps esse projeto de polticas pblicas de incluso atravs de
aes afirmativas, os bhumiputra j esto praticamente integrados. Ou seja, o perfil
tnico e racial da Malsia dramaticamente diferente do que era h trinta anos atrs,
onde chineses e indianos (as duas etnias dominantes, equivalentes ao papel dominante
dos brancos no Brasil) eram praticamente donos de tudo. Ento, ns estamos falando de
pases onde havia um grande contingente populacional etnicamente marcado cujo
direito de acesso cidadania havia sido historicamente negado.
Quero fixar um pouco mais esses dois exemplos, porque o exemplo maior que
ns temos sempre dos Estados Unidos, e os Estados Unidos tambm passaram por
uma dramtica transformao na sua cidadania do ponto de vista racial. Pensemos no
que era os EUA em 1964, com a excluso brutal do negros e vejamos hoje nos jornais
de todos os pases a foto de Condoleezza Rice como o segundo personagem mais
poderoso do pas e um dos personagens mais poderosos do planeta. Ela conseqncia
das aes afirmativas norte-americanas, mas preciso lembrar que nos EUA a
populao negra naquele momento do auge dos movimentos civis representava apenas
9% do total. Por isso, essa situao um pouco diferente da situao brasileira. Ou seja,
houve uma transformao drstica que conta uma saga da incluso racial dos negros nos
EUA, narrativa evidentemente muito importante e muito digna, e uma saga da
incluso de apenas 9% da populao nacional. Se lembrarmos que no Brasil estamos
falando de 45% da populao, o Brasil se parece mais com os pases que tinham duas
etnias dominantes demograficamente e uma etnia controlava todos os bens, todos os
recursos e o acesso irrestrito aos cargos de importncia em 98% de todos eles, que a
porcentagem dos estudantes nas nossas universidades pblicas. No d para comparar
sequer com os EUA nesse ponto, porque no se trata de uma soluo para uma minoria:
trata-se de superar a excluso sistemtica de quase metade da populao nacional.
Considero importante frisar que no se trata de um raciocnio para propor aes
afirmativas para uma minoria; uma outra idia de nao que aparece. Ento, se a
porcentagem dos negros na regio de Novo Hamburgo de 10%, ou no Rio Grande do
Sul como um todo de 17%, fica claro que a presena atual da populao negra nas
universidades gachas est abaixo de 5%.
Se houve uma insero dramtica dos negros no ensino superior com 9% nos
EUA, ento, temos ento que fazer essa insero dramtica com os 17% daqui do Rio
Grande do Sul, porcentagem ainda menor que em outros lugares do Brasil como
Maranho, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e o Rio de Janeiro, onde as porcentagens
da populao negra nos estados vo de 50% at quase 80%. Insistamos no ponto central:
totalmente possvel compreender a necessidade urgente dessa transformao, bastando
que aceitemos os dados oficiais do IPEA sobre a excluso racial e tnica e os
consideremos como moralmente inaceitveis.
Outro ponto que precisa ser tomado em conta o carter generalizado, sob o
ponto de vista geogrfico, da excluso racial no Brasil. Em outros pases da Dispora
africana nas Amricas, os grupos tnicos excludos formaram sub-regies nacionais. Tal
o caso da comunidade negra na Venezuela, concentrada na regio de Barlovento e da
comunidade negra na Colmbia, concentrada na regio do Choc. Nesses pases, apesar
do racismo e da segregao racial, pelo menos algumas regies concentram a
desigualdade racial, o que torna mais fcil expor o problema e mais difcil para a elite
branca dominante fazer de conta que ele no existe. J no caso do Brasil, nossos ndices
7

de excluso vo do Rio Grande do Sul ao Amap e so mais ou menos os mesmos, seja


na composio dos estudantes de graduao das nossas universidades, na dos
mestrandos e doutorandos e na composio dos professores universitrios. Isso tambm
d uma caracterstica especial situao brasileira, ela exige tambm uma
reconfigurao total por isso. Negar a discriminao racial no Brasil e negar a
necessidade de uma discriminao positiva negar a existncia de uma injustia crnica
que se instalou no pas h mais de cem anos do Oiapoque ao Chu.
Se ela generalizada e se ela tem uma histria de pelo menos setenta anos
(refiro-me no ao incio da Repblica, mas aos anos trinta, momento em que as
universidades se constituram e que teria sido o momento de se definir quais seriam suas
regras de funcionamento e suas funes sociais) minha posio a seguinte: onde for
possvel integrar, essa integrao dever ser realizada instantaneamente, ao mesmo
tempo e em todos os espaos acadmicos possveis. Por exemplo, se ns temos uma
populao de secundaristas negros, pelos clculos apresentados pelo IPEA e pelo MEC
de algo em torno de 2 milhes e setecentos mil; e se o nmero dos estudantes negros nas
universidades no chega a cem mil, temos ento uma demanda enormemente represada
de secundaristas negros para entrar nas universidades e por isso que precisamos de
cotas em todas elas, para acelerar e dar conta dessa demanda. E se j temos uma
populao de universitrios negros que no muito alta, mas que j est perto de oitenta
mil, esses estudantes vo querer fazer o mestrado, logo precisamos pensar
imediatamente em modelos de ao afirmativa que abram as portas da ps-graduao,
para sermos coerentes com todo o esforo de cotas nos vestibulares que j esto
acontecendo. Caso contrrio, os jovens bacharis negros sero barrados pelo mesmo
funil apertadssimo que j tem setenta anos de existncia. No pode e no deve
acontecer. nosso dever integrar os jovens graduados negros no mestrado.
Se j temos mestres e mestras negros querendo entrar no doutorado, passaremos
a abrir tambm as portas do doutorado para acelerar a incluso dos mestres. Na verdade,
acredito que o sistema de aes afirmativas s faz sentido completo se introduzido
simultaneamente em todos os nveis do sistema educativo, de modo que a igualdade
racial seria promovida tanto de baixo para cima como de cima para baixo.
A mudana mais dramtica seria ainda mais em cima, nos professores. Seria
simplesmente absurdo que esperssemos 160 anos para passar de 1% a 2% de
professores negros, como o caso pattico da USP. Se o MEC vai abrir concurso agora
para 6000 vagas para renovar os quadros docentes das universidades pblicas, temos
que abrir cotas imediatamente para garantir a incluso de um mnimo de professores
negros, porque se deixamos o sistema como est, j sabemos que essa incluso racial
no ocorrer. J faz muitos nos que no temos concursos e se perdermos esta
oportunidade, pode passar mais uma dcada antes que haja uma leva to grande de
vagas para a entrada de professores no sistema docente pblico. Este o momento exato
de comear a melhorar a integrao do sistema. preciso ter esse panorama porque
daqui sairo os jovens acadmicos que tambm faro concursos em outros lugares. Que
eu saiba, o tema da excluso racial na docncia superior no est colocado em discusso
por nenhum dos atores principais da Reforma Universitria. Tanto o MEC quanto o
ANDES, a ANDIFES e a UNE continuam silenciando o drama do nosso racismo
acadmico. Esse tema deveria ter sido colocado como prioritrio em uma reforma
universitria, como uma oportunidade rara de uma mudana dramtica na realidade
acadmica brasileira.
Poderamos implementar o que explico em meu livro como um sistema de
preferncias: aonde existir um candidato negro em condies de ingressar na carreira de
8

professor, ele dever ter preferncia entre os candidatos aprovados. Na mesma linha de
argumentao, j formulei uma proposta de aes afirmativas para a ps-graduao.
Precisamos de cotas na graduao porque o vestibular generaliza a competio pelo
acesso. Por outro lado, a ps-graduao no universalista: ela temtica e baseia-se
sempre em um conjunto de interesses. Assim, muitas vezes um estudante com mais
capacidade no entra na ps-graduao porque no encontra o tema que queria estudar.
Digamos que o programa de ps-graduao que escolheu no oferece o tema de seu
interesse, enquanto um candidato menos preparado consegue entrar porque encontrou
um tema adequado e um professor que aceita orient-lo. A ps-graduao totalmente
seccionada por interesses.
Raciocinar nos termos da ps-graduao torna-se mais complexo, o que implica
uma vontade maior. Somos obrigados a colocar o interesse de integrao racial como
mais um interesse constitutivo de todos os programas de ps-graduao do pas. A
mesma coisa deveria valer com respeito aos concursos de professores: onde houver um
candidato negro com o perfil para uma determinada vaga oferecida, ele ter a
preferncia entre todos os aprovados. Diferente do sistema de cotas, que se baseia em
porcentagens fixas e previstas, no sistema de preferncia no se pode tabelar de antemo
quantas vagas sero reservadas.
A mesma idia de preferncia deveria ser usada em relao carreira de
pesquisa do CNPq. Dos oito mil pesquisadores do CNPq, o nmero de pesquisadores
negros irrisrio, no passa de 0,1%. Essa ao afirmativa necessria porque as redes
da pesquisa esto estabelecidas e muito difcil furar essa rede autonomamente, ou
individualmente. A tendncia a rede se auto-reproduzir com os professores colocando
seus orientandos nos novos cargos a ser preenchidos. Como os pesquisadores negros
no foram includos no momento de formao da rede nacional de pesquisadores; e
como no foi possvel formar uma rede paralela de pesquisadores negros, os jovens
candidatos carreira esto sendo barrados nas suas tentativas de entrar no sistema.
Somente uma ao integrada entre CNPq, CAPES e SESU poderia equacionar a
necessidade de uma mudana urgente nas regras de ingresso ps-graduao,
docncia superior e carreira de pesquisador.
O grave quadro de excluso aqui descrito aponta para a necessidade e a urgncia
de um esforo de incluso racial que no pode se limitar apenas s universidades
pblicas, porque, por mais que lutemos por mais vagas, no ser de um dia para o outro
que poderemos quintuplicar o nmero de vagas no vestibular, na ps-graduao e na
docncia. E sabemos, responsavelmente, que no contamos com uma reserva de meio
milho de professores qualificados. Fica, claro, portanto, que esse esforo corresponde a
todas as universidades - pblicas, privadas, comunitrias e pblicas no estatais. Ou
seja, se se trata de empreender uma reviso radical da imagem e da reconstruo da
nao brasileira, temos que abrir as portas para os ndios e os negros para que possam
entrar em todo o sistema de ensino superior, seja privado, pblico estatal e no estatal e
comunitrio, cada qual segundo suas possibilidades e respeitando o seu modo prprio de
realizar a incluso.
Temos que mentalizar essas tarefas em termos de dcadas e no de anos. Se
restringirmos a luta apenas s universidades pblicas, as dcadas de espera se
transformaro em sculos e seria at absurdo raciocinar nesses termos. Para que os
professores e estudantes da FEEVALE tenham uma idia do nosso passivo de incluso,
a frica do Sul j era mais integrada que o Brasil mesmo nos dias do apartheid. E hoje
em dia, qualquer universidade da frica do Sul tem mais professores negros, mais
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alunos negros na graduao, no mestrado, e no doutorado que a maioria das


universidades pblicas brasileiras.
Queria terminar dizendo o seguinte: a frica do Sul e os Estados Unidos
viveram um processo dramtico de incluso das suas respectivas comunidades negras; a
ndia viveu um processo histrico de incluso dos excludos pela casta; a Malsia
atravessou o processo de insero praticamente definitiva dos nativos malaios; o Canad
conseguiu resolver o problema da excluso histrica dos inuit, ou esquims, criando
inclusive faculdades especficas para os esquims e outras naes indgenas; a Austrlia
tambm conseguiu estabelecer polticas de incluso para os aborgines, que sempre
foram massacrados pela etnia branca, de um modo muito parecido com o massacre
sofrido pelos ndios brasileiros; e a Nova Zelndia estabeleceu tambm uma poltica de
igualdade tnica que pde incluir os Maoris no sistema educativo superior. Pensar
grande, de um modo digno do saber que j acumulamos sobre nossos prprios dilemas
polticos, sociais, tnicos e raciais, seria implementar processos de incluso similares
aos desses demais pases aqui no Brasil.
Devemos realizar uma incluso generalizada dos negros e dos ndios em todos
os espaos do ensino superior, para que os seus saberes h tanto tempo negados tenham
finalmente espao para crescer e influenciar nossos parmetros de saberes. Faremos a
incluso no somente para que os negros se preparem melhor para competir no mercado
de trabalho, mas tambm para que as nossas disciplinas expandam os seus horizontes e
se renovem. Por exemplo, para que a nossa Psicologia seja mais rica, e que no
reproduze apenas teorias psicolgicas eurocntricas trazidas dos EUA e da Europa, para
uma populao composta em sua metade de negros e ndios enfim, para desenvolver
uma Psicologia que seja tambm negra e indgena. Para que os departamentos de Arte
estudem tambm arte negra e indgena e no somente arte europia. Para que os
departamentos de Msica ensinem tambm msica africana e indgena e no apenas
ocidental. Para que nossa Arquitetura tambm inclua as arquiteturas indgenas e
africanas. Todos os saberes das nossas universidades se ampliaro a partir da incluso
de negros e ndios. Os estudantes e pesquisadores das nossas universidades somente tm
a ganhar com o intercmbio intelectual que surgir do convvio entre brancos, negros e
indgenas.
Finalizando, devemos enfatizar que o Brasil uma nao multicultural, mas que
se nega a se reconhecer com tal. Trata-se de uma nao multicultural que resiste em
abandonar sua crnica, datada e limitada perspectiva monolgica; que no consegue
realizar, de fato, essa vocao multicultural que carrega pela sua prpria diversidade
constitutiva. O desafio fica, para que cada regio e cada qual no seu lugar, contribua
para a realizao dessa multiculturalidade, pelos saberes e pela cidadania. Novo
Hamburgo uma regio tambm multitnica e multiracial. O problema que existe um
grupo racial aqui (o grupo negro) que certamente tem uma histria de discriminao e
excluso muito maior do que os outros e esse grupo uma minoria (12%), ento, no
a metade da populao. Essa regio pode sinalizar para o resto do Brasil que est
realizando um esforo de integrao racial e com isso servir de vanguarda, estmulo e
emulao para que outras regies do Brasil tambm faam o mesmo.
A proposta que a FEEVALE possa ser lder entre as universidades
comunitrias e que ela possa ampliar esse campo de integrao racial para as
universidades privadas e pblicas no estatais. A Universidade de Braslia foi a primeira
universidade federal a propor cotas para negros e vagas para ndios em 2003. Os ndios
entraram na UnB em maro de 2004 e a primeira gerao de cotistas negros entrou em
agosto de 2004. Aquele foi o primeiro ano de integrao racial na histria da
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Universidade de Braslia. Mais quatro universidades federais j iniciaram sua


experincia de incluso racial: a UFPR, a UFAL, a UFBA e a UNIFESP. Entre as
universidades estaduais, j funcionam cotas na UERJ, a UENF, a UNEB, a UEMS e a
UEL. A UNEMAT no somente aprovou as cotas para negros como pioneira no
terceiro grau indgena no Brasil. Falta agora as universidades comunitrias se unirem a
esse grupo de universidades pblicas para tentar construir, em um futuro no de sculos,
mas de dcadas, a possibilidade de um pas deveras integrado tnica e racialmente.
Convidamos a FEEVALE a implementar o seu sistema de cotas para incluir os
estudantes negros da regio de Novo Hamburgo e de todo o Rio Grande do Sul Muito
obrigado.

Respostas do professor s perguntas que lhe foram feitas:

1. Sobre o detalhamento do sistema de cotas aprovado na UnB

As aes afirmativas evidentemente no se restringem s cotas. Elas talvez


sejam o tipo mais dramtico de aes afirmativas, que reservar um conjunto definido
de vagas. Na verdade, o projeto que aprovamos na UnB refere-se a um Plano de Metas
para a Integrao tnica, Racial e Social da Universidade de Braslia. Esse Plano de
Metas foi aprovado pelo Conselho da Universidade com durao de dez anos. Dito de
outro modo, o Conselho da Universidade concede que por dez anos iremos mudar o
nosso vestibular atravs de uma srie de medidas. Quando pensamos em um Plano de
Metas, estamos frente a um projeto de incluso que mais abrangente do que s as
cotas. As cotas so apenas uma parte do Plano, que contm uma poltica de acesso, em
que podemos definir em primeiro lugar cotas. O vestibular so duas mil vagas,
separamos quatrocentas vagas para os estudantes negros e um nmero de at 15 vagas
para os ndios, para cada semestre. So os prprios ndios que solicitam o curso em que
querem entrar. Abrimos no mximo duas vagas para cada curso para atender s
solicitaes dos ndios. As reivindicaes so variadas e em cada semestre os indgenas
podem alterar a escolha dos cursos que desejam fazer.
H tambm um apoio escola pblica do Distrito Federal. Essa foi outra parte
aprovada tambm porque a escola pblica no homognea, ao menos em Braslia, e
imagino que em muitas outras cidades tambm deve ser assim. A escola pblica do
Plano Piloto prepara melhor os alunos para entrar no vestibular do que a escola de
periferia. Ou seja, se ns colocssemos cotas para a escola pblica, continuariam
entrando os estudantes de classe mdia branca do Plano Piloto - contando inclusive com
que uma parte dos estudantes das escolas particulares iria migrar para a escola pblica
do Plano Piloto e assim entrariam. Dessa maneira, continuaramos tendo a mesma
desigualdade social e racial de sempre. A proposta alternativa foi um apoio, o
equivalente a um pr-vestibular, para as escolas pblicas de periferia.
No que diz respeito permanncia, que um ponto to importante quanto o
acesso, a UnB se compromete a dar uma bolsa integral a todos os estudantes negros de
baixa renda, j que ns no fizemos nenhum recorte de renda com as cotas, que so para
estudantes negros, independente de sua renda familiar. Contudo, para os de baixa renda,
a universidade concede uma bolsa e d preferncia no alojamento da casa dos
estudantes. No que tange aos ndios, a FUNAI prov para eles a bolsa e o alojamento.
Alm da bolsa para os estudantes negros e indgenas, existir tambm um programa de
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acompanhamento psicopedaggico, visto que os estudantes vo entrar em um ambiente


branco, elitizado, que nunca recebeu indgenas nem um contingente to grande de
negros. Temos que acompanhar esse processo responsavelmente por vrias razes, a fim
de continuar esse dilogo com a gerao dos que vo entrar. Esse acompanhamento
to importante quanto o acesso, para que o aluno cotista possa permanecer bem nesse
ambiente universitrio que foi constitudo para receber apenas estudantes brancos.
Ento, o acompanhamento psicopedaggico faz parte do plano de aes afirmativas. Foi
colocada tambm uma ouvidoria, extensa a todas as pessoas em condies de
vulnerabilidade, seja pela condio racial, pela preferncia sexual, pelo gnero, pelas
necessidades especiais ou qualquer outra forma de vulnerabilidade.
No que diz respeito s bolsas de permanncia, elas podem ser feitas de vrios
modos. Podem ser atravs de bolsas dadas por fundaes para pesquisa, podem ser
preferncias nas bolsas de iniciao cientfica. Ou seja, mesmo uma universidade que
no tenha cotas, quando ela solicita ao CNPq bolsa de iniciao cientfica, ela pode
fazer outro tipo de ao afirmativa, simplesmente dando preferncia para estudantes
negros na diviso das bolsas de iniciao cientfica. A universidade pode criar um
Ncleo de Estudos Afro-brasileiros, ou um Ncleo de Estudos Indgenas e assim criar
um clima favorvel cultura afro-brasileira e cultura indgena dentro da universidade.
Que sejam construdos plos de valorizao dos saberes indgenas e africanos nas
universidades. Isso tambm uma ao afirmativa porque ns estamos lutando tambm
no campo do imaginrio, tentando tornar mais plural um imaginrio acadmico
brasileiro que tem sido at aqui inteiramente eurocntrico. A maioria dos Centros de
Estudos Clssicos, Centros de Estudos da Histria Medieval, de Histria
Contempornea, ou seja, aqueles que invariavelmente so chamados de centro de
estudos lidam exclusivamente com a cultura europia. Poucos so os que lidam com a
cultura africana. Isso tambm seria uma forma de ao afirmativa. H um elenco de
possibilidades nessa rea.

2. Sobre o parentesco entre as minhas propostas e a idia de ninguendade de Darcy


Ribeiro

Em um dos captulos do meu livro sobre as cotas eu discuto essas idias de


Darcy Ribeiro e apresento minha discordncia delas. Sua idia de mestiagem e
ninguendade uma coisa enquanto utopia, porm, enquanto descrio histrica do pas
outra bem diferente. Inevitavelmente, o Brasil um pas de origem europia, africana
e indgena. Contudo, a imagem de integrao por ele descrita e depois retomada por
Roberto Da Matta (apesar das diferenas polticas entre os dois) na imagem de um
tringulo das trs raas, no creio que seja apropriada. No sei qual figura geomtrica
representa-nos melhor, mas seria uma estranha figura geomtrica que certamente no
um tringulo. No pode ser um tringulo, porque os brancos tm 98% de todos os
postos chave da nao. Geralmente imaginamos um tringulo com um tero de cada
raa, mas no assim. Dito de outro modo, a idia de um tringulo com dois lados
absolutamente menores que o terceiro (um tringulo issceles com uma base enorme e
os dois lados que dela saem achatadssimos), contra-intuitiva do ponto de vista da
representao simblica. Exemplifico como a ninguendade despolitiza a questo da
excluso racial.
Dos setenta e sete juzes dos tribunais superiores, apenas dois so negros e
nenhum ndio. Dos mil diplomatas, apenas dez so negros e nenhum ndio. De todos
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os professores universitrios, temos apenas 1% de negros e nenhum ndio. Portanto, no


conforma um tringulo na realidade. Historicamente, a etnia branca ficou com toda a
riqueza e com todos os cargos de influncia capazes de decidir os destinos de todos de
brancos, de negros e de indgenas. Apenas no futuro, atravs de anos e anos de aes
afirmativas poderamos chegar a essa situao de construir um tringulo de raas no
Brasil. Entendo a posio de Darcy Ribeiro muito mais como utopia. O que quero dizer
que sua posio no descreve a nao, pelo menos na maneira como eu leio o Brasil
em que vivemos cotidianamente. constrangedor para mim sair de um auditrio em que
estou dando uma conferncia para estudantes negros da Bahia (como a reunio anual do
CENUMBA, Coletivo de Estudantes Negros das Universidades Baianas, do qual
participei) e voltar para a sala de aula da UnB e reencontrar-me com quarenta estudantes
brancos. No faz sentido uma situao dessas. muito difcil lidar com o grau de
segregao com que vivemos. -me pessoalmente insuportvel continuar com ele e por
isso defendo a incluso tnica e racial imediata no ensino superior.
Entendo o que Darcy Ribeiro quer dizer com sua fantasia de uma sociedade
futura mestia, mas o que importa resolver agora o fato de que a mestiagem no
trouxe cidadania para os negros, nem para os ndios. Agora, como vamos fazer para
chegar a essa cidadania, esta a questo que me interessa e me mobiliza. As aes
afirmativas so uma alternativa concreta. Se tivermos outras, uma revoluo dramtica
como a revoluo cubana que estatiza todos os bancos, faz uma reforma agrria
instantnea, distribui todos os bens imediatamente, a certamente comearamos a
integrar-nos tnica e racialmente. Mas essa revoluo no est no horizonte.
Entendo que estamos fazendo nesse momento uma radiografia da nossa situao.
Por que ns fizemos a proposta de cotas por dez anos? Tem a ver com o mercado de
trabalho. Nos prximos cinco anos formaremos uma gerao de estudantes negros que
entraro pelas cotas. Em seguida, vamos acompanhar a insero desses estudantes
negros no mercado de trabalho. E sabemos bem que o mercado de trabalho tambm
racista. Vamos observar se ele vai ficar mais ou menos racista, isto , verificar como ele
vai receber os estudantes cotistas que entraram por aes afirmativas na UnB. A
poderemos avaliar outra estratgia, porque uma segunda gerao vai encontrar uma
universidade melhor, mais integrada racialmente, para lutar por um mercado de trabalho
racialmente justo e eqitativo. Contudo, esse esforo tem que ser equacionado como um
todo. uma questo da elite da nao aceitar reconhecer-se nesse espelho doloroso e a
partir da estabelecer metas de integrao e igualdade racial.
Ivair Augusto dos Santos, que atua na Secretaria Especial de Direitos Humanos
do Ministrio de Justia, argumenta que vrios jovens negros conseguem entrar no
servio pblico atravs dos concursos, mas nunca alcanam os cargos de chefia porque
esses cargos so de confiana, isto , so discricionrios: no esto submetidos aos
critrios meritocrticos e sim a decises absolutamente pessoais. Do mesmo modo,
preciso pensar naquele famoso trem da alegria, na era Sarney, imediatamente antes
que se colocassem os concursos para entrada no servio pblico. A entrou uma leva de
milhares de pessoas no servio pblico. Que eu saiba, no foi feita ainda uma avaliao
do prejuzo causado comunidade negra por aquele trem da alegria, porque fechou a
possibilidade de acesso a muitos cargos por vinte e cinco ou talvez trinta anos. A parte
corrupta da comunidade branca se antecipou concorrncia aberta, justa e equnime e
ocupou os postos oferecidos pelo trem da alegria. Ao faz-lo, barrou injustamente no
apenas brancos capazes, mas tambm negros capazes, que j eram minoria nos postos
mais destacados e a partir da passaram a ser menos ainda. Essa anlise precisa ser feita,
racializar a idia do que foi o trem da alegria em Braslia em 1986: foi mais uma forma
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de fechar portas para os negros, quase cem anos aps o abandono que sofreram em
1888.
Da era Sarney aos dias de hoje muitos dos cargos que antes eram do Estado
foram terceirizados, o que gerou outro problema tambm: ficou mais difcil para os
negros entrar nos postos mais importantes, basicamente porque se tornaram mais
escassos. preciso fazer a radiografia do mercado de trabalho neste momento e ver
como podemos combinar essa anlise com as propostas de aes afirmativas. Seria
importante refazer a prpria idia de chefia, que no deveria mais ser nem discricionria
nem personalizada. Talvez, por muito tempo ela no possa mais ser de confiana, como
na Malsia, nos EUA e na frica do Sul ela deixou de ser discricionria. Em todos esses
pases, a igualdade racial nas chefias tornou-se compulsria, como corresponde a um
assunto de interesse de um Estado que se comprometeu a intervir na desigualdade tnica
e racial historicamente construda. No podemos mais escolher somente na base da
confiana, temos que estabelecer metas e polticas de igualdade. Podemos comear com
as metas e polticas de igualdade tnica e racial no meio no qual atuamos, o meio
acadmico. Muito obrigado.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

Eis algumas referncias bibliogrficas bsicas sobre o tema das aes afirmativas no
Brasil atual.

CARVALHO, Jos Jorge Incluso tnica e Racial no Brasil. A Questo das Cotas no
Ensino Superior. So Paulo: Attar Editorial, 2005.
GOMES, Nilma Lino; MARTINS, Aracy Alves (orgs.) 2004) Afirmando Direitos:
Acesso e Permanncia de Jovens Negros na Universidade . Belo Horizonte:
Autntica, 2004.
QUEIROZ, Delcele Mascarenhas (org.). O Negro na Universidade Brasileira. Salvador:
A Cor da Bahia, 2003.
SANTOS, Renato Emerson & Ftima Lobato (orgs) Aes Afirmativas. Polticas
Pblicas contra as Desigualdades Sociais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
SILVA, Petronilha Beatriz Gonalves e SILVRIO, Valter Roberto (Orgs.) Educao e
Aes Afirmativas: Entre a Justia simblica e a injustia econmica. Braslia:
INEP, 2003.

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