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Dissertação Luana Lobato Finalizada

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educao e Humanidades


Faculdade de Educao da Baixada Fluminense

Luana Ediena Cmara Lobato

Mottainai:
Um estudo de caso nas oficinas de fotografia artesanal
de Miguel Chikaoka

Duque de Caxias
2017
Luana Ediena Cmara Lobato

Mottainai:
Um estudo de caso nas oficinas de fotografia artesanal de Miguel Chikaoka

Dissertao apresentada, como requisito


parcial para obteno do ttulo de Mestre
em Educao, Cultura e Comunicao em
periferias urbanas, ao Programa de Ps-
graduao em Educao, Cultura e
Comunicao, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
rea de concentrao: Educao,
Comunicao e Cultura.

Orientadora: Profa. Dra. Liliane Leroux


Coorientador: Prof. Dr. Leandro Pimentel

Duque de Caxias
2017
CATALOGAO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEHB

R375

Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta
dissertao, desde que citada a fonte.

_______________________________________ __________________
Assinatura Data
Luana Ediena Cmara Lobato

Mottainai: Um estudo de caso nas oficinas de fotografia artesanal de Miguel


Chikaoka

Dissertao apresentada, como requisito


parcial para obteno do ttulo de Mestre
em Educao, Cultura e Comunicao em
periferias urbanas, ao Programa de Ps-
graduao em Educao, Cultura e
Comunicao, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. rea de concentrao:
Educao, Comunicao e Cultura.

Aprovada em 20 de Julho de 2017.

Banca Examinadora:

__________________________________________________
Profa. Dra. Liliane Leroux (Orientadora)
Faculdade de Educao da Baixada Fluminense UERJ

__________________________________________________
Prof. Dr. Leandro Pimentel (Coorientador)
Instituto de Artes UERJ

_________________________________________________
Prof. Dra. Anne Danielle Soares Clnio dos Santos
Ibict - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

_________________________________________________
Prof. Dra. Brbara Andrea Silva Copque
Faculdade de Educao da Baixada Fluminense UERJ
Duque de Caxias
2017
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais que sempre estiveram presente, nos sorrisos e nas lgrimas, nas
conquistas e derrotas, que me apoiaram incondicionalmente nas minhas decises, que nunca
duvidaram da minha persistncia e fora de vontade. Agradeo tambm a minha tia Dalila que
me acolheu nessa catica cidade do Rio de Janeiro, nos primeiros meses que cheguei e me
senti perdida, que me ajudou emocionalmente e financeiramente nas batalhas difceis que
enfrentei. Ao meu companheiro Renan, pelo amor, cumplicidade e companheirismo nesses
ltimos dois anos de estudos intensos. Tambm agradeo a minha eterna amiga Camila
Aranha, que percorre comigo desde a faculdade de Artes Visuais a intensa batalha acadmica.
minha orientadora, Liliane Leroux, primeiramente por ter aceitado orientar o projeto que
desencadeou neste trabalho, em segundo, pelas discusses e orientaes que contriburam
para o amadurecimento desta pesquisa e em terceiro, por me apoiar em todas as dificuldades
que enfrentei ao longo do curso.
Agradeo ento, ao meu mestre Miguel Chikaoka, por inspirar e instigar esta
pesquisa, por ter me mostrado ao longo dos anos a enxergar o mundo com outros olhos e no
somente os da cmera fotogrfica.
FAPERJ pelo financiamento desta pesquisa.
"Ns no vemos as coisas como elas so, porm como ns somos"
Anais Nin.

Cada qual descobre e inventa novas formas de inveno,


criando at uma nova linguagem fotogrfica."
Regina Alvarez.
RESUMO

LOBATO, Luana Ediena Cmara. Mottainai: Um estudo de caso nas oficinas de


fotografia artesanal de Miguel Chikaoka. 103..... f. Dissertao (Mestrado Educao,
Cultura e Comunicao) Faculdade de Educao da Baixada Fluminense,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, 2017.

Esta pesquisa se props a fazer um estudo de caso de duas oficinas de fotografia


artesanal mediadas pelo educador e fotgrafo, Miguel Chikaoka no municpio do Rio
de Janeiro. A partir de um olhar sobre o cotidiano das oficinas pude investigar
resqucios e nuances, assim como categorias que explicitassem o estado de espirito
que permeia a prtica de ensino de Chikaoka, que referncia nacional no mbito
artstico-fotogrfico assim como, compreender como a expresso Mottainai e o
tempo permeiam filosofias e valores que Chikaoka carrega consigo, desvelando-se
em mtodos de ensinar e experimentar a fotografia artesanalEsta pesquisa realizou
um estudo de caso de duas oficinas de fotografia artesanal mediadas pelo educador
e fotgrafo, Miguel Chikaoka no municpio do Rio de Janeiro. A partir de um olhar
sobre o cotidiano das oficinas e do registro descritivo (texto e imagem), pude
observar e investigar a prtica de ensino de Chikaoka, assim como compreender
quais principais categorias aparecem em suas propostas educativas. A pesquisa
buscou compreender tambm, como a expresso de origem Zen budista, Mottainai,
muito utilizada na cultura japonesa como um mantra do no desperdcio se torna
mote principal de sua metodologia, sendo intrnseca aos valores e filosofias que
Chikaoka prope-se disseminar, desvelando-se em mtodos de ensinar,
experimentar, vivenciar e aprender a fotografia artesanal.
.

Palavras-chave: Mottainai. Fotografia Artesanal. Chikaoka. Tempo. Educao


ABSTRACT

LOBATO, Luana Ediena Cmara. Mottainai: A case study in the artisan photography
workshops of Miguel Chikaoka. f Dissertation (Master's Degree in Education, Culture
and Communication) - Baixada Fluminense School of Education, Rio de Janeiro
State University, Duque de Caxias, 2017.

This research carried out a case study of two workshops of handmade photography
mediated by the educator and photographer, Miguel Chikaoka in the city of Rio de
Janeiro. From a look at the daily activities of the workshops and the descriptive
record (text and image), I could observe and investigate the Chikaoka teaching
practice, as well as to understand which major categories appear in their educational
proposals. The research also sought to understand, as the expression of Buddhist
Zen origin, Mottainai, widely used in Japanese culture as a mantra of "non-waste"
becomes the main motto of its methodology, being intrinsic to the values and
philosophies that Chikaoka proposes to disseminate, unveiling themselves in
methods of teaching, experiencing, experiencing and learning handmade
photography.

Keywords: Mottainai. Handmade Photography. Chikaoka. Education


ABSTRACT
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 Reportagem do jornal Dirio do 154


Par .Par...................................................................
Imagem 2 Oficina na Escola Municipal no bairro da Terra.................................................... 16
Imagem 3 Foto tirada com a pinlux por aluno no Ver o Peso .............................................. 187
Imagem 4 Mercado do Ver o Peso em Belm do Par. ....................................................... 1924
Imagem 5 Mapa do bairro da Terra Firme ......... 2034
Imagem 6 Palafitas prximas ao rio Tucunduba .................................................................. 2336
Imagem 7 Mapa da Regio metropolitana de Belm............................................................ 2544
Imagem 8 Vista de Belm sobre a baa do Guajar.............................................................. 2645
Imagem 9 Cartaz da oficina Brincando com a Luz ............................................................... 3247
Imagem 10 Dinmica de apresentao de grupo................................................................... 3451
Imagem 11 Mos em ao, confeco da cmera obscura................................................... 3553
Imagem 12 Processo de confeco da cmera obscura........................................................ 3855
Imagem 13 Decorando a cmera obscura.............................................................................. 3959
Imagem 14 Participante da oficina manipulando sua cmera................................................ 4061
Imagem 15 Experimento Visual.............................................................................................. 4162
Imagem 16 Criao dos participantes da oficina Brincando com a luz.................................. 4264
Imagem 17 Dinmica do furo do olho ................................................................................... 4364
Imagem 18 Experimento com a lupa /a concentrao dos raios luminosos ........................ 4365
Imagem 19 Dinmica das sementes..................................................................................... 4466
Imagem 20 Resultado dos experimentos com pincel de luz................................................. 4567
Imagem 21 Procurando materiais orgnicos e explorando o espao.................................... 4969
Imagem 22 Momento de inspirao e criao dos visores orgnicos ................................... 5071
Imagem 23 Criando os visores orgnicos............................................................................... 5074
Imagem 24 Visores orgnicos produzidos ............................................................................. 5176
Imagem 25 Crculo da alteridade/objetos ntimos .................................................................. 5279
Imagem 26 Dilogos ntimos.................................................................................................. 5382
Imagem 27 Listando em grupo na dinmica mos para fazer............................................ 5583
Imagem 28 Contornando as mos sobre o papel carto ....................................................... 5685
Imagem 29 Ritual da cmera obscura.................................................................................... 5787
Imagem 30 Experimentando a cmera obscura ................................................................... 5889
Imagem 31 Dinmica da troca.......................................................................................... 5989
Imagem 32 Dinmica dos raios de luz.............................................................................. 6092
Imagem 33 A ampulheta e Chikaoka................................................................................ 6194
Imagem 34 Abraos.......................................................................................................... 6295
Imagem 35 Cmera pinhole estilizada, feita com tubo de filme fotogrfico...................... 6397
Imagem 36 Pausa para o descanso .................................................................................. 6499
Imagem 37 Chikaoka marcando o local do furo (obturador) ............................................. 64100
Imagem 38 Chikaoka na gambiarra do laboratrio ............................................................... 65101
Imagem 39 Preparao dos qumicos para revelao fotogrfica.......................................... 66103
Imagem 40 Experimentos em grupo ....................................................................................... 67106
Imagem 41 Comparando os resultados em grupo I ................................................................ 68107
Imagem 42 Comparando os resultados em grupo II ............................................................... 68109
Imagem 43 Autorretrato -experimentao individual................................................................ 69110
Imagem 44 Fixador ............................................................................................................... 70113
Imagem 45 Papel de controle individual /observando as imagens reveladas......................... 71115
Imagem 46 Dinmica: A linha do olhar................................................................................... 72116
Imagem 47 Participante na dinmica da linha do olhar.......................................................... 73118
Imagem 48 Observando a cmera escura com lente.............................................................. 74121
Imagem 49 Materiais pincel de luz.......................................................................................... 75124
Imagem 50 Pintando com o pincel de luz................................................................................ 75126
Imagem 51 Relatos finais na roda de conversa........................................................................ 76130
Imagem 52 Bonde dos fotgrafos............................................................................................. 77
132
Imagem 53 lbum do Par em 1899 ....................................................................................... 80
134
Imagem 54 Fachada do Casaro Fotoativa.............................................................................. 81
35
Imagem 55 Chikaoka na Feira do Aa em Belm -PA 92
Imagem 56 Smbolo do nso 94
Imagem 55 Chikaoka na Feira do Aa em Belm -PA ............................................................

Imagem 56 Smbolo do nso ...................................................................................................


SUMRIO

PERCURSSOS INICIAIS.......................................................................................................... 12
I. Coletivo Cmera Aberta......................................................................................................... 14
II. A Terra Firme sobre o Rio Tucunduba...................................................................................19
III. Belm do Par, uma floresta urbana....................................................................................24
IV. As oficinas de Miguel Chikaoka............................................................................................ 28

1.CAPTULO 01 BRINCANDO COM A LUZ..........................................................................32


1.1. Crculo da alteridade: apresentao individual a partir do lugar de afeto ...........................32
1.2. O corpo como ferramenta: mos pra qu? ........................................................................35
1.3. Matria e Materiais............................................................................................................. 36
1.4. O Ritual da cmera obscura. ............................................................................................. 37
1.5. Olho no olho: A trajetria da luz na linha do olhar..............................................................42
1.6. Pincl de luz: O gesto revelador......................................................................................... 45

2. CAPTULO 02 FOTOTAXIA, EM BUSCA DO ELO PERDIDO..........................................47


2.1. Explorando o espao.......................................................................................................... 49
2.2. Crculo da alteridade I: Objetos ntimos............................................................................. 51
2.3. Dilgos de olhos vendados................................................................................................. 52
2.4. Crculo da alteridade II: Apresentando as histrias dos objetos ntimos.............................53
2.5. Mos para fazer.................................................................................................................. 54
2.6.O Ritual da cmera obscura................................................................................................ 56
2.7. Dinmica da troca............................................................................................................... 59
2.8. O fsico e o simblico numa teia......................................................................................... 60
2.9. A roda do tempo................................................................................................................. 61
2.10. Experimentaes com a Pinhole......................................................................................63
2.11. Construindo um laboratrio na gambiarra.........................................................................65
2.12. Jogos entre tempo, luz e imagem.....................................................................................66
2.13. No escurinho da luz vermelha.......................................................................................... 70
2.14. A linha do olhar................................................................................................................. 72
2.15. A cmera obscura com lente............................................................................................ 73
2.16. Pincl de luz..................................................................................................................... 74
2.17. Revelando experincias no tempo da ampulheta.............................................................76

SUMRIO

12
1 25
1.1 28

1.1.1 32
1.2 37
1.3 44
1.3.1 49
2 56
2.1 56
2.2 61
2.2.1 68
2.2.2 72
2.3 77
2.4 81
2.4.1 83
2.4.2 91
3 107
3.1 107
3.2 115
3.2.1 125
3.3 130
136

3.CAPTULO 03 CHIKAOKA E UM TERRITRIO DE IMAGENS.........................................78


3.1. Antecedentes histricos...................................................................................................... 78
3.2. Chikaoka e o surgimento da Fotoativa...............................................................................82
3.3. Aspectos da fotografia contempornea paraense..............................................................86

4.CAPTULO04 CHIKAOKA, MOTTANAI E O TEMPO.........................................................90


4.1.Mottainai, Zen Budismo e o Tempo.....................................................................................93
4.2.Um educador experimental e propositor de vivncias para alm da imagem......................99
12

1. PERCURSOS INICIAIS

Os Incio este trabalho falando sobre meus percursos iniciais descritos aqui,,
estes, que proporcionaram o estopim desta pesquisa e me guiaram na busca por
entender as relaes que se constroem na prtica com a conhecer mais as relaes
entre o tempo e o olhar, na fotografia artesanal de Miguel Chikaoka. A partir doe
olhar, de experincias sensoriais, tcnicas e afetivas que apreendi junto com
Chikaoka ao longo de minha formao acadmica e pessoal e em experincias com
a fotografia em outros espaos, pude experimentarcompreender as diferentes
possibilidades estticas e culturais que surgem a partir do uso da fotografia
artesanal e as relaes sociais que ela evidencia.
Minhas primeiras experincias com a fotografia artesanal, e os inmeros
aprendizados que tive como mediadora de oficinas de fotografia, aconteceram
dentro do Coletivo Fotogrfico Coletivo Cmera Aberta e com a participao em
oficinas de diferentes temticas e propostas na Associao Fotoativa 1, em Belm do
Par, sob mediao do fotgrafo e educador Miguel Chikaoka.
Chikaoka me proporcionou o despertar para um mundo repleto de
possibilidades educativas com a fotografia artesanal. Os aprendizados que obtive
em suas oficinas e os valores que absorvi ao conhec-lo melhor, Ttrabalhando como
voluntria nas aes da Fotoativa e participando de diferentes oficinas mediadas por
Chikaoka, aprendi muito sobre a fotografia artesanal e ao mesmo tempo, estes
aprendizados me guiaram at aqui na inteno de compreender mais
profundamente os conceitos e sensibilidades que permeiam sua metodologia, suas
relaes, tanto com a tradio japonesa na qualal Chikaoka foi criado, quanto com o
ambiente paraense ( local(local que escolheu morar) e, por fim, investigar quais os
efeitos de sua proposta ao ser aplicada fora de seu contexto local.
Ao integrar o Coletivo Cmera Aberta, entre os anos de 2011 e 2013, ainda
como estudante do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Par,
participei de algumas aes sociais e educativas, em regies de baixa renda,
utilizando a fotografia pinhole2 como ferramenta educativa. Este, certamente,
1
Fundada em Belm em 1984 por Miguel Chikaoka, se consolidou como um ncleo de referncia
para o desenvolvimento de uma cultura fotogrfica na regio amaznica e como uma das mais
atuantes e criativas organizaes culturais do Brasil.
2
A pinhole (buraco de agulha) basicamente uma cmara escura que tem um pequeno orifcio em
um lado da cmara. O material sensvel luz (filme ou papel fotogrfico) colocado na cmara
13

tambm foi um dos motivos para que a fotografia entrasse na minha vida como uma
curiosidade crescente, que se estende at hoje. As experincias foram to
importantes que culminaram no tema de meu trabalho de concluso de curso em
Artes Visuais, intitulado Coletivo Cmera Aberta: disparos estticos em transe, no
qual relato todos os processos pelos quais passei como participante no Coletivo,
assim como eas discusses tericas e histricas fao uma discusso sobre a
importncia da fotografia analgica e artesanal como arma de disparo cultural, social
e poltico, articuladando com autores que sobre abordam os coletivos de fotografia
contempornea do Brasil.il.
Ao perceber no mbito acadmico de Artes Visuaisno qual estava imersa ,
nas palestras, cursos e e nworkshopsos cursos de fotografia e educao que
frequentava em Belm a crescente influncia de Chikaoka e suas oficinas ao redor
do Brasil, l, tomei a decidiso pesquisarde percorrer o caminho da investigao de
suas propostas educativas, frequentando cada vez mais os cursos e oficinas
ministradas por ele. Ao passo que estas relaes se aprofundavam, compreendi que
a cmera artesanal era somente uma ferramenta, um eixo norteador de suas
propostas metodolgicas, que na verdade eram muito mais complexas. Os
diferentes temas e categorias abordados por Chikaoka, iam muito alm do ensino da
fotografia.
Por este motivo, julgo ser importante para este trabalho, e as discusses que
viro posteriormente, perfazer alguns dos trajetos que percorri ao longo das aes
vigentes no Coletivo Cmera Aberta e tambm resgatar memrias importantes
durante os percursos de aprendizado e experincias sensveis durante as oficinas
que participei comde Chikaoka, j que, a partir destasestas, instigaram o objetivo
central desta pesquisa. surgiram as hipteses que fundamentam as investigaes
deste trabalho.
Inicialmente farei uma introduo do Coletivo Cmera Aberta e de como as
relaes sociais e educativas que aconteceram no decorrer deste projeto tambm
contriburam indiretamente para este trabalhoa pesquisa. Posteriormente,
apresentarei as experincias com as oficinas de Chikaoka em Belm e os objetivos
que impulsionaram esta pesquisa. Posteriormente, no captulo 01, apresento o
primeiro estudo de caso, a oficina Brincando com a Luz, descrevendo as etapas e
escura do lado oposto ao furinho. Qualquer objeto opaco, como uma caixinha de fsforo ou uma lata,
podem virar uma pinhole.
14

dinmicas assim como os registros das imagens que elegemos serem as que melhor
descreveram a oficina. No captulo 02, Fototaxia, em busca do elo perdido, h a
descrio da segunda oficina do estudo de caso, tambm intercalando texto e
imagem. No captulo 03, Chikaoka e um territrio de imagens, apresento os
antecedentes histricos da fotografia no Par, assim como a contribuio de
Chikaoka para a cena fotogrfica em Belm e um breve aspecto atual da fotografia
contempornea paraense. No captulo 04, Chikaoka, Mottainai e o tempo, apresento
reflexes tericas sobre a expresso Mottainai e sua relao com a metodologia de
Chikaoka assim como a discusso sobre o tempo, categoria que aparece na
proposta de Chikaoka.

I. O Coletivo Cmera Aberta

O Pode-se dizer que o Coletivo Cmera Aberta ou CCA (sigla do coletivo),


surgiu com a inteno de traar novas estratgias de pesquisa e interveno
utilizando a fotografia como ferramenta de discusso, ensino e debate..
Ainda como estudante do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do
Par, elaborei, juntamente com cinco amigos, quatro deles tambm do curso, um
projeto que foi contemplado pelo edital dcom o Prmio Proex (Pr Reitoria de
Extenso Universitria) de Arte e Cultura da UFPA em 2011. Este prmio, era era
parte de um edital destinado a alunos da graduao que possuam projetos e aes
que contemplassem trabalhos sociais articulados s reas das Artes. . O Projeto,
nomeadoque nomeamos de Coletivo Cmera Aberta, elegia como parte central de
sua prtica, a fotografia analgica como meio de experimentao-ao e a fotografia
15

artesanal como ferramenta educativa.proposta prtica de oficinas. Alm de


compartilharmos ideias, espaos de produo e trocas afetivas, havia uma intensa
atividade de pesquisas e estudos sobre o papel da fotografia analgica na histria e
na contemporaneidade nos dias de hoje e sobre o poder da imagem na cultura
social.
As aes construdas coletivamente e as formas como pensvamos as
estratgias de mediao das oficinas tambm despertaram ao longo do tempo, as
seguintes indagaes: Que tipo de relao visual temos com a nossa cidade? Como
a fotografia pode influenciar no modo como concebemos o territrio que habitamos?
Como direcionamos nosso tempo e olhar para a o mundo e as coisas? Algumas
destas questes foram tratadasindagaes procurei investigar no Trabalho de
Concluso de Curso de Artes Visuais que apresentei defendi em 2014 na
Universidade Federal do Par - UFPA..
Um dos focos principais do Coletivo Cmera Aberta eram as aes sociais, a
linguagem fotogrfica ou seja, que queramos levar a linguagem fotogrfica para rua
e para os espaos onde ela pudesse ser apreendida e re-significada. O coletivo foi
muito importante no processo de amadurecimento acadmico e proporcionou um
olhar mais atento para as relaes das pessoas com a fotografia.
Foi no Coletivo Cmera Aberta que descobri o universo analgico e
artesanais, experimentando processos de revelao caseira e conhecendo mais a a
fundo a histria da fotografia paraense. Conheci tambm tambm, a fotografia
contempornea paraense mais de perto, frequentando exposies e colquios, e
conhecendo mais intimamente o trabalho de meus professores, Alexandre Sequeira
e Claudia Leo, ambos, fotgrafos reconhecidos na cena fotogrfica contempornea
nacional e que participaram da defesa do meu trabalho de concluso de curso de
Licenciatura em Artes Visuais..

ImagemFigura 01 Reportagem do Jornal Dirio do Par


16

FONTE: http://digital.diariodopara.com.br, acessado em 01/02/2015Dirio do Par.

No entanto, foi na periferia de Belm, no Bairro da Terra Firme, que aconteceu


a experincia mais significativas para todos os participantesmim, dentro do Coletivo.
A escolha pelo bairro no foi aleatria, basicamente dois critriosuas coisas a
influenciaram: primeiro o fato de na poca eu ser professora de uma escola
municipal no bairro o que tornou a captao dos participantes - alunos da EJA 3
mas acessvel, segundo, por se encontrar prximo Universidade Federal do Par
e, com isso, facilitar nosso acesso ao local aps as aulas. A oficina de fotografia teve
em mdia 15 participantes, j que os vinte alunos, inscritos inicialmente, oscilavam
muito entre faltas e presenas. Durante uma semana percorremos diversas tcnicas
fotogrficas, focando na dimenso ldica das dinmicas. e fazendo saltar delas
diversos aprendizados. Muito das propostas e mtodos desenvolvidos nas oficinas
foram influenciadas diretamente por experincias que os integrantes do Coletivo j
haviam tido na Fotoativa e/ou com Miguel Chikaoka.
Ao longo destas experincias, pude observar algumas relaes dos alunos
com as imagens cotidianas e entender mais sobre a realidade social na qual
estavam inseridos. As imagens que impregnavam suas vidas, fruto de experincias
complexas, individuais e coletivas e das relaes, de experincias subjetivas com o
mundo, ecoavam em suaeus falas nas conversasos dilogos recorrentes durante as
oficinas. Nenhum deles tinha tido contato com imagens produzidas artesanalmente,

3
Educao de Jovens e Adultos
17

nenhum conhecia de fato o processo pelo qual a imagem concebida.. Tudo era
novidade no mbito das imagens artesanais e tudo gerava encantamento.

ImagemFigura 02 Oficina na Escola Municipal no bairro da Terra Firme

.
FONTE: Acervo CCA.

Durante as experincias da oficina observamos que a curiosidade era o


combustvel deo aprendizado, somado a imensa vontade de testar oaprender o
desconhecido.
Muitos alunos estavam acostumados a fotografar pelo celular ou com
cmeras digitais e, o encontro com o analgico e com o artesanal fez ecoar uma
tenso incessante entre o experimentar e o poder. Saindo de hbitos anteriores nas
quais por vezes deixavam a si prprios de lado pelo poder quase autnomo da do
disparo mecnico da cmera. Nas experincias artesanais, integravam-se num jogo
recproco de trocas sensveis e subjetivas. O ato de fazerem sua prpria cmera
despertoufez despertar nos participantes uma curiosidade crescente, muitos no
conseguiam acreditar que de uma simples caixinha de fsforo ou caixa de papelo
poderiam surgir imagens.
Cada um em seu interior possua suas prprias relaes estticas e afetivas
com o meio em que viviam, este, a periferia da Terra Firme, permeado muitas vezes
pelae sua violncia psquica, social e moral. Entender a realidade daqueles alunos
era quase to importante quanto ensin-los a construir artesanalmente as cmeras
sem lente. Queramos conhece-los, trocar conhecimentos.
18

No decorrer da oficina organizamos uma sada para fotografar com uma das
cmeras produzidas em sala. As imagens foram produzidas com a cmera pinlux4, e
o local escolhido coletivamente pelos participantes para o experimento de suas
cmeras foi o Mercado do Ver -o- Peso5.
Procuramos deixar os alunos livres de qualquer imposio que oslhes
influenciassem ao que fotografar. Tomou-se a liberdade do olhar, guiada pela
intuio de cada um, na explorao de um territrio to prximo culturalmente e
distante imageticamente. Nossa inteno foi a de proporcionar aos alunos alunos o
caminhar, o observar e imaginar o local, direcionando suaa ateno deles mais para
a contemplao e percepo, mesmo que muitos ficassem preocupados com a
tcnica de manipulao da cmera e acabassem esquecendo de fotografar alguns
pontos importantes do local.
. Logo observamos o entusiasmo de um flneur, mas aqui com um sentido de
algum que perambula com compromisso, um compromisso guiado pela vontade
de capturar imagens.
Dentro deste espao de percepes variadas, as imagens iam se construindo
conforme orientaes subjetivas, individuais, coletivas e intuitivas, num explorar de
um territrio pouco frequentado por eles, o mercado do Ver- o - Peso.

4
Uma pinlux uma pinhole feita a partir de caixa de fsforos, onde o material sensvel um filme
fotogrfico de 35mm. Este nome devido as caixinhas de fsforo da marca fiat lux, que so as mais
utilizadas para fazer este tipo de cmera fotogrfica artesanal.
5
O mercado do ver o peso, localizado s margens do rio Guam e amazonas exemplo, por
excelncia, de um mercado popular, de tradio regional e local e, ao mesmo tempo, como um
espao translocal, transnacional, onde se articulam novas e antigas formas de organizao e venda
de produtos, sociabilidades e identidades, num contexto de modernidade amaznica. FONTE:
<www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/_arquivo_lusoafroomercadodover-o-peso-
belem1.pdf> acessado em nov.2015
19

ImagemFigura 03 Foto tirada com a pinlux por um aluno da oficinano Ver o Peso

FONTE: Acervo CCA.no Mercado do Ver o Peso.


FONTE: Acervo CCA.

O Ver o Peso, maior feira ao ar livre da Amrica Latina, um lugar fisicamente


prximo ao bairro da Terra Firme, e mesmo sendo um lugar onde muitos
trabalhadores moradores oriundos do bairro trabalham, os alunos participantes da
oficina relataram que pouco, ou nunca, o frequentam o lugar. Alguns, criaram em
seu imaginrio o estigma de que o lugar s podia ser frequentado por turistas.
Belm, assim como toda metrpole, cria seus espaos de segregao social e
muito comum ouvir nos discursos de alunos de periferia que eles no podem ir a
determinados espaos pblicos pois so lugares destinados aos turistas e
abusivamente caros.
Neste sentido, o passeio fotogrfico tornou-se uma forma de aproxim-losos
aproximou mais de um ponto turstico da cidade e faz-los compreender a
importncia histrica e cultural do mercado para Belm, aproximando tambm a
noo de pertencimento de um lugar que de todos democraticamente. Um espao
20

pblico que pode ser frequentado por eles e por todos que quiserem estar ali. Esta
discusso foi levada posteriormente sala de aula e discutimos muito com eles a
importncia do acesso a estes pontos ditos tursticos, frequentar estes lugares
um ato de resistncia social, afinal espaos pblicos devem ser frequentados por
qualquer classe social. e de direito.

ImagemFigura 04 Mercado do Ver o Peso em Belm do Par.

FONTE: GOOGLE/2016

Neste contexto de resgate deas experincias importantes que tive nana


cidade de Belm, quase que intrnsecas ao que impulsiona a necessidade de anlise
desta pesquisa, compreendo ser importante situar os leitores sobre a periferia da
Terra Firme e a cidade de Belm. DescrevoTraduzirei em poucas palavras e em
algumas breves imagens como este territrio para que seja possvel um imaginar
do lugar, para aqueles que nunca puderam estar l. estiveram l.

II. A Terra Firme sobre o Rio Tucunduba

O Bairro da Terra Firme, periferia da regio metropolitana de Belm, sempre


foi lugar estigmatizado pela violncia, pela falta de infraestrutura (ausncia de
drenagem e tratamento dos esgotos domiciliares, industriais e comerciais) e pelo
21

fornecimento de gua precrio. O mesmo canal que aproxima os produtores de


hortifrutigranjeiros do arquiplago da ilha do Maraj, e outras regies, possibilita o
trfico de drogas, que intenso na regio e provoca conflitos constantes entre a
polcia militar e a populao local..

ImagemFigura 05 - Mapa do bairro da Terra Firme.

FONTE: Google Earth/2016

Cortado pelo rio Tucunduba6, assim como vrios outros bairros da cidade de
Belm, a Terra Firme cenrio de constantes alagamentos com a cheia do rio e
potente via de escoamento para o trfico de drogas.

A rea da bacia do Tucunduba que envolve os bairros do Guam e da Terra


Firme, ainda preserva em seu espao alguns pontos crticos da moradia que
expressam uma concentrao espacial da pobreza urbana. Por isso, de
lugar de resistncia da populao que foi expulsa da rea central da cidade
e dos imigrantes do interior do Estado que vieram para a capital, o
Tucunduba foi incorporado lgica perversa da economia do crime que se
materializa no espao e fixa pontos estratgicos para a organizao em
escala local da trama do narcotrfico e sendo assim, a violncia urbana da
rea o transformou em um lugar de perversidade para aqueles que (so)

6
O nome do rio Tucunduba deriva da existncia do grande nmero da palmeira Tucun (Astrocaryum
aculeatum) em suas margens no perodo da ocupao da bacia hidrogrfica. Possivelmente criado
pelos ndios Tupinamb, seus provveis primeiros habitantes (ALVES, 2010).
22

brevivem em meio ao controle das faces que transformam o cotidiano das


pessoas em uma fobpole7.(COUTO,2013).

Entre o final do sculo XX e incio do sculo XXI presenciamos um aumento


da violncia urbana nas metrpoles brasileiras. Belm, tambm v um crescimento
assustador da criminalidade, no qual sentimentos de insegurana e medo so
visveis e sentidos por quase toda populao.
Pode-se afirmar que o rio Tucunduba um acessrio importante
dentro da articulao da violncia no bairro da Terra Firme, pois ele conecta vrios
bairros ao entorno, sendo palco dfazendo surgir as famosas rixas entres as
faces vizinhas, adjacentes ao rio.

(...) a bacia do Tucunduba se enquadra como uma rea que tambm est
na trama das redes ilegais, recebendo boa parte da droga que abastece os
bairros da Terra Firme, uma parte do bairro do Guam, Marco e Canudos,
uma conexo direta com o rio Guam. Da entender o porqu de existirem
muitos conflitos envolvendo faces rivais nos bairros da Terra Firme e
Guam. (COUTO,2013).

Sabemos que o trfico de drogas, muitas vezes, administra as


dinmicas sociais de um lugar, mas no podemos apenas associar o ndice de
violncia e desigualdades sociais do bairro apenas s caractersticas geogrficas,
certo que o descaso pblico e infelizmente, a historicidade do bairro, contriburam
muito para que o mesmo delineasse predominantemente um cenrio de violncia e
de fortes conflitos sociais. Atualmente a regio passa por um processo de combate e
preveno violncia. A ao da PM privilegia lugares considerados de risco, nos
moldes das UPPs do Rio de Janeiro.
Nascido na dcada de 1950, o bairro ganhou corpo a partir da ocupao
de terras pblicas em reas aqui tratadas de baixadas 8 (favelas), onde predomina a
arquitetura da palafita. O bairro que tem cerca de 60 mil habitantes e
abrigaacumulou reas ada Universidade Federal do Par (UFPA), da antiga
Faculdade de Cincias Agrrias do Par (FCAP), Empresa Brasileira de Pesquisa

7
'Fobpole resultado da combinao de dois elementos de composio, derivados das palavras
gregas phbos, que significa 'medo', e plis, que significa 'cidade'. [] Uma 'fobpole' [...] uma
cidade dominada pelo medo da criminalidade violenta. Mais e mais cidades vo, na atual quadra da
histria, assumindo essa caracterstica (SOUZA, 2008, p. 9)
8
Baixadassoreasalagadasoualagveispelaconcentraodasguasdaschuvasepelosfluxosdasmarsdos
rioseseusafluentesquecortamostiourbanodeBelm.Soterrenoscujascurvasdenveisestoabaixoda
cotade4m[donveldomar](ABELM,1988,p.31)
23

Agropecuria (Embrapa), e do Museu Paraense Emlio Goeldi. Boa parte da sua


populao da rea composta por migrantes internos (vindos do interior do Estado
do Par) ou do Nordeste, em particular do Maranho. Em Belm, as baixadas que
tiveram um rpido processo de ocupao urbana, coordenadas por um planejamento
autoritrio e desigual, tiveram um papel importante para a questo da moradia
perifrica na cidade. A populao excluda do caro mercado imobilirio encontrou
nestes espaos uma oportunidade de moradia. Foi nesse contexto que o bairro da
Terra Firme e do Guam tivera, sobretudo, na rea do Tucunduba, uma evoluo
urbana espontnea e desestruturada. Assim, a favelizao do bairro
evidentebastante visualizada na rea da bacia do rio.
O Projeto TucundubaH um projeto de Saneamento Integrado do rio
Tucunduba, iniciado pelo governo do Estado em meados de 2013, que tem
reconfigurado boa parte do territrio espacial da Terra Firme e do Bairro prximo, o
Guam, neste projeto,. mMuitas casas foram realocadas ou demolidas, para
proporcionar um alargamento da Avenida Perimetral, uma das principais vias que
cortam o bairro. H relatos tambm de que muitos moradores da regio, prximos
ao replanejamento de moradia para revitalizao e saneamento do curso do rio,
tenham ficado frustrados com as decises tomadas pelo Governo do Estado do
Par, pois os acordos de realocao delimitados anteriormente no foram
cumpridos..
A Terra Firme, retratada majoritariamente pela mesmo tendo sua ateno
quase que sempre direcionada pela mdia belenense pelaara a violncia e
infraestrutura precria, tambm um importante polo cultural dentro da cidade de
Belm. No bairro coabitam vrios terreiros de umbanda e candombl, igrejas
evanglicas e catlicas, blocos de carnaval, reggae, campeonatos de quadrilha de
So Joo, boi bumb e muitos Institutos e Pontos de cultura, assim como projetos
sociais e de Arte voltados para a populao local.
Entre suas palafitas 9 e estivas10, construes arquitetnicas rudimentares,
uma forte cena criativa e cultural ecoa. A dinmica social do bairro, com forte
influncia ribeirinha11, convive entre a cultura de massa, com suas festas de
99
Habitao de madeira permanente sobre gua ou reas encharcadas (SIMONIAN, 2010 apud
BRITO,2014).
1010
Pontes de madeira interligadas que servem de via de acesso s palafitas (SIMONIAN, 2010 apud
BRITO,2014)
1111
A populao tradicional que mora nas proximidades dos rios e sobrevive da pesca artesanal, da
caa, do roado e do extrativismo denominada de ribeirinha.
24

aparelhagem12 e a resistncia social diria, contra o estigma de violncia e


infraestrutura precria.
A inteno inicalinicial ,inicial, ao fazer a oficina com os alunos da Escola
Municipal na Terra Firme, era de percorrer o bairro e fotografar aquele territrio,
porm, a maioria dos alunos no optou em explorar o prprio lugar de moradia,
alegando no ter nada de atrativo para se fotografar. Este posicionamento coletivo
levou a algumas indagaes acerca da sensao de no pertencimento ao lugar, e
de um estigma dos prprios habitantes. Tais questesindagaes no sero
exploradas nesta pesquisa, porm no deixam de ser importantes para compreender
a relao de pertencimento e valorizao de quem habita a periferia.

ImagemFigura 06 Palafitas prximas ao Rio Tucunduba.

FONTE: GOOGLE.

O bairro da Terra Firme, no entanto, s mais um dentre tantos nas periferias


de Belm, que convivem diariamente com o descaso e violncia. Segundo a anlise
do ndice de bem-estar urbano - IBEU Local, h H um estudo que aponta que a

12
As festas de aparelhagens so realizadas na Regio Norte do Brasil, mais precisamente em Belm
do Par, o altar da aparelhagem, lugar onde ficam posicionados os DJs, centro das atenes da
festa, como uma espaonave que vem descendo no meio do clube, por trs de tudo, um gigantesco
painel de leds iluminando o lugar com imagens remixadas pelos prprios DJs.
25

prpria regio Metropolitana de Belm pode ser caracterizada como uma extensa
periferia precria, com agudas carncias de infraestrutura e servios urbanos. 13
Porm, esta mesma Belm, que comporta agudas carncias de
infraestrutura e profundas desigualdades sociais semelhantes s que esto
presentes em outras metrpolesoutras metrpoles, se configurou como um
importante polo criativo nacional e difusor de umas das cenas fotogrficas mais
importantes do pas.

III.

- Belm do Par, uma floresta urbana.

(...) Nunca quis escalar montanhas.


Sou profundo e profundeza.
No lugar de onde eu vim conviviam a mata e os coroados, as regras e os
descabveis, o luar e os candelabros.
No havia: tinha que ser.
Por favor no me pea explicaes, eu no sou homem nem bicho.
Eu sou meio, as pontas, as lanas e os perfurados.
A minha cidade suada, sarada, safada, molhada.
A minha alegria sagrada. Eu sou paraense, me entenda.
L o tempo passa diferente, sem tempo, com tempo, sem pressa, correndo,
morrendo e nascendo.

13
Anlise do ndice de bBem-estar uUrbano - IBEU Local, retirado da pesquisa no site:
<http://www.observatoriodasmetropoles.net> Acessado em 10/12/2016.
26

Andr Lima

Falar de Belm sempre falar com emoo, como na poesia de Andr Lima,
ser belenense ser profundo e profundeza. Belm, terra banhada por rios e mata,
um centro urbano catico imerso dentro da floresta amaznica.
"Em Belm o caloro dilata os esqueletos e meu corpo ficou exatamente do
tamanho da minha alma, registrou o escritor Mrio de Andrade, em sua obra O
Turista Aprendiz, de quando esteve na capital paraense em maio de 1927. Batizada
em 12 de janeiro de 1616, Belm, localizada na regio Norte do pas,
carinhosamente chamada pelos seus de Cidade Morena e popularmente conhecida
pelo calor do incio de tarde seguido pelas chuvas vespertinas nem bela nem
formosa, cabocla desajeitada e pequenina como diz o cantor e compositor Alcyr
Guimares, um pedao da Amaznia, envolta por rios, mitos e mata verde.
Nascer e crescer em Belm estar bem prximo natureza e mesmo assim
neg-la, uma cidade que vive num intenso paradoxo, onde sua populao insiste
em progredir sem se desvencilhar da sua raz ribeirinha. De longe, dos altos prdios
que contornam a cidade possvel avistar as palafitas e barcos, o vento que sopra
de longe traz consigo aquele ar mido e molhado, fruto do clima equatorial. Estar em
Belm vivenciar asfalto e o cheiro de mata verde.

Imagem 07 Mapa da regio metropolitana de Belm


27

FONTE: GOOGLE/2017.

Diferentemente da noo que outras muitas regies tm sobre a Amaznia,


pautadas no olhar do colonizador, e que a sintetizou sob uma perspectiva extica:
natureza exuberante, eldorado, paraso perdido, vazio demogrfico ou inferno verde.
Imagem esta, ainda muito divulgada por meios de comunicao em massa,
especialmente a televiso, a Amaznia, especificamente Belm, dialoga entre o
concreto e a floresta, entre a cultura cosmopolita e ribeirinha, num paradigma
eloquente entre a cidade do verde, circundada por florestas, e do concreto pesado
de suas construes arquitetnicas modernas.
Belm, cidade histrica e porturia, localizada ao extremo nordeste da
maior floresta tropical do mundo, tambm foi colnia de Portugal. Terra explorada
pelos portugueses que dizimaram muitas aldeias indgenas que ali habitavam, no
perdeu o ar tradicional das fachadas dos casares e das igrejas do perodo colonial.
Nas ltimas duas dcadas, passou por um forte movimento de verticalizao, devido
a novas tendncias na construo civil local e ao plano de valorizao do espao da
cidade. A cada dia os prdios invadem mais a sua paisagem urbanstica, quase
fechando a viso para a baa do Guajar que circunda boa parte da cidade.

ImagemFigura 08 Vista de Belm sobre a baa do Guajar.


28

FONTE: GOOGLE.

Belm convive com nveis sociais desiguais, marcada pela concentrao do


poder econmico na mo de minorias e v um assustador crescimento da violncia
e descaso urbano, onde casarios antigos, do perodo colonial so demolidos e
abandonados diariamente, retrato de um governo corrupto e ausente. a 26
cidade mais violenta do mundo, a 9 do Brasil e a 3 da Amaznia, segundo o
levantamento divulgado pelo Conselho Cidado para a Segurana Pblica e a
Justia Penal de uma ONG mexicana".14
possvel encontrar marcas do perodo ureo da Borracha em algumas das
suas arquiteturas no centro da cidade as quais contrastam com uma periferia urbana
que foi empurrada para prximo dos rios onde no houve saneamento bsico.
15
A Amaznia uma floresta urbana , ,enfatizou a professora Bertha Becker, ,
baseada em dados censitrios. Belm uma delas. A principal capital da regio
quase uma ilha. Dos 505.823 km 2, 332.037 km2 regio insular (65,64%), formada
por 43 ilhas. Sob um clima quente mido, numa temperatura mdia de 30 C, o
comrcio e a prestao de servio que fazem a cidade se mover economicamente. A
hidrografia rica: furos, igaraps, rios e baas. Tanto em sua parte continental
quanto na insular. . (BECKER, 2011)
Ou seja, uma Belm das guas que habita muitos rios, sem falar da gua da
chuva, que banha a cidade quase todos os dias. Um rio-mar de gentes. Olhares,
saberes, cores, cheiros e histrias. A abundncia de recursos florestais, minerais e
hdricos a torna alvo dos mais diferentes interesses em variadas dimenses:

14
Retirado do Site <Site: https://lucioflaviopinto.wordpress.com/2016/10/28/belem-violencia-mundial>
.Acessado em 02/05/2017.
15
(BECKER, 20111) in http://www.ppg-casa.ufam.edu.br/pdf/Bertha%20Becker_2005.pdf.
29

econmicas, sociais, polticas e ambientais. E em escalas: local, regional, nacional e


global, onde o direito propriedade privada sobre a terra tem se sobreposto posse
ancestral indgena.
Os Belenenses mantm com fervor, o gosto pelas coisas da terra, detentor de
uma rica culinria, misto de sabores indgenas, africanos e europeus, se destaca
nacionalmente na alta gastronomia.
Belm um punhado de terra longnqua dos grandes centros urbanos do pas, mas
que convive com iguais problemas sociais e econmicos. Cidade mergulhada sobre
rios e baas, onde a terra molhada e mida e o sol, ator sempre presente. Lugar
que pulsa cultura, cena fotogrfica de referncia nacional, palco de poetas e
escritores conhecidos no mundo todo, Belm se configura na complexa relao
ambgua entre vanguarda e provncia, entre o buclico e o violento.
Belm fotograficamente atraente, por este motivo muitos fotgrafos
nacionais e internacionais aportam na cidade, alguns se encantam e ficam para
sempre, como foi o caso de Chikaoka, natural de So Paulo e morador h mais de
30 anos da cidade, um verdadeiro samurai amaznico.
Chikaoka escolheu Belm como refgio e morada, aglutinado uma cena fotogrfica
de imensa potncia e que se sustenta fortemente at hoje. Foram l que as suas
primeiras experincias educativas se consolidaram. Foi em Belm que Chikaoka
inaugurou a Fotoativa, mola propulsora de vrias geraes de fotgrafos
belenenses, que, ao se inscreverem nos cursos propostos, em busca de algum tipo
de informao, eram despertados para o mundo da viso e da sensibilidade.
Segundo as curadoras ngela Magalhes e Nadja Peregrino, as oficinas da
Fotoativa eram (...) permanente ebulio que tem por finalidade pesquisar,
estimular e difundir a fotografia como prtica de linguagem. Estas oficinas que se
iniciaram em meados dos anos 80, e que sero resgatadas historicamente em seu
contexto, aqui neste trabalho, se desdobraram ao longo dos anos e levaram o nome
de Chikaoka referncia nacional. Mas o que h nestas oficinas propostas por
Chikaoka que despertam a curiosidade e apreo por fotgrafos e educadores de
vrios lugares do pas?
30

IV.
- As oficinas de Miguel Chikaoka

Como dito anteriormente, as experincias com a fotografia artesanal com os


alunos da Terra Firme dentro do Projeto Coletivo Cmera Aberta e as oficinas de
fotografia com o fotgrafo e educador Miguel Chikaoka foram os impulsos que
motivaram esta pesquisa.
A participao nas oficinas de fotografia artesanal com Chikaoka na
Associao Fotoativa e posteriormente, j graduada em Artes Visuais, na oficina de
formao de professores de Artes Visuais da Secretaria Municipal de Educao de
Belm, ambas com tambm mediada por Chikaoka, construiramsistematizaram meu
caminho at aqui. Os vrios interesses em percorrer esses territrios sensveis e
fotogrficos, eclodiram na necessidade de investigar mais o universo da luz e
aqueles que a experienciam, desencadeando na minha deciso em observar mais
atentamente as mediaes educativas de Chikaoka e de sua metodologia,
observando como os mtodos emmtodos em suas prticas educativas afetam
outra cultura que no a de Belm do Par. Assim, esta pesquisa tem por objetivo
investigar: A contribuio de Chikaoka para que Belm se tornasse referncia na
cena fotogrfica nacional, influenciando fotgrafos e artistas - educadores de outras
regies do Brasil. Os fundamentos, atos performativos e elementos que Chikaoka
utiliza em seu trabalho com grupos que instiga fotgrafos de outras regies - como a
do Rio de Janeiro - a participar de suas oficinas. Assim, busco compreender tambm
questes como: Que instrumentos Chikaoka utiliza em sua metodologia que instiga a
vontade e apreo de fotgrafos de outras regies como a do Rio de Janeiro a
participarem de suas oficinas? Que relao cultural e pessoal Chikaoka construiu em
Belm para que a mesma se tornasse referncia na cena fotogrfica nacional,
influenciando fotgrafos e artistas - educadores de outras regies do Brasil?
Para realizarmos esta proposta de investigao, elegemos como mtodo o
estudo de caso de duas oficinas de fotografia artesanal mediadas pelo educador e
fotgrafo Miguel Chikaoka no municpio do Rio de Janeiro.
A partir de um olhar sobre o cotidiano das oficinas pude buscar resqucios e
nuances, assim como categorias que explicitassem o estado de espirito que permeia
31

a prtica de ensino de Chikaoka. Busquei compreender que conceitos, filosofias e


valores ele carrega consigo, desvelando-se em mtodos de ensinar e experimentar
a fotografia artesanal. Alm de buscar compreender questes como: Que
instrumentos Chikaoka utiliza em sua metodologia que instiga a vontade e apreo de
fotgrafos de outras regies como a do Rio de Janeiro a participarem de suas
oficinas? Que relao cultural e pessoal Chikaoka construiu em Belm para que a
mesma se tornasse referncia na cena fotogrfica nacional, influenciando fotgrafos
e artistas educadores de outras regies do Brasil?
Os mergulhos na pesquisa de campo foram realizados em dois momentos: O
primeiro com a oficina Brincando com a Luz, no Atelier da Imagem, no bairro da
Urca, Rio de Janeiro. O segundo, com a oficina Fototaxia, em busca do elo perdido,
no espao cultural Laurinda Santos Lobo, no bairro de Santa Tereza, Rio de Janeiro.
Chikaoka no leva consigo em suas oficinas apenas suas habilidades
tcnicas fotogrficas, um ser que nos invade de conhecimentos e filosofias, que
nos prope reflexes mais profundas sobre nossa relao com o outro e com a
natureza. Tendo uma forte veia cultural oriental, sempre utiliza em sua prtica uma
expresso bastante conhecida pela cultura oriental japonesa, Mottainai16, palavra de
origem Zen budista que guarda um forte e intenso aprendizado para vida. A palavra
se tornou um mantra e se integra a quase tudo que Chikaoka se prope a fazer,
para educao, para a arte e para vida, sendo ento a chave da proposta de
formao de Miguel Chikaoka.
A presena e o olhar tambm so atitudes necessrias prtica Zen budista
do Mottainai, que significa estar presente, inteiro e atento para no desperdiar a
possibilidade de estabelecer um lao com a essncia do que quer que seja que
esteja na nossa frente. Como num jogo de opostos, no desperdiar a essncia
implica e exige que se desperdice tempo social (perder tempo) e que se abandone
um olhar engajado, viciado, direcionado.
Entendendo que nosso mundo e consequentemente a educao so
modelados nas relaes sociais com o tempo e avaliando a hiptese de que o tempo
e a expresso oriental Mottainai so algumas das categorias que Chikaokaque
Chikaoka utiliza em sua prtica educativa, esta pesquisa se props a investigar,
atravs de um estudo de caso e da observao quase antropolgica de suas

16
Nos prximos captulos ser discutido mais detalhadamente a origem e conceitos desta expresso
oriental.
32

oficinas, como se constri a relao com o tempo em sua prtica pedaggica. Tempo
este que associado expresso Mottainai, no sentido de desperdcio.
Como esta pesquisa se direciona para as observaes de grupos que
compuseram as oficinas de fotografia artesanal de Chikaoka, optamos pelo estudo
de caso como e mtodo de investigao.
Chikaoka fala de um outro tempo, aquele da expresso Mottainai, que deve
ser desperdiado. Nas oficinas de Chikaoka aprender perder tempo. O que se
contrape diretamente proposta de educao que se construiu socialmente, onde
aprender no perder tempo, no sentido de que no experiencial, vivencial,
sensorial, mas sim um ato puramente cognitivo.
Para o Mottainai expresso que dialoga com a ideia do no desperdio
(material ou imaterial), no desperdiar, pois faltar , Para Chikaoka, o tempo
tornar-se uma categoria que deve ser desperdiada a fim de proporcionar um
aprendizado mais sensvel e experiencial. Na ideia de Mottainai, tal como Miguel
Chikaoka dela se apropria em suas oficinas, acreditamos encontrar algo prximo a
estas discusses, compreendendo que o tempo nas oficinas abordado de uma
maneira diferente da que observamos em nosso sistema educacional formal.
A prtica de Chikaoka artesanal. O artesanal algo que historicamente diz
respeito muito mais mo do trabalhador do que ao gesto do artista. Como se no
primeiro caso se tratasse simplesmente de um ofcio (habilidade, tcnica, repetio)
e, no segundo, de uma obra singular (criao, inteligncia, inspirao, genialidade).
Ao inserir o artesanal dentro de um regime de tempo (perdido), de olhar
(desinteressado) e de presena (sensvel) prprio ao esteta, s elites artsticas e
intelectuais, Chikaoka conecta a inteligncia ao sensvel. Nesta operao, ele se
aproxima de uma perspectiva de igualdade j presente no julgamento acerca do belo
em Kant e no sonho da educao esttica de Schiller.
Buscaremos ento colocar em perspectiva a profanao que suas propostas
realizam sobre o regime comum de tempo social e educativo. Assim como
compreender que outras categorias, alm do tempo, aparecem em sua prtica
educativa.
A escolha por estudar as oficinas no Rio de Janeiro, fundamentada
fundamentada na inteno de se compreender de que maneira, os mtodos de
Chikaoka afetam pessoas de outras culturas e regies, diferentes da realidade
paraense. Chikaoka percorre diferentes regies do Brasil levando seus mtodos
33

peculiares de ensinar a fotografia artesanal e j possui um nome no cenrio


fotogrfico nacional. Por este motivo comum observar a imensa procura por suas
oficinas. para alm de Belm..

CAPTULO 01
1. BRINCANDO COM A LUZ

No dia 27/08/2016, no horrio das 09h00min s 17h00min, aconteceu a oficina


Brincado com a luz do fotgrafo Miguel Chikaoka, no Ateli da Imagem, no bairro da Urca,
34

Rio de Janeiro. Segundo descrio do mesmo, no site da escola, a oficina se resume da


seguinte forma:
Proposta: A proposta da oficina Brincando com a luz estimular o exerccio da
percepo/expresso de si e do mundo atravs de vivncias pautadas em abordagens do
elemento luz enquanto matriz inspiradora. Nesse sentido, as construes das atividades
dessa oficina surgem a partir da releitura dos significados da luz, em todas as suas
dimenses, constituindo um repertrio de vivncias articuladoras dos potenciais humanos. O
que se pretende nesse exerccio engendrar conexes que nos conduzam para a
percepo e exerccio crtico da nossa humanidade plena.
Nessa construo, cada indivduo convidado a participar da roda afirmando sua
individualidade no mesmo tempo que experimenta a alteridade.
Objetivos: Potencializar a dimenso humana atravs de vivncias reflexivas;
Promover a articulao e integrao de diversas disciplinas; Articular e integrar vivncias e
prticas baseadas na releitura das dimenses fsica e simblica da luz; Compartilhar
pensamentos e aes potencializadoras de processos sustentveis, de baixo custo e
impacto; Facilitar a compreenso do princpio cientfico da formao da imagem; Pensar o
fazer fotogrfico enquanto possibilidade transversal; Repensar o tempo e espao das
imagens que povoam o nosso cotidiano.
Materiais utilizados individualmente: 1 Folha de papel carto ou color plus 180g
de cor escura (preta de preferncia); 1 lupa simples; 1 tubo de 40 g de cola branca; 1
envelope pequeno, mais ou menos 7 x 10 cm; 1 lpis; 1 lupa simples; 1 venda; 1 pincel fino.
Com o objetivo de investigar e analisar as prticas, metodologias e experincias
vivenciadas durante a oficina, participei com a intencionalidade de estar presente no mbito
da reflexo e observao, do olhar, ouvir e escrever. Analisando possveis evidncias que
demonstrassem um certo estado de espirito que permeia as oficinas de Chikaoka, assim
como desenvolver argumentos lgicos que justificassem tal estado.
Durante a oficina, no pude deixar de relembrar minhas vivncias em outras oficinas
e cursos dos quais participei com mediao de Chikaoka em Belm do Par, e a medida
que minhas anotaes iam sendo construdas, se revelavam uma curiosidade maior na
busca pelas inmeras possiblidades da luz enquanto esfera potica, educativa e
investigativa sobre o mundo.

Imagem FiguraImagem 9: Cartaz da oficina Brincando com a Luz.


35

FONTE: Site: < www.instagram.com/ateliedaimagemespacocultural >. Acesso em 29/08/2016.

Cheguei ao Atelier da Imagem uns 15 minutos atrasada. Chikaoka, sempre pontual,


j se encontrava com os participantes em uma pequena sala adaptada para oficina. Ao
adentrar na sala, todos os 08 participantes j estavam iniciando suas apresentaes, de um
jeito bastante peculiar, todos de olhos vendados.
Para melhor descrever as etapas analisadas durante a oficina, nomearei as
dinmicas na sequncia em queas quais foram trabalhadas, nomeando as etapas com base
na ementa completa proposta na grade da oficina.

1.1. - Crculo da alteridade: apresentao individual a partir do lugar do afeto

Chikaoka descreve a dinmica como uma experincia mobilizadora do corpo


e dos sentidos da percepo. A alteridade uma palavra constante na proposta da
interao coletiva de Chikaoka. Para o dicionrio informal . A17, alteridade tanto a
capacidade de se colocar no lugar do outro na relao interpessoal (relao com
grupos, famlia, trabalho, lazer a relao que temos com os outros), com

17
http://www.dicionarioinformal.com.br/alteridade/.
36

considerao, identificao e dialogar com o outro, mas poderia ser tambm a


capacidade de nos tornarmos outro, a cada vez..
Quando voc se relaciona com outras pessoas ou grupos preciso conhecer
a diferena, compreender a diferena e aprender com a diferena, respeitando o
indivduo como ser humano. psicossocial. Isso alteridade.
solicitado aos participantes que escolham um objeto pessoal e o deixem
sobre a mesa no meio da sala.
Os participantes sentam em pares, dispondo suas cadeiras uma na frente da
outra. Miguel Chikaoka passa de dupla em dupla entregando um tecido para que os
olhos sejam vendados. Prope ento que as duplas comecem a conversar sobre a
escolha do objeto e que dialoguem na inteno de conhecer um ao outro.
Ao fundo, uma msica calma toca no computador e assim iniciam-se as
conversas. Sem contato visual direto, somente a proximidade dos rostos e as ondas
sonoras vibrando sobre o espao pequeno que os separa. Vou escutando vrias
vozes distintas e posso compreender que muitas intimidades e experincias de vida
vo sendo compartilhadas. Estranhos por um pequeno momento, logo se tornam
ntimos, rodeados de uma esfera bastante acolhedora que envolve a sala.
Ao meu lado, uma dupla conversa sobre o sentido da fotografia e uma das
participantes diz: para mim, o sentido real da fotografia de liberdade, e isso o
que me impulsiona fotografar.
No decorrer deste momento de trocas e conversas intensas, Chikaoka se
retira da sala para ir ao banheiro e por alguns minutos sou somente eu e vrias
pessoas falando e gesticulando incessantemente, como se j se conhecessem ha
tempos, num grau de intimidade muito agradvel de se ver. Elas nem se do conta
de que o professor se ausentou da e sala e algumas perguntam em voz alta Miguel,
posso tirar a venda?venda? . Eu no respondo e espero ele chegar.
Da mesma forma que ele saiu, sem ningum perceber, ele entra novamente.
ChikaokaEle tem uma maneira de ser e de andar bem calmas, seus passos so
silenciosos e nos transmitemtransmite certa calmaria e tranquilidade, possvel
estar ao seu lado e nem perceb-loo perceber. Assim que entra em sala, fala aos
participantes para retirarem aos poucos as vendas dos olhos. Solicita ento, que
cada dupla pegue o objeto deixado sobre a mesa e fale o porqu da escolha do
objeto, descrevendo o seu amigo a partir do que o escutou falar sobre ele prprio e o
objeto.
37

Como cheguei 15 minutos atrasada, Chikaoka havia pedido que cada um dos
participantes deixasse sobre a mesa central da sala um objeto intimo seu, que
significasse algo importante. As E as duplas estariam conversando sobre este
objeto, descrevendo as histrias por detrs deles e consequentemente falando um
pouco sobre suas vidas.
Aos poucos, cada um vai falando e descrevendo o seu parceiro, explicando o
porqu da escolha do objeto, os argumentos e estrias variam de dupla em dupla,
os objetos em cima da mesa tambm, so eles: anis, culos, celulares, livros, entre
outros. Cada um ento vai socializando estrias escondidas em objetos ntimos. Um
verdadeiro desafio reflexo da identidade, das caractersticas, dos sonhos que
cada um carrega consigo, diariamente, transcrito em objetos de bem querena.
Ao final da dinmica de apresentao, Chikaoka faz uma pausa e espera que
os participantes falem e expressem o que sentiram durante a experincia. Uma das
falas que resume melhor o que foi dito pelo grupo foi: mais fcil escutar o outro
com os olhos fechados.

ImagemFigura 10 - Dinmica de apresentao do grupo

Foto: Luana Lobato

Esta primeira etapa e incio da oficina importante, pois a socializao e


integrao do coletivo quase espontnea. Chikaoka consegue envolver as
pessoas de uma maneira bem interessante, sem que haja o contato visual.
Diferentemente de outras dinmicas de apresentao, a dinmica com olhos
vendados possibilita que as pessoas desenvolvam outros sentidos.
Quando todos j esto descontrados e falantes, a segunda etapa iniciada.
38

2.2. - O corpo como ferramenta. Mos para qu?e?

Para esta etapa da oficina, Miguel Chikaoka sugere que se formem grupos de trs
pessoas e que os mesmos faam uma lista de coisas queas quais podemos fazer com as
mos. Com um cronometro, ele marca um pequeno tempo de 1 minuto para que se escreva
o mximo de possibilidades deste fazer: Para que servem as mos? Quais suas
potencialidades? Que mos so essas? So perguntas que instigam durante o exerccio.
Muitas palavras so escritas: comer, criar, protestar, acariciar, cuidar, coar,
fotografar, entre outras. Cada grupo l em voz alta e socializa as palavras. interessante
nos darmos conta do tanto de possibilidades que as mos podem nos trazer.
Chikaoka diz: cada verbo nos leva a uma ao fala tambm que, muitas vezes, a
sociedade instala uma proibio do corpo, nos limitando a pensar as possibilidades e
potncias que ele possui.
Na oficina, o fazer manual permeia todo o processo, as mos so as principais
ferramentas do processo criativo. As mos so os olhos dos cegos e voz dos mudos, no
ndos damos conta, pois estamos mecanicamente acostumados a us-las sem perceb-las.
Chikaoka provoca a reflexo sobre nosso corpo, sobre como ele nos importante e a
potncia criativa que emana dele.

ImagemFiguraImagem 11 - Mos em ao, confeco da cmera obscura.


39

Foto: Luana Lobato

2.3. - Matria e materiais

Neste momento, Chikaoka distribui um papel A4 para os mesmos grupos


formados na dinmica anterior para que sejam feitas as anotaes. Na ocasio, as
anotaes devem ser feitas tendo como referncia o papel carto preto. A proposta
que falem sobre sua origem, histria, processo e propriedades fsicas e o que se
pode fazer com ele.
dado um tempo aos grupos para que desenvolvam as respostas. As
anotaes ento so expostas, falam sobre a matria-prima do papel, que a
madeira, alguns comentam sobre a origem chinesa do papel e despertam a
curiosidade em relao ao restante do grupo que desconhecia tal informao. Os
processos e propriedades fsicas como a gramatura do papel, sua dimenso e peso
tambm foram comentadas, tudo em falas pouco aprofundadas sobre o assunto, j
que a inteno, segundo Miguel Chikaoka, apenas refletir sobre as inmeras
possibilidades e curiosidades que voc desperta sobre um determinado material.
O mesmo exerccio foi feito com o papel alumnio e o papel vegetal, os
materiais que so utilizados na confeco da cmera escura. Chikaoka aponta para
a questo da luminosidade dos papis, sendo que cada um possui um
40

comportamento diferente perante a luz, o papel carto opaco, o vegetal


translcido e o papel alumnio reflete a luz com mais intensidade. Mas a inteno de
se comparar as respostas e instigar um olhar mais curioso sobre o material de se
trabalhar a origem das coisas do mundo, de se criar um comportamento mais
investigativo do mundo e sobre as relaes com os materiais que habitam este
mundo.
Chikaoka diz que (...) essa anlise dos materiais pode se desdobrar em uma
grande pesquisa histrica, ecolgica e social.social. Tambm pode possibilitar a
interdisciplinaridade com outras reas do conhecimento, desfragmentando o
aprendizado que muitas vezes voltadodirecionado somente paraa um assunto ou
contedo.
As discusses em grupo direcionam para uma temtica interessante, que a
qual sinaliza que este desdobramento investigativo, que vai alm da atividade
prtica em si pode resultar em inmeros trabalhos poticos e criativos, sem se
preocupar em descrever somente as etapas, cortes, segmentos, colagens e recortes
no papel. O conhecimento se faz como um todo e hoje estamos muito acostumados
a no valorizar os materiais e objetos que nos cercam. A conscincia construda
sobre aquilo que usamos enquanto matria proporciona uma reflexo maior sobre:
De onde vm esses materiais? Para onde vo? O que fazemos com eles? Eles
possuem fim? Estes e outros inmeros outros desdobramentos podem ser feitos em
sala de aula, instigando o aluno a pesquisa e a investigao.

2.4. - O Ritual da cmera obscura

Essa uma das atividades mais aguardadas durante as oficinas de Chikaoka.


A construo da cmera obscura ou caixa mgica como tambm chamada,
desperta olhares atentos e curiosos nos participantes.
A fala inicial sobre a importncia de se trabalhar no momento da
construo da cmera em silncio. Ele justifica que essa postura surgiu a partir
das inmeras tentativas frustradas que teve ao verbalizar as etapas e ter que parar
41

vrias vezes durante o processo, pois as pessoas no se concentravam


adequadamente e assim, no conseguiam acompanhar a confeco da cmera.
Chikaoka contou tambm que foi a partir de uma oficina com surdos realizadas h
alguns anos atrs, no Rio de Janeiro, que surgiu a ideia de o fez assumir esse
modo de fazer a cmera, mesmo com participantes ouvintes.. CPercebeu que como
no podia comunicar-se verbalmente com os surdos, e sim, visualmente, criou certo
ritual, no qualonde as dobraduras no papel carto, baseadas na tcnica do
origami18, eram realizadas etapa a etapa, em silncio. A partir apenas da observao
e da repetio por parte dos alunos dos gestos de Chikaoka a cmera
confeccionada em um estado de forte percepo e presena.

Imagem Figura Imagem 12 - Processo de confeco da cmera obscura e visualmente


acompanhadas.

18
Origami uma tcnica japonesa, uma arte de dobrar papel, e existe h mais de um sculo, fazendo jus ao
significado do termo, que fazer dobras de papel, sem cortes e nem colas, para criar objetos e outros seres.
42

Foto: Luana Lobato

Processar informao sonora no o mesmo que processar uma informao


visual. A partir dessa fala, Chikaoka prope aos alunos se organizarem em crculos
ao redor da mesa e cada um pegar uma folha de papel carto preto.
Durante a confeco, os alunos trabalham apenas com as mos e com o
auxlio de moedas ou chaves de casa ou de carrorro para auxili-los a dobrar o
papel mais firmemente, fazendo os vincos sobre o papel e quebrando as fibras do
mesmo, j que isso facilita na hora de cort-lo. No h nenhuma comunicao
verbal entre eles.
Passo a passo ele vai demonstrando as marcaes e dobraduras no papel.
Escuto apenas o barulho das chaves e moedas roando sobre a mesa. Aps fazer
as dobraduras e cortes nos locais indicados os participantes colam as caixas que
vo tomando corpo e forma.

Antes, h um tempo atrs, quase desisti de fazer este processo, pois fazia
com rgua e medies matemticas e era muito traumtico pois muitas
pessoas no conseguiam fechar a caixa, ou faziam as marcaes e cortes
errados, ento eu tinha que parar e refazer tudo de novo. Era muito
cansativo e frustrava os participantes, principalmente as crianas. Esse
quase desistir, me remeteu a tcnica do origami e do silncio e assim
comeou a dar mais certo. (Chikaoka, 2016.)

O corpo fica impresso na sua cmera, diz Chikaoka, (...) voc passa a ter
uma sensao de pertencimento, autoria e identidade sobre o que est sendo feito.
Conforme as cmeras vo ficando prontas e tomando vida, veem-se as
expresses de alegria e conforto dos participantes ao perceberem que deu certo.
Nossa, que alvio, ficou certinho, diz uma das participantes manuseando sua
cmera obscura de papel.
Ao finalizar a atividade, Chikaoka observa que cada uma das cmeras possui
um tamanho, abertura e encaixe prprio, pois vai da individualidade de cada um o
modo de fazer e que como a marcao das dobraduras feita com o corpo, e cada
pessoa tem suas prprias dimenses corporais, tamanho das mos, dedos e
polegares, a cmera quase que um prolongamento desse corpo.
43

Com as caixas inseridas uma dentro da outraencachadas e devidamente


prontas, os alunos a decoram com colas coloridas, e posteriormente a furam com
um espinho de Tucum19, trazido de Belm do Par por Chikaoka.

ImagemFigura Imagem 13 - Decorando a cmera obscura

Foto: Luana Lobato

Este artefato utilizado para fazer o furo um elemento do contexto


sociocultural de Belm, o que no impede, que em um outro local ou situao, seja
utilizado um outro material como uma agulha ou alfinete, pois, segundo Miguel
Chikaoka, isso vai depender da proposta e do lugar a qual est sendo realizada a
oficina.O uso do espinho de Tucum tem por objetivo Mas que interessante
provocar a busca por materiais novos, trazidos de outras regies, para aumentar o
repertrio sensorialvisual e cultural daqueles que nunca ou pouco tiveram contato
com aquela cultura.
Neste momento, finalizando as falas e comentrios, todos se direcionam ao
ptio da escola para observar e manipular a cmera. As expresses de

19
Palmeira de at 20 m ( Astrocaryum aculeatum), de estipe com faixas de espinhos negros, folhas ascendentes,
inflorescncia ereta, e frutos amarelos com tons avermelhados; tipicamente encontrada na Amaznia.
44

encantamento e surpresa logo se tornam visveis. E mais uma vez, observo em


Chikaoka, a expresso de satisfao ao ver essas reaes espontneas que a luz
permite aos participantes.

Imagem 14 FiguraImImagem 18 - Participante da oficina manipulando sua cmera obscura.

Foto: Luana Lobato

Durante a confeco da cmera, os participantes so convidados a passear


pela relao corpo sentidos - movimentos, pela histria das convenes
mtrica, formas e contedo, at chegar natureza da luz e ao princpio
cientfico que rege a formao da imagem e tudo o mais que possa ser
percebido a cada passo dessa construo mgica. (LIMA,2015, p.119)
45

Chikaoka diz durante a observaoes dos participantes que a cmera


escura capta a imagem que j existe na massa luminosa, ou seja, a imagem no
uma propriedade da cmera, ela capta o que j est na ambientao, no
emaranhado de luz que existe no ambiente. como se ela fosse uma vara de
pescar, que pesca uma imagem num oceano de imagens.
Presenciando os olhares atentos dos participantes aos fenmenos da luz, fui
relembrando minhas primeiras experincias visuais com a cmera obscura. Recordei
a sensao de euforia e espanto ao ver pela primeira vez uma imagem ntida e
invertida saindo de dentro de uma caixa de papelo que havia feito a pouco tempo
atrs. A luz uma constante permanncia, ela sempre est ali, pronta para mais
uma captura, revelando as mais possveis sensaes.

Imagem 15 Experimento visual

Foto: Luiz Frota

Ainda durante a experincia visual com a cmera obscura os alunos iam


tirando suas dvidas tcnicas comem relao ao tamanho do furo, a diferena entre
a imagem com e sem a lente da lupa e sobre as diversas possibilidades de se
46

confeccionar uma cmera obscura. Enquanto isso, Chikaoka fazia uma breve
explicao terica sobre tica, falava sobre a convergncia dos raios luminosos, que
quanto menor o furo para a entrada da luz, mais ntida a imagem. Fez uma
comparao com uma objetiva de cmera digital e explicou um pouco sobre as
diferenas entre os tipos de lente encontradas nas lupas trazidas pelos participantes.
Em alguns momentos, durante as falas de Chikaoka, me senti imersa em uma
aula de fsica, arte e poesia, pois ao mesmo tempo em que a compreenso da
formao da imagem fotogrfica ia se tornando mais ntida, outros saberes iam se
construindo em minha mente. A experincia de construir a partir do artesanato, a
autonomia do fazer e saber como funciona a cmera e o comportamento que a luz
possui ao entrar nela, despertam um aprendizado mais completo. O indivduo
experimenta o processo, e no s experimenta o terico do processo.

2.5. - Olho no Olho: A trajetria da luz na linha do olhar

Aps o intervalo, de 1 hora para o almoo, os participantes retornaram sala


para dar continuidade as atividades.
Chikaoka entrega aos alunos um pedao de papel carto no formato
quadrado com um furo ao meio. Os alunos vo ento fazendo sua composio
plstica sobre o visor utilizando colas coloridas em relevo. Ao fundo, uma msica
serena, lembrando os sons da natureza, e logo o ambiente novamente se torna
gostoso e aconchegante.

ImagemFiguraImagem 16 - Criao dos participantes da oficina Brincando com a luz.


47

Foto: Luana Lobato

Aps o trmino da criao dos olhos ele pede que os participantes formem
grupos de trs pessoas, de modo que uma fique parada no centro segurando o
carto perpendicularmente a uma certa distncia do peito. Os outros dois
participantes ficam posicionados a uma distncia da pessoa ao meio, uma do lado
esquerdo, outra do lado direito, e olhando atravs do furo dos seus respectivos
cartes, buscam cruzar o olhar atravs do furo do carto que est nas mos da
pessoa ao centro.
Chikaoka prope que os mesmos que desloquem ao longo do ambiente, de
modo que no percam o olhar sobre o outro, como se os olhos estivessem
conectados sobre uma linha imaginria. A brincadeira se torna divertida e causa
entusiasmo empor todos.
Esses mesmo cartes iro compor a cmera obscura, sendo colados as
mesmas como visores e acoplados posteriormente a uma lupa que a qual cada
participante trouxe.
Miguel Chikaoka tambm faz uma pequena demonstrao da concentrao
dos raios luminoso com as lupas, demonstrando a convexidade e convergncia da
lente da lupa. Dependendo da distncia entre a lente e o papel, a luz incidente faz o
papel pegar fogo. Ao fazer o experimento os alunos ficam impressionados com o
papel queimando apenas com a energia do sol. o poder da luz, escuto de um dos
participantes.

Imagem 17 - Dinmica do furo do olho na oficina Brincando com a luz


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Foto: Luana Lobato

ImagemFiguraImagem 18 - Experimento com a lupa/ a concentrao dos raios luminosos.

FiguraImagem 21 - Dinmica do furo do olho na oficina Brincando com a luz


Foto: Luana Lobato
49

Foto: Luana Lobato

- Sentindo as sementes: sensaes, latncia e significados

Para esta dinmica fui convidada a participar e no mais ficar apenas como
observadora, fazendo assim uma observao participante. Novamente, com os olhos
vendados, somos desafiados a ficar em duplas um a frente do outro, a medida em que
Chikaoka passa com uma sacolinha cheia de sementes oriundas da regio de
Belm .Belm. Durante a dinmica, somos convocados a escolher uma semente e toc-la,
sentindo sua textura, cheiro, aroma e dimenso. Ele nos pergunta: Conseguem imaginar de
qual fruto ela vem?vem? , mas difcil, visto a imensido de frutos que habitam a regio.
Atrevo-me a dizer que uma semente de Ing. Outros grupos gritam A nossa de
guaran, A nossa de aa. E aos poucos vou me lembrando dos sabores e aromas de
Belm, quase que numa nostalgia olfativa e ttil. Aps tatearmos e cheiramos a semente,
Chikaoka diz: Imaginem a semente e a associem a uma palavra, depois desenhem a
palavra no papel.
Aps a dinmica somos instigados a pensar: O que so as sementes? O que podem
vir a ser sementes?.sementes? E um dilogo se instaura tendo como tema a permanncia
das coisas, a latncia e continuidade, assim como a potncia que uma semente, ou
qualquer outra coisa pode guardar, tal como a luz.
50

Imagem FiguraImagem 19 - Dinmica das sementes

FONTE: Site < http://slidegur.com/doc/1632197/mottainai--por-miguel-chikaoka--i-encontro-de-


fotografia>. Acessado em 01/09/2016.

2.6. - Pincl de luz: o gesto revelador

Quase se aproximando das 16 horas da tarde, os participantes puderam


experimentar a tcnica do pincel de luz, desenhando sobre o papel fotogrfico velado a
latncia que puderam sentir ao tatear a semente. Segundo proposta de Chikaoka, desenhar
a palavra que lhe veio cabea ao tocar a semente, criar sobre o papel o que poderia vir a
ser esta semente e /ou as lembranas que ela lhe trouxe.
Chikaoka enfatiza que a experincia fotogrfica no depende do tamanho, ao
justificar o formato pequeno dos papis fotogrficos, e ainda, diz que fundamental poupar
o material j que o mesmo muito caro.
Alguns participantes ficam surpresos e perguntam sobre a tcnica, ento, Miguel
Chikaoka responde simples, s voc pegar um pouco de revelador qumico, um pincel
fino e gua. Embebeda o pincel no revelador, como o papel j est velado pela luz, voc ir
jogar o revelador sobre o papel que reagir com a luz e formar a imagem.

ImagemFigura 20 - Resultado dos experimentos com pincel de luz


51

Foto: Luana Lobato

Imagem 24 - Resultado dos experimentos com pincel de luz da oficina Brincando com a luz
Foto: Luana Lobato

A cada momento mais e mais questionamentos surgiam e os dilogos se


intensificavam para uma curiosidade aguada sobre a luz e seus processos, ento,
Chikaoka finaliza a oficina dizendo: As relaes aqui ultrapassam o ensinar fotografia,
uma relao do sensvel, vamos criando conexes, aprendendo um com outro e isso o
que maravilhoso.

Depois dessa gratificante troca de experincias, o grupo convidado a trocar e-mails


e contatos e propor outros encontros. Chikaoka se despede de todos e os provoca a pensar
para alm daquelas experincias, organizando ideias que os faam disseminar aquilo que ali
aprenderam.
52

CAPTULO 02
2. FOTOTAXIA, EM BUSCA DO ELO PERDIDO

Antes de comear, que tal dizer um pouco sobre o significado de Fototaxia? Segundo
a leitura livre de Miguel Chikaoka com base em trs diferentes dicionrios para elaborao
escrita do projeto Fototaxia:

Fototaxia ou fototropismo a designao dada ao movimento dos seres


vivos, especialmente das plantas, em resposta a estmulos luminosos que
podero ser de frente para a fonte de luz (fototaxia positiva), em sentido
oposto a esta (fototaxia negativa) ou perpendicular direo dos raios
luminosos (fototaxia transversal). Por exemplo, a fototaxia nas plantas tal
que o caule apresenta reao positiva, isto isto , alonga-se em direo
luz, e a raiz reao negativa, conduzindo a um crescimento desta em
afastamento da fonte luminosa. (CHIKAOKA, 2010)
53

A oficina Fototaxia em busca do elo perdido, segunda etapa na coleta de dados da


pesquisa, d segmento a anlise das principais observaes que permeiam a metodologia
de Chikaoka com a fotografia artesanal.
Dividirei a descrio em duas partes a fim de facilitar a cronologia dos
acontecimentos: Parte I O planejamento prvio ao acontecimento da oficina e todas as
aes que foram organizadas para que ela pudesse ser realizada na data e local escolhidos.
Parte II A Oficina, e todos os acontecimentos e mtodos desenvolvidos por Miguel
Chikaoka, assim como a captao das imagens durante os dois dias de oficina.

Parte I - planejando a oficina


Desde o ltimo encontro que tive com Miguel Chikaoka na oficina Brincando com a
Luz no Atelier da Imagem, surgiu a ideia por parte de um grupo de participantes sugeriu, que
ele retornasse ao Rio de Janeiro trazendo outra imerso educativa mais restrita a fotgrafos.
A partir desta centelha de vontade, criamos um grupo no facebook, eu e mais dois dos
fotgrafos interessados no retorno de Chikaoka. Nossa maior dificuldade foi em encontrar
um espao gratuito que pudesse receber a oficina e que tivesse estrutura adequada para
montar um pequeno laboratrio de revelao fotogrfica.
Na procura por locais, Ana Kahn, fotografa e amiga de Miguel Chikaoka sugeriu o
espao cultural Laurinda Santos Lobo no bairro de Santa Teresa. A partir disto, parti em
busca dos meios burocrticos para que a oficina pudesse ser realizada no espao. Nas
conversas por e-mail com o diretor do Laurinda conseguimos reservar os dias 08 e 09 de
dezembro de 2016, e o horrio de 10h00min s 17h00min da tarde. Com o espao e
horrios reservados tnhamos agora a misso de fechar 15 participantes para que imerso
pudesse acontecer. Um evento privado foi criado no facebook e somente amigos dos
amigos poderiam ser convidados. A inteno era montar um grupo restrito de fotgrafos e/ou
educadores que j possuam alguma experincia com fotografia e que pudessem
compartilhar das suas experincias e ampliar seus conhecimentos sobre a luz.
O Centro Cultural Laurinda Santos Lobo foi criado em 1979 por sugesto de um
grupo de moradores ilustres de Santa Teresa, apesar do centro cultural receber o nome da
principal mecenas do bairro, Laurinda nunca morou no casaro. A homenagem aconteceu
em um perodo em que sua antiga residncia, atualmente Centro Cultural Municipal Parque
das Runas, estava abandonada.
O Laurinda, como conhecido, o centro cultural do bairro mais ligado memria
de Santa Teresa, no espao acontecem exposies e projees fotogrficas, oficinas de
dana e de msica, apresentaes teatrais, atividades infantis, recitais de piano e eventos
diversos ao ar livre.
54

IMAGEM: Laurinda
Foto: Miguel Chikaoka

1 DIA

Parte II A Oficina

Segundo Miguel Chikaoka, a oficina se direciona para a abordagem do que constitui


a gnese da imagem, um convite para caminhar com a luz para alm da sua dimenso fsica
e experimentar o que dela flui enquanto potncia inspiradora. Fototaxia a designao dada
ao movimento dos seres vivos, especialmente das plantas, em resposta a estmulos
luminosos. uma analogia que Miguel Chikaoka se prope a fazer e discutir nas suas
experincias educativas com a luz.
O pblico alvo so educadores, fotgrafos e multiplicadores, que a partir dos
mtodos desenvolvidos tm a oportunidade para exercitar o olhar transdisciplinar na
construo de percursos educativos.
Segundo Chikaoka, os principais objetivos so: Reconhecer e explorar a potncia
pedaggica da luz; Articular e integrararticular e integrar vivncias e prticas educativas;
Potencializarpotencializar a dimenso humana baseada em fazeres de baixo custo e
impacto; Introduzirintroduzir conhecimentos sobre a origem das imagens que povoam o
nosso cotidiano; Promover a articulao e integrao de disciplinas.
Fica claro desde o inicioincio que no se trata de uma oficina de fotografia e sim de
uma troca de aprendizados nonde o qual o exerccio do olhar enquanto como expresso do
nosso estado de ser, do sentir e do pensar se faz presente a todo o momento assim como
uma profunda reflexo sobre os mtodos que utilizamos para ensinar nos dias de hoje.
55

Daqui pra frente a descrio das etapas em que a oficina se desenvolve, as imagens
e a denominao das atividades, foram designadas com base nas observaes e dinmicas
que aconteceram no espao Cultural Laurinda Santos Lobo nos dias 08 e 09 de dezembro
de 2016, no necessariamente em nomes e mtodos descritos previamente por Miguel
Chikaoka.
Chikaoka no segue uma mesma sequenciasequncia em todas as oficinas que
ministra, suas prticas e dinmicas se repetem s vezes, mas ele sempre busca inovar
tendo como base o potencial educativo dos fazeres que nos aproximam sensorialmente da
origem do processo fotogrfico e do dilogo consigo mesmo. A tentativa de nos conectar
um ao outro, e com a natureza, pelo sensvel.
do mundo.

2.1. 1) Explorando o espao


Cheguei ao Laurinda s 09h30min da manh do dia 08/12/2016, 1 dia de oficina,
Miguel Chikaoka j estava presente, sentado no cho da sala reservada para oficina,
organizava os materiais e escutava uma msica suave e relaxante. Chikaoka sempre nos
passa uma boa energia, uma calmaria emana de sua figura simples e carismtica.
Aos poucos os participantes iam chegando e o cumprimentavam, todos sentavam ao
cho e repentinamente sentiam-se confortveis e vontade com o lugar. Alguns j se
conheciam, o que facilitou o entrosamento do grupo.
Com um pouco mais da metade das pessoas presentes, Chikaoka inicia a oficina. O
primeiro momento o explorar do espao na busca por materiais orgnicos para confeco
de um visor em papel carto. As pessoas so direcionadas para o espao externo do
Laurinda e comeam a caa por folhas, galhos, e quaisquer outros materiais que iro
compor criativamente e plasticamente seus visores.
Imagem Figura 21IMAGEM : Procurando materiais orgnicos e explorando o espao.

Foto: Luana Lobato


56

Ao passo que a coleta de materiais vai acontecendo outros participantes vo


chegando, e assim, direcionados para atividade.
Ao trmino da explorao, os participantes adentram na sala e se dispem
aleatoriamente sobre o cho. Cola e tesoura so distribudas e a criao dos visores
comea .Acomea. A msica calma de fundo compe um ambiente tranquilo de inspirao
criadora. A concentrao toma conta de todos ,todos, o silncio confortante, a umidade e
os cheiros dos materiais recolhidos exalam a sala e os visores vo tomando uma linda forma
orgnica e natural.

ImagemFigura 22 IMAGEM - Momento de inspirao e criao dos visores orgnicos I

Foto: Luana Lobato

Imagem Figura 23IMAGEM - Criando os visores orgnicos


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Foto: Luana Lobato


Os resultados logo se revelam, mas ainda no so compartilhados em grupo,
Chikaoka sugere que os que forem sendo finalizados sejam colocados em um canto da sala.
As pessoas ainda no sabem de fato para o que se direciona a atividade, mas tambm no
perguntam e deixam o clima de espontaneidade lhes envolver.

Imagem Figura 24 IMAGEM - Visores orgnicos produzidos.

Foto: Luana Lobato

2.2. 2) Crculo da alteridade I: objetos ntimos

Finalizada a atividade de criao dos visores, Chikaoka solicita que os alunos se


disponham em um circulocrculo, com um leno no meio da roda os alunos vo depositando
objetos que os quais possuem valor sentimental para si. Tambm desenham em um pedao
de papel branco algo de valor sentimental e ntimo. Os participantes optam em desenhar no
papel e coloc-lo sobre o leno ou em escolher um objeto seu e deposit-lo sobre o leno.
Chikaoka fala sobre o compartilhamento de desejos, e diz que a oficina busca trabalhar com
o deslocamento fsico, afetivo, sentimental e mental. Fala que tudo que nos une ou so os
sentimentos pelo outro ou por bens materiais.
58

Imagem Figura 25 -IMAGEM: Circulo da alteridade/objetos ntimos

Foto: Luana Lobato

3.3. ) Dilogos de olhos vendados

Ao finalizar o crculo de alteridade, Chikaoka prope que os participantes formem


duplas e que compartilhem entre si as memrias e o porqu da escolha pelo objeto a ser
colocado no crculo. importante falar sobre o significado emocional do objeto e sua
importncia afetiva.
Neste momento as vendas vo sendo colocadas e as duplas iniciam os dilogos, o
tempo livre, no estipulado previamente por Chikaoka, necessrio o mximo de
intimidade com o outro, alguns se tocam na tentativa de afirmarem que no esto falando
sozinhos.
A sala invadida por conversas aleatrias e estrias pessoais e ntimas, uns falam
alto e possvel escutar tudo detalhadamente. Outras duplas mais discretas posicionam-se
nos cantos da sala e conversam baixinho, em uma cumplicidade bem notria. Aos poucos
os dilogos iam cessando e as duplas tiravam as vendas, a sala era escura, a luz era
natural, uma luz fraca que no incomodava tanto os olhos adentrava e iluminava
vagarosamente a sala.
59

ImagemFigura 26 IMAGEM- : Dilogos ntimos

Foto: Luana Lobato

3.4. 4) Crculo da alteridade II: apresentando as histrias dos objetos ntimos.

Ao retornar para roda, aps os dilogos de olhos vendados, os participantes


apresentaram-se um no lugar do outro, falando sobre o objeto e/ou desenho que o outro
colocou em cima do leno no cho.
Nesta atividade de um colocar-se no lugar do outro, a importncia da memria
afetiva presente no objeto no mais importante do que voc falar sobre aquilo que ouviu.
mais do que tomar o lugar do outro, dar-lhe a voz. dissimular sobre ser outro algum,
incorporar a histria narrada.
Cada um ia descrevendo a histria sobre o objeto do seu acompanhante, relatos no
s ntimos, mas de buscas pessoais, conquistas, trocas culturais e materiais.
Voc se confunde se a pessoa fala dela ou do outro, disse um participante. As
intimidades se confundem. H sempre algo a se espelhar no outro.
Ao trmino, quando todos se apresentam, Chikaoka pergunta sobre a importncia de
se apresentar no lugar do outro, sobre a venda nos olhos e de como ela os aproxima.
Um dos participantes fala: Tenho dificuldade de me concentrar quando no olho nos
olhos de uma pessoa, mas ao tocar nela, me sinto mais seguro.
Uma outra discusso colocada tona quando uma das participantes comenta
sobre o leno utilizado por Miguel Chikaoka para dispor os objetos no meio da roda e
60

pergunta sobre a importncia do Furoshiki20. Ele diz ser esta prtica muito utilizada na
cultura japonesa a fim de evitar desperdcio, o que remete novamente filosofia Mottainai, j
que o leno serve para carregar e embrulhar vrias coisas e ser lavado e reutilizado
inmeras vezes.
Chikaoka finaliza a atividade falando que As lembranas que temos das nossas
experincias e o compartilhar disso com o outro um ato generosamente humano. As
pessoas ento recolhem seus objetos do circulocrculo e outra dinmica iniciada.

3.5. 5) Mos para fazer...

Chikaoka numera as pessoas dispostas em um circulocrculo e pede para que elas


formem grupos de quatro, conforme as numeraes as quais lhe foram dadas. Por exemplo,
todas que ficaram com o nmero 01 formam grupos de 03 integrantes, todas que ficaram
com o numeronmero 02, formam grupos de 03 integrantes e assim sucessivamente at
todos se organizarem em grupos.
Um papel em branco distribudo a cada grupo e Chikaoka pede para que eles
escrevam o mximo de coisas possveis que podemos fazer com as mos, desta vez a
atividade cronometrada, um minuto para todos finalizarem.
Chikaoka bate palmas, o tempo se encerrou, os grupos elegem um integrante que l
a lista de atribuies que podem ser feitas com as mos.
Cortar, escrever, criar, acariciar, acolher, regar, fotografar, amar, estas e outras tantas
palavras aparecem como exemplos. Toda dinmica abre portas para mil coisas, os
desdobramentos so mil possveis, discursa Chikaoka.

Imagem Figura 27- IMAGEM: Listando em grupo na dinmica mos para fazer
20
O furoshiki a arte tradicional de embrulho japons, atravs da utilizao de um tecido quadrado ,este,
possibilita embrulhar qualquer objeto.
61

Foto: Luana Lobato

Aps discusses sobre atividade, Chikaoka comea a falar sobre o processo da


construo da cmera obscura. Ao entregar papis carto para os participantes, pede que
eles faam o contorno das mos sobre o mesmo. Sentados no cho, desenham suas mos
sobre o papel relembrando uma cena muito comum na educao infantil, onde as crianas,
na descoberta de seu corpo contornam suas mos e outras partes do corpo a fim de
descobrir suas formas.
O corpo uma das ferramentas que Chikaoka utiliza em suas oficinas quase que o
tempo todo, no seu discurso ele sempre enfatiza a importncia de usarmos as mos, ps,
braos como suporte de medio e auxilio na confeco criativa dos objetos. Na ausncia
de materiais, temos o corpo, diz Chikaoka.

Imagem Figura 28 IMAGEM-: Contornando as mos sobre o papel carto


62

Foto: Luana Lobato

3.6. 6) O ritual da cmera obscura

Antes de iniciar a construo da cmera obscura Chikaoka enfatiza que vai fazer o
passo a passo em silncio, sem falar sobre as etapas do procedimento de medida, corte e
colagem.
Gesticulando e demonstrando manualmente as etapas do processo a sala segue em
silncio absoluto por cerca de 30 minutos. Os alunos sentados ao cho iniciam a construo
da cmera, escuto apenas o barulho do fincar do papel sobre o cho. Alguns usam objetos
para facilitar a dobradura no papel carto, ecoando barulhos de moedas, chaves e outros
objetos metlicos. Outros utilizam somente os dedos, sem o auxlioilio de nenhum objeto
para fincar o papel.
H tambm uma espcie de respirao conjunta que emana do processo, um som
que ecoa dos participantes durante o fazer da cmera. O despojamento e a leveza tambm
so fatores explcitos. Cada um tem o seu tempo de fazer, de experimentar, so
desconectados do que se passa l fora, o silncio provoca a imerso atenta ao processo,
ocupa toda a sala e assim vai permeando todo o ritual.

Imagem Figura 29 -IMAGEM: Ritual da cmera escura


63

Foto: Luana Lobato

Ao final, Chikaoka pergunta sobre o que acharam do processo e muitos comentrios


se direcionam para a importncia do silncio.
O principal questionamento de onde surgiu a ideia de conceber desta forma o
modo de fazer a cmera escura? Miguel Chikaoka responde que a ideia surgiu a partir de
uma experincia com surdos e que ao fazer a comparao com ouvintes observou que os
surdos conseguiam um desempenho maior durante as etapas do processo e a finalizavam
mais rpido tambm. Chikaoka diz que basicamente a forma de comunicao do que tramita
a luz e que aprendemos a fazer as coisas na observao, na experincia.
Chikaoka fala tambm que o caminho pelo qual ele percorreu at chegar neste
mtodo de construir a cmera foi baseado nas inmeras experincias que teve ao longo dos
anos, boas e ruins, e que ao compreender melhor sobre o que no deveria fazer foi
melhorando sua metodologia.
Vejo a justificativa de muita carncia nas escolas por onde vou, onde na verdade
no h uma carncia de fato e sim uma falta do exerccio de se apropriar das coisas.
Vivemos em uma sociedade de resultados e no de processos, os desdobramentos do
aprendizado vem tambm dos alunos e no de uma imposio do professor ,, discursa
Miguel Chikaoka.
Aps estas breves reflexes ele distribui os espinhos de pupunheira 21 e prope que
os participantes faam observaes com a cmera aps os furos.
21
A pupunheira (Bactris gasipae) uma espcie de planta da famlia das Arecceas. encontrada na
Amrica Central e, no Brasil, tpica da bacia amaznica. Retirado do site: <
http://www.dicionarioinformal.com.br > Acessado em 06/03/2017.
64

Figura 30 IMAGEM: Experimentando a cmera obscura

Foto: Luana Lobato

Aps um breve intervalo, os participantes retornam a sala e inicia-se novamente uma


conversa sobre a confeco da cmera escura. Um dos participantes fala (...) um
processo sinestsico e ento Chikaoka responde dizendo que sim e conta uma lembrana
da sua infncia.
Quando eu era criana sempre observava que se desenhava no cho da minha
casa as manchas das nuvens do cu. Essa imagem entrava por um pequeno buraco no
teto, naquele momento no tinha noo da imensido e grandeza da luz mas minha
percepo sobre ela j se fazia presente.
Ao socializar a lembrana, Chikaoka prope que os participantes faam mais furos
em suas cmeras, agora com espinhos de Tucum22 e observem a(s) imagens formadas.
Ao observar a cmera de um dos participantes, o que vejo so vrias imagens
invertidas, sobrepostas uma as outras, refletindo a paisagem externa do local. A medida que
a quantidade dos furos aumenta, as imagens vo aumentando e se sobrepondo com em um
caleidoscpio.

22
uma palmeira que chega a 15m de altura e possui espinhos longos e finos. Dela se extrai uma
fibra de nome tucum muito utilizada pelos nativos da amaznia na fabricao de redes de dormir, arco
etc... < http://www.dicionarioinformal.com.br > Acessado em 06/03/2017.
65

IMAGEM: Observaes com a cmera obscura II


Foto: Luana Lobato

3.7.7) Dinmica da troca

Todos sentados ao cho, agora se organizam para a prxima dinmica. Ao distribuir


pedaos de papis Chikaoka pede para que cada um escreva uma palavra ou desenhe um
smbolo que represente a luz e ento repasse o papel para a pessoa a sua esquerda a qual
dar continuidade ao desenho ou a palavra/frase que foi escrito/ feito.
As pessoas vo ento passando os papis umas as outras, s vezes interrompidas
por risos e curiosidades sobre o contedo dos mesmos. interessante observar o
semblante de felicidade em alguns rostos, quilo tudo era uma brincadeira, estavam
trocando sensaes, conhecendo-se, divertindo-se e aprendendo um com o outro.
Ao final, quando todos j haviam intervindo uns sobre os outros, Miguel Chikaoka
distribui envelopes e pede que cada um guarde seus respectivos papis. O que fica no ar
o que ele far com aquelas anotaes luminosas?

Imagem Figura 31 IMAGEM-: Dinmica da troca


66

Foto: Luana Lobato

3.8. 8) O fsico e o simblico numa teia.

Todos permanecem nos mesmos lugares da dinmica anterior ,anterior, dispostos em


circulocrculo. Chikaoka distribui um novelo de barbante a um dos participantes da roda e
explica que cada um deve falar seu nome e em seguida uma palavra, a exemplo, Pedro -
Vida e assim repassar o barbante para qualquer uma das pessoas na roda.
Uma teia de fios vai se construdo aos poucos, formando uma malha de barbante no
centro da sala, fazendo uma aluso aos raios de luz, formando uma malha de fios, como
uma malha de raios de luz.

Imagem 32Figura 36 - IMAGEM: Dinmica dos raios de luz


67

Foto: Luana Lobato

Quando a ento teia de luz se forma, Chikaoka inicia um dilogo sobre a velocidade
da luz, sua dimenso e grandezas, sobre a relao tempo x velocidade. Fala da onda de luz
e faz uma analogia com a onda do mar. Conversa sobre a vibrao da luz na retina, a
relao do ser com as grandezas fsicas e naturais da mesma. Discursa ainda sobre as
infinitas relaes que a luz estabelece ao percorre o caminho at a cmera, comenta sobre
seu pensamento equivocado que tivera h muito tempo em achar que a imagem estava na
cmera quando na verdade ela estava no emaranhado de luz que composto o ambiente.
A cmera obscura o ambiente onde eu me permito ver a imagem, no entanto ela j
estava aqui, neste lugar, aponta Chikaoka para o centro da sala. Ele ento finaliza a
dinmica cortando de um a um, os fios de barbante, e os entrega aos participantes falando:
O 1 raio de luz a gente nunca esquece.
O final do primeiro dia de oficina vai se aproximando e Chikaoka antecipa
brevemente o que ser abordado no dia posterior. Fala um pouco sobre a pinhole, sobre os
materiais que podem ser utilizados para cri-la e da facilidade e opo em escolher um
formato pequeno a ser utilizado por ele nesta oficina. Explica basicamente o processo de
funcionamento da pinhole e diz que o processo e a experincia de faz-la a melhor
maneira para entender como ela funciona.

3.9. 9) A roda do tempo


68

ImagemFigura 33IMAGEM- : A ampulheta e Chikaoka

Foto: Luana Lobato

Na roda do tempo, uma ampulheta passa de mo em mo e cada um vai falando


suas percepes sobre o primeiro dia de oficina e tambm sobre sua relao com a
fotografia. A fotografia um lao afetivo, argumenta uma pessoa na roda.
O silncio foi um tema bastante discutido tambm, muitos enfatizaram a importncia
de atividades no verbalizadas e o deslocamento da ateno para o fluxo de informaes
atravs do som para a luz, dos ouvidos para os olhos. Sem alardes, com mais eficincia e
preciso.
Chikaoka fala com muita emoo sobre a importncia de ser feliz no sentido de sentir
que o que fazemos faz sentido, e o quo importante termos um tempo para nos dedicar as
coisas, tempo este que no pode ser visto como desperdiado quando se feliz fazendo o
que se gosta.
A ampulheta vai passando e a cada fala uma salva de palmas. Alguns falam sobre
como a fotografia entrou em suas vidas, outros elogiam a oficina e dizem ter sido uma
experincia sensvel e educativa mpar.
Ao encerrar as trocas afetivas em palavras, todos ento se abraam no final,
encerrando o primeiro dia de uma intensa jornada de aprendizado.

ImagemFigura 34 -IMAGEM: Abraos


69

Foto: Luana Lobato

2 DIA

3.10. 10) Experimentaes com o Pinhole.

No dia anterior Chikaoka j havia antecipado aos participantes que iria dedicar o
segundo dia somente as experincias com a cmera pinhole. Elas j estavam previamente
prontas, o modelo que ele quase sempre utiliza em suas oficinas o tubinho utilizado para
guardar filmes de 35mm, usados em cmera analgica. Chikaoka enfatiza que uma
70

cmera pinhole j pronta, sendo necessrio somente voc fur-la para entrada de luz e
construir um dispositivo que permita fechar e abrir o furo para a entrada dessa luz.

ImagemFigura 35 -IMAGEM: Cmera Pinhole estilizada, feita com tubo de filme fotogrfico.

Foto: Luana Lobato

Os participantes chegam aos poucos e Chikaoka os orienta a pegar uma cmera no


balco e posteriormente leva-las at ele para fazer os furos com espinho de tucum. Os
ajustes e reparos so feitos nas pinholes para que a vedao da entrada da luz seja
completa, caso contrrio, a imagem fica velada23.
Sinto que todos j esto bem confortveis com o ambiente, as pessoas conversam
em pequenos grupos pela sala, tiram os sapatos, deitam no cho, enquanto isso Chikaoka
vai acertando as cmeras de um por um, num gesto bem meticuloso e paciente.
ImagemFigura 36 -IMAGEM : Pausa para o descanso

23
Termo utilizado por fotgrafos para dizer que o filme ou papel fotogrfico utilizado para conter a imagem
capturada pela cmera, foi ocultada pela longa exposio da luz sobre o filme.
71

Foto: Luana Lobato

Imagem Figura 37IMAGEM - : Chikaoka marcando o local do furo (obturador) na pinhole

Foto: Luana Lobato

3.11. 11) Construindo um laboratrio na gambiarra.


72

O laboratrio de revelao fotogrfica parte integrante da oficina, propiciando a


experimentao sobre os processos fsico-qumicos bsicos da fotografia. Os participantes
podem manipular os qumicos no laboratrio e revelar suas prprias imagens.
Mas antes da experimentao propriamente dita, a construo do laboratrio
tambm um dos pontos mais importantes ao longo da proposta de Miguel Chikaoka, pois
alm de ser um mergulho na iniciao fotografia tambm um processo de improvisao
do espao e dos materiais, instigando os participantes a pensarem com criatividade na
adaptao do local agindo com gambiarra 24 frente aos recursos que lhe so disponveis.
Chikaoka ento convida a todos a participar da construo do laboratrio. Grupos
ento se dividem e saem a procura de tbuas, papelo e outros objetos a compor ou fechar
as entradas de luz no local escolhido, este, um pequeno banheiro ao fundo da sala principal
da oficina. O ambiente j era um pouco escuro, mas uma janela grande em sua frente
facilitava a entrada de luz o que prejudicava sua total vedao a entrada de raios luminosos.

Imagem Figura 38 IMAGEM-: Chikaoka na gambiarra do laboratrio.

Foto: Luana Lobato

ImagemFigura 39 - IMAGEM: Preparao dos qumicos para revelao fotogrfica


24
"Gambiarra" (substantivo feminino) uma palavra com vrios significados, entre os quais os mais
predominantes so "extenso de luz" e, no Brasil, "improvisao". Site: <
https://pt.wikipedia.org/wiki/Gambiarra> visitado em 09/03/2017.
73

Foto: Luana Lobato

3.12. 12) Jogos entre tempo, luz e imagem.

A proposta inicial que primeiramente as experimentaes sejam feitas em grupo e


posteriormente, individualmente. Antes, Chikaoka d os direcionamentos, fala que o controle
da entrada de luz na cmera o que vai definir a imagem, explica sobre a manipulao e
captura da imagem, fala da importncia de no primeiro momento, em grupo, contarem juntos
o tempo. Chikaoka at possui uma forma de contar que muito peculiar, ele diz que para ter
uma cronometragem mais prxima aos segundo interessante voc criar uma palavra entre
o espao da contagem, como por exemplo: se usar a palavra caranguejo, voc conta assim
- um caranguejo, dois caranguejos, e assim sucessivamente. A palavra pode ser algo que
voc cria, em grupo ou individualmente, ela pode ser prxima a voc ou a cultura de sua
regio.
O mais importante no ficar ansioso pelo resultado e observar atentamente o sol, a
sombra do local e analisar quanto de luz deve entra na cmera em um determinado tempo
para formar a imagem. Chikaoka diz ser um exerccio do olho e de como ele faz a leitura da
luz.
Ao carregar sua cmeras (colocar os papis fotogrficos dentro das pinholes) ,), os
grupos se dividem e vo para a rea externa sala realizar seus experimentos.
74

Imagem Figura 40 -IMAGEM: Experimentos em grupo

Foto: Luana Lobato

Durante os experimentos em grupo observo a troca de informaes tcnicas e


tericas, alguns compreendem melhor o processo do que outros e em coletivo vo trocando
informaes. Na imagem acima, o integrante do meio esquece de fechar a entrada de luz de
sua pinhole e ao se dar conta disso leva um susto e diz nossa, no tapei o furo, estraguei
a foto.
Ao retornar para a sala, aos poucos, os grupos iam entrando no laboratrio,
Chikaoka entrega um papel de controle para que comparem os tempos de exposio sobre
a luz permitindo uma melhor compreenso dos resultados das imagens aps a revelao
qumica.
Esta etapa fundamental para que vocs troquem conhecimentos e discutam a
relao entre abertura e velocidade, ou seja, em termos de fotografia artesanal, entre o
tamanho do furo e o tempo que a luz penetrou na cmera, diz Chikaoka.
75

ImagemFigura 41 -IMAGEM: Comparando os resultados em grupo I

Foto: Luana Lobato

Imagem Figura 42 -IMAGEM: Comparando os resultados em grupo II

Foto: Luana Lobato


76

Aps os experimentos em grupo os participantes sentam em roda para levantar as


principais questes e dedues sobre o tempo de exposio da srie de imagens. Eles
discutem sobre a possibilidade de obter uma imagem mais ntida, ento, que Chikaoka
interfere falando: importante deslocar a ateno para uma anlise do tempo e luz,
deslocar o sentido do objeto ao qual eu vejo. Uma imagem que estou focando no
necessariamente a mesma que obterei, esse o sentido de fotografa com pinhole. Temos
a chance de inventar uma realidade outra.
Chikaoka enfatiza ainda que temos que nos liberar dos parmetros do que se diz ser
correto, da importncia de se quebrar o comprometimento com o resultado e pensar mais no
processo.
Direcionados agora para o experimento individual e livre, Chikaoka diz que o
momento agora de brincar com a luz, no se prender a fotografar os detalhes e sim
estudar a luz de uma forma divertida e ldica. Aprendendo com os erros, divagar sobre o
tempo, sentindo a luz e sua potncia. Experimentar o tempo, se desconectar.

Imagem Figura 43IMAGEM - : Autorretrato - experimentao individual

Foto: Luana Lobato


77

3.13. 13) No escurinho da luz vermelha

Depois dos experimentos livres com as pinholes os participantes entram e saem do


laboratrio j familiarizados com a tcnica de revelao, alguns j compreendem as etapas
qumicas, pois so fotgrafos h anos e em algum momento de suas vidas passaram pelo
processo. Outros, ainda com certa dificuldade, so auxiliados pelos mais experientes. No
geral, o processo simples, trs bandejas so nomeadas como revelador, fixador e
interruptor, basta mergulhar em cada uma das bandejas, com um tempo cronometrado, o
papel fotogrfico para que a imagem se revele em preto e branco.
O laboratrio um pequeno espao improvisado no banheiro da sala da oficina, a luz
vermelha levanta um ar de suspense e a cada foto revelada v se possvel ver na
expresso das pessoas um misto de surpresa e xtase.

ImagemFigura 44 IMAGEM - :Fixador Espelho do Lab/ Fixando a imagem.

Foto: Luana Lobato

Os resultados logo so compartilhados, as fotos so coladas em um papel de


controle, no qual oonde o tempo de exposio designado abaixo da imagem, com isso, os
participantes possuem a noo da relao imagem x tempo e conseguem manipular a
quantidade de luz que entra na pinhole e obter umaa imagem mais ou menos ntida. As
questesimpresses tericas comeam a se desdobrar dar descobertas na prtica e este
78

o momento pice da oficina, onde escuto os comentrios fascinados de fotgrafos e


educadores experientes que nunca haviam se dado conta da magiacidade presente em
escondida por trs de uma pequena cmera artesanal.

ImagemFigura 45 -IMAGEM: Papel de controle individual/observando as imagens reveladas

Foto: Luana Lobato

IMAGEM: Observando e discutindo os resultados.


Foto: Luana Lobato
79

AAps as experimentaes, Chikaoka discute em grupo os resultados. Diz que o


processo fotogrfico cumulativo de informaes e que a larga margem de imagens
invisveis ao olho podem ser captadas pela pinhole, at mesmo aquelas queimagens a qual
voc no pensou em capturar.
Segundo Chikaoka, o processo situa melhor a pessoa sobre a gnese do
conhecimento fotogrfico e sobre a potncia da luz e . E ainda permite que cada um
experimentepresencie um tempo s seu, aquele tempo do Mottainai, pois torna-se
lentamente, atravs dos sentidos, um leitor dos signos presentes nas imagens do mundo
nunca ser tempo perdido.

que desperdiado de maneira consciente.

3.14. 14) A linha do olhar.

A dinmica consiste em observar a linha do olhar por meio dos visores orgnicos
construdos no primeiro dia de oficina. Grupos de trs pessoas se dividem e vo para o ptio
externo do Laurinda, a inteno cruzar o olhar atravs do furo do visor que est nas mos
da pessoa ao centro.
ImagemFigura 46 IMAGEM-: Dinmica: A linha do olhar
80

Foto: Luana Lobato

Imagem Figura 47 IMAGEM: Participante na dinmica da linha do olhar


81

Foto: Luana Lobato

3.15. 15) A cmera obscura com lente

Aps a dinmica do olhar, Chikaoka distribui lupas para que os participantes colem
em seus visores e faam observaes com os mesmos nas cmeras obscuras. A inteno
demonstrar a diferena entre a cmera obscura com o furinho de tucum e com a lente da
lupa, visto que uma mesma imagem pode ser vista de maneiras distintas quando usadas
com cada um destes recursos.
A lente da lupa permite a formao de uma imagem mais ntida, isso provoca
espanto em alguns dos participantes, hipteses comeam a ser levantadas e a cada
observao da paisagem com a cmera na mo um sorriso se abre.
Posso escutar de longe algumas pessoas falando sobre o quo maravilhoso este
processo e de como crianas iriam ficar fascinadas ao experimentarem.

Imagem Figura 48 - IMAGEM: Observando a cmera escura com lente


82

Foto: Luana Lobato

3.16.16) Pincl de luz

Aps observaes com a cmera obscura acoplada a lente de uma lupa, Chikaoka
props um exerccio com o pincel de luz, tcnica conhecida tambm como quimigrama, em
que o revelador usado para pintar diretamente no papel fotogrfico. A inteno mostrar
ser possvel fazer uma impresso fotogrfica sem o uso de uma cmera.
Esse exerccio proposto a partir de uma experincia sensorial na qualonde
Chikaoka venda os olhos dos participantes e pede que eles sintam sementes da regio
amaznica. Aps senti-las, so convidados a desenhar com a tcnica do quimigrama,
denominada de pincel de luz, j que o desenho feito com um pincel, em queonde a tinta
o revelador e o papel, fotogrfico.
Os desenhos devem seguir a ideia da potncia que a semente guarda, fazendo uma
aluso a potencia que a luz guarda e que aos poucos revelada. Os materiais so
organizados no centro do cho da sala, bandejas com gua e copinhos plsticos com
revelador qumico sobre um papelo so suficientes, ento, comeam a desenhar.

ImagemFigura 49IMAGEM - : Materiais pincel de luz


83

Foto: Luana Lobato

ImagemFigura 50 - IMAGEM: Pintando com o pincel de luz

Foto: Luana Lobato


84

17) Revelando3.17. Revelando experincias no tempo da ampulheta

Ao final de todas as experincias propostas, Chikaoka convida a todos para uma


roda de conversa na qualonde so compartilhadas as impresses da oficina, as leituras e
releituras dos processos e tambm possveis desdobramentos da mesma. Todos sentam-se
em circulocrculo e novamente a ampulheta passa de um a um, e ento os relatos vo
sendo narrados.
Uma frase que ficou muito marcada em minha mente, dita por um dos participantes
foi: Me senti em uma escola de magia, onde o Miguel era o bruxo e ns os aprendizes.
Chikaoka argumenta sempre que tudo que foi proposto durante os dois dias de
oficina poderiam ser desdobrados em inmeras dinmicas e possibilidades diferentes, e que
tudo foi uma pequena amostra do que se pode fazer tendo a luz como eixo temtico. Fala
tambm da importncia de se trabalhar em coletivo, no aprendizado mtuo e no contato com
o mundo do outro. A educao estaest falindoda, no construmos ideias para lidar com
sentimentos e pessoas e sim para obter lucro e formar pessoas aptas ao trabalho, essas
prticas tentam nos aproximar um dos outros e a lidar com nossas emoes, argumenta
Miguel Chikaoka.

ImagemFigura 51 - IMAGEM: Relatos finais na roda de conversa

Foto: Luana Lobato


85

As falas so mltiplas, alguns direcionam para experincias despertadas


individualmente e outros analisam a importncia dos processos aprendidos e que sero
disseminados posteriormente em outros espaos e vivncias por eles mesmos.
Chikaoka diz que o processo muito mais lento e que aprendeu muito com todos.
Encerrando as falas, todos se abraam.
ImagemFigura 52 - IMAGEM: Bonde dos fotgrafos

Participantes da Oficina de Fototaxia, em busca do elo perdido.


Foto: Luana Lobato

A trajetria de vida de Chikaoka, sua hibrida construo cultural que envolve um


misto de oriental, paulista e paraense olhes transformou em uma pessoa icnica que
influncia diversos fotgrafos em todo Brasil, detentor de uma forma de se trabalhar a
imagemfotografia de maneira nica e particular, Chikaoka e suas oficinas so fortemente
cobiadas por fotgrafos renomados do pas. O que provoca esse interesse? O que
Chikaoka trs da cultura paraense para as suas oficinas?
Falar da fotografia paraense quase que consequentemente falar de Chikaoka. A, a
cena fotogrfica no Par e a trajetria dele como educador e fotografo se misturam
completamente. Por este motivo, antes de desenvolver as principais observaes sobre as
oficinas e as principais categorias observadas, se faz necessrio e indispensvel conhecer a
cena fotogrfica paraense, que reconhecida nacionalmente, assim como compreender um
pouco da trajetria de Miguel Chikaoka e de sua persona. Entender o Par como um
territrio de imagens compreender o que levou Chikaoka a fincar residncia h mais de
86

trinta anos neste local e conhecer melhor o lugar que culminou em suas primeiras
experincias educativas com a luz.
Chikaoka ampliou e desenvolveu o alcance da fotografia no cotidiano cultural da
cidade de Belm, de forma mpar, o que findou por aproximar geraes s questes da arte,
o que veio a se transformar em um aspecto precioso na identificao de Belm como cena
de intensa produo artstica no campo da fotografia.
CAPTULO 03

3. - CHIKAOKA E UM TERRITTIO DE IMAGENS: O PAR

O colonizador vislumbrou na Amaznia o novo mundo, um espao de projeo


do desejo, uma terra imaginada. A terra que se abriu vista, no entanto, j havia
sido ocupada por populaes que, segundo algumas teorias, teriam migrado da
sia para as Amricas e aqui assentado mais do que imaginao: culturas
complexas, cujas representaes imagticas ainda so, aos olhos de hoje, a
presentificao da sua pretrita existncia.
Paulo Chaves Fernandes

Conforme defendido pelo professor e pesquisador Orlando Maneschy (2003), a


regio Norte, em especfico o Par, tem sido foco das mais diversas visitas e abordagens
antropolgicas desde o incio de sua colonizao. Foi atravs do olhar estrangeiro - dos
fotgrafos de fora - que esta regio comeou a se enxergar, na busca de se reconhecer.
Pode-se dizer que a histria da visualidade Amaznica se construiu sob diferentes pontos de
vista. A imagem extica e selvagem, imposta e difundida sobre a regio norte para todo
Brasil e exterior durante anos est sendo gradativamente substituda por um entendimento
de que o Par e a extensa regio Amaznica muito mais complexa e cheia de mltiplas
significaes, como qualquer outra regio do pas.
Para entender a importncia da cena fotogrfica Paraense e seu papel de destaque
na cena nacional nos dias atuais necessrio que busquemos os antecedentes histricos
para compreender sob que aspectos e contextos isto foi construdo.
A regio Norte, em especfico o Par, tem sido foco das mais diversas visitas e
abordagens antropolgicas desde o incio de sua colonizao. Foi atravs do olhar
estrangeiro - dos fotgrafos estrangeiros - que esta regio comeou a se enxergar, na busca
de se reconhecer.
Pode-se dizer que a histria da visualidade Amaznica se construiu sob diferentes
pontos de vista. A imagem extica e selvagem, imposta e difundida sobre a regio norte
87

para todo Brasil e exterior durante anos esta sendo gradativamente substituda por um
entendimento de que o Par e a extensa regio Amaznica muito mais complexa e cheia
de mltiplas significaes, como qualquer outra regio do pas.
Para entender a importncia da cena fotogrfica Paraense e seu papel de destaque
na cena nacional nos dias atuais necessrio que busquemos os antecedentes histricos
para compreender sob que aspectos e contextos isto foi construdo.

4.1. Antecedentes Histricos

Nas ltimas dcadas do sculo XIX, a cidade destacava-se pela economia do ciclo
da borracha, o que facilitou a movimentao cultural e esttica da regio25.

Vrios fotgrafos vieram regio norte por meio de expedies,


como o fotgrafo Americano Charles De Forest Fredricks, que em
1844, chegou ao Par, via Orenoco, canal de Cassiquira, rio Negro e
Amazonas. Fredericks trabalhou na cidade por um perodo de trs
meses26 com a inteno de fotografar a selva. (LEAL,1998 in
SECULT,2002, p.20).

Tambm aportou em terras paraenses o alemo Albert Frisch, em 1865, onde


produziu uma srie de imagens veiculadas pela Casa Leuzinger, do fotgrafo George
Leuzinger, com sede no Rio de Janeiro. Pela originalidade desse trabalho, considera-se
que seja um dos primeiros ensaios na rea de etnografia visual. (FERNANDES JUNIOR,
2002, p.21).
Mas foi somente aps 1867, com a chegada da comitiva do Imperador D. Pedro II,
este mesmo um entusiasta da nova tcnica, que a fotografia comea a ser difundida de

25
Fotografia contempornea paraense: panorama 80/90. Belm: SECULT, 2002.
26
C LEAL, Cludio de La Roque. Retrato paraense.Belm: Fundao Romulo Maiorana,1998.
88

maneira mais significativa no Par. Desembarca tambm nesse perodo, o fotgrafo italiano
Felipe Augusto Fidanza, cujas primeiras imagens - que se tm registro na capital - so dos
arcos construdos em comemorao a abertura dos Portos da Amaznia ao comrcio
exterior (MANESCHY, 2003, p.2). A partir da, Findanzada Findanza se estabelece em
Belm em estdio prprio, localizado no Largo das Mercs, dando incio a uma longa
genealogia de fotgrafos nesta capital.
Sabe-se que o mesmo documentou a cidade em seu cotidiano urbano, e sua obra
ficou registrada nas edies de 1899 e 1902 do lbum do Par. 27. O estdio de Findanza,
hoje conhecido como Galeria Findanza, teve vida longa e foi mantido por diversos outros
profissionais mesmo aps sua morte28..
Vale destacar ainda a intensa produo fotogrfica destinada publicao de
cartes postais, circulados intensamente no perodo de 1900 a 1925. (SECULT,2003,p.21).
Na poca do ciclo da borracha, o carto postal era uma pea muito produzida e utilizada no
Estado. Alm dos postais, a edio de lbuns trazendo imagens impressas ou ainda mesmo
cpias fotogrficas foi significativa no perodo. (MANESCHY,2003,p.2003, p.03).
Belm teve tambm o privilgio de ser uma das primeiras cidades do Brasil a ter um
estabelecimento comercial que produzia retratos (SECULT,2003,p.20)29. Supe-se que tais
coincidncias histricas e pioneirismo fizeram da regio um dos grandes centros de
produo e difuso da fotografia brasileira ao longo dos anos.

ImagemFigura 53-IMAGEM: lbum do Par em 1899


27
Como todo bom lbum histrico faz, lbum do Par em 1899, na administrao do governo de Sua
Excia, o Sr. Dr. Jos Paes de Carvalho mescla belas fotografias com informaes histricas e atuais
sobre o objeto retratado. Alm disso, h uma peculiaridade nesse lbum: ele escrito em portugus,
italiano e alemo. Retirado do site: https://ufpadoispontozero.wordpress.com/2013/09/04/album-do-
para-em-1899/ Acessados em 03/04/2017.
28
Como todo bom lbum histrico faz, lbum do Par em 1899, na administrao do governo de Sua
Excia, o Sr. Dr. Jos Paes de Carvalho mescla belas fotografias com informaes histricas e atuais
sobre o objeto retratado. Alm disso, h uma peculiaridade nesse lbum: ele escrito em portugus,
italiano e alemo. Retirado do site:
https://ufpadoispontozero.wordpress.com/2013/09/04/album-do-para
29
-em-1899/ Acessados em 03/04/2017.
: panorama 80/90. Belm: SECULT, 2002.
89

FONTE: Site < https://fauufpa.org/album-do-para-1899-paes-de-carvalho> Acessado>


acessado em 08/04/2017.

Ainda no incio do sculo XX, enquanto a cidade crescia sob a euforia da


modernidade, surgem vrios estdios fotogrficos comandados por brasileiros, como o
Oliveira de Antnio Oliveira, destacando-se a produo de suas filhas, Lourdes e Kiola,
que sucedem o pai no negcio, transformando o estdio em um dos mais prestigiados da
cidade -, o Foto Bastos, o Foto Leite, e o Foto Menezes, que retrataram vrias geraes de
paraenses.
Segundo pesquisador paraense, Orlando Maneschy:

J familiar seduo das imagens, o paraense intensifica sua relao com


a fotografia. No apenas frequenta os estdios dos fotgrafos comerciais,
mas vai para trs das cmeras e realiza experincias, produzindo imagens
de familiares e do cotidiano. Um grande nmero de annimos serve-se dos
avanos tcnicos da fotografia para registrar datas importantes e a imagem
de entes queridos. Desse convvio estreitado com a imagem, comeam a
surgir pessoas que buscam utilizar a fotografia como expresso pessoal,
visando lanar um olhar prprio sobre o cotidiano, bem como ampliar seus
conhecimentos tcnicos. Elas fazem com que o grande pblico perceba que
a fotografia poderia ser, muito mais do que um hobbie de final de semana,
90

mas uma expresso artstica sofisticada. (MANESCHY, 2003, p.04)

Dentro deste contexto, no qual vrios profissionais da fotografia aportam na regio


no sculo XIX e contribuindo e produzindo para construo da identidade visual e cultural do
paraense, j se constroem as bases de uma cena fotogrfica mpar para cidade de Belm.
Esta mesma cena fotogrfica histrica, entre os sculos XIX e o incio do sculo XX, se
desdobrou enquanto movimento de grupo em torno da fotografia. O Estado passa a ter
ento o seu movimento fotoclubista, influenciado tambm pelo movimento fotoclubista no
Brasil no inicio do sculo XX.
A efervescncia cultural fotogrfica que tomava conta do Brasil, em especifico o Foto
Clube Bandeirantes em So Paulo e o Photo Club do Rio de Janeiro, tiveram ressonncia
em Belm em 1955, quando ento foi criado o Foto Clube Par, nascido na casa comercial
Fotografia Amaznia. A ideia geral do Foto Clube Par, assim como seus similares era a
realizao de passeios fotogrficos e exposies, ocasio que tinham oportunidade de
trocar entre si informaes tcnicas e testar os equipamentos recm-adquiridos. (SECULT,
2002, p.22). Nomes como Joo Nunes Rendeiro, Gratuliano Bibas e Jos Mendona Gos,
foram os que tiveram maior presena em sales nacionais e internacionais, representando o
Foto Clube Par. Este mesmo trio organizou em Belm trs importantes eventos para
consolidao da cena fotogrfica na cidade: A Primeira Mostra Fotogrfica em 1964; o I
Salo Paraense de Arte Fotogrfica em 1965 e o II Salo Paraense de Arte Fotogrfica em
1966, ambos no Teatro da Paz.
Em consonncia ao trabalho desenvolvido pelos fotoclubistas no Par v-se o
fotojornalismo como uma outra importante e marcante vertente da fotografia paraense.
Pedro Pinto, do jornal O liberal e Porfrio da Rocha, do jonal A Provncia do Par reinaram
isolados nas primeiras pginas durante dcadas (SECULT, 2002,p.22).
As trocas e dilogos entre os fotgrafos fotoclubistas e fotojornalistas possivelmente
foram o inicio de um processo de interao entre as diferentes possibilidades da expresso
fotogrfica na regio. (SECULT, 2002, p.22, grifo nosso).
Entre o final dos anos sessenta e inicio de setenta observa-se a decadncia do
movimento fotoclubista no Brasil, substitudo pelo entusiasmo do surgimento das cmeras
automticas e pela popularizao do processo fotogrfico.
Com Luiz Braga, importante e renomado fotgrafo paraense, a fotografia no Par, a
fotografia paraense inicia uma mudana paradigmtica. Influenciado e auxiliado por
profissionais e antigos scios do fotoclube, como Aldo Moreira e Eliezer Serra Freire, Braga
mergulha em tcnicas fotogrficas coloridas, juntamente com influencias tambm do
fotojornalismo de Porfrio da Rocha e Pedro Pinto.

Luiz Braga destaca a passagem meterica por Belm de um profissional


91

chamado Carlos Weick. Na dcada de setenta, instalou-se em estdio


prprio na Praa da Bandeira e seu status decorrente de ter sido fotgrafo
da revista Manchete. Seu estdio lembra Braga, impressionava, pois trazia
o layout do estdio moderno: sombrinhas de flash eletrnico, fundo infinito,
entre outras novidades. Ele publicava, com frequncia, os retratos das
mulheres da cidade na coluna de Isaac Soares, nos anos setenta, e seus
trabalhos tinham como referenciareferncia Irving Penn e David Bailey.
(Bailey. (SECULT,2002,p.2002, p.25)

Assim como Weick, uma outra figura importante aporta em terras paraenses, porm
desta vez no somente de passagem, mas sim, para somar e detonar um processo novo de
pensar e fazer fotografia, Miguel Chikaoka, o samurai paulista, chega a Belm em abril de
1980 e juntamente com outros fotgrafos como: Luiz Braga, Patrick Pardini e Leila Jinkings
ir impulsionar o movimento fotogrfico na regio tendo por vezes bandeiras de lutas sociais
, sempre apontando para um posicionamento mais firme do fotografo com relao aos seus
direitos polticos.
ento, na dcada de 80 que se evidncia a intensa cena da fotografia Paraense, tendo
Miguel Chikaoka como figura importante na consolidao e articulao desta cena.

4.2. - Chikaoka e o surgimento da Fotoativa

Em 1980, ano em que Miguel Chikaoka aporta em terras Belenenses se inicia uma
retomada da fotografia dentro da perspectiva coletiva, porm, de forma paulatina e
silenciosa. Segundo relato do mesmo:

(...) cheguei a Belm do Par, onde comecei a trabalhar como fotgrafo


independente e continuei exercitando o aprendizado. Em meio ao
envolvimento com os movimentos polticos e culturais, fui convidado por um
coletivo de arte-educadores para ministrar o primeiro curso de iniciao
fotografia. A proposta era sensibilizar o pblico para arte fotogrfica.
Comecei intuitivamente, mesclando o repertrio de pensamentos que
absorvi nas leituras com uma viso panormica do meu processo de
aprendizado, e desenhei um percurso tendo como norte facilitar o
entendimento da fotografia a partir do reconhecimento da luz como matriz
do processo. (CHIKAOKA, p.129, 2014).

O coletivo de arte-educadores que Chikaoka cita o grupo Ajir 3031Mariza Morkazel,


artista e curadora de arte paraense diz que, Chikaoka (...) identificado com o grupo, aliou o

30
O grupo Ajir era um grupo multidisciplinar que reunia profissionais de diferentes reas psicologia,
artes plsticas, teatro, msica entre outras com a finalidade de desenvolver cursos, procurando
agitar culturalmente a cidade com intervenes nas praas e em outros espaos pblicos.
(SECULT,2002,p.25)
31
O grupo Ajir era um grupo multidisciplinar que reunia profissionais de diferentes reas psicologia,
artes plsticas, teatro, msica entre outras com a finalidade de desenvolver cursos, procurando
agitar culturalmente a cidade com intervenes nas praas e em outros espaos pblicos.
(SECULT,2002,p.25)
92

experimentalismo postura poltica. A arte e as questes sociais formaram um tecido em


que o individual imbricava-se ao coletivo (MORKAZEL,2014, p.7).
Ainda na dcada de 80, em consequncia a abertura poltica, iniciada, sob o governo de
Joo Batista Figueiredo (1980-1984), uma verdadeira efervescncia cultural passa a agitar o
pas. Em Belm, a comunidade artstica comea a discutir seu papel na sociedade.
Chikaoka passa ento a atuar no meio artstico de Belm, como podemos comprovar na
matria O Movimento Cultural Ganha Espao, de Jeanne Marie, publicado no jornal
Resistncia, em setembro de 81:

(...) a arte fotogrfica entrou num pique timo, graas entrada do


personagem Miguel Chikaoka no cenrio de Belm (...). [Ele[ tem feito um
trabalho muito srio e consciente, partindo da proposta de criar um ncleo
de fotgrafos atuantes e conscientes de seus poderes e direitos
profissionais, integrados com os demais de todo o pas. O trabalho tem sido
feito atravs de cursos de fotografia (na Escola de Arte Ajir), coletivas
organizadas juntamente com Marbo Gianacini, onde os fotgrafos ou no-
fotgrafos podem apresentar seus trabalhos e discuti-los com os outros
participantes e o pblico presente (...). (MANESCHY; p.5, 2003)

Entre os anos 81 e 82, surgem a Fotoficina e o Foto Par 82 I Mostra Paraense de


Fotografia. A Fotoficina contava com cerca de 20 fotgrafos no seu perodo de estruturao
entre eles, como um dos seus fundamentais articuladores, Miguel Chikaoka.
O FOTOPAR tinha como principais objetivos:

(...) promover o intercambio entre aqueles que de alguma forma, se dedicam


prtica da fotografia e consequentemente, enriquecer o universo da
produo fotogrfica da comunidade; estimular a explorao da fotografia
como instrumento e/ou objeto de pesquisa e criao, integrados ao
processo de desenvolvimento da vida social, cultural e artstica da
comunidade; estimular a documentao fotogrfica dos eventos sociais,
culturais e artsticos do nosso povo , contribuir decisivamente para
preservao da memoria cultural e sensibilizar a comunidade para a
importncia da fotografia como forma de expresso cientifica, cultural e
artstica.32

Aps trs edies do FOTOPAR, e as experincias do Fotoficina, juntamente com toda


efervescncia artstica em torno da fotografia paraense e o crescimento de simpatizantes,
nasce a Fotoativa33, que (...) manteve as mesmas caractersticas de disseminao do
conhecimento fotogrfico mediante as primeiras experincias com a luz e sua trajetria para
sensibilizar o material fotogrfico e o aluno, em diferentes nveis.( SECULT, 2002,p.26)

Orlando Maneschy diz ainda que:

Nesta necessidade de espaos - de visibilidade, social e fsico - para a

32
Estatutos do Projeto do Fotopar 82 I Mostra Paraense de Fotografia.
33
93

fotografia estava o embrio da Fotoativa, que nasceu como espao de


iniciao prtica, reflexo e difuso da fotografia (num primeiro instante
sob os auspcios do Instituto Nacional da Fotografia da Funarte e da
Fundao de Amparo a Pesquisa Fadesp). (MANESCHY, 2003, p.6)

A Fotoativa at hoje um dos eixos mais importantes na formao de profissionais,


simpatizantes, fotgrafos, arte educadores e outros na cidade de Belm. reconhecida
nacionalmente e j formou vrios fotgrafos importantes na cena nacional e regional.
Com o passar dnos anos e sua forte influncia regional e nacional a Fotoativa ento,
torna-se associao, conforme explica Orlando Maneschy:

Com todo esse reconhecimento, a Fotoativa, que no existia no plano legal,


vira associao no ano 2000, adquire sede prpria e passa por todo um
processo de reavaliao de sua trajetria, alm de ampliar suas atividades e
aes, sempre com a perspectiva de aprofundar discusses sobre a
imagem e seus limites. Foi nesse ambiente que surgiram os trabalhos de
Alberto Bitar, Cludia Leo, Elza Lima, Mariano Klautau Filho, Patrick
Pardini, Paula Sampaio, Sinvall Garcia e Walda Marques, e outros artistas-
fotgrafos que, junto com Luiz Braga, vem somando linguagem e imagens,
dando visibilidade a fotografia produzida na regio. Estes fotgrafos no
apenas figuram em exposies e colees, tendo suas produes
documentadas em publicaes no Brasil e no exterior, como tambm
exercem um papel determinante na constituio de uma visualidade
Amaznica. (MANESCHY, p .8, 2003)

Como uma de suas misses, a Fotoativa prope sempre em seus seminrios,


encontros, colquios e oficinas, novas experincias com a fotografia por via dos sentidos e
um olhar mais aguado sobre a cidade de Belm. Pode-se dizer que Chikaoka, e a
Fotoativa, viabilizaram experimentaes colaborativas, exponenciadas pelo desejo-base
das aes: estar juntos recriando, re-significando a experincia esttica da vida atravs da
fotografia (MAGNO,2012).
Sobre esta experincia em grupo na Fotoativa o pesquisador Orlando Maneschy,
revela que:

A Fotoativa era um ambiente libertrio. Os eventos, as oficinas tinham


vivncias que iam alm da mera relao do momento da aula. Era tudo
muito misturado, aprendizagem e vida, e as pessoas tambm transitavam.
Algumas que no eram daquele grupo participavam do evento, da viagem.
Era uma grande viagem acerca da luz, do autoconhecimento, do corpo e
das experincias transcendentais. (Maneschy 2012, apud MAGNO, 2012)
94

Imagem 54IMAGEM - Fachada do Casaro Fotoativa

FONTE: <http://www.fotoativa.org.br/?page_id=657>. Acessada em 18/06/2016.

As experincias libertrias e inovadoras da Fotoativa repercutem at hoje na


metodologia de Chikaoka, por meio das oficinas que ele ministra ao redor do Brasil e do
mundo, tendo a fotografia artesanal e a luz como instrumentos mediadores de sua prtica
educativa.
Possivelmente, Chikaoka no s exerceu influncia sobe o cenrio da fotografia
regional como articulou um coletivo de fotgrafos que modificou os rumos da fotografia
contempornea paraense. Entre novas ideias e propostas, novas geraes em um processo
de continuidade e vivncias intensas, iam surgindo diversos projetos e parcerias inditas
que as quais mergulharamou Belm no campo vasto da fotografia nacional.
95

IMAGEM - A turma do Japa, Arte, Fotografia, de camiseta e tudo + ou -, 1989.


FONTE: (Acervo Miguel Chikaoka/ Kamara K)

Segundo Rubens Fernandes Jnior (2002, apud MOKARZEl, 2014, p.33), Miguel Chikaoka
provocou o aparecimento de algumas novas geraes de fotgrafos, com gosto tanto pela
fotografia convencional quanto pela pesquisa e pela experimentao.

(...) no h dvidas de que o processo coletivo e experimental iniciado


pelas provocaes de Chikaoka foram um forte motivador de uma
condio de amadurecimento do fazer e do pensar fotografia em Belm,
que contou fortuitamente com o fomento fotografia nacional realizada pelo
ncleo de fotografia da FURNARTE, posteriormente INFOTO, Instituto
Nacional de Fotografia da FUNARTE, atravs dos encontros promovidos
como as semanas nacionais de fotografia e nos encontros regionais, como
o FOTONORTE. (MAGNO, 2012)

Sendo um dos responsveis por detonar um processo novo e experimental,


juntamente com a Fotoativa, e pela descoberta permanente do sensvel, atravs do ver e
sentir fotogrficos, aglutinando fotgrafos e amantes da luz, Chikaoka instituiu uma nova
forma de ensinar fotografia, influenciado tambm por outros fotgrafos, como Regina
Alvarez34.
Diversos projetos foram e so elaborados hoje por alunos e simpatizantes da
Fotoativa, dentre os quais se destacam: o FotoVaral, Cidade Velha, 24horas de Belm, Ver o
crio passar, dentre outros. Esta regularidade de aes educativas e artsticas ao longo de
mais de 20 anos, transformou a fotografia paraense e a colocou como uma das mais

34
Pioneira na retomada do uso de tcnicas alternativas de produo e impresso de fotografia no
Brasil nos anos 1970.
96

instigantes e produtivas no cenrio da fotografia brasileira contempornea35.


Como escreveu Chikaoka:

a politica desenvolvida pela Fotoativa ao longo dos anos que se seguiram


ofereceu novos contornos fotografia paraense, despertando o interesse de
observadores e crticos, notadamente daqueles que tiveram a oportunidade
de conhecer de perto o pensar e o fazer dos fotgrafos paraenses
contemporneos. (CHIKAOKA, 2000 apud SECULT, 2002, p.21).

Neste sentido, pode-se dizer que entre os anos de 1980 e 2000 produziu um intenso
trabalho criativo, documental e pioneiro neste pedao da Amaznia brasileira, em especifico,
em Belm do Par. Nesta cidade, aportaram diferentes figuras importantes na construo e
fortalecimento desta cena fotogrfica, construram experincias coletivas importantes para
acentuar ainda mais a importncia de Belm como um potente polo da fotografia nacional.
No entanto, ao longo deste percurso histrico, como encontramos a fotografia
paraense hoje? Quais os novos horizontes alargados pela influncia de Chikaoka e a
Fotoativa?

4.3. - Aspectos da fotografia contempornea Paraense.

Como se observou anteriormente no resgate do contexto histrico, a cena fotogrfica


contempornea Paraense vem se desdobrando desde a dcada de 80, com o FOTOPAR,
a Fotoficina e outros eventos na regio, desdobramentos estes que, contriburam para a
construo de uma identidade visual consciente.
Um projeto que tambm calcou as bases da fotografia contempornea no Par, em
1990, foi um grupo de fotgrafos - cujas experincias no se identificaram totalmente com
os procedimentos produzidos pelos fotgrafos em meados de 80 - estabeleceram relaes
com o espao, o objeto e o vdeo, desenvolvendo um projeto a qual foi denominado Caixa
de Pandora. Primeiro grupo da regio a trabalhar com instalaes a partir do fotogrfico,
criao de imagens no convencionais, hbridas em sua natureza, manipuladas e
estruturadas em suportes pouco convencionais para a fotografia.

(...) Estas iniciativas rompantes entre a dcada de 80-90 foram


naturalmente incorporadas, em diferentes nveis e em diferentes etapas de
trabalho, propiciando a maturidade do processo que se instalou mediante

35
Fotografia contempornea paraense: panorama 80/90. Belm: SECULT, 2002.
97

um continuo amadurecimento pelo fazer e pela produo de uma fotografia


vigorosa que se imps pela sua qualidade no cenrio contemporneo.
(SECULT, 2002, p.28).

Hoje uma nova gerao de artistas, exposies e projetos voltados para questes da
arte contempornea so intensamente produzidos e discutidos em Belm. Fbio Castro
(1991) diz que: a fotografia produzida no Par se destaca pelo seu carter universalista,
mas nunca pitoresco. Leon Tostoi escreveu fale de sua aldeia e seja universal 36. Os
fotgrafos paraenses sem se deixarem tomar por uma visualidade extica, fcil e disponvel
da regio, produziram, produzem e criam um olhar para si cada vez mais articulado com o
hibridismo das linguagens artsticas contemporneas.
Verifica-se que muitos artistas-fotgrafos paraenses buscam uma proposta diferente
dessa fotografia de uma matriz prxima cultura popular, alm do fotojornalismo, e da
fotografia documental ser muito forte na regio, tambm a fotografia experimental que traz
consigo uma expanso do fazer fotogrfico, contaminado por outras linguagens e outros
temas.
As oficinas de Miguel Chikaoka, na Fotoativa, sempre geraram questes que eram
deflagradas para que os participantes buscassem encontrar suas linguagens e /ou
identidade prpria, falo das oficinas de Chikaoka e da Fotoativa, pois muitos fotgrafos
contemporneos paraenses que hoje so reconhecidos nacionalmente e internacionalmente
fizeram cursos e/ou trabalharam nos projetos da Fotoativa juntamente com Chikaoka, como
Elza Lima, Dirceu Maus, Paula Sampaio, Luiz Braga, Alexandre Sequeira, entre outros.
Neste sentido visvel e bastante notrio que na cena fotogrfica contempornea de
Belm, a Fotoativa teve e tem sido difusora e propagadora do saber fotogrfico e artstico,
por meio da organizao de palestras, encontros, conferncias, dando apoio tcnico a
exposies, realizando mostras em galerias nacionais e internacionais, participando da
curadoria em publicaes e intervenes artsticas, entre outros.
Como observou o professor e curador Rubens Fernandes Jnior. Essa ao
educativa transformou a fotografia paraense e a colocou como uma das mais instigantes e
produtivas do cenrio da fotografia brasileira contempornea 37.
Outro aspecto importante a se destacar so os Sales e Mostras nos quais a
fotografia paraense sempre esteve presentee., Mmuitos acontecem periodicamente em
Belm e aglutinam um nmero considervel de fotgrafos da regio, dando visibilidade cada
vez mais a um pblico mais jovem e fortalecendo a identidade cultural visual paraense no
cenrio contemporneo das artes visuais no Brasil. Os principais sales e prmios so: O

36
Frase clebre retirada do livro Guerra e Paz de 1989 do autor Leon Tolsti .
37
Retirado do site: <http://www.fotoativa.org.br/?page_id=651.>.Acessado em 14/04/2017.
98

dirio contemporneo de fotografia, o Arte Par, o Salo de Arte primeiros passos do


CCBBEU-Belm e o Salo UNAMA de pequenos formatos, estes dois ltimos direcionados
mais para um pblico recm-formado na academia.
Neste sentido, tendo a Fotoativa como difusora de um dilogo rico sobre a fotografia,
um histrico de pioneirismo experimental na dcada de 80 que impulsionou a nova gerao,
um incentivo aos jovens fotgrafos com Sales e prmios anuais de Arte, supe-se que
estes, dentre outros aspectos mais complexos que no se propem investigar neste
trabalho, incentivaram as ideias que norteiam a construo de um olhar amaznico
contemporneo.
Segundo Mariano Klautau em matria concedida a pgina do VIII Prmio Dirio
Contemporneo de Fotografia:

Os trabalhos presentes na produo paraense mais atual remetem-se,


quase em sua totalidade, fotografia como espao para fico,
desenvolvendo narrativas, seja na observao do cotidiano ou na criao de
pequenas histrias, experimentos e personagens. (KLAUTAU,2013)

possvel compreender melhor este cenrio que se constri na fotografia


contempornea paraense ao observamos a Mostra Cenrio e Personagem que aconteceu
em 2013 no Museu da Universidade do Par MUFPA com curadoria de Mariano Klautau
como parte do Prmio Dirio Contemporneo de Fotografia. Na mostra, esto obras de Ana
Mokarzel, Marcelo Lelis, Rogrio Ucha, Danielle Fonseca, Bruno Leite, Mateus Moura,
Luiza Cavalcante e Valrio Silveira, artistas que representam a produo atual nas artes
visuais da cidade. Alguns deles em incio, outros atuando em campos diversos da imagem
fotogrfica.
O trabalho dos artistas na fotografia do Par sempre foi muito diverso e misturado,
Mariano Klautau curador da exposio Cenrio e Personagem do VIII Premio Dirio
Contemporneo de fotografia, afirma que:

possvel perceber na mostra, elementos e processos distintos, que fazem


da fotografia produzida na regio, uma expresso visual que se expande e
se afirma, sendo reconhecida nacionalmente justamente por no ter uma
identidade fixa ou estagnada. (KLAUTAU,2013)
99

IMAGEM: Fotografia da srie A primeira virtude de Marcelo Lelis, integrante na exposio Cenrio e
Personagem de 2013.

Neste sentido, a partir destas reflexes possvel perceber que a cosmopolita Belm,
envolta pela selva, sculos atrs foi palco de expedies exploratrias de sua visualidade
extica, hoje se reconhece como um importante campo de produo de imagem. As
questes abordadas pela produo artstica contempornea na regio mantem uma sintonia
outras cidades do Brasil. Temas polticos, sociais, intimistas, documentais, experimentais e
potico-pessoais, dentre outros, permeiam os trabalhos dos fotgrafos que se destacam e
contribuem para construo deste movimento atual.
Entendendo alguns destes aspectos e retomando Miguel Chikaoka, como
idealizador e realizador de grandes projetos que circunscreveram a cena fotogrfica
paraense, assim como agente detonador de um processo educativo experimental e
sensvel que provocou o aparecimento de algumas novas geraes de fotgrafos,
em particular na Fotoativa, tentaremos a seguir uma aproximao com um certo
estado de esprito que envolve suas prticas educativas e experimentais com a
fotografia.
100

CAPTULO 04

5. - CHIKAOKA, MOTTAINAI E O TEMPO

Lembro da primeira vez que o vi, eu estava procurando um lugar para revelar uns
rolinhos de filme Preto e Branco, fruto de experimentaes as quais eu tinha feitofeitas em
uma pequena toy cmera38, mais especificamente uma action sampler, daquelas que fazem
quatro frames em uma nica foto. Perguntei a uma amiga do curso de Artes Visuais da
UFPA onde eu poderia revel-los e a mesma me indicou a Kamara K residncia, na
poca, e atelier de fotografia de Miguel Chikaoka.
Logo apsAo tocar a campainha da casa, que no estilo dos casares antigos
tpicos do bairro da cidade velha em Belm, Chikaoka atendeu a porta com um semblante
de quem havia acabado de acordar. Trajando shorts de flanela e sem camisa, com leveza e
humildade me atendeu dizendo que eu poderia deixar os filmes l e peg-los depois de trs
dias.
Eu sempre havia escutado falar do Chikaoka durante as aulas de Laboratrio de
fotografia no meu curso de graduao em Artes Visuais na UFPA, mas como trabalhava e
estudava no tinha muito tempo para fazer as oficinas com ele na Fotoativa. Quando
descobri a fotografia analgica e a pinhole em meados de 2010 em uma das aulas da
professora e fotgrafa Cludia Leo, que viria a ser minha futura orientadora da graduao
fiquei fascinada por conhecer e pesquisar a tcnica e produzir experimentaes com ela. A
professora Cludia sempre falava da Fotoativa e da sua importncia na construo do
38
Toy cameras so cmeras simples e baratas, feitas em sua maioria apenas de plstico, por vezes, at suas lentes.
O termo pode confundir, visto que no se tratam apenas de brinquedos e so capazes de tirar fotografias.
101

panorama da fotografia Paraense. Isso aguava minhas ideias e aflorava a curiosidade em


descobrir um mundo antes totalmente desconhecido. Uma Belm da potencia fotogrfica
surgida na dcada de 80, hoje considerada um referencial dentro da fotografia
contempornea brasileira.
Fotojornalista e documentarista, Chikaoka colaborou com jornais como Movimento e
Resistncia, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos; e da Agncia F4.
Integrou o corpo editorial das Revistas Cura, da Universidade Popular de Belm do Par, e
Gibi, da Agncia Emas. Trabalhou junto ao Movimento Nacional de Meninas e Meninos de
Rua e Unicef (United Nations Childrens Fund Fundo das Naes Unidas para a
Infncia), para a realizao de um documentrio sobre a realidade da criana e do
adolescente no interior da Amaznia
Em 1984, um marco em sua carreira: idealizou e, com o apoio da Fundao de
Amparo ao Desenvolvimento da Pesquisa da Universidade Federal do Par e da Fundao
Nacional da Arte do Ministrio da Cultura, coordenou o projeto Fotoativa, cujo principal
objetivo era promover o desenvolvimento do ensino-aprendizagem e da pesquisa em
fotografia. Pouco mais de duas dcadas de intensa atuao da Fotoativa na cena cultural e
poltica foram decisivos para projetar Belm do Par como referncia no contexto da
fotografia brasileira contempornea.
Sendo um dos principais atores nesta consolidao do territrio da fotografia
paraense, com uma dedicao sensvel ao universo da luz aos poucos props uma espcie
de pedagogia do olhar, subvertendo o formato das oficinas de fotografia at ento.
Chikaoka percorreu vrios caminhos antes de ser fotgrafo. Nasceu em So Paulo,
estudou na Frana e cursou doutorado em engenharia eltrica na Escola Superior de
Engenharia de Nancy. Foi l, em 1977, que ele descobriu a prtica da fotografia, que
segundo ele, seria (...) uma via expressa para exercitar e expressar as inquietaes
filosficas. (CHIKAOKA, p.129, 2014)
Ainda na Frana, se apaixonou pelos exerccios e experimentaes com a fotografia,
no Photo Club de Monbois - Boudville, complexo residencial onde morou. L Chikaoka pde
experimentar os intensos aprendizados e processos fotogrficos juntamente com sua
seduo antiga pelas leituras de David Cooper, Paulo Feire e Augusto Boal. Decidiu, ento,
abandonar de vez a engenharia, dedicando-se exclusivamente fotografia.
Ao retornar para o Brasil nos anos 80, Chikaoka, ainda sem um destino certo, elege
Belm como morada e parte em busca de novos olhares e experincias:

Quando Miguel Chikaoka recebeu a carta de uma amiga dividindo suas


descobertas em Belm em 1977, ele, um jovem nissei nascido em Registro,
numa colnia de japoneses no interior de So Paulo, j estava na Frana h
um ano onde aprendia francs para cursar doutorado em Engenharia
eltrica na cole Nationale Suprieure d'lectricit et de Mcanique -
102

ENSEM. A carta, entre outros fatores, foi importante para somar na


construo do imaginrio da Regio ento desconhecida por ele,
significativa para obter a percepo das grandes diferenas climticas,
culturais e sociais em seu mesmo pas.. (MAGNO, 2012)

Miguel Chikaoka ento aportava em um espao em ebulio cultural e social onde


fez da (...) fotografia um componente principal do acercamento a um territrio cultural
inteiramente novo. A partir da, imprimiu uma atitude de educador experimental e propositor
de vivncias com a imagem fotogrfica, que marcou de modo definitivo a cidade de
Belm.Belm. (KLAUTAU FILHO,2014, p.7).
Neste sentido a contribuio de Chikaoka para a cena fotogrfica paraense
irrefutvel.
Sabendo-se da difcil tarefa em descrever fielmente uma pessoa, aqui sero
tomadas impresses, observaes e olhares, sobre algum impregnado por uma cultura
oriental que fincou razes profundas na cidade de Belm. Um ser complexo, como outro
qualquer que, detentor de ideias sociais, polticas e educativas, conciliando a prtica
comunitria, o uso da imagem como forma de compreenso do mundo e uma abordagem
experimental da fotografia, influenciou muitas geraes de fotgrafos e educadores, no s
em Belm, mas em outras regies do Brasil.

Imagem 55 - IMAGEM: Chikaoka na feira do aa em Belm-PA

FONTE: GOOGLE

Chikaoka, como na foto acima, est sempre a procura da luz, com seus olhos
103

cerrados, tipicamente orientais, sempre atentos a nuances que lhe tragam uma possibilidade
educativa e/ou artstica. Como um pescador de imagens, navegante da luz39 . Segundo
Marisa Morkazel:

Um dos exemplos da tessitura entre a vida, a poltica e a arte, que sempre o


acompanhou, pode ser percebido na manifestao ntima, mas de carter
pblico, que invade o seu quarto, na casa onde nasceu, em Registro (SP). A
pichao feita por ele entre 1976 e 1979, no intervalo das frias, toma conta
das paredes e traz as palavras de ordem, nas quais podem ser lidos os trs
atos que o norteiam: o da arte, o do amor e o da poltica. (MORKAZEL,
2014, p.50)

Foi neste espao entre arte, poltica e sua forte influncia familiar oriental que
Chikaoka cria novos paradigmas para a fotografia e educao.
Miguel Chikaoka se aproxima do Hlio Oiticica denominava artista propositor, [...] um ser
social, criador no s de obras, mas modificador tambm de conscincias [...]. (OITICICA,
1986, p. 95).

5.1. - Mottainai, Zen budismo e o tempo

Mesmo que no fale diretamente, toda vez que Chikaoka ministra uma oficina ou
palestra, deixa bem claro que os ensinamentos advindos da cultura oriental japonesa e
todas as experincias que trouxe do cotidiano familiar e de seus ancestrais, refletem
profundamente em sua postura enquanto educador- fotgrafo. A espiritualidade, o sensvel e
o artesanal, so basicamente os trs elos que unem suas propostas educativas.
Miguel Chikaoka sempre critica a velocidade tecnolgica, a velocidade da
devastao ambiental do planeta, dos valores e a devastao crtico-cultural. Mottainai a
expresso mais utilizada por ele para refletir nossas relaes as coisas e pessoas ao nosso
redor e de como lidamos com a nossa natureza.
Mottainai uma expresso que simboliza seus valores e como ele v e acredita que
deveriam se construir as relaes com o outro e com o mundo. Pelo modo como Chikaoka
enfatiza, seja em palestras e oficinas, Mottainai mais do que uma expresso para ele,
uma filosofia presente na sua prtica com a fotografia e no seu estilo de vida pessoal.

39
Nome dado pela autora do livro Navegante da luz: Miguel Chikaoka e o navegar de uma produo
experimental, Marisa Mokarzel. - 1. ed. - Belm : Kamara K Fotografi as, 2014.
104

Nascido no seio de uma comunidade de imigrantes japoneses assentados na regio


do Vale do Ribeira (SP) cresceu ouvindo diariamente a expresso Mottainai, cuja traduo
literal seria que desperdcio! . Ressoando como um mantra ao longo de toda sua infncia e
adolescncia, essa expresso ficou guardada como uma semente em sua memria e, nos
tempos mais recentes, eclodiu como norteador do caminho a qual vem trabalhando em suas
oficinas com fotografia artesanal.
Utilizada cotidianamente pelos japoneses em situaes e contextos dos mais
diversos, essa expresso guarda em si um significado muito profundo: Mottai um termo
que tem origem budista e refere-se essncia das coisas e Nai exprime uma negao.
Portanto, em seu sentido mais profundo, Mottainai quer dizer a negao ou o desprezo de
laos com a essncia das coisas sejam estas de ordem material, espiritual ou emocional. A
palavra carrega consigo tambm uma filosofia que induz reflexo sobre questes de
desperdcio e sugere que os objetos no existem isoladamente, mas esto intrinsecamente
ligados uns aos outros, o que pode resultar em uma reviso do modo como nos
relacionamos com tudo que povoa o universo.
Sendo a palavra Mottainai criada no seio da cultura budista importante observar
muito dos valores e smbolos que compem esta cultura e observar de que maneira eles
aparecem na prtica educativa de Chikaoka.
Segundo a educadora Valdilania Lima (2014), quando Miguel Chikaoka fala sobre
seu prprio trabalho educativo, a melhor imagem que o representa o Ens40, um simbolo
budista. O Enso ou crculo Zen como tambm conhecido, uma expresso do momento
segundo os budistas. Muito da personalidade do artista completamente revelada na
maneira em que ele pinta o Enso e somente quem est mentalmente e espiritualmente
completo, e que tenha percebido sua natureza bdica, pode pintar um verdadeiro Enso.
Alguns artistas os pintam todos os dias, como um dirio espiritual e para com o intuito de se
praticar at a chegada exaustiva da perfeio, e mesmo que nunca o cheguem sempre o
iro pratic-lo.
Alguns artistas pintam o Enso com uma abertura no crculo, enquanto outros
completam o crculo. No primeiro caso, a abertura pode expressar ideias diferentes, por
exemplo, que o Enso no est separado, mas parte de algo maior, ou que o defeito um
aspecto essencial e inerente da existncia. O princpio de controlar o equilbrio da
composio atravs da assimetria e irregularidade um aspecto importante da esttica
japonesa41.

40
Ens uma palavra japonesa que significa "crculo" e tem um conceito fortemente associado ao
Zen. Ens , talvez, o tema mais comum na caligrafia japonesa. Ele simboliza Iluminao, Esforo,
Elegncia, o Universo e o Vazio.
41
O fukinsei (), a negao da perfeio.
105

Imagem 56 - Simbolo do Ens

FONTE: GOOGLE

Esta comparao da prtica educativa de Chikaoka com o smbolo do nso pode ser
percebida em suas oficinas, nas quais o processo e o experimento do fazer so mais
importantes que o resultado final. Chikaoka conduz seus mtodos fundamentado na reflexo
de que as atividades devem levar a mente para um estado livre de pensamento, deixando
os sentidos criarem. Chikaoka no exige regularidade e perfeio, ele prope a prpria
experincia como um aprendizado e no o resultado final. Se a prtica do Enso nada mais
que uma busca para alcanar a espiritualidade plena e um autoconhecimento, mostrando o
estado expressivo do artista noartista no momento que o pinta, os processos de
experimentar e fazer artesanal que Chikaoka prope, nada mais so tambm do que
exerccios que demonstram a expressividade do participante num jogo de busca e
conhecimento de si, do mundo e do outro, como pudemos observar ao longo das oficinas
que acompanhamos. Isso pode ser percebido por exemplo, noexemplo, no momento de
produo da cmera artesanal, quando Chikaoka enfatiza que o processo de feitura da
cmera, cortar, encaixar e medir, realizados, tendo o corpo como ferramenta, simboliza o
estado de espirito de cada um, com um prolongamento do corpo e da alma. Ali, na cmera,
num material de papel, est a expresso individual de cada um, como em um smbolo Enso.
Os zen budistas "acreditam que o carter do artista est completamente exposto na
forma com a qual desenha um Enso. Chikaoka acredita que a expresso individual de cada
um est completamente exposta no modo como ele v e experimenta os processos
artesanais em suas oficinas, que, devem ser encarado com conscincia e Mottainai! Sem
desperdcio material e espiritual.
106

O mais importante da proposta prtica de Chikaoka, como j afirmamos, o


processo, e este deve ser levado como um significativo aprendizado, sendo revisto
exaustivamente at chegar-se a um determinado objetivo satisfatrio para cada um, em
particular. Prximo tambm, a exaustiva prtica da pintura do Enso, por alguns artistas
japoneses.
Chikaoka costuma direcionar suas oficinas para uma reflexo na qual o processo
quase que meditativo e que pensa alm de tudo, na experincia do instante-lugar, na
construo, elaborao, reflexo e experimentao das etapas.
Alm disso, sua metodologia sempre nos direciona para um olhar atento aas
manifestaes naturais da luz e para a simplicidade dos objetos, sua reutilizao e
ressignificao, perpassando sempre pela reflexo Mottainai.
Dentro do conceito de Mottainai, o tempo tambm algo que deve ser trabalhado
com ateno, devemos sim investir em gastar tempo no aprendizado, pois este ocorre na
experincia e no tempo perdido no contato com os signos das coisas. Perder tempo neste
sentido para a filosofia Mottainai no desperdiar tempo e sim processo essencial para
um aprendizado satisfatrio.

Mottainai tem um sentido amplo e refere-se no s ao desperdcio material,


como tambm aos padres de pensamento que originam a ao que possa
gerar desperdcio de qualquer natureza, inclusive emocional e espiritual.
muito comum seu uso dirio para indicar desperdcio de qualquer material,
tempo ou outros recursos. Em um sentido mais amplo, o termo simboliza o
respeito pela essncia das coisas e reflexo sobre as questes do
desperdcio. Em: < http://kandoo.com.br/o-que-significa-mottainai/>. Acesso
em 16/10/2016.

Desta forma, Mottainai nos permite refletir mais profundamente sobre nossa
relao com as coisas (materiais ou no) do universo. Permite-nos avaliar o quo
importante o uso e desuso do que nos rodeia e demonstrar respeito pela essncia
das coisas. Um novo olhar para o que possumos, com mais reconhecimento e
gratido a tudo, a comear pela prpria vida.
As oficinas de fotografia, mediadas por Chikaoka, sempre conduzem para
uma reflexo sobre os tipos de recursos e materiais que utilizamos, tratando o
desperdcio como algo estritamente inaceitvel. Este claramente um
posicionamento que remete palavra Mottainai. Os materiais sempre so
reaproveitados por ele, como a proposta que ele trs consigo de um formato de
cmera artesanal pinhole42, onde se reutilizado o tubinho de filme fotogrfico de
42
Uma cmera pinhole ou cmara estenopeica basicamente um compartimento todo fechado onde
no existe luz, ou seja, uma cmara escura com um pequeno orifcio, portanto uma mquina
fotogrfica sem lente.
107

cmeras analgicas. O cuidado ao selecionar, cuidar e regrar os materiais so


processos que sempre esto presentes em sua postura enquanto educador.
Como ele mesmo sempre diz, sua trajetria de vida nasce na sua infncia
fruto daquilo que lhe foi plantado como valor humano em seu seio familiar, ao
escutar quase que como um mantra a palavra Mottainai, Chikaoka apropria-se disto
gerindo uma prtica educativa na qual o desperdcio (no desperdio o mote
central: no desperdiarar bens materiais e no desperdiar ateno plena43 e
tempo .Porm, no caso do tempo, no desperdiar significa perder bastante tempo
em contato com a essncia das coisas, expressa por seus signos e a nossa
essncia. para com aquilo que alimenta nossa essncia) o mote central.
O Zen budismo, do qual deriva a lug expresso Mottai, uma tradio
religiosa com princpios filosficos prprios. No Zen, mtodo prtico de realizao da
natureza de Buda, procura-se desenvolver a ateno plena mediante uma disciplina
de corpo e mente experienciada de forma simples e direta no aqui-agora. Dentre as
diversas formas de budismo, o Zen Budismo traduz a espiritualidade numa
perspectiva profundamente prtica e colada ao cotidiano.
Chikaoka, com base nos valores que norteiam o seu pensamento, valores
humanos, da formao que recebeu de sua famlia japonesa, e tendo a expresso
Mottainai como um mantra em sua casa, reflete em sua prtica como educador e
pessoa, a importncia de se observar os laos com a essncia das coisas. Prope
experincias nas quais o tempo e a energia, devam ser usados para um bem
comum (aprendizado) e para nos conectarmos mais uns aos outros e com a
natureza, assim como nos conhecermos melhor como parte integrante de um
cosmos, onde tudo est interligado.
Mottainai expresso que repudia o desperdcio material abrange tambm
aes que geram desperdcio de qualquer natureza, incluindo emocional e espiritual.
Segundo os mtodos observados nas oficinas de Chikaoka muito comum o
discurso de que devemos gastar um tempo para com ns mesmos, tocando,
sentindo, vendo com ateno plena tanto os aparatos ticos que fabricamos, quanto
aquilo que iremos fotografar. E esse tempo nunca ser um desperdcio. O tempo
investido em nos entregarmos aos processos experimentais com a fotografia
artesanal.
O Zazen - uma das prticas do Zen Budismo, seio da expresso Mottai diz
43
108

que:

Literalmente, Zazen significa "sentar zen. Sentar em silncio, de frente para


a parede. O foco a respirao e o livre fluir dos pensamentos, sem fixar
em nenhum deles, o que proporciona ao praticante uma diminuio da
agitao mental. Livre de qualquer expectativa de ganho nos detemos em
nos observar postura, sensaes, impresses, corpo e mente o que
ocorre dentro e fora de ns. Tudo faz parte, sejam "barulhos internos ou
externos. 44

Este tempo perdido que se constituiu paradoxalmente em um no desperdcio


o tempo de olhar para si e para o mundo, de permitir-se ficar livre de toda agitao
mental que a vida nos impe, o tempo das oficinas de Chikaoka. Tempo lento,
tempo expandido e, porque no, tempo oportuno tambm: Kairs. Tempo dos
processos experimentais e ldicos presentes em sua abordagem com a luz.
No trabalho de campo foi possvel observar a forma como Chikaoka lida com
a busca de si mesmo, uma autoavaliao perante o modo como absorvemos o
mundo e lidamos com a velocidade das informaes que chegam at ns.
Conhecendo-nos melhor, procurando um tempo para ser bem desperdiado, nos d
a possibilidade de lidar melhor com as emoes que circundam nosso cotidiano?
No Zen, a realizao dos ensinamentos de Buda exige uma prtica
incessante daquilo que se quer aprender. Mais do que exigir, a realizao a prpria
prtica incessante. Os budistas acreditam que se no houver comprometimento no
haver realizao. Ou seja, praticar algo requer total concentrao e dedicao da
alma e da mente, o corpo deve trabalhar em conjunto com o espirito para ento se
chegar ao to desejado aprendizado, fazendo-se assim, um desperdiar necessrio,
desperdiar tempo em prol de aprendizados.
Como podemos ser mais dignos do tempo que dispomos? Reconhecendo o
valor do tempo, como algo que limitado, finito, intransfervel e irreciclvel.
Preocupado com as sutilezas da vida e em estabelecer discurses sobre
nosso consumo e desperdcio, consumo de informaes e desperdcios materiais e
espirituais, pudemos observar que Chikaoka est a todo momento tentando nos
levar a entender a necessidade de investirmos em um tempo bem gasto. Mottainai!,
Gaste seu tempo em prol daquilo que o conecta com a natureza e o que lhe prope
autoconhecimento. Para nos provocar a este tempo que se perde se, que seja um
desperdcio, Chikaoka trabalha com as memrias afetivas, com o aguar de outros

44
Citao retirada do site: http://www.viazen.org.br/si/site/budismo. Acessado em 28/04/2017.
109

sentidos para alm da viso, discute a possibilidade de nos conectarmos mais com a
natureza e entendermos melhor os materiais que retiramos dela, todas estas
abordagens levando ao preceito do valor do tempo, como cuidar de algo que
limitado, finito.
Chikaoka ao trabalhar em suas oficinas categorias como o silncio, o fazer
manual e artesanal, o reaproveitamento de materiais que nos cercam e a alteridade,
est nos resistindo velocidade das atividades que nos cercam. Um educador
experimental que ensina para alm da fotografia.
Alm desta relao com tempo que Chikaoka media em sua oficinas e que
to stil, percebemos outras categorias interessantes em sua proposta educativa,
como o a importncia que ele d ao percurso traado para sistematizar um
conhecimento, ou seja, ao processo percorrido no aprendizado, propondo sempre,
experincias para alm da imagem.

5.2. Um educador experimental e propositor de vivncias para alm da imagem.

Sendo um dos fotgrafos mais influentes em todo Brasil, pode se dizer que Chikaoka
possui uma maneira nica e particular de ensinar fotografia, atravs de um olhar sensvel,
ao mesmo tempo cientfico e potico, utilizando a luz como aliada.
Chikaoka, antes mesmo de chegar Belm, possua a conscincia de que o
processo bsico da fotografia captura e formao da imagem diz respeito relao da
natureza da luz com a subjetividade humana. Nestes experimentos, ele se props a pensar
e disseminar a prtica fotogrfica como uma juno do exerccio do olhar e do ser e estar no
mundo.
Seu entendimento tcnico, aliado a um conhecimento sobre a essncia da natureza
fotogrfica lhe possibilitaram a criao de um ambiente propicio para as trocas de saberes, e
transformaram, como j mencionamos, a fotografia paraense, no s no modo de se
produzir imagens, mas de perceber a prpria regio Amaznica como uma potncia
criadora.
Chikaoka pde descobrir um lugar, e paralelamente ao seu descobrimento, proporcionar
para aqueles que em Belm j residiam, um novo olhar sobre a cidade.

Um fato curioso e essencial para a trajetria de Chikaoka aqui firmada,


que no foi um fotgrafo que chegou, protegido pela lente fotogrfica,
imponente e cheio de certezas, nas terras exticas da Amaznia, mas um
viajante, um desbravador, motivado pelo desejo de experimentar, um
homem consciente de que o olho do fotgrafo no v superiormente nem
110

melhor do que podemos ver desarmados, sem a mquina, mas v diferente,


de maneira nova ou indita, no querendo isso dizer, tambm, que veja de
maneira certa e objetiva (NUNES, p. 25, 1998).

Os mtodos e processos de Chikaoka visam trocar conhecimentos no ensinar.


So mais experimentais e processuais do que um mtodo rgido e definido. Ele enfatiza
sempre em suas oficinas que o experimentar dos processos o caminho mais pleno para o
entendimento da essncia das coisas.Morkazel diz sobre sua metodologia que:

Processo a palavra-chave. Mais do que a obra pronta, acabada, o que


lhe interessa o processo, a insero de ideias, que promove as trocas de
afetos, de conhecimento e de percepo. Esta atitude plural implica adotar a
interseo de culturas. O autoconhecimento oriental e o vagar perceptivo
que apreende, sem pressa, as coisas do mundo, conjugam-se
objetividade, prtica conceitual que exige definies e auxlios
matemticos e fsicos para compreender os fenmenos. (MORKAZEL,
2014, p.19)

Estes processos so permeados por exerccios com prticas sensoriais, do sentir e


trocar ideias, num ritmo lento, num tempo que cabe a cada um.
Chikaoka prope um trabalho educativo no qual a tcnica no se sobrepe
experincia esttica e, consegue criar, tendo como ferramenta a luz, um aprendizado
artesanal e sensorial, utilizando uma pedagogia potica na qual as experincias coletivas e
o ntimo contato com a luz proporcionam, mesmo que intuitivamente, um rico aprendizado
criativo, e uma "viagem em ideias e imagens. Como nos diz a professora e pesquisadora
Valdilania Lima:

Chikaoka um fotografo e um educador inquieto, a reflexo e o


aprimoramento de sua prtica s constantes, ele utiliza a fotografia para
promover encontros e provocar transformaes. Ampliando seus conceitos
atravs de experincias sensoriais, constri uma relao dialgica com o
mundo, fazendo do ato fotogrfico uma ponte para o encontro com o outro.
(LIMA, p.83, 2015).

A maneira de ensinar e aprender que Chikaoka se prope e nos convida a


experimentar no segue regras findveis em uma corrida por definir cdigos, apreender
tcnicas ou manipular aparelhos, um jogo de experincias no qual nossos sentidos so
aguados por relaes tteis, olfativas, imaginativas e criadoras. Segundo suas prprias
palavras, v a educao mais como transversal e hibrida do que fragmentada em
disciplinas.

No me preocupo em repassar conceitos tcnicos, meu interesse est nas


possibilidades do processo de fotografar, como o conceito da luz, suas
formas, a trajetria dos raios. Tenho uma viso transversal do ensino, no
acredito na fragmentao por disciplina. Assim como na vida, tudo se
111

relaciona com a fotografia no diferente. possvel aprender fsica,


matemtica, biologia, artes e o que mais a imaginao permitir.
(CHIKAOKA, 2016)

Chikaoka prope em suas oficinas uma aproximao do indivduo com a natureza,


no somente a natureza que conhecemos, por sua beleza e recursos naturais, mas da
nossa natureza interior, do nosso eu mais profundo.
Com olhares robticos sobre o mundo, corremos feito loucos na procura por
acumular conhecimento e saberes e nos distanciamos cada vez mais do saber interior. Em
meio s ritualidades cotidianas, apagamos da nossa memria o afeto sobre as pessoas e
nossa ligao espiritual com a essncia das coisas.
Sendo Miguel Chikaoka, algum, que carrega em si um misto da cultura japonesa e
amaznica, preocupado com o outro e em despertar nas pessoas ao seu redor um saber
sensvel, leva a educao de uma maneira mais livre das amarras do sistema educacional,
no qual tudo cronometrado e as atividades sempre geridas pelo fragmentado e ordenado
tempo escolar.
A educao no se restringe apenas escola, universidade, ou a padres
familiares.
Segundo Paulo Freire (1967, p.36), "a educao das massas se faz, assim, algo de
absolutamente fundamental entre ns. Educao que, desvestida da roupagem alienada e
alienante, seja uma fora de mudana e de libertao.

A opo, por isso, teria de ser tambm, entre uma educao para a
domesticao, para a alienao, e uma educao para a liberdade.
Educao para o homem-objeto ou educao para o homem-sujeito. []
Expulsar esta sombra [da opresso] pela conscientizao uma das
fundamentais tarefas de uma educao realmente liberadora e por isto
respeitadora do homem como pessoa. ( FREIRE, p. 36-37, 1967)

A educao para a liberdade, no em moldes exatamente freireanos, notadamente


percebida nos ensinamentos de Miguel Chikaoka. Atravs de suas oficinas, h a mediao
do aluno para ser livre, atravs de experimentaes orientadas pelo prprio fotgrafo. Uma
educao libertadora pode ser vista como aquela livre das amarras impostas pelo sistema
educacional, onde a organizao do tempo, dividida em horas-aulas, e em um calendrio
anual a ser cumprido rigidamente no prope ao aluno a liberdade para aprender dentro do
seu prprio tempo e experiencia como pudemos descrever e refletir ao longo desta
pesquisa. A proposta educacional de Miguel Chikaoka, consiste justamente em perder
tempo com os signos que nos conectam com a essncia das coisas. Sua beleza reside em
ser forte e ao mesmo tempo extremamente simples, como seu mote: Mottainai.
112

6.

CONSIDERAES FINAIS

No desejo de compreender o estado de espirito que permeia as oficinas de Miguel


Chikaoka e de entender mais a fundo a filosofia Mottainai e de como esta, percorre os
valores pessoais e metodolgicos de sua prtica, descobri que ao buscarmos esse contato
mais prximo de Chikaoka e de sua metodologia, nos aproximamos mais de ns mesmos e
do outro, por meio das dinmicas de alteridade e atravs do silncio, do tempo perdido e do
olhar atento ao mundo.
O silncio, a pinhole, o fazer manual, e o tempo ,tempo, que nos remete ao
Mottainai, so as estruturas base de sua prtica
O artesanal e as mos esto presentes em quase todo percurso de suas oficinas. H
tambm, atividades mobilizadoras do corpo e dos sentidos. Chikaoka, inspirado no Origami
(arte da dobradura de papel), prope a construo da cmera obscura a partir de uma folha
de papel carto utilizando apenas as mos como ferramenta. O envolvimento, a valorizao
do corpo, a harmonia do processo, a autoestima, a preciso geomtrica e o perfeito
funcionamento do dispositivo so alguns dos itens notados durante o processo de criao
113

da cmera e de outros recursos plsticos e que abrem novas possibilidades para produo
e criao de cmeras artesanais.
Seguindo essa linha exploratria e ciente de que qualquer coisa tem origens, uma
histria e um caminho at chegar s nossas mos, Chikaoka introduz uma etapa de
reconhecimento fsico sobre materiais que nos cercam, bem como a busca de informaes
sobre as origens histricas e tcnicas destes materiais. Chikaoka procura tambm a
valorizao de materiais ao nosso em torno, como aqueles utilizados por ele na etapa de
explorao do espao na busca de materiais orgnicos.
A expresso Mottainai , mote de sua prtica, nos faz olhar com conscincia para os
materiais que a natureza nos d e poupar o desperdcio. se eles esto l, porque no
utiliz-los?, diz Chikaoka, referindo-se aos materiais que temos disponveis em abundncia
na natureza e que muitas vezes no nos damos conta de suas possibilidades como recursos
e ferramentas educativas. A utilizao dos espinhos de Tucum, as quais utiliza para furar
as pinholes, tambm outro aspecto que fortalece a ideia de que nada deve ser
desperdiado e que temos que aproveitar ao mximo do que dispomos, utilizando tudo de
maneira consciente. Para Chikaoka a grande sacada perceber como um determinado
recurso de sua regio pode ser til em diversas coisas.
Criar tambm faz parte do processo de ensinar, e instigando as pessoas a olhar com mais
cuidado e apreo para natureza e lhes fazer perceber a riqueza de recursos que podemos
dispor com ela, tambm Mottainai.
Ele diz (...) pretendo, atravs da fotografia, trabalhar o indivduo num processo de
descoberta coletiva, de uma maneira total: aguar o olhar e os outros sentidos para que a
viso seja mais ampla e mais aberta.45
A pinhole, outra categoria quase intrnseca prtica de Chikaoka, tambm nos
remete a muitas reflexes: uma sobre a economia de materiais, que o prprio Mottainai,
da ideia do no desperdcio , a proposta de uma cmera minimalista como cita uma das
participantes, que nada mais do que uma cmera fotogrfica reduzida sua expresso
mnima ( necessria e suficiente); um objeto hermtico e opaco, dotado de um pequeno furo
em um dos lados e com um material fotossensvel (papel fotogrfico) que reage com a luz e
forma a imagem. A outra reflexo sobre a experincia da gnese da fotografia, que guarda
toda magia por trs do processo artesanal. O que importa num modelo de iniciao (ou
reiniciao) fotografia a experincia que ele proporciona. No uma negao aos
moldes da fotografia digital e rpida e sim uma reflexo e experimentao do corpo. O que
est em jogo para Chikaoka sempre a experincia do contato, do embate com o primrio e
elementar, trazendo as questes da imagem a nossa contemporaneidade. Afinal, a imagem
contempornea fabrica o seu prprio tempo (DUBOIS, 2014)
45
Declarao ao jornal O Liberal, em 31 de janeiro de 1990.
114

Segundo prprio Chikaoka a escolha pela cmera pinhole de formato de tubinho justifica-se
por:

Primeiro a economia dos meios alcanada pela simplificao e


padronizao do instrumento a servio de uma depurao/concentrao nos
processos de descoberta e criao: em vez de os participantes da oficina
se distinguirem um do outro pelo modelo da cmera e o formato de
negativo, todos passam a ter cmara igual e cada um vai criando sua
diferena to-somente no modo de us-la, expresso nos resultados obtidos.
Segundo, a questo da economia tout court, partindo da observao de um
possvel desperdcio de materiais da oficina (papel fotogrfico, produtos
qumicos, cartolina, entre outros), sem que formatos maiores acarretem
maiores benefcios em termos de aprendizagem. (CHIKAOKA, p.159, 2002)

Desta maneira possvel estabelecer a partir destas impresses, duas importantes


consideraes: Primeiro que a proposta de Chikaoka ultrapassa a noo de uma oficina
para ensinar e trabalhar tcnicas fotogrficas e compartilha experiencias sensveis e de
alteridade. O modelo artesanal de suas oficinas oferece uma notvel experincia da luz na
fotografia: a mais direta, a mais imediata, a mais prxima possvel do corpo.
(MANESCHY,2002).
E a outra impresso da necessidade de repensarmos a nossa relao com a
natureza e observarmos mais criticamente sobre como vivemos e usufrumos do tempo.
Assim, por meio destas reflexes, Chikaoka nos possibilita expresso criativa atravs de
jogos e atividades mobilizadoras dos sentidos e por meio de suas propostas educativas,
provoca o pensar consciente sobre o tempo.
Compreendemos ento, a partir destas experincias, que devemos desperdiar
tempo com aes que nos alimentam de conhecimentos sobre o mundo e ao mesmo tempo
em prol de um autoconhecimento. Levar a vida com mais leveza, focando naquilo que
propormos alcanar, olhando com mais ateno para o presente.
115

,
116

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ABELM, Aurila Gomes. Urbanizao e remoo: por que e para quem? Belm: Centro de Filosofia
e Cincias Humanas/ NAEA/UFPA, 1988.

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