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Tese Sandra Garrido de Barros. 2013

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Universidade Federal da Bahia


Instituto de Sade Coletiva
Programa de Ps-graduao em Sade Coletiva
Doutorado em Sade Pblica

Sandra Garrido de Barros

A POLTICA NACIONAL DE LUTA CONTRA A AIDS E O ESPAO

AIDS NO BRASIL

Salvador
Maro 2013!

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Sandra Garrido de Barros

A POLTICA NACIONAL DE LUTA CONTRA A AIDS E O ESPAO AIDS

NO BRASIL

Tese apresentada ao Programa de Ps-


graduao do Instituto de Sade Coletiva
da Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para obteno do ttulo
de doutor em Sade Pblica, rea de
concentrao em Planejamento e Gesto
em Sade.

Orientadora: Profa. Dra. Ligia Maria Vieira da Silva

Co-orientador: Prof. Dr. Patrice Pinell (Estgio Sanduche no CESSP)

Salvador
Maro 2013! !

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Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Universitria de Sade, SIBI - UFBA.

B277 Barros, Sandra Garrido de


A poltica nacional de luta contra a aids e o espao aids no Brasil.
/ Sandra Garrido de Barros. Salvador, 2013.
274 f.

Orientadora: Prof Dr Ligia Maria Vieira da Silva.


Co-orientador: Prof. Dr. Patrice Pinell

Tese (Doutorado em Sade Pblica) Universidade Federal da


Bahia. Instituto de Sade Coletiva, 2013.

1. HIV/AIDS. 2. Poltica de Sade. 3. Sociognese. I. Silva,


Ligia Maria Vieira da. II. Pinell, Patrice. III. Universidade Federal da
Bahia. IV. Ttulo.
CDU 616.98
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~~~~ ~
Universidade Federal da Bahia
Instituto de Sande Coletiva - ISC
Programa de Pos-gradua~ao em Sande Coletiva

SANDRA GARRIDO DE BARROS

A politica nacional de luta contra a aids e 0 espa~o aids no


Brasil
A Comissao Examinadora abaixo assinada aprova a tese, apresentada em sessao publica ao
Programa de P6s-GraduaC;ao do Instituto de Saude da Universidade Federal da Bahia.

Prof. Ligia Maria


4'1 I'
k
a da Silva - Orientadora - ISCIUFBA

~~ d~
Pro . Jairm son Silva Palm - ISC/UFBA

Prof". Sonia Cristina ~~dade de Odontologia / UFBA

___ M Cvv"o-..- C",s -\-t:W2.. 1" . c.~ wJt.J U

Prof Maria Cristina Teixeira Cangussu - F~uldade de Odontologia I UFBA

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- ~l/

Salvador
2013

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A todos que lutam pela construo de um Sistema de Sade justo e universal.

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Agradecimentos
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Tentar nomear todos aqueles a quem tenho a agradecer, correr o risco de esquecer de citar
diversos nomes. E no porque estas pessoas no tenham sido importantes. Num dado momento, cada
uma dessas pessoas pode ter sido o responsvel pelo ato mais importante daquele instante. Assim,
inicio agradecendo a todos que direta ou indiretamente de alguma forma contriburam para a
concretizao desse momento, seja me desejando um bom dia, sorrindo pra mim, respondendo meus e-
mails, atendendo minhas solicitaes, me recebendo em casa ou no trabalho para realizao das
entrevistas ou enxugando as minhas lgrimas quando precisei de consolo e incentivo. Muito obrigada
a todos!

De forma muito especial, gostaria de agradecer querida Professora Ligia Maria Vieira da
Silva, que foi minha guia durante esses quatro anos pelos caminhos que resolvi seguir. Um exemplo
de pesquisadora, uma mestre admirvel, uma pessoa de carter e corao enormes. Obrigado pelos
ensinamentos, pelas orientaes precisas, pelo cuidado na leitura das inmeras verses, por abrir mo
do seu descanso para me orientar em Arembepe, pelo carinho sempre. Tenho imenso orgulho de ser
sua orientanda.

Ao querido mestre Professor Jairnilson Paim pelo convvio, pelo carinho e por todos os ricos
momentos de aprendizado, discusses profcuas, sugestes e contribuies a todo momento para a
minha formao acadmica e pessoal.

Ao querido Professor Patrice Pinell pela oportunidade de estar no Centre Europen de


Sociologie et Science Politique (CESSP) e participar das atividades da equipe de Sociologia do
Campo Mdico, pelo acolhimento, pela troca de experincias, pela disponibilidade em discutir o meu
trabalho, e pelos enormes ensinamentos.

Agradeo tambm toda equipe do CESSP pelos almoos compartilhados a cada dia, pelos
cafs (ths pra mim) e pela enorme pacincia com o meu francs imperfeito. Merci beaucoup!

s minhas queridas amigas e colegas da Sade Coletiva da FO-Ufba, Bel, Tina, Soninha, Bia,
Eliane, J, Mari, Lana, Andria, Ana Clara, Deni e Patrcia que sempre me incentivaram e souberam
aceitar a minha ausncia nesses anos de afastamento, sem nunca me privarem da sua convivncia.
Tenho muito orgulho de fazer parte desse grupo!

Silvia Reis e ao grupo PET-Odontologia da Ufba, onde tudo comeou.

Aos colegas e amigos do grupo de estudos sobre Bourdieu: Gerluce, Alcione, Monique,
Shirley, Catharina, Thais, Ana Souto, Andr. Aprendi muito com todos vocs.

s bolsistas Camila, Deise e Paloma, a Anne, Na e Valria pela pacincia na transcrio das
entrevistas. A Janine e Monique pela ajuda na reviso e edio das transcries.

Aos colegas e amigos do GRAB, em especial a Ana Luiza, Guadalupe, Rosana, Cristiane,
Tnia, Valria e Wellington.

A todos os entrevistados, que me receberam e dividiram comigo suas trajetrias e suas


impresses, e que junto com milhares de pessoas que vivem e viveram com HIV/aids, construram a
resposta epidemia da aids no Brasil.

Universidade Federal da Bahia, instituio em que realizei toda a minha formao


acadmica, desde a graduao at o doutorado, e da qual integro o corpo docente desde 2007, ou seja,
local no qual devo ter passado a maior parte do meu tempo em diferentes fases e momentos da minha
trajetria, Capes, pelas oportunidades de aperfeioamento.

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Ao Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, em especial ao Dr. Eduardo Barbosa,


Diretor Adjunto, e secretria Ieda Fornazier pela colaborao para a realizao desse estudo.

Aos meus queridos colegas de doutorado pela amizade que conseguimos construir e pela
diviso das dores e alegrias desses quatro anos: Heleni, Cristian, Leo, Yara e, em especial, Jamacy,
com quem dividi orientadora, referencial terico, experincias e muitas emoes.

Aos amigos que no desistiram em nenhum momento da minha amizade, mesmo que o tempo
e o doutorado teimassem em me afastar fisicamente, mas nunca emocionalmente ou espirutualmente
deles: Mrcia, Zeila, Russo, Kinha, Dani, Deni, Luis, Tia Vera, Rosa e Pati.

Aos queridos amigos que fizeram com que o inverno em Paris se tornasse menos frio: Andr,
Eullia, Yannick, Gabriel, Jamacy, Priscila, Letcia, Louise, Lua, Rosangela e Thiago.

Aos meus pais, Rosa e Srgio, meus irmos Srgio e Renato, meus sobrinhos Gui, Gabi,
Joaquim, Breno e Lipe. Joca e Ter, Nando, Grace e Sandra. Sei que fui uma filha, irm, tia, nora, e
cunhada ausente nos ltimos anos, espero um dia poder recompens-los.

Especialmente, gostaria de agradecer a Lo, que me apoiou nos momentos mais difceis,
aceitou as minhas ausncias e me estimulou sempre. Muito obrigada por ter sido meu companheiro
tambm nessa empreitada.

Essa tese resultado do apoio e do carinho de todos vocs!

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De fato, todo o meu empreendimento cientfico se inspira na convico de que


no podemos capturar a lgica mais profunda do mundo social a no ser
submergindo na particularidade de uma realidade emprica, historicamente situada
e datada, para constru-la, porm, como caso particular do possvel, conforme a
expresso de Gaston Bachelard, isto , como uma figura em um universo de
configuraes possveis.

Pierre Bourdieu1.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1
Razes Prticas: sobre a teoria da ao, p.15, 1996

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Resumo

Barros, S.G. A poltica nacional de luta contra a aids e o espao aids no Brasil. Salvador, 2013.
274p. Tese (Doutorado em Sade Pblica) Instituto de Sade Coletiva. Universidade Federal da
Bahia

Com o objetivo analisar a gnese e consolidao da poltica nacional de controle da aids no Brasil, foi
realizado um estudo scio-histrico no perodo compreendido entre 1981 e 2001. Foi adotado o
referencial terico da sociologia reflexiva de Bourdieu, apoiado na proposta de Pinell para a anlise
sociolgica de polticas pblicas. A anlise do espao aids foi feita por meio do estudo das trajetrias
dos agentes envolvidos com a formulao e implementao da poltica brasileira e as relaes entre
esses agentes e o espao da sade coletiva, o movimento da reforma sanitria brasileira, o campo
mdico e o campo do poder. Alm disso, foram analisadas as condies de possibilidade histricas que
permitiram a formulao de uma poltica baseada na integralidade e na universalidade da ateno
sade. Verificou-se que o espao aids brasileiro constituiu-se historicamente como um espao de luta
pela organizao da resposta epidemia e de interveno sanitria, onde o que est em disputa a
autoridade de falar sobre o significado da doena, suas formas de preveno e tratamento. Sua
conformao se deu com a emergncia da resposta governamental no Estado de So Paulo, em 1983,
envolvendo inicialmente agentes do campo mdico, do espao da sade coletiva, do campo
burocrtico, do campo cientfico e do movimento homossexual, aos quais mais tarde juntaram-se
outros movimentos em sade e as ONGs/aids, conformando o subespao militante. Trata-se de um
espao de complexas relaes, influenciado pelos campos mdico, poltico, religioso e jurdico. As
primeiras associaes especficas de luta contra a aids surgiram aps a implantao da poltica
governamental, com financiamento do Estado. As principais crticas de oposio poltica residiam na
ausncia de resposta assistencial e na concepo das campanhas preventivas, essa ltima talvez a
maior controvrsia ao interior do espao aids. O fato de o campo mdico ter sempre exercido papel
dominante, bem como a conjuntura do movimento sanitrio, a participao de epidemiologistas na
gesto do Programa e a participao crtica da sociedade civil concorreram para a formulao de uma
poltica avanada, que se contraps s recomendaes das agncias internacionais, de modo a garantir
no apenas aes de carter preventivo (priorizadas at o final da dcada de 80), mas tambm, o
acesso ao tratamento. A partir de meados da dcada de 1990, o Programa Nacional passou a assumir
um papel dominante no espao aids, para o que foi fundamental o aporte financeiro garantido pelos
acordos de emprstimo junto ao Banco Mundial e a deciso de garantir o tratamento aos portadores de
HIV/aids, principal e mais conhecida estratgia da poltica nacional de luta contra a aids.

Descritores: aids/HIV, poltica de sade, histria, sociologia

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Abstract

Barros, S.G. The National anti-AIDS policy and the AIDS space in Brazil. Salvador, 2013. 274p.
Thesis (Doctorate in Public Health) - Institute of Collective Health. Federal University of Bahia.

A socio-historical study was conducted to analyze the genesis and consolidation of the national anti-
AIDS policy in Brazil, between 1981 and 2001. It was adopted the theoretical framework of
Bourdieu's reflexive sociology, supported by the propose of Pinell for the sociological analysis of
public policies. The AIDS space analysis was made by studying the paths of the agents involved in the
formulation and implementation of Brazilian AIDS policy and the relationships between these agents
and the space of collective health, the Brazilian sanitary health reform movement, the medical field
and the field of power. Furthermore we analyzed the historical possibilities that allowed the
formulation of a comprehensive policy based on universal coverage of health care. It was found that
the Brazilian AIDS space was historically constituted as an space of struggle for the organization of
the response to the epidemic and health intervention, that what is at stake is the authority to speak on
the disease significance, its prevention and treatment. The AIDS space was conformed with the
emergency of the governmental response in the state of So Paulo Health Secretariat in 1983, initially
involving agents of the medical, the bureaucratic and the scientific field and the homosexual
movement, which later joined other health movements and NGOs/AIDS, conforming the militant
subspace. This is an space of complex relationships, influenced by the medical, political, religious and
legal fields. The fighting against AIDS specific associations emerged after the implementation of
government policy, with funding from the State. The main criticisms to the policy were related to the
absence of health care response and the prevention campaigns design, the latter perhaps the biggest
controversy inside the AIDS space. The fact that the medical field have always played a dominant
role, as well as the situation of the Brazilian sanitary health reform movement, participation of
epidemiologists in the management of the National AIDS Program and critical participation of civil
society contributed to the formulation of an advanced policy, that ensured not only preventive actions
(priority until the late 80s), but also access to treatment, even if the recommendations of international
agencies, such as the World Bank, forbade expenditure on ARV. From the mid-1990s, the National
Program has assumed a dominant role in AIDS space, for which was fundamental the financial
support granted by the loan agreements with the World Bank and the decision to ensure treatment for
people living with HIV/AIDS, main and best known national policy strategy to combat AIDS.

Descriptors: AIDS/HIV, health policy, history, sociology

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Lista de quadros

Quadro 1 Relao de entrevistados, graduao, ano de entrada e presena no espao aids na


emergncia da poltica nacional de controle da epidemia (1985), e na definio da
poltica de acesso a medicamentos (1991 e 1996). ................................................ 47

Quadro 2 Critrios de anlise da composio das diferentes espcies de capital no perodo


da gnese do espao aids no Brasil (1981 a 1986). ............................................... 49

Quadro 3 Critrios de anlise da composio do capital cientfico em 2001. ....................... 50

Quadro 4 Sntese da conjuntura poltica e principais fatos histricos relacionados aos


campos mdico, cientfico, burocrtico, ao espao militante e imprensa em
relao implantao da poltica nacional de controle do HIV/aids no Brasil,
1981-2001. ............................................................................................................. 52

Quadro 5 Momentos da poltica nacional de controle da aids, principais grupos atingidos,


aes prioritrias e sua relao com o saber mdico, 1981-2001. ......................... 53

Quadro 6 Agente, graduao e ano, subespao (SE) de pertencimento, profisso do pai,


volume de capital cultural, cientfico, burocrtico, poltico e militante e relao
com a aids, 1983-1986. .......................................................................................... 69

Quadro 7 Concepes sobre a aids segundo agentes estudados, de acordo com o subespao
de pertencimento, ano de entrada no espao aids, sexo e formao. .................... 72

Quadro 8 Concepes acerca da preveno e das campanhas preventivas governamentais


entre os agentes entrevistados. ............................................................................... 92

Quadro 9 Membros da CNCSIDA, conforme portaria MS/GM n. 101, de 10 de maro de


1987, e trajetrias profissionais. .......................................................................... 112

Quadro 10 Acordos de emprstimo para o controle da aids, perodo de aplicao, montante


total, participao do Banco e do Governo Brasileiro, 1993-2008...................... 148

Quadro 11 Concepes sobre o significado da Poltica Nacional de DST/Aids para o SUS.163

Quadro 12 Agentes participantes e fundadores do espao aids segundo subespao de


pertencimento, graduao, volume de capital e relao com a aids, em 2001. ... 172

Quadro 13 Justificativas para o afastamento do espao aids. .............................................. 174

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Lista de figuras

Figura 1 Reportagem da revista Veja sobre por qu o termo Sida no usado no Brasil,
9/04/1997. .............................................................................................................. 60

Figura 2 Notcia da Folha de So Paulo sobre o tratamento base de interferon para a cura
da aids no Hospital das Clnicas, 09/11/1983. ....................................................... 61

Figura 3 Notcia da Folha de So Paulo na vspera da assinatura da Portaria n. 236, de 02 de


maio de 1985.......................................................................................................... 77

Figura 4 Esquerda: recorte do regimento especial da 8a Conferncia Nacional de Sade


(Anais da 8a CNS, p. 408). Direita: cartaz aids e constituinte, acervo grupo Gapa-
SP. .......................................................................................................................... 81

Figura 5 Notcia da Folha de So Paulo em 18 de fevereiro de 1987. .................................. 84

Figura 6 Cartazes da Campanha Aids, voc precisa saber evitar, 1987........................ 88-89

Figura 7 Artigo publicado pela equipe de Bernardo Galvo acerca do isolamento do vrus
HIV no Brasil, 1987............................................................................................... 97

Figura 8 Primeira reunio do Comit de grupos de risco de aids, Min. da Sade, 1986..... 111

Figura 9a Boletim epidemiolgico ano I, n. 1, semana epidemiolgica 23 a 30/1987........ 125

Figura 9b Boletim epidemiolgico ano I, n. 2, semana epidemiolgica 30 a 34/1987, parte


interna. ................................................................................................................. 126

Figura 10 Boletim epidemiolgico ano III, n. 13, semana epidemiolgica 40 a 44/1990, capa
e p. 3..................................................................................................................... 128

Figura 11 Endereo eletrnico do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais que


apresentava o vdeo da campanha Se voc no se cuidar a aids vai te pegar, com
destaque para o texto que faz referncia ao governo e ao diretor do Programa
Nacional poca. ................................................................................................. 130

Figura 12 Cartaz da campanha Se voc no se cuidar, a aids vai te pegar, esclarecendo as


vias de transmisso. ............................................................................................. 130

Figura 13 Capa do Dossi Vacinas, elaborado pelos grupos Pela Vidda RJ e SP e pela
Abia em abril de 1992.......................................................................................... 131

Figura 14 Notcia da Folha de So Paulo sobre a primeira compra de AZT pelo Ministrio
da Sade, em 22 de fevereiro de 1991, segundo subespaos de insero dos
agentes. ................................................................................................................ 132

Figura 15 Concepes dos entrevistados acerca do significado dos acordos de emprstimo


junto ao Banco Mundial para o Programa Nacional de DST/Aids. ..................... 145

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Figura 16 Informe publicitrio do laboratrio Wellcome, publicado no jornal Folha de So


Paulo acerca do registro do AZT no Brasil, em 26 de novembro de 1987. .........156

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Lista de siglas e abreviaturas


Abia Associao Brasileira Interdisciplinar de Aids
Aids Sndrome da imunodeficincia adquirida
AIDS I Primeiro acordo de emprstimo entre Banco Mundial e Governo Brasileiro
AIDS II Segundo acordo de emprstimo entre Banco Mundial e Governo Brasileiro
AIDS III Terceiro acordo de emprstimo entre Banco Mundial e Governo Brasileiro
AIDS-SUS Quarto acordo de emprstimo entre Banco Mundial e Governo Brasileiro
AP Ao Popular
Arena Aliana Renovadora Nacional
ARV Antirretroviral
ASAS Associao de Ao Solidria
Asplav Assessoria de Planejamento e Avaliao
AZT Zidovudina
Cacex Carteira de Comrcio Exterior do Banco do Brasil
CBAA Centro Baiano Anti-Aids
CDC Centros para controle e preveno de doenas dos Estados Unidos da Amrica
Cebes Centro Brasileiro de Estudos de Sade
Cenepi Centro Nacional de Epidemiologia
CFM Conselho Federal de Medicina
CFO Conselho Federal de Odontologia
Cnaids Comisso Nacional de Aids
CNBB Conferncia Nacional de Bispos do Brasil
CNCSIDA Comisso Nacional de Controle da Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CNS Conferncia Nacional de Sade
Coge Comit Tcnico Assessor de Gestores
Conic Conselho Nacional de Igrejas Crists
CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira
CRT-SP Centro de Referncia e Treinamento DST/Aids So Paulo
CTA Centro de Testagem e Aconselhamento
ddI Didanosina
DIMED Diviso Nacional de Medicamentos
DNDS Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria
DST Doena Sexualmente Transmissvel
Enong Encontro Nacional de ONGs/Aids
EPM Escola Paulista de Medicina
EUA Estados Unidos da Amrica

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Lista de siglas e abreviaturas (continuao)


Farmanguinhos Instituto de Tecnologia em Frmacos
FDA Agncia de controle de drogas e alimentos do Estados Unidos da Amrica
FHC Fernando Henrique Cardoso
Finep Financiadora de Estudos e Projetos
Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz
FSESP Fundao Servios Especiais de Sade Pblica
Furp Fundao para o Remdio Popular
Gapa Grupo de Apoio e Preveno Aids
GGB Grupo Gay da Bahia
GIV Grupo de Incentivo Vida
HIV Vrus da Imunodeficincia Humana
HSH Homens que fazem sexo com homens
HUCFF Hospital Universitrio Clementino Fraga Filho
Ibase Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas
Inamps Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia Social
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
Iser Instituto de Estudos da Religio
JEC Juventude Estudantil Catlica
JOC Juventude Operria Catlica
JUC Juventude Universitria Catlica
Lafep Laboratrio Farmacutico do Estado de Pernambuco
Mapa Movimento de Apoio ao Paciente com Aids
MDB Movimento Democrtico Brasileiro
MEB Movimento de Educao de Base
MEC Ministrio da Educao e Cultura
Monitoraids Sistema de monitoramento do programa de controle de DST/Aids e hepatites
virais
Morhan Movimento de reintegraoo das pessoas atingidas pela hansenase
NOB Norma Operacional Bsica
OMC Organizao Mundial do Comrcio
OMS Organizao Mundial da Sade
ONG Organizao No-governamental
ONGs/aids Associaes especficas de luta contra a aids
OPAS Organizao Panamericana de Sade
PCB Partido Comunista Brasileiro
PC do B Partido Comunista do Brasil

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Lista de siglas e abreviaturas (continuao)


PDC Partido Democrata Cristo
PDT Partido Democrtico Trabalhista
Pela Vidda Grupo pela Valorizao, Integrao e Dignidade do Paciente de aids
PEPFAR Plano de emergncia do Presidente para a Aids dos Estados Unidos da Amrica
PFL Partido da Frente Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
PNA Plano Nacional de Avaliao
PN DST/Aids Programa Nacional de DST/Aids
POA Plano Operativo Anual
PPB Partido Progressista Brasileiro
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PUC Pontifcia Universidade Catlica
PV Partido Verde
RNP+ Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids
SBI Sociedade Brasileira de Infectologia
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia
SESAB Secretaria de Sade do Estado da Bahia
SES-RJ Secretaria de Sade do Estado do Rio de Janeiro
SES-RS Secretaria de Sade do Estado do Rio Grande do Sul
SES-SP Secretaria de Sade do Estado de So Paulo
Sida Sndrome da Imunodeficincia Adquirida
SIEEESP Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de So Paulo
Sinan Sistema de Informaes sobre agravos de notificao compulsria
Siscel Sistema de Controle de Exames Laboratoriais
Sisclom Sistema de Controle Logstico de Medicamentos
SMS Secretaria Municipal de Sade
SNABS Secretaria Nacional de Aes Bsicas de Sade
SNPES Secretaria Nacional de Programas Especiais de Sade
Somos Grupo de Afirmao Homossexual
SUS Sistema nico de Sade
Ucla Universidade da Califrnia
UDI Usurios de drogas injetveis
Ufba Universidade Federal da Bahia

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Lista de siglas e abreviaturas (continuao)


UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
Unaids Programa conjunto das Naes Unidas sobre HIV/Aids
Unicamp Universidade Estadual de Campinas
Unifesp Universidade Federal de So Paulo
Unirio Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USP Universidade de So Paulo
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Sumrio
1 Introduo .......................................................................................................... 25!
2 Hiptese ............................................................................................................. 33!
3 Objetivos ............................................................................................................ 34!
3.1 Objetivo Geral!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!#$!
3.2 Objetivos especficos!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!#$!
4 Referencial terico ............................................................................................. 35!
4.1 Conceitos fundamentais!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!#%!
4.2 O Estado e a burocracia estatal da sade!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!#&!
4.3 Anlise da gnese de polticas de sade!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!$'!
5 Estratgia do estudo ........................................................................................... 45!
6 A gnese da poltica nacional de controle da aids no Brasil (1981-1989) ......... 51!
6.1 A conformao do espao aids no Brasil (1981-1984)!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!%#!
6.2 Os principais agentes: quem se interessava pela aids e por qu?!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!((!
6.3 A resposta do Ministrio da Sade!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!)#!
6.4 A aids, a 8a Conferncia Nacional de Sade e a Assembleia Nacional Constituinte!"""""!)*!
6.5 A construo de uma identidade: a sada da dermatologia sanitria!"""""""""""""""""""""""""""""""""""!&'!
6.6 O isolamento do vrus no Brasil e as disputas do campo cientfico!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""!*%!
6.7 O espao militante!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!**!
6.7.1 Grupo de Apoio e Preveno Aids Gapa!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+,,!
6.7.2 Associao Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia)!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+,$!
6.7.3 Posies e disputas ao interior do espao militante!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+,)!
6.8 Comisso Nacional de Aids: a construo do discurso oficial!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+,*!
6.9 O campo religioso e o controle da aids!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!++$!
7 Evoluo e consolidao da Poltica Nacional de luta contra a aids (1990-
2001) ................................................................................................................... 119!
7.1 Retrocessos e avanos do governo Collor!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+',!
7.2 Da resposta samaritana Pastoral da aids: a nova atuao da igreja!"""""""""""""""""""""""""""""""""!+#%!
7.3 O papel do Banco Mundial na consolidao da poltica!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+#&!
7.4 Cnaids: nova relao de foras!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+$&!
7.5 O acesso universal aos ARV e o reconhecimento internacional!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!+%%!
7.6 Transformaes no espao aids: quem passou a se interessar pela aids e por qu?!""""""!+)+!
8 Concluses e consideraes finais ................................................................... 180!
9 Entrevistas realizadas ....................................................................................... 189!
10 Referncias .................................................................................................... 191!
Apndices ........................................................................................................... 201!
Apndice I Roteiro para entrevistas em profundidade!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!','!
Apndice II Termo de consentimento informado!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!',#!
Apndice III Resumo das trajetrias dos entrevistados!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!',$!
Apndice IV Relao com a aids!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'#)!
Apndice V Concepes sobre aids!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'$$!
Apndice VII Concepes acerca do conceito de homens que fazem sexo com homens
!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'$)!
Apndice VIII - Concepes dos agentes acerca do significado dos acordos de emprstimo
junto ao Banco Mundial para a poltica nacional de controle da aids.!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'$&!
Apndice IX - Concepes sobre a Comisso Nacional de Aids!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'%'!

!
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Apndice X Realizao profissional e/ou militante!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'%$!


Anexos ................................................................................................................ 257!
Anexo I Visita Jonathan Mann Agenda!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'%&!
Anexo II Histrico Aids - Ministrio da Sade!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'(,!
Anexo III Declarao dos direitos fundamentais do portador de HIV/Aids!"""""""""""""""""""""""!'(&!
Anexo IV Projeto de lei n. 158!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!'(*!
Anexo V Discurso do presidente Fernando Collor de Melo em!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!')+!
cadeia nacional de rdio e tv!""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!')+!
Anexo VI A importao de remdios contra a aids deve ser prioridade do Ministrio da
Sade?, Folha de So Paulo, 13 de julho de 1996.!"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""!')$!

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1 Introduo

A resposta epidemia da aids2 no mundo teve incio em um momento em que o saber mdico

ainda no tinha uma resposta teraputica eficaz (Pinell, Broqua et al., 2002), de modo que se

observava internacionalmente uma variedade de respostas governamentais determinadas dentre outros

fatores, pelo momento de identificao dos primeiros casos, pela percepo da doena em cada

sociedade (quem acometido, quantas pessoas, danos causados pela epidemia, natureza da

disseminao dos casos), pelo perfil epidemiolgico, pelas condies polticas e econmicas de cada

pas e pelo estgio do desenvolvimento do conhecimento mdico acerca da doena, como pode ser

identificado nos estudos acerca da resposta governamental em pases como Cuba (Perezstable, 1991;

1992; Arazoza, Joanes et al., 2007), Frana (Pinell, Broqua et al., 2002), China (Wu, Rou et al., 2004;

Wu, Sullivan et al., 2007), Tailndia (Ainsworth, Beyrer et al., 2003), Paquisto (Rai, Warraich et al.,

2007), Bangladesh (Azim, Khan et al., 2008), Sua (Voegtli, 2009), Camares (Boyer, Clerc et al.,

2011) e Brasil (Guerra, 1993; Galvo, 2000; Marques, 2003).

Poucos pases anteciparam a resposta governamental aos primeiros casos de aids, como Cuba,

que em 1983 instituiu as primeiras medidas para o controle da epidemia e teve o primeiro caso

identificado em dezembro de 1985 entre homossexuais (Arazoza, Joanes et al., 2007); e Bangladesh,

que desde 1985 j havia institudo um Comit Nacional de Aids, mas que s teve registro de casos a

partir de 1989 (Azim, Khan et al., 2008). Na maioria dos pases, o desenvolvimento da poltica de

controle da epidemia da aids aconteceu aps a identificao dos primeiros casos no pas, sendo que em

alguns deles, como na Frana (Pinell, Broqua et al., 2002), na Sua (Voegtli, 2009) e no Brasil

(Guerra, 1993; Galvo, 2000; Marques, 2003), por exemplo, com importante participao de

movimentos sociais e a constituio de associaes especficas de luta contra a aids desde a dcada de

1980, enquanto em outros pases, essa articulao entre governo e organizaes no-governamentais

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
'!No desenvolvimento do texto, optou-se por utilizar a palavra aids grafada em letras minsculas. Apesar de ter origem na
sigla AIDS, da expresso em ingls Acquired Immune Deficiency Syndrome, na lngua portuguesa, siglas com quatro ou mais
letras devem ser escritas apenas com a inicial maiscula, quando formam uma palavra pronuncivel. Mas, pelo seu uso, o
termo aids terminou adquirindo a condio de substantivo, como nome de doena, devendo ser grafado apenas com letras
minsculas.

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ocorreu principalmente na dcada de 1990, como em Bangladesh (Azim, Khan et al., 2008) e na

Tailndia (Ainsworth, Beyrer et al., 2003), com induo governamental.

Alguns pases responderam, inicialmente, atravs de aes de controle, a exemplo da testagem

massiva para identificao de casos e isolamento de soropositivos como ocorreu em Cuba

(Perezstable, 1991; 1992; Arazoza, Joanes et al., 2007), na Tailndia (Ainsworth, Beyrer et al., 2003)

e na Sua (Voegtli, 2009).

No Brasil, na resposta inicial epidemia, prevaleceram estratgias com nfase na promoo

da sade e preveno, como educao em sade e estmulo ao uso de preservativos (Guerra, 1993;

Galvo, 2000; Piot e Seck, 2001). A partir de 1989 essas estratgias foram associadas ao fornecimento

de zidovudina (AZT) no Estado de So Paulo, e em 1991 pelo Ministrio da Sade (Brasil, 2005b). A

associao de aes de promoo da sade e preveno da doena oferta de medicamentos tambm

foi o caminho adotado em pases onde a doena manifestou-se mais tardiamente como China,

Paquisto e Camares, por exemplo (Rai, Warraich et al., 2007; Wu, Sullivan et al., 2007; Boyer,

Clerc et al., 2011).

As notcias acerca da nova doena chegaram antes da identificao dos primeiros casos de

aids no pas, atravs da imprensa, que alm da influncia na sua divulgao, no alerta ao seu

surgimento e no despertar do interesse de profissionais de sade e grupos sociais, que comearam a se

mobilizar, tambm disseminou metforas que contriburam para criar um comportamento de

preconceito, medo, moralismo, pnico e mesmo de indiferena, como se este fosse um problema

estrangeiro (Marques, 2003). A nova doena era denominada por nomes como doena dos

homossexuais, cncer gay, praga gay, peste gay (Galvo, 2000; Marques, 2003).

Os primeiros casos foram identificados na cidade de So Paulo, a partir de 19823, e em

meados de 1983, a Secretaria de Sade do Estado j estava implantando o primeiro programa

governamental de luta contra a aids no pas (Guerra, 1993; Galvo, 2000; Marques, 2003; Frana,

2008). No mbito nacional, apenas a partir de 1985 a aids entrou na agenda poltica do Ministrio da

Sade (Brasil, 1985b; Galvo, 2000).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3
Um caso foi registrado retrospectivamente como ocorrido em 1980 (Teixeira, P.R. Polticas pblicas em AIDS. In: Parker,
R.G. (Org.). Polticas, instituies e AIDS: enfrentando a epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p.43-68.)

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Os princpios da universalidade do acesso, integralidade das aes e participao social

propostos pelo movimento da Reforma Sanitria Brasileira e inseridos na constituio federal de 1988

orientaram a formulao e implantao da resposta brasileira epidemia (Malta e Bastos, 2008;

Grangeiro, Silva et al., 2009). Desde 1991, o programa nacional passou a fornecer AZT para pessoas

vivendo com HIV/aids. A partir de 1996 a distribuio universal de antirretrovirais (ARV), estratgia

do programa nacional reconhecida internacionalmente, foi incorporada poltica brasileira. Entre

outros fatores, em decorrncia da presso social exercida pelos inmeros processos judiciais propostos

por pessoas vivendo com HIV/aids, contra as trs esferas do governo, para ter acesso terapia ARV

atravs do Sistema nico de Sade (Galvo, 2000; Brasil, 2005b; Malta e Bastos, 2008).

Entre 1980 e junho de 2011, foram registrados no pas 608.230 casos de aids4 (Brasil, 2011).

Nos primeiros anos, a epidemia atingiu os homossexuais masculinos dos grandes centros urbanos da

Regio Sudeste, principalmente So Paulo, posteriormente, difundindo-se para todos os estados e para

a populao em geral (Bastos e Barcellos, 1995; Szwarcwald, Bastos et al., 2000), e nos estratos

sociais de maior nvel de escolaridade (Fonseca, Szwarcwald et al., 2002).

A estimativa de prevalncia de HIV/aids em indivduos de 15 a 49 anos tem se mantido

estvel em 0,6% desde 2004, com cerca de 600 mil indivduos vivendo com HIV/aids no Brasil (0,4%

entre as mulheres e 0,8% entre os homens) (Brasil, 2011), ficando bem abaixo da expectativa do

Banco Mundial para o ano 2000, que previa 1.200.000 brasileiros infectados (World-Bank, 1993). A

taxa de incidncia encontra-se estabilizada no pas desde 2000, tendo sido de 17,9 por 100.000

habitantes em 2010 (Szwarcwald, Bastos et al., 2000; Brasil, 2011).

A tendncia estabilizao da epidemia teve incio em 1997, coincidindo com a introduo da

terapia antirretroviral universal no pas (Dourado, Veras et al., 2006). Desde 1996, a distribuio

gratuita e universal de medicamentos constituiu-se em componente central do programa nacional

(Galvo, 2000; Malta e Bastos, 2008), a despeito do fato de que o Banco Mundial, principal agncia

financiadora das polticas de HIV/aids no mundo, priorizava a preveno em detrimento de gastos com

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4
Casos notificados no Sistema de Informaes sobre Agravos de Notificao Compulsria (Sinan) e registrados no Sistema
de Controle de Exames Laboratoriais (Siscel) e no Sistema de Controle Logstico de medicamentos (Sisclom) at 30/06/2011
e declarados no Sistema de Informaes de Mortalidade (SIM) de 2000 a 2010, dados preliminares para os ltimos 5 anos.

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assistncia e tratamento, considerados caros, em especial nos pases em desenvolvimento (World-

Bank, 1993; Galvo, 2000; OISG, 2008).

Entre 1980 e 2010, ocorreram alteraes na participao das categorias de exposio doena.

Se no incio da epidemia prevalecia a categoria de homens que fazem sexo com homens (homo e

bissexuais), seguida pelos hemoflicos e receptores de sangue ou hemoderivados, a partir de 1989,

observou-se um aumento da participao das subcategorias usurios de drogas injetveis (UDI) e

transmisso heterossexual (Brasil, 2001a).

Entre 1991 e 1993, os UDI passaram a ser a categoria predominante, sendo que a partir de

1994 a principal categoria de exposio passou a ser a heterossexual (Brasil, 2001a), levando tambm

a um maior acometimento do sexo feminino (Bastos e Barcellos, 1995). Assim, a razo de sexo (M:F)

que era de 40:1 em 1983, a partir de 2002, estabilizou-se em 1,5:1 (Brasil, 2009). Desde 2000, a

epidemia passou a ser classificada como estabilizada e concentrada em populaes de maior

vulnerabilidade (Brasil, 2011).

A preocupao com a oferta de medicamentos, desde o final da primeira dcada de

implantao, aponta para uma especificidade da poltica brasileira: a incorporao da diretriz da

integralidade da ateno, que busca articular preveno e tratamento. Caracterstica esta que, associada

ao enfrentamento dos preos impostos pela indstria farmacutica, contribuiu tambm para a

implantao dos medicamentos genricos no Brasil (Loyola, 2008; Rodrigues e Soler, 2009).

Nesse sentido, o Brasil assumiu importante papel na luta pela reduo dos preos dos

medicamentos ARV, evidenciada pela disputa entre 2000 e 2001 no mbito da Organizao Mundial

do Comrcio (OMC) com os Estados Unidos da Amrica pela questo da licena compulsria de

medicamentos e mais recentemente, em 2007, pela efetivao da licena compulsria do efavirenz

(Loyola, 2008; Rodrigues e Soler, 2009).

Atualmente, o Programa Nacional de DST/Aids considerado como de bom desempenho e

impacto sobre indicadores de morbimortalidade, ainda que apresente limitaes no que tange a

manuteno e controle do estoque de medicamentos, infraestrutura dos servios, treinamento

adequado para profissionais de sade, alm das questes relacionadas ao financiamento (Piot e Seck,

2001; Malta e Bastos, 2008). Principalmente em funo dos resultados obtidos com a distribuio

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universal de ARV (Hacker, Petersen et al., 2004; Oliveira-Cruz, Kowalski et al., 2004), a poltica

brasileira de controle da epidemia de aids tem sido citada como modelo no apenas para outros pases

em desenvolvimento como Costa Rica, El Salvador, Panam (Piot e Seck, 2001) e China (Wu,

Sullivan et al., 2007), mas tambm para os prprios Estados Unidos da Amrica (EUA) (Gmez,

2008; Nunn, 2009; Gmez, 2010). Podem ser citados como exemplos de iniciativas que sofreram

influncia da estratgia brasileira:

o Presidents Emergency Plan for AIDS Relief (PEPFAR)5, atravs do qual os EUA

fornecem medicamentos para aids para pases africanos e caribenhos;

a iniciativa 3 by 5 6 da Organizao Mundial de Sade (OMS), que previa um

incremento de 3 milhes de pessoas fazendo uso de ARV no final de 2005 (Okie,

2006).

O interesse internacional pela poltica brasileira de controle da aids pode ser evidenciado

atravs de artigos e estudos publicados na literatura internacional por pesquisadores estrangeiros,

descrevendo o desenvolvimento da estratgia nacional (Nunn, 2009), inclusive em comparao com a

poltica norte-americana (Gmez, 2008, 2010) e enfatizando no apenas a estratgia de acesso

universal aos medicamentos ARV, mas tambm as estratgias de preveno adotadas pelo Programa

Nacional (Okie, 2006).

Estudos que tratam da resposta epidemia e da gnese da poltica tm dado nfase anlise

da participao das organizaes no-governamentais (ONGs) na luta contra a aids no pas (Silva,

1999; Galvo, 2000; Campos, 2005) ou da sua relao com o Estado (Monteiro, 2005), sempre

colocando o campo burocrtico em um segundo plano. Aqueles que fazem uma anlise mais centrada

na resposta governamental epidemia tambm no estendem a sua anlise participao do campo

mdico e cientfico (Marques, 2003; Gmez, 2008; Nunn, 2009). Alm disso, outras investigaes tm

valorizado principalmente o processo de implementao da poltica estatal, tratando de perodos,

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5
Iniciativa do governo norte-americano para reduzir o sofrimento das pessoas vivendo com HIV/Aids no mundo que teve
incio em 2003, cujo um dos objetivos expandir preveno, cuidado e tratamento. (Pepfar.The United States President's
Emergency Plan for AIDS Relief.Disponvel em: http://www.pepfar.gov/. Acesso em: 29/10/2012.)
6
A iniciativa 3 by 5 da Organizao Mundial de Sade tinha como objetivo promover acesso a medicamentos ARV a 3
milhes de pessoas vivendo com HIV/Aids at 2005 (Who.The 3 by 5 iniciative: treat three million people with HIV/AIDS
by 2005.Disponvel em: <http://www.who.int/3by5/en/>. Acesso em: 29/10/2012.)

!
#,! !

contextos ou aspectos mais especficos, analisando os processos de formulao e desenvolvimento da

poltica no Estado de So Paulo (Guerra, 1993; Frana, 2008), para usurios de drogas injetveis

(Fonseca, 2008), acerca da descentralizao da poltica (Barboza, 2006), ou realizando estudos do grau

de implantao da poltica em unidades federativas (Lima, 2006; Santos, 2009) e acerca da

institucionalizao do programa em municpios (Stanise, 2008).

Na Frana, Pinell, Broqua et al. (2002), operacionalizando o conceito de espao social,

estudaram o universo de possveis para a emergncia de um movimento de luta contra a aids naquele

pas, assim como a estrutura e a dinmica de relaes dos agentes engajados no espao aids no perodo

de 1981 a 1996. O espao associativo aids na Frana surgiu com a mobilizao popular frente a

lacunas e incoerncias das medidas governamentais para o enfrentamento da epidemia, ou seja,

buscando substituir as instituies estatais para cumprir uma funo pblica. A luta contra a aids, ao

contrrio do combate a outras doenas como cncer e a tuberculose, tambm estudadas por Pinell

(2010), assumiu, assim, caractersticas de contestao social, estruturada por associaes militantes. A

criao de associaes especficas de luta contra a aids foi anterior resposta governamental e teve

como principais agentes militantes homossexuais, sendo que aquele espao associativo conformou-se

com uma autonomia relativa em relao ao campo homossexual, o que permitiu um alargamento da

base do movimento e a abertura de servios aos demais grupos atingidos pela epidemia. A partir da

atuao dessas associaes, dos avanos no campo mdico e da evoluo da representao da doena

(que passou a atingir a populao geral) pela sociedade francesa, foi formulada a poltica de luta

contra a aids daquele pas, provocando modificaes importantes em reas como a homossexualidade

e a toxicomania, considerando a sua associao com a epidemia.

No Brasil, foi localizado apenas um trabalho baseado no conceito de campo proposto por

Bourdieu, que buscou articular a posio ocupada no campo de polticas pblicas em HIV/aids ou

no campo do HIV/aids e as formas de ao empreendedora7 (Mendona, Alves et al., 2010). O

estudo considerou o grupo de mdicos que assumiu posies importantes no Programa Nacional, em

especial os de So Paulo, e as organizaes no-governamentais como empreendedores institucionais,

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7
O trabalho desenvolvido por Mendona, Alves et al (2010) teve como principal referencial a teoria organizacional neo-
institucionalista.

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! #+!

sendo as ltimas empreendedores desafiantes por ocuparem uma posio perifrica, alm de terem

importante papel na manuteno da legitimidade do tema fora do campo do HIV/aids

(empreendedorismo extrainstitucional). A anlise de Mendona, Alves et al. (2010) concentrou-se

especialmente no campo mdico e nas associaes especficas de luta contra a aids, considerando

outsiders a populao geral e as demais reas do setor sade, o campo cientfico e o campo

burocrtico.

Alm disso, o estudo tambm no explorou a potencialidade de anlise do referencial

bourdieusiano, principalmente na interao entre trajetria dos agentes e as condies histricas de

possibilidade. Entende-se, que o conceito de espao aids, como sugerido por Pinell, Broqua et al.

(2002), mostra-se mais adequado, haja vista tratar-se de um espao de relaes entre agentes

envolvidos com a organizao da resposta epidemia da aids, que ainda que tenha contribudo para a

constituio ao seu interior de um movimento associativo especfico, seu desenvolvimento

dependente do conhecimento mdico acerca da doena (definio das causas, descoberta de testes

diagnsticos, possibilidades teraputicas). Ou seja, o espao aids tem uma relao de dependncia, em

especial com o campo mdico, no podendo ser compreendido como um campo que possui autonomia

relativa, como proposto por Bourdieu.

Os estudos geralmente tm se concentrado na anlise de casos de unidades federativas, em

especial So Paulo, ou em uma abordagem nacional centrada na relao entre ONGs e Estado, seja

destacando a atuao poltica dessas organizaes, seja enfatizando a formulao e implantao da

poltica pblica nos diferentes nveis do sistema de sade. Os referidos trabalhos no tm analisado de

forma mais sistemtica a interao entre os agentes dos diferentes subespaos envolvidos na resposta

epidemia da aids no pas, seus pontos de vista sobre a epidemia e as estratgias adotadas na

emergncia do espao aids e na formulao e consolidao da poltica especfica de luta contra a

doena no pas. Dessa forma, diversas perguntas no esto respondidas nas investigaes revisadas:

- Por que foi formulada uma poltica para o controle da aids logo aps a sua descoberta, quando

no havia evidncias sobre a sua magnitude e vulnerabilidade?

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#'! !

- Como e quando se desenvolveu no Brasil uma poltica de controle da aids baseada no apenas

na preveno, mas tambm no tratamento (doenas oportunistas e, mais tarde, acesso a ARV)?

- Como se organizou o espao aids no Brasil? (Qual a sua composio? Quem so seus agentes?

O que estava em disputa? Por que as pessoas interessaram-se pela luta contra a aids? Qual o

impacto sobre o movimento homossexual? Quais os interesses de cada subespao especfico?

Quais as relaes de poder estabelecidas?)

- Qual a relao das aes de luta contra a aids e o movimento pela Reforma Sanitria

brasileira?

Bourdieu (2012) destaca que medida que a histria avana, o espao de possveis realizveis

se fecha, porque as alternativas iniciais de onde saram as escolhas historicamente construdas so

esquecidas, o que ele denominou amnsia da gnese. As escolhas e decises tornam-se

constrangimentos objetivados nas instituies, e interiorizados e incorporados pelos agentes. A anlise

scio-histrica, alm de identificar os agentes e disputas iniciais, pode revelar os possveis no

realizados, mortos e esquecidos, afastando-nos da tendncia em aceitar que o que ocorreu era o que

deveria ter acontecido. O estudo da gnese, ento, uma importante estratgia de ruptura com o senso

comum e a anlise a partir do referencial terico bourdieusiano permite a articulao entre estruturas

objetivas e mentais, internas e externas, e as trajetrias dos agentes envolvidos, buscando uma

integrao entre o material e o simblico.

O estudo da gnese e consolidao da poltica nacional de controle da aids no Brasil, como

caso exemplar do possvel, apoiado no referencial terico de Bourdieu, pode fornecer elementos para a

resposta a algumas dessas indagaes, a partir da anlise das condies histricas que contriburam

para a constituio do espao aids no pas.

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2 Hiptese

No Brasil, o fato de a gnese da poltica de controle da aids ter ocorrido durante um momento

de ascenso do movimento sanitrio, bem como a ausncia de uma terapia especfica, podem ter

resultado na priorizao inicial da preveno, mas sempre sob a dominncia do campo mdico,

levando, a partir da dcada de 1990, a nfase na universalizao do tratamento. O fato de ter

inicialmente atingido um grupo organizado, como os homossexuais, e com lideranas com alto volume

de capital cultural e social, portanto com uma importante rede de contatos, contribuiu para uma

resposta precoce por parte do Estado, quando ainda no havia evidncias epidemiolgicas da

magnitude e vulnerabilidade da doena no pas.

A emergncia dessa poltica durante o perodo de redemocratizao, com a formao de vrias

organizaes no-governamentais, e a constituio do Sistema nico de Sade, quando agentes do

movimento sanitrio assumiram importantes funes nos diferentes nveis da gesto do sistema de

sade brasileiro, bem como a dominncia do campo mdico podem ter contribudo para a formulao

de uma poltica baseada na integralidade das aes e no acesso universal assistncia, como podem

ter possibilitado uma maior participao da burocracia estatal na sua formulao.

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3 Objetivos

3.1 Objetivo Geral


!
Analisar a gnese e consolidao da poltica nacional de controle da aids no Brasil.

3.2 Objetivos especficos

1. Analisar a emergncia e desenvolvimento do espao aids no perodo compreendido entre

1981 e 2001;

2. Analisar as trajetrias dos agentes envolvidos com a formulao e implantao da poltica

brasileira voltada para o controle da epidemia da aids no Brasil;

3. Analisar as relaes entre os agentes responsveis pela formulao e implantao da

poltica brasileira para o controle da aids com o espao da sade coletiva, o movimento da

reforma sanitria brasileira, o campo mdico e o campo do poder;

4. Analisar as condies de possibilidade histricas e o universo de possveis que permitiram

a formulao de uma poltica baseada na integralidade e na universalidade da ateno

sade.

!
! #%!

4 Referencial terico

Para reconstruir a dinmica do jogo social onde emergiram as respostas epidemia da aids no

Brasil foi adotado o referencial terico da sociologia reflexiva de Bourdieu (Bourdieu, 1996; 2001;

2008), apoiado na proposta de Pinell (Pinell, Broqua et al., 2002; Pinell, 2010) para a anlise

sociolgica de polticas pblicas.

4.1 Conceitos fundamentais

O conceito de espao social foi adotado para estudar a estrutura e a dinmica de relaes dos

agentes engajados em lutas concorrentes em torno de um objetivo comum (Pinell, Broqua et al.,

2002), no caso especfico desse estudo, a luta contra a epidemia da aids. Assim, o espao aids foi

analisado a partir da compreenso do seu processo de emergncia, desenvolvimento e transformao.

No fundamento do conceito de espao social est a ideia de diferena. A distribuio dos

agentes no espao social se d de acordo com as diversas espcies de capital e em particular com o

capital cultural, o capital econmico, o volume de capital global e a trajetria social, mas tambm

com os capitais poltico, social, simblico e mesmo o capital burocrtico. As diferenas entre essas

posies correspondem a diferenas nas disposies (habitus8) e nas tomadas de posio. Ou seja, a

cada classe de posies corresponde uma classe de habitus (ou de gostos) produzidos pelos

condicionamentos sociais associados condio correspondente e, pela intermediao desses habitus e

de suas capacidades geradoras (Bourdieu, 1996).

O capital cultural constitudo por um conjunto de bens simblicos relacionados aos

conhecimentos incorporados (ser competente em um domnio do saber, ser culto, ter bom domnio da

linguagem), posse de bens culturais (livros, dicionrios, instrumentos, mquinas) e, no seu estado

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8
Habitus o princpio gerador e unificador das prticas. Representa as caractersticas intrnsecas e relacionais de uma
posio em um estilo de vida (escolhas de pessoas, bens e prticas), gerando prticas distintas e distintivas. o senso prtico
do que se deve fazer em uma dada situao. Corresponde s disposies dos agentes, seus esquemas de percepo,
produzidos pela histria coletiva, modificados pela histria individual de cada um, e incorporados de forma inconsciente
(Bourdieu, P. Razes prticas: sobre a teoria da ao. Campinas, SP: Papirus. 1996. 224 p.; ______. A distino: crtica
social do julgamento. So Paulo, Porto Alegre: Edusp, Zouk. 2008. 560 p.)

!
#(! !

institucionalizado, aos ttulos, diplomas e aprovao em concursos, que nada mais so que a

objetivao do reconhecimento de competncias pelo Estado. O capital cultural resultado de um

trabalho contnuo de aprendizagem e acumulao. Sua aquisio demanda tempo e, portanto, bens

materiais, geralmente estando relacionado com o capital econmico do qual seria uma espcie de

converso. Assim, o capital cultural constitudo a partir da interao entre os espaos familiar e

escolar, de modo que agentes com o mesmo capital escolar podem possuir capitais culturais deferentes

em funo do seu capital cultural herdado (Bourdieu, 2008).

O capital social um capital de relaes, trata-se dos ganhos associados existncia de uma

rede de conexes atuais ou potenciais, mais ou menos institucionalizadas, de pertencimento a um

grupo. O capital social tende a ser uma espcie de multiplicador de seus poderes por um efeito de

agregao simblica (Bourdieu, 1980).

O capital simblico uma forma de capital que nasce da relao entre uma espcie qualquer

de capital e os agentes socializados de maneira conhecer e reconhecer essa espcie de capital. Para

Bourdieu, mesmo nos casos em que a espcie de capital mais prxima do mundo fsico, no h efeito

fsico que no se acompanhe de efeito simblico, de modo que o conceito de capital simblico permite

fazer uma teoria materialista do simblico. Nesse sentido, o capital econmico no se trata apenas da

riqueza, h um reconhecimento relacionado riqueza que faz que a fora econmica exera tambm

um efeito simblico alm da riqueza, dada pelo reconhecimento (Bourdieu, 2012). O capital

simblico uma propriedade qualquer (de qualquer tipo de capital, fsico, econmico, cultural, social),

percebida pelos agentes sociais cujas categorias de percepo so tais que eles podem entend-las

(perceb-las) e reconhec-las, atribuindo-lhes valor (p.107), ou seja, a forma como qualquer tipo de

capital percebido pelos agentes do espao social (Bourdieu, 1996).

O capital poltico est relacionado capacidade de mobilizao de um agente, uma espcie

de capital social e simblico, obtido a ttulo pessoal, resultado de um capital pessoal de notoriedade e

popularidade (ser conhecido e reconhecido), ou por delegao de uma organizao detentora desse

tipo de capital, como partidos ou sindicatos. medida que a poltica profissionaliza-se, a luta

reservada aos profissionais e s grandes unidades de produo e difuso, excluindo os profanos, de

modo que a objetivao do capital poltico foi realizada a partir do acesso a posies na poltica

!
! #)!

tradicional, ou seja, em postos no seio de um partido e nos organismos de poder e em toda a rede de

empresas em simbiose com esses organismos, bem como na participao em cargos eletivos

(Bourdieu, 2001; Matonti e Poupeau, 2004).

O capital militante cobre um conjunto de saberes e prticas mobilizados durante as aes

coletivas, as lutas inter ou intrapartidrias, incorporado sob a forma de tcnicas, de disposies de

agir, intervir ou simplesmente obedecer. Este capital passvel de ser convertido em outros universos,

podendo facilitar certas reconverses capazes de manter ou transformar a posio de um indivduo ou

de um grupo na estrutura social (Matonti e Poupeau, 2004), Sob certas condies, o capital militante

pode ser uma via de acesso ao capital poltico, quando por exemplo um agente associado a

personificao e divulgao de uma ao que permite reconverter sua notoriedade militante adquirida

em investimentos polticos mais institucionalizados, como os partidos polticos (Garcia, 2005).

No espao social, podem ser identificados subespaos constitudos por redes de relaes entre

agentes e instituies com leis prprias, autonomia relativa e um habitus comum, onde existem lutas

especficas que fazem sentido aos seus integrantes, ao que Bourdieu denomina campo.

O espao aids foi considerado um espao onde se articulam agentes (dos campos mdico,

cientfico, burocrtico, poltico e do espao associativo ou militante 9 ) engajados na luta pela

organizao da resposta epidemia da aids (Pinell, Broqua et al., 2002).

Para a anlise do espao associativo ou militante foi adotado o modelo de anlise dos

movimentos sociais em sade proposto por Brown e cols. (2004) a partir da teoria dos movimentos

sociais, dividindo-os em trs categorias: movimentos de acesso a sade (access health movements),

que lutam por acesso equnime assistncia mdica e para a implementao da oferta de servios de

assistncia sade, movimentos de sade circunscritos a grupos especficos (constituency-based

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
9
Os agentes pertencentes s associaes especficas de luta contra a aids, que no Brasil so conhecidas como ONGs/aids,
optam pelo uso do termo ativismo ao invs de militncia. O ativismo seria uma nova maneira de engajamento, em
contraposio militncia caracterstica das ONGs do incio dos anos 1980 no Brasil, que tm como ponto de partida
problemas sociais ou causas pblicas e estavam baseados no que Weber define como tica da convico. O ativismo estaria
baseado na experincia individual e ntima, no caso, o viver com HIV/aids, como condio de mobilizao e de luta,
resultando em um engajamento pessoal, em necessidades urgentes que demandam uma resoluo no presente e centrado na
tica da responsabilidade, conforme definida por Weber. Ou seja, o ativismo no teria um projeto de mudana da sociedade
como um todo, mas da garantia de determinadas condies. (Silva, C.L.C.D. Ativismo, ajuda mtua e assistncia: a atuao
das organizaes no-governamentais na luta contra a aids. (Doutorado). Programa de Ps-Graduao em Sociologia e
Antropologia do Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. 344
p.)

!
#&! !

health movements), direcionados luta contra as desigualdades em sade baseadas em raa, etnia,

gnero, classe e/ou diferenas sexuais, e movimentos de sade incorporados (embodied health

movements), que se direcionam para a doena, desafiando a cincia em relao a etiologia,

diagnstico, tratamento e preveno (Brown e cols. 2004).

Para fins da anlise da relao dos agentes envolvidos com a formulao e implantao da

poltica de controle da aids no Brasil, a Sade Coletiva foi compreendida enquanto um espao

influenciado de forma importante pelo saber e prticas do campo mdico (de onde surgiu e do qual

seus agentes ainda guardam razes e identidades), mas em busca de autonomia e identidade prpria,

cuja institucionalizao se d no mbito dos campos cientfico e burocrtico, alm da relao estreita

com os campos poltico e do poder, tendo como projeto poltico a Reforma Sanitria10. Assim, a

burocracia estatal da sade ligada Poltica Nacional de DST/aids componente desses dois espaos,

dentro dos quais representa o campo burocrtico.

4.2 O Estado e a burocracia estatal da sade


!
no mbito do Estado que se formulam as polticas de sade, sendo indispensvel pensar o

Estado e sua conformao para a anlise das suas respostas a problemas sociais especficos.

Analisando criticamente diversas teorias sobre o Estado, Bourdieu (1996) considerou que para

melhor compreend-lo seria necessrio investigar o campo burocrtico. Considera os burocratas no

como usurpadores do universal, mas que se impe a eles uma referncia obrigatria aos valores de

neutralidade e de devotamento desinteressado ao bem pblico (Bourdieu, 1996, p. 122). Apesar de a

lei do campo burocrtico ser o servio pblico, o universal, os campos onde o desinteresse a norma,

no so regidos apenas pelo desinteresse. Este desinteresse recompensado de alguma forma. O que

est ausente o interesse econmico, mas no significa que outras formas de interesse no estejam

envolvidas, beneficiando-se de um lucro simblico. Seria o interesse na economia dos bens

simblicos, que recalca o interesse econmico, que faz com que condutas adequadas sejam aprovadas

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
10
Vieira da Silva et. al. Projeto O Espao da Sade coletiva. Relatrio de pesquisa.

!
! #*!

e recompensadas simbolicamente (Bourdieu, 1996). Prestgio social que pode transformar-se em

vantagens econmicas (Weber, 1994).

O conceito de campo burocrtico articula-se e desenvolve as ideias de Weber sobre a

burocracia, tipo mais puro da dominao legal (Weber, 1982). Este tipo de dominao, exercida

principalmente pelo servidor do Estado, apresenta como caractersticas: ordenamento por meio de leis

e normas administrativas; hierarquia na organizao; impessoalidade no relacionamento;

especializao de funes; separao entre os meios de administrao e propriedade privada;

treinamento especializado e completo; cargos com competncias e atribuies claras; recrutamento por

meio de critrios objetivos; livre seleo para preenchimento de cargos; promoo meritocrtica;

disciplina sistemtica e rigorosa; e controle do cargo (Weber, 1982; 2003). Weber destaca a

conscincia burocrtica, pela qual o funcionrio deve administrar tudo de forma apartidria, executar

as ordens dos superiores como se fossem suas convices, mesmo que lhe parea errnea. A residiria

a diferena entre o burocrata e o lder poltico: enquanto o primeiro sacrifica as suas convices

pessoais obedincia hierrquica, o segundo caracteriza-se por assumir publicamente a

responsabilidade por seus atos (Weber, 2003).

A partir do desenvolvimento da teoria weberiana, Bourdieu define inicialmente o Estado como

o monoplio da violncia simblica legtima (Bourdieu, 2012, p. 14), na medida em que este

condio necessria ao exerccio da prpria violncia fsica. Para Bourdieu, o Estado seria, por

excelncia, um lugar de concentrao e de exerccio do poder simblico e resultado de um processo de

convergncia de diferentes tipos de capital: de fora fsica (instrumentos de coero), econmico,

cultural (de informao), simblico, constituindo uma espcie de meta-capital, que lhe permitiria

exercer poder sobre diferentes campos e sobre diferentes tipos de capital. O Estado estaria imbricado

com o campo do poder, onde os agentes detentores de diferentes tipos de capital lutam pelo poder

sobre o Estado (Bourdieu, 1996; Bourdieu, 2012).

Uma vez que o Estado resulta da concentrao de diferentes tipos de capital, com poder sobre

os outros tipos de capital, e que o campo burocrtico definido como o espao de agentes e de

instituies que possuem essa espcie de meta-poder, o capital burocrtico foi considerado como um

!
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capital delegado pelo Estado (Bourdieu, 1996; Bourdieu, 2012). Apesar de Bourdieu no apresentar

uma definio formal de capital burocrtico, apresenta diversas referncias pontuais que permitem

compreender o seu conceito. Os agentes do campo burocrtico seriam os representantes do Estado,

aqueles a quem o Estado delega falar em seu nome, detentores assim de um poder garantido pelo

Estado, de modo que o capital burocrtico seria um capital que tem poder sobre outros tipos de capital

(Bourdieu, 2012).

A concentrao das foras armadas e dos recursos econmicos remetem a um capital

simblico de reconhecimento, legitimidade, de modo que a obedincia s injunes estatais no se

trataria de uma submisso mecnica, mas de um produto da relao dos agentes com o Estado, visto

que o prprio Estado impe as estruturas segundo as quais percebido, atravs principalmente da

escola (Bourdieu, 1996; Bourdieu, 2012).

A religio, assim como a escola e o Estado, contribui para manuteno da ordem estabelecida

(legitimao do poder dos dominantes), assim como para a construo de um sistema de prticas e de

representaes que define os princpios de estruturao da percepo e do pensamento de mundo

(Bourdieu, 2005). Assim as disposies religiosas so inculcadas e podem existir de forma

inconsciente, influenciando as tomadas de posio. Nesse sentido, importante analisar tambm a

formao religiosa dos agentes.

A concentrao de capital jurdico pelo Estado representa uma concentrao de capital

simblico que fundamenta a autoridade especfica do detentor do poder estatal, especialmente do

poder de nomeao, surgindo ento duas formas de acesso nobreza: a primeira, representada pela

hereditariedade e o reconhecimento pblico (natural); a segunda, atravs da nomeao Estatal,

garantida pelas honrarias atribudas pelo Estado, seja um ttulo de nobreza, seja um ttulo escolar.

Assim, cada vez mais, o capital simblico da nobreza deixa de ser baseado apenas no reconhecimento

para encontrar uma objetivao, uma codificao, delegada e garantida pelo Estado, burocratizado,

conferindo posies em virtude de capital cultural adquirido atravs do ttulo escolar (Bourdieu, 1996;

Bourdieu, 2012).

!
! $+!

A realizao de concursos e a exigncia do ttulo seriam fatores que de alguma forma

democratizariam a entrada nos cargos pblicos, permitindo o acesso a agentes de todas as classes, ao

mesmo tempo que poderiam favorecer por algum perodo a entrada das classes dominantes, devido s

condies mais favorveis para o investimento no capital escolar.

Para Bourdieu, o campo burocrtico o prprio Estado, uma vez que ele o criador e

garantidor dos fetiches de classificao, como o ttulo escolar, a cultura legtima, a nao, a

ortografia, a noo de fronteira, entre outros (Bourdieu, 2012). O Estado seria um banco central de

capital simblico (Bourdieu, 2012, p. 196).

O processo de constituio do Estado definido por Bourdieu como um processo de

desfamiliarizao, trata-se de sair da lgica familiar, domstica, para uma outra lgica. Ou seja, o

Estado ope-se famlia. Ele substitui a lealdade familiar pelas lealdades formais e condena o

nepotismo. Substitui a sucesso direta e hereditria (modo de reproduo dinstico) pela reproduo

de base escolar (modo de reproduo burocrtico). Ocorre, ento, uma tripartio do poder: entre o rei,

seus irmos e os ministros, de modo que se cria uma cadeia de controle mtuo de uns sobre os outros,

limitando e controlando o poder de cada um. E por fim, concentra o poder de nomeao (Bourdieu,

1997).

Uma nova burocracia, dessa forma, vem estabelecendo-se no mbito da sade ao interior do

Estado brasileiro, os executivos da sade, como denominados por Goulart (2002, 2006), seriam

aqueles funcionrios no concursados que fazem carreira ao interior desse subespao, assumindo

postos em diferentes nveis da gesto da sade pblica, tenderiam mais ao perfil de funcionrios

polticos que administrativos, contudo, a sua manuteno no quadro de funcionrios por perodos

muito longos terminaria por consagr-los como uma espcie de quadro administrativo atpico que

apesar de no dispor de algumas garantias trabalhistas, gozam do mesmo prestgio e tem os mesmos

ganhos secundrios que os funcionrios de carreira. Outrossim, acrescente-se a esse grupo o

empreendedorismo militante (Goulart, 2002), caracterstica atravs da qual pessoas que ocupam

posies na instituio/organizao seriam capazes de promover inovaes devido ao seu

envolvimento emocional com o objeto, com a causa em questo, o que terminaria por congregar

!
$'! !

dedicao, criatividade e iniciativa sua atuao. O conceito de empreendedorismo numa perspectiva

mais sociolgica, segundo Mendona, Alves et al. (2010), visto como um comportamento de desvio

norma, que provavelmente no adotado por agentes em posies dominantes, geralmente

comprometidos com a reproduo e manuteno da sua posio, a no ser que essas inovaes

contribuam para o fortalecimento do status quo. Assim, os agentes perifricos, ou seja, essa burocracia

ainda no estabelecida, seriam aqueles com maior predisposio a desafiar e criar novas prticas.

O poder simblico, conforme definido por Bourdieu (Bourdieu, 2001), um poder invisvel o

qual s pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que no querem saber que lhe esto sujeitos

ou mesmo que o exercem (p. 7-8), um poder conferido por um determinado grupo a partir do

reconhecimento em relao a um capital, qualquer que seja a sua espcie, transmutado em capital de

reconhecimento.

Desta forma, o capital burocrtico foi objetivado atravs dos cargos ocupados, visto que

quanto mais altos os postos ocupados, maior o poder de delegao e maior volume de recursos sob a

gesto do agente. Correspondendo tambm a poder de nomeao, de controle da informao e de

normalizao bem como a definio e imposio de categorias estatais legtimas.

4.3 Anlise da gnese11 de polticas de sade


!
A partir da definio de poltica de sade como a ao ou omisso do Estado enquanto

resposta social diante dos problemas de sade (danos e riscos) e seus determinantes bem como a

interveno sobre a produo, distribuio e regulao de bens servios e ambientes que afetam a

sade dos indivduos e da coletividade (Paim, 2002), analisar a gnese de uma poltica de sade,

buscar compreender o contexto poltico, cultural e social que determinou a necessidade de interveno

do Estado para a implementao de medidas especficas de controle de um determinado problema de

sade, ou seja, quais foram as condies que possibilitaram o reconhecimento de um determinado

agravo sade como um problema social que exigia uma resposta governamental especfica.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
11
O termo gnese compreendido como origem, como conjunto de fatos ou elementos que concorrem para a formao de
alguma coisa e o termo emergncia usado como seu sinnimo.

!
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A seleo das categorias analticas foi baseada na proposta de Pinell (2010) a partir do estudo

da gnese de quatro polticas de sade na Frana (poltica em favor da infncia anormal, poltica de

luta contra a toxicomania, poltica de luta contra o cncer e poltica de luta contra a aids). Os estudos

de Pinell tinham a poltica como pano de fundo de um problema sociolgico objeto de estudo, de

modo que o autor realizou um esforo inverso ao da maioria dos pesquisadores de cincias polticas,

analisando a poltica a partir de um referencial terico sociolgico, mas sem uma teoria prvia a ter

sua pertinncia verificada pela anlise de caso. A posteriori, Pinell (2010) elaborou proposies acerca

dos processos comuns emergncia das polticas por ele estudadas a cerca da sua gnese e evoluo.

Para a emergncia de uma poltica pblica de sade, identificou:

1. O reconhecimento pelo poder pblico da necessidade de medidas especficas para o

enfrentamento de um determinado problema que no tem soluo satisfatria no mbito das

instituies e/ou leis existentes;

2. A responsabilizao do Estado a partir da identificao de um problema j existente e da

inadequao das polticas de organizao e/ou das prticas institucionais existentes;

3. A necessidade de alianas entre os diferentes grupos sociais interessados no reconhecimento

de determinado problema, construindo uma definio comum do problema, apesar dos

diferentes pontos de vista sobre o que o problema ou sobre as medidas a serem tomadas;

4. A negociao para a definio de uma viso comum do problema pode levar a conflitos, a

uma luta simblica pela definio do problema e suas consequncias, haja vista a concorrncia

aparentemente irredutvel entre os grupos com interesse em construir o problema social;

5. A definio do problema constri-se pela dinmica de um jogo social, como produto da

interpenetrao das estratgias dos diferentes grupos de agentes interessados a construrem o

problema como um problema social. Nesse contexto, a definio ser tanto mais precisa (e

restrita) quanto mais forte a concorrncia entre os grupos de agentes e tanto mais imprecisa

quanto os grupos interessados no so concorrentes;

6. Quando os grupos chegam a superar seus eventuais conflitos de interesse, a lgica para a

elaborao de um projeto comum no o acordo sobre uma definio precisa do problema e

!
$$! !

de suas solues, mas de produzi-las de forma suficientemente ambguas para no evidenciar

eventuais contradies;

7. A definio do problema e das solues construdas antes do reconhecimento do problema

pelo Estado leva a remodelaes quando tem incio a formulao da poltica especfica pelos

poderes pblicos. A definio e a implantao de uma nova poltica levam a necessidade de

ajustamento das polticas, instituies e estruturas j existentes. Isso se deve ao fato que:

a) A expanso ou a criao de um novo espao social com suas questes simblicas,

institucionais, profissionais e materiais em jogo tende a modificar os equilbrios pr-

existentes no mundo social;

b) A presso sobre os poderes pblicos de apresentar a nova poltica como uma

expresso do interesse coletivo.

Com relao evoluo das polticas, considera que a implantao e a evoluo de uma

poltica de sade so produtos da dinmica de um jogo social complexo que deve considerar:

1. As evolues tanto de ordem mdica (epidemiologia e conhecimento mdico sobre a doena,

tcnicas, tratamentos), como de ordem social (alteraes na mobilizao contra a doena);

2. Os efeitos concretos da implantao da poltica (novas instituies, desenvolvimento de

grupos profissionais, emergncia de novas estruturas associativas) e os obstculos

encontrados;

3. As mudanas de governo, sendo possvel a manuteno ou a mudana da maioria poltica;

4. As mudanas independentes da poltica que afetam as instituies do campo mdico (reformas

hospitalares, estudos mdicos) ou de outros campos implicados naquela poltica (educao,

justia, etc.) e mais globalmente toda a sociedade (guerras ou mudanas de costumes e nas

formas de controle social) (Pinell, 2010).

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"!#$%&'%()*'!+,!-$%.+,12!

Foi realizado um estudo scio-histrico da gnese da poltica nacional de DST/aids, no

perodo compreendido entre 1981, ano dos primeiros relatos de caso em publicaes cientficas

internacionais, e 2001, quando foi assinado o acordo entre Brasil e EUA no mbito da Organizao

Mundial do Comrcio acerca da licena compulsria de medicamentos, que assegurou a

sustentabilidade da estratgia de acesso universal terapia ARV.

Para reconstruir a gnese da poltica de controle da aids no pas foram analisadas as condies

histricas para a sua emergncia e reconstruda a dinmica do espao aids e da participao dos

agentes dos campos burocrtico, mdico e poltico, bem como do espao militante (ou associativo) e

as relaes entre eles.

Foram entrevistados os dirigentes da Poltica Nacional de DST/Aids entre 1986 e 2001,

funcionrios de carreira e/ou contratados do Ministrio da Sade do Brasil, relacionados direta ou

indiretamente ao Programa Nacional de DST/Aids; o primeiro coordenador do Programa Estadual de

So Paulo e um tcnico desse programa; membros das principais organizaes no-governamentais,

identificadas a partir da entrevistas com os dirigentes da Poltica Nacional de DST/Aids, e outros

agentes identificados por meio da metodologia de bola de neve.

Foram realizadas 32 entrevistas em profundidade (Anexo I) e uma consulta por e-mail,

totalizando 33 agentes entrevistados (Quadro 1). Foram analisados documentos do Ministrio da

Sade e do governo federal (boletim epidemiolgico de aids, portarias ministeriais, leis e decretos),

dos movimentos sociais (boletim do Grupo Gay da Bahia GGB, boletim da Associao Brasileira

Interdisciplinar de Aids Abia, boletim de vacinas), o acervo disponibilizado on line dos jornais

Lampio da Esquina, Folha de So Paulo, e O Estado de So Paulo, e da revista Veja, bem como foi

realizada uma ampla reviso da produo bibliogrfica e documental existente a respeito.

Todas as entrevistas foram realizadas pela autora e o tamanho da amostra foi delimitado pela

saturao de informaes.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
12
Este um subprojeto do Projeto: Vieira da Silva et al. O Espao da Sade Coletiva. Projeto de Pesquisa. ISC/Ufba, 2006.
CNPq processo no 473126/2009-5. Edital Universal.
!

!
$(! !

Foram analisados os agentes e suas trajetrias ao interior do campo burocrtico, dos

movimentos sociais, do campo cientfico e do campo mdico, bem como suas relaes, suas posies

e disposies, a partir dos seguintes indicadores (capitais/posies e tomadas de posio/opinies,

escolhas e aes, indicativas das disposies):

- Posio no espao social (aferida atravs da profisso dos pais e dos avs e da trajetria

profissional);

- Posio no espao aids (aferida atravs da trajetria profissional ao interior do espao aids);

- Indicadores de disposies polticas (filiao ou voto em partido poltico, participao no

movimento sanitrio, participao em movimentos profissionais e sociais, militncia e

participao em partidos);

- Indicadores de disposies sobre a organizao do sistema de sade (concepo sobre a

imagem-objetivo do SUS13, ocupao de postos no SUS);

Indicadores de disposies especficas sobre a aids (posio sobre a doena, posio sobre o

componente preventivo, posio sobre as estratgias de tratamento, posio sobre o acesso universal

aos medicamentos e sobre o termo homens que fazem sexo com homens HSH).

Nesse sentido, as entrevistas realizadas com agentes situados em lugares diferentes do espao

aids (mdico, tcnico do ministrio, representante de ONG) permitiram o mapeamento das posies, e

a identificao de temas polmicos cujas tomadas de posio implicavam em diferenas ao interior do

espao.

A classificao dos agentes de acordo com a insero nos campos sociais foi realizada de

acordo com indicadores de volume de capital cientfico, burocrtico, militante e poltico:

- Indicadores de capital cientfico (ps-graduao, publicaes);

- Indicadores de capital burocrtico (cargos ocupados e recursos mobilizados);

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
13
A imagem-objetivo do Sistema nico de Sade (SUS) considerada foi aquela que consta do captulo sade da Constituio
Federal do Brasil, bem como aquela resultante do consenso de experts analisado por Souza, L.E.P.F.D.S., Vieira-Da-Silva,
L.M., et al. Conferncia de consenso sobre a imagem-objetivo da descentralizao da ateno sade no Brasil. In: Hartz,
Z.M.D.A. e Vieira-Da-Silva, L.M. (Ed.). Avaliao em sade: dos modelos tericos prtica na avaliao de programas e
sistemas de sade. Salvador e Rio de Janeiro: EDUFBA e Fiocruz, 2005. Conferncia de consenso sobre a imagem-objetivo
da descentralizao da ateno sade no Brasil, p.65-102

!
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Quadro 1 Relao de entrevistados, graduao, ano de entrada e presena no espao aids na


emergncia da poltica nacional de controle da epidemia (1985), e na definio da poltica de acesso a
medicamentos (1991 e 1996).

Acesso a
Entrada Emergncia medicamentos
Graduao no da poltica Lei
Entrevistados
(instituio) espao nacional AZT 9313/
(ano) (1985) 1996

1 Alexandre Grangeiro Cincias Sociais (PUC-SP) 1983 X X X


2 Ana Luiza Queiroz Vilasbas Medicina (UFBA) 1993
3 urea Celeste da Silva Abbade Direito (PUC-SP) 1983 X X X
4 Bernardo Galvo Castro Filho Medicina (UFBA) 1983 X X X
5 Cristina Luci Cmara da Silva Cincias Sociais (UFRJ) 1989 X
6 Eduardo Luiz Barbosa Filosofia (UNESP) 1994 X
7 Eduardo Jorge Bastos Crtes Medicina (UFRJ) 1983 X
8 Edward John Baptista das Neves Psicologia Social (Univ. Sussex) 1983 X X
MacRae
9 Euclides Ayres de Castilho Medicina (UFBA) 1985 X X X
10 Fabola de Aguiar Nunes Medicina (UFBA) 1985 X
11 Gerson Fernando Mendes Pereira Medicina (UFPI) 1986 X
12 Gerson Barreto Winkler Administrao (Centro 1986 X X
Universitrio Metodista SP)**
13 Gilvane Casimiro Hotelaria (Faculdade Hebraico 1994 X
Brasileira Renascena)
14 Harley Henriques do Nascimento Administrao (UCSAL)** 1987 X X
15 Ieda Fornazier Turismo (S/I) 1986 X
16 Maria Ins da Costa Dourado Medicina (EBMSP) 1990 X X
17 Ivo Brito Sociologia (Escola de Sociologia 1992 X
Poltica de So Paulo)
18 Jorge Adrian Beloqui Matemtica (Universidad de 1986 X X
Buenos Aires)
19 Jos da Rocha Carvalheiro Medicina (USP) 1983 X X X
20 Luiz Roberto de Barros Mott Cincias Sociais (USP) 1983 X X X
21 Manoel Alves Economia (UnB)** 1986 X X
22 Mrcia Cristina Graa Marinho Psicologia (UFBA) 1987 X X
23 Mrcia Lilian Sampaio e Sampaio S Medicina (UFBA) 1990 X X
24 Maria Leide Wand del Rey de Medicina (EMESCAM) 1985 X X
Oliveira*
25 Osvaldo Francisco Ribas Lobos Cincias Sociais (Unesp) 1988 X X
Fernandez
26 Paulo Roberto Teixeira Medicina (Unesp) 1983 X X X
27 Pedro Novaes Chequer Medicina (UFRJ) 1986 X X
28 Renato Girade Tecnlogo em processamento de 1993 X
dados (S/I)
29 Silvia Ramos de Souza Psicologia (PUC) 1986 X
30 Valdila Veloso Gonalves dos Medicina (UERJ) 1986 X X
Santos
31 Valria Petri Medicina (Unifesp) 1983 X X
32 Vera Silvia Facciola Paiva Psicologia (USP) 1984 X X X
33 Veriano de Souza Terto Jr. Psicologia (UERJ) 1985 X X X

* Contato atravs de correspondncia eletrnica.


..!/01231456!!1789!',,+!

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- Indicadores de capital poltico (participao em partidos polticos, participao em cargos

eletivos e ocupao de cargos administrativos que resultam de articulaes especificamente

polticas);

- Indicadores de capital militante (participao em movimentos sociais movimento estudantil,

movimento sanitrio, movimento pela redemocratizao, movimentos pela sade, e em

associaes especficas de luta contra a aids)

A anlise do volume dos diferentes tipos de capital foi realizada para dois perodos distintos: a

gnese da poltica (1983-1986) e o ltimo ano do perodo estudado (2001). Para a anlise do volume

de capital burocrtico, poltico e militante foram usados os mesmos critrios para os dois perodos,

mas para a anlise do volume de capital cientfico, os critrios foram ajustados situao do campo

cientfico do referido perodo, a partir do perfil dos pesquisadores bolsistas de produtividade cientfica

do CNPq das reas de Sade Coletiva em 2002 (Barata e Goldbaum, 2003) e de Medicina para o

trinio 2005-2007 (Mendes, Martelli et al., 2010) (Quadros 2 e 3).

Sempre que houve necessidade de esclarecimentos e/ou complementaes foram utilizados

recursos como correio eletrnico e contato telefnico ou skype. As informaes foram confirmadas e

complementadas atravs de consultas a documentos do Ministrio da Sade e seus rgos, programas

e anais dos eventos da rea, informaes disponveis em bases como currculum Lattes e outras

disponveis na internet.

Foi feita uma sntese dessas informaes a partir do referencial terico utilizado, buscando

reunir elementos capazes de caracterizar a gnese da poltica nacional de controle da aids, o papel do

campo burocrtico e a sua relao com o espao aids, mais especificamente as ONGs.

O projeto foi submetido ao Comit de tica em Pesquisa do Instituto de Sade Coletiva da

UFBA e todos os entrevistados assinaram o termo de consentimento informado e manifestaram o

acordo com a divulgao do seu nome (Anexo II). Esta estratgia foi adotada por tratar-se de

informaes relacionadas com o exerccio de cargos ou posies pblicas. O nico caso em que no

foi possvel o contato pessoal, o consentimento escrito e informado do entrevistado foi encaminhado

atravs de correio eletrnico.

!
! $*!

Quadro 2 Critrios de anlise da composio das diferentes espcies de capital no perodo da gnese
do espao aids no Brasil (1981 a 1986)*
!
Volume do Muito Alto (AA) Alto (A) Mdio (M) Pequeno (P)
capital

Tipo de Capital
Cientfico Reconhecimento Reconhecimento Reconhecimento Mestrado
internacional Nacional local

Prmios Prof. Titular Doutorado


internacionais.

Coordenar projetos de Coordenar projetos Participar de


pesquisa ou financiados por projetos de
estruturantes organismos nacionais pesquisa
financiados por relacionados
organismos resposta
internacionais epidemia

Burocrtico**

Ocupao de Cargos de direo em Direo de Programas Cargos de direo Cargos


cargos tcnicos, org. Intern. (Unaids, Estaduais intermedirios em tcnicos
OPAS, OMS) Secretarias (assessor,
Tcnicos Programa Municipais de consultor)
Dirigentes do Nacional de Sade
Programa Nacional de DST/Aids (Programas
DST/Aids ou cargos municipais)
superiores com Participao nas
interferncia sobre a reunies para Tcnicos de
poltica de aids definio da poltica Programas
do MS Estaduais

Poltico

Ocupao de
cargos Ministro da Sade, Secretrios Estaduais Secretrios Outros cargos
administrativos Presidentes de Sade Municipais de tcnicos de
que resultam em Agncias Sade indicao
articulaes poltica.
especificamente
polticas

Participao em Dirigente Nacional Dirigente Estadual de Dirigente Filiado a


Partidos Partido poltico municipal de partido
Polticos partidos polticos poltico

Participao em Senador, Deputado Deputado estadual Vereador


cargos eletivos Federal

Militante Dirigente com Dirigente de ONGs ou Quadro Militantes de


Lideranas liderana carismtica movimentos sociais intermedirio de ONGs ou
profissionais e capaz de mobilizar e ONGs ou movimentos
populares aglutinar (elevado movimentos sociais
capital simblico) sociais
* Adaptado de Vieira-da-Silva et al. O Espao da Sade Coletiva. Relatrio de Pesquisa, 2010.
** Aferido a partir de cargos ocupados, considerando que a ocupao de cargo tcnico requer ttulos (capital cultural
adquirido) adequados ao cargo em questo.

!
%,! !

Quadro 3 Critrios de anlise da composio do capital cientfico em 2001.


!
Volume do Muito Alto (AA) Alto (A) Mdio (M) Pequeno (P)
capital

Tipo de Capital
Cientfico Doutorado Doutorado Doutorado Doutorado
Produo compatvel Produo compatvel Produo Integrar
com o perfil de com o perfil de compatvel com o equipe de
bolsista CNPq 1A bolsista CNPq 1B e perfil de bolsista projeto de
1C CNPq 2 pesquisa
rea Sade Coletiva
13 artigos nos ltimos rea Sade Coletiva rea Sade
3 anos (6 em revista 10 artigos nos ltimos Coletiva 9
A) 3 anos (6 em revista artigos nos
A) ltimos 3 anos (3
em revista A)
rea Medicina 20
artigos em revista A rea Medicina 16 rea Medicina
nos ltimos 3 anos artigos em revista A 9 artigos em
nos ltimos 3 anos revista A nos
ltimos 3 anos

!
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6 A gnese da poltica nacional de controle da aids no Brasil (1981-1989)

A construo de um problema, seja ele um problema de sade ou no, como um problema

social um processo social cuja evoluo determinada pelas alianas entre os diferentes grupos, de

modo a transformar interesses particulares em coletivo. A construo da aids como um problema

social no Brasil teve a participao de agentes de diversos campos e subespaos, uma correlao de

foras que contribuiu para o surgimento de um espao especfico de organizao da luta contra a aids

(espao aids), envolvendo agentes oriundos, principalmente, mas no exclusivamente, do espao

militante, do campo burocrtico, do campo mdico, do campo cientfico, do campo poltico e mesmo

do campo religioso.

O quadro 4 apresenta uma sntese dos principais fatos histricos relacionados ao espao aids e

gnese e evoluo da poltica nacional de controle da aids apresentados a seguir, buscando articul-

los ao contexto poltico-administrativo (presidente, ministro da sade, dirigente da poltica), bem

como aos subespaos especficos (campos mdico e cientfico, campos burocrtico, espao militante e

imprensa) e evidencia a complexidade das relaes estabelecidas ao interior do espao aids no Brasil.

A abordagem desses diferentes subespaos tornou a anlise bastante complexa, de modo que a

apresentao dos fatos histricos concorrentes para a conformao do espao aids e as lutas e disputas

travadas ao seu interior tentou seguir a ordem cronolgica, mas tambm a sua relao com os

subespaos analisados e a evoluo da poltica especfica de sade estudada.

Uma vez que a mobilizao em torno da doena e a capacidade de organizao de uma

resposta epidemia esto relacionados evoluo do saber mdico e das estratgias de interveno

possveis (Pinell, Broqua et al., 2002), para fins de anlise foram considerados quatro momentos da

poltica nacional de controle da aids, relacionando os principais grupos atingidos, as aes prioritrias

e a evoluo do saber mdico (Quadro 5).

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Quadro 5 Momentos da poltica nacional de controle da aids, principais grupos atingidos, aes
prioritrias e sua relao com o saber mdico, 1981-2001.
Perodo Principais Saber mdico Poltica de luta contra a Aes prioritrias
grupos aids
atingidos*
1981-1984 Homossexuais Descoberta do vrus Governo federal no possui Iniciativas estaduais
Teste sorolgico uma poltica especfica
1985-1989 Homossexuais, AZT Surgimento de uma poltica Aes de vigilncia e
hemoflicos e nacional educao em sade
outros receptores
de sangue e
hemoderivados
1990-1996 Usurios de Realizao de ensaios Consolidao da poltica Distribuio de
drogas injetveis, para estudos de vacinas nacional medicamentos,
heterossexuais no pas 1o acordo de
Terapia combinada emprstimo,
(controle da doena, financiamento ONGs
aumento da sobrevida)
1997-2001 Feminizao** Novos medicamentos Apogeu da poltica nacional: Sustentabilidade da
Envelhecimento (inibidores da protease), reduo de indicadores de estratgia do acesso
Interiorizao reduo de efeitos morbimortalidade universal
Pauperizao colaterais, controle da (estabilizao da epidemia) e
Aumento da doena reconhecimento
sobrevida internacional

* Fonte: Boletins Epidemiol$gicos Aids, Minist%rio da Sa&de


** Raz'o entre sexos no per(odo de 1980-1990 foi de 6,5:1, e no per(odo de 1991-2001 foi 2,4:1

Os dois primeiros momentos, que abrangem o perodo de 1981 a 1989 correspondem ao

processo de conformao do espao aids no Brasil, gnese da resposta governamental no mbito

federal e ao desenvolvimento inicial da poltica; e so tratados nesse captulo. Os dois momentos

seguintes esto relacionados evoluo e consolidao da poltica nacional e sero apresentados no

captulo 7.

6.1 A conformao do espao aids no Brasil (1981-1984)

A epidemia da aids chegou ao Brasil no incio dos anos 1980, quando ainda no existia uma

resposta teraputica eficaz. No pas, o final da dcada de 1970 e incio dos anos 1980 foi marcado pelo

processo de abertura poltica e redemocratizao do pas, culminando com a anistia poltica dos

exilados em 1979, na realizao de eleies democrticas nos estados em 1982, na mobilizao por

eleies diretas para a presidncia da repblica e na eleio indireta do primeiro governo federal

democrtico aps o perodo de ditadura militar no incio de 1985 (Macrae, 1990). Essas condies

permitiram a retomada da luta pelos direitos polticos e a constituio de um movimento social mais

!
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ativo nesse perodo, marcado inclusive pelo surgimento das organizaes no-governamentais

(ONGs14), para o que contriburam os retornados do exlio aps a anistia, bem como outros que

viajavam frequentemente ao exterior e aqueles relacionados a organizaes como Ao catlica15,

Ao Popular16 (AP) e Movimento de Educao de Base (MEB) (Landim, 2002).

A aids chegou ao pas em um momento de expanso do gueto gay17 (Silva, 1986). Desde

1976, j existiam tentativas de organizao de um congresso de homossexuais no Rio de Janeiro e de

formao de um grupo de discusso homossexual, mas s depois de uma visita do editor do jornal

americano Gay Sunshine, Winston Leyland, em 1977 ao Brasil, que um grupo de intelectuais

homossexuais fundou o jornal "Lampio da Esquina", principal meio de comunicao homossexual no

Brasil at 1981, quando foi editado seu ltimo nmero. Foi uma discusso sobre homossexualidade, na

Semana da Convergncia Socialista, promovida pela Revista Versus, em 1977, que motivou Joo

Silvrio Trevisan, escritor e jornalista, e outros homossexuais ligados ao "Lampio da Esquina" a

realizarem reunies semanais, das quais resultou a formao do Somos Grupo de Afirmao

Homossexual 18 (Somos), o primeiro grupo gay do Brasil, em So Paulo (Macrae, 1990; Facchini,

2003). Foram tambm fundadores do Somos o antroplogo ingls Peter Fry, professor da

Universidade de Campinas (Unicamp), Darcy Penteado, cengrafo, autor teatral e um dos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
14
(...) categoria (...) usada para designar subconjuntos de organizaes (como ambientalistas, de negros, mulheres, povos
indgenas, portadores de HIV, etc.) que, embora variadas, ocupam posies anlogas no campo poltico e social e possuem
caractersticas comuns, como por exemplo: so de origem recente e ligadas em grande parte a movimentos sociais,
compreendendo-se como tal tambm os relacionados criao de novas identidades e defesa de direitos especficos ou
difusos; tm portanto determinados horizontes comuns no centro dos seus iderios, como a expanso de valores
democrticos, de direitos civis, da cidadania; inserem-se marcadamente em redes de relaes internacionalizadas, onde a
questo do financiamento est de alguma forma presente. (Landim, L. Experincia militante: histrias das assim chamadas
ONGs. Lusotopie, n.1, p.215-239. 2002. p. 220)
15
Movimento controlado pela igreja catlica que compreendia quatro grupos: Homens da Ao Catlica e Liga Feminina de
Ao Catlica, para os maiores de 30 anos ou casados de qualquer idade; e Juventude Catlica Brasileira e Juventude
Feminina Catlica, para os jovens de 14 a 30 anos. A Juventude Catlica compreendia a Juventude Estudantil Catlica (JEC),
para os jovens secundaristas, a Juventude Universitria Catlica (JUC), para os universitrios, e a Juventude Operria
Catlica (JOC), para os jovens operrios. Em 1962, militantes da JUC e da JEC criaram a Ao Popular (Kornis, M. Ao
Catlica Brasileira. Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro - Ps 1930. Abreu, A.a.D., Beloch, I., et al. Rio de Janeiro:
CPDOC/FGV 2010.).
16
Movimento poltico clandestino resultado da atuao dos militantes estudantis da Juventude Estudantil Catlica (JEC) e da
Juventude Universitria Catlica (JUC). Criado em 1962, foi um dos mais importantes movimentos de resistncia ao regime
militar durante a dcada de 1960. Em 1967 mudou sua sigla para APML (Ao Popular Marxista-Lenista) e terminou com
sua incorporao ao Partido Comunista do Brasil (PC do B).
17
O termo gueto era usado entre os homossexuais para denominar locais de encontro, como bares, boates, saunas, parques,
restaurantes frequentados por homossexuais de forma exclusiva ou quase exclusiva, ou para designar ruas ou locais
especficos (Silva, L.L.D. Homossexualidade e aids em So Paulo. (Mestrado). Programa de Estudos Ps-graduados em
Cincias Sociais, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 1986. 204 p.).
18
O nome Somos Grupo de Afirmao Homossexual, era uma homenagem publicao da Frente de Liberao
Homossexual Argentina, o primeiro grupo pelos direitos gays na Amrica do Sul, que surgiu em Buenos Aires, em 1971 e foi
extinta pela ditadura militar daquele pas em maro de 1976. (Green, J.N., Fernandes, M., et al. Somos - Grupo de Afirmao
Homossexual: 24 anos depois. Reflexes sobre os primeiros momentos do movimento homossexual no Brasil. Cadernos
AEL, v.10, n.18/19, p.49-73. 2003.).

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idealizadores do primeiro cartaz de preveno da aids no Brasil, e o cineasta belga Jean Claude

Bernadet.

A partir da criao do Somos, em 1978, houve uma proliferao de grupos de militncia

homossexual que lutavam pelos direitos civis dessa minoria por todo o pas (Macrae, 1990; Facchini,

2003).

No Brasil, no existia uma legislao homofbica a ser combatida como nos EUA e na

Frana, por exemplo, mas a homossexualidade constava na lista de doenas do Instituto Nacional de

Assistncia Mdica e Previdncia Social (Inamps), o que tornava a relao com o campo mdico

conflituosa (Macrae, 1990; Facchini, 2003). Apesar da homossexualidade no ser crime no Brasil, a

violncia contra homossexuais, inclusive por parte do aparato de violncia fsica do Estado sempre

esteve presente, sendo esta inclusive uma das principais lutas do movimento gay (Silva, 1986; Macrae,

1990). Mas foram as divergncias internas aos prprios grupos, resultantes do seu crescimento

numrico, e a incapacidade de convivncia de diferentes posies polticas entre aqueles que

desejavam uma atuao mais voltada para a garantia de direitos dos homossexuais e os que

propunham um engajamento poltico mais amplo, que levou ruptura do Somos, um racha no

jargo poltico-associativo, aps o 1o de maio de 1980, do qual surgiu o Grupo Outra Coisa Ao

Homossexualista e o Grupo Lsbico-feminista (Macrae, 1990). O Somos ainda continuou, mas por

volta de 1983, o grupo, com dificuldades financeiras e de conseguir novos membros, dissolveu-se.

Uma primeira onda do movimento homossexual no Brasil teria ocorrido at 1983, coincidindo

com a emergncia da epidemia da aids no pas, caracterizada por grupos com carter mais comunitrio

e de convivncia. O surgimento da epidemia da aids teria levado a transformaes no movimento gay,

levando a uma desmobilizao em relao s propostas de liberao sexual e tambm devido ao

envolvimento de lideranas homossexuais na luta contra a epidemia (Facchini, 2003).

O Lampio da Esquina teve seu ltimo nmero publicado em junho de 1981 e no chegou a

mencionar a nova doena que comeava a aparecer nos EUA e que a imprensa comeava a noticiar no

Brasil19. O fim do Lampio20 foi outro fato que contribuiu para a desmobilizao do movimento, que

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
19
Acervo do Jornal Lampio da Esquina, 1976-1981, disponvel em http://www.grupodignidade.org.br/blog/?page_id=53,
acesso em 26/11/2011.

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perdeu seu principal meio de comunicao. Essa desmobilizao do movimento homossexual resultou

na reduo do nmero de grupos de 22 em 1980, para apenas 8 em 1988. Um novo crescimento do

nmero de grupos aconteceria na dcada de 1990, na segunda onda do movimento gay, com grupos

com carter mais formal, para os quais a principal causa era a garantia dos direitos homossexuais e a

luta contra a discriminao e violncia (Facchini, 2003).

As primeiras notcias sobre a nova doena, que matava rapidamente, acometia principalmente

a populao homossexual e se manifestava principalmente por infeces severas e pelo Sarcoma de

Kaposi, tinham tratamento jornalstico de um problema estrangeiro (Barata, 2006) e contriburam para

a viso de uma doena de homossexuais, designando-a inicialmente de peste gay (Silva, 1986). Mas, a

partir daquele momento, a imprensa tambm assumiu um importante papel na divulgao da doena e

na construo social do problema (Barata, 2006).

As notcias divulgadas nos meios de comunicao eram vistas com descrdito pela

comunidade homossexual. A crena era que se tratava de mais uma tentativa dos mdicos para atingir

os homossexuais, uma forma de usar um argumento mdico para tentar fazer um retrocesso21 das

conquistas do movimento homossexual (Perlongher, 1987). Esse era o posicionamento do grupo

Molculas Malucas 22 , liderado por Nstor Perlongher, professor da Unicamp e ex-militante do

movimento de liberao homossexual argentino. Assim, percebia-se, inicialmente, uma negao do

problema, exemplificada tambm pela primeira notcia que apareceu no Boletim do Grupo Gay da

Bahia (GGB), em abril de 1982, com o ttulo Uma doena de homossexuais?????. A matria

criticava a Revista Manchete pela divulgao de uma notcia da Time Magazine considerando que se

tratava de uma grande balela e que toda teoria mdica que parte da premissa que somos

promscuos no merece confiana (Mott, 2011, p. 33).

Esse posicionamento questionador em relao ao campo mdico era resultado da relao

histrica dos mdicos com a homossexualidade, considerada como doena mental (Mott, 1987; Fatal,

1988). Contudo, quando o problema foi reconhecido pelo grupo, eles assumiram uma postura de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
20
Sobre o fim do Jornal Lampio da Esquina, Facchini (2003) analisa como natural que no perodo democrtico um meio
de comunicao criado para lutar contra a ditadura, com o fim da censura, tambm tivesse se esgotado (Facchini, R.
Movimento Homossexual no Brasil: recompondo um histrico. Cadernos AEL, v.10, n.18/19, p.83-123. 2003.).
21
Edward Baptista das Neves MacRae. Entrevista realizada em 16/05/2011, Salvador, BA.
22
O termo foi adotado em referncia revoluo molecular de Guattari.

!
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reforo do discurso mdico23 (Mott, 1987). Em dezembro daquele ano, o discurso no Boletim do

GGB j havia mudado, alertando para os sintomas da nova doena, denominada peste rosa,

referindo-se matria da revista Manchete e orientando aqueles que apresentassem os sintomas a

procurarem o GGB (Mott, 2011).

Essa mudana no discurso est provavelmente relacionada aos relatos de homossexuais

brasileiros que viajavam para os EUA, e que traziam notcias do pavor e das mortes24, bem como

notcias recebidas atravs dos grupos estrangeiros, em especial americanos25, e ameaa representada

pela epidemia ao comrcio gay que comeava a se desenvolver (Silva, 1986; Perlongher, 1987;

Macrae, 1990), como evidenciado nas falas dos militantes:

(...) eu fui convidado para fazer uma reportagem nos Estados Unidos e passei uma
semana em Nova Iorque (...) De repente, eu chego l e todos esto apavorados. Eu fiquei
sabendo de gente morrendo feito mosca. (...) Eu voltei para o Brasil e os meus amigos e
antigos companheiros militantes, quase ningum acreditava. (Edward Baptista das
Neves MacRae, entrevista realizada em 16/05/2011)

(...) eu percebi que nem a poltica do avestruz, nem essa poltica da negao da doena
ou apenas da demonizao do HIV como uma doena, como uma pandemia criada em
laboratrio, isso no ia levar a nada. Ento, eu considerei que era fundamental a
participao dos movimentos homossexuais nesse esforo coletivo contra a epidemia.
(Luiz Roberto de Barros Mott, entrevista realizada em 23/03/2011)

O caso um de aids no pas comeou a apresentar os sintomas de emagrecimento e sinais de

fraqueza em abril de 1980, tendo ido a bito no dia 18 de maro de 1981, no Hospital So Paulo, na

Vila Mariana, na cidade de So Paulo. O esclarecimento da causa da morte s aconteceu 5 anos

depois, na dissertao de mestrado do mdico Antnio Luiz de Arruda Mattos, que constatou tratar-se

de aids26 . O registro desse caso pelo Ministrio da Sade s ocorreu em 1988 (Brasil, 1988a). Esse

fato evidencia que o vrus j circulava no pas no final da dcada de 1970, como enfatizado por Lair

Guerra no texto Aids - A face da discriminao, no Boletim Epidemiolgico Aids, ano II, n. 5, de

1988 (Brasil, 1988a).

Apesar do importante papel assumido pela imprensa na veiculao das primeiras notcias

sobre a nova doena, s em 1983 os primeiros casos brasileiros foram noticiados nos jornais. Aps

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
23
Luiz Roberto de Barros Mott. Entrevista realizada em 23/03/2011, Salvador, BA.
24
Edward Baptista das Neves MacRae. Entrevista realizada em 16/05/2011, Salvador, BA.
25
Luiz Roberto de Barros Mott. Entrevista realizada em 23/03/2011, Salvador, BA.
26
Natali, J.B. H dez anos surgiram os sintomas do 1o paciente de aids no Brasil. Folha de So Paulo. So Paulo. 24/04/1990
1990. Folha de So Paulo

!
",! !

leitura de uma reportagem da jornalista Letnia Menezes27 onde era afirmado que no Brasil ainda no

existiam casos da doena, a mdica Valria Petri28, uma jovem dermatologista da Escola Paulista de

Medicina (atual Unifesp), contatou a jornalista da Revista Isto .

Eu no tinha muita convico de que precisasse alertar o pblico. No sabia a


utilidade disso, mas eu no me conformava com o erro, com a informao equivocada.
(...) Eu achava que precisava corrigir a matria errada. (Valria Petri, entrevista
realizada em 20/06/2011)

Os casos haviam sido identificados em setembro de 1982 e janeiro de 1983, na cidade de So

Paulo. Eram dois homens, um de 32, outro de 30 anos, homossexuais, que apresentavam leses de pele

(Sarcoma de Kaposi) e haviam viajado recentemente aos EUA29 (Guerra, 1993; Marques, 2003;

Frana, 2008; Abbade e Baio, 2010).

A dermatologia desempenhou importante papel no diagnstico dos primeiros casos,

justamente por conta do Sarcoma de Kaposi, uma leso de pele pouco comum em jovens, que se

mostrava presente na maioria dos casos. Naquele momento, ainda no havia testes sorolgicos. O

diagnstico era clnico, associado ao diagnstico histopatolgico de Sarcoma de Kaposi e s

caractersticas do paciente (homem, homossexual, 32 anos, que viveu em Nova Iorque), ainda que a

leso no fosse tpica30.

A divulgao dos casos causou alguns incmodos, talvez por se tratar de uma mulher jovem,

dermatologista, recm-doutora, ainda uma recm-ingressa no campo cientfico e no campo mdico;

dessa forma, a veracidade do diagnstico foi questionada por alguns mdicos infectologistas.

Mas foi muito difcil lidar com isso porque alm de no haver perspectiva nenhuma de
tratamento, ainda era tudo muito assustador, havia ainda colegas que insistiam em que
eu estava mentindo. (Valria Petri, entrevista realizada em 20/06/2011)

A Folha de So Paulo, um dos principais jornais do pas, s mencionou os dois casos em

junho de 1983, quase um ano aps a deteco31. Na literatura mdica brasileira, a Revista Paulista de

Medicina apresentou os primeiros relatos de casos no nmero de julho/agosto de 1983. Dois casos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
27
Jornalista gacha que comeou a carreira no Jornal Zero Hora de Porto Alegre, tendo trabalhado tambm no Globo e na
revista Isto. Foi a primeira a publicar em 1983 uma matria sobre aids e dedicou-se a fazer matrias exclusivamente sobre
esse assunto inicialmente na Isto e posteriormente na Folha de S. Paulo.
28
Valria Petri, mdica dermatologista, filha de imigrantes italianos, que havia terminado de concluir o doutorado eme estava
trabalhando com o professor Anacona Lopes na Escola Paulista de Medicina e no seu consultrio particular.
!"
#Valria Petri. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP.#
$%
#Ibid.#
$&
#Rocha, P. "Doena dos homossexuais" atinge o pas. Folha de So Paulo. So Paulo. 08/06/1983 1983.#

!
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ocorridos no estado de So Paulo: um identificado em julho de 1982, em Campinas, na Disciplina de

Doenas Transmissveis da Faculdade de Cincias Mdicas da Unicamp, que foi a bito cinco dias

aps a internao (Gonales Jnior, Pedro et al., 1983); outro descrito como primeiro caso autctone

do pas por docentes da Clnica de Doenas Infecciosas e Parasitrias da Faculdade de Medicina da

Universidade de So Paulo (USP) e da Disciplina de Imunologia da Escola Paulista de Medicina

(EPM) (Amato Neto, Uip et al., 1983).

No Brasil, a sigla referente ao nome da doena em portugus, Sndrome da Imunodeficincia

Adquirida (sida), no emplacou, prevalecendo o uso da sigla em ingls, Autoimmune Deficiency

Syndrome (AIDS). Desde as primeiras notcias veiculadas na mdia, a imprensa e os mdicos

incorporaram o termo em ingls, em uma clara influncia da lngua inglesa, que pode ser classificado

como um estrangeirismo. Durante algum tempo o Ministrio da Sade tentou usar o termo sida,

presente em diversos documentos, mas sempre associado ao termo aids. Em 1997, uma reportagem da

Revista Veja (Figura 1) levantava o porqu do termo Sida no ser adotado no pas e considerava

mirabolante a explicao de o termo no ser usado devido s piadas que faziam com as Aparecidas,

cujo apelido Cida era muito comum, alm da possvel referncia Santa Padroeira do Brasil, Nossa

Senhora Aparecida32. Ainda que o uso do termo aids tenha sido preferido pela imprensa e pelos

mdicos desde as primeiras notcias33, segundo um dos entrevistados, essa discusso acerca do uso dos

termos aids ou sida teria de fato existido, tendo inclusive ocorrido uma reunio no Ministrio da Sade

para decidir que termo usar34. Ou seja, houve uma racionalizao para justificar a submisso aos EUA,

tanto no campo cientfico como no campo cultural.

(...) eu participei, naquela poca eu era quase que estagirio, e eu participei das
reunies na criao do programa. E me lembro que o Brasil o nico pais do mundo
que no chama Sida. [O Brasil] o nico pais da Amrica Latina que no chama Sida.
Que era... que em portugus seria Sndrome da Imunodeficincia Adquirida e a gente
chama aids. Eu estava presente na reunio principal onde se decidiu que no Brasil no
ia se chamar Sida. Por causa das Aparecidas, que so Cidas.

Sandra - verdade essa historia?

verdade. Histria verdadeira. Assim, pra no estigmatizar todas as Aparecidas que se


chamavam Cida. por isso que ficou aids. (Gerson Fernando Mendes Pereira,
entrevista realizada em 04/08/2011)
!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
$!
#Por que a Sida no emplacou, Revista Veja, 9 de abril de 1997.#
$$
#Euclides Ayres de Castilho. Entrevista realizada em 05/05/2011, So Paulo, SP.
34
Gerson Fernando Mendes Pereira. Entrevista realizada em 04/08/2011, Braslia, DF.

!
*.! !

Em 1983, comearam tambm a surgir notcias relacionadas ao uso de interferon como

tratamento para a aids35 . O mdico Ricardo Veronesi36, um dos responsveis pela aplicao do

interferon como tratamento para aids no Brasil, iniciativa de uma empresa farmacutica sua que

fornecia o medicamento gratuitamente37 (figura 2), realizou uma reunio por volta de maro ou abril

de 1983, buscando uma maior aproximao com o principal grupo acometido pela epidemia, evento

que reuniu diversos militantes do movimento homossexual, entre eles componentes do Grupo Somos

que no se encontravam desde o racha do grupo, alertando-os para a necessidade de uma resposta do

Estado38 .

Figura 1 Reportagem da Revista Veja sobre por qu o termo Sida no usado no Brasil,
9/04/1997.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
35
Interferon teve seus poderes superestimados. Folha de So Paulo. So Paulo. 04/06/1983 1983; Congresso termina com
crtica de mdico ao Inamps. Folha de So Paulo. So Paulo. 06/06/1983 1983.
36
Mdico, Professor da Faculdade de Medicina de So Paulo, fundador da Sociedade Brasileira de Infectologia, criada
justamente porque junto com o Prof. Paulo Augusto Ayrosa Galvo, Veronesi considerava que havia a necessidade de uma
especialidade que englobasse de forma mais abrangente as doenas infecciosas e parasitrias, haja vista que as epidemias
hospitalares e a pandemia de HIV/aids no cabiam na Medicina Tropical, que tratava principalmente das questes de sade
pblica, e que no estavam relacionadas apenas aos trpicos (Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). SBI: consolidao
da infectologia no Brasil. In: _____. 25 anos Sociedade Brasileira de Infectologia. So Paulo: SBI. 2005. p. 7-33.)
37
HC inicia esse ms tratamento de aids. Folha de So Paulo. So Paulo. 09/11/1983 1983.
38
Edward Baptista das Neves MacRae. Entrevista realizada em 16/05/2011, Salvador, BA.

!
! */!
http://acervo.folha.com.br/resultados?q=eduardo+crtes+aids...

Figura 2 Notcia da Folha de So Paulo sobre o


tratamento base de interferon para a cura da aids no
Hospital das Clnicas, 09/11/1983.

So Paulo tinha naquele momento seu primeiro governo estadual eleito pelo voto popular

ainda durante o perodo da ditadura militar, em 1982. O governador era Franco Montoro39, do Partido

do Movimento Democrtico Brasileiro (PMDB), que congregava uma frente de partidos clandestinos

como Partido Comunista Brasileiro (PCB) e PC do B, e que se opunha ditadura. Na Secretaria de

Sade do Estado de So Paulo (SES-SP), Joo Yunes40 foi nomeado para o cargo de secretrio.

Naquele perodo, a SES-SP j contava com um sistema de sade organizado e um quadro tcnico

qualificado, haja vista a reforma administrativa do final da dcada de 1960, denominada Reforma

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
39
Bacharel em Direito pela USP (1938), Montoro foi professor universitrio da PUC-SP (1938-1940), procurador do Estado
de So Paulo (1940-1950), vereador do municpio de So Paulo pelo Partido Democrata Cristo (PDC) em 1950, deputado
estadual em 1954, e deputado federal em 1958, 1962 e 1966, esta ltima j pelo MDB. Foi Ministro do Trabalho e
Previdncia Social (1961-1962) durante o governo parlamentarista. Com a instaurao do bipartidarismo no Brasil, ingressou
no oposicionista Movimento Democrtico Brasileiro (MDB). Foi senador em 1970 e governador do Estado de So Paulo em
1982. Foi sua a iniciativa de realizao do primeiro comcio pelas eleies diretas para presidente da repblica em So Paulo
no ano de 1984. (Dicionrio Histrico Biogrfico Brasileiro ps 1930. 2a ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001)
40
Mdico graduado pela USP em 1963, concluiu o Mestrado na Escola de Sade Pblica da Universidade de Michigan, Ann
Arbor, Estados Unidos, em 1967. Especializou-se em Pediatria em 1970. Em 1971 concluiu o Doutorado na Faculdade de
Medicina da USP. Alm de Secretrio da Sade de So Paulo (1983-1987), Joo Yunes assumiu cargos no Ministrio da
Sade do Brasil (1975-1979; 1998-2000), na OPAS (1987-1998) e foi diretor da Escola de Sade Pblica da USP (2001-
2002).

!
*0! !

Leser, que promoveu a integrao dos servios no nvel local, tendo os Centros de Sade como eixo; a

descentralizao executiva, com a criao de distritos sanitrios; a elaborao de normas tcnicas; a

implantao de sistemas de planejamento, epidemiologia, estatstica; a qualificao profissional e a

criao de carreiras especficas no mbito da Sade Pblica, com regime de dedicao exclusiva e

boas condies de trabalho; bem como a criao de uma superintendncia de saneamento ambiental

(Ribeiro, 2008).

A emergncia da poltica de controle da aids no Estado de So Paulo41 ocorreu a partir da

reunio de um grupo de militantes do movimento pelos direitos dos homossexuais com o Secretrio da

Sade de So Paulo, Joo Yunes (Guerra, 1993; Teixeira, 1997; Marques, 2003; Barboza, 2006). Essa

audincia foi agendada por Darcy Penteado 42 , motivada pela reunio com o mdico Ricardo

Veronesi43, pela notcia dos primeiros casos de aids identificados no Brasil e diante das notcias

trazidas por pessoas que viajavam aos EUA44.

Foi de maneira bem simples, uma demanda iniciada por pessoas que tinham de uma ou
outra maneira, com uma ou outra intensidade, histria de participao no movimento
pelos direitos dos homossexuais. (...) e cobraram da secretaria como, digamos, um
representante da comunidade homossexual, providncias, orientaes, informaes a
respeito da epidemia diante do pnico que se criava no meio homossexual. (Paulo
Roberto Teixeira, entrevista realizada em 03/05/2011)
!

Tratava-se de um grupo de ex-integrantes do Somos e do jornal Lampio da Esquina,

composto por Darcy Penteado, Edward MacRae, Jean Claude Bernadet e Joo Silvrio Trevisan,

acompanhados da mdica Valria Petri. O grupo solicitava um pronunciamento da SES-SP sobre a

aids e providncias no atendimento a futuros casos45. Aps esse encontro, comeou o movimento na

SES-SP para a criao do Programa de Aids. Isso ocorreu atravs de um grupo de trabalho composto

por tcnicos (mdicos sanitaristas, infectologistas, especialistas na rea de laboratrio e na rea social)
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
41
Para uma anlise mais detalhada do surgimento do Programa de aids no estado de So Paulo consultar: Guerra, M.A.T.
Poltica de controle da AIDS da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, no perodo 1983-1992: a histria contada por
seus agentes. (Mestrado). Departamento de Medicina Preventiva, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1993. 280 p.; Silva,
L.L.D. Homossexualidade e aids em So Paulo. (Mestrado). Programa de Estudos Ps-graduados em Cincias Sociais,
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, 1986. 204 p.; Barboza, R. Gesto do programa estadual de aids de So Paulo:
uma anlise do processo de descentralizao das aes no perodo de 1994 a 2003. (Mestrado). Programa de Ps-graduao
em Cincias, Coordenadoria de Controle de Doenas da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, 2006. 184 p.; Frana,
M.S.J. Cincias em tempos de AIDS: uma anlise da resposta pioneira de So Paulo epidemia. (Doutorado em Histria da
Cincia). Deparatmento de Histria da Cincia, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2008. 193 p.
42
Valria Petri. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP.
43
Edward Baptista das Neves MacRae. Entrevista realizada em 16/05/2011, Salvador, BA.
44
Edward Baptista das Neves MacRae. Entrevista realizada em 16/05/2011, Salvador, BA; Valria Petri. Entrevista realizada
em 20/06/2011, So Paulo, SP; Paulo Roberto Teixeira. Entrevista realizada em 03/05/2011, So Paulo, SP.
45
Ibid.

!
! *#!

de diversos setores da secretaria, coordenado pela diviso de Hansenologia e Dermatologia Sanitria,

que estava estruturando um servio de doenas sexualmente transmissveis (Teixeira, 1997) e que

tinha sua frente o dermatologista sanitrio Paulo Roberto Teixeira, coincidentemente, ex-integrante

do Somos46.

Assim, os principais fatos que contriburam para a concretizao do Programa de Aids na

SES-SP, conforme j destacado em outros estudos (Teixeira, 1997; Marques, 2003), foram a

existncia de casos j diagnosticados em So Paulo; a demanda de um grupo de militantes

homossexuais, reforado pelo apoio da mdica da Escola Paulista de Medicina, Valria Petri; e as

condies polticas (um governo democrtico onde militantes da reforma sanitria assumiram posies

estratgicas). Acrescente-se a estes o pavor suscitado pela epidemia e o grupo social atingido, no

apenas um grupo organizado, mas de classe social elevada, composta por intelectuais de diferentes

reas e com importante capital social; o fato de o Estado j dispor de um sistema de sade organizado

e um quadro tcnico qualificado desde a dcada de 60, inclusive com a carreira de sanitarista,

resultado da Reforma Leser; e a existncia de um diretor sanitarista e ex-integrante do movimento

homossexual, ou seja, uma pessoa no apenas acostumada a trabalhar com pessoas estigmatizadas,

mas tambm integrante de um grupo minoritrio, o que lhe conferia disposio para trabalhar com

populaes marginalizadas, fossem os portadores de hansenase ou os transgressores da moral e dos

bons costumes como eram vistos os portadores de HIV/aids (homossexuais, usurios de drogas

injetveis e profissionais do sexo), exceo dos hemoflicos, vistos como vtimas da

irresponsabilidade alheia.

(...) quando havia uma insinuao de que eu estava promovendo isso porque eu era
homossexual, eu nunca me envolvi nessa discusso, nunca gastei energia nessa
discusso. E quando eventualmente eu fazia, me lembrava e lembrava as pessoas dos
envolvimento e problemas que tinha por trabalhar com hansenase (...) Ns estamos
falando de um grupo de cidados historicamente estigmatizados, discriminados e o
primeiro responsvel por defender e apoiar essa comunidade o Estado. (Paulo R.
Teixeira, entrevista realizada em 03/05/2011)
!

A partir da criao do Programa Estadual de So Paulo, comeou a se estabelecer um espao

de articulao entre agentes de diferentes campos e espaos (campo mdico, campo cientfico, campo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
46
Paulo Roberto Teixeira. Entrevista realizada em 03/05/2011, So Paulo, SP.

!
*)! !

burocrtico, campo poltico e espao militante) preocupados em organizar a resposta epidemia da

aids, o espao aids, conforme definido por Pinell, Broqua et al. (2002).

O grupo Outra Coisa Ao Homossexualista, uma das dissidncias do Somos, tornou-se um

importante parceiro do Programa de aids da SES-SP, sendo um intermedirio na comunicao com a

comunidade gay. O grupo era responsvel por distribuir folhetos explicativos sobre os sintomas da

aids e como agir em bares, restaurantes, saunas, ruas e praas pblicas frequentadas pela comunidade

homossexual. A elaborao do primeiro material foi supervisionada pelos mdicos Ricardo Veronesi,

da USP, e Valria Petri, da Escola Paulista de Medicina. O Instituto Adolfo Lutz ficou responsvel

pela realizao de testes gratuitos, e a seo de Dermatologia da Escola Paulista de Medicina e o

servio de molstias infecciosas do Hospital das Clnicas (USP) ficaram definidos como locais para

atendimento47.

Ainda que nesse momento o Ministrio da Sade no estivesse atento epidemia, tambm

houve envolvimento de instituies federais de ensino e/ou pesquisa, por iniciativa dos prprios

docentes/pesquisadores. Assim, tambm em 1983 foi criado o Laboratrio de Pesquisa em Aids na

Fiocruz, no Rio de Janeiro. Iniciativa de Bernardo Galvo de Castro Filho, mdico, coordenador do

laboratrio, com mestrado em Patologia Humana (Ufba) e Doutorado em Imunologia, em Genebra, na

Sua, e de Claudio Ribeiro, mdico com doutorado em imunohematologia na Frana. O laboratrio

surgiu do Laboratrio de Imunologia Parasitria da Fiocruz Programa de Pesquisas em Doenas

Tropicais48, que mais tarde transformou-se no Departamento de Imunologia do Instituto Oswaldo

Cruz. A partir do contato com um paciente de aids, Galvo e Claudio Ribeiro viram a necessidade de

estudar a doena e conseguiram aprovar um projeto junto ao CNPq para estudar casos de aids no

Brasil, com o objetivo de verificar se as alteraes imunobiolgicas eram semelhantes s encontradas

em pacientes de outros pases (Galvo-Castro, 2005). Esta pode ter sido uma oportunidade para os

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
47
Rocha, P. "Doena dos homossexuais" atinge o pas. Folha de So Paulo. So Paulo. 08/06/1983 1983.
48
O projeto foi desenvolvido a partir de 1978, quando Bernardo Galvo havia acabado de retornar de Genebra, onde foi fazer
o Doutorado em Imunologia (1974-1977), onde foi orientado por Paul Henri Lambert (que entre 1975 e 1987 liderava o
Immunology Research and Training Programme da OMS e o Laboratrio de Pesquisas da OMS na Universidade de Genebra
e Lausanne, onde Galvo trabalhou durante os anos que ficou em Genebra). O projeto inicial pedia, por sugesto de Paul
Henri, colaborao de Genebra para a organizao do Laboratrio de Imunologia Parasitria da Fiocruz. Em 1981, o projeto
final foi aprovado. Esse laboratrio, segundo Galvo, tornou-se foco de atrao para recm-doutores que estavam
retornando ao pas (Bernardo Galvo Castro Filho. Entrevista realizada em 12/07/2011, Salvador, BA.).

!
! *"!

dois recm-doutores criarem sua prpria linha de pesquisa, diferente daquela da imunopatologia, com

nfase em Chagas e esquistossomose.

Alm disso, a mdica Valria Petri, na Escola Paulista de Medicina, assim como ocorreu em

outras escolas federais e estaduais, iniciava a assistncia aos primeiros pacientes identificados, mesmo

que sem muitas possibilidades de tratamento 49.

Desta forma, o espao aids, desde seus primrdios, envolveu importantes instituies

universitrias, como a Universidade de So Paulo e a Fiocruz, s quais estavam vinculados alguns

agentes.

Os principais agentes envolvidos no incio da luta contra a epidemia no pas ou pertenciam ao

principal grupo de risco (homens homossexuais) ou eram profissionais da rea da sade, em

especial mdicos (dermatologistas, infectologistas, patologistas ou imunologistas) que tiveram contato

com a epidemia no exerccio profissional e eram, praticamente todos, servidores pblicos, estaduais

e/ou federais. Verificou-se que os servidores federais, no seu discurso destacavam que se tratava, de

alguma forma, de uma iniciativa individual, mas representando o Estado, por se considerarem agentes

do Estado.

Na reunio com o Yunes foi imediata a coisa. Ele disse: voc na Escola Paulista faz o
que voc puder e ns vamos fazer na secretaria o que a gente puder. Quer dizer que no
nvel federal eu estava me mexendo. (Valria Petri, entrevista realizada em
20/06/2011)

- Ento eram aes individuais, sem interferncia (ou apoio) do governo?


Galvo: Algumas passaram pelo Estado porque os pesquisadores representavam o
Estado. (Bernardo Galvo Castro Filho, entrevista Agncia Fiocruz de Notcias
12/2007)

A emergncia do Programa Estadual de Aids da SES-SP conformou, assim, um espao

especfico de organizao da luta contra a epidemia da aids, sendo tambm um espao de pesquisa e

interveno, envolvendo agentes do movimento homossexual (espao militante), do campo mdico,

que tambm eram docentes e pesquisadores (campo cientfico) ou atuavam na secretaria de sade do

estado (campo burocrtico).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
49
Valria Petri. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP.

!
**! !

6.2 Os principais agentes: quem se interessava pela aids e por qu?

Entre os 33 entrevistados, vinte inseriram-se no espao aids at 1986. Oito no subespao

burocrtico, seis no subespao militante e seis no subespao cientfico. O interesse desses agentes pela

aids, ou seja, aquilo que os motivou a entrar nesse espao de lutas e interveno mdico-sanitria de

resposta epidemia, no perodo entre 1983 e 1986, esteve relacionado ou ao pertencimento a grupos

de risco ou ao contato prvio com a doena, seja por motivos pessoais (doentes, parentes e amigos, ou

amigos de profissionais ou militantes que tambm se sensibilizavam com a epidemia), seja por

questes profissionais, associadas ou no a razes de ordem pessoal (Quadro 6, p. 60).

Aqueles que entraram no espao exclusivamente a partir de um motivo pessoal eram todos

participantes de movimentos homossexuais ou j tinham diagnstico sorolgico para HIV. A sua

insero no espao aids deu-se a partir do subespao militante. Alguns continuaram no espao aids,

como Luiz Mott e Jorge Beloqui, sendo que o primeiro mantendo-se no movimento gay e o segundo

em associaes especficas de luta contra a aids. Outros migraram para os demais subespaos, como

Edward MacRae, que transitou pelo espao burocrtico e consolidou-se no espao cientfico,

desvinculando-se em meados da dcada de 1990 do espao aids. Lutar contra a aids era lutar em

defesa da causa homossexual, no apenas como uma questo de sobrevivncia, mas tambm

relacionada concepo da doena, da sexualidade, de suas prticas.

Os agentes que comearam a sua relao com a aids devido a questes profissionais inseriram-

se principalmente no campo cientfico ou burocrtico, assumindo posies em Programas Estaduais e

no Programa Nacional (Paulo Roberto Teixeira, Pedro Chequer, Alexandre Grangeiro). Duas agentes

incorporaram-se ao espao militante: urea Abbade, do Gapa, e Silvia Ramos, da Abia. importante

notar que so duas situaes bastante especficas. urea Abbade participou de uma das reunies

iniciais de formao do Gapa devido a um encontro profissional com uma cliente que era assistente

social do Hospital Emlio Ribas. Mas no seu relato tambm citou a participao de pelo menos um

amigo naquela reunio.

(...) eu no tinha nenhuma vinculao, at porque, no suportava e mesmo


assim hoje eu tenho um pavor de doena, (...)Eu tinha uma cliente que era
assistente social, (...) e ela (...) falou que precisava ter uma conversa comigo
enquanto advogada. Eu falei: "Tudo bem, pode vir aqui hoje." (...) A ela: "No,

!
! *+!

vai ser muito tarde, daria para voc me encontrar l?" (...) Eu fiquei pensando,
para eu sair do escritrio, ir para minha casa... Eu decidi ir direto(...), tinha uma
reunio. A eu comecei a participar. (...) estava todo mundo sentado em crculo e
eu sentei na cadeira depois, no outro crculo. Porque eu no fazia parte daquela
reunio. (...) Sobre aids. Uma das primeiras reunies... O que vai fazer, o que no
vai fazer... E o pessoal todo desesperado. E eu, (...) verificando assim pela parte
mais prtica, sem a emoo da situao, eu via a soluo. Eu ficava pensando:
por que eles no fazem tal coisa? (...) E eu peguei a pessoa falando e eu j
mentalizando como que seria. Quando terminou a reunio, comeou a passar
uma relao em uma lista para saber quem estava presente na reunio e quem
podia ajudar, qual horrio, aquela coisa toda. A veio passando e quando chegou
na mo de um amigo nosso que era voluntrio e estava naquele momento ali, (...)
passou para mim. A eu falei: "Desculpa, mas eu estou fora da rodinha." Ele
falou: "E voc no pode ajudar porque esta fora da rodinha?" (...) eu olhei e vi
que o nico horrio que eu tinha livre era sbado 3 horas da tarde, porque o
resto da semana toda era ocupada.(...) depois eu verifiquei que a maioria tambm
era no sbado. E coincidia o horrio. Ento ns comeamos a fazer as reunies a
partir daquele ano, sbado s 3 horas da tarde.(urea Celeste da Silva Abbade.
Entrevista realizada em 20/06/2011)
!

urea associou a prtica profissional militncia. Ela conseguiu construir uma trajetria

militante relacionada a sua trajetria profissional, criando a primeira assistncia jurdica para pessoas

com HIV/aids. Em 2012 continuava atuando como advogada e militante.

Silvia Ramos foi convidada por Betinho para elaborar o projeto da Associao Brasileira

Interdisciplinar de Aids (Abia) na expectativa de, em conseguindo um financiamento, tornar-se

funcionria da instituio. Silvia integrou-se ao quadro de funcionrios da associao, assumindo uma

posio intermediria na diretoria da Abia, de modo que fez uma trajetria profissional ao interior do

subespao militante. Silvia saiu da Abia em 1991 e tambm da militncia na rea de aids.

(...) Comea com a proposta do Betinho para que eu viesse a ajudar a colocar em p uma
entidade, a Abia, que na poca no tinha o nome de Abia. A ideia era fundar uma
fundao que era um branch, uma sucursal da [International] Interdisciplinary Aids
Foundation, IIAF, a ideia que ele tinha era que fosse uma fundao. Como a legislao de
fundao no Brasil era muito problemtica, resolvemos criar uma associao. A Abia no
existia ainda, ento o Betinho me convidou para isso.(Silvia Ramos de Souza, entrevista
realizada em 15/06/2011)

interessante notar que os agentes com menor volume de capital cultural (ou escolar) e

cientfico foram aqueles relacionados ao campo burocrtico. Praticamente todos os agentes que

possuam algum volume de capital cientfico inseriram-se no campo cientfico ou no espao

associativo. Dos 6 agentes daquele espao aqui analisados, apenas um no possua ps-graduao

stricto senso, todos os demais possuindo mestrado e/ou doutorado, que correspondiam,

respectivamente, a pequeno e mdio volume de capital cientfico. Contudo os que apresentaram maior

!
*,! !

volume de capital cientfico foram aqueles que se mantiveram no subespao cientfico, tambm ao

interior do espao aids, como Bernardo Galvo, Euclides Castilho e Jos da Rocha Carvalheiro, sendo

que Carvalheiro teve uma participao inicial mais tangencial, enquanto Diretor no Instituto de Sade

da SES-SP, depois dando seguimento a sua trajetria acadmica voltado para o estudo de vacinas.

Os agentes do subespao burocrtico foram os nicos a apresentar o capital especifico desse

campo, exceo, naquele momento, dos ento estagirios do Programa Estadual de Aids de So

Paulo, Alexandre Grangeiro, e do Programa Nacional de Aids, Manoel Alves, que fizeram carreira

naquele subespao at o final do perodo estudado. Ou seja, os agentes do campo burocrtico que

foram trabalhar na rea de aids eram tcnicos de carreira, que j vinham assumindo posies na

burocracia estatal ou recm-ingressos nesse campo.

Outra questo importante foi que nos espaos mais institucionalizados, como os campos

burocrtico e cientfico, havia um predomnio do campo mdico. No campo burocrtico, os mdicos

assumiram as posies dominantes (coordenadores, tcnicos, assessores), enquanto os no mdicos

permaneceram nas posies menos qualificadas ao interior do aparelho estatal (tcnico-

administrativos).

Alguns dos agentes que tiveram importante participao na gnese e nas transformaes do

espao aids tiveram uma trajetria poltica dominante. No apenas atravs da filiao a partidos

polticos, mas chegando a cargos eletivos, como o mdico pediatra e ministro Carlos SantAnna e o

mdico sanitarista Srgio Arouca, que foram eleitos deputados federais, ou aqueles que como Herbert

Daniel, da Abia, concorreram, sem sucesso, a cargos eletivos.

Outros tiveram participao no movimento sanitrio (como Euclides Castilho, Fabola Nunes,

Paulo Roberto Teixeira, Pedro Chequer e Paulo Bonfim); no movimento homossexual (a exemplo de

Jorge Beloqui, Edward MacRae, Luiz Mott, Veriano Terto Jr. e Paulo Roberto Teixeira,); na luta

contra ditadura, participando de movimentos como a Ao Popular (AP)50 ou de partidos clandestinos

como o Partido Comunista Brasileiro (PCB)51. Alm disso, houve participaes mais perifricas (no

dominantes) na Convergncia Socialista e, em especial, na fundao do Partido dos Trabalhadores

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
'%
#Betinho foi um dos fundadores da AP, da qual Paulo Roberto Teixeira tambm participou.
51
Bernardo Galvo Castro Filho e Gerson Barreto Winkler militaram no PCB.

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Quadro 6 Agente, graduao e ano, subespao (SE) de pertencimento, profisso do pai, volume de
capital cultural, cientfico, poltico e militante, e relao dos agentes com a aids, 1983-1986.

Capital
Graduao Relao com a
Agente SE Prof Pai cultural CC CB CP CM
(ano) aids52
(Escolar)
Manoel Alves - Trabalha com Nvel - - - - Profissional
madeiras fundamental
Alexandre - Dono de um Nvel Mdio - - - - Profissional
Grangeiro expresso
rodoviario
Ieda Fornazier Turismo (S/I) Policial civil Sup. Completo - P - - Profissional
Maria Leide Wan Medicina (1975) S/I Sup. Completo - A - P Profissional
Del Rey de
Oliveira
Paulo Roberto Medicina (1973) Contador Sup. Completo - A - P Profissional
Teixeira
Pedro Chequer Medicina (1977) Comerciante Sup. Completo - A - - Profissional
Burocrtico

Gerson Fernando Medicina (1983) Servidor Sup. Completo - A - - Profissional/


Pereira pblico Pessoal
Fabola Nunes Medicina (1968) Mdico Ps- P AA P - Profissional
sanitarista Graduao
urea Abbade Direito (S/I) * Sup. Completo - - P P Profissional/
Pessoal
Veriano Terto Jr. Psicologia (1985) Militar Ps-graduao P - P A Poltica
Silvia Ramos Psicologia (1978) Administrador Ps-graduao P - P A Profissional
de empresas
Edward Mac Rae Psicologia Social Corretor de Ps-graduao M - - P Poltica
(1968) seguros
Jorge Beloqui Matemtica Contador Ps- M - P A Pessoal
Militante

(1972) Graduao
Luiz Mott Cincias Sociais Fazendeiro Ps-graduao M - P A Poltica
(1968)
Bernardo Galvo Medicina (1969) Professor Ps-graduao AA P P - Pesquisa
Euclides Castilho Medicina (1965) Telegrafista Ps-graduao A - - - Pesquisa
Jos da Rocha Medicina (1961) Dono de bar Ps-graduao A A P - Profissional
Carvalheiro
Valria Petri Medicina (1973) Fun. Da Ps- M - - - Profissional
limpeza Bco Graduao
Brasil
Eduardo Crtes Medicina (197?) Comerciante Sup. Completo - - - - Profissional
Cientfico

atacadista
Valdila Veloso Medicina (1985) Contador Sup. Completo - - - - Profissional/
Pessoal
* Pai falecido quando a entrevistada tinha apenas 2 meses, av paterno mascate, av materno fabricante de vinhos.
CC: capital cientfico; CB: capital burocrtico; CP: capital poltico; CM capital militante; S/I: sem informao; P: pequeno,
M: mdio; A: alto; AA: muito alto.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
52
O apndice IV Relao inicial com a aids apresenta as falas dos entrevistados que resultaram na classificao
apresentada no Quadro 5.

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(PT). A maioria dos agentes que possua algum volume da capital poltico, teve papel de destaque no

espao militante, assumindo posies dominantes, como a direo das ONGs/Aids ou outras

organizaes associativas.

Contudo, o objeto em questo era a luta contra aids. A discusso era de polticas pblicas que

pudessem intervir na epidemia, no se tratando de poltica partidria. O apoio poderia vir de diferentes

correntes polticas que abraassem a causa e apoiassem as propostas da organizao. Isso tambm no

significava que os sujeitos no pudessem ser filiados a partidos polticos, contudo, evitava-se uma

vinculao da instituio quelas da poltica tradicional, bem como um posicionamento da instituio

ou de seus membros na poltica partidria.

(...) uma vez que eu estava fazendo um curso para magistratura, e o professor chamava
esses aidticos baderneiros, no sei o que, esse movimento petista e eu ficava pensando,
mas meu Deus do cu, j no se fala mais assim h tanto tempo... (...) um dia eu fui falar
com ele, a ele falou: No, para mim assim, vocs esto dentro disso a, que ele ainda
foi bem agressivo, e era desembargador... Para vocs que so petistas... Eu falei: Mas
eu no sou petista. A ele falou: mas no, s pode ser petista para fazer essa baderna. O
trabalho que a gente considerava srio para eles era baderna. E tambm aqui dentro [do
Gapa] nunca se tratou de poltica. Ento podia vir como veio, o talo, como veio a Rita de
Cardoso, como veio outros, a Luisa Erundina, antes dela ser prefeita e antes dela ser
deputada... A gente tinha os encontros... Mas voc no tratava de poltica partidria e sim
de poltica de sade. Ento na cabea da gente isso estava muito claro. Nem bandeirola
no carro, nem nada, voc pensava enquanto voluntrio do Gapa de estarmos fazendo
isso. (urea Abbade, Gapa, entrevista realizada em 20/06/2011)
!

Da mesma forma, o socilogo Herbert de Souza, fundador da Abia, ainda que com uma

trajetria militante importante, desde a adolescncia tendo participado do movimento da Juventude

Catlica (JEC e JUC), do movimento estudantil, da fundao da Ao Popular (AP), do movimento

operrio e tendo sido exilado poltico, recusava-se a integrar a poltica partidria institucionalizada.

Sua atuao era voltada para associaes como Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas

(Ibase) e Abia.

Foram identificadas cinco concepes sobre a aids (quadro 7):

1. A aids foi considerada como uma doena, uma infeco, ou uma epidemia, o

que correspondia a uma definio mais tcnica, principalmente pelos agentes

do campo burocrtico;

2. Alguns agentes, dos trs subespaos, tambm a definiram como um

problema social ou de sade pblica, mantendo o carter tcnico trazido na

!
! +/!

concepo dos agentes do campo burocrtico, mas acrescentando um carter

social e a responsabilizao do Estado e/ou da sociedade;

3. Agentes do espao militante e do campo cientfico envolvidos desde os

primeiros momentos na luta contra a epidemia, a definiram como uma

doena relacionada morte, ao perigo, a reaes de pnico, pavor e

medo, estigma e discriminao. Essa viso pode ser evidenciada tambm em

diversos trechos das entrevistas apresentados ao longo deste estudo;

4. Para os agentes do campo cientfico, a aids era um problema de

investigao, relacionado ao desconhecimento ento existente, naquele

perodo, acerca da doena. Essa concepo tambm era partilhada pelo

socilogo Herbert de Souza, fundador da Abia;

5. Outra concepo identificada foi a de uma ameaa liberao sexual,

manifestada por um militante do movimento homossexual.

Apesar de no comungarem da mesma viso sobre o que a aids e, consequentemente, das

medidas a serem adotadas para o seu enfrentamento, essa diversidade de concepes contribuiu para

uma complementaridade de modo que o problema foi construdo de forma ampla e as aes baseadas

na dignidade dos doentes e nos direitos humanos. Nesse sentido, a Comisso Nacional de Aids, como

instncia estatal onde os poderes cientfico e militante estavam concentrados e transmutados em poder

burocrtico de normalizao, teve importante papel na construo de um discurso oficial que

contemplasse a negociao entre os agentes dos diferentes subespaos.

A partir da criao desse novo espao de lutas, dos enfrentamentos entre os agentes desses

diferentes subespaos, com a chegada do processo de redemocratizao ao governo federal e eleies

para presidente da repblica marcadas para janeiro de 1985, bem como a ocorrncia de casos de aids

para alm do eixo Rio-So Paulo, que comearam a surgir as primeiras medidas mais especficas para

o controle da epidemia e a implantao de uma poltica nacional de luta contra a aids no pas.

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Quadro 7 Concepes sobre a aids53 segundo agentes estudados, de acordo com subespao de pertencimento, ano de entrada no espao aids, sexo e
formao.
Concepo sobre aids Agente Subespao Ano de entrada Sexo Formao
Doena/ Epidemia Alexandre Grangeiro Burocrtico 1983 Masculino Sociologia
Fabola Nunes Burocrtico 1985 Feminino Medicina
Gerson F. Pereira Burocrtico 1986 Masculino Medicina
Euclides Castilho Burocrtico 1985 Masculino Medicina
Ieda Fornazier Burocrtico 1986 Feminino Turismo
Valria Petri Cientfico 1983 Feminino Medicina
Manoel Alves Burocrtico 1986 Masculino Nvel Mdio
Doena relacionada a morte, ao perigo, a urea Abbade Militante 1983 Feminino Direito
reaes de pnico, pavor e medo, estigma e Silvia Ramos Militante 1986 Feminino Psicologia
discriminao Jorge Beloqui* Militante 1986 Masculino Matemtica
Veriano Terto Jr.* Militante 1985 Masculino Psicologia
Eduardo Crtes Cientfico 1983 Masculino Medicina
Valria Petri Cientfico 1983 Feminino Medicina
Bernardo Galvo Cientfico 1983 Masculino Medicina
Problema social ou de sade pblica Ieda Fornazier Burocrtico 1986 Feminino Turismo
Jorge Beloqui* Militante 1986 Masculino Matemtica
Veriano Terto Jr.* Militante 1985 Masculino Psicologia
Edward MacRae* Militante/ Cientfico 1983 Masculino Antropologia
Problema de pesquisa Herbert de Souza Militante 1986 Masculino Sociologia
Bernardo Galvo Cientfico 1983 Masculino Medicina
Valdila Veloso Cientfico 1986 Feminino Medicina
Eduardo Crtes Cientfico 1983 Masculino Medicina
Ameaa liberao sexual Luiz Mott* Militante 1983 Masculino Cincias Sociais
*Participantes do movimento homossexual
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53
As transcries das falas dos agentes que resultaram na elaborao desse quadro encontram-se no apndice V Concepes sobre a aids.
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6.3 A resposta do Ministrio da Sade

Nos primeiros anos da epidemia, o governo federal quase no se pronunciava, mas tambm

no era questionado pela imprensa e pela comunidade cientfica. Durante o 20o Congresso da

Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, realizado em 1984, em Salvador, a aids ainda no era vista

como um problema a ser priorizado pelo Ministrio da Sade.

Em 1984, a comunidade acadmica j sabia sobre a expanso da doena nos EUA, mas
no entendia que era ainda um problema brasileiro. Me lembro de ter ido a um
congresso de DST em Salvador com Paulo Teixeira, de So Paulo, e planejamos uma
interveno plenria para falar do problema e a possibilidade de se tirar uma carta ao
Ministrio da Sade. Quase fomos vaiados. Na verdade apenas as SES de So Paulo, Rio
Grande do Sul e Rio de Janeiro comeavam a se organizar tendo como modelo So
Paulo. (Maria Leide Wan del Rey de Oliveira, comunicao por e-mail em 12/04/2012)

A Folha de So Paulo, no perodo de 1983 e 1984, no divulgou notcias relacionando o

Ministrio da Sade e a epidemia da aids. As notcias veiculadas sobre a epidemia concentravam-se na

ocorrncia de casos em So Paulo, estado com maior nmero de pessoas acometidas pela aids no pas,

e eventualmente nos demais estados; nas aes do Programa de Aids da SES-SP; e em notcias vindas

do exterior54. H o registro de que, em junho de 1983, o Ministrio da Sade elaborou um documento

denominado Aids informaes bsicas que reunia o resumo de alguns artigos publicados no

exterior, falava da epidemia nos EUA, mas no fazia referncia aos casos brasileiros, que j estavam

sendo divulgados pela imprensa mdica e tambm pela imprensa leiga (Teixeira, 1997).

O Departamento de Dermatologia Sanitria do Ministrio da Sade, 1983, 1984,


principalmente, tinha uma posio muito reticente, at de oposio. Considerando que
no era um agravo de sade pblica que explicasse as aes que estavam sendo feitas, e
com as Dermatologias se envolvendo, isso trazia para o mbito do Ministrio uma
determinada agitao em relao ao tema. (...) foi uma posio de crtica. (Paulo
Roberto Teixeira, entrevista realizada em 03/05/2011)
!

A situao no Ministrio da Sade comeou a mudar em 1985. At ento, seus representantes

se pautaram por minimizar a dimenso do problema e criticar as aes programticas adotadas pelas

diversas unidades federadas (Teixeira, 1997, p. 55).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
54
Consulta ao acervo on line da Folha de So Paulo, disponvel em http://acervo.folha.com.br/, para o perodo de entre
01/01/1983 e 15/03/1985.

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No final do perodo da ditadura militar, aps a realizao de eleies indiretas para presidente

da repblica em janeiro 1985 e da eleio de Tancredo Neves, do PMDB, as aes relacionadas ao

controle da epidemia da aids, no governo federal, iniciaram-se no mbito do Programa Capacitao de

Recursos Humanos para o Controle de Infeces Hospitalares55, coordenado pelo Dr. Luiz Carlos

Pelizari Romero, da Secretaria Nacional de Programas Especiais de Sade (SNPES). Embora o

programa houvesse iniciado no final de 1983, a primeira reunio relacionada aids aconteceu em

fevereiro de 1985, ainda nos ltimos meses do governo Figueiredo. O Ministro da Sade era Waldyr

Mendes Arcoverde56 e Fabola de Aguiar Nunes, mdica baiana, sanitarista, com trajetria profissional

em diferentes nveis da burocracia estatal da sade, ocupava, naquele momento, um cargo no

Ministrio da Educao e Cultura (MEC) e tambm participava do programa como sua

representante57.

Tancredo Neves no chegou a assumir a presidncia, mas o vice-presidente, Jos Sarney,

manteve inicialmente os ministros por ele escolhidos. Carlos SantAnna, mdico pediatra, deputado

baiano pelo PMDB eleito em 1982 (antes havia sido eleito pela Aliana Renovadora Nacional

ARENA em 1978), e um dos articuladores da campanha de Tancredo, assumiu o Ministrio da Sade,

tomando posse em 15 de maro de 1985.

Quando Carlos SantAnna assumiu o Ministrio, Fabola de Aguiar Nunes, foi convidada a

assumir a Secretaria Nacional de Programas Especiais de Sade (SNPES), no Ministrio da Sade,

onde, no mbito da Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria (DNDS) seria criado o Programa

Nacional de DST/Aids. A indicao de Fabola Nunes, ainda que esta fosse mulher de Carlos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
55
O Projeto Capacitao de Recursos Humanos para Controle da Infeco Hospitalar foi instalado em fins de 1983 pelo
Ministrio da Sade. Seu primeiro encontro de avaliao aconteceu entre os dias 16 e 19 de dezembro de 1985 (Infeco
Hospitalar. Folha de So Paulo. 1985 dez 17; Cidades: p. 18).
56
Mdico sanitarista, foi Ministro da Sade no perodo de 30/01/1979 a 14/03/1985, pretendia interiorizar as aes bsicas de
sade nas regies mais pobres, na sua gesto tiveram incio as pesquisas na Fiocruz para o desenvolvimento de uma vacina
contra o sarampo.
57
(...) na troca do governo, eu tinha participado enquanto MEC da elaborao do programa nacional de controle de infeco
hospitalar que o ministrio da sade fez e no usou. (...) analisar o problema de infeco hospitalar complicado e ningum
sabia nada, s que estava matando, no adiantava a vigilncia sanitria, tinha que comear com um treinamento. O que que
o ministrio fez? Ainda estava nas AIS, era uma ao interministerial e eu entrei pelo MEC. Se fez uma proposta nacional de
treinamento de profissionais de sade de hospitais, comeando com os de grande porte. (...) Eu participei desse negcio todo
nos bastidores, caladinha l no MEC. (...) Quando chegou no ms de janeiro, que Tancredo tinha ganho, a posse ia ser em
maro. No sei se voc se lembra disso. Foram trs meses, Tancredo eleito e os militares, a, foi uma orgia de jogar dinheiro
fora, para a nova repblica chegar sem dinheiro. No MEC tambm. Eu chamei Dr. Romero, que hoje est no senado, e
naquela poca estava no ministrio da sade (...) Conseguimos todo o dinheiro, entre janeiro e maro a gente treinou 12
hospitais no centro de treinamento, criou todos os manuais. (Fabola de Aguiar Nunes, entrevista concedida Profa. Ligia
Maria Vieira da Silva, em 12/11/2008, Projeto Espao da Sade Coletiva)

!
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SantAnna, veio do Secretrio de Estado de Sade de So Paulo, Joo Yunes58. O responsvel pela

DNDS era o mdico dermatologista Aguinaldo Gonalves59, que foi mantido inicialmente no cargo.

No incio, a nomeao da esposa do ministro para a secretaria foi criticada na imprensa60.

As primeiras aes realizadas pelo Ministrio da Sade, em 1985, estavam relacionadas com a

definio de casos e, principalmente, com a criao de um sistema de vigilncia epidemiolgica para a

aids. Participaram das primeiras reunies o Coordenador do Programa Estadual de DST/Aids de So

Paulo, Paulo Roberto Teixeira, o mdico Vicente Amato Neto61, professor de infectologia da USP, e

tcnicos de outros estados62 . A 1 reunio foi realizada no dia 14 de fevereiro de 1985, no ltimo ms

do Governo Militar, no Ministrio da Sade, com a comunidade cientfica. Teve como objetivo revisar

a literatura especializada sobre aids e como resultado a minuta da portaria para controle da infeco

hospitalar em pacientes com aids.

quela altura j havia uma reivindicao dos movimentos sociais, no apenas de

homossexuais, mas tambm de talassmicos e hemoflicos, cobrando uma resposta do governo; a

imprensa falava insistentemente do assunto63 e, alm de So Paulo, os estados do Rio de Janeiro e

Rio Grande do Sul j tinham estruturado algumas aes64 , tambm pressionando o governo federal a

tomar uma deciso. Some-se ainda a representao social da doena, associada ao pavor e ao medo.

A imprensa enfatizava a mortalidade, o grupo de risco (homossexuais) e o desconhecimento

da doena, mas ainda no havia critrio diagnstico definido.

Na ocasio que eu estou falando, no se sabia nada. Era uma doena nova que tinha
uns sintomas muito agudos, quer dizer, a pessoa adquiria aquela doena, comeava a ter
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
58
Fabola de Aguiar Nunes, entrevista realizada em 14/07/2011, Salvador, Bahia.
59
Aguinaldo Gonalves nasceu em 18 de agosto de 1949, em Santos, So Paulo. Mdico formado pela Unesp (em 1967),
especialista em Medicina de Trabalho (1974), Sade Pblica (1976) pela USP. Mestre (1977) e Doutor (1980) em Cincias
Biolgicas (Biologia Gentica), tambm na USP (1977). Professor de Epidemiologia, Dermatologia Sanitria e Controle da
Hansenase da Faculdade de Sade Pblica da USP entre 1977-1980. Foi convidado pelo ministro da Sade, Waldyr
Arcoverde, para trabalhar como diretor da Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria, a partir de 1980. Ao deixar essa
funo, entre 1986 e 1988, atuou como Analista de desenvolvimento cientfico no CNPq. Recebeu a medalha de Mrito
Vacuna contra la Lepra(1983), concedida pela Asociacin para la Investigacin Dermatolgica, em Caracas, Venezuela.
Em 1988 tornou-se professor titular em Sade Coletiva da Faculdade de Educao Fsica, da Universidade de Campinas
(Unicamp), So Paulo.
60
Sant'Anna comea a definir nomes para seu Ministrio. Folha de So Paulo. So Paulo. 19/03/1985 1985.
61
Mdico graduado pela USP (1951), infectologista, professor da Faculdade de Medicina da USP a partir de 1977.
Diagnosticou o primeiro caso de aids autctone brasileiro (1982). Presidiu durante vrios anos a Comisso de Aids da
Secretaria da Sade do Estado de So Paulo. Foi membro e secretrio executivo da Comisso Nacional de Aids.
62
Fabola de Aguiar Nunes. Entrevista realizada em 14/07/2011, Salvador, BA; Maria Leide Wand del Rey de Oliveira.
Comunicao por correio eletrnico, abril/2012; Gerson Fernando Mendes Pereira. Entrevista realizada em 04/08/2011,
Braslia, DF.
63
Fabola de Aguiar Nunes. Entrevista realizada em 14/07/2011, Salvador, BA; Paulo Roberto Teixeira. Entrevista realizada
em 03/05/2011, So Paulo, SP.
64
Maria Leide Wand del Rey de Oliveira. Comunicao por correio eletrnico, abril/2012

!
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febre alta, emagrecimento excessivo, muita diarreia, uma indisposio terrvel e


geralmente quem tinha essa doena em 6 meses estava morto. Esse era o quadro. O
prprio CDC [Centers for Disease Control and Prevention, EUA] em maro de 1985,
no tinha uma definio de caso clara, nem um critrio de diagnstico. O critrio de
diagnstico era clnico. (...) Quando ns assumimos tinham duzentos e setenta e dois
casos, metade diagnosticado nos ltimos dois anos, e a outra metade nos ltimos dois
meses. (Fabola de Aguiar Nunes, entrevista realizada em 14/07/2011)

Foram realizadas reunies em So Paulo (13 a 15/03/ 1985) e Braslia (27 a 29/03/1985), com

o objetivo de revisar e discutir os casos diagnosticados at aquele momento, tendo como produtos,

respectivamente, a normalizao de procedimentos no manejo da aids e a redao, por um grupo de

especialistas nacionais, da minuta da portaria ministerial 65 , que definiu critrios diagnsticos e

estratgias de ao para o controle da epidemia de aids no pas (Brasil, 1985b) (Figura 3). Propunha-se

a investigao epidemiolgica, clnica, laboratorial e educao sanitria de casos suspeitos e

confirmados, bem como de comunicantes e a realizao de programa de educao sanitria para

grupos em risco (homossexuais e bissexuais masculinos, usurios de drogas injetveis, hemoflicos ou

politransfundidos). A portaria mencionava o uso de preservativo, a utilizao de seringas e agulhas

descartveis ou de uso individual e o controle da qualidade do sangue como medidas preventivas

(Brasil, 1985b). Alm disso, foi organizado um sistema para que todos os estados que ainda no

tinham casos notificados, a medida que esses fossem sendo identificados, enviassem representantes

para serem treinados em So Paulo66 (Brasil, 1985a).

Em meados de 1985, a Dermatologia Sanitria da Secretaria de Sade do Estado do Rio de

Janeiro (SES-RJ) tambm comeou a organizar o seu Programa Estadual. Foi criada a Comisso

Interinstitucional de Combate e Controle da Aids no Estado do Rio de Janeiro. O governador era

Leonel Brizola, fundador do Partido Democrtico Trabalhista (PDT), eleito pelo voto direto em 1982,

e o Secretrio de Sade do Estado era Eduardo Azeredo Costa, mdico com doutorado pela London
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
65
A portaria n. 236, assinada no dia 02 de maio de 1985, criou o programa de controle da aids, delegando DNDS a
coordenao, determinando as medidas de preveno a serem adotadas no pas junto a comunicantes e casos confirmados
(individuo que, pertencendo a algum grupo de risco, apresente uma ou mais das seguintes entidades mrbidas: 1- Sarcoma de
Kaposi, em indivduos com menos de sessenta anos de idade; 2- Linfoma limitado ao crebro; 3- Pneumonia por
Pneumocystis; 4- Toxoplasmose, causando pneumonia ou infeco do sistema nervoso central; 5- Strongiloidiase, causando
pneumonia, infeco do sistema nervoso central ou infeco generalizada; 6- Candidase, causando esofagite; 7-
Criptococose, causando infeco pulmonar, do sistema nervoso central ou disseminada; 8- Micobacterioses atpicas,
comprovadas atravs de cultura; 9- Infeces causadas por citomegalovrus no pulmo, no trato gastrointestinal, sistema
nervoso central, supra-renal e pncreas; 10- Infeces por vrus herpes, tipo um ou dois, mucocutneas (com lceras que
persistem por mais de um ms), pulmonares, do aparelho digestivo, ou disseminadas; 11- Leucoencefalopatia multifocal
progressiva.
66
Fabola de Aguiar Nunes. Entrevista realizada em 14/07/2011, Salvador, BA; Paulo Roberto Teixeira. Entrevista realizada
em 03/05/2011, So Paulo, SP.

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School of Hygiene & Tropical Medicine. A mdica dermatologista Maria Leide Wan del Rey de

Oliveira67 coordenava o Programa Estadual de Dermatologia Sanitria desde 1983 e trabalhou na

organizao do Programa Estadual de Aids, com apoio do Hospital Universitrio Clementino Fraga

Filho (HUCFF), onde eram atendidos os casos suspeitos, e do Laboratrio da Fiocruz, que fazia o teste

Elisa. Aps um treinamento em DST promovido pela OPAS, em Porto Rico, do qual participou junto

com Paulo Roberto Teixeira, de So Paulo, Aguinaldo Gonalves, da DNDS, e um mdico de

referncia de Braslia, elaborou o plano que levou ampliao da equipe da Dermatologia Sanitria do

Rio de Janeiro. Ampliao essa que permitiu a entrada do mdico sanitarista lvaro Matida, no

http://acervo.folha.com.br/resultados/buscade_talh
Programa Estadual de Aids, substituindo Cludio Amaral na presidncia da Comisso. Colaboraram

com o Programa de aids da SES-RJ os grupos homossexuais Tringulo Rosa e, a partir de 1986, o

Atob (Fatal, 1988).

Figura 3 Notcia da Folha de So Paulo na vspera da assinatura da


Portaria n. 236, de 02 de maio de 1985.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
67
Maria Leide Wan del Rey de Oliveira, mdica dermatologista, servidora do Inamps e professora da UFRJ, que participou
do Movimento Popular de Sade e fundou o 1o ncleo do Movimento de Reintegrao das Pessoas atingidas pela Hansenase
(Morhan) no Rio de Janeiro, era coordenadora do Programa Estadual de Dermatologia Sanitria do Rio de Janeiro. Havia
trabalhado na SES-RJ (Oliveira, M.L.W.D.R.D. Participao em quatro dcadas da poltica de controle da hansenase no
Brasil: acasos e determinaes. Hansenoligia Internacionalis, v.33, n.2 Suppl. 1, p.45-50. 2008.)

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Ainda assim, o Ministro da Sade, Carlos SantAnna, seguia afirmando trata-se de uma

doena preocupante mas no prioritria, destacando a existncia de outras doenas de maior

prevalncia como Chagas, hansenase e esquistossomose68 , viso que pode ter limitado a resposta

inicial do governo federal principalmente em relao aos recursos financeiros, ainda que a poltica

nacional tenha sido implantada precocemente quando comparada realidade de outros pases.

No incio de 1986, devido a divergncias acerca da poltica de controle de hansenase

conduzida por Aguinaldo Gonalves, Fabola Nunes convidou Maria Leide Wan del Rey de Oliveira

para assumir a Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria (DNDS)69 .

Quando Maria Leide chegou DNDS, em janeiro de 1986, existia uma tcnica responsvel

pela aids, uma sanitarista veterinria, mas no existiam condies de trabalho, nem oramento. Maria

Leide convidou inicialmente Miriam Franchini, que trabalhava com DST em Braslia, e Lcia Amaral,

uma sanitarista recm-sada da Fiocruz, que foi nosso brao direito na aids inicialmente e grande

responsvel pelo sistema de notificao inicial70 . Miriam Franchini ficou responsvel pelas doenas

sexualmente transmissveis (Oliveira, 2008). Lair Guerra de Macedo Rodrigues, biomdica, professora

da UnB, que havia feito especializao nos Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos

EUA, e trabalhava no Programa da Mulher foi convidada por Maria Leide para assumir a aids devido

a uma palestra que havia assistido em 1984 durante o 20o Congresso da Sociedade de Medicina

Tropical, onde ela falava da experincia nos CDC; s boas referncias sobre o seu trabalho; o fato de

que ela estava saindo do Programa da Mulher; e a possibilidade de influncia e apoio internacional

visto que a mesma era irm de Carlyle Guerra de Macedo, representante da Organizao

Panamericana de Sade (OPAS). Segundo Maria Leide, na mesma semana em que foi convidada, Lair

Guerra entrou na sua sala dizendo: Carlyle me disse que voc colocou em minha mo uma misso de

trabalho para o Brasil71 . Foi tambm com a entrada de Maria Leide na DNDS que teve incio o

Comit de grupos de risco e depois a Comisso Nacional de Aids72. Na minuta da portaria 236, que

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
68
A multiplicao do mal: a Aids se espalha. Revista Veja 1985.
69
Fabola de Aguiar Nunes. Entrevista realizada em 14/07/2011, Salvador, BA; Maria Leide Wand del Rey de Oliveira.
Comunicao por correio eletrnico, abril/2012.
70
Maria Leide Wand del Rey de Oliveira. Comunicao por correio eletrnico, abril/2012
71
Ibid.
72
O Comit de grupos de risco e a Comisso Nacional de Aids sero detalhados mais adiante em um tpico especfico deste
captulo (5.7).

!
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oficialmente criou o programa nacional, existia um item denominado Componentes do Programa de

SIDA/AIDS, que propunha a criao de uma Comisso Interinstitucional nos estados, incluindo

representantes da secretaria de sade, Inamps, hospitais universitrios, Pr-Sangue e outros servios

relacionados. A sua funo seria coordenar as atividades de controle da aids, coletar dados, selecionar

e avaliar o programa local, em consonncia com as diretrizes nacionais. Esse item, contudo, no

consta da portaria publicada no Dirio Oficial da Unio.

Assim, para a deciso poltica e o desenvolvimento de uma poltica de controle da epidemia da

aids contriburam agentes que no estariam expostos ou no se importariam de se expor a

interrogaes acerca de uma eventual homossexualidade, como aconteceu com Michle Barzach, na

definio da poltica de aids na Frana (Pinell, Broqua et al., 2002). Ou seja, mulheres, como Fabola

Nunes e Lair Guerra, ou um ex-militante do movimento homossexual, como Paulo Roberto Teixeira.

As articulaes internacionais de Lair nos CDC e na OPAS, assim como sua capacidade de

gesto ajudaram na estruturao inicial e ampliao do Programa de DST/Aids. Este tambm contou

com uma colaborao importante da Fundao Servios Especiais de Sade Pblica (FSESP) para a

sua interiorizao73, atravs de seu representante para doenas transmissveis, o mdico sanitarista

Pedro Chequer, que em seguida iria integrar tambm a equipe do Programa Nacional (Oliveira, 2008).

6.4 A aids, a 8a Conferncia Nacional de Sade e a Assembleia Nacional Constituinte

Aps entrar na agenda do Ministrio da Sade, a aids foi includa em um subtema da 8a

Conferncia Nacional de Sade (CNS) (figura 4, p.81). Ainda que o relatrio especfico no tenha sido

localizado, como desdobramento das discusses na 8a CNS foram realizados debates em diversos

estados, sob a coordenao do Ministrio da Sade, para se discutir o tema Aids e Constituinte74,

sendo o primeiro realizado em Belo Horizonte, ainda em agosto de 1986. Os debates tinham como

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
73
A FSESP organizou treinamentos em hansenase e doenas sexualmente transmissveis para as suas unidades, iniciando
pelo Centro de Referncia Alfredo da Matta, em Manaus, com os mdicos Adele Benzaken e Jos Carlos Sardinha (Oliveira,
M.L.W.D.R.D. Participao em quatro dcadas da poltica de controle da hansenase no Brasil: acasos e determinaes.
Hansenoligia Internacionalis, v.33, n.2 Suppl. 1, p.45-50. 2008.)
74
Mdico diz que detentos internados no apresentam sintomas de aids. Folha de So Paulo. So Paulo. 08/10/1986 1986.
Brasil. Aids e Constituinte: subtema da 8a Conferncia Nacional de Sade. Ministrio da Sade: Braslia. 1986b;
Memria Roda Viva: Debate aids. 19/01/1987, 1987. 57p.

!
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objetivo discutir como o novo sistema de sade poderia resolver o problema da aids. Essas discusses,

inclusive, pautaram a campanha nacional lanada em 1987 (Oliveira, 1987).

Alm de constar no subtema Vigilncia Epidemiolgica (grandes endemias, doenas

evitveis por imunizao e AIDS), a aids tambm estava relacionada mobilizao do subtema

Sangue e Hemoderivados. Foi a contaminao pelo HIV atravs de transfuso sangunea de

talassmicos, renais crnicos e, em especial, hemoflicos que reforou a necessidade de controle da

qualidade do sangue no pas. Na dcada de 1980, no havia qualquer controle sobre o comrcio de

sangue e hemoderivados, sendo estes importantes veculos de transmisso de doenas. Diversas

pessoas submetidas a transfuso foram contaminadas e morreram (Santos, Moraes et al., 1992), sendo

um dos mais famosos, o cartunista Henfil, irmo de Betinho.

No incio, os hematologistas e o Estado mantiveram um discurso de minimizar o problema. Os

primeiros contemporizando que o principal problema para os hemoflicos no a transmisso da

doena pelo sangue, mas sim a falta de sangue75. O segundo alegando falta de recursos76 ou

contestando o tamanho da amostra utilizada no relatrio da Diviso Nacional de Sangue e

Hemoderivados, que sugeria que 70 a 84% dos hemoflicos do eixo Rio-So Paulo estariam

contaminados 77 . Contudo, o Boletim Epidemiolgico n. 5 de 1987 (Brasil, 1987a) trazia

recomendaes, ainda que insuficientes, para o controle do sangue no pas, tais como: no aceitar

candidatos a doao remunerada, nem provenientes de casas de deteno ou colnias de recuperao

de drogaditos ou expostos a fatores de risco; realizar busca de manifestaes da doena ao exame

fsico; implantar sistema de autoexcluso, entre outros.

As associaes especficas de luta contra a aids, que surgiram a partir de 1985, tiveram papel

determinante para a regulamentao do controle do sangue e hemoderivados no Brasil, constituindo

em 1988, o Comit Pacto de Sangue, uma iniciativa que congregava diversas entidades que

ofereciam apoio jurdico na promoo de aes contra o Estado, hospitais e clnicas onde havia

ocorrido contaminao (Santos, Moraes et al., 1992). A Associao Brasileira Interdisciplinar de Aids

(Abia), tendo o socilogo Herbert de Souza, um hemoflico, na sua direo, realizou uma mobilizao

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
75
No Rio, Congresso de Hematologia debate a doena. Folha de So Paulo. So Paulo. 09/09/1985 1985.
76
Teixeira refuta obrigatoriedade de teste sobre aids nos bancos de sangue. Folha de So Paulo. So Paulo. 01/08/1985 1985.
77
Programa Anti-aids contesta dados sobre contaminao de hemoflicos. Folha de So Paulo. So Paulo. 30/12/1987 1987.!

!
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que tinha como slogan: Salve o sangue do povo brasileiro. As principais condies para a

organizao dessa mobilizao foram: a importncia da questo do sangue para o movimento

sanitrio, a participao de sanitaristas no Conselho diretor da Abia, a emergncia da epidemia da

aids, assim como as discusses e elaborao de uma nova constituio (Parker e Terto Jr, 2001). Da

mesma forma, Paulo Bonfim, do Gapa, envolveu-se nessa questo (Contrera, 2000). Ambos inclusive

foram a Braslia para fazer lobby junto assembleia constituinte.

Figura 4 Esquerda: Recorte do Regimento especial da 8a Conferncia Nacional de Sade (Anais da


8a CNS, p. 408). Direita, Cartaz Aids e Constituinte, acervo grupo Gapa-SP.
!

Em 25 de janeiro de 1988, a Lei n. 7.649 estabeleceu a obrigatoriedade do cadastro dos

doadores de sangue e da realizao de testes de laboratrio para hepatite B, sfilis, doena de Chagas,

malria, e aids. O projeto de lei foi apresentado em outubro de 1985 pelo Senador Gasto Muller, do

PMDB do Mato Grosso, e teve como relator o deputado Carlos SantAnna. A assinatura da lei

aconteceu dias aps a morte do famoso cartunista Henfil, em 04/01/1988. Sua morte levou a inmeras

manifestaes e protestos em todo o pas, de modo que a lei ficou tambm conhecida como Lei

Henfil (Brasil, 1988c). Esta lei foi regulamentada pelo Decreto 95.721, de 11/02/1988.

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Em outubro, a nova constituio proibiu a comercializao do sangue e hemoderivados no

pas ( 4o, art. 199 da Constituio Federal de 1988). Tiveram importante papel nessa discusso na

assembleia constituinte Srgio Arouca, ento presidente da Fiocruz, e o deputado federal Carlos

SantAnna fazendo a defesa do dispositivo nos dois turnos de votao. Carlos SantAnna, embora

fosse chefe do governo na Cmara dos Deputados, fez a defesa na condio de mdico, contrapondo-

se posio do ento Ministro da Sade, Borges da Silveira (Souza, 1988). A partir da, o Ministrio

da Sade elaborou as normas tcnicas para a hemoterapia no pas, atravs da Portaria n. 721 de

11/08/1989. Contudo, o projeto de lei para regulamentao deste pargrafo da constituio foi

apresentado em 1991, pelo deputado Roberto Jefferson, do PTB do Rio de Janeiro, mesmo tendo

regime de tramitao de urgncia, apenas 10 anos depois, em 2001, foi aprovada a Lei 10.205, que

regulamentou a coleta, processamento, estocagem, distribuio e aplicao do sangue, componentes e

derivados e proibiu o comrcio desses materiais no Brasil. Pelo envolvimento do socilogo Herbert de

Souza nessa luta, a lei conhecida como Lei do Sangue ou Lei Betinho (Brasil, 2001b).

6.5 A construo de uma identidade: a sada da dermatologia sanitria

A concepo de Fabola Nunes e Maria Leide acerca da posio do programa na estrutura do

Ministrio divergia daquela defendida por Lair Guerra, que considerava que o programa de aids ao

interior da Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria (DNDS) ficava limitado dermatologia e que

este deveria se dissociar da Diviso para ampliar seu leque de aes. Fabola Nunes e Maria Leide de

Oliveira consideravam que para este desligamento antes seria necessria uma negociao com a

Sociedade Brasileira de Dermatologia. Essas divergncias traduziam disputas entre agentes do campo

mdico (Fabola Nunes e Maria Leide), preocupadas com as disputas tambm desse campo, e uma

agente do espao aids (Lair Guerra), um espao emergente que comeava a se consolidar e buscava

uma certa autonomia.

Ao final de 1986, havia discordncias tambm entre a secretria Fabola Nunes e o ministro

Roberto Santos acerca da situao sanitria do pas. Para o ministro, o Brasil estava respondendo bem

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ao avano da epidemia e estava adotando providncias para reduzir a sua incidncia 78. Na viso de

Fabola, Roberto Santos estava contra a reforma sanitria79 e o avano da aids evidenciava as

fragilidades do setor sade e sua incapacidade de resposta doena. A situao teria agravado-se com

uma ocorrncia relacionada campanha de vacinao contra o sarampo, devido a declaraes de

Fabola Nunes imprensa que desagradaram o ministro. Sua demisso, contudo, ainda foi adiada para

depois da visita de Jonathan Mann, diretor do Programa de Aids da OMS, ao Brasil80 em 1987, em

funo da nomeao de Carlos SantAnna como lder do governo na Assembleia Nacional

Constituinte81. Fabola foi demitida em 12 de fevereiro82.

Durante a visita, Mann avaliou o programa brasileiro como completo para 1987 e

considerou que a campanha de preveno proposta pelo Ministrio da Sade era verdadeiramente

histrica, elogiando sua clareza e objetividade83.

Com a sada de Fabola Nunes da Secretaria Nacional de Programas Especiais de Sade

(SNPES) no final de 1987, o Ministro Roberto Santos, seguindo a sugesto de Lair Guerra, criou a

Diviso Nacional de DST/Aids84 (Oliveira, 2008), de forma que, sob a gesto de uma biomdica, o

Programa saiu da DNDS, ganhando maior autonomia em relao Dermatologia Sanitria, uma

especialidade mdica, e construindo, na viso de Pedro Chequer, um modus operandi prprio85.

Ainda que a separao tenha acontecido em 1987, foi oficializada apenas em 1988, atravs da

criao da Diviso Nacional de DST/Aids, sob a direo de Lair Guerra, que permaneceu at maro de

199086, incio de um novo governo. A Diviso foi transferida da Secretaria Nacional de Programas

Especiais de Sade (SNPES) para a Secretaria Nacional de Aes Bsicas de Sade (SNABS) e a sua

criao era avaliada pelo Ministro Roberto Santos como uma valorizao do Programa Nacional.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
78
Secretria acha 'calamitosa' situao sanitria no pas. Folha de So Paulo. So Paulo. 17/12/1986 1986.
79
Fabola de Aguiar Nunes. Entrevista realizada em 14/07/2011. Salvador, BA.
80
O Diretor do Programa de Aids da Organizao Mundial de Sade esteve no Brasil entre 02 e 04 de fevereiro de 1987,
convite do Ministro da Sade Roberto Santos, acompanhado de Ronald St. John, coordenador do Programa de Anlise de
Situao de Sade e suas Tendncias, da OPAS, e Fernando Zacharias, coordenador do Programa de Aids da Amrica Latina,
OPAS.(Anexo I - Visita de Jonathan Mann Agenda, p. 251)
81
Fabola de Aguiar Nunes. Entrevista realizada em 14/07/2011. Salvador, BA.
82
At moscas e mosquitos podem portar o vrus da aids, afirma o mdico Veronesi. Folha de So Paulo. So Paulo.
18/02/1987 1987.
83
Campanha de preveno comea dia 16. Folha de So Paulo. So Paulo. 7/02/1987 1987.
84
Fabola de Aguiar Nunes. Entrevista realizada em 14/07/2011. Salvador, BA;.Paulo Roberto Teixeira. Entrevista realizada
em 03/05/2001, So Paulo, SP.
85
Pedro Novaes Chequer. Entrevista realizada em 03/08/2011, Braslia, DF.
86
Pedro Novaes Chequer. Entrevista realizada em 03/08/2011, Braslia, DF; Ieda Fornazier. Entrevista realizada em
04/08/2011, Braslia, DF.

!
'$! ! http://acervo.folha.com.br/resultados?q=fabola+nunes&site=...

Figura 5 Notcia da folha de So Paulo em 18 de fevereiro de 1987.

interessante notar que naquele perodo, a imprensa ainda tratava a aids de forma

sensacionalista, alimentada pelo incipiente conhecimento acerca da doena pelo campo mdico. Na

mesma notcia o jornal a Folha de So Paulo divulgava trs assuntos relacionados aids: uma fala do

mdico Ricardo Veronesi no congresso de infectologia que acontecia em Curitiba acerca de pesquisas

realizadas na frica que supunham a transmisso do vrus HIV atravs de mosquitos; a demisso de

Fabola Nunes e a criao da Diviso de DST/aids; e por fim o posicionamento da Conferncia

Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) acerca da campanha de preveno do governo federal87.

Contudo, a manchete concentrava-se no primeiro assunto (Figura 5). Essa nfase no aspecto

informado por um mdico infectologista, professor da USP tambm aponta para a dominncia e

reconhecimento do saber mdico como aquele que detm a autoridade sobre a doena.

Dadas as possibilidades teraputicas do perodo e a insuficincia de recursos, a gesto de Lair

Guerra pautou-se principalmente em iniciativas visando a estruturao do programa e a preveno

aids. As atividades a serem implementadas no pas passaram a ser normalizadas de forma centralizada,

invertendo a sua relao com os estados que at ento formulavam e executavam seus programas

especficos (Teixeira, 1997). Alm disso, a gesto de Lair Guerra foi marcada pela crtica das
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
87
A concepo da CNBB acerca da campanha governamental de preveno aids tratada mais adiante neste captulo.

!
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organizaes no-governamentais, em especial a Abia e o Gapa, principalmente no que tange

assistncia aos doentes, s campanhas de mdia produzidas, e ao discurso do ministrio, visto pelos

grupos como normativo e medicalizador:

() No h estmulo pesquisa. No existe um programa real de assistncia ao


doente. No h leitos, mdicos, medicamentos, hospitais. No h um programa
consistente de educao e informao. Frente a essa omisso, uma campanha foi
montada agora, decidida em gabinetes e escritrios de agncias de publicidade,
oferecendo ao pblico uma cara da Aids e a fisionomia de um pas desgovernado. Nesta
campanha, a nica informao realmente clara a de que o Governo no conhece nem
este pas, nem as responsabilidades que tem diante dele. S mesmo o mais completo
desinteresse pela sade pblica pode justificar a sucesso de equvocos que modelou
esta campanha. (Boletim da ABIA, n. 2, abril de 1988)

As campanhas de televiso do Ministrio da Sade sobre Aids no informam a


populao, geram dvidas sem darem a resposta imediata para esclarec-las, e gastam
muito dinheiro. (Paulo Bonfim, presidente do Gapa-SP Folha de So Paulo,
07/07/1988)

Ns j atendemos diversas pessoas com dvidas sobre o que ouviram e viram na TV.
Temos que fazer uma verdadeira lavagem cerebral para ensin-las corretamente.
(Eduardo de Carvalho Presidente do Gapa-MG Folha de So Paulo, 07/07/1988)

() O tipo de mensagem que jogamos : a gente no mdico, no nada, a gente


como vocs, pessoas que esto preocupadas com a aids, a gente foi aprender um pouco e
est tentando transmitir o que aprendeu. Usem a sensibilidade, conheam os fatos. O
nosso lema : estar informado a melhor preveno. Ento, informem-se, leiam tudo, mas
leiam com conscincia crtica. A gente tem apelado muito para a sensibilidade das
pessoas, para que elas prprias decidam o que bom ou no , para elas, e no deixem
decidir os mdicos, o presidente, o Ministrio da Sade, o que , bom para a sade dessas
pessoas. O governo j decide tantas coisas da sua vida: o seu salrio, a sua habitao. . .
Agora vai decidir tambm a sua cama? Voc que tem que garantir o direito de decidir
isto. (Arthur do Amaral Gurgel, presidente do Gapa-RJ, em entrevista ao Boletim da
ABIA n. 2, abril de 1988)

Em 1987, a primeira campanha governamental, resultou do trabalho do grupo composto pelo

publicitrio Jorge Borges, a diretora da DNDS Maria Leide, o vice-diretor do Gapa-SP Paulo Csar

Bonfim, e o general Aureliano Pinto de Moura, da Diviso da Sade do Exercito, e teve como slogan

Aids, voc precisa saber evitar!88. A campanha contava com cartazes (figura 6) e chamadas de meio

minuto na TV, abordando temas como uso de preservativo (camisa de vnus) nas relaes sexuais, o

risco de contaminao atravs do compartilhamento de seringas, ressaltando que a aids no se

transmite na convivncia diria com o doente e incentivando a doao de sangue. Ou seja, o foco da

propaganda era na preveno. Vale destacar que, at mesmo nas campanhas publicitrias, havia

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
88
Governo afirma que no faltaram leitos para a aids. Folha de So Paulo. So Paulo. 04/01/1987 1987.

!
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referncia ao medo e morte relacionados aids. A seguir esto transcritos os textos de algumas

dessas chamadas89.

A aids uma doena que passa de pessoa para pessoa atravs do esperma e do sangue
contaminado. A aids no tem cura e mata. S tem uma maneira de evitar que esta
epidemia continue: a preveno. Nas suas relaes sexuais use a camisa de Vnus. A
camisinha pode afastar voc da aids, mas no afasta voc de quem voc gosta.
Campanha Aids voc precisa saber evitar domin 1987 PN DST/Aids

O vcio da droga uma agresso para a sade e a agulha da seringa que passa de mo
em mo pode estar contaminada com o vrus da aids Se voc no est conseguindo
largar o vcio, procure ajuda . Evite seringas usadas, assim pelo menos de aids voc no
morre. Campanha Aids voc precisa saber evitar seringas 1987 PN DST/Aids

De todos o sintomas da aids o que causa mais dor a solido. Na maioria dos casos a
famlia e os amigos se afastam do doente da aids por medo e preconceito. Aids no se
pega convivendo com o doente. Aids no se pega com abrao. Aids no se pega com
afago e com afeto. Enquanto a cura no vem, carinho o melhor tratamento. Aids voc
precisa saber evitar! Campanha Aids voc precisa saber evitar carinho 1987 PN
DST/Aids

O medo da aids est assustando algum muito importante para a sade do pas, o
doador de sangue. No tenha medo, no se pega aids doando sangue desde que a agulha
seja descartvel ou nova ou esterilizada. Doe seu sangue. S assim voc impede que a
vida de muitas pessoas se esvazie nos hospitais. Campanha Aids voc precisa saber
evitar doe sangue 1987 PN DST/Aids

Alm dessas, havia peas publicitrias de um minuto com os atores Irene Ravache e Paulo

Jos, esclarecendo sobre a forma de transmisso do vrus, sobre a doao de sangue e os riscos de

contaminao atravs da transfuso de sangue e do compartilhamento de seringas.

A CNBB considerava que a campanha exaltava prticas sexuais contrarias natureza e

sugeriu a substituio dos termos camisa de vnus e coito anal, por preservativo e relao

sexual, respectivamente. Na viso de Paulo Roberto Teixeira, da SES-SP, do mdico infectologista

Vicente Amato Neto, e de Paulo Cesar Bonfim, do Gapa, a aids era um problema srio e questes de

tica e moral no poderiam impedir aes para evitar o crescimento da doena no pas. A informao

veiculada na mdia era que haveria censura prvia para evitar choques com a igreja90. De fato, esses

foram os termos utilizados na campanha, como pode ser observado nos trechos citados anteriormente e

aparentemente, o uso do termo coito anal referia-se ao primeiro filmete (Campanha Aids voc !

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
89
Todos os vdeos analisados e transcritos esto disponveis no sitio eletrnico do Departamento de DST, Aids e Hepatites
Virais do Ministrio da Sade (http://www.aids.gov.br/pagina/videos), acesso em 2012.
!
90
Pastoral pede clareza na campanha. Folha de So Paulo. So Paulo. 26/02/1987 1987.

!
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precisa saber evitar domin 1987 ) que, de acordo com a reportagem da Folha de So Paulo,

inicialmente teria a imagem de ndegas nuas para reforar a questo do sexo anal.

As crticas contudo surgiram principalmente em reao campanha de 1988, que tinha o

slogan Aids, pare com isso!, para a qual foram elaborados dois vdeos com cerca de um minuto

cada: no primeiro, uma aeromoa, antes da decolagem, explicava para os passageiros os meios de

transmisso da aids e como se prevenir e usar a camisinha:

Senhores passageiros, bem vindos bordo. Ateno para essas instrues que podem
salvar sua vida nessa viagem: em suas relaes sexuais, qualquer que seja o parceiro, use
sempre camisa de vnus ou faa o seu parceiro usar; e se, por alguma razo, voc tiver que
tomar uma injeo, nunca use seringas e agulhas de outras pessoas, tenha certeza de que a
seringa saiu diretamente de uma embalagem original, esterilizada e descartvel; se precisar
de uma transfuso de sangue, por qualquer motivo, exija o teste anti-aids no sangue que
voc vai receber. Lembre-se a aids mata sem piedade. No deixe que essa seja a ltima
viagem de sua vida. Aids, pare com isso! (Campanha Aids, pare com isso avio 1988
PN DST/Aids)
!

A mensagem responsabilizava os indivduos inclusive por medidas que fugiam a sua alada,

como o controle da qualidade do sangue. Ou seja, deslocava a responsabilidade do Estado para as

pessoas.

No segundo, enquanto o texto era lido por um narrador imagens da vida noturna de uma

cidade eram alternadas, mostrando principalmente mulheres, e alertando dos perigos da noite, em

especial a aids:

A noite tem alegria, tem diverso, tem amor, mas tem tambm muitos perigos. O maior
deles chama-se aids. uma doena que mata sem piedade. Ela transmitida pelo sexo,
pelas seringas e agulhas contaminadas e pelas transfuses clandestinas de sangue. No d
para saber quem e quem no portador da doena. Quem v cara, no v aids. Use
sempre camisa de vnus, qualquer que seja o seu parceiro sexual e se por alguma razo
tiver que tomar uma injeo, nunca use seringas e agulhas de outras pessoas. Lembre-se de
que a aids uma doena mortal que est se alastrando cada vez mais. Depende de voc, de
todos ns, interromper esta triste ameaa. No permita que esta seja a ltima viagem da sua
vida. Aids, pare com isso! (Campanha Aids, pare com isso perigos da noite 1988 PN
DST/Aids)
!

No texto Onze crticas a uma campanha desgovernada (Abia, 1988b), a Abia classificava a

campanha nacional de:

a) errada porque afirmava que deveria usar preservativo em todas as relaes sexuais, o

que a associao considerava que transformava o sexo em transmissor de culpa e

medo;

!
''! !

b)

c)

d)

e)

f)

g)

h)

i)

j)

k)

l)

m)

n)

o)

p)

q)

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s)

t)

u)

v)

Figura 6 Cartazes da campanha Aids, voc precisa saber evitar, 1987.

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Figura 6 Cartazes da campanha Aids, voc precisa saber evitar, 1987.

!
()! !

b) hipcrita porque dizia que as pessoas deviam se cuidar para no receber sangue

clandestino, quando esta era uma responsabilidade do governo;

c) irresponsvel porque no estava vinculada a outras aes de sade coletiva;

d) mentirosa porque falava em controle do sangue, mas no adotava as medidas contra

os comerciantes de sangue;

e) falsa porque transmitia informaes truncadas devido aos limites impostos pelas

barreiras ideolgicas e por disfarar o descaso e a incompetncia;

f) preconceituosa porque personalizava a doena em uma mulher, sendo machista;

g) alarmista porque apresentava informaes parciais;

h) simplista porque apresentava uma uniformizao simplificadora e s atingia um

pblico anteriormente informado;

i) obscurantista porque era elaborada atravs de sofisticadas frmulas metafricas;

j) elitista porque era dirigida a um pblico urbano e mais educado; e

k) intil porque a aids era um problema srio demais para ser tratada com filmetes e

anncios curtos.

Essa viso contudo tinha opositores. Por exemplo, na opinio de Luiz Mott, do GGB, a Abia

privilegiava uma perspectiva hemoflica na abordagem das questes relacionadas aids, em

detrimento dos demais grupos .

(...) Rotular de errada a campanha somente por que nalguns cartazes aconselhou o uso
dos preservativos em todos relaes sexuais, flagrante parcialidade do analista, pois em
questo de vida ou morte, melhor pecar pelo excesso do que pela falta de informaes e
cuidados. Dizer que o governo no est fazendo nada contra a Aids, outra inverdade, pois
por mais tardia, tmida e locunosa, a campanha governamental tem surtido palpveis
resultados na conscientizao de amplas camadas sociais, sobretudo no tocante profilaxia
da Aids. Cham-la de preconceituosa uma injustia, pois esse tem sido um dos aspectos
mais positivos dessa campanha, que evita estigmatizar e mesmo citar os chamados grupos de
risco, desmascarando preconceitos sociais contra os aidticos. Apelidar a campanha de
obscurantista por que usa frmulas metafricas sofisticadas, outra mentira, pois malgrado a
censura dos Bispos, as mensagens e imagens so bastante claras e compreensveis por
qualquer pessoa. Concluindo a avaliao feita pela Abia da Campanha do Governo contra a
Aids peca pela intolerncia, injustia, falta de objetividade e derrotismo.(...) Rotular a
Campanha de alarmista e estimuladora do pnico reflete grave desconhecimento por parte da
Abia dos sentimentos e reaes populares s informaes prestadas pelo Governo,
Convivendo semanalmente com centenas de homossexuais que frequentam a sede do Grupo
Gay da Bahia, tenho elementos empricos para confirmar que lastimavelmente a campanha
no tem sido mais agressiva e dramtica do que gostaria, pois boa parte dos gays baianos
que frequentam o GGB continuam a fazer sexo na mesma frequncia e risco como se a Aids
no os ameaasse, Entre os gays conscientes, h tranquilidade, entre os irresponsveis.
Indiferena. Onde est o pnico aludido pela Abia? A meu ver, falta maior contato dos

!
! (*!

tericos do Abia com o povo brasileiro.(...) (Luiz Mott, GGB, Corrspondncia enviada
Abia, Boletim ABIA, n. 3, julho de 1988)

Foram identificadas trs concepes acerca das campanhas preventivas governamentais: uma

concepo tcnica, expressa principalmente pelos agentes do campo burocrtico; uma concepo

tcnico-cientfica, que aparece na fala de agentes do campo cientfico; e uma concepo poltica,

expressa principalmente pelos agentes do subespao militante, mas tambm por agentes de outros

subespaos com trajetria militante no movimento sanitrio ou na luta pela redemocratizao do pas.

Essas concepes acerca das campanhas governamentais evidenciavam as questes em jogo

no espao aids (Quadro 8).

, A oposio s campanhas especficas voltadas para os denominados grupos de risco,

visando a no discriminao desses grupos foi um consenso inicial entre os representantes dos

diferentes subespaos. Contudo, apesar de considerarem esta uma estratgia importante

naquele momento, alguns entrevistados dos campos cientfico e burocrtico a avaliaram

negativamente, considerando que os estudos tm evidenciado, de fato, uma maior prevalncia

da infeco por HIV nesses grupos e a necessidade de um trabalho especfico;

, A ausncia de articulao com outras aes, seja assistenciais ou preventivas, limitando a

preveno s peas publicitrias e distribuio de preservativos;

, A culpabilizao dos homossexuais pela doena, evidenciada em um discurso que relaciona a

promiscuidade homossexualidade, como se no houvesse prticas sexuais perigosas para

infeco por HIV entre heterossexuais, ou seja, as mulheres seriam vtimas (por exemplo,

um entrevistado cita que falava-se em suruba entre homossexuais, mas no se falava de

swing ou troca de casais entre heterossexuais);

, A incapacidade do Estado em fazer preveno voltada para grupos especficos,

transformando-a em uma atribuio do espao militante (ONGs/Aids);

, A oposio associao da doena morte nas campanhas, especialmente por parte das

ONGs/Aids e de soropositivos, que consideravam que estaria fomentando-se pnico e medo,

!
(+! !

bem como a discriminao, em contraposio aos que consideravam ser necessrio um

discurso claro e verdadeiro e que no associar a doena morte seria escamotear a realidade;

, Existia por parte dos militantes tambm uma oposio ao uso de termos cientficos pelo

Ministrio da Sade, como preservativo ao invs de camisa de vnus, considerada uma

linguagem mais popular;

Quadro 8 Concepes acerca da preveno e das campanhas preventivas governamentais entre


os agentes entrevistados.91

SE Concepes
Tcnica Concepo assptica do sexo

Defesa do discurso sobre a gravidade da doena apoiado em argumentos mdicos

Defesa da campanha voltada para grupos de risco


Burocrtico

Oposio a uma viso limitada da preveno

Poltica Responsabilizao da mulher na preveno

As campanhas associavam a aids morte, aos gays e a promiscuidade

Oposio s campanhas especficas visando evitar a responsabilizao dos gays

Responsabilizao dos gays, promiscuidade relacionada ao homossexualismo

Falta de dilogo com a sociedade

Preveno restrita a campanhas, no articulada com assistncia

Crtica ao uso de termos cientficos

Imposio de barreiras (pelo poder pblico e pela sociedade) para implementao de


aes inovadoras como a troca de seringas
Militante

Oposio de agentes do movimento homossexual viso das lideranas soropositivas


(disputa interna)

Ausncia de articulao com assistncia


Cientfico

Tcnico- Defesa da campanha voltada para grupos de risco


cientfica

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
"#
!O apndice VI, apresenta os trechos das entrevistas a partir dos quais foi elaborado o quadro 8.

!
! (#!

, Foi destacada tambm a dificuldade de implementao de estratgias devido a barreiras

impostas pela prpria sociedade, como aconteceu inicialmente com a tentativa de

implementao de um programa de troca de seringas na cidade de Santos, So Paulo. Outro

exemplo seria a interferncia da igreja catlica na censura prvia campanha de 1987, como

j relatado.

Ou seja, havia um ponto de vista majoritrio do movimento homossexual e das ONGs/aids,

compartilhada tambm por tcnicos progressistas que incorporava o cuidado contra o estigma e a

discriminao, sem abrir mo da necessidade da mensagem tcnica. Havia tambm um ponto de vista

feminista, o ponto de vista mdico assptico e o ponto do vista mdico epidemiolgico.

Nascimento (2005) considera que as campanhas governamentais sempre tiveram avanos e

retrocessos desde o incio da epidemia. Destaca a dificuldade em contemplar a diversidade de

interesses envolvidos em um tema relacionado sexualidade que suscita questes morais, polticas e

religiosas, o que pode ser evidenciado em avaliaes to distintas provenientes de organizaes do

espao militante: uma associao especfica de luta contra a aids (Abia) e um grupo de homossexuais

(GGB).

A necessidade de uma interveno voltada para os grupos especficos, mais expostos ao risco

de infeco pelo HIV e socialmente marginalizados, foi recomendao da Comisso Nacional de

aids92 na sua 5a reunio (19 de janeiro de 1988). Prevaleceu entre seus membros, a opinio de que a

campanha deveria ser dirigida para a populao geral, porm com aes para grupos especficos. Entre

1988 e 1989, o Programa Nacional elaborou o Projeto Previna Preveno e Informao sobre aids e

outras DSTs. O projeto teve inicialmente como pblico-alvo profissionais do sexo, usurios de

drogas e presidirios e, a partir de 1990, tambm garimpeiros da Amaznia legal, homossexuais e

crianas e adolescentes em risco social (Campos, 2005).

O referido projeto no foi objeto de discusso especfica na Comisso Nacional de Aids, mas

a priorizao dos grupos segue os temas das discusses e recomendaes das reunies seguintes da

Cnaids, a saber (Brasil, 1994a):

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
"$
!A ata da reunio do dia 19 de janeiro de 1988, diz que em votao a maioria optou por campanhas dirigidas populao
geral, com aes para grupos especficos, porm no evidencia as discusses acerca do tema.!!

!
($! !

a) Aids nos presdios, tema debatido na 4a reunio, realizada em 09 de outubro de 1987;

b) Estratgia de trabalho com usurios de drogas, tema debatido na 6a reunio, realizada

em 29 de fevereiro de 1988;

c) Aids e prostituio, tema da 8a reunio, realizada em 2 de junho de 1988;

d) Crianas e adolescentes em situao de risco, tema da 11a reunio, realizada em 18 de

abril de 1989; e

e) Por consenso, a Comisso recomendou que a DN-DST/AIDS, desenvolvesse com

maior nfase projeto educativo dirigido a grupos de homossexuais, na 13a reunio,

realizada em 15 de agosto de 1989.

As estratgias do projeto Previna foram definidas a partir de uma srie de reunies com outros

rgos governamentais, universidades e organizaes no-governamentais e previam o treinamento de

instrutores, produo de material informativo e distribuio de preservativo. O Previna foi implantado

em seis estados (Rio Grande do Sul, So Paulo, Rio de Janeiro, Cear, Bahia e Amazonas) e no

Distrito Federal, atravs de parcerias com ONGs (Campos, 2005).

Ela [Lair Guerra] criou o Projeto Previna (...) que tinha como misso trabalhar em toda
esfera nacional com 4 populaes: populao carcerria, populaes de trabalhadores
sexuais, populao gay e usuria de drogas. E eu fui chamado por Dr Lair Guerra, logo
depois de o Gapa-Bahia ter menos de 1 ano. (...) para ser o coordenador na regio norte e
nordeste do programa Previna nos presdios. Fiz um treinamento longo em So Paulo, no
Carandiru, e depois eu era o responsvel por toda a regio norte e nordeste no Brasil. (...)
para treinar todos os... Uma equipe de mdicos, de profissionais paramdicos da
populao carcerria, foi muito bom ter sido parte dessa histria. (Harley Henriques do
Nascimento, Gapa-BA. Entrevista realizada em 11/04/2011)

O Previna foi a primeira experincia mais formal de parceria entre o Estado e ONGs na

prestao de servios relacionados aids. Os principais problemas para a sua implementao foram

dificuldades no financiamento93 e as divergncias na linguagem a ser utilizada na elaborao do

material didtico, se uma linguagem mais tcnica e cientfica, o que era defendido pelo Programa

Nacional, ou uma linguagem mais prxima da cultura do pblico alvo, reivindicada pelas ONGs

(Campos, 2005).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
93
Em especial para a realizao dos treinamentos e capacitaes em diversas regies do pas.

!
! (%!

O repasse financeiro para estados e municpios foi realizado atravs da OPAS, tendo o

Ministrio como interveniente. O Previna foi descontinuado durante o governo Collor e retomado em

1992 no retorno de Lair Guerra ao Programa Nacional (Campos, 2005).

importante ressaltar que se Lair Guerra no esteve desde o incio da formao do Programa,

a sua chegada deu impulso a uma nova fase, contribuindo para a estruturao inicial do programa, a

captao de recursos e o desenvolvimento de novas aes, voltadas em especial para a realizao de

campanhas de informao sobre a doena e a formao de uma comisso de experts, a Comisso

Nacional de Assessoramento em Aids, atual Comisso Nacional de Aids (Cnaids).

Foi um perodo de construo da poltica nacional, baseada principalmente em aes de

vigilncia epidemiolgica e medidas preventivas, onde surgiu a primeira possibilidade de tratamento,

a zidovudina (AZT), embora este medicamento apenas tenha sido disponibilizado na rede pblica em

1989 por alguns Estados e em 1991 pelo Ministrio da Sade. A Comisso Nacional de Aids foi um

importante espao de definies tcnicas e polticas a esse respeito, e, embora seu papel fosse

consultivo, diversos documentos discutidos e propostos pela comisso formaram a base do discurso

oficial (Brasil, 2003).

Paralelo ao que acontecia no campo burocrtico, a epidemia da aids mobilizou tambm

agentes no campo cientfico.

6.6 O isolamento do vrus no Brasil e as disputas do campo cientfico

Em abril de 1985, a Fiocruz recebeu duas garrafas de cultura de HIV trazidas pelo casal

Margueritte Pereira (Peggy) e Hlio Gelli Pereira, ela, inglesa, diretora do Laboratrio de Sade

Pblica de Londres, ele, virologista brasileiro, naturalizado ingls, chefe de departamento de

universidades inglesas. Foi esse material que permitiu o incio dos trabalhos da adaptao da

metodologia de diagnstico sorolgico j utilizado para Chagas e o desenvolvimento de kits

diagnsticos para o HIV, criando a base para a triagem de bancos de sangue no pas. O Brasil

comeou a realizar o diagnstico atravs da tcnica de imunofluorescncia, visto que os bancos de

sangue estavam equipados para realizar esta tcnica, utilizando como teste confirmatrio o Elisa,

!
(&! !

distribudo pela OMS94 (Santos, Moraes et al., 1992). Como destacado por Pinell, Broqua et al.

(2002), o incio da realizao de testes laboratoriais para diagnstico da infeco pelo HIV, levou ao

surgimento de uma nova categoria, a dos soropositivos, trazendo alteraes para o quadro

epidemiolgico e na conformao do espao aids, principalmente no espao militante. No Brasil,

contudo, at hoje, a vigilncia epidemiolgica trabalha apenas com os casos confirmados de aids,

contando apenas com estimativas para os soropositivos. Se a figura do soropositivo no aparecia nas

estatsticas, no espao militante essas figuras comearam a ter um importante papel, em especial, no

final da dcada de 1980.

Apenas em maio de 1987 o HIV foi isolado pela primeira vez no Brasil pela equipe

coordenada pelo Dr. Galvo95 (Figura 7)(Galvo-Castro, Ivo-Dos-Santos et al., 1987). Apesar desse

no ter sido um fato cientfico importante (os pases desenvolvidos j haviam isolado o vrus h cerca

de 4 anos) (Galvo-Castro, Ivo-Dos-Santos et al., 1987; Galvo-Castro, 2005), teve ampla divulgao

pela imprensa (Galvo-Castro, 2005), de modo que conferiu ao grupo de pesquisa um reconhecimento

para alm do campo cientfico e terminou por garantir novos financiamentos, funcionando como um

importante capital simblico.

Como consequncia, o Banco do Brasil solicitou um projeto para a construo de um

Laboratrio P3 96 . Avaliado inicialmente por um mdico pneumologista como no original, o

projeto, no valor de 3 milhes de dlares, foi engavetado e s foi aprovado aps interveno do

arcebispo do Rio de Janeiro, D. Eugnio Sales, junto a Camilo Calazans, ento presidente do Banco do

Brasil. Este projeto permitiu a construo do Laboratrio Nacional de Sade Pblica em Salvador, o

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
94
Bernardo Galvo Castro Filho. Entrevista realizada em 12/07/2011, Salvador, Bahia.
95
A equipe do Laboratrio dirigido pelo Dr. Galvo era composta por Euclides Ayres de Castilho (epidemiologista), Jairo
Ivo dos Santos (bioqumico), Claudio Ribeiro (imunohematologista), Jos Carlos Couto Fernandez (Bilogo), Vera Bongertz
(bioqumica), Dumith Chequer Bou-Habib (Mdico, Doutorando em Microbiologia da UFRJ, orientando de Bernardo
Galvo) e Carlos Morel (Mdico, Doutor em Biologia Celular, Diretor do Instituto Oswaldo Cruz) (Instituto Oswaldo Cruz
(IOC). A evoluo do estudo da aids por um de seus descobridores. Disponvel em:
<http://www.fiocruz.br/ioc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1174&sid=32>. Acesso em: 17/11/2011.). A equipe era
composta principalmente por jovens pesquisadores, recm-doutores, que voltavam ao pas, outros como o prprio Galvo,
com elevado capital cientfico nas reas bsicas, mas que ainda no tinham tanto prestgio.
96
Os laboratrios de microbiologia so classificados de acordo com o nvel de biossegurana em quatro nveis. O nvel de
biossegurana 3 (NB-3 ou P-3) aplicvel () onde o trabalho com agentes exticos possa causar doenas srias ou
potencialmente fatais como resultado de exposio por inalao. A equipe laboratorial deve possuir treinamento especfico
no manejo de agentes patognicos e potencialmente letais devendo ser supervisionados por competentes cientistas que
possuam vasta experincia com estes agentes. Todos os procedimentos que envolverem a manipulao de material infeccioso
devem ser conduzidos dentro de cabines de segurana biolgica ou outro sistema de conteno fsica. Os manipuladores
devem usar roupas de proteo individual. (Brasil. Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria. Segurana e controle de
qualidade no laboratrio de microbiologia clnica: modulo II. Braslia: ANVISA. 2004. p. 18-19)

!
! ("!

primeiro laboratrio P3 da Fiocruz, no especfico para aids, mas a partir do qual foi criada uma rede

nacional de laboratrios para isolamento e caracterizao do HIV no Brasil97 .

Figura 7 Artigo publicado pela equipe de Bernardo Galvo acerca do isolamento do HIV
no Brasil, 1987.

Com relao ao espao aids no mundo, no subespao cientfico, houve uma disputa pelo

reconhecimento da autoridade cientfica pela identificao do vrus pelos grupos de pesquisadores do

Instituto Pasteur, liderado pelo francs Luc Montagnier, e da Universidade da Califrnia, liderado pelo

americano Robert Gallo (Camargo Jr., 1994). No Brasil tambm observaram-se disputas pelo

reconhecimento dos feitos cientficos, ainda que estes, como j comentado, nem sempre tenham tido

grande importncia cientfica internacional.

Essas disputas, algumas vezes extrapolaram os limites do campo cientfico, e chegaram at as

pginas dos jornais. Em 1988, por exemplo, a notcia da apresentao de um trabalho sobre deteco

do vrus HIV-2 no Brasil na 4a Conferncia Internacional de Aids em Estocolmo, Sucia, pelo mdico

da UFRJ, Eduardo Crtes, que estava fazendo ps-graduao na Universidade da Califrnia (Ucla),

EUA, gerou crticas do professor Ricardo Veronesi, que atribua o mrito da descoberta uma parceria

entre a USP e a Universidade de Lisboa98, 99.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
97
Bernardo Galvo, Castro Filho. Entrevista realizada em 12/07/2011, Salvador, BA.!
"%
!Albuquerque, J. Mdico detecta HIV-2 em sangue de brasileiros. Folha de So Paulo. So Paulo. 15/06/1988: A-11 p.
1988.!

!
('! !

Como se tratava de uma doena desconhecida, alm dos mdicos clnicos que atenderam os

primeiros casos, os pesquisadores das cincias bsicas foram extremamente importantes na

identificao do vrus, primeiro passo para o estabelecimento de medidas teraputicas. Em sua

maioria, eram jovens pesquisadores, em incio de carreira, buscando afirmar-se no campo cientfico,

de modo que a aids surgiu como a possibilidade de independncia cientfica de alguns recm-doutores,

como Valria Petri, ou pesquisadores em incio de carreira, como Bernardo Galvo, por exemplo.

Assim, as disputas geracionais, entre jovens pesquisadores e pesquisadores veteranos, bem como as

disputas entre instituies, exemplificam as lutas desse subespao: uma luta por reconhecimento

dentro do espao cientfico do espao aids, seja para alcanar ou manter uma posio de autoridade

cientfica, ou mesmo uma posio de expert do Estado (Bourdieu, 2011).

Depois que o Ministrio da Sade me mandou um passaporte de servio diplomtico, sei


l o que que era aquele passaporte l, para eu ir representar o Brasil nos Estados
Unidos, foi que comearam a me desdizer. gozado. A o Druzio passou por mim No
liga no, que eles esto todos enciumados. assim para todo lado, no ? Ningum
consegue controlar essas coisas. Eu fui porque o Yunes indicou, ele me ligou, ele falou
Voc foi a primeira pessoa que enfrentou essa questo, voc vai representar o Brasil,
porque eu indiquei voc. (Valria Petri, entrevista realizada em 20/06/2011)

Eles no aceitavam que no fosse a Fiocruz que fizesse, entendeu? E ns perdemos muita
grana por causa disso. Eu consegui grants nos Estados Unidos. A UFRJ tinha um acordo
firmado com Fiocruz, tem at hoje, de colaborao: professor daqui vai pr l, o de l
vem, pr c. Se quiser. Funcionalmente. E o NIH ofereceu, convidei eles para fazerem
juntos. O Ministrio da Sade no deu carta de que aprovava o trabalho. No deu. E a
gente ia fazer com eles. Convidamos formalmente eles para fazer. Mas como no foram
eles que iam fazer, eles cancelaram. Dois milhes e meio de dlares. (Eduardo Jorge
Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011)

Nessas falas, verificam-se oposies tanto geracionais (Veronesi X Valria Petri, Veronesi X

Eduardo Crtes), bem como entre instituies (USP X Escola Paulista de Medicina, UFRJ X Fiocruz).

Ao interior do campo mdico, estava em jogo a relao de poder entre a recm criada

Infectologia, a Medicina Tropical e a Dermatologia. A Infectologia surgiu no Brasil em 1980, a partir

da criao da Sociedade Brasileira de Infectologia, contrapondo-se Medicina Tropical, com uma

proposta de abranger as doenas infecciosas e parasitrias de forma diferenciada, incluindo todos os

aspectos que envolviam as doenas infecciosas dentro da Medicina Interna e considerando que o

termo Medicina Tropical no dava conta de uma epidemia como a da aids, que no se restringia

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
((!Veronesi, R. HIV-2. Folha de So Paulo. So Paulo. 29/06/1988 1988.

!
! ((!

exclusivamente aos trpicos (SBI, 2005). Contudo, a Dermatologia, como identificou os primeiros

casos, devido ao Sarcoma de Kaposi, uma leso de pele, e tambm pelo fato de abranger, quela

poca, no Brasil, as DST, foi a especialidade da medicina que criou as bases para a elaborao da

poltica de aids no pas. Se nos EUA, os principais pesquisadores que se envolveram com a aids eram

oncologistas, no Brasil, os oncologistas no tiveram um papel de destaque.

(...) Naquela poca, eles achavam que uma dermatologista poderia atrapalhar a obra
deles ou aquilo que eles pretendiam fazer. Ento eles declaravam isso na televiso. Uma
vez o Veronesi falou assim Dermatologista s serve para atrapalhar. (...) Era muito mais
difcil... Hoje no. Hoje natural as pessoas aprenderem sobre isso, lidar com os
medicamentos e tudo. (Valria Petri, entrevista realizada em 20/06/2011)

(...) como a aids comeou com a epidemia de sarcoma de kaposi, a oncologia nos
Estados Unidos que tomava conta da aids, da doena aids, compreendeu? E a
Universidade da Califrnia era um dos maiores centro americanos de aids. O que a gente
tinha de doentes, com sarcomas, linfomas, e era um centro de excelncia, que fazia um
monte de pesquisas, ento, todos oncologistas. O Luc Montagnier (...) Ele era chefe da
sesso de virologia tumoral do Instituto Pasteur. O Robert Gallo, o que era? Ele era do
Instituto Nacional do Cncer Americano. (Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista
realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011)

Os agentes dos campos burocrtico, mdico e cientfico sempre mantiveram uma relao

importante com o espao militante, inclusive alguns mantinham relaes com esse subespao ou

mesmo foram fundadores dos movimentos sociais envolvidos na epidemia e das associaes

especficas que surgiram com a conformao do espao aids.

6.7 O espao militante

Foi indiscutvel a importncia do movimento gay na elaborao das primeiras respostas

epidemia, sendo que alguns grupos, exemplo do Grupo Gay da Bahia, at hoje realizam atividades

relacionadas preveno da aids. A vinculao com os homossexuais, entretanto, reduzia a

possibilidade de acesso a outros grupos devido ao preconceito por parte de determinados setores da

sociedade. O prprio GGB, para dar continuidade s aes contra a epidemia da aids e ampliar a

abrangncia do pblico ao qual teria acesso, teve necessidade de criar uma organizao especfica, a

qual compartilhava o mesmo espao e membros que o GGB, mas que se desvinculava do movimento

!
*))!!

homossexual Centro Baiano Anti-Aids (CBAA) 100 . Foi nesse sentido que surgiu a primeira

associao especfica de luta contra a aids, o Grupo de Apoio e Preveno Aids Gapa, em So

Paulo.

6.7.1 Grupo de Apoio e Preveno Aids Gapa

O surgimento do Gapa, decorreu de reunies promovidas pelo Programa Estadual de Aids101 ,

muitas delas realizadas no prprio Hospital das Clnicas da USP, com o mdico Ricardo Veronesi.

Grande parte de seus fundadores tinha algum engajamento poltico e, principalmente, era vinculada ao

movimento homossexual, ainda que se buscasse uma desvinculao da questo da sexualidade, de

forma a tornar o movimento mais abrangente102 (Contrera, 2000).

Em 1984, as reunies tornaram-se mais frequentes e o nmero de participantes aumentou,

contando com profissionais de diferentes reas de atuao. Havia um descontentamento do pblico

com o contedo das reunies, consideradas exageradas, carregadas de preconceito e discriminao. O

pice foi uma reunio realizada no Instituto de Sade no incio de 1985, conduzida pelo coordenador

do Programa Estadual de Aids, Paulo Roberto Teixeira. Com objetivo de discutir a preveno de

riscos de infeco, foram apresentadas diversas imagens de leses relacionadas doena, o que causou

muita comoo e pnico, pessoas desmaiaram e outras deixaram o local.

Eu ficava assim mais tranquila talvez, (...) porque eu no conhecia as pessoas que
estavam ali, mas 90% dos frequentadores da reunio conheciam os defuntos, as pessoas
mortas. Na poca, se passava muito vdeo, um pedao da pessoa mostrando um sarcoma,
um tumor. (...) Para mim era um pedao, porque era um pedao, mas tinha gente que
reconhecia... Ai! Ali a perna de meu amigo, (...) aparecia muito o rosto, mas tudo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
100
(...) em 87, fundamos o Centro Baiano Anti-AIDS, que eram as mesmas pessoas praticamente do GGB. Mas como para
fazermos palestras, fazermos a situao de preveno em ambientes oficiais ou particulares, em escolas, universidades,
sindicatos, associao de bairro, a palavra Grupo Gay ainda provocava preconceito, ento, ns achamos que era uma forma
de diversificar e de camuflar a nossa atuao atravs do Centro Baiano Anti-AIDS e tambm a possibilidade de
financiamentos nacionais e internacionais. (Luiz Roberto de Barros Mott. Entrevista realizada em 23/03/2011, Salvador,
BA.)
101
As reunies comearam a acontecer alguns meses depois da criao do programa, e as reunies pblicas uma vez por
semana, noite, no nosso servio. (...) eram muito concorridas, principalmente pela comunidade gay, mas tambm pessoas
envolvidas no movimento de hemoflicos, no movimento de transfundidos, profissionais de Sade Pblica, pessoas de
universidade. (...) e as pessoas que tomaram a iniciativa, no primeiro ano, praticamente, do Gapa, se reuniam no nosso
espao. Ns cedemos espao, salas e facilidades de comunicao: correio, telefone, etc., e foi o primeiro, digamos, apoio. (...)
o Gapa nasceu dentro da instituio, na medida em que comeou a se consolidar, e a se estruturar, foi procurar a sua sede
prpria, mas durante pelo menos um ano funcionou no nosso servio. (Paulo Roberto Teixeira. Entrevista realizada em
03/05/2011, So Paulo, SP)
102
urea Celeste da Silva Abbade. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP; Paulo Roberto Teixeira. Entrevista
realizada em 03/05/2011, So Paulo, SP.!

!
! *)*!

com sarcoma e via tudo j deformado. Mas os amigos reconheciam e ento desmaiavam
e gritavam. E a gente ficava assim... Eu, a Yara, a Otlia no, porque a Otlia trabalhava
com isso, ento, para ela era um outro olhar. Mas para mim e pra Yara... (...) Muito
histerismo mesmo, e as reunies, a bem da verdade, no incio, elas mostravam esses
vdeos... como que voc ficava, mas no tinha o que fazer. Ento era s para dizer:
Oh, voc vai morrer assim. (urea Celeste da Silva Abbade, advogada, fundadora do
Gapa-SP, entrevista realizada em 20/06/2011)

Naquele dia, decidiu-se formar uma organizao no-governamental de base comunitria, com

objetivo de, associado ao ativismo poltico, promover preveno, informao e assistncia a

portadores de HIV/aids e seus familiares (Contrera, 2000; Barata, 2006), ou seja, substituir o Estado

em suas funes. O Gapa foi assim criado em janeiro de 1985 e teve a sua ata de fundao registrada

no dia 27 de abril de 1985 (Contrera, 2000). O Centro dos Hemoflicos de So Paulo, na pessoa de D.

Vitalina Dias da Silva, teve papel importante no apoio formalizao do grupo, dividindo a

experincia da sua instituio e orientando os primeiros passos a serem seguidos pelas duas advogadas

do grupo, urea Abbade e Yara Aparecida de Arruda .

Como estava tambm atingindo os hemoflicos, ela fez parte no incio com a gente. Os
hemoflicos e os talassmicos. Mas no com muita vinculao, porque eles tinham medo
de se confundir ou de ter mais um estigma alm do que j tinham. No queriam ser os
transmissores do HIV, ento tinha uma participao mais de orientao.(...) Um modelo
de contrato, modelo de no sei o que, modelo de ata... Isso foi durante a semana... A
sentamos... Primeiro que a gente j sabia como era o fundamento, quais eram as funes
do Gapa, os objetivos, que isso j vinha sendo discutido h tempos. A ns fizemos uma
adaptao disso para aqueles modelos que ela tinha nos dado. (...) (urea Abbade
Celeste da Silva Abbade, entrevista realizada em 20/06/2011)

Entre os fundadores do Gapa havia profissionais da SES-SP, como Paulo Roberto Teixeira,

Paulo Bonfim103, Otlia Simes Janeiro Gonalves104 ; o antroplogo Edward MacRae; as advogadas

urea Celeste da Silva Abbade e Yara Arruda; o publicitrio e professor universitrio Wagner Carmo

Fernandes; o professor de Histria do Cinema da USP, Jean Claude Bernadet; o socilogo Cludio

Monteiro; o jornalista Oilson Pedro Gomes; o economista Zilton Luis Macedo; o servidor pblico

Luiz Carlos Munhoz; os artistas plsticos Jorge Schwartz, Mrio Silvio Gomes e Hudnilson Urbano; e

a ativista do movimento da sade, Neusa Cegali Cateasis (Contrera, 2000).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
103
Baiano, tcnico em Patologia Clnica, militante do PT e candidato a deputado federal de 1990, participante no movimento
da sade atravs da Associao dos Funcionrios do Hospital do Servidor Pblico Estadual AFIAMSP e do Sindicato dos
Funcionrios da Sade SINDSADE, Coordenador do Programa Municipal de DST/Aids de So Paulo de 1989 a 1991,
durante a gesto da prefeita Luiza Erundina
104
Assistente Social do Hospital Emlio Ribas

!
*)+!!

Alm da participao de agentes ligados SES-SP e ao Programa Estadual de Aids, o Estado

teve importante papel no financiamento do Gapa. Foi o Programa Estadual de Aids que garantiu

estrutura para os primeiros meses da associao, cuja sede provisria era no prdio da prpria SES-SP.

Ao mesmo tempo, o Gapa deu voz s crticas dos profissionais ligados ao programa, os representantes

do Estado, os agentes do oficial, que muitas vezes no podiam denunciar publicamente os atos dos

quais discordavam105 (Contrera, 2000).

O Gapa, que se constituiu com um perfil poltico-assistencial, foi fundamental na conquista de

direitos dos portadores de HIV/aids, tendo participao ativa na Comisso Nacional de Aids desde seu

incio, bem como na formulao da legislao previdenciria para os portadores de HIV/aids

(Contrera, 2000; Abbade e Baio, 2010), tendo contribudo, atravs da advogada urea Abbade, para

elaborao do texto que subsidiou a elaborao da Lei 7.670/88, que estende aos portadores de

HIV/aids a concesso de licena para tratamento de sade, aposentadoria, reforma militar, penso

especial, auxlio doena e penso por morte aos seus dependentes. Paulo Csar Bonfim foi o

idealizador da proposta e quem a levou para Lair Guerra, numa reunio em Canelas. Lair encaminhou

o pleito ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS)106 . Ou seja, a preocupao do Gapa era

com os direitos, neste caso previdencirios, do portador de HIV/aids, e no apenas no mbito da

sade, haja vista a proximidade estabelecida com os doentes e os ditos grupos de risco107. Alm

disso, foi a assessoria jurdica do Gapa que deu entrada nas primeiras aes contra o Estado para o

fornecimento de medicamentos antirretrovirais108 .

O Gapa sempre fazia corpo a corpo junto comunidade gay e com outros grupos vulnerveis

aids em casas de show, boates, saunas e na Parada Gay. Chegou a ter uma casa de apoio, mas as

dificuldades para manuteno da estrutura, mesmo com o apoio financeiro da SES-SP, num perodo de

grande inflao, inviabilizou a continuidade da iniciativa (Contrera, 2000).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
105
urea Celeste da Silva Abbade. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP; Paulo Roberto Teixeira. Entrevista
realizada em 03/05/2011, So Paulo, SP.
106
urea Celeste da Silva Abbade. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP
107
Feltrin, R. Gapa tenta coquetel anti-aids para mais 20. Folha de So Paulo. So Paulo. 12/07/1996 1996.
Martins, L. Ao quer que SP pague droga anti-HIV. Folha de So Paulo. So Paulo. 20/07/1996 1996.
108
A primeira liminar para fornecimento de antirretrovirais de ltima gerao pelo Estado foi obtida por uma ao impetrada
pela advogada urea Abbade, do Gapa, em nome da professora Nair Brito (Feltrin, R. Gapa tenta coquetel anti-aids para
mais 20. Folha de So Paulo. So Paulo. 12/07/1996 1996.).

!
! *)#!

O primeiro cartaz de preveno aids foi criado pelo Gapa 109 e foi duramente criticado pela

igreja que considerava que disseminava ideias pecaminosas como sexo fora do casamento e

masturbao (Fatal, 1988; Contrera, 2000).

!
Era do movimento. A gente estava preocupado, queria alertar a populao sobre a aids,
ao mesmo tempo no queria levar uma mensagem repressiva. (...) alertar e lutar contra a
represso. E da, eu vim aqui para Salvador e estava com Mott, que um velho amigo
meu, e l no GGB ele tinha um cartaz americano. E esse cartaz americano dizia, eu no
me lembro o que dizia exatamente, mas alguma coisa assim que voc pode fazer tudo que
sempre fez, mas tem que tomar cuidado. No sei se sugeria o uso da camisinha. Era um
cartaz assim que tinha uma caricatura que era engraadinha e que trazia uma mensagem
no repressiva. Eu peguei esse cartaz e levei pra So Paulo e mostrei pra esse grupo de
pessoas que estava se organizando. E da a gente fez assim Vamos fazer um cartaz nosso.
E esse cartaz, surgiu. A mensagem principal foi eu que bolei. Era TRANSE NUMA
BOA. E da foi o Darcy Penteado que elaborou o cartaz, que ele artista plstico. O
Jean Claude Bernadet, professor da USP, crtico de cinema. (...) e ele ento, ele e o Darcy
Penteado, depois, sentaram e bolaram mais ou menos o cartaz. Que era assim uma poro
de palavrinhas. Boline, beije, acaricie, masturbe, no lembro, mas um monte de coisas que
voc poderia fazer. Assim, e em letras grandes TRANSE NUMA BOA. Ento esse foi o
primeiro cartaz a ser feito no Brasil de preveno a aids. (Edward Baptista das Neves
MacRae. Entrevista realizada em 16/05/2011)

O cartaz estimulava o sexo seguro, ainda que esta no fosse a expresso usada quela poca.

Trazia uma mensagem no repressiva, em oposio quela que posteriormente foi adotada pelo

Ministrio da Sade e destacava a possibilidade de manter o prazer mesmo frente ameaa da aids.

O financiamento do Grupo veio de parcerias com a SES-SP, como j mencionado, a Fundao

Ford, e outras instituies, inclusive o Programa Nacional de Aids110 (Contrera, 2000).

A partir da emergncia do Gapa-SP comearam a surgir outras associaes especficas de luta

contra a aids. Em 1986, surgem a Associao Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), no Rio de

Janeiro, e o Movimento de Apoio ao Paciente com aids (Mapa), em So Paulo, bem como foram

fundados Gapas em diversas cidades/estados, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paran, Santa

Catarina e Taubat (1987); Baixada Santista, Bahia e Ribeiro Preto (1988); Rio Grande do Sul,

Cear, Itabuna e So Jos dos Campos (1989), Sergipe e Distrito Federal (1991). Vale destacar que os

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
109
Outras iniciativas surgiram. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Tringulo Rosa elaborou um informe sobre aids, que foi
distribudo a todos que procuravam o grupo (Fatal, P. Invicta: aids aqui. Rio de Janeiro: Gapa-RJ. 1988. 149 p., sendo,
portanto, sua circulao mais limitada).
110
urea Celeste da Silva Abbade. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP. !

!
*)$!!

Gapas constituram-se autnomos e independentes, mas compartilhando o nome e tendo um estatuto

comum111 (Contrera, 2000; Galvo, 2000).

6.7.2 Associao Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia)

No Rio de Janeiro, em 1985, Herbert de Souza, o Betinho, socilogo, militante contra a

ditadura militar que havia retornado do exlio em 1979 com a anistia poltica, comeou a reunir no

Ibase um grupo de representantes dos movimentos sociais, mdicos e pesquisadores para discutir a

epidemia da aids (Parker e Terto Jr, 2001).

(...) essas reunies se ampliaram em tamanho e passaram a atrair importantes lderes de


movimentos sociais progressistas, como o advogado Nilo Batista, da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB); o bispo D. Mauro Morelli; o antroplogo Rubem Cesar
Fernandes, do Instituto de Estudos de Religio (Iser); mdicos e cientistas como Walber
Vieira, doutor em medicina e clnica geral, e Bernardo Galvo, da Fundao Oswaldo
Cruz; representantes de entidades e grupos diversos como a Cruz Vermelha e o grupo gay
Atob; e o antroplogo Peter Fry, ento representante da Fundao Ford no Brasil.
(Parker e Terto Jr, 2001, p. 15)

lvaro Matida, mdico epidemiologista do Programa de Aids da Secretaria de Sade do

Estado do Rio de Janeiro, que tambm participava das reunies iniciais, apresentou Betinho ao mdico

Walter Almeida, que tambm passou a participar regularmente. Betinho e seus dois irmos (o

cartunista Henfil, e o msico Chico Mrio) eram hemoflicos. Henfil e Chico Mrio j haviam se

contaminado. Junto com Walter Almeida, Betinho resolveu criar uma organizao no-governamental,

inspirado na International Interdisciplinary AIDS Foundation (IIAF). A psicloga Silvia Ramos, que

naquela poca estava cursando o doutorado em Cincia Poltica no Instituto Universitrio de Pesquisa

do Rio de Janeiro (IUPERJ)112 , ficou responsvel pela formalizao da instituio, atravs de um

contrato de risco com Betinho: a mesma seria remunerada a partir do primeiro financiamento. A

deciso formal de criao da Abia foi tomada no final de 1986, sendo seu estatuto registrado no dia 10

de abril de 1987 (Parker e Terto Jr, 2001).

A Abia tinha por objetivo promover o desenvolvimento de atividades sociais e cientficas

voltadas para a preveno e o combate Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (AIDS), tais como

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
111
O Gapa BR/SP proprietrio da marca Gapa, sendo responsvel pela cesso do seu uso.
112
Silvia Ramos no concluiu o doutorado no IUPERJ. Entre 2004 e 2007, concluiu o doutorado em Sade Pblica na
ENSP/Fiocruz.

!
! *)%!

estudos, pesquisas e projetos socioeconmicos, estudos sociopolticos, formao de banco de dados,

gerenciamento e interpretao de dados, preparo e divulgao de estudos e relatrios, boletins e

publicaes, por parte da prpria organizao ou atravs de terceiros e outras atividades pertinentes a

esse objetivo organizacional (Parker e Terto Jr, 2001).

Inicialmente, o Ibase fornecia a infra-estrutura necessria (telefone, fax, material de escritrio,

etc.) ao trabalho da nova associao. O primeiro financiamento, de cerca de 5 mil dlares, foi

conseguido junto ao Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social (Inamps), atravs

de contato de Betinho com Hsio Cordeiro, mdico sanitarista, militante da reforma sanitria e,

poca, presidente do Instituto. Para a obteno do segundo financiamento, junto Financiadora de

Estudos e Projetos (Finep)113, estimado entre 100 a 200 mil dlares, foi fundamental o contato de

Silvia Ramos com seu vizinho Reinaldo Guimares, presidente da Finep e, assim como Hsio

Cordeiro, militante da reforma sanitria. Ou seja, assim como aconteceu com o Gapa, foi a partir do

financiamento estatal (Inamps e Finep) que a Abia obteve recursos para a sua estruturao inicial e em

ambos os casos corroboraram para a concretizao desse financiamento agentes vinculados ao

movimento sanitrio. Mas foi com o financiamento assegurado pela Fundao Ford, da qual Peter Fry,

que fazia parte do conselho diretor da Abia, era representante no Brasil, que a associao conseguiu de

fato estruturar-se enquanto organizao, tornando-se mais profissional, passando a remunerar alguns

de seus membros por seu trabalho (Parker e Terto Jr, 2001; Souza, 2002).

Participavam do conselho consultivo da Abia Srgio Luis Carrara 114 , Peter Fry, lvaro

Matida, Peggy Pereira e Hlio Gelli Pereira (Parker e Terto Jr, 2001).

Como no Gapa, tambm havia agentes do campo burocrtico que participavam da Abia, a

exemplo de lvaro Matida, tambm militante do movimento sanitrio, mas esta se conformou

principalmente com o objetivo de gerar informao, agregando um grande nmero de especialistas e

com uma tentativa de distinguir o seu trabalho daquele desenvolvido pelo Gapa. A Abia seria mais

poltica, enquanto o Gapa seria mais assistencialista. Silva (1999) descreve os grupos mais polticos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
113
A Finep uma empresa pblica vinculada ao Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao, criada 1967, que tem a
misso de promover o desenvolvimento econmico e social do pas por meio do fomento pblico cincia, tecnologia e
inovao em empresas, universidades, institutos tecnolgicos e outras instituies pblicas ou privadas.
114
Cientista Social pela Unicamp (1979-1982) e orientando de Peter Fry naquela poca no mestrado de Antropologia Social
da UFRJ.

!
*)&!!

como ativistas, enquanto os assistencialistas seriam aqueles que ofereciam servios e ateno direta,

assumindo o papel do Estado.

O Gapa tinha mais a perspectiva da advocacy, a Abia tinha uma concentrao, uma
expertise muito grande em dar informaes e dar esclarecimentos para grupos
especficos. (Silvia Ramos de Souza, entrevista realizada em 15/06/2011)

(...) a parte da Abia era bem mais intelectualizada. (Valria Petri, entrevista realizada em
20/06/2011)
!
Inicialmente, a Abia no tinha portadores do vrus na sua composio115 e sua relao com o

movimento homossexual era menos evidente. Seus membros eram principalmente pesquisadores,

mdicos e profissionais de sade. Era uma associao criada por um mdico e um hemoflico,

integrante de um dos grupos em risco, porm considerado como vtima da irresponsabilidade do

Estado, ao contrrio de homossexuais, profissionais do sexo e usurios de drogas injetveis, que eram

vistos como culpados pela sua contaminao (Parker e Terto Jr, 2001).

A Abia tambm teve importante papel na definio da poltica nacional de controle da

epidemia, seja como representante na Cnaids (da qual se afastou em 1992 por divergncias acerca do

papel da comisso), seja com relao s campanhas educativas, sempre assumindo uma posio de

oposio (Abia, 1988b), subnotificao dos casos (Abia, 1988a), ou insuficincia e

descontinuidade da assistncia (Pedrosa, 1997; Souza, 1997). Para a Abia, qualquer campanha de

preveno uma CAMPANHA DE SOLIDARIEDADE (grifo do autor) (Abia, 1988c, p.7) e deve

ser baseada em um programa nacional de preveno e controle da epidemia, elaborada com

participao da sociedade civil, com a produo de maratonas de informao, programas de horas116 ,

em horrio nobre, onde se forneam os dados necessrios para que cada um entenda e decida (Abia,

1988c, p.7), fornecendo informaes para que cada um pudesse entender e decidir, considerando as

realidades locais e a diversidade da populao brasileira, alertando e no alarmando a populao como

considerava que faziam as campanhas do Programa Nacional.

Herbert Daniel, que foi para a Abia convidado por Silvia Ramos em 1988, tornou-se

rapidamente uma das principais vozes da instituio. Homossexual, com uma trajetria militante

contra a ditadura e pelos direitos homossexuais, mesmo sem estar vinculado a grupos gays, foi exilado
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
115
O socilogo Herbert de Souza, o Betinho, teve diagnstico de aids depois da fundao da Abia.
116
Referindo-se a programas extensos de TV, em contraposio s chamadas publicitrias curtas, de cerca de meio minuto
que compunham as campanhas governamentais.

!
! *)"!

entre 1974 e 1981, sendo o ltimo anistiado do pas a regressar. Em 1989, descobriu-se soropositivo e

fundou o Grupo Pela Valorizao, Integrao e Dignidade do Doente de Aids (Pela VIDDA), primeiro

grupo criado por pessoas vivendo com aids do pas e que assumiu um perfil poltico-assistencialista,

mais prximo da forma de atuao do Gapa (Dias, 2012).

6.7.3 Posies e disputas ao interior do espao militante

Com a entrada das associaes especficas de luta contra a aids, houve uma mudana no

espao militante. Se anteriormente esse espao era dominado pelos grupos homossexuais, para os

quais a aids era um tema transversal, um dos diversos problemas enfrentados pela comunidade gay,

assim como para grupos de talassmicos e hemoflicos, menos atuantes por no desejarem vinculao

com mais um fator de estigma e discriminao; os grupos especficos de luta contra a aids, surgiram

buscando se distanciar da causa homossexual e tendo como tema central o controle da epidemia da

aids, a exemplo do Gapa e da Abia, passaram a assumir a posio dominante. Apesar do Gapa ser a

primeira associao, a Abia rapidamente adquiriu um status dominante nesse subespao devido ao

corpo de experts que conseguiu agregar, o capital social de alguns membros do seu conselho

consultivo e seu potencial para a captao de recursos, bem como a penetrao de seus representantes

nos meios de comunicao, em especial de Herbert de Souza e Herbert Daniel. Vale destacar que

alguns agentes desse espao militante, como Betinho e Paulo Bonfim, assumindo a direo dessas

instituies, conseguiram converter seu capital militante em capital poltico e exercer influncia

sobre os campos poltico e burocrtico. So exemplos dessa influncia o papel de Bonfim

na legislao previdenciria aos portadores de HIV/aids e, principalmente, Betinho na legislao

referente questo do sangue e do acesso universal aos medicamentos para aids.

Da mesma forma, a entrada do grupo Pela Vidda, no incio da dcada de 1990 no espao

militante reforou o discurso centrado no portador de HIV/aids, principalmente com a conformao de

outros grupos com essa caracterstica, como Grupo de Incentivo a Vida (GIV), em So Paulo,

VHIVER, de Belo Horizonte (1993), a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids (RNP+)

(1994) e o Movimento Patrocine a Vida, de Santos (1996) (Contrera, 2000; Galvo, 2000).

!
*)'!!

Considerando a proposta de Brown, Zavestoski et al. (2004) para a anlise dos movimentos

sociais em sade, verifica-se que no subespao militante do espao aids existe a convivncia das trs

categorias de movimentos:

a) Movimentos de sade circunscritos a grupos especficos, representados pelos grupos de

luta pelos direitos dos homossexuais, pelos grupos de profissionais do sexo e de mulheres;

b) Movimentos de sade incorporados, onde alm dos grupos de luta especfica contra a aids,

esto representados tambm os grupos de talassmicos e hemoflicos, presentes

principalmente nos anos iniciais da epidemia, quando o controle do sangue ainda era um

problema; e

c) Movimentos de acesso a sade, representados pelos agentes oriundos do movimento da

reforma sanitria que militavam tambm nas associaes de luta contra a aids, no sendo a

aids uma questo central para a reforma sanitria, mas bandeira de alguns agentes que tinham

transito em associaes especficas de luta contra a aids e no movimento sanitrio.

As disputas entre esses grupos ficaram bastante evidentes nos Encontros Nacionais de

ONGs/Aids, os Enongs, como so conhecidos. A primeira reunio aconteceu em So Paulo, em 1987,

reunindo os trs Gapas existentes poca (So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro). Em 1990, no

encontro de Porto Alegre, j contava com a participao de outras instituies, como GGB, Abia e

Iser, quando foi proposta a criao de uma rede brasileira de solidariedade, a ser discutida em um

frum ampliado, em abril de 1990, na cidade de Santos. As disputas ao interior do espao militante

davam-se entre as associaes de luta especfica contra a aids e os grupos onde a aids apareceu como

tema transversal (movimento homossexual, movimento de hemoflicos, renais crnicos e

talassmicos), em especial os grupos homossexuais; e entre as associaes especficas com posio

mais poltica ou mais assistencial, com mais e menos recursos.

As principais disputas identificadas ao interior do espao militante e na sua relao com os

demais subespaos esto relacionadas a (ao):

a) Financiamento, estrutura e articulao com o Programa Nacional de Aids (ONGs mais

antigas, melhor estruturadas e com maior capacidade de captao de recursos eram

!
! *)(!

denominadas King-ongs ou poderosas, enquanto as mais novas, eram consideradas pobres

ou fracas)117 (Contrera, 2000);

b) Viver com HIV/aids (se inclui apenas aqueles com HIV/aids ou incluiu infectados e no

infectados que convivem com soropositivos) (Galvo, 2000)

c) Preveno (quadro 8) (se o discurso incorporava ou no a discriminao e tambm uma

mensagem condenatria aos homossexuais ou ao sexo; se pautada no medo ou na

solidariedade, no viver com a doena)118 ;

d) Uso do termo tcnico: homens que fazem sexo com homens HSH (apndice VII) (para

militantes homossexuais o termo considerado uma despolitizao da homossexualidade,

enquanto para outros militantes e profissionais da aids, o termo contribui para a incluso de

homens que tm prticas homoerticas mas no se consideram homo ou bissexuais, bastante

comum realidade brasileira).

(...) afirmo que no Brasil (e talvez devido ao hipottico preconceito) a maioria dos homens
que tm relao sexual com outros homens no se considera e no considerada
Homossexual. Afirmo que o termo Homossexual (ou seus sinnimos, todos pejorativos)
entendido (!) pela quase totalidade da populao brasileira como referente a indivduos
que tm certos trejeitos afeminados e que so considerados marginais, sem vergonhas,
ridculos, doentes, viciados, ligados prostituio e ao crime(...) (Paulo Fatal. Invicta:
aids aqui. 1988. p. 26)
!
Outro espao onde eram tratadas as questes relacionadas epidemia e que permite a

identificao de disputas so as reunies da Comisso Nacional de Aids.

6.8 Comisso Nacional de Aids: a construo do discurso oficial

Com a chegada de Maria Leide na DNDS, em fevereiro de 1986, foi realizada uma reunio

nacional do Programa Nacional de DST/aids, sob a coordenao de Paulo Roberto Teixeira, do

Programa Estadual de Aids de So Paulo, na qual foi traado o primeiro plano de ao e foi criado um

comit assessor de aids, denominado Comit de grupos de risco (Figura 8) (Oliveira, 2008).

O Comit foi histrico e coordenado por Paulo [Teixeira] inicialmente tendo grande
ajuda de Jair Ferreira do Rio Grande do Sul, Lucia [Amaral], Eliana [de Paula] da

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
117
urea Celeste da Silva Abbade. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP.
118
Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ;.
Luiz Roberto de Barros Mott. Entrevista realizada em 23/03/2011, Salvador, BA.!

!
**)!!

SES-BA, Mirian, professores de DIP de vrias universidades, Vicente Amato Neto, do


Emlio Ribas, e os grupos de risco. (...) Uma das primeiras funes do comit foi apoio
na presso por um oramento que permitisse executar o plano traado. (Maria Leide
Wan del Rey de Oliveira, comunicao por e-mail em 12/04/2012)

A partir desse Comit, com a chegada de Lair Guerra, foi criada a Comisso de

Assessoramento em Aids, que se tornou responsvel pela elaborao do discurso de autoridade com

relao aos principais dilemas relacionados epidemia da aids no pas, quando ainda havia pouco

conhecimento sobre a doena e no existia uma resposta teraputica. A Comisso tinha carter

tcnico-consultivo e como objetivos: assessorar o Ministrio da Sade em todos os aspectos

relacionados com o controle da aids no Brasil; acompanhar a execuo e participar da avaliao

semestral do Programa de Controle da Aids; acompanhar no nvel internacional a evoluo das

pesquisas relativas aids; e assessorar a Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria na divulgao

das informaes s Coordenaes Estaduais do Programa. A portaria de criao da Comisso de

Assessoramento em Aids indicava 18 representantes de diferentes rgos e instituies, sendo

sete membros natos: Conselho Federal de Medicina (CFM), Conselho Federal de Odontologia (CFO),

Federao Brasileira de Hemofilia, Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Colgio

Brasileiro de Hematologia e Hemoterapia, Inamps, Grupo de Apoio e Preveno Aids; e

representantes de 11 instituies que compunham a secretaria executiva: a diretora da DNDS, o diretor

do Centro Nacional de Referncia em Aids, os diretores dos Centros Nacionais de Referncia das

DST, e representantes do Pr-sangue, do Programa Nacional de Capacitao de Pessoal para Controle

da Infeco Hospitalar, da Secretaria Nacional de Vigilncia Sanitria, do grupo de Odontologia do

Ministrio da Sade, da Diviso Nacional de Educao em Sade, da Fiocruz, da Diviso Nacional de

Epidemiologia e da Coordenadoria de Comunicao Social do Ministrio da Sade. Alm de sete

personalidades de notrio saber e reconhecida atuao no controle da aids, indicados pelo Ministrio

da Sade (Brasil, 1986a), contudo no houve uma relao nominal de quem eram esses

representantes e nem foram localizadas as atas das duas reunies realizadas nesse perodo (Brasil,

1994a; 2003b).

!
! ***!

Figura 8 Primeira reunio do Comit de grupos de risco de aids, Ministrio da Sade, 1986: Paulo
Bonfim e Edward MacRae, fundadores do Gapa-SP; Luiz Mott, GGB; um representante dos
hemoflicos; Maria Leide, Diretora da DNDS/Programa de AIDS; Darcy Valadares e uma tcnica da
Educao em Sade do MS. Em discusso a proposta da primeira grande campanha de aids. (Foto:
Luiz Mott, arquivo da Dra. Maria Leide Wan Del Rey de Oliveira)

A partir de 1987, a sua denominao foi modificada para Comisso Nacional de Controle da

Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (CNCSIDA) e a lista de membros passou a ser nominal,

indicando a instituio de cada participante. Os 10 membros da comisso foram indicados pela equipe

do Programa Nacional de DST/Aids, compondo um grupo de experts, todos mdicos, exceo de

Lair Guerra, biomdica, e de Hlio Pereira Dias, assessor jurdico do Ministrio da Sade (Quadro 9).

Assim, houve um retrocesso no nmero de componentes e a excluso do Gapa (Brasil, 1987b), o que

indica um reforo do componente tcnico-cientfico.

Entre 1986 e 2001, foram publicadas 08 portarias que alteraram a composio e denominao

da Comisso, mas mantiveram seus objetivos, adequando-a a estrutura do Ministrio da Sade em

cada momento. Em 1994, sofreu uma reformulao e recebeu a denominao pela qual conhecida at

hoje: Comisso Nacional de Aids (Cnaids) (Brasil, 1986a; 1987b; 1988e; 1992; 1994a; c; 1996;

2000a; b; 2003b).

!
**+!!

Quadro 9 Membros da CNCSIDA, conforme portaria MS/GM n. 101 de 10 de maro de 1987, e


trajetrias profissionais.

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Em 1988, voltaram a figurar na sua composio representantes da sociedade civil organizada,

incluindo alm do Gapa-SP, outras associaes interessadas na epidemia da aids como GGB, Abia,

Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC), Conselho Nacional de Igrejas Crists

(Conic) e Associao Nacional de Moradores; representantes das universidades; do ministrio da

sade; das secretarias estaduais de sade e do campo mdico (Brasil, 1988e).

Enquanto instncia de assessoramento ao Programa Nacional nas questes tcnico-

operacionais relacionadas epidemia da aids, a Cnaids assumiu importante papel na formulao

inicial da poltica, constituindo-se como um grupo de experts no assunto, de diferentes subespaos

sociais, que construam o discurso oficial (Brasil, 2003). A redao das normas/relatrios, segundo

!
! **#!

Pedro Chequer, era delegada ao mdico infectologista Vicente Amato Neto, professor de Doenas

Infecciosas Parasitrias da Faculdade de Medicina da USP119 , apontando mais uma vez para a

posio dominante dos mdicos nos diferentes subespaos do espao aids. No perodo de 1986,

quando foi criada, at 2001, foram realizadas 63 reunies da Cnaids (Brasil, 1994a; 2003b).

Na primeira gesto de Lair Guerra (1986 a 1989), a discusso dos pontos de pauta resultavam

na elaborao de recomendaes tcnicas que eram adotadas pelo Programa120 ou na constituio de

subcomisses de especialistas para a definio de normas tendo como base essas recomendaes, que

incluam membros e no membros da comisso, como no caso da definio dos critrios para uso do

AZT (Brasil, 1988b; 1994a).

A introduo de um dos nmeros do boletim epidemiolgico que traz um documento

elaborado pela Comisso Nacional de Controle e Preveno da Sida/Aids, deixa claro o seu papel na

elaborao do discurso oficial:

Os documentos publicados nesse nmero representam a posio da DIVISO NACIONAL


DE DST/AIDS-MS sobre direitos humanos e sobre a questo de testes sorolgicos para a
entrada no Pas. Qualquer pronunciamento contrrio a esta posio de responsabilidade
pessoal do declarante. (Lair Guerra de Macedo Rodrigues, Diretora da Diviso Nacional de
DST/Aids, Boletim epidemiolgico, ano III, n. 7, p. 1)

Ou seja, naquele perodo, a Comisso era parte do Estado e teve importante papel tcnico e

poltico, assessorando o Programa na definio das estratgias a serem adotadas (Brasil, 1994a).

Contudo, em outras instncias governamentais isso nem sempre ocorria, a exemplo da obrigatoriedade

da testagem para admisso e nos exames peridicos das foras armadas, que ia contra a orientao

tico-legal da Comisso. Essa orientao foi revogada em 2001 atravs de ao civil pblica (Portaria

n. 12/DGS, de 25 de janeiro de 1989) (Brasil, 2003). De modo que a referida comisso era

reconhecida principalmente dentro do espao aids, o que implicava poder simblico, mas no fora

desse subespao social.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
119
Pedro Novaes Chequer. Entrevista realizada em 03/08/2011, Braslia, DF.
120
Por exemplo os documentos Recomendaes sobre o uso de AZT no pas, posicionamento inicial acerca da Aplicao
de teste anti-HIV para estrangeiros e o documento Crianas e adolescentes em situao de risco, os dois ltimos
publicados inclusive no Boletim Epidemiolgico (ano I, n. 8; ano II n. 10);

!
**$!!

Para Bourdieu, a comisso uma inveno organizacional que aglutina agentes com o

objetivo de fazer coisas que no fariam isoladamente121 . A comisso produz efeitos simblicos da

entrada em cena do oficial, d conformidade oficial representao oficial, elabora uma (nova)

definio de um problema pblico, elabora uma soluo, um relatrio, que se torna discurso de

autoridade (Bourdieu, 2012). O meta-poder do Estado materizalizava-se nas resolues da Cnaids,

incorporadas como polticas. Do seu surgimento at o final da primeira gesto de Lair Guerra em

maro de 1990, foi esse essencialmente o papel da comisso.

Entre os membros da Cnaids havia representao do Conselho Nacional de Igrejas Crists

(Conic), mas outras instituies das diferentes tradies religiosas tambm tiveram participao ou

influncia no espao aids

6.9 O campo religioso e o controle da aids

Alguns estudos tm analisado a resposta religiosa epidemia da aids no pas, abordando a

contribuio das diferentes tradies religiosas (Galvo, 1997; Garcia, Laboy et al., 2009; Garcia e

Parker, 2011; Murray, Garcia et al., 2011). Esse estudo no teve como objetivo abordar os aspectos

envolvidos nessa questo, entretanto, tratando-se de uma sociedade onde a religiosidade e o

ecumenismo so bastante presentes e de uma enfermidade relacionada sexualidade, ao uso de drogas

e, do ponto de vista religioso, a transgresso moral, a questo religiosa algumas vezes emergiu nas

falas dos entrevistados, denotando a importncia de analisar o papel dos agentes desse campo na

configurao da poltica brasileira para controle epidemia da aids no pas, em especial para as

estratgias de preveno.

A anlise apresentada nesse tpico foi embasada em alguns fatos histricos identificados nas

entrevistas e em anlise documental, bem como, reviso bibliogrfica sobre o tema resposta religiosa,

buscando elucidar a sua interferncia na elaborao do discurso oficial.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
121
La commission est une invention organisationnelle (...) qui consiste mettre les gens ensemble de telle manire qutant
organiss de cette faon, ils font des choses quils ne feraient pas sils ntaient pas organiss comme a. (Bourdieu, P. Sur
l'tat: cours au Collge de France 1989-1992. Paris: ditions Raisons d'agir ditions Seuil. 2012 p. 49)!

!
! **%!

No Brasil, at a dcada de 1970, havia uma hegemonia da religio catlica entre os brasileiros,

que superava o percentual de 90%, resultado da influncia do processo histrico de colonizao

portuguesa e do status de religio oficial at 1891122. Atualmente, a religio catlica continua sendo

predominante no pas (73,6% em 2000; 64,6% em 2010), a despeito da tendncia ao crescimento da

diversidade de outros grupos religiosos, em especial de evanglicos, que passaram de 15,4% em 2000

para 22,2% em 2010 (IBGE, 2012).

No incio da epidemia, a inexistncia de uma teraputica eficaz e as caractersticas de uma

doena fatal tornavam a capacidade de resposta religiosa no nvel local, por vezes, maior que a do

prprio sistema de sade, apesar de a doena historicamente ter sido associada pela religio ao pecado.

Inicialmente, o discurso religioso, em especial da igreja catlica, mas tambm das igrejas

pentecostais, relacionava-se decadncia moral, associando a aids a desvios de comportamento, haja

vista os principais grupos atingidos pela epidemia (homossexuais, usurios de drogas injetveis e

profissionais do sexo). Esse ponto de vista reforava o estigma e a discriminao associados aos

grupos de risco. A aids era denominada por Dom Eugnio Salles, arcebispo do Rio de Janeiro, como

um castigo divino, como o preo a pagar pelas transgresses cometidas (Galvo, 1997; Parker,

2009).

Vale lembrar, contudo, que D. Eugnio Salles teve importante papel na viabilizao da

construo do primeiro laboratrio P3 no Brasil, intervindo junto Camilo Calazans, presidente do

Banco do Brasil, para a reconsiderao da proposta, inicialmente rejeitada pelo responsvel pela

avaliao do projeto, que possibilitou a criao da rede nacional de laboratrios para isolamento e

caracterizao do vrus no pas.

A CNBB tambm influenciou as mensagens e a linguagem utilizadas nas campanhas

governamentais, como j comentando anteriormente.

Haja vista a proximidade com as populaes menos favorecidas e a valorizao da caridade e

da solidariedade no discurso e na prtica religiosos, a principal caracterstica da resposta epidemia da

aids nas diferentes tradies religiosas foi o papel desempenhado na assistncia e preveno,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
122
De acordo com a Constituio Federal de 1891, seco II, artigo 72, 7o: Nenhum culto ou igreja gozar de subveno
oficial, nem ter relaes de dependncia ou aliana com o Governo da Unio ou dos Estados.

!
**&!!

sobretudo voltada para crianas e mulheres, expressas na implantao de casas de apoio e na

assistncia domiciliar, sendo exemplos a Casa Vida, da Arquidiocese de So Paulo, a PRAIDS123, de

orientao protestante, o Centro de Convivncia Filhos de Oxum, ligada ao candombl, ou o grupo

ecumnico Associao de Ao Solidria (ASAS), no Recife (Galvo, 1997).

Para as religies afro-brasileiras, consideradas como mais tolerantes s questes relacionadas

sexualidade124 , a aids implicou tambm a necessidade de novas prticas relacionadas aos rituais,

como o uso de descartveis ou a esterilizao de instrumentais perfuro-cortante utilizados (navalhas,

tesouras, lminas de barbear e outros) (Galvo, 1997; Epega, 1998; Silva, 1998), e condutas em

situaes envolvendo soropositividade dos filhos de santo do terreiro (Galvo, 1997; Epega, 1998;

Silva, 1998), alm da formao de multiplicadores (Galvo, 1997). Muitas aes foram iniciativas de

grupos no-religiosos como Instituto de Estudos da Religio (Iser), Centro de Referncia e

Treinamento DST/Aids So Paulo (CRT-SP) e Grupo Gay da Bahia (GGB) (Galvo, 1997).

Assim como no campo mdico, burocrtico e no espao militante, So Paulo tambm foi

pioneiro na resposta religiosa. Em 1987, a Arquidiocese de So Paulo, atravs do seu arcebispo D.

Paulo Evaristo Arns, implantou o Projeto Esperana, que promovia atendimento jurdico, apoio

religioso e distribuio de cestas bsicas. D. Paulo teve como brao direito nesse Projeto o padre

Anbal Gil Lopes125(Galvo, 1997), tambm mdico e pesquisador, ou seja, a configurao da primeira

iniciativa no campo religioso, ento, teve como um dos seus principais agentes um padre mdico.

Ainda que essa no tenha sido uma situao frequente, evidencia mais uma vez a dominncia do

campo mdico no espao aids.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
123
A PRAIDS uma casa para atendimento de doentes com HIV/aids, mantida pela Viso Mundial em convnio com o
Centro Evanglico de Apoio Vida, Ceavi, na zona sul de So Paulo.
124
Segundo estudo conduzido pelo Centro Baiano Anti-Aids, entre os pais e mes de santo de 500 terreiros em Salvador,
82% disseram aceitar homossexuais, enquanto na populao brasileira em geral a rejeio a esse grupo chegava a at 80%.
(Mott, L. Os candombls da Bahia e a AIDS: pesquisa em 500 terreiros de Salvador. In: Mott, L. e Cerqueira, M. (Ed.). As
religies afro-brasileiras na luta contra a AIDS. Salvador: Centro Baiano Anti-Aids, 1998. Os candombls da Bahia e a
AIDS: pesquisa em 500 terreiros de Salvador, p.9-28)
125
Filho de uma famlia de pesquisadores, Anbal graduou-se mdico pela USP em 1973. Ainda durante a graduao
resolveu cursar em paralelo o curso de Teologia do Seminrio Arquidiocesano de So Paulo. Foi ordenado padre em 1973
com autorizao do Papa Paulo VI por no ter cumprido as exigncias mnimas para o ingresso oficial na igreja em funo da
formao em paralelo com o curso de medicina. poca, j era doutor em Fisiologia de rgos e Sistemas pela USP (1976)
e tinha feito ps-doutorado na rea de Biofsica de Processos e Sistemas na Universidade de Yale (EUA) (Gamboa,
T.Habemus Padre.Disponvel em: <http://www.olharvital.ufrj.br/ant/2005_07_21/2005_07_21_historiaviva.htm>. Acesso
em: 12/10/2012.).

!
! **"!

No campo burocrtico, o CRT-SP tambm incentivou a resposta religiosa, atravs da criao,

em 1988, do Grupo Religioso de Educao, Apoio e Solidariedade, de carter ecumnico, que buscava

definir reas de atuao e capacitar integrantes das diferentes religies; e no dia 1o de dezembro de

1988, dia mundial de combate aids, 20 lderes religiosos participaram de ato ecumnico na Catedral

da S, tambm a partir de uma mobilizao promovida pela SES-SP (Galvo, 1997).

O principal conflito entre o discurso do campo burocrtico e o campo religioso sempre esteve

relacionado ao uso do preservativo, em especial para as religies de tradio crist, onde predominam

os conceitos relacionados ao campo da moral. Para a igreja, as campanhas que incentivavam o uso do

preservativo para preveno da aids eram um estmulo promiscuidade sexual (Galvo, 1997; Parker,

2009).

Estudos tm evidenciado uma divergncia entre o discurso oficial da igreja catlica, proferido

pelas principais autoridades eclesisticas, condenando ou silenciando a respeito das campanhas

preventivas que promoviam o uso do preservativo e o respeito s diversidades sexuais, e a atuao de

alguns de seus agentes, principalmente no nvel local. Neste ltimo nvel, as lideranas eclesisticas

locais adotavam posies mais flexveis, semelhante quela da instituio com a qual a diocese

conseguia articular a resposta epidemia (Parker, 2009; Murray, Garcia et al., 2011).

As religies afro-brasileiras mostravam-se mais receptivas quando se tratava de uso de

preservativos. De acordo com o levantamento junto a terreiros de Salvador, realizado pelo Centro

Baiano Anti-Aids, os pais e mes de santo entrevistados reconheciam o preservativo (47%) e a

informao (15%) como melhores formas de proteo, seguidos da prtica de sexo seguro, utilizao

de material perfuro-cortante descartvel e esterilizado, ainda que tambm tenham referido o

afastamento dos portadores e a prtica da monogamia, em propores menores; alm de em sua

maioria (93%) terem concordado em se tornar centros de preveno da aids e distribuio de

preservativos (Mott, 1998).

O fato de Lair Guerra, primeira coordenadora do Programa Nacional de DST/aids ser batista,

segundo Pedro Chequer, contribuiu no enfrentamento ao posicionamento da igreja catlica, mantendo

sempre a autonomia do Programa e do Estado na elaborao do discurso oficial.

!
**'!!

(...) a igreja queria interferir, mas eu acho que foi um momento favorvel
porque a Lair era batista e a interferncia da igreja catlica era vista como uma
coisa esquisita, protestante e a igreja catlica romana. (...)qualquer voz de
interferncia catlica, era mais que a interferncia do estado l, era uma ofensa
do ponto de vista da ideologia religiosa. (...) Ento isso ajudou sabe, ajudou por
que talvez se fosse ao contrrio fosse mais aquiescente, n? J imaginou se
fossem os catlicos carolas, por exemplo, ia ser muito mais aquiescente
interveno da igreja catlica. (...) (Pedro Chequer, entrevista realizada em
03/08/2011)

Contudo, percebe-se que nem sempre o discurso oficial ficou livre da interferncia do campo

religioso, em especial da igreja catlica, predominante no pas, o que pode ser ilustrado pela censura

prvia imposta campanha de 1987 pelo Ministro da Sade que resultou na substituio de termos

como camisa de vnuse coito anal, pelos termos preservativo e relao sexual, por sugesto

da CNBB126.

Essa articulao entre agentes de diferentes subespaos foi uma marca da resposta brasileira

epidemia da aids. A complexidade e diversidade das relaes estabelecidas, congregando militantes,

mdicos, religiosos, pesquisadores e burocratas, contriburam para a complementaridade das diferentes

vises, resultando em uma resposta estatal precoce, baseada nos princpios propostos pela Reforma

Sanitria Brasileira, embora incipiente e pouco estruturada, principalmente em decorrncia das

possibilidades teraputicas da poca e da estrutura do sistema nico de sade brasileiro que comeava

a ser implantado. A criao de novas instituies especializadas naquele primeiro momento, como

associaes de luta contra a aids, estruturas administrativas especializadas (Programas Estaduais,

Programa Nacional), centros de aconselhamento e testagem e centros de referncia, bem como o

estabelecimento de grupos de experts em suas respectivas reas, foram fundamentais para a

consolidao da poltica nacional no perodo seguinte (1990-2001), com a adoo de medidas de

vanguarda para um pas em desenvolvimento.

! !

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
126
Pastoral pede clareza na campanha. Folha de So Paulo. So Paulo. 26/02/1987 1987.

!
! **(!

7 Evoluo e consolidao da Poltica Nacional de luta contra a aids (1990-2001)

A resposta epidemia da aids na dcada de 1980 ocorreu a partir da integrao e

complementaridade da ao de agentes de diferentes subespaos. Sendo os homossexuais o principal

grupo afetado quele momento pela aids, o movimento gay teve importante papel na divulgao de

informaes acerca da doena e sua preveno, assim como demandou uma resposta governamental.

A ocorrncia de casos concentrava-se na maior cidade e principal centro econmico do pas, a cidade

de So Paulo, onde tambm surgiu, no final da dcada de 1970, o primeiro grupo homossexual do

Brasil: o grupo Somos, a partir do qual o referido movimento organizou-se no pas. Apesar de em um

primeiro momento o movimento gay ter negado a doena, teve papel fundamental no reconhecimento

da aids como um problema social que necessitava de medidas especficas.

A resposta governamental aids, no Brasil, apresentou uma especificidade, relacionada ao

nvel de governo que implantou as primeiras aes. Tradicionalmente o Ministrio da Sade

formulava uma poltica nacional, que era seguida e operacionalizada pelas unidades federativas. Em

relao aids, diversas aes comearam a ser implementadas em So Paulo, no Rio de Janeiro e no

Rio Grande do Sul, mesmo quando o Ministrio da Sade ainda no tinha proposies para atuao

frente a nova doena e at mesmo negava a necessidade de interveno. A SES-SP foi pioneira,

implantando o seu Programa de DST/aids no segundo semestre de 1983, sendo seguido por outros

governos estaduais como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A poltica nacional de combate

epidemia comeou a ser implantada em 1985, ano de preparao para a 8a Conferncia Nacional de

Sade, quando o movimento da reforma sanitria comeava a debater nacionalmente seu projeto, e

tambm ano da eleio de Tancredo Neves, com diversos quadros do movimento assumindo postos

nas secretarias estaduais de sade desde 1983 e no Ministrio da Sade a partir de 1985, e quando

ainda eram incipientes as possibilidades teraputicas com relao aids.

Foi a partir da dcada de 1990, com a efetiva definio de dispositivos legais para a

implantao do SUS e novas alternativas de medicamentos antirretrovirais127, bem como com a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
127
O AZT (zidovudina) foi registrado no FDA em maro de 1987; o ddI (didanosina) em 1991; o ddC (zalcitabina) em 1992;
o d4T (estavudina) em 1994; o 3TC (lamivudina) e o SQV (saquinavir) em 1995; o RTV (ritonavir), o IDV (indinavir) e
oNVP (nevirapina) em 1996; o NFV (nelfinavir), DLV (delavirdina) e o AZT+3TC em 1997; o EFV(efavirenz) e o ABV

!
*+)!!

garantia de recursos financeiros atravs do acordo de emprstimo junto ao Banco Mundial que a

poltica nacional de aids consolidou-se. Este captulo trata do perodo de 1990 a 2001, abordando a

fase de consolidao da poltica (1990-1996) e de conformao de estratgias para a sustentabilidade

da garantia do acesso universal (1997-2001).

7.1 Retrocessos e avanos do governo Collor

A dcada de 1990 iniciou com o primeiro governo federal eleito de forma direta atravs do

voto popular aps o perodo da ditadura militar. O governo Collor foi marcado pela poltica neoliberal

de reduo do Estado embasada numa reforma econmica e administrativa, com importante corte de

gastos pblicos (Faleiros, 2006), o que implicou em grandes entraves para o avano da Reforma

Sanitria e do Sistema nico de Sade. Ainda que tenham sido promulgadas as Leis Orgnicas da

Sade (Lei 8.080/90 e Lei 8.142/90), a publicao da Norma Operacional Bsica NOB 01/91

subverteu diversas conquistas dessas leis. Os retrocessos polticos levaram a uma desmobilizao do

movimento sanitrio, dando espao para uma maior protagonismo dos gestores municipais e estaduais.

Ao mesmo tempo, se a legislao ampliou o acesso da populao aos servios pblicos de sade,

houve uma reduo da ordem de cerca de 50% dos recursos destinados sade (Paim, 2008).

Foi nessa conjuntura que Alceni Guerra128 assumiu o Ministrio da Sade, nomeando para

Secretrio Nacional de Assistncia Sade, Ricardo Ackel129, que convidou para assumir a Diviso

Nacional de Aids o mdico Eduardo Jorge Bastos Crtes, professor da UFRJ desde 1977, instituio

na qual se formou e fez Residncia em Terapia Intensiva, com mestrado em Oncologia pela

Universidade da Califrnia (Ucla), um dos principais centros de estudo de aids do mundo, onde

estudou as neoplasias da aids. Crtes havia retornado dos EUA expressando uma posio de oposio

poltica nacional, com algum destaque na imprensa. Na sua opinio, a estratgia governamental
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
(abacavir) em 1998; APV (amprenavir) em 1999; o LPV (lopinavir+ritonavir), o ddiE (didanosina entrica e o
ABV+AZT+3TC em 2000; e o TNV (tenofovir) em 2001.
128
Mdico formado pelo UFPR (1972), com Ps-Graduao em Pediatria tambm pela UFPR (1973-1974), Chefe do Servio
de Medicina Social do Inamps da agncia da Previdncia Social em Pato Branco (1976-1979), Superintendente Regional do
Instituto de Assistncia Mdica da Previdncia Social do Estado do Paran (1979-1982), elegeu-se Deputado Federal em
1983-1987 pelo PDS-PR e em 1987-1991 pelo PFL-PR; e Prefeito do Municpio de Pato Branco-PR, 1997-2000, tambm
pelo PFL. Ministro de Estado de Sade, 1990-1992, durante o governo Collor.
129
Mdico, Professor Assistente da UFPR (17/06/1980-20/11/1997), Diretor do Hospital de Clnicas da UFPR (1986-1990),
Presidente do Inamps e Secretrio Nacional de Assistncia Sade, durante o governo Collor de Melo (1990-1992).

!
! *+*!

menosprezava a expanso e a heterossexualizao da epidemia, bem como a identificao do HIV-2

no pas e a necessidade de implementar aes de preveno e tratamento130 . Alceni pretendia manter

Crtes sobre rdeas curtas131, pois considerava que Lair Guerra tinha autonomia excessiva.

A forma como foi conduzida a troca de dirigentes, com Lair Guerra recebendo a notcia da sua

exonerao pelos jornais, causou constrangimento na equipe132, levando ao afastamento voluntrio de

quase todos seus integrantes133.

(...) as pessoas ficaram com medo de serem demitidas. Ento todo mundo se ajeitou. Como
gente saiu de outros lugares e veio tambm. Ento, eu recebi aquilo realmente arrasado,
porque de quarenta e poucas pessoas, ficaram l, quatro. E [devido] a reforma
administrativa, eu s ia poder ter uma secretria, que era no organograma das divises que
foi uma briga grande que eu tive l, uma secretria e dois assessores. Eu tinha trs DAS pra
dar. (...) eu fiquei inicialmente com menos de 10 pessoas. (Eduardo Jorge Bastos Crtes.
Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011)

Alm da conjuntura de reforma administrativa, a mudana de governo tambm implicou em

uma descontinuidade para a poltica de aids, no apenas relacionada entrada de um novo gestor e aos

cortes de recursos do setor sade, mas devido ao esvaziamento da equipe, a perda do status de

prioridade134 , alm do acesso limitado do novo gestor do programa ao Ministro, pelo menos at o

incio do segundo semestre de 1991, quando a situao do programa foi apresentada por Eduardo

Crtes ao Ministro em uma reunio.

O Alceni Guerra incluiu a aids dentro das prioridades do ministrio depois da famosa
reunio que eu disse em pblico que o Programa de aids estava aqum das necessidades para
o controle da epidemia no Brasil. Foi uma reunio fechada, mas pblica, com todo Estado
maior e Estado menor. Na hora que eu fui fazer o meu relato, eu tive a coragem de dizer isso
pra ele. E ele ficou danado da vida, interrompeu a reunio e saiu. No dia seguinte ele
recomeou a reunio e ele no me demitiu. Ele at valorizou isso e incluiu a aids na reunio
estratgica que ele tinha s segundas-feiras (...). Foi quando teve a grande mudana da aids
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
130
"Africanizao" pode mudar quadro no pas. Folha de So Paulo. So Paulo. 19/08/1988 1988; Crtes ir pesquisar o
retrovrus HTLV-I. Folha de So Paulo. So Paulo. 30/10/1988 1988; Operrios podem ter trazido da frica, diz mdico.
Folha de So Paulo. So Paulo. 30/10/1988 1988.
131
Rdeas curtas. Folha de So Paulo. So Paulo. 26/04/1990 1990.
132
(...) muita gente saiu, acho que foi mais por questo de fidelidade, como tudo se processou. Porque eu trabalhei
diretamente com a Dra. Lair desde a criao. Ela fica sabendo que no mais diretora por um jornal do Rio de Janeiro. (...)
Ela ficou sabendo por algum do Rio de Janeiro que ligou pra ela e disse: Olha, quem vai ser o novo coordenador o
Eduardo Crtes. (...) a gente achou que no foi uma maneira poltica e correta de se exonerar uma pessoa que se dedicou a
essa luta, brigou pela luta. (...) eu no ia me sentir a vontade com uma pessoa que eu no conhecia, teve seus mritos claro,
mas eu no conhecia. Ento, como eu era do quadro do ministrio, preferi me ausentar esse momento at para no atrapalhar
o trabalho dele aqui e deixar ele mais a vontade pra montar a equipe dele como ele quisesse. (Ieda Fornazier, entrevista
realizada em 05/08/2012.)
133
Pedro Novaes Chequer. Entrevista realizada em 03/08/2011, Braslia, DF; Ieda Fornazier. Entrevista realizada em
04/08/2011, Braslia, DF.
134
(...) antes, como eu te disse, no era prioridade. Na semana que eu entrei teve uma entrevista do Alceni Guerra, no Rio,
que ele veio pedir a Xuxa, que na poca estava no auge, pra fazer parte na campanha de crianas, n? De diarreias,
desnutrio infantil e tal. E a imprensa sempre perguntando sobre aids. Ele falou assim Que aids? Aids no um problema.
Problema diarreia e mortalidade infantil. (Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011,
07/12/2011 e 08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ.)

!
*++!!

no Brasil, que eu j tinha ido ao Banco Mundial e ele incluiu a aids e a agente acertou tudo.
(Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e
08/12/2011)

Um jovem pesquisador que estudava a soroprevalncia em populaes vulnerveis infeco

pelo HIV, Crtes foi visto inicialmente como uma possibilidade de revitalizao do Programa

Nacional, cuja gesto anterior era criticada pelo tecnicismo e centralizao (Parker, 2003). Contudo,

sem conseguir articular-se com os pesquisadores da Fiocruz, dominantes no campo cientfico, e com a

oposio das ONGs em reao campanha veiculada em 1991135, mesmo com bons relacionamentos

nos EUA, Eduardo Crtes permaneceu isolado. Ou seja, se no espao aids norte-americano ele

relacionava-se com o plo dominante, ligado oncologia, no Brasil, seu capital cientfico ao interior

do espao aids era restrito. A oncologia, sua especialidade de origem, no teve papel preponderante na

resposta a epidemia da aids no Brasil, como teve nos EUA. De forma que Eduardo Crtes, at aquele

momento, ao interior do espao aids no Brasil, era um recm-chegado tanto no campo cientfico como

no campo burocrtico, desconhecendo as normas e os trmites da tecnoburocracia estatal. Assim, foi a

partir do momento que assumiu a posio no ministrio que comeou a ganhar experincia na gesto.

Alm disso, tinha como fator complicador a ausncia de prioridade dada pelo Ministro epidemia da

aids.

No perodo de maro de 1990 a janeiro de 1992, quando Eduardo Crtes esteve na direo do

Programa, no aconteceram reunies da Cnaids (Brasil, 1994a; 2003b).

importante ressaltar que a gesto de Crtes iniciou-se quando a aids era manchete nas capas

de revistas voltadas para o pblico feminino, como Contigo e Amiga, onde houve a divulgao de

casos de artistas brasileiros, portadores de HIV/aids, a exemplo do cantor e compositor Cazuza e do

ator Lauro Corona. A veiculao constante de notcias e a exposio de imagens quase que

semanalmente em diferentes fases da doena, desde o diagnstico (1987 e 1988, respectivamente) at

a morte dos artistas (1989, Lauro Corona e 1990, Cazuza) permitiram um acompanhamento da

evoluo da doena, evidenciada e materializada nos seus corpos. O preconceito em admitir a doena

tambm apareceu, percebido atravs da recluso e da omisso de informaes ou na exposio dos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
135
As ONGS consideravam a campanha ameaadora pelo apelo ao medo da aids e do doente de aids, assim como criticava a
omisso do governo federal frente epidemia de aids!

!
! *+#!

fatos pela famlia e pelo prprio doente (Faustoneto, 1991). Da mesma forma, em 1991, foi

massivamente divulgado, em mbito internacional, o afastamento das quadras do jogador de basquete

Magic Johnson, portador de HIV/aids.

Naquele perodo, houve, segundo o ento Coordenador do Programa, uma tentativa de

reestruturao da Comisso Nacional, incluindo a participao de esportistas e artistas, com objetivo

de lhe dar maior visibilidade.

(...) eu sugeri que se criasse uma Comisso Nacional de Aids no de profissionais de


sade apenas, mas uma comisso da sociedade. Ento quem ia fazer parte dessa
sociedade? (...) Pel aceitou ser o presidente da nova Comisso Nacional de Aids e a
gente comeou a chamar pessoas da indstria, dos meios de comunicao, do meio
cientfico. Ento, o Pel, vou te dar exemplo de algumas pessoas, muito conhecidas,
representantes da sociedade. O Pel, a Hebe Camargo, o Joo Arajo, que era o pai do
Cazuza, que era uma pessoa muito influente nos meios, no era um homem pblico, mas
era o cara que controlava a Som Livre, que era a maior gravadora brasileira (...) O
Paulo Ayrosa Galvo, que era o diretor do Hospital Emlio Ribas em So Paulo, que o
maior hospital de aids do Brasil. O Walter Clark, ele era um homem de TV tambm, ele
tinha sido o executivo principal da Globo muitos anos e estava dirigindo as redes de TV
educativas. Eu acho que ele tinha se aposentado, sado da Globo, mas era uma pessoa
assim... apesar de [se chamar] Walter Clark, ele era brasileiro, de reconhecida
competncia nos meios de comunicao, enfim, eu tenho isso escrito e outras pessoas da
rea, tanto cientfica como... a comeou a ter um burburinho de gente querendo
participar dessa comisso. (Eduardo Jorge Bastos Crtes, entrevista realizada nos dias
15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011)

Essa proposta significaria uma mudana na composio da comisso e no seu carter. A

Cnaids passaria de uma comisso de especialistas dos campos mdico, burocrtico e do espao

associativo para uma comisso de personalidades/ pessoas famosas, talvez com maior visibilidade e

capacidade de sensibilizao da sociedade brasileira, mas com menor poder tcnico e cientfico e

mesmo com pouca representatividade dos diversos grupos, o que poderia resultar inclusive em uma

menor legitimidade frente elaborao da poltica e do discurso oficial. Contudo, com o retorno de

Lair Guerra, em maro de 1992, essa comisso no chegou a se concretizar. As pessoas chegaram a

ser contatadas, a comisso foi divulgada no discurso do presidente Collor em comemorao ao dia

mundial de combate aids, em 30 de novembro de 1991, mas no chegou a ocorrer nomeao dos

membros ou reunio dessa comisso.

O boletim epidemiolgico tambm sofreu alteraes na sua apresentao e na sua proposta

editorial na gesto de Crtes. Nos anos iniciais (1987-1989), o boletim era um veculo de comunicao

do Programa Nacional que alm das informaes epidemiolgicas apresentava textos acerca das

!
*+$!!

principais questes em discusso, orientaes do Programa Nacional, recomendaes da Comisso

Nacional, resultados de pesquisas ou mesmo anlises da situao epidemiolgica. Sua publicao era

mensal, sempre relativa a 4 semanas epidemiolgicas e impresso em papel branco nas cores vermelha

e preta136 (figura 9). Os dois primeiros nmeros da gesto de Eduardo Crtes mantiveram o formato

anterior, trazendo a traduo de artigos publicados em revistas internacionais, alm dos dados

epidemiolgicos.

A partir do no 10, do ano III, referente s semanas epidemiolgicas 14 a 22 de 1990, com

objetivos de reduzir custos e buscando assemelhar-se ao padro internacional adotado pela OMS e

pelos EUA, o Boletim Epidemiolgico comeou a ser impresso em tamanho ofcio na prpria grfica

do Ministrio, apresentao que s foi modificada no ano 2000, quando o meio eletrnico passou a ser

a principal forma de difuso do Boletim. A maior modificao foi na proposta editorial: o boletim

passou a apresentar apenas os dados epidemiolgicos consolidados em tabelas, sem qualquer relato,

anlise ou divulgao tcnica de assuntos relacionados epidemia da aids (figura 10). O editorial do

Boletim no 11 informava que apresentaria artigos assinados por especialistas a partir da edio

seguinte. O que, contudo, no aconteceu na gesto de Crtes. O Boletim deixou de ser um veculo de

divulgao da poltica e de estudos cientficos, ficando restrito informao epidemiolgica

consolidada em tabelas. Com o retorno de Lair Guerra, em 1992, foi mantida a forma de apresentao,

mas a proposta editorial passou a incorporar novamente anlises da situao epidemiolgica, relatos

de experincias e pesquisas cientficas.

De acordo com Eduardo Crtes, durante sua gesto, foi realizada uma reviso dos dados e

includo o procedimento de dupla digitao para identificao de erros. Existem referncias a um

atraso na publicao dos boletins na mudana da gesto de Lair Guerra para a de Crtes, bem como

uma irregularidade da publicao de nmeros de acordo com Parker (2003). A anlise dos boletins

realizada no presente estudo, contudo, no foi capaz de evidenciar esse atraso, haja vista o perodo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
136
De acordo com um dos entrevistados, antes desse Boletim impresso em grfica foram confeccionados artesanalmente
alguns nmeros com as primeiras informaes epidemiolgicas, contudo esses no foram localizados. (Gerson Fernando
Pereira. Entrevista realizada em04/08/2011, So Paulo, SP.)

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Figura 9a Boletim Epidemiolgico ano I, n. 1, semana epidemiolgica de 23 a 30/1987, frente.

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Figura 9b Boletim Epidemiolgico ano I n. 2, semana epidemiolgica 30 a 34/1987, parte interna.
Figura 9b Boletim Epidemiolgico ano I n. 2, semana epidemiolgica 30 a 34/1987, parte interna.
!
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informado nos boletins ser referente s semanas epidemiolgicas correspondentes ao perodo

apresentado e no ao momento efetivo da sua publicao.

Com a mudana da equipe tcnica, a suspenso das reunies da Cnaids e a nova abordagem do

Boletim Epidemiolgico houve uma quebra nos canais de comunicao anteriormente estabelecidos

entre Programa Nacional e organizaes no-governamentais, secretarias estaduais, mdicos e

pesquisadores, o que pode ter contribudo tambm para o isolamento do coordenador nacional.

As crticas das ONG/Aids estavam associadas principalmente omisso do governo (Abia,

1991a) e campanha educativa Se voc no se cuidar, a aids vai te pegar, considerada

disseminadora de pnico e medo (Abia, 1991b; Galvo, 2000; Nascimento, 2005), contendo peas

para a TV, a campanha tinha trs fases previstas durante o ano de 1991.

(...) era uma campanha de longo prazo.(...) a gente foi criticado, mas a nica avaliao que
teve, no Correio Brasiliense, em dezembro de 1990, mostrou que mais de 80% da populao
tinha aprovado aquela campanha. Mas os entendidos de aids falaram que era um horror (...) Foi
a primeira de uma srie programada, em que a gente primeiro ia criar o choque, depois ia fazer
a campanha contra o preconceito (...) As pessoas no queriam que a gente falasse isso. No pode
falar que a aids no tem cura. (...) Tirando as doenas infecciosas, amigdalite, pneumonia,
tuberculose, sfilis, gonorreia, o que voc cura? Voc no cura diabetes, voc no cura
hipertenso arterial, voc no cura cirrose, voc no cura enfisema. A gente usava no tem
cura, como nenhuma tem, mas no queriam dizer isso, e era aquela coisa, aquela dificuldade.
(...). (Eduardo Crtes, entrevista)

Na primeira fase, foi veiculado um filmete de trinta segundos com algumas pessoas falando,

no estilo depoimento, cuja ideia, de acordo com Eduardo Crtes, era (...) comparar trs doenas

conhecidas com essa doena nova137 e mostrar que todos so vulnerveis ao vrus, portanto deveriam

se cuidar.

Eu tive tuberculose, eu tive cura.


Eu tive sfilis, eu tive cura.
Eu tive cncer, eu tive cura.
Eu tenho aids eu, no tenho cura.
Nos prximos dias, nos prximos meses, no prximo ano milhares de pessoas vo pegar aids
e vo morrer. Se voc no se cuidar, a aids vai te pegar! (Campanha Se voc no se cuidar
a aids vai te pegar, PN DST/Aids, 1991)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
137
Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ.

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Figura 10 Boletim Epidemiolgico ano III, n. 13, semana epidemiolgica 40 a 44/1990, capa e p.3.
!
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Essa primeira pea publicitria devido aos inmeros protestos por parte das ONG/Aids,

permaneceu pouco tempo no ar, segundo texto veiculado no endereo eletrnico do prprio Ministrio

da Sade onde est o vdeo138 . Vale destacar que este o nico vdeo cujo texto explicativo refere qual

era o governo e o gestor do Programa Nacional poca da sua produo e a repercusso da campanha

entre as ONGs, apresentando Eduardo Crtes como diretor do Programa de Conscientizao da Aids,

termo no localizado em qualquer material do Ministrio da Sade ou na imprensa, que quela poca ainda

era Diviso Nacional de DST/Aids, o que evidencia a relao conflituosa com o grupo que o sucedeu na

gesto do Programa (Figura 11).

A segunda fase da campanha tinha o objetivo de reduzir o preconceito e a discriminao dos

portadores de HIV/Aids: abrao no d aids, carinho no d aids, respeito no d aids, e terminava

assim aids no tem cura, mas preconceito tem139, enquanto a terceira fase abordaria as formas de

transmisso da doena (relao sexual, agulhas e seringas compartilhadas, transfuso sangunea e

transmisso vertical)140 (figura 12). A crtica dessa vez estava relacionada ao fato da campanha no

tratar do uso do preservativo como principal forma de preveno141 . Foi um perodo em que as idias

do gestor da poltica nacional no estavam em consonncia com a opinio das ONGs e de especialistas

que vinham destacando-se no enfrentamento epidemia no pas, bem como, de pouca participao e

articulao entre a burocracia estatal e os demais subespaos envolvidos na resposta aids no Brasil.

No final de 1991, o governo brasileiro negou-se a participar de um ensaio de vacinas na fase I,

primeira que testa a vacina em humanos, junto com Uganda, Tailndia e Ruanda142. Conforme relatado

pelo ento coordenador, j havia ocorrido uma reunio trs meses antes, com participao de

representantes da OMS, na qual foi negociada a participao do pas em um esforo conjunto com

pases da Europa e Estados Unidos143 .

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
138
http://www.aids.gov.br/index.php?q=midia/1991-se-voce-nao-se-cuidar-aids-vai-te-pegar, acesso em 22/11/2012
139
Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ.
140
Crtes, E. Opinio: Campanha de aids entra em sua terceira fase. Folha de So Paulo, Opinio, 16 de julho de 1991,
Cotidiano, p. 4-6!
141
Campanha anti-aids no fala sobre camisinha. Folha de So Paulo. So Paulo. 09/07/1991 1991.
142
Governo se recusa a testar vacinas contra aids sem saber resultados. Folha de So Paulo. 05/12/1991 1991.
143
Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ.!

!
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Figura 11 Endereo eletrnico Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais que
apresentava o vdeo da campanha Se voc no se cuidar a aids vai te pegar, com destaque no texto
que faz referencia ao governo e ao diretor do Programa Nacional poca, acesso em 10/12/2012.

Figura 12 Cartaz da campanha Se voc no se cuidar, a


aids vai te pegar, esclarecendo as vias de transmisso.

!
! "%"!

Contudo, como o documento apresentado pela OMS em dezembro de 1991 falava em

transferncia para a OMS da administrao da pesquisa de vacinas no Brasil e definia os

pesquisadores que iriam acompanhar a pesquisa, sem consulta prvia ao Ministrio da Sade, o

Ministro Alceni Guerra no aceitou participar nessas condies144, posio qual se opuseram as

ONGs, que enviaram ao Ministrio da Sade um documento solicitando a continuidade do dilogo

com a OMS e elaboraram a primeira edio ou o nmero zero do Boletim Vacinas Anti-HIV/aids,
Dossi 01: Vacinas - Grupo PELA VIDDA - RJ / SP e ABIA http://www.giv.org.br/projetos/vacinas/cdrom/boletins/dossie0...
editado por um conjunto de ONGs145 (Figura 13).

Figura 13Como
Capa
copiardo Dossi Vacinas, elaborado pelos Clique
o texto. grupos paraPela Vidda RJ e SP e pela Abia
imprimir.

em abril de 1992.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
144
Ibid.
145
Gpv. Dossi I: Vacinas, . Rio de Janeiro: Grupo PELA VIDDA - RJ, Grupo PELA VIDDA - SP e ABIA. Abril 1992.
Beloqui, J. Uma histria de luta contada em dez edies. Boletim Vacinas Anti-HIV/Aids. So Paulo. no 10: 3-4 p. 2003.!

1 de 1
! 10/12/12 10:41
"%#!!

Embora tenha ficado frente do Programa Nacional de Aids por um perodo relativamente

curto (22 meses) quando comparado s gestes de Lair Guerra e Pedro Chequer, pode-se destacar pelo

menos 3 fatos importantes para a consolidao da poltica de controle da epidemia de aids no Brasil

durante a gesto de Eduardo Crtes:

' O incio da distribuio de AZT, pentamidina e ganciclovir pelo Ministrio da Sade em

1991146 (Figura 14);

' O primeiro pronunciamento de um presidente em cadeia nacional de rdio e TV sobre aids, em

30 de novembro de 1991, em razo do dia mundial de combate aids (01 de dezembro)147

(Anexo V);

' O incio das negociaes para o primeiro acordo de emprstimo junto ao Banco Mundial148 .

Figura 14 Notcia da Folha de So Paulo sobre a primeira compra de AZT pelo Ministrio da
Sade, em 22 de fevereiro de 1991.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
146
Sade recebe primeiro lote de AZT em abril. Folha de So Paulo. So Paulo. 22/02/1991 1991.
Teixeira, P.R. Polticas pblicas em AIDS. In: Zahar, J. (Ed.). Polticas, instituies e AIDS: enfrentando uma epidemia no
Brasil. Rio de janeiro: Richard Parker, 1997. Polticas pblicas em AIDS, p.43-68
147
Leia o discurso do presidente. Folha de So Paulo. So Paulo. 1/12/1991 1991.
148
Euclides Ayres de Castilho. Entrevista realizada em 05/05/2011, So Paulo, SP, Pedro Novaes Chequer. Entrevista
realizada em 03/08/2011, Braslia, DF; Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e
08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ.!

1 sur 1
! "%%!

Mesmo que a deciso do Ministro Alceni Guerra em adquirir e disponibilizar medicamentos

para a aids na rede pblica tenha se dado em um momento de presso e sem uma articulao prvia

com outros setores do governo149 , como o Ministrio do Oramento, Planejamento e Gesto, que a

oferta de medicamentos tenha sido escassa e irregular e que o acordo de emprstimo s tenha

efetivado-se em 1993, esses acontecimentos estruturaram a base para a consolidao da poltica

nacional de aids na gesto seguinte. Pode-se destacar que a entrada de um mdico clnico na gesto do

Programa Nacional, com experincia prvia no tratamento de pacientes com HIV/aids em uma

realidade diferente da brasileira, com acesso de medicamentos para o tratamento dos doentes,

associado presso da mdia e das ONGs, contribuiu para o incio da implantao de uma poltica

nacional de acesso a medicamentos para o tratamento da aids. A incipincia da poltica, naquele

momento, pode estar relacionada aos limites do desenvolvimento tecnolgico de uma teraputica

eficaz e a irregularidade da oferta.

O pronunciamento do presidente Collor em cadeia nacional de TV e rdio foi o primeiro e

talvez o nico de um presidente abordando a questo da aids, o que evidencia a priorizao da questo

pelo governo federal a partir do segundo semestre de 1991. Aproveitando o interesse manifestado pelo

presidente que passou a questionar o Ministro da Sade sobre a doena, Eduardo Crtes sugeriu o

pronunciamento no dia 1 de dezembro de 1991.


o
(...) eu falei com o Alceni Guerra que era importante pro 1 de dezembro, que o presidente da
repblica devia falar sobre aids.[Ou] Ele poderia entrar para a histria como alguns presidentes
que se omitiram. Eu falei isso pro Alceni e ele falou pro Collor. E o Collor resolveu fazer o
o
pronunciamento nao pra comandar as comemoraes do 1 de dezembro de 1991.
(Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e
08/12/2011)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
149
Eu fiz uma previso de custos e de remdios, eu tinha isso pronto. No dia que o Alceni me chamou l porque a televiso
estava l e ia cobrar dele e ele me perguntou quanto custaria os remdios, eu disse 30 milhes de dlares. (...) Foi a
primeira vez que eu conversei com ele. Ele mandou me chamar l correndo.(...) A nossa mdia de sobrevida era 6 meses. (...)
Eu vi as pessoas morrerem aos quilos, no tinha remdio, no tinha nada, no AZT, eu estou falando de remdio, no tinha
remdio pra tuberculose pras pessoas, porque no tinham previsto isso. No tinha remdio pra tratar Pneumocystis carinii.
Matava assim... voc via as pessoas morrerem por falta de remdio! Aquele negcio, eu me sentia pssimo. Por isso que eu
quis tanto organizar essa questo. (...) No apenas do AZT, antes do AZT, eu j tinha conseguido aprovar pra tratar todas as
infeces dos doentes de aids e isso foi assim uma mudana enorme. As pessoas estavam cegas, no tinham remdio, as
pessoas morriam de Pneumocystis carinii, ficavam alrgicas ao Bactrim que era o que tinha e no tinha pentamidina. No
tinha, no tinha, simplesmente no tinha. (Eduardo Jorge Bastos Crtes, entrevista realizada nos dias 15/06/2011,
07/12/2011 e 08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ).
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O discurso ocorreu no dia 30 de novembro, na noite anterior ao Dia Mundial de Combate

Aids, devido a uma viagem do Presidente para a Colmbia no dia seguinte. Segundo Eduardo Crtes,

assim como acontece com todo pronunciamento presidencial, o texto foi elaborado pelo cerimonial do

Itamaraty, assessorado pela Coordenao de DST/Aids do Ministrio da Sade.

(...) dois jovens diplomatas que iam l, que eram a interface do presidente comigo, (...) eles
que iam l com o discurso do Collor, pra escrever junto comigo, e eu recheava a questo tcnica.
Foram trs vezes com esse discurso, nas trs eu colocava falar de camisinha, nas trs o Collor
tirou, entendeu? No falou de camisinha. Mas eu colocava. (...) Eles iam l e a? Voc tem que
aprovar o discurso dele, eu recheava, recheava, colocava os grficos e a o Collor fez uns
bonequinhos, fez l os grficos pra mostrar... Foi isso que aconteceu. Foi o Itamaraty. Isso foi
coordenado, provavelmente, pelo Marcos Coimbra, que era o Embaixador, que era acho o chefe
da casa civil dele (...) E eu fiz a parte tcnica do discurso. (Eduardo Jorge Bastos Crtes.
Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011).

O texto foi publicado na ntegra pelo jornal a Folha de So Paulo, no dia 01 de dezembro

(Anexo V), Collor dizia que falava enquanto pai de dois adolescentes e Presidente da Repblica. O

texto dava destaque a questes tcnicas, apresentando informaes sobre a doena, considerada como

uma emergncia mdica, seus modos de transmisso e sua epidemiologia. A aids era caracterizada

como uma doena sem cura, mas evitvel, em expanso, que apesar de ter acometido no incio dos

anos 80 principalmente indivduos do sexo masculino com prticas homossexuais, j apresentava,

naquele momento, maior participao de heterossexuais e usurios de drogas injetveis,

predominando, entre esses ltimos, adolescentes de 13 a 19 anos, bem como avano para municpios

de menor porte. Ou seja, a aids era apresentada como uma doena que ameaava toda a populao, em

especial os adolescentes. O texto destacava ainda a figura do soropositivo e a possibilidade de

disseminao da doena atravs de milhares de pessoas que no sabiam estar contaminadas, mas

poderiam transmitir a doena. O discurso era contra o preconceito e a discriminao, promovia uma

atitude crist, de misericrdia e ajuda aos doentes, defendia a permanncia dos doentes no exerccio

profissional, mas no mencionava o uso de preservativo (sexo seguro) como uma das formas de

preveno e afirmava que a promiscuidade uma forma de comportamento que atenta para a prpria

vida, evocando a questo moral. Foram apresentadas as aes que o governo federal estava

implantando:

' o estabelecimento de um programa de preveno e assistncia;

!
! "%)!

' a constituio da nova Comisso Nacional de Aids que teria por presidente o jogador Edson

Arantes do Nascimento, o Pel, com objetivo de mobilizar a sociedade para essa importante

misso de combate epidemia;

' a distribuio de medicamentos, inclusive o AZT; e

' a descentralizao do combate epidemia para os municpios, atravs da criao de comisses

municipais especficas150.

Por fim, conclamava toda a sociedade civil a se engajar na luta contra a aids e que a guerra

contra a aids seria vencida com a ajuda de todos e de cada um dos brasileiros, e, acima de tudo, com

a ajuda de Deus. A ambiguidade permeava todo o discurso, que dava nfase ora explicao tcnica,

clara e desprovida de preconceitos, ora ao componente religioso, a moral e evidenciava o preconceito

a determinadas prticas sexuais e mesmo ao modo de vida.

7.2 Da resposta samaritana Pastoral da aids: a nova atuao da igreja

A dcada de 1990 marcou o posicionamento da igreja catlica voltada para a resposta

samaritana (Arns, 1990), baseada na compreenso, misericrdia, solidariedade e ajuda aos que

sofrem, promovendo informaes sobre a doena, a assistncia aos enfermos, amigos e familiares,

levando formao de casas de apoio e atendimento domiciliar soropositivos (CNBB, 1996; Galvo,

1997; Parker, 2009), bem como o posicionamento contra a discriminao, como pode ser observado

no caso da menina Sheila.

Apesar de pregar que a aids podia atingir qualquer pessoa atravs da contaminao sangunea,

o discurso da CNBB continuava carregado de preconceito. A proposta era de uma educao sexual

que resgatasse a viso sadia da sexualidade humana, incentivando a viver a fidelidade na unio do

homem com a mulher no matrimnio superando formas de promiscuidade e libertinagem (CNBB,

1996). Ponto de vista que se contrapunha quele dos homossexuais, que priorizavam o prazer.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
150
Na sequencia da reunio que marcou a priorizao da aids pelo governo, o Ministro Alceni Guerra levou a proposta de
criar programas municipais de aids, como j havia sido implantado para outras doenas. (...) Ele mandou uma carta pra cada
prefeito do pas, eu que coordenei essa operao, falando sobre aids, da necessidade de se criar um programa nas cidades.
(Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011, Rio de Janeiro, RJ.)

!
"%*!!

Caso Sheila

Em maio de 1992, a Confederao Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

repudiou a orientao do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de So Paulo

(SIEEESP) de recusar como alunos crianas portadoras de HIV/aids. A deciso surgiu

como resultado da consulta da escola Ursa Maior, que no aceitou a matrcula da menor

Sheila Caroline Cortopassi de Oliveira, de 5 anos, que j frequentava a escola, depois de ter

conhecimento que a menina era portadora do vrus HIV. O caso teve ampla divulgao na

mdia. Alm da CNBB, o mdico Vicente Amato Neto, consultado pela justia paulista, e a

Sociedade Brasileira de Infectologia, representada pelo seu presidente Paulo Augusto

Ayrosa Galvo e seu vice-presidente, Andr Vilella Lomar tambm se posicionaram contra

a posio do SIEEESP e contra a discriminao dos portadores de HIV/aids. Sheila recebeu

uma bolsa do Colgio So Luiz, tradicional colgio catlico de So Paulo.

Fonte: Biancarelli, Aureliano. Pais vo a juiz para matricular filha com Aids. Folha de So Paulo, 1o
de maio de 1992, Cotidiano, p. 3-4.; A falta de informao e a aids. Folha de So Paulo, 30 de maio
de 1992, Cotidiano, p.3-3.!

Embora o discurso no classificasse a homossexualidade como doena, a abordagem deixava

clara essa viso. Excludos os casos de contaminao atravs do sangue, a adoo de comportamentos

baseados em valores de uma moral religiosa seria a nica alternativa segura para evitar a doena.

Nesse sentido, associava o sexo ao pecado e a aids era compreendida como uma punio. Considerava

que o objetivo das campanhas promovidas por rgos pblicos e outras instituies era transformar

prticas de risco em prticas mais seguras, mas que no eliminavam o risco da contaminao, o que

s seria alcanado atravs da adoo dos princpios da moral crist com relao ao valor da

sexualidade, do seu uso e de sua abstinncia (CNBB, 1996).

Em 1995, D. Paulo Evaristo Arns passou a classificar o uso do preservativo como um mal

menor, ainda que no recomendasse o seu uso indiscriminado e tratasse a sexualidade como algo

negativo. Sua fala tambm apontava para a adoo de uma linguagem mais popular, usando o termo

camisinha, que a prpria igreja catlica considerava inapropriado nas primeiras campanhas.

!
! "%+!

Eu no recomendaria simplesmente a camisinha. Mas eu diria se, por exemplo, marido e


mulher, que tem direitos, direito absoluto ao ato conjugal, se um deles tem [aids], ento,
claro que deve prevenir, para que o outro no seja contaminado. Porque entre os dois males,
sempre se deve escolher o menor. Agora, dizer, recomendar a todo mundo: Use camisinha e
faa..., no ? Olha, ela no segura! H 30% de perigo de, sobretudo as nossas, 30% de
perigo. Em segundo lugar, o sexualismo desenfreado no ajuda a nao a crescer. Em
terceiro lugar, ns, como governo, ou como igreja, ou como instituio, ns no temos o
direito de dizer ao outro: Olha aqui, voc pode fazer o sexo vontade, desde que voc se
previna. Eu acho que cada um tem que educar-se para que a vida em famlia seja realmente
a base da sociedade. (D. Paulo Evaristo Arns, Programa Roda Viva, 25/12/1995)

No final do ano de 1997, o irmo Henrique S destacou-se em uma visita de tcnicos do

Ministrio da Sade no Estado do Amazonas. Tratava-se de um caboclo amaznico e pessoa vivendo

com HIV/aids, que fundou um centro de atividades e de convivncia em Manaus. Enfatizava a

diferena entre proclamar e garantir direitos. Irmo Henrique foi o responsvel pelas primeiras

articulaes entre o Programa Nacional, representado pelo seu diretor, Pedro Chequer, e o presidente

da CNBB, Dom Jaime Chamelo, que resultaram na criao da comisso de DST/aids da Pastoral da

Sade em 1999 (Costa Filho, 2004, Pastoral da Aids, 2012). Em 2001, a comisso foi desvinculada da

Pastoral da Sade e foi legalizada a Pastoral da Aids, tendo como bispo referencial Dom Eugnio

Rixen. A Pastoral da Aids era um servio de preveno ao HIV e assistncia aos soropositivos

assumido pela igreja cujo logotipo unia dois smbolos: a cruz que representava a solidariedade e o lao

vermelho, smbolo internacional da aids.

(...) sem preconceitos, acolhe, acompanha e defende os direitos daqueles e daquelas que
foram infectados pela aids. (Diretrizes Gerais da CNBB 2003-2006, n. 123)

Assim como aconteceu com a poltica Estatal, que incorporou os princpios e diretrizes do que

vinha sendo desenvolvido nos estados, na dcada de 90, a CNBB incorporou no seu discurso o que j

vinha sendo executado no nvel local desde a dcada de 80151.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
151
Apesar dos avanos na relao entre Programa Nacional e igreja catlica, em 2012, questes religiosas interferiram na
divulgao da campanha prevista para o carnaval. Voltada para os jovens homossexuais de 15 a 24 anos, grupo que
apresentou 10% de aumento no nmero de casos entre 1998 e 2010, enquanto entre os heterossexuais do mesmo grupo etrio
houve reduo de 20% (Brasil. Boletim Epidemiolgico - Aids e DST. Departamento De Dst, A.E.H.V. Braslia: Ministrio
da Sade. VIII 2011.), a pea apresentava dois homens homossexuais e tinha como slogan "Na empolgao pode rolar de
tudo. S no rola sem camisinha. Tenha sempre a sua". Mesmo aps o lanamento da campanha no Rio de Janeiro com
exibio do vdeo, a pea veiculada na TV pelo Ministrio da Sade foi substituda por outra na qual um casal heterossexual
falava de dados estatsticos que mostravam o crescimento da infeco entre jovens gays e da reduo do uso do preservativo.
O veto teria vindo do Palcio do Planalto segundo o Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministrio da Sade, e
era atribudo ao receio do governo em contrariar grupos religiosos. A informao foi negada pelo Ministro da Sade,
Alexandre Padilha. (Formenti, L. ONGs acusam governo de discriminar gays. Estadao.com.br, 11/02/2012,
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,ongs-acusam-governo-de-discriminar-gays,834415,0.htm)
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7.3 O papel do Banco Mundial na consolidao da poltica

Apesar de no existirem provas documentais acerca da articulao do primeiro acordo de

emprstimo em 1991, os relatos de agentes que ocupavam posies distintas e at mesmo opostas, no

sentido de participarem de polos diferentes na disputa pela dominncia no espao aids (Eduardo

Crtes, Euclides Castilho e Pedro Chequer), convergem nesse sentido.

Quando o programa de aids passou a ser prioridade no Ministrio da Sade, sabe, a ns fomos
includos para o financiamento do Banco Mundial. (Eduardo Jorge Bastos Crtes. Entrevista
realizada nos dias 15/06/2011, 07/12/2011 e 08/12/2011)

Uma outra coisa que o Alceni fez, foi aceitar uma proposta do Banco Mundial para firmar um
acordo de emprstimo para o PN. Ele indicou, isso eu quero dizer sem provas documentais, o
Edmur Pastorello, para negociar junto ao Banco. O Edmur me chamou. Foi o Edmur e eu que
fizemos a carta de inteno para apresentar ao Banco, com palpites do Pedro Chequer. (...) o
Acordo de Emprstimo com o Banco Mundial s foi assinado, que passa pelo Senado, o Ministrio
da Fazenda e tudo mais, pelo Ministro Adib Jatene, mas foi uma iniciativa do Ministro Alceni
Guerra. A verdadeira iniciativa, por parte do Banco Mundial, foi da Maureen Lewis, uma norte-
americana que passou a adolescncia aqui no Brasil. (Euclides Ayres de Castilho, entrevista
realizada em 05/05/2011)

Em 1991. Na poca, Edmur Pastorello, que da USP, trabalhava como assessor do ministrio
para o Alceni Guerra. Ele convidou o Euclides. Eu era uma pessoa antema, por que antes eu
trabalhei (...) como diretor do CENEPI, na poca do clera. E como o ministro Alceni Guerra
quis esconder os bitos, eu denunciei, (...) ele me mandou para o Acre, no podia me demitir
porque eu era estvel no governo e ai o Euclides me chamou escondido porque ele no podia
saber que eu estava envolvido. Ai se fez as duas, trs primeiras pginas do que seria o embrio
do projeto de acordo do Banco Mundial, que o Dr. Adib Jatene assumiu. (...) Ns fizemos uma
reunio no prdio da FUNASA, no anexo que ficou a FUNASA, onde depois passou a ser CENEPI
e agora no sei o que mais, no mais CENEPI por que CENEPI no existe mais. E ai ns
discutimos alguns princpios e tal, que o Pastorello utilizou e depois o Pastorello continuou com o
Adib porque como era da USP, terminou continuando e a coisa aconteceu do primeiro acordo de
emprstimo. (Pedro Novaes Chequer, entrevista realizada em 03/08/2011)

O Banco Mundial j havia financiado, atravs do Projeto Nordeste, um montante de 7,4

milhes de dlares para o controle e preveno da aids, recurso que permitiu a elaborao de

campanhas veiculadas na imprensa e de materiais educativos, bem como aquisio de equipamentos e

materiais para bancos de sangue e laboratrios de sade pblica, contribuindo para a estruturao do

Programa e na preparao do acordo de emprstimo especfico (World-Bank, 1997). Mas foi o Brasil

que buscou o Banco para o financiamento da sua poltica de HIV/aids, em um momento em que este

ainda hesitava em financiar aes relacionadas epidemia da aids, no considerado um investimento

produtivo por parte dos economistas (Beyer, Gauri et al., 2005). O financiamento de projetos

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especficos para controle da aids pelo Banco estavam restritos ao Zaire (1989) e ndia (1991), ainda

que diversos projetos inclussem componentes para o controle da aids e DSTs (World-Bank, 1993).

Com inmeras denncias de irregularidades, o ministro Alceni Guerra deixou o cargo em 23

de janeiro de 1992. O Ministrio da Sade foi assumido interinamente pelo Ministro da Educao, o

fsico Jos Goldemberg, que acumulou as duas funes at 13 de fevereiro, quando o mdico

cardiologista Adib Jatene assumiu o cargo152 .

Eduardo Crtes permaneceu no Programa Nacional at a chegada de Jatene, quando foi

substitudo pela sua antecessora, Lair Guerra. A permanncia de Edmur Pastorello153 na assessoria ao

Ministro Adib Jatene permitiu a continuidade do processo de negociao junto ao Banco Mundial e,

sob a coordenao de Lair Guerra, o projeto foi concludo, tendo contado com a consultoria de vrios

ativistas na sua elaborao. O projeto seguiu ento para tramitao na Cmara dos Deputados e no

Senado.

Com o impeachment do presidente Collor no final de setembro e a entrada de Itamar Franco,

iniciou-se um novo perodo na sade, mas mesmo com a troca de Ministros154, Lair Guerra manteve-se

na coordenao do Programa Nacional de Aids.

O primeiro acordo de emprstimo junto ao Banco Mundial foi assinado em 1993, aps duas

misses do Banco155, a primeira realizada em outubro de 1992 e a segunda em janeiro de 1993.

Tambm conhecido como AIDS I, o projeto tinha como objetivos gerais a reduo da

incidncia e transmisso do HIV e de DSTs; e o fortalecimento de instituies pblicas e privadas

responsveis pelo controle de DSTs e HIV/aids, atravs de um aporte financeiro de 250 milhes de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
152
Vaz, L. Adib Jatene o mais cotado para assumir a vaga de Alceni. Folha de So Paulo. So Paulo. 29/01/1992 1992.
153
Mdico sanitarista e professor doutor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Sade Pblica da USP. Entre
1980 e 1983, foi diretor Diviso Nacional de Doenas Crnico-Degenerativas (DNDCD) do Ministrio da Sade, e
superintendente da Campanha Nacional de Combate ao Cncer, de 1980 a 1985. Foi diretor do Instituto de Sade da SES-SP
entre 1987 e 1989, e secretrio geral do Ministrio da Sade de 1989 a 1990. Em 1992, foi Diretor de Operaes da Fundao
Nacional de Sade e depois Chefe de gabinete do Ministrio da Sade, funo que assumiu tambm entre 1995 e 1996. Na
SES-SP, em 1993 coordenou os Institutos de Pesquisa, entre 1997 e1999 assumiu a coordenadoria de Planejamento de Sade,
e em 1999 foi assessor tcnico de gabinete. Entre 2002-2003 foi diretor tcnico-cientfico da Fundao Oncocentro de So
Paulo, da qual foi diretor-presidente entre 2003 e 2011 (Inca. O cncer como problema de sade pblica. Depoimentos para a
histria do controle do cncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA/Fiocruz: p. 36 p. 2011.).
154
Durante o governo Itamar Franco, no perodo de outubro de 1992 a agosto de 1993, o Ministro da Sade foi o mdico
Jamil Haddad, sucedido pelo tambm mdico Henrique Santillo, que permaneceu no cargo at o final do governo Itamar em
01 de janeiro de 1995.
155
A primeira misso composta por M. Lewis (lder da misso), M. Jacobs (analista de operaes), R. Hoffman (oficial de
operaes), J. Wilson (consultor), K. Holmes (consultor), M. Moore (consultor), E. Ayres Castilho (consultor) e S. Dompieri
(consultor); a segunda, por M. Lewis (lder da misso), M. Jacobs (analista de operaes), J. Wilson (Consultor), C. Bertao
(assessor snior), E. Ayres Castilho (consultor), S. Dompieri (consultor), D. Schopper (consultor) e F. Zacharias (consultor).

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dlares (160 milhes do BIRD e 90 milhes do governo federal), distribudos em 4 componentes

(World-Bank, 1993; Beyer, Gauri et al., 2005):

1. Preveno (U$93,9 milhes): programas de informao, educao e comunicao

voltados para o publico geral e grupos de alto risco; ampliao da capacidade de

diagnstico, aconselhamento, testagem e intervenes precoces; aquisio e

distribuio de preservativos;

2. Servios (U$75,7 milhes): servios de sade para pacientes com HIV/aids e DSTs;

integrao de preveno e servios mdicos ao aconselhamento visando melhorar e

reduzir os custos da assistncia;

3. Desenvolvimento institucional (U$42,3 milhes): treinamento de profissionais de

sade, melhoria de servios laboratoriais e assistncia tcnica; e

4. Vigilncia, Pesquisa e Avaliao (U$14,6 milhes) 156 : vigilncia epidemiolgica,

avaliao do programa e estudos especiais, incluindo anlises epidemiolgicas, de

custos, e impacto econmico do HIV/aids (World-Bank, 1993; Beyer, Gauri et al.,

2005).

O maior volume de recursos estava alocado no componente Preveno, corroborando com a

poltica do Banco, que no aconselhava o investimento em tratamento para pases em

desenvolvimento. Assim, Banco e governo chegaram a um acordo com relao poltica de

fornecimento de medicamentos antirretrovirais: o Banco no concordava com o fornecimento de AZT

garantido pela poltica brasileira, visto que considerava o tratamento caro e no efetivo, e exigia a

reduo de taxas de importao para preservativos, permitindo uma reduo do preo final ao

consumidor (Beyer, Gauri et al., 2005).

(...) Esse um dos artigos que ns estamos trabalhando desde o primeiro momento, desde
1991, 92, 93, a gente j defendia que tratamento era preveno, que o acesso ao tratamento
era preveno.(Valdila Gonalves Veloso dos Santos, entrevista realizada em 14/06/2011)

Um indicador importante da qualidade e efetividade do servio para o Banco Mundial (2004a) foi

a baixa prevalncia de resistncia a medicamentos ARVs (6,6%) documentada por um estudo realizado em

2003 no Brasil (Brindeiro, Diaz et al., 2003). At 2012, contudo, no havia sido monitorada a possibilidade
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
156
Um montante de U$ 23,5 milhes foi reservada para contingncias fsicas e de preo.

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de reverses de comportamentos (no sentido de comportamentos de maior risco) em consequncia do

programa de tratamento bem-sucedido do pas.

Os resultados obtidos levaram inclusive o grupo de avaliao do Banco a ratificar a

importncia do fornecimento de medicamentos ARVs, quando considerou que tanto o AIDS I como o

AIDS II, assinado em 1998, foram fundamentais para investimentos em capacitao para tratamento e

assistncia que viabilizaram a sua adoo (World-Bank, 2004a).

O primeiro acordo de emprstimo foi executado entre os anos de 1994 e 1998, tendo

importante papel no estabelecimento de financiamentos para as ONGs, Estados e municpios e na

criao de uma estrutura adequada ao funcionamento do programa, tornando-o capaz de induzir de

fato uma poltica nacional, inclusive legitimando atividades controversas de preveno como a

reduo de danos157, trabalho com presidirios e programas para profissionais do sexo (World-Bank,

2004a; Beyer, Gauri et al., 2005).

O segundo acordo de emprstimo, o AIDS II, vigente entre 1999 e 2002, teve um custo total

de U$ 296,6 milhes, 99% do estimado (300 milhes de dlares, sendo 165 milhes do BIRD e 135

milhes do governo federal). Apesar de no ter recursos para medicamentos, teve investimentos para

promover hospitais-dia, assistncia domiciliar teraputica, e outros servios a pacientes no

internados; diminuir o custo de preservativos, atravs de reduo de impostos e outros meios;

implantar um sistema de monitoramento e avaliao; e fortalecer a gesto de estados e municpios,

devolvendo algumas responsabilidades (World-Bank, 2004a).

O governo tornou-se fonte importante de financiamento para as ONGs. Com o AIDS I (1994-

1998), 181 ONGs receberam financiamento para 444 projetos na rea de preveno, onde foi mais

importante a atuao dessas organizaes, e 140 projetos de tratamento e assistncia, superando a

meta inicial de 261 projetos financiados, o que foi viabilizado devido reduo do teto de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
157
O aumento de casos entre usurios de drogas injetveis a partir de 1989, levou primeira iniciativa de programa de trocas
de seringas, na cidade de Santos, So Paulo, com o mdico Fbio Mesquita frente do Programa Municipal. A implantao
da medida porm foi questionada pela Procuradoria do Municpio de Santos, que baseada nos artigos 12 e 13 da Lei 6368/76,
que trata das medidas de preveno e represso ao trfico ilcito e uso indevido de substncias que causem dependncia fsica
ou psquica, considerava que a prtica de troca de seringas estaria incentivando o uso de drogas e portanto seria um delito,
levando ao adiamento do programa de troca de seringas. A Secretaria de Sade do Estado de So Paulo, desde o incio da
dcada de 1990 tambm j vinha desenvolvendo estratgias de reduo de danos, mas limitados pela justia paulista, apenas
orientavam a limpeza das seringas com hipoclorito de sdio, o que era insuficiente. Assim, em 1995, Salvador foi a primeira
cidade do Brasil a ter um programa de troca de seringas. Na sequencia, outros estados e municpios comearam a criar
legislaes prprias, e apenas em 2002 foi aprovada a nova lei de drogas no pas, permitindo ao Ministrio da Sade
regulamentar as aes que visem reduo de danos sociais e sade (Lei 10409/02).

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financiamento de U$ 100.000 para U$ 50.000, devido constatao que poucas ou nenhuma das ONG

tinha capacidade para usar aquela quantia. No AIDS II (1999-2002) esse nmero foi ainda maior.

Foram financiadas 795 instituies, que executaram 2163 projetos (1709 de preveno e 454 de

tratamento e assistncia) (World-Bank, 2004a).

Os projetos de assistncia e tratamento executados por ONGs referiam-se a alojamento para

pacientes em tratamento fora do domiclio, grupos de apoio, reinsero social, apoio para gerao de renda,

apoio domiciliar, apoio psicossocial, servios de sade mental e assistncia voltados para a avaliao e

aderncia terapia antirretroviral, alm da criao de casas de apoio para pessoas vivendo com

HIV/AIDS(World-Bank, 2004a).

Verifica-se um aumento considervel do nmero de ONGs financiadas entre o primeiro e o

segundo acordo de emprstimos. Ainda que no tenha sido possvel realizar uma anlise mais

criteriosa acerca da ampliao do nmero de ONGs/Aids a partir do AIDS I, alguns entrevistados

destacam ter surgido diversas organizaes que se tornaram dependentes do financiamento

governamental.

Os recurso oriundos dos projetos AIDS I e II teriam contribudo para a melhoria da qualidade

dos servios de diagnstico, tratamento e assistncia para pessoas com HIV/aids e DSTs, e sua

expanso para todas as unidades federativas. Alm de fomentarem o fortalecimento e a criao de

coordenaes estaduais nos 27 Estados e 150 coordenaes municipais, os projetos tambm

permitiram as primeiras transferncias financeiras diretas para governos estaduais e municipais. Essas

transferncias estavam condicionadas elaborao de planos operativos de ao consolidados (POA).

Foram criados 237 centros de testagem e aconselhamento (CTA); foi desenvolvida uma rede de

servios especializados de sade para pacientes com HIV/aids; houve um fortalecimento do sistema de

laboratrios para monitoramento e acompanhamento de pacientes; foram desenvolvidos softwares

para gerenciamento e controle da distribuio e do uso de medicamentos antirretrovirais (Siscel e

Sisclom); e realizados treinamentos de profissionais de sade e outros quadros tcnicos (World-Bank,

2004a).

Na viso de alguns membros da Abia, como Raldo Bonifcio, Joo Guerra, Jane Galvo,

Rogrio Gondim, Alvaro Matida, Gerson Noronha, Richard Parker e Nelson Solano Vianna, Com

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esse projeto, o Ministrio manifesta sua inteno de superar de uma vez por todas, esperamos os

10 anos de imobilismo e irresponsabilidade governamental que permitiram a desenfreada propagao

do HIV em nosso pas (Schwarzstein, 1993), contudo, demandavam uma gesto democrtica,

transparente e eficaz, acompanhada por uma Comisso Nacional que pudesse efetivamente exercer o

papel de controle social; e consideravam o AIDS I um atalho metodolgico elaborao de uma

proposta de Programa Nacional adequada ao perfil epidemiolgico, desconhecido devido no

realizao de estudos de soroprevalncia anteriores; questionavam a impossibilidade de compra de

medicamentos e remunerao de profissionais e a capacidade de cumprimento da contrapartida

financeira pelo Estado brasileiro e criticavam tambm o tempo exguo para a elaborao da parte do

Projeto referente a cada Estado.

O tempo que nos foi dado (...) foi extremamente curto. (...) Tudo foi feito a toque de caixa.
Mesmo as pessoas responsveis pela Coordenao do programa Estadual de DST e AIDS
estavam desinformadas. As exigncias eram grandes e as planilhas que recebemos foram
decifradas com enorme dificuldade. O pessoal encarregado de coordenar o processo tentou
descentralizar e democratizar, tentou conseguir o maior envolvimento possvel por parte dos
servios pblicos e das ONGs e isso foi bom... Aconteceu que por falta de tempo e de
orientao suficientes muitos dos projetos que recebemos dos servios pblicos no tinham
cabimento. (...) O que acontece que a principal carncia dos servios j existentes diz
respeito falta de pessoal e de medicamentos, e que o Projeto do BM no contempla este tipo
de necessidade. (Raldo Bonifcio, presidente do Pela Vidda de Niteri e membro da
Comisso Estadual de Aids do Rio de Janeiro, Boletim ABIA n. 19, mai/jun 1993, p. 9)

Quando questionados acerca do significado dos acordos de emprstimo para o Programa

Nacional, os entrevistados de todos os subespaos destacam a sua importncia para a estruturao do

Programa Nacional, relacionada contratao de tcnicos, financiamento de projetos de ONGs e

projetos de pesquisa, na opinio de agentes do campo cientfico; melhoria da rede de assistncia,

melhoria da governana e da gesto, e a possibilidade de contratao de bons profissionais, de acordo

com os militantes; e, na viso dos agentes do campo burocrtico, relacionada possibilidade de

financiamento de ONGs e transferncia de recursos para Estados e municpios, realizao de

inquritos, priorizao de populaes vulnerveis, e aquisio de equipamentos como computadores

(figura 15).

Vale destacar que em 1996, o socilogo Betinho achava que mesmo com o financiamento do

Banco Mundial, o Programa Nacional ainda no estava consolidado, queixando-se principalmente com

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relao a insuficincia da assistncia e tratamento no pas e a dificuldade de acesso aos medicamentos,

evidenciando um ponto de vista crtico de esquerda acerca da poltica nacional158 .

Outro ponto destacado por agentes dos subespaos burocrtico e cientfico foi a questo da

manuteno da autonomia nacional frente tentativa de induo de polticas pelo Banco Mundial que

considerava a preveno como nica via para pases em desenvolvimento (figura 15).

Essa autonomia esteve presente desde o incio, quando Lair Guerra no aceitou a criao de

uma Gerncia do Projeto paralela ao Programa Nacional, prtica frequente nos acordos de

emprstimos do Banco Mundial, e foi fundamental para o fortalecimento do Programa Nacional de

Aids159.

O banco queria estabelecer uma gerencia do projeto do Banco Mundial (...). A Lair foi dura com
isso, no aceitou, e onde isso aconteceu o programa no subexistiu. (...) Isso no funciona. Eu
estive na Argentina e tambm apoiei o Banco na formao do projeto da Argentina e l eles
fizeram a gerncia do projeto LUSIDA e o Programa de Aids do nvel nacional, do Ministrio da
Sade. O programa nunca conseguiu deslanchar, o projeto acabou e o programa no se
beneficiou (...) (Pedro Novaes Chequer, entrevista realizada em 03/08/2011)

Nesse sentido, posteriormente, em 2005, na segunda gesto de Pedro Chequer, o pas recusou um

recurso da ordem de U$40 milhes da U.S. Agency for International Development para aquisio de

preservativos, por discordar da exigncia de condenao da prostituio, como previsto nas leis norte-

americanas. Tal condio foi rejeitada pelo diretor do Programa visto que no Brasil, a prostituio no

criminalizada160 , e desde 2002, a ocupao de profissional do sexo faz parte da Classificao

Brasileira de Ocupaes (CBO) na categoria prestador de servio (Rodrigues, 2009), alm desta

categoria profissional ser parceira na execuo das suas polticas, inclusive com representao na

Cnaids.

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!Cartas enviadas ao presidente Fernando Henrique Cardoso por Herbert de Souza, o Betinho, publicadas no Boletim
ABIA, n. 31, de janeiro/abril de 1996.
159
Pedro Novaes Chequer. Entrevista realizada em 03/08/2011, Braslia, DF.
160
De acordo com o cdigo penal brasileiro, so crimes: induzir ou atrair algum prostituio ou outra forma de
explorao sexual, facilit-la, impedir ou dificultar que algum a abandone (Art. 228); manter, por conta prpria ou de
terceiro, estabelecimento em que ocorra explorao sexual (Art. 229) e tirar proveito da prostituio alheia (Art. 230).

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Figura 15 Concepes dos entrevistados acerca do significado dos acordos de


emprstimo junto ao Banco Mundial para o Programa Nacional de DST/aids, segundo
subespaos de insero dos agentes.161

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
161
O apndice VIII apresenta as falas dos agentes que resultaram na elaborao dessa figura.

!
"(*!!

O AIDS I marcou uma nova fase para a poltica nacional de controle da epidemia e tambm

para o espao aids, determinando uma transformao nas relaes entre o campo burocrtico e os

demais subespaos. Com relao ao espao militante, com a possibilidade de financiar projetos de

ONGs, os recursos do Programa Nacional passaram a representar a sustentabilidade de algumas

associaes especficas de luta contra a aids, em especial as de menor porte e com menor capacidade

de captao de recursos internacionais, gerando uma certa acomodao e em alguns casos dependncia

do Programa Nacional, O que tambm garantiu ao Estado maior controle em relao ao espao aids. O

projeto estimulou o dilogo com gays, usurios de drogas injetveis, profissionais do sexo e, na

opinio de Edward MacRae, teve tambm um impacto importante no movimento homossexual,

promovendo o seu ressurgimento, atravs do estmulo a publicaes, campanhas e aes voltadas para

esse grupo especfico.

Eu acho que ao mesmo tempo que foi uma ajuda grande, deu esse retrocesso. (...) Eu acho
que atrapalhou por causa disso, as pessoas se acomodaram com os financiamentos de 30 mil,
40 mil, 50 mil, e pararam de reivindicar qualquer coisa. Ou s fazia isso porque o prprio
Ministrio dava o ttulo. Ento esse ano era mulher, ento s vou trabalhar com mulher. (...)
A epidemia tem tema? No, ento... Se eles mesmos falam, no tem, no escolhe partido, no
escolhe segmento, no tem preconceito com nada, a aids gosta de todo mundo, como que vai
escolher um tema? (urea Celeste da Silva Abbade, entrevista realizada em 20/06/2011)

(...) esse financiamento levou, bom, toda essa ideologia do Banco Mundial, levou ento o
Programa de Aids do Brasil a comear a buscar cada vez mais um dilogo com os gays,
inicialmente, e depois com os usurios de drogas. Especialmente com os gays. (...) com esse
trabalho, o Banco Mundial e o governo brasileiro, querendo ter contato com os gays e
promover essas campanha entre os gays, eles comearam a financiar publicaes, a financiar
reunies e isso deu um novo mpeto para o movimento gay. Ento o primeiro movimento gay
foi assim uma reao contra os mdicos, o segundo movimento j comea, de certa forma,
caudatrio, e vai perdendo a sua estridncia, a sua crtica contra o establishment mdico.
Porque eles passam de crticos a porta-vozes. (...) Foi o dinheiro da aids que financiou esse
ressurgimento do movimento gay. (Edward Baptista das Neves MacRae, entrevista realizada
em 16/05/2011)

O financiamento de projetos de ONGs foi um aspecto destacado por agentes de todos os

subespaos. Esse financiamento foi considerado como positivo no sentido de promover uma maior

articulao com as organizaes no-governamentais, possibilitando a expanso do nmero de

associaes e a sua consolidao, mas alguns militantes e agentes do campo cientfico destacaram

como aspectos negativos a perda da autonomia das ONGs, a acomodao e a reduo do seu papel

poltico (figura 15).

!
! "(+!

As normas do Banco s permitiam o financiamento de projetos, no existindo a possibilidade

de apoio institucional, como garantido por algumas agncias internacionais. Um entrevistado chegou a

falar em uma ditadura do projeto162 . O que foi tambm notado por alguns dos entrevistados foi uma

reduo das crticas ao Programa Nacional por parte das ONGs, compreendido por alguns como

cooptao, mas por outros como um resultado da possibilidade de contratao de militantes/ativistas

(garantida pelos acordo de emprstimo) para os diferentes nveis da gesto das polticas de aids,

contribuindo para um aumento da capacidade tcnica do Programa Nacional e tambm de programas

estaduais e municipais, que associado a estruturao decorrente do aporte financeiro do acordo de

emprstimo, possibilitou uma poltica mais efetiva, da qual eles so partcipes, tambm contribuindo

para a reduo das crticas (figura 15).

O fato de se tratar de um emprstimo foi destacado como ponto negativo, ainda que

compreendido como necessrio. Da mesma forma, foram citados pelo diretor adjunto do

Departamento em 2011, Eduardo Barbosa, casos pontuais de desvios, que na sua avaliao no

superariam os benefcios do financiamento.

(...) eu acho que o recurso do acordo, h muita crtica porque o pas paga, o pas tem que
pagar essa dvida, mas tem vrios estudos, inclusive feitos por grupos franceses, do uso desses
recursos, e que eu acho que eles tem uma avaliao positiva (...) (Maria Ins da Costa
Dourado, entrevista realizada em 05/09/2011)

(...) uma parte dessas ONGs se constituram por conta do financiamento. Enquanto teve
dinheiro, elas funcionaram e na hora que acaba o financiamento, elas fecham. Teve muito
problema com ONGs. Eu venho de ONGs eu vejo aqui mesmo, voc tem desvios que
aconteceram, pequenos, acho isso dentro do contexto geral, nos fizemos uma avaliao que
importante continuar financiando mesmo com alguns problemas localizados que
aconteceram, mas tem assim, hoje acho que tambm um outro perfil dessas ONGs que esto
sobrevivendo e algumas com muita dificuldade. A gente tem, por exemplo, Abia aqui do Rio
Janeiro, instituio super reconhecida, tem um belo trabalho com dificuldade por qu?
Porque ela teve para alm do governo federal, muitos outros investimentos de fundaes
internacionais que hoje diminuram e no mundo est diminuindo esse investimento. A gente
precisa continuar. Esse o desafio de continuar mantendo a prioridade e o investimento dos
pases ricos. (Eduardo Luiz Barbosa, entrevista realizada em 02/08/2011)

Os recursos dos projetos AIDS I e II permitiram iniciar a estruturao da rede de assistncia

aos portadores do vrus e da rede pblica de laboratrios, fundamentais para o apoio estratgia de

acesso aos medicamentos ARV, mas, de acordo com a avaliao do Banco, o pas no avanou na

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
162
Gerson Barreto Winkler. Entrevista realizada em 16/06/2011, Porto Alegre, RS.

!
"(,!!

questo da avaliao das estratgias implementadas (World-Bank, 2004a; Beyer, Gauri et al., 2005).

No sentido de superar essa situao, em 2003, foi criado um setor de avaliao na Assessoria de

Planejamento e Avaliao (Asplav), que elaborou o Plano Nacional de Avaliao (PNA) do PN

DST/aids, que como parte das suas estratgias promoveu a realizao de cursos de ps-graduao

(especializao e mestrado profissionalizante) em Avaliao de Programas de Controle de Processos

Endmicos, com nfase em DST/HIV/aids, oferecidos pela Fiocruz (World-Bank, 2004a) e o sistema de

monitoramento do programa de controle de DST/Aids e hepatites virais (monitoraids) (Santos, Reis et

al., 2010).

At 2012, o governo federal havia realizado quatro acordos de emprstimo junto ao Banco

Mundial para o controle da aids no pas. A anlise dos valores desses acordos apontam para uma

reduo do montante de recursos bem como da participao do banco no acordo, com maior

contrapartida federal, denotando o aumento da sustentabilidade e independncia financeira da poltica

brasileira de controle da aids (Quadro 10).

Quadro 10 Acordos de emprstimo para o controle da aids, perodo de aplicao, montante total,
participao do Banco e do Governo Brasileiro, 1993-2008.

Acordo de Perodo Montante total Banco Governo


emprstimo (assinatura- (em US$) (em US$) brasileiro
encerramento) (em US$)
AIDS I 1993-1998 250 milhes 160 milhes 90 milhes
AIDS II 1998-2003 300 milhes 165milhes 135 milhes
AIDS III 2003-2007 200 milhes 100 milhes 100 milhes
AIDS-SUS 2010-2014 200 milhes 67 milhes 133 milhes
Fonte: World-Bank (1993; 2004b; 2008; 2010)

7.4 Cnaids: nova relao de foras

Pode-se destacar duas fases da Comisso Nacional de Aids, a primeira do inicio da sua

implantao at o incio dos anos 1990, quando j existiam as primeiras possibilidades teraputicas.

No primeiro momento, a voz dos especialistas que conformavam a Cnaids era muito importante para a

construo do discurso oficial e, alm do papel consultivo, as tomadas de posio da comisso eram

acatadas e repercutiam na conduo da poltica, de modo que a mesma parecia possuir de fato um

papel deliberativo, ainda que este no lhe fosse delegado oficialmente.

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! "($!

A Comisso Nacional foi descrita pelos entrevistados como uma instncia de assessoria

tcnica e poltica ao Programa Nacional. Consultiva, sem poder de deliberao, mas com influncia na

tomada de decises em funo da sua capacidade tcnica, por se tratar de um grupo de experts. Alguns

a consideraram como instncia de controle social e quase todos destacaram a grande diversidade de

atores como um fator positivo (Apndice VIII).

Aps a gesto de Eduardo Crtes (1990-1992), na qual no houve reunies da Cnaids, a

comisso foi retomada na nova gesto de Lair Guerra. Com a maior estruturao da poltica nacional,

entre 1992 e 1993, surgiram outras instncias de assessoramento ao Programa Nacional, como o

comit de vacinas, a comisso para estudos e aes no sistema penitencirio, o comit de pesquisa, e

um setor especfico de articulao com as ONGs, levando a um esvaziamento das funes da Cnaids,

que na primeira gesto de Lair Guerra constitua-se como nico espao de discusso e articulao da

poltica.

Segundo o ponto de vista de alguns entrevistados, o surgimento dessas novas instncias estava

relacionado complexidade que a resposta governamental adquiriu, entrada de novos agentes no

espao aids e aos avanos no saber mdico acerca da doena, bem como a formao de uma expertise

em diversas reas. Ou seja, medida que o espao aids foi especializando-se, seja no campo mdico

ou no burocrtico, foram surgindo novas instncias de participao e articulao do Estado com os

demais campos e subespaos interessados no controle da epidemia (Apndice VIII), refletindo as

disputas ao interior do espao entre mdicos e sanitaristas e militantes com a criao de espaos

tcnico-cientficos.

A Comisso assumiu o papel de construir o discurso oficial, legitimado pelo capital simblico

do grupo que a constitua. Contudo, o avano do conhecimento mdico sobre a doena e o surgimento

de uma possibilidade teraputica no final da dcada de 1980 levaram a uma alterao significativa da

correlao de foras ao interior do espao aids. Foram criados espaos autnomos de experts, e a

participao dos demais grupos passou a ser mais pro forma. Segundo os entrevistados, a

diversificao e especializao de comisses tornava mais gil a discusso dos processos. Por outro

lado, esse desmembramento em diferentes instncias de deciso da poltica, de alguma forma,

pulverizou o poder, antes concentrado na Cnaids.

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Alm do aprofundamento da discusso acerca dos aspectos ticos para triagem sorolgica do

HIV e o plano de vacinas, o tema mais frequente nessas reunies foi o projeto do acordo de

emprstimo junto ao Banco Mundial. Mas apesar do Projeto do Banco Mundial ter sido ponto de

pauta, o tom da discusso era de apresentao do projeto e no de solicitao de apreciao, avaliao

e interveno da Comisso (Brasil, 2001, p. 38), o que refora o carter no deliberativo da

Comisso. O Programa Nacional e o Governo Federal assumiram a responsabilidade da negociao,

cabendo Comisso Nacional o papel de acompanhamento e avaliao da sua execuo (Brasil,

2003).

Segundo editorial do Boletim da ABIA, a Comisso Nacional de Aids era (...) o frum de

maior influncia e responsabilidade sobre a formulao e o monitoramento das polticas brasileiras de

controle da epidemia de HIV/aids no pas (...) e congregava (...) o que o pas tem de melhor em

matria de especialistas da aids (Abia, 1993a, p.4).

A conjuntura comeou a mudar a partir das discusses do primeiro acordo de emprstimo

(AIDS I). Pelo carter da negociao, esta permaneceu a cargo do poder executivo, envolvendo

inclusive outras instncias estatais como a Presidncia da Repblica, o Senado Federal, o Ministrio

do Planejamento, Oramento e Gesto e o Ministrio da Fazenda (Brasil, 2005a), estando fora do

escopo das funes da Comisso. Contudo, o papel assumido anteriormente, com forte influncia

sobre a definio das estratgias tcnicas a serem adotadas levou a uma disputa, encabeada pelo

representante da Abia, Joo Guerra C. Monteiro, pelo papel da Comisso. A Abia criticava a

ineficincia da Cnaids no cumprimento das atividades que poderia e deveria desenvolver,

principalmente no que tangia ao debate e a reflexo do processo de negociao com o Banco Mundial,

de modo que o representante da Abia optou por se afastar da Comisso 163 (Abia, 1993a). A

participao teria passado a ser meramente formal, na opinio de integrantes da Abia.

A gente acha que a Comisso estava totalmente inoperante, era incio do projeto do Banco
Mundial, enfim... Toda ateno era o grande projeto que se montava para o Banco Mundial.
(...) Ela no conseguia mais influenciar as polticas de aids, no se dava ouvidos e ateno ao
que se propunha, e ento a Abia efetivamente resolve se afastar como uma maneira de
denunciar essa inoperncia, vamos dizer assim, da Comisso. (Veriano de Souza Terto Jr.,
entrevista realizada em 15/06/2011)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
163
Ata da Reunio da Cnaids de 15 de outubro de 1993.

!
! ")"!

A necessidade de discusso do papel da Cnaids foi reconhecida por todos os seus membros,

mas a posio colocada pela Abia do papel da Comisso em relao ao Projeto do Banco Mundial no

era consenso. Manifestaram-se contrariamente ao posicionamento e/ou sada da Abia164 (Brasil, 1994a,

p. 116):

' Jair Ferreira (SES-RJ), que considerava inapropriado o comportamento da Abia,

retirando-se antes da discusso das funes da Cnaids, sugerida pelo prprio

representante da associao, e episdica a funo relacionada ao projeto do Banco

Mundial165 colocada no documento enviado pela Abia como funo da comisso,

propondo funes mais gerais;

' Lair Guerra, gestora do Programa Nacional, interpretou a sugesto da Abia para que a

comisso no tivesse apenas um papel tcnico, mas tambm poltico;

' Carlos Alberto Morais de S (Hospital Gaffre e Guinle), Berenice Clemente (MEC) e

Eliana de Paula Santos (SESAB) manifestaram-se em apoio a Jair Ferreira com

relao ao comportamento da Abia;

' Dirceu Greco (UFMG) assumiu posio de apoio Abia no sentido de que uma

Comisso forte e independente poderia dar respaldo ao Programa;

' Adelmo Turra (Gapa-RS) e Aurea Abbade (Gapa-SP) no concordaram com Jair

Ferreira, mas afirmavam tambm no entender a posio da Abia com relao a sua

sada da Comisso;

' Silvia Belluci (Centro Corsini) sugeriu discutir as funes sem considerar o

documento da Abia.

Ou seja, a maioria daqueles que se manifestaram no viam motivo para a retirada da Abia da

Cnaids, e alguns agentes, em especial aqueles do campo burocrtico, exprimiram-se contrariamente ao

posicionamento da Abia quanto as funes da Cnaids em relao ao Projeto AIDS I.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
"%&
!Ata de reunio da Cnaids de 15 de outubro de 1993.!!
165
A Abia propunha, entre outras coisas, que a Comisso deveria criar e impor mecanismos de controle social do Projeto do
Banco Mundial (Abia. Comisso Nacional de Aids: o que e para que serve? Boletim ABIA, n. 21, p. 4-5. Rio de Janeiro:
Abia, 1993a.).

!
")#!!

As discusses acerca do papel e funcionamento da Comisso Nacional levaram a incorporao

de modificaes na sua estrutura e composio (Brasil, 1994c), influenciadas tambm pela Lei

8.142/90, que definiu os mecanismos de participao da comunidade na gesto do SUS. Foram

agregadas novas competncias e normalizou-se a participao social, atravs do acordo de como seria

a representao das ONGs/Aids: um total de 05 representantes, dois da regio sudeste, dois das regies

norte, nordeste e centro-oeste e um da regio sul, escolhidos no Encontro Nacional de ONGs/Aids166

(Brasil, 2003). A Comisso passou a ter as seguintes competncias, incorporadas na portaria n. 1.028,

de 31 de maio de 1994 (Brasil, 1994b):

1. Participar na formulao e dar parecer sobre a poltica de preveno e controle das

DST/aids;

2. Discutir diretrizes a serem observadas pelo Programa Nacional atravs dos Planos

Operativos Anuais;

3. Identificar necessidades e coordenar a produo de documentos tcnicos e cientficos;

4. Assessorar o Ministrio da Sade no desempenho das atividades do Programa

Nacional de DST/aids e participar do redirecionamento de estratgias;

5. Desempenhar papel de articulao poltica, mobilizando setores do governo e da

sociedade civil para a luta contra a epidemia do HIV/aids.

Essa viso da Cnaids como uma instncia de assessoria tcnica compartilhada por agentes

dos diferentes espaos, contudo, alguns acreditam em uma perda de importncia, relacionada a fatores

como: o surgimento de outros comits e comisses, que passaram a constituir espaos de discusses

especficas; o aumento da capacidade tcnica do quadro de funcionrios do Programa Nacional; ou

mesmo, os diferentes interesses e estratgias de permanncia dos agentes no espao aids e na prpria

Comisso.

Eu acredito que no que ela perde importncia, mas eu acho que ela tem a funo de
capilarizar essas questes para outros espaos, (...) ento, ela tem outro papel. Eu acho que
so papeis diferenciados, mas que se complementam, mas eu no vejo como perdendo fora
poltica, acho que so papeis complementares e obviamente questes que inicialmente eram
discutidas l, ela passa a ter um foco pra ser discutido em um determinado espao e aquela
comisso muito mais poltica, e as outras tem outras funes. (Gilvane Casimiro,
entrevista realizada em 02/08/2011)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
166
Ata de Reunio da Cnaids de 15 de outubro de 1993.

!
! ")%!

Com o aumento da capacidade tcnica do Programa, no s no sentido dos tcnicos que


estavam l, mas no sentido de conseguir construir grupos especficos. Ento, tinha que
discutir, sei l, os medicamentos antirretrovirais, se montava uma comisso especfica, do
consenso. Esses comits e comisses setoriais vo enfraquecendo um pouco esse papel de
excelncia da Comisso Nacional, embora se mantenha a Comisso Nacional como principal
foco, principal estrutura, ela vai gradativamente perdendo esse poder de dizer sobre o
Programa inteiro. (Alexandre Grangeiro, entrevista realizada em 21/06/2011)

Eu posso te dizer que antes a gente tinha voz. Tinha voz e tinha propostas. Todas as vezes
que ia para uma reunio da Cnaids o Gapa sentava antes, discutia os temas, o que ia ser
falado, como ia ser falado, a gente mesmo se questionava dias e dias naquilo, ento, se levava
quase que um documento pronto com vrios pontos j discutidos e debatidos. Agora, pelo que
eu sei, a coisa j vem pronta para assinar. Ai j no o que era. A nica coisa que eu acho
que isso aconteceu por causa desse financiamento. Por que as pessoas ficaram? Primeiro
porque o Aids-SUS [nota do revisor: referindo-se ao AIDS I, acordo de emprstimo entre
Brasil e o BIRD] muito grande. Todo mundo quer viajar, todo mundo quer ficar em hotis
cinco estrelas, coisa que 90% no sabe nem o que um hotel (...), quer dizer, a orientao do
que discutir no tem, mas tem hotel e isso te compra. Tem a passagem, tem a diria, que pra
gente, voc pode falar 100 reais no nada, mas pra quem no recebe nada, vem de avio,
volta, a pessoa fica assim boba. (urea Celeste da Silva Abbade, entrevista realizada em
20/06/2011)

Refletindo o aumento da complexidade das aes desenvolvidas pelo Programa Nacional e os

avanos tcnico-cientficos, houve tambm uma ampliao dos temas pautados no perodo de 1994 a

1998, mas sem a atuao proativa em todos os temas como observado nos perodos anteriores. A

preveno, como j vinha acontecendo no final da dcada de 80, estava dirigida a populaes

especficas. Comeou a se discutir o uso do teste rpido, os avanos no tratamento antirretroviral e

estratgias para sua utilizao adequada, o fortalecimento das aes de descentralizao, o

aprimoramento da gesto, a questo dos direitos humanos em HIV/aids, os ensaios de vacina. A

Cnaids teve participao ativa em dois momentos: a seleo dos Centros de Referncia Nacional, onde

pesou uma presso da Comisso para participar da operacionalizao do Projeto AIDS I (16 de maro

de 1994); e na atuao junto ao Ministro para cobrar a compra emergencial de medicamentos (31 de

maio de 1995) (Brasil, 2003). Nos dois casos, relacionado principalmente aos representantes de

ONGs.

Com os avanos na terapia antirretroviral, entre 1999 e 2001, as discusses concentraram-se

principalmente na assistncia e nas aes de preveno, as reunies tornaram-se mais informativas das

aes do Programa Nacional, havendo momentos onde foram discutidos temas emergentes como

tecnologias reprodutivas e a no recomendao de um medicamento homeoptico para tratamento da

aids (o Canova). O processo de descentralizao e a sustentabilidade das aes, temas que permeavam

!
")(!!

o projeto AIDS III, ficaram a cargo do Comit Tcnico Assessor de Gestores (Coge)167, criado em

2000 (Brasil, 2003).

Vale destacar que desde 1990, era o Conselho Nacional de Sade a instncia colegiada do

SUS que tinha carter deliberativo acerca da formulao de estratgias e no controle da execuo da

poltica de sade, inclusive com relao aos aspectos econmicos e financeiros (Brasil, 1990). De

modo que, embora tenha tido papel fundamental na definio do discurso oficial e na formulao da

poltica de controle da aids na primeira dcada da epidemia, diversos fatos estabeleceram uma nova

ordem no espao aids brasileiro. Pode-se citar: os avanos do conhecimento mdico e cientfico sobre

a doena aids; o estabelecimento de medidas teraputicas eficazes para o tratamento e controle da

doena; a entrada de novos agentes nesse espao de luta pela organizao da resposta epidemia de

aids no pas (como gestores estaduais e municipais e representantes da indstria farmacutica); e a

regulamentao das instncias de participao popular na gesto do Sistema nico de Sade nos anos

1990. Alm disso, o advento do primeiro acordo de emprstimo colocou a aids como uma questo de

governo. Esses fatos levaram a criao de novas instncias de participao dos agentes de diferentes

subespaos e a redistribuio e pulverizao de foras entre essas instncias. Essa reorganizao

define o espao mdico, tcnico e burocrtico nas subcomisses separando-o do espao militante,

ocupado pelas ONGs, que saram enfraquecidas no seu papel poltico, havendo um deslocamento para

o campo burocrtico.

interessante notar, que as novas instncias como Comit de Vacinas e Comit Assessor para

Terapia Antirretroviral seguem o modelo adotado pela prpria Cnaids em vrias situaes onde havia

a necessidade da discusso de questes especficas para as quais era constituda uma comisso de

experts para a definio da posio oficial sobre assuntos especficos.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
167
O Coge foi criado pela Portaria GM n. 992, de 01 de setembro de 2000. Assim como a Cnaids, tambm uma instncia
consultiva do Programa Nacional, tendo tambm o papel de promover a articulao entre os gestores dos trs nveis de
governo (federal, estadual e municipal) para a incorporao das aes de DST/aids no processo de descentralizao da sade.

!
! "))!

7.5 O acesso universal aos ARV e o reconhecimento internacional

O acesso universal terapia antirretroviral no Brasil foi alcanado atravs de um processo

para o qual contriburam agentes dos diferentes subespaos, em especial dos movimentos sociais.

Quando o AZT foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA)168, em 1987, em seguida,

alguns pacientes no Brasil comearam a fazer uso, atravs do contrabando do medicamento, que ainda

no tinha comercializao autorizada no pas. Geralmente a compra era solicitada a comissrios de

vo da Varig ou da Vasp ou a pessoas que viajavam ao estrangeiro que traziam o medicamento em

suas bagagens169, ou mesmo a importadoras 170. Os compradores eram pacientes ou ONGs como o

Gapa-SP, mas o acesso ainda era muito restrito visto que o AZT ainda no estava disponvel no Brasil

(Souza, 1987).

(...) a gente comprava desde o Zovirax, o AZT, tudo, mesmo comprando fora, mas a gente
comprava ou ganhava. Uma pessoa do Sul, uma vez, eu me lembro, ns tnhamos um paciente
aqui, a eles mandaram do sul para c. Um mandava 15 comprimidos, outro mandava 10 (...) O
que sobrava, vinha e a gente redistribua. E o pessoal da Vasp, se eu no me engano, que ajudou
muito trazendo de fora. (...) o Antnio Angarita que era o presidente. (...) ele dava essas
passagens de cortesia para a gente. Quer dizer, a gente fazia os ofcios endereados a ele, se era
ele que dava ou no... (...) Pra a gente viajar para l e para c, e em uma dessas viagens, os
meninos conheceram esses pilotos e a esses pilotos que tinham viagens internacionais
compravam e depois a gente dava dinheiro. Eu s sei que era em dlar. A a gente dava o
dinheiro, eles compravam e repassavam para a gente ou para os pacientes que tinham grana.
Era assim. (urea Cesleste da Silva Abbade, Gapa, entrevista realizada em 20/06/2011)

A normalizao da venda do AZT no Brasil aconteceu a partir de 08/10/1987, sete meses aps

a aprovao pelo FDA nos EUA, quando a Diviso de Medicamentos (DIMED) publicou portaria com

essa finalidade, questo que foi inclusive debatida na Cnaids (Portaria MS/SNVS/DIMED n. 18, de

08/10/87). Mas o acesso ao medicamento ainda ficou restrito queles que tinham condies

financeiras para arcar com o seu alto custo, numa poca de hiperinflao e grande oscilao do

cmbio. A divulgao da medida foi anunciada atravs de informe publicitrio da indstria

farmacutica, publicado na Folha de So Paulo. No informe, o diretor da Wellcome no Brasil, Ricardo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
168
Agncia governamental americana responsvel regulao e superviso de alimentos, medicamentos, suplementos
alimentares e outras substncias.
169
urea Celeste da Silva Abbade. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP; Jorge Adrian Beloqui. Entrevista
realizada em 18/06/2011, So Paulo, SP; Veriano de Souza Terto Jr. Entrevista realizada em 15/06/2011, Rio de Janeiro, RJ;
Gerson Barreto Winkler. Entrevista realizada em 16/06/2011, Porto Alegre, RS.
170
Jorge Adrian Beloqui. Entrevista realizada em 18/06/2011, So Paulo, SP; Alexandre Grangeiro. Entrevista realizada em
21/06/2011, So Paulo, SP.!

!
")*!!

Lobo, falava como um agente do Estado, usando o nome da DIMED e do Ministrio da Sade (Figura

16).

Figura 16 Informe publicitrio do laboratrio Wellcome, publicado no jornal a Folha de So Paulo


acerca do registro do AZT no Brasil em 26 de novembro de 1987.

!
! ")+!

A sua utilizao no Brasil ficou restrita a hospitais, clnicas e mdicos autorizados pelo

Ministrio da Sade (Brasil, 1988d), embora a importao fosse permitida atravs da apresentao de

receiturio padronizado da Carteira de Comrcio Exterior do Banco do Brasil (Cacex)171, o que

evidenciava uma contradio entre os dois rgos oficiais172.

Ah, era um saco, porque era assim: a Glaxo [Wellcome] estava em Cotia, voc tinha que
comprar e eles vendiam em dlares, no cmbio do dia. E era uma poca de inflao altssima!,
Ento voc tinha que fechar o cmbio do dia, ir no banco, fazer boleto bancrio, tudo formal,
sabe? Mandava isso... Acho que era isso, boleto bancrio ou cheque administrativo, s sei que
era uma burocracia dessa, acho que boleto bancrio. E a eles entregavam na sua casa. (...)
(Jorge Adrian Beloqui, entrevista realizada em 18/06/2011).

Em 1989, no Encontro Nacional de ONGs/aids (Enong) de Porto Alegre, foi elaborada a

Declarao dos direitos do soropositivo (Anexo VIII) que trazia entre outros pontos o direito de

acesso a assistncia e tratamento. A compra de AZT comeou a ser realizada por alguns Estados de

forma incipiente173 , em especial devido a aes judiciais. A distribuio de medicamentos para

doenas oportunistas acontecia desde 1988, de forma muito tmida, e a partir de 1991 teve incio a

distribuio de AZT (Brasil, 2005b).

Em 91. Ento eu comecei em 90. Porque eu comecei em outubro, final de outubro, porque eu
tive uma queda um pouco de CD4. (...) eu tive leucoplasia pilosa, ento um amigo disse Ah,
voc tem que comear!. E depois de um tempo me inseriram, porque eu no sei se eu estava,
porque eu no tinha aids, felizmente eu no desenvolvi, mas no sei se eu tinha direito, mas eu
comecei a tomar igual pelo servio pblico. (Jorge Adrian Beloqui, entrevista realizada em
18/06/2011)

(...) no tinha uma regularidade assim, ou logstica de compra e de entrega, no era uma
coisa muito regular. Mas em 1991, que at foi na breve passagem do Eduardo Crtes no
Programa que se comeou, se aumentou o fornecimento de AZT.(...) Depois, em 1992, quando
o Eduardo saiu, j se manteve. (Valdila Gonalves Veloso dos Santos, entrevista realizada
em 14/06/2011)

A distribuio de medicamentos ARV pelo Ministrio da Sade no era uma proposta inicial,

nem em 1988 na gesto de Lair Guerra174, nem do presidencivel Fernando Collor de Mello em 1989,

que em consulta realizada pelo Gapa junto a cinco dos candidatos a presidente, considerava que a

aquisio do AZT deveria ser encargo dos doentes, das empresas, das instituies privadas de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
171
A Cacex foi desativada no governo Collor a partir de 1990. Atualmente, suas funes esto distribudas pela
administrao direta em rgos do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC).
172
Droga importada para tratamento da aids ser liberada em 20 dias. Folha de So Paulo. So Paulo. 11/10/1988 1988.
173
Em 1989 o Estado de So Paulo iniciou a compra de AZT, mas a primeira compra atendia apenas 7% dos pacientes
(Brasil. O remdio via justia: um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de
aes judiciais. Braslia: Ministrio da Sade: 136 p. 2005b.).!!
174
Droga importada para tratamento da aids ser liberada em 20 dias. Folha de So Paulo. So Paulo. 11/10/1988 1988.

!
"),!!

assistncia e de fontes no exclusivamente governamentais175. Mas pressionado pela imprensa, o

Ministro Alceni Guerra terminou cedendo aquisio de AZT pelo governo em 1991.

Apesar da disponibilidade de medicamentos como AZT, pentamidina e ganciclovir desde

aquele momento, conforme noticiado na imprensa e confirmado atravs de relatos de usurios e

profissionais, o tratamento apenas com o AZT, ou monoterapia, ainda era pouco eficaz (Cohen, 1993;

Seligmann, Warrell et al., 1994).

(...) o AZT matava antes da doena. Os pacientes me diziam assim Eu no quero morrer com
esses remdios. Meus amigos esto morrendo. Eles ficavam verdes de tomar aquele negcio. E
morriam logo. Hoje eu sei com mais certeza ainda que muitos poderiam ter vivido mais tempo,
at chegar o momento de usar uma coisa que no matasse, que o AZT era usado assim de
tonelada e eles morriam rapidamente. (...) se um filho meu tivesse uma doena que o
medicamento matasse antes da doena, eu no ia deixar ele tomar. E a eles me procuravam
porque eu no obrigava a tomar. E a foi que eles me mandaram para o CRM, fiquei uns 7 anos
nessa histria, porque eu no dei o AZT. Eles no pararam nem quando foi proibido. Foi
proibido usar o AZT naquele modelo. Voc tem que usar uma dose dez vezes menor. (...) E isso
provocava uma anemia profunda e eles morriam mais rapidamente. (Valria Petri, entrevista
realizada em 20/06/2011)

Assim, comeou a ser aplicada a terapia combinada, geralmente, associando duas drogas

(AZT+ddI ou AZT+ddC).

A partir de 1994, com o financiamento do Banco Mundial, foram criadas diversas assessorias

jurdicas nas ONGs, seguindo o modelo do Gapa. Foram essas assessorias e em especial a assessoria

do Gapa, atravs da advogada urea Abbade, que em 1996 iriam promover as aes de demanda de

medicamentos para portadores de HIV/aids (Brasil, 2005b).

(...) quando comeou a histria da judicializao da sade(...), era o Guedes o secretrio, eu


coordenava os Institutos de Pesquisa, o CRT era da minha coordenao. Ento as aes
judiciais para comprar esses medicamentos que no estavam no consenso, caiam todas na
minha mesa. E vinham todos em sua maioria assinados pela urea (...). (Jos da Rocha
Carvalheiro, entrevista realizada em 13/05/2011)

No governo Fernando Henrique Cardoso (FHC)176, em maro de 1995, a Portaria n. 21 da

Secretaria de Ateno Sade do Ministrio da Sade, garantiu a todos os pacientes o acesso a AZT,

didanosina (ddI), pentamidina, ganciclovir, fluconazol e anfotericina B. Mas foi a partir de 1996, na

terceira fase da histria dos antirretrovirais, com os inibidores da protease, que de fato surgiram mais

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
175
Candidatos prometem fiscalizar qualidade do sangue. Folha de So Paulo. So Paulo. 11/10/1989 1989.!
176
Foram Ministros da Sade do governo FHC: Adib Jatene (janeiro/1995 a novembro/1996); Jos Carlos Seixas
(novembro/1996 a dezembro/1996); Carlos Csar de Albuquerque (dezembro/1996 a maro/1998); Jos Serra (abril/1998 a
fevereiro/2002).

!
! ")$!

opes de tratamento, medicamentos que permitiram melhores desfechos clnicos e aumento

significativo da sobrevida dos pacientes, uma verdadeira revoluo no tratamento da aids (Scheffer,

2008).

Enquanto a imprensa divulgava os avanos na terapia, ainda em 1995, comearam a acontecer

as manifestaes em espaos pblicos, promovidas principalmente pelas ONG/Aids, mas tambm por

artistas, em iniciativas mais individuais, exigindo a distribuio de medicamentos pelo Estado (Brasil,

2005b).

Em Campinas/SP, no dia 14 de agosto de 1995, 40 manifestantes, entre portadores do HIV e


familiares, ocuparam o pao municipal para reivindicar o coquetel. No dia 26 de setembro,
inmeras ONGs protestaram contra a falta dos novos medicamentos jogando litros de uma
mistura que simulava sangue em frente s Secretarias Estadual e Municipal de Sade de So
Paulo. A avenida Paulista, em So Paulo, foi palco de grande ato no dia 1 de dezembro do
mesmo ano, com dezenas de corpos estendidos pelo cho.
Atos semelhantes pipocavam pas afora e extrapolavam o mbito dos grupos organizados. O
estilista carioca Luiz de Freitas, por exemplo, colocou no final de seu desfile 15 portadores do
HIV em protesto pelo preo e dificuldade de acesso aos medicamentos. J o cengrafo Jos
Roberto de Godoy fez um protesto no Pavilho da Bienal, em So Paulo. Nu, em meio a
caixas de medicamentos, protestou contra a falta dos antirretrovirais. (Brasil, 2005b, p.22-
23).

Desde o surgimento do AZT, Betinho (p. 99) j defendia a garantia de tratamento pelo Estado

aos portadores de HIV/aids. Apesar de no curar a aids, considerava que o AZT dava uma perspectiva

de prolongamento da vida, e que era um dever da sociedade brasileira dar ao aidtico brasileiro essa

chance (Souza, 1987) e teve papel preponderante na definio da poltica de acesso universal aos

medicamentos antirretrovirais.

Com todos os avanos que obtiveram-se no tratamento da aids, Betinho enviou duas cartas ao

Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma em janeiro e outra em fevereiro de 1996, pedindo

medidas mais efetivas. Em ambas, o presidente da Abia relatava suas crticas ao enfrentamento da

epidemia no pas, destacando a no consolidao do Programa Nacional, mesmo com o Projeto do

Banco Mundial, o alto custo de preservativos no pas e a dificuldade para acesso aos medicamentos

oferecidos pelo Ministrio, alm do preo elevado dos medicamentos para aquisio pelos

pacientes 177 . Nos debates do seminrio intitulado Tratamento e Assistncia em HIV/Aids,

promovido pela Abia, nos dias 25 e 26 de maro de 1996, alm dos avanos cientficos, destacava-se a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
177
Estas cartas foram publicadas no Boletim da ABIA n. 31, de janeiro/abril de 1996.

!
"*&!!

no prioridade do tratamento e da assistncia no projeto do Banco Mundial, a dificuldade de acesso

aos medicamentos oferecidos pelo Ministrio da Sade, a inexistncia de uma poltica de

medicamentos no pas e Betinho criticou duramente a periodicidade das campanhas dizendo que Para

o governo, a epidemia um festejo carnavalesco, como se fora do carnaval ningum pegasse aids no

Brasil (Corra, 1996), ponto de vista crtico de esquerda sobre a poltica nacional.

A apresentao na XI Conferncia Internacional de Aids de Vancouver, em julho de 1996, por

David Ho e Martin Markowitz, dos resultados obtidos com um coquetel de 3 drogas, contendo um

inibidor da protease178, associada a deciso favorvel da Justia de So Paulo ao impetrada pela

advogada do Gapa, urea Abbade, em nome da professora Nair Soares Brito para fornecimento dos

medicamentos neodecapeptil, saquinavir e epivir pelo Estado, serviram de impulso para novas aes

judiciais demandando fornecimento de inibidores da protease179. At aquele momento, a nica cidade

do pas que fornecia por conta prpria o coquetel era a cidade de Santos, So Paulo180.

A Folha de So Paulo do dia 13 de julho de 1996 trazia na sua sesso tendncias/debates a

questo A importao de remdios contra a aids deve ser prioridade do Ministrio da Sade?, para a

qual havia trs respostas, que correspondiam aos argumentos dos grupos a favor, que consideravam

um direito do portador de HIV/aids; daqueles que defendiam uma administrao mais racional dos

recursos; e dos que estavam contra a medida, que consideravam discriminar outras enfermidades

(anexo VII):

a) A estratgia era defendida pelo mdico infectologista David Everson Uip, que destacava

que o custo mdio elevado de R$ 1.000,00 por paciente/ms, representava um

investimento da ordem de R$ 143 milhes, mas justificados pelo aumento, qualidade e

dignidade da sobrevida do paciente, bem como pela reduo das hospitalizaes e de

outros medicamentos necessrios, um ponto de vista clnico e individual;

b) A administrao racional de recursos era expressa na fala de Luiz Roberto Barradas

Barata. O mdico sanitarista e secretrio interino de sade do Estado de So Paulo no

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
178
Bouer, J. Terapia consegue... Folha de So Paulo. So Paulo: 16 p. 1996.
179
Feltrin, R. Gapa tenta coquetel anti-aids para mais 20. Folha de So Paulo. So Paulo. 12/07/1996 1996.
Martins, L. Ao quer que SP pague droga anti-HIV. Folha de So Paulo. So Paulo. 20/07/1996 1996.
180
______. Ao quer que SP pague droga anti-HIV. Folha de So Paulo. So Paulo. 20/07/1996 1996.

!
! "*"!

momento da reportagem, pontuava os critrios epidemiolgicos como magnitude e

transcendncia da doena e a eficcia do tratamento como razes que justificavam a

adoo da estratgia. Mas, na sua opinio, a realidade financeira da sade pblica no

permitia um gasto da ordem de R$ 20.000,00 por paciente/ano, argumentos tcnico-

cientficos;

c) E o mdico, deputado federal pelo PSDB-SP e diretor-presidente da Blue Life Assistncia

Mdica, Ayres da Cunha, argumentava contra a estratgia, considerando que a questo da

aids era tratada de forma paternalista e que a distribuio gratuita de medicamentos para a

aids seria uma medida discriminatria e ilegtima com os pacientes de outras patologias.

Posio que podia estar representando os interesses da medicina supletiva pelos recursos

do SUS.

Essas concepes aparecem na fala de alguns entrevistados, seja refletida na sua prpria

concepo ou no relato de posicionamentos com os quais no concordavam, porm, com maior

abrangncia, relacionada no apenas aos medicamentos, mas toda a questo da assistncia sade.

Entre eles, a fala parece mais polarizada entre a justia para os doentes e a discriminao contra outras

doenas, mas no no sentido de negar o direito de acesso a medicamentos ao portadores de HIV/aids,

mas de garantir o direito assistncia sade aos portadores de todas as enfermidades. Esse ltimo

argumento aparece principalmente na fala daqueles que saram do espao aids ou que transitaram por

outros espaos do setor sade. Outra posio destacada por um dos entrevistados era uma posio

homofbica.

(...) eu acho que isso uma obrigao do Estado,(...) existia muitas posies contrrias, que
isso era um absurdo num pas onde voc no tinha as questes mnimas de garantia de direitos,
por que que tinha que dar remdio pra pessoas promscuas. Voc ouvia isso de polticos.
(Gilvane Casimiro, entrevista realizada em 02/08/2011)

(...) eu me lembro de mdicos que tambm atendiam tuberculose e diziam: no, porque meus
pacientes de tuberculose no tem remdios, porque s tem remdios para aids. No tem nada
a ver uma coisa com a outra. (Jorge Adrian Beloqui, entrevista realizada em 18/06/2011)

(...) Eu acho que a Poltica Nacional de aids ela significa para o SUS um exemplo de como a
gente deve trabalhar para as outras doenas. (...) Esse exemplo deveria ser pego, para a gente
trabalhar com as outras, principalmente, com as negligenciadas. (...) eu acho que as outras tem
que se igualar para que a gente possa ter um resultado parecido. (Gerson Fernando Mendes
Pereira, entrevista realizada em 04/08/2011)

!
"*#!!

(...) para a poltica da aids, eu acho que o que o pblico em geral necessita o que j existe.
atendimento quando e onde eles precisam. Voc no v um indivduo com HIV rodando por
a dizendo que no foi atendido. Isso uma coisa indita. Porque voc v gente com lepra
dizendo que no foi atendido. (...) Ento para aids eu no sinto necessidade de mais do que j
existe em termos operacionais. (...). (Valria Petri, entrevista realizada em 20/06/2011)

Diante dessa diversidade de pontos de vista, cabe indagar porque prevaleceu aquele da

universalizao do tratamento.

O Programa Nacional foi considerado por alguns agentes como exemplo de que o SUS

pode dar certo, ou seja, exemplo de poltica integral, universal, e inclusiva, que aproximou

grupos minoritrios como homossexuais, profissionais do sexo, usurios de drogas dos servios

de sade (Quadro 11). Mas pelo menos uma fala deixou claro que os usurios portadores de

HIV/aids tm acesso a servios especializados de sade e suporte comunitrio que no so

acessveis a qualquer pessoa. A excelncia da assistncia prestada pelos Centros de Referncia

estaria, segundo esse relato, restrita aos soropositivos, excluindo inclusive populaes

vulnerveis, evidenciando assim um enfoque no tratamento da doena e a secundarizao da

preveno da aids, por um lado, e por outro, das limitaes das demais polticas ou de outras

polticas sociais, ou seja, a poltica nacional de controle da aids vista como uma exceo.

(...) se voc tem assim um problema de doena infectocontagiosa, voc vai l [Centro de
Referncia] e no pode ser atendido. A pergunta, voc positivo? A voc fala, no sou. J
aconteceu duas vezes comigo. Porque so servios de primeira, porque tem infectologistas que
em geral nos servios no tem, a voc vai l e voc no positivo. E por outro lado tambm eu
encontrei pobres que se no fossem positivos no seriam to bem assistidos, como so tratados
os pobres. E isso vai desde servios de sade a associaes comunitrias que do suporte. Eu
acompanhei uma ONG de usurios de drogas, 35 usurios de drogas em Osasco, e algumas
pessoas falavam: A sorte que eu tive HIV. Porque agora eu tive esse suporte, tenho esse
suporte comunitrio. Era populao de rua, viviam nas ruas sem estrutura nenhuma, a j
tinham casa, tinham moradia... (Osvaldo Francisco Ribas Lobos Fernandez, entrevista
realizada em 26/05/2011)

Outro aspecto destacado pelos entrevistados foi a discusso da poltica com agentes dos

diferentes subespaos sociais, em especial o espao militante, ou seja, a sua importncia como

exemplo de possibilidade dos movimentos sociais interferirem numa poltica. Da mesma forma, na

Frana, a luta pelo controle epidemia da aids teve um cunho de contestao social, uma forma de

expresso poltica, diferindo da representao de uma sociedade solidria, generosa e unida,

observadas nos casos dos movimentos de luta contra outras doenas, como tuberculose e cncer , por

!
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Quadro 11 Concepes sobre o significado da Poltica Nacional de DST/Aids para o SUS.
Concepo Trecho
Como modelo de A poltica da aids, ela significa que o SUS pode dar certo, porque a poltica da aids, ela promove todas essas questes da equidade, da
poltica integral e intersetorialiade, ela universal, ento no tenha duvida de que ela a prova de que o SUS d certo. (Gil Casimiro)
universal, estruturante (...) No tem nada de bom na aids. Mas o bom da aids foi que a aids mostrou um SUS de altssimo nvel, com todos os princpios
do SUS e sem garantidos possvel, mesmo com todos os problemas que a agente est falando aqui. Ele realizou o SUS de um jeito interessante, tirou o
discriminao vu da hipocrisia, da sexualidade escondida. Eu acho que ampliou a generosidade pra com as pessoas homossexuais (...) Eu acho que um
bom exemplo. Com toda suas limitaes. (Vera Paiva)
(...) eu sempre digo que a aids talvez tenha sido a primeira experincia em que a gente conseguiu concretizar os ideais do SUS. O acesso
universal, a assistncia multiprofissional, integral e a participao da sociedade. Um envolvimento mesmo visceral da sociedade, das
pessoas afetadas. (Valdila Veloso)
Como exemplo da A aids (...) um dos maiores exemplos de aglutinao do movimento social. (...) Se tu pegar, por exemplo, a organizao dos diabticos, a
possibilidade dos luta no travada no campo poltico. Ela muito mais no campo da assistncia, das condies de vida, a da aids no, ela vem do campo
movimentos sociais poltico, porque ela perpassa as questes apenas da doena e entra numa seara poltica, a partir do enfrentamento do preconceito, da
interferirem numa discriminao, das condies de vida, do direito do sujeito ser quem ele , perpassa por tudo. E a partir disso se faz a poltica, se faz um
poltica movimento poltico, se faz um enfrentamento com a sociedade, com as instituies, com a igreja, com o estado, enfim. Ento, a aids ela
vai mexer com todo o sistema de sade. (...)ela vai forar o sistema de sade a ter uma outra lgica. E ai a aids, ela ajuda na questo da
formao do controle social. O que ela provoca de dio e de raiva muito grande. Mas que ela contribui, ela contribui. (Gerson Winkler)
(...) eu diria que o programa de aids, conforme ele se passou no Brasil, colaborou muito para construo do SUS, do ponto de vista do
controle social. No esse controle social que ns vemos dos conselhos, sabe. lamentvel, porque hoje em dia, ns vamos no interior,(...)
e so conselhos que na realidade so apndice do poder executivo. (...) eu acho que o programa de aids, ele teve sua misso importante
enquanto programa vertical, no tenha dvida, porque isso ajudou muito a construir normas e implantar procedimentos. Mas cada vez mais
ns vemos como um processo horizontalizado que faz parte da rede pblica, mas tem que estar presente, como acontece com vrios
programas, ou com vrias abordagens. (Pedro Chequer)
Como exemplo de Sem dvidas, eu acho que representa desafios, porque houve tambm, claro, de ser adaptados, por exemplo, servios especializados
poltica inclusiva de tiveram que ser criados, hospitais-dia tiveram que ser criados. (...) atender e atender bem populaes que estavam longe do servio de
populaes sade. Atender mulheres profissionais do sexo. Os profissionais de sade no estavam acostumados com isso. Discutir sexualidade com
minoritrias e pessoas, fazer pr-aconselhamento, ps-aconselhamento, eu acho que tudo isso foi um longo aprendizado e, mesmo assim, eu acho que
discriminadas pelo ainda h muitas resistncias atender pessoas que so consideradas diferentes. Ento, atender travestis no algo trivial no SUS. (Ins)
SUS (...) acho que o grande contributo da aids foi ter colocado na mesa as necessidades de sade de diferentes populaes que se encontravam
afetadas pela epidemia pra dentro do contexto do sistema nico de sade, quer dizer, trazer os gays, trazer as prostitutas, trazer usurios de
drogas injetveis pro contexto do sistema nico de sade e colocar isso em evidencia, pautando ainda a questo da equidade,
extremamente importante. (Ivo Brito)
!
"#$!!

exemplo, levando organizao de um movimento estruturado por associaes militantes em defesa

das pessoas atingidas e ameaadas pela epidemia.(Pinell, Broqua et al., 2002; Pinell, 2010).

Mesmo com as mudanas de governo e de ministros, Lair Guerra permaneceu na coordenao

do Programa Nacional at 1996, quando sofreu um traumatismo craniano decorrente de um acidente

de carro na volta de um congresso de aids em Recife, momento em que o Programa Nacional foi

assumido por Pedro Chequer, seu adjunto.

A relao do PN com a Abia, em especial com seu presidente, Betinho, mudou, seja em

funo da sua relao com o novo diretor, com quem tinha maior proximidade e disposies polticas

semelhantes, seja devido aos avanos na poltica de aids no pas.

Ele tinha uma birra com a Lair, havia uma querela entre ele e a Lair antiga. E comigo no
tinha, porque ideologicamente ns tnhamos coisas em comum, ou quase tudo em comum. E
no final, a gente se entendia muito bem. (Pedro Novaes Chequer, entrevista realizada em
03/08/2011)

O projeto de lei n. 158/1996 (Anexo IV), de autoria do senador Jos Sarney, que props o

acesso universal aos medicamentos para tratamento da aids, representava os anseios de diversos

grupos, em especial da sociedade civil organizada, que j vinha promovendo mobilizaes nesse

sentido. Contudo, o projeto teria resultado de uma articulao entre o socilogo Betinho, o mdico

sanitarista e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Srgio Arouca e o ex-ministro da sade e ex-

deputado Carlos SantAnna que poca era chefe de gabinete do senador Jos Sarney e teria escrito a

minuta do projeto.

O Sarney, ele foi procurado pelo prprio Betinho. (Eduardo Luiz Barbosa, entrevista
realizada em 03/08/2011)

Quem redigiu o projeto foi Carlos SantAnna, que era assessor do Sarney. (Euclides Ayres de
Castilho, entrevista realizada em 05/05/2011)

A ideia original foi de Srgio Arouca, provavelmente conversando com Betinho. Porque
Arouca era deputado pelo Rio. A levou, como se davam muito bem Arouca e Carlos, ele foi
presidente da Fiocruz quando Carlos estava l [no Ministrio da Sade] (...) A eles se
conversavam, se apoiavam. Ento quando chegou nessa lei, Carlos sabia escrever lei muito
bem. (...) Todo mundo reconhecia isso. Ento muitos deputados, e Arouca tambm foi l,
levavam para ele para ver a forma, o processo legislativo, aquele negocio todo. E depois, a
forma como caminhar no campo minado que a Cmara para voc chegar promulgar uma lei.
A cmara e o senado, os dois. Ento ele viu tudo e bolou com Carlos uma estratgia que disse
assim: Se voc deixar Sarney apresentar provavelmente mais forte. Mas a ideia original foi
de Arouca. E foi de Arouca trazido do Rio, que eu acho que foi Betinho. (...) Quem levou para
Carlos a proposta, a ideia inicial foi Arouca, Carlos trabalhou na melhoria da proposta com
Arouca (...) Ento eu imagino que nesse desenho da estratgia para fazer com que o projeto de
lei, chegasse a cmara, Carlos deve ter negociado com Arouca, que isso seria atravs de

!
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Sarney. Ento Carlos entrou nisso no sentido de sensibilizar Sarney para fazer l. Mas a ideia
original foi essa. (Fabola de Aguiar Nunes, entrevista realizada em 14/07/2011)

A exposio de motivos do projeto de lei falava do direito constitucional sade e da questo

humanitria, bem como das notcias da XI Conferncia Nacional de Aids, realizada em Vancouver. A

aprovao da contribuio provisria sobre a movimentao financeira (CPMF) era apresentada como

um aporte oramentrio que poderia fazer frente a essa nova despesa, bem como ponderava acerca da

possvel reduo de gastos com a assistncia a doentes, relacionadas infeces oportunistas e

internaes, e que o Brasil como um pas de grandes riquezas no poderia deixar de garantir a

esperana e condies de vida aos indivduos acometidos pela pandemia da aids (Anexo IV).

A tramitao do projeto no poder legislativo foi rpida: da apresentao do projeto sua

aprovao transcorreram 90 dias. No houve polarizao dos debates, todos os parlamentares que se

manifestaram fizeram-no a favor do direito sade e da garantia de tratamento aos portadores de

HIV/aids, haja vista que o projeto tratava de uma reafirmao dos direitos constitucionais, ainda que

houvesse oposio de alguns deputados, como percebido na fala do deputado Ayres da Cunha ao

jornal Folha de So Paulo. A votao da proposta na Cmara dos Deputados (PL n. 2.375, 1996) foi

adiada por requerimento do lder do governo, o deputado Benito Gama (PFL-BA), ainda que sob a

discordncia de alguns deputados como Fernando Gabeira (PV-RJ), Eraldo Trindade (PPB-AM),

Alexandre Cardoso (PSB-RJ), Srgio Miranda (PcdoB-MG), Matheus Schmidt (PDT-RS) e Paulo

Rocha (PT-PA) que se opuseram retirada da votao da pauta. A justificativa para o adiamento

estava relacionada principalmente alocao de recursos, uma vez que a despesa no estaria prevista,

havendo necessidade de adequao do oramento pelo governo federal. Nova votao aconteceu no

dia 14 de outubro de 1996, apenas 5 dias depois. O relator, o deputado Arnaldo Farias de S (PTB-

SP), props mudanas redacionais que foram revisadas no retorno ao Senado e incluiu a

responsabilidade de todos os gestores do SUS (unio, estados e municpios) no financiamento, assim

como restries socioeconmicas para a distribuio dos medicamentos e a priorizao de pacientes

em internao hospitalar181 (Azevedo, 2010).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
181
O pargrafo 3o do substitutivo proposto pela Cmara dos Deputados dizia: A distribuio gratuita dos medicamentos
observar critrios scio-econmicos, conforme regulamento, e dar prioridade aos pacientes em regime de internao
hospitalar.

!
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No retorno ao Senado, o relator, senador Lcio Alcntara (PSDB-CE), manteve o texto

original da PL 158 e rejeitou as restries de carter socioeconmico e a priorizao de pacientes

internados propostos pelo substitutivo da Cmara dos Deputados, considerando as restries impostas

inconstitucionais, haja vista a sade tratar-se de um direito de todos e um dever do Estado, e que a

tendncia era de estmulo a polticas de desospitalizao, no havendo recomendaes na literatura

mdica de internamento para o uso de antirretrovirais. O co-financiamento pelos gestores do SUS foi

acatado, modificando o art. 2o da PL 158. A redao final foi aprovada em plenrio, correspondendo

ao texto da Lei n. 9.313, sancionada em 13 de novembro de 1996 pelo presidente Fernando Henrique

Cardoso (Azevedo, 2010).

Ainda que de fato tenha apenas ratificado direitos constitucionais, a nova lei reforou a luta

dos portadores de HIV/aids e das ONGs/aids pela garantia de acesso ao tratamento, levando inclusive

a uma situao diferenciada do acesso aos medicamentos antirretrovirais em relao ao acesso a outros

medicamentos no SUS, como j destacado anteriormente.

O passo seguinte foi o estabelecimento de protocolos para a prescrio dos medicamentos, a

organizao de fluxos e diviso de responsabilidades entre municpios, estados e unio; a garantia do

acesso aos medicamentos e a sustentabilidade da estratgia.

Em dezembro de 1996, foi criado o Comit Tcnico Assessor para Terapia Antirretroviral que

elaborou o guia de orientaes teraputicas em HIV/aids. Esse Comit era composto pelos mdicos

Pedro Chequer (Dirigente do PN DST/Aids), Celso Ferreira Ramos (Prof. Doenas Infecciosas e

Parasitrias UFRJ), Geraldo Duarte (USP Ribeiro Preto), Helosa Helena de Souza Marques

(Mdica pediatra do Hospital das Clnicas da USP), Helvcio Bueno (Assessor do PN DST/Aids),

Joo Silva de Mendona (Diretor do Servio de Molstias Infecciosas do Hospital do Servidor Pblico

Municipal de So Paulo), Marinice Coutinho Midlej Joaquim (Tcnica da Coordenao Materno-

infantil), Norma de Paula Motta Rubini (Unirio), Rosana del Bianco (Chefe da Unidade de Assistncia

do Programa Nacional de DST/aids), Sandra Maria Martin (Assessora da Unidade de Assistncia

Sade do Programa Nacional de DST/aids) e Valdila Gonalves Veloso dos Santos (Fiocruz). Em

1997, foi realizada a primeira reviso, tendo como produto o Consenso para terapia antirretroviral para

adultos e adolescentes infectados pelo HIV/aids.

!
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A implantao da estratgia universal de acesso a antirretrovirais aumentou o registro de casos

em torno de 39% em 1996, o nmero de casos passou de 36 mil em dezembro de 1996 para 50 mil em

janeiro de 1997. Os mandatos judiciais que obrigavam o Estado a fornecer medicamentos fora das

especificaes e dos critrios estabelecidos no consenso teraputico ampliavam o acesso, implicando

em novos custos182. Contudo, houve uma reduo dos gastos com internao, em torno de 40% no

CRT de So Paulo e 35% no Hospital Emlio Ribas, e no uso de medicamentos para infeces

oportunistas, para o ganciclovir, que combate o citomegalovrus, houve uma reduo de 20%. Um

paciente em uso de antirretrovirais custava cerca de R$ 10.000,00 por ano, 50% menos que se ficasse

doente183 .

Um dos principais problemas para a implantao do acesso universal era a falta de controle

logstico dos estoques de medicamentos (diversos pacientes pegavam medicamentos em diferentes

unidades, desabastecendo a rede)184. Para organizar a distribuio dos medicamentos e acompanhar os

resultados, Pedro Chequer, epidemiologista com experincia na elaborao de sistemas de informao

em sade185, coordenou a elaborao de dois sistemas de informao para o Programa Nacional de

DST/aids: o Sistema de Controle Logstico (Sisclom) e o Sistema Informatizado de Controle

Laboratorial (Siscel). O Sisclom foi elaborado para controle na distribuio de medicamentos,

permitindo uma viso global do percurso do medicamento at a sua distribuio e o controle do

estoque e o Siscel foi criado para acompanhamento dos exames laboratoriais. Uma outra iniciativa

seria a implantao de um carto aids para identificao dos portadores acompanhados no SUS, mas

que no foi adiante devido inteno do Ministrio da Sade de implantar o carto SUS186.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
182
Falco, D. Registro de casos de aids sobem 39%. Folha de So Paulo. So Paulo. 6/02/1997 1997.
183
Martins, L. e Tosta, W. Coquetel suaviza falta de verba para aids. Folha de So Paulo. So Paulo. 2/12/1997 1997.
184
Falco, D. Registro de casos de aids sobem 39%. Folha de So Paulo. So Paulo. 6/02/1997 1997.
185
Quando esteve no Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI), Pedro Chequer participou da criao do Sistema de
Informao de Agravos de Notificao (Sinan).
186
E em seguida ns bolamos o carto, como que era o nome meu Deus do cu? Eu sei, eu tinha uma exemplar desse
carto, era um carto para paciente de aids. Porque mesmo com o SICLOM posto e funcionando precariamente comeamos
com pouco servio, depois com mais 120 servios, 150 servios, hoje no sei quanto est, acho que est em 500, algo assim.
Mas tnhamos um problema que surgia a partir do debate com o campo ou com as redes de pessoas vivendo, pacientes que
moravam em So Paulo, por exemplo, que estavam na Bahia, como que recebia o remdio? Ou se acabasse o remdio, ou
se tivesse que permanecer? Ai ns bolamos um carto, era um carto que ia ter um chip que o paciente ia no SICLOM,
debitava na conta dele. O Ministrio ficou enciumado, a SAS era inimiga. Werneck, Dr. Werneck. Ns tnhamos o ministro
que Morreu, o gacho [Carlos Csar Albuquerque].() Ns chegamos a ter o nosso carto, em 1997, (...), o carto aids. E
lanamos oficialmente e tudo mais, mas a foi vetado! No Vai ter o carto SUS, o carto SUS d conta de tudo. Tudo
bem, infelizmente, esto patinando at hoje. (Pedro Novaes Chequer. Entrevista realizada em 03/08/2011, So Paulo, SP)

!
"#'!!

O compromisso com a manuteno do acesso universal era assumido no apenas pelo

Ministrio da Sade como pelo Palcio do Planalto187 .

A aprovao da lei de acesso universal a medicamentos para portadores de HIV/aids imps

importantes transformaes no espao aids brasileiro: a crtica mais cida das ONGs com relao

poltica quase que desapareceu, sendo a principal demanda o cumprimento do estabelecido na

legislao, em especial o acesso a medicamentos; o Programa Nacional passou a ter uma posio

dominante e reconhecimento internacional.

A luta pela sustentabilidade da estratgia de acesso universal aos antirretrovirais contribuiu

tambm para a regulamentao dos medicamentos genricos no pas (Loyola, 2008) e influenciou o

posicionamento poltico internacional do pas haja vista a disputa com a indstria farmacutica

internacional pela reduo dos preos dos medicamentos antirretrovirais. Essa foi umas das mais

importantes disputas que aliou mdicos sanitaristas, pesquisadores, agentes do campo burocrtico e

usurios contra a indstria farmacutica.

Pedro Chequer saiu da direo do Programa Nacional em maro de 2000, quando foi

convidado para ser representante do programa conjunto das Naes Unidas sobre HIV/Aids (Unaids)

no Cone Sul. Assumiu a direo do Programa, Paulo Roberto Teixeira, primeiro coordenador do

Programa Estadual de So Paulo, que permaneceu na funo at 2003, quando foi para a Direo do

Programa de Aids da OMS.

Foi durante a gesto de Paulo Teixeira que o Programa recebeu o prmio Bill e Mellinda

Gates, no valor de um milho de dlares, considerado como a ao de sade pblica mais relevante de

2002. O prmio foi investido em projetos de casas de apoio a portadores de HIV/Aids. Foi tambm na

sua gesto que na busca pela sustentabilidade do acesso a medicamentos antirretrovirais, foi proposta

pela primeira vez pelo governo brasileiro a quebra de patentes (Abbade e Baio, 2010).

A incorporao constante de novas tecnologias sempre implicou em aumento dos custos do

tratamento para a aids. Entre o registro de um medicamento e a sua incluso no consenso, aes

judiciais eram movidas por pacientes que necessitavam da nova droga, obrigando o SUS a fornecer

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!"#
$So necessrios mais 222 mi. Folha de So Paulo. So Paulo. 23/12/1997 1997.

!
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antirretrovirais no disponveis na rede pblica, s vezes medicamentos ainda sem registro no pas

(Scheffer, 2008).

A sustentabilidade da estratgia de acesso universal passou a ser uma prioridade. O Ministro

da Sade Jos Serra decidiu centralizar e ampliar a produo nacional de antirretrovirais genricos e

ameaou utilizar licenas compulsrias para produzir medicamentos patenteados (Nunn, 2009).

Laboratrios estatais como o Instituto de Tecnologia em Frmacos (Farmanguinhos) e Fundao para

o Remdio Popular (Furp), de So Paulo, iniciaram a produo de antirretrovirais em 1999 e o

Laboratrio Farmacutico do Estado de Pernambuco (Lafep), em 2000. O incio da produo nacional

e as negociaes com a indstria farmacutica proporcionaram uma reduo de 72,5% dos preos dos

medicamentos antirretrovirais. Um comprimido de zalcitabina que em 1996 custava 1,55 dlares

passou a custar 0,08 dlares em 2000, produzida pelo Farmanguinhos188.

Frente poltica agressiva adotada pelo Brasil para a reduo dos preos dos medicamentos

para aids, em maio de 2000, os EUA abriram uma consulta na OMC junto ao governo brasileiro acerca

do artigo 68 da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), que trata da licena compulsria de

patentes, considerando que a mesma desrespeitava o acordo TRIPS (Agreement Trade-Related Aspects

of Intellectual Property Rights189)(WTO, 2000). No satisfeitos com a resposta brasileira, os EUA

entraram com uma queixa no Dispute Settlement Body190 (DSB) da OMC em janeiro de 2001 (WTO,

2001b) e chegaram a um acordo com o Brasil em 05 de junho de 2001, admitindo a possibilidade de

quebra de patente em questes de sade pblica de pases em desenvolvimento (WTO, 2001a).

A ao junto OMC resultou de lobby da indstria farmacutica norte-americana junto ao

governo dos EUA em resposta ao congelamento de preos proposto pelo governo brasileiro, visando a

reduo de preos pelas indstrias detentoras das patentes, caso contrrio seria usado o dispositivo da

licena compulsria, prevista na Lei de propriedade industrial brasileira (Oliveira e Moreno, 2007). A

soluo foi a criao de um sistema de consultas bilateral: os EUA comprometeram-se a retirar a

queixa, e o Brasil consultaria os EUA em caso de necessidade de uso do dispositivo da licena

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!""
$Falco, D. Preo de remdio anti-aids cai 72,5%. Folha de So Paulo. So Paulo. 15/03/2000 2000.
189
Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio, entre os membros da OMC,
que estabelece padres mnimos no mbito do direito internacional relacionados s patentes, inclusive de medicamentos.
190
rgo de Soluo de Controvrsias$

!
"&)!!

compulsria com relao a patentes de empresas daquele pas. interessante notar que no acordo, os

EUA pediam que o Brasil se comprometesse a no recorrer OMC em relao s sees 204 e 209 da

lei de patentes norte-americana, que se assemelhavam aos artigos 68 e 71 da lei de propriedade

industrial brasileira e que portanto tornavam sem efeito a queixa (WTO, 2001a).

O recuo dos EUA constituiu-se importante vitria para o Brasil. Contudo, as discusses acerca

da necessidade de reviso do acordo TRIPS e da forma de lidar com as patentes nas questes de sade

pblica, em especial para pases em desenvolvimento, continuaram em fruns multilaterais como a

ONU.

Em 30 de outubro de 2001, foi realizada reunio entre o Unaids e parlamentares brasileiros em

Braslia visando criao de uma Frente Parlamentar de luta contra a aids191, qual se integraram os

senadores Lcio Alcntara (PSDB-CE) e Ricardo Santos (PSDB-ES), e os deputados Nelson

Pellegrino (PT-BA), Fernando Gabeira (PT-RJ), Gilmar Machado (PT-MG), Esther Grossi (PT-RS),

Laura Carneiro (PFL-RJ), Lo Alcntara (PSDB-CE), Maria Elvira (PMDB-MG), Marisa Serrano

(PSDB-MS), Rita Camata (PMDB-ES), Marcos Rolim (PT-RS) e Agnelo Queiroz (PCDOB-DF). O

deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) apresentou moo no legislativo brasileiro solicitando a

solidariedade de todos os parlamentares do mundo posio do Brasil de garantir medicamentos

genricos aos portadores de HIV. O pedido dava-se em razo da reunio da OMC no dia 9 de

novembro, e da ameaa de pases que queriam impedir a produo de genricos no pas192 .

O Brasil estava liderando a negociao com a OMC desde setembro de 2001 para que o

acordo TRIPS no fosse uma barreira para o acesso aos medicamentos e que esses fossem encarados

como questo de Direitos Humanos193 . A Declarao sobre o acordo TRIPS e sade pblica foi

assinada durante a Conferncia Ministerial da OMC, entre 9 e 14 de novembro de 2001194, em Doha,

no Catar (WTO, 2001c).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
191
Cmara dos Deputados, Discursos e notas taquigrficas da sesso 223.3.51.O, de 31 de outubro de 2001.
192
Agncia Cmara de Notcias. Frente Parlamentar contra Aids define atuao. 01/11/2001, disponvel em:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/NAO-INFORMADO/12432-FRENTE-PARLAMENTAR-CONTRA-
AIDS-DEFINE-ATUACAO.html, acessado em 07/12/2012.
193
Ata da reunio do dia 24 de outubro de 2001, do grupo temtico do Unaids, disponvel em
http://www.unaids.org.br/quem_somos/2001/GT%20UNAIDS%20Brasil%20Outubro%202001.pdf, acessado em:
07/12/2012.
194
Para maiores esclarecimentos consultar Correa, C.M. O Acordo TRIPS e o acesso a medicamentos nos pases em
desenvolvimento. Rev. int. direitos humanos [online], v.2, n.3, 2005. Disponvel em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1806-
64452005000200003. >. Acesso em: 15/11/2012.

!
! "&"!

O resultado positivo sobre indicadores de morbi-mortalidade alcanado pela poltica de aids

com o acesso universal a medicamentos antirretrovirais a partir de 1997, levou a um reconhecimento

internacional da estratgia brasileira, com impacto importante sobre o financiamento internacional que

se deslocou para pases com respostas menos estruturadas e quadro epidemiolgico mais grave.

O Programa Nacional passou a assumir uma posio dominante no espao aids nacional e a

ser reconhecido no cenrio internacional, todos os seus gestores permaneceram no espao aids e

assumiram posies importantes em organismos internacionais, bem como diversos gestores

municipais e/ou estaduais e tcnicos do Ministrio da Sade com maior destaque assumiram posies

no espao aids internacional.

7.6 Transformaes no espao aids: quem passou a se interessar pela aids e por qu?

A resposta brasileira epidemia da aids foi se tornando mais complexa ao longo dos 20 anos

analisados no presente estudo. A estrutura do espao aids brasileiro mostrou-se bastante dinmica no

referido perodo (1981-2001), com novos grupos de agentes sendo incorporados ao espao militante a

partir das mudanas observadas no comportamento epidemiolgico da doena, assim como o

estabelecimento de relaes com agentes e instituies de outros espaos, como a indstria

farmacutica e organismos internacionais externos ao setor sade como a Organizao Mundial do

Comrcio, o que levou tambm a um maior envolvimento do campo poltico com a criao da Frente

Parlamentar de luta contra a aids em 2001.

Os entrevistados foram analisados de acordo com subespao de pertencimento, volume de

capital e sua relao inicial com o espao aids tambm em 2001 (Quadro 12). Dos 33 entrevistados, 25

estavam no espao aids em 2001, sendo que 14 desde o perodo de 1983-1986. Dos 20 entrevistados

que se inseriram no espao at 1986 (Quadro 6, p. 69), sete afastaram-se do espao aids: Eduardo

Crtes, Edward MacRae, Fabola Nunes, Maria Leide Wan del Rey de Oliveira, Gerson Fernando

Pereira, Silvia Ramos e Valria Petri. As sadas do espao aids muito revelam de sua natureza de

espao de lutas e conflitos de ordem poltica, burocrtica e geracional, envolvendo paixes (illusio).

!
"&*!!

Quadro 12 Agentes participantes e fundadores do espao aids segundo subespao de pertencimento, graduao,
profisso dos pais, volume de capital cientfico, burocrtico, poltico e militante e relao com a aids, em 2001.
Agente Graduao S Prof. Pai Capital cultural CC CB CP CM Relao com a
(ano) E (Escolar) aids195
Ieda Fornazier Turismo Policial civil Sup. Completo - P - - Profissional
(????)
Valdila Veloso Medicina (1985) Contador Ps-graduao - A - - Profissional
Ivo Brito Sociologia S/I PG Lato - A P - Profissional
(????)
Mrcia Sampaio Medicina Eletrotcnico Sup. Completo - A - - Profissional
(1989)
Renato Girade Proc. De Mdico PG Lato - A - - Profissional
dados(????) pediatra
Manoel Alves Economia Trabalha com Sup. Completo - A - - Profissional
(????) madeiras
Alexandre Grangeiro Cincias Dono de PG Lato - A - - Profissional
Sociais(1992) expresso
rodovirio
Burocrtico

Paulo Roberto Medicina Contador PG Lato - AA - P Profissional


Teixeira (1973)
Pedro Chequer Medicina Comerciante Sup. Completo - AA P - Profissional
(1977)
Gilvane Casimiro Hotelaria Agricultor Sup. Completo - - - M Pessoal (HIV+)
(1994)
Mrcia Marinho Psicologia (1991) Representante Sup. Completo - - - M Pessoal
lab. Farm.
Cristina Cmara Cincias Sociais Militar Ps-graduao P A - M Profissional
(1988)
Veriano Terto Jr. Psicologia Militar Ps-graduao P - P M Pessoal (MHS)
(1985)
Harley Henriques - Comerciante Nvel mdio - - - A Pessoal (HSH)
Eduardo Barbosa Filosofia Poltico Sup. Completo - - - A Pessoal (HIV+)
(????)
Gerson Winkler - Vendedor Nvel mdio - M - A Pessoal (HIV+)
Jorge Beloqui Matemtica Contador Ps-Graduao M - P A Pessoal (HIV+)
(1972)
Luiz Mott Cincias Sociais Fazendeiro Ps-graduao M - P A Pessoal (MHS)
Militante

(1968)
urea Abbade Advogada * Sup. Completo - - P A Profissional/Pes
soal
Jos da Rocha Medicina Dono de bar Ps-graduao P A P - Profissional
Carvalheiro (1961)
Osvaldo Fernandez Cincias sociais Comerciante Ps-graduao P - - - Pessoal (HS)
(1987)
Maria Ins Costa Medicina Mdico, prof. Ps-Graduao M M - - Profissional
Dourado (1981) Universitrio
Vera Paiva Psicologia Poltico Ps-graduao M - - P Profissional
(1977)
Cientfico

Bernardo Galvo Medicina Professor Ps-graduao A P P P Profissional


(1969)
Euclides Castilho Medicina Telegrafista Ps-graduao AA A - - Profissional
(1965)
* Pai falecido quando a entrevistada tinha apenas 2 meses, av paterno mascate, av materno fabricante de vinhos. /CC: capital
cientfico; CB: capital burocrtico; CP: capital poltico; CM: capital militante; S/I: sem informao; P: pequeno, M: mdio; A: alto;
AA: muito alto; MHS: movimento homossexual; HS: homossexual; HIV+: soropositivo para HIV.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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$O apndice III Relao com a aids apresenta as falas dos entrevistados que resultaram na classificao apresentada no
Quadro 11.$

!
! "&+!

O afastamento dos agentes do espao aids esteve relacionado (quadro 13):

, A motivos pessoais, como a perda do irmo e de vrios amigos, vtimas da epidemia, no caso

de Edward MacRae;

, A questes profissionais como:

o problemas de relacionamento (brigas, desentendimentos ou no adaptao a novas

gestes) no trabalho, como nos casos de Eduardo Crtes, Silvia Ramos, Mrcia

Sampaio e Cristina Cmara;

o incompatibilidade ou limitao do trabalho relacionado aids em relao aos anseios

profissionais, como nos casos de Ana Luiza Vilasboas e de Gerson Fernando, para os

quais a aproximao com a aids ocorreu pela vinculao, respectivamente, rea de

planejamento e com a Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria. Ana Luiza no

queria limitar a sua atuao a uma poltica de sade especfica e tambm pretendia ter

sua insero prioritria no campo cientfico, o que ocorreu em 2009, quando fez

concurso para docente da Universidade Estadual de Feira de Santana e posteriormente

para a Universidade Federal da Bahia. Gerson Fernando tinha por opo profissional a

dermatologia e o trabalho com hansenase, com a separao das duas reas, optou por

atuar no Programa de Hansenase, onde chegou a ser dirigente do programa; e at

mesmo

o o sucesso da poltica, como no caso de Valria Petri, tambm presente na fala de

Gerson Fernando.

!
"#$!!
Quadro 13 Justificativas para o afastamento do espao aids
Agente Subespao no Entrevista
momento do
afastamento
Ana Luiza Vilasboas Burocrtico (...) Eu me lembro de que uma vez algum comentou comigo, voc que tem essa habilidade no planejamento, voc podia utilizar isso para ser
uma consultora e essa coisa de carreira internacional, mas eu acho isso uma bobagem. Eu no tenho interesse, eu no tenho, nesse sentido no
(...) eu no teria vontade de trabalhar com uma poltica mais especfica assim na minha vida profissional.
Cristina Cmara Burocrtico (...) eu queria sair daquele ritmo enlouquecido que eu estava no Ministrio ainda que eu pudesse fazer consultorias para o Ministrio mais
pontuais, (...) E depois realmente o ritmo do trabalho mudou, (...) Ento a ONG aqui de So Paula acha que o projeto dela no est bom no sei
porqu, mandava e-mail para o Alexandre, o Alexandre respondia, a ONG do Rio mandava para o Raldo, o Raldo respondia, ento a chefe da
unidade no serve para nada, porque eles resolvem do jeito que querem depois voc fica sem saber, (...) ele nem se tocava que eles passavam por
cima. Paulo nunca fez isso. Chegava uma correspondncia para ele reclamando de tal projeto, ele respondia com copia para mim estou
encaminhando para a chefe da unidade ento, isso te empodera, porque diz a autoridade que voc tem (...).
Eduardo Crtes Burocrtico (...) hoje eu nem sei mais quase nada de aids, desencantei, sai daquela coisa, que uma polticagem que eu no aguentei. No faz bem pra minha
sade mental. Agora, no, agora que virou doena de pobre, n? Mas na poca, era muito virulento... Nossa! (...) foi uma deciso minha, mas eles
comearam a me boicotar. (...) eles foram me solapando e ai eu dei uma entrevista que a campanha do carnaval no saiu porque no autorizaram
a tempo (...) a ele me chamou l, me tirou, disse que iam trazer a Lair de volta porque fazia parte l do grupo dele. Porque o cara que era l da
OPAS, ele tinha muitas conexes entre os sanitaristas brasileiros, um monte de coisa l. (...) Ai muda o ministro, assim mesmo. (...) Eu ainda fiz
algumas coisas, tentei algumas coisas, mas ai tudo que eu fosse tentar, eu ia ser podado, a como eu sou oncologista de formao, fui aos poucos
mudando. No fcil no. (...) eu me interesso at hoje, eu tenho uma viso... acompanho um pouco, mas ai profissionalmente, voc comea a
fazer pesquisa em outras reas, a voc comea a ser absorvido.
Edward MacRae Militante Da, o meu irmo, teve aids. E morreu. E sabe, eu l, militante, uma das pessoas que mais falava sobre o assunto, no sei o que, eu no soube
reconhecer quando ele estava com aids. (...) Da fiquei completamente desgostoso com o tema, com as pessoas, comigo mesmo, com tudo. (...) e
no quis mais lidar muito com esse tema de homossexualidade, o tema da aids. E a eu j estava desgostoso com essa briga do Somos e todas
essas coisas.
Gerson Fernando Pereira Burocrtico (...) O Programa de Aids foi para um canto e o programa de hansenase ficou em outro canto. E a nessa diviso foi que eu sai do Programa de
Aids. Eu preferi, porque eu sou dermatologista e minha formao em hansenase, e a eu fiquei na hansenase. E a s voltei para a aids no ano
de 2004.
Mrcia Sampaio Burocrtico (...) foi uma forma de proteo pra mim. Se eu continuasse vivendo, acompanhando o movimento, eu ia sofrer. Ento eu preferi realmente
apagar, pgina virada, apagada do meu folhetim.
Silvia Ramos Militante Eu j queria sair, eu sentia que j tinha cumprido um ciclo, mas a sada em si foi meio traumtica, porque houve uma briga l, no foi muito
boa...
Valria Petri Cientfico Eu me retirei por uma razo s(...) Porque eu acho que funciona muito bem no sistema. Porque voc tem jovenzinhos nos postos de sade que
so muito mais bem informados do que eu, que vo aos congressos animadamente, que acompanham tudo, que eu no tenho mais pacincia para
acompanhar. Que disputam espaos e tudo isso e eles fazem isso com muito mais habilidade. (...)
!
! "#$!

Os agentes do subespao burocrtico foram os que apresentaram menor capital cultural,

geralmente, nvel superior ou ps-graduao lato senso. A exceo foi a mdica Valdila Veloso, que

poca era coordenadora do Programa Estadual de DST/Aids do Estado do Rio de Janeiro, tendo

assumido anteriormente a chefia da Unidade de Assistncia do PN DST/Aids entre 1997 e 2000.

Valdila desde 2006 assumiu a diretoria do Instituto de Pesquisa Clnica Evandro Chagas e em 2008

concluiu o doutorado em Sade Pblica, participando a partir de ento do subespao cientfico.

A relao com a aids no momento de engajamento no subespao burocrtico, deu-se, como no

perodo de 1983-1986, por questes profissionais e os agentes concentravam principalmente e quase

exclusivamente capital burocrtico. Apenas Paulo Roberto Teixeira, Pedro Chequer e Ivo Brito

apresentaram pequeno volume de capital militante e poltico, respectivamente. Os demais agentes do

subespao burocrtico no possuam qualquer engajamento poltico ou militante. interessante notar,

contudo, que diversos dos agentes desse subespao gozam de grande reconhecimento (capital

simblico) ao interior dos diferentes subespaos do espao aids , como Paulo Roberto Teixeira e Pedro

Chequer, por exemplo (Quadro 12). Talvez a possesso de um capital (burocrtico) garantido pelo

Estado, que corresponde a um meta capital, lhes tenha garantido poder sobre outros tipos de capital, ou

seja, para alm do capital garantido pelos ttulos ou diplomas, os agentes do Estado possuem o

poder de nomeao, delegado pelo Estado, quer dizer, possuem um capital que d poder sobre outras

espcies de capital e, portanto, sobre outros campos no sentido de Bourdieu (2012). Por exemplo, o

Programa Nacional, define quem so os experts nacionais em medicamentos antirretrovirais, quando

indica ou nomeia quem vai participar do Comit especfico para esse fim.

O subespao militante continuou atraindo principalmente agentes que tinham uma relao

pessoal com a aids (pessoas vivendo com HIV/aids, grupos com maior risco para adquirir a doena,

amigos e familiares). Entre os que ingressaram aps 1986, apenas Cristina Cmara teve uma

aproximao profissional. Os novos agentes possuam em 2001 menor capital cultural que aquele

apresentado pelos militantes que ingressaram no espao aids no perodo entre 1983-1986: se os mais

antigos possuam quase todos ps-graduao (mestrado ou doutorado), a nica exceo era a advogada

urea Abbade, entre os 6 mais novos predominava curso superior completo (50%), seguido do ensino

mdio (33,3%), apenas um (1,7%) agente possuindo Ps-graduao (doutorado). Entre os militantes,

!
"#%!!

Cristina Cmara e Gerson Winkler possuam um volume alto e mdio, respectivamente, de capital

burocrtico. Em 2001, Cristina assumiu a Unidade de Articulao com a Sociedade Civil e Direitos

Humanos do PN de DST/Aids, de 1992 at aquele momento, seu engajamento era no espao militante

(quadro 12). Contudo, aps a sua insero no Ministrio da Sade, no considerava o retorno

militncia/ativismo uma opo

(...) apesar do tempo que eu fiquei no programa e de eu achar que conseguia esse
distanciamento com o movimento, principalmente com o Pela Vidda, (...) mas quando eu
sa do programa eu tinha certeza que eu no queria voltar para ONG, para mim no tinha
nada a ver profissionalmente, por outro lado o fato de eu ter sido do governo tambm no
me deixou vontade no primeiro momento que eu fosse virar ativista de novo, no sentido
pleno do termo (... ) (Cristina Luci Cmara da Silva, entrevista realizada em 04/05/2011).

Gerson Winkler tambm teve uma experincia na gesto, na Secretaria Municipal de Porto

Alegre e inclusive defende que os gestores da poltica de HIV/Aids deveriam ser pessoas vivendo com

HIV/Aids.

(...) isso faz o diferencial. Na medida que eu estou aqui trabalhando, eu sei que nesse
exato momento tem um monte de gente no hospital de clnicas, na emergncia, com
infeco oportunista, com diagnstico tardio. O problema que eu fico pensando isso todo
o tempo. Eu no enxergo isso como um problema do outro apenas. Eu enxergo isso como
um problema de quem vive com isso e quem pode a qualquer momento estar l junto. Ento
eu sei da emergncia disso. Eu sei muito mais da emergncia disso, como uma mulher que
na sade da mulher sabe a emergncia da questo da discusso do aborto. Para um
homem pode at passar batido, mas para uma mulher essa discusso fundamental.
(Gerson Barreto Winkler, entrevista realizada em 16/06/2011)

Esse um ponto de vista relacionado s disputas entre soropositivos e outros militantes no

momento de criao da rede de pessoas vivendo com HIV/aids e mesmo anterior esse perodo, quando

foram criadas as primeiras ONGs de pessoas vivendo com HIV/aids.

(...) teve uma briga muito grande exatamente assim dessa coisa das ONGs que no
representavam os soropositivos e que faziam dos soropositivos a estrada do
assistencialismo absoluto. Ento as pessoas ia l s para receber e no participavam das
decises e nem da constituio. Ento teve uma briga de um grupo de pessoas que viviam
com HIV/aids com as instituies que estavam constitudas, exatamente para discusso de
qual o espao de quem e o que fazemos aqui. Eu acho que isso era anterior at a
constituio da rede e essa discusso ela foi se ampliando. Quando entrei para o
movimento, logo na sequencia, teve um encontro nacional em So Paulo e essa discusso
ali se aprofundou, da ONG, que bicho esse?, que era o lema, ento comeou uma
discusso muito forte exatamente para ver qual o lugar que esse soropositivo iria ocupar, e
qual era a legitimidade das ONGs que estavam at ali institudas. A princpio a rede acho
que ela foi formada exatamente para poder ter o protagonismo de quem vivia com
HIV/aids, de uma forma diferenciada. Houve uma ruptura entre essas pessoas e as ONGs
mesmo que nessas outras ONGs tivessem pessoas soropositivas. O Gapa So Paulo um
exemplo disso. Paulo Bonfim que era o presidente, era pessoa vivendo com HIV/aids, mas
a forma de trabalho nas ONGS que estava sendo questionada. (Eduardo Luiz Barbosa,
entrevista realizada em 02/08/2011)

!
! "##!

Apenas dois dos entrevistados (Osvaldo Fernandez e Maria Ins Costa Dourado) foram

agentes do subespao cientfico que entraram depois de 1986 no espao aids. Osvaldo iniciou sua

relao com o espao aids a partir de questes profissionais e Ins, como objeto de pesquisa de sua

dissertao de mestrado. Os agentes desse subespao em 2001 foram os que apresentaram uma maior

diversidade de capitais. Bernardo Galvo possua alto capital cientfico, e pequeno volume de capital

burocrtico, poltico e militante, sendo o nico agente que apresentava todos os tipos de capital

estudados. A principal combinao foi o acmulo de capital cientfico, especfico do subespao em

questo, e capital burocrtico, resultado da participao desses agentes (Jos da Rocha Carvalheiro,

Ins Dourado, Bernardo Galvo e Euclides Castilho) em posies em Secretarias Estaduais ou no

Ministrio da Sade, em funes relacionadas ou no aids, ou na burocracia universitria, em alguns

momentos, ou de institutos de pesquisa/laboratrios (quadro 12).

Foi bastante frequente o trnsito de agentes do subespao militante para o subespao

burocrtico. Os militantes entrevistados que chegaram ao campo burocrtico, em sua maioria,

engajaram-se no espao aids por motivo pessoal e referiram que essa era uma posio em que eles

poderiam atuar de forma mais concreta, fazer mais, ir alm da crtica poltica, o que na opinio de

alguns inclusive tornava a sua atuao nesse subespao ainda mais gratificante, como fica claro na fala

de um dos entrevistados:

Voc se sente realizado por ter militado na rea de aids?


- Com certeza.
E trabalhando com aids?
- Mais ainda. (...) Porque na militncia, tu provoca, tu provoca, mas tu no faz. Aqui eu
posso fazer. (Gerson Barreto Winkler, entrevista realizada em 16/06/2011)

Entrevistados como Eduardo Barbosa e Gilvane Casimiro ainda no estavam no subespao

burocrtico em 2001, mas quando foram entrevistados compunham o quadro do Departamento

Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais, sendo Eduardo Barbosa o Diretor Adjunto do Programa em

2012.

Contudo, o mais frequente na histria do Programa/Departamento sempre foi que um mdico

ocupasse a direo. As nicas excees foram a sua primeira gestora, que era biomdica e o entre

2003 e 2004, o socilogo Alexandre Grangeiro. Todos os outros gestores eram mdicos: Pedro

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Chequer, Paulo Roberto Teixeira, Maringela Simo e, desde agosto de 2010, Dirceu Greco. O campo

mdico exerceu e ainda exerce papel dominante no espao de forma que uma entrevistada chegou a

afirmar que ser mdico era um dos critrios para assumir a direo do Programa/Departamento.

Depois de participar da gesto da poltica e vivenciar os limites e possibilidades da gesto, de

ter se tornado um agente do Estado, geralmente os militantes permaneciam no subespao burocrtico,

faziam uma trajetria ao interior desse subespao nos diferentes nveis de gesto do SUS, sendo

contratados atravs de projetos viabilizados pelos acordos de emprstimo ou assumindo cargos de

confiana, tornando-se o que Goulart (2006) denominou de executivos da sade. Contudo, deve-se

destacar que h exemplos de agentes do espao militante que mesmo tendo assumido funes no

campo burocrtico depois retornaram a esse espao, como, por exemplo, Paulo Bonfim do Gapa que

assumiu a coordenao do Programa Municipal de DST/Aids de So Paulo entre 1989 e 1991 e no

retorno ao Gapa assumiu a presidncia da entidade (Abbade e Baio, 2010), o que pode ser explicado

pela diversidade de trajetrias dos agentes analisados. Ao assumirem posies na gesto da poltica de

aids, esses agentes adotaram uma postura empreendedora, buscando promover inovaes,

principalmente devido ao seu envolvimento emocional com a causa em questo, congregando

dedicao, criatividade e iniciativa sua atuao, o que caracterizaria o empreendedorismo militante

(Goulart, 2002). Esses agentes fizeram uma converso do seu capital militante em burocrtico,

adaptando para o campo burocrtico o conjunto de saberes e prticas adquiridos nas mobilizaes, nas

lutas e na atuao no movimento associativo sob a forma de tcnicas, de disposies de agir, intervir

ou simplesmente obedecer.

Outro aspecto importante referido por todos os entrevistados a satisfao de ter participado

da construo da resposta brasileira epidemia da aids. Quando questionados acerca da realizao

profissional, alguns referiram que preferiam no se sentir realizados, para continuar indignando-se,

mas de uma forma geral, aparecem sentimentos como engajamento e orgulho de ter contribudo para a

elaborao de uma poltica reconhecida internacionalmente pelos seus resultados, ainda que esteja

presente nas falas tambm a necessidade de continuar lutando pela manuteno e sustentabilidade das

conquistas (apndice IX). Alguns agentes do subespao cientfico (Euclides Castilho, Jos da Rocha

Carvalheiro, Valdila Veloso) tambm transitaram pelo espao burocrtico, mas estes ou no se

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desvincularam em nenhum momento de seu espao de origem, atuando em dois subespaos (cientfico

ou burocrtico), ou retornaram ao seu espao de origem aps um perodo na gesto.

No campo burocrtico, predominaram os mdicos desde o incio da configurao do espao,

em especial os dermatologistas sanitrios e mdicos sanitaristas. Alguns clnicos docentes de escolas

mdicas de renome e referencias nacionais na rea das doenas ditas tropicais como Ricardo

Veronesi e Vicente Amato Neto contriburam para a elaborao do discurso oficial, participando de

reunies e da Cnaids. Eduardo Crtes foi o nico mdico clnico a assumir a direo do Programa no

perodo analisado, mas a participao de mdicos clnicos no campo burocrtico aumentou medida

que foram surgindo possibilidades teraputicas. Essa participao tornou-se mais evidente

principalmente a partir da descoberta do coquetel, na maioria das vezes atravs da participao em

comisses e comits especficos. Progressivamente o quadro tcnico do Programa incorporou agentes

com diferentes formaes, inclusive com a contratao do pessoal oriundo dos movimentos sociais,

aumentando significativamente o nmero de funcionrios desde a sua criao at os dias de hoje, j

Departamento de DST, Aids e hepatites virais, desde 2009 (o departamento contava em 2011 com

aproximadamente 240 funcionrios).

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8 Concluses e consideraes finais

O espao aids brasileiro constituiu-se historicamente como um espao de luta pela

organizao da resposta epidemia e de interveno sanitria, onde o que est em disputa a

autoridade de falar sobre o significado da doena, suas formas de preveno e tratamento, bem como

sobre as estratgias mais adequadas para o seu controle. Sua conformao iniciou-se com a

emergncia da resposta governamental no Estado de So Paulo, envolvendo agentes do campo

mdico e do espao da sade coletiva (mdicos clnicos docentes e pesquisadores de grandes

hospitais-escola dermatologistas e infectologistas e sanitaristas), do campo burocrtico, do

movimento homossexual e do campo cientfico. A esses juntaram-se, ao longo do processo de

conformao do espao aids, movimentos de hemoflicos, talassmicos e profissionais do sexo, e,

mais tarde, as ONG/aids (em especial Gapa, Abia, Pela Vidda, GIV e RNP+), como so conhecidas as

associaes especficas de luta contra a aids no Brasil, que compunham o subespao militante. Trata-

se de um espao de complexas relaes, influenciado pelos campos poltico, religioso e jurdico.

A poltica de controle da aids no Brasil teve incio em 1983, no Estado de So Paulo, antes

mesmo de haver uma resposta teraputica mdica eficaz, com clara dominncia de agentes do campo

mdico, com insero no campo burocrtico e no espao da sade coletiva. A poltica surgiu de uma

demanda de um grupo de representantes do movimento homossexual Secretaria de Sade do Estado.

O movimento homossexual que inicialmente negava a doena foi sensibilizado pelas notcias trazidas

por pessoas que viajavam ao exterior, pela divulgao atravs da mdia em 1983 do diagnstico dos

primeiros casos brasileiros e pela reunio sobre a doena com o mdico infectologista e professor da

USP, Ricardo Veronesi. Esse grupo de representantes do movimento homossexual, composto por

artistas, docentes, pesquisadores, jornalistas, publicitrios, entre outros, alm de alto capital cultural,

tambm possua uma rede de contatos importantes, um capital social que permitiu que fosse agendada

uma audincia com o Secretrio de Sade do Estado para demandar uma atuao especfica do poder

pblico.

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Pode-se destacar como condies histricas de possibilidade para a emergncia precoce dessa

poltica em So Paulo, em um momento que ainda no havia evidncias de sua magnitude e

vulnerabilidade:

! a existncia de um movimento homossexual organizado, com contatos internacionais

e com lideranas que ocupavam posies de destaque, com elevado capital econmico

e social;

! a organizao do sistema de sade no Estado de So Paulo, inclusive com a criao da

carreira de sanitarista, resultante da reforma administrativa do final da dcada de 1960

(Reforma Leser);

! o carter democrtico e modernizador do governo Montoro e em particular do

secretrio de sade Joo Yunes, professor da Faculdade de Sade Pblica da

Universidade de So Paulo e militante do movimento da reforma sanitria;

! a concomitncia deste processo com o prprio movimento sanitrio, permitindo a

incorporao de seus pressupostos na formulao das estratgias de controle da

epidemia.

Somaram-se a essas condies, o fato de que a Diviso Estadual de Dermatologia Sanitria

naquele momento tinha um grupo de trabalho para a organizao de um Programa de Doenas

Sexualmente Transmissveis constitudo e que o coordenador dessa diviso e do grupo de trabalho era

um mdico, sanitarista e ex-militante do grupo Somos.

A resposta nacional, contudo iniciou-se apenas em 1985, aps Estados como So Paulo, Rio

de Janeiro e Rio Grande do Sul j terem organizado programas de sade especficos para combater a

epidemia. No mbito nacional, podem ser consideradas como condies para a deciso da incluso da

aids na agenda poltica:

o processo de transio democrtica;

a chegada de sanitaristas a cargos de chefia no Ministrio da Sade;

a rpida evoluo da epidemia;

a existncia de grupos de pesquisa em doenas infecciosas e parasitrias, envolvendo

particularmente patologistas que se converteram em imunologistas;


!
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os avanos no campo mdico sobre a doena e o estgio de desenvolvimento da

pesquisa clnica e laboratorial sobre o HIV/aids;

a organizao por parte de alguns estados de programas de aids;

a presso exercida pelos movimentos sociais e pela prpria imprensa.

Pelo pioneirismo, os agentes do Estado de So Paulo sempre foram dominantes no espao aids

no Brasil, seja no subespao cientfico, no subespao burocrtico, ou no espao militante (grupos

homossexuais, ONG-Aids). Ainda que apenas em 2000, a gesto do Programa Nacional tenha sido

assumida por um paulista, a orientao tcnica e poltica do programa nacional seguiu o referencial do

Programa de Aids do Estado de So Paulo e os agentes paulistas apresentavam elevado capital

simblico.

Os agentes que se engajaram no espao aids brasileiro eram pessoas afetadas pela epidemia,

ou seja, pessoas vivendo com HIV/aids, pessoas vulnerveis aids, como homossexuais, usurios de

drogas injetveis, hemoflicos, profissionais do sexo, seus parentes e amigos; ou profissionais,

mdicos e pesquisadores, principalmente. Aqueles que entraram nesse espao de luta por questes de

ordem pessoal geralmente assumiram posies no subespao militante, possuam formao

diversificada e um capital cultural importante, quase todos possuindo ps-graduao stricto senso

(mestrado ou doutorado) no perodo de 1983-1986, caracterstica que no mantida pelos ingressantes

aps esse perodo, que em 2001 possuam menor capital cultural, predominando curso superior

completo, seguido do ensino mdio. Nos subespaos burocrtico e cientfico, o predomnio era de

graduados em medicina, sendo que os agentes do campo cientfico possuam ps-graduao stricto

senso ou estavam realizando o curso.

interessante notar que, ao contrrio do que aconteceu na Frana onde as associaes

especficas de luta contra a aids surgiram frente a demora do Estado em responder uma nova

epidemia, no Brasil, elas surgiram aps implantao da poltica governamental, inclusive da poltica

nacional, e foi fomentada pelo Estado, no sentido em que este foi o primeiro financiador dessas

associaes. Esse incentivo do Estado na constituio das ONGs/aids no foi exclusivo do Gapa/SP,

que teve apoio da SES-SP inclusive cedendo uma sala no seu prdio e apoio logstico, mas tambm a

Abia teve seus primeiros financiamentos garantidos pelo Inamps e pela Finep, instituies estatais,

!
! "&*!

atravs de militantes da reforma sanitria, como Hsio Cordeiro e Reinaldo Guimares que assumiam

posies importantes nesses rgos.

Excluda essa diferena, so muitas as semelhanas entre os movimentos associativos francs

e brasileiro: ambos so constitudos por agentes com histrico de militncia de esquerda (na Frana a

militncia de esquerda de 68; no Brasil no movimento pela redemocratizao, participando de partidos

clandestinos, como PCB e PCdoB, da construo do PT e do movimento das comunidades eclesiais de

base); nos dois pases, os militantes buscavam uma exterioridade ao movimento homossexual, ainda

que muitos de seus integrantes fossem homossexuais e mesmo oriundos desse movimento. No Brasil,

assim como na Frana, inicialmente as associaes surgiram para preencher os vazios e as lacunas

deixadas pela insuficincia da poltica estatal, que aqui no Brasil representam as ONGs de carter

poltico-assistencial, como o Gapa. Mais tarde surgiram associaes de cunho eminentemente poltico,

que criticavam o Estado, mas que tambm se opunham ao reformismo das associaes j

estabelecidas, como a Abia no caso brasileiro (e sua crtica ao Gapa).

As disputas ao interior de cada subespao deram-se no campo mdico, entre dermatologistas,

infectologistas e os especialistas em Medicina Tropical e Doenas Infecciosas e Parasitrias; no campo

burocrtico, entre Programas Estaduais, particularmente o paulista, e Programa Nacional; no espao

militante, entre associaes especficas de luta contra a aids e movimentos em que a aids apareceu

como questo transversal, entre as king-ONGs e ONGs menores, entre ONGs polticas e ONGs

assistenciais, alm da disputa entre ONGs de pessoas vivendo com HIV/aids e as demais ONGs/aids;

no campo cientfico, entre grupos de diferentes instituies de pesquisa e ensino superior (USP X

Unifesp, UFRJ X Fiocruz), entre diferentes geraes de pesquisadores.

As principais disputas entre alguns agentes responsveis pelo Programa Nacional e as

associaes especficas de luta contra a aids deram-se at 1993 em torno das campanhas preventivas

(qual deveria ser a populao alvo: grupos especficos ou populao geral, se deveria ser adotada uma

linguagem tcnica ou popular, o que poderia ser dito e o que no poderia ser dito, que termos usar,

etc.). A partir do surgimento do primeiro medicamento ARV e sempre que surgiram novos

medicamentos, em torno do tratamento. Depois do primeiro acordo de emprstimo, acerca do

financiamento de projetos de ONGs e da participao na Comisso Nacional (qual o papel da

!
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comisso, sua funo, quem a integra), principalmente com o surgimento de novas organizaes no-

governamentais.

O que prevaleceu nas campanhas governamentais foi a concepo tcnica dos agentes do

campo burocrtico, ainda que com influncia do campo religioso, que em algumas oportunidades

conseguiu interferir no contedo das mensagens, e do espao militante que influenciou a promoo de

um discursos mais inclusivo e menos estigmatizante.

A relao da doena com a sexualidade e o uso de drogas injetveis levaram a uma influncia

do discurso religioso sobre a concepo da doena, inculcada especialmente pela igreja catlica,

predominante no pas, relacionada ao pecado, transgresso moral e ao castigo divino. Nesse sentido,

aos grupos homossexuais opunham-se ao discurso da igreja.

Na imprensa, a aids era apresentada como um problema dos homens homossexuais norte-

americanos, ou seja, um problema estrangeiro e relacionado a uma minoria.

Inicialmente denominada peste gay, cncer gay, cncer rosa, quando a nova doena passou a

ser denominada Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (Sida) ou, em ingls, Acquired

Immunodeficiency Syndrome (AIDS), o termo estrangeiro foi incorporado imediatamente pelos

mdicos e pela imprensa. O Brasil foi o nico pas da Amrica Latina que no adotou o termo Sida.

Um estrangeirismo, uma submisso tanto no campo cientfico como cultural aos EUA, que foi

racionalizado atravs de justificativas relacionadas ao nome da santa padroeira do pas (influncia

religiosa), ao apelido do nome Aparecida e formalizada em uma reunio no Ministrio da Sade para

definir o termo a ser utilizado.

As semelhanas entre Brasil e Frana aparecem tambm quanto s primeiras medidas adotadas

pelo Ministrio da Sade de cada um dos pases: vigilncia epidemiolgica, educao e informao

sanitria, visando esclarecer os meios de transmisso, testagem voluntria e na caracterizao de uma

epidemia que afetava toda a populao.

Essa ltima estratgia tinha por objetivo reduzir o estigma e a discriminao dos grupos mais

afetados, de modo que no Brasil, acordou-se que as campanhas seriam voltadas para a populao

geral. Isso s foi alterado a partir do final da dcada de 1980, com o Projeto Previna, voltado para

populao carcerria, profissionais do sexo, usurios de drogas injetveis, crianas e adolescentes em

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situao de risco, garimpeiros e homossexuais. Contudo, as principais crticas de oposio poltica

governamental residiam na ausncia de resposta assistencial e na concepo das campanhas

preventivas de veiculao nacional, essa ltima talvez a questo de maior controvrsia ao interior do

espao aids. Controvrsia que perdurou at 2012, quando aps a apresentao oficial da campanha

para o carnaval, voltada prioritariamente aos jovens homossexuais, o Ministrio da Sade, mudou a

mensagem da campanha, para evitar atritos com a bancada evanglica, reacendendo a crtica das

ONG/aids.

O fato de o campo mdico ter sempre exercido papel dominante, bem como a conjuntura do

movimento sanitrio, a participao de epidemiologistas na gesto do Programa e a participao

crtica das organizaes no-governamentais concorreram para a formulao de uma poltica

avanada, que se contraps s recomendaes das agncias internacionais, de modo a garantir no

apenas aes de carter preventivo (priorizadas at o final da dcada de 80), mas tambm, o acesso ao

tratamento (iniciado em 1988 com a distribuio de medicamentos para doenas oportunistas,

evoluindo para os antirretrovirais em 1991 e universalizando o acesso em 1996 atravs da Lei 9.313).

Assim, essa poltica baseada na integralidade da ateno sade foi sendo conquistada e construda ao

longo do perodo estudado (1981 a 2001), resultando da incorporao de novas tecnologias medida

que o saber e as prticas mdicas sobre a doena avanavam, como resultado da complexa

configurao desse espao social especfico diante de condies histricas de possibilidade.

Ainda que o espao aids tenha sido dominado pelo campo mdico, dentre os principais agentes

formuladores da poltica nacional existiam profissionais graduados em outras reas e agentes

pertencentes ao campo burocrtico e ao espao militante. O desenvolvimento da poltica levou a uma

influncia crescente do campo burocrtico nesse espao, de modo que a partir de meados da dcada de

1990, o Programa Nacional passou a assumir um papel dominante, o que modificou significativamente

as relaes ao interior do espao aids, levando a uma reduo gradual da crtica de oposio poltica

pelas ONGs/aids, que passaram a brigar pelo cumprimento dos direitos adquiridos pelos portadores de

HIV/aids. Contriburam para essa posio de autoridade dos tcnicos do Programa Nacional, o aporte

financeiro garantido pelos acordos de emprstimo junto ao Banco Mundial, possibilitando o

financiamento de aes nos Estados e municpios, bem como de projetos junto s ONGs; e a deciso

!
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poltica dos Ministros da Sade e dos Presidentes da Repblica em assumir, contra as orientaes do

Banco Mundial, da OMS e das presses das indstrias farmacuticas, a garantia ao tratamento para

portadores de HIV/aids.

O acordo de emprstimo junto ao Banco Mundial possibilitou o financiamento por parte do

Ministrio da Sade de projetos de ONGs voltados para preveno da doena e assistncia aos

portadores de HIV/aids, induzindo tambm a criao de novas associaes, a maioria delas, ao

contrrio das ONGs mais antigas e mais consolidadas, passaram a depender dos recursos

governamentais.

O financiamento do Banco Mundial, apesar de polmico e de ter suscitado reaes diversas,

foi considerado como facilitador da expanso e consolidao das ONGs/aids, bem como contribuiu

para a estruturao inicial de uma rede de servios de sade e apoio diagnstico, e para a capacitao

tcnica de profissionais, questes fundamentais universalizao do tratamento, viabilizado atravs de

recursos do tesouro nacional.

A poltica brasileira de controle da aids ganhou reconhecimento internacional a partir do

estabelecimento da estratgia de acesso universal aos ARV em 1996. Associado a isso, as evidncias

do impacto positivo da poltica brasileira sobre os indicadores de morbimortalidade levaram diversas

organizaes internacionais que financiavam aes de ONGs/aids no Brasil a direcionar os recursos

para pases com respostas menos estruturadas frente epidemia de aids e quadros epidemiolgicos

mais graves. Esse fato, reduziu a oferta de financiamento para ONGs/aids, tornando os editais do

Ministrio da Sade na nica opo para o financiamento de diversas associaes. A descentralizao

dos recursos para Estados e municpios a partir de 2002, associada baixa capacidade de gasto dos

Programas Estaduais e diferentes legislaes fiscais comprometeram o repasse de recursos s ONGs,

levando a um desfinanciamento do setor.

As relaes de fora entre os subespaos militante, burocrtico e cientfico, com agentes

engajados tambm no movimento da reforma sanitria, em uma conjuntura de redemocratizao do

pas e de conformao do Sistema nico de Sade, contriburam para a formulao de uma poltica

baseada na sade como um direito e dever do Estado. Foi essa premissa constitucional que garantiu a

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base legal para a demanda em juzo pelas assessorias jurdicas de diversas ONGs da garantia de acesso

ao tratamento.

A luta pela sustentabilidade da estratgia de acesso universal a ARV levou a disputas

internacionais, colocando o pas em uma posio de destaque no cenrio internacional. Da mesma

forma, a poltica de aids, em especial a questo de acesso a medicamentos, tornou-se importante no

campo poltico, onde a maternidade/paternidade da poltica virou objeto de disputa, ganhando

inclusive um carter eleitoreiro.

Em que pese o relativo sucesso da poltica nacional e mesmo a vanguarda assumida pelo pas,

na opinio de diversos militantes/ativistas e mesmo de agentes do campo burocrtico a sua

continuidade e sustentabilidade no tm sido asseguradas. O Brasil parece ter se acomodado com os

xitos pretritos196. Para alm de assegurar as caractersticas consideradas como exemplares, a saber, a

integralidade, a universalidade e a no discriminao, a compreenso das razes histricas que

permitiram a elaborao dessa poltica evidenciam que a existncia de um sistema de sade pblico

organizado e universal foi uma das condies para que essa poltica se tornasse possvel, assim como a

participao social, para alm das instncias formais. As pessoas com HIV/aids tornaram-se agentes

da sua prpria histria, no restringindo a sua participao ao subespao militante, mas assumindo

posies tambm no campo burocrtico. Esse trnsito ao interior da burocracia estatal foi garantido

pelo financiamento internacional, que permitiu a contratao de profissionais atravs de projetos,

garantindo um corpo tcnico qualificado e diversificado, engajado na luta pelo controle da epidemia.

O ativismo da aids profissionalizou-se, no vivendo de voluntrios. Embora enfrentando problemas de

desfinanciamento, continua ativo, mais silencioso talvez, mas se manifestando sempre que necessrio

e aprimorando-se continuamente.

O engajamento poltico-militante profissional associado luta contra a aids no Brasil no

encontra precedentes na histria da sade no pas. Se podemos perceber um reflexo da ideia, da

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!196 Segundo Pedro Chequer, ex-dirigente do Programa Nacional e representante da Unaids no Brasil, (...) o Brasil est
perdendo o momento poltico e tecnolgico da segunda revoluo na aids. (...) Que adotar a abordagem da tecnologia CD4,
abaixo de 500, trata para fim de preveno. () o Brasil no pode ficar s repousando no que fez, tem que fazer coisas novas
e o Brasil podia ser exemplo para o mundo novamente, se tomasse a deciso poltica, por que tecnicamente j est
fundamentado (Pedro Novaes Chequer. Entrevista realizada em 03/08/2011, Braslia, DF).
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proposta, do projeto, do movimento e do processo da reforma sanitria brasileira, conforme descrito

por Paim (2008), no movimento de luta contra a epidemia da aids (espao aids), isso acontece porque

a histria da poltica de aids no se desvincula da construo histrica de um Sistema nico de Sade

cujas diretrizes incluem a justia, a equidade e a universalidade. A poltica da aids compartilha dos

mesmos problemas do SUS, mas tendo um corpo tcnico diferenciado pelo engajamento militante ao

interior do ministrio que promove a participao popular, e um movimento associativo que exerce de

fato o controle social.

A anlise scio-histrica aqui realizada identificou diversos fenmenos responsveis pela

consolidao do espao aids, bem como pelas caractersticas da poltica nacional de controle para este

agravo. No somente auxilia a compreenso acerca da complexidade dos processos evolutivos como

pode contribuir para a anlise de outras polticas de sade e no seu aperfeioamento na direo dos

princpios da Reforma Sanitria Brasileira.

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9 Entrevistas realizadas
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Entrevistados Relevncia para a pesquisa Local Data

1 Alexandre Grangeiro Socilogo, Coordenador do Programa So Paulo, SP 21/06/2011


Nacional de DST/AIDS
2 Ana Luiza Queiroz Vilasbas Mdica sanitarista SESAB / SMS Salvador, BA 06/07/2011
Salvador
3 urea Celeste da Silva Abbade Advogada, fundadora Gapa-SP So Paulo, SP 20/06/2011

4 Bernardo Galvo Castro Filho Mdico patologista, Pesquisador da Salvador, BA 12/07/2011


Fiocruz
5 Cristina Luci Cmara da Silva Sociloga, Diretora do Grupo Pela So Paulo, SP 04/05/2011
Vidda-RJ, PN DST/Aids
6 Eduardo Luiz Barbosa Frum de ONGs/Aids de So Paulo, Braslia, DF 02/08/2011
Diretor adjunto do Departamento de
DST, Aids e Hepatites Virais - MS
7 Eduardo Jorge Bastos Crtes Mdico, Coordenador do Programa Rio de Janeiro, RJ 15/06/2011
Nacional de DST/AIDS Skype 07/12/2011
Skype 08/12/2011
8 Edward Baptista das Neves Mac Antroplogo, ex-integrante do Grupo Salvador, BA 16/05/2011
Rae Somos-SP, fundador Gapa-SP
9 Euclides Ayres de Castilho Mdico, epidemiologista, assessor do So Paulo, SP 05/05/2011
Programa Nacional de DST/Aids,
membro da Cnaids
10 Fabola de Aguiar Nunes Mdica Sanitarista, Secretria Nacional Salvador, BA 14/07/2011
de Programas Especiais de Sade
11 Gerson Fernando Mendes Pereira Mdico dermatologista sanitrio, Braslia, DF 04/08/2011
Departamento de DST, Aids e Hepatites
virais MS
12 Gerson Barreto Winkler Administrador, Fundador Gapa-RS, Porto Alegre, RS 16/06/2011
Coordenador Programa DST/AIDS Porto
Alegre
13 Gilvane Casimiro GIV, Tcnico do Departamento de DST, Braslia, DF 02/08/2011
Aids e Hepatites virais MS
14 Harley Henriques do Nascimento Administrador, Fundador do Gapa-BA Salvador, BA 11/04/2011

15 Ieda Fornazier Secretria do Departamento de DST, Braslia, DF 04/08/2011


Aids e Hepatites virais MS
16 Maria Ins da Costa Dourado Mdica epidemiologista, pesquisadora Salvador, BA 05/09/2011

17 Ivo Brito Socilogo, Departamento de DST, Aids e Braslia, DF 04/08/2011


Hepatites virais MS
18 Jorge Adrian Beloqui Matemtico, Fundador do Pela Vidda- So Paulo, SP 18/06/2011
SP, Membro Abia, Diretor GIV,
Pesquisador NEPAIDS
19 Jos da Rocha Carvalheiro Mdico, Comit de Vacinas do Programa Salvador, BA 13/05/2011
Nacional de DST/Aids
20 Luiz Roberto de Barros Mott Antroplogo, Fundador do Grupo Gay da Salvador, BA 23/03/2011
Bahia
21 Manoel Alves Economista, Departamento de DST, Aids Braslia, DF 04/08/2011
e Hepatites virais MS
22 Mrcia Cristina Graa Marinho Psicloga, Fundadora do Gapa-BA Salvador, BA 27/04/2011

23 Mrcia Lilian Sampaio e Sampaio Mdica infectologista, Coordenadora do Salvador, BA 07/06/2011


S Programa Estadual de DST/AIDS da
Bahia

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Entrevistados Relevncia para a pesquisa Local Data


24 Maria Leide Wand del Rey de Mdica dermatologista, Diretora da Correio eletrnico 01/04/2012
Oliveira* Diviso Nacional de Dermatologia
Sanitria epoca
25 Osvaldo Francisco Ribas Lobos Antroplogo, realizou primeira pesquisa Salvador, BA 26/05/2011
Fernandez com usurios de drogas injetveis
26 Paulo Roberto Teixeira Mdico, 1o Coordenador do Programa So Paulo, SP 03/05/2011
Estadual de Aids de So Paulo
27 Pedro Novaes Chequer Mdico sanitarista, PN DST/Aids, Braslia, DF 03/08/2011
Unaids
28 Renato Girade Tecnlogo em Processamento de dados, Braslia, DF 04/08/2011
Departamento de DST, Aids e Hepatites
virais MS
29 Silvia Ramos de Souza Psicloga, Fundadora da Abia Rio de Janeiro, RJ 15/06/2011

30 Valdila Gonalves Veloso dos Mdica infectologista, Programa Rio de Janeiro, RJ 14/06/2011
Santos Nacional de DST/AIDS, Diretora
IPEC/Fiocruz
31 Valria Petri Mdica dermatologista, identificou os So Paulo, SP 20/06/2011
primeiros casos de AIDS no pas
32 Vera Silvia Facciolla Paiva Psicloga, pesquisadora e fundadora do So Paulo, SP 21/06/2011
NEPAIDS
33 Veriano de Souza Terto Jr. Psiclogo, Diretor da Abia Rio de Janeiro, RJ 15/06/2011

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!
! )("!

Apndices

Apndice I Roteiro para entrevistas em profundidade

Apndice II Termo de consentimento informado

Apndice III Resumo das trajetrias dos entrevistados

Apndice IV Relao com a aids

Apndice V Concepes sobre a aids

Apndice VI Concepes/ tomadas de posio que podem revelar disposies polticas,


religiosas e homofbicas acerca das campanhas preventivas entre os entrevistados dos
subespaos cientfico, burocrtico e militante.

Apndice VII Concepes sobre o conceito de Homens que fazem sexo com homens
(HSH)

Apndice VIII - Concepes dos agentes acerca do significado dos acordos de


emprstimo junto ao Banco Mundial para a poltica nacional de controle da aids.

Apndice IX Concepes sobre a Comisso Nacional de Aids

Apndice X Realizao profissional e/ou militante

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Apndice I Roteiro para entrevistas em profundidade


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Fale de sua trajetria social : onde nasceu, onde seus pais trabalhavam?

Fale da sua trajetria profissional (onde estudou, formao inicial, escolhas e justificativas)

Qual e como comeou a sua relao com a aids?

Fale sobre como surgiu a poltica de controle da aids no Brasil.

Qual sua participao e quem foram os principais agentes responsveis (movimentos sociais,

categorias profissionais, instituies, tcnicos) pelo seu surgimento?

Para voc o que a aids?

Quais as principais estratgias para o enfrentamento da epidemia?

Quais so os principais problemas relacionados ao controle da epidemia da aids hoje?

Na sua opinio, o que o SUS ? Quais seus objetivos?

O que a reforma sanitria? Quais seus objetivos?

O que significam o SUS e a reforma sanitria para a poltica de aids no pas?

Quais so seus objetivos profissionais hoje?/ Quais seus objetivos na luta contra a aids hoje?

Voc se sente realizado trabalhando/ militando na rea da aids? / Por que deixou de trabalhar/ militar

na rea de aids?

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Apndice II Termo de consentimento informado


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Universidade Federal da Bahia
Instituto e Sade Coletiva (ISC)
Projeto Gnese da Poltica Nacional de controle da aids

Termo de Consentimento Informado

Eu, Sandra Garrido de Barros, estou pesquisando o surgimento e implantao da poltica nacional de
controle da aids no Brasil, a fim de contribuir na identificao das condies de possibilidade para sua
formulao e suas especificidades, atravs do estudo do jogo social onde emergem as respostas
epidemia e da identificao dos principais agentes envolvidos na construo da agenda e na
formulao dessa poltica. Voc foi identificado como informante chave para este estudo.

Assumo o compromisso de que sua identidade permanecer confidencial, salvo expressa manifestao
em sentido contrrio, haja vista a ocupao de cargos ou posies pblicas. Caso voc decida
manifestar pblica a sua opinio, ser garantido que a transcrio da entrevista ser submetida a sua
apreciao antes de qualquer divulgao.

Sua participao nessa pesquisa fundamental para a elucidao desse momento da poltica nacional
de controle da aids no Brasil, porm, ela inteiramente voluntria. A qualquer momento voc poder
desistir de continuar a entrevista e s responder as perguntas que desejar.

Voc poder entrar em contato com a coordenao do projeto atravs do telefone (71) 3283-7442.
Eu , ______________________________________________, declaro estar ciente de que entendo os
objetivos e condies de participao na pesquisa A gnese da poltica nacional de controle da aids
no Brasil e aceito nela participar.

Autorizo a identificao de meu nome nas publicaes resultantes do referido projeto

No autorizo a identificao do meu nome

Salvador, __/___/_____.

_________________________________ _________________________________
Assinatura do entrevistador Assinatura do entrevistado.

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Apndice III Resumo das trajetrias dos entrevistados

Alexandre Grangeiro

Nasceu em Bragana Paulista, So Paulo. Seu pai era dono de um expresso rodovirio, que tinha uma
das sedes em Bragana. A me no trabalhava, acompanhava o pai, como uma boa esposa. O av
paterno tambm era comerciante na regio. A famlia no tinha prtica religiosa, mas acreditava em
Deus. Ainda no colgio, se envolveu no movimento estudantil, que na sua opinio, era uma desculpa
para se ter um ativismo poltico. Participou da Convergncia Socialista, se envolve na formao do
PT e depois se distanciou. Alexandre cursou o ensino mdio em escola pblica e em 1987 iniciou o
curso de Cincias Sociais na PUC-SP. Diz que no sabe explicar porque escolheu fazer Sociologia,
relata que ficava entre o tentar entender o indivduo e tentar entender coletivo. Seu envolvimento com
a rea da sade comeou praticamente ao mesmo tempo que o curso de graduao, atuando como
estagirio em um projeto de cooperao para os 60 anos da Hansenase no Brasil, na Grande So
Paulo, especificamente, que resgatava o arquivo histrico sobre hansenase do Instituto de Sade de
So Paulo. Permaneceu como estagirio na Diviso de Hansenologia e Dermatologia Sanitria
(DHDS) do Instituto de Sade. Com a epidemia da aids, todos que estavam na Dermatologia foram
convidados a colaborar. Alexandre foi para o Disque aids, tendo a funo de atender s chamadas
telefnicas e dar orientao. Inicialmente eram apenas dois turnos, mas medida que a demanda do
servio se ampliou, sua carga horria dedicada ao Disque aids tambm foi aumentando. Quando Jos
Aristodemo Pinotti assumiu a SES-SP, Alexandre foi, seguindo Paulo Roberto Teixeira que foi
destitudo do cargo de Diretor da DHDS, para a Vigilncia Epidemiolgica na SES-SP. Retorna ao
Programa de aids quando Mrio Covas assume o governo de So Paulo e Paulo Roberto Teixeira volta
a coordenar o CRT de DST/Aids, ficando na Preveno e depois na direo adjunta. Foi para o
Programa Nacional a convite de Pedro Chequer, que era coordenador do Programa Nacional. L, iria
trabalhar na Vigilncia Epidemiolgica, mas terminou indo para a rea de Planejamento e avaliao, o
que considerou mais interessante por trabalhar com Estados e municpios, chagando a assumir a
direo do setor. Quando Paulo Teixeira assumiu o Programa Nacional, em 2000, Alexandre ficou
como seu adjunto. Entre maro de 2003 e agosto de 2004, Alexandre foi o Diretor do programa
Nacional. Retornou para So Paulo, onde permaneceu como assessor entre 2005 e 2007, quando
assumiu a direo do Instituto de Sade. Aps sua sada, permaneceu como pesquisador no
Departamento de Medicina Preventiva da USP. Alexandre se sente coparticipe da resposta epidemia
da aids no Brasil

Fontes:

1. Entrevista realizada em 21/06/2011, So Paulo, SP

2. Currculo Lattes de Alexandre Grangeiro, disponvel em


http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780367P1, acessado em 18/05/2011

3. Frana, M.S.J. Cincias em tempos de AIDS: uma anlise da resposta pioneira de So Paulo
epidemia. (Doutorado em Histria da Cincia). Deparatmento de Histria da Cincia, Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2008. p. 167-174.

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Ana Luiza Queiroz Vilasbas

Nasceu em Niteri, Rio de Janeiro. Sua me era professora do Estado, na poca (1960), um emprego
muito importante. Seu pai era funcionrio concursado do Banco do Brasil, formou-se em Direito, mas
s comeou a exercer a profisso de advogado quando se aposentou do Banco. Atualmente seu pai,
aos 76 anos, advogado. O av paterno era chefe da oficina mecnica do IBGE e o av materno, um
pequeno comerciante, proprietrio de um armazm que comercializava tecidos e produtos
alimentcios. De famlia catlica, Ana considera como nica atividade poltica que teve a sua
participao no movimento franciscano, que frequentou dos 14 aos 17 anos. Sempre voltou no PT.
No gostava do PC do B, que considerava uma turma irresponsvel, faziam uma boa poltica, mas
no eram bons alunos. Sempre admirou as pessoas com bom desenvolvimento acadmico, a
meritocracia. Cursou o ensino mdio no Colgio 2 de Julho, em Salvador. E em virtude da sua
formao crist, ainda que hoje se declare no catlica, a escolha da profisso foi pautada na vontade
de querer mudar o mundo, sendo mdica. Fez Medicina na UFBA, entre 1980-1985, em seguida, fez
Residncia em Medicina Social (1986-1987) na mesma instituio. Sua busca por uma disciplina de
excelncia na Faculdade de Medicina da UFBA, a aproximou da Sade Coletiva, pois os
departamentos de excelncia eram a imunologia, a patologia, vinculadas Fiocruz, e a Medicina
Preventiva. A deciso veio quando cursou a Disciplina de Sade Pblica e Medidas de Profilaxia, no
sexto ano, pela possibilidade de correlacionar as condies de vida e sade com aspectos do contexto
poltico, econmico e social. Chegou a trabalhar como mdica clnica durante um perodo muito
curto (cerca de dois meses), mas levava muito tempo conversando com pacientes e no pedia
exames. Fez concurso para Mdico Sanitarista na Secretaria de Sade do Estado da Bahia (SESAB),
permanecendo de 1989 a 1992 nessa funo, quando fez concurso para mdica. Entre 1993 e 1996, foi
tambm assessora tcnica da Secretaria Municipal de Sade de Salvador. Sua relao com a aids se
deu quando participou da elaborao do Plano trienal de combate DST/Aids (1993-1995) do Estado
da Bahia, indicada pela Diretora da Assessoria de Planejamento, onde era lotada, atuando junto a
tcnicos do Ministrio da Sade na elaborao do POA relativo ao 1o acordo de emprstimo do banco
Mundial, o AIDS I. Continuou no quadro da Secretaria, mas cedida ao Instituto de Sade Coletiva da
UFBA como docente da Residncia Multiprofissional em Medicina Social no perodo de 1997 at
2009. Foi docente do curso de Medicina da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) no
perodo de 2006 a 2009. Desde 2009, quando foi aprovada em concurso pblico, professor adjunto
do ISC/UFBA. Ana Luiza no continuou trabalhando na rea de HIV/aids, acha que cumpriu a sua
obrigao, o seu dever profissional, mas que no teria vontade de trabalhar com uma poltica mais
especfica na sua vida profissional.

Fontes:

1. Entrevista realizada em 06/07/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Ana Luiza Queiroz Vilasbas, disponvel em


http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787176H6 , acessado em 18/05/2011.

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urea Celeste da Silva Abbade

Nasceu em 10/12/1947. Sua me trabalhava na Maternidade Pro Mater Paulista, mas desde seus 8 anos
a mesma estava em auxlio doena. Seu pai faleceu quando ainda tinha 2 meses de idade. O av
paterno era mascate e o materno fabricante de vinho. Conviveu com diversas tradies religiosas:
evanglica, catlica, com as diversas religies afro-brasileiras. Gosta da igreja catlica, mas se sente
mais prxima do centro esprita que frequenta. Fez o ensino mdio no Liceu Eduardo Prado, um
colgio particular, de freiras, onde era bolsista. Queria fazer medicina, mas terminou se formado em
Direito na PUC-SP. Durante a faculdade, trabalhava com venda direta (Avon, Christian Gray) ou
fazendo cestas de Natal. Como entrou na faculdade j no perodo do AI-5, no se envolveu no
movimento estudantil. Formada, trabalhou em um escritrio de advocacia at 1972, quando montou
seu escritrio prprio com um colega, mas h cerca de 20 anos j trabalha sozinha. filiada ao PPS,
mas votou em Lula e Erundina. Considera que no possvel conciliar o Gapa com militncia poltica.
Foi como advogada da assistente social do Hospital Emlio Ribas, Otlia Simes Janeiro Gonalves,
que casualmente participou da reunio inicial de formao do Gapa. Otlia estava precisando de
orientaes profissionais de urea e como teria uma reunio agendou com a advogada no prprio
hospital. Quando chegou ao hospital, estava havendo uma reunio sobre aids. Ela participou, mas fora
do crculo, pois havia chegado depois. As pessoas estavam desesperadas e ouvindo as situaes
colocadas, ela sempre via a situao por um lado mais prtico, sem o envolvimento emocional. Eram
tantas providncias a tomar e ela se viu pensando como seria. No final da reunio passaram uma lista
para saber dos presentes quem poderia ajudar, em que horrio, etc. Quando lhe entregaram a lista,
pediu desculpas e disse que estava fora da rodinha e foi questionada se no poderia ajudar. As
reunies passaram a ser realizadas nos sbados s 15h, o horrio que ela podia. urea tornou-se
fundadora do Gapa, criou o primeiro servio de apoio jurdico a portadores do vrus, participou da
elaborao do primeiro cartaz de preveno aids produzido no Brasil (Transe numa boa), redigiu o
documento que deu origem Lei 7.670, de 1989, que libera o FGTS e o PIS/PASEP para portadores
do vrus, foi coordenadora do Projeto Previna do Ministrio da Sade (1989), foi advogada da
primeira reclamao trabalhista no Brasil que reintegrou um portador de HIV/Aids ao trabalho, da
primeira medida cautelar contra convnio mdico, obrigando a prestar assistncia ambulatorial e
hospitalar ao portador de HIV/Aids e a propor ao contra o Estado para obteno da terapia
combinada para portador de HIV/Aids. Atualmente presidente do Gapa-SP, se sente realizada em
termos pois diz que cada dia faltam mais coisas e que faltam novas lideranas.

Fontes:

1. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP

2. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p.19

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Bernardo Galvo Castro Filho

Nasceu em 03/05/1945, em Salvador, Bahia. Seu pai era professor e mantinha um pensionato para
jovens que iam estudar em Salvador no Colgio Sofia Costa Pinto. Sua me era dona de casa. Cursou
o ensino mdio no Colgio Central (pblico). Resolveu fazer medicina porque sempre quis pesquisar e
resolver os problemas das pessoas. Fez teste vocacional e o resultado apontava medicina e
administrao. Foi membro do Partido Comunista. Cursou medicina entre 1964-1969 na UFBA. Fez
Residncia (1970-1971) e mestrado (1971-1974) em Anatomia Patolgica na mesma instituio. Fez o
doutorado em Imunologia na Universidade de Genebra, Suia, sob orientao de Paul Henri Lambert.
No mestrado e doutorado Galvo trabalhou com Tripanosomose africana. Quando retornou ao Brasil,
foi trabalhar na Fiocruz no Rio de Janeiro, pois a instituio ainda no tinha um centro de pesquisa na
Bahia. Conseguiu um grant junto OMS (TDR) para a implantao de um laboratrio de doenas
infecciosas e parasitrias, que tornou-se mais tarde o Departamento de Imunologia do Instituto
Oswaldo Cruz. Em 1982, mobilizado pelo contato com um jovem portador da doena e considerando a
possibilidade de disseminao da aids no pas devido a suas caractersticas (transmitida pelo sexo, pelo
sangue) e a misso da Fiocruz de responder questes de sade pblica, iniciou, com Claudio Ribeiro,
os trabalhos sobre aids na Fiocruz. Adaptou a tcnica da imunofluorescncia usada para Chagas para
identificao do anticorpo para HIV, que possibilitou a implantao das triagens nos bancos de sangue
do pas. Coordenou a equipe que isolou pela primeira vez o HIV no Brasil, em 1987. Implantou o
primeiro laboratrio P3 do Brasil (Laboratrio Avanado de Sade Pblica), no Centro de Pesquisas
Gonalo Muniz/Fiocruz, em Salvador. pesquisador da Fiocruz desde 1979 e bolsista de
produtividade 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), tendo
parte de sua carga horria cedida Fundao Bahiana para o Desenvolvimento da Cincia (FBDC),
atravs de convnio. Membro da Academia Baiana de Medicina (2002), Membro da American
Association for the Advencement of Science (2000). Consultor Ad hoc do CNPq (1979), coordenador
de diversos projetos de pesquisa junto ao CNPq e ao Programa Nacional de DST/Aids, consultor da
OMS (1983). Revisor do peridico Memrias da Fundao Oswaldo Cruz desde 1981, integrando seu
corpo editorial a partir de 1988. tambm revisor de diversos peridicos nacionais e internacionais
como Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (2005), Journal of Medical Virology
(2008), Revista do Instituto de Medicina Tropical de So Paulo (2009), Journal of Clinical Virology
(2009), The Brazilian Journal of Infectious Diseases (2009), BMC Public Health (2009), Human
Immunology (2010), Journal of Virological Methods (2010) eRevista Panamericana de Salud Pblica
(2010) e a partir de 2008, passou a compor o corpo editorial da Revista Brasileira de Neurologia e
Psiquiatria. Recebeu o Prmio Etienne Gorjux, da faculdade de Medicina da Universidade de Genebra,
Suia (1977), VI Prmio Hlio Gelli Pereira da Sociedade Brasileira de Virologia (2002), a medalha
Tom de Souza, da Cmara Municipal de Salvador (2002), entre outros. Foi eleito membro do
Conselho de Sociedade Internacional de Sida/Aids para os binios 1988-1990 e 1990-1992 e do
Conselho da Sociedade Internacional de Retrovirologia em 1995. Mais de 150 artigos publicados.

Fonte:
1. Entrevista realizada em 12/07/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Bernardo Galvo Castro Filho, disponvel em:


http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783667A8, acessado em 17/05/2011.

Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 23

3. Galvo-Castro, B. (2005). "A batalha contra a aids e outras lutas [entrevista a Marluce Moura]."
Pesquisa FAPESP

4. IOC. (2011). "A evoluo do estudo da aids por um de seus descobridores.", disponvel em:
http://www.fiocruz.br/ioc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1174&sid=32, Acessado em
17/11/2011.

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Cristina Luci Cmara da Silva

Nasceu em So Joo do Meriti, no Rio de Janeiro. A famlia, natural do Rio Grande do Norte, foi
morar em So Joo do Meriti porque o pai, militar da Marinha, havia sido transferido. Sua me era
dona de casa. A famlia sempre quis retornar para Natal, o que aconteceu em 1983, quando iniciou o
curso de Cincias Sociais na UFRN, pois queria entender porque algumas coisas aconteciam. No
segundo grau, havia feito curso tcnico em contabilidade e durante os dois primeiros anos da
faculdade trabalhou nas lojas Americanas, de onde saiu j como supervisora de vendas para ser
bolsista de iniciao cientfica, em um projeto que visava organizar uma proposta de contedo para o
ensino de cincia de 1a a 4a series do primeiro grau, o que foi reprovado pela famlia, mas para ela
significava um investimento na profisso. Cursou uma disciplina de gnero e pela primeira vez se
aproximou do universo da homossexualidade quando decidiu trabalhar com prostituio como tema do
trabalho da disciplina e foi orientada por um amigo a realizar a pesquisa em um bar gay frequentado
por mulheres e onde havia comrcio sexual. Nesse perodo, acompanhou a formao do PT, participou
do movimento pelas diretas j e participou de uma chapa que foi eleita para o Diretrio Acadmico,
mas no chegou a assumir porque em 1986 mudou-se para o Rio de Janeiro outra vez, onde concluiu o
curso na UFRJ. No Rio conseguiu uma bolsa de apoio tcnico, ficando vinculada ao Ncleo de
Estudos e Pesquisas sobre a Infncia (NEPI). Participou da campanha de Fernando Gabeira para
governador do Rio. Ao final da graduao, resolveu seguir a vida acadmica e em 1989 inscreveu-se
no mestrado na prpria UFRJ, quando tambm foi selecionada como docente para a disciplina de
Sociologia do curso de jornalismo da Faculdade da Cidade. Na dissertao de mestrado procurou
reunir sexualidade e poltica atravs do caso do grupo gay carioca Tringulo Rosa. Foi quando se
aproximou do tema da aids. Entre 1989 e 1990, trabalhou em uma das primeiras pesquisas sobre aids
no IMS, coordenada por Maria Andreia Loyola. A partir de 1991, comeou a se aproximar do Grupo
Pela Vidda, tendo aceito um convite para trabalhar no grupo em 1992. Com o doutorado, se afastou da
direo do grupo em 1995, mantendo uma participao mais pontual. O doutorado tambm foi cursado
na UFRJ (1995-1999), tendo como tema Ativismo, ajuda mtua e assistncia: a atuao das
organizaes no-governamentais na luta contra a aids. Tem atuado como docente em diversas
instituies particulares, sendo o principal vnculo com a Universidade Estcio de S, onde ficou entre
1993-2000. Em 2001, assumiu a Chefia da Unidade de Articulao com ONGs do Programa Nacional
de DST/Aids, onde permaneceu at 2003. Saiu do Programa para trabalhar como consultora, tendo
trabalhado para diversas organizaes internacionais na rea de aids (Save the Children, Gr-Bretanha;
Pact, EUA; PNUD, Angola; Interchurch Coordination Commitee, Holanda; Gesellschaft fur
Technische Zusammenarbeit, Alemanha; Schorer, Holanda) e mais recentemente na rea de cncer de
mama (American Cancer Society, EUA). No considera que possa retornar militncia depois de ter
assumido uma funo no Programa Nacional.

Fontes:
1. Entrevista realizada em 04/05/2011, So Paulo, SP.

2. Lattes de Cristina Cmara, disponvel em: http://lattes.cnpq.br/0335905033138788, acessado em


03/05/2011.

3. Cmara, C. Uma trajetria individual e vrios percursos. (Memorial). So Paulo: Faculdade de


Sade Pblica; USP, 2009. 50p.

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Eduardo Luiz Barbosa

Nasceu em 1961 em Chavantes, So Paulo. Sua famlia materna veio do Lbano para o Brasil, onde
conquistaram um bom padro de vida, tornando-se uma famlia conhecida e tradicional na cidade de
Chavantes. Seu pai, filho de trabalhador rural, teve uma loja, mas no era bom administrador na viso
de Eduardo. Elegeu-se vereador e depois assumiu a funo de assessor na prefeitura da sua cidade na
gesto de diferentes prefeitos, sempre ligado ARENA Sua me era dona de casa. Eduardo cursou o
ensino mdio em uma escola pblica no municpio de Chavantes. Com inteno de tornar-se religioso,
Eduardo Barbosa foi para um seminrio catlico, ao mesmo tempo que cursava filosofia na UNESP,
em Marlia, So Paulo. Cursou trs anos do seminrio, no chegando a concluir a formao em
teologia. Teve atuao em grmios estudantis e no movimento eclesial de base, o que considera que o
motivou para a atuao na rea social. Formado em Filosofia, foi para a capital do estado, So Paulo,
onde em 1986 tornou-se professor da rede de ensino Estadual, onde desde aquela poca realizava um
trabalho educativo junto aos alunos abordando aspectos da epidemia, formas de preveno da aids e
questes de sexualidade. Apesar disso, no modificou as suas prticas sexuais, acreditando que as
caractersticas pessoais de seus parceiros (homens e mulheres) no o colocavam em risco. Em 1994,
teve diagnstico positivo para o HIV, e passou a integrar o Grupo de Incentivo a Vida (GIV), onde
junto com outros soropositivos, aprendeu que era possvel ter qualidade de vida apesar da
soropositividade e a lutar pela sua vida e a apoiar outras pessoas a superarem as barreiras que o HIV
impe. Foi presidente do GIV e atuou tambm na Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids
(RNP+). Em 2001 foi eleito presidente do Frum Estadual de ONGs/Aids de So Paulo. Como
desdobramento dessa atuao, em agosto de 2004 foi convidado a trabalhar no Programa Nacional de
DST e Aids do Ministrio da Sade, onde foi responsvel adjunto da Unidade de Articulao com a
Sociedade Civil e Direitos Humanos, passando a responsvel pelo setor em 2006. Desde maio de
2011, Eduardo Barbosa diretor adjunto do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais.

Fonte:
1. Entrevista realizada em 02/08/2011, Braslia, DF.

2. Texto sobre Eduardo Luiz Barbosa, Disponvel em


www.unodc.org/pdf/brazil/Diamundialaids2005%20Eduardo.pdf, acessado em 30/07/2011.

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Eduardo Jorge Bastos Crtes

Natural de Caratinga, Minas Gerais, seu pai era comerciante e sua me dona de casa. Seu av materno
era mdico. Cursou o ensino mdio em Caratinga at o segundo ano cientfico, concluindo essa etapa
na capital do Estado, Belo Horizonte. Formou-se em Medicina pela UFRJ, onde tambm cursou
Residncia Mdica em Terapia Intensiva. Eduardo Crtes refere que se sentia atrado pela profisso,
assim como outras. Diz que no consegue apontar um motivo especfico. Em 1977, ingressou como
mdico e docente da UFRJ. Em 1983, j docente, optou por fazer mestrado em oncologia na
Universidade da Califrnia (Ucla), um dos principais centros de estudo sobre aids na poca, quando
estudou as neoplasias da aids. Teve a oportunidade de conhecer na Ucla os pesquisadores americanos
que primeiro descreveram a aids. Permaneceu ainda um perodo como Faculty Junior (professor
jnior) na Ucla. Crtes refere que voltou para o Brasil porque sentiu que algum precisava mostrar os
dados do Brasil de que a epidemia era uma problema muito srio e que o governo estava negando.
Crtes sempre participou de grmio na poca do colgio, foi residente chefe e representante de
docentes na associao de docentes na universidade, mas nunca filiou-se a partido poltico. Considera-
se democrtico e refere que sua atuao poltica sempre esteve relacionada questo cientfica.
Realizou estudo que identificou a introduo do HIV-2 no Brasil. Durante a realizao do estudo, teve
apoio do jornalista Tim Lopes, que contribuiu para a divulgao da pesquisa, dando visibilidade ao
trabalho de Eduardo Crtes. Em 1990, no governo Collor de Melo, foi convidado pelo Secretrio
Nacional de Assistncia Sade, Ricardo Ackel para assumir a Diviso Nacional de Aids. Sua
indicao no foi poltica, segundo Crtes, ele foi convidado como um tcnico respeitado na poca,
cargo que permaneceu at fevereiro de 1992. Crtes no permaneceu no espao aids. Aps a sada da
gesto do Programa Nacional, Crtes tentou continuar na rea, mas sentia-se boicotado pelos agentes
dominantes do espao aids, de modo que como oncologista de formao foi mudando aos poucos a
sua linha de pesquisa. Em 2006 concluiu o doutorado em Cirurgia Geral na UFRJ, com a tese Impacto
da superexpresso do oncogen HER-2/neu e de outros marcadores clnico-patolgicos na sobrevida da
mulher com carcinoma de mama, tendo como orientador o Professor Gutemberg Leo Almeida Filho.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 15/06/2011, Rio de Janeiro, RJ e em 07/12 e 08/12/2011, atravs do Skype.

2. Lattes de Eduardo Jorge Bastos Crtes, disponvel em: http://lattes.cnpq.br/3723963692468488,


acessado em 18/05/2011.

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Edward John Baptista das Neves MacRae

Nasceu em 15 de abril de 1946, em So Paulo, SP. Filho de um escocs e uma brasileira, ele corretor
de seguros, ela, dona de casa. Edward foi criado na Inglaterra, onde cursou o ensino mdio e graduou-
se em Psicologia Social pela University of Sussex (1965-1968). Como no se identificou muito com a
Psicologia, e tinha um interesse em conhecer melhor o Brasil, decidiu fazer o mestrado em Sociologia
da Amrica Latina, na University of Essex (1970-1971) e retornou para o Brasil, onde trabalhou como
professor de ingls durante alguns anos e em 1977 retornou para a universidade para fazer um outro
mestrado, pois considerava que o mestrado no Brasil naquela poca era muito mais que na Inglaterra,
na sua opinio era quase um doutorado. Iniciou o mestrado em Antropologia na Unicamp, que na
poca no tinha doutorado, e conseguiu transferir-se para o doutorado da USP, onde concluiu o curso
(1980-1986), sob a orientao de Eunice Durant. Sua pesquisa, publicada sob a forma de livro com o
ttulo A construo da igualdade: identidade sexual e poltica no Brasil da abertura, em 1990,
versava sobre o primeiro grupo do movimento homossexual do pas, o grupo Somos, que, para ele, foi
uma escola de militncia. Edward MacRae participou da reunio com o mdico infectologista e
professor da USP, Ricardo Veronesi, e comps o grupo de militantes que foi audincia com o
Secretrio de Sade de So Paulo, Joo Yunes. E foi um dos fundadores do Gapa-SP. Foi professor
substituto da Unicamp (1982), professor titular da Fundao Escola de Sociologia e Poltica de So
Paulo (1986). Com a concluso da tese de doutorado, a briga do Somos e passada a fase inicial da
epidemia da aids, Edward se afastou do grupo e mais tarde da discusso sobre homossexualidade.
Mas seu esprito meio militante, o aproximou de um outro tema que considerava ter um tratamento
hipcrita: a questo do uso da maconha. Interessado nessa rea buscou o Instituto de Medicina Social
e de Criminologia de So Paulo (IMESC), onde existia um grupo de estudos acerca do tema. Foi
apresentado ao ento superintendente do rgo por uma amiga e terminou conseguindo uma bolsa para
realizar um estudo sobre drogas e ficou como diretor desse centro de estudos para preveno do uso de
drogas, entre 1988 e 1989, perodo em que iniciaram as discusses acerca da questo da aids entre
usurios de drogas injetveis no CRT-SP e Edward foi indicado como representante do IMESC e
participou da formulao da poltica voltada para esse grupo no Estado de So Paulo. Em 1990, seu
irmo faleceu, vtima da aids. Eduard ficou muito desgostoso com o tema da aids, pois mesmo
trabalhando na rea no foi capaz de evitar a contaminao do irmo. Resolveu ento afastar-se do
espao aids. Mudou-se para Salvador, onde geralmente passava frias, a partir de uma oportunidade de
trabalhar no Centro de Estudo e Tratamento do Abuso de Drogas (CETAD). Desde 1995 professor
da Universidade Federal da Bahia e desde 2003 colaborador e membro da Cmara Nacional de
Assessoramento tcnico-cientfico do Conselho Nacional de Drogas (CONAD). membro do corpo
editorial da revista Cadernos de Campo (USP), do qual tambm revisor, desde 2006, e do Jornal
Brasileiro de Dependncias Qumicas, desde 2001 e revisor dos peridicos Revista Habitus (2007),
Revista Sade e Sociedade (2008) e Internacional Journal of Drug Policy (2008-atual). Tem escrito
livros sobre sexualidade, movimentos sociais, o uso socialmente integrado de substncias psicoativas e
reduo de danos associados ao uso de drogas. Autor de 12 livros e 37 captulos de livro. Orientador
de mestrado e doutorado.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 16/05/2011, Salvador, BA.

2. Lattes de Edward John Baptista das Neves MacRae, disponvel em


http://lattes.cnpq.br/3168537231736605, acessado em 18/05/2011.

3. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 41.

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Euclides Ayres de Castilho

O baiano Euclides Castilho nasceu em Salvador, em 1941. Cursou o ensino mdio no Colgio Central
da Bahia, unidade da rede estadual de ensino de Salvador. Filho de um telegrafista e de uma dona de
casa de origem portuguesa, oriundo de famlia de classe mdia-baixa, fez um teste vocacional e
baseado no resultado, optou por cursar medicina, na Ufba (1960-1965). Em seguida fez Residncia em
Medicina Preventiva (USP Ribeiro Preto), entre 1966 3 1967 e depois foi bolsista da Milbank
Fondation na Universidade Valle Cali, na Colmbia (1967-1968). Em 1968, a convite de Guilherme
Rodrigues da Silva, seu orientador de doutorado, foi o primeiro docente contratado do Departamento
de Medicina Preventiva (DMP) da USP. Doutor em Medicina Preventiva pela USP (1971), entre 1973
e 1975 fez ps-doutorado na Universidade da Califrnia do Norte e tornou-se livre-docente em 1976
(USP). Em 1985 pediu demisso da USP para aceitar o convite de Srgio Arouca, seu contemporneo
na Medicina Preventiva da USP (Arouca era interno quando Euclides Castilho fez a Residncia), para
criar um centro de formao em sade na Fiocruz, que hoje o Instituto de Comunicao e
Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade (ICICT). Na Fiocruz iniciou o contato com a epidemia
da aids. Foi convidado por Bernardo Galvo Castro Filho para compor a equipe do Laboratrio de
Imunologia que naquele momento buscava se credenciar como referencia para a OMS e precisava de
um epidemiologista. membro nato da Cnaids desde a sua primeira formulao. Em 1993, foi cedido
pela Fiocruz ao MS, para atuar no Programa Nacional de DST/aids. Entre 1996 e 2000, foi
coordenador adjunto do Programa. Em 2000, ingressou outra vez na USP, atravs de concurso
pblico. professor titular do DMP da USP, pesquisador snior do CNPq, membro do conselho
editorial dos peridicos Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (desde 1985), Revista
do Instituto de Medicina Tropical de So Paulo (desde 2002), Clinics - So Paulo (desde 2003),
Revista de Sade Pblica (desde 2008), Revista Brasileira de Epidemiologia (desde 2008), Cincia e
Sade Coletiva (desde 2007). Recebeu diversos prmios e homenagens, de instituio ligadas rea
da sade e luta contra a aids como CDC (EUA), em 1989; APTA-So Paulo, em 2000; Ministrio da
Sade, em 2009; Gapa-SP, em 2010; assim como de instituies como da Federao de Indstrias de
So Paulo (FIESP), em 2007, em reconhecimento s suas atividades relacionadas epidemia da aids.
Possui 107 artigos publicados, alm de 2 livros e 19 captulos de livro. orientador de mestrado e
doutorado. Entre 2001e 2001, participou como chairdo Evaluation Supervisory Panel Five-year
Evaluation od Unaids. Em 2006, 2008 e 2010 foi consultor do Fundo Global de Aids, Tuberculose e
Malria.

Fontes:

1. Entrevista realizada em 05/05/2011, So Paulo, SP.

2. Currculo Lattes de Euclides Ayres de Castilho, disponvel em:


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3. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 47

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Fabola de Aguiar Nunes

Nasceu em Salvador, Bahia, em 24/10/1943. Sua me era bacharel em Direito e trabalhava como
consultora jurdica da Cmara. Bisneta, neta e filha de mdico, diz que nunca admitiu outra profisso.
Mas nunca pensou em mdico como clnico, pois o pai era sanitarista e o tinha como exemplo.
Graduou-se em Medicina (1963-1968) pela Ufba. Durante toda a graduao trabalhou como oficial
judicirio na justia do trabalho. Em 1968, ainda estudante de medicina, foi para a Costa Rica fazer
um Curso de registros hospitalares, com bolsa da OPAS, indicada por Jorge Novis, diretor da escola
de medicina, durante o perodo de internato. Quando retornou, formou-se, pediu demisso da justia
do trabalho e, no incio de 1969, j estava como funcionria contratada do Hospital Universitrio
Professor Edgar Santos (HUPES) com a responsabilidade do arquivo mdico. Foi responsvel pela
reestruturao do servio de arquivo mdico do HUPES at 1971. Entre 1971 e 1973, fez o mestrado
em Sade Pblica, com concentrao em administrao de servios de sade, na Escola de sade
Pblica da Universidade da Califrnia, EUA. Retornou ao arquivo do HUPES e ministrava a
disciplina de Servios de Sade e Epidemiologia para o curso de Farmcia. Chegou a assumir a vice-
direo do HUPES (1974) e foi coordenadora do mestrado em Sade Pblica. Fez concursos para
bolsa do DDA, para ir Alemanha, solicitou bolsa ao Conselho Britnico e fez um concurso da
OPAS. Optou pela OPAS. Entre 1980-1981, foi para o Programa de Sade Pblica na Costa Rica, o
programa de Planejamento Estratgico Centro Amrica Panam (Pascap), trabalhar como oficial
mdico de sade pblica em um programa de ateno primria. Quando retornou para o Brasil, foi
trabalhar no Ministrio da Educao (MEC), no programa de infeco hospitalar, e ficou tambm
como docente da UnB, administrando aulas de Administrao de Servios de Sade para os cursos de
medicina, enfermagem e odontologia. Toda a trajetria de Fabola Nunes se deu no servio pblico,
transitando entre a universidade e o servio, mas sempre relacionada gesto. Esposa do tambm
mdico e deputado Carlos SantAnna, que em 1985, assumiu o Ministrio da Sade, Fabola foi
indicada pelo ento secretrio de sade do Estado de So Paulo, Joo Yunes, para a Secretaria
Nacional de Programas Especiais de Sade (SNPES), onde estavam os programas de controle de
agravos como tuberculose e dermatologia sanitria (DST/Aids, hansenase, leishmaniose tegumentar)
e o programa de doenas crnico-degenerativas (diabetes, hipertenso e cncer). Foi durante a gesto
de Fabola na SNPES que foi criado o Programa Nacional de DST/aids. Permaneceu na SNPES at
1987. Fabola foi delegada do Ministrio da Sade na 8a Conferncia Nacional de Sade. Na
Assembleia nacional Constituinte, acompanhou o processo de elaborao do captulo referente
sade por indicao do Ncleo de Estudos em Sade Pblica (NESP) do Departamento de Sade
Coletiva da UnB. Trabalhou no Hospital da UnB. Foi aprovada no concurso da Fundao Hospitalar
do Distrito Federal. Assumiu a coordenao da equipe distrital de controle de infeces e
posteriormente a chefia do servio de controle de infeces hospitalares do Hospital Regional de
Sobradinho (DF). A convite do Ministro da Sade Adib Jatene, em 1995, assumiu a coordenao do
Conselho Nacional de Sade. Em 1997, retornou ao Hospital de Sobradinho. Entre 2001 e 2003,
assumiu a coordenao da Fundao Oswaldo Cruz em Braslia. Retornou as atividades de mdica
sanitarista da Fundao Hospitalar do DF, aposentando-se em julho de 2005. Em 2008, foi
representante do Ministro no Conselho Nacional de Sade. Em 2009, retornou Fiocruz Braslia e em
2010 foi Secretria de Sade do Distrito Federal.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 14/07/2011, Salvador, Bahia.

2. Entrevista concedida Profa. Ligia Maria Vieira da Silva, em 12/11/2008 para o Projeto Espao da
Sade Coletiva

3. Maciel, L. R. Memria e histria da hansenase no Brasil atravs de seus depoentes (1960-2000):


catlogo de depoimentos. Rio de Janeiro : Fiocruz/COC, 2010. p. 61-62.

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Gerson Fernando Mendes Pereira

Nasceu em 06/05/1960, em Teresina, Piaui. Filho de um servidor pblico e uma dona de casa, Gerson
estudou em colgios pblicos e em colgios jesutas no Piaui. Seu primeiro vestibular foi para
Odontologia, no ano seguinte fez novo vestibular para Medicina. Passou a frequentar os dois cursos,
as achava que no tinha condio tcnica de fazer odontologia e optou pela Medicina, na UFPB (1977-
1983). Fez Residncia em Dermatologia, no Sanatrio Aimors, Bauru-SP (1984), Especializao em
Sade Pblica, no Centro Universitrio de Braslia (CEUB), Especializao em Epidemiologia pela
Fiocruz-RJ (1988). Fez mestrado em Epidemiologia entre 1996 e 1999, na Escola paulista de
Medicina, Unifesp. Aps a residncia, foi convidado por Aguinaldo Gonalves, seu professor na
Residncia, para trabalhar na Diviso Nacional de Dermatologia Sanitria (DNDS), onde permaneceu
at 1990, onde participoude projetos importantes no combate hansenase, como a introduo efetiva
da poliquimioterapia para todo o Brasil a partir de 1985 e incio do controle da aids. Trabalhou nos
primeiros anos do Programa Nacional de DST/aids. Participou da 8a Conferncia Nacional de Sade.
Era militante do PT, no era filiado ao patido, mas trabalhou o incio. Quando o Programa foi
separado da DNDS em 1987, optou pelo Programa de Hansenase, devido a sua formao, s
retornando em 2004 ao Programa de DST/aids. Foi efetivado como servidor do Ministrio da Sade
quando exercia o papel de mdico da Campanha Nacional de Tuberculose, em 1988. Atuou no
Programa Nacional de Controle da Hansenase entre 1984 e 2003; chefiou a Coordenao Nacional de
Dermatologia Sanitria no Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), da Fundao Nacional de
Sade, em 1994 e 1995, e na Secretaria de Ateno Sade, entre 1999 e 2003. Desde 2004 trabalha
na rea tcnica de Epidemiologia do Programa de DST/Aids do Ministrio da Sade.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 04/08/2011, Braslia, DF.

2. Maciel, L. R. Memria e histria da hansenase no Brasil atravs de seus depoentes (1960-2000):


catlogo de depoimentos. Rio de Janeiro : Fiocruz/COC, 2010. p. 70-71

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Gerson Barreto Winkler

Nasceu em 1959, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Seu pai era vendedor, teve uma empresa e
trabalhou com alugueis de imveis e condomnios. Quando tinha 15 anos de idade, Gerson fazia
transcries da textos em braile para ONGs que prestavam assistncia a portadores de deficincia
visual. Na escola sempre participou de centro de estudantes e era voltado para a militncia. Foi do
partido, e depois migrou para o PT. Em 1983, iniciou a graduao em Servio Social na Universidade
do Vale dos Sinos (Unisinos), mas no chegou a concluir o curso. Em 1986, descobriu-se portador do
HIV. Era um momento em que ainda no existia tratamento e Gerson refere que as pessoas morriam
como moscas e que aquele foi um momento de grande rebeldia das pessoas infectadas. Aps perder
seu companheiro vitimado pela aids, em 1988, Gerson procurou pessoas interessadas em fundar a
primeira ONG/aids do Rio Grande do Sul. Junto com mais algumas pessoas, fundou o Gapa-RS, do
qual foi presidente de 1989 a 1992. Tornou-se o primeiro soropositivo a assumir um programa de
controle da aids: entre 1993 a 1998, foi Coordenador do Programa de DST/aids do Municpio de Porto
Alegre, RS. Entre 1998 e 2000, trabalhou com direitos humanos na Assemblia Legislativa do Estdao,
sendo convidado pelo secretrio da Justia e Segurana, Jos Paulo Bisol, em 2000, para coordenar o
Programa Estadual de Proteo a Testemunhas Ameaadas (Protege). Quando saiu do cargo, por volta
de 2003-2004, resolveu montar o seu prprio negcio e abriu uma padaria. Como sentia falta de
alguma coisa para administrar o negcio, resolveu retornar para a faculdade. Em 2006 iniciou a
graduao em Administrao de Empresas, no Centro Universitrio Metodista, RS, que concluiu em
2009. Em 2011, assumiu a Coordenao do Programa Estadual de DST/aids do Rio Grande do Sul,
cargo no qual permaneceu por 60 dias. Em seguida retornou para a Coordenao do Programa de Aids
do Municpio de Porto Alegre.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 16/06/2011, Porto Alegre, RS.

2. Currculo Lattes de Gerson Barreto Winkler, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/0744896869738072, acessado em 18/05/2011.

3. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 55.

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Gilvane Casimiro

Nasceu em 27/08/1965, no Cear. Oriundo de uma famlia de agricultores, desde muito cedo se
interessou pela rea de educao. Gil dava aulas e chegou a trabalhar na rede de ensino municipal. Fez
curso de qualificao de professor de primeiro grau, dentro de um plano educacional do governo. Ates
de mudar-se para So Paulo, Gil j havia se envolvido com a Comisso Pastoral da Terra, que fazia
parte do movimento eclesial de base. Em So Paulo envolveu-se com um grupo de jovens, ligado
igreja, onde permaneceu cerca de 2 anos, mas terminou se afastando. Formou-se em hotelaria, na
Faculdade Hebraico Brasileira Renascena, SP. Quando terminou os estudos, atravs de um amigo,
Gil comeou a se envolver, ainda timidamente, com o Grupo de Incentivo a Vida (GIV). Inicialmente
trabalhava como garom em festas e eventos promovidos pelo grupo, depois passou a se envolver em
questes mais administrativas. Nesse nterim, Gil se descobriu soropositivo. Na poca, trabalhava no
comrcio, na parte administrativa. Quando a direo da empresa em que trabalhava tomou
conhecimento da sua soropositividade, foi afastado. Durante cerca de 7 anos em que ficou afastado,
dedicou-se exclusivamente ao ativismo, no GIV. Trabalhava mais do que quando trabalhava na
empresa privada, segundo conta. Quando comeou ia dois trs dias por semana quando saa do
trabalho, aos poucos passou a ir todos os dias. Foi suplente da tesouraria, foi tesoureiro, e chegou a
presidente da instituio, permanecendo por trs anos. Seu envolvimento maior com a instituio foi
entre 1996 e 2004. Foi inclusive membro da Cnaids e das comisses em nvel municipal e estadual,
enquanto representante do GIV. No incio de 2005, afastou-se do GIV. Considerava que no estava
crescendo profissionalmente, quando surgiu uma seleo para uma vaga na Secretaria de Sade do
Municpio de So Paulo. Passou ento a trabalhar na articulao com a sociedade civil organizada.
Assumiu como tcnico e em 6 meses passou funo de responsvel pela rea. Permaneceu cerca de 5
anos, de 2005 a final de 2009, quando foi para o Ministrio da Sade, tambm no setor de articulao
com a sociedade civil.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 02/08/2011, Braslia, DF.

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Harley Henriques do Nascimento

Nasceu em 1968, em Campina Grande, Paraba. Com um ano de idade foi morar em Feira de Santana,
Bahia. Filho de um comerciante e uma dona de casa, que com a morte do marido passou a costurar
para cliente, chegando, mais tarde, a ter um comrcio de roupas. Harley cursou o ensino mdio em
Feira de Santana. Achava que poderia fazer um curso que permitisse trabalhar na rea de gesto. Foi
para a capital do Estado, Salvador, cursar Administrao de Empresas na Universidade Catlica.
Participante do movimento eclesial de base, foi na segunda metade da dcada de 1980 que passou a
participar mais ativamente do movimento estudantil, momento em que a aids estava bastante presente
na mdia. Na sua opinio, a associao entre sexualidade e morte preocupou o grupo de amigos em
incio da vida sexual. Harley buscou informao sobre a doena na Bahia e no encontrou. No havia
uma organizao no-governamental trabalhando com o tema. Havia aes promovidas pelo Grupo
Gay da Bahia, mas tendo como alvo a comunidade gay. Contudo, no existia uma associao que
trabalhasse de forma exclusiva e ampla (para toda a sociedade) na rea de aids. As aes
governamentais ainda eram muito incipientes no Estado da Bahia em 1988. Harley tomou
conhecimento que naquele momento j existiam ONGs trabalhando na luta contra a epidemia de aids.
Conheceu o Gapa-RJ e o Gapa-SP e resolveu fundar um Gapa em Salvador, junto com um grupo de
amigos, todos universitrios. Envolvido com o Gapa-BA, do qual tornou-se coordenador geral em
1988, Harley adiou a concluso do curso de Administrao, mas considera que sua formao permitiu
uma viso profissional de como trabalhar no terceiro setor. Entre 2003 e 2004, concluiu a graduao
em Administrao de Empresas na Universidade Catlica e, em seguida, fez o mestrado (2005-2008),
na mesma rea, na Ufba. Harley foi assessor do Projeto Previna, do Programa Nacional de DST/aids
do Ministrio da Sade.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 11/04/2011, Salvador, BA.

2. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 61.

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Ieda Fornazier

Nasceu na dcada de 1960, em Braslia, DF. Seu pai era policial civil e sua me dona de casa. Fez
faculdade de turismo. Pensava em trabalhar com a cultura dos pases, conhecer o seu pas. Estava
cursando a faculdade e trabalhava em um banco quando foi aprovada em concurso para o Ministrio
da Sade. Dois irmos j trabalhavam no Ministrio, tendo sido contratados nas campanhas de
tuberculose e febre amarela, o que a motivou a assumir. Ingressou no ministrio da Sade em outubro
de 1984. Ficou um tempo na Secretaria Executiva, trabalhava no apoio administrativo, quando foi para
o Programa de Aids, em 1986, o mesmo j havia sido estruturado e precisava de uma secretria que
falasse ingls. Ieda diz que vestiu a camisa da aids e permanece como Secretria do Departamento
Nacional de DST, aids e hepatites virais. Ieda s se afastou do Programa Nacional na gesto de
Eduardo Crtes, quando voltou para a Secretaria Executiva. Durante todo o perodo no Programa
Nacional, acompanhou e auxiliou nas demandas de Cnaids. Em 2011, Ieda estava cursando Psicologia.
Seu objetivo era concluir o curso e fazer trabalho comunitrio.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 04/08/2011, Braslia, DF.

2. Servidor do ms. Entrevista concedida ao MS Informa, maro, 2009, disponvel em:


http://dtr2001.saude.gov.br/ascom/edicao_5/funcionario_do_mes.html, acessado em 25/03/2012.

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Maria Ins Costa Dourado

Ins Dourado natural de Salvador, Bahia. Concluiu o ensino mdio em 1975, no Colgio Maristas,
tradicional colgio da rede privada de Salvador. Filha de um mdico obstetra, professor universitrio
na rea de ginecologia, e uma enfermeira, no seu colgio, s era considerado inteligente quem cursava
medicina, direito e administrao. Mas no teve presso em casa. Cursou medicina da Escola Bahiana
de Medicina e Sade Pblica entre 1976 e 1981. Em setembro de 1981 foi selecionada para a
Residncia de Medicina Social, mas abandonou o curso com apenas dois meses para acompanhar o
marido que tinha recebido uma bolsa para estudar nos EUA. Fez o mestrado em Sade Pblica na
Universidade de Massachussets, Amherst, EUA (1982-1984). No retorno para o Brasil, ingressou
como mdica na Secretaria de Sade do Estado da Bahia, permanecendo como tcnica do Centro de
Informao em Sade, onde permaneceu de 1984 a 1989, e como mdica pesquisadora na Ufba,
passando a docente do Instituto de Sade Coletiva, em 1997. Sua aproximao com a aids se deu a
partir do doutorado, realizado na Universidade da Califrnia entre 1989-1994, sob orientao de Roger
Detels, que coordenava naquele momento um grande projeto de coorte em aids, chamado Multicenter
AIDS Cohort Study, que comeou em 1984. A ideia era trabalhar num projeto sobre urbanizao e
esquistossomose, mas como no havia orientador, foi com os dados desse estudo de coorte que Ins
fez a tese de doutorado. Atua nas seguintes linhas de pesquisa: epidemiologia do HIV, avaliaoo do
impacto de intervenes, doenas imunoprevenveis, epidemiologia de retrovrus, epidemiologia de
doenas infecciosas, HIV/aids, avaliao de tecnologia em sade. Possui 64 artigos publicados e
quatro captulos de livro, vrios relacionados a HIV/aids. pesquisadora 1C do CNPq, orientadora de
mestrado e doutorado.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 05/09/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Maria Ins Costa Dourado, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/7845852622901449, acessado em 18/05/2011.

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Ivo Brito

Nasceu em 25/11/1954, em Fortaleza, Cear. Cursou o ensino mdio em So Paulo. Cursou Sociologia
na Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo. Relata que desde o ensino mdio participava do
movimento estudantil, tendo sido natural escolher uma rea de atuao que as questes sociais
estavam sendo debatidas. Fez especializao no Instituto de Pesquisa Econmica aplicada e na
Faculdade Latino Americana de Cincias Sociais (FLACSO). Iniciou o doutorado na UnB, mas no
chegou a concluir, apesar de ter cursado todas as disciplinas, priorizando a atuao no campo
burocrtico em detrimento da vida acadmica. A aproximao com a rea da sade se deu por
intermdio de diversos agentes importantes da reforma sanitria brasileira, como Srgio Arouca,
Sebastio Loureiro, Jairnilson Paim, Naomar de Almeida Filho, pessoas que estavam pensando a
sade pblica e a reforma sanitria e estavam constituindo a Abrasco e o Centro Brasileiro de Estudos
de Sade (Cebes). Comps a diretoria do Cebes entre 1994 e 1995 (1o suplente da tesouraria). O
primeiro contato com a aids ocorreu alguns anos antes de se tornar tcnico da rea de preveno do
Programa Nacional de DST/aids do Ministrio da Sade, quando foi convidado por Eleutrio
Rodrigues Neto para participar, junto com Alina Maria A. De Souza, de um artigo sob a perspectiva
da sade internacional, tendo como recorte a aids e a questo da cooperao internacional para um
livro da OPAS. Antes de ir para a UnB, foi docente da Universidade Federal da Paraba por cerca de
17 anos, ministrava aulas na disciplina Sade e Sociedade e integrava um grupo de pesquisa que
trabalhava com a questo da sade pblica. Na UnB passou a integrar o Ncleo de Estudos de Sade
Pblica (NESP), lidando principalmente com as questes de anlise de polticas pblicas. Quando
Jamil Haddad assumiu o ministrio em outubro de 1992, Ivo Brito trabalhou no desmonte do Inamps.
Em 1996, entrou no Programa Nacional de DST/aids, como tcnico da rea de preveno, onde
permanece at hoje. Entre 2002 e 2004, trabalhou na frica, junto aos governos de Angola e
Moambique nas aes programticas para a aids. Foi filiado ao PT, atualmente filiado ao Partido
da Causa Operria (PCO).

Fonte:

1. Entrevista realizada em 04/08/2011, Braslia, DF.

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Jorge Adrian Beloqui

Nasceu em 1949, em Buenos Aires, Argentina. Filho de um contador e uma enfermeira. Graduou-se
(1968-1972) e depois fez mestrado em matemtica na Universidade de Buenos Aires. Lutou contra a
ditadura argentina no movimento estudantil em 1969. Participou da corrente socialista do movimento
peronista. Foi nomeado professor assistente logo que concluiu o mestrado, mas em 1974 (um ano e
meio antes da ditadura), foi demitido por razes polticas da universidade. Solicitou uma bolsa para
fazer o doutorado (1976-1981) no Brasil, no Instituto Nacional de Matemtica Pura e Aplicada
(IMPA). Ingressou no grupo Somos de Afirmao Sexual do Rio de Janeiro, onde conheceu Veriano
Terto Jr, com quem teve um relacionamento. Com o fim do doutorado, mudou-se para So Paulo e
passou a frequentar o Grupo Somos SP, at 1983. Em 1981 ingressou como docente do Instituo de
Matemtica e Estatstica da USP (IME). Sua relao com a aids comeou em 1986, quando um amigo
prximo morreu de aids. Um pouco depois, foi testado, contra a sua vontade, e descobriu-se
soropositivo. Jorge Beloqui havia decidido no se testar porque no via sentido em saber o diagnstico
se no havia tratamento. Em 1986, participou da campanha de Herbert Daniel deputado. Em 1989,
conheceu o Pela Vidda, primeiro grupo de pessoas vivendo com HIV/aids, fundado por Herbert Daniel
no Rio de Janeiro. Gostou do tom militante do grupo e participou da fundao do Pela Vidda So
Paulo, em agosto de 1989. Participou do grupo Pela Vidda at 1995. Em janeiro de 1996, entrou para
o Grupo de Incentivo Vida (GIV). pesquisador colaborador do Ncleo de Estudos e Preveno
Aids (NEPAIDS) da USP. Membro de corpo editorial da HIV Vaccines Bulletin, membro do the
Advisory Board da Associao Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), diretor do Grupo de
Incentivo Vida (GIV), membro da Working Group on Intellectual Property, Working Group on
Prevention for PWHIV/AIDS da National STD-AIDS Program, membro de corpo editorial da
Cadernos pela Vidda, membro de corpo editorial da Boletim pela Vidda, revisor de peridico da
Revista Panamericana de Salud Pblica / Pan American Journal of Public Heal e revisor de peridico
da Revista Brasileira de Epidemiologia.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 18/06/2011, So Paulo, SP.

2. Currculo Lattes de Jorge Adrian Beloqui, disponvel em: http://lattes.cnpq.br/2597867777721638,


acessado em 18/05/2011.

3. Beloqui, J. Ter HIV na USP: ou o uso do hfen na lngua portuguesa. Revista Adusp maio 1996. p.
19 a 22

4. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 85.

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Jos da Rocha Carvalheiro

Nasceu em 1935, numa famlia portuguesa que veio para o Brasil no perodo da guerra. Em So Paulo,
seu pai tinha um bar no qual ele trabalhava na adolescncia. Estudou no colgio Anglo Latino, um
colgio particular. Cursou medicina na USP (1956-1961). Fez especializao em Epidemiologia
tambm na USP (1965-1967), tendo como orientador Jos Lima Pedreira de Freitas. Entre 1965-1970
fez o doutorado em Medicina, sob a orientao de Astolpho Ferraz de Siqueira, defendendo a tese
intitulada Tbuas de vida e capacidade inata de aumento numrico de uma populao de Triatoma
infestans em condies de laboratrio. livre docente pela USP (1975). Em 1963 ingressou como
docente da Faculdade de Medicina da USP de Ribeiro Preto. Foi Coordenador do Campus da USP de
Ribeiro Preto, nos anos 1980, Professor Colaborador do Instituo de Estudos Avanados (IEA) da
USP (1990 a 1992) e Professor do Programa de Integrao da Amrica Latina (PROLAM) da USP
(1995 a 2003). Na Secretaria de Estado da Sade de So Paulo (SES/SP) foi Diretor do Instituto de
Sade entre 1983 e 1985; e entre 1993 e 1999; e Coordenador dos Institutos de Pesquisa nos perodos
de 1983 a 1985 e 1999 a 2003. Era Diretor do Instituto de Sade e dos Institutos de Pesquisa quando
da emergncia da epidemia da aids no Estado de So Paulo, quando foi criado o Programa Estadual de
Aids. No Ministrio da Sade foi Assessor do Ministro Almeida Machado (1975 a 1976) e consultor e
membro de diversos comits. Na Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi diretor do Instituto Nacional
de Controle de Qualidade em Sade (INCQS), na dcada de 80, e recentemente foi vice-presidente de
Pesquisa e Desenvolvimento Tecnolgico (2007 a 2009), coordenando o Projeto Inovao em Sade
(2003 a 2009); atualmente participa do Centro de Desenvolvimento Tecnolgico em Sade (CDTS) e
assessor do Presidente da Fiocruz. Assessor da OMS e membro de Comits Tcnicos desde 1999,
em especial do Comit de Vacinas de HIV/aids (2000 a 2001) e do Comit de Registro de Ensaios
Clnicos (2006 a 2008). Membro da Associao Brasileira de Ps Graduao em Sade Coletiva
(Abrasco), foi seu Presidente (2006 a 2009) e, at maro de 2007, Editor Cientfico da Revista
Brasileira de Epidemiologia. Membro do Cebes. Tem experincia na rea de Sade Coletiva, com
nfase em Epidemiologia, atuando principalmente nos seguintes temas: mtodo epidemiolgico;
HIV/aids; Cincia, Tecnologia & Inovao em Sade; polticas de desenvolvimento de vacinas e
imunobiolgicos.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 13/05/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Jos da Rocha Carvalheiro, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/1818832385881541, acessado em 11/05/2011.

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Luiz Roberto de Barros Mott

Nasceu em 06/05/1946, em So Paulo, SP. Filho de um comerciante atacadista do remo da pepelaria,


que depois tornou-se fazendeiro e de uma escritora de livros infantis, cursou o ensino mdio em um
seminrio na Escola Apostlica de So Domingos. Durante sua infncia e adolescncia queria ser
padre da igreja catlica. Foi seminarista em Juiz de Fora, Minas Gerais, da Ordem dos Dominicanos,
que tinha um posicionamento mais de esquerda, criticando a ditadura, inclusive participando do
ocultamento do guerrilheiro Carlos Marighela. Aos 17 anos desistiu do sacerdcio e tornou-se um
ateu militante, marxista e sempre preocupado com as causas populares, humanistas. Graduou-se em
Cincias Sociais na USP (1965-1968). Fez mestrado em Antropologia na Universidade Paris V
(Sorbonne), entre 1969-1971, com o ttulo: La structure de prodution de Brejo Grande, Sergipe,
Brsil, sob a orientaoo de Jean Guiart. Entre 1972-1975, fez o doutorado em Antropologia
Econmica na Unicamp, defendendo a tese A feira do Brejo Grande, Sergipe, tendo como
orientadora Verena Martine Zalier. Foi docente da Unicamp (1972-1978). Em 1979, divorciou-se e
assumiu publicamente a sua homossexualidade. Como Campinas lhe parecia uma cidade muito
provinciana, resolveu vir morar na Bahia, que para Mott representava o osis da liberdade. Veio
como professor visitante do Departamento de Antropologia da Ufba, mas pensando em largar a
universidade, mas com a possibilidade de se estabelecer no quadro permanente, estabeleceu-se com
professor. Numa tarde, estava assistindo o pr-do-sol no Farol da Barra com seu companheiro quando
sofreu um ato de violncia homofbica. Resolveu escrever uma carta para o Jornal Lampio
convocando os gays da Bahia a escreverem para ele para formarem um grupo gay. Junto com cerca de
17 gays, entre advogados, jornalistas, professores, estudantes, fundou o Grupo Gay da Bahia (GGB)
em fevereiro de 1980. O GGB tornou-se um dos pioneiros de importantes conquistas para a cidadania
homossexual e na luta contra a aids, fundando grupos, produzindo e publicando inmeros folhetos,
cartazes, fazendo campanhas, participando da Comisso Nacional de Aids e fundando o grupo Vida
Feliz de portadores de HIV/aids e o Centro Baiano Anti-Aids (CBAA). Vale destacar que o seu
trabalho de preveno aids nunca se limitou populao homossexual. O GGB tem importante
trabalho na preveno junto a terreiros de camdombl de Salvador e publicou a primeira cartilha em
braile para preveno de deficientes visuais. Em 1999, fez concurso para professor titular da Ufba.
Bolsista de produtividade 1A do CNPq, tem como linha de pesquisa Etno histria sa sexualidade no
Brasil colonial e na atualidade, 64 artigos, 29 livros e 35 captulos de livros publicados, diversos
deles sobre homossexualidade e aids. Orientador de mestrado e doutorado.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 23/03/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Luiz Roberto de Barros Mott, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/3331234730616226, acessado em 15/03/2011.

3. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 105.

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Manoel Alves

Filho de uma famlia baiana, Manoel nasceu e se criou em Braslia. Quando tinha 16 anos, era
estagirio do gabinete da Secretaria Nacional de Programas Especiais de Sade e foi para o Programa
Nacional de DST/aids a convite de Lair Guerra. Seu pai trabalhava com madeiras e sua me era dona
de casa. Manoel estudou em escola pblica em Braslia e nunca se envolveu no movimento estudantil
porque no tinha tempo, trabalhava. Chegou ao Programa quando esta j tinha sado da DNDS, por
volta de 1987. Em 1988, tornou-se quadro efetivo do Ministrio da Sade, atravs da realizao de
concurso pblico. Sempre trabalhou no Programa de DST/aids. Afastou-se apenas um perodo de 5
meses por volta de 2005 para ser assessor do Ministro, mas terminou voltando. No saiu nem no
perodo em que Eduardo Crtes foi coordenador, como a maioria dos tcnicos. Era responsvel pela
reprografia e pela entrega de documentos. Manoel graduou-se em contabilidade pela UnB, fez
especializao em planejamento e gesto e trabalha atualmente no setor de planejamento, o
ordenador de e despesas do Departamento. Em 2011 pretendia fazer mestrado em avaliao na
Fiocruz.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 04/08/2011, Braslia, DF.

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Mrcia Cristina Graa Marinho

Nasceu em 1968 em Salvador, Bahia. Filha de um representante de laboratrio farmacutico, sua me


era dona de casa. Quando tinha oito anos, seu pai foi transferido para o municpio de Feira de Santana,
onde cursou o ensino mdio no colgio Padre Ovdio, da rede particular. Quando criana, sempre quis
ser advogada. Fez vestibular com 16 anos, foi aprovada para o curso de Direito na Ufba. Desistiu do
curso no final do primeiro ano e fez novo vestibular para Psicologia e migrou para aquele curso em
1985. Formou-se em 1991. Conheceu Harley Henriques do Nascimento em Feira de Santana, quando
tinha 11 anos e ficaram amigos. Fez estgio no Detran, na rea de recursos humanos, durante a
faculdade, o que permitia a sua manuteno em Salvador. Fez estgio em vrios locais, nessa rea.
Fundou o Gapa -BA junto com Harley e outros amigos. Achava que era necessrio fazer alguma coisa
frente quela epidemia. Nunca se envolveu em movimento estudantil ou com partidos polticos,
apenas com o Gapa. Gosta do PT, e sempre votou no PT, mas nunca quis fazer parte do quadro. Fez
mestrado (2004-2006) e iniciou o doutorado (2008) em Sade Pblica no ISC/Ufba. O tema da
dissertao de mestrado foi Representaes da sexualidade do adolescente por profissionais de sade
em unidades bsicas e resultou de um trabalho desenvolvido por Mrcia com adolescentes no Gapa, o
objetivo era entender quais eram as representaes sobre sexualidade de profissionais de sade em
uma unidade de ateno bsica. O tema do doutorado foi o corpo e cirurgias plsticas femininas, que
tinha vinculaes com a sexualidade. Refere que a aids j muito absorvente e que trabalhar outros
temas foi uma forma de dialogar com outras reas. Sua trajetria profissional se d ao interior do
espao militante, no Gapa.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 27/04/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Mrcia Cristina Graa Marinho, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/6935010706384693, acessado em 18/05/2011.

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Mrcia Lilian Sampaio e Sampaio S

Natural de Valena, Bahia, filha de um eletrotcnico e uma professora de portugus, Mrcia Sampaio
estudou no Colgio Maristas, em Salvador. Desde os seis anos de idade dizia que queria ser mdica e
nunca desistiu. Cursou Medicina na Ufba (1984-1989). Sempre quis trabalhar com doenas crnico-
degenerativas. Queria ser cardiologista. Foi aluna de Naomar Almeida Filho na disciplina de
Epidemiologia e comeou a trabalhar numa pesquisa com ele, mas Mrcia no tinha coragem de fazer
Sade Pblica ou Medicina Preventiva porque ela achava que deixaria de ser mdica. Assim, a rea de
doenas infecciosas surgiu como estratgia para juntar as duas reas que gostava de atuar: a clnica e a
epidemiologia. Fez Residncia em Infectologia no Hospital Espanhol (1990-1992), onde trabalhou
com o grupo chefiado pelo infectologista Roberto Badar, que conduzia estudos de aids na Bahia em
parceria com a Unversidade de Cornel. Quando concluiu a Residncia, em 1992, fez concurso para a
Secretaria de Sade do Estado da Bahia e foi trabalhar na enfermaria de aids no Hospital Roberto
Santos, onde permaneceu at 1997, quando foi para o Programa Estadual de DST/aids atuar como
tcnica responsvel pela vigilncia epidemiolgica das DST/aids. Em 1995, fez um treinamento em
So Francisco, EUA, na Universidade da Califrnia em preveno de HIV/aids. No perodo de 1999 a
2004, foi coordenadora do Programa Estadual de DST/aids. Foi exonerada do cargo e desligada do
Programa de DST/aids, sendo transferida para a coordenao de Vigilncia Epidemiolgica
Hospitalar. Fez mestrado em Medicina e Sade (2001-2003) na Ufba, defendendo a dissertao
Programa de preveno da Infeco pelo HIV sobre o comportamento sexual de homossexuais
masculinos em Salvador, Bahia, orientada por Carlos Brites e entre 2003 e 2007, fez o doutorado no
mesmo programa , defendendo a tese 100% adeso: oficinas educativas versus sesses de vdeo para
promover a adeso terapia antirretroviral em pacientes com aids sem tratamento prvio em Salvador,
Bahia.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 07/06/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Mrcia Lilian Sampaio e Sampaio S, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/8472808968977223, acessado em 24/05/2011.

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Maria Leide Wand Del Rey de Oliveira

Nasceu em 21 de abril de 1950, em Mucurici, Esprito Santo. At os 7 anos foi criada e alfabetizada na
fazenda de sua famlia. Em 1968 foi para Vitria, finalizar os ltimos anos do ensino mdio nos
colgios So Vicente de Paulo e Salesiano. Em 1970 ingressou na Escola de Medicina da Santa Casa
de Misericrdia de Vitria (Emescam), e desde a graduao manifestou interesse pela dermatologia.
Em 1975, aps uma tragdia pessoal, foi para o Rio de Janeiro terminar o ltimo ano de graduao na
UERJ. Durante o perodo em que esteve na UERJ, foi bolsista de iniciao cientfica do CNPq no
Instituto de Leprologia (IL). Nesse momento, a DNDS localizava-se no mesmo espao do Instituto,
presenciou a transferncia do IL para a Fiocruz, e da DNDS para Braslia. Aps a especializao em
Dermatologia (1976-1977) na UERJ, foi aprovada no concurso do Inamps, como Mdica
Dermatologista, no municpio de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, onde iniciou seu trabalho
com a Sade Pblica, em hansenase. Perodo em que participou do Grupo Popular de Sade e fundou
o primeiro Ncleo do Movimento de Reintegrao das Pessoas atingidas pela Hansenase (Morhan) do
Rio de Janeiro. Em 1979 entrou para a UFRJ como auxiliar de ensino. Em 1984, a convite de Zulmira
Hatz, foi trabalhar na Gerncia Estadual de Dermatologia Sanitria da Secretaria de Sade do Estado
do Rio de Janeiro, com os programas de hansenase e aids. Em 1986, a convite de Fabola de Aguiar
Nunes, Secretria Nacional de Programas Especiais de Sade, foi para a Diviso Nacional de
Dermatologia Sanitria onde acompanhou o Programa de Aids. Com o governo de Fernando Collor de
Melo retornou UFRJ. Fez mestrado em dermatologia na UFF (1990-1991) e doutorado tambm em
dermatologia na UFRJ (1992-1996). Retornou Coordenao Nacional de Dermatologia Sanitria
entre 1996 e 1998. Coordenou o Departamento de Hansenase da Sociedade Brasileira de
Dermatologia (SBD) entre 2005-2006, quando iniciou a estratgia de campanhas municipais de
hansenase em vrios estados. Foi novamente para o Ministrio da Sade em 2007-2008.

Fonte:

1. Oliveira, M.L.W.D.R.D. Participao em quatro dcadas da poltica de controle da hansenase no


Brasil: acasos e determinaes. Hansenoligia Internacionalis, v.33, n.2 Suppl. 1, p.45-50. 2008.

2. Currculo Lattes de Maria Leide Wand Del Rey de Oliveira, disponvel em


http://lattes.cnpq.br/8581392578360492, acessado em 04/12/2012.

3. Maciel, L. R. Memria e histria da hansenase no Brasil atravs de seus depoentes (1960-2000):


catlogo de depoimentos. Rio de Janeiro : Fiocruz/COC, 2010. p. 101-102

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Osvaldo Francisco Ribas Lobos Fernandez

Nasceu em Santa Maria, So Paulo. Filho de um comerciante e uma professora, cursou o ensino mdio
no colgio Luiz Queiroz, um colgio particular da cidade de Piracicaba, So Paulo. Queria fazer
jornalismo, entrou na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e chegou a cursar um semestre.
Como desejava fazer poltica atravs da profisso, resolveu cursar Cincias Sociais na UNESP (1984-
1987), em Araraquara. Fez mestrado em Cincias Sociais - Antropologia pela Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo (PUC-SP), entre 1988 3 1993, com a dissertao A Epidemia Clandestina:
AIDS e Usurios de Drogas Injetveis em So Paulo, um dos primeiros estudos sobre aids entre
usurios de drogas injetveis. Foi professor de vrias faculdades e universidades, como: Instituto de
Cincias Aplicadas (ISCA) (1988-1989), Faculdades Teresa Martin-SP (1990-1992), Universidade
Estadual de Londrina (UEL) (1992-1994), Fundao Armando Alvares Penteado (FAAP-SP) (1996-
2000), Universidade Castelo Branco-SP (1996-1997), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
(1998-2000), Fundao Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo (FESP-SP) (2001-2002),
Universidade de Salvador (UNIFACS) (2002) e desde 2002 docente da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). Fez doutorado em Cincias Sociais - Antropologia (2002-2007), na Universidade
Federal da Bahia (Ufba), com a tese denominada Coca light? Usos do Corpo, Rituais de Consumo e
Carreiras de usurios de cocana em So Paulo. Fez estgio de ps-doutorado (2009-2010) na
Universidade de Columbia, Nova Iorque, EUA.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 20/05/2011, Salvador, BA.

2. Currculo Lattes de Osvaldo Francisco Ribas Lobos Fernandez, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/3890948700156466, acessado em 18/05/2011.

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Paulo Roberto Teixeira

Nasceu em lvares Machado, So Paulo. Filho de um contador (nvel mdio) e de uma dona de casa.
Seu av paterno era fazendeiro, mas faliu antes do casamento de seus pais. O materno era empregado
rural. A famlia era de formao catlica, mas seus pais no frequentavam a igreja, mas ele
frequentava por conta de atividades escolares e da comunidade. O ensino mdio cursou na cidade de
Dourados e o ltimo ano na capital, So Paulo. Fez Medicina na UNESP-Botucatu entre 1968-1973,
uma escola relativamente nova, organizada com uma participao grande de docentes egressos da
USP, que participavam do movimento de reforma universitria. O curso foi criado tendo como
referncia os princpios de organizao da Universidade de Braslia, com uma nfase grande em
Medicina Preventiva. A escolha da medicina estava relacionada com a imagem de mdico heri dos
romances, o mdico que vai para lugares distantes salvar vidas. Fez Residncia em Dermatologia
(1974-1977) em convnio entre a Escola Paulista de Medicina e o FUNDACENTRO. Participou do
movimento estudantil durante a adolescncia e a faculdade, foi preso por duas vezes por questes
polticas, em 1968, quando era secretrio geral do diretrio acadmico ficou 30 dias no DOPS e no
perodo de desarticulao da AP, da qual participou at 1974, foi sequestrado e ficou 8 dias no DOI-
CODI. Participou do movimento geral em torno do MDB e da anistia, em 1976, e se envolveu
tambm no apoio ao movimento sindicalista do ABC. Fez parte do grupo que criou o PT, j na rea da
sade, influenciado pelo movimento sanitrio. Participou do grupo Somos de Afirmao Homossexual
at 1979. O servio de dermatose profissionais em que ficava um dos turnos da Residncia era
financiado e dirigido pela Fundacentro Fundao Centro Nacional do Trabalho, que era dirigida por
militares. Com a priso em 1974, foi desligado desse servio, passando a se concentrar, a partir
daquele momento, na dermatologia geral. Em 1978 foi aprovado em concurso pblico para a SES-SP,
sendo designado para a Diviso de Hansenologia e Dermatologia Sanitria (DHDS), da qual tornou-se
diretor. Em 1983, coordenou a criao do Programa Estadual de Aids de So Paulo, sendo seu
coordenador nos perodos de 1983-1987, 1990-1991, 1995-1996. Foi consultor da OPAS (1994),
Consultor tcnico do Programa de Aids na ONU Unaids para Amrica Central e Cone Sul (1996-
1999). Entre 2000 e 2003 assumiu a coordenao do Programa Nacional de DST/Aids. Na sua gesto
foi proposta a quebra de patentes e o Programa foi agraciado com o Prmio Bill e Melinda Gates,
considerado a ao de sade pblica mais relevante de 2002. Quando saiu do Programa Nacional foi
Diretor do Programa de Aids da OMS (2003-2004). Se define como um profissional de sade pblica,
com rea de concentrao em aids e diz que fica to aflito hoje quanto a vinte anos atrs, quando v
um caso de transmisso vertical, eu fico louco, mas sente-se satisfeito com o trabalho que fez e com a
perspectiva de continuar.

Fontes:

1. Entrevista realizada em 03/05/2011, So Paulo, SP.

2. Frana, M.S.J. Cincias em tempos de AIDS: uma anlise da resposta pioneira de So Paulo
epidemia. (Doutorado em Histria da Cincia). Deparatmento de Histria da Cincia, Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2008. p. 115-125.

3. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 143.

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Pedro Novaes Chequer

Nasceu em 1951 em Mucug, na Bahia. Filho de um comerciante e uma dona de casa, seus avs
paternos vieram da Sria e os maternos tinham origem libanesa. Pedro cursou o ensino mdio no Rio
de Janeiro. E ingressou na faculdade de Medicina da UFRJ em 1972. Diz que que decidiu fazer
Medicina por sugesto da irm. Durante a faculdade se filiou ao MDB e participava do Partido
Comunista. Fazia parte da ala pr-moscou. Participava de treinamentos, reunies, simulaes. Em
1978 ingressou como mdico da Fundao Servios Especiais de Sade Pblica (FSESP), que
considera uma grande escola de Sade Pblica. Chefiava o programa de doenas transmissveis da
FSESP em 1986, no Rio de Janeiro. O ministrio havia delegado ao SESP a funo de normalizar
notificao, consolidao de dados relativas s doenas transmissveis no nvel nacional, de modo que
havia uma boa interao com a SNABS e a SNPES, no Ministrio da Sade. A FSESP colaborou para
a interiorizao do programa de DST/Aids, atravs do treinamento de suas unidades. Fez
especializao em Sade Pblica (USP) e Dermatologia Sanitria (ENSP). Em 1987, Pedro Chequer
passou a integrar o PN DST/aids, permanecendo at 1990, no governo Collor, quando retornou para a
FSESP em Braslia. Entre 1991 e 1993, assumiu a Direo do CENEPI. Em 1993, retornou para o
Programa Nacional de DST/aids, assumindo a chefia do servio de epidemiologia, e posteriormente
tornou-se coordenador substituto. Com o acidente sofrido por Lair Guerra, assumiu a direo do PN,
entre 1996 e 2000, quando tornou-se representante do Unaids no Cone Sul, entre 2002 e 2004 foi
representante do Unaids na Rssia. No perodo de 2004 a 2006 foi mais uma vez diretor do PN. Desde
2006 representante do Unaids no Brasil.

Fontes:

1. Entrevista realizada em 03/08/2011, So Paulo, SP.

2. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 149.

!
! )*"!

Renato Girade

Nasceu em 1972, em Braslia, DF. Filho de mdico pediatra e de uma pedagoga, cursou o ensino
mdio em Braslia. tecnlogo em Processamento de dados, com espacializao em informao e
informtica em Sade. Sua relao com a aids iniciou-se quando entrou no Programa Nacional de
DST/aids 1993, atravs de um processo seletivo para secretrio e fez sua trajetria profissional dentro
do Programa Nacional. Um pouco antes de se formar foi para a rea de tecnologia da informao.
Trabalhou em quase todas as reas do setor, assistncia tcnica, programador, analista de rede. Em
seguida foi para a rea de planejamento, onde permaneceu por cerca de 2 anos e meio, trs anos.
Retornou para rea de tecnologia da informao (TI) e atualmente est na coordenao geral, que
abrange oramento, governana de TI, administrao, logstica. Atualmente tambm consultor no
Unaids.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 04/08/2011, Braslia, DF.

!
)*)!!

Silvia Ramos de Souza

Nasceu em 1954, em So Paulo. Filha de um administrador de empresas, em uma multinacional, e de


uma professora, Silvia cursou o ensino mdico em escola particular. Em 1973 iniciou a graduao em
Psicologia na PUC-RJ, concluda em 1978. Em seguida fez o mestrado (1979-1982) em Psicologia
Clnica na mesma instituio, com o trabalho A psicologia sobre o morro: psiclogos trabalhando em
favelas no Rio de Janeiro, sob a orientao de Ana Maria Ribeiro Coutinho. Estava cursando o
doutorado em Cincia Poltica no Instituto Universitrio de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ)
quando recebeu a proposta de Betinho para colocar em p uma instituio de luta contra a aids.
Naquela poca, ainda no tinha um nome definido. A ideia era fundar uma fundao que seria uma
sucursal da International Interdisciplinary Aids Foundation (IIAF). Devido as dificuldades impostas
pela legislao brasileira, resolveram criar uma associao, a Abia. Silvia ficou responsvel pela
formalizao da instituio, atravs de um contrato de risco com Betinho: a mesma seria remunerada a
partir do primeiro financiamento. Silvia tornou-se um quadro intermedirio da associao, foi diretora
executiva, de modo que fez uma trajetria profissional ao interior do subespao militante,
permanecendo na associao entre 1986 e 1990. Saiu porque achava que havia cumprido um ciclo,
mas tambm devido a uma briga com outros membros da Abia. Foi coordenadora do convnio
Fiocruz/Faperj na Fundao Carlos Chaga Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ) entre 1994 e 2000. Entre 1999 e 2000, foi subsecretria adjunta de Segurana Pblica do
Estado do Rio de Janeiro. Desde 2000 pesquisadora do Centro de Estudos de Segurana e Cidadania
da Universidade Cndido Mendes. Fez doutorado em Sade Pblica (2004-2007) na ENSP/Fiocruz,
defendendo a tese Respostas brasileiras violncia no campo da segurana pblica - os movimentos
sociais e as organizaes no-governamentais, sob a orientao de Maria Ceclia Minayo. Tem 22
artigos publicados, 11 livros publicados ou editados, 18 captulos de livros, principalmente
relacionadas ao tema violncia urbana e segurana.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 15/06/2011, Rio de Janeiro, RJ.

2. Currculo Lattes de Silvia Ramos de Souza, disponvel em: http://lattes.cnpq.br/0112749042532967,


acessado em 8/06/2011.

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! )**!

Valdila Veloso Gonalves do Santos

Natural da cidade do Rio de Janeiro (RJ), filha de um contador e uma professora primria, cursou o
ensino mdio no Colgio Aplicao da UERJ, era um curso profissionalizante. Entre as possibilidades
que tinha, resolveu fazer anlises clnicas. Foi durante o curso que se decidiu pela medicina, sob a
influncia de um professor cujo grande sonha era ter sido mdico e que convidava seus ex-alunos
mdicos como convidados, de modo que Valdila foi se encantando pela medicina. Fez a graduao
em medicina na UERJ (1980-1985). No segundo ano da faculdade, em 1981, gostou da disciplina de
Parasitologia e permaneceu como monitora e comeou a se envolver com pesquisa. O coordenador da
Parasitologia era Homero Salazar, mas Valdila trabalhava principalmente com Nilceia Freire, Jos
Roberto Machado e Hrcules de Moura. Foi a partir dessa experincia que resolveu seguir a
infectologia. Fez Residncia mdica em Doenas Infecciosas e Parasitrias no Instituto de Infectologia
Emlio Ribas (1986-1988). Quando decidiu seguir infectologia, no queria trabalhar com doenas
crnicas, queria trabalhar com doenas curveis, diz que, com a aids, caiu no oposto. Fez mestrado
em Doenas Infecciosas e Parasitrias (1992-1995) na UFRJ, e Doutorado (2000-2008) em Sade
Pblica na ENSP/Fiocruz, em ambos os cursos os trabalhos de concluso estavam relacionados a
HIV/aids. No mestrado trabalhou com tuberculose em pacientes HIV positivos e no doutorado com a
preveno da transmisso vertical. De 1989 a 1993, foi mdica do servio de DIP da UFRJ. Desde
1989 pesquisadora da Fiocruz. Desde 1996 membro do Comit tcnico assessor para Terapia
Antirretroviral em Adultos do Ministrio da Sade. Entre 1996 e 2000, participou tambm do Comit
tcnico assessor para terapia antirretroviral em crianas. De 1997 a 2000 foi chefe da Unidade de
Assistncia do PN DST/aids. Entre 2000 e 2003 foi Coordenadora do Programa Estadual de DST/aids
do Rio de janeiro. Em 2006 assumiu a direo do Instituto de Pesquisa Clnica Evandro Chagas
(IPEC/Fiocruz). consultora do Ministrio da Sade. Tem experincia na rea de Medicina, com
nfase em Infectologia, atuando principalmente nos seguintes temas: HIV, AIDS, HIV-l. Tem 48
artigos publicados e 3 captulos de livro.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 14/06/2011, Rio de Janeiro, RJ.

2. Currculo Lattes de Valdila Veloso Gonalves dos Santos, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/6266684004174408, acessado em 17/05/2011.

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Valria Petri

Nasceu em 01/12/1947. O pai era funcionrio da limpeza do banco de Brasil e vendia materiais de
encanamento. A me era dona de casa. Cursou o ensino mdio em sistema de internato, no colgio
Koelle, em Rio Claro. Cursou Medicina da Escola Paulista de Medicina, entre 1968 e 1973. Em 1976,
obteve o ttulo de especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. Fez
mestrado em microbiologia e imunologia (1980-1981) e doutorado (1981-1982) em Dermatologia na
mesma instituio. Livre-Docente pela Unifesp (1992) e Professor Titular da Unifesp desde 1996.
Identificou os primeiros casos de aids no pas. Fez parte do grupo que participou da reunio com o
Secretrio de Sade do Estado de So Paulo, Joo Yunes, que demandou a atuao do Estado frente
epidemia de aids. Foi representante do Ministrio da Sade no primeiro meeting de aids, na OPAS, em
Washington (EUA). Sua participao poltica sempre foi de bastidores, fazendo cartazes, escrevendo
textos, por implicncia do marido que no deixava que participasse mais ativamente. Desde 1975,
docente da Unifesp. Afastou-se da rea de aids e hoje dedica-se dermatologia. Realiza Pesquisa
clnico-dermatolgica vinculada s reas de Bioqumica, Farmacologia e Biofsica. orientadora de
mestrado e doutorado.

Fontes:

1. Entrevista realizada em 20/06/2011, So Paulo, SP.

2. Currculo Lattes de Valria Petri, disponvel em: http://lattes.cnpq.br/8894929595866495, acessado


em 17/05/2011.

3. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 187.

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Vera Silvia Facciola Paiva

Vera filha de Rubens Paiva, engenheiro civil e poltico desaparecido durante o regime militar.
Sempre estudou em colgio de freiras. Vera queria mudar o mundo. Pensou em fazer diversos cursos:
cincias sociais, antropologia, histria. No queria medicina pois achava que no aguentaria o curso e
nem estava disposta os sacrifcios para entrar em um curso de medicina de uma universidade pblica,
nem poderia pagar, visto a difcil situao da famlia, com seu pai desaparecido e sua me tendo que
sustentar a casa e os 5 filhos. Para cursar a universidade tinha que ser em uma universidade pblica e
tinha que ser rpido. Decidiu fazer Psicologia. Fez a graduao na USP (1973-1977). Vera lutou
contra a ditadura, era militante estudantil, foi fundadora do movimento brasileiro pela anistia.
Participou ativamente de uma ONG feminista no incio da dcada de 1970. Fundou o primeiro DCE
no Brasil. Participou da reconstruo da Unio Nacional dos Estudantes em 1979. Participou do
movimento da reforma sanitria brasileira, mais relacionada luta pela reforma anti-manicomial.
Passou a trabalhar como terapeuta. Fez especializao em Sade Mental pela Faculdade de Sade
Pblica da USP (1980) e mestrado em Psicologia Social (1983-1984). Vera era psicloga, hippie,
morava em comunidade e tinha vrios amigos gays, que comearam morrer. Comeou a atender
pessoas vivendo com HIV/aids e que tratavam pessoas vivendo com HIV/aids, em 1984. Desde 1988
docente do Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da USP. Coordena estudos
que abordam as relaes de gnero, as sexualidades e a dimenso psicossocial de tecnologias para
promoo da sade, com foco na preveno primria e secundria ao HIV e da Aids. Fundou e
coordenadora do Ncleo de Estudos para a Preveno da Aids (NEPAIDS-USP), grupo
interdisciplinar que congrega professores de diversos departamentos da USP, de outras universidades e
instituies pblicas de pesquisa, alunos de graduao e ps graduao. Em 1991, coordenou o
primeiro o primeiro congresso da repercusso psicossocial da aids no Brasil na USP (Impacto
psicossocial da epidemia da AIDS). Tem 59 artigos, 4 livros e 25 captulos de livro publicados, alm
de diversos textos em jornais e trabalhos apresentados em congressos. Bolsista de Produtividade em
Pesquisa do CNPq - Nvel 1C.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 21/06/2011, So Paulo, SP.

2. Currculo Lattes de Vera Silvia Facciolla Paiva, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/8100923258337993, acessado em 09/06/2011.

!
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Veriano de Souza Terto Jr.

Nasceu em Teresina, no Piau, em 1961. Filho de militar, muito cedo saiu de Teresina e foi morar no
Rio de Janeiro. De l foi para o Rio Grande do Sul, onde morou em uma cidade pequena, perto da
fronteira do pas e sua vida foi praticamente dentro do quartel, morando em vila militar. Retornou na
pr-adolescncia para o Rio de Janeiro, de onde no saiu mais. Cursou o ensino mdio no Colgio
Militar no Rio de Janeiro. Em 1980, ingressou no curso de Psicologia da UERJ (1980-1985). Veriano
era militante do movimento homossexual pela afirmao e liberao sexual, atuando no grupo Somos
e Au, no Rio de Janeiro. Com o incio da epidemia da aids, vrios amigos comeam a ficar doentes.
Em 1984, um de seus amigos se contaminou e foi a bito em 1986. Vrios outros depois seguiram a
mesma trajetria. Fez mestrado em Psicologia Clnica (1986-1989), na PUC-RJ, com uma dissertao
sobre homossexualidade. Sua aproximao com a Abia comeou atravs de Carmita, que estava
fazendo um estudo sobre homossexualidade e aids e sabia que Veriano tinha muitos relatos
etnogrficos. Quando chegou na Abia, Herbert Daniel estava fundando o grupo Pela Vidda, um grupo
de pessoas soropositivas, no exclusivamente, e Veriano se aproximou. Em maio de 1989 iniciou
como funcionrio da Abia, onde continua atuando e desde 2001 coordenador geral. Coordenou
diversos projetos na Abia. Fez doutorado em Sade Coletiva na UERJ (1993-1997), abordando a
homossexualidade e a aids, sob a orientao de Richard Parker. Entre 2002 e 2004 foi professor
visitante na UFRGS.

Fonte:

1. Entrevista realizada em 15/06/2011, Rio de Janeiro, RJ.

2. Currculo Lattes de Veriano de Souza Terto Jnior, disponvel em:


http://lattes.cnpq.br/9164291927172325, acessado em 09/06/2011.

3. Abbade, .C.D.S. e Baio, F. 100 nomes que fizeram a histria da luta contra a aids no Brasil. So
Paulo: Gapa BR SP. 2010. p. 189.

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Os apndices IV a X, pginas 237 a 256, esto disponveis apenas na verso


impressa da tese.

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Anexos

Anexo I Visita Jonathan Mann Agenda

Anexo II Histrico Aids - Ministrio da Sade

Anexo III Declarao dos direitos fundamentais do portador de HIV/Aids

Anexo IV Projeto de lei n. 158/1996

Anexo V Discurso do presidente Fernando Collor de Melo em cadeia de nacional de


rdio e tv

Anexo VI - A importao de remdios contra a aids deve ser prioridade do Ministrio


da Sade?, Folha de So Paulo, 13 de julho de 1996.
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Anexo I Visita Jonathan Mann Agenda


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Ministerio da Saude
Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saude
Divisao Nacional de Dermatologia Sanitaria

Visita do Dr. Jonathan Mann


Diretor do Programa de AIDS
Organizacao Mundial da Saude

Dr. Ronald S'aint John


Coordenador do Programa de Analise de Situacao de Saude e suas Tendencias
Organizacao Panamericana da Saude

Dr. Fernando Zacharias


Coordenador do Programa de AIDS da America Latina
Organizacao Panamericana da Saude

Apresentacao da situacao epidemiologica de AIDS no Estado de


Sao Paulo -Avaliacao do Programa.

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Data: Quarta feira - 4 de fevereiro de 1987

Local: Manha Organizacao Pan-Americana da Saude

9:30 as 10:00 AIDS no mundo: Estrategia Global de prevencao e Controle


Dr. Jonathan Mann

AIDS na America Latina - exceto 0 Brasil - Dr. Fernando


Zacharias

ACao do Ministerio da Saude na prevencao e Controle


AIDS- Dra. Lair Guerra de Macedo Rodrigues

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Anexo II Histrico Aids - Ministrio da Sade

Os primeiros casos confirmados da Sindrome de Imu


nodeiciencia Adquirida (SIDA ou AIDS) no Brasil foram diagnos
ticados no Estado de Sao Paulo, em julho de 1982. A partir de~
ta data foram surgindo casos em outros estados, levando a cornu
nidade cientifica acionada pelo Ministerio da Saude a realizar
uma primeira reunlao em Brasilia, em 14/02/85, com 0 objetivo
de revisar a literatura especializada sobre AIDS. Apos esta
primeira reuniao, outras foram realizadas e como resultado das
mesmas, 0 Ministerio da Saude, em maio de 1985, estabeleceu,
na Portaria 236, as diretrizes para 0 programa de controle da
Sindrome, no ambito do territroio nacional. Tambem e atri
buida a Divisao Nacional de Dermatologia Sanitaria/SNPES a
~00rdenaq~0 do prcyrama.

Objetivando a implanta~ao destas diretrizes 0 Mi


nisterio da Saude .a.traves
da coordena~ao da Divisao Nacional de
Dermatologia sanitaria, tern desenvolvido numerosas a~oes, a. sa
ber:

Ar;oes
Desenvolvidas
12 a 14/02/85 Reuniao revisao da lite Minuta da por-
ratura especia- taria para 0
BRASILIA/OF
lizada sobre controle da in
AIDS. fec~ao hospita
lar em pacie~
tes com AIDS.
13 a 15/03/85 Revisao e dis- Normatizac;ao de
cussiio dos ca procediemntos
SAO PAULO/SP
sos diagnostic~ no manejo da
dos ate 0 momen AIDS.
to.
27 a 29/03/85 Revisao e ampli~ Reda~ao, por
~ao das normas grupo de espe-
BRl\SILIA/DF
tecnicas sobre cialistas na-
AIDS. Estabeleci cionais, da mi
mento de linhas- nuta da porta=
basicas para op~ ria ministerial
racionalilza~ao sobre 0 contro-
das a~oes de i~ le da doenc;a a
vestiga~do, con- nivel naciol:ill.
trole e tratamen
to da molestia.

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Ac;oes
Oesenvo1vidas
02/05/85 Assinatura da Por Estabe1ecimento de Normatizac;ao das
taria nQ 263 pelo diretrizes para 0 ac;oes de contro-
BRASILIA/OF
Sr. Ministro da programa de contro le da AIDS a ni
Saude. 1e da AIDS a niveI vel nacional.
nacional.

01 a 23/05/85 Reuniao Montagem da opera- Definic;ao, em ca


ciona1izac;ao do ma da estado, da: -
CURITIBA - PR nejo da AIDS (nos-
a}Coordenac;ao es
estados) de acordo tadua1; -
com as normas tec-
b) Investigac;ao e
nicas da ONOS/
pidemio1ogica;
SNPES.
c) Investigac;ao
clinica;
d)Investigac;ao la
boratoria1;
e)Educac;ao san ita
ria;
f)Educac;ao tecni-
ca continuada;
g}Assistencia hos
pitalar; -
h)Manejo da AIDS
transfunsional.
19 a 21/08/85 Reuniao Avaliac;ao do pro- l}Produc;ao da fi-
grama junto a co- cha de investi-
BRASILIA/OF
munidade cientifi gac;ao epidemio-
ca, sociedade ci= logica para uso
vil organizada e naciona1;
aos meios de cornu 2)Produc;ao do 2Q
nicac;ao de rnassa~ Informe Epide-
mio1ogico Na-
ciona1;
3}Credenciamento
to do Centro de
Referencia Na-
cional;
4)Redefinic;ao dos
procedimentos
1aboratoriais
relacionados a
doenc;a;
5) Definic;ao da
estrategia re1~
tiva a Educac;ao
em Saude;
6)Produc;ao do do-
cumento "A Cons
truc;ao Social
da Doenc;a.
(anexo 1)

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Reestrutura~ao do programa continuado de capacita~ao


de recursos humanos con forme modele anexo (anexo 2).

Defini~ao de criterios para compra de


para tratamento das doen~as associadas (anexo 3).

Participa~ao do I Conferencia Internacional de AIDS,


Paris - Fran~a.

Participa~ao de uma reunL3.o de "Parses ricos" em Ge-


nebra, onde se discutiu uma estrategia de a~ao glo0al contra
AIDS.
07 a 09 de julho/1986 - Belo Horizonte

I Encontro Macro-Regional - SUL/SUDESTE sobre DST e


AIDS (anexo 4).

Reuniao do Grupo de Trabalho sobre Aspectos Sociill


s .;
legais da AIDS.

I Encontro Macro-Regional Nordeste sobre AIDS e


DST (anexo 5).

Reuniao de Especialistas para defini~ao dos crite


rios clinicos, laboratoriais para 0 diagn6stico de AIDS (anexo 6) .

Reuniao do Grupo de Trabalho sobre Direitos e Garan


tias Individuais do paciente de AIDS.

22 e 23 de agosto de 1986 - Rio de Janeiro

Reuniao do Grupo de Trabalho sabre assistencia medi


ca ao pacicnte de AIDS.

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Reuniao do Grupo de Trabalho sabre direitos


denciarios e trabalhistas.

I Encontro Macro-Regional - Norte - sabre DST e


AIDS (anexo 7).

Reuniao para consolidar as relatorios dos Grupos de


Trabalho - elabora~ao do documento preliminar.

I Encontro Macro-Regional - Centro-Oeste sabre DST


e AIDS (anexo 8).

Reuniao para revisao final do documento da Portaria


Ministerial sobre AIDS.

Reunioes nos estados sobre 0 documento


Aspectos Sociais e Legais da AIDS .

Rio Grande do Sui Porto Alegre


Parana Curitiba

.
Santa Catarina
Hina'i Gerais
Florianopolis
Belo Horizonte
Rio de Janeiro Rio de Janeiro
Sao Paulo Sao Paulo
Ceara Fortaleza
Bahia Salvador
Pernambuco Recife
Alagoas Maceio
Rio Grande do NOrte Natal

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Reuniao para ouvir as relatorios dos estados e


elaborar 0 documento final (anexo 9).

Reuniao para revisao final do manual para


t~is (0nexo 10)

Reuniao para elabora~ao da nova ficha de


~ao (anexo 11).

Reuniao com 0 Diretor do Programa de AIDS do CDC. (E~


tados Unidos)

Reuniao para definir participa~ao do Instituto Nacio


nal de Assistencia Medica e Previdencia Social (INAMPS) na pr~
ven~ao e controle da AIDS.

Reuniao para elabora~ao final do documento que nor


teara a participa~ao do INAMPS no controle de AIDS.

Reuniao com a Comunica~ao Social para definir meios


efetivos de alcan~ar audiencias prioritarias.

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- Filme veiculado pelas redes de TV, informando ~ populac50 so


bre AIDS, 0 que e?, forma de transmissao, prevencao e estimulo
~ doacao de sangue;

- Folheto destinado ~ clientela dos Centros de Saude, com 0 mes


mo tipo de informacao dada pelo filme.

- Reformulacao do programa continuado de capacitacao de recursos


humanos com treinamentos nas seguintes areas:

a) Servicos clinicos incluindo diagnostico e tratamento das


doencas associadas;
b) Aconselhamento e acompanhamento;
c) Administracao e gerencia;
d) Area de laboratorio incluindo 0 diagnostico de AIDS e das
infeccoes oportunistas.

Implantacao de hemocentros no pals e recuperacao do Instituto


de Hematologia "Arthur de Siqueira Cavalcanti", no Rio de Ja
neiro.

Desenvolvimento de pesquisas para producao de reagente para d~


teccao laboratorial de anti-corpo anti HIV e para
outros agentes passiveis de serem transmitidos pelas transfu
soes de sangue .

. Orientacao aos Bancos de Sangue para triagem de doadores atra


yes de:
1) Selecao de doadores por auto-exclusao e mediante exame cli
nica feita par medico;
2) Distribuicao de folhetos aos doadores nos bancos de sangue
oficiais, orientando para a auto-cxclusao;

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3) Exclusao de unidades de sangue que apresente sorologia p~


sitiva por slfilis e hepatite; (80~ positividade)

4) Incentivo ao uso de transfusao autologa em cirurgias pr~


gramadas;
5) Orientaqao aos medicos quanta ao uso de transfusao.

Implantaqao das tecnicas ELISA e Imunofluorescencia nos


centros estatais.

Produqao de painel de avaliaqao para controle de qualidade dos


kits.

Orientaqao aos profissionais de saude quanta a


de resultados de sorologia:

Inicio do projeto: avaliaqao da utilizaqao de misturas (pool)


de cinco soros na especificidade e sensibilidade de testes so
rologicos para a pesquisa de anticorpos ant-HIV.

5- Criar comissao nacional de AIDS que tera as seguintes


bUiqoes:

a - assessorar a coordenaqao do programa na definiqao da polr


tica nacional de controle da slndrome, na produqao de do
cumentos tecnicos e cientrficos, e na avaliaqao dos compo
nentes do programa de controle: assist~ncia medica, ep!
demiologica/vigilancia epidemiologica, sanguc, laboratorio,
prevenqao e investigaqao.

- Vicente Amato Neto


- Helio G. Pereira
- Norton de Figueiredo
- Euclydes Ayres de Castilho
- Paulo Roberto Teixeira
- Antonio Carlos Gerbase

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No momento, a forma mais efetiva de limitar a


propaga~ao da SIDA e atraves do desenvolvimento de atividade edu
cativa orientada, com 0 objetivo de difundir amplamente infor
ma~ao sobre a enfermidade, 0 seu mecanismo de transmissao e a
forma de reduzir 0 risco de infec~ao.

Filme veiculado pelas redes de TV informando a popula~ao sobre


a AIDS: 0 que e, formas de transmissao e preven~ao e estimu
lando a doa~ao de sangue.

Folheto destinado a clientela dos Centros de Saude, com 0 mes


mo tipo de informa~ao que 0 filme da.

Folheto destinado a atendentes de saude, aprofundando a infor


ma9ao dada pelo.filme, acrescida de topicos de interesse esp~
cial para profissionais de saude:

Prepara~ao de informe tecnico sobre AIDS, por especialistas no


assunto:

Hanual de recomenda~ao para hospitais, ambulatorios


odontologicos e laboratorios:

Legisla9ao brasileira sobre a sindrome de imunodeficiencia ad


quirida (SIDA/AIDS).

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Anexo III Declarao dos direitos fundamentais do portador de HIV/Aids


Porto Alegre, 1989

I - Todas as pessoas tm direito informao clara, exata, sobre a aids.

II Os portadores do vrus tm direito a informaes especficas sobre sua condio.

III - Todo portador do vrus da aids tem direito assistncia e ao tratamento, dados sem
qualquer restrio, garantindo sua melhor qualidade de vida.

IV - Nenhum portador do vrus ser submetido a isolamento, quarentena ou qualquer tipo de


discriminao.

V - Ningum tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo nico
motivo de serem portadoras do HIV/aids, qualquer que seja sua raa, nacionalidade, religio,
sexo ou orientao sexual.

VI - Todo portador do vrus da aids tem direito participao em todos os aspectos da vida
social. Toda ao que visar a recusar aos portadores do HIV/aids um emprego, um
alojamento, uma assistncia ou a priv-los disso, ou que tenda a restringi-los participao
em atividades coletivas, escolares e militares, deve ser considerada discriminatria e ser
punida por lei.

VII - Todas as pessoas tm direito de receber sangue e hemoderivados, rgos ou tecidos que
tenham sido rigorosamente testados para o HIV.

VIII - Ningum poder fazer referncia doena de algum, passada ou futura, ou ao


resultado de seus testes para o HIV/aids, sem o consentimento da pessoa envolvida. A
privacidade do portador do vrus dever ser assegurada por todos os servios mdicos e
assistenciais.

IX - Ningum ser submetido aos testes de HIV/aids compulsoriamente, em caso algum. Os


testes de aids devero ser usados exclusivamente para fins diagnsticos, controle de
transfuses e transplantes, estudos epidemiolgicos e nunca qualquer tipo de controle de
pessoas ou populaes. Em todos os casos de testes, os interessados devero ser informados.
Os resultados devero ser transmitidos por um profissional competente.

X - Todo portador do vrus tem direito a comunicar apenas s pessoas que deseja seu estado
de sade e o resultado dos seus testes.

XI - Toda pessoa com HIV/aids tem direito continuao de sua vida civil, profissional,
sexual e afetiva. Nenhuma ao poder restringir seus direitos completos cidadania.

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Anexo IV Projeto de lei n. 158

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Anexo V Discurso do presidente Fernando Collor de Melo em


cadeia nacional de rdio e tv

Leia o discurso do Presidente197

Esta a integra do pronunciamento programado para ser apresentado ontem noite, em cadeia de
rdio e tv pelo presidente Collor.

Boa noite.
Hoje venho falar famlia brasileira sobre um assunto de extrema importncia par todos ns: a Aids.
O que pretendo como pai de famlia informar o Senhor e a Senhora sobre essa doena que no tem
cura, mas que pode ser prevenida.
Mas para isso, precisamos agir rapidamente para conter seu avano, evitando dramticas
consequncias.
H uma guerra a ser vencida.
A Aids uma emergncia mdica que justifica aes urgentes do governo em todos os nveis: no
uma doena que possa ser tratada com meias verdades ou meias medidas.
A falta de informao o primeiro obstculo que temos que vencer.
Nenhum brasileiro, rico ou pobre, velho ou moo, homem ou mulher, pode recusar-se, sob qualquer
pretexto, a buscar informaes sobre a questo.
Os primeiros casos de aids no Brasil apareceram no comeo da dcada passada, com o registro de
alguns poucos doentes em So Paulo e no Rio de Janeiro.
A partir de 1985, esses casos passaram a crescer de forma acelerada, como mostram essas colunas em
vermelho.
Existem hoje, em todo o Pas, espalhados por 900 municpios, 21 mil casos de Aids.
No se trata, vejam bem, de uma doena que s atinge as grandes cidades: um problema que est
crescendo no pas inteiro.
O Ministrio da Sade estima que haja, atualmente, no Pas, entre 500 e 700 mil pessoas infectadas
pelo vrus, o que indica um crescimento acelerado da doena na ltima dcada.
Isso no significa que esses milhares de infectados j tenham os sintomas e nem sequer saibam estar
doentes.
O perodo de incubao da doena de 9 anos em mdia: isso quer dizer que todas essas pessoas, que
no tm qualquer sintoma, podem transmitir o vrus para os outros.
Pensem no que isso significa em perdas de vidas humanas.
Precisamos agir j, para evitar uma verdadeira tragdia.
Este grfico impressionante.
Vejam: ele indica a necessidade de agirmos, Governo e Sociedade, de forma urgente; porque se nada
fizermos, no ano 2000 sero 8 milhes , repito 8 milhes o nmero de brasileiros infectados pela
doena, se no houver campanha visando educar, adotar medidas de preveno.
Mesmo assim possvel que cheguemos ao ano 2000 com dois milhes de doentes.
Como evitar isso?
preciso saber que a doena causada por um tipo de micrbio, um vrus, o HIV, o vrus da Aids,
que destri a capacidade do corpo de resistir a infeces comuns.
O vrus transmitido da seguinte forma: por relaes sexuais com pessoas infectadas, por agulhas e
seringas contaminadas, por transfuses de sangue contaminado, e da mulher infectada ao recm
nascido, durante a gravidez ou o parto.
Essas so as formas de transmisso reconhecidas pela cincia.

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Felizmente no se transmite no trabalho, nas escolas, no nibus, trem, metr ou outros tipos de
transportes.
No se transmite pelo aperto de mo, pelo abrao, pela convivncia normal nas casas; no se transmite
em banheiros, piscinas, pela mordida de insetos, nem pela comida.
Sobretudo, no se transmite pela solidariedade, pelo amor e carinho ao prximo.
Minha gente,
Temos que lutar contra o preconceito e contra a discriminao aos doentes de Aids.
Primeiro, porque esta uma atitude crist que nos deve guiar.
Segundo, porque h hoje 10 milhes de portadores do vrus em todo o mundo, e centenas de pessoas
contraem a doena diariamente, o que em menos de uma dcada far com que todos ns conheamos
algum de nosso crculo mais ntimo de relacionamento contaminado como vrus, caso no sejam
tomadas as medidas preventivas necessrias.
Terceiro, porque o portador da Aids est perfeitamente habilitado a exercer a maioria das profisses,
sem oferecer risco ao prximo.
Quarto, porque a ignorncia a nica justificativa para a discriminao e o preconceito.
Estigmatizar os portadores da doena apenas agrava o profundo drama que vivem essas pessoas, que
merecem a nossa compreenso e sobretudo solidariedade.
Relembro as sbias palavras do Evangelho: Felizes os que tm misericrdia dos outros, pois Deus
ter misericrdia deles tambm .
H poucos dias um grande jogador de basquete norte-americano veio a pblico para revelar a sua
condio de portador do vrus.
Vrios brasileiros tm agido da mesma forma.
Essas atitudes demonstram coragem herica, despertando a ateno do mundo para um fato de
extrema importncia: a Aids no uma doena que atinge os chamados grupos de risco, como
erroneamente tm pensado algumas pessoas.
Ningum que tenha vida sexualmente ativa est livre do risco da doena.
Hoje, segundo dados da Organizao Mundial de Sade, 75% dos portadores do vrus da Aids, no
mundo, so heterossexuais.
Este grfico nos mostra como isso vem acontecendo.
Em 1985, quando a incidncia da doena comeava a crescer mais aceleradamente no Brasil, 60% das
vtimas eram homossexuais.
Hoje so pouco mais de 40%.
A srie em vermelho mostra que tambm o nmero de bissexuais que contraram a doena vem
diminuindo.
Pensem nisso com cuidado!
H outro dado fundamental: o aumento de casos por uso de drogas assustador.
De 1980 a 1986, apenas 3% dos casos no Brasil eram relacionados com usos de drogas injetveis.
Vejam vocs nete grfico que a partir de 1986 a Aids passou a contaminar mais e mais pessoas que
fizeram o uso dessas drogas.
Esse nmero em 1991, subiu para 29%.
O pior, o maior crescimento desse tipo de contaminao no Brasil ocorreu em adolescentes, na
populao de 13 a 19 anos de idade.
Como sabemos, ainda no h cura, mas a epidemia evitvel, porque sabemos a causa da doena: a
transmisso do vrus HIV.
Ouam com ateno as maneiras de prevenir a doena; ouam e transmitam esses conselhos a seus
amigos, amigos, filhos, filhas e parentes.
Voc est se prevenindo contra a Aids:
- se no trocar de parceiros sexuais com frequencia e se tiver um relacionamento sexual seguro;
- se exigir teste anti-Aids nos bancos de sangue: saiba que a doao em locais apropriados segura e
um ato de amor ao prximo;
- se exigir agulhas e seringas descartveis ou esterilizadas em farmcias, hospitais, postos de sade e
laboratrioa, bem como material esterilizado nos dentistas;
- se exigir, em cabelereiros, barbeiros, casas de tatuagem e acupuntura, esterilizao dos objetos que
cortam ou perfuram, como agulhas, alicates, giletes, navalhas.

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Vejam como tomando providncias muito simples, voc pode se ajudar a evitar o pior, porque
cuidando de si prprio, voc estar cuidando tambm do seu prximo.
Minha gente,
Apenas listar as maneiras de previnir no basta.
Precisamos ir mais alm: perteno a uma gerao que prefere encarar os problemas de frente, sem
moralismos falsos ou intolerncias inaceitveis para com o comportamento alheio.
A liberdade indivudual de agir uma das maiores conquistas da civilizao a que pertencemos, e de
modo algum podemos usar a aAids como um pretexto para tolher ou qualificar a liberdade das
pessoas.
Mas preciso tambm fazer uma ressalva: a liberdade, nas sociedades modernas e justas, no existe
dissociada de deveres e obrigaes de parte de cada cidado.
A liberdade tem que estar associada idia de responsabilidade, de respeito e, principalmente, de
amor ao prximo.
Esses so valores universalmente aceitos.
E esses valores so tanto mais importantes quando tratamos da liberdade sexual: a promiscuidade
uma forma de comportamento que atenta para a prpria vida; assim silenciar sobre o tema, por mais
polmico que possa ser, seria contraproducente.
Quando tratamos dessas questes que pertencem ao campo da moral, no estamos falando de algo que
possa ser identificado como a moda, ou que possa ser considerado ultrapassado.
preciso que todos se conscientizem da importncia de se tratar a sexualidade humana, uma das mais
belas e profundas manifestaes da vida, com respeito e reponsabilidade.
Respeito e responsabilidade que so ainda maiores quando h uma epidemia que tem causado tanta
dor, tantas perdas.
Minha gente,
Como pai de dois adolescentes e como Presidente da Repblica, cumpro um dever inadivel em alertar
a Nao e de liderar uma ampla campanha ampla, objetiva e corajosa de combate Aids.
O Governo, consciente da sua obrigao moral e dever cvico, precisa agir rapidamente, combatendo a
epidemia em vrias frentes.
Assim, estamos iniciando uma nova fase de trabalho em preveno e assistncia.
J existe um amplo programa de distribuio de medicamentos, incluindo o AZT, que est sendo
implementado pelo Ministrio da Sade.
Mas o principal papel do Governo o de ajudar a prevenir a doena.
Estou determinado a constituio de uma Comisso Nacional de Aids, presidida pelo senhor Edson
Arantes do Nascimento, o Pel, que vai procurar mobilizar a sociedade para essa importante misso de
combate epidemia.
O Ministrio da Sade j est implantando um grande programa de descentralizao do combate
doena, com a criao de programas municipais em 3.000 cidades brasileiras.
Em cada uma dessas cidades esto sendo criadas Comisses especficas , coordenadas pelas
Secretarias Municipais de Sade.
Esse esforo, porm, no ser completo sem a mobilizao de todos os cidados, das igrejas, escolas,
empresas, sindicatos, associaes comerciais, profissionais de sade, organizaes no-
governamentais, enfim, qualquer pessoa ou grupo que queira dedicar-se a essa tarefa.
O Senhor e a Senhora que esto assistindo a este pronunciamento ajudem a cri-la junto aos Prefeitos
de suas cidades, ou procurem engajar-se no trabalho que j est sendo feito nas localidades onde
morem.
No podemos perder tempo.
Amanh, um programa sobre esse tema e sobre o Programa de Descentralizao do combate Aids
ser levado ao ar em rede nacional de televiso e rdio.
preciso que todos os brasileiros se engajem nessa luta: se falharmos, no poderemos culpar ningum
por nossa omisso, a seno a ns mesmos.
Lembre-se: pode acontecer com qualquer pessoa; no acredite nessa histria do comigo no
acontece .
H uma guerra a ser vencida.
Vamos venc-la, minha gente, com a juda e o empenho de todos e de cada um dos brasileiros, e, acima
de tudo, com a ajuda de Deus. Boa noite.

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Anexo VI A importao de remdios contra a aids deve ser prioridade do Ministrio


da Sade?, Folha de So Paulo, 13 de julho de 1996.

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