CALVINO - Institutas Vol. 4
CALVINO - Institutas Vol. 4
CALVINO - Institutas Vol. 4
C A P T U L O III
Agora nos cabe falar da ordem mediante a qual o Senhor quis que sua Igreja fosse
governada. Pois ainda que importe que exclusivamente reja e reine na Igreja, ele
tambm preside nela ou exerce eminncia sobre ela, e indispensvel que este im-
prio seja exercido e administrado somente por meio de sua Palavra. No entanto,
visto que ele no habita entre ns em presena visvel, de sorte que no nos declara
sua vontade pessoalmente, por sua boca, dissemos que nisso se aplica o ministrio
dos homens e como que uma obra vicria, no lhes transferindo seu direito e honra,
mas somente para que, pela boca deles, ele mesmo execute sua obra da mesma
forma que tambm o artfice usa de um instrumento para fazer seu trabalho.
Vejo-me na obrigao de reiterar novamente coisas que j expus previamente.
Certamente que ele poderia fazer isso ou por si mesmo, sem qualquer outro auxlio
ou instrumento, ou at por meio de anjos. Entretanto, muitas so as causas por que
ele prefere faz-lo por meio dos homens. Ora, deste modo declara, em primeiro
lugar, sua considerao para conosco, quando dentre os homens toma aqueles que a
seu favor desempenhem embaixada no mundo [2Co 5.20], que sejam seus intrpre-
tes da vontade secreta; enfim, que representem sua pessoa. E assim, com evidncia,
comprova no ser vo que, de quando em quando, nos chame templos seus [1Co
3.16, 17; 6.19; 2Co 6.16], enquanto da boca dos homens, como se fosse do santu-
rio, d aos homens suas respostas.
Em segundo lugar, este um timo e ultilssimo exerccio humanidade, en-
quanto nos acostuma a obedecer sua Palavra, conquanto ela pregada atravs de
homens semelhantes a ns, por vezes at inferiores em dignidade. Se ele falasse
pessoalmente do cu, no haveria de se maravilhar, sem tardana seus sacros orcu-
los seriam recebidos reverentemente pelos ouvidos e nimos. Pois, quem no se
apavoraria de seu manifesto poder? Quem no se sentiria aturdido com aquele imenso
fulgor? Quando, porm, um homenzinho qualquer surgido do p fala em nome de
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Com as palavras supra-referidas Paulo mostra, em primeiro lugar, que esse mi-
nistrio dos homens, do qual Deus se serve para o governo da Igreja, o nervo
motriz atravs do qual os fiis so ligados em um s corpo. Em segundo lugar,
porm, tambm indica, no de outro modo, poder a Igreja manter-se inclume, para
que se sustente com estas salvaguardas, nas quais aprouve ao Senhor estabelecer
sua preservao. Cristo subiu ao alto, diz ele, para que preenchesse todas as
66 LIVRO IV
coisas [Ef 4.10]. Mas, esta a maneira de preencher: que por meio dos ministros,
aos quais confiou este ofcio e conferiu a graa de levar avante sua funo, dispensa
e distribui seus dons Igreja, se mostra pessoalmente presente, manifestando o
Esprito o poder Deus nesta sua instituio, para que no seja ela intil e ociosa.
Assim se leva a bom termo a renovao dos santos, de modo que tambm o corpo de
Cristo edificado [Ef 4.12] e assim crescemos em tudo naquele que a Cabea
[Ef 4.15], e nos faz mutuamente unidos; e assim somos todos conduzidos unidade
de Cristo, caso a profecia tenha entre ns vigor, se acolhemos os apstolos, se no
desprezamos a doutrina a ns ministrada.
Portanto, na desintegrao, ou antes na runa e destruio da Igreja, se empenha
quem ou diligencia por abolir ou quase faz menos necessria esta ordem de que
estamos a discorrer, e este gnero de regime. Pois, nem a luz e o calor, nem a comida
e a bebida so to necessrios para nutrir e suster a presente vida, quanto o ofcio
apostlico e pastoral para conservar a Igreja na terra.
J frisei supra que nosso Senhor exaltou a dignidade deste estado com todos os
louvores possveis, a fim de que o estimemos como uma coisa superior a todas as
excelncias.27 O Senhor atesta ser singular benefcio prodigalizar aos homens susci-
tando-lhes mestres, onde ordena ao Profeta exclamar quo formosos so os ps
daqueles que anunciam a paz [Is 52.7]; e quando chama os apstolos luz do mun-
do e sal da terra [Mt 5.13,14]. No podia adornar este ofcio mais espledidamen-
te do que quando disse: Quem vos ouve, ouve a mim; quem vos rejeita, rejeita a
mim [Lc 10.16]. Nenhuma passagem, porm, mais luminosa que em Paulo, na
Segunda Epstola aos Corntios, onde, de forma expressa, trata esta questo. Portan-
to, ele declara que na Igreja nada pode haver mais preclaro ou glorioso do que o
ministrio do evangelho, quando a ministrao do Esprito, da justia e da vida
eterna [2Co 3.9; 4.6]. Estas e consideraes afins dizem respeito a que esse modo
de a Igreja ser governada e mantida atravs dos ministros, que o Senhor sancionou
para sempre, no deve ser entre ns menosprezado, e por fim caia em desuso pelo
prprio descaso.
E de fato, quo grande sua necessidade, j o declarou no apenas por palavras,
mas tambm por exemplos. A Cornlio, como o quisesse iluminar mais plenamente
pela luz de sua verdade, enviou-lhe um anjo do cu para que a Pedro encaminhasse
27. Primeira edio: Por isso mesmo, acima frisei que, com quais encmios pode, no-lo h Deus
freqentemente recomendado a dignidade, para que entre ns estivesse em sumo interesse e apreo, como
cousa de todas a mais excelente.
CAPTULO III 67
quanto com a opinio de Paulo, essas trs funes no foram por isso institudas na
igreja para que fossem perptuas, mas apenas para esse tempo em que deveriam ser
implantadas igrejas onde nenhuma havia antes existido, ou certamente tinham de
ser transpostas de Moiss para Cristo. Embora eu no negue que depois houve tam-
bm apstolos, ou pelo menos evangelistas no lugar deles, Deus s vezes os suscita-
va, como ocorreu em nosso tempo. Pois por meio deles se fez necessrio que recon-
duzissem, da defeco do Anticristo, de volta a Igreja. Contudo, ao prprio ofcio
chamo extraordinrio, porquanto ele no tem lugar nas igrejas regularmente cons-
titudas.
Seguem-se pastores e mestres, dos quais a Igreja jamais pode prescindir, entre
os quais penso haver esta distino: que os mestres no presidem a disciplina, nem
a administrao dos sacramentos, nem as admoestaes ou exortaes, mas apenas
a interpretao da Escritura, para que entre os fiis se retenha pura e s a doutrina. O
ofcio pastoral, entretanto, contm em si todas estas funes.
O Senhor, quando estava enviando os apstolos, deu-lhes, como foi dito a pou-
co, a comisso de pregar o evangelho e de batizar os que cressem, para a remisso
de seus pecados [Mt 28.19]. Antes disso, porm, mandara ele que distribussem, a
seu exemplo, os sagrados smbolos de seu corpo e sangue [Lc 22.19]. Eis a santa, a
inviolvel, a perptua lei imposta queles que sucedem ao lugar dos apstolos, pela
qual recebem o mandado da pregao do evangelho e da administrao dos sacra-
mentos. Do qu conclumos que aqueles que negligenciam a uma e outra dessas
duas funes pretextam falsamente o papel de apstolos.
Mas, o que dizer dos pastores? Paulo fala no apenas em relao a si prprio,
mas de todos eles, quando diz: Assim nos considere o homem como ministros de
Cristo e despenseiros dos mistrios de Deus [1Co 4.1]. Igualmente, em otro lugar:
Importa que o bispo seja pertinaz nessa palavra fiel que segundo a doutrina, para
que seja poderoso para exortar mediante a s doutrina e para refutar os contradizen-
tes [Tt. 1.7, 9]. Destas e de passagens afins, que ocorrem a cada passo, possvel
inferir que tambm na funo dos pastores estas so as duas partes primordiais:
anunciar o evangelho e administrar os sacramentos. Mas, a maneira de ensinar con-
siste apenas no em discursos pblicos, mas diz respeito tambm a admoestaes
particulares. Assim sendo, Paulo cita os efsios como suas testemunhas de que da-
quelas coisas que lhes eram do interesse a nada se esquivou que lhes anunciasse e os
ensinasse publicamente e de casa em casa testificando a judeus, ao mesmo tempo
que a gregos, o arrependimento e a f em Cristo [At 20.20, 21]. Igualmente, pouco
depois diz que no cessou de, com lgrimas, admoestar a cada um deles [At 20.31].
Contudo, no pertence ao presente desgnio expor minuciosamente os dotes do bom
pastor, um a um, mas apenas indicar o que professam os que se chamam pastores,
isto , presidirem Igreja de tal maneira que no tm uma dignidade ociosa, antes
que, com a doutrina de Cristo, instruem o povo verdadeira piedade, administram
os sagrados mistrios, conservam o exerccio da reta disciplina. Pois todos quantos
foram postos por atalaias na Igreja, o Senhor lhes anuncia que, se algum perea por
ignorncia, em razo de negligncia deles, ele requerer de suas mos seu sangue
[Ez 3.17, 18]. Tambm a todos eles compete o que de si diz Paulo: Ai de mim se
no pregar o evangelho, quando uma dispensao me foi confiada [1Co 9.16, 17].
Enfim, o que os apstolos fizeram para o mundo inteiro, isso cada pastor deve a seu
rebanho, ao qual foi designado.
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Mas, ainda que a cada pastor, um a um, atribuamos sua prpria igreja, contudo
no negamos que possa ajudar a outras igrejas aquele que foi ligado a uma, quer
algum distrbio haja ocorrido que lhe requeira a presena, ou que, acerca de alguma
coisa mais obscura, se pea dele conselho. Mas, visto que para manter a paz da
Igreja, se faz necessria esta poltica que a cada um se proponha o que deve fazer,
de modo que no tumultuem todos a um tempo, no corram, incertos, para c e para
l, sem algo definido, nem corram todos a um s lugar desordenadamente, e a seu
bel-prazer no deixem vagas as igrejas os que esto solcitos por seu conforto mais
do que pela edificao da Igreja , esta distribuio deve ser geralmente observada,
at onde possvel, de sorte que cada um, contente com seus limites, no se intrometa
nem usurpe a posio alheia.
Nem isso uma inveno humana; antes, uma instituio do prprio Deus.
Pois lemos que Paulo e Barnab instalaram presbteros nas igrejas individuais da
cidade de Listra, de Antioquia, de Icnio [At 14.21-23]; e Paulo mesmo ordena a
Tito que constitua presbteros de cidade em cidade [Tt 1.5]. Assim, em um lugar [Fp
1.1] menciona os bispos dos filipenses e em outro cita [Cl 4.17] Arquipo, bispo dos
colossenses. E Lucas se refere ao excelente discurso dirigido aos presbteros da
igreja efsia [At 20.17-35]. Portanto, quem quer que haja assumido o governo e
cuidado de uma igreja saiba que foi atado a esta lei da divina vocao; no que,
como se atado gleba, como dizem os jurisconsultos, isto , sujeito e como que
preso, sem poder da arredar p, quando assim o requeira o benefcio pblico, desde
que isso se faa retamente e em ordem. Mas, aquele que foi chamado para um lugar
ele mesmo no deve cogitar de mudana, nem segundo haja julgado ser vantajoso a
si, buscar da liberao. Ento, se a algum parea conveniente ser transferido para
outro lugar, contudo no deve tentar isto por deciso pessoal, mas aguardar a apro-
vao pblica.
se refere que o Apstolo convocara os presbteros efsios [20.17], aos quais em sua
orao ele chama bispos [20.28]. Aqui hora de observar-se que at este ponto
enumeramos somente esses ofcios que consistem no ministrio da Palavra, tam-
pouco Paulo faz meno de outros naquele captulo quarto da Epstola aos Efsios
que j mencionamos. Na Epstola aos Romanos [12.7, 8], e na Primeira aos Cornti-
os [12.28], porm, ele enumera outros, como potestades, dom de curas, interpreta-
o, governo, cuidado dos pobres, dos quais deixo de considerar os que foram tem-
porrios, porquanto no vale a pena deter-nos neles.
Mas h dois que permanecem perpetuamente: governo e cuidado dos pobres.
Penso que governo foram pessoas mais idosas escolhidas dentre o povo, as quais,
juntamente com os bispos, presidiam censura dos costumes e disciplina a ser
exercida. Pois, tampouco podes interpretar de outro modo o que ele diz: Quem
preside, faa-o com diligncia [Rm 12.8]. Logo, desde o incio cada igreja teve seu
senado, recrutado dentre homens piedosos, srios e santos, de mos com o qual
estava aquela jurisdio em corrigir vcios de que falaremos mais adiante. Com
efeito, que ordem desta natureza no foi de um sculo o declara a prpria expern-
cia. Portanto, tambm este ofcio governamental necessrio em todos os sculos.
9. O CUIDADO DOS POBRES OFCIO DOS DICONOS, DOS QUAIS HAVIA DUAS
CLASSES NA IGREJA PRIMITIVA
O cuidado dos pobres foi confiado aos diconos. Todavia, na Epstola aos Ro-
manos lhes so atribudas duas modalidades: Aquele que distribui, diz Paulo a,
faa-o com simplicidade; aquele que exerce misericrdia, com alegria [Rm 12.8].
Uma vez que certamente ele est falando dos ofcios pblicos da Igreja, necessaria-
mente houve dois graus distintos de diconos. A no ser que me engane o juzo, no
primeiro membro da clusula ele designa os diconos que administravam as esmo-
las; no segundo, porm, aqueles que se dedicaram a cuidar dos pobres e dos enfer-
mos, como, por exemplo, as vivas das quais faz meno a Timteo [1Tm 5.9, 10].
Pois nenhum outro ofcio pblico podiam as mulheres desempenhar alm do servi-
o aos pobres. Se recebemos isto (como tem de ser absolutamente recebido), duas
sero as modalidades de diconos, dos quais uns serviro Igreja na administrao
das coisas relativas aos pobres; outros, cuidando dos prprios pobres. Mas, ainda
que o prprio termo diakoni,a/ [diak(n*] tenha sentido mais amplo, contudo a Escri-
tura denomina especialmente diconos aos que so constitudos pela Igreja para
distribuir esmolas e cuidar dos pobres, como seus procuradores. A origem, a insti-
tuio e o cargo dos diconos o menciona Lucas nos Atos dos Apstolos [6.3]. Ora,
como fosse excitado pelos gregos o murmrio de que no ministrio dos pobres as
vivas estavam sendo negligenciadas, os apstolos, justificando que no poderiam
atender a ambos os ofcios, solicitam da multido que fossem escolhidos sete ho-
72 LIVRO IV
manifeste. Costumam tambm dizer que foram chamadas para o ministrio mesmo
pessoas leigas que se revelam aptas e idneas para exerc-lo, visto que, na verdade,
a erudio associada piedade e aos demais dotes do bom pastor lhe sejam uma
como que preparao. Ora, aqueles que o Senhor destinou a to grande ofcio os
equipa antes com essas armas que so requeridas para desempenh-lo, de sorte que
no venham a ele vazios e despreparados. Do qu tambm Paulo, na Primeira Eps-
tola aos Corntios, como quisesse discutir acerca dos prprios ofcios, enumerou
antes os dons em que devem exceler os que desempenhem os ofcios [1Co 12.7-11].
Mas, uma vez que este o primeiro dos quatro tpicos que acima propus, avana-
mos para ele agora.
O terceiro item que inclumos em nossa diviso era por quem os ministros de-
vem ser eleitos. Mas, desta matria no se pode buscar regra segura na instituio
dos apstolos, a qual contm algo distinto da vocao comum dos demais. Ora,
visto que ele era um ministrio extraordinrio, para que se fizesse distinto por algu-
74 LIVRO IV
ma nota mais insigne, foi necessrio que fossem chamados e constitudos pela boca
do prprio Senhor aqueles que o haveriam de desempenhar. Portanto, no foram
investidos por nenhuma eleio humana, mas foram cingidos para a obra to-so-
mente pelo mandado de Deus e de Cristo. Daqui procede que os apstolos, quando
querem colocar um outro no lugar de Judas, de certo modo no ousam nomear um
nico homem, mas apresentam dois, para que o Senhor declare por sorte qual desses
dois queira que seja o sucessor [At 1.23-26]. Tambm nessa maneira convm inter-
pretar o fato de Paulo negar haver sido feito Apstolo por homens ou atravs de um
homem, mas por Cristo e Deus Pai [Gl 1.1].
Esse primeiro ponto, isto , no ter sido feito Apstolo por homens, considerou-
se comum com todos os pios ministros da Palavra, pois algum no podia exercer
devidamente esta ministrao seno aquele que fosse chamado por Deus. O segun-
do ponto, porm, isto , no ter sido designado atravs de homem, foi-lhe prprio e
peculiar. Portanto, enquanto se gloria disto, o Apstolo no est apenas se gloriando
de ter o que convm ao verdadeiro e legtimo pastor, mas tambm exibindo as insg-
nias de seu apostolado. Pois, como houvesse entre os glatas aqueles que, esforan-
do-se por denegrir-lhe a autoridade, fizessem dele um discpulo comum, sujeito aos
apstolos primrios, para que vindicasse dignidade inclume sua pregao, contra
a qual sabia que estas insdias eram intentadas, se viu obrigado, em todo respeito,
mostrar que em nada era inferior aos demais apstolos. Conseqentemente, afirma
que fora escolhido no pelo critrio de homens, semelhana de um bispo vulgar,
mas por boca e orculo manifesto do prprio Senhor.
Mas que seja preciso, na vocao legtima dos pastores, ser eleitos pelos ho-
mens, ningum sobriamente negar, quando nesta matria subsistem tantos teste-
munhos da Escritura. Tampouco a isso se contrape esta afirmao de Paulo, como
foi dito, de que eu fui enviado no por homens, nem atravs de homens [Gl 1.1],
quando a no est falando a respeito da eleio ordinria de ministros, mas reivin-
dicando para si o que era especial para os apstolos. No obstante, ainda que ele
mesmo fosse eleito pelo Senhor, mas sua eleio foi de tal maneira que interveio a
ordem eclesistica, pois Lucas assim o relata: Estando os apstolos a jejuar e a
orar, o Esprito Santo lhes disse: Separai-me Paulo e Barnab para a obra para a
qual os escolhi [At 13.2]. A que propsito, pois, esta separao e imposio de
mos, depois que o Esprito Santo atestara sua eleio, seno para que fosse conser-
vada a disciplina eclesistica, sendo eles os ministros designados atravs dos ho-
mens? Portanto, de nenhum exemplo mais claro Deus pde aprovar disposio des-
ta natureza que, enquanto declarara antes haver destinado Paulo para ser Apstolo
CAPTULO III 75
aos gentios, no entanto quer que ele seja designado pela Igreja. Isso mesmo se pode
perceber na escolha de Matias [At 1.23-26]. Ora, visto o ofcio apostlico ser de to
grande importncia, que no ousassem escolher um s homem para esse posto, por
seu prprio critrio, apresentam dois, dos quais esperam que a sorte caia sobre um,
para que assim tambm a escolha tenha reconhecido testemunho do cu, e tampou-
co seja inteiramente preterida a sistemtica da Igreja.
15. A ELEIO OU ESCOLHA DOS MINISTROS DEVE SER POR SEUS PARES, ASSIS-
TIDOS DOS PRESBTEROS OU ANCIOS, COM APROVAO DIRETA DA IGREJA
OU ASSEMBLIA DOS FIIS
Agora indaga-se se porventura o ministro deva ser eleito por toda a Igreja, ou
apenas pelos colegas e os presbteros que presidem censura, ou porventura de fato
possa ser constitudo pela autoridade de um s. Aqueles que atribuem este direito a
um s homem citam o que Paulo diz a Tito [1.5]: Por isso te deixei em Creta, para
que constituas presbteros de cidade em cidade. Igualmente, a Timteo: A nin-
gum imponhas as mos precipitadamente [1Tm 5.22]. Mas esto enganados se
pensam que, ou Timteo em feso, ou Tito em Creta, exercera poder rgio, de modo
que dispusesse de tudo e de todos a seu bel-prazer. Ora, estiveram frente apenas
para que assistissem ao povo com bons e salutares conselhos, no para que sozi-
nhos, excludos todos os demais, fizessem o que bem lhes aprouvesse. E para que
no parea que estou a imaginar algo, farei isso evidente com um exemplo seme-
lhante. Pois Lucas [At 14.23] relata que foram constitudos, por Paulo e Barnab,
presbteros nas igrejas, porm assinala, ao mesmo tempo, a maneira ou modo, quan-
do diz que isso foi feito por sofrgio ceirotonh,santej [cheir(t(n@sant$s havendo
eles estendido a mo para votar], diz ele, presbute,rouj katV evkklhsi,a/n [pr$sbyt$rous
kat'$kk@s*n presbteros em cada igreja]. Logo, eles dois os criavam, mas toda a
multido, como era o costume dos gregos nas eleies, com as mos levantadas
declarava qual desejasse ter. Alis, assim no raro falavam os hitoriadores romanos
ter o cnsul que promovia a assemblia criado os novos magistrados, no por
outra causa, mas porque recebia os sufrgios e servia de moderador do povo no
processo de eleio.
Certamente no crvel que Paulo haja concedido a Timteo e Tito mais do que
ele prprio assumira para si. Mas descobrimos que ele costumava criar bispos
pelos sufrgios do povo. Portanto, assim se deve entender as passagens supracitadas
que no diminam algo do direito e liberdade comuns da Igreja. Por isso Cipriano
setenciou bem, quando afirma provir de divina autoridade que o sacerdote seja es-
colhido, presente o povo, sob os olhos de todos e seja comprovado digno e idneo
pelo testemunho e critrio pblico. Com efeito, descobrimos que isto foi observado,
por mandado do Senhor, nos sacerdotes levticos, de sorte que fossem trazidos
76 LIVRO IV
Igreja em vo, haveremos de sentir, quando ela for provida por ele, que esta cerim-
nia no intil, desde que no se converta a abuso supersticioso.
Finalmente, isto h de ter-se em conta: que nem toda a multido impunha as
mos sobre seus ministros, mas somente os pastores, embora seja incerto se eram ou
no sempre muitos os que impunham as mos. Claramente se v que se procedeu
assim no caso dos diconos29 [At 6.6], de Paulo e Barnab [At 13.2, 3] e de alguns
outros poucos. Mas o prprio Paulo, em outro lugar [2Tm 1.6], rememora que ele,
no muitos outros, imps as mos sobre Timteo: Relembro-te, diz ele, que rea-
nimes a graa que em ti h pela imposio de minhas mos. Pois o que se diz na
outra Epstola acerca da imposio de mos do presbitrio [1Tm 4.14], no aceito
como se Paulo esteja falando do colgio de presbteros, mas antes com este termo
entendo a prpria ordenao, como se estivesse dizendo: Faz com que a graa que
recebeste por imposio de mos, ao constituir-te presbtero, no seja infrutfera.
29. Primeira edio: Haver-se feito, por certo, aquilo, evidente no caso dos diconos.