Barroco PDF
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Foram necessários pelo menos três séculos para que o “barroco” deixasse a
marginalidade de sua recepção para assumir um lugar significativo no
acervo das especulações artísticas da humanidade.
Augusto de Campos
As formas barrocas sob um novo céu e em uma outra terra, vão mudar de
ritmo de vida e de movimento.
Roger Bastide
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desse gênero artístico antes visto de forma depreciativa passando a determinar um
amplo período da cultura européia e latino-americana 1.
Embora o fenômeno literário barroco tenha uma profunda unidade simbólica, no
processo de transferência cultural do barroco português para a América Portuguesa
(Brasil), o estilo literário se desenvolveu diferentemente aclimatando-se à cultural local
do novo território. Ao fazermos um estudo comparativo entre as histórias das literaturas
do Brasil e de Portugal apontaremos os aspectos integrativos e as especificidades do
barroco literário brasileiro demonstrando as transformações do conceito de barroco
literário registradas nas histórias das literaturas luso-brasileiras, o que explica, em
parte, a difícil classificação deste período literário devido à sua complexidade
conceitual 2 não apenas como fenômeno literário mas como expressão de um processo de
civilização.
Para mapearmos os vários conceitos de barroco literário necessitamos
obrigatoriamente recorrer à História da Literatura já que esta,como bem explicita Jobim
“nos mostra que houve sucessivas e diferentes representações daquilo a que chamamos
de literatura”. (JOBIM,1992:127) O conceito, ou vários conceitos de barroco, foram
criados a posteriori, os autores chamados barrocos desconheciam tal conceito:
1
O fenômeno cultural barroco visível nas artes desde o Império dos Habsburgo, quer na longínqua Goa,
na cidade do México, Cuzco, Bogotá, Ouro Preto, quer em Torino, Nápoles e Lecce (ÁVILA, 1997,p.43).
2
Sem dúvida, o problema da complexidade conceitual foi um das razões da difícil classificação do termo
haja vista o que ocorreu com Benedetto Croce que ,a princípio, advoga o retorno ao uso pejorativo do
termo barroco e o nega ao ponto de afirmar que a “a arte nunca é barroca e o barroco nunca é arte” , ainda
preso ao sentido negativo e pejorativo do barroco. Em 1929, dava-se por vencido usando-o como etiqueta
para toda a Itália seiscentista . Ler a esse respeito: Storia della Età barroca in Itália: pensiero, poesia e
letteratura, vita morale. Bari: Giuseppe Laterza & Figli, 1929. p.37.
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A História da Literatura representa os estilos de época como sistemas que
possuem limites geográficos e temporais. Evidentemente que o texto literário barroco
não pode ser separado do seu contexto de produção. Em outras palavras, o contexto
fornece as normas a partir das quais se delimita o que é texto, torna-se parte constitutiva
deste. O autor produz dentro desse contexto e o leitor lê a obra dentro de um quadro de
referências ideológicas.
Mas para que possamos entender a extensão do fenômeno cultural barroco,
devemos relembrar as origens desse conceito. Conforme Pereira (apud Ávila,
1997,p.160) no século XIII, a palavra designava ourivesaria mas o barroco também
aparecia como uma das formas mnemônicas através das quais se fixavam as
modalidades do silogismo:
Contudo, autores como René Wellek (1963,p.71) nos esclarecem que o estilo
barroco surge no contexto da Contra-reforma, mais precisamente no século XVI em
diante ,ocasião em que o eixo territorial do catolicismo se vai nitidamente desviando na
direção dos trópicos, ampliando não apenas os domínios da Igreja Católica mas
enaltecendo a imagem das monarquias, sobretudo, em suas colônias no Novo Mundo.
René Wellek lembra que o termo barroco é aplicado à várias artes como: a arquitetura,
escultura, pintura, literatura, mas também à musica.
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espírito e a mentalidade portuguesa entre nós. A época barroca no Brasil, no dizer de
José Aderaldo Castello, “sempre em correspondência” com a literatura portuguesa data
de 1601-1768:
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Na literatura portuguesa, barrocos são Francisco de Portugal, Violante
do Céu, Madalena da Glória, Antonio Álvares Soares, Brás Garcia de
Mascarenhas, Botelho de Carvalho, Jacinto Freire de Andrade,
Manuel de Gallego, Paulo Gonçalves de Andrada, Jerônimo Baía,
Antonio Barbosa Bacelar, Fr. Antonio das Chagas, Botelho de
Oliveira, Gregório de Matos, e muitos outros inéditos ou anônimos –
até àquele Francisco de Pina e Melo.(PIRES,2001:39)
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Brasileira Colonial à luz do conceito de barroco conferiu autonomia à Literatura
Brasileira em relação à Literatura Portuguesa 3:
3
A literatura de ficção era escassa nesta época mas o exemplar que a representa pertence ao Barroco: o
Peregrino da América.
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É justamente Affonso Ávila (1997, p10) e autores como Otto Maria Carpeaux,
Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Benedito Nunes que no final da década de 60
fazem um balanço crítico sobre a literatura do seiscentos/setecentos através da criação
da revista Barroco4 onde apontam o fenômeno cultural barroco como fazendo parte do
nosso processo civilizatório presente em diversas manifestações culturais:
4
A criação da revista Barroco, cujo primeiro número foi lançado em 1969, constituiu uma decorrência
das preocupações de todos esses intelectuais da retomada de balanço crítico das artes e literatura do
seiscentos/setecentos.
5
Vale mencionar ainda o nome de Leonardo Acosta, estudioso do barroco no quadro das Américas.
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local uma vez que há nesse processo de transferência cultural um choque de culturas
fazendo que as teorias transferidas de um território a outro se desenvolvam
diferentemente.
O interesse atual pelo conceito se justifica certamente porque o processo de
colonização da América Portuguesa, assim como da América Latina 6, foi barroco, o
conceito ajuda a explicar o nosso processo de formação como povo e como nação e a
entender os rumos tomados pela nossa literatura dentro desse amplo processo de
transferência cultural.
Alexandre Fernandes Corrêa vai mais longe, ele aponta a expressão popular
barroca como símbolo da nossa modernidade:
6
Para Janice Theodoro, o processo de colonização da América Latina é barroco. Ler a esse propósito:
THEODORO, Janice. América barroca: temas e variações. São Paulo: Ed. Nova Fronteira, 1992.
7
As obras de autores como Euclides da Cunha e Jorge Amado expressam a nossa linguagem híbrida, o
português do Brasil, são a marca da sobrevivência de uma escritura barroca em nossa Literatura. Podemos
citar alguns exemplos: O segundo Fausto de Goethe é uma das obras mais barrocas de todas as
literaturas; as Iluminações de Rimbaud, como obra-prima da poesia barroca, os cantos de Maldoror de
Lautréamont,e a inesquecível prosa de Marcel Proust como prosa barroca, sem nos esquecermos de
Shakespeare em seu ser ou não ser, uma obra que traz a angústia sem fim e o vazio fundamental que nos
funda como seres humanos.
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leitura cruzada, pontos de identificação e as especificidades teóricos-críticos do barroco
português e brasileiro.
Ao convocarmos essa complexa e controversa polifonia de vozes críticas a
enunciar o seu próprio discurso crítico sobre o Barroco, vale lembrar a observação de
Maria Lucília Gonçalves Pires :“de que o discurso crítico sobre Literatura, exatamente
por ser crítico, não é um discurso irrevogável; sendo formulado acerca de um discurso
artístico – o literário- que é, por natureza, plurissignificativo e semanticamente instável,
o discurso crítico é sempre um discurso relativo e superável”. (PIRES, 1996:7).
Em sendo assim, no tocante à história da literatura, o estilo literário barroco é
um fenômeno estilístico atemporal que transgride as fronteiras espaciais e temporais,
que não se restringe aos autores do século XVII, como proclama o senso comum, mas
se verifica como uma constante humana 9. O barroco é uma criação/recriação que
floresce nas obras de autores da literatura universal de todos os tempos. O Século XVII
apenas inaugurou uma tradição literária criativa que vem se perpetuando ao longo dos
séculos.
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
9
Esta foi a tese defendida por Eugene d´Ors em seu livro famoso livro O barroco. Trad. de Luís Alves da
Costa. Lisboa: Vega, 1990.
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CAMPOS, Augusto. Morte e vida da vanguarda: a questão do novo. IN: 30
Anos/Semana Nacional de Poesia de Vanguarda -1963/93. Belo Horizonte: Prefeitura
Municipal/SMC, 1993, p.65.
D’ORS, Eugenio. O barroco. Trad. de Luís Alves da Costa. Lisboa: Vega, 1990
[1935].
PIRES, Maria Lucília Gonçalves & CARVALHO, José Adriano. História crítica da
literatura portuguesa [Maneirismo e Barroco]. Lisboa:Verbo, 2001.
THEODORO, Janice. América barroca: temas e variações. São Paulo: Ed. Nova
Fronteira, 1992.
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WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da história da arte. 4. ed. Trad. de
João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
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