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Alexandra Carvalho

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ALEXANDRA MARIA DE CARVALHO

PÓS-MODERNISMO: PASSADO OU PRESENTE

Dissertação apresentada para a obtenção do


Grau de Mestre em Urbanismo no Curso de
Mestrado em Urbanismo, conferido pela
Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias.

Orientador: Professora Doutora Arquitecta Ana Paula Parreira Correia Rainha


Co-Orientador: Professor Doutor Arquitecto José António Jacinto Vieira

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias


Departamento de Urbanismo

Lisboa
2009

1
CIDADE

Cidade, rumor e vaivém sem paz nas ruas,


ó vida suja, hóstil, inultilmente gasta,
saber que existe o mar e as praias nuas,
montanhas sem nome e planícies mais vastas
que mais vasto desejo,
e eu estou em ti fechada e apenas vejo
os muros e as paredes, e não vejo
nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida


E que arrastas pelas sombras das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

2
DEDICATÓRIA

À minha mãe
pelo incentivo, confiança e muita compreenção.

À minha irmã Cristina


por ser o meu Norte.

E aos meus avós maternos, embora ausentes


estão sempre presentes.

3
AGRADECIMENTOS

Aos professores e amigos Ana Paula Rainha e José António Vieira,


pela ajuda, estímulo, compreenção, disponibilidade e cumplicidade,
pelas conversas sobre este e outros assuntos,
e sobretudo pela amizade.

Aos amigos, Joana Sennfelt, Pedro Faria, Miguel Cardoso,


Gonçalo Carvalho, Isaura Lima, João Vasconcelos,
Carlos Matoso e Afonso de Menezes,
pela palavra de incentivo.

Aos amigos Fernando Santos e Diogo Mendonça,


pelos desabafos.

À Rosário Ribeiro e à minha irmã Cristina


pelo apoio gráfico.

Ao Mário Carvalho pelo apoio informático.

OBRIGADA!

4
RESUMO

Dos anos trinta aos nossos dias, dois movimentos se subrepôem a outras formas de
pensar o Urbanismo - o Movimento Moderno (dos anos trinta aos anos cinquenta/sessenta)
e o Movimento Pós-Moderno (dos anos sessenta aos nossos dias).
O primeiro movimento, o Movimento Moderno acenta em princípios como: o zonamento e o
funcionalismo.
Este movimento foi fortemente contestado em termos teóricos, na década de cinquenta, por
Fierre Francastel, entre outros.
O segundo movimento, o Movimento Pós-Moderno, acenta nos princípios Neoclássicos, nos
quais o homem está no centro do universo.
Tratadistas como Rob Krier e Aldo Rossi, continuam ainda hoje a validar o acto de desenhar
a cidade segundo estes princípios.
Apesar de muito condestada e críticada a Carta de Atenas abriu todas as portas ao
Urbanismo Contemporâneo, facto que, decorridos quase oitenta anos, justifica a razão do
seu interesse. Esperemos que a Nova Carta de Atenas venha a ter idêntica importância.

Palavras-chave: Movimento Moderno, Pós-Modernismo, Carta de Atenas, Nova Carta de


Atenas, Cidades Sustentáveis

5
ABSTRACT

From 30th decade to our times, two movements overlapped to other ways of thinking
the Urbanism - Modern Movement (from the 30th to the 50th / 70th decades) and the Post
Modern Movement ( from 70th until know).
The first movement, the Modern Movement has as the principal basis: zoning and
functionalism.
This movement was theoretically strongly contested in the 50th decade, by Fierre Francastel,
among other ones.
The second movement, the Post Modern Movement which is based on the Neoclassic Ideas
where man is in the center of the Universe.
Authors of treatises as Rob Krier and Aldo Rossi, are still designing the city according to
these principles.
Despite of the contentment and criticism, the Athens Letter opened all the doors to
Contemporaneous Urbanism. Almost eighty years later it is still actual and justifies its
interest.
We hope that the new Athens Letter will have similar importance.

Key-Words: Modern Movement, Post-Modernism, Athens Letter, New Athens Letter,


Sustainable Cities.

6
ÍNDICE

ÍNDICE.......................................................................................................................... 7

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES......................................................................................... 9

INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 14

METODOLOGIA........................................................................................................... 15

PLANO DE TRABALHO............................................................................................... 15

1 – O INÍCIO DO PLANEAMENTO URBANO MODERNO (1890-1940)……………… 18


1.1 – A Revolução Industrial……………………………………………………………… 18
1.2 – Ebenezer Howard e as Cidades-Jardim………………………………………….. 21
1.3 – Críticas às Cidades-Jardim …………………………………………..................... 31

2 – O MOVIMENTO MODERNO…………………………………………………………… 35
2.1 – Os Primeiros CIAM………………………………………………………………….. 35
2.1.1 – A Dissolução dos CIAM…………...………………………………………… 38
2.2 – A Carta de Atenas…………………………...……………………………………… 39
2.2.2 – Críticas à Carta de Atenas…………………......…………………………… 49

3 – DO PÓS-MODERNISMO À NOVA CARTA DE ATENAS…………….…….……… 53


3.1 - Os Anos 60-70 – Pós-Guerra ..………………….……………………………….… 53
3.2 - Rob Krier e o Espaço Urbano……………………………...…...………………….. 61
3.3 - Aldo Rossi e a Arquitectura da Cidade…………………….....…………………... 81
3.4 - Introdução à Nova Carta de Atenas………………………...………………..……. 90
3.4.1 – A Nova Carta de Atenas, 1998………………………..………………….… 91
3.4.2 – As Dez Recomendações da Nova Carta de Atenas ……………….…….. 99
3.5 – A Nova Carta de Atenas, 2003……………………………………..……………… 103
3.5.1 – Questões e Desafios da Nova Carta de Atenas……………………..……. 110

7
3.5.2 – Os Compromissos dos Urbanistas………………………..………………... 115
3.6 – Conclusão………………………………...………………………………………….. 118

4 – ESTUDO SOBRE A MOBILIDADE URBANA……………………………………….. 119


4.1 – Mobilidade Urbana na Europa……………………………………………………... 119
4.2 – Mobilidade Urbana em Portugal…………………………………………………… 125
4.3 – Conclusão……………………………………………………………………………. 129

CONCLUSÕES………………………………………………………………………………. 131

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………………… 133

ANEXOS……………………………………………………………………………………… I

8
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Expansão de Londres, entre 1784 e 1939 (Binário nº63, p.7)


…………………………………………………………………...……..…………… 19

Figura 2 . Ebenezer Howard: Diagrama do correcto crescimento de uma Cidade-Jardim


(Goitia, 1992, p.163)
……………………………………………………………………………..……...… 22

Figura 3. Esquema dos 3 hímenes, segundo Ebenezer Howard (Biermann, 2003, p.669)
…………………………………………………………………...………………..… 23

Figura 4. Ebenezer Howard: Divisão funcional e estrutural da Cidade-Jardim (Goitia,


1992, p.162)
………………………………………………………………...………………..…… 24

Figura 5. Ebenezer Howard: Diagrama esquemático (Biermann, 2003, p.671)


………………………………………………………………...………………..…… 25

Figura 6. Plano da Cidade-Jardim de Letchworth (Goitia, 1992, p.162)


………………………………………………………………...………………..…… 27

Figura 7. Cidade-Jardim de Letchworth. Vista Aérea em 1960 (Lamas, 2004, p.313)


………………………………………………………………...………………..…… 28

Figura 8. Perspectiva do centro urbano da Cidade-Jardim de Welwyn (Goitia, 1992,


p.27)
………………………………………………………………...………………..…… 29

Figura 9. Plano da segunda Cidade-Jardim - Welwyn, 1920 (Goitia, 1992, p.26)


………………………………………………………………......……………..…… 30

Figura 10. Imagem de uma cidade projectada segundo os parâmetros de uma Cidade-
Jardim (Binário nº63, p.18)
………………………………………………..………………...………………..…… 34

9
Figura 11. Foto do primeiro CIAM, 1928 (Hasan, 1999, p.37)
………………………………………………..………………...………………..…… 37

Figura 12. Plano de Chandigarh (Benévolo, 2004, p.493)


………………………………………………..………………...………………..…… 41

Figura 13. Esquiços de Le Corbusier (Lamas, 2004, p.357)


………………………………………………..………………...………………..…… 43

Figura 14. Le Corbusier: «La Ville Radieuse», 1935 (Biermann, 2003, p.713)
………………………………………………..………………...………………..…… 45

Figura 15. Le Corbusier: «Plan Voisin» (Biermann, 2003, p.711)


………………………………………………..………………...………………..…… 46

Figura 16. Le Corbusier: «Plan Voisin», Paris (1922-1929) (Biermann, 2003, p.711)
………………………………………………..………………...………………..…… 46

Figura 17. Esquema/Esquiço de uma Unidade Habitacional por Le Corbusier (Benévolo,


2004, p.433)
………………………………………………..………………...………………..…… 47

Figura 18. Proposta/Esquiço de Le Corbusier, 1915 (Biermann, 2003, p.711)


………………………………………………..………………...………………..…… 48

Figura 19. «La Ville Radieuse», Le Corbusier (tinta e aguarela, 1930) (Hassen, 1999, p.35)
………………………………………………..………………...………………..…… 52

Figura 20. Sarcelles. Grand ensemble da região de Paris. Vista do 15º andar de uma torre,
1966 (Lamas, 2007, p.393)
………………………………………………..………………...………………..…… 55

Figura 21. Minoru Yamasaki, edifício “Pruitt Igoe”, em Saint-Louis (1952-1955) (Biermann,
2003, p.805)
………………………………………………..………………...………………..…… 60

10
Figura 22. Verona, Piazza delle Erbe e Piazza dei Signori (Biermann, 2003, p.664)
………………………………………………..………………...………………..…… 62

Figura 23. Florença, Piazza S. Maria Novella (Biermann, 2003, p.664)


………………………………………………..………………...………………..…… 62

Figura 24. Planta da Cidade de Ringstrasse, Viena (Biermann, 2003, p.667)


………………………………………………..………………...………………..…… 63

Figura 25. Projecto para a praça em frente da Votivkirch, Viena (Biermann,2003, p.667)
………………………………………………..………………...………………..…… 63

Figura 26. Esquiços de Rob Krier (Krier, 1991, p.163)


………………………………………………..………………...………………..…… 65

Figura 27. Tipos de espaços urbanos e suas combinações, estudos de Rob Krier (Krier,
1991, p.44)
………………………………………………..………………...………………..…… 66

Figura 28. Rob Krier: Estudos morfológicos do espaço urbano, (Krier, 1991, p.76)
………………………………………………..………………...………………..…… 67

Figura 29. Estudos de praças e suas variações, esquiços de Rob Krier (Krier, 1991, p.73)
………………………………………………..………………...………………..…… 68

Figura 30. Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rob Krier (Krier, 1991,
p.78)
………………………………………………..………………...………………..…… 69

Figura 31. Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rob Krier (Krier, 1991,
p.74)
………………………………………………..………………...………………..…… 70

Figura 32. Processo de transformação de um tipo de espaço existente, estudo de Rob


Krier (Krier, 1985, p.25)
………………………………………………..………………...………………..…… 72

11
Figura 33. Estudo de vazios/cheios. Planos de Amiens e Stuttgart, segundo Rob Krier
(Krier, 2003, p.13,15)
………………………………………………..………………...………………..…… 73

Figura 34. Rob Krier: Plano para a reconstrução do quarteirão no centro de Amiens,
França (Krier, 1993, p.85)
………………………………………………..………………...………………..…… 74

Figura 35. Imagem do centro da cidade de Amiens, antes da Segunda Guerra Mundial
(Krier, 2003, p138)
………………………………………………..………………...………………..…… 75

Figura 36. Rob Krier: Proposta seleccionada para o reordenamento do centro de Amiens,
(concurso) – 1984, (Krier, 1993, p.86)
………………………………………………..………………...………………..…… 75

Figura 37. Esquiços de Rob Krier para o projecto Stuttgart (Krier, 2003, p.172)
………………………………………………..………………...………………..…… 76

Figura 38. Fases do desenvolvimento urbano de Stuttgart, (século XIV e XIX) (Krier,
2003, p.172)
………………………………………………..………………...………………..…… 77

Figura 39. Rob Krier: Planta do centro de Stuttgart (Krier, 2003, p.129)
………………………………………………..………………...………………..…… 78

Figura 40. Proposta para a reconstrução das áreas urbanas destruídas em Stuttgart (Krier,
2003, p.102)
………………………………………………..………………...………………..…… 78

Figura 41. Proposta de Rob Krier para o centro de Stuttgart (Krier, 2003, p.104)
………………………………………………..………………...………………..…… 79

12
Figura 42. Aldo Rossi: Concurso para o Centro Direccional de Turim, 1962
Concurso para o Complexo Residencial de São Rocco, em Monza, 1966
(Lamas, 2004, p.425)
………………………………………………..………………...………………..…… 88

Figura 43. Aumento do cemitério San Cataldo em Modena (1971-1984), (Biermann, 2003,
p.786)
………………………………………………..………………...………………..…… 89

Figura 44. Hotel II Palazzo em Fukuoka (Biermann, 2003, p.783)


………………………………………………..………………...………………..…… 89

13
INTRODUÇÃO

O objectivo do tema que se propõe desenvolver pretende concluir que passados


sessenta e cinco anos, os princípios Pós-Modernistas continuam na ordem do dia. Não se
pretende contudo, um estudo exaustivo de todo o conhecimento que se produziu até hoje
sobre o assunto, mas somente compreender a Carta de Atenas como um dos documentos
mais emblemáticos e paradigmáticos do Urbanismo Moderno, irá encontrar um contraponto
nas teorias Pós-Modernistas, teorias que se revisaram, como se pretende demonstrar na
Nova Carta de Atenas.
Para melhor se compreender o objectivo desta dissertação, recuaremos no tempo e vamos
até às origens da urbanística moderna dos finais do século XIX, princípios do século XX
com as Cidades-Jardim de Ebenezer Howard.

Entende-se por Movimento Moderno, e assim será tratado o termo nesta dissertação,
a Arquitectura e o Urbanismo pensados dentro do racionalismo próprio da vanguarda
artística do final do século XIX e principalmente no início do século XX, especialmente com
os Congressos denominados por CIAM, no qual se destaca Le Corbusier, como figura
principal do IV CIAM. Suas actuações, teorias, produções e escritos, de forma pioneiras
marcaram – como veremos – uma mudança significativa no olhar para o Urbanismo
baseado em linhas gerais na universalização das necessidades, no funcionalismo e
racionalismo, na produção de cidades para um homem-tipo.

O Pós-Modernismo é considerado, aqui, como o movimento crítico ao Movimento


Moderno. Destaca-se uma análise de algumas obras literárias fundamentais à crítica ao
funcionalismo e racionalismo. «El Espacio Urbano», (1985) de Rob Krier, seguido pelo «A
Arquitectura da Cidade», (1966) de Aldo Rossi, surgem aqui como obras de reflexão
principais para a temática em estudo.

A pesquisa procura também compreender de que forma as teorias são tão distintas
da Cidade Moderna e da Pós-Modernista – como se comportam no tecido urbano,
evidênciando suas diferenças.

14
Pretende-se demonstrar que a boa qualidade dos espaços urbanos e a produção
urbana ao nível do desenho urbano de hoje continuam assentes nos princípios do Pós-
Modernismo que Caniggia preconizou como mentor do movimento «La Tendenza» e que
fizeram escola até hoje.

A escolha deste tema, deve-se ao facto de ter observado que deste o início do Pós-
Modernismo até aos nossos dias, as teorias urbanísticas evoluiram apenas em termos de
novos paradigmas. Os novos conceitos não se afastam muito das teorias Pós-Modernistas,
apenas se complementam e continuam actuais.

METODOLOGIA

Não se pretende uma descrição exaustiva de todos os aspectos e autores que


caracterizam este período. Seleccionam-se obras de alguns autores considerados
relevantes, quer no plano conceptual, quer pela construção de um cenário dinâmico de
desenhar a cidade.

É na base desta análise que se irá proceder à crítica do Movimento Moderno e Pós-
Moderno. Seleccionaram-se igualmente alguns documentos, nomeadamente a Nova Carta
de Atenas que irão comprovar que os princípios do Pós–Modernismo continuam na ordem
do dia.

PLANO DE TRABALHO

A investigação estruturou-se basicamente em quatro vertentes, divididas de acordo


com os assuntos abordados nos diferentes capítulos que a compõe.
A primeira vertente, consiste num resumo histórico das Cidades-Jardim de Edward
Ebenezer, para tal utilizou-se documentos bibliográficos que descrevem a história das
Cidades-Jardim e suas respectivas críticas.
A segunda vertente, centra-se no que se pode chamar de bases teóricas, consiste
numa reflexão sobre os princípios do Movimento Moderno e igualmente as críticas que o
seguiram, dominadas aqui como Pós-Modernismo.
A terceira vertente centra-se igualmente na pesquisa histórica e bibliográfica,
descreve os princípios do Pós-Modernismo e da Nova Carta de Atenas. Com o objectivo de

15
descrever os princípios do Pós-Modernismo, aborta-se a temática segundo a visão de
alguns autores que tiveram um papel importante na história do Urbanismo.
A quarta e última vertente, é a análise prática de um caso de estudo, sobre a
Mobilidade Urbana.

Tendo como objectivo uma conclusão que procura comprovar que os princípios do
Pós–Modernismo continuam na ordem do dia, descreve-se a história do Urbanismo desde
dos finais do século XIX até à actualidade.
Desenvolve-se um plano de trabalho que procura identificar os pontos que parecem
fundamentais para o entendimento desse propósito. Assim divide-se o trabalho em duas
partes com quatro capítulos. A primeira parte constituída pelos capítulos 1, 2 e 3 refere-se
ao enquadramento teórico da investigação, a segunda parte constituída pelo capítulo 4,
refere-se à aplicação prática dos conceitos e princípios apresentados na primeira parte,
mais concretamente no capítulo 3.
Assim:

O capítulo 1, denominado como «O Início do Planeamento Urbano Moderno»,


descreve o início do planeamento urbano moderno (1890-1940). A problemática das cidades
após a Revolução Industrial e o aparecimento do novo modelo de cidade – a Cidade-Jardim.
Considera-se uma abordagem fundamental este período para se compreender o
enquadramento teórico que levou à ruptura deste modelo e ao aparecimento do Movimento
Moderno.

O capítulo 2, denominado como «O Movimento Moderno», descreve-se o


aparecimento e o percurso dos CIAM, de forma a ilustrar os princípios geradores da Cidade
Moderna e que culmina com as críticas e extinção deste. Faz-se uma análise crítica à Carta
de Atenas e à Cidade Moderna. Esta abordagem é fundamental para se compreender a
Carta de Atenas o seu enquadramento teórico que levou à ruptura da cidade dos CIAM e
entender o início de um novo processo de repensar a cidade – o Pós-Modernismo.

O capítulo 3, denominado como «Do Pós-Modernismo à Nova Carta de Atenas»,


descreve-se o aparecimento do Pós-Modernismo como crítica ao Movimento Moderno.
Estudam-se algumas obras consideradas importantes e significativas para a organização de
um quadro teórico, tendo em conta um fácil entendimento da produção teórica e prática dos
anos sessenta e setenta.

16
Descreve-se também os princípios da Nova Carta de Atenas de 1998 e 2003, comparando-a
com a Carta de Atenas de 1933. Esta comparação é fundamental para compreender como
passados mais de sessenta e cinco anos os princípios da Carta de Atenas e do Pós-
Modernismo continuam na ordem do dia.

O capítulo 4, denominado como «Estudo Sobre a Mobilidade Urbana», debruça-se


sobre um estudo analítico sobre a Mobilidade Urbana ao nível Europeu e Nacional,
evidênciando as princípais diferenças e semelhanças entre as várias cidades apresentadas.

Esta dissertação termina com a Bibliografia – Referências Bibliográficas e Bibliografia


Geral.

17
CAPÍTULO 1
O Início do Planeamento Urbano Moderno (1890-1940)

1.1 A Revolução Industrial

Uma modificação fundamental que as cidades sofreram nos tempos modernos foi
ocasionada por uma complexa série de acontecimentos a que se tem chamado a Revolução
Industrial, embora, na realidade não tenha sido estritamente industrial, mas também uma
revolução na agricultura, nos meios de transporte e comunicação e nas ideias económicas e
sociais.1

A Revolução Industrial encontra-se estritamente ligada a dois fenómenos


demográficos: o aumento rápido e generalizado das populações registado em quase todos
os países evoluídos da Europa e da América a partir da segunda metade do século XVIII, e
o fenómeno urbano, ou seja, da emigração maciça das populações rurais para as cidades,
em busca de melhores remunerações e melhores condições de vida.

Indica-se a seguir alguns números que são, em si, bastante reveladores.


Em 1650 calcula-se que a população mundial andava por volta de 545 milhões de
indivíduos, 100 anos depois seria cerca de 728 milhões, em 1850 de 1.171 milhões, em
1900 de 1.608 milhões e finalmente de 2.400 milhões em 1950. Por onde se vê que o
número de indivíduos sobre a terra quase duplicou nos trezentos anos que medeiam 1650 e
1950, tendo passado mais do dobro só entre 1850 e 1950. (fig.1)
Este enorme incremento, que de um modo geral coincidiu com a expansão das actividades
industriais e a melhoria nas condições de habitação, higiene e alimentação, foi
particularmente acelerado a partir dos princípios do século XIX.
Os aumentos verificados revertiam quase exclusivamente a favor dos grandes centros, e de
tal modo, que a partir de certa altura e apesar do enorme incremento total, se iníciou em
alguns países o despovoamento dos campos. Toda esta massa humana constituída por
excedentes rurais em busca de trabalho e melhores condições de vida, para arranjar
acomodações para os recém-chegados alugavam as casas existentes e construíam outras

1
Goitia, Fernando, 2006

18
em todos os espaços disponíveis. A construção de casas para muitos era também feita por
industriais, geralmente construída nos terrenos em volta das fábricas, com o objectivo de
aumentar a sua dependência e ligá-los ao local de trabalho.
As condições de habitabilidade dessas casas eram, (pelo que ainda hoje podemos observar)
geralmente baixas, devido à própria vizinhança da fábrica.2

Fig. 1 – Expansão de Londres entre 1784 e 1939

Nas últimas décadas do século XIX um número de industriais fundaram cidades


modelo para os seus empregados. Embora a atitude fosse paternalista e um dos seus
principais objectivos fosse manter uma força de trabalho satisfeita e produtiva, também eram
experiências no campo da divisão por zonas e do desenho das ruas.
Por exemplo, Pullman, construída em Ilinois entre 1881 e 1885 para os trabalhadores das
oficinas dos caminhos-de-ferro, tinha áreas separadas para casas de família e apartamentos
arrendados, um grande parque público, uma arcada central de dois andares com lojas, uma
biblioteca, um teatro e um circuito ferroviário para servir as fábricas da periferia da cidade.
Port Sunlight, perto de Liverpool, e Bournville, perto de Birmingham, ambas construídas nos
anos noventa, também estavam divididas de uma forma simples em zonas e ofereciam
serviços comunitários como bibliotecas, escolas e parques. Em Easrwick, no Yorshire,
planeada por Raymond Unwin e Barry Parker na década de noventa, havia ruas ladeadas
por árvores, os primeiros «culs-de-sac» planeados, e todas as casas tinham pátios à frente
e nas traseiras. Inovações como esta cedo iriam penetrar nas práticas convencionais de
planeamento.

2
Revista “Binário nº63”, Agosto de 1958

19
Estes antecedentes do planeamento originaram em dois movimentos separados, nos finais
do século XIX: a Cidade-Bela3 e a Cidade-Jardim. Embora centrados, respectivamente, na
América e na Grã-Bretanha, faziam de facto parte de tendências internacionais mais
amplas. Os seus proponentes viajavam bastante, procurando e transmitindo ideias, pois a
sua preocupação, como a de muitos urbanistas que se lhes seguiram, era principalmente
descobrir bons modelos de planeamento, e não o carácter nacional ou local. Inicialmente,
mantinham firmemente a convicção de que as cidades boas e limpas produziriam gente boa
e defendiam reformas radicais. Estas ideias grandiosas estavam perfeitamente adequadas à
atmosfera utópica dos princípios do século.
Mas o planeamento urbano também é uma questão prática e para serem exequíveis, estes
ideais estavam, já em 1910, a ser reformulados em directrizes administrativas igualmente
aplicáveis em toda a parte. Nos anos trinta só arquitectos como Le Corbusier e Frank Lloyd
Wright, muito afastados dos problemas quotidianos do desenvolvimento urbano,
continuavam a sonhar com novas e radicais formas urbanas que poderiam resolver todos os
problemas da civilização urbana moderna de um só golpe.4

3
O movimento da Cidade-Bela nasceu durante os primeiros quinze anos do século XX e, depois gradualmente
no decurso dos quinze anos seguintes. O seu principal proponente foi Daniel Burnham. O seu objectivo para
estas cidades, era estabelecer “uma beleza que estará presente para desempenhar a sua função pura e nobre
para sempre entre nós”. Isto seria conseguido através do realinhamento das ruas, transformando-as em
avenidas largas e arborizadas, destinadas a serviços de utilidade pública. Câmaras municipais, edifícios
governamentais, teatros, bibliotecas e museus para registar o progresso da civilização humana, com estátuas e
fontes, tudo no melhor dos estilos do Renascimento Clássico, com linhas de cornija uniformes, como as usadas
em Paris de Haussmann estariam presentes nestas ruas enormes.
Apesar de toda a retórica de Burnham, este foi apenas um movimento estético caracterizado por uma espécie de
benevolente autoritarismo capitalista muito localizado. Depois da primeira onda de entusiasmo, as autoridades
municipais não tinham a apetência, nem os fundos públicos, para empreender graciosos planos directores,
sobretudo numa altura em que havia necessidades básicas de vida, de pavimentar as ruas e instalar sistemas de
esgotos.
Foi o primeiro ‘plano director’ à escala de cidade a definir pormenorizadamente como seria a cidade num
determinado ponto no futuro, estabelecendo um objectivo para o qual o desenvolvimento poderia caminhar. A
tentativa de racionalizar as transformações na forma urbana por este meio tornou-se, posteriormente, uma
prática generalizada e quase todas as cidades devem agora ter um plano director qualquer, embora desde
aproximadamente 1950 estes tenham sido tratados mais como linhas directrizes do que como resultados finais
para os quais todo o desenvolvimento deva ser orientado. Contudo não podem existir grandes dúvidas de que a
influência mais forte do planeamento urbano, nos princípios do século, foi a da Cidade-Jardim. (Relph, Edward,
1987).

4
Relph, Edward, 1987

20
1.2 Ebenezer Howard e as Cidades – Jardim

O grande responsável pela invenção da Cidade-Jardim foi Ebenezer Howard.


Conforme a definição adoptada em 1919 pela «Associação Inglesa do Urbanismo e da
Cidade-Jardim» fundada em 1899 na Inglaterra “A Cidade-Jardim é uma Cidade Industrial
projectada para a vida saudável, é uma proposta para resolver simultaneamente o
congestionamento das cidades e o isolamento da vida rural, através da combinação de
melhores qualidades da cidade e do campo em novas comunidades autónomas, rodeadas
por uma cintura verde, sendo o solo propriedade pública ou alugada pela comunidade…”
Nesta sintética afirmação de princípios encontram-se implícita ou explicitamente
afirmados três pontos que importa reter, já que neles reside o que de fundamental e original
existe na contribuição de Ebenezer Howard para o nascimento da ciência das cidades. São
eles:
• que toda a área urbana é de propriedade colectiva, podendo no entanto, ser
alugada em lotes a particulares;
• que toda a construção fica subordinada a um plano de urbanização
previamente aprovado, com a ligação harmoniosa dos elementos da vida social e
económica e se prevêem os limites máximos a atingir em área e número de habitantes;
• que aprovado o número máximo de habitantes previsto (inicialmente 30.000,
mais tarde 50.000) a cidade se desdobrará noutros aglomerados satélites, para lá da cintura
verde, onde toda a construção é proibida.

Ao contrário da maioria dos teóricos do Urbanismo, Howard não sentiu a


necessidade de uma introdução histórica para justificar as suas propostas. A sua linguagem
é a de um idealista-prático, de formação eminentemente pragmática, interessado em
resolver um problema concreto, por isso justifica-se a ausência de preocupações culturais
em função da crueza do estilo.
Grande tem sido a influência da ideia da Cidade-Jardim na evolução do Urbanismo.
A rápida popularidade das ideias de Howard deve-se principalmente às realizações de
Letchworth e Wellwyn. Estas duas cidades serviram como autênticos casos-piloto, não só
em Inglaterra como noutros países.5

O seu livro «To-morrow: A Peaceful Path», 1898, (As Cidades-Jardim do Futuro), conta-se
entre as obras mais paradigmáticas que tiveram maior influência no Urbanismo Moderno.
Howard formula pela primeira vez a proposta de alternativa e remédio para os problemas

5
Revista ‘Binário nº63’, Agosto de 1958

21
das grandes cidades, sob a forma de uma nova estrutura urbana que faria desaparecer o
antagonismo ‘cidade-campo’.

Fig. 2 – Ebenezer Howard: Diagrama do correcto crescimento de uma Cidade-Jardim

Apoiando-se na metáfora dos três hímenes, Howard faz uma dupla crítica da vida
urbana: primeiro hímen é o da vida rural; segundo hímen é o da cidade, para por fim lhes
opor, com o terceiro hímen, ‘cidade-campo’, um programa prospectivo que combine as
vantagens de ambos. O programa concretizou-se no modelo Cidade-Jardim, baseado nos
seguintes princípios imperativos: a área não deve ultrapassar 2400 hectares e a população,
32 000 habitantes; as diferentes funções, habitação, comércio, indústria, agricultura, etc.,
são rigorosamente ordenadas e dissociadas. Howard imagina uma comunidade humana
implantada num plano de zonas concêntricas. No centro localiza-se um grande jardim
circular que contém edifícios públicos e os locais de culto. Em torno dela estende-se um
vasto parque rodeado de um palácio circular de vidro, o qual chamou de ‘Palácio de Cristal’,
onde se encontram as lojas e zona comercial.
Pela cintura seguinte, repartem-se as habitações: pequenas casas individuais com jardim,
construídas num terreno de 6x30/40 metros.
Uma ‘grande avenida’, por sua vez com uma auréola concêntrica de casas medianas,
envolve o sector residencial. As fábricas, armazéns e mercados localizam-se na periferia e
estão ligados entre si tangencialmente por uma rede ferroviária electrificada. Por fim, a
Cidade-Jardim é circunscrita por uma cintura verde onde se agrupam os produtores rurais
encarregados de alimentar esta comunidade auto-suficiente.6 (figs.3-5)

6
Biermann et al., 2003

22
Fig. 3 – Esquema dos três hímenes, segundo Ebenezer Howard
As vantagens e desvantagens respectivas da vida urbana e rural, e a sua combinação, a ‘cidade-campo’ que
oferece melhores condições de vida e cujo modelo da Cidade-Jardim é a concretização.

23
Segundo Edward Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987),
Howard imagina o seu modelo de Cidade-Jardim como estando incluído num sistema
urbano muito mais vasto: este liga entre si, bem como a uma cidade central, que não deve
ultrapassar 58 000 habitantes, grupos de Cidades-Jardim, até formar uma aglomeração com
o máximo de 250 000 habitantes.
Howard apercebeu-se de que, na prática, a ordem e a forma destes elementos
teriam de ser adaptados a um local específico. Ao fazê-lo era importante que a cidade fosse
planeada como um todo e exprimiu esta ideia através de uma analogia botânica; “Uma
cidade, tal como uma flor, ou uma árvore, ou um animal, deve, em cada estádio do seu
desenvolvimento, possuir unidade, simetria, plenitude”. Isto exigia que houvesse um controlo
rigoroso sobre serviços como as lojas, para evitar demasiada concorrência e desperdício.
Significava também que, quando a Cidade-Jardim atingisse uma população de 32 000
habitantes, o futuro crescimento seria acomodado através do desenvolvimento de uma nova
Cidade-Jardim autónoma noutro lugar. E assim sucessivamente, até que o modelo inteiro
das cidades existentes e dos campos tivessem sido reconstruídos.

Fig. 4 – Ebenezer Howard: Divisão funcional e estrutural da Cidade-Jardim


O jardim central com os edifícios públicos, o Palácio de Cristal e as suas lojas, o sector residencial, as fábricas e
as empresas artesanais assim como o caminho-de-ferro circular.

24
Fig. 5 – Ebenezer Howard: Diagrama esquemático
Representação da dissociação funcional e estrutural da Cidade-Jardim e arredores, com
pequenos jardins, zona de produção rural, equipamentos sociais assim como caminho-de-ferro.

Pela sua estrutura, o modelo de Howard foi influenciado pela ‘Cidade Ideal’
imaginada no Renascimento, mas também na tradição do parque inglês. No entanto, a
Cidade-Jardim não é tão idílica como poderia parecer à primeira vista, pois a densidade de
construção e a concentração demográfica são relativamente elevadas. Mas Howard tem em
mente um projecto de sociedade, onde nenhuma dimensão, seja social, demográfica ou
funcional, seja iludida, e que remete para as utopias de Robert Owen (1771-1858) e de
Charles Fourier (1772-1837).
A primeira aplicação das ideias de Howard, a Cidade-Jardim de Letchworth é construída a
partir de 1903, perto de Londres, pelos arquitectos Barry Parker e Raymond Unwin,
(figs.6,7). A segunda a de Welwyn, situada também perto de Londres, foi realizada em 1919
por Louis de Soissins. (figs.8,9)
Se bem que referindo-se às teorias de Howard, não respondem verdadeiramente ao seu
programa, tanto no plano estrutural e arquitectónico como social. São mais conjuntos
residenciais formados de pavilhões onde vivem pessoas de classe média.7

Edward Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987) descreve que os
planos que Unwin e Parker desenvolveram para Letchworth incorporam a maior parte dos
traços que Howard tinha proposto, incluindo serviços comunitários.

7
Biermann et al., 2003

25
O plano de Letchworth está cuidadosamente adaptado ao local e não tem muitas
semelhanças imediatas com os diagramas das Cidades-Jardim que Howard tinha
desenhado; no entanto, a maior parte dos seus elementos encontram-se lá. Tem um grande
jardim semelhante ao «boulevard» que dá acesso aos edifícios públicos e à estação de
caminhos-de-ferro, tem uma arcada comercial tipo ‘Palácio Cristal’ com pequenos vidros; a
indústria situa-se na periferia da cidade e há uma cintura de verde agrícola.

O que Unwin e Parker fizeram para Letchworth foi dar às ideias de Howard uma
expressão que era totalmente não ameaçadora e que tinha sido artisticamente desenhada
para evocar o típico pitoresco das vilas rurais inglesas. A Cidade-Jardim teria um ambiente
dominado por superfícies arborizadas, plantadas e ajardinadas que permitiriam o máximo
acesso visual e físico a todos os espaços. Mas Unwin continua a morfologia tradicional,
introduzindo-lhe alterações que abrem novas pistas e preparam algumas ideias modernas.
Antecipando a unidade de vizinhança, Unwin procura construir pequenas comunidades
humanas, pesquisando novas tipologias urbanas como o ‘close’, ou o impasse - equipamento
de edifícios que envolvem um terminal que parte da rua.
Este sistema obriga à abertura do interior do quarteirão ‘reinterpretando’ o pátio
como espaço de convivência e estrutura de construções que o envolvem. As práticas sociais
e algumas funções da rua como local de convívio e de acesso aos edifícios deslocam-se
para o impasse. A rua vai tornar-se apenas o lugar de circulação.
O impasse ou o ‘close’ cria uma categoria intermédia entre o espaço público da rua e o
espaço privado da habitação, oferecendo um espaço semi-público para as relações sociais
de vizinhança. O antigo beco adquire uma significação nobre no acesso às casas, dando
tranquilidade ao lugar. As habitações deixam de contactar com a rua barulhenta e
buliçosa. O quarteirão perde a forma fechada e compacta com a criação de impasses
interiores, por economia de terreno e na sua bordadura vão ainda surgir casas unifamiliares
que se implantam sobre a rua.
A importância de Letchworth reside no facto de ter dado forma física à visão de
Howard para uma nova ordem social, mas foi no projecto seguinte, em 1905, para o plano
de Hampstead Garden Suburb que a influência da Cidade-Jardim se alargou e se alastrou
muito mais longe. Os resultados da experiência de Letchworth seriam publicados por
Raymond Unwin no livro «Town Planning in Practise», que se tornaria em verdadeiro
manual de composição urbana e cuja divulgação em muito contribuiu para a teorização do
desenho urbano e para a divulgação das próprias ideias da Cidade-Jardim8.

8
Lamas, José, 2004

26
Fig. 6 – Plano da Cidade-Jardim de Letchworth
Uma das Cidades-Jardim inglesas construídas segundo os princípios de Ebenezer Howard

27
Fig. 7 – Cidade-Jardim de Letchworth. Vista Aérea em 1960
Arq. Louis de Soissons

28
O resultado foi Welwyn Garden City, 1919, cujo desenho - da autoria de Louis de
Soissons - está muito perto do de Letchworth, mas o desenho dos vários grupos de casas
têm uma ênfase arquitectónica mais forte, que reflectem os avanços conceptuais usados em
Hampstead.
As numerosas experiências de Cidade-Jardim, ou bairros residenciais de baixa densidade,
projectados seguindo os modelos de Unwin farão evoluir as experiências de Letchworth,
Hampstead e Welwyn.9

Se o modelo de Cidade–Jardim não consegue de facto impor-se, no entanto inspirará


muitas ideias em matéria do Urbanismo e de política de ordenamento urbano no século XX.
O mérito de Howard foi ter sido o primeiro a compreender que o desenvolvimento urbano da
cidade é solidário com o do campo. É certo que o crescimento das cidades prosseguiu, e a
descentralização das indústrias, reclamada por Howard, foi feita por si mesma, mas muitos
arquitectos urbanistas foram ‘beber’ a Howard como Frank Loyd Wright, com a sua ‘Cidade
– Território’.
Em 1946, o seu antigo colaborador, Frederic J. Osborn, reeditou a sua obra,
actualizando-a. Depois de ter inspirado em 1944 os Planos de Ordenamento da Grande
Londres e Manchester, as teorias de Howard são a matriz de onde saíram as cidades novas
inglesas, construídas a partir de 1946, e as novas cidades-satélite na Alemanha do Pós
Segunda Guerra Mundial.10

Fig. 8 – Perspectiva do centro urbano da Cidade-Jardim de Welwyn

9
Lamas, José, 2004
10
Biermann et al., 2003

29
Fig. 9 – Plano da segunda Cidade-Jardim - Welwyn, 1920
Planeada para 40.000 a 50.000 habitantes, a cidade encontra-se dividida em quatro partes.
1 – Área Habitacional (dois terços da superfície urbana)
2 – Área Comercial
3 – Área Industrial
4 – Caminho-de-ferro
5 – Espaços Verdes e Agrícolas

30
1.3 Críticas à Cidade-Jardim

Como é natural, a maioria das críticas à Cidade-Jardim diz mais respeito aos
exemplos construídos do que às ideias-base inicialmente expostas por ‘Sir’ Ebenezer
Howard, embora esses exemplos se afastem em muitos pontos, do que ele tinha proposto
ou apresentem características específicas que são o produto da concepção urbana e
arquitectónica dos realizadores locais, de limitações várias de ordem económica e
administrativa, e até da evolução sofrida pelo Urbanismo ao longo do século.

Há no entanto um certo número de objecções que põe em causa a própria essência


do seu pensamento e às quais vale a pena referir. A primeira, muitas vezes repetida, diz
respeito às grandes deslocações populacionais derivadas da criação de novas cidades.
Alguns críticos, que têm acentuado este problema, afirmam que a grande maioria das
populações urbanas prefere viver nos seus bairros congestionados e insalubres a deslocar-
se para um novo meio, mesmo quando daí resulte melhoria sensível da sua forma de viver.
Indivíduos habitando toda a sua vida num dado bairro, próximo dos parentes, num meio
físico a que se sentem ligados pelas relações criadas e pelo hábito, mostram repulsa em
acompanhar a fábrica, quando esta é deslocada para um outro local, por razões sanitárias
ou necessidade de expansão. E, claro está, o que se diz da população de um bairro poderá
ser repetido para os habitantes que qualquer outro local.
A segunda acusação levantada contra a Cidade-Jardim, e especialmente contra as
cidades-satélites de Londres do pós-guerra, refere-se ao que se afirma ser o carácter ‘não-
urbano’11 desses exemplos, mais semelhantes a grandes subúrbios do que a verdadeiras
cidades, tanto do ponto de vista da concepção arquitectónica e do espaço urbano como da
vida social e das actividades culturais e artísticas.

11
As razões dessa ausência de carácter urbano são imputáveis aos baixos índices de ocupação demográfica
previstos e à concepção dos urbanistas autores dos projectos. No entanto, não é possível deixar de concluir que
a própria essência da Cidade-Jardim, particularmente o limite imposto à sua expansão demográfica conduz a
este resultado. De resto, uma das intenções confessadas de Howard ao prever esse limite e a proximidade
imediata da cintura verde de protecção consistia em eliminar através do contacto fácil o abismo que se criara
entre as formas de viver rural e urbana. Objectivo em si muito discutível, e que hoje se encontra no centro da
polémica internacional em torno do destino da cidade. (Revista, «Binário nº63», Agosto de 1958).

31
Ainda outras de menor importância foram proferidas pelo arquitecto e urbanista
Graem Shankland, no seu trabalho «A Crise do Urbanismo e o Futuro das Nossas
Cidades».
“O pensamento dos urbanistas ingleses – afirmou Shankland, continua obcecado pelo
fantasma do ‘Sir’ Ebenezer Howard. Seria disparate negar o valor e os êxitos do movimento
da Cidade-Jardim em Inglaterra, mas penso que chegou a altura de enterrar o fantasma de
‘Sir’ Ebenezer”. De facto, é que G. Shankland fez, foi justamente negar a validade actual da
Cidade-Jardim, pelo menos tal como ela tem sido interpretada.
“Antes de se pensar em fundar novas cidades-satélites em Londres dever-se-ia tentar dar
vida ao que fica para cá do «green-belt», reanimar os intensos dormitórios sem vida e sem
carácter que constituem parte do território de Londres. Como? Perguntar-se-á.
Shankland responde: “Por um lado criando aí espaço para novas indústrias, capazes de
absorverem uma parte da população local; por outro, projectando novos centros sociais e
comerciais, promovendo ao mesmo tempo a construção de edifícios mais altos e o aumento
das densidades, de forma a emprestar carácter urbano aos incaracterísticos subúrbios
actuais. Prevendo que a larga percentagem da população possa continuar a seguir
diariamente para os seus empregos na City”. Acrescenta: “Os engenheiros dos caminhos-
de- ferro gabam-se de serem capazes de melhorar os transportes de forma a fazer escoar
rapidamente as maiores concentrações humanas, mesmo nas horas de ponta. Por que não
lhes dar a oportunidade de provar o que afirmam em vez de ir criar tudo de novo em novas
cidades”.
Apesar disso, Shankland, (que nestes aspectos se aproxima das concepções dos
urbanistas de Estocolmo e das antevisões de Victor Fruem) não nega por completo a
hipótese de criação de cidades-satélites. No entanto, elas deveriam ser construídas só
depois de esgotadas as possibilidades abertas por esta via. Mas, acrescenta logo a seguir,
com muito maiores densidades e número de habitantes, ponto em que, pelo que vimos,
mais uma vez se afasta do pensamento de Howard e dos seus seguidores.

Objecções de tipo diferente, que se podem chamar ideológicas, foram levantadas por
um arquitecto italiano, Carpo Dolo, numa monografia sobre Howard publicada numa revista
de Urbanismo, com o título já significativo de «Equívoco delia Cittá-Giardino». O seu
trabalho apresenta uma primeira parte notável pelo rigor histórico e pela lucidez da crítica
sociológica e política à obra de Ebenezer Howard.

32
As críticas tornam-se porém menos aceitáveis quando dizem respeito às deficiências de
Letchworth e Wellwyn. Aqui também, a ideia da Cidade-Jardim é confundida com a
realização daqueles primeiros exemplos (que o próprio Howard sabia e reconhecia serem
imperfeitos e apresentarem graves lacunas). De resto, embora Howard, como Carlo Doglio
acentua, tenha recorrido a criação de uma sociedade comercial para a construção de
Letchworth, e tenha sido mesmo o presidente da mesma nos primeiros tempos da sua
existência, tal não implica que a Cidade-Jardim, em si, tenha que ser o produto de uma
iniciativa individual dentro da orgânica capitalista.
As novas cidades construídas em Inglaterra desde o fim da guerra, que no seu
essencial consubstanciam o ideal da Cidade-Jardim, foram só possíveis pelo apoio prestado
pelo governo trabalhista ao empreendimento e pela acção coordenadora e planificadora do
estado no plano económico. A verdade, por muitos verificada, é que o planeamento urbano
ou regional é sempre difícil de elaborar e mais ainda de cumprir, nos países de economia
liberal tipo clássico. A este respeito a Cidade-Jardim não é excepção mesmo que o próprio
Howard não tenha tomado consciência do facto.

De entre as muitas críticas às novas-cidades surgidas em Inglaterra, são


particularmente de registar as de J.M. Richards. No seu trabalho intitulado «Failure of the
New Towns», (1953), (A Falência das Novas Cidades), Richards analisa o trabalho realizado
até aquela data e o interpretava dos pontos de vista social, económico e arquitectónico.
Transcrevo o parágrafo inicial e um outro em que fala de um velho equívoco ligado à
Cidade-Jardim; “É um momento triste aquele em que se é obrigado a reconhecer o fracasso
das novas cidades. Mas alguém deve candidamente fazê-lo e os políticos estão impedidos
por sentimentos de lealdade para com os administradores que as iniciaram e as mantêm e
os arquitectos e urbanistas pela lealdade a uma ideia a que não querem dar a impressão de
virar as costas por mais lamentável que seja a forma como está sendo posta em prática na
Inglaterra do pós-guerra.”
“A batalha contra a desintegração da cidade não é nova. Esse foi um dos grandes motivos
de discussão de antes da guerra entre os muitos entusiastas da Cidade-Jardim de um lado e
os arquitectos modernos de outro. Os argumentos apresentados então eram muitas vezes
confusos porque os primeiros, sem justificação, identificavam a ideia da Cidade-Jardim com
a de uma baixa ocupação do terreno (Ebenezer Howard nunca exigiu doze casas por acre)
e os últimos deixaram-se arrastar numa batalha irreal de ‘cottages’ contra blocos de
habitação colectiva, dando assim aos fanáticos da Cidade-Jardim o presente da lealdade da
maioria dos ingleses que estão pegados à ideia da moradia unifamiliar com o seu pedaço de
jardim”.

33
Gordon Cullen, no seu artigo publicado a revista «Review», (1953), também crítica a
Cidade-Jardim, sobre os aspectos sociais, paisagísticos e de arte urbana das novas
cidades, onde segundo G. Cullen afirmava, reinaria o ‘culto do isolamento’. A esse artigo
pertencem as figuras abaixo indicadas, que serviam para G. Cullen para exemplificar a falta
de carácter urbano, monotonia e frustração de vida social nas novas cidades12.

Fig. 10 - Imagem de uma cidade projectada segundo os parâmetros de uma Cidade-Jardim

12
Revista, «Binário nº63», Agosto de 1958

34
CAPÍTULO 2
O Movimento Moderno

No início do século XX, os modelos orgânicos das cidades e a Cidade-Jardim


começaram a ser questionados. Os Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna
(CIAM) e a Carta de Atenas, redigida em 1933, desenvolveram um modelo de cidade
totalmente diferente.
Tirando proveito dos avanços tecnológicos na área da construção civil, as cidades passaram
a ser construídas por conjuntos de edifícios altos rodeados de espaço público e zonas
verdes. A mobilidade seria assegurada por um conjunto de enormes avenidas.
Emerge uma cidade funcional, segregando-se os diversos usos do solo através do seu
zonamento segundo quatro princípios: habitar, trabalhar, lazer e circulação.
As habitações pretendiam-se bem ensolaradas, pelo que a sua localização e orientação dos
edifícios deveria ser de modo a maximizar a exposição solar de modo a evitar
ensombramentos.

2.1 Os Primeiros CIAM

A instituição dos CIAM, foi o princípio de um diálogo académico internacional sobre a


Arquitectura e o Urbanismo da época. Desencadeado pela suíça Hélène de Mandrot, com
Le Corbusier e Siegfrid Giedion.

O primeiro CIAM foi no castelo, em La Sarraz, perto de Lausana, estando presentes


Gropius, Le Corbusier entre outros. (fig.11)
Juntos, esses arquitectos do Movimento Moderno fizeram uma declaração,
acentuando que a construção continuava a estar mais ligada aos assuntos económicos e
políticos do que às fórmulas arquitectónicas históricas. Citam-se algumas das suas
afirmações: “A ideia de Arquitectura moderna inclui o elo entre o fenómeno da Arquitectura e
o sistema económico geral (…) o método mais eficaz de produzir é o que brota da
racionalização e estandardização (…) manifestado na redução de certas necessidades

35
individuais, para fomentar a satisfação máxima das necessidades do maior número de
pessoas…”
A Declaração de La Sarraz também revelou uma atitude radical para com o planeamento
urbano clamando por “uma ordem funcional, onde a redistribuição da terra é a base
indispensável preliminar para qualquer planeamento urbano.”
(La Sarraz Declaration, CIAM, 1928).

Cada Congresso seguinte fulcrava-se em questões específicas e,


subsequentemente, publicava um documento que registava as suas preocupações – um
conjunto de livros que constituiu um rico recurso para os alunos de Arquitectura da primeira
metade do século XX.
Os primeiros CIAM foram dominados pelos arquitectos da «Neue Sachlichkeit» e, depois,
pelos franceses, com Le Corbusier, como figura principal. As preocupações sociais da
Arquitectura, Urbanismo e alojamento, impuseram-se nos Congressos, até 1947.

O CIAM II, em Frankfurt, foi convocado em 1929 e centrou-se no problema da


habitação e padrões de vida mínimos, enquanto o terceiro congresso, 1930, em Bruxelas,
estudou os ambientes de prédios médios e altos. Também escolheu um grupo de
holandeses para instituir uma série de modelos internacionais que governassem as técnicas
gráficas empregadas pelos urbanistas – tarefa essa só totalmente acabada em 1949. Este
Congresso foi onde se aplicaram as doutrinas mais radicais e fundamentalistas.
A pressão socialista estava presente nos princípios destes CIAM: máxima rentabilidade com
máximo de eficácia e o mínimo de custos.
O CIAM IV, 1933 dedicou-se ao tema ‘A Cidade Funcional’ e originou o documento, a
Carta de Atenas.
Após o CIAM V, 1937, em Paris, a Segunda Guerra Mundial interrompeu a sucessão
dos CIAM até 1947, quando houve mudanças perceptíveis nas preocupações e atitudes dos
seus membros.13

13
Hansan, Uddin, 1999

36
Fig. 11 – Foto do primeiro CIAM, 1928

37
2.1.1 A Dissolução dos CIAM

A Segunda Guerra Mundial interrompeu a sequência dos CIAM, terminando a


primeira fase da sua existência. O primeiro encontro após a Segunda Guerra Mundial, o
CIAM, foi em Bridgewater, Inglaterra, em 1947, é marcado por mudanças perceptíveis nas
preocupações e atitudes dos membros. O materialismo prático, que havia caracterizado
aqueles encontros, foi muitas vezes suplantado por um idealismo mais liberal.
O Congresso também reviu o trabalho dos seus membros desde o CIAM V: as actas foram
publicadas por Siegfried Giedion como «A Decade of New Architecture». O CIAM IV ficou
marcado pela comparência dos seus maiores protagonistas, como é o caso de Le Corbusier.
Após o CIAM VII, em Bérgamo, Itália, em 1949, a Inglaterra voltou a ser a anfitriã do
Congresso seguinte. O CIAM VIII, deu-se em Hoddeston, Inglaterra, por reconhecimento do
Festival of Britain, de 1951. Apesar da viva discussão sobre a Arquitectura e a cidade, o
Congresso foi considerado malogro, na generalidade, pelos seus membros mais jovens, o
que levou a uma divisão, patente no Congresso seguinte.
Embora o CIAM IX, 1954, realizado em Aix-en-Provence, França, fosse
ostensivamente sobre o tema ‘Habitat’, revelou-se como uma homenagem a Le Corbusier e
à inauguração da sua «Unité d’Habitation», em Marselha. Também rompeu com as
generalizações da Carta de Atenas, que lhe tinha dominado o pensamento durante anos.
Os membros mais novos encarregaram-se de revigorar a filosofia dos CIAM e de preparar o
próximo.
Esses membros mais jovens vieram a ser conhecidos por Team X. Consideraram o
formalismo da geração mais velha como simplista e desatento às realidades sociais e
condições urbanas do pós-guerra, e discutiam-se as mudanças que se estavam a dar no
mundo. Desafiaram os aspectos mecânicos da ordem com a ‘existência de um novo
espírito’.
O Team X também protestava contra a fraqueza do modernismo e a falta de delicadeza pelo
contexto na construção, questionando todo o conceito de internacionalismo com pose
arquitectónica adequada. As críticas do Team X foram encabeçadas por Alison e Peter
Smithson, além de Reyner Banham.

No CIAM X, em Dubrovnik, 1956, os membros mais novos, mais preocupados com o


pluralismo e com o questionamento de ideias utópicas, afirmaram-se ainda com mais vigor,
e as concepções do Team X começaram a dominar.

38
No fim do 10º Congresso, o Team X, que incluía Joseph Bakema, George Candilis, Peter e
Alison Smithson, Aldo van Eyck e Louis Kahn, foi chamado a humanizar a Arquitectura
moderna, o que implicava um certo sentido de fim de uma época.

Um Congresso seguinte, o CIAM XI, realizou-se em Otterlo, Países-Baixos, em 1959.


A divisão ocorrida em Dubrovnik, entre os membros mais velhos e mais jovens, acentuou-
se, e, pela primeira vez na história dos CIAM, as actas foram desejáveis e houve um grande
sentido de perda.
Os Smithsons e outros pediram o fim da organização, e vários membros mais velhos saíram
antes do fim do Congresso. Outros ainda, como Kenzo Tange, acharam que poderia haver
reconciliação e que os CIAM eram capazes de continuar utilmente.
De facto, após trinta anos de actividade internacional, não houve mais CIAM.
Entre 1930-1934 e 1950-1955, não obstante, os CIAM eram as organizações mais
importantes através das quais se comunicavam internacionalmente ideias sobre a
Arquitectura e o Urbanismo Moderno que serviram para manter uma rede internacional de
arquitectos progressistas.14

2.2 A Carta de Atenas

A Carta de Atenas, divulgada quase oito anos após ser redigida, constitui uma
síntese das posições dos CIAM sobre a organização e planeamento das cidades.
A Carta resultou do trabalho desenvolvido nos oito dias do IV Congresso dos CIAM, em
1933, a bordo de um navio, navegando pelo Mediterrâneo entre Marselha e Atenas,
dedicou-se ao tema ‘A Cidade Funcional’ e originou o documento mais mal aplicado que
saiu de um CIAM, contudo este congresso foi sem dúvida o mais significativo do ponto de
vista urbanístico.

A Carta críticava a sociedade contemporânea por não satisfazer as necessidades


biológicas, ou psicológicas, dos habitantes citadinos e pela ‘proliferação’ dos interesses
particulares, clamando por uma atitude colectiva e pela reorganização do planeamento a
uma ‘escala humana’, considerando a unidade de habitação como o elemento básico.

14
Hansan, Uddin, 1999

39
Também sublinhava a necessidade de se usarem os ‘recursos do moderno
progresso tecnológico’.
Tornada pública só em 1941, por iniciativa de Le Corbusier, que redige o texto final e terá
sido o seu principal mentor, a Carta evidência a coincidência de posições e identificação da
sua obra com os CIAM.
A morfologia contida nas propostas da Carta, vai ter uma forte influência na produção teórica
e nas realizações do pós-guerra de 1945 até finais dos anos sessenta.

A Carta de Atenas define como elementos do Urbanismo Moderno, o sol, o verde, e


o espaço, e através da organização das diferentes funções, que seriam independentes entre
si, originaram a organização da Cidade Moderna.
As quatro funções; trabalhar, habitar, circular e lazer, são os conceitos chave do
Urbanismo Moderno. Estas engendraram áreas específicas, isto é, cada área terá uma
função específica. A área residencial ocupa o lugar de destaque no desenho urbano,
enquanto que a circulação deverá organizar a cidade.
O objectivo será circular rapidamente em vias que fazem a separação entre o veículo e o
peão. Tal facto/objectivo conduz à formação da cidade funcionalista, onde as diferentes
funções estão organizadas em lugares distintos. Cria-se assim uma cidade homogénea em
oposição à cidade tradicional onde existe uma mistura funcional.
Exemplos mais paradigmáticos são Brasília e Chandigarh. (fig.12).

A necessidade de circular rapidamente provocou estragos irreparáveis nas cidades,


pela destruição de bairros e tecidos sociais, lançando vias e nós desnivelados, alargando
ruas, destruindo edifícios, etc.
O funcionalismo conduziria ao absurdo de que em cada edifício existia apenas uma
função, originando tipologias construtivas bem distintas, determinadas pelos programas;
prédios de habitação, centro comercial, prédios de escritórios, etc.15

15
Revista “Binário nº20”, Março de1948

40
Fig. 12 – Plano Chandigarh, por Le Corbusier
A numeração de (1 a 38) indica as diferentes áreas do plano; a cheio encontram-se os edifícios públicos e a
tracejado os espaços verdes.

41
Nos princípios da década de vinte, Le Corbusier concebeu a possibilidade de criar
uma Cidade Moderna totalmente inovadora, cidade que chamou de «Ville Contemporaine»16
(Cidade Contemporânea). A cidade contemporânea era uma cidade capitalista constituída
por arranha-céus, inseridos num grande parque, com um centro administrativo, rodeado por
espaços verdes para oferecer deste modo, espaços de lazer para os trabalhadores.

A «Ville Radieuse»17 (Cidade Radiosa) e a «Unité d’Habitation»18 (Unidade de


Habitação), foram modelos que influenciaram o pós-guerra até aos anos setenta, até em
realizações britânicas como Alton Estate, West London, Shefied, Park Hill ou Golden Lake,
este último de Alison e Peter Smithson. (fig.13)

16
Cidade Contemporânea é o primeiro plano de Le Corbusier, data de 1922. Plano de uma cidade planeada para
três milhões da habitantes, estudava fundamentalmente o centro de uma grande cidade, com edifícios públicos,
escritórios e habitações. Apresentava então três modelos tipológicos e construtivos de novos edifícios: a grande
construção de escritórios, a habitação em «redents» (denteada) e a habitação em «immeubles villas» (edifícios-
palácios) com grandes jardins suspensos.
Seria envolvida por uma faixa de verde a partir da qual se situariam as ‘Cidades-Jardim’ que alojavam grande
parte da população. As vias de comunicação organizavam-se em três níveis hierarquizados. (Lamas, José, 2004)

17
Nome de batalha que Le Corbusier encontra para a sua Cidade Moderna. Esta é mostrada em 1930, no III
Congresso dos CIAM, em Bruxelas, continha já os princípios doutrinais da organização urbana de Le Corbusier.
Uma cidade verde com forte percentagem de solo livre; grandes construções; edifícios dispostos em função do
eixo heliotérmico e monofuncionais; unidades de habitação que incluíam os equipamentos elementares. O
projecto completo é realizado entre 1929 e 1930, surge como proposta crítica de um modelo de confronto com a
cidade real existente. Em 1935, Le Corbusier publica o livro com o mesmo título, «La Ville Radieuse», onde a
fórmula urbanística é apresentada em sugestivos desenhos e que reúne também os seus planos e propostas
realizadas anteriormente e nunca aceites. (Lamas, José, 2004)

18
As «Unités d'Habitation» são grandes edifícios modulares projectados por Le Corbusier. A primeira unidade
implantada e a mais famosa delas, foi a da cidade de Marselha, elaborada entre 1947 e 1953. O projecto
também ficou conhecido pelo termo «La Ville Radieuse», visto procurar recuperar num edifício monumental a
dinâmica da vida urbana. O termo significa literalmente unidade de habitação, mas o projecto é reconhecido
internacionalmente pelo termo em francês. O conceito de unidade de habitação foi adaptado posteriormente em
diversos outros projectos de carácter modernista por arquitectos em todo o mundo. Por esse motivo, o projecto
original costuma ser referido pelo nome original. Os edifícios configuram-se em geral como lâminas com mais de
cem metros de comprimento e por volta de trinta metros de largura, com quinze pisos e cinquenta e cinco metros
de altura. O projecto de Marselha possuí 337 apartamentos (ou ‘células’). O projecto traduz os elementos
fundamentais da arquitetura moderna expostos anteriormente por Le Corbusier; está construído sobre pilotis,
possui planta livre, terraço-jardim (contendo creche, solário e piscinas na cobertura), fachada livre, e é
essencialmente horizontal. Neste projecto Le Corbusier aplica os seus estudos sobre as proporções humanas:
utiliza pela primeira vez o Modulor (um sistema de relações métricas baseados na distância dos membros do
corpo humano de um indivíduo ‘universal’), estabelecendo todas as medidas importantes de projecto como
múltiplos das medidas estabelecidas pelo Modulor. A cada certa quantidade de andares, foram previstas ‘ruas
aéreas’, corredores nos quais estavam previstos estabelecimentos comerciais. Esta determinação tem a ver com
a ideia de uma cidade utópica na qual a Natureza está preservada e as necessidades tradicionais das cidades
estão concentradas em alguns poucos edifícios. O terceiro e quarto pisos do edifício de Marselha, por exemplo,
estão ocupados por um hotel com restaurante, uma livraria e escritórios, enquanto o terraço comporta um
ginásio, uma escola infantil e creche - em funcionamento ainda hoje. (http://www.wikipedia.com)

42
Fig. 13 – Esquiços de Le Corbusier
1 – A Cidade Radiosa – Esboço mostrando os blocos construídos em amplas zonas verdes
2 - A Unidade de Habitação de Marselha - Perspectiva/corte explicativo
3 – A «Rue Corridor»

43
Edward, Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987), descreve os
princípios fulcrais destes grandes planos. O sonho de Le Corbusier era o de um grande
desenvolvimento à escala regional, que consistiria numa cidade central para 500 000
pessoas sem família, rodeada por uma cintura verde, depois algumas ‘Cidades-Jardim’ mais
pequenas (o emprego do termo por ela não parece dever nada a Howard) para as famílias.
O total da população seria de três milhões de habitantes. Esta proposta não tinha nada de
pitoresco ou de pequena escala. Tudo o que era antigo devia desaparecer e ser substituído
por arranha-céus de sessenta pisos para escritórios e apartamentos, blocos de
apartamentos e auto-estradas largas. No coração, entre os arranha-céus, haveria uma
enorme rede de transportes, com estradas, caminhos-de-ferro e um aeroporto!
Le Corbusier enumerou os objectivos da Cidade Radiosa. Eram:
• descongestionar os centros das cidades;
• aumentar a densidade populacional dos centros das cidades, construindo em altura,
até 1200 pessoas por hectare, contra apenas 300 por hectare no centro de Paris;
• melhorar a circulação de tráfego, substituindo as estradas estreitas por largas vias de
comunicação. As estradas, declarou, devem ser uma máquina de tráfego;
• aumentar os espaços abertos; os apartamentos altos exigiriam apenas cerca de 5%
de cobertura, contra os 90% no centro de Paris;
• oferecer uma variedade de vistas e perspectivas;
• beneficiar das unidades de edifícios produzidos em massa.

Isto era um sonho magnífico. Era também um sonho absoluto e totalitário. É, por vezes,
considerado a fonte dos ordenamentos das paisagens modernas de edifícios de
apartamentos dispostos regularmente em filas. (figs.14,20).
Le Corbusier chega a propor praticamente o mesmo esquema para Chandigarh, para o Rio
de Janeiro, para Argel, e o plano para a reconstrução de Saint Dié, não é mais do que uma
reprodução em pequena escala do «Plan Voisin»19 de Paris dos anos vinte. (figs.15,16)

19
O «Plan Voisin» para Paris é executado por Le Corbusier com a colaboração de Pierre Jeanneret e é
apresentado em 1925 na Exposição Internacional de Artes Decorativas. Financiado pelo industrial construtor de
automóveis VOISIN, que emprestou o nome ao plano mostrando o seu interesse em reconverter a sua
capacidade industrial na construção civil. (Lamas, José, 2004)

44
Fig. 14 – Le Corbusier: «La Ville Radieuse», 1935
Esquema da planta geral, pormenorizando o centro, vistas do eixo central e da zona residencial.

45
Fig. 15 – Le Corbusier: «Plan Voisin»
Maqueta

Fig. 16 - Le Corbusier: «Plan Voisin», Paris (1922-1929)


À esquerda, o projecto em relação à estrutura urbana existente. À direita, o projecto no contexto
da cidade.

46
A consequência da utilização destes planos e da «Unité d’ Habitation», é a abolição
da rua tradicional, o quarteirão é suprimido, sendo substituído pela ‘unidade de habitação’ –
contraponto arquitectónico da ‘unidade de vizinhança’. A construção em altura é
preconizada pela maior parte dos urbanistas, substituindo-se os velhos imóveis baixos por
um número mais reduzido de unidades, ou ‘pseudo-cidades verticais’.20
Como diria Munford, (1982) estas grandes construções em altura não eram mais do
que um conceito renovado da ‘Cidade-Jardim’ de Ebenezer Howard que agora uma ‘Cidade-
Jardim-Vertical’.21 (fig.17)

Fig. 17 – Esquema/Esquiço de uma Unidade Habitacional por Le Corbusier


Os edifícios da Cidade Radiosa ou «La Ville Radiouse». Cada um está directamente ligado ao verde e
ao céu. As vias de circulação de tráfego automóvel estão elevadas para não perturbarem a circulação
pedonal.

20
Lamas, José, 2004
21
Rainha, Paula, 2008

47
A Cidade Moderna é contra a morfologia da Cidade Tradicional, o quarteirão e a rua
são os alvos principais, na medida que constituem a sua expressão essencial.
Como se demonstrou, é por via da pesquisa habitacional que os urbanistas modernos
concluíram a necessidade de abandonar por completo o quarteirão e a rua.22

Fig. 18 – Proposta/ Esquiço de Le Corbusier, 1915


Separação coerente entre o tráfego rodoviário e o de peões. Os edifícios repousam sobre pilares.
A nível inferior dispuseram-se as canalizações de água, esgotos e gás. Uma antiga ideia de Le Corbusier,
ainda hoje utilizada.

No «Pan Voisin» (1925) para o centro de Paris, Le Corbusier resolve os problemas


de congestionamento através de um método simples: demolir tudo o que era velho e
construir um misto de filas de apartamentos baixos e torres de sessenta pisos, em filas
ordenadas.
Com isto acaba com a cidade antiga e as suas pré-existências, conserva apenas os edifícios
históricos, como por exemplo, La Saint Chapelle, Notre Dame Les Invalides, que ficarão
isolados e envolvidos por zonas verdes e admirados como objectos autónomos. (figs.15,16)

As ideias de Le Corbusier foram adaptadas pelos CIAM, uma espécie de clube de


influentes arquitectos autodidactas, do qual Le Corbusier foi um elemento chave.
Numa declaração de princípios adoptada em 1933, os CIAM proclamaram que “…a habitação
deveria consistir em blocos de apartamentos altos, com espaços amplos, que haveriam de
libertar as superfícies de terreno necessárias para recreação e objectivos comunitários e de
parqueamento…”23

22
Lamas, José, 2004
23
Relph, Edward, 1987

48
Esta concepção foi subsequentemente aproveitada em outras cidades da Europa,
incluindo as habitações sociais em Roehampton perto de Londres nos finais dos anos
quarenta.
Mas existem outras fontes para a paisagem de blocos de apartamentos já nos anos noventa
do século XIX tanto William Moris com o Montgomery Schuyler tinham especulado sobre a
possibilidade de futuros blocos de apartamentos com grandes espaços a separá-los para
permitir a circulação de ar e a penetração de luz.
Nos anos vinte, os urbanistas da escola de design alemã, Bauhaus tinham articulado
princípios precisos de planeamento para os projectos de edifícios de apartamentos.
A cidade ideal de Frank Lloyd Wright, que ele dominou como «Broadacre», pode ter
sido concebida como contraponto à Cidade Radiosa.
Le Corbusier não pode ser considerado como fonte exclusiva desta paisagem moderna,
embora tenha sido indubitavelmente o seu mais directo defensor.

2.2.1 Críticas à Carta de Atenas

A Carta de Atenas surgiu como um documento cujos preceitos pareciam ser a


resposta rápida e eficaz aos problemas prementes com que então se deparava a cidade,
como o fora o modelo da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard, nos finais do século XIX.
Assim preconizava a teoria, mas assim não foi a prática.
Nos anos sessenta surgiram as primeiras críticas e protestos à prática e teoria dos
princípios paradigmáticos da Carta de Atenas.
O funcionalismo como nota dominante dos urbanistas da Cidade Moderna parecia não
funcionar, traduzido pelo descontentamento dos moradores, e manifestado na falta de
conforto físico, ambiental e ironicamente até funcional. A Arquitectura corria o risco da
descontextualização, do desrespeito pela morfologia do terreno e pelo desprezo total pelas
culturas locais onde se inseria: a apologia do funcional, do zonamento e do edifício isolado
dominavam a praxis do Urbanismo. O espaço urbano era o espaço que restava após a
implantação do edificado.
Não se fizeram esperar por muito tempo reacções críticas, que viriam a ser vitais para a
teorização sobre o planeamento e Urbanismo, em geral, e do desenho urbano, em
particular.
Como Reyner Bahan observou, cerca de trinta anos depois a insistência da carta
num zonamento funcional rígido, cinturas verdes e um só tipo de alojamento urbano de alta

49
densidade foi, realmente, apenas a declaração de uma preferência estética e intelectual.
Contudo, foi o peso originado pelas suas conclusões, que a carta teve um efeito negativo ao
paralisar a investigação sobre outras formas de alojamento. Ao mesmo tempo, estabeleceu
o planeamento urbano numa fórmula muito simples, concisa e, discutivelmente mal
concebida.
Os conceitos e métodos de planeamento urbano que foram desenvolvidos nas
primeiras décadas do século XX, têm tido um impacto considerável na paisagem urbana
moderna, embora não seja o impacto que os primeiros urbanistas desejavam.
As suas características podem observar-se nas zonas de utilização de terrenos claramente
segregados, nos planos de vizinhança, mas os seus ideais e desejos de reforma social e de
reconstrução urbana tiveram resultados pouco expressivos.

A Cidade-Jardim, o Principio de Radburn24 da separação de automóveis e peões, a


Cidade Radiosa com os arranha-céus em espaços verdes, a cidade descentralizada, foram
todos realizados na melhor das hipóteses em formas alteradas e limitadas.
O que aconteceu é que estas ideias de cidade transformaram-se em modelos de
planeamento de zonificação25 e de unidades de vizinhança, modificadas e adaptadas às
exigências políticas. Uma vez enraizadas como hábitos de pensamento, não eram fáceis de
afastar ou transcender, e foi nestas formas simplificadas que foram incorporadas nas
práticas do planeamento oficiais depois da Segunda Guerra Mundial.

Se se olhar para trás e na perspectiva das paisagens, parece de facto que o


planeamento urbano moderno se transformou menos num movimento de reforma social do
que num meio de tentar que as cidades funcionem tão bem e eficazmente como uma
fábrica.
Contudo seria abusivo atribuir aos CIAM e à Carta de Atenas a total responsabilidade pelos
desastres urbanísticos nos últimos cinquenta anos, muito embora se possam estabelecer
algumas consequências negativas: as conclusões do alojamento mínimo conduziram em

24
Princípio de Radburn. O plano de Clarense Stein de 1928, para Radburn, Nova Jérsia, baseava-se na
transformação das unidades de vizinhança em ‘super-blocos’, essencialmente um parque rodeado de casas,
estas viradas para o parque e as traseiras voltadas para becos ou «culs-de-sac». Deste modo o tráfego de peões
e veículos estava separado. Radburn foi concebida para fazer face ao número crescente de automobilistas e à
terrível percentagem de acidentes de peões e automóveis que se verificou nos anos vinte.
Este principio tem sido largamente utilizado em projectos de planeamento europeus e, em menor escala, na
América do Norte. (Relph, Edward, 1987).

25
Entende-se por cidade zonificada como uma estrutura urbana composta por sectores bem diferenciados, com
um grande centro comercial e cultural centralizado, além de outros secundários para cada sector. Existe um
aproveitamento ordenado das superfícies destinadas a zonas residenciais, de trabalho, de lazer, de cultura, de
tráfego, etc., o que quer dizer traçar planos adequados para cada uma delas. (Hans, Mausbach, 1974).

50
muitos países aos piores regulamentos e realizações de habitação social, a utilização
indiscriminada das formas urbanas racionalistas e dos edifícios altos e espaçados
influenciaram numerosos conjuntos habitacionais sem vida, desprovidos de espaço e de
identidade, a organização da cidade em áreas funcionalmente especializadas provocou a
perda de residência nas áreas centrais e perda de outras funções nas áreas habitacionais,
retirando-lhes a vida e animação.26

26
Relph, Edward, 1987

51
Fig. 19 – «La Ville Radieuse», Le Corbusier. (Tinta e aguarela, 1930)
A visão que Le Corbusier tinha de uma sociedade ideal, a «La Ville Radieuse» revela a preocupação com a
simetria, geometria e divisão de funções por zonas, com rodovias bem definidas, edifícios e terrenos arborizados.
A natureza idílica dos desenhos sobre a ‘cidade no meio do parque’ e os textos sobre a boa vida ao ar livre e ao
sol, no seu livro «La Ville Radieuse» (1935), nunca se realizaram, mas influenciaram a Arquitectura e o
planeamento do século.

52
CAPÍTULO III
DO PÓS-MODERNISMO À NOVA CARTA DE ATENAS

3.1 Os Anos 60 e 70 – Pós-Guerra

Segundo Edward Relph, (1987), o Pós-Modernismo surge como crítica ao Movimento


Moderno e como uma necessidade de reconstrução das cidades após a Segunda Guerra
Mundial.
Antes da Segunda Guerra Mundial o planeamento urbano era pouco mais do que uma
preocupação estética da cidade imaginada por um grupo de idealistas. Imediatamente após
a Segunda Guerra Mundial passou para primeiro plano.
Se até à Segunda Guerra Mundial coexistiam na Europa a urbanística formal com as
experiências modernas, a partir dos anos cinquenta a situação altera-se. Numerosas
cidades encontram-se destruídas, a falta de habitação crescera consideravelmente, as
populações sofrem grandes êxodos e a Europa arrasada necessitava de grandes
investimentos na reconstrução, consignados em programas como o Plano de Marshall.27
Era necessário reconstruir as cidades, construir novos bairros, novas expansões e novas
cidades numa escala e ritmos anteriormente desconhecidos.
A reconstrução era urgente, aos urbanistas restavam poucas hipóteses, a não ser adoptar
um reportório limitado de ideias e procedimentos quase todos concebidos antes da guerra.
Incluiu a zonificação da utilização do solo, unidades de vizinhança, traçado ao estilo da
Bauhaus para a habitação social e na Europa uma ideia nova, o recinto de livre-trânsito para
peões.

Entre 1945 e 1960 foram construídas diversas áreas residenciais onde


predominavam os edifícios em blocos de apartamentos e filas de casas dispostas em linha
recta. As suas formas não eram novas, mas nunca tinham sido aplicadas a esta escala,
inventadas pelos urbanistas da Bauhaus e por Le Corbusier nos finais dos anos vinte e
27
O Plano de Marshall, é um aprofundamento da Doutrina de Truman, conhecido oficialmente como Programa
de Recuperação Europeia, foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da
Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do Secretário dos E.U.A.
George Marshall, em 1947. Programa Norte Americano, destinado a recuperar as economias dos países
destruídos pela Segunda Guerra Mundial. O objectivo dos Estados Unidos era criar condições às nações
europeias para o estabelecimento da democracia (travando assim o avanço para Ocidente da influência
Soviética) e tornar dependentes dos Estados Unidos as economias da Europa. Para coordenar a implementação
do programa foi criada a Organização Europeia de Cooperação Económica. (http://www.wikipedia.com)

53
princípios dos anos trinta. Surgem agora com algumas modificações e tornam-se no modelo
para a habitação social.
Frequentemente consistiam em longas filas paralelas de apartamentos de três ou quatro
pisos sem elevador, intercalados com blocos geminados e blocos isolados até vinte pisos,
os blocos estavam propositadamente dispostos em ziguezague ou desalinhados.
Associadas à sua disposição em fila e blocos aparecem algumas ideias de Le Corbusier
nomeadamente, as vantagens da luz solar, do ar e dos espaços livres.
Estes modelos parecem ser efectivamente ser os precursores da cidade do futuro de Le
Corbusier. Os modelos da Cidade-Jardim e da Cidade-Radiosa, embora com profundas
diferenças ao nível morfológico, tinham em comum a libertação de amplos espaços para
usufruto público.

No início da década de sessenta surgiram as primeiras críticas contra estes modelos.


As posições de então resumem-se à recusa da cidade tradicional, ao diagnóstico e
enumeração dos seus males, à análise dos problemas de alguns bairros como Sarcelles e à
denúncia da pobreza formal e social das produções urbanísticas recentes. (fig.20)
A detecção dos males e as analogias médicas para a cidade estavam muito em voga, as
cidades tinham doenças e cabia aos urbanistas curá-las, eliminando as partes infectadas.

“…para a comunidade ser saudável, para não voltar a ser novamente infectada e
miserável, como que possuída por uma doença congénita, a área terá de ser
plantada no seu todo, era importante projectar de novo toda a área, de forma a
eliminar as condições que dão origem aos bairros da lata…”
(Futterman, 1961, p.121).

54
Fig. 20 – Sarcelles. Grand ensemble da região de Paris. Vista do décimo quinto andar de uma torre, 1966.
Grand ensemble de 10 000 alojamentos construído no final dos anos cinquenta. O termo «sarcellite» viria a ser
consagrado para descrever o fenómeno da monotonia dos “grandes conjuntos”, a banalidade da sua
Arquitectura, falta de serviços, lojas e empregos e os inúmeros problemas sociais como a prostituição, a
criminalidade juvenil, etc.

55
Surgem vários autores que tiveram uma palavra activa na crítica à Cidade Moderna,
particularmente Jane Jacobs. No seu livro «The Death and Life of Great American Cities»,
(1961), (A Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas) acusou de destruírem tudo o que
era vital para a vida urbana em vez de resolver, de uma vez por todas os problemas dos
bairros pobres e da decadência urbana tinham, declara Jacobs, desenraizado comunidades,
dispensando-as em qualquer habitação barata disponível algures, (desse modo, fazendo
alastrar as ‘infecções’ da pobreza e da doença, em vez de as curar) e tinham criado os seus
próprios problemas sociais, de desafecto, violência e vandalismo.
Não só crítica as qualidades da vida humana das cidades, como também a qualidade
espacial, Jacobs parecia repropor o modelo das antigas aldeias italianas, contesta os
princípios da Carta de Atenas e crítica as tão paradigmáticas Cidades-Jardins, a quem lhes
chamou de ‘Cidade-Jardim-Radieuse’: “…ele (Le Corbusier) propôs ruas subterrâneas para
veículos pesados, e claro, como os urbanistas das Cidades-Jardins, manteve os peões fora
das ruas e dentro dos parques. A cidade dele era como um brinquedo mecânico
maravilhoso (…) mas, no tocante ao funcionalismo da cidade, a Cidade-Jardim só diz
falsidades.”
A necessidade principal das grandes cidades residiria assim na mistura de funções.
Na rua, no bairro, na cidade, na metrópole ou na região, a integração de várias funções é de
maior importância na estabilização do organismo social e económico. Jacobs pede a volta
da ordem da cidade pela valorização da rua.

Pierre Francastel é um dos pioneiros que, já em 1956, combate contra o Urbanismo


Moderno ao crítiicar a obra de Le Corbusier:

“O universo de Le Corbusier é um universo concentracionário. No seu melhor será


um ghetto, ninguém tem o direito de construir à força da felicidade do seu vizinho.
Isso chama-se Inquisição…um conjunto de células forma uma unidade de
habitação, várias unidades de habitação formam uma cidade, várias cidades, um
mundo. Cada um tem o seu lugar e aí fica assignado e todos são felizes….no
fundo de todas as construções lógicas, o que triunfa não é de modo algum a
ordem natural, é o sistema militar, a caserna forma privilegiada da vida comunitária
que supõe o abandono da alma entre as mãos daqueles que estão encarregados
da ordem colectiva das sãs distracções e da vida ao ar livre. A caserna, os
claustros, os campos, as prisões, os falanstérios…Le Corbusier pertence à estirpe
dos que, através dos tempos, quiseram fazer a felicidade dos outros, mesmo
quando à custa da sua liberdade…” (Francastel, 1956, p.34).

56
Francoise Choay também tem uma voz crítica sobre o trabalho de Le Corbusier:

“Evidenciou-se a falácia de se assumir um modelo de Homem Universal e reduzir


a vida urbana a quatro variáveis: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e
espírito. Que os seres humanos não são máquinas de comportamento moldável e
totalmente previsível foi comprovado a duras penas pela população usuária das
intervenções modernas. Os urbanistas inspiravam-se em visões simplistas do
urbano, colhendo os paradigmas de Le Corbusier, da Cité Contemporaine e Ville
Radieuse”. (Choay, 1992, p. 20)

A crítica ao Movimento Moderno exerce-se também sobre as realizações recém-


constituídas, referenciando e elogiando as cidades antigas, agora os novos urbanistas tentam
reinventar e imaginar espaços e formas que contivessem o equivalente das qualidades e
atributos dos espaços tradicionais.

Edward Relph, no seu livro «A Paisagem Urbana Moderna», (1987), descreve que
muitos edifícios construídos após a guerra começavam agora a emergir problemas,
tecnicamente, os edifícios consumiam muita energia, as coberturas planas deixavam passar
água, os elevadores avariavam-se constantemente. Muitos edifícios tinham sido construídos
com elementos pré-fabricados e deixavam passar água através das suas junções, e também
tinham problemas de humidade, bolor e parasitas. Em 1968, um bloco isolado de habitações
construído com secções pré-fabricadas, Ronan Point, em Londres ruiu parcialmente como um
baralho de cartas, após uma explosão de gás num dos apartamentos e isto deu origem a
críticas generalizadas contra os blocos altos de apartamentos.
Em 1972 o projecto de renovação de habitação social de Pruitt-Igoe, em St. Louis, nos
Estados Unidos, foi parcialmente demolido. Este tinha sido concebido pelo bem conhecido
arquitecto Minoru Yamasaki foi construído em meados da década de cinquenta e tinha ganho
um prémio de projecto do Instituto Americano de Arquitectos, em menos de vinte anos tinha-
se revelado praticamente insuportável lá viver. (fig. 21)

Segundo Charles Jencks no seu livro «El Lenguage de la Arquitectura Pós-Moderna – La


Muerte de La Arquitectura Moderna», (1981), escreve que a morte da Arquitectura e do
Urbanismo Moderno deu-se com a demolição do bairro, citando “…o desenho do bairro é
responsável pelos problemas sociais e morais da sua população...”

Outra série de acontecimentos iria evidênciar, nos anos sessenta, a necessidade de


estratégicas diferentes para o desenho da cidade: a crítica multidisciplinar contra a
construção em altura; a realização de conjuntos habitacionais de baixa altura e finalmente,
a constatação da impossibilidade de se organizar a cidade como objecto finito.

57
A crítica à construção em altura evidenciou diversos inconvenientes, desde a
segurança aos prejuízos psicológicos e sociais da população, nomeadamente na formação
intelectual das crianças que habitavam longe do solo. Por outro lado os edifícios
excessivamente altos introduziam nas cidades e nas paisagens transformações nem
sempre desejáveis.
De facto é no início dos anos sessenta que a Urbanística Moderna, já gravemente ferida,
começa a ‘morrer’.

Contudo surge na mesma década um importante movimento provindo da


investigação italiana nas escolas de Milão e Veneza envolvidas com o movimento que se
chamaria de «La Tendenza», cujo pai é Giafranco Caniggia, destacam-se também outros
arquitectos como Aldo Rossi, Aymonio, Grassi, Carasi.

Segundo José Lamas, no seu livro «Morfologia Urbana e Desenho da Cidade»,


(2004), este movimento de cariz neo-nacionalista teve como objecto de estudo as cidades
italianas. A produção italiana desse período contribuiria fortemente para chamar a atenção
para a cidade histórica, para a presença da Arquitectura no desenho da cidade e a
reabilitação das formas urbanas tradicionais, como é o caso da rua, da praça e do
quarteirão. Contribuiria também para a redescoberta da urbanística formal e da geografia
urbana e para as contradições ao funcionalismo e finalmente para a recolocação da
integração da Arquitectura e da urbanística no desenho da cidade.
Na tentativa de um retorno às tradições arquitectónicas, iníciou-se uma série de
publicações e de textos como a «A Arquitectura da Cidade» de Aldo Rossi (1966) e
«A Construção Lógica da Arquitectura» de Giorgio Grassi (1967).
Outros italianos cuja contribuição foi importante para «La Tendenza» foram Vittorio
Gregotti, cujo livro «O Território da Arquitectura», (1966) teve uma extensa influência, assim
como Enzo Bonfauti que juntamente com Massimo Scolari publicaram a revista neo-
racionalista «Contraspazio», na segunda metade dos anos sessenta. Finalmente Alfredo
Tafuri, cujas obras tiveram uma influência primordial no movimento, tal como Franco Purini
y Laura Thermes, cujos projectos teóricos exploraram o potencial da sintaxe neo-
racionalista.

Posteriormente aos movimentos italianos, surgiram trabalhos desenvolvidos na


escola de Bruxelas, comandados por Maurice Culot, ou pelos irmãos Krier.
Rob e Léon Krier, Maurice Culot com a escola de Bruxelas iniciaram uma batalha do
regresso ao passado, repropondo os materiais tradicionais na construção, excluindo o

58
automóvel, considerando-o um luxo desnecessário face ao equilíbrio funcional da cidade,
numa utopia social que renuncia à industrialização. Este período termina em 1980 com a
Bienal de Veneza.

Neste ambiente de crítica à Cidade Moderna, a recuperação do passado parece ter


sido o assunto dominante, assim como os urbanistas seguintes voltaram a projectar ruas,
quarteirões e praças.

Os princípios do Movimento Moderno, que produziam as piores das desgraças no


Urbanismo, foram definitivamente abandonadas; a orientação solar na disposição dos
edifícios, a livre disposição de torres e blocos dispostos em linha recta, a separação funcional
dos programas e o zonamento da cidade, a hierarquização do tráfego e a separação por
níveis entre o peão e o veículo, e assim por diante marcam a imagem do Urbanismo dos
anos cinquenta e sessenta.
Todavia, assim como o Movimento Moderno havia condenado a rua-corredor e o quarteirão
sem uma análise profunda das suas características a relações com a cidade e com o
cidadão, as primeiras críticas da Cidade Moderna derivaram também da reacção emotiva da
perda da história da cidade e seu valor patrimonial.

José Lamas, concluiu que os movimentos, quer da escola de Milão e Veneza, quer da
escola de Bruxelas alimentaram todo um debate teórico, o ensino e a prática profissional
mais evidente podem agrupar-se em dois grupos principais:
• o interesse pela cidade antiga, sua preservação, conservação, restauro e
revitalização, entendendo-a e recuperando-a na sua integridade física, funcional e
social;
• a revitalização das relações morfológicas existentes na cidade tradicional para o
desenho do crescimento e expansão ou para as intervenções no seu interior.
O período da reconstrução maciça das destruições da guerra, vão surgir na Europa
alguns projectos e realizações que questionam a doutrina do Urbanismo Moderno e se
interligam com as críticas referidas anteriormente.
Tais experiências serão realizadas por alguns arquitectos mais inquietos e inconformados
com o panorama da cidade.

59
Fig. 21 - Minoru Yamasaki, edifício “Pruitt Igoe”, em Saint-Louis (1952-1955)
O edifício foi demolido a 15 de Julho de 1972. Para Jencks, é uma data simbólica, marcando o fim da
Arquitectura e do Urbanismo Moderno.

60
3.2 Rob Krier e o Espaço da Cidade

Rob Krier no seu livro «El Espacio Urbano» (1985), (O Espaço Urbano), efectua
uma investigação sobre as morfologias urbanas tradicionais. A obra tornou-se uma fonte de
referência para os seguidores das suas ideias.
Segue uma postura essencialmente estética na composição urbana, procurando a
manutenção das lógicas físico-espaciais tradicionais de cidade europeia, da qual tinha
grande admiração e entusiasmo.
Parte da identificação de uma tipologia de elementos arquitectónicos e urbanos e de ampla
crítica aos modelos da cidade dos CIAM para chegar a propostas para a reestruturação das
áreas do centro de Stuttgart, como exemplo prático de aplicação das suas ideias.28

Rob Krier foi particularmente influenciado por Camillo Sitte e utilizou-se das suas
ideias como pano de fundo para a sua metodologia projectual no seu trabalho sobre o
espaço urbano. Neste contexto ele desenvolve toda uma série de modelos de espaços
urbanos inspirados em modelos do passado.

Camillo Sitte no seu livro «O Urbanismo Segundo Princípios Artísticos» (1889),


empreende um estudo das estruturas espaciais e das qualidades estéticas das praças e
ruas das cidades históricas bem como da sua decoração e da sua valorização dada pelos
monumentos. As análises e interpretações de Sitte denotam uma estética da sensibilidade
que ignora os aspectos relativos às condições históricas da sua génese, por serem
totalmente não-históricas e baseadas na psicologia da percepção. Assim compara na sua
análise a correspondência entre os edifícios, os monumentos e as praças da Piazza dei
Signori, e a Piazza delle Erbe em Verona, com a ausência de ligação entre a praça e os
edifícios nos espaços urbanos do seu tempo. (figs.22, 23)
Crítica a regularidade e ordem rígidas das novas praças, fazendo um paralelo com a
regularidade viva e pragmática da ordem das fontes e monumentos das cidades históricas.
Condena a implantação isolada das novas igrejas e outros edifícios monumentais bem como
a disposição dos monumentos históricos e mostra como nas cidades históricas edifícios
semelhantes estavam integrados no ambiente, sublinhando a importância de espaços livres
que permitissem uma boa visão dos edifícios monumentais. (figs.24, 25)

28
Lamas, José, 2004

61
Duas tendências, por vezes contraditórias orientam a sua investigação. Por um lado, dedica-
se a determinar a especificação do espaço antigo Medieval, Renascentista, Barroco e
Contemporâneo. Por outro, sob a sucessão dos diferentes tipos de paisagens urbanas que
pontuam a história estética da cidade.
Uma praça, escreve Sitte, “é como um quarto, deve formar um espaço fechado”. Como se
as praças históricas tivessem sido soluções planeadas, ele define femenológicamente, a
partir de exemplos vindos de Itália, da Áustria e da Alemanha, uma espécie de tipologia da
praça, “um sistema de praças fechadas em tempos antigos”.
Analisa sob a óptica da psicologia da percepção o efeito estético das relações de
proporções o efeito perspectivo de limites espaciais irregulares, e opõe-lhes, contestando-a,
a voga das ruas demasiado largas e praças demasiado grandes bem como o dogmatismo
da ordem simétrica e da regularidade geométrica do Urbanismo Moderno.

Fig. 22 - Verona, Piazza delle Erbe e Piazza dei Signori, (desenho à esquerda).

Fig. 23 - Florença, Piazza S. Maria Novella, (desenho à direita).


Desenhos elaborados por Sitte no seu estudo sobre praças. Exemplos de sistemas de praças irregulares
assim como de integração de edifícios.

62
Fig. 24 – Planta da cidade de Ringstrasse, Viena
Projecto de fragmentação do vasto espaço situado em redor de Ringstrasse, entre a universidade e o
parlamento, a câmara municipal e o Burgtheater, a fim de criar espaços fechados diante de edifícios
monumentais. (desenho à esquerda)

Fig. 25 – Projecto para a praça em frente da Votivkirch, Viena


Proposta de praça fechada, em forma de átrio, e rodeada de arcadas, com um acesso monumental em
frente da Votivkirch em Viena. (desenho à direita)

63
Segundo Krier a herança histórica significa “o acumular de conhecimentos durante
séculos, cuja força de testemunho não pode ser esquecida”.
O estudo das cidades históricas ou antigas é o caminho certo para a aprendizagem da
intervenção da cidade actual, “…já nada resta para inventar em Arquitectura, na nossa
época os problemas quanto muito mudaram de escala…”.
Krier utilizou o desenho urbano como processo de resolução dos problemas da cidade.
Servido por um conjunto de magníficos desenhos, o estudo de Krier elege a Arquitectura
como método de trabalho para a organização e qualificação da cidade. Parte de uma
constatação muito simples “… nas nossas Cidades Modernas, a noção tradicional de
espaço urbano desapareceu…”.
Segundo esta ideia, Krier avaliou as consequências deste processo, como o
desaparecimento das funções desempenhadas pela rua e a praça, incluindo a perda do
carácter estético, formal e social da cidade.

José Lamas, (2004), descreve que através da análise dos tipos de espaços urbanos,
Krier estabelece as relações entre a cidade e a Arquitectura. A cidade não é apenas lugar
de Arquitectura, mas ela própria é Arquitectura.
Tudo para ele é Arquitectura, inclusivé a cidade. Krier tem uma visão fundamentalmente
morfológica da cidade, da qual revela a importância da rua e da praça, a qual tem os
monumentos como marcos fundamentais para referenciar a estrutura urbana.

No livro, «El Espacio Urbano», Krier começa por definir o conceito de espaço urbano,
segundo ele, a compreensão do espaço urbano independentemente da estética, exige a
consideração tal como a cidade, qualquer tipo de espaço entre os edifícios, quer se trate de
áreas urbanas como rurais.
O espaço depende de critérios estéticos e geométricos, e existem dois tipos de espaços
públicos; o interno e o externo, assim como existem dois tipos de elementos que são
básicos na diferenciação do espaço urbano – a rua e a praça.
Krier definiu estes dois tipos de espaços e quais as suas funções. A praça é seguramente a
primeira criação humana de um espaço urbano e resulta do agrupamento de casas em redor
de um espaço livre. A praça possui um carácter simbólico.
A rua é o resultado do crescimento de uma localidade depois de ter rodeado a praça. Esta
organiza a distribuição dos terrenos, tem um carácter mais utilitário que a praça.
A rua é um elemento de orientação e de distribuição. Existem vários tipos de ruas; ruas
comerciais, ruas residenciais e ruas em arcada (tipo galeria).

64
As fachadas dos edifícios (a arquitectura) alteram o modo espacial do espaço urbano, isto é,
cada uma delas gera um efeito diferente na imagem visual e estética do espaço. (fig.26)

Fig. 26 – Esquiços de Rob Krier

65
A geometria euclidiana, as formas geométricas puras ou compostas e mais
complexas desempenham um papel essencial no desenho urbano.
Para Krier existem três tipos de formas geométricas espaciais – o triângulo, o quadrado e o
círculo, que se desenvolvem em três escalas distintas, estes tipos de espaços sofrem
processos de transformação tais como, dividir, somar, multiplicar, penetrar, sobrepor,
misturar e diferenciar.
Os processos de transformação de todos os tipos de espaço podem produzir figuras
geometricamente regulares e irregulares. A variedade das possibilidades, actuam sobre as
fachadas das casas e influenciam ao mesmo tempo com a qualidade espacial de todas os
processos de transformação.
Em princípio todas as secções podem aplicar-se para estas formas puras espaciais. Por fim
estes três tipos de formas e suas variações podem dar origem a diversas formas mistas da
qual a escala humana nunca deve ser esquecida. À parte destes processos formais actuam
outras componentes sobre o espaço, também muito importantes para a sua criação, trata-se
das leis de construção, que possibilitam uma formação arquitectónica e fundamentalmente a
utilização funcional do edifício, que sem elas não existiria uma razão para elaborar formas
arquitectónicas. O processo lógico seria: função, construção e por último lugar, a forma
como resultado dos primeiros factores. (fig.27)

Fig. 27 – Tipos de espaços urbanos e suas combinações, estudo de Rob Krier

66
Krier cria também um formulário de possibilidades combinatórias de cada tipo de
espaço e estuda as inúmeras variedades possíveis dentro de cada tipo.
As praças podem ser circulares, ovais, triangulares, abertas, fechadas, semi-abertas, em
variedades inesgotáveis.
As composições demonstram as infinitas possibilidades de diferenciação de espaços e
zonas urbanas dentro do mesmo método de composição.
Ruas e praças são as regras de composição e com elas se compõe e inventam as mais
variadas e imaginativas combinações. (figs.28-30)

Fig. 28 – Rob Krier: Estudos morfológicos do espaço urbano

67
Fig. 29- Estudos de praças e suas variações, esquiços de Rob Krier

68
Fig. 30 – Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rob Kier

69
Fig. 31 – Estudos morfológicos do espaço urbano, esquiços de Rok Kier

70
“… com esta combinação de material, quero convencer aos teóricos e aos científicos da Arquitectura
de que no futuro, o componente espaço deve ter maior consideração e deveriam incluí-lo com maior
exactidão no seu modo de ver a Arquitectura e o Urbanismo…”. (Krier, 1985, p.20 )

Para Rob Krier a riqueza do espaço urbano não vai apenas incidir na qualidade de cada um
dos espaços, mas sim na maneira como os diferentes espaços se ligam e organizam, e
ainda nas diferentes geometrias que cada um dos espaços admite.

No seu livro, Krier elabora uma matriz, sobre os processos de transformação de um


tipo de espaço existente. No seu esquema a matriz indica a subdivisão vertical:
1. O elemento básico;
2. As variações do elemento básico, aumentando e diminuindo o seu ângulo inscrito e
mantendo o comprimento as linhas exteriores;
3. Os ângulos e dois lados conservam a mesma medida;
4. Os ângulos e os lados variam arbitrariamente.

A subdivisão horizontal realiza-se segundo os seguintes processos de transformação:


1. Espaço duplo (doblado). Entende-se como o espaço composto por duas partes do
elemento básico de tal forma que ambas as partes são multiplicadas;
2. Projecta-se um único segmento do elemento básico;
3. O elemento básico aparece como o resultado de vários elementos;
4. Os elementos básicos ou se ligam ou se sobrepõe; as formas espaciais difíceis ou
impossíveis de definir, classificam-se como ‘estranhamento’.

Isto significa que apenas os espaços podem ser reduzidos a bases geométricas.
Estes espaços podem definir-se também como ‘formas caóticas’. Pode também acontecer
que as fachadas estão tão diferenciadas e sobrepostas que não podem ser reconhecidos
como espaços claramente definidos e como tal classificáveis.
Também as dimensões de um espaço podem transmitir de forma diferenciada a impressão
que transmitem.

Todos estes processos de transformação têm formas regulares e irregulares que podem ser
alteradas em função da variedade das secções dos edifícios. A figura 32 indica vinte e
quatro formas diferenciadas as quais transformam as características do espaço urbano.

71
Fig. 32 – Processo de transformação de um tipo de espaço existente, estudo de Rob Krier

72
O pensamento de Rob Krier não pode ser separado dos projectos que realizou: o
concurso em Berlim para a Rauchstrasse, em Tiergarten Sul, o concurso para o plano de
ordenamento do sector norte do centro de Amiens (1984) e o projecto de reconstrução de
Stuttgart, reflectem a sua ideia de cidade.
Em Berlim, no concurso para a Rauchstrasse, em Tiergarten Sul, onde o terreno
assegurava já uma unidade, Rob Krier propõe a redivisão do solo em pequenos lotes para
recrear os tradicionais esquemas de produção da cidade. Assegurando a base cadastral,
estariam assegurados os modos de produção da cidade e, portanto, a sua morfologia e os
seus valores.
Prosseguindo nesse objectivo, Krier propõe também o desenvolvimento dos projectos seja
confiado a vários arquitectos, um por lote, para melhor reproduzir a diversidade
arquitectónica da cidade tradicional. Cada edifício e cada Arquitectura são assim
identificados com a sua parcela, como na cidade burguesa do século XIX.

No concurso para o plano de ordenamento do sector norte do centro de Amiens,


Krier dá uma visão clara do método de tratamento da cidade e do entendimento que tem da
morfologia neoclássica centro-europeia, pela lógica entre tecidos e espaços urbanos.
Define a forma física da cidade, trabalhando por quarteirões, e aceita que os volumes
(cheios) sejam preenchidos por funções diferenciadas. O traçado é definido pelo perímetro
dos quarteirões, compactos e fechados nos quatro lados, que acolhem tipologias
residenciais modernas; os seus interiores geometrizados e regulares constituem espaços
domésticos, também elementos de ordenação e da imagem do edificado. 29 (figs.33-36)

Fig. 33 - Estudo de vazios/cheios. Planos de Amiens e Stuttgart, segundo Rob Krier

29
Lamas, José, 2004

73
Os quarteirões de Rob Krier são adaptados à utilização do espaço interior. Desde a
lição holandesa dos anos trinta que o destino do interior dos quarteirões se tem dividido em
duas opções fundamentais: uma atitude funcional que os utiliza como área de maneio para
as necessidades urbanas (parqueamento, equipamentos, construções, etc.); e uma outra
atitude que integra o miolo do quarteirão como espaço colectivo (público, semi-privado ou
condomínio). Rob Krier opta claramente por esta hipótese e do quarteirão apenas utiliza a
geometria e os perímetros, porque na realidade compõe a cidade por edifícios e espaços
urbanos, nos quais inclui os interiores dos quarteirões.
A opção de Krier pela pequena escala facilita a actuação através de pequenas unidades
arquitectónicas, edifício a edifício, quarteirão a quarteirão, admitem a intervenção de
diferentes Arquitecturas e diferentes arquitectos. E, neste contexto de formas e actuações,
se estrutura a relação entre a Arquitectura e a cidade, em que o desenho urbano é já a
própria arquitectura da cidade.30

Fig. 34 – Rob Krier: Plano para a reconstrução do quarteirão no centro de Amiens, França

30
Lamas, José, 2004

74
Fig. 35 – Imagem do centro da cidade de Amiens antes da Segunda Guerra Mundial

Fig. 36 - Rob Krier: Proposta seleccionada para o reordenamento do centro de Amiens (concurso) - 1984

75
Na reconstrução do centro de Stuttgart, (1973), Krier cria um sistema de espaço
urbano contínuo e diferenciado. Tal como no projecto do centro de Amiens divide a cidade
por quarteirões criando um jogo de vazios e cheios.31 (figs.33,37)

Fig. 37 - Esquiços de Rob Krier para o projecto de Stuttgart

31
Lamas, José, 2004

76
1. 2. 3.

4. 5. 6.

7. 8.

Fig. 38 - Fases do desenvolvimento urbano de Stuttgart (século XIV e XIX)


As várias fases do desenvolvimento estão marcadas a negro, tendo como ponto de partida o plano do ano de
1855.
1 – Situação no ano de 1304
2 – Situação no ano de 1465
3 – Plano em 1782
4 – Situação no ano de 1350
5 – Situação entre 1490-1520
6 – Plano da cidade depois de 1800
7 – Situação entre 1383-1450
8 – Situação no final do século XVI e metade do século XVIII

77
Rob Krier compara a Rotebühlplaz com a Praça Novona em Roma, com Belverdere
em Bramante no Vaticano e com a Praça Duomo em Vigerona também em Bramante.
Em Rotebühlplaz tal como em Wilhelmsplaz propõe conservar as pré-existências históricas
envolvendo-as e encerrando-as numa praça de forma quadrangular, cujos edifícios se
disponham em linha recta em seu redor (tal como Camillo Sitte).

Segundo Krier era importante encontrar para estas praças uma estrutura capaz de
restabelecer as relações espaciais, para tal conserva a escala humana em consideração à
altura das edificações, em que apenas os edifícios de maior importância quebrarão esta
escala.
Propõe a criação de um traçado de ruas que fazem a ligação entre os novos bairros e a área
pré-existente, em que a boa orientação espacial é de especial importância. (figs.39-41).

Fig. 39 - Rob Krier: Planta do centro de Stuttgart

Fig. 40- Proposta para a reconstrução das áreas urbanas destruídas em Stuttgart
As zonas a negro são a nova planificação

78
Fig. 41 – Proposta de Rob Krier para o centro de Stuttgart
Maqueta (escala original 1:25 000)

79
Apesar de Krier preferir a cidade do século XVIII ou a cidade tardo-oitocentista, as
propostas que introduz para dotar a cidade das comunidades necessárias aproximam-no
inexoravelmente da urbanística formal. Rob Krier está muito próximo da cidade europeia
anterior aos anos vinte, mas está também muito próximo da urbanística formal do período
entre as duas guerras, à qual no entanto não faz referências.
Krier parece ter chegado a um ponto alto no retorno ao urbano iníciado há pouco mais de
duas décadas. A sua influência no actual pensamento urbanístico europeu é inegável - pese
embora que por vezes tenham sido mais facilmente copiadas as aparências e imagens
exteriores do que a complexidade da metodologia que propõe.

Contudo a postura de Rob Krier foi muito críticada por ser demasiado académica e
há mesmo quem observe que para um observador externo o projecto de reconstrução de
Stuttgart, tem uma vertente neoclássica nazista como os de Albert Speer e os seus
projectos parecem tão autoritários e impessoais quanto a «Ville Radiouse».32

32
Lamas, José, 2004

80
3.3 Aldo Rossi e a Arquitectura da Cidade

Aldo Rossi, a sua obra “A Arquitectura da Cidade” (1966) teve influências em


todos os meios ligados à prática da Arquitectura e do Urbanismo, sobretudo na Europa
Mediterrânica. Passados mais de vinte anos, é possível verificar a sua influência no
pensamento urbano actual.

O ensaio de Rossi surgiu integrado num conjunto de trabalhos de autores italianos


da mesma época, como Gregotti, Aymonino, Grassi e também Tafuri, de estudos da
Faculdade de Arquitectura de Veneza e do Politécnico de Milão sobre as relações entre
morfologia urbana e tipologia construtiva, outras investigações historiográficas e geográficas
sobre factos urbanos e a sua formação e, finalmente, no movimento «La Tendenza» de
natureza neo-racionalista italiana cuja intenção pretendia salvar tanto a Arquitectura como a
cidade do discurso esmagador das vertentes técnicas e económicas do discurso moderno.
Rossi é um dos expoentes da Arquitectura neo-racionalista italiana e um dos defensores da
corrente Pós-Moderna.33

Segundo Peter Gössel e Gabriele Leuthäuser, (1990), a Arquitectura surge como


parte da ‘consciência onírica colectiva’ (Walter Benjamin), o seu significado nasce da
inovação de símbolos eternamente válidos que, ao associar-se formam a cidade – arcadas e
praça, fachadas e casa, coluna e templo, arco e ponte, árvore e bosque.
Aldo Rossi parte de interpretações como esta, para si, os elementos geométricos, as formas
básicas do cubo, cilindro e prisma, ganharam um significado precioso ao longo da história.
Rossi, combina os blocos de construção de acordo com as regras lógicas da ordem, como
se partisse de um conjunto de blocos de recordações. O local para esse acontecimento é a
cidade, é esse o cenário onde as pessoas desempenham papéis. O palco é a praça pública,
onde a poesia da vida da comunidade está concentrada. Por conseguinte Rossi, esforça-se
por criar um espaço urbano, condena a construção de ‘solitários autónomos’ como os de Le
Corbusier. Em lugar de formas rígidas, que vê como demasiado limitadas, volta-se para a
arte da composição arquitectónica, cria uma nova unidade a partir de fragmentos já
existentes e acrescenta-lhes símbolos reduzindo ou aumentando, alternadamente as
possibilidades formais.

33
Lamas, José, 2004

81
Rossi utiliza o rigor da geometria e das formas puras, continua o neo-racionalismo de
Boullée ou de Ledoux, reintroduz no desenho urbano o rigor do traçado e formas
tradicionais.

A sua obra é uma crítica ao Urbanismo Moderno. Rossi, analisa a cidade como um
factor histórico e arquitectónico.
No seu livro estuda as relações entre a tipologia e a morfologia urbana, definindo
vários conceitos. Tal como Krier e Sitte é contra o Movimento Moderno e das soluções de
desenho urbano.
No seu livro, Rossi analisa a cidade enquanto Arquitectura, mas segundo ele a
cidade não é um simples aglomerado de edifícios, é a resultante de uma longa história
incessantemente reconstruída. Esta premissa, simples na aparência, rompe radicalmente
com muitos conceitos urbanísticos do século XX, cujo ponto de partida era a cidade ideal
planificável.
São possíveis duas leituras no seu livro, mas no entanto conduzem à mesma
conclusão.
Em primeiro lugar, crítica o funcionalismo e o ergonómico, isto é, o princípio de que a forma
arquitectónica ou urbanística decorreria automaticamente da definição da divisão de
funções, concepção muito difundida na época. Rossi chama a isto uma crítica ao
funcionalismo ingénuo (as utopias orgânicas de Hugo Hearing incluídas), que despoja a
forma e o tipo da sua complexidade natural, sem poder preencher o vazio assim deixado.

Segundo José Lamas, (2004), Rossi opõe-se ao funcionalismo como relação


determinista entre forma e função, proclamando a autonomia do desenho arquitectónico,
desenho cujas motivações de ordem cultural encontram no sítio – o «locus» - a energia
criativa e projectual da ligação do objecto ao território que o suporta. O «locus», mais do que
o sítio, terá o potencial para gerar formas e a relação singular e universal que existe entre
certa situação local e as construções que a ocupam. Através do conceito função da cidade
crítica o funcionalismo e o organicismo:
“O conceito de função, marcado pela fisiologia, assemelha a forma a um órgão,
pelo que são as funções que justificam a sua função e o seu envolvimento e as
alterações da função implicam uma alteração da forma.
Funcionalismo e organicismo, as duas principais correntes que têm percorrido a
Arquitectura moderna, evidênciam assim a sua raiz comum e a causa da sua
debilidade e do seu equívoco fundamental. A forma é assim destruída das suas
mais complexas motivações; por um lado o tipo reduz-se a um mero esquema
distributivo, um diagrama de percursos, por outro a Arquitectura não possui
qualquer valor autónomo. Este conceito da função é pois assumido por todo o
pensamento arquitectónico e urbanístico, e particularmente no âmbito da
geografia, chegando a caracterizar, como se viu mediante o funcionalismo e o
organicismo, grande parte da Arquitectura moderna.” (Rossi, 1977, p.47).

82
Tendo como caso de estudo a cidade de Chicago e o Plano de Park e Burgess
elaborado para essa cidade, Rossi crítica mais um aspecto da teoria funcionalista – o
zonamento. Segundo Rossi, o zonamento;
“…oferece um modo de leitura da cidade aparentemente convincente, se bem que artificial,
tanto que teve um sucesso tão rápido quanto breve. Também neste caso se procedeu com demasiada
rapidez a uma extensão imprópria de resultados em si válidos.” (Rossi, 1977, p.85)

Através dos modelos da Cidade-Jardim, da «Ville Radieuse» e da «Unité d’ Habitation»,


crítica o Urbanismo Moderno e o problema do valor da residência na estrutura urbana,
advertindo para o facto da necessidade de recuperar a rua e a praça como palco da
comunidade, “a praça é um palco rectangular onde têm lugar encontros, conversas, jogos,
litígios, invejas, piropos e orgulho.” 34

Em segundo lugar, através da avaliação crítica de muitas obras ou estudos que têm
uma ligação directa com as suas investigações, Rossi expõe diferentes abordagens com a
intenção de delimitar a história, o desenvolvimento, a morfologia e a estrutura social e
arquitectónica da cidade. Procede, ao fazê-lo, de modo metódico e pluridisciplinar, tomando
em consideração tanto a teoria da memória colectiva de Maurice Halbwachs como as teses
urbanísticas de Camillo Sitte, as investigações de Jean Tricart sobre a estrutura social como
as críticas de Hans Bernouilli sobre a propriedade fundiária privada, a história do
desenvolvimento de Paris, de Pierre Lavedan como as análises de Fritz Schumacher,
desenvolvidas numa perspectiva de praticante - para citar apenas algumas.

A proeza científica de Rossi reside no facto de ter reunido tantos estudos e depois ter
feito uma apreciação crítica a partir de diversos ‘objectos urbanos’, de Atenas e da Roma
antiga, passando pela Viena medieval e a Berlim.
A análise que Rossi faz desta abundante literatura esclarece-nos aliás sobre os seus
próprios conceitos arquitectónicos. Parte do postulado de que todos os factos urbanísticos
têm uma grande complexidade, que não se podem explicar por meio de um só facto causal
nem encontrar soluções simples. Apoiando-se na categoria de permanência, que se pode
aplicar a monumentos ou a traçados de ruas, Rossi descreve a indefinível capacidade de
transformação e variação das funções tomando como exemplo o Palazzo della Ragione em
Pádua. Este edifício municipal construído nos séculos XIII e XIV, e que era a câmara
municipal, tribunal e mercado simultaneamente, é a prova, segundo ele, de que usos
diferenciados podem adaptar-se ao envelope arquitectónico e não o inverso. O Palazzo
34
Rossi, 1977, p.109

83
della Ragione é um monumento cujas funções não são forçosamente legíveis do exterior.
Os monumentos deste género são pontos culminantes indispensáveis a qualquer cidade. O
seu vigor expressivo, a sua importância para a constituição fisionómica e identitária da
cidade não resultam da função, pelo menos em primeiro lugar, mas da forma. Aqui, Rossi
situa-se nos antípodas de Venturi: ao proclamar a sua ligação ao monumento antigo, que
ele reforça, entre outros, como a imagem da catedral de Colónia no meio das ruínas da
cidade histórica, bombardeada em 1945.
O grande objectivo de Rossi é voltar a dar ao monumento aquilo que o funcionalismo
o privara: a forma significativa, a mensagem decisiva, a exigência artística e a força. No
entanto, a cidade mostra ser muito mais simples do que uma simples soma de monumentos
importantes, e se a história de uma cidade é a história da sua Arquitectura, a recíproca não
é verdadeira.
Eis o que escreveu Rossi no posfácio da primeira edição alemã do seu livro (1973):
“A cidade de Split que se constituiu a partir do Palácio de Diocleciano (antiguidade tardia) e,
portanto, teve de encontrar um novo uso e um novo significado para formas imutáveis,
alcançou uma importância emblemática graças a este aspecto Arquitectural e à sua ligação
com a cidade, pois à extrema densidade da forma corresponde, no caso, uma grande
capacidade de adaptação a funções bem diferentes”.
Ao redescobrir a cidade histórica, os seus valores eternos e o seu potencial evolutivo, Rossi
deu um contributo decisivo ao debate sobre o Urbanismo e salvaguarda de monumentos
históricos, assim como imprimiu a sua marca na Arquitectura por meio das suas construções
emotivas, narrativas e extremamente racionalistas.

O seu livro, «A Arquitectura da Cidade» é uma tentativa de estudar a cidade pelo


caminho da Arquitectura, ou seja Aldo Rossi constrói conceitos para compreender a cidade.
O conceito básico é o facto urbano e a teoria da cidade. Segundo Rossi a Arquitectura da
cidade podem-se entender dois aspectos diferentes;

“ …primeiro no primeiro caso é possível assemelhar a cidade a um grande


manufacto, uma obra de engenharia e de Arquitectura, maior ou menor, mais ou
menos complexa, que cresce no tempo; no segundo caso podemo-nos referir a
áreas mais delimitadas da cidade, a factos urbanos caracterizados pela sua
Arquitectura e, portanto pela sua forma.”
(Rossi, 1977, p.35)

84
Rossi analisa as funções da cidade a partir do «locus», define a morfologia urbana
como a descrição das formas de um facto urbano e a ‘alma da cidade’ como a qualidade do
facto urbano. No seu estudo aprofunda as questões das tipologias e da sua relação com a
cidade, das partes, do locus e da política como escolha da cidade.

“Tipologia é a ideia de um elemento que desempenha um próprio papel na constituição da


forma, e que é uma constante. A tipologia apresenta-se portanto, como o estado dos tipos não
ulteriormente redutíveis dos elementos urbanos de uma cidade como de uma Arquitectura”. (Rossi,
1977, p.45)

Rossi analisa as questões que envolvem um facto urbano, destaca entre elas, a
individualidade, o «locus», a memória e o próprio desenho. A estrutura dos factos urbanos
faz com que as cidades sejam distintas no tempo e no espaço «per genus et differentiam».

Para compreender o seu estudo é importante que se compreenda o que é um facto


urbano. Segundo Rossi os factos urbanos, são elementos que compõe a cidade, fala das
igrejas, casas particulares, monumentos, praças, ruas, etc., são singulares, únicos pedaços
de cidade que formam a mesma. Rossi divide estes projectos em área-residência e
elementos primários, ou seja, esfera pública e esfera privada.

Ao estudar a cidade como um manufacto, como Arquitectura total, avançou com três
proposições distintas. A primeira sustém que o desenvolvimento urbano está relacionado com
o sentido temporal, a segunda proposição refere-se à continuidade espacial, aceitar esta
continuidade significa aceitar como factos homogéneos, numa determinada área urbana, sem
supor que existe uma ruptura entre factos.
A terceira proposição refere-se que na estrutura urbana existem alguns elementos de
natureza particular que tem a capacidade de acelerar ou retardar o processo urbano e que
são por natureza assaz relevantes. Segundo Rossi:

“A cidade é a soma de muitas partes, bairros e distritos que são muito


diferenciados nas suas características formais e sociológicas”. É precisamente
esta diferenciação que torna as cidades diferentes. “A cidade, na sua vastidão e
na sua beleza, é uma criação nascida de numerosos e diferentes momentos de
formação; a unidade destes momentos e a unidade urbana no seu conjunto; a
possibilidade de continuidade reside no seu proeminente carácter formal e
espacial.” (Rossi, 1977, p.80).

A sua análise sob influência iluminista leva-o ao pensamento dos tratadistas do


século XVIII, retoma o pensamento de Viollet-Le-Duc, Milizia, Quatremére, de Quincy e
Durand e os seus enfoques sobre as relações entre os edifícios e a cidade. Rossi resgata
valores como os da rua, do bairro e do quarteirão desenvolvidos nos tratados e esquecidos

85
pelo funcionalismo e organicismo. Discussões levam a afirmar a forma, não como uma
redução ao momento lógico, mas como afirmava os tratadistas ‘a bela cidade como boa
Arquitectura’, é na totalidade que se constrói por si mesmo e não na parte.
Uma parte do seu livro, Rossi aborda as relações entre a tipologia construtiva e a
morfologia urbana. A partir da morfologia urbana, Rossi define o conceito de bairro.

“Bairro é uma unidade morfológica e estrutural, é caracterizado por uma certa


paisagem urbana, por um certo contudo social e por uma função própria; logo, a
transformação de um destes elementos é suficiente para fixar o limite do bairro.
Também aqui é necessário ter presente que a análise do bairro como um facto
social baseado na segregação de classe ou raça e nas funções económicas ou de
qualquer modo no estrato social correspondente, sem dúvida, ao mesmo processo
de formação da metrópole moderna, isto é tão verdadeiro para a Roma antiga
como para as grandes cidades de hoje.” (Rossi, 1977, p.83)

Rossi define vários conceitos: o sítio, ou seja, a área sobre a qual surge uma cidade, a
superfície que ela realmente ocupa.
A área, sob o ponto de vista geógrafo, é essencial para a descrição de uma cidade e,
justamente com a localização e com a situação, é um importante elemento para classificar
cidades diferentes.
No seu livro a área, é entendida como unidade do conjunto urbano que emergiram, mediante
uma operação, de diferentes processos de crescimento e diferenciação, ou então os bairros
ou partes da cidade que adquiram características próprias.
A cidade é vista como uma grande obra, individuáveis na forma e no espaço, mas esta obra
pode ser apreendida através dos seus trechos, dos diferentes momentos. A unidade destas
partes é dada fundamentalmente pela História, pela memória que a cidade tem de si
mesma.
Mas as áreas e a áera-residência não são suficientes para caracterizar a conformação e a
evolução da cidade; o conceito de área deve fazer-se acompanhar o de um conjunto de
elementos determinados que funcionaram como núcleos de agregação.

Citando José Lamas, (2004), Rossi e outros autores demonstram que as relações
entre a forma urbana e a tipologia construtiva são dialécticas. Denunciam o determinismo
que o Movimento Moderno imprimiu à forma urbana ao fazê-la depender, de modo unívoco,
da tipologia habitacional. Produzem um enorme corte no edifício conceptual moderno e
acendem uma ‘luz’ para a urbanística dos anos sessenta. Com os «Rapporti», concluía-se
que a forma urbana é interdependente com as tipologias construtivas e que trabalhar sobre
a forma urbana é interdependente com as tipologias e vice-versa.

86
O universo estudado, as cidades de Pádua e de Veneza, interligava as conclusões do
estudo à morfologia tradicional e demonstrava as diferenças com a morfologia moderna.
José Lamas, cita alguns pontos-chave do seu trabalho:
• a afirmação de que a cidade é construída por Arquitectura, sendo esta a chave da
leitura e interpretação dos factos urbanos;
• a relação da forma da cidade com a tipologia do edificado, corolário da anterior, que
reforça a relação entre a cidade e arquitectura;
• a continuidade com o pensamento de Marcel Poéte e Lavedan na sua análise
morfológica, reinterpretando os princípios das permanências e da individualidade e
autonomia da Arquitectura na construção da cidade;
• a crítica frontal ao funcionalismo, na demonstração de que entre forma e função se
estabelecem relações mais complexas e dialécticas do que as de causa efeito;
• a explicação, através da morfologia, dos diferentes fenómenos e leituras da cidade.

Rossi não aborda o desenho urbano, no sentido de um manual ou conjunto de


princípios, para as questões imediatas da prática profissional. O seu contributo para a
revisão e abandono do Urbanismo Moderno é dado enquanto legítima a revitalização das
formas urbanas tradicionais – da rua ao quarteirão, da praça ao monumento, bem como da
geometria e do traçado, no acto de projectar uma cidade.
Para Rossi, a Arquitectura da cidade não é a Arquitectura do edifício isolado, como
na Urbanística Moderna, mas o princípio ordenador no qual se desenvolvem e estruturam
as tipologias que integrarão a forma urbana.
A influência do movimento «LaTendenza» e da obra de Rossi terá sido mais
significativa na planificação urbana em Itália e em países como a Espanha e Portugal.
Essas influências podem ser vistas no planeamento recente de cidades como
Madrid, Barcelona ou Milão, cujas opções de programas funcionais e de ‘planos
morfológicos’, ou a actuação urbanística por intervenções arquitectónicas qualificadoras,
bairro a bairro, rua a rua, revelam o entendimento da cidade como conjunto de factos
urbanos e arquitectura, em detrimento dos esquemas de planeamento e controlo das
variáveis abstractas e quantitativas dos grandes planos directores.

O pensamento de Rossi não pode ser separado dos projectos que realizou: os
concursos para o Centro Direccional de Turim (1962) e para o Complexo Residencial de
San Rocco, em Monza (1966), o cemitério de Modena (1971-1984) e o concurso para o
Centro Direccional de Florença (1977) reflectem no seu microcosmo a ideia de cidade
‘rossiana’: o anonimato da função residencial formada por tipos habitacionais que

87
estabelecem o pano de fundo no qual sobressaem as tipologias arquitectónicas dos
equipamentos de nível superior e representativos da ordem social – a escola, o hospital, a
prisão. O monumento e o cemitério completam esta visão (quase obsessiva): o primeiro,
constituindo-se como elemento primário da estrutura urbana; o segundo, reproduzindo ‘na
cidade dos mortos’ o ordenamento (neo-racionalista) da ‘cidade dos vivos’.35 (fig.42,43)

Fig. 42 – Aldo Rossi: Concurso para o Centro Direccional de Turim, 1962. (Plano de volumes)
Concurso para o Complexo Residencial de São Rocco, em Monza, 1966. (Maqueta)

35
Lamas, José, 2004

88
Fig. 43 – Aumento do cemitério San Cataldo em Modena (1871-1984)
Rossi procura estabelecer uma ligação entre as formas monumentais do
cemitério e os monumentos industriais da cidade (em fundo).

Fig. 44 – Aldo Rossi: Hotel II Palazzo em Fukuoka (1987-1998)


O Hotel II Palazzo combina elementos ocidentais e asiáticos e pretende
ser, enquanto monumento, organizador do caos urbano.

89
3.4 Introdução à Nova Carta de Atenas

A qualidade do ambiente urbano é cada vez mais um factor importante para os


indivíduos, em consequência do aumento da taxa de urbanização e da percentagem da
população urbana existente.
Surgem diversos programas internacionais como a «Agenda 21 Local», «Agenda Habitat»,
«Cidades Saudáveis» e «Cidades Sustentáveis», nos quais as agencias das Nações Unidas
estão envolvidas. O Centro Habitat elabora periodicamente relatórios mundiais de grande
qualidade, como o «State of the World’s Cities 2001» e o «Cities in a Globalizing World:
Global Report on Human Settlements 2001».

O ambiente urbano é também uma das prioridades da Comissão Europeia, mais


concretamente do «Sexto Programa de Acção em Matéria de Ambiente» «Ambiente 2010: O
Nosso Futuro, a Nossa Escolha», que lhe dedica uma estratégica temática (entre sete).
A Comissão Europeia, tem como principal objectivo “melhorar o desempenho ambiental e a
qualidade das áreas urbanas e assegurar um ambiente de vida saudável para os cidadãos
urbanos na Europa, reforçando a contribuição ambiental para o desenvolvimento urbano
sustentável, tendo simultaneamente em conta as questões sociais e económicas”.
As preocupações da Comissão Europeia remontam a 1991, data em que foi publicado o
Livro Verde sobre o Ambiente Urbano.

O Programa das Cidades e Vilas Sustentáveis, iniciado em 1993 teve um forte


impulso no ano seguinte com a «Carta de Aalborg», actualmente assinada por 2030
municípios de trinta e seis países de toda a Europa. Pouco depois em 1996, o Grupo de
Peritos em Ambiente Urbano lançou o Relatório das Cidades Sustentáveis, uma referência
na matéria.

Em Fevereiro de 2000 realizou-se em Hanôver a Terceira Conferência Europeia


sobre as Cidades Sustentáveis, da qual o documento chave é a Carta das «Cidades
Europeias para a Sustentabilidade» (Carta de Aalborg). Esta estabelece o cumprimento das
autoridades locais a comprometerem-se com a implantação da «Agenda 21 Local»,
documento chave da Conferência da Terra, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, ou com
outros processos de planeamento para o desenvolvimento local, nomeadamente a «Agenda
Habitat», documento chave realizado durante a Segunda Conferência das Nações Unidas
sobre Aglomerados Urbanos realizada em 1997 em Istambul.

90
A Conferência de Hanôver ou a Declaração de Hanôver de Presidentes de Câmara
de Municípios Europeus na Viragem do século XXI, surgiu pela necessidade de se avaliar os
processos realizados no percurso das cidades rumo à sustentabilidade e para chegar a
acordo na direcção a seguir na viragem do século XXI.

A Nova Carta de Atenas elaborada em 1998 da responsabilidade do Concelho


Europeu de Urbanistas, é um documento completamente diferente da Carta de Atenas de
1933. A sua mais recente versão, aprovada em Lisboa em 2003, apresenta a visão da ‘Carta
Inteligente’ através de um conjunto de princípios onde, segundo Jorge Carvalho, predomina
“…a linguagem redonda da Europa há que destacar a «Carta Urbana Europeia», elaborada
em 1992 e os «Princípios Orientadores para o Desenvolvimento Territorial Sustentável do
Continente Europeu», de 2000.”

Não se pretende com este capítulo uma descrição exaustiva de todos os


documentos/cartas que se produziram até hoje sobre o assunto, mas somente dar a
conhecer a sua existência. (ver os abaixo indicados)
Seleccionam-se apenas, os considerados mais relevantes que funcionam como
pilares de uma base ideológica, comprovando que os princípios do Pós-Modernismo
continuam actuais, como se podem verificar pela Nova Carta de Atenas.

Cartas Adaptadas pela Assembleia Geral do ICOMOS, segundo Catarina Camarrinhas:

1964 Carta Internacional Sobre a Conservação e Restauro dos Monumentos e dos Sítios
(Carta de Veneza)
1982 Carta de Florença, sobre Jardins Históricos
1987 Carta de Toledo, Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas
(Washington, 1987)
1990 Carta Internacional para a Gestão do Património Arqueológico (Lausanne)
1999 Carta do Turismo Cultural (México)
1999 Carta da Arquitectura Popular (México)
2000 Carta de Cracóvia, sobre Conservação de Património Construído

91
Resoluções e Declarações de Simpósios do ICOMOS, segundo Catarina Camarrinhas:

1967 Normas de Quito (Relatório Final da Reunião sobre a Preservação e Utilização dos
Monumentos e Sítios de Valor Artístico e Histórico, Quito)
1972 Resoluções do Simpósio sobre a integração da Arquitectura Contemporânea em
Conjuntos Históricos
1975 Resolução sobre a Conservação de Pequenas Cidades Históricas
1982 Declaração de Tlaxcala sobre a Revitalização de Pequenos Aglomerados
1982 Declaração de Dresden
1983 Declaração de Roma
1993 Guião para a Educação e Formação na Conservação de Monumentos, Conjuntos e
Sítios
1994 Documento Nara sobre a Autenticidade
1996 Declaração de San António no simpósio Americano sobre Autenticidade na
Conservação e Gestão do Património Cultural

Cartas Produzidas pelos Comités Nacionais do ICOMOS, segundo Catarina Camarrinhas:

1979 Carta para a Conservação de Lugares de Significado Cultural (Carta de Burra)


(ICOMOS Austrália)
1987 Primeiro Seminário Brasileiro sobre Preservação e Revitalização dos Centros
Históricos (ICOMOS Brasil)

Outras Normas Internacionais segundo Catarina Camarrinhas:

1931 Carta de Atenas do Restauro (1º Congresso Internacional de Arquitectos e


Técnicos de Monumentos Históricos)
1954 Convenção para a Protecção do Património Cultural no Caso de Conflito Armado
(UNESCO, Haia)
1962 Recomendação Relativa à Salvaguarda da Beleza e Carácter das Paisagens e
Sítios (UNESCO, Paris)

92
1972 Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural (UNESCO,
Paris)
1975 Declaração de Amesterdão (Congresso sobre o Património Arquitectónico
Europeu)
1975 Carta Europeia do Património Arquitectónico (Conselho da Europa)
1976 Recomendação Relativa à Salvaguarda e Papel Contemporâneo dos Áreas
Históricas (Recomendação de Nairobi, UNESCO)
1992 Carta Urbana Europeia (Estrasburgo)
1994 Carta da Sustentabilidade das Cidades Europeias (Carta de Aalborg)
1998 Nova Carta de Atenas
2003 Nova Carta de Atenas – A Visão do Concelho Europeu de Urbanistas sobre as
Cidades do Século XXI
2007 Carta de Leipzig

3.4.1 A Nova Carta de Atenas, 1998

As visões da Carta de Atenas 1933, assumiram um carácter dogmático,


influenciando profundamente as nossas cidades. A proposição da cidade funcional como
crítica às cidades tradicionais definia quatro funções básicas: habitar, trabalhar, recrear e
circular. Frente à considerada perda do tecido urbano existente, surge uma nova imagem de
cidade, uma cidade homogénea.
Nas últimas décadas emerge a discussão do conceito chamado Desenvolvimento
Sustentável, que objectiva a manutenção da qualidade de vida, assegura o acesso contínuo
aos recursos naturais e evita a persistência dos danos ambientais. Sob este aspecto, surge
a Nova Carta de Atenas, resultado da discussão de onze países da Comunidade Europeia.
O trabalho realizado neste documento, aborda um breve panorama do repensar urbano,
apresenta os princípios, o paradigma proposto e traça considerações sobre a Nova Carta de
Atenas.

Associações Nacionais e Institutos de Planeamento de onze países da União


Europeia; Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Grécia, França, Itália, Holanda, Espanha, Portugal
e Reino Unido, reuniram-se para formar o Concelho Europeu de Urbanistas (CEU), realizou
e escreveu a Nova Carta de Atenas, entre meados de 1995 e início de 1998.

93
Ao comparar a evolução do pensamento urbanístico no século XX, no sentido de
acontecimentos dos factos observa-se que no intervalo entre a Carta de Atenas de 1933 e a
Nova Carta de Atenas de 1998, a emergência de valores ambientais, culturais e históricos
são incorporados na discussão para a definição de novos ideais para a cidade do século
XXI.

Ao preparar esta Carta, o CEU tem consciência da forte influência da Carta de


Atenas de 1933 e as diferenças dos tipos de estruturas urbanas e os padrões resultantes da
aplicação. Foi preparada uma nova carta mais adequada para as décadas seguintes, que
leva em conta principalmente o cidadão na tomada de decisões organizativas.
O breve panorama do repensar urbano tornou-se necessário para indicar o direccionamento
das discussões resultantes na Nova Carta de Atenas.
O principal conceito é que a evolução das cidades deve ser o resultado da combinação de
diferentes forças sociais e as acções dos princípais representantes da vida cívica. Para o
CEU, exige-se um novo cenário para o planeamento urbano que satisfaça as necessidades
sociais das gerações actuais e futuras.
Neste contexto a Nova Carta de Atenas, tem como objectivos gerais, definir uma agenda
urbana e consequentemente o papel do planeamento urbano e finaliza com recomendações
e princípios orientadores.
Em resumo, os objectivos desta Nova Carta são os seguintes:
• definir o actual programa urbano;
• recomendar algumas directrizes que irão orientar os urbanistas;
• orientar os diversos responsáveis para a tomada de decisão urbana em todos os
níveis.

A elaboração desta Carta resulta de uma série de discussões realizadas no âmbito europeu
durante a década de noventa. Entre os mais importantes destacam-se; «O Livro Verde
sobre o Ambiente Urbano» (1990), «Europa 2000: Perspectivas para o Desenvolvimento do
Território», (1991), «Europa 2000+: Cooperação para o Desenvolvimento Territorial
Europeu», (1994), «Desenvolvimento Sustentável das Cidades Europeias: Relatório do
Grupo de Peritos sobre o Ambiente Urbano», (1996), «Perspectiva Europeia de Terras»,
(1996) e «Para uma Agenda Urbana da União Europeia», (1997).36

36
Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.2.

94
Tais documentos definem um número de temáticas relacionadas com a emergência desta
Nova Carta, enfatizando a sua acção em quatro áreas-chave:37
1. Promover a competitividade económica e emprego;
2. Melhorar os transportes e da Rede Trans-Europeia (TENS);
3. Promover o Desenvolvimento Sustentável e a qualidade de vida;
4. Favorecer a coesão social e económica.

Um panorama analítico é delineado em tópicos, os quais definem diversas recomendações:


• Demografia e Habitação
“Ao longo dos últimos cinquenta anos, o padrão demográfico da Europa mudou, este
fenómeno é devido a vários factores interligados: um aumento da taxa de divórcio, o
casamento tardio, um envelhecimento da população e padrões de vida mais elevados. É
necessário levantar algumas questões sobre a localização e as características das
habitações, bem como sobre a forma de distribuir as habitações ao mesmo tempo que
protege o meio ambiente (…) fornecimento de habitação social é também uma componente
das zonas urbanas e representa um problema para ser resolvido no futuro”.38

• Questões Sociais
“Juntamente com as mudanças demográficas, houve uma transformação radical nas
estruturas sociais das cidades Europeias. Tem sido cada vez mais partindo do princípio de
que a vitalidade da cidade depende, em grande parte, a diversidade dos grupos sociais que
podem ser definidos por idade ou raça (…) o Urbanismo também desempenha um papel
importante na redução dos efeitos negativos do abrigo, a pobreza e a escassez de recursos
através de uma estratégia coordenadora para revitalizar a comunidade”.39

• Cultura e Educação
“Numa sociedade cada vez mais tecnicamente sofisticada, há uma crescente procura de
lazer e recreio. No futuro, os europeus vão ter mais tempo livre, gastar menos horas nas
viagens para o trabalho e desfrutar de uma maior esperança de vida. Lazer, recreio e
turismo são actividades urbanas emergentes na União Europeia e o património urbano é
uma componente essencial desse fenómeno.

37
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.2.
38/39
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.3.

95
A combinação desses factores tem causado uma grande pressão sobre o património e
espaços públicos em áreas urbanas (…) Em muitas cidades o património e o tecido urbano,
foram destruídos por alguns planos inadequados de reorganização espacial, construção de
estradas e descontroladas acções do sector imobiliário. No futuro deverá haver um esforço
concentrado para proteger o património e recursos e promover melhores práticas para a
conservação e interpretação. Estas acções, juntamente com uma estratégia territorial
adequada, são essenciais para o bem-estar da cidade do futuro, e a expressão da
identidade individual e carácter (…) A educação é um componente essencial do
desenvolvimento da cidade, ela permite ao cidadão a compreender a cidade, obter
informações e adquirir atitudes cívicas essenciais. Por sua vez, oferece a oportunidade de
participar mais activamente na vida da cidade e do processo de tomada de decisão”.40

• Sociedade Informatizada
“Espera-se que as futuras alterações irão reduzir a necessidade global de viajar, mudar as
características do local de trabalho e melhorar a capacidade dos cidadãos para obter
informações de uma forma de comunicar de forma rápida e eficaz. Possivelmente melhorar
o sistema educacional, proporcionando mais oportunidades de aprendizagem à distância de
casa (…) Em geral, a revolução da informação é susceptível de ter um efeito positivo sobre
o desenvolvimento futuro da cidade. No entanto, é necessário tomar medidas contra as
eventuais consequências negativas, incluindo o isolamento social e as diferenças entre os
mais informados e menos informados, que podem ser deslocados de outros grupos sociais.
As autoridades municipais têm a responsabilidade de assegurar que todos tenham acesso
aos benefícios dessas mudanças. Para fazer uma cidade mais compreensível para os seus
cidadãos”.41

• Meio Ambiente
“Nos últimos dez anos o conceito de desenvolvimento surgiu como um elemento-chave do
planeamento urbano. Há uma reconhecida necessidade de implementar estes princípios
como parte integrante do planeamento e desenvolvimento urbano. Cidades modernas
geram grandes quantidades de resíduos e poluição provocando uma degradação geral da
qualidade do meio ambiente e os níveis globais de vida. A necessidade de criar uma cidade
sustentável é um dos maiores desafios enfrentados pelos urbanistas deste século. Além de
enfrentar o declínio da qualidade ambiental, existe a necessidade de proteger o património

40/41
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.4.

96
urbano, espaços verdes e o ambiente cultural dentro e fora das cidades (…) A conservação
da energia também será um factor importante no planeamento do futuro das cidades”.42

• Economia
“A economia sempre teve uma profunda influência sobre a estrutura das cidades. Ao longo
das últimas décadas, a estrutura da economia da União Europeia mudou muito rápidamente
(…) O desenvolvimento económico, incluindo a colaboração entre o sector privado, público e
voluntário, irá desempenhar um papel fundamental na estrutura da cidade”.43

• Mobilidade
“Em 1996, a Comissão Europeia publicou o «Livro Verde» sobre os transportes, intitulada
«A Rede dos Cidadãos: O desenvolvimento do papel do transporte público na Europa». O
relatório mostrou que, em toda a Europa, tem aumentado o número de veículos e
proprietários de uso destes desde os anos setenta, e espera-se que continue a aumentar a
um possível 200% nos próximos vinte e cinco anos (…) As consequências desta revolução
nos transportes são conhecidos em todo o mundo, especialmente no que diz respeito à
poluição, congestionamento, risco sanitário e utilização de energias renováveis. No que
respeita à estrutura da cidade e da qualidade de vida, o transporte rodoviário exige uma
grande quantidade de espaço. A consequência disso foi a expansão da cidade em que o
terreno circundante, bem como o surgimento da cidade-região. Embora pareça que a
mobilidade tem vindo a melhorar, de facto, o acesso à cidade tem diminuído. Em muitas
cidades, os automóveis dominam as ruas, reduzindo o espaço disponível para os peões e
ciclistas (…) O planeamento deve dar resposta positiva a estas pressões favorecendo a
melhoria da acessibilidade das redes trans-europeias de transportes, vai permitir um melhor
acesso para as cidades, gerando actividade económica e permitindo o intercâmbio entre as
cidades e regiões (…) É necessário fazer mais investimentos em novas infra-estruturas de
transporte, especialmente nos transportes públicos bem como em ciclovias. Os cidadãos
precisam de ter um maior grau de escolha e de acessibilidade"44

42/43
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.5.
44
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.6.

97
• Escolha e Diversidade
“No que diz respeito ao planeamento da estrutura económica da cidade e do
desenvolvimento das actividades económicas, as vantagens de utilização mista, as áreas
devem ser planeadas com cuidado, contra a abordagem tradicional, que se centra em áreas
residências e comercias. No que diz respeito à utilização dos solos, as zonas mistas, que já
existiam nas cidades mais antigas, pode proporcionar a diversidade e o aumento da
actividade económica”.45

• Segurança e Saúde
“Continuam a existir zonas de conflito e instabilidade em alguns locais das cidades
europeias. A nível local, existe um crescente medo da criminalidade nas cidades de toda a
Europa, que, de certa forma está ligada à qualidade das condições de vida, as estruturas
sociais e de saúde. O planeamento urbano, em colaboração com outros profissionais pode
resolver estes problemas, para criar uma habitação de maior qualidade, maior facilidade ao
trabalho e melhorias no ambiente global”.46

Em síntese a forma urbana desejável para uma Cidade Sustentável é direccionada


para a idealização da Cidade do Futuro.
Todos os elementos analisados estão ligados a aspectos sociais de planeamento e que uma
série de questões influenciam a forma urbana, como por exemplo, questões de centralidade
e dispersão.

Segundo a Nova Carta de Atenas, 1998 a forma urbana está intrinsecamente ligada
ao carácter da cidade e ao seu «genuis loci»47. Dessa forma, o planeamento regional deve
garantir a hierarquia e a clara função nas relações intra-urbanas e regionais.
Reconhece a positiva vantagem em desenvolver o conceito de ‘Cidades Conectadas’, cada
uma com identidade e propostas claras, o modelo de uma ‘Cidade Sustentável’.

45
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.6.

46
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.7.

47
Segundo Norberg-Shulz, «genius loci» é um conceito romano de que toda entidade tinha o seu «genius», o
seu espírito de lugar. Esse espírito, responsável pelas pessoas e lugares, determinava o seu carácter ou a sua
essência.

98
O desenvolvimento de uma compreensão integrada e a evolução para um processo
mais demográfico requer melhoria na comunicação e uma maior participação comunitária
nos processos de decisão. Há a necessidade contínua de se mudar as medidas do
planeamento urbano, baseando-se num processo centrado nas necessidades dos cidadãos.
A noção de cidadão e cidadania, expressa as necessidades humanas de viver nas cidades,
temática central da Nova Carta de Atenas, 1998.

3.4.2 - As Dez Recomendações da Nova Carta de Atenas


Satisfazendo as Necessidades do Amanhã e as Aspirações dos Cidadãos

A síntese da análise para os possíveis cenários de uma Cidade Sustentável, define


recomendações necessárias para a actuação do Urbanista: uma cidade para todos,
envolvimento real, contacto humano, continuidade do carácter, benefícios de novas
tecnologias, aspectos ambientais, actividades económicas, movimento e acesso, variedade
e diversidade, saúde e segurança.
Estas recomendações são de natureza geral, têm em conta os elementos que
permanentemente afectam o planeamento das cidades, incluíndo o tempo, a complexidade,
os limites e as questões de centralidade e da organização espacial. A importância do
planeamento estratégico e da dimensão espacial não pode ser subestimada, de modo a
fornecer o contexto para uma visão futura e para colocar a cidade no seu contexto sub-
regional e regional. Acima de tudo, a Nova Carta de Atenas procura colocar o cidadão no
centro do planeamento e na tomada de decisões. Um dos objectivos desta é que seja
monitorizada e revista todos os quatro anos. As conclusões desta revisão serão discutidas
em conferências e apresentadas em Atenas.
As recomendações estabelecidas na Nova Carta de Atenas referem-se a:

1. Uma Cidade para Todos


Aborda reflexões sobre a pobreza urbana e declínio de coesão social, e define que o
processo de planeamento das cidades deve garantir a união de todos os grupos na vida
económica, social e cultural.

99
2. Envolvimento Real
O Urbanista deve capacitar e encorajar as diversas formas de participação comunitária nas
decisões. As formas de participação devem ser aplicadas ao nível mais baixo, de modo a
possibilitar e encorajar o envolvimento activo dos cidadãos nas decisões em planeamento.
A estrutura do Urbanismo deve ser reestruturada de forma hierárquica, de modo a torná-la
mais acessível a todos os cidadãos.

3. Benefícios das Novas Tecnologias


Alerta para o desenvolvimento de tecnologia que terá um rebatimento na estrutura da cidade
na possibilidade de promoção de descentralização de actividades e acesso igualitário às
informações.
As pequenas unidades da rede de informação devem promover o contacto humano, que é
um elemento essencial da identidade cultural e da coesão social. As novas tecnologias
devem proporcionar novas oportunidades.
O planeamento deve estudar as possibilidades de descentralização das actividades, tendo
em atenção as novas tecnologias, de modo a desenvolver cidades poli-centricas e multi-
facetadas.

4. Contacto Humano
O aumento da concentração da população nos centros urbanos originou a perda da escala
humana e consequentemente o desgaste das estruturas sociais e físicas. O aumento da
densidade reflectiu-se na perda de espaços livres, parques, praças e equipamentos
comunitários, tão importantes como pontos de encontro da população.
O planeamento deve ser aplicado em níveis hierárquicos espaciais, nomeadamente ao nível
do lote, vizinhança, bairro, cidade e região e níveis sociais e hierárquicos.
Ressalta a recriação das chamadas áreas de domínio público, entendido como lugar onde o
senso de comunidade, a vitalidade e actividade social devam ser desenvolvidos e reforça a
necessidade de espaços abertos e regeneração de áreas abandonadas. Os esforços devem
ser feitos de modo para conservar e revitalizar a rede de espaços livres, parques e áreas de
lazer dentro das cidades.
A importância do design urbano enquanto promotor da vitalidade das cidades deve ser
tomada em atenção por parte dos urbanistas, pois pode ser encarado como um revivalismo
do urbanismo tradicional.

100
5. Continuidade do Carácter
Os efeitos actuais da intensa urbanização debilitaram a integridade cultural da cidade,
degradaram a sua estética e danificaram a continuidade da sua malha.
A ‘Continuidade do Carácter’ crítica a destruição sistemática do tecido urbano, a
necessidade de salvaguardar os elementos tradicionais e a identidade dos ambientes
urbanos.
Soluções desenhadas devem ser baseadas nos impactes culturais, visuais, funcionais e
históricos da área e nas suas qualidades existentes.
“O planeamento deve procurar proteger os elementos tradicionais e a identidade do
ambiente urbano, incluindo edifícios, quarteirões históricos, espaços livres e áreas verdes.
Estes elementos devem ser incorporados em redes contínuas, baseadas em princípios do
desenho urbano”.48

6. Aspectos Ambientais
Os aspectos ambientais estão no cerne das recentes discussões e, como afirmam os
princípios do Desenvolvimento Sustentável, deverão ser a essência do planeamento urbano,
este inclui o planeamento de gestão dos resíduos sólidos, o uso da energia, transportes e a
biodiversidade.
A distribuição espacial de usos do solo irá também ter um efeito essencial na
sustentabilidade da cidade. Neste sentido, deverá ser direccionado para a conservação dos
recursos não renováveis, a conservação de energia e de tecnologias limpas, a redução dos
vários tipos de poluição, evitar o desperdício e promover a reciclagem e redução, e a
necessária flexibilização das decisões com o suporte de comunidades locais.
“A biodiversidade deve ser uma componente essencial no planeamento da cidade, devendo-
se procurar manter ecossistemas através de ‘corredores verdes’ que penetram a cidade.
Especial atenção deve ser dada ao melhoramento das áreas de franja urbana”.49

Recomendações como ‘Actividades Económicas’, ‘Movimento e Acesso’ e ‘Variedade e


Diversidade’ estão sobrepostas nas relações centrais de uso do solo nas cidades.

48
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.13.

49
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.14.

101
7. Actividades Económicas
É necessário um «approach» integrado para a regeneração urbana na inter-relação de
aspectos físicos, estruturais sociais e revitalização económica.

8. Movimento e Acesso
A promoção de acessibilidade requer conhecimento de que o uso do solo e o sistema de
transportes devem ser concebidos de forma única, diminuindo a dependência de veículos
individuais.

9. Variedade e Diversidade
No planeamento urbano, um dos objectivos é abolir as áreas mono-funcionais de grande
escala, excepto quando, para defesa da saúde pública e da segurança os usos devam ser
separados. A promoção de usos mistos compatíveis deverá ser enfatizada, incrementando a
vitalidade e variedade no tecido urbano. Acrescenta a necessidade de desenhos/soluções
inovadores para a habitação de baixo custo, além de uma maior variedade de tipos de
habitação deve estar disponível para ir ao encontro de todas as classes sociais.
Os desenhos deverão também procurar soluções mais económicas, através da aplicação de
novas tecnologias de construção e novos materiais. Devem também apresentar soluções
mais energéticas tirando partido de melhor insolação.
“O planeamento deve assegurar uma estrutura satisfatória, para os cidadãos terem poder de
escolha do emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, e de todas as formas que
contribuam para o seu bem-estar”.50

10. Saúde e Segurança


As directrizes de saúde e segurança deverão ser priorizadas, e estão relacionadas com
desastres naturais, intervenções militares, conflitos sociais e criminalidade. Reforça que
pobreza e problemas sociais conduzem a privação e constante desumanização nas cidades.
A promoção de ‘Cidade Saudável’ pode ser alcançada elevando a habitabilidade e
melhorando as questões ambientais.
Conclui-se que a cidade do século XXI deve ser criada não somente por um plano director,
mas no processo de negociação, centrado no bem-estar do cidadão.

50
A Nova Carta de Atenas 1998 – Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das
Cidades, p.16.

102
3.5 A Nova Carta de Atenas, 2003

O Concelho Europeu de Urbanistas (CEU), de países Europeus, em 1998 propôs


uma Nova Carta de Atenas onde analisa a cidade contemporânea, suas funções e faz
propostas para o futuro das cidades do século XXI. Esta carta deverá sofrer revisão de
quatro em quatro anos, sendo que a primeira revisão foi aprovada no Congresso realizado a
25 de Novembro de 2003 em Lisboa, recebendo o nome de «Nova Carta de Atenas 2003 –
A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI».

A Nova Carta de Atenas funciona como instrumento orientador e prospectivo de bons


princípios da prática urbanística para as cidades do século XXI, ‘desenha’, desde logo, o
panorama urbano para o futuro desejável, numa visão progressista de redes de cidades
onde, os processos de construção e a Arquitectura, em geral, adquirem uma
responsabilidade enorme no destino sustentável do ambiente urbano. A Nova Carta tem três
princípios orientadores; a Coerência Social, a Coerência Económica e a Coerência
Ambiental.

“É importante comparar a Carta de CEU com a Carta de Atenas original. A versão de 1933
contém uma visão prescritiva sobre o desenvolvimento das cidades, com áreas de habitação
e trabalho de alta densidade, ligadas por sistemas de transporte de massas eficazes. Em
contraste a Nova Carta centra-se nos habitantes e nos utilizadores da cidade e nas suas
necessidades num mundo em grandes mudanças”.51

A Nova Carta de Atenas a primeira parte debruça-se sobre a Cidade Coerente, a


segunda parte sobre as grandes questões e desafios que se colocam à cidade do futuro;
alterações sociais, políticas, económicas e tecnológicas, ambientais e urbanas, bem como
os necessários compromissos dos urbanistas para colocar em prática esta mesma visão.
Esta tem como objectivo orientar um grupo de acções e medidas de modo a
assegurar uma maior coerência na construção de uma rede de cidades com pleno
significado e a transformar as cidades europeias em cidades coerentes e sustentáveis a
todos os níveis e em todos os domínios. Nesta perspectiva apresenta uma visão partilhada e
colectiva sobre o futuro das cidades, em que estas conservarão a sua riqueza cultural e a
sua diversidade resultantes da sua história (continuidade histórica), ficaram ligadas entre si

51
A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI,
p.38.

103
por uma variedade de redes de transporte (movimento e acesso) e contribuirão de maneira
decisiva para o bem-estar dos seus habitantes e num sentido mais lato de todos os que a
utilizam (cidade para todos) e por fim permanecerão criativas e competitivas e procurarão
simultaneamente a complementaridade e a cooperação, isto é, o seu desenvolvimento
económico.

A Nova Carta de Atenas, propõe uma visão da Cidade Coerente que pode ser
atingida pelo Urbanismo e pelos urbanistas em colaboração com outros profissionais.
Propõe novos sistemas de governância e pistas que permitem o envolvimento dos cidadãos
nos processos de tomada de decisão, utilizando as vantagens das novas formas de
comunicação e as tecnologias de informação.

“A Cidade Coerente integra um conjunto variado de mecanismos de coerência e de


interligação que actuam a diferentes escalas; incluem tanto elementos de coerência visual e
material das construções, como os mecanismos de coerência entre as diversas funções
urbanas, as redes de infra-estruturas e a utilização das novas tecnologias de informação e
de comunicação”.52

A visão da Nova Carta de Atenas 2003, é a de uma cidade ligada instantânea, porém
acentua que não se trata de “uma visão utópica e nem uma projecção delirante de
inovações tecnológicas”. Também observam que esta ligação se dará através do tempo,
interligando pequenas e grandes cidades e zonas rurais, criando-se um contínuo urbano.

Propõe a Coerência Social envolvendo não apenas as pessoas, mas também as


comunidades, para solucionar os problemas de acessibilidade, a educação, saúde e outros
bens sociais. Propõe a criação de novas estruturas sociais e económicas que permitem
reduzir a ruptura social causada pela exclusão, pobreza, desemprego e criminalidade.

Na Cidade Coerente o uso de novas tecnologias permitirá oferecer uma variedade de


sistemas de transporte de pessoas e bens.
À escala local, a tecnologia e a gestão do tráfego serão utilizados para facilitar a diminuição
de utilização de veículos privados. À escala estratégica, as relações entre vizinhanças,
cidades e regiões serão facilitadas pela evolução da Rede Trans-Europeia de Transporte
(TENS) que oferecerá ligações rápidas, cómodas e económicas.

52
A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI,
p.8.

104
À escala das cidades organizadas em rede, será a melhoria das condições de troca entre os
diferentes modos de transporte que facilitará a mobilidade.
A organização do espaço numa Cidade Coerente deve incluir a integração completa das
políticas de transporte e das políticas urbanas, as facilidades de deslocação e de acesso e
uma maior escolha de modos de transporte tornar-se-ão cada vez mais um ponto crítico da
vida na cidade.

Segundo a Nova Carta de Atenas, a cidade do século XXI deve abranger a


Coerência Económica, criando um extenso tecido financeiro de malha fina, de grande
eficácia e produtividade “conjugando eficácia e produtividade, mantendo altos níveis de
emprego e procurando assegurar uma margem de desenvolvimento competitivo no quadro
da economia global, adaptando-se continuamente às mudanças internas e externas”.53
E prevê que as economias locais e regionais se ligarão com outras economias de regiões,
quer ao nível nacional como internacional, possibilitando o pleno emprego e o aumento da
prosperidade dos cidadãos.

A Nova Carta ainda prevê, que as cidades mais bem sucedidas económicamente
serão aquelas que souberem aumentar as suas vantagens competitivas, para tal formam
redes urbanas policêntricas de vários tipos, nomeadamente:
• Redes de Sinergia, redes entre cidades com as mesmas especializações ligam-se
com o objectivos comuns;
• Redes de Complementaridade, redes de cidades com especializações diferentes
ligam-se permitindo-lhes abastecer-se mutuamente;
• Redes Flexíveis, o objectivo destas redes de cidade é a troca de bens e serviços;
e por fim
• Redes de Notoriedade, são redes de cidades com interesses comuns, a nível
económico e ou culturais ligam-se com o objectivo de reforçar a vantagem competitiva de
cada uma.
As redes policêntricas de cidades organizadas sob estas diferentes formas, assegurarão a
distribuição, o crescimento e o poder das actividades económicas.

A Nova Carta de Atenas 2003, propõe a Coerência Ambiental. A gestão ambiental e


a aplicação da prática dos princípios do Desenvolvimento Sustentável produzirão uma
cidade que será mais salubre e por isso mais saudável para a vida humana. A qualidade

53
A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI,
p.14.

105
ambiental que contribui para a harmonia social e a vitalidade cultural tornam-se um dos
factores chave do sucesso económico de uma cidade.

“A componente ambiental do Desenvolvimento Sustentável não só diz respeito preservação


e reinstalação de zonas naturais nas cidades e na sua envolvente, mas implica também
muitos outros elementos:
• O princípal desafio do século XXI será o de assegurar uma utilização sensata dos
recursos disponíveis, especialmente aqueles que são naturais e não renováveis, desde logo
o solo, o ar e a água;
• Um passo importante será proteger as cidades contra os excessos de poluição e de
degradação, para que as cidades possam conservar a sua utilidade;
• As cidades do novo milénio irão gerir permanentemente o balanço «input-output» dos
recursos consumidos, com prudência e economia, adaptando-o às necessidades reais,
utilizando tecnologias inovadoras, minimizando o seu consumo pela reutilização e
reciclagem a níveis tão altos quanto possíveis;
• A produção de energia e o seu uso serão uma das princípais preocupações, com
níveis de eficiência sem precedentes e uma crescente utilização de fontes de energia
renovável;
• Enfim, a cidade cessará de exportar os seus resíduos para as áreas envolventes e
transformar-se-á num sistema coerente e auto-suficiente, tratando e reutilizando a maioria
dos recursos importados”.54
Para ser coerente com os princípios, os espaços naturais deverão ser protegidos contra a
extensão e a multiplicação das redes urbanas, para tal devem-se criar medidas de
protecção e criar estímulos para a promoção pública da tomada de consciência sobre o
valor da necessidade da preservação, valorização e salvaguarda destes espaços.

“O desenho urbano e a composição urbana serão os elementos essenciais para o


renascimento das cidades. Permitirão eliminar as clivagens entre as várias partes da cidade
e procurarão preservar o carácter próprio de cada cidade e a sua continuidade face à
tendência de homogeneização das relações interpessoais, através de diferentes políticas de
espaços urbanos e diferentes tipos de medidas e intervenções, nos quais o urbanista terá
um papel chave. Estas incluem:

54
A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI,
p.18.

106
• O relançamento do desenho urbano e da composição urbana para proteger e
melhorar as ruas, as praças, os caminhos de peões e outros percursos, como instrumentos
de coesão social e de continuidade do tecido urbano;
• Reabilitação das formas urbanas não humanizadas e degradadas;
• Medidas necessárias para facilitar os contactos entre as pessoas e para multiplicar
os locais de descanso e de lazer;
• Medidas para melhorar o sentimento indívidual e colectivo de segurança, que é um
elemento essencial da liberdade e bem-estar individuais;
• Esforços para criar ambientes urbanos simbólicos provenientes do espírito próprio de
cada lugar, valorizando assim a diversidade de carácter de cada cidade;
• Manutenção e exigência de um alto nível de excelência estética em todos os locais
da cidade;
• Protecção sistemática dos elementos do património natural e cultural, assim como a
protecção e extensão das redes de espaços abertos urbanos”.55

Em síntese os elementos de Coerência Económica, Social e Ambiental, terão uma enorme


influência e impacto sobre o Urbanismo e sobre o desenvolvimento do ordenamento do
território.

A Nova Carta de Atenas 2003, estabelece não apenas quatro funções como a Carta
de Atenas de1933, mas dez funções que são tratadas como conceitos. Uma nova visão das
cidades conectadas, que devem, segundo o Concelho Europeu de Urbanistas ser aplicadas
com as características locais, históricas e culturais. Referem-se às cidades europeias do
futuro, mas aplicam-se a qualquer cidade do mundo, já que as novas tecnologias e visão
filosófica são adaptadas quase que instantaneamente nestes tempos de globalização. Os
dez novos conceitos são:

1. Uma Cidade para Todos


Deve estabelecer a inclusão das comunidades através da planificação espacial e medidas
sociais e económicas que por si só devem combater o racismo, a criminalidade e a exclusão
social.

55
A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI,
p.21.

107
2. Cidade Participativa
Desde o quarteirão, o bairro, o distrito, o cidadão deve possuir espaços e meios de
participação pública para a gestão urbana, ligados numa rede de acção local.

3. A Cidade deve ser um Refúgio


Ou seja deve estar protegida por acordos internacionais. Deve ser um lugar adequado para
proporcionar o bem-estar, a solidariedade entre as gerações, como também tomar medidas
para combater os desastres naturais.

4. A Cidade Saudável
Obedecendo às normas da Organização Mundial de Saúde, melhorando as habitações,
meio ambiente e com o planeamento sustentável, reduzir os níveis de poluição e conservar
os recursos naturais.

5. A Cidade Produtiva
Que potencializa a competitividade, gerando postos de trabalho e pequenos negócios,
fortalecendo a economia global e melhorando o nível dos cidadãos através da educação e a
formação profissional.

6. A Cidade Inovadora
A cidade deve ser inovadora, utilizando tecnologias de informação e comunicação e
permitindo o acesso dessas tecnologias a todos. Desta forma desenvolvendo redes
policêntricas, cidades multifacetadas comprometidas com os processos de governo e
gestão.

7. Cidade Acessível
Outras das funções da cidade são os movimentos radicais e a acessibilidade que vinculam
o planeamento estratégico de transporte de forma integrada, com isto melhora as
interligações, o transporte público, ampliando as ruas livres e devolvendo os passeios aos
peões e não como meros locais para estacionamento de carros, e promovendo a caminhada
e o uso da bicicleta.

8. A Cidade Ecológica
Conceito da Carta de Atenas 1933, aplicado também na Nova Carta, com a sustentabilidade
constituindo num processo de planeamento ligado ao processo de participação social,
constituindo-se em princípios do desenvolvimento sustentável.

108
9. A Cidade Cultural
Estabelece o comprometimento com os aspectos sociais e culturais do meio urbano, com o
objectivo de enriquece-lo e diversificar a malha urbana com espaços públicos, integrando o
trabalho, habitação, transporte e lazer, ao contrário da Carta de 1933, para proporcionar
deste modo bem-estar e melhor qualidade de vida aos cidadãos.

10. A Cidade de Carácter Continuo


Tem como objectivo proteger os elementos tradicionais, a memória, a identidade do meio
ambiente urbano, incluindo as tradições locais, o património edificado, métodos construtivos,
bairros históricos, espaços abertos e verdes.

Não há dúvida de que estas são as novas funções das cidades, que já existiam
desde os primórdios, ocorre que se tem uma nova visão da cidade, estabelecendo a
ela novas funções de acordo com o novo paradigma.

109
3.5.1 Questões e Desafios da Nova Carta de Atenas56

A segunda parte da Nova Carta de Atenas debruça-se sobre os compromissos dos


Urbanistas e sobre as grandes questões e desafios que se colocam à cidade do futuro. As
tendências estão classificadas segundo quatro grupos:
• Alterações Sociais e Políticas
• Alterações Económicas e Tecnológicas
• Alterações Ambientais
• Alterações Urbanas

Alterações Sociais e Políticas


Tendencialmente devido às forças da globalização, as fronteiras perdem o seu
sentido pelo processo de unificação, o tempo e a distância parecem perder a importância.
Os cidadãos dos diversos países ficam em contacto directo e as cidades entram em
competição umas com as outras, a uma escala global.
Na Europa, as mudanças radicais de governos influenciam a organização do
ordenamento do território e a gestão das cidades. A falta de regulamentos e o poder privado
oferecem novas vias para o financiamento e permitem novos projectos de desenvolvimento.
As cidades são forçadas a entrar num meio gerido pela competição dos investimentos.
Estas optam frequentemente por um estilo de gestão empresarial com visões estratégicas a
curto prazo, e sobretudo objectivos dilatados por aspectos financeiros, bem diferentes
daqueles tradicionalmente associados à actividade do poder público. Isto reflecte-se, por
exemplo, pelo aumento do poder privado, o que conduz, por vezes, os poderes públicos
locais a negligenciar a participação do poder público nas políticas do Urbanismo estratégico.
Muitos dos importantes problemas financeiros e sociais com os quais as cidades se
debatem actualmente conduzem a deficiências na prática da democracia local, porque os
poderes públicos deixam muita das suas responsabilidades nas mãos do poder privado. Os
cidadãos sentem-se abandonados pelos seus representantes locais, perdem a confiança, o
que origina a perda do envolvimento público nas decisões do planeamento.

56
A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI,
Parte II – Questões e Desafios

110
Os desafios para as cidades do futuro, centram-se nos conceitos-chave de
desenvolvimento sustentável, da identidade urbana, da vida em comunidade, da segurança,
da saúde e da protecção médica, tornam-se cada vez mais assuntos delicados para os
urbanistas e para os processos de planeamento estratégico.
A necessidade de se criar um ambiente urbano que ofereça qualidade de vida, mas
também a protecção da saúde e a segurança pública, lançam às cidades do futuro um
importante desafio no qual os aspectos de sustentabilidade social, económica e ambiental,
sejam equilibrados. Desenvolver novas identidades baseadas nas novas influências
culturais é também um dos grandes desafios que as cidades devem resolver.
A recuperação dos laços e da solidariedade social entre as diferentes gerações
parece ter-se transformado num elemento crítico para o futuro bem-estar das populações
urbanas.
O desenvolvimento de processos inovadores de democracia local, constitui outro
desafio, trata-se de procurar novos meios para mobilizar todos os actores, com o objectivo
de aumentar a participação e de assegurar a promoção dos interesses comuns de todos os
grupos. A participação dos cidadãos permite uma melhor compreensão das exigências das
pessoas e pode dar início a uma verdadeira evolução cultural, que conduzirá à aceitação de
soluções muito diversas para fazer face às diferentes necessidades dos vários grupos,
preservando sempre uma identidade da cidade.

Alterações Económicas e Tecnológicas


No início do século XXI, a velocidade do desenvolvimento tecnológico, baseada na
procura, na inovação e na sua difusão no campo das ciências e técnicas, é mais rápida que
em qualquer outro momento da história. Influência os modos de vida, a economia, as
estruturas do território e a qualidade das cidades, sejam elas de grande ou pequena
dimensão.
O desenvolvimento e o aprofundamento do conhecimento sobre os fundamentos da
economia mudaram radicalmente as forças que conduziram ao desenvolvimento urbano. As
companhias mundiais organizam e gerem os seus negócios independentemente dos limites
regionais e nacionais, utilizando e empregando recursos, como a mão-de-obra, onde a
oferta estiver disponível e for menos cara. Os critérios de localização já não são aqueles da
concentração de indústrias transformadoras – que perdeu a sua importância – já que
riqueza e a diversificação das actividades exercidas nas cidades assim como a qualidade do

111
ambiente urbano se tornaram nos novos factores decisivos para a localização das
empresas.

A globalização da economia reforça o impacto dos factores externos sobre o


desenvolvimento urbano. Mesmo trazendo novas oportunidades, enfraquece muitas vezes a
economia local tradicional, conduzindo à depreciação dos objectivos locais e à perda das
ligações económicas e culturais entre a cidade e a região. Sem um quadro de governação
local capaz de responder a estes desafios para preservar estas forças económicas podem
conduzir a um processo de exclusão social e a situações de precariedade.

Nos desafios para as cidades do futuro, a economia baseada no saber será mais
importante que as indústrias convencionais, e de optimização das ‘performances’ as
actividades económicas deverá resultar mais tempo livre para os seus habitantes. Este facto
relacionar-se-á com uma maior escolha de actividades culturais e de lazer, reais ou virtuais.
Os novos tipos de actividades económicas deveriam igualmente resultar em: menos
poluição, centros das cidades mais animados, paisagens valorizadas e mais biodiversidade
ao longo dos perímetros urbanos e no espaço rural envolvente. As qualidades culturais,
assim como as ambientais, serão sucessivamente reconhecidas como factores competitivos
importantes para as cidades. A identidade histórica específica e as qualidades de cada
cidade terão um papel decisivo no seu desenvolvimento. De entre todos os seus objectivos,
as cidades terão necessidade de desenvolver aqueles que melhor lhes permitiam assegurar
a sua prosperidade num contexto de redes de cidades, que se desenvolverão a diferentes
escalas, produzindo novas formas de cooperação. Um desafio importante consiste em
atingir este objectivo, assegurando que a maior parte da população se sinta total e
activamente incluída.

Alterações Ambientais
Actualmente o ambiente físico é grandemente afectado pela escala crescente das
actividades económicas, pela urbanização contínua e consumidora do solo, pelo declínio da
agricultura e pela expansão das redes de infra-estruturas e de serviços. Os espaços naturais
no interior e em torno das cidades tendem a desaparecer sob a pressão da expansão
económica.
O ambiente físico é também ameaçado pela poluição e pelo consumo de recursos
não renováveis. A contaminação do solo, da água e do ar continua a crescer, a poluição
luminosa e sonora ameaçam seriamente a capacidade de assimilação dos ambientes

112
natural e humano. Mudanças climáticas conduzem a condições atmosféricas menos
estáveis, acompanhadas de mais precipitação, turbulência, ventos mais fortes, e uma
subida do nível do mar.
As más condições de saúde nas cidades, são o resultado de actividades poluentes e
produção de resíduos. Menos espaços verdes e menos biodiversidade nas cidades são
ameaças para a qualidade de vida urbana e dos espaços públicos. O valor ambiental das
orlas urbanas está em declínio. A agricultura e os espaços verdes dão lugar a construções,
a estruturas e a actividades não apropriadas aos espaços rurais. Perigos ainda mais graves
podem afectar as grandes concentrações urbanas, nomeadamente as avalanches,
deslizamentos de terras, tempestades violentas intensificam a tomada de consciência da
necessidade de medidas públicas de protecção contra as catástrofes naturais.

Os desafios para as cidades do futuro, centram-se no princípio da precaução e as


considerações ambientais devem estar incluídos em todos os processos de tomada de
decisão e não só onde as avaliações de impacto ambiental são obrigatórias. A necessidade
de preservação dos ecossistemas é uma preocupação que deve estar integrada na gestão
da cidade. É preciso procurar equilíbrios entre o desenvolvimento urbano baseado na
economia e as condições de vida saudáveis. Encontrar os meios financeiros para realçar e
proteger os espaços naturais e a biodiversidade é uma importante tarefa a cumprir. A
necessidade de um ambiente saudável implica também uma gestão criteriosa do espaço,
para o qual o Urbanismo e o planeamento estratégico são instrumentos essenciais.

Alterações Urbanas
Actualmente a cidade não é uma entidade edificada contínua, densa, mas inclui
sempre uma variedade de formas e espaços urbanos. O desenvolvimento das cidades e das
regiões não é só o resultado de técnicas modernas de planeamento do espaço, mas
também o resultado de desenvolvimentos informais e não planeados do passado. As
tecnologias de informação e de comunicação permitem comunicações mundiais directas e
imediatas. A acessibilidade física evoluiu imenso, como consequência da melhoria das infra-
estruturas, nomeadamente no que diz respeito ao transporte de mercadorias e pessoas
sobre redes optimizadas e bem geridas que crescem rapidamente. Os sistemas tendem a
funcionar com mais eficácia, a custos reduzidos, gerando novas soluções e novas formas e
modelos urbanos.
Uma melhor acessibilidade física que resulta de infra-estruturas de transporte
melhoradas, tende, no entanto a criar barreiras e obstáculos, especialmente para os modos

113
de transporte e de deslocações mais lentos. Tem como resultado que as estruturas físicas
dominantes conduzam à fragmentação das estruturas dos arredores da cidade e da
paisagem. A sub-urbanização e a dispersão das funções urbanas para as zonas periféricas
da cidade implicam distâncias de deslocações maiores e, finalmente, a deterioração da
qualidade dos equipamentos e dos serviços.
Um decréscimo do uso do transporte público e um crescimento da utilização do transporte
individual agrava ainda mais os problemas das cidades.
Em termos económicos, o processo de globalização manifesta-se por uma dispersão
mundial da produção, assim como uma concentração da gestão e das funções nas grandes
cidades. Isto pode conduzir ao crescimento acelerado das regiões metropolitanas em
detrimento de outras formas de organização territorial.

Os desafios para as cidades do futuro, devem ser aplicados aos novos


desenvolvimentos tecnológicos nas comunicações, na informação e nos transportes, de tal
modo que os cidadãos e a vida na cidade no seu conjunto, deles beneficiem.
São necessárias novas regas para o desenho e composição urbana, onde as partes
antigas e novas das cidades devem ser planeadas de maneira coerente para oferecer
soluções apropriadas, ligando sempre o passado do futuro. É preciso também que existam
laços contínuos entre os espaços livres e espaços construídos – às diferentes escalas
territoriais desde do quarteirão à cidade, e das redes de cidades ao território global da
Europa. As formas urbanas devem integrar uma mistura social e urbana e devem contribuir
para uma melhor qualidade de vida. O lazer na cidade pode tornar-se uma combinação de
ambientes virtuais e físicos, com possibilidades ainda desconhecidas. È importante oferecer
aos cidadãos ambientes e serviços de alta qualidade. O processo de planeamento do
espaço deve gerar um verdadeiro compromisso entre todos os actores e salvaguardar os
interesses colectivos – um instrumento essencial para assegurar o desenvolvimento
sustentável e a coesão social.
Finalmente, o carácter único da cultura urbana europeia, parcialmente herdada da
sua história e dos seus diferentes estilos de vida, necessita de urbanistas profissionais que
tenham a consciência e o saber fazer necessários para compatibilizar as novas formas
urbanas com as necessidades da população do século XXI.

114
3.5.2 Os Compromissos dos Urbanistas57

A Nova Carta de Atenas, apresenta os compromissos dos Urbanistas. Descreve o


conjunto de valores que deve orientar os actos profissionais dos urbanistas nas suas
intervenções junto dos poderes públicos e população, de forma a poder pôr em prática a
Visão da Carta e aplicar os princípios de desenvolvimento das cidades preconizadas na
mesma.
A complexidade e o desafio deste papel requer toda uma série de obrigações
específicas aos urbanistas, que serão os profissionais do século XXI, tanto como
conselheiros estratégicos como ‘planeadores do território’, como gestores-administradores-
animadores urbanos ou como especialistas científicos.

O Urbanista como HUMANISTA e CIENTISTA compromete-se:


• Analisar as características existentes e as tendências, considerando o contexto
geográfico em sentido lato e concentrando-se nas necessidades a longo prazo, para
oferecer uma informação completa, clara e rigorosa aos decisores, aos actores e à
população em geral;
• Tornar acessível a informação disponível, considerando os indicadores europeus, e
adoptar representações que facilitem o debate público e a compreensão partilhada das
soluções propostas e dos processos de tomada de decisão;
• Conservar um conhecimento apropriado sobre a filosofia, a teoria, a investigação e a
prática contemporânea do ordenamento do território e do Urbanismo, através da formação
contínua;
• Contribuir para a formação e para o ensino e para o desenvolvimento da profissão de
urbanista na Europa, integrando a teoria na prática;
• Encorajar a crítica saudável e construtiva da teoria e prática do planeamento
territorial e partilhar resultados da experiência e da investigação, para contribuir para a
evolução do conhecimento e para a competência em matéria do planeamento do território e
Urbanismo.

O Urbanista como PLANEADOR URBANO e VISIONÁRIO compromete-se a :


• Pensar em todas as dimensões que permitam a articulação de estratégicas locais e
regionais no quadro das tendências globais – ‘pensar globalmente, agir localmente’;

57
A Nova Carta de Atenas 2003 - A Visão do Conselho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI,
Parte II – Os Compromissos dos Urbanistas.

115
• Aumentar as escolhas e as oportunidades para todos, reconhecendo uma
responsabilidade espacial nas necessidades das populações desfavorecidas;
• Proteger a integridade e o ambiente natural, a excelência da composição urbana e
preservar a herança cultural do ambiente urbano construído para as gerações futuras;
• Propor alternativas em relação a problemas e desafios específicos, medindo limiares
e impactos, pôr em evidência as identidades locais e contribuir para o seu próprio
desenvolvimento, implementando programas e estudos de viabilidade;
• Desenvolver e elaborar estratégias espaciais de desenvolvimento mostrando as
oportunidades para o desenvolvimento futuro das cidades ou das regiões;
• Identificar o posicionamento óptimo do plano, ou do esquema, nas redes (inter)
nacionais, mais relevantes, de cidades e regiões;
• Converter todos os actores a partilhar uma visão comum e de longo prazo, para a
sua cidade ou região, acima dos interesses e objectivos individuais.

O Urbanista como CONSELHEIRO ESTRATÉGICO e MEDIADOR compromete-se:


• Respeitar os princípios de solidariedade, subsidiariedade e igualdade nas tomadas
de decisão, tanto nas decisões que propõe como na sua implementação;
• Aconselhar as autoridades preparando-lhes propostas e soluções, com metas a
cumprir, objectivos a atingir, análises de impacto e diagnósticos, procurando sempre
melhorar e realçar a importância do bem-estar público;
• Sugerir e elaborar instrumentos operacionais que assegurem a eficiência e a justiça
social nas políticas de ordenamento;
• Facilitar a verdadeira participação pública e a responsabilização das autoridades
locais, dos decisores, dos actores económicos e dos cidadãos, para coordenar
desenvolvimentos e assegurar a continuidade e a coesão espaciais;
• Coordenar e organizar a colaboração entre todos os actores envolvidos de forma a
encontrar um consenso e resolver os conflitos através de decisões inequívocas preparadas
para as autoridades competentes;
• Esforçar-se por um alto nível de comunicação que assegure o conhecimento e a
compreensão dos futuros utilizadores.

116
O Urbanista como GESTOR-ADMINISTRADOR URBANO compromete-se:
• Adoptar modos de gestão estratégica no processo de desenvolvimento espacial, indo
claramente acima da elaboração dos planos, destinados a servir as necessidades
burocráticas administrativas;
• Alcançar a eficiência e eficácia das proposições adoptadas, tendo em conta a
viabilidade económica e os aspectos ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável;
• Considerar o planeamento do território segundo os princípios e os objectivos do
Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC) e outros documentos de
política da União Europeia (UE), para adaptar as propostas locais e regionais às
estratégicas e políticas europeias;
• Coordenar diferentes níveis territoriais e diferentes sectores a fim de assegurar a
colaboração, o envolvimento e o apoio de todas as autoridades administrativas e territoriais;
• Estimular o partenariado entre os sectores público e privado, para valorizar os
investimentos, criar emprego e atingir a coesão social;
• Beneficiar positivamente dos Fundos Europeus, encorajando a participação das
autoridades locais e regionais nos programas e projectos co-financiados para União
Europeia (UE);
• Monitorizar e avaliar permanentemente os planos para corrigir resultados não
previstos, propor soluções ou acções, e assegurar uma inter-relação retroactiva contínua
entre as políticas de planeamento territorial e a sua implementação.

117
3.6 Conclusão

A Carta de Atenas (1933), é o documento mais paradigmático do Urbanismo do


Movimento Moderno, surgiu como necessidade para reconstrução dos tecidos urbanos e em
toda a década dos anos quarenta e cinquenta, aquando do nascimento de novas cidades
(ex: Brasília de Lúcio Costa).

A Nova Carta de Atenas (1998) e sua respectiva revisão, pelo carácter dogmático da
primeira, conduz a reflexões e críticas acumuladas nas últimas décadas sobre a cidade
tradicional e introduz os princípios do Desenvolvimento Sustentável.

O regresso de conceitos pode ser observado princípalmente na actuação do


Urbanista como o ‘grande mestre’ detentor de verdades, e de um ‘coreógrafo’ do
desenvolvimento territorial.
O domínio científico dos Urbanistas e a activa participação social dos cidadãos nas
decisões do planeamento das cidades são um dos princípais objectivos da Nova Carta de
Atenas. Assim, a Nova Carta tem uma visão do Desenvolvimento Sustentável, enfatizando
a consciência ambiental necessária ao futuro para criação de bons ambientes urbanos para
o cidadão.

A análise das recomendações sugere uma mudança de atitude na concepção dos


espaços urbanos, que devem ser repensados por Arquitectos e Urbanistas na incorporação
de novos valores.

A Nova Carta de Atenas adiciona novos valores, tais como a qualidade de vida,
identidade cultural, questões sociais, cultura e educação, novas tecnologias, meio ambiente,
economia, mobilidade, segurança e saúde. Enfatiza que na construção dos ambientes
urbanos há a necessidade de sobreposição de diversos valores que deverão ser
incorporados nas práticas de organização das cidades.

As considerações da Nova Carta de Atenas sistematizam recomendações de


carácter não inovador, que têm sido discutidas nas últimas décadas. Porém, apresentam um
desafio profissional, de entender e interpretar o espaço urbano com os novos parâmetros
qualitativos e centrados nos cidadãos que deverão ser os efectivos actores na construção
de ambientes urbanos mais sustentáveis.

118
CAPÍTULO 4
ESTUDO SOBRE MOBILIDADE URBANA

4.1 Mobilidade Urbana na Europa

CIDADE: GENT

Enquadramento:
A cidade de Gent fica situada na Bélgica, exactamente a 55 Km da capital –
Bruxelas.
É a segunda maior cidade da Flandres com 226 000 habitantes, 45 000 são estudantes.
Tem uma área territorial de 156 Km2, sendo que 36 Km2 é ocupada por área portuária.
A indústria de produção de ferro, automóvel e a electromecânica, são os princípais sectores
de desenvolvimento económico da cidade e é o terceiro centro económico e a quinta cidade
do país em termos de criação de emprego, especialmente na área dos serviços.
O plano de mobilidade encontra-se bem intregrado e desenvolvido; o acesso e
estacionamento ao centro da cidade encontra-se bloqueado a veículos privados, existe um
incentivo para a utilização do uso da bicicleta e dos transportes públicos, com estações de
ligação entre diferentes transportes, o tráfego encontra-se condicionado por sectores com
redução de velocidade e outras medidas de segurança.

Gestão Adoptada:
Desenvolvimento de medidas de incentivo para o uso da bicicleta, nomeadamente,
através da criação de campanhas para a sensibilização junto da população mais jovem, com
a distribuição gratuita de capacetes para crianças até aos três anos de idade, bandeiras
para crianças até aos cinco anos e fatos reflectores para crianças até aos oito anos;
construção de ciclovias junto dos cursos de água que atravessam a cidade; criação de uma
rede de infra-estruturas ligadas ao uso da bicicleta nas estradas regionais, com cerca de
duas centenas de quilómetros de área urbana; todas as áreas pedonais podem ser
utilizadas também por ciclistas; as ruas para veículos motorizados são de um único sentido
enquanto que as ciclovias são de dois sentidos; criação de um mercado de compra e venda
de bicicletas em segunda mão e criação de sistemas anti-roubo.

119
Estabelecimento de um sistema de gestão de mobilidade, através da criação de um
plano de moblidade da cidade em que este é actualizado anualmente; participação da
população em campanhas de ‘dias sem carro’; as escolas e as empresas são convidadas a
desenvolver planos estratégicos de mobilidade.

Inserção de um plano estratégico para os transportes públicos, nomeadamente


através da introdução de uma rede nocturna para os fins-de-semana; promoção do tranporte
gratuito para as classes mais jovens e para os idosos; aposta em transportes mais rápidos,
mais frequentes, mais cómodos e mais amigos do ambiente (eléctricos).

Criação de um sistema electrónico de informação de transportes inteligentes, o qual


informa sobre a taxa de ocupação de veículos nos parques de estacionamento;
desenvolvimento e criação de novos projectos-piloto para limitadores de velocidade.

Integração do planeamento espacial no planeamento dos transportes,


nomeadamente através da criação e desenvolvimento de planos de acessibilidades e de
transportes para a zona Norte da cidade. Área em que se encontra em fase de
desenvolvimento espacial.

Criação da maior área pedonal do país e de uma política de estacionamento eficaz,


com acesso do automóvel ao centro histórico da cidade com autorização específica, visto
esta ser uma área exclusivamente pedonal; desenvolvimento de medidas de
estacionamento na periferia circular, com capacidade de 17 000 lugares e com preços mais
económicos para os utilizadores de bicicletas no centro da cidade e com acesso gratuito aos
residentes; criação de uma via destinada ao trânsito automóvel, denominada como «Via P»,
esta faz ligação entre os grandes parques de estacionamento próximos do centro da cidade,
na sua extenção é dada a informação através de painéis electrónicos do estado de
ocupação dos diferentes parques.

120
CIDADE: GRÄZ

Enquadramento:
A cidade de Gräz, situa-se na Áustria. É uma das cidades mais preservadas da
Europa em termos de património histórico, em 2003 foi considerada Cidade Europeia da
Cultura e Património da UNESCO em 1999. É a capital e centro cultural económico e
universitário da província de Styria. Tem uma massa populacional de 238 000 habitantes.
Foi a primeira cidade da Europa a estabelecer o limite de velocidade de 30Km/h no centro
da cidade (excepto nas princípais vias), medida esta que é bastante bem aceite pela
população e foi igualmente primeira cidade do país a construir um centro de mobilidade.
Cidade económicamente desenvolvida e com elevada qualidade de vida, tal factor constitui
um centro da política de transportes.

Gestão Adoptada:
Criação de medidas estratégicas de incentivo ao uso do transporte público,
nomeadamente através da utilização de autocarros e eléctricos mais modernos, mais
rápidos, mais confortáveis e de fácil acesso (piso rebaixado) e mais amigos do ambiente
(biodisel); estes têm prioridade nos semáforos e os seus percursos são mais directos e
estão parcialmente separados de outro tipo de tráfego.

Criação de medidas estratégicas de incentivo ao uso da bicicleta. Estas passam pela


criação de uma densa rede de ciclovias e áreas pedonais na área central da cidade, com
auditorias regulares. Toda a rede de ciclovias e áreas pedonais estão colocadas na internet
onde qualquer cidadão tem fácil acesso e até pode imprimir. Estas medidas permitiram que
a taxa de utilização aumenta-se de 6% em 1980 para 15% em 2008, prevê-se que este
indice aumente para 35% em 2009.

Estabelecimento de medidas de planeamento urbano sustentável, estas passam pela


criação de vias para trasportes sustentáveis, como é o caso da bicicleta e dos transportes
públicos. A criação da «Urban Link Gräz-West» permitiu o aumento da qualidade de vida na
zona histórica da cidade.

Estabelecimento de medidas estratégicas de transporte sustentável. Estas passam


pela construção de grandes vias pedonais, bem como a criação de uma linha noturna de
autocarros; uso de transportes públicos mais modernos com piso rebaixado e com
informação dos mesmos em tempo real (horários e preçários); estabelecimento de regras de

121
estacionamento, limites de velocidade e incentivo à partilha de veículos privados; construção
de uma rede de infra-estruturas de ciclovias e de um centro de mobilidade no centro do país.
Gräz foi a primeira cidade do país a criar um centro de mobilidade. É denominado
como «MobilZentral» e fica localizado bem no centro da cidade. Este fornece toda a
informação relativa aos transportes públicos, nomeadamente horários, preços para
autocarros, comboios e outros meios de transporte; metro, eléctricos, etc.

Limitação do acesso e estacionamento de veículos automóveis, nomeadamente na


área central da cidade e em áreas pedonais; a política de acesso ao estacionamento tem
como objectivo limitar o estacionamento gratuito, utilizar os rendimentos das taxas dos
paquimetros para suporte das políticas de transporte, reduzindo a superfície disponível para
estacionamento e incentivar a circulação de veículos menos poluentes.

Criação de medidas para reduzir o ruído, nomeadamente através do projecto GOAL


para a redução do ruído e tráfego.

CIDADE: GRÖNINGEN

Enquadramento:
A cidade de Gröningen fica situada na Holanda, é a sétima maior cidade do país.
Tem cerca de 177 000 habitantes. É uma cidade com uma elevada percentagem de
população jovem, devido à existencia de um pólo universitário e de um hospital universitário.
Desenvolve uma política integrada de planeamento urbano, transportes e ambiente.

Gestão Adoptada:
Criação de incentivos ao uso do transporte público; possui uma rede de transportes
públicos, denominados como KOLIBRI. Estes oferecem um serviço rápido, confortavél,
moderno e competitivo em relação ao automovél.

Criação de incentivos ao uso da bicicleta; a bicicleta é igualmente meio de transporte


competitivo em relação ao automóvel, a bicicleta é cerca de 30% mais rápida que o
automóvel. Cerca de 50% das deslocações de curta distância são realizadas em bicicleta.

122
Criação de Programas de Gestão da Mobilidade; por meio de campanhas
publicitárias os quais abordam diferentes assuntos destinados a um público-algo; as
empresas instaladas no centro da cidade são convidadas a elaborar planos internos de
mobilidade, sob a coordenação do Centro de Coordenação de Tráfego da cidade e a
criarem soluções alternativas para o problema dos movimentos pendulares.

Gestão do estacionamento; o estacionamento no centro da cidade é mais caro, e o


número de lugares dentro da cidade e na sua periferia para deslocações de negócios e
compras é de tempo limitado.

Gröningen, foi distinguida no ano de 2002 por ter criado uma política de transporte de
mercadorias sustentável, através de acordos e parcerias com as empresas de transporte
para entrega de mercadorias em horários fixos, no máximo de uma centena em vinte ruas
no centro da cidade por dia, realizadas em veículos com impacte ambiental reduzido.

CIDADE: TERRESA

Enquadramento:
A cidade de Terresa, situa-se na Espanha na fronteira Norte da Área Metropolitana
de Barcelona. É uma cidade altamente industrializada, com um grande crescimento
económico e populacional (cerca de 190 000 habitantes).
Está envolvida na elaboração de vários planos de ordem ambiental, desenvolvimento
urbano, planos de mobilidade, acesssibilidades e equipamentos comerciais.

Gestão Adopatda:
Elaboração de um plano de mobilidade baseado nos seguintes princípios;
- Vias internas que distribuem o tráfego rodoviário pelas áreas sub-urbanas, têm um limite
máximo de velocidade de 40Km/h;
- Vias que ligam as infra-estruturas externas ou pequenas zonas residenciais têm um limite
máximo de velocidade de 50 Km/h;
- Áreas suburbanas são tratadas como ‘células de mobilidade’, onde existe o limite máximo
de velocidade de 30 Km/h, para tráfego rodoviário, permitindo a coexistência com a bicicleta;

123
- Plano de moblidade inclui medidas para o transporte de mercadorias, bicicletas e
estacionamento e também introduz indicadores bianuais para avaliar o cumprimento do
Protocolo de Quioto;
- Prioridade na construção de vias pedonais de curta distância.

Elaboração de um plano de áreas pedestres, nomeadamente na zona histórica da


cidade, com a criação de pequenas áreas comerciais e eliminação das barreiras
arquitectónicas. Estabelecimento do limite de velocidade de 30 Km/h em áreas pedonais e
40 Km/h em áreas estratégicas. Criação de parques de estacionamento de acordo com as
necessidades dos residentes, das áreas comerciais e de lazer. Criação de uma rede de ruas
pedonais com cerca de 150 Km, com o objectivo de fazer a ligação entre as diferentes
escolas e as princípais áreas de lazer.

Criação de um sistema de gestão do transporte público, que passa pela construção


de plataformas para as paragens de autocarros, pela renovação da frota, pela criação de um
sistema inteligente de gestão da frota, de um sistema de controlo de passageiros e por um
novo sistema de bilhetes.

Aplicação de novas tecnologias para a mobilidade sustentável, nomeadamente


através do desenvolvimento de um sistema de controlo de tráfego com tecnologia de rádio
digital para dar prioridade aos transportes públicos e informação actualizada aos cidadãos.

Incentivo à participação de todos os actores, nomeadamente; cidadãos, empresas e


autoridades públicas da cidade. Este incentivo é feito através de campanhas de
sensibilização e de comunicação para a promoção, divulgação e consolidação cultural,
social e política do modelo de mobilidade.

124
4.2 Mobilidade Urbana em Portugal

CIDADE: CHAVES e VILA REAL

Enquadramento:
Ambas as cidades situam-se no Norte de Portugal.
Chaves tem uma área territorial de 600 Km2 , com cerca de 44 000 habitantes, enquanto que
Vila Real tem uma área de 380 Km2, com 50 000 habitantes.
São duas cidades com elavado interesse turístico, assim como o concelho de Vila Pouca de
Aguiar.
Existência uma linha de caminho-de-ferro inactiva entre Chaves e Vila Real.

Gestão Adopatada:
No ano de 2006 foi criada uma ciclovia, com 83 Km de extensão. Esta desenvolve-se
ao longo da antiga linha de caminho-de-ferro que ligava Chaves a Vila Real, passa pelas
cidades de Vila Pouca de Aguiar, Vidago e Pedras Salgadas.

Objectivos Propostos:
- Explorar as potencialidades turísticas da região;
- Criação de uma alternativa de lazer para o população;
- Prevenção da desertificação da cidade;
- Dinamização económica, especialmente na ligação com a Espanha;
- Divulgar o turismo termal, quer em Protugal quer na Europa;
- Diminuição do tráfego automóvel de natureza turística nestas cidades.

CIDADE: AVEIRO

Enquadramento:
A cidade de Aveiro fica localizada na orla costeira do centro do país. Tem uma área
territorial de 200 Km2, com cerca de 75 000 habitantes, 10 000 são estudantes (cidade com
um pólo universitário).
É uma cidade altamente industrializada e possuí um moderno porto de mercadorias,
localizado nas rotas internacionais.
É uma cidade com grande interesse turístico e ecológico, devido à Ria de Aveiro.

125
Encontra-se envolvida por três grandes eixos rodoviários; a IP5 que atravessa o país em
toda a sua largura, fazendo parte da importante estrada europeia E80, a auto-estrada A1 –
Lisboa/Porto e a Linha do Norte – Aveiro.

Gestão Adoptada:
Criação em 1999 do programa BUGA – Bicicleta de Utilização Gratuita de Aveiro,
sendo uma das imagens de marca da cidade.
Em 2006 foi criada uma nova ciclovia que faz a ligação da Sé à zona da Forca, tendo
também a possibilidade de levar as bicicletas gratuitas até à freguesia de S. Jacinto.

Existência de 300 bicicletas e de 33 parques de estacionamento BUGA espalhados


por toda cidade. Estes encontram-se junto aos cinemas, centros comerciais, postos dos
correios, escolas, universidade, estação dos combóios, etc. e permite a utilização das
bicicletas não só para lazer como também para deslocamentos para o trabalho.

Construção de novas ciclovias em diversas áreas da cidade, de modo a permitir a


circulação das BUGAS sem criar conflitos com os peões e os automobilistas. Algumas
ciclovias estão inseridas em áreas previligiadas, com uma envolvente agradavél, o que
permite que a BUGA seja um meio de transporte atractivo para conhecer a cidade.

Existência de uma ofinica/armazém como infra-estrutura de manutenção, sendo a


fiscalização da utilização das bicicletas assegurada por dois ciclomotores, os quais fazem a
fiscalização pelos vários parques de estacionamento.

CIDADE: VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO – SAGRES

Enquadramento:
A cidade de Vila Real de Santo António, situa-se no Sul do país. É uma cidade com
elevado interesse turístico, devido ao clima mediterrânico, pelas magníficas praias, pela
paisagem e pela fauna.
Possui uma área territorial de 5 000 Km2, com cerca de 345 000 habitantes.

126
Gestão Adoptada:
No ano de 2007 foi criada uma ciclovia com 210 Km, que faz a ligação entre Vila
Real de Santo António e Sagres, esta atravessa 12 dos 16 munícipios do Algarve.

Criação de uma via, denominada como ‘Via do Litoral’ que faz a ligação à rede
europeia de ciclovias, através das vias verdes espanholas. Este projecto prevê ainda a
ligação entre diferentes meios de transporte, nomeadamente com a REFER.
Numa segunda fase, pretende-se ligar com percursos desenvolvidos em empreendimentos
privados, como é o caso do Parque das Cidades e o Parque Natural da Ria Formosa.

Objectivos Propostos:
A criação desta ciclovia, pretende dinamizar o turismo de natureza, através da oferta
de espaços verdes onde as pessoas podem praticar desportos ao ar livre e desfrutar do
contacto com a natureza.

CIDADE: MONTIJO

Enquadramento:
A cidade do Montijo está inserida na Marguem Sul da Área Metropolitana de Lisboa,
numa área de transição entre as planícies aluviais da margem Sul do Estuário do Tejo, da
planície ribatejana e da longa peneplanície alentejana.
Possui uma área territorial de 347 Km2, com cerca de 40 000 habitantes.

Gestão Adoptada:
Existência de uma ciclovia com uma extensão de 6 Km, estando no entanto prevista
a construção de uma via circular externa à cidade.

Objectivos Propostos:
A nível ambiental e de lazer, constitui a possibilidade de criação de uma série de
actividades lúdicas, de forma integrada ao longo da sua extensão.
Ao nível da programação de equipamentos, pretende-se alargar a prática desportiva
entre a população e contribuir para uma nova forma de planear e desenhar os espaços
urbanos, para tal integra-se por exemplo com os equipamentos escolares, sociais e de lazer,

127
desenvolvendo desta forma as actividades desportivas entre a população mais jovem, a
caminhada entre a população mais idosa e desta forma promove os espaços comunitários.

128
4.3 Conclusão

As conclusões que se tiram da análise de cada uma das Cidades Nacionais (quer as
situadas a Norte, Centro e Sul do país) em relação às Europeia, é que as condições para a
mobilidade pedonal são diminutas e para circular de bicicleta ainda menores.

Ao nível da utilização dos transportes públicos, regista-se uma ausência de


planeamento, investimento e insentivo para o seu uso, por parte das autoridades
governamentais.
Os transportes públicos encontram-se obsuletos, não funcionam e não oferecem ao cidadão
um serviço rápido, cómodo e eficaz, o que traduz um excesso de veículos automóveis
dentro das cidades e as tão características filas de trânsito à hora de ponta, quer para entrar
dentro das cidades quer para sair.

Há que registar que as intervenções recentes em Portugal, ao nível das infra-


estruturas rodoviárias, vão apenas e ainda ao encontro dos interesses turísticos e estão
demasiado focados para a vertente desportiva, enquanto que nos países da Europa o uso
da bicicleta é um dos principais meios de locomução e não são vistos como uma mera
actividade desportiva.
Veja-se por exemplo, a cidade de Gröningen, na Holanda onde a bicicleta é um meio de
transporte competitivo em relação ao automóvel, a bicicleta é cerca de 30% mais rápida que
o automóvel e cerca de 50% das deslocações de curta distância são realizadas em bicicleta.

Infelizmente em Portugal existem por toda a parte obstáculos físicos à circulação,


nomeadamente sinais de trânsito colocados no meio dos passeios, postes de elctricidade
mal colocados, passeios esburacados, rampas com decilves acentuados, lancis muito altos
e os tão característicos automóveis estacionados em cima dos passeios.

As ciclovias praticamente não existem e as que existem não percorrem a cidade em


toda a sua extenção e encontram-se estragadas.
Para piorar a situação há ainda que ter em conta as violações sistemáticas ao código da
estrada. O automobilista ainda continua a desrespeitar o ciclista, o que normalmente resulta
em acidentes graves e até mesmo em mortes, perigo esse que é significativamente
agravado quando as condições para a circulação pedonal são escassas. Ainda existem
muitos locais onde a ausência de passeio é total, princípalmente em locais com menor
urbanidade ou ao longo de vias como por exemplo estradas nacionais e municiapais de
ligação entre localidades.

129
Ao nível regulamentar as normas são também pouco exigentes ou não existem
sequer.
Como todos os Planos Directores Nacionais se encontram em fase de revisão, é uma
excelente oportunidade para se ser mais ambicioso e exigente e começar desde já a impôr
regras, a criar ciclovias, bem como vias pedonais integrando-as com o meio ambiente
urbano, através de um planeamento urbano sustentável.
Veja-se os exemplos das Cidades Europeias no geral.

Portugal deverá olhar para aquilo que existe nos outros países da Europa ao nível da
mobilidade (e não só!) e tomar como referência, para a criação de Cidades Sustentáveis,
com melhores condições e qualidade de vida, (princípio da Nova Carta de Atenas), para isso
deverá apostar:
• Na implementação de estratégicas de transporte sustentável;
• Na implementação de estratégias de planeamento urbano sustentável;
• No incentivo ao uso dos transportes públicos;
• No incentivo para o uso da bicicleta;
• Na implementação do modelo de cidades compactas, ligando políticas de transporte
ao planeamento do uso do solo;
• Na gestão de estacionamento dentro das cidades;
• Na gestão da moblidade.

Apesar de tudo, felizmente existem cidades como a de Aveiro, contudo espera-se que
no futuro esta seja ainda melhor e que se desenvolvam outras!

130
CONCLUSÕES

O Movimento Moderno nasce com a filosofia e com as artes em geral antes de em


1933 adquirir identidade em temos de Urbanismo.

A quarta reunião dos urbanistas e arquitectos que de todo o mundo deram a sua
adesão, aos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna), realizou-se a
bordo de um navio que navegava pelo Mediterrâneo e tendo Atenas como porto de destino.
Este congresso teve como objectivo o extenuante trabalho de analisar trinta e três cidades e
dezoito países, sob os mais diversos aspectos; através de plantas, gráficos, etc., e dele
resultou um dos documentos mais notável e o mais paradigmático do Urbanismo Moderno –
a Carta de Atenas.
Esta é o resultado das conclusões tiradas dessa análise e das medidas de ordem geral
propostas para fazer face ao lamentável estado do Urbanismo a que se chegou nos núcleos
urbanos, em matéria de condições de vida.

No contexto da reconstrução após a Segunda Guerra Mundial pressupôs a


reedificação de cidades e regiões em que, os então urbanistas operam em escalas mais
vastas, observando o planeamento urbanístico num leque de matérias que juntaram
estratégicas funcionais, sociais, financeiras e políticas, conduzindo a um ‘divórcio’ entre a
Arquitectura e o Urbanismo, perdendo assim a importância do desenho urbano e
consequentemente a prática de desenhar a cidade.
Do ponto de vista teórico, as críticas à Cidade Moderna e à Carta de Atenas foram
demolidoras.
A partir dos anos cinquenta surgem as primeiras críticas ao Movimento Moderno,
Pierre Francastel foi um dos protagonistas que teve uma palavra crítica, chegando a acusar
Le Corbusier de inquisidor ao tentar impor os seus ideais e modelos culturais de cidade,
como é o caso mais paradigmático da «Ville Radieuse», traduzindo hoje numa notável
utopia na história do Urbanismo.
Tal modelo corresponde à nova cidade que transpôs o Atlântico, transformando-se na Nova
Capital Brasileira de Lúcio Costa e Óscar Niemeyer.

Mas é sobretudo no início dos anos sessenta, com o Pós-Modernismo que se inicia o
retomar do discurso da cidade tradicional deixada por Le Corbusier. Aymonio, Aldo Rossi,
Rob Krier (quase que retomam Camillo Sitte), sistematizaram com carácter pertinente a

131
demonstração de uma imagem de cidade tradicional, ultrapassando assim os princípios
vigentes do planeamento urbanístico e contribuindo para a introdução de novos parâmetros
na fase de conclusão de algumas cidades, como é o caso de Amiens em França ou Stuttgart
na Alemanha.

É no entanto, com o novo quadro instrumental do movimento «La Tendenza» de


Giafranco Caniggia, que o desenho da cidade se torna indissociável pelos seus modelos
culturais, transportando estes para a realização de novas realidades urbanas, cujo carácter
operacional é accionado pelas práticas do traçado de ruas, praças e quarteirões.
Foram reequacionados os parâmetros de intervenção urbanística na cidade, estando
perante a reconstrução de uma disciplina, que foi reiniciada através da Nova Tratadística de
Aldo Rossi e a nova história urbana, onde a cidade deixa de ser pensada em função do
carácter bipolar; entre o zonamento e o funcionalismo.
O valor do desenho urbano é reposto na abordagem metodológica e produtiva na
cidade, evidênciando-se Rob Krier ao realizar abordagens no quadro teórico apenas por via
do desenho urbano, dialogando com as formas e estruturas urbanas para a via da imagem
tridimensional.

Passados sessenta e cinco anos, os princípios do Pós-Modernismo continuam


na ordem do dia. Em 1998 é criada uma Nova Carta de Atenas (na qual o cidadão tem
uma palavra activa e participativa no desenvolvimento da cidade) tomando como base
a Carta de Atenas de 1933 que assume um papel orientador.
.

132
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http://www.polis-city.de-polis-media-dowloads-pdf-07-stuttgart.pdf
(Acedido pela última vez a 20 de Fevereiro, 2009)

http://www.scridd.com/doc/6556676/morfologia-racionalistas-caniggia
(Acedido pela última vez a 24 de Abril, 2009)

http://www.scridd.com/doc/6556614/rossi-aymonino-krier
(Acedido pela última vez a 30 de Abril, 2009)

http://www. futurosustentavel.org
(Acedido pela última vez a 30 de Abril, 2009)

http://www.naturlink.pt
(Acedido pela última vez a 21 de Março)

http://www.icomos.org
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http://www.prorestauro.com
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http://www.urbanismo_portugal.pt
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http://www.forumurbanismo.info/index.php
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138
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http://eukn.org.binares-eukn-eukn-policy-2007-8-leipzig-carta-adrpt
(Acedido pela última vez a 27 de Abril, 2009)

139
ANEXOS

140
A NOVA CARTA DE ATENAS 1998
Princípios do Concelho Europeu de Urbanistas para o Planeamento das Cidades

141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
A NOVA CARTA DE ATENAS 2003
A Visão do Concelho Europeu de Urbanistas sobre as Cidades do Século XXI

151
152
153
154
155
156
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