Livro Pronto - Volume II - Aquicultura No Brasil
Livro Pronto - Volume II - Aquicultura No Brasil
Livro Pronto - Volume II - Aquicultura No Brasil
Aquicultura no Brasil:
Novas Perspectivas
Volume 2
Produção e Reprodução de Organismos Aquáticos
O livro “Aquicultura no Brasil – Novas Perspectivas”
faz parte das ações do:
Financiado por:
Edital: 081/2013‐L1 ‐ Processo número: 487639/2013‐8
CNPq: 472054/2013‐9
Marcos Tavares‐Dias
Embrapa Amapá (Macapá, AP)
Wagner dos Santos Mariano
Universidade Federal de Tocantins (Araguaína, TO)
(Organizadores)
Aquicultura no Brasil:
novas Perspectivas
Volume 2
Produção e Reprodução de Organismos Aquáticos
Copyright © dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos dos autores.
Marcos Tavares‐Dias; Wagner dos Santos Mariano [Orgs.]
Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. [Vol. 2]. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2015. 345p.
ISBN. 978‐85‐7993‐272‐4
1. Aquicultura. 2. Organismos aquáticos cultiváveis. 3. Tecnologia de pescados. 4.
Autores. I. Título.
CDD ‐ 590
Capa: Hélio Marcos Pajeú
Ilustrações da capa: Andréa Franklin Queiroz Alves
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito
Conselho Científico da Pedro & João Editores:
Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Nair F.
Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil);
Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Rogério Drago
(UFES/Brasil).
Pedro & João Editores
www.pedroejoaoeditores.com.br
13568‐878 ‐ São Carlos – SP
2015
SUMÁRIO
20. Avaliação de parâmetros reprodutivos em peixes nativos 441
Luis David Solis Murgas, Daniella Aparecida de Jesus Paula,
Mônica Rodrigues Ferreira Machado, Viviane de Oliveira Felizardo,
Estefânia de Souza Andrade & Galileu Crovatto Veras
21. Avanços na reprodução e produção de juvenis de trairão 461
(Hoplias lacerdae)
Ana Lucia Salaro, Daniel Abreu Vasconcelos Campelo, Marcelo
Duarte Pontes, Jener Alexandre Sampaio Zuanon, Galileu Crovatto
Veras, Valéria Rossetto Barriviera Furuya & Ronald Kennedy Luz
22. Reprodução e larvicultura do pacamã Lophiosilurus alexandri 473
Ronald Kennedy Luz & José Cláudio Epaminondas dos Santos
23. Avanços na nutrição e produção de lambaris 491
Ana Lucia Salaro, Daniel Abreu Vasconcelos Campelo, Marcelo
Duarte Pontes, Jener Alexandre Sampaio Zuanon, Valéria Rossetto
Barriviera Furuya & Wilson Massamitu Furuya
24. Suplementação alimentar com cromo trivalente em Piaractus 503
mesopotamicus e tilápia‐do‐nilo: variáveis zootécnicas e
inflamação
Flávio Ruas de Moraes; Julieta Rodini Engrácia de Moraes &
Rodrigo Yudi Fujimoto
25. Água salinizada na produção de peixes de água doce 523
Rodrigo Takata & Ronald Kennedy Luz
26. Deleterious effects of ammonia and nitrite to fish and 545
crustaceans
Kleber Campos Miranda Filho & Luiza Dy Fonseca Costa
27. Ácidos e sais orgânicos na aquicultura: seus efeitos na 579
nutrição e saúde de organismos aquáticos
Bruno Correa da Silva, Felipe do Nascimento Vieira, José Luiz
Pedreira Mouriño, Walter quadros Seiffert, Norha Bolivar &
Maurício Laterça Martins
28. O uso de piretroides na piscicultura: perspectivas e restrições 601
Gilberto Moraes, Fernanda Dias de Moraes, Francine Perri
Venturini, Priscila Adriana Rossi, Ive Marchioni Avilez & Camila
Aparecida Pigão Soares
29. Impactos de pesticidas e biopesticidas na aquicultura 621
Wagner dos Santos Mariano, Sandro Estevam Moron, Rodrigo
Garófallo Garcia & Marcos Tavares‐Dias
30. Cultivo e aproveitamento da macroalga Kappaphycus 641
alvarezii para pequenos maricultores
Valéria Gelli & Edison Barbieri
31. Óleo essencial de Lippia alba: aplicação na aquicultura 659
Alexssandro Geferson Becker, Brenna Celina Ferreira de Carvalho,
Hugo Napoleão Pereira da Silva, Janna Laely dos Santos Maia,
Waldinete Lobato, Elen Monique de Oliveira Sousa, Rodrigo
Numeriano de Sousa, Ricardo Bezerra de Oliveira, Rosa Helena
Veras Mourão, Lenise Vargas Flores da Silva, Mauro Alves da
Cunha, Berta Maria Heinzmann & Bernardo Baldisserotto
32. Aquaponia: produção sustentável de peixes e vegetais 684
Paulo César Falanghe Carneiro, Alexandre Nizio Maria, Maria
Urbana Correa Nunes & Rodrigo Yudi Fujimoto.
33. Parâmetros de qualidade e estudo da vida de prateleira do 707
tambaqui (Colossoma macropomum) armazenado em gelo
Márcio Luís Pontes Bernardo da Silva, Jane Lopes Mello, Thaís
Danyelle Santos Araujo, Rodrigo Maciel Calvet, Alitiene Moura
Lemos Pereira, João Avelar Magalhães & Fabíola Helena dos Santos
Fogaça
34. Percepção do consumo de pescado: inovação e tecnologia 725
Alexandre Aires de Freitas, Erika da Silva Maciel & Hellen
Christina de Almeida Kato
35. Pesquisa e transferência de tecnologia aliadas para 743
desenvolvimento da aquicultura no Estado do Amazonas
Jackson Pantoja‐Lima, Suelen Miranda dos Santos, Adriano
Teixeira de Oliveira, Rayza Lima Araújo, Joaquim Alberto Leite dos
Santos Junior, Geraldo Bernardino, Radson Rogerton dos Santos
Alves, Alfeu Ferraz Filho, Ana Lúcia Gomes & Paulo Henrique
Rocha Aride.
APRESENTAÇÃO
Aquicultura é a atividade agropecuária que mais cresce no
Brasil, produzindo importantes fontes de proteínas para consumo do
homem. Dentre as atividades desenvolvidas pela aquicultura,
destaca‐se a produção de peixes (Piscicultura), além da criação de
moluscos (Malacocultura), camarões (Carcinicultura), rãs
(Ranicultura), entre outras atividades. O Livro “Aquicultura no
Brasil: Novas Perspectivas é uma contribuição de diversos
pesquisadores brasileiros de inúmeras instituições de ensino e
pesquisa que debruçaram‐se sobre o tema para apresentar as
novidades sobre a aquicultura brasileira, em 35 capítulos.
Portanto, este livro, em dois volumes, aglutina informações
sobre organismos aquáticos cultiváveis, e essas informações são
recentes, relevantes e abrangem a Produção, Reprodução, Sanidade,
Ecologia e Biologia, Tecnologia de Pescados, outros. Trata‐se de
informações sobre o estado da arte e novas informações nas diversas
áreas do cultivo intensivo de organismos aquáticos.
Esta publicação teve apoio financeiro do Conselho Nacional
Científico e Tecnológico (CNPq), Chamada 081/2013 – Processo
487639/2013‐8, ação coordenada pelo Núcleo de Estudo, Pesquisa e
Extensão em Piscicultura e Aquicultura Familiar do Tocantins –
NepeAQUI/UFT.
O Volume 1 apresenta capítulos sobre os diferentes aspectos
Biológicos, Fisiológicos e Sanitários. O Volume 2 apresenta
informações sobre Produção e Reprodução de organismos aquáticos.
Os autores
PREFÁCIO
A produção de organismos aquáticos representa, no contexto
mundial, uma importante alternativa de subsistência de uma
população cada vez mais numerosa, como fonte alimentar e como
fonte de renda. O Brasil, por sua vez, destaca‐se, nos diferentes
relatórios e números que explicam a atividade no mundo, como o
país com as taxas mais altas de crescimento. No país, a aquicultura é
a atividade de produção animal que mais cresce. O crescimento da
aquicultura brasileira é um fenômeno que acontece junto com o
crescimento da pesquisa na área e por sua valorização pelas
diferentes instituições de pesquisa, ensino e extensão, bom como
pelas agências de fomento em nosso país. O livro “Aquicultura no
Brasil: Novas Perspectivas”, organizado por pesquisadores de duas
importantes instituições de pesquisa e ensino brasileiras, é um
indicador deste processo de crescimento, com sua diversidade de
temas e a contribuição de grupos de pesquisa de diferentes regiões do
país. A abordagem ampla deste livro, em seus 35 capítulos, permite
ao leitor conhecer as diferentes linhas de pesquisa, com as quais a
ciência da aquicultura avança no Brasil. Em seu primeiro volume, a
obra trata de Aspectos biológicos, fisiológicos e sanitários de peixes
teleósteos e cartilaginosos, quelônios, anfíbios e moluscos, abordando
estudos de natureza básica e dados relacionados à produção. No
segundo volume, a obra trata da Produção e Reprodução de
Organismos Aquáticos, e da mesma forma, apresenta estudos com
enfoque básico passando por estudos que apontam os avanços da
tecnologia na produção de organismos aquáticos.
O leitor tem em suas mãos um farto material de leitura e uma
interessante coletânea de estudos que compõem o atual contexto da
pesquisa e tecnologia da aquicultura brasileira.
Elisabeth Criscuolo Urbinati
FCAV e Caunesp
CAPÍTULO 20
AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS REPRODUTIVOS
EM PEIXES NATIVOS
Luis David Solis Murgas1
Daniella Aparecida de Jesus Paula
Mônica Rodrigues Ferreira Machado
Viviane de Oliveira Felizardo
Estefânia de Souza Andrade
Galileu Crovatto Veras
INTRODUÇÃO
O Brasil possui a mais rica fauna de peixes de água doce do
mundo, com mais de 2.500 espécies nativas, e muitas outras ainda
desconhecidas (Buckup et al., 2007). Entre essas espécies, pelo
menos 40 têm sido tradicionalmente utilizadas ou apresentam
potencial para aquicultura.
Alguns grupos de peixes reproduzem‐se naturalmente em
águas lênticas, outros que abrange a maioria das espécies nativas,
tais como o pacu (Piaractus mesopotamicus), tambaqui (Colossoma
macropomum), curimba (Prochilodus lineatus), dourado (Salminus
brasiliensis), pintado (Pseudoplatystoma corruscans), piavuçú
(Leporinus macrocephalus), piraputanga (Brycon microleps) e
piracanjuba (Brycon orbignianus), necessitam realizar migrações
rumo às cabeceiras dos rios para a reprodução, peixes esses de
grande importância para a piscicultura nacional (Venturieri &
Bernardino, 1999).
O deslocamento de centenas de quilômetros, durante a
migração, afeta toda a fisiologia desses peixes, desencadeando
processos essenciais para o preparo à reprodução. Nos viveiros de
piscicultura, a privação desse comportamento migratório impede
Murgas et al. Avaliação de parâmetros reprodutivos em peixes nativos. In: Tavares‐
Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São
Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
441
que esses peixes atinjam o preparo fisiológico para a reprodução. A
manipulação artificial do ciclo reprodutivo nas espécies nativas
constitui‐se um procedimento necessário para promover a indução
da desova e espermiação, permitindo que ocorra a reprodução
destes indivíduos no momento desejado e em condições controladas
de cativeiro.
Em peixes teleósteos, o hipotálamo e hipófise estão
localizados na base do diencéfalo e são os principais centros que
coordenam os eventos fisiológicos, particularmente
neuroendócrinos (Iseki & Negrão, 2003). O hipotálamo processa os
estímulos externos, como fatores ambientais e feromônios, e internos
percebidos pelos peixes. Ele inicia a cascata hormonal e fisiológica
ligada à reprodução, por meio da estimulação da produção e
liberação dos hormônios liberadores de gonadotropina (GnRH) e
dopamina, que quando caem na corrente sanguínea atuam
diretamente na hipófise controlando a liberação e síntese das
gonadotrofinas. Estas são de grande importância prática na
reprodução induzida em peixes desempenhando papel fundamental
no desenvolvimento gonadal (Mylonas et al., 2010).
A principal causa da baixa eficiência reprodutiva dos peixes
em cativeiro está relacionada com o não desenvolvimento e
maturação gonadal adequados, que são determinados pelas
gonadotrofinas, hormônio folículo estimulante (FSH) e hormônio
luteinizante (LH).
O GnRH é responsável pelo estímulo à hipófise para síntese e
a liberação das gonadotrofinas (FSH e LH) enquanto a dopamina
inibe. O FSH é responsável pela liberação de estradiol pelo ovário,
crescimento gonadal, gametogênese e entrada de vitelogenina no
ovócito, enquanto o LH é importante para a maturação final dos
gametas e sua posterior liberação. Os esteroides sexuais e outros
fatores gonadais exercem um controle de feedback positivo e
negativo no hipotálamo, hipófise, e nas próprias gônadas (Sallum,
1999).
Este capítulo tem como objetivo principal discutir as
diferentes técnicas de avaliação dos parâmetros reprodutivos em
442
fêmeas e machos de peixes nativos, bem como sua importância para
o melhor desempenho dos reprodutores.
INDUÇÃO HORMONAL
Os primeiros trabalhos de indução a desova de peixes
reofílicos foram desenvolvidos paralelamente na Argentina
(Houssay, 1930) e no Brasil (Ihering, 1935). A indução é realizada a
partir do uso de extrato bruto de hipófise de carpa (EBHC) (Streit Jr.
et al., 2003). Porém, o pouco conhecimento a respeito da maturação e
desenvolvimento gonadal, do tipo de desova e período reprodutivo
e das substâncias que podem ser utilizadas como indutores, têm
limitado a eficiência reprodutiva das matrizes.
Em fêmeas, o EBHC normalmente é aplicado em duas doses:
uma dose menor, preparatória, para maturação total, e uma dose
final para ovulação e liberação dos ovócitos, sendo que a primeira
dose tende a ser 10% da segunda. No macho é feita apenas uma
aplicação. As doses de hipófise, bem como o tempo de espera entre a
primeira e a segunda aplicação, na fêmea, podem variar
dependendo do grau de maturidade gonadal que se encontram os
reprodutores e também da temperatura da água.
Porém, o EBHC é proveniente de Cyprinus carpio, as quais
geralmente são importadas, possuindo elevado custo e possibilidade
de introdução de doenças quando adquiridas de empresas não
registradas. Assim, novas opções de hormônios sintéticos têm sido
estudadas. Os indutores hipotalâmicos estão associados à liberação
de GnRH e geralmente relacionados com a manipulação do
ambiente. Controle de fotoperíodo e temperatura da água podem
estimular a maturação gonadal. Miranda et al. (2009) avaliou o efeito
do fotoperíodo sobre a reprodução de Odontesthes bonariensis e
percebeu que houve um aumento do índice gonadossomático e
aumento da expressão de gonadotrofinas na hipófise e GnRH no
hipotálamo, culminando com maior concentração de esteroides na
circulação sérica e folículos vitelogênicos nos ovários.
Os indutores da liberação de gonadotrofinas como os
agonistas de GnRH, funcionam como dispositivos de liberação
443
hormonal contínuos para mimetização da liberação dos hormônios
gonadotróficos durante o processo reprodutivo (Zohar & Mylonas,
2007). Um dos hormônios que podem ser utilizados é o Ovaprim®,
um análogo de GnRH de salmão associado a Domperidona, já
utilizado em P. mesopotamicus (Lima et al., 1988). Análogos de LHRH
também já foram utilizados para Pseudoplatistoma fasciatum (Perez et
al., 2001). Os resultados, porém ainda são controversos, pois existe
uma variação muito grande na resposta destes peixes.
Esta variação pode ser explicada pela quantidade de formas
existentes de moléculas de GnRH identificadas em vários
vertebrados e espécies protocordadas (Millar et al., 2004). As formas
mais presentes nos peixes incluem o GnRH‐II (galinha) e GnRH
(salmão) (Klausen et al., 2008). A importância de especificação do
tipo de GnRH utilizado para estudo está no tipo de resposta celular
estimulada pelo hormônio em questão. Estudos comprovam que
diferentes formas moleculares de GnRH, podem induzir ativação de
diferentes sinalizações moleculares, e consequentemente, causar
variação na resposta celular estimulada (Caunt et al., 2006; Klausen
et al., 2008).
Estudos recentes (Machado et. al. 2012) mostraram a
utilização de hormônios alternativos, desenvolvidos para outras
espécies animais em peixes nativos. Fêmeas de Mylossoma duriventre,
aptas a indução hormonal, foram induzidas com Foltropim®,
Lutropim® e EBHC observando‐se efeito aparente do Lutropin® e
do EBHC na desova.
PARÂMETROS REPRODUTIVOS EM FÊMEAS
Estudos que envolvem a determinação do desenvolvimento e
da maturação sexual são fundamentais para a ciência da pesca e são
pré‐requisitos para a compreensão do ciclo de vida dos peixes
(Sivakumaran et al., 2003). O método mais adequado para a
determinação do ciclo reprodutivo em fêmeas é a observação de
modificações sazonais no desenvolvimento das gônadas (Karlou
Riga & Economidis, 1996).
444
Várias técnicas vêm sendo empregadas para solucionar
problemas que ocorrem em grande parte dos trabalhos com
reprodução de peixes. Alguns destes problemas são primeiramente
a dificuldade de identificação do dimorfismo sexual na maioria dos
peixes nativos e a capacidade de determinar a qualidade dos
ovócitos bem como as características que influenciam sua
capacidade de obter sucesso na fertilização.
Segundo Okuzawa (2002), nos peixes, como em outros
vertebrados, os mecanismos intrínsecos à puberdade, especialmente
o seu início, não são compreendidos inteiramente. Esses
mecanismos provavelmente são diferentes entre as espécies de
teleósteos, os quais constituem o maior táxon entre os vertebrados.
Diversos métodos têm sido descritos para determinar o
estágio de maturação de desenvolvimento gonadal em peixes. Em
algumas espécies as gônadas podem ser visualizadas com auxilio de
endoscópio, entretanto este método, embora eficiente na inspeção de
estádios avançados de vitelogênese apresenta‐se problemático em
estádios menos avançados no qual apenas gordura é coletada e
repetidas coletas de amostras são necessárias. O otoscópio e os
endoscópios já foram utilizados com sucesso para determinar o sexo
e a maturidade dos peixes, incluindo o esturjão Scaphirhynchus
platorynchus (Kynard & Kieffer, 2002; Wildhaber et al., 2005), o
esturjão do golfo do México Acipenser oxyrinchus (Hernandez‐Divers
et al., 2004) e bagre‐do‐canal Ictalurus punctatus (Lima et al. 2011).
Dentre os poucos relatos da utilização da endoscopia em espécies
nativas, podemos citar Andrade et al. (2012), que verificaram que
além de ser eficaz para a identificação do sexo de curimba, a técnica
pode ser utilizada para a determinação do estágio de maturação
gonadal da espécie.
Outros métodos como ultrassonografia e o uso de cânulas já
foram testadas em várias espécies como piabanha Brycon insignis
(Andrade‐Talmelli et al., 2002) e dourado (Dumont‐Neto et al.,
1997).
A utilização da análise da distribuição da frequência
percentual dos diâmetros dos ovócitos intraovarianos como
445
indicador do grau de desenvolvimento gonadal das fêmeas foi
utilizada pela primeira vez por Fenerich‐Verani et al. (1984) com
curimbatá P. scrofa. Esses autores observaram que o sucesso da
fertilização ocorria somente em fêmeas com ovócitos de diâmetros
superiores a 735,55 mm, com distribuição unimodal e simétrica, e
que, as fêmeas que apresentavam ovócitos maiores, porém com
distribuição polimodal, não respondiam aos tratamentos hormonais.
Outra metodologia utilizada como indicador do grau de
desenvolvimento gonadal para a seleção de fêmeas aptas a
reprodução e da qualidade da desova é a análise da posição do
núcleo nos ovócitos. Ovócitos em final de maturação apresentam o
núcleo situado na periferia da célula, contrariamente ao que ocorre
em ovócitos imaturos ou em maturação, em que a posição do núcleo
é central. Alguns trabalhos já foram realizados em diferentes
espécies como Narahara et al. (2002) trabalhando com pirapitinga‐
do‐Sul (Brycon opalinus).
Na avaliação da desova outros parâmetros também podem
ser avaliados, dentre estes podemos citar o índice de desova (ID =
peso da ova x 100/peso corporal da fêmea) que indica o rendimento
da desova em relação ao peso corporal do indivíduo, o número
relativo de ovócitos não‐hidratados por mL que é determinado
através da contagem de três amostras de 0,1 mL de ovócitos e o
índice gonadossomático (peso da desova + peso dos ovários
esgotados x 100/peso corporal) que expressa à porcentagem que as
gônadas representam do peso total dos indivíduos, variando
principalmente em função da espécie, do tipo de desova, da época
do ano e das condições ambientais e de manejo.
Silva et al. (2009) verificaram que a qualidade dos
parâmetros reprodutivos das fêmeas está relacionada a época
reprodutiva da espécie, que no caso da curimba P. lineatus ocorreu
no mês de dezembro no período estudado, onde foi avaliado o peso
de desova e taxa de fertilização. De acordo com Felizardo et al.
(2011) os índices gonadossomáticos e hepatossomáticos podem ser
utilizados como indicadores do período reprodutivo de Leporinus
obtusidens.
446
Felizardo et al. (2012), avaliaram além dos parâmetros já
citados acima, a frequência absoluta, frequência absoluta relativa ao
peso e frequência absoluta relativa ao comprimento de lambari
Astyanax bimaculatus. A fecundidade absoluta é o número de
ovócitos total produzidos por peixe, a fecundidade absoluta relativa
para peso é o número de ovócitos por grama do exemplar e a
fecundidade absoluta relativa para comprimento é o número de
ovócitos por centímetro do animal (Tabela 1).
Tabela 1. Valores médios (±desvio padrão) das variáveis analisadas dos
exemplares de Astyanax bimaculatus (N = 11), submetidos à indução
hormonal no período de metade de luz (ML) e metade de escuro (ME).
FARP frequência absoluta relativa ao peso, FARC freqüência absoluta
relativa ao comprimento.
EXTRATO DE HIPÓFISE GONADORELINA
PARÂMETROS (EBHC) (GnRH)
ML ME ML ME
Frequência absoluta 7443±6501a 5241±4660a 5290±1769a 4119±1170a
FARP (No. ovócitos/g de
fêmea) 805±448a 580±396b 700±214a 529±105b
FARC (N. ovócitos/cm de
fêmea) 818±625a 594±484a 636±201a 486±119a
Diâmetro (μm) 1066,5±142,2 1135,4±49,1a 989,2±78,6 932,7±98,8b
Índice gonadossomático
(%) 18±7,9a 14,0±9,3a 14,2±3,3a 10,6±2,4a
Índice hepatossomático
(%) 1,0±0,6a 1,2±1a 1,9±1,6a 1,3±0,9a
Vesicula geminativa
periférica (%) 95±6a 86±26 79±21b 93±8
* Letras minúsculas diferentes na linha indicam diferença (p>0,05) pelo teste de
Tukey. Fonte: Felizardo et al. (2012).
Os parâmetros de avaliação de desova citados são
importantes para verificar a qualidade da mesma, porém esta
certificação só se dará mediante estimativa da taxa de fertilização.
Paulino et al. (2011), avaliaram a aplicação de um hormônio sintético
(extrato de busserelina) em três diferentes espécies de peixes
nativos: piracanjuba, curimba e pacu e observaram que o hormônio
foi capaz de induzir a desova, porém somente verificou taxa de
447
fertilização para a curimba. Dessa forma, vale ressaltar a
necessidade de verificar a taxa de fertilização para definir a
qualidade da desova.
PARÂMETROS REPRODUTIVOS EM MACHOS
Análise seminal
O conhecimento das características seminais é fundamental
na rotina de reprodução artificial, pois permite a utilização do uso
racional de gametas, bem como do número de reprodutores
(Bombardelli et al., 2006). Através de várias pesquisas realizadas ao
longo dos anos, o conhecimento da fisiologia da reprodução
associado aos estudos de biologia de peixes permitiu a determinação
de procedimentos de manejo que possibilitam a maturação gonadal
dos peixes em cativeiro, bem como a indução dos processos de
maturação final dos gametas e a subsequente fertilização (Zaniboni
Filho & Weingartner, 2007).
Com relação a fertilização, Streit et al. (2008) sugerem que os
espermatozoides devem ser eficientes na fertilização de ovócitos,
porém, isso pode não ocorrer, devido à qualidade espermática ser
influenciada por diversos fatores como: tamanho do indivíduo,
idade dos reprodutores, realização de sucessivas coletas seminais,
época do ano, indução hormonal e a variabilidade na composição
iônica do plasma seminal (Paulino et al., 2012).
As características seminais são muito variadas entre as
espécies de peixes e a sua avaliação é de grande importância para o
estabelecimento da fertilização artificial. Como sabemos a
motilidade espermática não deve ser tomada como único indicativo
da qualidade seminal, sendo que outras características portanto,
devem ser consideradas na caracterização da qualidade espermática.
Dentre elas, podemos destacar as características como volume,
motilidade, vigor e concentração e as características morfológicas
dos espermatozóides (Routray et al., 2007).
É importante o conhecimento desses valores para que se
possa avaliar a qualidade do sêmen coletado e, com isso, otimizar
sua utilização no processo de fertilização artificial (Viveiros, 2005).
448
Dessa forma, esses parâmetros devem fazer parte da rotina das
pisciculturas que realizam a indução hormonal, e por isso têm sido
determinados em grande parte das espécies reofílicas.
Volume de sêmen
O volume do sêmen é um parâmetro muito variável entre as
diversas espécies e até mesmo na mesma espécie, por ser
influenciado pela estação do ano, clima, período de repouso sexual e
método de coleta. Algumas espécies como piracanjuba podem
liberar um volume relativamente grande de sêmen (>10 mL),
quando comparados ao L. macrocephalus e Zungaro jahu. Em trabalho
realizado por Andrade et al. (2012) com curimba, foi observado uma
média de volume de sêmen de 1,2 ± 0,4 mL. Outro trabalho
realizado por Carvalho et al. (2014), com a mesma espécie também
obteve dados próximos a esse sendo muito semelhantes aos
encontrados em outros estudos como de Felizardo et al. (2010a) e
Viveiros et al. (2009) que obtiveram sêmen volume de 2,1 e 2,4 mL,
respectivamente.
Sabe‐se que os tratamentos hormonais podem afetar o
volume seminal e na maioria das espécies de peixes que recebem o
tratamento hormonal, é observado um aumento significativo no
volume seminal (Viveiros & Godinho, 2009). Porém, o volume não
tem um valor intrínseco biológico e sim pela quantidade de células
fecundantes que possa conter.
Em um trabalho realizado por Moon et al. (2003) utilizando
implantes de GnRH durante a estação de reprodução foi observado
que os tratamentos afetaram o volume de sêmen liberado e sua
fluidez, e este fato consequentemente levou a uma redução da
concentração de espermatozoides. Segundo Bombardelli et al.
(2006), este aumento da fluidez do sêmen pode apresentar‐se como
um fator positivo, pois a elevada viscosidades do sêmen que é muito
observado em animais de cativeiro, dificulta a homogeneização do
sêmen com as soluções ativadoras apresentando‐se como um
problema na reprodução induzida.
449
Em relação a época de coleta de sêmen, estudos com curimba
verificaram que essa variável não influenciou significativamente o
volume seminal obtido dessa espécie. No entanto, verificou‐se
aumento na concentração espermática ao final do período
reprodutivo (Silva et al., 2009).
Concentração espermática
A concentração espermática é também um indicador que
deve ser considerado para avaliar a qualidade do sêmen. No
entanto, apesar de ser tradicionalmente usada, a concentração de
espermatozóides não é tão sensível e específica, uma vez que mostra
grande variabilidade entre as espécies. Por exemplo, Butts et al.
(2011) observaram uma correlação negativa entre a concentração de
espermatozóides e a criopreservação de espermatozóides em Gadus
morhua, provavelmente relacionada à variação na composição do
espermatozóide e plasma seminal entre os animais avaliados.
A concentração ou densidade espermática expressa a
quantidade de espermatozóides por ml de sêmen, podendo ser
determinado através de contagem em câmaras volumétricas,
mediante diluição do sêmen em formolcitrato (Felizardo et al.,
2010b). Valores de concentração podem variar de acordo com o peso
e idade do peixe, época do ano (Silva et al., 2009), frequência de
coleta e volume do ejaculado.
O número de espermatozoide/mL é altamente variável entre
as espécies brasileiras. É verificado aumento na concentração
espermática de peixes induzidos hormonalmente quando
comparados àqueles que não receberam a indução (Viveiros &
Godinho, 2009). A concentração espermática pode variar de 7,3 x
109 em B. orbignyanus (Felizardo et al., 2010b) à 125 x 109
espermatozoides/mL em R. quelen (Borges et al., 2005).
Em estudos realizados por Andrade et al. (2012) com P.
lineatus, observou‐se concentração espermática média dos
reprodutores de 75,81 x 109 ± 35,59 x 109 espermatozoides/mL. Os
valores de referência para essa espécie variaram entre 16,8 x 109 e
23,4 x 109 (Viveiros et al., 2009; Felizardo et al., 2010a). O aumento da
450
concentração espermática média em uma espécie pode ser
influenciado pela época de indução hormonal, diferenciando no
início e no final da época reprodutiva. De acordo com Silva et al.
(2009), a concentração espermática está correlacionada
positivamente com o período que ocorre a indução hormonal, sendo
maior no fim do período reprodutivo.
Outro exemplo são os estudos conduzidos por Carvalho et
al. (2014), os quais mostram que a concentração espermática
encontrada para P. lineatus e P. mesopotamicus, foi menor do que o
observado por outros autores tais como, Felizardo et al. (2010a) e
Viveiros & Godinho (2009). Os autores justificam que essa variação é
esperada, pois a concentração de espermatozoides pode ser afetada
por vários fatores, tais como fase reprodutiva e tipo de hormônio
utilizado. De acordo com Silva et al. (2009), o tipo de hormônio
utilizado na indução pode afetar a concentração espermática, uma
vez que a aplicação do hormônio irá atuar na alteração do plasma
seminal e pode desse modo diluir o sêmen que irá apresentar maior
volume (Murgas et al., 2011).
Em geral, uma baixa concentração espermática é seguida por
um aumento no volume seminal em peixes induzidos
hormonalmente. Porém, esse fato não foi observado em espécies tais
como B. orbignyanus, P. mesopotamicus e P. brachypomus (Viveiros &
Godinho, 2009).
Taxa e duração da motilidade espermática
A motilidade espermática é um dos principais parâmetros a
serem considerados na análise da qualidade do sêmen de peixes.
Para tanto, deve‐se levar em conta que ela é influenciada por
inúmeros fatores como temperatura, estado nutricional, estado
sanitário, condições de análise, soluções ativadoras empregadas e
espécie estudada, sendo que um dos principais moderadores da
motilidade espermática é o progresso da época reprodutiva em que
os machos de piracema se encontram.
A osmolaridade isotônica ao plasma seminal suprime a
motilidade espermática em teleósteos marinhos e de água doce.
451
Quando o sêmen é exposto à hipertonicidade da água salgada ou
hipotonicidade da água doce, respectivamente, induz à iniciação da
motilidade espermática (Takai & Morisawa, 1995).
A importância da duração da motilidade dos
espermatozoides é o tempo necessário para que o esperma penetre
na micrópila do ovócito para que ocorra a fertilização. Na maioria
dos teleósteos, o tempo de abertura da micrópila é de cerca de 60
segundos (Andrade & Yasui, 2003).
A diminuição da capacidade de movimentos dos
espermatozoides é originada, em parte, pela diminuição do estoque
de energia ocorrida durante o período de motilidade. A duração da
motilidade espermática em peixes de água doce é muito curta e
muito variada entre as espécies: 30‐40 segundos a 20ºC em carpa
(Billard et al., 1995) e 486 segundos a 26ºC em pacu (Maria et al.,
2004).
Em estudos realizados por Andrade et al. (2012) com P.
lineatus, a taxa e duração da motilidade foi de 100% e 139 ± 102
segundos, sendo superior quando comparada com os valores
descritos por Murgas et al. (2007) e Carvalho et al. (2014), que
relataram de 24 a 88 segundos e 62,3 ± 8,7, respectivamente. Para P.
mesopotamicus, foi obtida taxa de motilidade de 86,3 ± 15,1% e
duração de 45,5 ± 10,3 segundos (Carvalho et al., 2014), sendo
possível observar uma variação entre as espécies.
Kopeika & Kopeika (2008) citam que a análise da motilidade
espermática reflete variações genética e ambiental, o que pode
justificar as diferenças observadas entre os estudos. Embora não haja
nenhum valor mínimo para os parâmetros de motilidade
espermática em peixe que seja capaz de garantir a eficácia deste
sêmen, os valores obtidos na maioria dos trabalhos são utilizados
como um parâmetro e considerados como uma garantia para a
qualidade do sêmen.
De acordo Murgas et al. (2011), a redução na duração da
motilidade dos espermatozoides, em parte acontece pela queda no
estoque de energia, que ocorre durante o período de mobilidade.
Sendo a duração da motilidade espermática em peixes de água doce
452
muito curta, variando entre as espécies e os animais devido a fatores
como o estado nutricional e estado de saúde.
Morfologia espermática
Os espermatozoides de peixes são morfologicamente
divididos em cabeça, peça intermediária e cauda (Coward et al.,
2002). Na maioria dos grupos de peixes, o acrossoma é uma
estrutura ausente, sendo compensada pela presença da micrópila no
ovócito, onde ocorre a entrada do espermatozoide (Ganeco &
Nakaghi, 2003).
Em espermatozoides de mamíferos, anormalidades
secundárias, tais como uma cauda quebrada e isolada ou cabeça
isolada são relacionadas com a preparação de esfregaço, enquanto
que alterações primárias estão relacionadas com falhas durante a
espermatogênese (Hafez & Hafez, 2000). Em peixes, as alterações
morfológicas nos espermatozoides podem ocorrer após o aumento
ou a diminuição da osmolaridade do meio que os circunda. Miliorini
et. al. (2011) propuseram pela primeira vez uma classificação de
alterações morfológicas para peixes nativos usando curimba como
modelo. Essa classificação proposta inclui as alterações primárias e
secundárias de acordo com o tipo de anormalidade na cabeça, na
peça intermediaria e na cauda dos espermatozoides.
A avaliação morfológica dos espermatozoides de peixes pode
auxiliar na caracterização de amostras seminais, fazendo inferência
sobre seu potencial fertilizante ou de amostras congeladas de sêmen
e explicando insucessos de reprodutores tidos como aptos após
análises convencionais de motilidade espermática (Miliorini, 2006).
Assim, como nas outras variáveis que são analisadas, a
morfologia espermática varia de espécie para espécie. Em estudos
realizados por Andrade et al. (2012), com P. lineatus, a morfologia
espermática apresentou média de 19,25 ± 6,11% para anormalidades
maiores, 7,62 ± 1,4% para anormalidades menores e 26,87 ± 5,79%
para anormalidades totais. Em outros estudos também realizados
por Andrade et al. (2014), com essa mesma espécie, o percentual
médio de anormalidades totais observada foi 28%, sendo maior do
453
que o relatado por Kavamoto et al. (1999) e Moraes et al. (2004), que
encontraram uma ocorrência de 7,2% e 9,5%, respectivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação dos parâmetros reprodutivos em peixes oferece
uma ferramenta importante na identificação do rendimento
reprodutivo em um plantel de reprodutores. As técnicas que
envolvem a determinação do desempenho reprodutivo tanto nas
fêmeas como nos machos devem seguir protocolos específicos de
acordo com o sexo do peixe. Nas fêmeas a avaliação da qualidade
dos ovócitos é a principal forma de verificar o rendimento da
desova. O sucesso na fertilização depende da qualidade ovocitária
que está relacionada ao tipo de hormônio utilizado na indução e à
época de desova. Nos machos, a avaliação das características
seminais incluindo a taxa de motilidade espermática, a concentração
e a morfologia dos espermatozoides gera informações sobre a
capacidade fecundante do esperma produzido. Desta forma, a
avaliação ovocitária e espermática em peixes se torna uma
ferramenta indispensável para verificação do desempenho
reprodutivo na criação intensiva de peixes.
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459
CAPÍTULO 21
AVANÇOS NA REPRODUÇÃO E PRODUÇÃO DE
JUVENIS DE TRAIRÃO (Hoplias lacerdae)
Ana Lucia Salaro1
Daniel Abreu Vasconcelos Campelo
Marcelo Duarte Pontes
Jener Alexandre Sampaio Zuanon
Galileu Crovatto Veras
Valéria Rossetto Barriviera Furuya
Ronald Kennedy Luz
INTRODUÇÃO
O trairão, Hoplias lacerdae, é um peixe de água doce
pertencente à família Erythrinidae, ordem Characiformes. Esta
espécie está distribuída na bacia dos rios Ribeira de Iguape e
Uruguai (Oyakawa et al., 2009).
O interesse por esta espécie esta relacionado a qualidade de
sua carne, a qual pode ser comparada com a de muitos peixes
nobres. Os trairões se adaptam ao manuseio (Gomes et al., 2010),
apresentam boa resistência às variações de temperatura e de
oxigênio dissolvido na água (Ferreira et al., 1998), bem como baixo
consumo de energia, devido ao comportamento sedentário.
Desovam de forma natural, não necessitando de indução hormonal.
Em condições de cativeiro, machos atingem a maturidade sexual em
torno de 11 meses enquanto que as fêmeas, aos 24 meses de idade
(Godinho & Ribeiro, 1981).
Os peixes do gênero Hoplias apresentam bom mercado,
principalmente na região sudeste do Brasil, atingindo alto valor
comercial. Do total de peixes desse gênero produzidos em 2011, a
piscicultura contribui com 926,5 toneladas e a pesca extrativista com
Salaro et al. Avanços na reprodução e produção de juvenis de trairão (Hoplias
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461
9.894 toneladas (MPA, 2012). Esses valores demonstram o excelente
mercado desses peixes; porém, há necessidade de maiores
investimentos na cadeia aquícola.
Embora o trairão (Hoplias lacerdae) apresente características
favoráveis para criação em cativeiro, por possuir hábito alimentar
carnívoro, existe o mito que o canibalismo possa dificultar sua
criação. Entretanto, com a geração e aprimoramento das tecnologias
empregadas no condicionamento alimentar de larvas e alevinos dos
peixes carnívoros a aceitar dietas processadas, é possível a criação
em escala comercial de trairões.
Neste capítulo serão abordados os principais avanços na
reprodução e produção de juvenis de trairão (H. lacerdae).
REPRODUÇÃO DE TRAIRÃO
Os trairões desovam de forma parcelada de setembro a
março (Rezende, 2007), dependendo das condições locais de
temperatura e da nutrição dos reprodutores. Temperaturas entre 26
a 30 °C são favoráveis para a desova de trairões, enquanto que, em
temperaturas inferiores a 20 ou acima de 34 °C as desovas
praticamente não ocorrem (Goulart, 2011). O número de ovos
produzidos varia de 15.000 a 25.000 ovos por fêmea sendo esta
considerada de baixa produtividade quando comparada a de outras
espécies também de desova parcelada (Loro, 2013).
Essa espécie não apresenta caracteres sexuais secundários, o
que dificulta a sexagem de machos e fêmeas (Ribeiro & Gontijo,
1984). Entretanto, com a utilização da técnica de ultrassonografia é
possível realizar a sexagem dos peixes (Goulart et al., 2013) e
distribuir os casais nos viveiros de reprodução. Porém, como essa
técnica ainda não esta disponível para a maioria dos produtores
recomenda‐se alojar peixes adultos nos tanques de reprodução e
realizar observações diárias para a identificação dos casais.
Uma prática realizada com sucesso no Setor de Piscicultura
do Departamento de Biologia Animal da UFV é a alocação de peixes
adultos em viveiros de terra de pequeno volume (10 x 20 x 0,80 m),
para a melhor visualização da formação dos casais. Indica‐se a
462
densidade de estocagem dos reprodutores de aproximadamente 32
indivíduos em um tanque de 200 m2, ou seja, um reprodutor para
cada 6,25 m2. Para minimizar o gasto energético dos reprodutores na
construção dos ninhos, os mesmos são construídos pelos
funcionários, nas laterais dos tanques, o que facilita a coleta dos
ovos. É recomendado o uso de aguapés sobre os ninhos, uma vez
que, em seu habitat natural esses peixes ficam entre a vegetação.
Assim, é possível a criação de um ambiente favorável para a desova
natural dos peixes. É importante salientar que os aguapés devem ser
cercados por uma estrutura flutuante (bambus ou mangueiras)
evitando que os mesmos se propaguem e cubram toda a superfície
do tanque.
Nos viveiros de reprodução, não é recomendado o uso de
peixes forrageiros tais como lambaris e tilápias, uma vez que esses
podem alimentar‐se dos ovos e das larvas do trairão. No Setor de
Piscicultura do Departamento de Biologia Animal, UFV os
reprodutores, quando condicionados a aceitar dietas processadas
são alimentados com rações extrusadas contendo 45% de proteína
bruta. Entretanto, também é comum, o oferecimento de pedaços de
peixes.
Na época da reprodução os viveiros devem ser monitorados
diariamente, pelo menos três vezes ao dia (início da manhã, meio
dia e ao entardecer) para verificar a ocorrência de desova. Para a
verificação de desova, utiliza‐se um pedaço de madeira, como um
cabo de vassoura ou um pedaço de bambu, o qual é colocado
próximo ao ninho. Quando ocorre a desova, o macho defende o
ninho atacando o pedaço de madeira, portanto deve‐se tomar muito
cuidado durante esse procedimento. A coleta dos ovos é realizada
por dois funcionários, sendo um responsável para afastar o
reprodutor do ninho e outro para coletar os ovos. Quando o macho
ataca o pedaço de madeira, é possível cercar o ninho com uma tela,
para que possa ser realizada a coleta. Os ovos são grandes e
aderentes, formando uma massa. Esta deve ser colocada em um
balde com água do próprio tanque e levada imediatamente para o
laboratório de incubação e larvicultura.
463
INCUBAÇÃO E LARVICULTURA DE TRAIRÃO
Para a incubação, os ovos devem ser separados
cuidadosamente para favorecer a oxigenação dos mesmos e prevenir
a incidência de fungos. Os ovos devem ser mantidos em aquários de
polietileno ou isopor com volume de 40 a 150 L, dependendo da
disponibilidade do produtor. Nos aquários de incubação, a coluna
de água deve ser mantida entre 20 e 30 cm, com aeração e
temperatura controlada entre 25 e 28°C. Recomenda‐se que o
processo de incubação seja realizado em locais cobertos.
A eclosão dos ovos ocorre em aproximadamente dois dias,
dependendo da temperatura de água dos aquários de incubação. Em
temperaturas em torno de 25°C, os ovos eclodem em cerca de 40
horas. Durante aproximadamente cinco dias, as larvas se nutrem das
reservas vitelínicas. A limpeza dos aquários de incubação deve ser
realizada diariamente, trocando‐se cerca de 30% do volume total,
para a retirada de cascas e ovos gorados, evitando assim a
proliferação de fungos e a elevação nos níveis de amônia.
Após a absorção do vitelo, as larvas se encontram aptas para
a alimentação exógena, e podem ser levadas para viveiros
previamente adubados ou alimentadas no próprio laboratório. As
larvas de trairão apresentam o sistema digestório desenvolvido com
glândulas gástricas no estômago, estruturas importantes no
processo digestivo, antes de iniciarem a alimentação exógena (Luz,
2004). Porém, as larvas não aceitam prontamente rações comerciais,
sendo fundamental a alimentação das mesmas com alimento vivo
nos primeiros dias de alimentação.
Os viveiros, para o recebimento das larvas, devem ser
calados e adubados para correção do pH e a produção de
zooplâncton (Rezende, 2007), para a alimentação dos peixes.
Recomenda‐se o povoamento dos viveiros na densidade de
estocagem 60 a 70 larvas/m2. Obedecendo a essas recomendações é
possível obter juvenis em aproximadamente 45 dias de cultivo, com
aproximadamente dois a três centímetros de comprimento, tamanho
ideal para se iniciar o condicionamento alimentar. Nessas condições,
obtêm‐se taxas de sobrevivência entre 20 a 60%, dependendo de
464
vários fatores como temperatura da água, eficiência da adubação na
produção do alimento natural, ocorrência de predadores, assim
como da alimentação dos reprodutores.
Em laboratório pode‐se adotar o sistema de circulação
contínua de água ou sistema de recirculação de água (sistema
fechado com uso de biofiltros). Ambos os sistemas funcionam bem
para a larvicultura de trairão, sendo importante a manutenção da
temperatura. Nesses sistemas é fundamental o uso de aeração
artificial, através de um compressor de ar e pedras porosas, para
manter os níveis de oxigênio dissolvido na água acima de 5 mg/L.
Na larvicultura em laboratório, as larvas são alimentadas
com naúplios de Artêmias (Tabela 1), resultando em sobrevivência
acima de 90% e obtenção de juvenis com comprimento superior a 2
cm após os primeiros 15 dias de alimentação (Luz & Portella, 2002;
Luz, 2004). Pode‐se utilizar densidades de estocagem de até 90
larvas/L e frequência alimentar de duas vezes ao dia, sem ter efeitos
negativos na sobrevivência e desempenho dos animais (Luz &
Portella, 2005a; Luz & Portella, 2005b).
Tabela 1. Quantidade de alimento (náuplios de Artemia) a ser fornecida às
larvas de Hoplias lacerdae durante os primeiros 15 dias de alimentação
exógena (Luz, 2004)
Dias alimentação após iniciar a Quantidade diária de alimento
larvicultura (náuplios de Artemia/larvas)
1º ao 5º dia de alimentação 700 ‐ 900
6º ao 10º dia de alimentação 1.150 ‐ 1.350
11º ao 15º dia de alimentação 1.600 ‐ 1.800
A quantidade diária de alimento deve ser dividida pelo
número de refeições ao dia. As larvas devem permanecer no
laboratório até atingirem o tamanho para iniciar o condicionamento
alimentar. Durante este período recomenda‐se o escurecimento dos
aquários para evitar que as larvas e juvenis fiquem aglomerados, o
que pode favorecer a ocorrência do canibalismo. Para tanto, pode‐se
utilizar sombrite preto para cobrir os aquários. No momento da
465
limpeza dos aquários é importante retirar animais mortos para
evitar deterioração da qualidade da água.
Durante a larvicultura é importante que a temperatura da
água se mantenha entre 26 a 28°C, sendo que temperaturas
inferiores podem diminuir a taxa de crescimento, aumentar o tempo
da larvicultura e levar ao aparecimento de patógenos
Ichthyophthirius multifiliis (íctio). Nesses casos a mortalidade pode
ser total em um curto período. A realização da larvicultura, durante
os 15 primeiros dias, com água salinizada (2 a 4g de sal/L) pode ser
uma medida preventiva à ocorrência deste parasita (Luz & Portella,
2002), sem afetar o crescimento e sobrevivência. Além disso, a
salinidade favorece maior sobrevivência dos náuplios de Artemia na
água, melhorando a disponibilidade deste alimento para as larvas.
CONDICIONAMENTO ALIMENTAR DE JUVENIS DE TRAIRÃO
O condicionamento alimentar dos peixes a aceitar dietas
processadas é considerado a fase mais crítica durante a produção de
espécies carnívoras, em função da ocorrência de canibalismo e da
não aceitação imediata de dietas processadas pelos juvenis. Dentre
as técnicas utilizadas destacam‐se: 1) transição súbita de alimentos,
onde o alimento natural é substituído por dietas processadas; 2)
transição gradual de alimentos, onde ocorre troca gradativa do
alimento natural pela dieta processadas; e 3) transição gradual de
ingredientes da dieta, onde o ingrediente úmido (fígado, filé de
peixe moído, ovos de peixes ou krill congelado) pelo ingrediente
seco (dietas processadas) (Kubitza & Lovshin, 1999).
Para o trairão, a técnica de transição gradual de ingredientes na
ração, utilizando‐se de coração bovino ou gelatina comercial (como
ingrediente úmido) tem proporcionado os melhores resultados para o
condicionamento alimentar dos peixes (Luz et al., 2002; Salaro et al.,
2012a). As porcentagens das misturas (ração + coração bovino) que
constituem as dietas utilizadas no condicionamento alimentar e os dias
de administração das mesmas constam na tabela 2 (Luz et al., 2002). A
ração deve conter níveis de proteína bruta superiores a 40% e ser
triturada de forma a apresentar granulometria inferior a 0,5 mm. Após
466
a mistura do coração bovino e ração, são confeccionados péletes
manualmente ou por meio de um moedor de carne. O número de
péletes oferecidos e a frequência alimentar utilizada devem ser
adequados para que todos os peixes tenham acesso ao alimento, pois
sua falta pode induzir ao canibalismo.
Durante o condicionamento alimentar dos peixes,
recomenda‐se a utilização de sistema de fluxo contínuo de água
(sistema aberto) para a manutenção da qualidade da água, devido
ao alto teor de proteína da dieta e a quantidade de alimento que é
oferecido. A utilização de lotes de juvenis homogêneos é
fundamental para o sucesso do condicionamento, uma vez que, lotes
desuniformes induzem o canibalismo. Recomenda‐se a cada troca de
dieta a reclassificação dos peixes, retirando‐se os animais que
apresentem tamanho desigual da maioria do lote. Os peixes de
menor tamanho continuam na mesma dieta, não passando para a
próxima e os peixes de maior tamanho são transferidos para as
dietas que apresentem peixes de tamanho equivalente.
Tabela 2. Dietas a serem fornecidas durante o condicionamento alimentar
de juvenis de Hoplias lacerdae.
Dieta % de ingredientes da mistura Tempo de
(coração + ração) fornecimento do
alimento (dias)
1 80% coração de boi + 20% ração extrusada 3
2 60% coração de boi + 40% ração extrusada 3
3 40% coração de boi + 60% ração extrusada 3
4 20% coração de boi + 80% ração extrusada 3
5 100% ração extrusada 4
Apesar de quatro dias de alimentação com ração extrusada
serem suficientes para considerar os peixes condicionados a aceitar
dietas processadas, recomenda‐se a alimentação dos mesmos com a
ração por mais alguns dias antes de serem manejados para a
comercialização ou serem transferidos para os viveiros ou tanques
de manutenção.
O condicionamento alimentar do trairão a aceitar dietas
processadas por muito tempo foi realizado em escuridão total, com
467
a intenção de manter os juvenis dispersos no fundo dos tanques,
diminuindo assim o contato entre os animais e, consequentemente, a
incidência de canibalismo, porém, intensidade luminosa de zero até
204,9 lux na superfície do aquário não afetaram a sobrevivência, o
canibalismo e a eficiência do condicionamento alimentar (Salaro et
al., 2011).
A suplementação das dietas utilizadas no condicionamento
alimentar dos peixes com 52,5 mg de vitamina C/kg de dieta
melhora a uniformidade de tamanho dos animais (Kasai et al., 2011).
A utilização de água salinizada (4,03 e 5,15 g/L) pode melhorar a
sobrevivência e o desempenho do trairão durante o
condicionamento alimentar. Salinidades superiores podem ser
prejudiciais, sendo que a 9 g de sal/L causa o aumento do
canibalismo, mortalidade, além da redução no ganho de peso e
comprimento. Tal fato pode ser decorrente do estresse dos animais
em águas com alta concentração de sal (Salaro et al., 2012b).
O uso do coração bovino com ingrediente úmido utilizado
em dietas para o condicionamento alimentar de H. lacerdae pode
levar ao aumento da turbidez e do teor de compostos nitrogenados
na água, caso não sejam tomados os cuidados de limpeza dos
aquários. Além disso, o mau armazenamento das dietas (mistura de
coração bovino + ração) pode levar ao insucesso do
condicionamento alimentar. Neste sentido, o uso da gelatina como
ingrediente úmido em substituição ao coração bovino foi testado
com sucesso para esta espécie (Salaro et al., 2012a). Para tal, se
utiliza a gelatina comercial sem sabor combinada a ração comercial.
Entretanto, recomenda‐se a suplementação de palatabilizantes,
como a farinha de peixe, por melhorar a eficiência do
condicionamento alimentar e o desempenho produtivo dos animais.
ENGORDA DE JUVENIS DE TRAIRÃO CONDICIONADOS A
ACEITAR DIETAS PROCESSADAS
Os trairões, uma vez condicionados a aceitar dietas
processadas, devem ser alimentados com rações extrusadas. Embora
apresentem comportamento alimentar crepuscular, em condições
468
laboratoriais, o mesmo pode ser alimentado tanto em fotoperíodo de
12 como zero horas luz, sem prejuízo para o seu crescimento (Salaro
et al., 2006), indicando que esses animais podem ser condicionados à
alimentação durante o dia.
Para juvenis de H. lacerdae (1,8 ± 0,07 g de peso e 4,7 ± 0,05
cm de comprimento) dietas contendo 47% de proteína bruta e 4.100
kcal/kg de energia bruta atende as exigências nutricionais para esta
fase de desenvolvimento (Veras et al., 2010). Em condições de
campo, o uso de ração comercial extrusada contendo 42% de
proteína bruta para juvenis de 11,6 cm proporcionou bons índices de
crescimento (0,70 g de ganho de peso/dia) e excelente conversão
alimentar (1,6: 1) (Nogueira et al., 2005). Taxas de arraçoamento
entre 2 e 6% de peso corporal/dia não influenciaram a sobrevivência,
os ganhos em biomassa, em peso diário e em comprimento de
juvenis de trairão (15 cm) alimentados com ração comercial
extrusada (42% proteína bruta). Entretanto, a conversão alimentar
aparente foi melhor nos animais alimentados com 2 e 4% peso
corporal/dia (Salaro et al., 2008). Densidades de estocagem de até 4
peixes/m2 podem ser utilizadas no cultivo de trairões (12,52 g e 10,5
cm) sem que haja comprometimento no seu desempenho produtivo
(Salaro, et al., 2003).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do comportamento territorial de H. lacerdae, esse
tem demonstrado boa adaptação em sistema de tanque rede,
atingindo tamanho de abate (1 kg) em aproximadamente um ano e
meio, sem a ocorrência de canibalismo. No entanto, ainda não
existem estudos indicando o melhor manejo deste animal em
sistemas intensivos de engorda. Os estudos sobre o real potencial de
produção e engorda desse peixe, ainda são incipientes, mas
demonstram que os animais depois de condicionados, apresentam
elevadas taxas de sobrevivência e boas taxas de conversão alimentar.
Outros estudos devem ser realizados com o intuito de aprimorar as
técnicas de produção desta espécie.
469
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo a Pesquisa no Estado
de Minas Gerais (FAPEMIG) pela concessão de bolsas de
produtividade, mestrado e iniciação científica, assim como pelos
financiamentos de nossas pesquisas.
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471
CAPÍTULO 22
REPRODUÇÃO E LARVICULTURA DO PACAMÃ
Lophiosilurus alexandri
Ronald Kennedy Luz1
José Cláudio Epaminondas dos Santos
INTRODUÇÃO
Lophiosilurus alexandri Steindachner 1876(pacamã),
pertencente à Classe Actinopterygii, Ordem Siluriformes e família
Pseudopimelodidae. Conhecido também como pocomã, pacamão,
niquim ou linguado‐do‐são‐francisco, é endêmico da bacia do Rio
São Francisco (Britski et al., 1986; Reis et al., 2003). Contudo,
também vem sendo capturado no Rio Santo Antônio, bacia do Rio
Doce, Minas Gerais (Barros et al., 2007). Esse é um peixe de
comportamento sedentário e ictiófago por excelência (Travassos,
1959).
O interesse comercial por L. alexandri é grande na região do
submédio do Vale do São Francisco. Na região de Juazeiro (BA) e
Petrolina (PE), a procura pela carne de pacamã situa‐se acima de
15% dos consumidores (Melo et al., 2006). Também foi constatado,
ser um peixe apreciado pelos ribeirinhos e comunidades adjacentes,
apresentando alto valor comercial nas feiras livres por apresentar
carne saborosa, firme, avermelhada e livre de espinhas (Tenório,
2003). Como peixe ornamental, tem alto valor de mercado, podendo
ser comercializado em unidades enquanto juvenil. Estes fatos
reforçam que o pacamã detém um significativo potencial para
criação comercial.
Há mais de duas décadas, o pacamã tem sido utilizado na
região de Três Marias pelo Centro Integrado de Recursos Pesqueiros
e Aquicultura de Três Marias – Codevasf, através de um programa
Luz & Santos. Reprodução e larvicultura do pacamã Lophiosilurus alexandri. In:
Tavares‐Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas.
São Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
473
de repovoamento. Este programa vem sendo executado de forma
constante desde 1980, incluindo várias outras espécies. Esse
processo resultou no registro, antes não observado, da captura de
pacamã na pesca experimental, sistematicamente, realizada na
represa de Três Marias (Sato & Sampaio, 2006). Conforme dados
apresentados por esses autores, no período de 2001‐2003, em
comparação com 1981‐1983, foi observado o retorno de espécies que
não haviam sido capturadas, como o pacamã, além de um
incremento na captura de espécies já registradas.
O Rio Borrachudo, um dos principais tributários da represa de
Três Marias, é o destino principal dos juvenis de pacamã provenientes
da piscicultura, e exerce função importante na sua disseminação, uma
vez que possui características ecológicas propícias, sobretudo, fundo
de areia e ambiente lêntico. Através da CODEVASF, de 2001 a 2007
foram introduzidos cerca de 200 mil juvenis de pacamã na represa,
com tamanho variando de 1,5 a 10 cm.
Na Estação de Piscicultura de Paulo Afonso‐Companhia
Hidro‐Elétrica do São Francisco (EPPA/CHESF), o pacamã também é
objeto de estudo com o objetivo de propagação nos reservatórios de
hidroelétricas ao longo do rio São Francisco, por ser uma espécie
cada vez mais rara, estando inserida desde 1995 no programa de
peixamento da CHESF (Tenório, 2003). O total de repovoamento
entre 1995 e 2002 realizado pela EPPA/CHESF foi de 234.247 juvenis.
REPRODUÇÃO
Na natureza, o ovário do pacamã apresenta desenvolvimento
irregular dos óvulos, os quais no mês de outubro estão em franco
amadurecimento, de coloração amarela, supondo desova parcelada
(Travassos, 1959). O autor verificou ainda um exemplar de 4 kg
cujas gônadas apresentavam 18 g de peso com 2096 óvulos de vários
tamanhos. Os ovários do pacamã são órgãos pares saculiformes,
com ovários classificados em quatro fases de desenvolvimento
(Barros et al., 2007; Santos et al., 2013). Os testículos são órgãos
pares, franjados, onde a região cranial corresponde a
aproximadamente 60% do comprimento do testículo em
474
maturação/maduro e contém de 41 a 73 franjas, além do que a
espermatogênese ocorre de forma sincrônica (Barros et al., 2007).
Pacamã desova em fundos de areia formando ninhos, sendo
assim classificado como psamófila e possuem cuidado parental. O
diâmetro dos ninhos feitos em bancos de areia nas regiões rasas nos
rios varia de 40 a 50 cm e a profundidade entre oito a 10 cm (Sato et
al., 2003a). Os autores registraram que o ovócito não hidratado do
pacamã possui o maior tamanho dentre 23 espécies de peixes da
Bacia do Rio São Francisco estudadas, sendo o seu diâmetro de
3.056,7 ± 154,2 μm, acontecendo o mesmo com as larvas recém
eclodidas, 8.405,1 ± 104,2 μm contra 2.876,0 ± 81,9 μm do surubim,
por exemplo.
Na Codevasf, a tecnologia de reprodução baseia‐se na
captura de animais na natureza. Os reprodutores são mantidos em
viveiros de 600 m2 (20 x 30 m) enquanto fora do período de
reprodução. Sua alimentação constitui‐se de juvenis de tilápia
estocados conjuntamente no mesmo viveiro. Ao aproximar‐se do
período de desova, os reprodutores de pacamã são capturados e
estocados em viveiro de 200 m2 de parede de alvenaria e fundo de
terra, além de renovação contínua de água. A partir desse momento,
os reprodutores são alimentados, exclusivamente com postas de
tilápia frescas, três vezes por semana. A densidade utilizada gira em
torno de 40 peixes por viveiro. Previamente, o viveiro é drenado e
cerca de 10 cm da camada lamosa existente no fundo é retirada. Ao
fundo do viveiro é adicionada uma camada de areia lavada. Esse
processo consiste, fundamentalmente, em facilitar a reprodução e
construção dos ninhos, além de evitar turvação na água e viabilizar
a observação e coleta dos ovos. A camada arenosa também
possibilita ao pacamã enterrar‐se quando fora do período de
reprodução.
Devido à dificuldade em distinguir o sexo do peixe, na
Codevasf, são estocados indivíduos de diversos tamanhos de forma
equalizada. Esse critério possibilita a presença de reprodutores de
ambos os sexos, pois normalmente, como observado, as fêmeas são
maiores.
475
Durante o período reprodutivo na Codevasf em Três Marias,
que vai da segunda quinzena de outubro a primeira de fevereiro, os
ovos são sistematicamente coletados a cada dois dias (segunda feira,
quarta feira e sexta feira). Tal frequência tem o objetivo de evitar a
eclosão de larvas no viveiro. O procedimento consiste em baixar o
nível da coluna d’água para uma altura que permita a observação do
ninho para então coletar a massa de ovos. Normalmente, o macho
cuida da massa de ovos e, posteriormente, das larvas recém‐
eclodidas (Sato & Cardoso, 1988). Os autores verificaram uma média
de 14 desovas por fêmea num período de 81 dias, onde uma fêmea
produziu cerca de 53 mil ovos.
Cada massa de ovos é colocada num recipiente
separadamente. Inicialmente, a massa de ovos é pesada, feita uma
estimativa da porcentagem de fertilização em função da quantidade
de ovos translúcidos (sãos) e opacos (goros), com média acima de
80%. Em seguida a postura é levada para incubação. Esta é efetuada
em peneiras inseridas numa incubadora dotada de abastecimento de
água por aspersão e drenagem de fundo. Tais peneiras, onde é
depositada a massa de ovos, são adaptadas para ficarem a uma
altura de modo a permitir troca homogênea da água sobre os ovos.
O tempo de eclosão das larvas varia de um a três dias a 24ºC. Logo
da eclosão, as larvas eram separadas e transferidas para calhas, que
tem formato semicircular, 2 m de comprimento, 1,2 m de altura e
com um volume que pode ser controlado conforme o desejado.
Atualmente, essas calhas não são mais utilizadas para larvas
de pacamã na Codevasf. O sistema empregado recentemente atual, é
composto por caixas plásticas circulares de 10 e 50L, em sistema de
recirculação de água. O tempo estimado para abertura da boca e,
consequentemente, início da alimentação era de oito dias a 24ºC,
quando era iniciada a larvicultura. Hoje, a temperatura é controlada
a 28ºC, e o tempo para iniciar a alimentação é de seis a sete dias.
Sua biologia reprodutiva também foi pesquisada na Estação
de Piscicultura de Paulo Afonso (EPPA/CHESF) (Tenório, 2003). Nas
condições ambientais do município de Paulo Afonso, as desovas
ocorreram nos meses de setembro a março, a uma temperatura de
476
27,7 ± 1,1oC e precipitação pluviométrica média de 38,9 mm, sendo
novembro o mês de maior ocorrência de desovas, a uma
temperatura de 27,8 ± 0,7oC e precipitação pluviométrica de 37,5
mm. Com um plantel de 80 exemplares, sendo 40 jovens e 40
reprodutores, foi possível uma produção média de 29.318 ± 14.884
juvenis/ano. A reprodução acontecia naturalmente em cativeiro,
mesmo quando restrita em áreas de 50 m2. Durante o dia, os peixes
camuflavam‐se na areia dos viveiros, a fim de evitar a luminosidade
solar e possíveis ataques de predadores. Os levantamentos dos
dados da EPPA apontam que as fêmeas (54,8 ± 1,6 cm e 2.081,3 ±
239,3 g) são maiores que os machos (52,6 ± 3,6 cm e 1.781,38 ± 262,67
g). Além disso, as fêmeas de pacamã apresentam coloração castanha,
com pontuações castanho‐escuras sobre o dorso e nos flancos. Os
machos apresentam coloração castanho‐amarelada quase sem
pontuações. Antes do ritual do acasalamento, a fêmea prepara um
ninho, com um formato ovóide, por meio de movimentos que
provocam uma leve depressão na areia. A partir daí, a fêmea libera
os óvulos sobre o ninho e o macho os fertiliza liberando esperma
numa posição oposta à da fêmea (com as cabeças em sentidos
opostos). O ato de desova ocorre ao amanhecer, normalmente entre
4 e 6 horas. Uma vez fecundados, os ovos permanecem no ninho,
guardados pelo macho ou pela fêmea. As maiores desovas na EPPA
apresentaram uma média de 1.729 larvas eclodidas, sendo a maior
eclosão registrada de 1.943 larvas de uma mesma desova.
O autor observou também, que a eclosão das larvas ocorreu
48 horas após a desova. A absorção do saco vitelino deu‐se, em
média, 9 dias após a eclosão, quando também ocorreu uma completa
mudança na coloração das pós‐larvas, passando de amarela para
marrom‐escuro. Após a eclosão total das larvas, foi constatada uma
média de 526,7 ± 133,1 ovos gorados e com larvas mortas e 1.510,5 ±
156,2 larvas. Logo, conclui‐se que a média de ovos por desova foi de
2.037,2 ± 215,4 ovos. Da média de ovos contados após a eclosão,
24,6% não foram fecundados (ovos gorados) e 1,1% não tiveram
suas larvas eclodidas. Do total de 1.510 larvas, 3,8% encontravam‐se
mortas, com taxa de fecundação média de 75,3%, uma taxa de
477
eclosão de 98,4% e uma taxa de sobrevivência logo após a eclosão de
96,1%.
Apesar das dificuldades relatadas na diferenciação sexual de
machos e fêmeas, esta sexagem pode ser realizada através de
minucioso exame na região ventral dos animais adultos com auxílio
de cânula. As fêmeas possuem três orifícios genitais (ânus, oviduto e
uretra) e os machos somente dois orifícios (ânus e orifício
urogenital) (Lopes et al., 2013).
Estudos recentes, realizados entre 2009 e 2014, em condições
controladas no Laboratório de Aquacultura da Universidade Federal
de Minas Gerais, indicam que sua reprodução pode ser manipulada
por controle dos fatores ambientais como temperatura da água e
alimentação. Nesse Laboratório, a reprodução do pacamã já foi
realizada no mês de julho e prolongada até março, mantendo‐se a
temperatura da água acima de 28ºC e alimentando os animais com
filé de tilápia acrescido de suplemento vitamínico/mineral (Luz,
dados não publicados). Para a reprodução, os animais são mantidos
em tanques revestidos de 5m3 de volume total com
aproximadamente 2,5 m3 de volume útil. No fundo do tanque é
adicionada uma camada de areia de filtro de piscina para a
construção dos ninhos. Os tanques apresentam sistema de aeração e
controle de temperatura e fotoperíodo. Esse fato proporciona a
produção de juvenis em épocas onde a oferta pode ser reduzida,
uma vez que propicia o controle do ciclo reprodutivo através do
manejo dos reprodutores em função da necessidade, permitindo que
as desovas ocorram em qualquer época do ano.
Apesar da desova parcelada e reprodução natural, o pacamã
também pode ser induzido através da aplicação de extrato bruto de
hipófise de carpa‐comum, Cyprinus carpio (EBHC) (Sato, 1999; Santos
et al., 2013b). Para a reprodução induzida é utilizado o protocolo
onde as fêmeas recebem 0,8 ± 0,2 e 6,0 ± 0,6 mg de hipófise/kg de
peso vivo com intervalo de 14 horas entre as injeções, enquanto os
machos recebem somente uma dose de 2,4 ± 0,2 mg de hipófise/kg
de peso vivo junto com a segunda dose da fêmea (Woynarovich &
Horvat, 1980; Sato et al., 2003b).
478
Tabela 1. Dados da biologia reprodutiva do pacamã (Lophiosilurus
alexandri) e do siluriforme surubim‐pintado (Pseudoplatystoma corruscans),
espécie reofílica e de piracema, para efeito comparativo (Sato, 1999).
Pacamã Surubim‐pintado
Características Média ± DP Média ± DP
K (Fulton) 1,25 ± 0,09 0,88 ± 0,09
Hora‐grau a extrusão 218 ± 6 220 ± 5
Peso dos ovócitos extruídos/peso 1,15 ± 0,23 3,83 ± 0,99
corporal (%)
Índice gonadossomático (%) 2,04 ± 0,43 5,10 ± 0,86
Número de ovócitos/ g de ovário 74 ± 5 2468 ± 82
Diâmetro do ovo não hidratado 3.056,72 ± 154,24 1.038,42 ± 42,60
(μm)
Diâmetro do ovo hidratado (μm) 3.570,12 ± 94,89 1.535,08 ± 100,64
Diâmetro do vitelo (μm) 2.651,67 ± 98,62 705,13 ± 34,25
Espaço perivitelino (μm) 188,44 ± 24,14 264,73 ± 44,57
Espessura do córion (μm) 270,79 ± 11,29 150,25 ± 15,36
Aumento do volume do ovo 1,61 ± 0,13 3,26 ± 0,52
após hidratação
Fecundidade absoluta 4.534 ± 671 1.559.677 ± 660.759
Fertilidade inicial 2.631 ± 740 1.176.718 ± 525.240
Fertilidade final 1.542 ± 416 946.665 ± 460.197
Taxa de fertilização (%) 59 ± 5,2 79,53 ± 8,97
Fecundidade relativa (número 1,5 ± 0,3 126 ± 22
de ovos/g de peixe)
Fertilidade inicial relativa 0,8 ± 0,1 95 ± 25
(número de ovos extruídos/g de
peixe)
Fertilidade final relativa 0,5 ± 0,1 76 ± 24
(número de ovos viáveis/g de
peixe)
Horas‐grau eclosão das larvas 1358 ± 60 486 ± 18
Comprimento da larva recém 8.405,10 ± 104,20 2.876,01 ± 81,95
eclodida (μm)
Formação da pós‐larva (dias) 6,9 3,0
Para a seleção, as fêmeas apresentam papila urogenital
avermelhada. Utilizando 12 fêmeas variando de 57 a 70 cm e machos
de 56 a 67 cm, resposta positiva ao tratamento foi verificada em 75%
das fêmeas (Santos et al., 2013). A extrusão dos ovócitos aconteceu
8,4 h após a segunda dose com a temperatura da água mantida a
479
26ºC, correspondendo a 210‐225 horas‐grau. Apesar do sucesso nas
fêmeas, a coleta do sêmen dos machos foi difícil. Os ovócitos
apresentavam‐se opacos, amarelo‐castanho, demersais, altamente
adesivos e revestidos por capa gelatinosa. As larvas de pacamã não
apresentaram órgão adesivo (o qual está localizado na cabeça e cuja
função é auxiliar as larvas a fixarem‐se em vegetações e na película
de tensão superficial da água, que facilitaria sua dispersão).
Dados de padrões reprodutivos de pacamã, obtidos a partir
de reprodução induzida, são apresentados na Tabela 1 (Sato, 1999).
LARVICULTURA
A larvicultura de peixes, em especial de espécies carnívoras,
pode ser considerada a fase crítica de produção de juvenis, devido a
vários fatores, dentre os quais podemos destacar: canibalismo,
desconhecimento do melhor alimento a ser oferecido e manejos
inadequados (densidade de estocagem, quantidade de alimento a
ser oferecida, condições de luminosidade, fotoperíodo, frequência
de alimentação entre outros).
Na Codevasf, a larvicultura era realizada em sistema de
fluxo contínuo de água. A primeira alimentação fornecida às larvas
era constituída de náuplios de Artemia salina, oferecidos a vontade,
plâncton oriundo de viveiros adubados, gema de ovo cozido e,
eventualmente, larvas de peixes. Posteriormente, com o crescimento
dos animais, era fornecido peixe moído, de acordo com a
disponibilidade. A criação era realizada até alcançarem cerca 2 cm
de comprimento total médio (cerca de dois meses a uma
temperatura que variava de 18 a 24 ºC, pela manhã e tarde,
respectivamente). Em seguida, as mesmas eram levadas para
tanques de concreto para alevinagem até atingirem 5 a 7 cm (cerca
de dois meses a uma temperatura que variava de 21 a 26 ºC, pela
manhã e tarde, respectivamente). Após este período, os juvenis eram
utilizados para repovoamento.
No intuito de melhorar a eficiência na produção de juvenis,
estudos vêm sendo realizados em condições de laboratório onde são
avaliados diferentes manejos e sistemas de larvicultura.
480
Durante a larvicultura de pacamã foram testadas as
densidades de 150, 250 e 500 larvas por canaleta (0,43 m2) em
sistema de fluxo contínuo de água, alimentando as larvas com
zooplâncton (Lópes & Sampaio, 2000). A densidade não afetou o
comprimento final. A sobrevivência foi de 60 e 37% na menor e
maior densidade, respectivamente. Esta redução foi devida a
ocorrência de canibalismo.
Com relação ao fornecimento de zooplâncton durante a
larvicultura de pacamã, o uso de organismos selecionados em tela
de 1.300 μm, sendo em sua maioria copépodes adultos e
copepoditos, melhoraram o desempenho das larvas (Pedreira et al.,
2008). O uso de plâncton levou a sobrevivência de 100% nos
primeiros 15 dias e os animais atingiram 3,5 cm de comprimento
total quando estocados na densidade de 50 larvas por canaleta
(medidas não apresentadas) (Lopes et al., 2007).
Ainda em canaletas, em sistema de fluxo contínuo de água,
estocando as larvas no início da alimentação exógena na densidade
de 5 larvas/L e fornecendo diariamente 1.300 náuplios de
artemia/larva do primeiro ao quinto dia, 1.950 náuplios de
artemia/larva do sexto ao décimo dia e 2.600 náuplios de
artemia/larva do décimo primeiro ao décimo quinto dia de
alimentação ativa, foram avaliados os fluxos de 0,3, 1, 2 e 4 trocas
totais do volume da canaleta por hora (Luz et al., 2011). A
temperatura da água foi de 26ºC e 24,8°C para o menor e maior troca
de água, respectivamente. A sobrevivência e o crescimento não
foram afetados pelos diferentes fluxos de água, sendo que a
sobrevivência variou de 71 a 76% e os animais atingiram 2,3 cm de
comprimento, em média. A falta de efeitos dos tratamentos pode ser
atribuída aos animais permanecerem em grupos e parados no fundo
das canaletas mostrando atividade, somente no momento da
alimentação, quando o fluxo de água foi interrompido.
Uma alternativa para alimentação pode ser o uso de
branchoneta. Após 15 dias de alimentação com plâncton, larvas de
pacamã foram alimentadas com branchoneta até o 45º dia
proporcionando sobrevivência superior a 99% e comprimento médio
481
de 7,1 ± 0,2 cm (Lopes et al., 2007). Por outro lado, ainda segundo os
autores, o uso de enquitréia entre o 16º e 30º dia, proporcionou
comprimento médio de 4,4 cm e sobrevivência de 12%. Dessa forma,
a branchoneta é um importante alimento vivo para a larvicultura do
pacamã. A branchoneta é um alimento cujo valor protéico está em
torno de 67% de proteína bruta e seu comprimento pode atingir em
torno de 2,5 cm, dependendo das condições ambientais onde são
cultivadas (Lopes, 1998). Além disso, é um organismo de água doce.
Atualmente, é notória a necessidade de se intensificar a
produção de juvenis através de manejos mais eficientes e
sustentáveis visando melhor aproveitamento de estruturas e
recursos disponíveis para a larvicultura. Neste sentido, com a
intensificação de sistemas é comum o aumento de compostos
nitrogenados na água. Porém, larvas e juvenis de pacamã
mostraram‐se tolerantes a estes nitrogenados. Larvas com 10 dias de
vida, pesando 0,02 g e juvenis com 35 dias de vida, pesando 0,41 g
apresentaram LC50NH3, após 48 h de exposição à amônia não
ionizada de 0,48 mg/L e de 0,92 mg/L, respectivamente (Cardoso et
al., 1996).
Tabela 2. Concentrações diárias de presa (N)* (náuplios de artêmia)
fornecidos às larvas de pacamã (Lophiosilurus alexandri) nos diferentes
tratamentos, durante o período de 15 dias de alimentação exógena (Santos
et al., 2007)
Concentração Período de alimentação
diária de presas
1 ‐ 5 dias de 6 ‐ 10 dias de 11 ‐ 15 dias de
alimentação alimentação alimentação
exógena exógena exógena
N100 100 150 200
N400 400 600 800
N700 700 1.050 1.400
N1.000 1.000 1.500 2.000
N1.300 1.300 1.950 2.600
N1.600 1.600 2.400 3.200
*Concentração diária de náuplios de artêmia por larva
482
Na busca por manejos mais eficientes durante a larvicultura,
larvas com oito dias após a eclosão com média 1,4 cm e 25,0 ± 1,9
mg, foram estocadas na densidade de 15 larvas/L, com temperatura
da água em torno de 25°C, oxigênio dissolvido > 5,0 mg/L e foram
alimentadas com seis concentrações diárias de presas (náuplios de
artêmia) como descrito na Tabela 2 (Santos et al., 2007). A
alimentação foi oferecida em três refeições, às 9, 13 e 17 horas.
Na busca por manejos mais eficientes durante a larvicultura,
larvas com oito dias após a eclosão com média 1,4 cm e 25,0 ± 1,9
mg, foram estocadas na densidade de 15 larvas/L, com temperatura
da água em torno de 25°C, oxigênio dissolvido > 5,0 mg/L e foram
alimentadas com seis concentrações diárias de presas (náuplios de
artêmia) como descrito na Tabela 2 (Santos et al., 2007). A
alimentação foi oferecida em três refeições, às 9, 13 e 17 horas.
Neste estudo, a sobrevivência registrada foi superior a 90%
em todos os tratamentos. O desempenho (comprimento e peso) foi
melhor conforme há aumento na concentração diária de presas,
atingindo 2,9 cm de comprimento total para a maior concentração de
presas (Santos et al., 2007).
O uso de água salinizada também pode ser importante na
larvicultura de peixes de água doce. A salinidade da água aumenta
o tempo de sobrevida dos náuplios de artêmia, tem influência nas
funções fisiológicas das larvas e também ajuda a evitar a ocorrência
de parasitos tais como Ichthyophthirius multifiliis.
Larvas recém‐eclodidas de pacamã, quando submetidas ao
choque osmótico de salinidade, apresentaram mortalidade total em
concentrações de 6, 8 e 10 g de sal/L (observadas durante 96 horas).
Por outro lado, 100% de sobrevivência foi registrada para água doce,
2 e 4 g de sal/L; porém, com redução dos valores de peso corporal e
comprimento mediante as duas salinidades. Larvas com oito dias
pós‐eclosão apresentaram CL(I)50‐96h de 8,9 g de sal/L. Todavia,
verificou‐se uma redução gradual do peso corporal a partir da
salinidade de 2 g de sal/L, mas sem diferenças para o comprimento
das larvas entre os tratamentos. Para as larvas com 12 dias pós‐
eclosão (quatro dias de alimentação), não se registraram diferenças
483
no crescimento; mas a sobrevivência foi menor a 8 e 10 g de sal/L.
Larvas com oito e 12 dias pós‐eclosão tiveram alterações no
comportamento natatório em salinidades superiores a 6 g de sal/L
(Luz & Santos, 2008a). Desta forma, larvas de pacamã apresentaram
maior tolerância às diferentes salinidades da água conforme seu
desenvolvimento ontogenético.
Na larvicultura pode ser utilizada a salinidade de até 2 g de
sal/L e densidades entre 20 a 60 larvas/L, com alimentação
utilizando náuplios de artêmia (Luz & Santos 2008b). Os autores
constataram a necessidade de maiores cuidados para não
comprometer a qualidade da água devido ao aumento da
densidade. A maior sobrevivência foi registrada na densidade de 20
larvas/L e salinidade de 2 g de sal/L (100%). Quando utilizou‐se
água doce ou 2 g de sal/L a sobrevivência foi superior a 93%,
independente da densidade. Segundo os autores, uma diminuição
da taxa de crescimento específica diária na maior densidade foi
registrada a 4 g de sal/L, confirmando que a integração da maior
densidade e salinidade testada foram prejudiciais para essa espécie,
semelhante aos resultados observados de peso, mortalidade e
sobrevivência.
Ambientes com diferentes salinidades (água doce, 2 e 4 g de
sal/L) associadas a diferentes concentrações diárias de presa, sendo
fornecidos do primeiro ao quinto dia de alimentação exógena as
quantidades de 300, 600 ou 900 náuplios de artêmia/larva, com um
acréscimo de 50% do sexto ao décimo dia, também foram avaliados
na larvicultura de pacamã (Santos & Luz, 2009). Neste estudo, as
larvas foram alimentadas três vezes ao dia (9, 13 e 17 horas), a
temperatura da água foi de 27 °C, a densidade de estocagem de 15
larvas/L e o fotoperíodo de 12L:12E. Nestas condições, os autores
verificaram que a maior concentração de presa, levou a um aumento
nos níveis de produtos nitrogenados. Após 10 dias de larvicultura, o
peso e comprimento foram diretamente proporcional ao aumento na
concentração diária de presas. Em relação à salinidade da água, o
peso foi maior em água doce e a 2 g de sal/L, comparado ao peso
final dos animais na salinidade de 4 g de sal/L. O comprimento final
484
foi semelhante entre as salinidades testadas. A sobrevivência foi
superior a 97% chegando a 100% quando empregada a salinidade de
2 g de sal/L.
A larvicultura intensiva de pacamã também vem sendo
estudada em sistema de recirculação de água (SRA). Neste sistema é
possível manter e controlar todos os fatores físico‐químicos da água,
assim como os fatores ambientais. Neste tipo de sistema também,
embora não menos importante, a economia de água utilizada em
relação a sistemas de fluxo contínuo é expressiva, uma vez que a
água é tratada em filtros mecânicos e biológicos e reutilizada
durante o ciclo de produção.
Em SRA, com fluxo de água de 200 mL/min em tanques de
25 L, densidade de 8 larvas/L e temperatura média da água em 27°C,
a larvicultura do pacamã pode ser realizada utilizando o manejo
alimentar N1.600 (Tabela 2). Foram testadas os manejos alimentares
de três refeições, às 9h, 13h e 17h, ou duas, às 9h e 17h. A
sobrevivência (entre 93 a 96%) e peso dos animais não foram
afetados pelos manejos alimentares (Santos et al., 2007). Porém, de
acordo com os autores o comprimento foi inferior quando as larvas
foram alimentadas duas vezes ao dia (2,4 cm em média).
O pacamã também apresentou bons resultados em SRA com
a utilização de diferentes sistemas de biofiltração e substratos
(Pedreira et al., 2009). Como sistema de biofiltração, foram avaliados
biofiltros internos e externos aos tanques de criação. Como
substratos foram testados cascalhos de diferentes diâmetros e
mistura de brita e concha calcária. Durante a larvicultura, as larvas
de pacamã foram alimentadas com náuplios de artêmia nas
quantidades diárias de 700, 1.050 e 1.400 náuplios de artêmia/ larva
do 1o ao 5o, do 6o ao 10o e do 11o ao 15o dia de alimentação,
respectivamente, divididos em três refeições diárias, às 9, 13 e 17
horas, durante 16 dias. De acordo com os autores, o crescimento foi
semelhante nos diferentes SRA atingindo entre 2,3 e 2,4 cm. A
sobrevivência entre os tratamentos variou de 51,8 a 73,8%. Os SRA
mantiveram a água com pH em 6,9 e 7,5 com diferenças entre os
tratamentos. A maior concentração média de íon amônio (1.465
485
μg/L) foi registrada no 13o dia de cultivo, porém, não afetou o
desempenho dos animais.
Em outro estudo de larvicultura de pacamã em SRA foram
testados biofiltro fluidizado, percolado com biobolas e percolado
utilizando cerâmica. Para cada tipo de biofiltro foram testadas uma,
quatro e oito trocas do volume total de cada tanque por hora. Após
15 dias, verificou‐se que a maior troca de água prejudicou o
crescimento, sendo verificada maior atividade natatória dos animais
a oito trocas por hora, com os mesmos se posicionando
contracorrente, comportamento atípico para pacamã. Os diferentes
tipos de biofiltro mantiveram a água em condições adequadas. A
sobrevivência foi inferior na maior frequência de troca de água (oito
trocas por hora) (94%), do que nas demais, com média de 97%
(Santos, 2014).
Em SRA, usando salinidade de 2 g de sal/L, foram testadas
densidades de estocagem entre 60 e 300 larvas/L (Cordeiro, 2012). O
experimento foi realizado durante os primeiros 15 dias de
alimentação exógena, a uma temperatura média de 28ºC, pH médio
de 8 e oxigênio dissolvido de 7,0 mg/L. Neste sistema, o fluxo médio
de água nos tanques foi de 2 L/min e as larvas foram alimentadas
com náuplios de artêmia, nas quantidades diárias de 1.300
náuplios/larva do 1º ao 5º dia, 1.950 náuplios/larva do 6º ao 10º dia e
2.600 náuplios/larva do 11º ao 15º dia de alimentação ativa (23 dias
de vida) em três refeições diárias (9, 13 e 17 horas) (manejo alimentar
apresentado na Tabela 2). Durante o fornecimento do alimento, o
fluxo de água foi interrompido durante 15 minutos de modo a
permitir a alimentação das larvas e evitar a perda de náuplios de
artêmia. Posteriormente, o fluxo de água foi reestabelecido. As
diferentes densidades de estocagem não afetaram o desempenho
(comprimento entre 2,3 e 2,4 cm), a mortalidade (entre 0,7 e 2,2%) e a
sobrevivência, que ficou acima de 95%. Contudo, as taxas de
canibalismo foram maiores na densidade de 300 larvas/L (3,1%). A
biomassa e o número de indivíduos produzidos ao final de 15 dias
de larvicultura apresentaram relação direta com a densidade de
486
estocagem, sendo produzidos quase cinco vezes mais juvenis na
maior densidade, comparado a menor densidade testada.
Esse resultado mostra o potencial da produção intensiva de
juvenis de pacamã em SRA, não sendo registrada na literatura, até o
momento, a possibilidade de se utilizar densidades próximas às
empregadas para o pacamã (até 300 larvas/L) para nenhuma outra
espécie neotropical, sobretudo espécie carnívora.
Outros manejos de criação também podem ser empregados
na larvicultura de pacamã. Larvas estocadas na densidade de 15
larvas/L em tanques de cor verde, azul, marrom e preto, alimentadas
com náuplios de artêmia duas vezes ao dia, apresentaram pior
desempenho em tanques de cor verde. Porém, a sobrevivência e o
fator de condição de Fulton foram semelhantes entre os tratamentos,
sendo verificado que a larvas permaneceram constantemente
agrupadas no fundo dos tanques (Pedreira et al., 2012).
A luminosidade também tem sua importância. O melhor
desempenho de pacamã foi para o ambiente sem incidência de luz,
por ser um animal de hábito noturno (Tenório et al., 2006). O
desempenho foi, ainda, intermediário para pouca luminosidade
(ambientes com 50% de luminosidade constante) e inferior para alta
luminosidade (exposição à luz constante).
Alternativa de alimento para a produção de juvenis de
pacamã seria o uso de larvas forrageiras. Juvenis com 30 dias de
idade (397 ± 3 mg e 3,5 ± 0,1 cm), foram mantidos em ambiente com
12 horas de luz e 12 horas de escuro. Estes foram alimentados com
larvas de tilápia do Nilo, equivalente a 30, 60 e 95% do peso vivo,
durante 29 dias. Foi verificado que o peso vivo e comprimento final
dos juvenis de pacamã foi menor à medida que houve aumento da
oferta de biomassa de alimento vivo, fato que também se refletiu na
conversão alimentar. Estes resultados demonstram que a capacidade
de ingestão diária de alimento por juvenis de pacamã pode variar de
pouco mais de 10 até 19% do seu peso vivo durante a fase de
alevinagem. Além disso, foi verificado que quanto maior a
disponibilidade de larvas de tilápia, essas apresentaram
comportamento de formação de “nuvens”. Esse comportamento
487
pode dificultar ou inibir a captura por mecanismos de mimetismo,
onde cardumes maiores permanecem juntos, assemelhando‐se a
peixes maiores, inibindo dessa forma o predador (Meurer et al.,
2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reprodução e larvicultura do pacamã L. alexandri vêm sendo
realizadas com sucesso, mostrando avanços na produção de juvenis
desse peixe. Estudos para avaliar o real potencial de produção para
a engorda, seja ela com o uso de peixes forrageiros ou com rações
comerciais, são necessários.
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490
CAPÍTULO 23
AVANÇOS NA NUTRIÇÃO E PRODUÇÃO DE
LAMBARIS
Ana Lucia Salaro1
Daniel Abreu Vasconcelos Campelo
Marcelo Duarte Pontes
Jener Alexandre Sampaio Zuanon
Valéria Rossetto Barriviera Furuya
Wilson Massamitu Furuya
INTRODUÇÃO
O Brasil é um país privilegiado em recursos pesqueiros
possuindo uma série de espécies nativas com potencial para a
aquicultura. Um exemplo são os peixes do gênero Astyanax,
considerado o mais diversificado da família Characidae, os quais são
facilmente encontrados nas bacias hidrográficas brasileiras (Garutti
& Britski, 2000).
Por serem amplamente conhecidos, Astyanax spp. recebem
uma infinidade de nomes populares, tais como: lambari, tabuão,
tambiú, piaba, piabinha, matupiris, mojarra, entre outros. Dentre as
mais de 100 espécies e subespécies já descritas, destacam‐se o
lambari‐do‐rabo‐amarelo, Astyanax altiparanae Garutti & Britski,
2000, anteriormente classificado como Astyanax bimaculatus
Linnaeus, 1758, o lambari‐do‐rabo‐vermelho, Astyanax fasciatus
Cuvier, 1819 e o lambari prata, Astyanax scabripinnis Jenyns, 1842.
Além da importância desses peixes na cadeia alimentar dos
rios brasileiros, os lambaris também apresentam uma série de
características vantajosas para a sua criação comercial, como por
exemplo, o rendimento de carcaça entre 70 a 85% (Tavares, 2011;
Salaro et al. Avanços na nutrição e produção de lambaris. In: Tavares‐Dias, M. &
Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São Carlos, Editora
Pedro & João, 2015.
491
Pontes, 2013; Ferreira et. al., 2014; Campelo et al., no prelo), em
função do peixe ser comercializado apenas eviscerados e escamados.
Porém, o número de piscicultores que produzem lambaris ainda é
incerto e os dados oficiais de produção podem estar subestimados.
No ano de 2012 foram produzidos no Brasil 439 toneladas de
lambaris‐do‐rabo‐vermelho (FAO‐FIGIS, 2014). Segundo a Secretária
do Estado de São Paulo em 2013, foram produzidos mais de 50
milhões de unidades de lambaris, com previsão de aumento para
mais de 600 milhões. Assim, o lambaricultivo (produção de lambaris
em cativeiro) se apresente como alternativa à piscicultura brasileira.
Entretanto, a maioria dos produtores ainda realiza sua criação de
forma empírica, sem um pacote tecnológico disponível ou mesmo o
acompanhamento de técnicos. Portanto, neste capitulo serão
abordados os principais avanços nos estudos de nutrição, manejo
produtivo e reprodutivo dos peixes deste gênero.
NUTRIÇÃO
As principais espécies de lambaris utilizadas na piscicultura
apresentam habito alimentar onívoro como o A. bimaculatus (Adrian,
et al., 2001) e A. fasciatus (Vaz et al., 2000), enquanto o A. scabripinnis
embora também seja considerado de habito alimentar onívoro
apresenta tendência à insetivoria (Abilhoa, 2007). Os lambaris, de
uma forma geral, alimentam‐se de restos vegetais, algas, larvas de
insetos aquáticos e material em decomposição (Vaz et al., 2000;
Adrian et al., 2001; Cassemiro et al., 2002) sendo considerados peixes
de alta flexibilidade alimentar (Abilhoa, 2007), o que permite sua
criação em cativeiro com a utilização de dietas confeccionadas a base
de ingredientes de baixo custo e boa disponibilidade no mercado
(Salaro et al., 2008).
A exigência por proteína e energia dos lambaris, em geral,
tem se mostrado relativamente baixa, além desses peixes
apresentarem boa eficiência na utilização da proteína oriunda de
ingredientes de origem animal ou vegetal. Ingredientes alternativos
como a farinha de vísceras de aves e resíduos da filetagem da
492
tilápia‐do‐nilo, vêm sendo utilizados com sucesso na nutrição dessas
espécies (Signor et al., 2008; Boscolo et al., 2012).
As exigências nutricionais do A. fasciatus (1,61 ± 0,02 g) são
atendidas com ração contendo 26% de proteína bruta e 3100 kcal/kg
de energia digestível (Salaro et al., 2008). Juvenis de A. bimaculatus
(1,30 ± 0,01g) apresentam exigência de energia digestível de 2900
kcal/kg em rações contendo 32 ou 38% de proteína bruta (Cotan et
al., 2006). As exigências em aminoácidos essenciais para A.
altiparanae (Tabela 1) foram estimadas relacionando a media das
exigências de algumas espécies onívoras (Ictalurus punctatus,
Oreochromis niloticus, Cyprinus carpio, Rhamdia quelen e Piaractus
mesopotamicus) com a composição de aminoácidos da carcaça e do
músculo do lambari‐do‐rabo‐amarelo (Abimorad & Castellani,
2011). Para este estudo foram utilizados peixes com peso médio de
9,2 ± 4,2g e 18,6 e 18,9% de proteína bruta, na carcaça e no músculo,
respectivamente.
Tabela 1. Exigências dietéticas de aminoácidos essenciais do lambari‐do‐
rabo‐amarelo (Astyanax altiparanae) com base no perfil de aminoácidos da
carcaça e do músculo dos animais (Abimorad & Castellani, 2011)
Exigência estimada com Exigência estimada com
Aminoácido base na composição da base na composição do
carcaça (g/100g de músculo (g/100g de
proteína) proteína)
Arginina 4,48 3,86
Histidina 1,77 1,76
Isoleucina 3,00 2,97
Leucina 4,26 5,20
Lisina 5,13 5,86
Metionina + cistina 2,89 2,29
Fenilalanina + tirosina 5,56 5,03
Treonina 2,64 5,77
Triptofano 1,05 0,95
Valalina 3,11 3,20
A avaliação de promotores de crescimento em dietas para
lambaris apenas recentemente vem ganhando espaço na literatura.
O óleo de orégano mostrou‐se eficiente como promotor de
493
crescimento para A. altiparanae melhorando também a qualidade da
carcaça dos animais (Ferreira et al., 2014).
Diferentes fontes de óleos também têm sido estudadas em
dietas para lambaris‐do‐rabo‐amarelo com o objetivo de obter
melhorias na qualidade da caraça para o consumo humano e da
saúde do animal. Peixes alimentados com diferentes óleos
apresentam perfil de ácidos graxos semelhantes aos da dieta
recebida, sendo que a suplementação do óleo de linhaça melhora a
relação n‐3/n‐6 na carcaça dos peixes (Tavares, 2011; Pontes, 2013). A
possibilidade de produzir um pescado rico em ácidos graxos da
série n‐3, a partir do uso de óleos vegetais contribui para
sustentabilidade da cadeia aquícola, uma vez que diminui a
dependência do óleo de peixe, produto oriundo da pesca
extrativista.
A suplementação de ácido linoléico conjugado (CLA) em
dietas para A. altiparanae também se mostrou efetiva na melhoria da
qualidade da carcaça dos peixes, com boa incorporação dos
principais isômeros (cis‐9, trans‐11 e trans‐10, cis‐12) benéficos à
saúde humana e dos animais (Campelo et al., no prelo). A
incorporação de tais isômeros na carcaça dos peixes é benéfica para
o consumidor, uma vez que o CLA está relacionado com a
prevenção de várias doenças tais como arteriosclerose, diabetes e
câncer em humanos.
Lambaris‐do‐rabo‐vermelho, de diferentes classes de peso,
alimentados com alimento natural, proveniente da adubação
orgânica de viveiros, mostraram perfil de ácidos graxos e
composição centesimal da carcaça semelhantes entre si, com relações
satisfatórias de ácidos graxos n‐3/n‐6 e ácidos graxos
insaturados/saturados, além de níveis de proteína e lipídios
adequados para o consumo humano (Furuya et al., 2013).
MANEJO PRODUTIVO
Vários estudos foram realizados com objetivo de melhor
entender o manejo produtivo desses peixes. Para determinar
frequência alimentar para alevinos de lambari‐do‐rabo‐amarelo
494
(0,34 ± 0,01g), foram testadas as frequências de 2, 4, 6 e 8
alimentações diárias, sendo o melhor desempenho dos animais
quando alimentados quatro vezes ao dia, na temperatura média de
25,5°C (Hayashi et al., 2004). A melhor taxa de arraçoamento para
peixes da mesma espécie (0,52 ± 0,05g), na mesma temperatura, foi
de 11,5% da biomassa, quando utilizado rações contendo 30% de
proteína digestível e 3.000 kcal/kg de energia digestível (Meurer et
al., 2005).
Na produção do A. bimaculatus em sistema de tanques‐rede, a
utilização da densidade de estocagem de 31 peixes/m3 proporciona
peixes com maior comprimento e maior ganho de peso. Entretanto,
a densidade de 124 peixes/m3 resulta em maior biomassa total com
peixes de peso e comprimento menores (Vilela & Hayashi, 2001).
Vale ressaltar que, normalmente, lambaris de pequeno porte, com
cerca de cinco a seis centímetros atendem a exigência do mercado e,
portanto possibilita a obtenção de maior rentabilidade da produção,
quando se utiliza altas densidades.
Dentre as atividades realizadas durante a produção e
comercialização de peixes, o transporte (incluindo captura, preparo
e o transporte propriamente dito) é de fundamental importância
para a sustentabilidade econômica da criação, uma vez que pode
desencadear respostas de estresse e, consequentemente elevadas
perdas. Para atenuar as respostas ao estresse durante o processo de
transporte, o sal comum (NaCl), vem sendo utilizado de maneira
eficaz para diversas espécies de peixes (Carneiro & Urbinati, 2001;
Gomes et al., 2003; Oliveira et al., 2009). Para lambaris‐do‐rabo‐
amarelo, o sal comum minimizou o estresse causado pela prática de
transporte, sendo recomendado o uso de 3 g/L de sal comum na
água de transporte (dados não publicados).
Os lambaris apresentam crescimento diferenciado, sendo que
as fêmeas apresentam maior peso final e maior taxa de crescimento
em relação aos machos e, portanto, são mais indicadas para a
engorda em sistema comercial. Fêmeas de lambaris‐prata criadas
separadas dos machos apresentam melhor crescimento e índices
somáticos (Navarro et al., 2006). Para lambaris‐do‐rabo‐amarelo
495
existe a mesma tendência das fêmeas crescerem mais do que os
machos. No entanto, a sexagem manual é muito trabalhosa,
estressante para o animal e só deve ser realizada na fase de
terminação, quando os machos apresentam dimorfismo sexual.
Portanto, para a criação apenas de fêmeas é indicada a reversão
sexual dos peixes. A utilização de valerato de estradiol na ração (20
a 80 mg/kg) de A. altiparanae aumentou a proporção de fêmeas (70‐
76%) em relação ao grupo controle (44% de fêmeas), sem afetar o
crescimento dos peixes (Bem et al., 2012).
REPRODUÇÃO E LARVICULTURA
O lambari pode ser considerado um peixe prolífero, com
reprodução natural em cativeiro, sem a necessidade de indução
hormonal. Geralmente, se reproduzem o ano todo, inclusive nos
meses mais frios. Entretanto, é mais comum a ocorrência da
reprodução dos peixes nos meses chuvosos e quentes. No lambari‐
prata observa‐se a presença de ovócitos vitelogênicos ou maduros
durante todo o ano, porém encontrados em maior concentração
entre os meses de novembro a abril (Pereira Filho et al., 2011),
coincidindo com os períodos mais quentes e chuvosos do ano. Em
condições naturais, os machos de A. scabripinnis, apresentam
atividade reprodutiva durante o ano todo (Souza et al., 2015). A
desova do A. altiparanae é parcelada, podendo ocorrer desovas
consecutivas em intervalos de duas ou três semanas (Garutti, 2003).
O lambari‐do‐rabo‐amarelo apresenta maturidade sexual
com 7 a 9 cm nos machos e 9 a 12 cm nas fêmeas (Porto‐Foresti et al.,
2010), sendo que em cativeiro pode ocorrer em animais menores e a
primeira desova ocorre aos quatro meses de idade (Silva et al., 1996).
A escolha dos reprodutores deve ser realizada na época de
reprodução, baseando‐se nos caracteres sexuais secundários,
quando os machos apresentam espículas ásperas na nadadeira anal,
com um aspecto semelhante a uma lixa. Quanto maior o grau de
aspereza na nadadeira anal, maior é o grau de maturação das
gônadas, ou seja, mais preparados os animais estarão para
reprodução (Porto‐Foresti et al., 2010). Portanto, ao selecionar os
496
reprodutores deve‐se atentar a essa característica para que possa
obter sucesso na reprodução. As fêmeas normalmente são maiores e
mais arredondadas, sendo que nos estágios mais avançados de
maturação sexual possuem o ventre abaulado devido ao
desenvolvimento das gônadas. Neste período ocorre forte irrigação
sanguínea na região ventral, principalmente próximo a inserção das
nadadeiras peitorais e ventrais (Porto‐Foresti et al., 2010), o que
deixa esta região avermelhada. Nas fêmeas aptas à reprodução as
gônadas chegam a representar 13 a 20% do peso corporal, sendo que
nos machos apenas de 2 a 5% do peso corporal.
O processo de desova e fertilização dos ovos pode ocorrer
naturalmente no viveiro, sem a necessidade de indução hormonal.
No entanto, também pode ser realizada a indução hormonal seguida
de extrusão manual ou de desova natural. No processo de
reprodução natural, o manejo tradicionalmente adotado pelos
piscicultores é a criação dos reprodutores no mesmo viveiro, onde
também ocorre a alevinagem e engorda. Em função dos ovos dos
lambaris serem levemente adesivos (Sato et al, 2006), utiliza‐se como
substratos para desova, o aguapé (Eichornia crassipes) devido à maior
superfície de raiz, o que possibilita aderência dos ovos e proteção
para as larvas contra a predação (Resende et al., 2005). Quando
utilizado este manejo ocorrem reproduções sucessivas, gerando
peixes de vários tamanhos e idade, dificultando o controle da
criação. Ocorre também maior mortalidade, devido à elevada
predação das larvas e alevinos pelos lambaris maiores. Além disso,
sucessivas reproduções entre o mesmo grupo de animais pode
elevar a consanguinidade e trazer sérios danos à criação,
diminuindo a viabilidade econômica da produção.
A utilização de gaiolas para desova evita que ocorram
sucessivas desovas no mesmo viveiro, uma vez que, logo após a
desova as gaiolas com os reprodutores são retiradas dos tanques ou
viveiros. Esta técnica proporciona maior homogeneidade do lote de
alevinos evitando também o canibalismo das larvas pelos
reprodutores (Garutti, 2003).
497
Apesar da capacidade dos lambaris de se reproduzirem
naturalmente, alguns produtores optam pela indução hormonal,
para sincronização de desovas e a obtenção de lotes mais uniformes.
O extrato bruto de hipófise de carpa (EBHC) e a gonodorelina se
mostraram eficiente na indução de fêmeas de lambaris‐do‐rabo‐
amarelo. (Sato et al., 2006; Felizardo et al., 2012). O período de
aplicação do hormônio pode influenciar o desempenho reprodutivo
dos lambaris. A aplicação no período de luz promoveu fecundidade
absoluta mais alta em relação aos animais induzidos no período de
escuro (Felizardo et al., 2012). Após a fecundação, o tempo para
eclosão da larva de lambari‐do‐rabo‐amarelo é de 20 horas, em
temperatura da água entre 24 e 25 °C (Sato et al., 2006). A larva de
lambari apresenta movimentação vertical e absorve totalmente o
saco vitelínico com 3,5 a 4 dias após a eclosão (Sato et al., 2006).
Ainda são poucas as informações sobre a influência da
alimentação dos reprodutores de lambaris sobre o desempenho
reprodutivo dos peixes. O perfil lipídico do vitelo de lambari‐do‐
rabo‐amarelo é influenciado pela dieta consumida. O teor de lipídeo
de lambaris selvagens é maior do que de lambaris alimentados com
rações comerciais, demonstrando que as dietas comerciais utilizadas
atualmente não atendem as exigências em lipídeos na fase
reprodutiva dos lambaris (Gonçalves et al., 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os lambaris são espécies conhecidas em todo território
brasileiro, apreciados como isca viva para a pesca esportiva e
consumidos principalmente na forma de petisco. Portanto, os
avanços na área da nutrição e o domínio das técnicas de reprodução
e larvicultura dos lambaris têm possibilitado melhorar a
sustentabilidade econômica e ambiental da sua criação. A aplicação
de novas tecnológicas possibilita a elaboração de produtos com
elevado valor nutritivos para o consumo humano e maior valor
agregado.
498
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501
CAPÍTULO 24
SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR COM CROMO
TRIVALENTE EM Piaractus mesopotamicus e TILÁPIA‐
DO‐NILO: VARIÁVEIS ZOOTÉCNICAS E
INFLAMAÇÃO
Flávio Ruas de Moraes1
Julieta Rodini Engrácia de Moraes
Rodrigo YudiFujimoto
INTRODUÇÃO
Ações que promovam a piscicultura em seus aspectos
produtivos e de bem estar são desejáveis. Atualmente grandes
investimentos são canalizados para pesquisas que tenham como
objetivo viabilizar aspectos nutricionais que atendam necessidades
fisiológicas de crescimento, manutenção, reprodução e sanidade dos
peixes, genericamente denominados de nutracêuticos.
Alguns grupos de compostos podem ser utilizados como
suplementos na alimentação de peixes para favorecer estes aspectos.
Essas substâncias podem ser ministradas aos peixes e sua eficiência
testada em modelos experimentais adequados para tal fim, como
métodos de avaliação de desempenho zootécnico, de toxicidade, de
eficiência dos mecanismos de defesa como as variáveis inflamatórias,
imune humorais, processo cicatricial ou mesmo por meio de desafio
com patógenos (Siwicki et al., 1994).
Juntamente com as vitaminas, os oligoelementos são essenciais
para a saúde dos peixes, pois participam como co‐fatores em
diferentes vias do metabolismo e neste contexto inclui‐se o cromo
trivalente. O cromo é um elemento em transição encontrado
Moraes et al. Suplementação alimentar com cromo trivalente em Piaractus
mesopotamicus e tilápia‐do‐nilo: variáveis zootécnicas e inflamação. In: Tavares‐Dias,
M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São Carlos,
Editora Pedro & João, 2015.
503
naturalmente em estado oxidado, na forma di, tri e hexavalente, este
último associado a problemas de toxicidade e câncer. Porém, a forma
trivalente é interessante do ponto de vista nutricional, pois é estável,
tem baixa toxicidade e apresenta ampla margem de segurança para
suplementação alimentar (Anderson, 1981).
Neste capítulo serão descritos experimentos utilizando o
cromo trivalente oriundo de diferentes fontes, pela avaliação de seus
efeitos tóxicos e de sua interferência em variáveis zootécnicas e na
resposta inflamatória induzida experimentalmente em peixes.
TOXICIDADE DO CROMO TRIVALENTE E DO HEXAVALENTE
Compostos de cromo hexavalente (Cr6) são carcinogênicos,
têm uso industrial em cromeação, produção de cimento e de tintas
(Krumschnabel & Nawaz,2004). A exposição das brânquias de Channa
punctatus ao Cr6 induzem hiperplasia do epitélio, fusão e necrose das
lamelas secundárias (Mishra & Mohanty,2008).
As concentrações de Cr3 e Cr6 na água são reguladas por
reações de oxidação e redução em presença de um par redox. Em
ambientes poluídos e com baixa concentração de oxigênio dissolvido,
a geração de Cr6 é favorecida pela oxidação do Cr3 (Richard & Bourg,
1991). Assim existe a possibilidade de efeitos nocivos para os peixes
bem como sobre organismos não‐alvo.
O estudo de Castro et al. (2013) teve por objetivos avaliar a
toxicidade aguda e os possíveis danos aos tecidos de pacu Piaractus
mesopotamicus mantidos em água contendo diferentes concentrações
Cr3 (cloreto de cromo, óxido de cromo e carboquelatode cromo) e Cr6
(dicromato de potássio).
Os pacus foram aclimatados por uma semana antes do início
do experimento e tratados com ração basal (28 % de PB; 3.500 kcal de
ED/kg), duas vezes ao dia ad libitum. Durante os testes de toxicidade
realizados de acordo com a OECD 203 (2009) e a ABNT (20011) os
peixes não receberam alimentação. Nestes testes foram usadas seis
concentrações de cada composto sendo dicromato de potássio e
cloreto de cromo (0, 100, 125, 150, 175 e 200 mg/L), óxido de cromo (0,
100, 200, 300, 400 e 500 mg/L) e carboquelato de cromo (0, 100, 150,
504
200, 250 e 300 mg/L) Tortuga Zootechnical Company—Animal Health
and Nutrition, São Paulo, Brazil.
Foram utilizados 360 P. mesopotamicus (8,0 ± 2,0 g) alocados
inicialmente em um tanque de 1.000 L. Três parcelas de 120 peixes
foram distribuídas em 24 caixas plásticas (10 L, n=5), onde foram
mantidos por 7 dias, antes do início da experiência alimentados com
dieta basal peletizada (28% PB e 3.500 kcal de ED / kg), 2 vezes, ao ad
libitum. Durante o teste peixes não foram alimentados. As variáveis da
água (OD= 5,68 ± 0,2 mg/L; To = 24,9 ± 0.3_o.C, pH = 8.0 ± 0.2,
permaneceram na faixa de conforto para os peixes (Ayroza & Scorvo,
2011) e não interferiram nos resultados.
Para avaliar os danos estruturais causados pelas duas formas
de cromo os peixes foram necropsiados. Fragmentos de rim, fígado,
brânquias e pele foram colhidos, seguindo‐se a fixação em formalina
tamponada a 10% e processados segundo as técnicas usuais em
histotecnologia para obtenção de cortes com 5 μm de espessura,
corados por hematoxilina‐eosina. As observações foram realizadas a
intervalos de 6 horas e o experimento realizado em sistema estático. A
CL50 foi determinada pela técnica de Spearman‐Karber (Hamilton et
al.,1977).
Somente a concentração de 200 mg/L de cloreto de cromo
causou mortalidade total nas primeiras 18 h. Estes resultados estão de
acordo com o encontrado por outros autores que demonstraram que o
se Cr3 for ministrado a níveis seguros ele não causará problemas de
saúde para humanos e animais (Institute of Medicine, 2003). Não há
efeito genotóxico no homem ou alterações celulares que sejam devidas
à suplementação resultantes da contaminação por Cr6. O Cr3 inorgânico
raramente atravessa as barreiras celulares e é considerado de baixa
reatividade e toxicidade, particularmente na forma orgânica. A razão
entre a concentração recomendada para uso na suplementação
alimentar e a concentração tóxica é de aproximadamente 1:10.000. Isso
significa que ele pode ser considerado seguro para o uso em nutrição
animal (Institute of Medicine, 2003).
Os resultados do teste de toxicidade do Cr6 mostraram
mortalidade após 18 h e continuou até 96 h após a administração. A
505
maior taxa de mortalidade ocorreu entre 48 e 96 h nas concentrações
de 175 e 200 mg/ L, sugerindo que houve efeito biológico cumulativo
que continuou a causar toxicidade até 96 h de exposição quando
atingiu 100%.
Nas concentrações de 100, 125, 150 e 175 mg/ L de dicromato
de potássio os peixes não apresentaram anormalidades. Todavia na
concentração de 200 mg/L, ocorreu espessamento do epitélio
escamoso estratificado da epiderme, com hiperplasia e hipertrofia
das células das camadas externa, intermediária e basal,
particularmente de células mucosas, assim como aumento do
número de cromatóforos. As células caliciformes ou mucosas
produzem o muco que se cora pelo PAS (Periodic Acid Schiff
positive), e Cr6 ao agredi‐las induz sua hiperplasia e aumento da
produção como forma de proteger o epitélio e diminuir a absorção
do produto tóxico (Alzemi et al., 1996).
O óxido de cromo na concentração de 100 mg/L não
produziu anormalidades nos peixes, mas nas concentrações de 200,
300, 400 e 500 mg/L, ocorreu aumento do espaço intersticial entre a
epiderme e a camada conjuntiva. Este espessamento resultou de
edema como forma de diluir a quantidade de cromo absorvido e
proteger o organismo.
No fígado de peixes mantidos na concentração de 100 mg/L
de dicromato de potássio observou‐se congestão discreta, mas a
arquitetura tecidual estava preservada. Na concentração de 125
mg/L, alterações similares às anteriores foram observadas.Todavia,
quando se usou 150 mg/L observou‐se discreta hipertrofia dos
hepatócitos com alterações do arranjo cordonal. Estas alterações
foram mais severas nos peixes mantidos na concentração de 200
mg/L, que apresentou perda da arquitetura tecidual, esteatose e
necrose resultantes do processo tóxico.
Pacus expostos ao óxido de cromo ou ao carboquelato de
cromo não apresentaram anormalidades. Todavia os expostos a 200
mg/L de cloreto de cromo exibiram esteatose dos hepatócitos após
12 a18 h de exposição. Fujimoto et al. (2005) relataram
506
anormalidades semelhantes em fígado de pacus que receberam
alimentação suplementadas com carboquelato de cromo.
A histopatologia do rim cefálico de peixes expostos a 150‐200
mg/L de Cr6 mostrou degeneração celular e necrose focal. Fujimoto
et al. (2008) não descreveram anormalidades morfológicas no rim de
pacus que foram alimentados com ração contendo carboquelato de
cromo. Neste estudo os peixes expostos ao carboquelato de cromo e
óxido de cromo não apresentaram alterações importantes. Mas nos
peixes expostos ao cloreto de cromo na concentração de 200 mg/ L
observou‐se congestão discreta.
Somente nas concentrações de 500 mg/L de óxido de cromo e
de 200 mg/L de cloreto de cromo ocorreram anormalidades
morfológicas nas brânquias como hiperplasia do epitélio lamelar e
desorganização estrutural das lamelas. O tecido branquial dos
peixes expostos a concentrações de óxido de cromo, cloreto de
cromo e carboquelato de cromo apresentaram‐se semelhantes às do
grupo controle.
Em conclusão o Cr6 foi mais tóxico que as formas de Cr3, e
causaram alterações reversíveis como esteatose e edema, ou
irreversíveis como a necrose. Essas lesões afetam não somente a
estrutura, mas também a capacidade funcional dos órgãos envolvidos.
Entre os compostos de Cr3, somente o cloreto de cromo na concetração
de 200 mg/L causou mortalidade. As avaliações histopatológicas
demonstraram que o CR3 causou lesões de baixa severidade. Estes
achados permitem confirmar que o CR3 quando fornecido nas
concentrações recomendadas, podem ser usados com segurança em
piscicultura (para maiores detalhes ver Castro et al., 2013).
SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR COM CR3 E VARIÁVEIS
FISIOLÓGICAS EM PACUS
O Cr3 é um mineral essencial ao organismo e atua no
metabolismo da glicose e de lipídios e sua deficiência provoca retardo
de crescimento e intolerância à glicose (Hertz et al., 1989; Sano et al.,
1999). Como fator de tolerância à glicose (GTF) potencia a ação da
insulina e facilita sua união com seu receptor na superfície celular,
507
com aumento da sensibilidade da célula à glicose (Mertz & Roginski,
1969). Essa ação foi descrita em humanos (Anderson, 1994), em ratos
(Hasten et al., 1997), em frangos (Hossain et al., 1998), em ruminantes
e em suínos (Commitee on Animal Nutrition, 1997) e em Cyprinus
carpio (Hertz et al., 1989). A insulina regula a produção de energia e a
deposição de tecido muscular. A ação potenciadora do cromo diminui
a glicemia, pela maior entrada de glicose nas células e reduz seu
acúmulo no tecido adiposo (Hossain et al., 1998).
Os estímulos estressantes determinam maior demanda de
reservas energéticas, minerais e vitamínicas (Anderson, 1994;
Committee on Animal Nutrition, 1997). O estresse crônico por alta
densidade populacional é comum em pisciculturas, e foi descrito em
“redporgy Pagrus pagrus (Rotllandet al., 1997) e “gilthead seabream”
Sparus aurata (Tort et al., 1996; Montero et al.,1999). A suplementação
da dieta com cromo trivalente tende a reduzir os efeitos nocivos do
estresse (Mowat, 1997).
Com base nessas informações Fujimoto et al. (2005) avaliaram
os efeitos da dieta suplementada com carboquelato de cromo sobre
parâmetros fisiológicos de pacus. Os peixes receberam 4
concentrações do mineral (0, 6, 12 e 18 mg/kg) adicionado à dieta
básica formulada, continha 26% de PB; 4190 de kcal EB; 6,26% de
extrato etéreo; 6,25% de fibra bruta e relação de cálcio e fósforo de
1,45:1. Os peixes foram mantidos em 2 densidades de estocagem, uma
não estressante (4 kg/m3) e outra estressante (20 kg/m3) e avaliados em
3 períodos (7, 15 e 30 dias). Em pacus, há evidências de que a
densidade de 20 kg/m afeta negativamente a atividade de macrófagos
na resposta inflamatória crônica por corpo estranho, devido ao
aumento da cortisolemia (Belo et al., 2005).
Os resultados demonstraram que a cortisolemia foi maior nos
peixes alimentados com dieta isenta de cromo e menor naqueles
alimentados com dieta suplementada com18 mg de cromo/kg de
ração,que sugeriu possível efeito anti‐estressante nos primeiros 7 dias
de ensaio, porém sem efeito significativo após esses dias Em apoio a
esses resultados, Belo et al. (2005; 2012), utilizando o mesmo modelo
experimental e a mesma espécie de peixe, em ambiente similar,
508
verificaram aumento da cortisolemia também nos primeiros 7 dias,
mas não em períodos posteriores.
Apesar da diferença da cortisolemia nos primeiros 7 dias não
houve diferença significativa (p>0,01) entre os valores de glicemia
observados, quando se consideram as diferentes concentrações da
suplementação testadas e as diferentes densidades de estocagem.
Porém registrou‐se aumento da glicemia nos 7 primeiros dias do
experimento e sua posterior redução. Quinze dias após o início do
ensaio observou‐se diminuição do estoque de glicogênio hepático nos
peixes que receberam suplementação alimentar de 6,0 mg de
cromo/kg de ração. O estoque de glicogênio foi recuperado após 30
dias. Portanto, nas condições deste ensaio, a suplementação da dieta
com 18 mg de carboquelato de cromo/kg mostrou‐se interessante para
a criação de pacus, pelo menos nos 7 primeiros dias de confinamento,
podendo sua suplementação ser utilizada estrategicamente em época
de manejos estressantes ou transporte (Para detalhes veja Fujimoto et
al., 2005).
SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR COM CR3: EFEITOS SOBRE
PERFIL HEMATOLÓGICO
Assim como a glicemia, as variáveis sanguíneas são utilizadas
no diagnóstico de processos de quebra de homeostasia, como anemias
(Mahoney & McNulty, 1992; Tavares‐Dias & Moraes, 2004), em
resposta sistêmica a estímulos externos variados (Moiseenko, 1998),
alterações osmorregulatórias (Boonet al., 1990; Davis, 1995; Yildiz,
1998).
Fujimoto et al. (2007a) avaliaram os efeitos da suplementação
alimentar com Cr3 sobre as variáveis hematológicas e índices hepato e
esplenossomático de pacus, mantidos em 2 densidades de
estocagem.Para tanto foram utilizados pacus (100 g) distribuídos ao
acaso em 2 densidades de estocagem (4 kg peixe/ m3 e 20 kg de peixe/
m3). A dieta básica formulada, continha 26% de PB; 4190 de kcal EB;
6,26% de extrato etéreo; 6,25% de fibra bruta e relação de cálcio e
fósforo de 1,45:1. A essa dieta foram adicionadas 4 concentrações de
carboquelato de cromo (0, 6, 12 e 18 mg/kg). As avaliações do perfil
509
hematológico foram realizadas depois de 7, 15, 30 e 90 dias do início
da alimentação de acordo com o estabelecido por Tavares‐Dias et al.
(1999a).
Os resultados demonstraram que os pacus mantidos na maior
densidade e alimentados com dietas suplementadas com 0 e 6 mg de
Cr3/kg de ração apresentaram redução do número de linfócitos
circulantes, sugerindo má adaptação à densidade de 20 kg de
peixe/m3. Nas dietas suplementadas com 12 e 18 mg de Cr3/kg de
ração, esse efeito não foi observado, porém verificou‐se aumento do
número de trombócitos no tratamento com 12 mg de Cr3/kg de ração.
A inexistência de diferença significativa entre os tratamentos, aos 30
dias, sugere a adaptação dos peixes ao tipo de alimento e à situação
de alta densidade. Portanto, nas condições deste ensaio, a
suplementação com 12 e 18 mg de Cr3/ kg de ração mostrou‐se
interessante como estratégia alimentar durante 15 dias (para detalhes
veja Fujimoto et al., 2007a).
A SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR COM CR3 E A QUALIDADE
DA CARCAÇA: PROTEÍNA X GORDURA
A busca por nutrientes que permitam melhorar o
aproveitamento de carboidratos e aumentar o efeito poupador de
proteína, reduzindo o teor protéico das dietas é relevante no sentido
em que poderia diminuir o custo de produção, sem afetar o
desempenho zootécnico e minimizar o impacto ambiental. O Cr3atua
no metabolismo de glicose e lipídios (Sano et al., 1999) e a
suplementação dietética com esse microelemento tende a reduzir os
efeitos nocivos do estresse em espécies domésticas (Mowat, 1997;
Fujimoto et al., 2005)
Tilápias híbridas (Oreochromis niloticus x Oreochromis aureus)
alimentadas com ração suplementada com Cr3 apresentaram aumento
do ganho de peso, maior deposição de proteína e menor deposição de
gordura (Shiau & Lin, 1993). No peixe nativo pacu (P. mesopotamicus)
a suplementação com 6 mg/kg de Cr3 apresentou o mesmo
comportamento verificado em tilápias; porém, com maior eficiência
de retenção de proteínas, maior teor protéico na carcaça, e diminuição
510
nos teores de lipídeos (Fujimoto et al., 2007). A suplementação com
cromo potencia a ação da insulina e inibe a gliconeogênese, com
ganho de eficiência na utilização de proteína e carboidrato (Hertz et
al., 1989). A insulina regula a produção de energia e a deposição de
tecido muscular (Hossainet al., 1998). A ação potenciadora do Cr3
sobre a insulina permite maior captação de glicose pelas células,
diminuindo sua disponibilidade excessiva para o metabolismo em
gordura (Hossainet al., 1998). Em humanos, o Cr3 inibe indiretamente
as enzimas de síntese de ácido graxo responsáveis pela lipogênese e
modifica o armazenamento de triglicerídeos mediados pela insulina.
Essa ação resulta em menor deposição de gordura (Kaatset al., 1998),
tem efeito positivo sobre a utilização e incorporação de aminoácidos e
síntese de proteínas, com melhora na transcrição do RNA (Okada et
al., 1984).
No peixe nativo pacu a suplementação com 6 mg/kg em baixa
densidade de estocagem (4 kg/m3) é suficiente para a obtenção de
carcaça mais magra, porém em densidades mais altas (20kg/m3) a
concentração do mineral tem que estar acima de 12 mg/kg para se
obter o mesmo efeito.
Trutas‐arco‐íris Oncorhynchus mikiss alimentadas com ração
suplementada com 0,5 mg de cromo/kg, na forma de quelato, não
diferiram do grupo‐controle não suplementado quanto à retenção de
proteína e gordura (Bureau et al., 1995). Pan et al. (2003) não
encontraram diferença significativa na composição corporal de
tilápias híbridas (O. niloticus x O. aureus) criadas em sistema aberto de
circulação de água, suplementadas com até 2,0 mg de picolinato de
cromo/kg de ração. Entretanto, quando os peixes foram criados em
sistema de fechado com recirculação, que permitiu a bioacumulação
do nutriente, houve aumento das respostas e melhora da qualidade
da carcaça. Essa diferença em relação às concentrações e ao efeito do
Cr3 sobre a eficiência de retenção e aproveitamento dos nutrientes
deve‐se possivelmente às variadas fontes de cromo utilizadas (para
detalhes ver Fujimoto et al., 2007b).
511
SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR COM CR3, CARGA
PARASITÁRIA E INFLAMAÇÃO AGUDA EM PACU E TILÁPIA‐
DO‐NILO
O Cr3 potencia a ação da insulina (Mowat, 1997) e reduz a
cortisolemia em situações de estresse (Wedemeyer, 1997). Os
glicocorticoides em altas concentrações plasmáticas inibem o
desenvolvimento da inflamação (Belo et al., 2005, 2012; Claudiano et
al., 2013). Por outro lado, o Cr3 é fator de tolerância à glicose (Mowat,
1997), que facilita a interação química entre a insulina e seus
receptores nas membranas celulares e induz maior sensibilidade das
células à glicose (Fujimoto et al., 2005; 2007a,b; Lukaski, 2000; Mertz &
Roginski, 1969).
Fujimoto et al. (2010) encontraram redução no numero de
monogenóides e do dinoflagelado Piscinoodinium pillulare quando os
pacus foram alimentados com 12 e 18 mg/kg de Cr3. Os autores
observaram que em baixa densidade de estocagem 4kg/m3 a
concentração de 6 mg/kg possibilitou a redução dos parasitos, mas na
densidade estressante de 20kg/m3 a concentração para se obter a
redução foi de 12 e 18 mg/kg, demonstrando que quando os pacus
foram submetidos a estresse sua exigência do mineral aumentou. Isso
foi relatado por Anderson (1994) que afirmou que em situações de
estresse os peixes perdem seu equilíbrio osmorregulatório com perda
de sais para água, com aumento da exigência desses nutrientes (para
mais detalhes veja Fujimoto et al., 2010).
Na inflamação aguda de ratos Wistar induzida pela
carragenina, a insulina e os corticosteroides adrenais exercem
antagonismo fisiológico no controle do desenvolvimento da reação.
Na fase inicial da reação as propriedades da insulina facilitam a
entrada de glicose para as células como fonte de energia para o
incremento da reação. Depois de 2 horas do estímulo inflamatório a
concentração plasmática de corticosterona mais que dobra seus
valores plasmáticos iniciais como resultado da estimulação do eixo
hipotálamo‐hipófise‐adrenal, como forma de controlar e limitar o
desenvolvimento da reação (Moraes & Garcia‐Leme,1982; Moraes et
al., 1987). Em outras palavras a inflamação aguda é auto‐controlada.
512
Então o Cr3 poderia atuar como agente potenciador da ação da
insulina e como fator limitador da liberação de cortisol (Fujimoto et
al., 2005) e favorecer o desenvolvimento da reação inflamatória que
por sua vez seria mais eficiente na defesa contra agentes infecciosos.
Porém as informações sobre efeito da suplementação alimentar com
Cr3 sobre a resposta inflamatória ainda eram escassos, apesar de haver
literatura que demonstrava que a ingestão adequada de nutrientes
específicos melhora respostas orgânicas, inclusive em peixes
submetidos ao estresse por alta densidade que determina
imunossupressão e surtos de doenças (Petric et al., 2003; Moraes et al.,
2003; Garcia et al., 2007; Reque et al., 2010; Belo et al., 2012; 2014;
Salvador et al., 2012).
Com esse raciocínio em mente foi realizado um estudo in vivo
para avaliar o efeito da suplementação alimentar com carboquelato de
cromo sobre a cortisolemia, glicemia e inflamação aguda induzida em
pacus, P. mesopotamicus pela inoculação de Aeromonas hydrophila
inativada na bexiga natatória.
Para tanto 120 pacus (80.5 ± 11.3 g) foram distribuídos
randomicamente em 24 caixas plásticas (310 L, n=5). Após o período
de adaptação foram alimentados com dietas suplementadas com 0
(controle), 12, 18 e 36 mg de carboquelato de cromo/kg de ração,
durante 90 dias, ad libitum. Após este período os pacus foram
inoculados com 3x109 unidades formadoras de colônias (UFC) de A.
hydrophila previamente isolada de peixes naturalmente infectados e
inativada (40 °C por 30 min.). O tamanho do inóculo correspondeu à
DL50 previamente determinada e foi inoculado na bexiga natatória. Os
grupos controle foram injetados com solução salina esterilizada pela
mesma via. A bexiga natatória é um órgão cavitário, delimitado, com
circulação terminal e facilidades para inoculação e colheita de
exsudato para avaliação do componente celular acumulado e não
apresenta leucócitos residentes (Martins et al., 2009; Claudiano et al.,
2013). A escolha deve‐se também à vantagem da baixa influência de
contaminação por outros órgãos durante a aplicação do irritante como
enfatizado por Martins et al. (2009).
513
Após 6, 24 e 48 h pós‐estimulo (HPS) foram avaliadas a
cortisolemia, a glicemia e a inflamação aguda. Os resultados
demonstraram que os peixes alimentados com dietas contendo 18 e 36
mg Cr3/kg de ração apresentaram redução da cortisolemia e glicemia
e incremento da inflamação aguda cujo componente celular era
constituído predominantemente por linfócitos e trombócitos.
Como o estímulo inflamatório com A. hydrophila é antigênico,
os linfócitos observados no exsudato dos dois grupos provavelmente
são células B e T, responsáveis pelo reconhecimento específico dos
agentes patogênicos e pelo início da resposta imune adaptativa.
Linfócitos B proliferam‐se e diferenciam‐se em células de memória ou
plasmócitos produtores de IgM. Além disso, têm atividade fagocítica
e formam fagolisossomos com ação microbicida. As células T atuam
como células de memória e persistem após a infecção (Randelli et al.,
2008).
Assim como os linfócitos, os trombócitos estão presentes na
inflamação aguda induzida por agentes antigênicos e também não‐
antigênicos tais como carragenina ou tioglicolato (Martins et al, 2009;
Reque et al, 2010;. Salvador et al., 2012; Claudiano et al, 2013). No
presente ensaio, as células foram observadas no foco inflamado tanto
dos peixes suplementados como não suplementados. Todavia nos
suplementados com 18 mg de carboquelato de cromo/kg de ração
acumularam‐se em maior quantidade 24 h após a estimulação,
sugerindo efeito benéfico da suplementação sobre a função
inflamatória.
O maior acúmulo de trombócitos observado nos grupos
suplementados com 18 e 36 mg de carboquelato de cromo/kg de
ração, 6 h após o estímulo, e com 18 mg de carboquelato de cromo/kg
de ração após 24 horas, pode ser devido à interação entre o Cr3 e os
receptores de insulina. Este fato leva ao aumento na disponibilidade
de glicose intracelular (Lukaski, 2000) e facilita os eventos celulares da
resposta inflamatória, pois favorece a ação da insulina (Moraes &
Garcia‐Leme, 1982; Moraes et al., 1987) ao mesmo tempo em que
reduz cortisolemia (Fujimoto et al., 2005) facilitando os mesmos
efeitos.
514
Esses resultados tomados em conjunto sugerem que a
suplementação com carboquelato de cromo, nas concentrações de 18 e
36 mg/kg de ração apresentou benefícios para a homeostase de P.
mesopotamicus. Tais benefícios podem, pelo menos em parte, ser
atribuídos à ação potenciadora do Cr3 sobre os eventos pró‐
inflamatórios favorecendo o desenvolvimento da reação bem como à
redução da cortisolemia que tende a limitar o fenômeno. Estes efeitos
podem ser úteis aos mecanismos de defesa de peixes contra agentes
patogênicos (para detalhes veja Castro et al., 2014a).
Os resultados acima descritos sobre os benefícios do
carboquelato de cromo para a resposta inflamatória aguda trouxeram
novas perspectivas de pesquisa, pois ainda faltava saber se os
resultados se repetiriam em condições de campo, basicamente em
tilápia‐do‐nilo, criada em tanque rede. Resultados anteriores
demonstravam também efeitos interessantes do uso de Saccharomyces
cerevisae, particularmente da parede celular, como suplemento
alimentar que favorece a inflamação aguda em P. mesopotamicus
(Reque et al., 2010) e em tilápia‐do‐nilo vacinada contra Streptococcus
agalactiae, incluindo a resposta imune celular (Salvador et al., 2012).
Com base nesses fatos investigou‐se o efeito da suplementação
alimentar com parede celular de S. cerevisiae (Sc), carboquelato de
cromo (Cr) e sua associação sobre a inflamação aguda, a atividade
respiratória dos leucócitos sanguíneos e a concentração sérica de
lisozima em tilápia‐do‐nilo criadas em tanques‐rede e desafiadas com
S. agalactiae.
Um total de 664 tilápia‐do‐nilo O. niloticus, com peso 292,10+
36,3 g foi utilizado, distribuído em quatro tanques‐rede de dimensões
2.0 x 2.0 x 1,0 m, ou seja, no volume de 4,0 m3 (volume útil de 3,5 m3),
com densidade de 13,8 kg/m3 (166 peixes em cada gaiola). A
qualidade da água foi mantida dentro do intervalo adequado de
conforto para a espécie: OD =4,2 + 1,5 mg/L; To= 25,4 + 3.1 oC; pH = 6,8
+ 0,4; e Ce = 125,6 + 2,2 mS/cm) (Boyd, 1990). Os grupos foram
divididos aleatoriamente: G1 controle não suplementado; G2
suplementação com 0,3% de parede celular de S. cerevisiae (Sc) (Reque
et al., 2010; Salvador et al., 2012); G3 suplementação com 18 mg de
515
carboquelato de cromo/kg de ração (Cr) (Fujimoto et al., 2005; 2007;
Castro et al., 2014a); G4 e suplementação com Sc e Cr em associação (n
= 166).
Os suplementos a serem testados foram adicionados à ração
comercial (28% PB e 3900 kcal EB), durante a segunda moagem do
processo de extrusão. Os ingredientes foram misturados
mecanicamente juntos nos tratamentos Sc e Cr (Fujimoto et al., 2005).
Os peixes foram alimentados duas vezes por dia (3% de biomassa),
durante 90 dias. Após esse período 120 tilápias (834,6 + 93,5 g) foram
aleatoriamente distribuídas em 15 tanques (n = 8) (1500 L) abastecidos
com água de poço artesiano, vazão de 1 L/min e aeração contínua em
sistema de recirculação. Eles foram alimentados com as mesmas
dietas do período anterior.
Em experimento prévio, 30 tilápias não tratadas foram
utilizadas para determinar a concentração bacteriana letal (CL50) a ser
utilizada como o estímulo inflamatório (Salvador & Muller, 2005). A
cepa de S. agalactiae foi isolada de tilápia naturalmente infectada e
identificada como do Grupo B de Lancefield. A CL50 determinada
para o inóculo foi de 3 x 108 UFC/mL.
Após inativação (banho‐maria a 40 º C, 30 min.), uma alíquota
foi semeada em meio apropriado para a certificação da inatividade
bacteriana.
Os peixes foram anestesiados e divididos em dois grupos, em
delineamento inteiramente casualizado. Um deles, o controle
negativo, recebeu 0,5 ml de solução salina esterilizada (0,65%), e os
outros grupos receberam o mesmo volume dessa solução contendo 3
x 108UFC de S. agalactiae inativadas (controle positivo).
Os grupos de peixes foram mortos por meio de anestesia
profunda 12, 24 e 48 h após a estimulação, o exsudado foi recolhido
para a contagem total e diferencial de células presentes.
Amostras de sangue foram colhidas da veia caudal nos
mesmos tempos acima indicados para determinação da glicemia, da
cortisolemia, da explosão respiratória dos leucócitos e da
concentração sérica de lisozima.
516
Os resultados demonstraram maior acúmulo de células totais
no exsudado de peixes inoculados com bactéria inativada do que
naqueles injetados com solução salina. Dentre as células presentes
havia predominância de linfócitos, trombócitos e, em menor
quantidade, macrófagos e granulócitos. Tilápias alimentadas com
ração suplementada com Cr3 apresentaram maior acúmulo de células
totais com predomínio de linfócitos e redução da cortisolemia e da
glicemia.Porém os tratamentos não interferiram sobre a atividade
respiratória dos leucócitos sanguíneos e concentração de lisozima
sérica. Tilápias suplementadas com a associação de Sc e Cr não
apresentaram alterações das variáveis avaliadas, apesar de maior
acúmulo de linfócitos do exsudado inflamatório a partir de peixes
tratados com Sc. Os resultados indicaram que tilápias criadas em
tanques‐rede e alimentadas com ração suplementada com
carboquelato de cromo apresentaram maior acúmulo de células totais
no foco inflamado, indicando, aumento na resposta inflamatória
induzida pela bactéria inativada provavelmente devido à menor
concentração sanguínea de cortisol e maior consumo de glicose como
fonte de energia para o desenvolvimento dos eventos inflamatórios.
Assim, a suplementação com Cr teve ação benéfica, o que facilitou o
desenvolvimento de inflamação aguda induzida pela bactéria, mas
não afetou nem a explosão respiratória de leucócitos do sangue nem a
concentração sérica de lisozima. A suplementação com parede celular
de S. cerevisae por sua vez, não produziu diferenças entre os grupos
como esperado (Castro et al., 20014b).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados desses estudos apresentam perspectivas de
interesse para a piscicultura intensiva, seja quanto aos aspectos
zootécnicos, seja quanto aos relacionados ao estresse e mecanismos de
defesa. Assim, estratégias de suplementação devem ser realizadas a
fim de proteger os peixes em situações estressantes, pois o Cr3 como
suplemento alimentar incrementa ações de defesa por reduzir os
níveis plasmáticos de cortisol e mantém o perfil do leucograma
suprindo a necessidade destes nutrientes em situações de estresse.
517
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522
CAPÍTULO 25
ÁGUA SALINIZADA NA PRODUÇÃO DE PEIXES
DE ÁGUA DOCE
Rodrigo Takata1
Ronald Kennedy Luz
INTRODUÇÃO
O sal é um produto acessível no mercado agropecuário, de
baixo custo e toxicidade para quem manipula. Este produto pode
ser utilizado na prevenção e controle de enfermidades, diminuição
da toxicidade dos compostos nitrogenados e do estresse de manejo
na rotina das pisciculturas tais como: despescas, biometrias,
classificações, transferências e transporte dos peixes, confinamento
durante a depuração e manejos na reprodução (Kubitza, 2007a).
Porém, a mudança na concentração de sais na água pode alterar o
crescimento, fisiologia, comportamento dos peixes e sobrevivência
(Altinok & Grizzle, 2001).
Estas alterações ocorrem devido aos peixes de água doce
viverem em ambientes em que a concentração de íons é menor do
que em seu interior, ou seja, são hiperosmóticos (Altinok & Grizzle,
2004). Contudo, os peixes apresentam órgãos como brânquias, rins,
intestino, superfície corporal e a excreção por meio de fezes e urina
para o controle osmótico, evitando assim, perda de íons,
substâncias orgânicas e eliminando o excesso de água, atividades
estas que demandam gasto energético (Sandra et al., 2000;
McCormick, 2001; Altinok & Grizzle, 2004).
Dessa forma, o conhecimento da tolerância e adaptação dos
peixes de água doce a ambientes salinos é um manejo a ser
Takata & Luz. Água salinizada na produção de peixes de água doce. In: Tavares‐
Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São
Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
523
investigado para se determinar faixas ideias para um melhor
crescimento e bem estar dos animais.
Este capítulo apresenta informações sobre o uso do sal
(salinidade da água) em peixes de água doce.
ÁGUA SALINIZADA NA REPRODUÇÃO E INCUBAÇÃO DE
OVOS
A reprodução implica em uma série de manejos que podem
ser estressantes aos peixes. Sabemos da importância dos
reprodutores, do custo e dificuldade de aquisição destes animais.
Assim, manejos adequados são fundamentais para o sucesso na
reprodução, nas fases iniciais de desenvolvimento dos peixes
(incubação) e na manutenção dos reprodutores e formas jovens para
o sucesso da cadeia produtiva.
A tilápia‐do‐nilo Oreochromis niloticus é uma espécie de água
doce e um dos peixes mais produzido no Brasil (MPA, 2011). Sua
reprodução pode ser realizada em salinidades variando de 0 à 32 g
de sal/L; no entanto, com diminuição na produção de ovos nas
maiores salinidades. A reprodução desta espécie pode ser
recomendada em água com concentração de sal variando de 5 a 15 g
de sal/L (Watanabe & Kuo, 1985). Em salinidades semelhantes, 7 e
14 g de sal/L, o desempenho reprodutivo foi melhor com o uso de
óleo de peixe nas dietas, sugerindo uma maior exigência de ácidos
graxos altamente insaturados da série ω−3, em comparação aos
animais em reprodução na água doce (El‐Sayed et al., 2003; 2005).
Para outras espécies de água doce, como as neotropicais,
ainda não existem estudos do uso do sal na avaliação do potencial
reprodutivo. Porém, após os procedimentos de indução hormonal e
extrusão de gametas, é comum se utilizar de banhos de sal nos
reprodutores para induzir a produção de muco e melhorar a
recuperação dos animais pós‐desova.
O uso de ambiente salino para a fertilização também pode
ser uma alternativa para a viabilidade dos gametas dos peixes de
água doce. Os gametas passam por um choque osmótico em contato
com o meio externo, pois quando estão no interior das gônadas são
524
isosmóticos em relação aos fluidos corporais dos pais (Márián et al.,
1993). Existe uma relação direta entre o plasma seminal,
osmolaridade e a duração da motilidade dos espermatozoides. Em
geral, recomendam‐se salinidades de até 10 g de sal/L para a
motilidade dos espermatozoides de peixes de água doce (Jaspers,
1972; Alavi & Cosson, 2006).
Após a fertilização dos ovócitos, uma série de alterações
fisiológicas e morfológicas ocorre nos embriões. O córion atua como
uma barreira protetora e seletiva que permite a troca de substâncias
entre o meio interno e externo. Essa proteção proporcionada pelo
córion não deixa o embrião livre das alterações ambientais, sendo
que a salinidade é um dos fatores que pode atrasar ou acelerar a
eclosão das larvas (Korwin‐Kossakowski, 2012).
Em concentrações adequadas, o sal pode ser uma opção
para a desinfeção dos ovos de peixes de água doce (Froelich &
Engelhardt, 1996; Yahya et al., 2014). Os ovos de catfish Clarias
gariepinus tratados com banhos de 30 minutos de solução salina de
1 g de sal/L apresentaram maior taxa de eclosão em comparação a
ovos não tratados (Rasowo et al., 2007). Para esta mesma espécie,
salinidades de até 5 g de sal/L podem ser utilizadas com segurança
na eclosão dos ovos, enquanto salinidades superiores a 8 g de sal/L
levam a mortalidade dos embriões (Gbulubo & Erondu, 1998).
Salinidades de até 5 g de sal/L também podem ser utilizadas para o
bagre do canal Ictalurus punctatus, com melhora na taxa de eclosão
(Phelps & Walser, 1993).
O tratamento com sal (1 a 2,5 g de sal/L) por 60 minutos, antes
da incubação, melhorou a taxa de eclosão de ovos de carpa comum
Cyprinus carpio (Froelich & Engelhardt, 1996). Em outro estudo foi
observado efeito positivo no uso do sal e tiroxina na eclosão das larvas
de carpa. A espécie apresentou aumento da eclosão dos ovos e melhor
desenvolvimento das larvas em salinidades de 3 g de sal/L com 0,01
ppm de tiroxina (Lam & Sharma, 1985).
Na fase posterior a eclosão, embriões de Clarias gariepinus
toleraram até 6 g de sal/L, com níveis ótimos entre água doce e 2 g
de sal/L (Borode et al., 2002). Para o pacamã Lophiosilurus alexandri,
525
larvas recém‐eclodidas tem menor tolerância à salinidade com
aumento da temperatura (Martins et al., 2014). Segundo os autores, a
4 g de sal/L as larvas apresentaram problemas no desenvolvimento
muscular nas temperaturas de 25 e 30°C. Porém, os resultados
mostraram que o desenvolvimento inicial desta espécie pode ser
realizado na salinidade de 2 g de sal/L e na temperatura de 25°C.
Contudo, uma maior tolerância à salinidade tem sido
observada com o desenvolvimento das larvas. Larvas recém‐
eclodidas de pacamã L. alexandri apresentaram 100% de sobrevivência
para água doce, 2 e 4 g de sal/L, durante 96 horas; porém, com
redução dos valores de peso e comprimento nas salinidades testadas.
Larvas com oito dias pós‐eclosão apresentaram CL(I)50‐96h de 8,9 g de
sal/L, enquanto larvas com 12 dias pós‐eclosão, não apresentaram
diferenças no comprimento e peso, e toleraram até 10 g de sal/L, após
96 horas de observações (Luz & Santos, 2008a). Segundo os autores, a
menor tolerância observada nos estágios iniciais pode ser pela
ausência de órgãos importantes nos processos osmorregulatórios
como brânquias, rins e aparelho digestivo. Fato semelhante foi
verificado para larvas de Heterobranchus longifilis, em que os limites de
tolerância letal foram de 4,3, 8 e 8,7 g de sal/L, durante 96 horas de
exposição, em larvas no início da alimentação e para juvenis com 28 e
42 dias pós‐eclosão, respectivamente (Fashina‐Bombata & Busari,
2003). A carpa‐cabeça‐ grande Aristichthys noblis com 11, 18 e 35 dias
pós‐eclosão apresentaram tolerância de 2, 4 e 6 g de sal/L,
respectivamente (Gracia et al., 1999).
ÁGUA SALINIZADA NA LARVICULTURA DE PEIXES DE
ÁGUA DOCE
O sistema intensivo de larvicultura, realizado em laboratório,
apresenta vantagens em comparação ao sistema semi‐intensivo
(larvicultura em viveiros escavados), como, por exemplo, o controle
das características físicas e químicas da água e do alimento ofertado.
Os náuplios de artêmia, microcrustáceo de origem marinha, vêm
sendo utilizados com êxito na larvicultura intensiva de peixes
neotropicais de água doce (Luz & Portella, 2002; Luz & Santos,
526
2008b; Santos & Luz, 2009; Jomori et al., 2012; 2013). Porém, este
organismo tem seu tempo de vida limitado em água doce, problema
que pode ser minimizado pela salinização da água, promovendo
aumento no tempo de sobrevida dos náuplios e, consequentemente,
sua disponibilidade para as larvas (Beux & Zaniboni Filho, 2006;
Jomori et al., 2012).
Tabela 1. Níveis seguros de salinidade da água para larvicultura de peixes
de água doce.
Espécie de peixe Nome comum Salinidade Referências
ideal
(g de sal/L)
Pseudoplatystoma Surubim 0 ‐ 2 (5*) Lopes et al. (1996);
corruscans Campagnolo & Nuñer (2006;
2008); Beux & Zaniboni
Filho (2007; 2008); Santos &
Luz (2009)
Hoplias lacerdae Trairão 0 ‐ 4 Luz & Portella (2002)
Brycon amazonicus Matrinxã 0 ‐ 2 Luz et al. (2004); Jomori et
al. (2013)
Lophiosilurus alexandri Pacamã 0 ‐ 4 Luz & Santos (2008b);
Santos & Luz (2009)
Pimelodus maculatus Mandi 0 ‐ 2 Weingartner & Zaniboni
amarelo Filho (2004)
Piaractus mesopotamicus Pacu 0 ‐ 4 Jomori et al. (2012)
Colossoma macropomum Tambaqui 0 ‐ 2 Jomori et al. (2013)
Leporinus macrocephalus Piau 0 ‐ 4 Jomori et al. (2013)
Astronotus ocellatus Oscar/Apaiari 0 ‐ 2 Jomori et al. (2013)
Rhinelepis aspera Cascudo preto 0 ‐ 4 Luz & Santos (2010)
Prochilodus costatus Curimbatá 0 ‐ 4 Santos & Luz (2009)
Oreochromis niloticus Tilápia‐do‐nilo 0 ‐ 2 Luz et al. (2012; 2013b)
Betta splendens Beta 0 ‐ 5 Puello‐Cruz et al. (2010)
Clarias gariepinus Bagre Africano 0 ‐ 2,5 Britz & Hecht (1989)
Aristichthys noblis Carpa cabeça 0 ‐ 2 Garcia et al. (1999)
grande
O uso de água com baixa salinidade para as larvas de peixes
de água doce pode proporcionar economia da energia nos processos
fisiológicos de osmorregulação, sendo essa, disponibilizada para
crescimento. Este manejo tem proporcionado sobrevivência e
527
crescimento semelhante e/ou superior ao das larvas mantidas em
água doce para algumas espécies. A Tabela 1 sumariza as
salinidades que podem ser utilizadas durante a larvicultura de
peixes de água doce. Valores superiores levam a uma diminuição no
crescimento e sobrevivência dos animais.
O uso da salinidade de 2 g de sal/L tem possibilitado a
intensificação na larvicultura de pacamã com o uso de náuplios de
artêmia como alimento. Em sistema estático de água, com
renovações parciais diárias, a larvicultura desta espécie pode ser
realizada com densidades de até 60 larvas/L (Luz & Santos, 2008b).
Em sistema de recirculação de água, pode‐se utilizar a densidade de
até 300 larvas/L, durante os primeiros 15 dias de alimentação ativa,
sem afetar o desempenho e a sobrevivência, que apresentou valores
superiores a 95% (Cordeiro, 2012).
Depois de mantidas em diferentes salinidades durante o
início da larvicultura, as larvas podem retornar para água doce sem
problemas, o que, dependendo do tipo de sistema utilizado, pode
ser conveniente para o manejo diário. As larvas de cascudo preto
foram mantidas durante os primeiros sete dias em salinidades de até
6 g de sal/L. Após este período, os animais retornaram para água
doce e foram criados por mais sete dias. Foi observada
sobrevivência superior a 94% e a taxa de crescimento específica foi
semelhante entre o grupo mantido em água doce e as larvas que
passaram de águas salinizadas para a água doce (Luz & Santos,
2010). Este fato também foi registrado para larvas de pacu mantidas
por cinco e 10 dias em águas salinizadas a 2 e 4 g de sal/L e,
posteriormente, retornadas para água doce com sobrevivência
superior a 88% (Jomori et al., 2012).
Outra etapa importante na produção de juvenis de peixes
carnívoros é a fase de condicionamento alimentar, quando estes
deixam de receber alimento vivo e são treinados a aceitar dietas
formuladas secas. Nessa fase, os juvenis de trairão apresentaram
melhores resultados de desempenho nas salinidades entre 4,0 e 5,0 g
de sal/L (Salaro et al., 2012).
528
ÁGUA SALINIZADA NO CRESCIMENTO DE JUVENIS
A adaptação dos peixes de água doce à água salinizada é
acompanhada por uma série de alterações fisiológicas, energéticas,
morfológicas e comportamentais, as quais habilitam o animal a
desenvolver‐se nesses ambientes. É conhecido que as respostas
osmorregulatórias dos peixes são reguladas por meio do sistema
neuroendócrino, que age nos tecidos responsáveis pela
osmorregulação, modulando o transporte de íons e alterando o
metabolismo dos animais (Abraham et al., 2001; Yavuzcan‐Yıldız &
Kırkaˇgaç‐Uzbilek, 2001; Altinok & Grizzle, 2004; Sakamoto &
McCormick, 2006).
A prolactina é um dos principais hormônios na
osmorregulação dos peixes de água doce, atuando na entrada de
íons nos tecidos (Sakamoto & McCormick, 2006). A mudança dos
níveis de prolactina e da expressão dos genes relacionados à sua
ação já foi descrita para tilápia Oreochromis niloticus (Pisam et al.,
1993; Sandra et al., 2000), peixe dourado Carassius auratus (Olivereau
et al., 1983), bagre do canal Ictalurus punctatus (Eckert et al., 2001),
dentre outras.
Tilápias pesando entre 112 a 292 g foram capazes de se
adaptar a salinidade de 10 g de sal/L (Villegas, 1990), sendo a
salinidade letal mediana CL50 para juvenis com 11,6 g de 11,3 g de
sal/L (Jegede, 2007). Porém, com a aclimatação diária de 2 a 8 g de
sal/L, a salinidade letal mediana para animais com 5 g foi de 46,3 ±
3,4 g de sal/L (Lemarié et al., 2004). Apesar da tolerância aos
gradientes de salinidade, juvenis de tilápia com 67,4 g mantidos a 9
e 18 g de sal/L, por 72h, apresentaram alterações morfológicas no
tecido renal, aumento na osmolaridade plasmática; no entanto, sem
alteração do hematócrito (Benli & Yildiz, 2004).
A interação entre os fatores salinidade e temperatura da água
altera o crescimento da tilápia. Para juvenis com 4,6 g, o
desempenho melhorou com aumento da temperatura nas
salinidades de 0 (água doce), 8, 12 e 16 g de sal/L; contudo, o
aumento da salinidade reduziu o crescimento nas diferentes
temperaturas, sendo recomendado manter os juvenis em
529
temperaturas entre 28 e 32°C e salinidades de até 8 g de sal/L.
Salinidades superiores podem prejudicar a utilização dos nutrientes
para o crescimento dos juvenis, devido a energia despendida para se
manter em um ambiente fora de sua homeostase (Likongwe et al.,
1996). Para compensar este efeito da salinidade, podem‐se empregar
dietas com teor mais elevado de proteína. Em água a 10 g de sal/L,
tilápias com 0,024 g tiveram melhor desempenho e conversão
alimentar com níveis de proteína superiores a 30%, enquanto em
água doce a quantidade de 28‐30% de proteína bruta foi suficiente
(De Silva & Perera, 1985). Em salinidades de 20 e 25 g de sal/L é
necessário dietas com 50% de proteína para juvenis de 0,25 g,
enquanto que em água doce a quantidade de 40% de proteína foi
suficiente para o desempenho dos animais (Larumbe‐Morán et al.,
2010).
Para os ciprinídeos, o uso do sal foi testado para várias
espécies. Juvenis de carpa‐comum Cyprinus carpio, com peso
variando de 4 a 16 g mantidos em água com salinidade de até 2,5 g
de sal/L apresentaram melhor crescimento, digestibilidade dos
nutrientes, além de menores taxas de excreção de nitrogênio e
consumo de oxigênio (Wang et al., 1997). Porém, a concentração de
10 g de sal/L levou os juvenis desta espécie com 1,5 a 2,5 g a uma
redução no consumo de dieta e no crescimento, com diminuição dos
estoques de glicogênio muscular e hepático e aumento nos níveis de
glicose plasmática; no entanto, não apresentaram diminuição do
consumo de oxigênio, sugerindo uma realocação energética do
crescimento para processos fisiológicos relacionados à homeostase
(De Boeck et al., 2000). Além das alterações já descritas, na
salinidade de 1,75 g de sal/L há um aumento na atividade de
secreção das células pavimentosas desta espécie (Abraham et al.,
2001).
A CL50 para juvenis de carpa‐capim Ctenopharyngodon idella
com 10‐12 cm foi de 15,1 g de sal/L após 96 horas (Maceina &
Shireman, 1979). Os juvenis desta espécie não apresentaram
diferenças no crescimento quando criados nas salinidades de 3, 5, 7
e 9 g de sal/L e temperaturas de 18,5°C e 29,5°C. No entanto, o
530
consumo alimentar foi maior nos animais expostos a 5 g de sal/L
(Kilambi, 1980). A carpa capim com 120 g exposta à salinidade de
10 g de sal/L apresentou alterações nas respostas secundárias do
estresse. O hematócrito foi alto durante todas as avaliações, os
leucócitos e o nível de glicose plasmática apresentaram‐se elevados
após 24 e 48 horas. Os níveis de sódio, cloreto e potássio
aumentaram com o decorrer da exposição ao ambiente salino e os
níveis de cálcio não foram afetados (Yavuzcan‐Yıldız & Kırkağaç‐
Uzbilek, 2001). O incremento da salinidade para esta mesma
espécie leva a uma diminuição do peso, do consumo de oxigênio,
da quantidade de água no tecido muscular e a um aumento da
concentração total de íons no plasma (Maceina & Shireman, 1979;
Maceina et al., 1980).
Os juvenis de carpa‐prateada Hypophthalmichthys molitrix
com 35‐55 mm apresentaram variação no consumo de oxigênio e na
atividade locomotora quando expostos a diferentes salinidades e
temperatura. As temperaturas abaixo de 8°C e acima de 24°C
combinadas com salinidades superiores a 10 g de sal/L podem ser
letais para os juvenis. O padrão mínimo de taxa metabólica foi
verificado nas salinidades de 3 e 4 g de sal/L e a máxima resistência
à salinidade foi entre as temperaturas de 18 e 22 °C (Von Oertzen,
1985).
O peixe dourado Carassius auratus adaptou‐se a salinidades
de até 9‐10 g de sal/L (Altinok & Grizzle, 2001; Luz et al., 2008). As
salinidades de até 6 g de sal/L não apresentaram alterações no
crescimento, ganho em peso, conversão alimentar e nos níveis de
hematócrito, hemoglobina, glicemia e cortisol de juvenis com 3,2 g
(Luz et al., 2008). Porém, para juvenis com 2,2 g, o aumento da
salinidade até 9 g de sal/L proporcionou redução da taxa de
crescimento específica e consumo de oxigênio, porém, sem
mortalidade (Altinok & Grizzle, 2001; 2003), indicando possível
efeito da fase de desenvolvimento dos animais na tolerância a
salinidade de água, como já apresentado anteriormente para outras
espécies.
531
Além do C. auratus, o uso do sal também foi estudado em
outras espécies com fins ornamentais. A salinidade letal mediana‐96
horas para fêmeas adultas de Betta splendens foi de 11,8 g de sal/L.
Após 18 dias de experimento, a salinidade máxima de sobrevivência
ficou entre 6 e 7 g de sal/L (Zuanon et al., 2009). O acará‐bandeira
Pterophyllum scalare, com peso aproximado de 2 g pode ser exposto a
choques osmóticos de até 7,5 g de sal/L, por um período de 96 horas.
Quando expostos por meio de incremento diário da salinidade em 1
g de sal/L, pode tolerar a concentração de 12 g de sal/L (Moreira et
al., 2011). Esse resultado pode ser devido a aclimatação gradual dos
animais aos gradientes de salinidade.
Espécies de Siluriformes também têm sido alvo de
investigação. Juvenis de jundiá Rhamdia quelen, com 1,7 g toleram
salinidades de até 9 g de sal/L de sal marinho comum, por 96 horas
(Marchioro & Baldisserotto, 1999). Salinidades de até 8 g de sal/L
não alteraram as variáveis hematológicas e de desempenho de
juvenis desta espécie com 137 g, após 15 e 30 dias de exposição
(Camargo et al., 2006). O aumento das atividades NTPDásica e 5ʹ‐
nucleotidase no cérebro dos juvenis de jundiá foram registradas em
salinidades de até 8 g de sal/L, podendo essas enzimas ser
consideradas um marcador de mudanças de salinidade do meio
(Becker et al., 2013). O aumento da osmolaridade e dos níveis de
glicose sanguínea e a redução de água no músculo de juvenis de
jundiá com 37,7 g foram registrados após exposição por uma hora à
salinidade de 25 g de sal/L (Souza‐Bastos & Freire, 2009). Essas
alterações indicam um aumento do estresse dos animais na maior
concentração de sal. Sendo assim, os autores recomendam banhos
de uma hora na concentração de até 15 g de sal/L.
Juvenis de pacamã L. alexandri com 28,6 g apresentaram a
CL50‐24h de 11,7 g de sal/L quando submetidos ao choque osmótico.
Após 24h de exposição nas salinidades de até 15 g de sal/L, os níveis
de glicose, hemoglobina, íons cloreto, cortisol, osmolaridade e
alanina aminotransferase no sangue aumentaram com o incremento
da salinidade. Após 96 horas, os animais expostos à salinidade de
até 7,5 g de sal/L apresentaram 100% de sobrevivência. A salinidade
532
de 10 g de sal/L proporcionou sobrevivência de 58%. Os juvenis
apresentaram valores semelhantes para a glicose, ao passo que a
hemoglobina, cortisol e osmolaridade continuaram com valores
mais altos nas maiores salinidades, sendo o menor valor de cortisol
na água doce e a 2 g de sal/L. Porém, quando juvenis com 15,5 g
foram aclimatados de forma gradual a salinidades de até 10 g de
sal/L, com aumento da salinidade a cada 6 horas durante 24 horas,
apresentaram mortalidade total após 21 dias de exposição. As
salinidades de até 7,5 g de sal/L não levaram a mortalidade ao final
de 28 dias. Alterações na hematologia e bioquímica sanguínea
também foram registradas durante o experimento. Após 28 dias de
criação, as salinidades estimadas entre 2,0 e 2,8 g de sal/L levaram
aos melhores índices de desempenho. Dessa forma, pode ser
recomendado o uso de salinidade de até 7,5 g de sal/L em banhos
curtos e a de 2,5 g de sal/L para a criação (Mattioli, 2014). Além
disso, fica claro que quando os animais são aclimatados de forma
gradual pode ocorrer melhor adaptação aos meios salinizados.
Os juvenis de catfish Ictalurus punctatus, com 2,7 g,
apresentaram redução da taxa de crescimento específica e do
consumo de oxigênio com o aumento da salinidade da água doce até
9 g de sal/L. No entanto, não foi observada mortalidade ou alteração
de comportamento dos peixes nas concentrações salinas
mencionadas (Altinok & Grizzle, 2001).
Para peixes redondos, que também tem expressiva produção
no Brasil (MPA, 2011), a importância da água salinizada na criação
também é motivo de estudos. No tambaqui C. macropomum com 33,9
g, o aumento em 1 ou 2 g de sal/L, diariamente, levou a mortalidade
dos peixes quando as concentrações atingiram de 11 a 20 g de sal/L e
20 a 22 g de sal/L, respectivamente. Num segundo estudo, foram
testadas as salinidades de 5, 10 e 15 g de sal/L em juvenis com 57,4 g,
aclimatando os animais de forma gradual a 2,5 g de sal/L. Após 84
dias o aumento da salinidade levou a redução no peso final, ganho
em peso e taxa de crescimento; no entanto, não foi detectado
mortalidade dos juvenis nas salinidades de até 10 g de sal/L. Além
do apresentado, o hematócrito, hemoglobina, proteína plasmática,
533
glicose, cortisol e osmolaridade também apresentaram aumento com
o incremento da salinidade (Fiúza et al., 2013). Juvenis de pacu P.
mesopotamicus com 22 g apresentaram crescimento similar nas
salinidades de até 9 g de sal/L, sendo que salinidades superiores
levaram a mortalidade total dos animais. Em banhos rápidos, a
espécie pode permanecer com segurança nas concentrações de 30, 40
e 50 g de sal/L por períodos de 4, 8 e 12 minutos, respectivamente
(Garcia et al., 2010).
Os estudos que visam entender como os juvenis de peixes de
água doce se comportam em água salinizada ajudarão a padronizar
a produção dessas espécies em ambientes salinos. As respostas
fisiológicas, nutricionais, morfológicas e comportamentais darão
suporte para determinar quais são os níveis ʺaceitáveisʺ dessas
alterações para a saúde dos peixes nos sistemas de produção.
ÁGUA SALINIZADA NO TRANSPORTE DE PEIXES VIVOS
O transporte de peixes vivos é uma etapa fundamental para
o sucesso da cadeia produtiva. Geralmente, as pisciculturas
produzem os juvenis que são, então, transportados para o local da
engorda. Existe também o transporte de peixes adultos para
formação do plantel de reprodutores e o transporte de peixes para o
abate. Desta forma, se este manejo não for adequado pode colocar
em risco toda a cadeia produtiva.
Para o sucesso nessa etapa, existem vários fatores que devem
ser considerados, como jejum para o esvaziamento gástrico,
densidade de estocagem (Carneiro & Urbinati, 2002; Gomes et al.,
2003; Golombieski et al., 2003; Adamante et al., 2008; Luz et al.,
2013a), temperatura da água (Golombieski et al., 2003), tempo de
transporte (Golombieski et al., 2003; Adamante et al., 2008) e uso de
produtos que amenizem o estresse, como sal (Wurts, 1995; Gomes et
al., 2003; Gomes et al., 2006).
O sal possui pelo menos três ações benéficas sobre os peixes.
Este produto facilita a manutenção do equilíbrio osmorregulatório,
pois deixa a concentração de sais na água mais próxima da
concentração de sais no sangue dos peixes, além de aumentar a
534
produção de muco nas brânquias, que ajuda a reduzir as perdas de
sais do sangue para a água. Ainda, estimula a produção de muco
sobre o corpo, o que ajuda a recobrir ferimentos decorrentes do
manuseio, reduzindo o risco de infecções secundárias por bactérias e
fungos. A presença do íon sódio (Na+) na água favorece um
mecanismo ativo de eliminação da amônia do sangue para a água, o
que é muito importante no transporte de peixes em altas densidades
de estocagem (Kubtiza, 2007b).
O sal foi utilizado para transportar juvenis de pacamã
Lophiosilurus alexandri com peso médio de 2,5 g, em sacos plásticos
na concentração de 1,6 g de sal/L por até 7,5 horas (Luz et al., 2013).
Os autores registraram sobrevivência de 100% e verificaram que
após três dias do transporte os animais voltaram a se alimentar
normalmente.
Ao contrário, no transporte de juvenis de P. mesopotamicus
com 30 g, não existe a necessidade de se usar sal (8 g de sal/L)
comparado a outros aditivos, como o florfenicol, a oxitetraciclina ou
a combinação de sal com gesso (Klein et al., 2009). Porém, o
transporte de C. macropomum, com peso médio de 846 g, por período
de 3 h em caixas de plástico adaptadas, pode ser realizado na
densidade máxima de transporte de 150 kg de peixe/m3 de água, em
salinidade de 8g de sal/L (Gomes et al., 2003). Para o tambaqui, a
glicose aumentou em todas as concentrações de sal testadas, exceto
na de 8 g de sal/L. O mesmo foi verificado para o cortisol 24 horas
após o transporte.
O benefício do uso de sal no transporte, como mitigador de
estresse também foi comprovado para B. amazonicus de peso médio
de 1 kg. O cortisol plasmático teve alterações imediatas após
transporte, exceto a 3 e 6 g de sal/L. Os níveis de glicose nos peixes
não variaram à 6 g de sal/L imediatamente após o transporte,
indicando que essa salinidade pode ser empregada para esta espécie
(Carneiro & Urbinati, 2001). Em trabalho subsequente, usando a
salinidade de 6 g de sal/L, foi determinado que para o transporte de
matrinxãs com peso médio de 1 Kg, a densidade pode ser de até 300
Kg/m3 durante 4 horas (Carneiro & Urbinati, 2002).
535
Para o pirarucu Arapaima gigas, a salinidade de 3 g de sal/L é
apropriada para o transporte de juvenis com peso médio de 15 g na
densidade de 375 g/L, durante 5 h em sacos plásticos com oxigênio
puro (De Souza et al., 2006). Os autores não registraram problemas
no perfil fisiológico dos peixes. Contudo, juvenis transportados em
água doce e 6 g de sal/L apresentaram várias alterações fisiológicas.
Para esta mesma espécie com peso médio de 32,7 g, transportados
na densidade de 40 g/L em sacos de polietileno de 30 L (volume útil
= 10 L) e salinidades de até 5 g de sal/L, não houve redução no
estresse dos animais (Gomes et al., 2006). Os autores verificaram
problemas osmorregulatórios como aumento fluxo de íons como
Na+ e Cl‐, além dos níveis de cortisol e glicose que foram
semelhantes em todos os tratamentos, 96 horas após o transporte.
Da mesma forma, no transporte de pirarucu com peso médio de 1
Kg, o emprego de 3 e 6 g de sal/L não foram eficientes para mitigar o
estresse do transporte (Brandão et al., 2008). Foi verificado aumento
no cortisol plasmático 48 após o transporte nestas salinidades e com
menores valores para os animais transportados em água doce em
sistema aberto em caixas de 50 L. Segundo os autores, no transporte
em sacos plásticos, o cortisol plasmático foi semelhante entre água
doce e águas salinizadas após 48 horas. Para a glicose, os resultados
foram semelhantes entre os tratamentos, independente do sistema
de transporte. Logo, para o pirarucu, o tamanho dos animais parece
ter importância no momento da escolha do emprego ou não do sal
no transporte dos animais.
Logo, o uso do sal deve ser utilizado durante o transporte de
peixes vivos, porém, deve‐se atentar para a espécie e a concentração
de sal a ser utilizada. Nesse sentido, a literatura escassa sobre o tema
indica a necessidade de mais estudos para as diferentes espécies, em
várias situações de manejos, como temperatura, densidade, tamanho
dos animais, tempo de transporte entre outros fatores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente capítulo mostrou a importância do emprego da
água salinizada na produção de peixes de água doce. Esse fato
536
denota a necessidade de continuidade nas pesquisas relacionadas a
este manejo. Mais do que isso, o melhor conhecimento a respeito da
biologia, tolerância, fisiologia, morfologia, nutrição e
comportamento das espécies em ambientes salinos poderá
contribuir na produção de peixes de água doce, visando o bem estar
animal.
A salinidade pode atuar positivamente em várias etapas da
cadeia produtiva; no entanto, deve‐se tomar cuidado com as
alterações que o uso da água salinizada podem causar, uma vez que
a resposta é espécie‐específica e pode variar com o tempo de
aclimatação e o tamanho dos animais.
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543
CAPÍTULO 26
DELETERIOUS EFFECTS OF AMMONIA AND
NITRITE TO FISH AND CRUSTACEANS
Kleber Campos Miranda Filho1
Luiza Dy Fonseca Costa
INTRODUCTION
Many studies have been done in order to test the tolerance of
fish and crustaceans to ammonia and nitrite. Biological
investigations have focused on nitrogenous detoxification strategies
to cope with high ambient ammonia. In aquaculture, the tolerance to
nitrogenous compounds is imperative and toxicity testing are
usually performed before introduce an organism in captivity. In
aquatic culture system, food with high protein content is usually
employed for optimal growth of cultured organisms. Part of this
protein intake is assimilated and converted into animal protein, and
also used as metabolic fuel by fish. In turn, nitrogen derived from
unused protein can be lost as food waste or excreted as organic
nitrogen and inorganic nitrogen (Avnimelech, 2006; Baldisserotto,
2009). Unlike other biomolecules, nitrogen compounds from the
catabolism of proteins are not stored in the body and must be
excreted mainly as ammonia directly into the water through the
branchial epithelium (Evans et al., 2005). Other nitrogenous
substances may be excreted such as urea, nitrite, nitrate, creatine,
creatinine, or converted into carnitine, glutamine, trimethylamine
N‐oxide, and so on (Nelson & Cox, 2004).
In addition to excretion, ammonia can build up due to
mineralization of organic matter by microorganisms (heterotrophic
bacteria, protozoa, fungi) (Kamstra et al., 1996) and also by the use
Miranda‐Filho & Costa. Deleterious effects of ammonia and nitrite to fish and
crustaceans. In: Tavares‐Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil:
novas perspectivas. São Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
545
546
547
spread of blood to water), with minor contribution from urine, skin
and feces. Although branchial and dermal excretion of ammonia has
been studied for decades, some mechanisms remain obscure.
Recently, it was discovered the role of Rh glycoproteins mediating
the branchial excretion of NH3 or NH4+ in crustaceans and fish. Tsui
et al. (2009) described that high environmental ammonia exposure
can induce mRNA of those glycoproteins in trout. Also, Wright &
Wood (2009) reported this new paradigm for ammonia excretion
providing a different perspective on this area.
Independent of this recent assumption, the main form of
ammonia excretion occurs by unionized ammonia diffusion. This
process is CO2‐dependent because the NH3‐gradient across the gill
depends of the acidification of the boundary layer, transforming
NH3 into NH4+. Also, a minor amount of ammonium can leave the
gills in exchange for Na+ taken up from the water (Korsgaard et al.,
1995). Once excreted, ammonia continues to be a toxic substance,
because depending on the levels in the environment can affect the
excretion by branchial diffusive transport, possibly affecting the
growth or causing the mortality of organisms (Thurston & Russo,
1978).
Most fish cannot tolerate high concentrations of ammonia in
the environment, but some species are ammonia‐tolerant and have
strategies to avoid the ammonia toxicity, such as reducing ammonia
production from amino acid catabolism (e.g. ceasing the
consumption of food) (Ip et al., 2004; Randall et al., 1999) and/or
converting the ammonia to less toxic substances such as glutamine,
glutamate and urea (e.g. fish breathing air) (Peng et al., 1998). In
other teleostean fish, some adaptations to extreme environments are
observed such as, direct excretion of NH3 during air exposure in
“weather loach” Misgurnus anguillicaudatus (Tsui et al., 2002),
bimodal breathing, skin ammonia permeability and urea synthesis
in “marbled lungfish” Protopterus aethiopicus (Loong et al., 2007) and
active ammonium ion elimination by gill epithelium in “giant
mudskipper” Periophthalmodon schlosseri (Randall & Ip, 2006; Randall
& Tsui, 2002). Kajimura et al. (2004) reported that in rainbow trout
548
(Oncorhynchus mykiss), amino acids and proteins can be excreted by
gills and body mucus, respectively. Regnault (1987) described that
in decapod crustaceans around 10% of total excreted nitrogen also
occurs as an alternative form of amino acids.
The flow of ammonia through the gills is usually much
smaller than for oxygen or carbon dioxide (between 5 and 30%,
respectively). According to Randall & Ip (2006), a high volume of
ventilation is needed to ensure the removal of ammonia from the
body. On the contrary, high levels of ammonia are known for
increasing gill ventilation in fish (McKenzie et al., 1993; Zhang &
Wood, 2009), but changes in the blood pH can possibly be attributed
to this hyperventilatory effect.
In high ammonia environment, this compound can enter into
the body as NH3 because, as already mentioned, most biological
membranes are permeable to this form (Randall & Tsui, 2002).
However, most of the ammonia in the blood and tissues of fish is in
the form of NH4+ due to blood pH (Baldisserotto, 2009). The balance
between the two forms of ammonia is important to understand the
harmful effects on cultivated species.
In aquaculture, the problem with ammonia toxicity can occur
frequently. In modern recirculation aquaculture systems (RAS), if
the biofilters are not mature or badly built, the chance of sublethal
concentrations or even lethal levels of ammonia and nitrite be
reached is high (Espey, 2003). This translates into intense procedures
of monitoring water quality, making these systems more expensive
both, in investment as in operation (Avnimelech, 2006).
The zero water exchange/recycle aerobic heterotrophic
(ZEAH) system, or biofloc technology (BFT), works with intensive
and super‐intensive demands, but even with high density stocks, the
ammonia concentration is maintained in low levels due to dense
development of microorganisms. This heterotrophic community is
characterized by flocs, composed of bacteria cells imbedded in a
matrix sustained by high aeration. A Carbon:Nitrogen ratio must be
followed in order to equilibrate the system. An approximate
calculation of this ratio enables precise control of inorganic N in the
549
water, originated by excretion and food degradation. The input of
carbon is done by adding cheap sources like molasses, dextrose or
wheat bran when the ammonia concentration increases
(Avnimelech, 2009). Nitrite is usually a problem when BFT system is
initiated. In this case, two alternatives have been used, renovation or
addition of clean water and salt addition to minimize the toxic
effects of nitrite. In BFT system, the physic‐chemical parameters
must be monitored constantly, because growth or even mortality of
raised organisms may occur over a short period of time, in the case
of oxygen depletion or nitrogenous compounds toxicity, since high
densities of fish or shrimp and microorganisms are usually kept.
In the traditional aquaculture system, the water of the ponds
must be changed constantly to reduce the concentration of nitrogen
compounds, avoiding adverse effects on the animals cultivated
(Thurston & Russo, 1983).
NITRITE IN AQUATIC SYSTEM
In water, nitrite can occur in two forms: nitric acid (HNO2)
and nitrite ionized (NO2‐). The pH determines the balance between
these two forms in water and also the pKa = 3.35. Then, in acid pH (=
2.5) about 90% of the total is in the form of nitric acid. Increasing the
pH rises the percentage of nitrite. At pH 4.5, 90% is in the form of
nitrite and above pH 5.5 only the nitrite will be found in the water.
The nitric acid spreads freely in the gills, while the nitrite is
transported through the membrane by the branchial co‐
transportador Cl‐/HCO3‐, competing with chlorides (Baldisserotto,
2009). The reaction of ionization of nitrite is expressed as follows
(Colt & Armstrong, 1981):
HNO2 Ù H+ + NO2‐ (2)
In the nitrogen cycle, the nitrite is an intermediate product
during bacterial nitrification of ammonia to nitrate or bacterial
denitrification of nitrate. This compound can become quite toxic,
according to its concentration in the medium and with the stage of
550
551
552
553
TOXICITY OF AMMONIA
The ammonia toxicity in aquaculture is usually expressed as
sublethal effects: reduction growth of fish, predatory inhibition, loss
of immunocompetence, histological changes in gills, kidney, spleen,
thyroid tissues and blood plasma (Boyd, 1982; Hargreaves, 1998).
However, some studies with aquatic organisms deal with acute
exposure to ammonia (Bianchini et al., 1996; Cavalli et al., 1996;
Costa et al., 2008; Sampaio et al., 2002; Weirich & Riche, 2006a, b).
The acute toxicity tests are also used to determine the viability of the
species in aquaculture.
As already mentioned, unionized ammonia is very toxic even
at low concentrations and it can diffuse freely across cell
membranes. Usually, concentrations lower than 1 mg/L NH3‐N can
cause lethality in crustaceans and fish. The toxic effect of ammonia is
immediate, linear, and dose‐dependent (Lemarié et al., 2004).
Korsgaard et al. (1995) describe that ammonia exposure may lead to
the depletion of cerebral glutamate, and cerebral ATP, demanded
for the glutamine synthetase reaction.
In accordance to Randall & Tsui (2002), high concentrations
of NH4+ can displace K+, depolarizing nervous cells and causing
activation of NMDA (N‐methyl‐D‐aspartic acid) glutamate receptor
type, leading to excessive Ca2+ influx, and posterior cellular
apoptosis. Several authors (Hillaby & Randall, 1979; Ip et al., 2001;
Knoph, 1996) also describe some symptoms of ammonia poisoning
as hyperventilation, erratic swimming, jumps, loss of balance,
convulsions and death.
In the case of invertebrates, the toxic effects of ammonia,
such as damage to respiratory surfaces and changes in pH of the
hemolymph were described by Colt & Armstrong (1981). The gills
are involved in ammonia excretion and this process may be
hampered by high concentrations of external ammonia, generating
an increase in ammonia levels in the blood plasma and tissues.
Additionally, blood pH can be increased, affecting membrane
stability and the reactions catalyzed by enzymes (Colt & Armstrong,
1981; Maltby, 1995). Also in the gills, the Na+/NH4+ transport can be
554
impaired by the presence of ammonia in the external environment
(e.g. lobster Homarus americanus)(Young‐Lai et al., 1991). Moreover,
Spaargaren (1990) described that high concentrations of ammonia
were deleterious to the crab Carcinus maenas due to the requirement
of high energy associated with increasing active flow of salt.
The toxicity of ammonia to fish and crustaceans can vary
with other characteristics. Fish that are always swimming have
higher concentrations of ammonia, compared to sedentary fish. The
LC50 for sedentary fish is greater than for fish that are always active.
During exercise and stress, fish increase the production of ammonia
and they are more sensitive to exposure to external ammonia
(Randall & Tsui, 2002). These authors also described that feeding can
up‐regulate the activity of some enzymes in the muscle allowing
increased storage of ammonia as glutamine in the muscle and they
concluded that the fasting fish are more sensitive to external
ammonia than fed fish. During exercise or hypoxia, ammonia levels
are also increased and can be produced by deamination of AMP in
the muscle (Randall & Ip, 2006). However, a high ammonia
environment can interfere with normal locomotion of fish.
McKenzie et al. (2009) reported that exposure to sublethal ammonia
can affect the efficiency of swimming in golden gray mullet Liza
aurata by accumulation of this compound in venous plasma, white
muscle and brain tissue. The impairment of locomotory
performance can also be observed in salmonids (McKenzie et al.,
2003). Working with juvenile cobia Rachycentron canadum, Rodrigues
et al. (2007) found that the feeding behavior was compromised by
ammonia exposition, followed by locomotor problems and by
mortalities.
Low concentrations of dissolved oxygen increase the toxicity
of ammonia to crustaceans and fish. Allan et al. (1990) working with
two species of penaeid reported higher acute toxicity of NH3 at low
levels of dissolved oxygen (< 2.5 mg/L). Serafini et al. (2009)
investigated the combination of low dissolved oxygen and NH3
toxicity for juveniles “dourado” Salminus brasiliensis and observed
that when NH3 are around 1 mg/L, the dissolved oxygen should be
555
close to saturation. Furthermore, in hyperoxic conditions (110‐115%
O2 saturation) the tolerance to chronic concentrations of NH3 during
64 days exposition can increase in juvenile turbot (Scophthalmus
maximus). The growth was not impaired compared to the condition
of normoxia. The NOECs were defined for fish under normoxic and
hyperoxic conditions as 0.16 and 0.32 mg/L NH3‐N, respectively
(Foss et al., 2007).
Saltwater species seem to be more susceptible to ammonia
toxicity than freshwater species (Randall & Tsui, 2002). A possible
explanation could be the membrane permeability to both forms of
ammonia in saltwater species. According to USEPA (United States
Environmental Protection Agency), the average value of acute
toxicity caused by NH3 to 32 freshwater species is 2.79 mg/L NH3
compared with 1.86 mg/L NH3 for 17 saltwater species (USEPA,
1984, 1989). However, Soderberg & Meade (1992) reported that the
positive effects of increasing salinity on toxicity of NH3 are related to
increased levels of sodium and calcium, facilitating ammonia
excretion via exchange of NH4+ and Na+ across the membrane gill
and decreased membrane permeability to prevent the influx of NH3.
Weirich & Riche (2006b) also describe that increased levels of
chloride (Cl‐) and sodium (Na+) ions in the marine environment
influence on ammonia and nitrite toxicity for several species. Wilson
& Taylor (1992) found that rainbow trout (Oncorhynchus mykiss) can
excrete part of ammonia against high levels of ammonia in the
environment, both in freshwater and saltwater.
Comparing Tables 1 and 2, some details need attention. For
example, the tolerance to NH3 was generally higher in euryhaline
fish than in freshwater fish, e.g. salmon Oncorhynchus tshawytscha
(Harader & Alen, 1983), flounder Paralichthys orbignyanus (Bianchini
et al., 1996). High ammonia tolerance was also found in animals
exposed to increasing salinity levels, e.g. pompano Trachinotus
marginatus (Costa et al., 2008), mullet Mugil platanus (Sampaio et al.,
2002) and penaeid shrimps Penaeus simisulcatus (Kir & Kumlu, 2006)
and Litopenaeus vannamei (Lin & Chen, 2001). These elevated
capacities could be attributed to isosmotic point between the
556
557
558
Ostrensky
& Brugger
(1992)
Oncorhynchus Juveniles 9.6 2.2 ‐ Harader &
tshawytscha [NH3](24h) Allen (1983)
Oreochromis Juveniles 0.07 ‐ 44.67 [NO2‐ Yanbo et al.
niloticus ](96h) (2006)
Paralichthys Juveniles 30 0.67 [NH3‐ 30.57 [NO2‐‐ Bianchini et
orbignyanus N](96h) N](96h) al. (1996)
Penaeus Juveniles 33 1.53[NH3‐ 37.7 [NO2‐‐ Chen et al.
chinensis N](96h) N](96h) (1990a)
Penaeus Nauplii 35 0.5[NH3‐ ‐ Lin et al.
(Marsupenaeus) N](48h) (1993)
japonicus Zoeae 35 ‐
Myses 35 0.6 to ‐ Lin et al.
Postlarvae 35 0.7[NH3‐ ‐ (1993)
Juveniles 35 N](96h) ‐
0.9 [NH3‐
N](96h)
1.3 [NH3‐
N](96h)
3.1 [NH3‐
N](96h)
Penaeus Juveniles 34 1.69 [NH3‐ ‐ Allan et al.
monodon Juveniles 20 N](96h) 171 [NO2‐‐ (1990)
Juveniles 20 ‐ N](96h) Chen et
Nauplii 34 1.29 [NH3‐ 54.8 [NO2‐‐ al.(1990b)
Zoeae 34 N](96h) N](96h) Chen & Lei
Zoeae 34 ‐ 5 [NO2‐‐ (1990)
Myses 34 ‐ N](24h) Chen &
Postlarvae 34 ‐ 20.65 [NO2‐‐ Chin (1988)
‐ N](24h)
‐ 13.2 [NO2‐‐
N](48h)
8.3 [NO2‐‐
N](48h)
13.55 [NO2‐‐
N](96h)
Penaeus Juveniles 25 0.99 [NH3‐ 38.5 [NO2‐‐ Chen & Lin
penicillatus Juveniles 34 N](96h) N](96h) (1991)
1.11 [NH3‐ 40.9 [NO2‐‐
N](96h) N](96h)
Penaeus Juveniles 35 1.43 [NH3‐ ‐ Wajsbrot et
semisulcatus Postlarvae 15 N](96h) al. (1990)
Juveniles 20 0.34 [NH3‐ Kir &
Juveniles 25 N](96h) Kumlu
559
560
In addition, the crustaceans were more tolerant to ammonia
toxicity than fish (Table 1). The species showing the highest values
of LC50 for ammonia were Artemia sp., the white shrimp Litopenaeus
vannamei and the American lobster Homarus americanus , whereas the
highest values for fish were observed for turbot P. maxima and sea
bream Sparus aurata. In freshwater, Boudreaux et al. (2007) reported
elevated ammonia tolerance of Atractosteus spatula and a wide range
of tolerance to ammonia for different stages of development in
fathead minnows Pimephales promelas (Thurston et al., 1983)
(depicted in Table 2). In Table 1 is important to note the high
tolerance to ammonia by the rotifer Brachionus plicatilis. Despite
constituting the phylum Rotifera, these organisms have great
importance in aquaculture.
Table 2. Ammonia and nitrite toxicity to aquatic organisms in freshwater.
Species Stage Un‐ionized Nitrite LC50 References
ammonia LC50 (mg/L)
(mg/L)
Acipenser brevirostrum Fingerlings 0.58 [NH3‐ 11.3 [NO2‐‐ Fontenot et al. (1998)
N](96h) N](96h)
Anguilla anguilla Juveniles ‐ 143.7 [NO2‐‐ Kamstra (1996)
N](96h)
Atractosteus spatula Juveniles 4.3 [NH3‐N](96h) ‐ Boudreaux et al.
(2007)
Brycon cephalus Juveniles ‐ 0.86 [NO2‐‐ Avilez et al. (2004)
N](96h)
Cherax quadricarinatus Juveniles 0.98 [NH3‐ 25.9 [NO2‐‐ Meade & Watts
N](96h) N](96h) (1995)
Cirrhinus mrigala Juveniles ‐ 10.4 [NO2‐‐ Das et al. (2004)
N](96h)
Cyprinus carpio Fry 1.84 [NH3‐ ‐ Hasan & Macintosh
N](96h) (1986)
Ictalurus punctatus Juveniles 0.5 [NH3 ](96h) ‐ Colt &
Tchobanoglous (1976)
Juveniles 1.30 [NH3‐ ‐ Okelsrud & Pearson
N](96h) (2007)
Macrobrachium Larvae ‐ 8.6 [NO2‐‐ Armstrong et al.
rosenbergii Postlarvae 2.18 [NH3‐ N](96h) (1976)
N](72h)pH8.5 Straus et al. (1991)
Juveniles 1.45 [NH3‐
N](72h)pH9.0
2.02 [NH3‐
N](72h)pH9.0
561
0.54 [NH3‐
N](72h)pH9.5
Micropterus dolomieu Juveniles 0.69‐1.8 [NH3] ‐ Broderius et al. (1985)
(96h)
Mugil platanus Juveniles 0.58 [NH3‐ 1.5 [NO2‐‐ Sampaio et al. (2002)
N](96h) N](96h)
Oncorhynchus gilae Juveniles 0.47 [NH3‐ 10 [NO2‐‐ Fuller et al. (2003)
N](96h) N](96h)
Species Stage Un‐ionized Nitrite LC50 References
ammonia LC50 (mg/L)
(mg/L)
Oncorhynchus Juveniles 0.36 [NH3](24 h) Harader & Allen
tshawytscha (1983)
Oreochromis niloticus Larvae 1.01[NH3](48 h) ‐ Benli & Köksal (2005)
Juveniles ‐ 28.18 [NO2‐ Yanbo et al. (2006)
Juveniles 7.4[NH3](48 h) ](96h) ‐ Benli & Köksal (2005)
Paralichthys Juveniles 0.19 [NH3‐ 24.01 [NO2‐‐ Bianchini et al. (1996)
orbignyanus N](96h) N](96h)
Pimephales promelas Juveniles 0.75‐3.4 ‐ Thurston et al. (1983)
(0.1 to 2.3 g) [NH3](96h)
Polyodon spathula Juveniles 0.4 [NH3‐N](96h) ‐ Boudreaux et al.
(2007)
Prosopium williamsoni Juveniles 0.14‐0.47 ‐ Thurston & Meyn
[NH3](96h) (1984)
Salminus brasiliensis Juveniles 1.83 [NH3‐ Gazzola (2003)
N](96h)
Salmo trutta Juveniles 0.5‐0.7 ‐ Thurston & Meyn
[NH3](96h) (1984)
Tilapia aurea Juveniles 2.46 [NH3](48 h) ‐ Redner & Stickney
(1979)
As ammonia is very studied in aquaculture, data on chronic
effects to crustaceans and fish are described in the literature. Fish
exposed to chronic levels of ammonia showed weakness, irregular
ventilation, but without loss of balance or convulsions as observed
during acute toxicity tests, indicating a low poisoning by ammonia.
Person‐Le Ruyet et al. (1994) also reported that juveniles of P.
maxima exposed to ammonia for a period of 4‐7 weeks showed
maximum survival over concentrations of 0.4 mg/L of NH3‐N, and
this concentration was 15% of the LC50 96 h. In addition, Person‐Le
Ruyet et al. (1997) demonstrated that juveniles of turbot P. maxima
could survive to high concentrations of ammonia for about 28 days
with LC50 of 0.95 mg/L of NH3‐N and growth was stopped from 0.8
562
563
564
TOXICITY OF NITRITE
As ammonia, the high density of animals in aquaculture
systems can increase the concentration of nitrite causing direct
toxicity to organisms (Jensen, 2003). The nitrite absorbed through
the gill and intestinal epithelium may accumulate in the blood, gill,
liver, brain, spleen, muscle, and other tissues. Many species of fish
concentrate nitrite from the external environment in their blood,
presumably by active transport in the gills, by exchange of
chloride/bicarbonate performed by the chloride cells (Kamstra et al.,
1996). The elimination of nitrite by the gills and urine is described in
fish and crustaceans. Another route of elimination of endogenous
nitrite would be its oxidation to nitrate (Jensen, 1996, 2003).
Toxicity of nitrite is dependent on several factors. These
factors are related to water quality, exposure time, species
susceptibility, size and age (Jensen, 2003). Nitrite can cause blood
disorders, such as the reductions of total hemoglobin, hematocrit
and red blood cell counts, possibly reflecting a high concentration of
lactate (Moraes et al., 2006). The conversion of oxygen‐carrying
pigments in a non‐carrying one is the main toxic action of nitrite on
fish and crustaceans. This means that the toxicity of nitrite is a result
of oxidation of Fe2+ hemoglobin (ferrous state) in Fe3+ (ferric state),
producing non‐functional methehemoglobin or ferrihemoglobin
(Cheng & Chen, 2002; Jensen, 2003; Russo, 1985).
This reaction was described by Kosaka & Tyuma (1987) as:
4 Hb(Fe2+)O2 + 4 NO2– + 4 H+ = 4 Hb(Fe3+) + 4 NO3– + O2 + 2 H2O (4)
The methehemoglobin does not bind to oxygen, so the ability
of blood to carry it is reduced. Fish with high content of
methehemoglobin suffer hypoxia, cyanosis and hemolytic anemia,
due to reduced transport of oxygen to the tissues, so the
performance of swimming is reduced (Baldiserotto, 2002; Scarano &
Saroglia, 1984). This phenomenon can cause death by suffocation,
even with plenty of oxygen dissolved in water. However, the
amount of methehemoglobin affecting the normal behavior, growth,
565
or that cause mortality of organisms varies with the species and
environmental conditions (Bianchini et al., 1996; Jensen, 2003;
Weirich et al., 1993). Some fish are able to tolerate high levels of
blood methehemoglobin (Kamstra et al., 1996). According to
Kroupova et al. (2005), the auto‐oxidation of hemoglobin, forming
methemoglobin, usually occurs slowly and spontaneously in normal
red blood cells, even in the absence of nitrite.
In turn, aquatic animals exposed to high levels of nitrite can
usually recover from its effects when in water free of nitrite. The
detoxification mechanisms are still unclear, but there is a
proposition that NADP and NADPH methehemoglobin reductase
are responsible for the reduction of hemoglobin Fe3+ to Fe2+. In view
of this, the final level of methehemoglobin in the blood is the result
of the balance between oxidized and reduced forms (Lewis &
Morris, 1986).
Regarding crustaceans, the presence of nitrite in the aquatic
environment in high concentrations can cause hemolymphatic
problems. Likewise hemoglobin, the mechanism of nitrite toxicity
acts in the process of oxygen transport, i.e. nitrite binds to
hemocyanin in the hemolymph occupying the active site where
oxygen should connect. The oxidation of hemocyanin in
oxyhemocyanin prevents the transfer of oxygen to tissues, and
under this conditions, hypoxia may occur especially during the
ecdysis, when it increased oxygen consumption (Tahon et al., 1988).
Alcaraz et al. (1997) working with white shrimp postlarvae
Penaeus setiferus, reported that exposure to ammonia and nitrite can
decrease the ability to tolerate thermal stress.
In fish, an average of 2 mg/L NO2‐‐N as LC50 was compiled
from various species in the 80’s and, according to the authors, the
data were fairly uniform among species (Lewis & Morris, 1986). In
general, the toxicity of nitrite has been known as dependent on
water salinity. The relationship between nitrite and chloride
concentration is negatively linear and has been established that the
effect of chloride on the toxicity of nitrite is very significant (Lin &
Chen, 2003; Svobodová et al., 2005a). According to Grosell & Jensen
566
567
FINAL REMARKS
The tolerance to ammonia and nitrite may vary intra‐and
interspecifically and this variation, besides being linked to the
biology of the species, is also related to the conditions prevailing in
the surrounding environment. This review confirms that ammonia
and nitrite are of great importance in water quality due to their high
toxicity for fish and crustaceans. The information generated by
toxicity tests with ammonia and nitrite give us an idea of the main
mechanisms of action on aquatic organisms, and they can also
contribute to the selection of animals to be introduced in
aquaculture. According to the presented data, it becomes clear the
usefulness of toxicity tests in order to avoid deleterious effects with
crustaceans and fish, often used in aquaculture. In spite of this
proposal of safe levels of ammonia and nitrite for fish and
crustaceans, chronic studies must be performed either to confirm
them or to improve them.
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CAPÍTULO 27
ÁCIDOS E SAIS ORGÂNICOS NA AQUICULTURA:
SEUS EFEITOS NA NUTRIÇÃO E SAÚDE DE
ORGANISMOS AQUÁTICOS
Bruno Correa da Silva 1
Felipe do Nascimento Vieira
José Luiz Pedreira Mouriño
Walter quadros Seiffert
Norha Bolivar
Maurício Laterça Martins
INTRODUÇÃO
Com produção de aproximadamente 84 milhões de toneladas
em 2011, a aquicultura já é uma atividade relevante para a produção
mundial de proteína de origem animal. Dentre os continentes a Ásia
lidera com 90% dessa produção, com 76 milhões de toneladas de
pescado (FAO‐Fishstat, 2013). Contudo, a atividade vem
enfrentando em diversos segmentos (carcinicultura, piscicultura,
malacocultura) dificuldades para expandir a produção, dentre elas
as enfermidades.
Por esses motivos, o uso profilático de quimioterápicos com
intuito de prevenir mortalidades, ou como promotores de
crescimento é uma prática comum na aquicultura (Serrano, 2005).
No entanto, os quimioterápicos, entre eles os antibióticos, ocasionam
diversos problemas importantes que devem ser levados em
consideração. Por exemplo, apresentam toxicidade, principalmente
para as fases mais jovens (pós‐larvas e alevinos), podendo causar má
formação e imunodepressão (Baticados et al., 1990; Soto‐Rodriguez
& Armenta; Gomez‐Gil, 2006). Além disso, os resíduos de alimento e
Silva et al. Ácidos e sais orgânicos na aquicultura: seus efeitos na nutrição e saúde
de organismos aquáticos. In: Tavares‐Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura
no Brasil: novas perspectivas. São Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
579
fezes contendo antibiótico podem contaminar o solo do ambiente de
cultivo ou animais filtradores que se encontram neste ambiente. Esta
contaminação pode resultar no aparecimento de cepas resistentes,
entre elas, bactérias patogênicas para os animais aquáticos ou até
mesmo para os seres humanos (Skjermo & Vadstein, 1999;
Verschuere et al., 2000; Holmström et al., 2003; Cabello, 2006).
Devido a esses problemas a União Europeia proibiu, a partir
de janeiro de 2006, o uso de antibióticos na produção animal
(Lückstädts, 2006). No Brasil o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA, 2013) já proibiu o uso de diversos
antibióticos; cloranfenicol e nitrofuranos (IN nº 09, 27/06/2003),
quilononas e sufonamidas (IN nº 26, 9/07/2009), espiramicina e
eritromicina (IN Nº 14, 17/05/2012); como aditivo alimentar na
produção animal. Com isso, há um aumento nas buscas por
substâncias alternativas aos antibióticos que atuem na inibição de
patógenos, prevenindo enfermidades, bem como promotores de
crescimento (Lim et al., 2010). Dentre essas substâncias destacam‐se
os probióticos, fitoterápicos e ácidos orgânicos.
Estudos com cepas de bactérias ácido‐láticas comprovaram
que seu potencial de inibição contra bactérias patogênicas se deve
muito pela produção de ácidos orgânicos, como o ácido acético e
láctico (Vazquez & Gonzalez; Murado, 2005). Contudo, relatos de
estudos com ácidos orgânicos ou seus sais na aquicultura são
recentes. Os ácidos orgânicos exercem efeitos sobre o desempenho
zootécnico dos animais durante os cultivos através de mecanismos
distintos, que serão abordados no tópico a seguir.
EFEITOS DOS ÁCIDOS ORGÂNICOS NA DIETA E NOS
ANIMAIS
Os ácidos orgânicos exercem diferentes efeitos na dieta, no
trato intestinal e metabolismo do animal cultivado (Tabela 1).
580
Tabela 1. Efeitos dos ácidos orgânicos e seus sais na nutrição animal.
Adaptado de Lückstädts (2008).
Local de ação Forma efetiva Efeitos
Redução do pH
Dieta H+ Desnaturação de proteínas
Redução no crescimento microbiano
Efeito antibacteriano
H+ e Ânion
Mudança na microbiota do trato
Trato intestinal Redução no pH do estômago e duodeno
H+
Aumento da atividade de pepsina
Disponibilização de cátions
Ânion
(Ca2+, Mg2+, Fe2+, Cu2+ , Zn2+)
Metabolismo H+ e Ânion Fonte de energia
H+: Forma não ionizada. Ânion: Forma ionizada.
Efeitos na dieta
Na dieta, os ácidos orgânicos funcionam como agentes de
conservação, reduzindo o pH do alimento, inibindo o crescimento
microbiano e diminuindo a absorção de organismos patogênicos
(Lückstädts, 2007). Estes compostos também podem ser utilizados
na elaboração de silagem de pescados, trazendo efeitos benéficos,
como o auxílio na digestão das proteínas pela redução do pH, que
em valores baixos são desnaturadas, aumentando a área de atuação
das enzimas (Lückstädts, 2008). Eles também podem ser utilizados
para modificar o pH das dietas e levá‐las a valores de pHs desejados
para um melhor aproveitamento dos nutrientes. Contudo, são
escassos os estudos avaliando o efeito de diferentes valores de pHs
em dietas para animais aquáticos.
Efeito antimicrobiano no trato intestinal
No trato intestinal dos animais, os ácidos orgânicos inibem o
crescimento de bactérias, principalmente as gram‐negativas. Os
ácidos na sua forma não ionizada penetram pela parede das
bactérias e liberam prótons no citoplasma, onde estas consomem
uma grande quantidade de ATP para exportar os prótons, tentando
manter o equilíbrio do pH intracelular. Esse gasto de ATP resulta
581
em depleção de energia celular e posteriormente a morte (Figura 1).
(Lückstädts, 2008, Defoirdt et al., 2009).
pKa = 4,7
CH3(CH2)2COO‐ CH3(CH2)2COOH
pH (1)
difusão
(2)
(3)
H+
Figura 1. Mecanismo da atividade bacteriostática de ácidos orgânicos (ácido
butírico, como exemplo). Os ácidos orgânicos na sua forma indissociável
atravessam a membrana celular (1), e dissociam‐se no citoplasma (2).
Consequentemente, as bactérias têm que gastar energia para exportar o excesso de
prótons (3). Adaptado de Defoirdt et al. (2009).
Apesar desta ser a forma mais citada por diversos autores, a
liberação de prótons no citoplasma não é o único mecanismo de
inibição dos ácidos orgânicos. Outro mecanismo bem conhecido na
ecologia microbiana do solo é a liberação de ácidos orgânicos, como
citrato, malato e oxalato, pelas bactérias presentes em simbiose nas
raízes das plantas leguminosas. Estes ácidos orgânicos formam
complexos quelantes com os minerais, principalmente com o ferro,
competindo assim com sideróforos produzidos por bactérias
patogênicas, limitando a disponibilidade destes micronutrientes
paras estas bactérias, inibindo consequentemente seu crescimento
(Jones, 1998; Cardoso & Nogueira, 2007).
Efeito no metabolismo
No metabolismo animal, os ácidos orgânicos também podem
afetar a ação de enzimas digestivas, como a pepsina, através da
redução do pH da dieta (Lückstädts, 2008), ou ainda, a presença destes
582
ácidos ou seus sais podem alterar a atividade in vitro de tripsina e
quimotripsina de camarão marinho L. vannamei (Nolasco, 2013).
Ainda podem servir como fonte de energia para o animal, pois
são componentes de diversas rotas metabólicas. Enquanto o ácido
láctico pode promover a disponibilização rápida de piruvato, o
ácido cítrico ou fumarato podem entrar como intermediário do ciclo
de Krebs, em condições específicas, ou formar acetil‐CoA para
iniciar a síntese de ácidos graxos. Ainda, os ácidos graxos de cadeia
curta, como o butirato, podem ser direcionados para produzir
energia pelo ciclo dos ácidos carboxílicos, assim como outros ácidos
graxos de cadeia longa (Figura 2) (Lehninger; Nelson & Cox, 2007).
Lactato Piruvato
Ácidos graxos Acetil‐CoA
Citrato
Ciclo
de
Krebs
Fumarato
Figura 2.Desenho esquemático das participações dos ácidos graxos de cadeia curta
no metabolismo animal.
Efeitos na disponibilidade de minerais
Outros estudos com ácidos orgânicos relatam a ação destes no
aumento da disponibilização e digestibilidade de minerais, podendo
reduzir a excreção de fósforo (P) e nitrogênio (N), diminuindo a
carga de resíduos de efluentes da aquicultura (vide revisão de
Pandey & Satoh, 2008).
De acordo com a origem da fonte proteica, pode ocorrer
inibição da absorção de minerais, devido à presença do fitato e
fosfato tricálcico em ingredientes de origem vegetal. Esses inibidores
atrapalham na absorção do N e P, além de vários outros minerais,
como potássio (K), magnésio (Mg), cálcio (Ca), zinco (Zn), ferro (Fe)
583
e cobre (Cu), que também fazem parte dos agrupamentos (Leiner,
1994; Baruah et al., 2007; Pandey & Satoh, 2008). A melhoria na
digestibilidade dos minerais devido à utilização de ácidos orgânicos
ou seus sais pode ocorrer de três formas: (i) baixa do pH, resultando
em uma maior dissociação dos compostos minerais, (ii) redução da
taxa de esvaziamento do estômago, e (iii) a formação de complexos
minerais quelados, que são facilmente absorvidas no intestino
(Hossain et al., 2007).
USO DE ÁCIDOS ORGÂNICOS E SEUS SAIS NA PRODUÇÃO
ANIMAL
Durante a última década, houve maior compreensão sobre a
importância da microbiota intestinal de animais aquáticos em relação a
sua nutrição e saúde. Há evidências de que a complexa ecologia
microbiana do intestino fornece benefícios nutricionais e proteção
contra patógenos. Devido a este fato, é crescente o número de trabalhos
avaliando os efeitos dos aditivos alimentares com intuito de promover
melhorias na digestão de nutrientes, na saúde e no desempenho
zootécnico dos animais (Encarnação, 2010). Por esses motivos, houve
aumento de pesquisas com os ácidos orgânicos e seus sais nos últimos
anos, sendo o diformiato de potássio (KDF), a primeira substância
aprovada pelo Conselho Europeu para uso como promotor de
crescimento não antibiótico na produção animal (NG et al., 2010).
A suplementação de dietas com ácidos orgânicos para aves e
suínos já foi amplamente estudada, com resultados consistentes. O
uso de misturas de ácidos orgânicos e inorgânicos é comum em
dietas para as fases pré e pós‐desmame de suíno, com o objetivo de
auxiliar a digestão proteica e controlar a proliferação bacteriana
intestinal. Os ácidos orgânicos resultam em maior consumo da dieta,
maior crescimento, além de benefícios à mucosa intestinal, similar a
ação dos antibióticos promotores de crescimento. Possivelmente, a
inibição da colonização por microrganismos traga benefícios à
mucosa intestinal favorecendo a estrutura das vilosidades. Esse
efeito pode ser ocasionado pela redução das perdas por descamação,
causado pelas toxinas de bactérias patogênicas, proporcionando
584
aumento do tamanho de vilosidades e, consequentemente, maior
área de absorção de nutrientes e saúde dos animais (Partanen &
Mroz, 1999; Viola & Vieira, 2007).
Em suínos, a suplementação dietética de diferentes ácidos
orgânicos têm mostrado melhorias em diversos parâmetros
analisados. A suplementação de ácido benzóico aumentou o ganho
de peso, o consumo alimentar e a digestibilidade do nitrogênio total
(Halas et al., 2010). Outro estudo com ácido fórmico aumentou a
eficiência da fitase na absorção do fósforo (Blank et al., 2012). A
suplementação de 0,3% de butirato de sódio para reprodutores
durante a gestação de suínos melhorou os parâmetros zootécnicos
de leitões (Lu et al., 2012).
Na produção de frango de corte a suplementação com butirato
de sódio melhorou a imunidade e o ganho de peso (Zhang et al.,
2011). Em outros estudos a suplementação de 2‐3% de ácido
butírico, fumárico ou lático na engorda de frangos aumentaram o
ganho de peso e a altura das vilosidades intestinais (Adil et al., 2010,
2011).
O uso do ácido butírico ou butirato de sódio para melhoria da
saúde intestinal é destaque no meio científico, e seus efeitos em
animais terrestres e humanos são mais estudados. O butirato, além
de fornecer energia para as células epiteliais, aumenta a proliferação
e diferenciação destas células aumentando a altura das vilosidades
intestinais (Galfi & Bokori, 1990). Na revisão de Hamer et al. (2008)
sobre a função do butirato na saúde do colón intestinal de humanos,
os autores citam que ele possui efeitos na inibição da carcinogênese
do cólon, efeito anti‐inflamatório, inibe o estresse oxidativo,
aumenta as barreiras de defesa do intestino e aumenta a saciedade.
Nos últimos anos, diversos aditivos alimentares comerciais
foram desenvolvidos, possuindo diferentes ácidos orgânicos ou seus
sais como princípio ativo. Dentre as grandes empresas que possuem
estes produtos estão a Biomin, Nutri‐Ad e Novus. Muitos desses
produtos são constituídos de misturas de diferentes ácidos e sais
orgânicos e inorgânicos, além de fitoterápicos e imunoestimulantes
(Tabela 2).
585
Tabela 2 – Produtos comerciais derivados e ácidos/sais orgânicos.
Nome Marca Princípio ativo
FORMI ADDCON Diformiato de potássio (KDF)
FORMI NDF ADDCON Diformiato de sódio
XF Superfine ADDCON Propionato de cálcio e formiato de cálcio
Ácido fórmico, formiato de amônia, ácido
ADDCON XNC ADDCON
propiônico e ácido láctico.
Butirato de sódio protegido por extrato
Adimix CP Nutri‐Ad
proteico vegetal
Ácido cítrico, ácido sórbico, propionato de
MOLD‐NIL MC Dry Nutri‐Ad cálcio, sulfato de cálcio, cloreto de sódio e
dióxido de silício
Ácido fórmico, ácido cítrico e butirato de
Adimix Plus Coated Nutri‐Ad sódio, encapsulados por ácidos graxos
vegetais
Ácido fosfórico, ácido fórmico, ácido
Ultracid Plus Nutri‐Ad cítrico,ácido fumárico, formiato de cálcio e
dióxido de silício
Ácido fórmico, ácido acético, ácido cítrico,
Salmo‐Nil MC Dry Nutri‐Ad ácido propiônico, sulfato de cálcio, cloreto de
sódio e dióxido de silício
Butirato de sódio encapsulado por ácidos
Adimix MR Coated Nutri‐Ad
graxos vegetais
Butirato de sódio protegido com extratos
CM3000 Vetanco
vegetais e óleo de palma
Biotronic SE Biomin Ácido fórmico e ácido propiônico
Biotronic Multi Biomin Ácido fórmico, ácido propiônico, ácido láctico,
ácido cítrico e ácido sórbico
Biotronic GutPower Biomin Ácido butírico, caprílico e ácido cáprico
Activate DA Novus Ácido fumárico, ácido benzóico e HMTBa1 de
cálcio
MERA Cid Novus Ácido fórmico, formiato de amônio e ácido
propiônico
Acidomix Novus Ácido fórmico, ácido propiônico, ácido láctico
e ácido fumárico
Gustor B 92 e Gustor Norel Butirato de sódio
B 95
Gustor B 90 Norel Butirato de sódio aromatizado (coco e
Flavoured morango)
Gustor Coated Norel Butirato de sódio microencapsulado com óleo
de palma
Gustor BP 70 Norel Butirato de sódio protegido com óleos vegetais
1 2‐hidróxi‐4‐metil‐tio‐butanóico.
Entre os ácidos orgânicos mais utilizados comercialmente
estão o ácido fórmico, propiônico, láctico, butírico e cítrico. Alguns
destes produtos possuem revestimentos derivados de óleos vegetais,
586
que possibilitam a liberação do seu princípio ativo somente no
intestino dos animais cultivados. Além disso, na aquicultura, esses
revestimentos ajudam a proteger contra a lixiviação dos ácidos ou
sais orgânicos.
USO DE ÁCIDOS ORGÂNICOS E SEUS SAIS NA
AQUICULTURA
Recentemente, iniciaram‐se os estudos sobre o uso dos ácidos
orgânicos e seus sais em animais aquáticos (Tabela 3). Os primeiros
estudos com a suplementação de sais orgânicos na dieta de animais
aquáticos foram publicados nos anos 90, mostrando resultados
promissores em salmão (Salvelinus alpinus). Ringo (1991) e Ringo;
Olsen & Castell (1994) observaram que a adição de 1% de lactato na
alimentação do salmão aumentou o crescimento e a eficiência
alimentar, diminuiu a ocorrência de diarréia durante o cultivo e não
alterou a qualidade da carne do filé.
Além da melhoria nos parâmetros zootécnicos, nos últimos
anos diversos artigos relatam também a maior disponibilidade de
minerais com o uso dos ácidos orgânicos. A adição de ácido fórmico
na dieta (0,4 e 1%) para truta arco‐íris (Oncorhynchus mykiss) reduziu
o pH intestinal e aumentou a digestibilidade aparente dos minerais
fósforo (P), magnésio (Mg) e cálcio (Ca) (Vielma & Lall, 1997). Para
carpa rohu (Labeo rohita), que é um peixe agástrico, a suplementação
com ácido cítrico (3%) resultou em aumento da disponibilidade de
minerais na dieta e consequentemente aumentou a mineralização
óssea, principalmente nas dietas com níveis de proteínas abaixo da
exigência para esta espécie (Baruah et al., 2005, 2007).
Tabela 3 – Sumário de estudos com ácidos orgânicos e seus sais na
aquicultura.
Tipo e forma
% dieta Espécie Resultado Referência
do ácido
Melhora do crescimento e Ringo (1991);
Salvelinus
Lactato 1% conversão alimentar, Ringo et al.
alpinus
diminuição da diarréia. (1994)
Oncorhynchus Aumento da digestibilidade Vielma & Lall
Ácido fórmico 0,4 e 1%
mykiss de P, Mg e Ca. (1997)
587
Formiato + Gao et al.
1% O. mykiss Não houve efeitos benéficos.
butirato (2:1) (2011).
Ácido
Mudança na microbiota Jaafard et al.
propiônico 30% 0,6% O. mykiss
intestinal. (2013)
+ fórmico 20%
Aumento da digestibilidade
Diformiato de de lipídeos, cinzas, Morken et al.
1% O. mykiss
sódio (NaDF) proteínas, e aminoácidos (2011)
essenciais.
Não alterou a
digestibilidade, mas
Diformiato de Morken et al.
1,2% Salmo salar diminuiu a expansão do
potássio (KDF) (2012)
pelete e aumentou a dureza
e durabilidade da dieta.
Melhoria do ganho de peso
e conversão, diminuição do
Polihidroxibuti‐ Dicentrarchus Schryver et
2 a 5% pH intestinal, e alteração da
rato (PHB) labrax al. (2010)
comunidade bacteriana
intestinal.
Aumento do ganho de peso
Butirato Robles et al.
0,3% Sparus aurata e alteração do perfil
protegido (2013)
metabólito do intestino.
Ácido cítrico,
102 a Oreochromis Mudanças na atratividade Xie et al.
láctico, acético
106M niloticus da dieta. (2003)
e metacetônico
Mistura (ácido
Aumento do ganho de peso
fórmico, láctico, Tilápia Koh et al.
1% e diminuição de bactérias
málico, cítrico e hibrida (2014)
intestinais.
tartárico)
Aumento da sobrevivência
Mistura de 0,1 a Tilápia frente a S. agalactiae nos Ng et al.
ácidos e KDF 0,3% hibrida peixes suplementados com (2009)
0,2%KDF.
As suplementações de 0,2%
0,1 a Oreochromis e 0,3% melhorou ganho de Abu Elala &
KDF
0,3% niloticus peso, conversão, consumo e Ragaa (2014)
taxa de eficiência proteica.
A concentração de 0,6%
0,3 a Tilápia aumentou o ganho de peso e Zhou et al.
KDF
1,2% hibrida modificou a microbiota (2009)
intestinal.
Aumento da Baruah et al.
Ácido cítrico 3% Labeo rohita
disponibilidade de minerais. (2005, 2007)
Sarker et al.
Melhora do ganho de peso,
(2005);
Ácido cítrico 1 e 3% Pagrus major conversão e retenção de N e
Hossain et al.
P.
(2007)
588
Khajepour &
Aumento da retenção de Ca
Ácido cítrico 2 e 3% Huso huso Hosseini
e P.
(2012a)
Aumento de ganho de peso Khajepour &
Ácido cítrico 3% H. huso e melhoria de conversão e Hosseini
digestibilidade. (2012b)
Seriola Sarker et al.
Ácido cítrico 0,5 e 1% Melhoria da retenção de P.
quinqueradiata (2012a, 2012b)
Ácido acético +
fórmico; ácido
benzóico+ Aumento do ganho de peso Goosen et al.
1% Haliotis midae
sórbico; e comprimento. (2011)
benzoato +
sorbato
Fórmico,
acético,
20mM Artemia Aumento da sobrevivência Defoirdt et al.
propiônico,
na água franciscana frente à Vibrio campbellii. (2006)
butírico e
valérico
100mM Aumento da sobrevivência Defoirdt et al.
PHB A.franciscana
na água frente à Vibrio campbellii. (2007)
100mg/L
+ Aumento da sobrevivência Liu et al.
PHB A.franciscana
Probióti‐ frente à Vibrio campbellii. (2010)
co
Melhora da sobrevivência e
desenvolvimento larval, e
Via Macrobrachium Nhan et al.
PHB diminuição de bactérias
artêmia rosenbergii (2010)
totais e de Vibrio sp. nas
larvas.
Citrato de Marsurpenaeus Lückstädts
0,5% Aumento do crescimento.
sódio japonicus (2008)
Formiato de Penaeus Lückstädts
0,25% Aumento da sobrevivência.
cálcio monodon (2008)
Acetato,
butirato,
citrato, Mudanças na atratividade, Silva et al.
2% L. vannamei
formiato, consumo e digestibilidade. (2013)
propionato,
lactato
Todas concentrações de
butirato e propionato
aumentaram o ganho de
Propionato e peso. A suplementação de Silva et al.
0,5 a 2% L. vannamei
Butirato 2% butirato aumentou (2014)
sobrevivência, retenção de
nitrogênio e modificou a
microbiota intestinal.
589
A suplementação de 0,2%
melhorou o ganho de peso e
0,1 a Su et al.
Ácido cítrico L. vannamei conversão, aumentou
0,5% (2014)
protease intestinal e
parâmetros imunológicos.
Mix (ácido
Aumento da sobrevivência
fórmico, Jueliang et al.
0,12% L. vannamei do cultivo e após desafio
benzoico e (2013)
com V. harveyi.
HMTBa)
Estudos com o pargo vermelho (Pagrus major) mostraram que
o uso de ácido cítrico nas concentrações de 1% a 3% favorece a
melhoria no crescimento dos peixes, a taxa de conversão alimentar e
a absorção e retenção de N e P. (Sarker et al., 2005; Hossain et al.,
2007). Os autores destes estudos relacionaram o uso do ácido cítrico
com a redução do potencial de poluição ambiental dos resíduos nos
cultivos de pargo vermelho, desenvolvendo assim dietas
ecologicamente amigáveis.
Já esturjões europeus (Huso huso) alimentados com dieta
suplementada com 2 e 3% de ácido cítrico apresentaram maiores
retenções no músculo de Ca e P, que foi atribuído pelos autores a
dois fatores: (i) o efeito da redução de pH da dieta havendo maior
solubilização destes compostos, e (ii) o efeito da quelação do Ca e P
pelo ácido cítrico (Khajepour & Hosseini, 2012a). Olhete (Seriola
quinqueradiata) alimentado com dietas suplementadas com 0,5% e
1% de ácido cítrico também apresentaram aumento na retenção de P
(Sarker et al., 2012a, 2012b).
Trutas arco‐íris alimentadas com dieta suplementada com 1%
de diformiato de sódio (NaDF) apresentaram aumento na
digestibilidade de lipídeos, cinzas e proteínas, além de todos os
aminoácidos essenciais e não essenciais com exceção da fenilalanina.
Além disso, o NaDF também aumentou a estabilidade da ração
(Morken et al., 2011). Contudo, a suplementação de 1,2 % de KDF
não alterou a digestibilidade da dieta para o salmão do Atlântico
(Salmo salar) (Morken et al. 2012).
Em um estudo com tilápias híbridas (Oreochromis sp.) não foi
observada diferença no pH da dieta incluindo concentrações de
0,1% a 0,3% de uma mistura de ácidos orgânicos (não especificada) e
590
consequentemente os autores não observaram diferença nos
parâmetros zootécnicos e na digestibilidade aparente de proteína,
lipídeo e fósforo (NG et al., 2009). Por outro lado, as tilápias
alimentada com dieta suplementada com 0,6% de KDF
apresentaram aumento no ganho de peso e alteração da microbiota
intestinal (Zhou et al, 2009). A tilápia‐do‐nilo (Oreochromis niloticus)
também apresentou melhorias nos parâmetros zootécnicos, como
ganho de peso e conversão alimentar, após suplementação com 0,2 e
0,3% de KDF (Abu Elala; Ragaa, 2014).
Gao et al. (2011) não observaram alterações no crescimento e
na digestibilidade de macronutrientes e aminoácidos da truta arco‐
íris alimentadas com dieta suplementada com uma mistura de 1%
de formiato e butirato de sódio. Já o uso de dieta suplementada com
0,6% de uma mistura contendo os ácidos propiônico e fórmico
resultou em alterações na microbiota intestinal em trutas arco‐íris
(Jaafard et al., 2013).
A atratividade das dietas pode também pode ser alterada
pelos ácidos orgânicos. Xie et al. (2003) observaram efeitos atrativos
para tilápias‐do‐nilo alimentadas com dietas suplementadas com
ácidos cítrico e láctico, enquanto o ácido acético e metacetônico
tiveram efeitos repulsivos.
Todavia, os ácidos orgânicos podem interferir na saúde
animal, sendo alternativa importante para substituição de
quimioterápicos (Defoirt et al., 2011). Alguns estudos relatam o
aumento da sobrevivência de animais aquáticos suplementados com
ácidos orgânicos e desafiados com bactérias patogênicas. Estudos
com tilápias híbridas (Oreochromis sp.) suplementadas com 0,1% de
KDF demonstraram uma diminuição na taxa de mortalidade das
tilápias, após desafio com Streptococcus agalactiae, de 58,3% para
16,6% (NG et al., 2009).
Estudos com artêmias (Artemia franciscana) demonstraram que
a utilização de 20 mM dos ácidos fórmico, acético, propiônico,
butírico e valérico na água de cultivo das artêmias aumentaram a
sobrevivência após desafio com Vibrio campbellii (Defoirdt et al.,
2006).
591
Mudanças metabólicas também podem ser observadas com a
utilização de ácidos orgânicos ou seus sais como aditivos
alimentares. Estudo com dourada (Sparus aurata) alimentada com
dieta suplementada com 0,3% de butirato de sódio, protegido com
óleo de dendê, mostrou aumento de vários metabólitos no intestino,
como nucleotídeos e derivados, aminoácidos essenciais e
intermediários da glicólise, além do aumento no ganho de peso dos
animais (Robles et al., 2013).
Porém, a grande desvantagem do uso dos ácidos orgânicos ou
seus sais na aquicultura é que eles possuem alta solubilidade em
água, havendo grande lixiviação na ração, necessitando assim de
grandes quantidades para manter sua eficiência (Defoirdt et al.,
2011). Com isso, surgiram estudos testando os polímeros
polihidroxialconoatos, sendo o polihidroxibutirato (PHB, polímero
biodegradáveis de ácido butírico) o mais comumente estudado.
Curiosamente, vários estudos forneceram evidências de que estes
polímeros podem ser degradados no trato gastrintestinal dos
animais e, com isso, resultar em efeitos de biocontrole semelhantes
aos descritos para os ácidos orgânicos (Defoirdt et al., 2009).
Schryver et al. (2010) observaram que a adição de 2 e 5% de
PHB na dieta de juvenis de robalo europeu (Dicentrarchus labrax)
aumentou o ganho de peso, melhorou a conversão alimentar,
diminuiu o pH do intestino, e alterou a comunidade bacteriana do
trato intestinal dos peixes.
Alguns estudos com PHB também relatam seu efeito positivo
em crustáceos. Defoirdt et al. (2007) observaram aumento da
sobrevivência de artêmias desafiadas com V. campbellii, cultivadas
com adição de PHB na água. Larvas do Macrobrachium rosenbergii,
camarão gigante da Malásia, alimentadas com artêmias enriquecidas
com PHB e ácidos graxos poliinsaturados (PUFAs) apresentaram
melhores resultados de sobrevivência e desenvolvimento larval,
além de apresentarem uma menor contagem de bactérias totais e de
Vibrio spp. (Nhan et al., 2010).
Todavia, é possível aumentar a eficiência da utilização do PHB,
fornecendo na dieta bactérias ditas como probióticas que possuem
592
alto potencial de degradação dessa molécula. Com este intuito foram
isoladas cepas degradadoras de PHB de três espécies: esturjão
siberiano (Acipenser baerii), robalo europeu (D. labrax) e camarão
gigante da Malásia (M. rosenbergii). As duas melhores cepas de cada
espécie que apresentaram maior potencial de degradação de PHB em
testes in vitro, foram selecionadas para testes in vivo com artêmia.
Quando colocadas em conjunto com PHB às cepas isoladas do robalo
europeu e do camarão gigante da Malásia aumentaram a
sobrevivência de artêmias desafiados com V. campbellii (Liu et al.,
2010).
Na carcinicultura, estudos com suplementação de ácidos/sais
orgânicos são ainda mais recentes. Segundo Lückstädts (2008), até
este ano havia apenas relatos de dois trabalhos. Tung et al. (2006,
apud Lückstädts, 2008) relatou que a adição de 0,5% de citrato de
sódio com lactobacilos inativados impulsionou o crescimento do
camarão Masurpenaeus japonicus. Outro estudo sugere que a dose de
0,25% de formiato de cálcio pode aumentar a sobrevivência do
Penaeus monodon em fazendas de Taiwan (Lückstädts, 2008).
Mais dois estudos foram relatados em revistas de divulgação
técnica. Penaeus monodon alimentado com dieta suplementada com
0,1% de produto comercial composto por 30‐40% de butirato de
sódio protegido com óleos vegetais, apresentou melhorias na
digestibilidade da matéria seca, energia e proteína bruta e, em
cultivo, aumentou 9% do ganho de peso e 3% da sobrevivência
(Nuez‐Ortin, 2011). Já juvenis de Litopenaeus vannamei alimentados
com dieta suplementada com 0,5% de KDF apresentaram valores
superiores de ganho em peso e sobrevivência, apresentando no final
uma produtividade de 19,5% maior em relação aos camarões
alimentados com dieta não suplementada (Kühlmann &
Jintasataporn; Lückstädt, 2011).
Alguns autores por meio de ensaios in vitro sugeriam que o
uso de alguns ácidos orgânicos, como ácido fórmico, acético,
propiônico e butírico, inibe o crescimento de víbrios patogênicos
para camarões marinhos (Mine & Boopathy, 2011; Adams &
Boopathy, 2013).
593
Silva et al. (2013) observaram o potencial de seis sais de sódio
(acetato, butirato, citrato, formiato, l‐lactato, propionato) como
aditivos alimentares de L. vannamei através de ensaios de inibição de
patógenos in vitro, contagem bacteriológica da microbiota intestinal,
atratividade, consumo e digestibilidade das dietas suplementadas
com estes sais orgânicos. Os autores relataram boa atividade
inibitória de vibrios para acetato, butirato, formiato e propionato.
Além disso, o butirato apresentou efeito atrativo na dieta e aumento
de consumo, enquanto o propionato apresentou aumento na
digestibilidade de fósforo e energia. Os mesmos autores observaram
na engorda de L. vannamei em água clara, que a suplementação
dietética de propionato e butirato de sódio em diferentes
concentrações modifica a microbiota intestinal e melhora o
crescimento do camarão marinho. Além disso, a suplementação do
butirato de sódio melhora a retenção de nitrogênio, taxa de
eficiência proteica, e título de aglutinação do soro, melhorando
consequentemente a eficiência alimentar, sobrevivência e
produtividade (Silva et al., 2014). Além disso, a suplementação de
butirato de sódio melhorou a sobrevivência do cultivo de L.
vannamei em sistema superintensivo de bioflocos (250 camarões/m³),
além de aumentar o número de hemócitos e alterar a microbiota
intestinal (Silva et al., 2013).
O fumarato de sódio também mostrou potencial como
promotor de crescimento para camarões marinho, aumentando a
digestibilidade in vitro de proteína e aumentando o consumo e
ganho de peso após suplementação dietética de 1,17% (Nolasco,
2013). Assim como o ácido cítrico, onde 0,2% de sua suplementação
na dieta de camarões melhorou o ganho de peso e conversão, além
de aumentar a protease intestinal e parâmetros imunológicos (Su et
al., 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos com ácidos e sais orgânicos merecem mais
estudados e avaliação na aquicultura, tanto in vitro como in vivo,
594
para melhoria do estado de saúde dos animais expostos a condições
adversas que algumas vezes podem levar a imunossupressão.
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599
CAPÍTULO 28
O USO DE PIRETROIDES NA PISCICULTURA:
PERSPECTIVAS E RESTRIÇÕES
Gilberto Moraes1
Fernanda Dias de Moraes
Francine Perri Venturini
Priscila Adriana Rossi
Ive Marchioni Avilez
Camila Aparecida Pigão Soares
INTRODUÇÃO
Inseticidas piretroides e seus mecanismos de ação
Os piretroides formam o grupo de inseticidas sintéticos
derivados estruturalmente das piretrinas, inseticidas naturais
extraídos da planta Chrysanthemum cinerariaefolium. Embora as
piretrinas possuam propriedade inseticida, essas moléculas são
sensíveis à luz e ao ar, caracterizando‐se como inseticidas com
efetividade limitada na agricultura e no controle domissanitário
(Elliott, 1976; Soderlund et al., 2002). O primeiro piretroide foi a
aletrina, desenvolvido por Schechter, Green & La Forge, em 1949.
Entretanto, o primeiro comprovadamente eficiente para uso agrícola
devido à sua maior fotoestabilidade foi a permetrina. Desde então,
muitos outros piretroides foram sintetizados, tais como a
tetrametrina, fenvalerato, bifentrina, deltametrina, cipermetrina e
lamba‐cialotrina (Elliott, 1976; Soderlund et al., 2002).
A adição do grupo α‐ciano no radical álcool dos piretroides,
produziu compostos com maior capacidade inseticida que a
permetrina e com semelhante fotoestabilidade. Assim, surgiram
duas grandes subfamílias dentro do grupo: os piretroides sem o
Moraes et al. O uso de piretroides na piscicultura: perspectivas e restrições. In:
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601
grupo α‐ciano, chamados piretroides tipo I, e aqueles com o grupo
α‐ciano, denominados piretroides tipo II (Soderlund et al., 2002). No
grupo I estão, por exemplo, a bifentrina, a permetrina e a resmetrina;
no grupo II, a deltametrina, a cipermetrina e a lamba‐cialotrina. Em
mamíferos, a intoxicação por piretroides do tipo I provoca
hiperatividade e tremores, enquanto que a intoxicação por
piretroides do tipo II promove contorções, tonturas e coreoatetose
(Coats, 2008).
No Brasil, os inseticidas piretroides do tipo II são registrados
para o controle de parasitos na produção agrícola, no controle de
insetos vetores e na segurança domissanitária (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, 2007a). Em outros países, esta classe de inseticidas
é registrada ainda para o controle de ectoparasitas de peixes (Scottish
Environmental Protection Agency, 1998; 2008; Haya, 2005). Entre os
piretroides do tipo II, a cipermetrina, a deltametrina e a lamba‐
cialotrina são os princípios ativos com o maior número de registros em
produtos comerciais apontados pelo Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento (MAPA) (Brasil, 2014) (Figura 1).
Figura 1. Formulações comerciais de piretroides registradas no
Brasil.
602
O principal modo de ação dos piretroides consiste na
alteração da permeabilidade dos canais de sódio voltagem‐
dependentes das células nervosas. Os piretroides do tipo I
prolongam a abertura do canal de sódio, permitindo maior influxo
de sódio na célula e gerando repetidos potenciais de ação. Os
piretroides do tipo II atrasam o fechamento do canal para o estado
inativado, provocando inúmeras despolarizações, com amplitudes
menores (Soderlund et al., 2002; Bradbury et al., 2008). Isso resulta
em despolarização de membrana, descargas repetitivas e
perturbações sinápticas que levam aos sintomas de intoxicação por
hiperexcitabilidade. Enquanto os piretroides do tipo I promovem
repetidos potenciais de ação, os piretroides do tipo II apresentam
uma redução gradual na amplitude deste potencial, embora ele
nunca retorne aos valores do estado de repouso (Narahashi, 1996;
Soderlund et al., 2002).
A seletividade dos piretroides para os vertebrados encontra‐
se nessa ordem de sensibilidade: peixes> anfíbios> mamíferos> aves.
Na maior parte dos vertebrados, os piretroides são metabolizados
principalmente pelo fígado, sendo que a principal rota é a hidrólise
do éster seguida de conjugação e excreção de conjugados pela bile
(Haya, 1989). A formação de intermediários primários e secundários
na metabolização de um piretroide resulta em substâncias mais
hidrossolúveis, o que facilita sua excreção (Kale et al., 1999).
Em peixes, a absorção de piretroides dá‐se principalmente
pelas brânquias e a excreção pela bile, sendo que parcelas do
composto original podem ser encontradas na gordura e no cérebro, e
uma pequena porção dos metabólitos pode ser encontrada nas fezes
e na urina (Bradbury & Coats, 1989; Coats, 2008). A rota mais
comum de biotransformação é a oxidação (hidroxilação) seguida de
conjugação (com glucoronídeos, principalmente). Em peixes, a
capacidade de hidrólise parece estar comprometida, reduzindo a
taxa de biotransformação e contribuindo fortemente para a
susceptibilidade desses organismos aos piretroides. Os peixes retêm
os piretroides em seu organismo por muito tempo e parecem
possuir baixo nível de carboxilesterases, enzimas responsáveis por
603
hidrolisá‐los (Haya, 1989; Coats, 2008). Tem sido proposto um
mecanismo de ação secundário que está relacionado às desordens
osmorregulatórias, visto que os piretroides podem afetar canais de
cálcio e cálcio/magnésio ATPases (Narahashi, 1991; Coats, 2008).
PIRETROIDES NA PISCICULTURA
A utilização de agrotóxicos na piscicultura e na produção
agrícola expõe os organismos aquáticos a uma série de
contaminantes ambientais. Os prejuízos desta exposição nem
sempre são agudos ou perceptíveis, mas os danos ambientais podem
se estender por longo tempo até tornarem‐se irreversíveis. Somado a
este fato, tem‐se a ascensão da aquicultura Brasileira (Subasinghe et
al., 2009) que, embora seja benéfica ao desenvolvimento social e
econômico do país, pode ser geradora de poluição se o manejo
sanitário não for adequado. De acordo com a Organização das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação ‐ FAO (2014), o
Brasil foi o segundo maior produtor de pescado do continente
americano, contribuindo com 22,2% da produção em 2012.
As doenças são consideradas um dos principais fatores
limitantes para piscicultura, tanto do ponto de vista econômico
como sanitário. Entretanto, a piscicultura ainda é carente de
informações e fiscalização adequadas ao uso de substâncias
químicas durante as práticas de manejo (Schalch et al., 2009). Dessa
forma, muitos produtos químicos utilizados no controle de doenças
na agricultura e em outros animais acabam sendo utilizados para
combater parasitas de peixes (Meyer, 1991), tal como ocorre com os
inseticidas piretroides.
A cipermetrina, com classificação toxicológica II, é registrada
no Brasil para uso agrícola, não agrícola e domissanitária. Produtos
à base de cipermetrina podem ser aplicados às folhas de culturas de
algodão, amendoim, arroz, batata, café, feijão, entre outros. O uso
não agrícola da cipermetrina consiste em sua utilização no controle
de pragas domésticas como formigas, baratas, cupins, moscas e
mosquitos. O emprego domissanitário compreende a utilização do
ingrediente ativo em campanhas de saúde pública (Agência
604
Nacional de Vigilância Sanitária, 2007a). Em outros países, a
cipermetrina é registrada para o tratamento de ectoparasitas em
animais de criação intensiva, tais como suínos, bovinos, caprinos,
ovinos e equinos (European Medicines Agency, 2003; United States
Environmental Protection Agency, 2008).
Na Noruega, Irlanda e Escócia, a cipermetrina é registrada
para combater ectoparasitas em peixes (Scottish Environmental
Protection Agency, 1998; 2008; Haya, 2005). A Agência Europeia
para Avaliação de Produtos Medicinais e a Agência de Proteção
Ambiental da Escócia (SEPA), relatam a utilização de cipermetrina
no tratamento e controle de ectoparasitas em salmonídeos. O
tratamento consiste na utilização de 5,0 μg de cipermetrina (Excis®)
por litro de água durante 1 hora (Scottish Environmental Protection
Agency, 1998; European Medicines Agency, 2003). O salmão Salmo
salar tratado com 5 a 15 μg L‐1 de cipermetrina apresenta redução de
98% na infestação pelo piolho do mar Lepeophtheirus salmonis (Hart
et al., 1997).
A deltametrina, com classificação toxicológica III
(medianamente tóxico), é registrada para agricultura e pode ser
aplicada em cultivos de algodão, milho, soja, café, batata, laranja
entre outros (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2003).
Produtos à base de deltametrina são empregados em outras
atividades tais como: manejo de florestas (Villarini et al., 1998);
programas de controle químico de vetores causadores de doenças
(malária, por exemplo) (Ansari & Razdan, 2001); combate à
ectoparasitas de animais domésticos e aves de corte (El‐Sayed et al.,
2007); programas de controle larval em aquicultura (Köprücü &
Aydin, 2004); controle de doenças parasitárias em fazendas de
criação de salmonídeos por meio de banhos em gaiolas de imersão
(Martinsen et al., 2001; Sevatdal & Horsberg, 2003) e controle de
isópodes na criação de Dicentrachus labrax (Bouboulis et al., 2004). A
SEPA, além de liberar a cipermetrina, liberou também a
deltametrina (AMX) para combater a infestação por L. salmonis e
Caligus elongatus em sistema de criação de salmonídeos. O
605
tratamento consiste em banhos de 2 μg L‐1 de deltametrina (AMX)
(Scottish Environmental Protection Agency, 2008).
A lambda‐cialotrina é um isômero enriquecido da cialotrina,
de classe toxicológica III (Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
2007b). No Brasil, há 105 compostos piretroides registrados para
formulações comerciais, sendo a lambda‐cialotrina o piretroide de
tipo II com maior número de registros (Brasil, 2014). A Agência
Nacional de Vigilância Sanitária ‐ ANVISA (2007b) regulamenta o
uso de lamba‐cialotrina nas culturas de algodão, amendoim, arroz,
batata, soja, entre outros. Apesar disso, esse ingrediente ativo é o
piretroide mais utilizado de maneira irregular no Brasil (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, 2013).
Diante do exposto, pode‐se afirmar que os piretroides podem
atingir o ambiente aquático pela aplicação indireta, visto que a
utilização de piretroides em áreas agrícolas e em campanhas de
saúde pública pode levá‐los aos corpos d’água pela lixiviação e
escoamento, e pela aplicação direta em sistema de criação intensiva
de peixes.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), na
resolução 357 (Brasil, 2005a), não estabelece limites para piretroides
em água. O Ministério da Saúde (MS) estabelece a concentração
máxima de permetrina na água potável em 20 μg L‐1 (Brasil, 2005b).
No entanto, a utilização dos piretroides no país não está restrita à
permetrina. Outros piretroides, principalmente os da classe II, estão
sendo amplamente utilizados e registrados pela ANVISA e pelo
MAPA. Concentrações ambientais de piretroides acima dos limites
aceitáveis pelo MS são descritos por Marino & Ronco (2005) e
Belluta et al. (2010), em concentrações de cipermetrina no ambiente
aquático da ordem de 111 a 194 μg L‐1. Estudos de Vieira et al. (2007)
apontam persistência semelhante de cipermetrina, deltametrina,
lamba‐cialotrina e permetrina na água, sob condições controladas,
mas com pouca estabilidade e com meia‐vida de cinco dias. Para a
Organização Mundial da Saúde – OMS (1989), a persistência da
cipermetrina em águas naturais é de 14 dias.
606
A OMS (1990) e outros autores afirmam que concentrações
tóxicas de piretroides não são prováveis no ambiente natural mas
apenas em experimentos de laboratório, já que estes compostos são
adsorvidos pela matéria particulada em suspensão ou pelo
sedimento (Burridge et al., 2010). Segundo Weston et al. (2004), os
piretroides foram encontrados em 75% das amostras de sedimentos
do Vale Central (Califórnia ‐ EUA), com concentrações de até 17ng/g
de lamba‐cialotrina.
Estudos recentes propõem que os fatores que influenciam o
destino, a biodisponibilidade e a toxicidade de inseticidas podem ser
distintos entre condições temperadas e tropicais devido às grandes
diferenças nos processos físicos, químicos e biológicos existentes
nesses ambientes. Em vista disso, a maioria dos ensaios
toxicológicos desenvolvidos na Europa e na América do Norte
podem não ser indicados à aplicação direta nos trópicos (Moreira et
al., 2010). Os dados obtidos por Brooks et al. (2012) também refutam
a hipótese de ausência de efeitos negativos nas concentrações
ambientais de piretroides. Esses autores analisaram os
contaminantes no delta do rio San Francisco (Califórnia, EUA) e o
declínio na abundância de múltiplas espécies, que se mostrou
acelerado por volta do ano 2002 e coincidiu com o uso aumentado
de piretroides nas áreas agrícolas, em substituição aos inseticidas
organofosforados.
TOXICIDADE AGUDA DE PIRETROIDES EM PEIXES
As causas da toxicidade dos piretroides em peixes ainda
estão sendo estudadas, mas sabe‐se que a sensibilidade do sistema
nervoso e os mecanismos de metabolização de piretroides são
pontos‐chave desta questão (Coats, 2008). Como mencionado
anteriormente, os peixes retêm os piretroides por mais tempo no
organismo e parecem ser deficientes em carboxilesterases,
responsáveis pela hidrólise destes compostos (Demoute, 1989;
Bradbury & Coats, 1989; Haya, 1989). O caráter lipofílico dos
piretroides permite que eles sejam absorvidos com facilidade pelas
607
brânquias, contribuindo para a alta sensibilidade dos peixes a estes
compostos (Viran et al., 2003; Kumar et al., 2011).
Considerando‐se a classificação quanto ao Potencial de
Periculosidade Ambiental (PPA), no que tange ao valor de CL
50;96h, os piretroides podem ser classificados como altamente
tóxicos para peixes, dado que estes valores, na maioria das vezes,
são menores que 1 mg L‐1 (Ibama, 2012).
A toxicidade aguda da cipermetrina pode variar de 0,9 μg L‐
1, como relatado para Cyprinus carpio (Bradbury & Coast, 1989) a 400
μg L‐1, como relatado para Channa punctatus (Kumaret al., 2009). A
CL50; 96 horas de cipermetrina para Rhamdia quelen é de 193 μg L‐
1(Borgeset al., 2007) e para Brycon amazonicus, 36 μg L‐1 (Moraes et al.,
2013).
Para a deltametrina, Ural & Saglam (2005) estimaram a CL50;
96 horas para Oncorhynchus mykiss em 0,69 μg L‐1; para Cyprinus
carpio, Çalta & Ural (2004) estimaram em 1,65 μg L‐1. Golow & Godzi
(1994) estimaram a CL50; 96 horas para Oreochromis niloticus expostos
a deltametrina em 14,4 μg L‐1; Datta & Kaviraj (2003), estimaram
0,004 μg L‐1 para Clarias gariepinus.
Para a lamba‐cialotrina, a CL50‐96h para Piaractu
smesopotamicus é de 1,4 μg/L(Bacchetta et al., 2014); para Labeo rohita
é de 2,72 μg/L(Gadhave et al., 2014); para Brycon amazonicus é de 6,5
μg/L(Moraes et al., 2013); para Claria sbatrachus é de 5,0 μg/L (Kumar
et al. 2011). Segundo Güner (2009), a CL50‐96 h da lambda‐cialotrina
para Gambusia affinis é de 1,107 μg/L e para Clarias batrachus é de 28,8
mg/L (Saravanan et al., 2009).
As diferenças na toxicidade aguda de piretroides em
teleósteos podem ser atribuídas a alguns fatores como: o estágio de
desenvolvimento do animal, a formulação comercial, a
estereoquímica da molécula ou até mesmo as características espécie‐
específicas. Além disso, a solubilidade dos piretroides na água, que
está relacionada ao solvente, pode interferir em sua toxicidade (Saha
& Kaviraj, 2008). Cada forma isomérica do piretroide possui uma
toxicidade específica e a maioria das formulações comerciais tem
uma razão isomérica fixa (Kumar et al., 2011).
608
EFEITOS SUBLETAIS DE PIRETROIDES EM PEIXES
Os danos decorrentes da exposição subletal podem causar
prejuízos à sanidade dos peixes, ao meio ambiente e à saúde
humana. A identificação de marcadores biológicos que mostrem
precocemente a presença de piretroides na água pode evitar
prejuízos em longo prazo, como: baixo crescimento, baixa taxa de
reprodução e baixa taxa de sobrevivência. Algumas respostas
biológicas têm‐se revelado biomarcadores potenciais de
contaminação por agrotóxicos, sendo discutidas a seguir.
Neurotoxicidade. Os piretroides são moléculas sintéticas
cuja principal finalidade é atingir e danificar o sistema nervoso dos
organismos‐alvo. Entretanto, muitos organismos não alvos estão
sujeitos à ação neurotóxica desses inseticidas, como ocorre com
peixes (Kumar et al., 2009; Hernández‐Moreno et al., 2010), ratos
(Houssain et al., 2004), abelhas (Badiou & Belzunces, 2008), entre
outros. Haya (1989) relata que a permetrina, o fenvalerato e a
cipermetrina são encontradas no cérebro de peixes mesmo após 48
horas de exposição em sistema estático. Bradbury & Coats (1989) e
Eells & Rasmussen (1993) descrevem a neurotoxicidade da
deltametrina e sua letalidade para peixes em concentrações de 10 a
1000 vezes menores que para aves e mamíferos (Köprücü & Aydin,
2004).
Embora o mecanismo primário de neurotoxicidade dos
piretroides envolva os canais de sódio, existem evidências de outros
sítios de ação, como os canais de cloreto, potássio e GABAérgicos
(Soderlund et al., 2002; Bradbury et al., 2008). Tanto os piretroides
do tipo I quanto II provocam repetidas despolarizações, tanto no
sistema nervoso central (SNC) como nas junções neuromusculares;
como consequência à intoxicação por piretroides, tem sido associada
a liberação de acetilcolina, GABA, dopamina e norepinefrina
(Bradbury et al., 2008).
As manifestações da neurotoxicidade dos piretroides podem
ser verificadas pelos sinais de intoxicação do animal e pelo ensaio de
uma enzima clássica em ecotoxicologia, a acetilcolinesterase (AChE).
A inibição da AChE cerebral pode provocar acúmulo de acetilcolina
609
nas junções sinápticas, ocasionando alterações comportamentais e
fisiológicas que podem afetar a saúde do animal e até levá‐lo à
morte (Reddy et al., 1992; Wheelock et al., 2005). De acordo com
Toumi et al. (2015), a AChE é um biomarcador de susceptibilidade à
deltametrina no cladócero Daphnia magna.
A lamba‐cialotrina provoca hiperatividade, perda de
equilíbrio, convulsões e aumento do batimento opercular em C.
batrachus (Kumar et al., 2011); a cipermetrina altera o batimento
opercular, o equilíbrio e o nado do R. quelen (Borges et al., 2007); e C.
carpio apresenta aumento do batimento opercular quando exposta ao
fenvalerato (Reddy et al., 1992) e à cipermetrina (Suvetha et al.,
2010).
O fenvalerato inibe a AChE em cérebro, brânquias, músculo e
fígado da carpa indiana Cirrhinus mrigala (Mushigeri & David, 2005)
e de C. carpio (Reddy et al., 1992). Esta última, exposta à
deltametrina, apresenta redução da atividade plasmática de AChE,
sendo que cérebro, músculo e fígado não apresentam alteração; por
outro lado, a deltametrina inibe a AChE cerebral in vitro (Bálint et
al., 1995). Estes autores sugerem que a inibição in vitro da AChE
cerebral por deltametrina seja resultado da interação do piretroide
com o centro ativo da enzima ou alguma outra modificação na
estrutura enzimática. Channa punctatus exposto a concentrações
subletais de lamba‐cialotrina e cipermetrina apresenta reduções
significativas na atividade da AChE cerebral, muscular e branquial
(Kumar et al., 2009).
Para Houssain et al. (2004), os piretroides parecem ser capazes
de modular a liberação de acetilcolina no hipocampo de ratos sem,
contudo, alterar a atividade da AChE cerebral. A carpa Tinca tinca
exposta por 60 dias a concentrações subletais de deltametrina não
apresenta alteração da AChE cerebral (Hernández‐Moreno et al.,
2010), assim como o salmão Oncorhynchus tsawytsha exposto a
concentrações subletais de fenvalerato (Wheelock et al., 2005).
Genotoxicidade: As alterações no material genético
representam um impacto de alta ordem biológica, pois podem afetar
todos os níveis de sua organização (Schlenk et al., 2008). As
610
alterações genéticas em células germinativas têm um impacto
ecológico notável e refletem‐se na fertilidade e fecundidade do
organismo. Alterações em células somáticas implicam em doenças
potencialmente carcinogênicas e anormalidades morfológicas, que
afetam o fitness, a adaptabilidade e a sobrevivência (Jha, 2008).
Channa punctatus exposto à cipermetrina apresenta aumento
na frequência de micronúcleos (MN) em células vermelhas e
aumento de aberrações cromossômicas em células renais (Ansari et
al., 2011). Hepatócitos de Danio rerio expostos in vitro à cipermetrina
por duas horas apresentam alterações no DNA, evidenciadas pelo
teste cometa (Jin et al., 2011). Para a tilápia O. mossambicus é relatado
aumento na frequência de MN em eritrócitos quando exposta à
deltametrina, mesmo quando alimentada com dieta suplementada
com vitamina E (Kan et al., 2012).
Os mecanismos de ação dos piretroides que induzem à
genotoxicidade ainda estão sendo estudados. O estresse oxidativo
pode estar diretamente relacionado aos danos no DNA, pois o
aumento de espécies reativas de oxigênio (ERO) pode oxidar suas
bases nitrogenadas, comprometendo sua estrutura (Ansari et al.,
2011; Kan et al., 2012; Hussien et al., 2013). Saxena et al. (2005) e
Hussien et al. (2013) relatam que a cipermetrina pode agir
diretamente na molécula de DNA, tendo em vista sua natureza
hidrofóbica e seu pequeno tamanho, podendo assim atravessar as
membranas com facilidade e atingir o núcleo da célula.
Estresse oxidativo: O estresse oxidativo consiste no aumento
significativo das ERO e consequente redução da capacidade
antioxidante, com distúrbio no estado redox celular e danos às
biomoléculas, incluindo lipídeos, proteínas e DNA. (Gutteridge,
1995; Jezek & Hlavatá, 2005; Lushchak, 2011).
Muitos trabalhos apontam os piretroides como capazes de
promover estresse oxidativo em peixes, pois são detectadas
alterações no sistema antioxidante, na integridade da membrana
citoplasmática e no DNA desses animais. Danio rerio apresenta
indução das enzimas hepáticas superóxido dismutase (SOD),
catalase (CAT) e glutationa peroxidase (GPx), além de alterações
611
nucleares, quando exposto à cipermetrina (Jin et al., 2011). C.
punctatus exposto ao mesmo princípio ativo apresenta aumento da
peroxidação lipídica, inibição da SOD e indução da glutationa
reduzida (GSH) em eritrócitos (Ansari et al., 2011). A tilápia‐do‐nilo
O. niloticus exposta à lamba‐cialotrina apresenta aumento da
peroxidação lipídica e da concentração de GSH em fígado (Piner &
Üner, 2012). Cyprinus carpio exposto a concentrações subletais de
deltametrina apresenta aumento de peroxidação lipídica, da
atividade da CAT e da glutationa redutase (GR) em fígado (Ensibi et
al., 2013).
Alterações hematológicas: A capacidade de carrear oxigênio
pode ser inferida pelas variáveis hematológicas primárias:
hematócrito (Ht), concentração de hemoglobina ([Hb]) e número de
eritrócitos (red blood cell‐ RBC); e pelos índices hematimétricos:
volume corpuscular médio (VCM), hemoglobina corpuscular média
(HCM) e concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM)
(Houston, 1997; Schlenk et al., 2008).
Os piretroides alteram as respostas hematológicas de peixes,
como relatado para Heteropneustes fossilis que, quando exposto à
deltametrina, apresenta quadro anêmico compensado por
eritropoiese (Kumar et al., 1999). Saxena & Seth (2002) relatam
redução do Ht, RBC e [Hb] em C. punctatus exposto à cipermetrina.
Aumento da [Hb] foi observado em R. quelen exposto à cipermetrina
(Borges et al., 2007). O cascudo Ancistrus multispinis apresenta
aumento do RBC e Hb quando intoxicado por deltametrina (Pimpão
et al., 2007). A carpa indiana Catla catla exposta à cipermetrina por
60 dias apresenta alteração hematológica indicativa de anemia,
resultante de hemólise ou dano branquial (Vani et al., 2012).
Alterações osmorregulatórias e iônicas: Os piretroides
podem provocar desordens osmorregulatórias, consideradas
mecanismos adicionais de toxicidade (Coats, 2008). Alguns estudos
relatam interferência na atividade de Ca2+‐ATPases (Coats, 2008),
além de alterarem a atividade da Na+/K+‐ATPase e a concentração
dos íons (Na+, K+, Cl‐, Mg++) em peixes (Borges et al., 2007; Suvetha et
al., 2010; Al‐Ghanbousi et al., 2012). Redução na concentração de
612
Ca2+ plasmático é relatada para o bagre Heteropneustes fossilis exposto
à cipermetrina (Mishra et al., 2005). Em L. rohita, o fenvalerato
desajusta a osmorregulação de tal forma que muitos tecidos
apresentam redução significa de Na+, K+ e Ca2+ (Reddy & Philip,
1992). Além disso, proliferação de células cloreto é observada em
Aphanius dispar exposto à deltametrina, acompanhada de alteração
do balanço iônico e de redução da área de contato para as trocas
gasosas (Al‐Ghanbousi et al., 2012).
Enzimas digestivas: O estudo das enzimas digestivas é um
passo crucial em direção ao entendimento do mecanismo de
digestão, do hábito alimentar e de como o organismo se adapta às
mudanças nutricionais (Sunde et al., 2004). Considerando‐se o
caráter indutivo das enzimas digestivas, a flexibilidade fenotípica
das espécies pode permitir não só os ajustes necessários à
otimização dos nutrientes da dieta, mas também a avaliação da
capacidade adaptativa digestiva dos peixes frente aos estressores
ambientais, tais como a exposição aos xenobióticos.
Guppies Poecilia reticulata expostos a 0,02; 0,04; 0,06; 0,08; 0,1
g/L de deltametrina por 1 hora apresentam redução da atividade da
lipase de 14%, 28%, 30%, 44%, 50%, respectivamente (Günes & Yerli,
2011). Simon et al. (1999) relatam que piretroides podem alterar a
atividade in vitro das enzimas digestivas de C. carpio. Essas
alterações indicam que os piretroides podem interagir com a
conformação ativa das enzimas hidrolíticas. Nesse estudo, a
atividade da tripsina aumenta na presença de deltametrina e é
inibida com permetrina e cipermetrina. A deltametrina, a
cipermetrina e a permetrina podem ainda alterar a atividade da
lipase, sendo a maior inibição provocada pela cipermetrina. A
atividade da carboxipeptidase‐a é inibida por todos os piretroides
testados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contaminação de ambientes aquáticos por inseticidas
piretroides, os efeitos adversos relatados para peixes, a falta de
legislação nacional para piretroides na água e o seu uso não
613
regulamentado em pisciculturas devem impulsionar mais estudos
acerca dos efeitos dessa classe de inseticida em peixes.
Limites rigorosos e apropriados às formulações comerciais
com piretroides necessitam ser estabelecidos para o ambiente
aquático. É alarmante notar que os dados de toxicidade aguda
relatado para algumas espécies de peixes são, muitas vezes, menores
do que as concentrações ambientalmente relevantes. O manuseio
correto e a forma de tratamento dos resíduos provenientes da
agricultura e do controle de vetores devem ser feitos com cautela e
de forma sustentável a fim de se evitar a contaminação hídrica.
Além disso, o uso regulamentado de piretroides para a piscicultura
em outros países não deve nortear o seu uso no Brasil, visto que a
toxicidade de piretroides pode variar com as condições físico‐
químicas do ambiente e é espécie‐específica.
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620
CAPÍTULO 29
IMPACTOS DE PESTICIDAS E BIOPESTICIDAS
NA AQUICULTURA
Wagner dos Santos Mariano1
Sandro Estevam Moron
Rodrigo Garófallo Garcia
Marcos Tavares‐Dias
INTRODUÇÃO
Aquicultura é a produção de organismos cujos ciclos de vida
naturais se dão, total ou parcialmente, em meio aquático, para fins de
consumo do homem. As várias atividades que ela abrange podem ser
subdivididas nas seguintes especialidades: piscicultura (criação de
peixes), malacocultura (criação de moluscos, como lulas, ostras e
mexilhões), carnicicultura (criação de camarões, caranguejos e siris),
algicultura (cultivo de micro ou macroalgas), ranicultura (criação de
rãs) e criação de jacarés (Botelho et al., 2012). Atualmente, a
aquicultura é o setor de produção de alimentos que mais cresce no
mundo. Ao contrário do que ocorre com a pesca extrativista, a
produção da aquicultura segue crescendo sensivelmente (Moser,
2005). Segundo estatísticas da FAO (2004), a contribuição da
aquicultura na produção mundial de peixes, crustáceos e moluscos
passou de 3,9% da produção total em toneladas em 1970, para 27,3%
em 2000.
Os diversos meios de cultivo de organismos aquáticos via
aquicultura, muitas vezes recebem resíduos de pesticidas oriundos de
plantações, e isso é um problema que pode afetar a saúde animal.
Resíduos de agrotóxicos ou pesticidas são frequentemente
encontrados nos ecossistemas costeiros, podendo vir a contaminar as
Mariano et al. Impactos de pesticidas e biopesticidas na aquicultura. In: Tavares‐
Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São
Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
621
águas, após lixiviação. Pesticidas podem ser introduzidos também
em lagoas costeiras ou estuário através da aplicação direta, derrames
acidentais, lixiviação, drenagem ou precipitação dos resíduos das
plantações, além do uso direto na aquicultura como controle de
pragas. Muitas vezes, áreas adjacentes aos cultivos de espécies
aquáticas são ocupadas por plantações, o que pode comprometer a
qualidade da água (Galindo Reyes et al., 2000; Comoglio et al., 2005;
Moser, 2005).
Este sobre visa discutir sobre agrotóxicos utilizados nas
lavouras que de alguma forma interagem, impactam os ambientes e
organismos aquáticos, além discutir sobre os agentes biológicos que
estão sendo utilizados no controle de pragas, os biopesticidas, que
atuam como controle biológico, dando ênfase aos biopesticidas a base
da bactéria Bacillus thuringiensis.
AGROTÓXICOS
O uso de drogas veterinárias, agrotóxicos e afins tornam‐se
importantes no controle de determinados organismos em ambientes
hídricos, uma vez que muitos desses organismos trazem grandes
prejuízos à economia, à saúde humana e ao meio ambiente. Vários
produtos químicos e biológicos tais como: herbicidas, algicidas,
moluscicidas, larvicidas, fungicidas e drogas veterinárias têm sido
intencionalmente introduzidas nos ambientes hídricos (Maximiano et
al., 2005).
Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e
Observatório da Indústria dos Agrotóxicos da UFPR, divulgados em
abril de 2012, mostram que na última década, o mercado mundial de
agrotóxicos cresceu 93%, enquanto o mercado brasileiro cresceu
190%. Kugler (2012) comenta que o Brasil é a “lixeira tóxica” do
planeta e desde 2008, somos os maiores consumidores globais de
insumos químicos para agricultura. Das 50 substâncias mais usadas
no Brasil, 24 já foram banidas nos Estados Unidos, Canadá, Europa e
algumas na Ásia. Apenas 14 delas estão em processo de reavaliação
pela Anvisa, procedimento que arrasta‐se desde 2008.
622
Na tentativa de controlar e combater os efeitos danosos e
indesejáveis dos insetos, no que se relaciona à saúde do homem e às
limitações impostas à produção agrícola com sérias repercussões
econômicas, logo após a II Guerra Mundial, várias indústrias
começaram a pesquisar e produzir substâncias químicas com
capacidade inseticida. A descoberta das propriedades inseticidas do
organoclorado DDT, em 1939, é tida como o marco de transição nas
técnicas de controle fitossanitário das culturas agrícolas. A introdução
de agrotóxicos organossintéticos no Brasil teve início em 1943, quando
chegaram às primeiras amostras do inseticida DDT (Santiago,1986).
CLASSIFICAÇÃO DOS AGROTÓXICOS
As substâncias químicas destinadas à proteção de culturas
agrícolas e áreas urbanas contra a ação danosa de formas de vida
animal e/ou vegetal são denominadas pesticidas, também conhecidos
como agroquímicos, agrotóxicos, biocidas, defensivos agrícolas e
praguicidas (Moura, 2008).
Os agrotóxicos são classificados pela Anvisa, órgão de
controle do Ministério da Saúde, em quatro classes de perigo para
sua saúde:
• Classe I = extremamente tóxico
• Classe II = altamente tóxico
• Classe III= medianamente tóxico
• Classe IV= pouco tóxico
Os produtos da Classe II e I só devem ser utilizados se
realmente necessários, nos casos em que não houver produtos das
Classes IV ou III para a mesma “praga” ou doença e que não exista
nenhuma outra maneira de combate.
Quanto a sua função os agrotóxicos podem ser classificados
como: inseticidas (utilizados no controle de insetos), fungicidas –
(com função de destruir ou inibir fungos), herbicidas (utilizados no
combate às plantas invasoras), raticidas (utilizados no combate a
ratos e outros roedores), moluscocidas (com função de combater
moluscos), nematicidas (com função de combater nematoides),
acaricidas (utilizados no combate a ácaros), desfolhantes (com função
623
de eliminar folhas indesejadas) e fumigantes (utilizados no combate
às bactérias do solo) (Yamashita, 2008). Dentre os agrotóxicos
utilizados, os mais consumidos são os herbicidas, seguidos pelos
inseticidas, fungicidas e acaricidas (Jardim & Andrade, 2009).
Os agrotóxicos, também conhecidos como pesticidas, podem
ser classificados em inorgânicos e orgânicos. Os pesticidas
inorgânicos foram muito utilizados no passado; porém, atualmente
não representam mais do que 10% do total de pesticidas em uso. São
produtos à base de arsênico e flúor e os compostos minerais que
agem por contato matando a praga por asfixia. Os pesticidas
orgânicos compreendem são aqueles de origem vegetal e os
organossintéticos. Os primeiros são de baixa toxicidade e de curta
permanência no ambiente (como o piretro contido no crisântemo e a
rotenona extraída do timbó). Já os organossintéticos, além de
persistirem muitos anos nos ecossistemas, contaminando‐os, também
trazem uma série de problemas de saúde para o homem, o que torna
seu uso proibido (Oliveira Silva et al., 2001; Agrofit, 2000). Klaassen
(1995) comenta que os pesticidas quando aplicados diretamente no
solo podem ser degradados por vias químicas, fotólise ou ação de
microrganismos. Entretanto, muitas moléculas de alta persistência
podem permanecer no ambiente, sem sofrer qualquer alteração. Essas
moléculas podem ser adsorvidas nas partículas do solo, dessorvidas,
sofrendo lixiviação e atingindo as aguas superficiais e subterrâneas.
EXPOSIÇÃO AMBIENTAL AOS AGROTÓXICOS
Depois da aplicação de um agrotóxico, vários processos
físicos, químicos, físico‐químicos e biológicos determinam seu
comportamento. O destino dos agrotóxicos no ambiente é regido por
processos de retenção (sorção, absorção), de transformação
(degradação química e biológica), de transporte (deriva, volatilização,
lixiviação e carreamento superficial) e por interações desses processos
(Spadotto et al.,2003).
Além da variedade de processos envolvidos na determinação
do destino ambiental de agrotóxicos, diferenças nas estruturas e
propriedades das substâncias químicas, e nas características e
624
condições ambientais, podem afetar esses processos. Condições
meteorológicas, composição das populações de microrganismos do
solo, propriedades físicas e composição química do solo, presença ou
ausência de plantas, localização da área na topografia e práticas de
manejo do solo podem também afetar o destino de agrotóxicos no
ambiente. Além disso, a taxa e a quantidade de água que se move na
superfície e no perfil do solo têm um grande impacto no movimento
dos agrotóxicos (Andrei, 1996).
Os agrotóxicos são moléculas sintetizadas para afetar
determinadas reações bioquímicas de insetos, microrganismos,
animais e plantas que se quer controlar ou eliminar, mas
determinados processos bioquímicos são comuns a todos os seres
vivos e, assim, o efeito pode então atingir não só o organismo que se
espera controlar, como também outros seres vivos no ambiente. A
introdução de agrotóxicos no ambiente agrícola pode provocar
perturbações ou impactos, pois pode exercer uma pressão de seleção
nos organismos e alterar a dinâmica bioquímica natural, tendo como
consequência, mudanças na função do ecossistema (Charbonneau,
1979).
AGROTÓXICOS NA PISCICULTURA
A piscicultura é uma atividade importante como fonte de
proteína animal para o consumo do homem. Porém, o
desenvolvimento dessa atividade economia nos últimos anos
enfrenta problemas relacionados à nutrição, qualidade ambiental,
doenças infecciosas e parasitárias com significativos prejuízos
econômicos (Ceccarelli et al., 1990; Pavanelli et al.,2002; Martins et al.,
2002).
Na piscicultura, em geral, o controle das parasitoses é feito
usando agrotóxicos aplicados sem orientação adequada e
indiscriminadamente (Ranzani‐Paiva et al., 1997; Rodrigues et al.,
1997). Por exemplo, em pisciculturas e pesque‐pagues da bacia do Rio
Mogi Guaçu (SP), 77,4 % das propriedades executam práticas de
manejo que requerem o uso de produtos químicos. Um número
expressivo desses empreendimentos (39,3%) já utilizou praguicidas,
625
sendo que do total de formulações empregadas, 94,1% foram
inseticidas e o restante herbicidas (Luvizotto‐Santos et al.,2009).
Esteves & Ishikawa (2006) também constataram resultados similares
em pesque‐pagues da região metropolitana de São Paulo.
Ataques de predadores ou parasitos causam prejuízos na
piscicultura devido à redução no crescimento e mortalidade de
peixes, sendo os insetos aquáticos considerados os que mais causam
perdas na fase de alevinagem (Garádi et al.,1988). Produtores de
salmão, por exemplo, usam praguicidas azametifos, cipermetrina,
deltametrina, diflubenzuron e teflubenzuron para eliminar crustáceos
Lepeoptheirus salmonis (Selvik et al., 2002). No Brasil, diflubenzuron
(Dimilin®) é usado para eliminar os lerneideos Perulernaea gamitanae
(Tavares‐Dias et al., 2011) e Lernaea cyprinacea (Mabilia & Souza,
2006), além de outras espécies de parasitos crustáceos (Tavares‐Dias
et al., 2014). A principal forma de combater crustáceos parasitos é tem
sido usando praguicidas, em especial os organofosforados,
benzoilfeniluréias, carbamatos e piretróides (Horsberg et al.,1989;
Lester & Roubal, 1995; Shepherd, 1995).
Diflubenzuron é o produto químico mais utilizado na bacia
do Rio Mogi‐Guaçu, seguido pelo paration metílico e triclorfonm
(Luvizotto‐Santos et al.,2009). Em pisciculturas do Estado do Rio
Grande do Sul, diflubenzuron é o mais empregado, seguido por
avermectinas e organofosforados (Mabilia & Souza, 2006).
Na piscicultura, os inseticidas organofosforados são empregados
no controle de odonatas e outros predadores de larvas de peixes (Carr &
Chambers, 1996; Mataqueiro, 2002). Além disso, organofosforados têm
sido usados para eliminar e controlar ectoparasitos (Rodrigues et al.,
1997).
Os organoclorados apresentam maior persistência no meio
ambiente e tendência de acumulação na cadeia trófica, ao contrário
dos organofosforados que são mais biodegradáveis e apresentam
menor persistência no ambiente (Begum & Vijayaraghavan, 1995;
Varó et al., 2000; Pehkonen & Zhang, 2002; Sogorb & Vilanova, 2002;
Nemr & Abd‐Allah, 2004). Com isso os pesticidas organofosforados
têm sido usados em substituição aos compostos organoclorados nas
626
atividades agrícolas (Varó et al., 2000; Pehkonen & Zhang, 2002), mas
seu uso resulta em poluição ambiental, contaminação dos peixes de
cultivo e demais organismos da cadeia aquática (Ranzani‐Paiva et al.,
1997 & Rodrigues et al., 1997). Os inseticidas organofosforados são
também comumente utilizados na preparação de viveiros de recepção
de larvas de peixe, na concentração de 0,25 a 3,00 mg/L (Juarez &
Rouse,1983; Opuszynsky et al., 1984). Senhorini et al. (1991) relatam
que o methyl‐parathion nas concentrações de 0,25 a 0,50 mg/L,
eliminou as populações de Odonata e Cladóceros dos viveiros.
Triclorfon é usado em tanques e viveiros com carpa comum
(Cyprinus carpio), carpa capim (Ctenopharyngodon idella), bagre‐do‐
canal (Ictalurus punctatus), tilápias e black bass (Micropterus salmoides)
(Kubitza & Kubitza, 2004). Esse produto seleciona zooplâncton,
eliminando uma variedade de odonatas, copépodes e cladóceros,
sobrevivendo rotíferos que são alimentos indispensáveis às pós‐
larvas (Garádi,1988), sendo usado na eliminação de parasitos
argulídeos e copépodes (Juarez & Rouse, 1983; Ranzani‐Paiva et al.,
1987; Tavares‐Dias et al., 1999; Pavanelli et al., 1999; Tonguthai, 1997).
Além disso, recomenda‐se 0,5 mg/L de Triclorfon durante três dias
consecutivos para controle de monogenoideas (Pavanelli et al., 1999).
Entretanto, esse produto é tóxico para o ambiente e manipulador.
AÇÃO FISIOLÓGICAS E PATOLÓGICAS DE PESTICIDAS EM
ORGANISMOS AQUÁTICOS
Os pesticidas, que por algum motivo interagem de forma direta
ou indireta com os organismos aquáticos são conhecidas como
xenobióticos. Esses por se tratarem de substâncias químicas, são
exemplos de xenobióticos que afetam organismos aquáticos e
terrestres, sendo eles vertebrados e invertebrados. As células, tecidos e
órgãos são as porções com maior acometimento pelos efeitos dos
xenobióticos, por estarem em contato direto com o meio aquático,
como é o caso brânquias e pele dos peixes. Quando essas substâncias
químicas conseguem invadir os órgãos internos, há um desequilíbrio
homeostático que é seguido por alterações fisiológicas diversas,
otimizando o quadro do animal contaminado (Wendelaar Bonga,
627
1997). O desencadeamento de alterações provocadas por estressores
químicos acontecem inicialmente em nível molecular, como
consequência da interação do xenobiótico com as moléculas que
compõem o organismo. Dessa forma, a interação do xenobiótico com
receptores, enzimas, dentre outras moléculas, podem causar alterações
no metabolismo, culminando em morte celular por necrose ou
apoptose. As alterações no material genético também são comuns,
caracterizando assim, o xenobiótico como agente genotóxico (Udroiu,
2006).
Concentrações subletais de pesticidas como o DDT, Lindane e
Diazinon, causam alterações fisiológicas e bioquímicas em camarões,
afetando a produtividade do cultivo (Galindo‐Reyes et al., 2000). Os
inseticidas, quando absorvidos pelos organismos aquáticos, causam
reações neurotóxicas capazes de provocar efeitos adversos no sistema
nervoso central, em nervos periféricos e órgãos do sentido. Esses
efeitos são considerados reversíveis quando ocorrem mudanças
funcionais temporárias e, irreversíveis, quando envolvem mudanças
estruturais com degeneração das células nervosas. Inseticidas
organofosforados, carbamatos e piretróides, quando absorvidos por
esses organismos, são metabolizados e excretados rapidamente, sem
permitir a ocorrência da acumulação nos tecidos vegetais e animais
(Lu, 1996; Larini, 1997; Moser, 2005).
Contaminantes orgânicos podem causar, além de outras
alterações, a indução de enzimas que atuam na metabolização ou
detoxificação dos mesmos, ou, em alguns casos, produzir metabólitos
ativos (Moser, 2005). Durante o processo de biotransformação, outras
alterações envolvem a indução de enzimas decorrentes de interações
desses contaminantes com receptores celulares e, ainda alterações no
DNA. Essas respostas podem não causar nenhum dano evidente ao
organismo; porém, podem trazer consequências para as células ou
para todo o organismo, afetando, por exemplo, seu crescimento e
reprodução. Nesse sentido, alterações bioquímicas são a primeira
resposta de ação biológica e representam a base molecular da
toxicidade (Walker et al., 1996).
628
Biomarcadores fisiológicos específicos e não específicos têm a
capacidade de integrar os efeitos de estresses múltiplos e podem
ajudar a elucidar os mecanismos moleculares desses efeitos ‐modo de
ação (Huggett et al., 1992). O complexo sistema imune dos
organismos aquáticos deve ser amplamente estudado, para a sua
melhor compreensão, pois são ferramentas inatas que auxiliam nos
processos de ajustes quando estão sob efeito de águas com poluentes
e pesticidas. Porém, cada espécie tem suas estratégias imunológicas
para driblar as situações adversas.
EFEITOS DA EXPOSIÇÃO DOS AGROTÓXICOS EM PEIXES
O uso indiscriminado dos agrotóxicos nas pisciculturas tem
resultado em poluição ambiental, contaminação dos peixes e outros
organismos envolvidos na cadeia alimentar aquática (Ranzani‐Paiva
al., 1997; Rodrigues et al., 1998). Os inseticidas organofosforados
destacam‐se como os agrotóxicos mais utilizados em piscicultura
para o controle da ectoparasitoses. Entretanto, a aplicação desses
inseticidas pode resultar em altos níveis de resíduos nos peixes,
inclusive no momento do consumo, pois normalmente os períodos de
carência não são respeitados pelos piscicultores (Rodrigues et al.,
1997).
O uso organofosforados no controle de ectoparasitos na
piscicultura pode causar alterações fisiológicas em peixes mesmo em
concentrações subletais (Ranzani‐Paiva al., 1987; Ranzani‐Paiva et al.,
1997; Rodrigues et al., 1997; Tavares‐Dias et al., 1999). Pois esses
produtos tem a capacidade de bioacumularem em tecidos de animais
aquáticos (Serrano et al., 1995; Tsuda et al., 1996; Kitamura et al.,
2000; Amaraneni & Pillala, 2001; Lopes et al.,2006).
Rao & Rao (1984), após a exposição de Tilapia mossambica ao
methyl‐parathion, verificaram que houve bloqueio na condução do
impulso nervoso e diminuição da atividade da acetilcolinesterase em
tecidos como músculo, brânquia, fígado e cérebro. Straus &
Chambers (1995) verificaram que o methyl‐parathion causou inibição
da acetilcolinesterase no cérebro, brânquia, fígado e músculos de
catfish. Aguiar et al. (2004) concluíram que o methyl‐parathion
629
causou efeito negativo no metabolismo energético de peixes da
espécie Brycon amazonicus.
Srivastava & Singh (1981) quando submeteram peixes a
concentração subletal (5,6 mg/L) de methyl parathion verificaram que
o nível do glicogênio do músculo diminuiu em 3, 6, 12 e 96 horas. Os
níveis de glicogênio hepático dos peixes diminuíram após 6 horas de
exposição, enquanto os níveis de glicose sanguínea aumentaram após
3 e 6 horas de exposição. Efeitos subletais após exposição ao
trichlorfon causaram alterações hematológicas em Prochilodus scrofa
(Ranzani‐Paiva et al., 1997) e Cyprinus carpio (Chandrasekara &
Pathiratne, 2005), efeito agudo no baço de P. scrofa (Rodrigues et al.
1997), lesões histopatológicas no fígado de Brachydanio rerio
(Rodrigues et al., 1998), Prochilodus lineatus (Rodrigues et al., 2001) e
brânquias, fígado e rim de Piaractus mesopotamicus (Mataqueiro et al.,
2009). Mataqueiro et al.(2014) observaram a inibição da atividade da
colinesterase no plasma e no cérebro em P. mesopotamicus pelo
triclorfon. Após exposição de Oreochromis niloticus ao triclorfon (dose
subletal) houve hipertrofia cardíaca possivelmente devido ao efeito
hipertensivo do organofosforado e/ou pelo estresse oxidativo
induzido no tecido cardíaco (Thomaz et al., 2009).
CONTROLE BIOLÓGICO NA AGRICULTURA E USO DE
Bacillus thuringiensis (BIOPESTICIDA)
Práticas agrícolas como o uso de variedades selecionadas e
rotação de cultivos podem reduzir enormemente a necessidade de
aplicação de pesticidas sintéticos. O controle biológico avança,
visando a preservação das plantações e salvaguardar a produção de
alimentos mediante a substituição dos pesticidas químicos por outros
de fonte biológica, tais como bactérias, fungos e vírus
entomopatogênicos (Malajovich, 2012). A busca por métodos que
diminuam o uso de inseticidas químicos vem ocorrendo em todo o
mundo, com a finalidade de reduzir os impactos causados ao meio
ambiente por tais agentes, que além de poluir, interferem no
equilíbrio ecológico possibilitando o surgimento de insetos resistentes
(Lima, 2010).
630
Os bioinseticidas, também chamados de entomopatógenos,
em geral, são microrganismos que causam doenças nos insetos. Na
maioria dos casos, o efeito ocorre devido à presença de toxinas
específicas que têm sua ação no interior do inseto‐alvo. Um dos
bioinseticidas mais conhecidos em todo o mundo é a bactéria
entomopatogênica Bacillus thuringiensis, descrita em 1915 na
Alemanha, e foi isolada a partir de traça de farinha (Anagasta
kuehniella). O primeiro produto comercial dessa bactéria, chamado
Sporeine®, estava disponível em 1938 na França. Nos Estados Unidos
(EUA), o primeiro agente microbiológico para controle de pragas
(Bacillus popilliae) foi registrado em 1948 pelo Departamento de
Agricultura daquele país. Somente em 1957 foi produzida a primeira
formulação comercial de B. thuringiensis. Até 2007, os Estados Unidos
haviam registrado cerca de 84 ingredientes ativos biológicos,
compondo em torno de 262 produtos à base de microrganismos
(Oliveira‐Filho, 2008).
O exemplo mais conhecido dessa tecnologia verde
compreende a uma das várias bactérias encontradas no solo, o B.
thuringiensis (Figura 1). Bacillus thuringiensis é utilizado como
pesticida agrícola há mais de trinta anos, sem que suas toxinas
tenham causada danos às pessoas, à vida silvestre ou à maioria dos
insetos benéficos. Com o advento da engenharia genética foi possível
transferir os genes correspondentes a várias plantas (milho, algodão,
outras) que temporariamente produzem diretamente a toxina
inseticida (Malajovich, 2012).
631
Figura 1. Bacillus thuringiensis cultivado a 35oC em estufa microbiológica por
24 horas a partir do biopesticida (DiPel®) em ágar MillherHinton.
Microscopia Óptica ampliada 100x. Fonte: Mariano, W.S.
Bacillus thuringiensis é uma bactéria que ocorre naturalmente
no solo, água, insetos mortos e ambientes onde se armazenam grãos.
Essa é uma bactéria gram‐positiva, aeróbia, da família Bacillaceae, que
produz inclusões protéicas cristalinas e esporos. Tais inclusões são
compostas por proteínas como a δendotoxinas ou proteínas Cry (Figura
2), muito tóxicas a uma grande variedade de insetos‐praga de
importância econômica e também a outros invertebrados (Macedo et
al., 2012; Martins et al., 2014).
632
Figura 2. Morfologia dos Cristais da linhagem de Bacillus thuringiensis. (A)
Bipiramidal; (B) Cubóide (Valicente; Souza, 2004 adaptado por Gusmão,
2013).
Várias estirpes de B. thuringiensis, específicas para algumas
ordens de inseto, como Lepidoptera, Coleoptera e Diptera, têm sido
isoladas (Macedo et al., 2012). Atualmente, há numerosos produtos à
base de B. thuringiensis comercializados por diversas empresas
nacionais e internacionais (Vectorcontrol, Milenia, Sumitomo, Bayer,
Iharabras, outras) com diferentes nomes (Bac‐control, Bactur, Dipel,
Ecotech Pro, Thuricide, outros) (Malajovich, 2012).
O mecanismo de ação do B. thuringiensis compreende várias
etapas, como a solubilização do cristal, processamento das toxinas,
interações específicas com receptores, união ao receptor e inserção de
uma parte da toxina na membrana apical das células intestinais dos
insetos. Os receptores responsáveis pela ligação da toxina à
membrana têm sido estudados em lepidópteros, para determinar
especificidade, toxidade e mecanismo de ação das toxinas Cry
(Macedo, 2014). A maioria das estirpes de B. thuringiensis pode
sintetizar mais de um tipo de cristal, podem ser formados por
diferentes proteínas Cry, e, certas vezes pode ocorrer até cinco toxinas
sintetizadas por uma mesma estirpe (Lima, 2010; Macedo, 2014).
O efeito tóxico de esporos e cristais de B. thuringiensis nos
insetos manifesta‐se com imediata paralisação do tubo digestório e
peças bucais, levando à lise celular e provocando a interrupção
633
alimentar. A destruição das células colunares e caliciformes
proporcionam a entrada de esporos, onde germinam, provocam o
colapso do intestino médio, inanição e posterior septicemia, levando
o inseto à morte (Daí & Gill, 1993; Monnerat & Bravo, 2000; Lima,
2010).
PERSPECTIVAS SOBRE OS IMPACTOS DOS BIOPESTICIDAS
EM PEIXES
O uso de agroquímicos nos sistemas de produção agrícola
constitui uma ameaça para os organismos aquáticos do entorno, bem
como a saúde do homem. Assim, tem‐se incentivado o uso de
produtos de menores riscos a base de agentes biológicos tais como
biopesticidas. Apesar da conhecida inocuidade do uso de
biopesticidas usados no combate a pragas, alguns relatos têm
mostrado infecções e efeitos adversos em organismos não‐alvo, entre
eles, espécies aquáticas (Jonsson, et al., 2014).
Os biolarvicidas à base de B. thuringiensis são empregados
mundialmente em larga escala por sua qualidade, não poluição do
ambiente, preservação da maioria da fauna associada e pelo fato de
não ter sido observado, até o momento, o surgimento de espécies
resistentes ao produto (Petry et al., 2004). Porém, poucos estudos são
conhecidos sobre impactos dos biopesticidas em organismos
aquáticos, incluindo biopesticida a base de B. thuringiensis. Assim, o
Núcleo de Aquicultura e Piscicultura Familiar (NAPisF/UFT) vem se
debruçando em estudos sobre os impactos do biopesticida B.
thuringiensis em peixes nativos. Para pacu (Piaractus mesopotamicus),
1,4 g/L de biopesticida a base de B. thuringienses não causou
alterações sanguíneas, pois as pequenas alterações observadas foram
rapidamente ajustadas fisiologicamente. Como nenhum peixe morreu
durante 48 horas de experimentação ou após 48 horas da recuperação
da exposição ao biopesticida, assim essa concentração pode ser
considerada subletal para essa espécie de peixe. Porém, outros
diferentes concentrações e outras espécies de peixes devem ser
testados, para termos uma confirmação da não nocividade dos
biopesticidas a base de B. thuringiensis.
634
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na agricultura mundial, a utilização de pesticidas e
biopesticidades é inerente e fundamental para aumento da
produtividade de alimentos para consumo do homem e animais.
Porém, quando eles agem de forma direta, principalmente no
tratamento de parasitoses, e indireta, por exemplo, na lixiviação,
podem provocar alterações morfológicas, fisiológicas, bioquímicas e
até mesmo a morte de organismos aquáticos. Apesar dos diversos os
estudos sobre os efeitos de pesticidas químicos e suas interações com
as diversas espécies de peixes os impactos ados biopesticidas
utilizados no controle biológico, em peixes precisam ser investigados.
Portanto, são necessários conhecer as melhores práticas de manejo
dessas substâncias e quais causam menos impactos aos peixes.
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640
CAPÍTULO 30
CULTIVO E APROVEITAMENTO DA MACROALGA
Kappaphycus alvarezii PARA PEQUENOS
MARICULTORES
Valéria Gelli1
Edison Barbieri
INTRODUÇÃO
A macroalga marinha Kappaphycus alvarezii (Figura 1), tem
nome comercial: Cottoni, é uma alga vermelha (Rhodophyta). Essa é
a principal fonte mundial de carragenana do tipo Kappa,
hidrocolóide utilizado como aditivo alimentar agindo como
gelificante, espessante, emulsionante e estabilizante em alimentos na
indústria alimentar, farmacológica e cosmética (Hayashi & Reis,
2012). Pode ser utilizada na composição de adubos e rações (Oliveira
et al., 2005). Atualmente, alguns estudos apontam como potencial
para a produção de bicombustível e biofertilizante (Candra et al,
2011; Zodape, 2001; Zodape et al., 2009; Babu & Rengasamy, 2012;
Pramanick et al., 2014).
A utilização dos recursos marinhos tem sido, há milênios,
uma atividade rotineira para as comunidades costeiras. Incerta e
predatória, a extração dos recursos passou de uma atividade
equilibrada e aceitável à uma dimensão drástica de sobre‐
explotação, provocada pelo crescente aumento populacional e
conseqüente incremento no esforço de exploração acompanhado
pelo rápido aprimoramento das tecnologias de captura, por
legislações impróprias, falta de fiscalização, ausência de consciência
ambiental e desorganização do setor pesqueiro. Essa política vem
ocasionando violentas quedas na biomassa, o que deriva em
Gelli & Barbieri. Cultivo e aproveitamento da macroalga Kappaphycus alvarezii para
pequenos maricultores. In: Tavares‐Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura
no Brasil: novas perspectivas. São Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
641
escassez dos recursos e quebra nos ciclos naturais com os
conseqüentes impactos ecológicos, econômico e social (Gelli et al.,
1998).
Figura 1. Macroalga Kappaphycus alvarezii cultivada no litoral norte de São Paulo
Uma das opções disponíveis para resolução parcial do
problema é a implantação da atividade da maricultura como meio
de gerar emprego e renda, elevar a produtividade das áreas
costeiras, promover a fixação dos produtores em seu local de
origem, estimular o ecoturismo e cadeias produtivas da maricultura
e turismo. Além de diminuir a pressão extrativa sobre os recursos
explorados, incorporar os pescadores a uma atividade planificada
(Gelli et al., 1998), promover a preservação das espécies nativas,
elaborar produtos ligados ao turismo regional, produzir pescado
para o consumo do homem, aproveitar áreas não utilizadas pela
pesca tradicional, aproveitar áreas marinha sem utilização
econômica, promover a diminuição do déficit da balança comercial
brasileira de produtos da pesca e aquicultura (Proença et al., 2001).
O incentivo ao cultivo de algas (algicultura ou ficocultura) pode
também diminuir a importação da carragenana e alga seca, ofertar
nutrientes à agricultura e matéria prima às indústrias de
processamento e bicombustível, produzir alga para o consumo
642
humano, promover a captura de CO2, diminuir a eutrofização das
águas costeiras poluídas, entre outras.
A algicultura tem se consolidado como uma importante
atividade econômica no mundo. Dados estatísticos da FAO (2014)
demonstraram que a produção mundial de algas em 2012, foi de
23.776.449 toneladas (U$ 6,4 bilhões) e dessa, aproximadamente 9%
foi de K. alvarezii (U$ 376 milhões). A maior parte dessa produção
tem‐se obtido em países em desenvolvimento onde se prevê que a
aquicultura continuará contribuindo na produção de alimentos e na
mitigação da pobreza. A maioria das práticas aquícolas tem
permitido obter notáveis benefícios nutricionais e sociais com pouco
custo ambiental.
No Brasil, a macroalga foi introduzida no estado de São
Paulo em 1995, para fins de estudos da sua biologia e da técnica de
cultivo pela USP e Instituto de Pesca, com as finalidades de mitigar
a exploração dos bancos naturais da macroalga nativa Hypnea
musciformis, uma fonte de carragenana, e suprir as crescentes
demandas da alga importada, além do produto carragenana
propriamente dito (Oliveira,1990; Paula et al., 1998; Paula et al.,
2002). Os primeiros cultivos comerciais surgiram no Estado do Rio
de Janeiro, em 2004 (Castelar et al, 2009). Por apresentar uma ótima
adaptação aos cultivos com alta taxa de crescimento, de 4 a 8% ao
dia (Paula et al, 1998), a alga foi introduzida também em Santa
Catarina para fins experimentais, em 2008, e há cultivos comerciais
no Estado da Paraíba.
Vários estudos com K. alvarezii foram realizados para
colaborar com a introdução responsável dessa espécie no Litoral
Norte de São Paulo (Hayashi,2007). Tais estudos referem‐se ao
aspectos reprodutivos e biológicos da alga em ambiente marinho
(Bulboa, 2001 Bulboa & Paula 2005), aspectos biológicos da alga
cultivada em condição de laboratório (Paula et al., 2001), aspectos
da tecnologia e bioecológicos do cultivo da alga em ambiente
marinho (Paula et. 1998; Paula et al. 1999; Paula, et al., 2001; Paula
et al., 2002; Paula & Pereira 2003), cultivo integrado com camarões e
mexilhões (Lombardi et al., 2001a, 2001b), aproveitamento e
643
produção da carragenana (Hayashi, 2001; Hayashi, 2007; Hayashi
et al., 2007a) e seleção de linhagens de algas em laboratório para
cultivo (Paula et al., 1999), entre outros.
A macroalga pode ser considerada de baixo risco de
bioinvação (Reis,2007). Paula et al. (1998), afirmaram que a
introdução de K. alvarezii é favorável, pois os clones não produzem
esporos. As estruturas masculinas são difíceis de serem
reconhecidas no ambiente e quando encontradas são geralmente
estéreis, sendo que não foram encontradas em plantas cultivadas
(Bulboa, 2001; Ask & Azanza, 2002). Os espécimes femininos foram
considerados inviáveis por Paula et al. (1999). Além da presença
desses, estudos realizados de biologia molecular, constataram
espécimes tetrasporofíticos (Zuccarello et al., 2006). Em espécies
cultivadas, normalmente não são reconhecidos tetrasporófitos que
podem produzir tais tetrásporos, embora esses sejam raramente
viáveis mesmo em condições de laboratório (Ask & Azanza, 2002;
Paula et al., 1999). Em sistemas de cultivos, a espécie reproduz‐se
por propágulos, através de fragmentação do talo. As mudas são
cultivadas durante ciclos de 30 a 60 dias e posteriormente colhidas.
A espécie é mais densa que a água do mar, com o seu afundamento
e com a falta de luz, a espécie não sobrevive. A espécie não possui
apressórios e disco de fixação. Outro ponto a destacar é a herbivoria
de lebres do mar, peixes e tartarugas (Paula et al., 2002; Reis, 2007;
Costa, 2008; Castelar, 2009; Carvalho, 2011).
Grande parte desses estudos embasaram tecnicamente o
IBAMA na emissão da Instrução Normativa nº 185, de 22 de julho de
2008 que permite a sua introdução e cultivo na região entre a
Ilhabela‐ SP e a Baía de Sepetiba (RJ). Cabe ressaltar, que todas as
áreas propícias para a implantação da maricultura estão dentro da
Unidade de Conservação ‐ Área de Proteção Ambiental Marinha do
Litoral Norte (decreto 53.525, de 08 de outubro de 2008), que deverá
conter normas específicas sobre o cultivo da alga em seu Plano de
Manejo ou em resoluções específicas (Piatto, 2012).
O Brasil produziu 700 toneladas da macroalga fresca em 2012
(FAO,2014). Essa produção pode estar superestimada pelo
644
desinteresse e abandono dos produtores dos cultivos comerciais no
estado do Rio de Janeiro e São Paulo em conseqüência das restrições
das legislações ambientais, dos preços baixos praticados pelas
indústrias (R$ 2,80/kg seca ou R$ 0,25/kg fresca), além de falta
condições de apoio da infraestrutura e das poucas técnicas de
manejo.
O Brasil importou 1.000 toneladas de carragenana (30
US$/kg) e 2000 toneladas de alga seca (Hayashi, 2007). O
processamento da carragenana requer investimentos em instalações
e equipamentos exigindo intensa mão de obra, energia e grandes
volumes de água (Paula & Pereira, 1998). As principais indústrias
processadoras para a extração da carragenana estão localizadas nos
Estados de São Paulo (Laboratórios Griffith do Brasil S.A. Kerry
Ltda.), Rio de Janeiro (7ondas/Biomar) e Paraíba (Agar Brasileiro
Indústria e Comércio Ltda).
Para incentivar a implantação de novos cultivos na região,
acredita‐se que a alternativa de produção do extrato da alga pelos
próprios maricultores pode ser uma alternativa direta de oferta de
produto por agregar valor ao produto e por demandar uma
infraestrutura pequena de processamento. Eswaran et al. (2005),
extraiu a seiva da macroalga por processamento simples de trituração
e filtração. O extrato de K. alvarezii, é considerado um biofertilizante
foliar e vários estudos comprovaram sua eficiência como estimulante
(Zodape, 2001; Zodape et al., 2008; Zodape et al., 2009; Babu &
Rengasamy, 2012; Pramanick et al., 2014).
TÉCNICAS DE CULTIVO
Obtenção de mudas
Considera‐se muda um fragmento ou propágulo da planta
adulta com até 100 g de peso fresco. As mudas ou propágulos das
algas são repassados, por força de legislação aos produtores pelas
instituições de pesquisa responsáveis pela manutenção das
linhagens provenientes da cepa, cuja origem é conhecida e que vem
sendo estudada desde sua introdução. Todo material que possa a ser
importado deve seguir rigorosamente o processo de “quarentena”
645
estabelecido na legislação vigente (Instrução Normativa IBAMA n°
185/ 2008) e nesse processo, garantir que nenhum material de
origem diferente venha a ser usada nos cultivos da região.
A muda deve ser retirada das extremidades da própria macroalga
adulta. Segundo Goes & Reis (2011), pode ser plantada em dois
sistemas: “Tie tie” e “redes tubulares” .
Sistema de cultivo
a) Sistema de plantio tipo “ tie tie”
Para o plantio, as mudas até 100 g são presas aos cabos e
espaçadas em 20cm. Esse sistema é conhecido por “tie tie” que são
mantidos na superfície da água presos ao espinhel de cultivo (Paula
et al., 1998), como é observado na Figura 2. O crescimento dessas
mudas pode chegar a uma taxa diária de 3 a 8 % (Paula et al., 2001).
Figura 2. Algas Kappaphycus alvarezii cultivadas em sistema “tie tie”. Foto: Gelli,
V.
b) Sistema de plantio em redes tubulares
Sistema estudado por Goes & Reis (2011) consiste em
introduzir as mudas de até 100 g no interior redes de nylon
646
tubulares de malha de rede de 70 mm com auxílio de um cano de 4
polegadas (75 cm). As redes tubulares podem ter o comprimento de
até 5 m, dependendo do tamanho do espinhel, e são presas nas suas
extremidades por cabos de polietileno (Figura 3). Esses autores
concluíram que a utilização das redes tubulares é mais efetiva
porque facilita o manejo do plantio e colheita, não se perde a planta
e tem um retorno em um ano de até 20% maior que o sistema “tie
tie”.
É importante introduzir as mudas no cano sempre na mesa
direção para facilitar o manejo evitando a sua quebra e também
devem ser espaçadas entre si em até 10 cm. Pode se colocar um
pesinho para evitar que elas rodem e partam‐se.
Figura 3. Algas Kappaphycus alvarezii cultivadas em sistema de redes tubulares.
Foto: Gelli, V.
c) Balsa de cultivo
A estrutura flutuante denominada balsa ou espinhel de
algicultura ou ficocultura (Figura 4) deve ser dimensionada de
acordo com ambiente que será instalada. Balsas comerciais chegam a
ter 80 m de comprimento, porém devem ser só instaladas em locais
de baías ou enseadas abrigadas. As balsas devem ser dimensionadas
647
sempre paras as maiores marés de sigízias dos últimos anos, período
em que ocorrem entre os meses de julho a setembro, quando
ocorrem as grandes ressacas. No estado de São Paulo, as balsas
devem ter no máximo 50 m de comprimento total em função da
legislação estadual ambiental. A balsa é composta de um módulo de
50 x 3 m cada, totalizando 150 m² de lâmina de água. É composta
por duas poitas de concreto armado para ancoragem ou dois pinos
de ferro, dois cabos de polietileno torcido de ¼ de polegada para
fundeio, um espinhel de 50 x 3 m, duas boias de arinque tipo bola
ou pião amarelas para sinalização das poitas. Cada poita é
construída em concreto armado com dimensão de 0,9 m de
comprimento por 0,9 m de largura e 0,3 m de altura com peso
aproximado de 1.000 kg, possuindo duas argolas em aço para
amarração dos cabos de fundeio e de sinalização. A durabilidade
das poitas é de no mínimo 10 anos. Os cabos de fundeio da estrutura
possuem 4 a 5 vezes a profundidade do local sendo amarrados à
proa e à popa do espinhel. Nas extremidades do cabo de fundeio são
inseridas 0,5 m de mangueira cristal de uma polegada para
proteção. Cada módulo do espinhel é composto por onze canos de
PVC de 4 polegadas com três metros de comprimento cada,
dispostos paralelamente, um a cada 2,5 ou 5 metros. Cada cano é
tampado e colado para que flutue e amarrado por um cabo. Esse
cabo definirá o espaçamento entre os canos e as tesouras para o
fundeio em cada ponta. Na extremidade do cabo pode ser inserido
0,5 m de mangueira cristal ¼ de polegada para proteção. Cada
intervalo entre os canos de PVC é denominado quadra, cada quadra
pode medir 7,5 a 15 m², e pode comportar 50 a 100 plantas para
crescimento. A vida útil da estrutura principal é de no mínimo 10
anos, tempo este determinado pela correta manutenção dos
petrechos. Os cabos estarão também sujeitos a uma atenta
manutenção devido ao aparecimento de epibiontes.
648
Figura 4. Espinhel ou balsa comercial de cultivo Kappaphycus alvarezii no litoral
norte de São Paulo. Foto: Gelli, V.
d) Colheita
O período de colheita pode variar entre 30 a 60 dias após o
plantio, dependendo da época do ano e em períodos de águas mais
quentes (acima de 30°C) é recomendável colher em período mais
curto por conta do assentamento de ascídias. Segundo Paula &
Pereira (1998), as taxas de crescimento obtidas variaram com
regularidade em função da temperatura, com um mínimo no
inverno (4,5% ao dia) e máximo no verão (8% ao dia), sendo
geralmente superiores às verificadas nas Filipinas. De acordo com os
mesmos, estas altas taxas podem ser explicadas pela maior
disponibilidade de nutrientes na região, associada à técnica de
cultivo em sistema flutuante, que minimiza os fatores limitantes.
Hayahi et al. (2007) afirma que a macroalga tem bom teor de
carragenana durante todo o ciclo anual (20 a 40% carragenana semi‐
refinada e 12 a 28% de carragenana refinada. A produtividade
depende diretamente da luz, nutrientes, hidrodinamismo e inter‐
649
relações bióticas Pode‐se ter em média sei colheitas/ano e uma
produção de aproximadamente 135 toneladas/hectare
A macroalga é comercializada seca, e a secagem em meio
natural pode durar até 15 dias, dependendo das condições de
meteorológicas.
APROVEITAMENTO DA MACROALGA POS COLHEITA
A macroalga marinha pode ser comercializada seca ou fresca e
utilizada para vários fins como já citado acima. A infraestrutura
para processamento de algas secas é maior, tanto para áreas de
secagem quanto para a extração da carragenana. Estudos estão se
iniciando no Brasil para o aproveitamento das algas fresca e seus
produtos para incentivar o desenvolvimento da algicultura
brasileira.
a) Algas secas
A macroalga após colhida poder ser seca ao sol e comercializada
para as indústrias de extração de carragenana brasileiras. Paula &
Pereira (1998) afirmam que os cultivos são desenvolvidos com
baixos custos de capital inicial e operacional e com mão de obra
pouco especializada. As algas secas, consequentemente, são
comercializadas a baixos preços, sendo este o principal problema
referido pelos produtores.
b) Algas frescas
O aproveitamento do extrato de K. alvarezii para a aplicação
como biofertilizante foliar tem sido estudado nas plantações e se
mostrado como um potente estimulante orgânico. Diferentes
concentrações do extrato dessa macroalga (foi estudado para a
cultura de quiabo Albemoschus esculentus 2,5%) (Zodape et al., 2008),
para o maior rendimento e qualidade nutricional na grama (Zodape
et al. 2010), para o trigo Triticum aestivum (1%) (Zodape et al.,2009),
para o tomate Lycopersicon esculentum (5%)(Zodape et al.,2011), para
pimenta e arroz (Babu & Rengasamy, 2012), para a trigo
comparando dois extratos (Kappaphycus e Gracilaria) e concentrações
(Shad et al.,2013).
A composição química do extrato da macroalga K. alvarezii pode
ser observada na Tabela 1. A presença de hormônios associados aos
650
micronutrientes e macronutrientes pode ser os responsáveis pelos
efeitos positivos no desenvolvimento das plantas. Estudos em São
Paulo estão se iniciando para a aplicação do biofertilizante foliar em
alface em parceria com o Instituto Biológico e Agronômico de
Campinas.
Tabela 1. Composição química do extrato de macroalga Kappaphycus
alvarezii.
Constituinte da seiva pura Valores
Nitrogênio (%) 0,45‐0,70
Fósforo (%) 0,007‐0,01
Potássio (%) 1,60‐2,10
Matéria orgânica (%) 1,05‐1,40
Sódio (%) 0,45‐0,70
Cálcio (%) 0,04‐0,06
Magnésio (%) 0,06‐0,07
Manganês (mg/L) 6,0‐9,0
Ferro (mg/L) 100‐160
Cobre (mg/L) 7,0‐11,0
Zinco (mg/L) 19,0‐25,0
Cobalto (mg/L) 2,0‐5,0
Molibidenio (mg/L) 2,0
Sulfato (%) 1,1‐1,2
Cloreto (%) 2,4‐2,7
IAA (mg/L) 25,1
Kinetina (mg/L) 8,5
Zeatina (mg/L) 20,1
Giberelina (mg/L) 27,1
Fonte: Zodape et al. (2009)
Preparo do extrato de algas e rendimento
A seiva de K. alvarezii é extraída seguindo a metodologia de
Eswaran et al. (2005) e adaptada para as linhagens brasileiras
cultivadas. Partes iguais das quatro linhagens cultivadas no litoral
paulista (Marrom original (MO), verde original (VO), vermelha
original (VM) e a Edison de Paula (EP)) são colhidas depois de no
mínimo 30 dias de cultivo, são lavadas em água corrente para
retirada de todo fouling, pesadas em partes iguais, misturadas e
quebradas para facilitar a trituração. A trituração é realizada por
651
liquidificador industrial de 4 litros por aproximadamente 5 minutos.
Não é acrescentado nenhum líquido para facilitar a trituração. Após,
esse líquido é filtrado em pano de algodão ou tipo tactel e separadas
a fração líquida da fração sólida (Figura 5).
O rendimento do extrato para cada quilo de macroalga fresca
(MO+VO+VM+EP) foi monitorado mensalmente durante o período
de oito meses. Foram retiradas mensalmente quatro amostras de 01
quilo da macroalga fresca e separadas a fração líquida da sólida
conforme descrito acima. Foram medidos os volumes com auxilio de
proveta e pesados as frações solida seca com balança de precisão. Os
resultados preliminares médios obtidos para cada quilo de alga
fresca foram de 741 mL de fração liquida (extrato da macroalga) e de
40,1 g fração sólida seca (farinha da macroalga).
Figura 5. Preparo do extrato de algas.
652
LEGISLAÇÃO
Ordenamento – introdução de uma espécie exótica
A introdução da K. alvarezii no Estado de São Paulo, foi
precedida de uma cuidadosa análise sobre a real necessidade de
introdução pela Universidade São Paulo em parceria com o Instituto
de Pesca/APTA/SAA (Oliveira,2006). Oliveira (2006) afirma que a
mesma atendeu a vários critérios como: a existência de um mercado
assegurado para o produto; falta de uma espécie local possa suprir o
produto desejado; falta de tecnologia para cultivar as espécies
locais; disponibilidade de tecnologia, e de mão de obra capaz de
utilizá‐la, para cultivar o organismo introduzido; compatibilidade
ecossistêmica e existência de nicho ecológico vago para o nível
trófico do organismo a ser introduzido; a ausência de conflitos com
o uso das áreas para receber o organismo; a análise econômica
mostrando que o produto possa concorrer e ser competitivo com a
importação; um balanço favorável entre os impactos ambientais
positivos e negativos ainda aguardando a apenas a análise da
perspectiva clara da geração de benefícios sociais com a implantação
efetiva dos parques de produção de algas no litoral de São Paulo.
Porém é mesmo ressalta a importância de um monitoramento
permanente e criteriosa quarentena.
Regularização dos cultivos
A legislação a seguir é específica para a regularização dos
cultivos da macroalga K. alvarezii no Estado de São Paulo. A
legislação brasileira aquícola é relativamente recente e a atividade
da aquicultura marinha ou maricultura está regrada atualmente por
leis, decretos e instruções normativas federal e estadual.
No âmbito federal, a atividade é norteada pelos seguintes
Instrumentos: Lei 11. 959, de 29 de junho de 2009 que dispõe sobre a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e
Pesca ; Decreto n° 4.895/2003 que autoriza o uso dos espaços físicos
em corpos dʹágua de domínio da União para fins de aqüicultura e dá
outras providências; Instrução Normativa Interministerial nº 06 de
31 de maio de 2004, que estabelece as normas complementares para
653
a autorização de uso dos espaços físicos em corpos dʹágua de
domínio da União para fins de aqüicultura e dá outras providências;
Instrução Normativa nº 185 de junho de 2008 que autoriza o cultivo
da alga K. alvarezii; Instrução Normativa n° 17, de 22 de setembro de
2005 que institui os planos locais de maricultura (PLDM)
atualizado pela Instrução Normativa n° 11 que publica o Termo de
Referencia dos PLDMS. E no âmbito estadual, especificamente no
Litoral Norte do Estado de São Paulo, pela Lei 10.019 de 03 de julho
de 1998 que trata do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro;
pelo o Decreto 49.215 de 07 de dezembro de 2004 que dispõe sobre o
Zoneamento Econômico Ecológico do litoral norte de São Paulo,
prevê usos e atividades para as diferentes zonas, estabelece
diretrizes, metas ambientais e sócio‐econômicas.
Cabe ressaltar que o Artigo 2 °, incisos I e II do Decreto
49.215 definem “Aquicultura como a cultura de organismos, que
tenham na água seu normal ou mais freqüente meio de vida e
aqüicultura marinha de baixo impacto como o cultivo de
organismos marinhos de interesse econômico, em áreas de até a
2.000 m² de lâmina de água por produtor”, respectivamente. Assim
como, os artigos 37° e 38° deste mesmo decreto ordenam e limitam,
também, a atividade da maricultura no litoral norte de São Paulo.
Ainda o Decreto Nº 53.525, de 08 de outubro de 2008 que cria
a APA Marinha do litoral Norte e o Decreto Nº 60.582, de 27 de
junho de 2014 que dispõe os critérios para licenciamento ambiental
para a aquicultura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A algicultura ou ficocultura, cultivo de macro ou micro algas
utilizadas para alimentação humana ou para a extração dos
hidrocolóides (agar, alginato ou carrragena) é amplamente utilizado
nas indústrias alimentícias, têxtil, farmacêutica e recentemente nas
indústrias de biofertilizante e biocombustível. O cultivo de
macroalgas no mundo é caracterizado pelo cultivo de poucas
espécies. Aproximadamente 98,9 % da produção mundial, procede
das algas Laminaria japonica, Kappaphycus alvarezzi, Gracilaria ssp.,
654
Porphyra ssp. e Undaria pinnatifida. Outras espécies de macroalgas
também são cultivadas como Fusiform sargassum e a Caulerpa ssp.
Atualmente, no Brasil cultiva‐se duas espécies de macroalgas
(Kappaphycus e Gracilaria) por possuírem uma grande produção de
biomassa, sendo extraída delas a carragenana e agar.
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657
CAPÍTULO 31
ÓLEO ESSENCIAL DE Lippia alba: APLICAÇÃO NA
AQUICULTURA
Alexssandro Geferson Becker 1
Brenna Celina Ferreira de Carvalho
Hugo Napoleão Pereira da Silva
Janna Laely dos Santos Maia
Waldinete Lobato
Elen Monique de Oliveira Sousa
Rodrigo Numeriano de Sousa
Ricardo Bezerra de Oliveira
Rosa Helena Veras Mourão
Lenise Vargas Flores da Silva
Mauro Alves da Cunha
Berta Maria Heinzmann
Bernardo Baldisserotto
INTRODUÇÃO
A produção de pescado no Brasil tem alcançado um valor
aproximado de 2,5 milhões de toneladas segundo dados
preliminares de 2013 (MPA, 2013), sendo que deste total 40% são de
espécies cultivadas. Destaca‐se que o potencial brasileiro de
produção de peixes vem aumentando, o que possibilita ao país a
capacidade de se tornar um dos maiores produtores mundiais.
Portanto, dentro deste contexto é necessário aprimorar os
procedimentos envolvidos na aquicultura, entre os quais se
destacam os seguintes: captura, biometria, indução à desova e
espermiação e transporte. Em todos estes processos, os peixes são
submetidos a condições de estresse, que podem desencadear
respostas em diversos níveis, como fisiológico, bioquímico,
Becker et al. Óleo essencial de Lippia alba: aplicação na aquicultura. In: Tavares‐Dias,
M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São Carlos,
Editora Pedro & João, 2015.
659
comportamental e zootécnico. A fim de se reduzir as respostas ao
estresse e as injúrias físicas ocasionadas pelos procedimentos de
manejo, tem‐se buscado a utilização de anestésicos durante estas
etapas.
Os anestésicos, como relatado acima, são usados para reduzir
as respostas ao estresse e injúrias físicas e, portanto, facilitam os
procedimentos de manejo. Alguns fármacos tais como benzocaína,
metanossulfonato de tricaína (MS‐222) e quinaldina têm sido usados
para anestesiar peixes (Ferreira et al., 1984; Das & Goswani, 2003;
Pavlidis et al., 2003; Singh et al., 2004; Palic et al., 2006; Ross et al.,
2007; Park et al., 2009; Gressler et al., 2012). Porém, a eficiência
altamente variável desses fármacos e seus efeitos indesejáveis como
perda de muco, irritação branquial e lesões nas córneas, têm levado
à busca por alternativas naturais em que estes efeitos sejam
reduzidos drasticamente. Além disso, o único anestésico químico
aprovado pelo FDA (Food & Drug Administration, 2014) para uso
em peixes é MS‐222, o qual não é produzido no Brasil. Desse modo,
entre as alternativas para anestesia de peixes, há os óleos essenciais
(OEs) obtidos a partir das plantas (Façanha & Gomes, 2005; Cunha
et al., 2010; Silva et al., 2012), os quais além de ser potenciais
anestésicos também vem ganhando destaque na sanidade animal,
pois podem ser fontes promissoras de substâncias bioativas contra
parasitos e microrganismos. Tais produtos geralmente são também
menos prejudiciais ao meio ambiente e potencialmente menos
agressivos à saúde do homem, no que se refere aos resíduos
produzidos (Soares & Tavares‐Dias, 2013).
Neste contexto, vários estudos têm investigado os efeitos de
extratos vegetais, como OEs e seus subprodutos (como o hidrolato)
em diferentes procedimentos de manejo na aquicultura, obtendo‐se
resultados interessantes e promissores. Entre esses produtos
naturais, destaca‐se o OE de Lippia alba, que será o foco central deste
capítulo. Assim, serão relatados os principais resultados obtidos
para esse OE, visto que ele já possui patente de registro como
anestésico de peixes e, portanto, a sua utilização na aquicultura,
como alternativa aos produtos sintéticos, já pode ser considerada
660
uma realidade. E, ainda, a sugestão para a realização de novos
estudos permitirá o delineamento de uma nova e promissora linha
de investigação ao país.
Lippia alba
Distribuição geográfica
O gênero Lippia L. (Verbenaceae) pode ser encontrado em
diversas regiões do mundo, consistindo em aproximadamente 250
espécies, entre arbustos, ervas ou pequenas árvores (Moldenke,
1965; Jansen‐Jacobs, 1988; Oliveira et al., 2006). No Brasil, segundo
Bezerra et al. (1981) encontram‐se 120 espécies caracterizadas,
principalmente, por sua forte e agradável fragrância, o que pode
lhes conferir um possível interesse para fins aromáticos. A espécie
de interesse, Lippia alba (Miller) N.E. Brown (Figura 1) é um arbusto
aromático encontrado não somente em todas as regiões do Brasil,
mas, também há registros de sua ocorrência desde o sul dos Estados
Unidos da América (Flórida) até as Américas Central e do Sul,
Austrália e Índia (Singh et al., 2000; Biasi & Costa, 2003; Day &
McAndrew, 2003; Hennebelle et al., 2008), sendo que cresce
espontaneamente em solos arenosos próximos a margens de rios,
lagos e lagoas, mas pode também ser cultivada em outros locais
(Moldenke, 1965; Oliveira et al., 2006). É conhecida popularmente
como erva‐cidreira, falsa‐melissa, cidreira‐de‐arbusto, cidreira‐brava
entre outros (Matos et al., 1996; Martins et al., 2000).
661
Figura 1. Exemplar de Lippia alba. Fonte: Heinzmann, B.M. (2014).
Usos populares de Lippia alba
Lippia alba tem sido utilizada popularmente de diferentes
formas (extratos, infusões) para o tratamento de desordens
digestivas, tosse, asma, diarreias, resfriados, dores de cabeça, como
tranquilizante ou atividade antibacteriana, entre outros (Vale et al.,
1999, 2002; Pascual et al., 2001; Di Stasi et al., 2002; Gazola et al.,
2004; Gazzaneo et al., 2005; Oliveira et al., 2006; Pinto et al., 2006;
Hennebelle et al., 2008). De acordo com a lista publicada pela
Central de Medicamentos, trata‐se de uma das espécies medicinais
mais utilizadas pela população brasileira (Santos & Innecco, 2004),
sendo recomendada na Relação Nacional de Medicamentos
essenciais (RENAME,2012) para uso no Sistema Único de Saúde
(SUS‐Brasil). As numerosas utilidades e trabalhos realizados com L.
alba fazem dela uma espécie com potencial interesse econômico
(Albuquerque et al., 2007a, b) e, portanto, mais uma vez, pergunta‐
se, por que não investir em pesquisas com essa planta, direcionadas
ao seu uso em aquicultura?
662
Obtenção e propriedades físico‐químicas do óleo essencial
O OE de L. alba pode ser obtido a partir de folhas frescas
através do processo de hidrodestilação por um período de duas
horas contando com o auxílio de um aparelho do tipo Clevenger
(Figura 2). Neste método, a coleta do destilado é feita em um tubo
graduado sendo que a fase aquosa é automaticamente levada, para
reutilização, ao balão de extração. Após a obtenção, as amostras de
OE são armazenadas em frascos de vidro âmbar em uma
temperatura de ‐20ºC até a sua utilização (Farmacopeia Brasileira,
2010).
Figura 2. Processo de extração do óleo essencial e hidrolato de L. alba com a
utilização do aparelho de Clevenger. Fonte: Maia, J.L.S. (2014).
Após a obtenção do OE é necessário analisar a sua
composição, a qual é feita através de cromatografia gasosa acoplada
à espectrometria de massas (CG‐EM) para a identificação dos
componentes, enquanto que a determinação quantitativa (%) é feita
por CG com detecção por ionização em chama (CG‐DIC). Em adição,
os componentes são identificados com base no índice de retração de
663
Kovats e nos modelos de fragmentação dos espectros de massas,
sendo ambos comparados com dados da literatura (Adams, 2009).
Destaca‐se que a composição do OE pode variar qualitativamente e
quantitativamente, em função de diversos fatores, tais como: regime
de chuvas, estações do ano, época de floração, idade da planta,
horário de coleta, parte da planta amostrada e fatores geográficos e
climáticos (Corrêa, 1992; Tavares et al., 2005; Aguiar et al., 2008;
Barros et al., 2009). Diferentes quimiotipos já foram identificados
para esta espécie (mais detalhes veja Hennebelle et al., 2008). No OE
de L. alba, quimiotipo linalol, os principais constituintes encontrados
estão apresentados na Tabela 1 (veja, também, Soares & Tavares‐
Dias, 2013).
Tabela 1. Constituintes majoritários dos óleos essenciais de Lippia alba
utilizados em experiências com peixes.
Constituintes (%) TR IRcal IRref
Cunha et al. (2010)* Linalol 37,47 18,00 1111 1097a
1,8‐cineol 8,59 14,95 1034 1031ª
Cânfora 6,87 19,53 1152 1146a
Heldwein et al. (2012) Linalol 59,66 17,33 1091 1097a
1,8‐cineol 9,11 14,18 1011 1031ª
Germacreno D 3,78 30,82 1484 1485a
Saccol et al. (2013) Linalol 55,26 16,99 1110 1097ª
1,8‐cineol 7,85 13,74 1030 1031ª
γ‐Muuruleno 4,63 30,34 1483 1480a
Veeck et al. (2013) Linalol 62,60 NI NI NI
Eucaliptol 5,90 NI NI NI
Germacreno D 3,90 NI NI NI
Toni et al. (2014) Linalol 54,38 NI 1111 1103b
1,8‐cineol 5,92 NI 1028 1031ª
γ‐Muuruleno 4,03 NI 1479 1480a
%: Porcentagem relativa, TR: Tempo de retenção (min), Rcal: Índice de retenção
calculado (Índice de Kovats), IRref: Índice de retenção de referência (aAdams, 2001;
bNIST Databank, 2002). NI: não informado. *Dados reportados em Heldwein et al.
(2012).
Mecanismos de ação
A regulação dos receptores do ácido gama‐aminobutírico
(GABA), o qual é o principal neurotransmissor inibitório do Sistema
664
Nervoso Central, pode ser alterada em função da presença de
anestésicos (Sieghart, 2006). Além disso, tanto os receptores
ionotrópicos GABAA e GABAC, bem como o receptor metabotrópico
GABAB são ativados pela liberação sináptica do GABA e, ainda, em
mamíferos os receptores GABAA têm sido relacionados
majoritariamente à sinalização GABAérgica (Tanelian et al., 1993;
Alexander et al., 2008). A expressão do sistema GABAérgico parece
estar conservada entre os vertebrados, ou seja, compreenderia desde
os peixes até os mamíferos, como por exemplo em peixe‐zebra
(Danio rerio) a detecção deste sistema em certas partes do cérebro
poderia permitir que os peixes respondessem aos anestésicos através
da via GABAérgica (Kim et al., 2004; Delgado & Schmachtenberg,
2008). Portanto, em função desta informação, Heldwein et al. (2012)
propuseram um novo modelo animal utilizando juvenis de jundiá
(Rhamdia quelen) para avaliar o envolvimento do mecanismo
GABAérgico em peixes expostos a banhos anestésicos, neste caso, ao
OE de L. alba e, ainda, utilizando o diazepam (BDZ; 150 μM) como
fármaco padrão, pois ele possui uma alta afinidade com os sítios de
ligação dos receptores GABAérgicos (efeito agonista) e, também, o
flumazenil (5 μM; efeito antagonista). Ao final do período
experimental, os autores reportaram, pela primeira vez, uma
potenciação dos efeitos anestésicos do OE de L. alba em função da
presença do BDZ e uma reversão pode ser observada quando da
adição de flumazenil, o que, claramente, confirma o envolvimento
do sistema GABAérgico no efeito anestésico do OE de L. alba em
jundiás.
No entanto, considerando‐se o fato de que o OE é um
conjunto de diversos constituintes, os quais podem atuar em
sinergismo, um maior esclarecimento é necessário sobre seu efeito
anestésico mediado pelo sistema GABAérgico. Assim, ao realizar o
isolamento do composto majoritário do OE, foi possível direcionar o
estudo visando verificar se o efeito é em função do todo ou, apenas,
do constituinte majoritário (linalol). Portanto, a fim de esclarecer
esta dúvida, Heldwein et al. (2014) utilizaram diferentes
concentrações de linalol, em um protocolo semelhante ao reportado
665
anteriormente (Heldwein et al., 2012). Os resultados indicaram que
o efeito do linalol é potencializado pela presença do BDZ, no entanto
não é antagonizado pelo flumazenil. Portanto, o efeito anestésico do
linalol não é mediado pelos receptores GABAA e a ação nesse
receptor que resulta no efeito anestésico do OE de L. alba está
relacionada ao sinergismo entre os constituintes presentes na
complexa mistura da qual é formada o OE. Ainda, os autores
reforçam a ideia de que mesmo atuando em sinergismo, pelo menos
um dos constituintes do OE atua sobre o sítio de ligação do BDZ, no
sistema GABAérgico.
EFEITO ANESTÉSICO DO ÓLEO ESSENCIAL DE Lippia alba
O primeiro estudo sobre a capacidade anestésica do OE de L.
alba, em peixes, foi realizado por Cunha et al. (2010) com juvenis de
jundiá. Os animais foram expostos às concentrações de 5 a 500 mg L‐
1, previamente diluídas em etanol (proporção de 1:10, v/v), com um
tempo máximo de observação igual a 30 minutos. Ao fim dos testes
de avaliação da capacidade de indução à anestesia, pode‐se inferir
que o aumento da concentração do OE diminui o tempo requerido
para a indução à sedação (estágio 2) e anestesia (estágio 4). No
entanto, o tempo necessário à recuperação da anestesia apresenta
relação positiva, ou seja, aumento da concentração de OE resulta em
um aumento do tempo necessário para a recuperação (Figura 3).
666
Figura 3. Tempo requerido (em segundos) para indução e recuperação a partir da
anestesia utilizando o óleo essencial de Lippia alba em juvenis de jundiá, Rhamdia
quelen. Os estágios seguem os relatados por Schoettger & Julin (1967), tendo como
tempo máximo de observação 30 minutos. N = 20 animais para cada concentração
testada. Fonte: Cunha et al. (2010).
O efeito anestésico do OE de L. alba (10 a 450 μL L‐1) também
foi investigado em juvenis de cavalo‐marinho (Hippocampus reidi)
(Cunha et al., 2011) em condições experimentais similares às
relatadas por Cunha et al. (2010), com exceção ao tempo máximo de
observação que foi de 45 minutos e de 6 horas para as duas menores
concentrações. Assim, como relatado no primeiro estudo, os juvenis
de cavalo‐marinho também responderam com uma redução do
tempo necessário à indução ao estágio de anestesia à medida que
aumentam as concentrações de OE. Já nas duas concentrações
menores de OE, o fato dos animais terem permanecido no estágio de
sedação é interessante, pois possibilita que estas concentrações
possam ser utilizadas em experimentos de transporte. Portanto, em
ambos os estudos (Cunha et al., 2010, 2011), concentrações entre 6,25
e 25 μL/L são efetivas na indução ao estágio de sedação leve,
enquanto que concentrações entre 50 e 625 μL/L1 induzem anestesia
profunda.
667
ÓLEO ESSENCIAL DE Lippia alba EM PROCEDIMENTOS DE
MANEJO E TRANSPORTE
O manejo dos peixes é um procedimento inevitável e
necessário na aquicultura. Associado a ele temos as práticas de
transporte de peixes vivos, que no Brasil são feitas, em geral, em
sacos plásticos quando em pequena escala. Além dos fatores já
conhecidos que afetam o transporte, tais como, duração do
transporte, densidade de carga e período de depuração prévio, têm‐
se como limitações deste método principalmente o aumento dos
níveis de gás carbônico e amônia e redução do oxigênio dissolvido.
Portanto, a necessidade de se superar estas limitações, fez com que
vários estudos desenvolvessem métodos ou técnicas diferenciadas,
tais como a adição de sedativos à água de transporte (Inoue et al.,
2005; Park et al., 2009).
Recentemente, a adição do OE de L. alba à água de transporte
tem sido investigada em vários estudos com resultados bastante
interessantes. Becker et al. (2012) transportaram adultos de jundiá
durante 4 h (densidade de carga de 169,2 g/L) com 10 ou 20 μL/L de
OE de L. alba adicionado à água de transporte. Ao final do período,
reportaram que não houve mortalidade e os níveis de amônia total
foram reduzidos em ambos os grupos transportados com a adição
de OE. Em outro estudo, juvenis de cavalo‐marinho transportados
durante quatro (4) ou 24 h em sacos plásticos com 15 μL/L de OE de
L. alba adicionado à água não apresentaram mudanças nos níveis de
oxigênio dissolvido, salinidade e temperatura e, também, não se
observou mortalidade (Cunha et al., 2011). Uma redução nos níveis
de amônia total foi reportada por Veeck et al. (2013) após realizar
por 6 h o transporte de adultos de jundiá (densidade de carga de
275,1 g/L), previamente sedados (200 μL/L de OE de L. alba durante
3 min) em água com a adição de 30 ou 40 μL/L de OE de L. alba.
Portanto, o OE de L. alba tem sido relativamente eficiente quando
adicionado à água de transporte, por reduzir a excreção de amônia.
668
EFEITO DO ÓLEO ESSENCIAL DE Lippia alba EM
PARÂMETROS FISIOLÓGICOS E BIOQUÍMICOS
Os peixes quando submetidos a situações adversas exibem
comportamentos de estresse, o qual decorre de alterações a nível
fisiológico e bioquímico, por exemplo. Em geral, situações
estressantes causam distúrbios osmorregulatórios nos peixes e,
sabendo‐se que o procedimento de transporte pode levar a esta
alteração, a adição de anestésicos à água de transporte é uma boa
alternativa. Assim sendo, exemplares de jundiá transportados por 4
h com OE de L. alba (10 ou 20 μL/L) adicionado à água de transporte
apresentaram uma diminuição do efluxo de íons, ou seja, menor
perda de íons Na+, Cl‐ e K+ (Becker et al., 2012).
Outro fator importante a nível fisiológico é a manutenção da
regulação dos gases sanguíneos, nomeadamente PvO2 e PvCO2. Tem
sido reportado que o sistema respiratório dos peixes é,
inevitavelmente, afetado pela maioria dos anestésicos, os quais
exercem um efeito inibitório sobre este sistema, confirmado, por
exemplo, por uma menor frequência ventilatória (FV) (Keene et al.,
1998). Entretanto, a hiperventilação reportada nos primeiros
minutos de indução à anestesia é comum, tendo como resultado
imediato um aumento do consumo de oxigênio, tudo isso
relacionado à presença do anestésico na água, o qual assume o papel
de “substância estranha” ao meio (McFarland, 1959; Summerfelt &
Smith, 1990). Em adição, com o avanço dos estágios de anestesia,
ocorre uma hipoventilação e, consequente, redução no consumo de
oxigênio (Houston et al., 1971; Dixon & Milton, 1978). Portanto, a
avaliação da FV permite adicionar mais informações sobre os efeitos
do OE de L. alba em peixes. Sendo assim, até o momento, dois
estudos (Becker et al., 2012; Toni et al., 2014) investigaram essa
variável. Em ambos, observou‐se o aumento da FV (hiperventilação)
nos primeiros minutos ou segundos de exposição, a qual diminuiu
tanto com o avanço do tempo de exposição quanto com o aumento
da concentração de OE utilizada em comparação aos peixes controle
(Tabela 2). Em adição, independentemente da concentração de OE
utilizada, a FV em determinado momento permanece constante.
669
Tabela 2. Frequência ventilatória (movimentos operculares ou bucais por
minuto) determinada em jundiás expostos a diferentes concentrações de
óleo essencial (OE) de Lippia alba.
Becker et al. (2012) Concentrações de OE de L. alba (μL/L)
Tempo (h) 0 (controle) 10 20
0 93,02±1,02Ba 101,44±0,82Ab 105,26±0,69Ab
0,5 81,24±0,44Cb 106,10±0,51Ba 121,95±0,21Aa
1 72,16±0,44Ac 67,30±0,75Ac 71,30±0,75Ac
2 65,25±0,88Ac 51,06±1,05Bd 53,31±1,05Bd
3 61,60±1,20Ac 43,23±1,05Be 42,55±0,86Be
4 68,03±1,17Ac 41,72±0,95Be 43,37±0,81Be
Toni et al.
(2014)
Estágio de 0 (controle) 150 300 450
anestesia ou
tempo de
exposição
0s 65,32±3,04Aa 65,83±1,93Ab 71,51±2,20Ab 72,01±1,42Ab
30s 68,64±2,52Ca 84,74±2,46Ba 103,62±2,92Aa 87,21±2,06Ba
5min ou 70,20±3,26Aa 66,73±2,15Ab 66,30±1,65Ab 53,41±1,87Bc
sedação
15 min ou 72,29±2,89Aa 31,22±1,37Bc 32,03±1,36Bc 30,41±1,37Bd
anestesia
profunda
Os valores estão representados como média ± erro padrão da média. Diferentes
letras maiúsculas indicam diferença significativa entre os grupos no mesmo tempo
(p<0,05) e diferentes letras minúsculas indicam diferença significativa entre os
tempos no mesmo grupo (p<0,05).
A redução da FV pode contribuir para um reajuste na
produção de metabólitos no plasma, ou seja, uma menor FV resulta
em um possível aumento dos níveis de lactato plasmáticos
(indisponibilidade de oxigênio para o metabolismo aeróbico
celular), por exemplo (Toni et al., 2014). Em adição, uma não
redução da taxa metabólica reportada por Becker et al. (2012)
poderia estar relacionada, supostamente, à diminuição da excreção
de amônia combinada com o seu aumento plasmático. Segundo
Zhang & Wood (2009), altos níveis de amônia plasmática não
alteram, no sangue, a PaO2, mas aumentam a PaCO2 e HCO3‐,
similarmente ao encontrado para jundiás transportados em água
670
com 20 μL/L de OE de L. alba, os quais exibiram maiores valores de
PvCO2 e HCO3‐ ao final do transporte, portanto, um aumento nos
níveis de amônia plasmática poderiam indicar uma hipoventilação.
Anteriormente, foi evidenciado que os diversos
procedimentos realizados na aquicultura podem desencadear uma
série de respostas fisiológicas e bioquímicas, entre as quais o estresse
oxidativo é uma das principais. Portanto, os OEs têm a proposta de
diminuir esses danos a nível celular. Dentro deste contexto,
Azambuja et al. (2011) realizaram o procedimento de transporte
(densidade de carga entre 140 e 200 g L‐1) de juvenis de jundiá em
diferentes períodos de tempo (5, 6 e 7 h), resultando em três
condições finais de oxigênio dissolvido (hiperóxia, normóxia e
hipóxia) com a presença ou não de OE de L. alba (concentração de 10
μL L‐1) a fim de avaliar as possíveis propriedades antioxidantes
deste OE. As análises dos diversos parâmetros avaliados
(lipoperoxidação lipídica, catalase (CAT), superóxido dismutase
(SOD) e glutationa‐S‐transferase (GST)) permitiram reportar que o
OE de L. alba adicionada à água de transporte contribui para uma
considerável melhora do estado redox dos tecidos amostrados
(fígado, brânquias e cérebro) em ambas condições extremas de
oxigenação (hiperóxia ou hipóxia). Recentemente, Toni et al. (2014)
induziram juvenis de jundiá ao estágio de anestesia com 150, 300 ou
400 μL L‐1 de OE de L. alba a fim de avaliar alguns parâmetros
bioquímicos no plasma durante a recuperação da anestesia (0, 15, 30,
60 e 240 minutos). Independentemente da concentração de OE de L.
alba utilizada, observou‐se um aumento dos níveis de glicose
plasmática e lactato, este último retornando a níveis basais após 240
min de recuperação. Por outro lado, não foi reportada nenhuma
alteração nos níveis de proteína, amônia e alanina aminotransferase
quando os animais foram submetidos à anestesia. Alguns
parâmetros sanguíneos após a exposição de OE de L. alba adicionado
à água foram avaliados pela primeira vez por Cunha et al. (2011) em
cavalo‐marinho, em condições reportadas anteriormente. Neste
estudo, destaca‐se que a concentração utilizada (15 μL/L),
aparentemente, reduz o estresse decorrente do transporte, pois o OE
671
inibiu o aumento da glicose sanguínea e neutrófilos, e diminui
linfócitos. Além disso, segundo Salbego et al. (2014), a hipótese de
que uma sedação pré‐transporte (200 μL/L de OE) reduziria a
agitação inicial e o transporte com 30 ou 40 μL/L de OE adicionado à
água aumentaria a sua eficiência não foi confirmada em função das
alterações bioquímicas encontradas (estresse oxidativo hepático) e,
desta forma, concentrações menores (10‐20 μL/L) utilizadas por
Azambuja et al. (2011) e Becker et al. (2012) podem ser
recomendadas ao transporte.
ADIÇÃO DE ÓLEO ESSENCIAL DE Lippia alba NA DIETA DE
PEIXES
Os promissores resultados obtidos em alguns procedimentos
de manejo com o OE de L. alba, associados aos trabalhos reportados
na literatura, de que a adição de antioxidantes, obtidos a partir de
plantas, na dieta de peixes com importância comercial tem resultado
em um considerável aumento no desempenho e atividade
antioxidante (Dabrowski et al., 2004; Zheng et al., 2009; Gao et al.,
2012) levou ao interesse de verificar se o OE de L. alba poderia ser
um promotor de crescimento quando inserido na dieta. A fim de se
responder a esta questão, Saccol et al. (2013) verificaram os efeitos
da adição de OE de L. alba na dieta (0 = controle; 0,25; 0,5; 1,0 ou 2,0
mL OE por kg dieta) sobre parâmetros de crescimento e estresse
oxidativo de juvenis de jundiá mantidos por um período de 60 dias.
Entretanto, ao fim do período experimental o ganho de peso
relativo, taxa de crescimento específico, taxa de conversão alimentar,
índices hepatossomático e viscerossomático, fator de condição e
parâmetros sanguíneos (hematócrito, hemoglobina, colesterol,
glicose, lactato, lactato desidrogenase, triglicerídeos e lipoproteínas
de baixa e alta densidade) não apresentaram qualquer diferença
significativa em relação aos animais alimentados somente com a
dieta padrão. Por outro lado, os níveis de lipoperoxidação, medidos
através das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) e
hidroperóxidos lipídicos, nas brânquias, fígado, rim e músculo,
reduziu nos jundiás alimentados com dieta contendo OE de L. alba.
672
Além disso, as dietas com o OE de L. alba aumentaram a atividade
da SOD, CAT, glutationa peroxidase (GPx), GST, glutationa
redutase (GR) e o conteúdo de tióis não‐protéicos (NPSH) em vários
órgãos dessa espécie. Portanto, apesar de não melhorar o
crescimento e parâmetros sanguíneos, a adição do OE de L. alba na
dieta do jundiá é recomendada porque diminui a lipoperoxidação e
aumenta as reservas de glicogênio e lactato e a resposta antioxidante
em alguns tecidos.
ÓLEO ESSENCIAL DE Lippia alba COMO ANTIBACTERIANO
O crescimento da produção de pescado brasileiro tem sido
acompanhado por medidas que permitam o controle da saúde dos
animais, entre as quais está a utilização de substâncias químicas, os
chamados quimioterápicos, tanto no tratamento quanto na
prevenção de doenças ocasionadas por microrganismos, tais como
bactérias e vírus. No entanto, a utilização irracional de antibióticos e
o aumento nas descargas de efluentes elevam os potenciais riscos de
poluição ambiental e do número de bactérias resistentes a estes
produtos, o que torna a situação ainda mais preocupante pelo fato
de que os efeitos disso no ambiente aquático são pouco conhecidos
(Jones et al., 2003).
Nesse contexto, uso de produtos naturais tem sido visto
como uma alternativa de destaque na aquicultura, pois sendo fontes
promissoras de substâncias bioativas agem como potenciais agentes
antivirais, antibacterianos, antifúngicos e antiparasíticos (Citarasu,
2010), além de não serem prejudiciais ao meio ambiente (Soares &
Tavares‐Dias, 2013). Dessa forma, a inclusão da L. alba como
alternativa deve ser considerada, pois o seu potencial como
antimicrobiano tem sido comprovado (Pascual et al., 2001; Oliveira
et al., 2006; Aguiar et al., 2008; Machado et al., 2014, Cunha et al., no
prelo). Recentemente, Cunha et al. (no prelo) investigaram a
atividade antimicrobiana do OE de L. alba nas concentrações de 20
ou 50 μL/L contra Aeromonas ssp. através de testes in vitro e in vivo
tendo como modelo experimental juvenis de jundiá e o antibiótico
gentamicina (10 mg/L) como controle positivo. Em relação ao teste in
673
vitro os resultados obtidos reportam a uma fraca atividade do OE
contra Aeromonas ssp., ao passo que quando adicionados a água
(teste in vivo) as diferentes concentrações de OE contribuem para
uma maior sobrevivência dos peixes infectados (90% em animais
com 50 μL/L OE de L. alba e 80% naqueles com 20 μL/L OE ou 10
mg/L de gentamicina). Portanto, é importante que estudos futuros
verifiquem a atividade desse OE frente a outras bactérias
patogênicas de interesse na aquicultura e, também, o seu potencial
como inibidor de fatores de virulência.
ÓLEO ESSENCIAL DE Lippia alba E CONSERVAÇÃO DO
PESCADO
Os procedimentos de captura, manejo e transporte de peixes,
em geral, produzem um aumento da atividade muscular e do
estresse, antecipando o início do rigor mortis, o qual irá acelerar o
processo de degradação durante o armazenamento e,
consequentemente, afetar a textura da carne. Assim, a utilização de
anestésicos torna‐se uma ótima alternativa para impedir este processo
de degradação. Nos EUA o MS‐222 é o único anestésico aprovado
para peixes que serão utilizados ao consumo humano, porém
necessita de um período de depuração de no mínimo 21 dias. Ou seja,
tempo de espera não viável para a produção, além, dos efeitos
danosos que pode causar tanto aos manipuladores quando aos peixes.
Desta maneira, a busca de alternativas naturais, também, tem
ganhado força e incentivo nesta linha da aquicultura. Mais uma vez, o
OE de L. alba torna‐se um referencial muito interessante, pois Cunha
et al. (2010) reportaram que peixes anestesiados em uma concentração
de 300 mg L‐1, além de apresentarem diminuição dos níveis de cortisol
plasmático, também não alteraram o odor e o sabor dos filés sendo,
portanto, aceitável para o consumo humano. Além disso, Veeck et al.
(2013) demonstraram que a utilização de 30 ou 40 μL/L OE de L. alba
como sedativo durante o transporte de jundiá diminui a oxidação
lipídica dos filés congelados e, portanto, a partir deste OE podem ser
obtidos promissores compostos naturais ativos para este uso. Neste
contexto, Machado et al. (2014), após avaliarem a eficácia do OE de L.
674
alba contra a deterioração dos alimentos e bactérias patogênicas
transmitidas por alimentos e, ainda, o seu efeito sobre diferentes
ingredientes alimentares, concluíram que o OE tem um controle mais
efetivo sobre bactérias patogênicas e deteriorantes quando trata‐se de
alimentos ricos em amido e sob pH ácido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando‐se todos os estudos já realizados com OE de L.
alba pode‐se afirmar que esse apresenta consideráveis benefícios para
a aquicultura, principalmente, para a produção de jundiá. Portanto,
com base nos dados obtidos até o momento é interessante a criação de
redes de colaboração entre diferentes grupos de pesquisa a fim de
ampliar os estudos com OE de L. alba em outras espécies, o que
permitirá a elaboração de um pacote tecnológico bem consistente e,
ainda, poderá facilitar a disponibilização deste OE no mercado para
uso em aquicultura. Destaca‐se que o OE de L. alba, por ser um
fitoterápico, pode ser utilizado na aquicultura orgânica.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem as instituições de fomento à pesquisa
que têm contribuído para o desenvolvimento de projetos nesta linha
de investigação, sendo elas, o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS), Ministério da Pesca e Aquicultura, INCT‐ADAPTA
CNPq/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
(FAPEAM). Além disso, a todos os alunos de graduação, pós‐
graduação e pesquisadores que de alguma maneira têm contribuído
para a elaboração de dados sobre a utilização do OE de L. alba na
Aquicultura.
675
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681
CAPÍTULO 32
AQUAPONIA: PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE
PEIXES E VEGETAIS
Paulo César Falanghe Carneiro1
Alexandre Nizio Maria
Maria Urbana Correa Nunes
Rodrigo Yudi Fujimoto
INTRODUÇÃO
A aquaponia é a modalidade de produção de alimentos com
baixo consumo de água e alto aproveitamento do resíduo orgânico
gerado.Portanto, é uma alternativa de produção de peixes e vegetais
menos impactante ao meio ambiente (Tyson et al., 2011). O termo
aquaponia é derivado da combinação das palavras ʺaquaculturaʺ
(produção de organismos aquáticos) e hidroponia (produção de
plantas sem solo), e refere‐se à integração entre a criação de
organismos aquáticos, principalmente peixes, e o cultivo de vegetais
hidropônicos. Apesar do termo aquaponia ser novo no Brasil, trata‐
se de uma tecnologia testada e validada em vários países nos
últimos 20 anos e, hoje, comprovadamente viável do ponto de vista
técnico e econômico (Rakocy et al., 2006; Graber & Junge, 2009).
Tradicionalmente, a aquicultura é uma atividade conduzida
em viveiros escavados de grandes dimensões, acima de 1.000 m2.
Porém, nas últimas três décadas houve avanços significativos na
aquicultura realizada em sistemas de recirculação, possibilitando a
obtenção de produtividade muito superior aquelas observadas nos
sistemas tradicionais (Losordo & Westerman, 2007). Apesar da
grande vantagem dos sistemas de recirculação de água, por reduzir
drasticamente a área necessária para a produção de organismos
aquáticos, as altas densidades de estocagem empregadas
Carneiro et al. Aquaponia: produção sustentável de peixes e vegetais. In: Tavares‐
Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São
Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
683
normalmente apresentam como desvantagem o grande volume de
resíduo orgânico produzido e que precisa ser retirado do sistema
(Van Rijn, 2013). Concomitantemente ao desenvolvimento das
técnicas de recirculação foram feitos muitos estudos utilizando
plantas aquáticas no intuito de diminuir a carga orgânica produzida
pelos peixes. Plantas terrestres também foram testadas e os
resultados foram promissores, mostrando não apenas efeitos
positivos na redução da carga orgânica de sistemas de recirculação,
como também o grande potencial de produção de vegetais com a
“solução de nutrientes” presentes em ambientes de criação de
peixes, à semelhança do que ocorre na hidroponia.
Apesar da aquicultura e hidroponia ser práticas de produção
de alimentos com estudos realizados há mais de 50 anos, as pesquisas
em aquaponia somente começaram a apresentar seus resultados mais
expressivos nos últimos 10 anos, com especial referência aos estudos
conduzidos por pesquisadores da Universidade das Ilhas Virgens‐
EUA (Rakocy et al., 2006). A literatura brasileira ainda é escassa no
que refere‐se a aquaponia, com apenas algumas publicações recentes
(Abreu, 2012; Hundley & Navarro, 2013; Jordan, et al., 2013; Silva et
al., 2013; Braz Filho, 2014). Apenas nos últimos anos foi observado
maior interesse sobre esse assunto, e pesquisadores de algumas
universidades brasileiras e da Embrapa iniciaram seus primeiros
ensaios experimentais. Por outro lado, há muita informação técnicas e
científicas sobre aquaponia no exterior, com destaque a países tais
como Austrália, Canadá, Estados Unidos e Israel (Rakocy et al., 1997;
Lennard & Leonard, 2004; Savidov, 2004; Rakocy et al., 2006, Lennard
& Leonard, 2006; Tyson et al. 2008; Graber & Junge, 2009; Endut et al.
2010; Tyson et al., 2011; Roosta & Mohsenian, 2012; Danaher et al.,
2013).
Paralelamente às pesquisas realizadas nessas últimas duas
décadas, muito interesse foi despertado nos países supracitados,
tanto do ponto de vista comercial, onde já há registro das primeiras
iniciativas de sucesso, quanto em pequena escala, ou residencial,
também conhecido internacionalmente como “backyard
aquaponics”, termo em inglês para ʺaquaponia de quintalʺ (ver
684
http://www.backyardaquaponics.com/). Em países como Austrália,
Canadá e Estados Unidos várias empresas já fornecem
equipamentos e consultoria especializada a quem quer produzir
seus alimentos em sistemas compactos de aquaponia, instalados em
suas próprias residências. Outra forma de utilização da aquaponia
que está em ascensão em alguns países desenvolvidos, e que aos
poucos vem chegando no Brasil, está relacionada ao contexto
educacional. Professores de diversas disciplinas, principalmente do
ensino fundamental e médio, valem‐se dos conceitos técnicos da
aquaponia para melhorar o aprendizado de seus alunos. Em outras
palavras, sistemas simples e compactos de aquaponia podem se
tornar ferramenta de ensino muito eficiente para temas tão distantes
quanto biologia, meio ambiente, física, química, matemática,
economia e engenharia.
Apesar da aquaponia ainda ser pouco difundida na Brasil, há
grande expectativa de que essa forma sustentável de produção de
alimentos torne‐se muito popular em nosso país em futuro muito
próximo, a exemplo do rápido desenvolvimento e uso dessa técnica
observado nos últimos 10 anos em vários países. Contudo, a
aquaponia envolve conhecimentos específicos para seu pleno
funcionamento e sucesso de sua aplicação, seja para fins domésticos,
comerciais ou educacionais, pois requer a compreensão dos
elementos biológicos envolvidos no sistema. Este capítulo traz,
portanto, uma abordagem geral sobre os componentes de um
sistema aquapônico, bem como informações básicas sobre seu
funcionamento.
PECULIARIDADES, VANTAGENS E DESVANTAGENS DA
AQUAPONIA
A aquaponia preconiza a reutilização total da água, evitando
seu desperdício e diminuindo significativamente a liberação de
efluente ao meio ambiente. O volume de água necessário para um
sistema de aquaponia é muito baixo se comparado aos sistemas
tradicionais de agricultura e aquicultura, que envolvem irrigação
diária e renovação constante de água, respectivamente. Uma vez
685
abastecido e em funcionamento, um sistema de aquaponia pode
ficar por muito tempo sem a necessidade de troca de água, sendo
necessária somente a reposição da água perdida por evaporação e
evapotranspiração. Nesse sentido, a aquaponia é, inclusive, mais
eficiente na utilização da água e geração de efluente que a própria
hidroponia, que necessita constante renovação da solução
hidropônica de nutrientes.
Na agricultura convencional o solo é simplesmente um
reservatório de nutrientes e um meio de sustentação das plantas.
Prova disso que muitos vegetais são cultivados com sucesso na
hidroponia, onde não há a presença do solo e sim uma estrutura de
apoio para sustentação das plantas e o fornecimento dos nutrientes
necessários para seu desenvolvimento. A desvantagem da
hidroponia é que se trata de um sistema não orgânico pelo fato dos
nutrientes utilizados serem processados industrialmente.
Atualmente, o potencial de mercado da hidroponia sem o uso de
agroquímicos é ascendente e muitos produtores de vegetais
hidropônicos buscam alternativas para substituição dos fertilizantes
hidropônicos tradicionais. Porém, há poucas opções de fertilizantes
naturais para a hidroponia disponível no mercado, causando
dificuldades de produção. Nesse contexto, a aquaponia pode ser
considerada uma tecnologia alternativa para a produção de vegetais
hidropônicos sem o uso de produtos químicos e, consequentemente,
mais saudáveis.
Em aquaponia, peixes e plantas são cultivados em um mesmo
corpo d´água e compartilham estruturas físicas integradas, sendo
observadas algumas vantagens, tais como:
¾ utilização de quantidade mínima de água;
¾ possibilidade de produção de alimentos no meio urbano,
próximo ao consumidor final;
¾ aproveitamento de dejetos produzidos por peixes e que
seriam descartados no meio ambiente;
¾ controle da proliferação de algas e fungos que podem
conferir sabor desagradável ao pescado;
686
¾ produção intensiva, com altas densidades de peixes e
vegetais;
¾ geração de um produto diferenciado, padronizado e de alta
qualidade, livre de agrotóxicos e antibióticos;
¾ diversificação da produção e geração continua de renda;
¾ minimização dos riscos de contaminação química e biológica
dos corpos d´água naturais, e
¾ minimização dos riscos de introdução de espécies exógenas
aos cursos d´água naturais.
Dentre as principais desvantagens da produção em aquaponia
quando comparada à agricultura tradicional e/ou à hidroponia,
podemos listar:
¾ dependência contínua de energia elétrica;
¾ restrições quanto à utilização de agrotóxicos e antibióticos
em função dos diferentes seres vivos envolvidos no sistema;
¾ pouca tecnologia difundida no Brasil;
¾ necessidade de conhecimento básico em algumas áreas‐chave
como engenharia, hidráulica, biologia, fitotecnia e
piscicultura.
PRINCÍPIOS BIOLÓGICOS IMPORTANTES
O fornecimento de ração aos peixes é a entrada de insumo
mais importante em um sistema aquapônico. Os peixes alimentam‐
se da ração e produzem excretas que naturalmente são convertidas
nos nutrientes que serão absorvidos pelas plantas. Na aquaponia, há
um fluxo contínuo de nutrientes entre diferentes organismos vivos
que estão relacionados por meio de ciclos biológicos naturais,
notadamente a nitrificação promovida por bactérias. Bactérias
nitrificantes dos gêneros nitrosomonas e nitrobacter são
responsáveis pela conversão da amônia (NH3) em nitrito (NO2‐) e
esse em nitrato (NO3‐), transformando substâncias tóxicas
produzidas pelos peixes em nutrientes assimiláveis pelas plantas
(Figura 1). Ao consumir esses nutrientes as plantas, juntamente com
as bactérias, desempenham papel importante na filtragem biológica
687
da água, garantindo sua condição adequada para o
desenvolvimento normal dos peixes (Tyson et al., 2011).
Aquicultura Hidroponia
PRODUÇÃO
Ração
Ingestão
Digestão Absorção
Excreção Crescimento
Nitrosomonas
NO2
Nitrobacter
Nitrificação
(Filtro biológico)
Figura 1. O ciclo do nitrogênio na aquaponia inicia‐se com a proteína presente na
ração que é fornecida aos peixes e, consequente, produção de amônia que é
excretada na água. A amônia (NH3) é convertida em nitrato (NO3‐) por bactérias
nitrificantes (Nitrosomonas spp. e Nitrobacter spp.). O nitrato, bem como o íon
amônio (NH4+) são absorvidos pelas plantas.
Como o nitrogênio é o nutriente requerido pelas plantas em
maior quantidade e o nitrato é a forma preferida de absorção, a
compreensão e o manejo adequado das colônias de bactérias é de
fundamental importância na aquaponia (Figura 1). O surgimento
dessas bactérias em um filtro biológico é de ocorrência natural,
porém pode ser estimulado pela introdução de água trazida de
outro local onde é conhecida sua presença. As bactérias nitrificantes
crescem em biofilmes aderidos a superfícies de material inerte ou de
partículas orgânicas. Após a introdução dos peixes no sistema pode‐
se acompanhar o aumento contínuo do nível de amônia durante a
primeira semana. A partir desse momento nota‐se o decréscimo na
concentração desse elemento ao mesmo tempo em que são
detectados níveis crescentes de nitrito, denunciando o
688
desenvolvimento das colônias de Nitrosomonas. Outra semana se
passa, os níveis de nitrito começam a baixar e os de nitrato a subir,
indicando a presença de Nitrobacter. Geralmente são necessários 20 a
30 dias para um sistema aquapônico apresentar seu ciclo de
nitrificação em equilíbrio (Francis‐Floyd et al., 2009).
O pH é um dos pontos mais críticos e que requer mais atenção
dentro de um sistema de aquaponia (Tyson et al., 2008). Toda reação
química que ocorre em um organismo vivo é regulada pelo pH do
meio onde se dá a reação, sendo que o pH ideal pode variar muito de
um organismo para outro. Pelo fato da aquaponia envolver em um
mesmo corpo d´água três organismos muito distintos (peixes, plantas
e bactérias) é de fundamental importância conhecer as necessidades
de cada um deles para que o pH da água seja mantido em uma faixa
que atenda a todos satisfatoriamente. As bactérias nitrificantes são
predominantemente aeróbicas e têm o pH ótimo no intervalo entre 7,0
e 8,0. Por outro lado, a maioria das plantas cultivadas em hidroponia
cresce melhor em pH entre 5,5 e 6,5. O pH influencia a absorção dos
nutrientes pelas plantas, sendo que micronutrientes como ferro,
manganês, cobre, zinco e boro estão menos disponíveis em pH acima
de 7,0. O mesmo é observado para fósforo, cálcio, magnésio e
molibdênio quando o pH está abaixo de 6,0. Já para a maioria das
espécies peixes de água doce de interesse econômico e que podem ser
utilizados em um sistema aquapônico, o pH ideal encontra‐se entre
7,5 e 9,0. Portanto, pode‐se notar que o monitoramento e controle do
pH é um dos pontos de maior atenção para conduzir‐se
adequadamente a produção em um sistema de aquaponia.
A manutenção do pH próximo a 7,0 é a opção mais adequada
para atender a todos os componentes biológicos presentes em um
sistema aquapônico (Rakocy et al., 2006). Porém, após a colonização
do filtro biológico pelas bactérias e equilíbrio em geral de um
sistema aquapônico é normal observar a contínua redução dos
valores de pH. Esta observação é importante pois indica o bom
funcionamento do filtro biológico. Por outro lado, faz‐se necessária a
contínua correção do pH para atender as necessidades dos três
componentes biológicos envolvidos, conforme dito acima. Dentre as
689
opções de substâncias tamponantes que podem ser utilizadas para a
correção do pH em aquaponia, aquelas a base de potássio (K), cálcio
(Ca) e magnésio (Mg) são as mais indicadas uma vez que se trata de
nutrientes normalmente presentes em sistemas de aquaponia em
quantidades inferiores às exigidas por muitos vegetais. Portanto,
adições periódicas de substâncias como hidróxido de potássio,
hidróxido de cálcio e calcário dolomítico em um sistema de
aquaponia pode ser uma constante, não apenas para o
tamponamento e ajuste do pH da água como também para a
suplementação nutricional das plantas.
RELAÇÃO ENTRE AS ÁREAS DE CRIAÇÃO DE PEIXES E DE
CULTIVO DE VEGETAIS
O quantitativo de plantas a ser produzido está diretamente
ligado à densidade de peixes estocada no sistema, que por sua vez,
limita a quantidade de nutrientes disponíveis às plantas. A literatura
apresenta várias formas de calcular ou estimar essa relação, dentre
elas o estabelecimento de proporções entre os volumes dos tanques
de criação de peixes e do ambiente hidropônico que podem variar
entre 1:1 e 1:4 (Nelson, 2007; Rakocy et al.,1997). Outra forma de
quantificar a proporção está baseada na quantidade de ração
ofertada diariamente aos peixes, sendo sugerida por Rakocy et al.
(1997) a proporção de 60 a 100 gramas de ração de peixe/dia para
cada metro de área de produção vegetal. Nesse caso 60g/dia deve
ser considerado para o cultivo de um metro quadrado de vegetais
menos exigentes como a alface e outras folhosas. Plantas mais
exigentes como tomateiros necessitam de concentração maior de
nutrientes na água do sistema, o que poderia ser alcançado com uma
biomassa de peixes que demandasse 100 g de ração/dia/m2. Há
ainda uma sugestão para o dimensionamento entre peixes e plantas
baseada na proporção das biomassas produzidas, ou seja, para cada
1 kg de peixe estima‐se que possam ser produzidos 7 kg de vegetais
(Nelson, 2007). Apesar de ser muito variadas as possíveis
estimativas de dimensionamento entre a produção de peixes e de
vegetais, há um consenso de que a parte hidropônica ocupa uma
690
área muito maior do que aquela destinada a produção de peixes.
Somando‐se ao fato de que o ciclo das hortaliças é muito mais curto
(25 a 120 dias) do que o ciclo dos peixes (acima de 200 dias) fica
evidente a maior importância econômica da parte vegetal em
sistemas aquapônicos.
COMPONENTES DO SISTEMA DE AQUAPONIA
Ambiente de criação dos peixes
O ambiente de criação dos peixes dentro de um sistema
aquapônico é geralmente representado por um ou vários tanques
nos mais diversos formatos e volumes, podendo variar de poucos
litros a vários metros cúbicos e ser feito de vários tipos de materiais
(Rakocy et al., 2006). Sistemas compactos, normalmente utilizados
como hobby ou para fins educacionais, podem utilizar aquários de
vidro ou policarbonato para permitir a visualização dos peixes.
Sistemas um pouco maiores, tidos como residenciais, utilizam
tanques de polietileno ou de fibra de vidro. Em sistemas comerciais
é comum a existência de vários tanques interligados que permitam
despescas parceladas e frequentes. Em qualquer que seja a situação,
o tanque de criação de peixes precisa ser resistente e durável. Como
trata‐se de um ambiente para a produção de alimentos, é muito
importante também que sejam utilizados materiais que não liberem
substâncias tóxicas na água.
Para volumes a partir de 1.000 L é recomendável o uso de
tanques circulares por promoverem melhor circulação da água.
Nesse caso, a movimentação da água e dos peixes conduzem os
resíduos sólidos (fezes e restos de ração) ao centro do tanque,
facilitando sua remoção e mantendo o ambiente de criação dos
peixes em condições mais adequadas. A ausência de cantos ou
quinas em tanques circulares favorece a livre movimentação da água
que entra e sai e evita a formação de áreas com pouca ou nenhuma
troca, conhecida como zona morta. Portanto, as duas razões
principais para manter o fluxo de água adequado dentro de um
tanque de criação de peixes em aquaponia são: 1) garantir o nível
adequado de oxigênio dissolvido em todo volume de água do
691
tanque; e 2) permitir a retirada continua dos resíduos produzidos
pelos peixes.
Sistemas aquapônicos de pequeno porte normalmente são
estocados com densidades de peixes inferiores a 15 kg/m3, o que
permite a escolha do tanque de criação dentro de uma gama maior de
possibilidades. Isso não quer dizer que em sistemas menores as
características do tanque de criação não devam ser consideradas e sim
que, em função dos menores riscos envolvidos, há maior flexibilidade
na escolha do recipiente mais adequado. Em sistemas comerciais de
produção de peixes em recirculação são observadas normalmente
densidades de estocagem acima de 50 kg/m3. Porém, para que
sistemas aquapônicos possam utilizar densidades tão elevadas é de
fundamental importância que os tanques de criação respeitem alguns
critérios mínimos como estes apresentados a seguir.
O fluxo de água que deve passar pelo tanque de criação é um
aspecto muito importante e deve levar em conta fatores como a
velocidade da água e a taxa de renovação. A velocidade da água não
deve ser tão rápida a ponto de exigir esforço natatório demasiado
dos peixes e, consequentemente, causar prejuízos a seu crescimento
e bem estar. Por outro lado, a velocidade da água precisar ser tal que
possa auxiliar na retirada dos resíduos sólidos produzidos pelos
peixes e evitar seu acúmulo dentro do tanque. A taxa de renovação
está relacionada positivamente à densidade de estocagem dos peixes
criados dentro do tanque. Esta taxa deve ser de pelo menos metade
do volume do tanque a cada hora para densidades de até 10 kg/m3.
Para densidades maiores a taxa de renovação deve ser de pelo
menos uma troca total por hora. Em aquaponia comercial uma troca
por hora normalmente é a taxa mínima utilizada; porém, levando‐se
sempre em consideração a velocidade da água provocada por essa
taxa de renovação e suas possíveis consequências negativas aos
peixes mantidos no tanque de criação.
A relação entre a superfície e o volume do tanque de criação
também deve ser levada em consideração, independentemente do
seu formato. Essa relação tem importância por estar relacionada à
capacidade de trocas gasosas (ex.: entrada de oxigênio e saída de gás
692
carbônico) entre o corpo d´água presente no tanque e a atmosfera, e
que ocorre predominantemente na superfície da água. Se a área
superficial for muito pequena quando comparada ao volume, a troca
gasosa pode ser prejudicada sendo, portanto, considerado como
valor mínimo ideal uma relação superfície:volume de 1,0. Como
exemplo para um tanque circular de 1000 L com diâmetro de 1,50 m
(dimensão normalmente apresentada por uma caixa d´água de
polietileno), a relação superfície:volume é de 1,77 (3,14 x 0,75/m3), ou
seja, adequada de acordo com esse critério.
Proporcionar aos peixes as melhores condições ambientais é
uma estratégia importante para o sucesso de um sistema
aquapônico, seja ele de pequena ou grande escala. Portanto, a
aplicação de informações já determinadas para os sistemas aquícolas
de recirculação deve ser considerada no seu planejamento e manejo.
Sistema de aeração
Na aquaponia a aeração é exigida não apenas pelos peixes,
mas também pelas plantas e bactérias nitrificantes (Rakocy et al.,
2006). A quantidade de oxigênio dissolvido na água deve sempre ser
superior a 3 mg/L para garantir o suprimento mínimo necessário aos
três componentes biológicos presentes. Compressores ou sopradores
de ar são normalmente utilizados para suprir a necessidade de
oxigênio através de difusores, normalmente representados pelas
chamadas pedras porosas. A aeração deve ser fornecida diretamente
na água do tanque de criação dos peixes, porém, dependendo da
configuração do sistema aquapônico, difusores de ar também devem
ser instalados em outros compartimentos como no mineralizador, no
degaseificador ou mesmo no ambiente de cultivo de vegetais quando
se tratar do sistema flutuante, conforme será apresentado a seguir.
Filtros de sólidos, mineralizador e degaseificador
Em sistemas aquapônicos pequenos nem sempre é necessária
a instalação de um filtro de sólidos, muito menos de um
mineralizador ou um degaseificador (Rakocy et al., 2006). Em função
da pequena biomassa de peixes utilizada nesses sistemas mais
693
simples, normalmente abaixo de 5 kg/m3, os resíduos sólidos são
normalmente degradados, ou mineralizados, dentro do próprio
filtro biológico. Por outro lado, o emprego de densidades mais
elevadas, principalmente acima de 10 kg/m3, exige o uso de artifícios
que permitam a retirada constante dos resíduos sólidos.
Os resíduos sólidos podem ser categorizados de acordo com
sua densidade. Resíduos mais densos que a água sedimentam‐se
facilmente no fundo do tanque de criação dos peixes, de onde
podem ser retirados pela ação do fluxo de água de saída. Sua
separação pode ser feita por algum aparato de filtração que
promova sua sedimentação. São várias as opções de filtros
decantadores que podem ser utilizados na aquaponia, sendo o mais
comum aquele semelhante a uma incubadora com fundo cônico,
onde os resíduos se sedimentam e podem ser retirados por meio de
uma válvula instalada na sua base. Também é possível a construção
de um filtro simples e barato com o uso de um tambor plástico de
150‐200 L, destes normalmente utilizados para o transporte de
azeitonas (Figura 2).
Figura 2. Filtro de sólidos por decantação utilizando um tambor plástico de 150 L.
O resíduo sólido recolhido no filtro decantador pode ter
destinos úteis diversos. Como se trata de um material rico em
694
matéria orgânica caracterizado pelas fezes de peixes, ele pode ser
aplicado diretamente ao solo como adubo orgânico na agricultura
convencional. Outra forma de reaproveitamento desse material é
através de um biodigestor anaeróbio, abrindo‐se a possibilidade de
produção de gás que pode ser aproveitado em algum processo de
combustão. Adicionalmente, um biodigestor libera um líquido rico
em nutrientes já mineralizados e que pode ser retornado ao sistema
como fonte de macro e micronutrientes às plantas. Algo semelhante
e mais simples pode ser feito também pela biodigestão aeróbia,
simplesmente conduzindo a matéria orgânica do filtro decantador
para um recipiente provido de aeração. De tempos em tempos o
sobrenadante pode ser retirado e devolvido ao sistema como fonte
de nutrientes aos vegetais.
A outra categoria de resíduos sólidos, conhecidos como
sólidos em suspensão por serem menos densos que a água, não são
retidos nos filtros decantadores e necessitam ser retirados do
sistema por meio de um filtro de telas que pode ser instalado logo
após o filtro decantador. Periodicamente essas telas devem ser
vistoriadas e limpas para evitar entupimento. Em aquaponia esse
tipo de filtro é normalmente conhecido como mineralizador, pois no
período entre uma limpeza e outra o material orgânico acumulado é
degradado, ou mineralizado, pela ação de bactérias que ali se
instalam. Essa mineralização tem um aspecto positivo, pois
disponibiliza nutrientes que serão utilizados pelas plantas no
ambiente de cultivo. Por outro lado, como geralmente se trata de um
ambiente de pequeno volume e com pouca oxigenação, pode haver
o crescimento de bactérias anaeróbias que eliminam gases tóxicos na
água como o gás metano (CH4), o gás carbônico (CO2) e o gás
sulfídrico (H2S). Para evitar que esses gases se acumulem no sistema,
logo em seguida ao mineralizador deve ser instalado um
componente chamado degaseificador. Trata‐se simplesmente de um
ambiente de pequeno volume suprido de aeração suficiente para
promover a saída dos gases tóxicos para a atmosfera e que deve ser
instalado entre o mineralizador (ou filtro de telas) e o filtro
biológico.
695
AMBIENTES DE CULTIVO DE VEGETAIS
Em geral, são três os tipos de ambientes mais utilizados para
o cultivo de vegetais em aquaponia (Lennard & Leonard, 2006): 1)
argila expandida, pedra brita ou outro substrato com alta relação
superfície:volume (media‐filled bed ou gravel bed); 2) canaleta ou NFT
(Nutrient Film Technique); e 3) flutuante (float ou raft). Cada um
desses três tipos tem suas particularidades e variações, com
vantagens e desvantagens. Todos eles têm como base as técnicas já
conhecidas de hidroponia, porém utilizando a aquicultura como
fonte de nutrientes. Os equipamentos necessários, bem como as
produtividades possíveis de serem alcançadas, variam muito entre
estes ambientes. Como regra geral o ambiente conhecido como
gravel bed é uma boa opção quando são utilizadas baixas densidades
de estocagem de peixes. A opção pelas canaletas ou pelo flutuante
normalmente é preferida em sistema de aquaponia de média ou
grande escala.
Media‐filled bed ou gravel bed
Esse é o sistema que possui o maior número de adeptos da
aquaponia em função de sua praticidade e funcionalidade (Figura
3). O mesmo substrato que dá suporte aos vegetais é colonizado por
bactérias nitrificantes, ou seja, esse ambiente também funciona como
filtro biológico. Por essa razão, a relação superfície:volume do
substrato a ser utilizado deve ser alta, para permitir o
desenvolvimento adequado de muitas colônias de bactérias e, com
isso, aumentar a eficiência do processo de nitrificação da amônia
produzida pelos peixes. Atenção deve ser dispensada para não
utilizar material com partículas muito pequenas para evitar
problemas de entupimento, principalmente quando o sistema não
contar com filtragem prévia para a retirada de sólidos. O
entupimento do filtro biológico por acúmulo de matéria orgânica
pode criar zonas anaeróbias que prejudicam o desenvolvimento das
raízes das plantas e das bactérias nitrificantes. Nessas situações, as
bactérias aeróbias dos gêneros Nitrosomonas e Nitrobacter podem
perder espaço para bactérias anaeróbias que produzem substâncias
696
tóxicas e causam alterações indesejáveis na qualidade da água,
principalmente em relação ao pH. A verificação de elevação
contínua nos valores do pH da água é um forte indicador da
colonização do filtro biológico por bactérias anaeróbias e um alerta
sobre a ocorrência de má circulação de água pelo substrato, sendo
necessária a verificação de possível acúmulo de matéria orgânica.
Portanto, cuidado especial dever ser dado à escolha do substrato e
ao entupimento do filtro biológico por matéria orgânica, sendo
muitas vezes necessárias limpezas periódicas desse tipo de substrato
para manter a qualidade da água do sistema em boas condições.
A B
Figura 3. Sistema compacto de aquaponia caracterizado por um tanque de criação
de peixes de 600 L abaixo do ambiente de cultivo de vegetais (media‐filled bed)
contendo argila expandida como substrato para desenvolvimento de bactérias
nitrificantes (filtro biológico) e suporte para o crescimento de vegetais. A) Antes do
plantio; B) Trinta dias após transplante de mudas de alface com 15 dias de
semeadura. Observação: tanque de criação com 20 juvenis de tambaquis com
aproximadamente 50‐100 g.
É importante o uso de substratos inertes, sendo muitas as
opções como argila expandida, pedra brita, seixos de leito de rio,
697
rochas vulcânicas, areia grossa, perlita, entre outros. Os dois
primeiros são os substratos mais comumente utilizados, porém é
aconselhado verificar a disponibilidade local de materiais
alternativos visando a redução de custos. A argila expandida
mostra‐se como um excelente substrato por apresentar alta relação
superfície:volume e baixa densidade, facilitando seu manuseio. Por
outro lado, é um material de valor elevado e que pode onerar o
custo de implantação. A pedra brita é um material facilmente
encontrado no mercado da construção civil e apresenta custo muito
inferior ao da argila expandida. Por outro lado, por ser um material
de alta densidade apresenta inconvenientes relacionados ao seu
manuseio. De qualquer forma, ambos apresentam‐se como
adequados ao desenvolvimento das raízes dos vegetais e das
colônias de bactérias em um sistema de aquaponia.
A água vinda do tanque de criação dos peixes deve ser
distribuída de maneira uniforme nesse ambiente, podendo ser
utilizado um tubo de PVC com varias perfurações para esse
propósito. A saída geralmente é feita por um sifão do tipo sino (bell
siphon: ver detalhes nos inúmeros textos e vídeos disponíveis na
internet) que permite o enchimento e o esvaziamento cíclico desse
ambiente. Essa é uma condição importante pois garante a
oxigenação constante e homogênea, tanto das raízes das plantas
quanto das colônias de bactérias.
Canaletas ou NFT (Nutrient Film Technique)
O sistema de canaletas é o método utilizado mundialmente
na produção de vegetais hidropônicos. Neste método as raízes das
plantas são alojadas em canaletas sendo parcialmente embebidas
pela água que traz os nutrientes necessários ao desenvolvimento das
plantas. Trata‐se do sistema mais indicado para as plantas
classificadas como folhosas (alface, rúcula, ervas aromáticas, outras)
pela praticidade de colheita e comercialização. Nesse sistema as
raízes das plantas estão sempre limpas, diferentemente ao
observado no ambiente descrito anteriormente, e não há a
necessidade de lavagem após a colheita, o que diminui gastos com
698
mão de obra e agrada o consumidor final. Plantas maiores e de
ciclos mais longos como tomateiros e pimentãozeiros também
podem ser produzidos neste sistema, necessitando apenas de
canaletas e espaçamentos maiores, além de suportes para
sustentação da parte aérea. Outra vantagem importante desse
sistema é sua ergonomicidade, pois as canaletas são geralmente
dispostas em uma bancada na altura da cintura, facilitando manejos
como o transplante e a colheita (Figura 4).
Figura 4. Sistema simples de aquaponia com canaletas para produção de alface. O
tanque de criação de peixes (caixa d´água de 250 L), com 20 juvenis de tambaquis
(50‐100 g), está no nível inferior. Uma bomba eleva a água até os filtros biológicos
(duas metades de um tambor plástico de 200 L) localizado acima das canaletas. A
água retorna por gravidade ao tanque de criação após passar pelas raízes dos
vegetais.
Os conceitos técnicos envolvidos nesse caso são muito
semelhantes àqueles utilizados na hidroponia, sendo inclusive a
melhor opção para produtores de vegetais hidropônicos
interessados em iniciar sua produção na aquaponia por poder
aproveitar grande parte da infraestrutura já existente e contar com
sua experiência prévia. Nesse sistema várias canaletas são dispostas
paralelamente e com desnível entre 8 e 12% para permitir a
699
passagem da água por gravidade. Tubos circulares de PVC são
facilmente encontrados em lojas de material hidráulico e podem ser
utilizados, porém melhores resultados de crescimentos das plantas
são obtidos quando utilizados tubos de fundo plano, normalmente
comercializados em lojas especializadas em hidroponia. Na
hidroponia convencional as canaletas são abastecidas
individualmente por mangueiras de pequeno calibre, porém, na
aquaponia essas mangueiras precisam ser mais grossas para
diminuir as chances de entupimento. De qualquer forma, quando
utilizado esse ambiente de cultivo de vegetais em aquaponia, a água
que sai dos tanques de criação dos peixes precisa passar por um
sistema de filtragem de sólidos bastante eficiente para evitar que
partículas sejam depositadas nas raízes das plantas e, com isso,
surjam problemas com sua nutrição e oxigenação. Adicionalmente é
vital que haja um filtro biológico uma vez que a superfície molhada
das canaletas não é suficientemente grande para o processo de
nitrificação da amônia produzida pelos peixes.
Flutuante ou raft
Esse ambiente é geralmente caracterizado por canais longos
(dezenas de metros), estreitos (0,5‐ 1,5 m) e rasos (0,2‐0,4 m). Esses
canais são usualmente construídos ao nível do solo e é por onde flui
a água que vem dos tanques de criação dos peixes. Neste sistema,
normalmente utilizados para produção de folhosas, as plantas são
apoiadas em placas de poliestireno contendo orifícios espaçados
entre si de acordo com as necessidades de crescimento de cada
espécie. As raízes ficam submersas o tempo todo, portanto fonte de
aeração deve estar presente e distribuída ao longo de todo canal
para manter alto e homogêneo o nível de oxigênio dissolvido na
água. Não apenas as raízes das plantas necessitam dessa oxigenação
com também as bactérias nitrificantes que estarão colonizando as
paredes e o fundo desse ambiente. Como é grande a superfície
disponível para o desenvolvimento de bactérias neste sistema, não
há a necessidade de instalação de um filtro biológico à parte, como
no caso do sistema de canaletas. Por outro lado, a filtragem de
700
sólidos da água que sai do tanque de criação dos peixes deve ser
muito eficiente para evitar acúmulo de matéria orgânica nos canais,
o que diminuiria a eficiência do processo de nitrificação e elevaria os
custos de mão de obra para sua remoção (Figura 5).
Figura 5. Ilustração de um sistema aquapônico experimental compacto com
ambiente de cultivo de vegetais do tipo flutuante. Mudas de alface são apoiadas em
uma placa de poliestireno, tendo suas raízes imersas na água bombeada do tanque
de criação dos peixes. Notar a presença de aeração para a oxigenação das raízes.
Há algumas diferenças importantes entre os sistemas de
canaletas (NFT) e flutuante, sendo a mais marcante o maior volume
de água utilizado por este último. Cerca de 75% da água de um
sistema de aquaponia com flutuante está alocado nos canais de
cultivo comparado com cerca de 25% presente nas canaletas no
sistema NFT. Quanto maior o volume de água do sistema
aquapônico, maior será seu poder tampão e, com isso, alterações nos
parâmetros de qualidade da água serão mais lentas. Sendo assim, ao
optar pelo sistema NFT o produtor deve estar ciente que sua atenção
terá que ser maior com relação ao monitoramento dos parâmetros
de qualidade da água.
701
PEIXES E PLANTAS MAIS ADEQUADOS PARA SEREM
PRODUZIDOS EM AQUAPONIA
A alta densidade de peixes, característica de muitos sistemas
intensivos com recirculação de água, e dentre eles inclui‐se a
aquaponia, é um limitador na definição da espécie a ser utilizada. A
espécie de peixe deve ser tolerante a altas densidades de estocagem
e a manejos frequentes. Algumas espécies já avaliadas em sistemas
intensivos e que podem apresentar bons resultados em sistemas de
aquaponia são: tilápia‐do‐nilo (Oreochromis niloticus), bagre‐ do‐
canal (Ictalurus punctatus), bacalhau australiano (Maccullochella
peelii), tambaqui (Colossoma macropomum), truta‐arco‐íris
(Oncorhynchus mykiss) e pacu (Piaractus mesopotamicus). A tilápia‐do‐
nilo por ser um peixe rústico e resistente, apresentar boa conversão
alimentar, tolerar altas densidades de estocagem, ter seu pacote
tecnológico de cultivo difundido por todo o mundo e por ter, em
geral, um bom valor comercial, tem sido o peixe mais utilizado em
sistemas de aquaponia, com resultados muito animadores (Rakocy
et al., 2006).
Como a aquaponia ainda está apenas iniciando no Brasil,
pouco se conhece sobre o comportamento de nossas espécies nativas
neste sistema. Portanto, ao avaliar uma espécie nativa é importante
considerar alguns fatores como temperatura da água do sistema,
densidade de estocagem, disponibilidade de alevinos/juvenis e de
ração e preferências do consumidor final.
O uso de peixes ornamentais é outra excelente opção em
aquaponia. A carpa colorida, também conhecida como Koi ou
Nishikigoi, é uma espécie muito resistente a variações nos
parâmetros de qualidade da água e tolerante a altas densidades de
estocagem. Apesar de também poder ser destinada ao abate, a carpa
colorida pode alcançar preços muito mais elevados quando
comercializada como peixe ornamental. Muito mais do que seu peso
ou tamanho, seu valor de mercado é ditado em função de seus
padrões de coloração. Essa particularidade confere uma grande
vantagem à criação da carpa colorida em aquaponia de pequena
escala, pois possibilita a criação de peixes de diversos tamanhos em
702
um mesmo tanque. Adicionalmente, o uso da carpa colorida e de
outros peixes ornamentais em aquaponia também pode ser
interessante para fins educacionais e em exposições por criar
cenários mais atrativos.
Algumas espécies de crustáceos de água doce são criadas
comercialmente em muitos países e poderiam gerar expectativas
sobre sua possiblidade de criação em aquaponia. Porém, geralmente
essas espécies não são criadas em sistemas de recirculação e são
pouco tolerantes a altas densidades de estocagem. Portanto, a
criação de crustáceos de água doce em aquaponia apresenta
restrições por não produzir excretas em quantidade suficiente para
fornecer nutrientes necessários ao cultivo de vegetais.
Varias espécies de peixes de água salgada são criadas
comercialmente em sistemas de recirculação e em altas densidades de
estocagem, o que as colocaria como candidatas ao sistema de
aquaponia, porém os vegetais normalmente cultivados em aquaponia
são pouco tolerantes a altas salinidades. Ainda há poucas iniciativas
testando espécies vegetais marinhas em sistemas de aquaponia,
porém há boas perspectivas nessa temática, com ênfase ao cultivo de
algas marinhas com demanda pela culinária asiática ou com potencial
para uso como ingredientes em ração animal, ou ainda para a
produção de biocombustível (Buhmann & Papenbrock, 2013).
No início dos estudos com aquaponia pensava‐se que apenas
plantas menos exigentes como as folhosas poderiam ser cultivadas
neste sistema. Porém hoje já se sabe que é possível produzir uma
gama muito grande de espécies vegetais em aquaponia como alface
(Lactuca sativa), manjericão (Ocimum basilicum), agrião (Nasturtium
officinale), repolho (Brassica oleracea), rúcula (Eruca sativa), morango
(Fragaria vesca), pimenta (Capsicum spp.), tomate (Solanum
lycopersicum), quiabo (Abelmoschus esculentus), pepino (Cucumis
sativus) e muitas outras. Espécies vegetais adaptadas à hidroponia
são sempre recomendadas para a aquaponia, uma vez que a maioria
delas toleram altos teores de água em suas raízes e oscilações nos
teores de nutrientes dissolvidos na solução nutritiva sem apresentar
sintomas graves de deficiência nutricional. Portanto, a seleção das
703
espécies de plantas a serem cultivadas em sistemas de aquaponia
comercial deve ter como critério primeiramente o mercado. Com
base nas necessidades do mercado é possível desenhar um sistema
de aquaponia capaz de produzir, teoricamente, qualquer vegetal de
pequeno e médio porte. Basicamente, o desenho dos sistemas deve
observar as necessidades e limitações das plantas relacionadas a
espaço, nutrição, aeração, hidratação, temperatura, radiação solar,
dentre outros fatores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em muitos países a aquaponia vem sendo adotada por um
número crescente de pessoas que buscam alternativas de produzir
seus próprios alimentos de maneira mais saudável e por
acreditarem estar assim contribuindo com a sustentabilidade do
planeta. Algumas empresas norte‐americanas e canadenses já
implantaram sistemas comerciais de aquaponia visando atingir esse
novo mercado consumidor mais consciente e preocupado com as
questões ambientais. Apesar da aquaponia ser uma técnica
desconhecida e pouco difundida no Brasil, há fortes indícios de que
esse quadro será revertido em poucos anos. Embora ainda pequeno,
é crescente o número de brasileiros que vêm montando pequenos
sistemas de aquaponia residências e postando informações e vídeos
na internet, sempre mostrando muito entusiasmo com os resultados
alcançados. Adicionalmente, nos últimos anos vários pesquisadores
de diferentes instituições de pesquisa e universidades vêm
realizando seus primeiros ensaios experimentais, mostrando
interesse crescente sobre o tema. Muitas espécies nativas de peixes
apresentam‐se como potenciais para serem criadas em aquaponia,
abrindo possibilidades de realização de pesquisas pioneiras e de
grande impacto em nosso país. Apesar do pouco conhecimento atual
sobre o comportamento dessas espécies em aquaponia, as
informações disponíveis na literatura internacional sobre esse
sistema de produção são suficientes para nortear as pesquisas nesta
temática em nosso país com grandes chances de sucesso em um
espaço de tempo relativamente curto.
704
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706
CAPÍTULO 33
PARÂMETROS DE QUALIDADE E ESTUDO DA
VIDA DE PRATELEIRA DO TAMBAQUI (Colossoma
macropomum) ARMAZENADO EM GELO
Márcio Luís Pontes Bernardo da Silva1
Jane Lopes Mello
Thaís Danyelle Santos Araujo
Rodrigo Maciel Calvet
Alitiene Moura Lemos Pereira
João Avelar Magalhães
Fabíola Helena dos Santos Fogaça
INTRODUÇÃO
A procura por hábitos saudáveis, o crescimento da renda da
população brasileira, a valorização da moeda e as ações publicas que
incentivaram a produção, o consumo e a melhoria de infraestrutura
na produção de peixes contribuíram para o aumento do consumo de
pescado no Brasil. Um estudo realizado pelo Ministério da Pesca e
Aquicultura (MPA, 2010) revelou aumento de 39,72% no consumo
de pescado por pessoa nos pais (de 6,4 kg para 9,0
kg/habitante/ano), no período de 2003 a 2009. Porém, esse índice
ainda é baixo quando comparado à média mundial de 17,2
kg/hab./ano (FAO, 2014).
Um dos fatores responsáveis por esse baixo consumo pode
ser a falta de qualidade do produto oferecido. O pescado exibe um
conjunto de características que o diferencia e o torna um produto
muito perecível (Almeida et al., 2005). Ele apresenta em sua
constituição um elevado percentual de água, teor de gorduras
Silva et al. Parâmetros de qualidade e estudo da vida de prateleira do tambaqui
(Colossoma macropomum) armazenado em gelo. In: Tavares‐Dias, M. & Mariano, W.S.
(Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São Carlos, Editora Pedro & João,
2015.
707
insaturadas facilmente oxidáveis, baixo teor de tecido conjuntivo e o
pH próximo à neutralidade, que proporciona uma rápida
deterioração do produto e perdas econômicas para o setor produtivo
(Andrade, 2006).
Nesse contexto a indústria pesqueira tem demandado o
estabelecimento de protocolos para indicar a qualidade do pescado
(Nunes et al., 2007), pois a percepção da frescura pelo consumidor é
fator determinante para aceitação e sua comercialização, sendo, na
maioria das vezes, o fator limitante (Fontes et al., 2007).
Os métodos para a avaliação dos atributos de qualidade do
pescado fresco podem ser convenientemente divididos em duas
categorias: sensorial e instrumental. Dado que o consumidor é o
último juiz da qualidade, a maioria dos métodos químicos ou
instrumentais é correlacionada com a avaliação sensorial, que deve
ser realizada segundo critérios científicos, em condições controladas
(Huss, 1998).
A avaliação sensorial e os parâmetros de qualidade do
pescado fresco podem ser definidos de diversas maneiras. No Brasil,
as características do peixe fresco considerado próprio para consumo
são determinadas pela legislação do Regulamento da Inspeção
Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) ‐
art. 442 (BRASIL, 1997a), da Portaria nº 185 do Ministério da
Agricultura (BRASIL, 1997b) e por normas como as da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (NBR 15033, NBR ISO 22000, ABNT,
2004; 2006). Todavia, tais critérios não consideram a diversidade
entre as diferentes espécies e não originam pontuações de qualidade
sensorial que expressem o frescor do pescado (Teixeira, 2009).
Nesse sentido, o Método do Índice de Qualidade (QIM)
constitui‐se em um dos esquemas de avaliação sensorial do pescado
mais adequado, pois identifica as principais características
relacionadas ao frescor do pescado, em um sistema de escores que
varia de 0 a 3 pontos de deméritos, desenvolvido especificamente
para cada espécie estudada. Esse método tem aplicabilidade
imediata nos setores da indústria e do comercio de pescado
708
internacional e foi desenvolvido pela Tasmanian Food Research
Unit, em 1980 (Bremner, 1985; Barbosa & Vaz‐Pires, 2004).
O Brasil, apesar de possuir o maior número de espécies de
peixes de água doce do mundo e ser detentor de aproximadamente
12% da água doce disponível no planeta, por razões econômicas e
culturais, tem sua piscicultura continental constituída
principalmente pelo cultivo de espécies exóticas (FAO, 2014). Porém,
esse cenário tende a se modificar com os resultados das pesquisas
realizadas com as espécies nativas, principalmente àquelas com boa
aceitação no mercado interno.
Das espécies nativas brasileiras, o tambaqui (Colossoma
macropomum) é a mais produzida em cativeiro (Streit Jr. et al., 2012).
É uma espécie nativa da Amazônia que apresenta bom desempenho
em cultivo intensivo e atinge alto valor de mercado, sendo a mais
cultivada na Região Norte do Brasil (Val et al., 2000). No Brasil, sua
produção atingiu 54.313,1 toneladas em 2010 e juntamente com
tambacu (C. macropomum x Piaractus mesopotamicus) e pacu (Piaractus
mesopotamicus) representaram 24,6% da produção da aquicultura
continental (MPA, 2010).
Por isso, estudos que determinem os principais parâmetros
de qualidade para o tambaqui (C. macropomum) inteiro estocado em
gelo, bem como sua vida de prateleira fazem‐se necessários para o
estabelecimento pleno de sua cadeia produtiva no Brasil e no
exterior.
ASPECTOS SENSORIAIS DO TAMBAQUI ARMAZENADO EM
GELO
A carne do pescado, comercializada de diferentes formas, é o
produto final da atividade pesqueira e da piscicultura. Porém, é um
alimento extremamente perecível, exigindo cuidados desde a
captura do pescado até sua distribuição, com atenção especial aos
aspectos sanitários, às condições de armazenamento e de
conservação do produto (Gonzaga Jr., 2010; Gonçalves, 2011). Más
condições de manipulação (falta de higiene), armazenamento e
transporte (altas temperaturas e gelo contaminado) do pescado
709
fresco podem acelerar a perda de qualidade e causar até mesmo seu
descarte (Santos, 2006; Marinho, 2011).
O termo qualidade possui um conceito multidimensional, no
qual um produto pode ser avaliado pelo consumidor através de um
conjunto de várias características, a maior parte delas sensoriais
(Darolt et al., 2003). No caso específico do pescado, está diretamente
relacionado ao seu grau de frescura ou frescor, perceptível
sensorialmente pelo consumidor por meio de seu odor, aspecto
geral, coloração dos olhos e das brânquias, maciez da carne ao leve
toque do dedo, presença de muco e integridade de sua pele (Borges,
2013). Também pode estar relacionado com aspectos de segurança,
como ausência de bactérias patogênicas, parasitas ou resíduos de
compostos químicos (Rodrigues, 2008).
O pescado fresco possui odor parecido com o cheiro de algas
marinhas, coloração viva e brilhante, musculatura flexível, olhos
convexos e brânquias avermelhadas. A detecção de odores e sabores
desagradáveis, coloração anormal e alterações na textura indicam o
início da deterioração (Farias, 2006).
Para o tambaqui armazenado em gelo as primeiras alterações
que se manifestam são o aparecimento de maior quantidade de
muco na região das brânquias e ligeiras deformações na textura,
provocadas pelo atrito com o gelo no momento do
acondicionamento (Almeida, 2006), seguidas de opacidade nos
olhos, entre seis a nove dias de armazenamento (Kodaira, 1992).
Os olhos e as brânquias são os parâmetros que apresentam
maior velocidade de perda de frescor, sendo visível a descoloração
das brânquias e achatamento dos olhos com 10 dias de
armazenamento em gelo (Tabela 1) (Silva, 2014). Segundo Teixeira
(2009), o globo ocular e a pupila começam a se tornar turvos a partir
do 7° dia de armazenamento, tornando‐se mais evidente entre o 7° e
o 10° dia de estocagem.
Com 12 dias de armazenamento em gelo as brânquias já
apresentam alterações em sua coloração e odor percebíveis,
passando da coloração vermelho vivo para vermelho escuro e de
odor suave de algas para adocicado/acre. Com 19 dias, as brânquias
710
possuem coloração marrom, forma bastante deformada, com muco
sanguinolento marrom e espesso e odor rançoso (Tabela 1) (Fogaça
et al., 2013).
Tabela 1. Aspectos sensoriais do tambaqui (Colossoma macropomum)
armazenado em gelo.
Tempo de Coloração da pele Olhos Brânquias
armazenam
ento (dias)
01
15
27
Fonte: Fogaça et al. (2013).
A elasticidade da musculatura do tambaqui, avaliada por
meio de uma leve compressão do indicador, sofre maior perda na
parte ventral (barriga ou ventrecha) comparada à porção dorsal
(Silva, 2014). Isso porque a ventrecha possui maior quantidade de
gordura (Fogaça et al., 2011) que se oxida durante o armazenamento
711
em gelo, levando à perda da integridade das fibras musculares
(Delbarre‐Ladrat et al., 2006).
A “perda de qualidade” iniciada logo após sua captura e
acentuada durante o armazenamento, envolve processos
bioquímicos e microbianos (Sant’Ana et al., 2011) que causam as
mudanças sensoriais percebidas pelo consumidor.
ASPECTOS DE DETERIORAÇÃO DO PESCADO
A deterioração do pescado e as principais alterações
bioquímicas, físicas, químicas e microbiológicas que ocorrem após o
abate, dependem de vários fatores, dentre eles, o método de abate, a
contaminação microbiana, a concentração de enzimas endógenas, a
espécie, o estado de nutrição, a idade (maturidade sexual), além da
manipulação durante o manejo e captura do pescado (Rodrigues,
2008; Gonzaga Jr., 2010).
A perda de qualidade é proporcional ao tempo de
estocagem, influenciada por processos microbiológicos, físicos e
bioquímicos. Essas alterações ocorrem mesmo sob refrigeração,
resultando em um prazo de validade relativamente curto, com
variações dependendo do tipo do peixe e das condições de
conservação, cujo estágio final é a sua completa deterioração
(Barbosa & Vaz Pires, 2004; Damasceno, 2009).
Os peixes são mais susceptíveis à rápida deterioração por
possuírem grande quantidade de substâncias extrativas
nitrogenadas livres, como aminoácidos e o óxido de trimetilamina,
relacionadas à estrutura coloidal da sua proteína muscular. Também
exibem um rápido desenvolvimento do rigor mortis, devido à
constituição frouxa do tecido conectivo, à insaturação dos lipídios e
teor de umidade acima de 70% (Rodrigues, 2008; Marinho, 2011).
O pescado passa por três fases (pré‐rigor, rigor e pós‐rigor
mortis) desde o momento da captura até o estado de putrefação. Na
fase pré‐rigor, os músculos são flácidos, ocorre a glicólise
anaeróbica, a qual se manifesta pela formação de ácido lático e,
consequentemente, diminuição do pH muscular (Huss, 1995). Essa
712
rápida redução no pH é importante para retardar as reações
autolíticas e bacterianas que aceleram a degradação do pescado.
O tambaqui conservado em gelo pode apresentar pH
variando de 6,52 após 24 horas do abate, a 6,71 após 21 dias de
armazenamento em gelo (Silva, 2014), com ligeiras flutuações entre
6,40‐6,97 em amostras armazenadas a 0 °C (Bello & Rivas, 1992).
Esses valores estão dentro dos limites máximos estabelecidos pela
legislação que estabelece um pH inferior a 6,8 para o pescado fresco
(Brasil, 2001).
Além da redução do pH, as primeiras alterações bioquímicas
estão relacionadas à degradação da adenosina trifosfato (ATP)
(Santos, 2011), pela ação de enzimas presentes no próprio pescado e
pelo desenvolvimento microbiano. Essas reações resultam em
metabólitos (a trimetilamina, a amônia e os ácidos voláteis)
responsáveis pelo desenvolvimento de odores e sabores
desagradáveis. Por isso, a vida útil do pescado está intimamente
relacionada à intensidade da ação enzimática e a quantidade de
micro‐organismos presentes na carne (Huss, 1997; Damasceno,
2009).
A degradação do ATP por desfosforilação e desaminação,
leva à fusão irreversível da actina e da miosina (sarcômeros
contraídos), estabelecendo, assim, o rigor mortis (Huss, 1995;
Marinho, 2011; Santos, 2011).
A produção de compostos nitrogenados pela ação enzimática e
bacteriana sobre o pescado resulta no odor característico de peixe
deteriorado. O teor dessas substâncias é medido pela determinação
das Bases Nitrogenadas Voláteis Totais (B‐NVT), que englobam um
pool de substâncias onde predominam a amônia, a dimetilamina e a
trimetilamina, todas contendo nitrogênio (Scherer et al., 2004). O
Brasil utiliza a quantidade de B‐NVT como critério de frescor.
Segundo o Regulamento de Inspeção Sanitária de Produtos de
Origem Animal (Decreto lei 30.691, RIISPOA, 1952), o limite de
BNV‐T é de 30mg de N/100 g de amostra.
Os valores de BNV‐T geralmente são pequenos na fase entre a
captura, abate e rigor‐mortis, quando ocorrem modificações
713
autolíticas com perdas suaves de aroma e sabor, e maiores na fase
pós‐rigor, quando há maior intensidade da atividade microbiana.
Por isso, o teor médio de B‐NVT inicial em amostras de tambaqui
varia de 15,23 mg N/100 g, para valores de 17,50 mg N/100 g aos 12
dias de armazenamento em gelo, até atingir 23,17 mg N/100 g com
22 dias de armazenamento em gelo (Silva, 2014).
As alterações de origem microbiana intensificam‐se após o
término do rigor mortis, quando as fibras musculares perdem a
capacidade de retenção de água (CRA). Na fase do pós‐rigor, os
músculos amolecem, em consequência das proteólises nos
miofilamentos e no estroma, tem‐se o desdobramento da adenosina‐
trifosfato (ATP) e formação de amônia (além de outros compostos
voláteis), com notável aumento de bactérias e de suas enzimas, cujas
atividades são predominantemente proteolíticas e lipolíticas
(Teixeira, 2009; Rodrigues, 2008).
A maior parte das bactérias presentes no pescado não
influenciará na sua deterioração, apenas as bactérias específicas da
deterioração o fazem (Huss, 1995). O prazo de validade comercial ou
vida de prateleira dos peixes é determinado pela quantidade e o tipo
de bactérias presentes em sua pele, bem como pela temperatura
empregada no seu armazenamento (Marinho, 2011). Conforme os
dias de armazenamento em gelo avançam, a população bacteriana
que se concentra na superfície da pele do pescado penetra
lentamente no tecido muscular ocorre principalmente em pontos
onde estejam presentes ferimentos na pele, que facilitem o ingresso
bacteriano (Gonzaga Jr., 2010). Os principais sinais que indicam a
deterioração do peixe são descritos por Huss (1997), bem como os
fenômenos que levam à deterioração, apresentados na Tabela 2.
714
Tabela 2. Causas da deterioração do pescado.
Causas da deterioração do peixe
Sinais de deterioração Químicas
Microbiológicas Autolíticas Físicas
(oxidação)
Cheiros e sabores
+ + + ‐
desagradáveis
Formação de muco + ‐ ‐ ‐
Coloração anormal (+) + + +
Alterações de textura (+) + + +
Fonte: adaptado de Huss (1997).
Os microrganismos mais importantes na deterioração do
pescado são os gêneros Pseudomonas e Shewanella ou produtoras de
ácido sulfídrico, que conferem cheiro forte ao produto. No entanto, a
contagem total de psicrotróficas (microrganismos que crescem a
20ºC) e mesófilos (a 35ºC) também é recomendada para avaliação
das condições higiênico‐sanitárias do pescado (Franco & Landgraf,
2008).
Para o tambaqui conservado em gelo, as bactérias
Pseudomonas apresentam crescimento exponencial até os sete dias de
armazenamento, com posterior crescimento lento até 19 dias de
armazenamento, seguido novamente por um crescimento acentuado
(Figura 1). No Brasil não existe uma legislação que monitore os
níveis de Pseudomonas em pescado. No entanto, padrões
estabelecidos pela International Commission on Microbiological
Specifications for Foods ‐ ICMSF (1986) estabelecem uma contagem
máxima de 107 UFC/g ou UFC/cm2 para pescado refrigerado (Huss,
1997). Estudos recentes mostram que o tambaqui inteiro
armazenado em gelo atingiu esses valores com 25 dias (Silva, 2014).
No caso das bactérias produtoras de gás sulfídrico,
responsáveis pelo odor característico do peixe deteriorado, há um
crecimento insipiente até sete dias de armazenamento, com
posterior crescimento exponencial, ultrapassando o limite máximo
de 107 UFC/g ou UFC/cm2 com 25 dias de armazenamento (Figura 1).
Esse mesmo limite só foi ultrapassado após 20 dias de
armazenamento para as bactérias mesófilas (Figura 1) (Fogaça,
2013).
715
As bactérias pscicrotróficas são importantes para o produto
refrigerado ou conservado em gelo, pois são as principais
causadoras de deterioração a baixas temperaturas. Pode‐se observar
que o crescimento das psicrotróficas foi mais acelerado do que as
outras bactérias avaliadas, sendo exponencial e linear durante todo
o período de armazenamento para o tambaqui inteiro conservado
em gelo (Figura 1) (Fogaça, 2013).
Figura 1. Contagem de bactérias do tambaqui armazenado em gelo. Fonte: Fogaça
(2013).
DESENVOLVIMENTO DE UMA FICHA SENSORIAL BASEADA
NO ÍNDICE DE QUALIDADE (IQ) PARA AVALIAÇÃO DA
VIDA DE PRATELEIRA DO TAMBAQUI INTEIRO
ARMAZENADO EM GELO
O frescor do pescado pode ser analisado com a utilização do
Método de Índice de Qualidade (MIQ), desenvolvido
originariamente pela Tasmanian Food Research Unit e específico
716
para cada espécie. O método já foi aplicado para muitas espécies,
com protocolos já estabelecidos para o arenque (Clupea harengus)
(Jónsdóttir, 1992), anchova (Engraulis encrasicholus) (Botta, 1995),
cavala do Atlântico (Scombers combros) (Andrade et al., 1997),
rodovalho (Scophthalmus rhombus) (Martinsdósttir et al., 2001),
dourada (Spaurus aurata) (Huidobro et al., 2000), salmão (Salmo salar)
(Sveinsdottir et al., 2002), merluza (Merluccius merluccius) (Baixas‐
Nogueras et al., 2003), sardinha europeia (Sardina pilchardus)
(Andrade et al., 1997; Botta, 1995), polvo (Octopus vulgaris) (Barbosa
& Vaz‐Pires, 2004), dentre outros.
No Brasil, diversas instituições de pesquisa desenvolveram
protocolos para espécies de pescado consumidas no país, como é o
caso do camarão marinho Litopenaeus vannamei (Oliveira, 2005),
corvina Micropogonias furnieri (Teixeira, 2005), tilápia‐do‐nilo
Oreochromis niloticus (Rodrigues, 2008), piramutaba
Branchyplatystoma vaillant (Marinho, 2011), pescada amarela
Cynoscion acoupa (Santos, 2011), beijupirá Rachycentron canadum
selvagem (Fogaça & Carvalho, 2011; Fogaça et al., 2012), tambatinga
Colossoma macropomum x Piaractus brachypomus (Vieira et al., 2012),
pacu Piaractus mesopotamicus pacu (Borges et al., 2013) e tambaqui
C. macropomum (Fogaça et al., 2013; Silva, 2014).
O MIQ utiliza um sistema prático de qualificação, no qual o
pescado é inspecionado e as características sensoriais
correspondentes são registradas (Do Amaral, 2013). O Índice de
Qualidade final será a soma total de escores individuais dos
atributos de qualidade sensorial que compõem o protocolo, cujos
valores aumentam durante o período de estocagem (Rodrigues,
2008). Avaliam‐se aspectos como a pele (brilho e cor), firmeza da
carne (recuperação do músculo e a rapidez que isso ocorre após
pequena pressão realizada com o dedo indicador), muco (presença e
cor), olhos (transparência e cor das córneas e das pupilas e a forma
dos olhos), brânquias (cor, cheiro e muco), abdômen (cor, aspecto e
firmeza) e ânus (aspecto) (Teixeira, 2005).
As avaliações devem ser divididas em duas etapas:
treinamento dos julgadores com desenvolvimento do protocolo de
717
avaliação sensorial e aplicação do protocolo do índice de qualidade
para o pescado (Sant’Ana et al., 2011). No caso do tambaqui, o
treinamento para elaboração do protocolo piloto do índice de
qualidade foi realizado em 10 sessões, de uma hora cada, utilizando‐
se exemplares de tambaquis armazenados em gelo, durante 30 dias.
As amostras eram retiradas das caixas térmicas 30 minutos antes das
análises, dispostas em uma mesa de manipulação, em uma sala fria
(20°C). Após esse tempo, a equipe de julgadores (composta por 10
pessoas já treinadas em avaliação sensorial de outras espécies de
peixes) participava de sessões onde eram levantados atributos
relacionados à coloração da pele e muco, coloração das brânquias e
muco, formato dos olhos, flexibilidade da musculatura e odores
diversos. Todas as observações eram anotadas, sendo que as
principais características e as mudanças diárias observadas nas
sessões formaram uma ficha sensorial ou protocolo piloto (Fogaça et
al., 2013) (Tabela 3).
A ficha sensorial do tambaqui apresentou 12 atributos de
qualidade e suas modificações (Tabela 3), relacionados à aparência
geral (cor, odor e aderência das escamas), olhos (córnea, pupila e
forma), brânquias (cor, forma, odor e presença de muco) e textura
ou elasticidade da musculatura da região abdominal.
Durante a vida de prateleira do tambaqui inteiro armazenado
em gelo, a coloração do peixe varia de um aspecto brilhante e
dourado para cores opacas e um esverdeado na região ventral,
causado pela presença de bactérias deteriorantes. O odor geral do
peixe, bem como o odor das brânquias passou de um cheiro suave
para rançoso. As escamas bem aderidas no início da vida de
prateleira começaram a se soltar após 20 dias de conservação em
gelo. Os olhos brilhantes e transparentes ficaram opacos, sem
delineamento, côncavos e começam a sair da cavidade ocular. As
brânquias vermelhas e uniformes ficaram marrons e desfiadas,
assim como a musculatura tornou‐se flácida ao toque do indicador
(Silva, 2014) (aspectos ilustrados na Tabela 1).
718
Tabela 3. Ficha sensorial baseada no índice de qualidade desenvolvida
para o tambaqui inteiro armazenado em gelo.
Parâmetro Descrição
Cores brilhantes, dourada na região dorsal e preta na região
ventral
Aspecto
Perda da coloração / cores opacas
superficial
Coloração esverdeada / cores opacas
Coloração esverdeada / sem brilho
Aparência
Cheiro de peixe fresco / odor suave
Geral
Odor Adocicado / acre
Acre forte / rançoso / amônia
Firmes / bem aderidas
Escamas Pouco aderidas / soltando escamas
Solta com facilidade
Transparente / brilhante
Globo Ligeiramente opaco
ocular Esbranquiçado
Opaco / avermelhado
Preta / arredondada / bem definida
Ligeiramente opaca / arredondada/ bem definida
Olhos Pupila
Perda do delineamento / enevoada
Opaca / disforme
Protuberante / ocupando toda cavidade ocular
Ligeiramente convexa
Forma
Côncava / ocupando parcialmente a cavidade ocular
Côncava / fora da cavidade ocular
Vermelho vivo / brilhante
Cor Vermelho escuro / partes desbotadas
Marrom / descoloradas
Algas
Acre/ metálico / adocicado
Odor
Acre / Ligeiramente rançoso
Brânquias Rançoso
Uniforme
Forma Pouco disforme
Disforme/desfiada
Ausente/avermelhado
Muco Amarelado
Espesso/com sangue
Rígida
Elasticidade Boa elasticidade
ventral Ligeiramente firme
Textura Perda da elasticidade/macia
Boa elasticidade
Elasticidade
Ligeiramente firme
dorsal
Perda da elasticidade/macia
Total de pontos do Índice de Qualidade
Fonte: Fogaça (2013).
719
A ficha sensorial serve como estimava do tempo de vida de
prateleira do produto a ser avaliado. Funciona como um aplicativo
que mostra ao consumidor quais características o peixe fresco e o
mesmo peixe deteriorado apresentam. Mesmo que as contagens
bacteriológicas (contagem de mesófilos e psicrotróficos) estiverem
dentro de limites aceitáveis (ICMSF, 1986), o consumidor podem
rejeitar o produto baseado apenas em suas características sensoriais
(Rodrigues, 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O IQ foi eficiente para avaliação da qualidade do pescado,
pois apresentou boa correlação com as análises microbiológicas e
físico‐químicas. No entanto, a ficha ou protocolo IQ será mais
fidedigna quando o pescado estiver armazenado corretamente (em
gelo ou refrigeração). Isso porque as características sensoriais dos
peixes podem variar muito durante o período de conservação
dependendo do método de armazenamento, das condições
higiênico‐sanitárias e da composição química do pescado.
Assim, baseado em parâmetros microbiológicos, químicos e
sensoriais, a ficha sensorial (Tabela 3) descrita pode ser utilizada
pelo consumidor como padrão de qualidade do tambaqui
armazenado em gelo. Segundo esses parâmetros, sua vida de
prateleira estendeu‐se até 20 dias, em condições higiênico‐sanitárias
ótimas e temperatura ideal de armazenamento (0 a 2 °C).
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724
CAPÍTULO 34
PERCEPÇÃO DO CONSUMO DE PESCADO:
INOVAÇÃO E TECNOLOGIA
Alexandre Aires de Freitas1
Erika da Silva Maciel
Hellen Christina de Almeida Kato
INTRODUÇÃO
O consumo mundial de pescado vem crescendo ao longo das
últimas décadas, sendo este aumento creditado a uma melhora da
percepção das características nutricionais e saudabilidade dessa
fonte de proteína. Esse aumento de interesse, deve‐se em parte, a
diversos estudos vêm associando o consumo de pescado com a
redução da obesidade, melhoras no desenvolvimento cognitivo e
prevenção de doenças cardíacas e metabólicas como o diabetes
(Mozaffarian & Elvevoll, 2010).
Na contramão, em alguns países como o Brasil, ainda
existem fatores limitantes ao consumo, relacionados principalmente
ao preço e acesso a produtos; já em países onde o consumo já é
tradicional, como China e Noruega, aumenta a preocupação com
questões como a contaminação de pescados devido à qualidade de
água de pesca/cultivo, incluindo a contaminação por metais pesados
(Feng et al., 2009; Jensen, 2006).
Para atender a tantas exigências distintas, em um mercado
crescente, ou já estabelecidas, expande‐se cada vez mais a
aquicultura, com seus benefícios da padronização, manutenção da
oferta ao longo do ano e melhor controle sanitário e de
contaminantes. Em 2012, o Instituto Earth Policy, divulgou que pela
primeira vez na História, a produção de peixes e frutos do mar em
cativeiro ultrapassou a de carne bovina, foram 66,5 milhões de
Freitas et al. Percepção do consumo de pescado: inovação e tecnologia. In: Tavares‐
Dias, M. & Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São
Carlos, Editora Pedro & João, 2015.
725
toneladas de pescado contra 63 milhões de toneladas de carne
vermelha (Larsen & Roney, 2013).
Em um estudo do Banco Mundial (2013), cenários para o
mercado consumidor de pescado foram criados para o ano de 2030,
e estima‐se que neste futuro, a aquicultura já corresponda a 62% de
todo o pescado consumido no mundo (Figura 1).
Figura 1. Consumo de pescado global em 2012 e 2030, captura versus cultivo. Fonte:
FAO (2014a).
Para orientar a tomada de decisões por parte de toda a cadeia
produtiva que vem se fortalecendo no país, este capítulo visa a
discussão de temas recorrentes relacionados ao consumo de
pescados; perfil dos consumidores e tecnologias e inovações para o
aumento do consumo, através da agregação de valor.
PRODUÇÃO DE PESCADO NO BRASIL
No Brasil, o mercado de comercialização de pescado
encontra‐se em franca expansão, impulsionado, em parte, pelo
aumento do consumo per‐capita e o crescimento da produção. No
entanto, esse volume produzido ainda não é suficiente para
abastecer o mercado interno, ainda bastante dependente das
exportações. Entre 2002 e 2010, a importação do pescado mais que
triplicou, atingindo um déficit de 594.241 toneladas em relação a
726
quantidade de pescados exportados no país (FAO, 2014b). O
incremento do consumo é basicamente suprido então, pelo aumento
da importação e da produção interna, que passa por uma gradual
transformação em seu modus operandi.
A produção do pescado por meio da pesca extrativa ainda é
preponderante no país, mas o crescimento da aquicultura vem se
intensificando. Em 2000 correspondia a 20,5% da produção nacional,
e em 2012, 45,6% da produção total (Figura 1) (FAO, 2014b).
Figura1. Produção de pescado no Brasil brasileira. Fonte: FAO (2014b).
A produção de 2012, em números, corresponde a 706.456 mil
toneladas, o que coloca o Brasil em 14º entre os principais países que
praticam a aquicultura. Essa condição ainda não reflete a
potencialidade hídrica e climática que o Brasil apresenta,
principalmente se levar‐se em conta que as condições dos países que
estão à nossa frente, tais como: Egito, Miamar, Tailândia, Chile entre
outros (FAO, 2014c).
A substituição gradual da captura pelo cultivo pode ser
creditada a dois quesitos: diminuição dos estoques pesqueiros
naturais aliada a maiores restrições ambientais à pesca e a demanda
industrial por produtos padronizados e com regularidade de
fornecimento.
727
INOVAÇÃO E TECNOLOGIA
Em declínio a partir da década 90, o consumo de pescados
esbarrava em três obstáculos principais: preços elevados, falta de
hábito e produção nacional acanhada. Por isso, a presença do peixe
na mesa do brasileiro ficava restrito, principalmente, à região Norte,
e nas outras regiões a períodos comemorativos, tais como festas de
fim de ano, semana santa e quaresma.
Até então, mesmo o pescado voltado às classes mais
abastadas, como o camarão produzido no Nordeste, encontrava
mais nichos de mercado no exterior (Mendes & Veloso, 2012).
Nas regiões Centro oeste, Sudeste e Sul do país, o principal
canal de comercialização dos peixes, produzidos em cativeiro, ainda
provém da relação produtor/rede varejista (90%), e apenas 10%
passam por algum processo de industrialização.
Em 2000, Valenti et al. verificaram que o pescado de água
doce é comercializado predominantemente in natura, fresco,
eviscerado e muito pouco na forma de filé ou industrializado.
Entretanto, as perspectivas apontam para um aumento na
comercialização de pescado na forma de produtos industrializados,
tendência observada em grandes cidades, onde há maior busca por
pratos de conveniência e de fácil preparo. Ainda assim, não
podemos considerar que esse aumento no consumo de filés possa
indicar um grande avanço nas formas de consumo, assim como
ocorreu com o frango, na década de 90.
Em consulta ao banco de patentes do Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (INPI) em 23 de setembro de 2014, tendo
como elemento de busca os termos: peixe, pescado, tilápia, sardinha,
camarão, tambaqui e pirarucu, encontrou‐se 31 registros de pedidos
de depósito de patentes para alimentos à base de pescado. Os
números obtidos são promissores, já que na década de 80, obteve‐se
5 registros; na década de 90, apenas 2; na primeira década do século
atual, 16 registros e nos últimos 4 anos, 8 registros (INPI, 2014).
A ampliação do consumo através de produtos que agregam
novas tecnologias também pode ser demonstrada analisando‐se os
dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) (IBGE, 2012). Verifica‐se
728
que, em 2012, o valor total de produção industrial do item
“Preservação do pescado e fabricação de produtos do pescado”
(código Prodelist 1020) foi de R$ 2.538.375.000,00, um valor 21,1%
superior ao contabilizado em 2011.
Ainda segundo a PIA, entre 2008 e 2012, houve um
incremento de 81,6% nos valores totais de produção, com destaque
para os setores de conservas e congelados. Esse percentual de
incremento foi maior do que o crescimento nos valores de produção
considerando a indústria brasileira em todos os setores (63,1%) e
quando comparada a indústria de outras proteínas animais, segue a
frente, em taxa de crescimento, da indústria de suínos e aves (72,9%)
perdendo apenas para o abate e processamento de reses (127,5%)
(IBGE, 2012).
Outro indicador que a tendência de consumo por produtos
com algum nível de processamento vem se intensificando, pode ser
obtido avaliando os dados referentes à balança comercial e os
principais produtos exportados. Comparando‐se os resultados
obtidos, em 2007 e 2009, em toneladas verifica‐se um aumento de
14% nas importações de pescado, seus produtos e subprodutos, e
uma predominância por bacalhau, salmão, merluza congelados e
filés de outros peixes.Os dados apresentados demonstram que há
um vasto caminho para o setor de pesquisa, indústria e comércio na
ampliação da base de consumo de pescado, e que esse crescimento
deve estar associado à capacidade desses setores em gerar produtos
inovadores que tenham agregados os valores de saudabilidade e
praticidade.
CONSUMO DE PESCADO NO BRASIL
O pescado é a carne mais demandada mundialmente
(Sidonio et al., 2012) e a de maior valor de mercado. Por isso, cada
vez mais, no setor industrial de produção de alimentos valoriza‐se o
conhecimento acerca do consumidor, para a definição de diretrizes
que vão desde a elaboração de produtos voltados a mercados
específicos na pré‐produção até a definição de estratégias eficazes de
marketing.
729
A avaliação do consumo de pescado é algo complexo,
inclusive em outros países, onde o consumo já é tradicionalmente
estabelecido. Tal fato pode ser atribuído às dificuldades da cadeia de
produção que gera preocupação quanto a qualidade e segurança do
produto (Maciel, 2011). No Brasil, pesquisas de atitudes e
mapeamento dos consumidores vêm sendo realizadas por diversas
instituições de ensino e pesquisa. Um compilado de ações
registradas na literatura nos últimos cinco anos está destacado na
Tabela 1.
730
Tabela 1. Pesquisas de mercado consumidor do pescado, encontradas na literatura, nas cinco regiões do Brasil no
período de 2008 a 2014.
Local e Forma
Frequência Fator de Fatores
número de Escolarida de
Fonte Local Sexo Renda de decisão de de
entrevistado de aquisiçã
consumo compra rejeição
s o
Neto Macapá Feiras livres Masculi Médio 1‐3 salários mínimos 1‐2 vezes Eviscera Preço (35%) Presença
(2010) (AP) (100) no 55% completo (57,0%) na semana do (58%) Qualidade de
(25%) (67,0%) (35%) espinhas
731
dos
(40,68%)
732
mercado
(43%)
733
Analisando os dados é possível perceber, embora ainda não
haja uma só pesquisa – em nível nacional – validando estas
caracterizações, que o perfil de consumo é bastante distinto nas
cinco regiões, sendo influenciado por características
socioeconômicas; disponibilidade e preço de pescado e o fator
cultural ligado ao consumo de proteínas de origem animal.
A grande tendência é o aumento do consumo, visto que as
pessoas reconhecem o pescado como uma carne de qualidade e
citam o valor nutricional como um apelo à compra desta proteína.
No entanto, este consumo é negativamente influenciado pelo preço
do pescado em relação às demais proteínas de origem animal, fator
que tende a ser atenuado com o desenvolvimento de processos
produtivos mais eficientes e oferta crescente de seus produtos.
Na região Norte, o consumo é maior, voltado principalmente
para o peixe fresco e eviscerado, enquanto, nas regiões Sul e
Sudeste, o consumo é mais esporádico, tendo maior procura as
formas processadas (congelados, postas, costelas, filé entre outros).
Essas observações são corroboradas pelas dados estatísticos
realizados no país. Embora haja divergência entre os dados
apresentados pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF),
desenvolvida pelo Instituto de Geografia Estatística (IBGE), e os
dados do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO), em todos os casos, verifica‐se esta diferença na distribuição
do consumo, acompanhada de uma tendência no aumento do
consumo per‐capita de pescado no Brasil.
O MPA indica que o consumo per‐capita aparente era de
6,76Kg/ano em 2002 e de 9,03Kg/ano em 2009, representando um
aumento de 133,5% no período (BRASIL, 2012). A FAO apresenta
dados semelhantes, passando de 6,2 kg/ano em 2012 para 8,3kg/ano
em 2009 e 10,6 kg/ano em 2011 (FAO, 2014b).
Já na POF 2008‐2009, a aquisição de pescado foi de 4 kg/per
capita/ano, sendo que, na região Norte, a média per‐capita foi de 17,5
kg/ano, ficando muito acima da média das outras regiões e da média
brasileira. A pesquisa descreve que o consumo per‐capita na região
734
Nordeste foi de 4,9 kg/ano; no Sudeste 2,0 kg/ano; no Sul 1,5 kg/ano
e na região centro oeste 1,6 kg/ano (IBGE, 2011).
Os dados anteriores da POF 2002‐2003 identificavam um
consumo per‐capita de pescado em 4,6 kg/ano. Na região Norte foi de
24,6 kg/ano; no Nordeste 4,9 kg/ano; no Sudeste 2,1 kg/ano; no Sul
1,7 kg/ano e no Centro‐Oeste 1,3 kg/ano (IBGE, 2004).
A diminuição no consumo per‐capita destacado pela POF
entre os anos de 2002 e 2009 é destacada por uma redução no
consumo da região Norte, tida como a maior média nacional. Costa
et al. (2013) associaram essa diminuição ao aumento da renda
mensal familiar na região, que é associado a um aumento no
consumo de carnes bovinas, de frango e suína, visto que estas fontes
incorporam um conceito de abundância, poder e prestígio de
camadas socioeconômicas mais altas (fazendeiros e criadores locais).
Estudos conduzidos em três cidades nos Estados de São
Paulo e Santa Catarina, destacaram o aumento no desejo de
consumir peixes devido à associação desta carne com uma
alimentação de baixo teor calórico, associada a uma dieta voltada à
saudabilidade e longevidade, sendo o custo de aquisição a maior
barreira ao aumento do consumo (Minozzo et al.,2008).
Outra barreira é a ausência de produtos padronizados e de
conveniência destacado por boa parte das pesquisas. Gonçalves et
al. (2008) analisando a tendência do consumo de pescado na cidade
de Porto Alegre (RS), concluíram que a população estudada
manifestou preferência e considerou inovadores os produtos
linguiça, postas temperadas pronto para assar, nuggets e
fishburguers. O estudo indicou ainda que os consumidores formam
expectativas de qualidade, e associam determinados atributos do
produto com as compras diárias e as utilizam como um padrão não
específico de satisfação com a compra após o consumo.
Analisando entrevistados de um restaurante universitário
em Mossoró (RN), Silva & Gonçalvez (2012) reforçaram que
havendo diversidade de produtos de qualidade, de fácil preparo e
boa apresentação, seja na forma de postas ou filé, além de uma
embalagem que especifique bem o produto, tornar‐se‐á mais fácil o
735
trabalho de marketing e, consequentemente, a colocação do pescado
no mercado, contribuindo para incrementar os índices de consumo
de pescado no país.
CONSUMO DE PESCADO EM PALMAS (TO)
Foi realizada uma pesquisa para a caracterização do mercado
consumidor na cidade de Palmas (TO), utilizando‐se o questionário
estruturado desenvolvido por Maciel et al. (2013, 2014), com
adaptações. Participaram da pesquisa 208 sujeitos, voluntários,
entrevistados em locais de comercialização da cidade, durante a
Semana do Peixe (setembro), no ano de 2013, que se dispuseram a
responder o questionário sobre o consumo e comercialização de
pescado.
Entre os resultados obtidos destaca‐se que a maioria (54,8%)
dos voluntários foi do sexo feminino, com idade predominante entre
36 e 45 anos (25,9%) e 56 anos ou mais (22,6%), a maioria casada
(64,9%). Parcela considerável (45,7%) refere alguma prática de
atividade física. Quanto a escolaridade, 31,7% possui o ensino
superior completo e renda entre 2 a 4 salários mínimos (34%). A
mesma condição foi observada por Tavares et al. (2013) e por
Vasconcellos (2010), que realizaram estudos semelhantes obtendo
65,7 e 81,1%, respectivamente, de voluntárias respondentes. A
maioria de mulheres pode ser explicada pelo fato das entrevistas
serem realizadas em horário matutino e durante a semana, levando
a uma maior concentração de donas de casa e pessoas aposentadas.
No entanto, Neto (2010), avaliando fatores de consumo de
pescado em Macapá/AP, verificou que os homens eram maioria
(55%) por alegarem reconhecer melhor a qualidade do peixe em
relação as suas esposas, e pelo fato das mulheres não irem aos locais
de venda de pescado, por julgarem o odor das instalações
desagradável.
Quanto as características do consumo de pescado, 52,9% dos
entrevistados consomem entre 100 e 300g de pescado no mês.
Observou‐se que 26,9 % consomem pescado duas vezes na semana
ou mais; 20,6% consomem uma vez na semana e 23% de duas a três
736
vezes ao mês. Apenas 6,7% dos respondentes afirmaram consumir
pescado raramente.
Tabela 2. Preferência de características relacionadas à compra do pescado
em grupo de voluntários de Palmas‐TO, Brasil, 2013.
Discordo Discordo Indiferente/ Concordo Concordo
Preferências durante a compra totalmente % Não sei % plenamente
% % %
Embalagem do produto é 8,2 6,2 2,9 16,8 50,7
muito importante
Preço pago pelo produto é 5,3 10,6 9,6 31,7 28,4
muito importante
Valor nutricional do produto 2,4 1,4 5,3 12,5 63,9
é muito importante
Marca do produto é muito 0,9 32,7 10,6 7,7 15,4
importante
Pescado comercializado em 33,6 8,6 8,2 18,7 14,9
bandejas
Pescado comercializado em 15,8 11,1 13,5 9,6 34,6
sacos plásticos
Pescado comercializado a 26,4 7,7 5,8 30,3 14,9
granel
Pescado congelado 22,6 7,2 4,8 23,6 27,4
Pescado refrigerado 53,8 12,5 4,3 8,6 4,8
Pescado enlatado 50,5 11,5 3,4 11,54 8,6
Pescado in natura 1,9 0,9 13,5 69,23 85,6
Pescado é um alimento de alto 8,2 3,8 4,3 14,9 54,3
valor nutricional e seu
consumo regular traz
benefícios a saúde
Estou disposto a pagar mais 34,6 18,3 9,6 11,1 10,6
pelo pescado como produto
de conveniência
Os locais de consumo mais frequentes são a própria
residência onde 37,5%, enquanto, 21,1% sempre consomem em
restaurantes. Quanto às formas de preparo 46,15% preferem o
pescado assado ou grelhado, 45,2% preferem cozido ou ao molho e
36,5% empanado ou frito, sendo este um questionamento que
737
possibilitava a escolha de mais de uma variável. Em relação à
compra de pescado, 17,0% o fazem semanalmente. A maioria (45,6
%) prefere adquirir o pescado limpo, apenas resfriado, sendo que
2% dos entrevistados disseram adquirir produtos de conveniência a
base de pescado. Assim, a preferência por tipo de produto, no
momento da compra do pescado, foi de 33,6% por peixe limpo e
eviscerado, 31,73% por peixe inteiro e 13,9% por filé sem espinha.
Apenas 1,4% dos entrevistados tem preferência por adquirir
produtos de conveniência a base de pescado, corroborando com
diversas pesquisas realizadas na região Norte (Costa et al., 2009;
Neto, 2010; Costa et al., 2013).
Quanto aos atributos relacionados à aquisição de pescado
(Tabela 2) destaca‐se que a presença de embalagem adequada e o
valor nutricional são primordiais à aquisição, no entanto, o
conhecimento quanto às características ideais de conservação ainda
é limitado, destaque à comercialização in natura ser a preferida dos
consumidores. Entre os motivos para não consumo destacou‐se o
preço elevado (17,0%). O pescado é um alimento de alto valor
nutricional e perecibilidade, portanto requer cuidados em toda sua
cadeia de produção que vão desde a produção até a comercialização.
Logo, investir em tecnologias que assegurem sua qualidade e
promovam é um nicho de mercado, tendo em vista a demanda por
produtos de alta qualidade e as questões de risco alimentar,
frequentemente expostos nos últimos anos (Wei & Zeng, 2005).
Em estudo realizado na China, reconhecida por elevado
consumo de pescado, Wang et al. (2009) observaram que 85,7%
reconhecem que o preço dos produtos da pesca pode aumentar
devido ao aumento do custo de produção do sistema de
rastreabilidade, ainda assim, 60,1 % estão dispostos a pagar um
valor de até 10 % a mais nos produtos da pesca rastreáveis, para
aumentar a segurança desses produtos.
Em pesquisa realizada no Estado de São Paulo, com 1.966
pessoas, foi identificado que a maioria (82,19 %) estaria disposta a
pagar a mais por um produto com garantia de procedência. Dentre
esses, 45,9 % pagariam até 10 % a mais do que o valor do produto
738
convencional; 37,6 % estaria disposta a pagar até 20,0% a mais e 10,2
% pagaria até 30,0 % a mais pelo pescado rastreado (Maciel, 2011).
Essa tendência também foi observada em estudo realizado com
consumidores canadenses que entre 10,0 e 33,0 % dos entrevistados
estariam dispostos a pagar mais por um produto rastreado de
origem animal (Hobbs, 2003).
A educação do consumidor também deve ser aliada ao
desenvolvimento e implementação de novas tecnologias, visando
garantir informações necessárias para mudança do perfil cultural de
comercialização em nosso país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A padronização da produção e controle do processamento do
pescado auxiliam na implementação de um sistema de
rastreabilidade que, aliado a outras ferramentas de qualidade,
garantem maior segurança e confiança ao consumidor, tornando‐se
essenciais para a obtenção de produtos diferenciados no mercado
comercial de gêneros alimentícios. Nesse sentido a rastreabilidade
tem se tronado uma ferramenta imprescindível para o
acompanhamento da produção e comercialização de alimentos em
todo mundo. Todavia, no que tange a cadeia do pescado essa
tecnologia ainda é incipiente.
É reconhecido que a implementação de um sistema de
rastreabilidade pode aumentar os custos ao consumidor e sendo o
preço elevado um dos limitantes ao consumo, não tem‐se observado
grandes interesses comerciais. Todavia, a rastreabilidade poderia ser
aproveitada como nicho de mercado uma vez que há consumidores
conscientes da própria inabilidade em distinguir a qualidade do
pescado in natura e preferem optar por produtos industrializados
que passam a ter a qualidade associada a uma marca já consagrada
no mercado.
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742
CAPÍTULO 35
PESQUISA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
ALIADAS PARA DESENVOLVIMENTO DA
AQUICULTURA NO ESTADO DO AMAZONAS
Jackson Pantoja‐Lima1
Suelen Miranda dos Santos
Adriano Teixeira de Oliveira
Rayza Lima Araujo
Joaquim Alberto Leite dos Santos Junior
Geraldo Bernardino
Radson Rogerton dos Santos Alves
Alfeu Ferraz Filho
Ana Lúcia Gomes
Paulo Henrique Rocha Aride
INTRODUÇÃO
A aquicultura é o segmento da produção alimentícia
nacional que mais tem crescido nos últimos anos (Oliveira, 2009). De
acordo com o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), esta
produção aquícola nacional de origem continental aumentou de
forma significativa no triênio 2008‐2010, resultado de um
incremento de aproximadamente 40% durante este período (MPA,
2012). O boletim estatístico do MPA revela ainda que na transição de
2009 para 2010, embora tenha sido menos acentuado, o crescimento
da produção também foi verificado, registrando‐se um incremento
de 16,9%, quando a produção passou de 337.353 t em 2009 para
394.340 t (MPA, 2012). Este aumento na produção se reflete no
aumento do consumo nacional per capita anual que passou de 6,66
Pantoja‐Lima et al. Pesquisa e transferência de tecnologia aliadas para
desenvolvimento da aquicultura no Estado do Amazonas. In: Tavares‐Dias, M. &
Mariano, W.S. (Org.). Aquicultura no Brasil: novas perspectivas. São Carlos, Editora
Pedro & João, 2015.
743
Kg, em 2005, para 9,75 Kg em 2010 (MPA, 2012). Previsões da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO/ONU) estimam que a demanda pesqueira deve crescer e
aumentar para cerca de 90 milhões de toneladas/ano até 2030, e o
Brasil é um dos poucos países que tem condições de atender parte
dessa demanda mundial, por meio da aquicultura (FAO, 2012).
Dentre todas as espécies cultivadas na piscicultura brasileira,
o tambaqui (Colossoma macropomum) é a terceira espécie mais
cultivada do país, ficando atrás somente da tilápia‐do‐nilo
(Oreochromis niloticus) e das carpas, e isso se dá principalmente
devido sua fácil adaptação desses peixes ambientes de cultivo.
Outro fator importante é a consolidação da cadeia produtiva, uma
vez que essas espécies já possuem boa aceitação no mercado
(Arbeláez‐Rojas et al., 2002; Parente et al., 2003; Nunes et al., 2006).
AQUICULTURA NA AMAZÔNIA
Na região Norte, o Estado do Amazonas sozinho produziu
em 2010, aproximadamente 12.000 toneladas de tambaqui (MPA,
2012). Contudo, levantamentos da Secretaria Executiva de Pesca e
Aquicultura do Amazonas (SEPA/SEPROR) estimam que essa
produção em 2012 atingiu cerca de 16.000 toneladas oriunda da
piscicultura (Bernardino, G., comunicação pessoal), sendo esta
produção, em sua maioria originária da região metropolitana de
Manaus (RMM), que possuía aproximadamente 1.700 hectares de
lâmina de água de pisciculturas em 2008 (Gandra, 2010).
Atualmente, a SEPROR, estima que a área alagada seja de quase
2.000 hectares no ano de 2014, sendo o tambaqui C. macropomum e
matrinxã Brycon amazonicus as principais espécies cultivadas. Os
principais municípios produtores são: Rio Preto da Eva, Iranduba,
Itacoatiara, Manaus, Manacapuru e Presidente Figueiredo, todos
situados às margens de rodovias estaduais e federais. Gandra (2010)
relatou que de 2006 a 2008, o Estado do Amazonas importava
anualmente cerca de 6.000 toneladas de tambaqui, oriundos dos
estados vizinhos de Rondônia e Roraima. Estimativas da SEPROR,
revelam que atualmente chegam no Estado mais de 20.000 toneladas
744
de tambaqui vindos dos Estados de Rondônia e Roraima
(Bernardino, G., comunicação pessoal).
Estudos conduzidos por Oliveira et al. (2012), mostram que
os produtores rurais do Estado do Amazonas queixam aos técnicos
do IDAM/SEPROR que os principais problemas para o
desenvolvimento da piscicultura no estado são: 1) dificuldade para
obtenção de ração; 2) dificuldade para aquisição de alevinos; e 3)
falta ou restrição de informações e de técnicos especializados, apesar
da atuação da SEPROR‐AM. A obtenção de ração ainda é um forte
entrave para os piscicultores em regiões mais distantes da RMM,
mas um problema pouco vivenciado pelos produtores da RMM. O
segundo entrave, a aquisição de alevinos, está sendo solucionado
pelo IDAM e SEPROR, com recursos próprios e de parceiros
(Ministério da Integração Nacional, MPA, entre outros), por meio da
instalação de Unidades de Produção de Alevinos (UPA´s) em
municípios estratégicos do Estado do Amazonas. Por último, e não
menos importante que os dois primeiros, a falta de mão‐de‐obra
qualificada para assistência técnica e transferência de tecnologias
está sendo enfrentada por projetos escritos a seguir.
MODALIDADES DE PISCICULTURA DO AMAZONAS
Quatro tipos de pisciculturas são praticadas na RMM:
viveiros de barragens, viveiros escavados, módulos de canal de
igarapés e tanques‐rede/gaiolas. Esses cultivos são praticados em
diversas modalidades de produtividade (extensivo, semi‐intensivo e
intensivo). Entre esses sistemas de cultivo, a criação em canal de
igarapés é aquela que recebe maior crítica por parte de
ambientalistas e meio acadêmico, por tratar‐se de um cultivo
intensivo dentro de área de preservação permanente (APP), o leito
de igarapés. Brycon amazonicus é o peixe mais utilizado nesse sistema
de criação, por adaptar‐se facilmente a esse ecossistema de água
corrente e límpida. A espécie apresenta boa tolerância a altas
densidades e possui ótimo crescimento nesse sistema de cultivo,
alcançando de 0,800 a 1,2 kg em 12 meses de cultivo. Entretanto, o
entrave de produção dessa espécie na piscicultura ainda é a baixa
745
oferta de alevinos, devido a características reprodutivas dessa
espécie, entre elas o canibalismo (Gandra, 2010).
A atividade de criação de peixes em canal de igarapé foi
regulamentada no Estado do Amazonas, por meio da Resolução No.
001/2008 do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMAAM) e,
recentemente, foi disciplinada por meio da Lei No. 3.802, de 29 de
agosto de 2012, que permite o cultivo em igarapés com vazão
mínima de 15 L/s ou 54 m3/h. Contudo, nada sabe‐se efetivamente
sobre os impactos dessa atividade na eutrofização e estruturação das
comunidades de peixes dos corpos d´água da Amazônia central.
Essa criação de peixes em canal de igarapé ocorria com maior
intensidade nos municípios de Presidente Figueiredo e Rio Preto da
Eva (Gandra, 2010). Essa região da Amazônia central é drenada por
uma densa rede hídrica, com riachos (corredeiras e cachoeiras) e
igarapés típicos de terra firme coberta pela alta floresta amazônica,
com seus latossolos amarelos (Sioli, 1985). Levantamentos recentes
mostraram que o cultivo em canal de igarapé tem sido intensificado
nos municípios de Manacapuru e Novo Airão, em especial na
margem esquerda da Rodovia AM 352, região do entorno da Área
de Proteção Ambiental (APA) da Margem Direita do Rio Negro
(Dados não publicados).
Para melhor entendimento dos acontecimentos nos
ambientes aquáticos da região Amazônica, muitos estudos
detalhados têm sido realizados sobre a hidrologia, limnologia dos
igarapés (Fittkau, 1964; Fittkau et al., 1975; Furch et al. 1982; Junk &
Furch, 1982; Sioli, 1985) e comunidades de peixes, abordando a
distribuição espacial em hábitats (Silva 1995; Bührnheim &
Fernandes, 2003), em microhabitats (Soares 1979; Silva, 1993;
Barbosa et al., 2003), além de estudos sobre a composição da dieta de
peixes em igarapés próximo a Manaus (Knöppel, 1970; Silva, 1993) e
Mato Grosso (Soares, 1979). Estudos realizados em riachos com
muitas corredeiras são relativamente escassos, com destaque para
Freitas (1998), Santos (2002) e Barbosa et al. (2003), os quais
avaliaram a diversidade e abundância de espécies de peixes e
invertebrados submetidos a um forte impacto antrópico.
746
Como observa‐se, há uma vasta literatura sobre peixes de
igarapé, qualidade de água e aquicultura na Amazônia. Entretanto,
faltam estudos integrados que avaliem o impacto de atividades
produtivas sobre a biota e qualidade da água, decorrentes do
lançamento de efluentes dos cultivos.
DEMANDA DE PESCADO NA VISÃO DO IDAM
O Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e florestal do
Amazonas (IDAM) é o órgão oficial de assistência técnica em
extensão rural do Estado do Amazonas. Esta instituição está
instalada em todos os 62 municípios do Estado do Amazonas e em
alguns distritos estratégicos, tais como Extrema e Matupi (região do
Sul do Amazonas) e Novo Remanso (Baixo Amazonas). O IDAM,
juntamente com SEPROR, possuem em seus quadros funcionais
cerca 20 engenheiros de pesca e técnicos em recursos pesqueiros
atuando na área da pesca e aquicultura. No IDAM, as atividades são
coordenadas pela Gerência de Apoio à Aquicultura e à Pesca
(GEAPE/IDAM).
Para a GEAPE/IDAM, o uso racional das águas assegura
alimento para as gerações presente e futura. No entanto, a produção
pesqueira do Estado do Amazonas, oriunda da pesca extrativa, a
anos já não atende a demanda crescente de pescado nesse estado.
Dados populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), mostraram que em 2000 o Estado do Amazonas
tinha uma população de 2.872.524 habitantes, em 2010 de 3.604.165
habitantes, prevendo uma população de 3.873.743 habitantes em
2014 de 4.124.033 para 2018. A população urbana em 2010 era de
2.755.198 habitantes (76,4%). Com base nesta proporção de 2010,
estima‐se que em 2014 a população urbana do Estado do Amazonas
será 3.075.210 habitantes e que em 2018 já serão 3.441.260 habitantes
nas sedes dos municípios do Estado do Amazonas.
Para a GEAPE/IDAM, o consumo per‐capita de pescado
estimado para a população do Estado do Amazonas será, nos anos
seguintes, de cerca de 40kg/ano. Diante dessa demanda, a
GEAPE/IDAM prevê que a população rural será atendida o ano todo
747
pela pesca extrativa, enquanto a população urbana será atendida em
50% do consumo, pela piscicultura. Assim, em 2018 a piscicultura do
Estado do Amazonas precisará produzir 68.825 toneladas de peixes
(Figura 1). Isso indica que para atender a essa demanda, em 2018, será
necessária uma infraestrutura de viveiros escavados e semi‐escavados
em 9.832 hectares de área alagada em todos os municípios do estado.
Uma outra alternativa seria elevar os índices de
produtividade dos viveiros já existentes, que atualmente, segundo o
IDAM, são de aproximadamente sete toneladas por hectare. Em
estudo recente, foi relatado que a produção intensiva de tambaqui
com aeração (4 aeradores de 1,5 HP/hectare) pode chegar a 18
toneladas/hectare (Izel et al, 2013). Nesse estudo foram adensados
7.000 peixes/hectare, com peso inicial médio de 160 g e peso final
médio de 3 kg/ano. Considerando os resultados desse estudo,
seriam necessários construir menos de um terço de área alagada
proposta pelo IDAM para elevar‐se a produção aquícola no Estado
do Amazonas. Entretanto, diversos fatores devem ser levados em
consideração, por exemplo, a disponibilidade de energia elétrica em
diversos ramais e vicinais do interior do estado, o que inviabiliza o
uso dessa tecnologia.
Figura 1. Estimativas de demanda e oferta pescado oriundo da piscicultura no
Estado do Amazonas. Dados da Gerência de Apoio à Aquicultura e à Pesca
(GEAPE/IDAM).
748
EXPERIÊNCIA EM PESQUISAS E TRANSFERÊNCIA DE
TECNOLOGIAS
Projeto Pro‐Rural Aquicultura
O projeto “Pesquisa e transferência tecnológica: ferramentas
fundamentais para o desenvolvimento da aquicultura no Estado do
Amazonas” (PRÓ‐RURAL AQUICULTURA), sob coordenação od
IFAM, visa a transferência de informações técnicas e científicas para
comunidades produtoras. A apropriação do conhecimento de boas
práticas de manejo em viveiros, pelos produtores, é almejada pelo
projeto, visando a garantia do desenvolvimento da aquicultura no
Estado do Amazonas, com a ampliação da produção interna de
pescado dessa região. Nesse projeto financiado pela SEPROR e pela
Fundação de Amparo a Pesquisa no Estado do Amazonas
(FAPEAM), por meio do Programa Estratégico de Transferência de
Tecnologias para o Setor Rural (PRÓ‐RURAL), foram contratados 40
técnicos para atuar, em campo, de 21 municípios do Estado
Amazonas. Vinte e oito técnicos são recém formados nos cursos de
Técnicos em Pesca, Técnico em Aquicultura e Técnico em Recursos
Pesqueiros, das Escolas Agrotécnicas, Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, Centros de Educação Tecnológica
do Amazonas, entre outros. Além desses, compõem o projeto mais
12 técnicos de nível superior, dos quais 10 são Engenheiros de Pesca
e dois são Tecnólogos em Produção Pesqueira. Todos os resultados
apresentados a seguir foram coletados em campo.
A meta inicial pactuada com os financiadores do projeto foi
o atendimento de 4.000 produtores/ano 36 meses do projeto.
Entretanto, no primeiro ano de projeto, nenhum dos bolsistas
cumpriu 12 meses de atividade de campo. Portanto, a meta relativa
por cada bolsista foi ajustada em função do tempo de agente em
campo. Ao final, foi obtida uma nova meta de 3.175 produtores a ser
atendidos no primeiro ano. Dessa meta, os técnicos conseguiram
atender 2.298 produtores rurais (72,4% da meta), sendo que 1.143
(36,0%) possuíam algum tipo de infraestrutura de cultivo de peixes
em suas propriedades. Novas metas estão sendo repactuadas em
função da realidade observada no campo.
749
O polo de Manacapuru e RMM, foram as regiões que
apresentaram maior número de produtores rurais atendidos e
produtores com piscicultura (Figura 2). Além dos cinco Polos
estabelecidos no Edital, também foi alocado um bolsista na estação
de piscicultura do IFAM‐CSGC em São Gabriel da Cachoeira para
atuar na produção de alevinos para os produtores daquela região.
Na Tabela 1 são apresentados os valores absolutos e
percentuais de produtores rurais atendidos, e àqueles com
piscicultura instalada, em cada município onde há técnico do projeto
atuando. Presidente Figueiredo, foi o município com maior número
de atendimentos. A implantação de um Arranjo Produtivo Local de
Piscicultura, coordenado pela Prefeitura daquele município e o
Governo do Estado, por meio da SEPROR é o principal
desencadeador deste resultado. Em termos de percentual de
produtores com piscicultura instalada e atendida pelo PRÓ‐RURAL,
destacam‐se os municípios de Benjamim Constant (Polo Tabatinga
ou alto e médio Solimões), Manacapuru (polo Manacapuru e RMM)
e Apuí (Polo Madeira).
Figura 2. Distribuição percentual dos produtores atendimentos pelos agentes de
transferência de tecnologia do Pro‐Rural Aquicultura, entre julho de 2013 e junho
de 2014, nos seis Polos de desenvolvimento da Aquicultura do Estado do
Amazonas.
750
Tabela 1. Meta ajustada, número de produtores e de piscicultores atendidos pelos agentes de transferência tecnológica do Pro‐Rural
Aquicultura entre julho de 2014 e junho de 2014, nos seis Polos de desenvolvimento da Aquicultura do Amazonas.
Polo/Municípios Meta Ajustada No. Produtores Atendidos % No. Piscicultores %
Alto e médio Solimões
Benjamim Constant 183 217(3o) 9,44 173(1o) 15,14
Coari 92 100 4,35 60 5,25
Santo Antônio do Içá 92 20 0,87 20 1,75
Tabatinga 92 36 1,57 36 3,15
Tefé 92 21 0,91 9 0,79
Alto Rio Negro
São Gabriel da Cachoeira 92 40 1,74 6 0,52
Madeira
Apuí 58 150(5o) 6,53 150(3o) 13,12
Borba 92 80 3,48 15 1,31
Humaitá 250 195(4o) 8,49 56 4,90
Manicoré 92 41 1,78 41 3,59
N. Olinda do Norte 25 33 1,44 4 0,35
Novo Aripuanã 50 20 0,87 21 1,84
Manacapuru e RMM
Careiro Castanho 183 92 4,00 72(5o) 6,30
Careiro da Várzea 92 47 2,05 47 4,11
Iranduba 183 128 5,57 53 4,64
Itacoatiara 183 87 3,79 14 1,22
Manacapuru 342 240(2o) 10,44 157(2o) 13,74
Novo Airão 92 25 1,09 16 1,40
Presidente Figueiredo 275 438 (1o) 19,06 105(4o) 9,19
Rio Preto da Eva 275 136 5,92 66 5,77
Parintins
Parintins 158 52 2,26 9 0,79
Rio Purus
Lábrea 183 100 4,35 13 1,14
Total 3175 2298 100 1143 100
751
Na figura 3 estão apresentadas demais atividade de
transferência de tecnologia em boas práticas de manejo de viveiro,
realizadas pelos técnicos do projeto: 468 cadastros ambientais rurais
(CAR), 294 cadastros de aquicultor do Instituto de Proteção
Ambiental do Amazonas (IPAAM), 42 cadastros de aquicultura do
Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e 71 acompanhamentos de
vistorias creditícias dos bancos Banco do Brasil, Banco da Amazônia
e Agência de Fomento do Estado do Amazonas (AFEAM).
Figura 3. Número absoluto de produtores atendidos, de piscicultores, de Cadastro
Ambiental Rural (CAR), cadastrados de aquicultura do IPAAM, cadastros de
aquicultura do MPA e vistorias creditícias nos seis Polos de Desenvolvimento da
Aquicultura do Amazonas.
Uso do solo das propriedades rurais atendidas
Foram atendidos 2.298 produtores rurais nos seis polos de
desenvolvimento da aquicultura, em 11 meses de projeto. Desse
total, 423 atendimentos já foram registrados no banco de dados do
projeto Pró‐Rural Aquicultura (http://www.ifam.edu.br/prorural).
Com esses dados, foi possível avaliar que as propriedades têm em
média área total de 50 hectares, tanto em propriedade rurais com e
sem piscicultura instalada (Tabela 2). Foi possível observar ainda,
que há uma grande variação no tamanho das áreas em todos os
Polos de desenvolvimento da aquicultura, com destaque para as
regiões do Sul do Amazonas, Lábrea e Madeira, onde há produtores
752
com mais de 1000 hectares. Em diversas localidades, chama a
atenção a piscicultura em terrenos de pequeno porte (alto e médio
Solimões e Manacapuru e RMM).
Tabela 2. Sumário estatístico do tamanho das propriedades rurais
(hectares) atendidas pelos agentes de transferência de tecnologia em
Aquicultura.
Polo Sem piscicultura Com piscicultura
N Média DP Min Max N Média DP Min Max
Alto e Médio Solimões 47 17,4 13,6 0,8 62,9 34 36,7 70,6 0,6 396,8
Lábrea 2 17,0 0,00 17,0 17,0 1 1000,0 1000,0 1000,0
Madeira 73 85,4 186,1 1,5 1500,0 20 111,1 119,9 6,0 375,0
Manacapuru e RMM 100 40,2 28,8 0,5 150,0 148 38,7 44,0 0,3 250,0
Total 222 50,0 111,3 0,5 1500,0 203 50,2 92,4 0,3 1000,0
DP: desvio padrão, N: Numero amostral, Min: Mínimo, Max: Máximo
Uma breve avaliação sobre uso do solo, mostra que nestas
423 propriedades a área total declarada foi de 22.304,43 hectares,
estando 48,20% no Polo Manacapuru e RMM, 37,9% no Madeira,
4,64% no polo Lábrea e 9,2% no polo alto e médio Solimões. Na
Tabela 3 é apresentado o resumo do uso do solo nas propriedades
com e sem cultivo de peixes. Nestas propriedades foram declarados
o cultivo de 72 tipos de plantas ou vegetais e 5 tipos de criações
(bovinocultura, avicultura caipira e de postura, criação de patos e
criação de abelhas). Nas áreas com piscicultura, os cultivos
registrados com mais frequência são: mandioca (6), pimentas (6),
açaí (5), banana(5), coco(5), cupuaçu(5), limão(5), macaxeira(5),
mamão(5), melancia(5), abacaxi(5). Nas áreas sem cultivo de peixes
os cultivos mais frequentes são: pimentas (8), mandioca (6), cupuaçu
(6), macaxeira (6), abacaxi (6), banana (5), coco (5), goiaba (5) e cana‐
de‐açúcar (5).
753
Tabela 3. Área cultivada em das propriedades (ha) e atendidas pelos
técnicos do pró‐rural Linha Aquicultura, durante o primeiro ano de projeto
Propriedades Sem Cultivo Propriedades Com Cultivo
Grupo de Uso Do Solo Agricultura Familiar
Árvores frutíferas 712,874 581,307
Tubérculos 215,040 140,615
Grãos/Cereais 61,000 101,500
Gramíneas 123,350 43,000
Legumes 11,196 26,856
Cereal 3,750 5,200
Hortaliça 5,110 2,636
Agricultura diversa 1,100 2,000
Leguminosas 6,500 2,000
Fibra 2,000
Total 1141,92 905,114
Tipos de Criações
Avicultura (bicos) 20.100 13.576
Bovinocultura (cabeças) 25 355
Criação de patos (bicos) 120
Criação de porcos (cabeças) 2
Criação abelhas (caixas) 150
Em termos gerais, os produtores analisados utilizam 3,8 ±
8,2%) com cultivo de peixes, mas os dados apresentam uma grande
amplitude em termos percentuais da área da propriedade (0,02 a
73,91%). Os maiores valores de uso foram observados nas
propriedades do polo alto e médio Solimões (Tabela 4).
Tabela 4. Percentual de uso das propriedades rurais por atividade de
piscicultura em quatro Polos de Desenvolvimento da Aquicultura no
Estado do Amazonas.
Polo N Média DP MIN MAX CV
Alto e médio Solimões 34 8,61 14,75 0,04 73,91 1,71
Lábrea 1 0,04 0,04 0,04 ‐
Madeira 20 4,17 8,00 0,06 34,00 1,92
Manacapuru e RMM 125 2,47 4,67 0,02 23,09 1,89
Total 180 3,81 8,23 0,02 73,91 2,16
DP: desvio padrão, N: Numero amostral, Min: Mínimo, Max: Máximo, CV: Coeficiente de
variação.
754
Caracterização das pisciculturas assistidas em campo
A avaliação das propriedades rurais durante as atividades de
transferência de tecnologia mostra que em média os cultivos em
tanques escavados ou semi‐escavados por propriedade rural tem
área total não superior a 1 hectare de área alagada (Tabela 5).
Entretanto, os dados mostram também que há uma grande variação
no tamanho dos cultivos (0,0012 a 4,42 ha). Do outro lado, é possível
mostrar que a piscicultura em tanque escavado, em sua maioria é
realizada em área alagada não superior a 5 ha. A legislação de
aquicultura do estado do Amazonas, exige deste pequeno produtor
somente um Cadastro único de aquicultor.
Nos cultivos em barragens, o tamanho médio da área
alagada é de 1,31 ± 2,74 ha), com grande amplitude de 0,01 a 17,1 ha.
O Polo de Manacapuru e RMM apresentou os maiores valores
médio de tamanho de barragem. A região do Rio Madeira foi a que
apresentou as menores áreas alagadas. Entretanto, somente duas
estruturas foram registradas no banco de dados para aquela região.
A menor área alagada de barragem foi registrada no polo alto e
médio Solimões (0,01 ha). Os valores de coeficiente de variação nos
mostram que há uma elevada variação da área alagada nos cultivos
em tanques escavados e barragens, entre as diferentes regiões do
Amazonas.
Vinte e nove cultivos em canal de igarapé avaliados juntos
cobrem uma área de 0,9584 ha. Os tanques apresentam alta variação
na área alagada, com amplitude de 0,002 a 0,25 ha (Tabela 5).
Os produtores com tanques‐rede assistidos pelo projeto
possuem um volume total de 1505,7 m3. Estes cultivos estão
localizados no polo de Manacapuru e RMM, mais precisamente nos
lagos de várzea do município do Careiro da Várzea.
755
Tabela 5. Número de propriedades (N), área (Soma), média, desvio padrão
(DP), mínimo (MIN), máximo (MAX) e coeficiente de variação (CV) da área
alagada (hectares) de tanques escavados e semi‐escavados e barragens em
quatro polos de desenvolvimento da aquicultura do Amazonas.
N Soma Média DP Min Max CV
Polos
Tanques escavados e semi‐escavados
Alto e médio Solimões 9 8,6852 0,9650 0,8192 0,0240 2,2455 0,85
Lábrea 1 0,4000 0,4000 0,4000 0,4000 ‐
Madeira 20 17,0000 0,8500 0,7505 0,0300 3,0000 0,88
Manacapuru e RMM 76 35,1091 0,4620 0,7807 0,0012 4,4200 1,69
Total 106 61,1943 0,5773 0,7908 0,0012 4,4200 1,37
Viveiros de Barragens
Alto e médio Solimões 32 33,5270 1,0477 1,8830 0,0100 8,3687 1,80
Madeira 2 0,7000 0,3500 0,0707 0,3000 0,4000 0,20
Manacapuru e RMM 39 61,8720 1,5865 3,3437 0,0300 17,1000 2,11
Total 73 96,0989 1,3164 2,7431 0,01 17,1 2,08
Canal de Igarapé
Manacapuru e RMM 29 0,9584 0,03304 0,04625 0,002 0,25 1,40
A aquicultura no Estado do Amazonas tem sido
desenvolvida principalmente com a produção do tambaqui. Essa
espécie está presente em 78,0% dos cultivos em tanque escavado e
semi‐escavado, seguido pela matrinxã (e pelo pirarucu. Nos viveiros
de barragem, foram encontrados pelo menos nove espécies e um
grupo não identificado. Nesses cultivos, predomina o tambaqui,
seguida pelo matrinxã, pirarucu, curimatã e outros (15,6%). Em
canal de igarapé, predomina o cultivo de matrinxã (68,0%), seguido
por tambaqui (19,0%), pirapitinga (3,0%), pacu e tilápia (3,0%)
(Figura 4). Porém, tilápias são peixes exóticos e seu cultivo é
proibido por lei.
756
Espécies cultivadas em barragens
Espécies cultivadas em tanque escavado
bodó carauacu tucunaré
1% 2% outras 2%
pirarucu curimatã 2%
pirapitinga
7% 1% 5%
jaraqui
matrinxã 5%
14% curimatã
6% tambaqui
48%
pirarucu
12%
tambaqui
78% matrinxã
17%
Espécies cultivadas em canal de igarapé
pacu
3% tilápia
pirapitinga
7% 3%
tambaqui
19%
matrinxã
68%
Figura 4. Principais espécies peixes cultivadas em tanques escavados e semi‐
escavados, barragens e canal de igarapé nas propriedades rurais nos seis polos de
desenvolvimento da aquicultura do Amazonas.
PROJETO DARPA
O Projeto de Desenvolvimento da Aquicultura e dos
Recursos Pesqueiros na Amazônia (DARPA) tem apoio da
Financiadora de Projetos do Governo Federal (FINEP) e coordenado
pela SEPA/SEPROR, em parceria com o Instituto de
Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas (IDAM),
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Empresa Brasileira de
Pesquisa e Agropecuária (EMBRAPA), Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA), Universidades Nilton Lins
(UNILTONLINS) e Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
O projeto tem como objetivo geral “Desenvolver, adaptar e
difundir conhecimentos e tecnologias para a piscicultura e processamento
de pescado na Amazônia.” Foram pactuados com a FINEP oito
objetivos específicos voltados para o fortalecimento da aquicultura e
757
a pesca no Amazonas. Entretanto, no presente capítulo serão
apresentados somente resultados referentes à difusão e transferência
de tecnologias em aquicultura, bem como orientações técnicas do
DARPA relacionados à identificação e Prevenção de vermes
acantocéfalos em tambaqui.
Difusão e transferência de tecnologias em aquicultura no âmbito do
DARPA
A difusão e transferência de tecnologias continuam como um
desafio que exige a participação de todos os setores do sistema de
produção aqui‐industrial (insumos, produção, industrialização,
comercialização e consumidor). Cada vez mais a ideia é evitar que o
conhecimento permaneça restrito aos departamentos acadêmicos ou
institutos científicos, diminuindo a distância entre ensino, pesquisa e
extensão. O projeto propõe o uso integrado e articulado das distintas
ferramentas de comunicação, com o objetivo de estabelecer canais de
comunicação com os aquicultores familiares e empresários que
servirão tanto para a ampliação da difusão e transferência da
tecnologia gerada pela academia, como para orientar novos projetos
de pesquisa alinhados às prospecções de demandas.
Ao longo de três anos de projeto foram realizados 35 cursos
que tratavam dos tipos de criação de peixes, a preparação dos
viveiros para o início da criação, bem como o ensinamento das boas
práticas de manejo (BPM) de peixes em cativeiro, melhorando sua
produção, prevenindo a infestação por parasitas que ocasionam alta
mortalidade de peixes, passando pelo beneficiamento, como os
cursos de retirada de espinha de peixe e o curso de boas práticas
dentro da indústria de pescado salgado seco. Foram capacitadas
mais de 1.300 que também se tornaram disseminadores das
informações adquiridas. Esses cursos tiveram a intenção de abranger
toda a cadeia produtiva do pescado, que foram ministrados em
diversos municípios do Estado do Amazonas, capacitando
produtores, donos de restaurantes, feirantes, empresários e demais
pessoas interessadas em melhorar sua produção ou mesmo, passar a
758
ter uma renda, investindo neste negócio. Na tabela 6 é apresentado
um sumário dos cursos realizados pelo projeto DARPA.
Entre os cursos realizados, destaca‐se a capacitação de mais
de 500 pessoas em retirada de espinha de peixes, os quais utilizarão
estas técnicas para agregar valor ao preço de seus produtos, seja na
venda do peixe in natura ou preparado para consumo em
restaurantes, gerando empregos e melhoria na qualidade de vida.
Tabela 6. Sumário dos cursos realizados pelo projeto DARPA
Total
Tipos de treinamento e Capacitação l
Capacitação em piscicultura 1
Curso de beneficiamento do pescado (linguiça e hambúrguer de peixe) 2
Curso de boas práticas na indústria de bacalhau da Amazônia 1
Curso de enfermidades de peixes na piscicultura: métodos preventivos 1
Curso de piscicultura em viveiros escavados e tanques‐rede 1
Curso de piscicultura familiar ‐ manejo e boas práticas 4
Curso de retirada de espinha de peixe 18
Palestra “Boas Práticas em Piscicultura” 1
Palestra “reprodução, larvicultura de alevinagem” 1
Treinamento teórico de piscicultura a produtores rurais 2
Treinamento teórico e prático de piscicultura familiar 2
Treinamento teórico e prático em limnologia e equipamentos de análise de
água 1
Total 35
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram apresentadas duas iniciativas governamentais que
estão em funcionamento em campo, buscando suprir em parte, a
falta de mão de obra qualificada e capacitação dos piscicultores e
produtores rurais do Estado do Amazonas. No primeiro caso foi
mostrado que o projeto PRÓ‐RURAL – financiado pela FAPEAM E
SEPROR tem atuado na capacitação e inserção de 40 profissionais no
setor aquícola em 21 municípios do interior do estado do Amazonas,
atuando na transferência de tecnologia de Boas Práticas de
Manejo(BPM), principalmente para o pequeno produtor rural que
759
possui propriedade não superior a 50 hectares. A soma de esforços
de diversas instituições públicas e privadas de ensino, pesquisa,
extensão e agências de fomento, neste último caso em especial a
FAPEAM, FINEP, CNPq, SEBRAE, entre outros, vem mostrando ser
uma estratégia relevante para contribuir com o desenvolvimento da
aquicultura no Estado do Amazonas. Por último, consideramos
como o principal desafio na próxima década da aquicultura no
Estado Amazonas a implantação de um Polo de Inovação
Tecnológica para o setor aquícola. Polos de Inovação é uma
estratégia que será adotada pela Empresa Brasileira de Pesquisa e
Inovação Industrial (EMBRAPII) e instituições parceiras, entre elas a
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da
Educação, o Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação, visando
Inovação Tecnológica orientada ao setor produtivo.
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761
AUTORES
Adriana KazueTakako
Universidade Federal de Tocantins (UFT), Colegiado de Biologia,
Araguaína ‐ TO ‐ Brasil.
Email: adrianaktakako@gmail.com
Adriano Teixeira de Oliveira
Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Presidente Figueiredo – AM ‐
Brasil.
Email: adriano.oliveira@ifam.edu.br
Alan Cristian Dozo Martins
Universidade do Estado do Amapá (UEAP), Macapá ‐ AP ‐ Brasil.
Email: cristian.ap@outlook.com
Alexandre Aires de Freitas
Embrapa Aquicultura e Pesca, Palmas – TO – Brasil
Email: alexandre.freitas@embrapa.br
Alexandre Nizio Maria
Embrapa Tabuleiros Costeiros, Aracaju ‐ SE ‐ Brasil.
Email: alexandre.maria@embrapa.br
Alexandre Renato Pinto Brasiliense
Universidade do Estado do Amapá (UEAP), Macapá ‐ AP ‐ Brasil.
Email: arbrasiliense@hotmail.com
Alexssandro Geferson Becker
Pós‐doutorando do Centro de Ciências do Mar, CCMAR/
Universidade do Algarve/ Faro‐ Portugal/
Email: alexssandrobecker@gmail.com
Alfeu Ferraz Filho
Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Manaus ‐ AM ‐ Brasil.
Email: alfeu.filho@hotmail.com
Aline Cristina Zago
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências,
Departamento de Parasitologia. Campus de Botucatu. Botucatu ‐ SP ‐
Brasil.
Email: alinecristhina@yahoo.com.br
Alitiene Moura Lemos Pereira
Embrapa Tabuleiros Costeiros, Parnaíba ‐ PI ‐ Brasil.
Email: alitiene.pereira@embrapa.br
763
Ana Lúcia Gomes
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Departamento de
Biologia, Manaus ‐AM ‐ Brasil.
Email: anapaima@gmail.com
Ana Lúcia Salaro
Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Biologia Animal,
Viçosa ‐ MG ‐ Brasil.
Email: salaro@ufv.br
Anderson Domingues Gomes
Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR ‐ Brasil
email: andersondgo@hotmail.com
Antonielson Silva Castelo
Universidade do Estado do Amapá (UEAP), Macapá ‐ AP ‐ Brasil.
Email: antonielsonsc@hotmail.com
Araceli Hackbarth
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos ‐ SP ‐ Brasil.
Email: arinhahack@yahoo.com.br
Arlene Sobrinho Ventura
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Dourados –
MS‐ Brasil.
Email: arlenesventura@gmail.com
Beatriz Cardoso Roriz
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados ‐ MS
Brasil.
Email:beatrizroriz@hotmail.com
Bernardo Baldisserotto
Departamento de Fisiologia e Farmacologia/ Universidade Federal de
Santa Maria/Santa Maria‐RS, Brasil
Email: bbaldisserotto@hotmail.com
Berta Maria Heinzmann
Departamento de Farmácia Industrial/ Universidade Federal de Santa
Maria/Santa Maria‐RS, Brasil
Email: berta.heinzmann@gmail.com
Brenna Cetina Ferreira de Carvalho
mestranda em Recursos Naturais da Amazônia/ Universidade Federal
do Oeste do Pará/Santarém‐Brasil
Email: brenna_ferreira@hotmail.com
764
Bruna Marjara Picanço da Silva
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Macapá ‐ AP‐ Brasil.
Email: brunismarjara@hotmail.com
Bruno Correa da Silva
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina, Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca
(CEDAP), Florianópolis – SC – Brasil.
Email: brunosilva@epagri.sc.gov.br
Camila Aparecida Pigão Soares
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução, São Carlos ‐ SP ‐ Brasil.
Email: capigao@gmail.com
Carla Patrícia Bejo Wolkers
Faculdade de Ciências Integradas do Pontal, UFU ‐ Universidade
Federal de Uberlândia. Av. João Naves de Ávila, 2121, Campus Santa
Mônica, CX 593, 38408‐100, Uberlândia, MG, Brasil.
Email: carlawolkers@yahoo.com.br
Claudinei da Cruz
Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB),
Barretos ‐ SP ‐ Brasil.
Email: claudineicruz@gmail.com
Daniel Abreu Vasconcelos Campelo
Universidade Estadual de Maringá, Maringá – PR – Brasil.
E‐mail: danielcampelo.agro@gmail.com
Daniella Aparecida de Jesus Paula
Universidade Federal de Lavras, Departamento de Medicina
Veterinária, Lavras ‐ MG – Brasil.
Email:daniufla2002@yahoo.com.br
Danielly Veloso Blanck
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos ‐ SP ‐ Brasil.
Email: dany.peixegen@gmail.com
Edison Barbieri
Instituto de Pesca (APTA‐ SAASP), Governo do Estado de São Paulo,
Cananeia – SP – Brasil.
E‐mail: edisonbarbieri@yahoo.com.br
Edsandra Campos Chagas
Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus – AM ‐ Brasil.
Email: edsandra.chagas@embrapa.br
765
Elen Monique de Oliveira Sousa
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Instituto de
Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA), Santarén ‐ PA ‐ Brasil.
Email: monique.olis@hotmail.com
Eliane Tie Oba Yoshioka
Embrapa Amapá, Macapá ‐ AM ‐ Brasil.
Email: eliane.yoshioka@embrapa.br
Elisabeth Criscuolo Urbinati
Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP ‐ Univ
Estadual Paulista ‐ UNESP. Via de Acesso Prof. Paulo Donato
Castelane, 14.884‐900, Jaboticabal, São Paulo.
Email: bethurb@fcav.unesp.br
Emilly Kataline Rodrigues Pessoa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de
Biociências, Laboratório de Ictiologia, Natal – RN ‐ Brasil.
E‐mail: emillykataline.ufrn@hotmail.com
Erika da Silva Maciel
Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), Palmas –
TO ‐ Brasil
Email:erikasmaciel@ceulp.edu.br
Estefânia de Souza Andrade
Universidade Federal de Lavras. Departamento de Medicina
Veterinária, Campus Universitário. Lavras ‐ MG – Brasil.
Email: esandrade@bol.com.br
Fabio de Jesus Castro
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus Universitário de
Araguaína, Araguaína – TO ‐ Brasil.
E‐mail: fabiojcastro@uft.edu.br
Fábio Mendonça Diniz
Embrapa Meio‐Norte, Teresina ‐ PI ‐ Brasil.
Email: fabio.diniz@embrapa.br
Fábio Sabbadin Zanuzzo
Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP), UNESP ‐ Univ
Estadual Paulista ‐ UNESP. Via de Acesso Prof. Paulo Donato
Castelane, 14.884‐900, Jaboticabal, São Paulo.
Email: fabioszanuzzo@gmail.com
Fabíola Helena dos Santos Fogaça
Embrapa Meio‐Norte, Parnaíba ‐ PI ‐ Brasil.
Email: fabiola.fogaca@embrapa.br
766
Felipe do Nascimento Vieira
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de
Camarões marinhos, Barra da Lagoa – SC – Brasil.
Email: felipe.vieria@ufsc.br
Fernanda Dias de Moraes
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos ‐ SP ‐ Brasil.
Email:fer.diasmoraes@gmail.com
Fernanda Menezes França
Polo Regional do Vale do Paraíba/Apta, Pindamonhangaba – SP –
Brasil.
Email: fernandaranicultura@hotmail.com
Fernando Fabrizzi
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos ‐ SP ‐ Brasil.
Email: ferfabrizzi@hotmail.com
Flavia Santʹanna Rios
Universidade Federal do Paraná (UFP), Departamento de Biologia
Celular. Curitiba ‐ PR ‐ Brasil.
Email: flaviasrios@ufpr.br
Flávio Ruas de Moraes
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP),
Departamento de Patologia Veterinária, Jaboticabal – SP – Brasil.
Email:fruasmoraes@gmail.com
Francine Perri Venturini
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos ‐ SP ‐ Brasil.
Email: francineventurini@gmail.com
Gabriela Tomas Jerônimo
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de
Sanidade de Organismos Aquáticos, Laguna ‐ SC ‐ Brasil.
Email:gabrielatj@gmail.com
Gabryella Gomes Rodrigues
Universidade Federal do Tocantins (UFT). Campus Universitário de
Araguaína. Araguaína – TO ‐ Brasil.
E‐mail: gaby.g2@hotmail.com
Galileu Crovatto Veras
Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto de Estudos Costeiros,
Bragança ‐ PA ‐ Brasil.
Email:galileu@ufpa.br
767
Geraldo Bernardino
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Departamento de
Biologia, Manaus ‐AM ‐ Brasil.
Email: gbsecpesca@ig.com.br
Gilberto Moraes
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos ‐ SP ‐ Brasil.
Email:gibaufscar@gmail.com
Gustavo A. Rojas
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos – SP – Brasil.
Email:matamba2@yahoo.com.br
Hellen Christina de Almeida Kato Garcia
Embrapa Aquicultura e Pesca, Palmas – TO – Brasil
Email: hellen.almeida@embrapa.br
Hugo Napoleão Pereira da Silva
mestrando em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos/
Universidade Federal do Oeste do Pará/Santarém‐PA, Brasil/
Email: hugonapoleao@ymail.com
Ive Marchioni Avilez
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos – SP ‐ Brasil.
Email:iveavilez@yahoo.com
Jackson Pantoja Lima
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas
(IFAM), Presidente Figueiredo ‐ AM ‐ Brasil.
Email:jackson.lima@ifam.edu.br
Jaydione Luiz Marcon
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto de Biologia,
Laboratório de Fisiologia, Manaus – AM ‐ Brasil.
Email: jlmarcon@ufam.edu.br
Jane Lopes Mello
Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências Agrárias e
Ambientais (UFMA), Chapadinha – MA – Brasil.
Email: janemellolopes@hotmail.com
Janna Laely dos Santos Maia
mestranda em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos/
Universidade Federal do Oeste do Pará/Santarém‐PA,Brasil/
Email: janna_maia@hotmail.com
768
Jener Alexandre Sampaio Zuanon
Universidade Federal de Viçosa, Viçosa – MG – Brasil.
E‐mail: jenerzuanon@gmail.com
João Avelar Magalhães
Embrapa Meio‐Norte, Parnaíba ‐ PI – Brasil.
Email: joao.magalhaes@embrapa.br
Joaquim Alberto Leite dos Santos Junior
Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Presidente Figueiredo – AM –
Brasil.
Email: alsjr@hotmail.com
José Cláudio Epaminondas dos Santos
Centro Integrado de Recursos Pesqueiros e Aquicultura de Três
Marias, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e
do Parnaíba (Codevasp), Três Marias – MG – Brasil.
E‐mail: jose.claudio@codevasf.gov.br
José Luiz Pedreira Mouriño
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de
Sanidade de Organismos Aquáticos (AQUOS), Florianópolis – SC ‐
Brasil.
Email: mourino@lcm.ufsc.br
Julieta Rodini Engrácia de Moraes
Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias e Centro de
Aquicultura (Caunesp), Jaboticabal – SP – Brasil.
Email: julietaengracia@gmail.com
Katina Roumbedakis
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de
Sanidade de Organismos Aquáticos (AQUOS), Florianópolis – SC –
Brasil.
Email: katina.roumbedakis@gmail.com
Kleber Campos Miranda Filho
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Departamento de
Zootecnia, Laboratório de Aquacultura (LAQUA), Belo Horinzonte –
MG – Brasil
Email: kleber08@gmail.com
Leandro Fernandes Damasceno
Embrapa Amapá, Macapá – AP – Brasil.
Email:leandro.damasceno@embrapa.br
Lenise Vargas Flores da Silva
Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas/ Universidade Federal
do Oeste do Pará/Santarém‐PA, Brasil
Email: lenise.silva@ufopa.edu.br
769
Lidiane Franceschini
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências,
Departamento de Parasitologia, Botucatu – SP – Brasil.
Email:lidianefranceschini@yahoo.com.br
Luciana Araújo Montenegro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de
Biociências, Laboratório de Ictiologia ‐ RN – Brasil.
Email: luciannamontennegro@yahoo.com.br
Luciana C. Almeida
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos – SP – Brasil.
Email:recadolucianaalmeida@gmail.com
Luis David Solis Murgas
Universidade Federal de Lavras, Departamento de Medicina
Veterinária, Lavras – MG ‐ Brasil.
Email:lsmurgas@dmv.ufla.br
Luiza Dy Fonseca Costa
Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Laboratório de
Hidroquímica, Campus Carreiros ‐ Rio Grande ‐ Brasil‐
Email: luiza_dy@hotmail.com
Marcela Alves Santuci
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus de Araguaína,
Araguaína – TO – Brasil.
Email: ma.santuci@bol.com.br
Marcelo Duarte Pontes
Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro – RJ – Brasil.
E‐mail: marcelodpontes@gmail.com
Márcia Mayumi Ishikawa
Embrapa Meio Ambiente, Jaguariúna – SP – Brasil.
Email: marcia.ishikawa@embrapa.br
Márcio Luís Pontes Bernardo da Silva
Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão, São Luís –
MA – Brasil.
Email: marcioufrpe@hotmail.com
Marcos Ferreira Brabo
Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto de Estudos Costeiros,
Bragança – PA ‐ Brasil.
Email:mbrabo@ufpa.br
770
Marcos Tavares‐Dias
Embrapa Amapá, Laboratório de Sanidade de Organismos Aquáticos,
Macapá – AP – Brasil.
Email:marcos.tavares@embrapa.br
Maria Urbana Correa Nunes
Embrapa Tabuleiros Costeiros, Aracaju – SE – Brasil.
Email: maria‐urbana.nunes@embrapa.br
Mariana Forgati
Universidade Federal do Paraná (UFP), Programa de Pós‐Graduação
em Biologia Celular e Molecular, Curitiba – PR ‐ Brasil.
Email:mforgati@gmail.com
Marisa Narciso Fernandes
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Calos – SP – Brasil.
Email:dmnf@ufscar.br
Maurício Laterça Martins
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de
Sanidade de Organismos Aquáticos (AQUOS), Florianópolis – SC –
Brasil.
Email: mauricio.martins@ufsc.br
Mauro Alves da Cunha
Departamento de Fisiologia e Farmacologia/Universidade Federal de
Santa Maria/Santa Maria‐RS, Brasil
Email: mauroalves_@hotmail.com
Mônica Rodrigues Ferreira Machado
Universidade Federal de Goiás (UFG), Campus Jatái, Jatái ‐ GO –
Brasil.
Email: monicavet2@hotmail.com
Mônica Serra
Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP), UNESP ‐ Univ
Estadual Paulista ‐ UNESP. Via de Acesso Prof. Paulo Donato
Castelane, 14.884‐900, Jaboticabal, São Paulo.
Email: monicaserra.bio04@gmail.com
Natália da Costa Marchiori
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (EPAGRI),
Camboriú – SC ‐ Brasil.
Email: namarchiori@gmail.com
Natália Sayuri Shiogiri
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos – SP –
Brasil.
Email:shiogiri@gmail.com
771
Naisandra Bezerra da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de
Biociências, Laboratório de Ictiologia ‐ RN – Brasil.
Email: naisandra@ufrnet.br
Nirlei Hirachy Costa Barros
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de
Biociências, Laboratório de Ictiologia ‐ RN – Brasil.
Email: nirleyhirachy@hotmail.com
Norha Bolivar
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de
Sanidade de Organismos Aquáticos (AQUOS), Florianópolis – SC –
Brasil.
Email: norhabolivar@yahoo.com
Paulo César Falanghe Carneiro
Embrapa Tabuleiros Costeiros, Aracaju – SE – Brasil.
Email: paulo.carneiro@embrapa.br
Paulo Henrique Rocha Aride
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas
(IFAM), Presidente Figueiredo – AM ‐ Brasil.
Email: aride@ifam.edu.br
Patrícia Oliveira Maciel
Embrapa Pesca e Aquicultura, Palmas – TO – Brasil.
Email: patricia.maciel@embrapa.br
Priscila Adriana Rossi
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Departamento de
Genética e Evolução (DGE), São Carlos – SP ‐ Brasil.
Email: prirossi.bio05@gmail.com
Radson Rogerton dos Santos Alves
Secretaria Executiva de Pesca e Aquicultura do Estado do Amazonas/
SEPA/SEPROR. Manaus – AM – Brasil.
Email: gbsecpesca@ig.com.br
Rafael Estevan Sabioni
Escola Superior de Agricultura ʺLuiz de Queirozʺ – ESALQ,
772
Rayza Lima Araújo
Instituto Federal do Amazonas (IFAM). Campus Presidente
Figueiredo. Presidente Figueiredo – AM – Brasil.
Email: rayza.araujo@ifam.edu.br
Reinaldo José da Silva
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências,
Departamento de Parasitologia, Botucatu – SP – Brasil.
E‐mail: reinaldo@ibb.unesp.br
Ricardo Bezerra de Oliveira
Instituto de Ciências da Educação/ Universidade Federal do Oeste do
Pará/Santarém‐PA, Brasil
Email: rbo@ufpa.br
Rodrigo Garófallo Garcia
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados – MS
– Brasil.
E‐mail: rodrigogarcia@ufgd.edu.br
Rodrigo Maciel Calvet
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhã
(IFMA), Caxias – MA – Brasil.
Email:rodrigocalvet@hotmail.com
Rodrigo Numeriano de Sousa
mestre em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos/
Universidade Federal do Oeste do Pará/Santarém‐PA,Brasil/
Email: rodrigonumeriano@uol.com.br
Rodrigo Yudi Fujimoto
Embrapa Tabuleiros Costeiros, Aracaju – SE – Brasil.
Email: rodrigo.fujimoto@embrapa.br
Rodrigo Takata
Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro, Laboratório
de Reprodução e Larvicultura de Peixes, Cordeiro – RJ – Brasil.
E‐mail: takatarodrigo@gmail.com
Ronald Kennedy Luz
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Laboratório de
Aquicultura, Belo Horizonte – MG – Brasil.
E‐mail: luzrk@yahoo.com
Rosa Helena Veras Mourão
Instituto de Saúde Coletiva/ Universidade Federal do Oeste do
Pará/Santarém‐PA, Brasil
Email: mouraorhv@yahoo.com.br
773
Sandra Maria Pereira da Silva
Polo Regional do Vale do Paraíba/Apta, Pindamonhangaba – SP –
Brasil.
Email: sandrasilva@apta.sp.gov.br
Sandro Estevan Moron
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus Universitário de
Araguaína. Araguaína – TO – Brasil.
E‐mail:sandromoron@uft.edu.br
Sandro Loris Aquino‐Pereira
Embrapa Roraima, Boa Vista – RR – Brasil.
E‐mail: sandro.loris@embrapa.br
Santiago Benites de Pádua
Aquivet ‐ Saúde Aquática, São José do Rio Preto – SP ‐ Brasil.
E‐mail: santiagopadua@aquivet.com.br
Scheila Annelise Pereira
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Laboratório de
Sanidade de Organismos Aquáticos (AQUOS), Florianópolis – SC ‐
Brasil.
Email: chepereira@gmail.com
Sergio Henrique Canello Schalch
Polo Regional do Vale do Paraíba/Apta, Pindamonhangaba – SP –
Brasil.
Email: sschalch@hotmail.com
Sathyabama Chellappa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de
Biociências, Laboratório de Ictiologia ‐ RN – Brasil.
Email: chellappa.sathyabama63@gmail.com
Suelen Miranda dos Santos
Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Presidente Figueiredo – AM –
Brasil.
Email: suelen.santos@ifam.edu.br
Thaís Danyelle Santos Araújo
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Campus Ministro Reis Velloso,
Parnaíba – PI – Brasil.
Email: thaisdanyl@hotmail.com
Valéria Gelli
Instituto de Pesca – APTA, Governo do Estado de São Paulo, Núcleo
de Pesquisa do Litoral Norte Sul. SP – Brasil.
E‐mail: valeriagelli@pesca.gov.br
774
Valéria Rossetto Barriviera Furuya
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa – PR – Brasil.
E‐mail: vrbfuruya@uepg.br
Viviane de Oliveira Felizardo
Universidade Federal de Lavras, Departamento de Medicina
Veterinária, Lavras ‐ MG – Brasil.
E‐mail: viviofbio@yahoo.com.br
Wagner dos Santos Mariano
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus Universitário de
Araguaína. Araguaína – TO – Brasil.
Doutorando da REDE BIONORTE/UNIFAP, Macapá – AP – Brasil.
E‐mail: wagnermariano@uft.edu.br
Waldinete Lobato
mestranda em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos/
Universidade Federal do Oeste do Pará/Santarém‐PA, Brasil
Email: waldi_stm@hotmail.com
Walter Quadros Seiffert
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro de Ciências
Agrárias, Florianópolis – SC – Brasil.
Email: walter.seiffert@ufsc.br
Wilson Massamitu Furuya
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa – PR – Brasil.
E‐mail: wmfuruya@uepg.br
775