Tratado Da Terra - Versão Dos Costumes e Cerimônias PDF
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FERNÃO CARDIM
DO PRINCIPIO E ORIGEM
DOS
ÍNDIOS DO BRAZIL
E DE
*C*gt»
RIQ DE JANEIRO
TYPOGRAPHIA OA GAZETA OE NOTICIAS
1881
EXPOSIÇÃO DE HISTOBIA E 6EOGBAPHIA DO 6BAZTL
HOMENAGEM
DO
Dr. F E R R E I R A DE ARAÚJO
O pequeno tratado sobre os índios que agora
publicamos, ainda não foi impresso em portuguez.
Poucas pessoas examinaram-no em Évora, onde
está o manuscripto original, e estas o não julgaram,
ao que parece, digno de ser posto em circulação.
Os Inglezes não pensaram do mesmo modo: desde
1625 está elle traduzido em sua lingua e faz parte
da curiosa e rarissima collecçâo de Purchas. Foi
ahi que o lemos pela primeira vez e reconhece-
mos o seu interesse e seu valor.
Desde então fizemos o projecto de passal-o no-
vamente para nossa lingua, e de dal-o á luz
quando nos fosse possivel. Duas circumstancias
felizes facilitaram a realisação deste plano. A
primeira foi encontrar cópia tirada do original,
que assim dava não só a essência como a fôrma do
escripto e nos livrava da traducção, istoé da. traição.
A segunda foi a commissâo que nos confiou o Dr.
Ferreira de Araújo de publicar d sua custa um
trabalho qualquer, que mostrasse a sua sympathia
pela Exposição de Historia e Geographia do Brazil,
onranisada pela Bibliotheca Nacional.
VI
Este tratado dos índios do Brazil suscita algu-
mas questões que fora conveniente discutir. Passa-
remos, porém, por todas ellas para nos occuparmos
unicamente de uma: quem é o seu autor ?
O manuscripto da Bibliotheca de Évora em nada
nos esclarece a este respeito porque é anonymo. As
poucas palavras com que Purchas acompanha a
traducção pouco nos adiantam. EUe attribue o
opusculo ao irmão Manuel Tristão enfermeiro do
collegio dos Jesuítas, na Bahia, fundando-se na
circumstancia do livro trazer^ no fim,algumas re-
ceitas medicinaes, e ter em uma parte escripto. o
seu nome. Ora esta opinião é insustentável. O -faqto
de-um.Mss trazer um nome qualquer, sem outra
declaração, provará quando muito que, assim se
chama o dono do códice. Accresce que um irmão
na Companhia de Jesus era sempre, um rapaz que
começava, e não tinha nem podia ter a madurez
de espirito e os conhecimentos que aqui se revelam
a cada passo,—ou homem feito que, apezar de
inapto para a carreira das lettras, possuia outras
qualidades que poderiam ser úteis á poderosa
Companhia de Jesus, Provavelmente era este o
caso do enfermeiro.... Quanto ás receitas por jãi
nada provam : quando muito mostrarão que fpram
ensinadas pelo enfermeiro.
Estas duvidas quanto á afflrmação de Purchas
sobre quem era o autor do livro — afflrmação aliás
feita em termos pouco positivos,—cresceram á me-
dida que conhecemos melhor ;o opusculo traduzido
por elle. A cada instante encontrávamos phrases e
VII
locuções familiares; a cada passo nos parecia que
já tinhamos lido cousa que se assemelhava ao que
estávamos lendo.
0 autor de quem nos lembrávamos lendo Purchas
eraFernão Cardim. E então veio-nos ao espirito
uma interrogação: quem sabe si em voz de Manuel
Tristãonão será Fernão Cardim o autor deste opus-
culo?
Para chegar a uma solução as provas iQtriusecas
eram sem duvida valiosas porem não bastavam: ora
preciso recorrer antes ás provas extrinsocas.
Felizmente estas não faltavam.
1 Diz Purchas que o Mss que reproduz foi tomado
em 1601 por Francis Cook a um jesuíta que ia para
o Brazil. Ora exactamente neste anno, como se pôde
ver na Synopsü de Franco, o padro Fernão Cardim
que voltava para o Brazil da viagem a Roma, foi
aprisionado por corsários ingiezes e conduzido para
Inglaterra.
II Pela pagina 34 deste opusculo se vê que elle
foi escripto em 1584. Ora, neste tempo estava Fer-
não Cardim no Brazil, onde, como se vê na Narra-
tím epistolar (p. 6) elle chegou a 9 de Março de
1583, em companhia do Padre Ghristovâo de Gouvêa
e de Manoel Telles Barreto, que vinha por gover-
nador geral.
Estas duas coincidências davam um fundamento
solido á hypothese; mas para tornal-a certa devia
se recorrer ás provas intrínsecas, — á comparação
dos estylos, ao cotejo das opiniões, etc. No caso
presente estas provas tem valor—porque si o
ym
opusculo aqui publicado é de 1584, a primeira parte
da Narrativa épistólar dê 16 de'Outubro de 1585.
Escrevendo em dous períodos tão próximos uni do
outro é naturai que, si o opusculo sobre os índios
é da mesma penha que a Narrativa epistolár, nãò só
haja conformidade de idéias como também deforma.
Vamos tratar destas provas, mas antes de fazei-ó,
é necessária uma observação. Purchas reúne sob o
titulo genérico de Treàtie of Brasil, dois trabalhos
que se completam e são do mesmo autor. Um é o
dos índios que agora publicamos; outro é das arvo-
res; peixes, etc, que, embora interessante, não quize-
mos incorporar a este por dois motivos: o primeiro
é que na mente do autor elles erão independentes,
como se prova pelo facto de no Mss de Évora elles
estarem separados; o segundo é que da segunda
parte já começou a publicação o Dr. Fernando Men-
des na Revista mensal da Sociedade de geõgráphia.
Todavia, aqui faremos os cotejos tanto da
primeira parte como da segunda, de que o Dr.
Fernando Mendes obsequiosamente communicou-
nos a copia que possue.
Em cada oca- destas ha sempre ..; pelas madrugadas ha um
um -principal a que tem' alg»iiia prineipal em suas ocas, que dei-
manèira de obrar... Este os tado narêde por espaço de meia
exhorta a fazerem suas ocas e hora lhes prega e admoesta que
mais serviços, etc, excita-os á vãò trabalhar eomo íazião seus
guerra; e lhe tem em tudo res. antepassados, e dlstribue-lhes o
peito; faz-lhe estas exhortaçòes tempo, e depois de alevantado
po.r modo de pregação, começa continua a pregação correndo a
de madrugada deitado na rede povoação toda.
por espaço de meia hora, em Índios, p. 6,
amanhecendo se levanta, e corre
toda aaldêa continuando sua .
pregação, aqual faz em voz.alta,
mm pausada,.,repetindo muitas
vezes as palavras.
(Nar rati vst «pistblar • p>. 37. f.
EX
A semelhança no seguinte trecho não é menos
incontestável:
... Dentro nellas vivem logo Mesta casa mora um principal
cento ou duzentas pessoas, cada ou mais, a que todos obedecem
casal em seu rancho, sem repar- e são de ordinário parentes: e
timento nenhum, e morâo d'uma em cada lanço destes pousa um
arte e outra, ficando grande casal com seus filhos e famí-
liargura pelo meio e todos ílcão lia, sem haver repartimento en-
como em communidade, e en- tre uns e outros, e entrar em
trando-se na casa se vè quanto uma destas é ver um labyríntho.
nella está. porque estão todos porque cada lanço tem seu fogo
á vista uns dos outros, sem e suas redes armadas e alfaias
repartimento nem divisão; e de modo que entrando nella se
como a gente é muita, costumão vè tudo quanto tem; e casa ha
ter fogo dia e noite, verão e in- que tem duzentas e mais pessoas.
verno, porque o fogo é sua roupa índios, p. 9.
e elles são mui coitados sem fogo
arece a casa um inferno ou Ia-
Êyrintho; uns cantão, outros
chorão, outros comem, outros
fazem farinha e vinhos, etc, e
toda a casa arde em fogos.
Narrativa p. 36.
Compare-se mais:
E' cousa não somente nova, Entrando-lhe algum hospede
mas de grande espanto, ver o iela casa. a honra e agazalho que
modo que tem em aga&alhar os
hospedes, os quaes agnsalhão
fhe fazem é chorarem-no: en-
trando pois logo o hospede na
chorando por um modo estranho, casa o assentão na rede, e depois
e a cousa passa desta maneira: de assentado sem lhe fatiarem,
Entrando-Ihe algum amigo, pa- a mulher e filhas e mais amigas
rente ou parenta pela porta, se se assentam ao redor, com os
é homem logo se vai deitar em cabellos baixos, tocando com a
X
sua rede sem fallar palavra, as mao na mesmapessoa, e começao
parentás tombem seja faÜar ò a.chorar todas: êm altas vozes,
cercão, deitando-lhe os cabellos com grande abundância de la-
soltos, e os braços ao pescoço, grimas, e ali cdntãõ' em prosas
lhetocão coma mão em alguma trovadas quantas cousas tem
parte do seu corpo, como joelho, acontecido desde que se não
hombío, "pêSédço, etô,, èstáiido virão até aquella hôrá, e Outras
deste modo tendo-nfl meio eer- muitas quê linaginSOjê trabalhos
cad.o',Côffl6çao dê lhe fazer a festa
qüê o hospede padeceu pelo ca-
que é.a maior-e de maior honra minho e tudo o mais qüê pdde
quê lhe podem fazer; chorão provocar a lastima e choro. O
todos "éoiíi lagrimas a seus pés, hospede neste - tempo nãô falia
corretido-lhe em fio, como sélhé palavra* mas-dêpôisde chorarem
morfêfâ o marido, pai ou mãi; pôr bom espado de tempo límpãò •
e juntamente dizem èjü trova dê as lagrimas e áteS6 tão qüietáS;
repente todos os trabalhos que modestas, serenas e alegres que
nò' caminho poderia padecer tal páreôé nunca ehOParão è lítgd Sê
hospede, e o quê élles padecerão saüdãõé d ao ò seu"Èf&fojqpè-, é
em sua ausência.., Acabada a lhé tracem de comer è dêpotó
festa e recebimento limpâo as destas cerimonias eoiitãó os-híõâ-"
lagrimas com as mãos e cabellos pedes ao que vem.
ficando tao alegres e serenas -índios^ ps. 10 ê 11 <
como que se nunca chorarão, e
depois se saudão com o seu
Ereiúpe e comem, etc.
Narrativa, ps.-38 a 40-.
Coteje-se ainda:
— Tem muitos jogos á seu Tem seus jogos, principal-
modo, que _ fazem com muito mente; os meninos, muito vá-
mais alegria que Vos. meninos rios e graciosos, em ps quaés ar-
portuguezes; nesses jogos arre- remedam muitos gêneros de
medam vários pássaros, cobras pássaros, e com tanta festa e or-
e outros ãnimaes, e t c , os jogos dem que não ha mais quê pêdir;.
sao mui graciosos ,e desenfadíços, Os meninps são alegres:;e-,âa^,
nem ha. entre elles. desavença, dos á folgar e foigãq com muita
nem queixumes. peílejas, nem quietaçao e, amisadé que entre
sè ouvem pulhas, ou nomes elles não se ouvem nomes ruins,s
ruins e deShonestos. nem pulhas, ; nem chamarem
Narrativa p. 41. nonies aos país e m£@s,,.e rarar
mente quando jogão se descon-
certão, nem desavêm por cousa
alguma, e raramente dão uns
nos outros e nem" pélejao.
índios p. 14 e 15. '
Dos casamentos.
Entre elles ha casamentos, porem ha muita du-
vida si são verdadeiros, assim por terem mui-
tas mulheres, como pelas deixarem facilmente por
qualquer arrufo, ou outra desgraça, que entre elles
(1) Beaats. (Purchas ib.)
(2) they say the Tupan is the thunder and lightning
(Purchas, ib.)
aconteça; más,-ou verdadeiros. <ou não, entre elles
se fazião deste modo. Nenhum mancebo se cos-
tumava casar antes, de. tomar contrario, e perse-
verava virgem .até que o tomasse e inâtasse cor-
rendo-lhe primeiro suas festas por espaço de dous
ou três annos; a mulher da mesma maneira
não conhecia homem, até lhe não vir sua regra,
depois da qual lhe fazião grandes festas; ao tem-
po de lhe entregarem a mulher fazião grandes
vinhos, e acabada a festa ficava o casamento
perfeito, dando-lhe uma rede lavada (1), e de-
pois de casados começavão a beber, porque' 'àtè.
ali não o consentião seus pais, ensinando-ôs qui®
bebessem com tento, e fossem considerados' e pru-
dentes em seu falar, para qüe o vinho lhe não
fizesse mal, nem falassem: couzas ruins, e então
com uma cuya lhe davão os velhos antigos o pri-
meiro vinho, ê lhe tinhão mão na cabeça para que
não. arrevessassem, porque si arrevessava tinha©"1
para si que não seria valente, e vice-versa: ^'-h >
Das casas.
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