Acidose Metabólica - Livro Elvino.
Acidose Metabólica - Livro Elvino.
Acidose Metabólica - Livro Elvino.
NA PRÁTICA CLÍNICA
Organizadores: Luciano F Filho e Elvino Barros
a. Acidose Metabólica
[ DeDiniçã o ]
2
+ = 24
3−
2
Quadro. Definições, equações e explicações.
ACIDOSE: processo patológico onde há acúmulo de ácidos ou perda de base.
2
+ = 24
3−
pH = - log [H+]
3−
= 6,1 +
0,03
2
3
Quais os efeitos maléficos da acidemia?
4
Quais as defesas do organismo contra uma sobrecarga de [H+]?
A reação com alguns tipos de ácidos (ex: ácido clorídrico) pode levar a perda
irreversível de bicarbonato.
2
á: ↓
2
+ = 24
3 ú"
#á: ↓ 3
5
Defesa renal: embora os sistemas tampão e a resposta respiratória sejam
capazes de limitar a exposição a [H+] livre, somente os rins são capazes de
excretar o excesso de [H+] do organismo e regenerar o bicarbonato perdido nas
reações de tamponamento. O papel dos rins na fisiologia do equilíbrio ácido-base
pode ser resumido nas seguintes ações:
[Fisiopatologia]
6
O que é o ânion gap (ou intervalo aniônico)?
Na Cl Na Cl Na Cl
140 105 140 105 140 105
AG = Na – (Cl + HCO3)
7
ânion gap, no entanto, consideramos apenas os principais cátions e os principais ânions. No
diagrama do centro da figura, note que retiramos 7 cargas positivas (Ca++ = 5 e Mg++ = 2) e 7
cargas negativas (PO4- + SO4- = 2, An. Or-. = 4 e Pr-. = 1), dando origem à fórmula do ânion gap
que inclui o potássio. Como a maioria dos autores utiliza a fórmula da direita, sem o potássio, é
preciso retirar mais cinco cargas negativas, reduzindo o valor médio do ânion gap para
aproximadamente 10 meq/L.
Fica claro pela observação da figura acima que as proteínas plasmáticas são as
principais constituintes do ânion gap. Sendo assim, compreendemos também a
necessidade de se corrigir os valores obtidos com o cálculo do ânion gap quando
existe hipoalbuminemia. Em linhas gerais, para cada 1,0 g/dl que a albumina cai
abaixo de 4,0 g/dl devemos acrescentar 2,5 meq/L ao resultado que obtivermos
no cálculo do ânion gap.
Ânion gap corrigido = ânion gap mensurado + [2,5 x (4,0 – albumina sérica)]
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Tabela. Principais características das Acidoses Tubulares Renais
ATR tipo I ATR tipo II ATR tipo IV
Porçao do Distal Proximal Distal
néfron afetada
Mecanismo Defeito na Defeito na Hipoaldosteronismo
fisiopatológico acidificação distal reabsorção de
principal - Defeito na [H+] bicarbonato
ATPase
- Backleak de[H+]
- Defeito de
voltagem
Bicarbonato Variável Entre 12 - 20 > 15
sérico Pode ser < 10
pH urinário > 5.5 < 5.5 sem < 5.5
tratamento
> 5.5 com
tratamento
K sérico Geralmente baixo Baixo Alto
FeHCO3 < 15% > 15% < 15%
Principais Sínd. de Sjögren Mieloma Múltiplo Diabete Melito
causas em Hipercalciuria Drogas: Drogas:
adultos Artr. Reumatóide - Ifosfamida - Espironolactona,
Drogas: - Tenofovir - Amilorida
- Anfo B - Acetazolamida - Triamtereno
- Lítio Amiloidose - Trimetoprim
Cirrose Metais pesados: - Inibidores SRAA
LES - Chumbo - AINES
Falcemia - Cádmio - Heparina
Obstrução do TU - Mercúrio - Ciclosporina
Transplante renal - Cobre Insuficiência
Def. de vit. D adrenal
Transplante renal Obstrução do TU
HPN
Legenda: LES – lúpus eritematosos sistêmico; TU – trato urinário; HPN – hemoglobinúria
paroxística noturna; SRAA – sistema renina angiotensina aldosterona; AINES – antiinflamatórios
não esteroides.
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Tabela. Resumo das principais diferenças entre as acidoses hiperclorêmicas e
com AG elevado e suas implicações terapêuticas: exemplo da diarréia e acidose
lática.
Por ser um cátion , o amônio precisa ser excretado com um ânion, como o cloro.
Logo, a excreção urinária de cloreto de amônio é uma boa medida da adequação
da acidificação urinária. Como a maioria dos laboratórios não dosa cloreto de
10
amônio urinário, o ânion gap urinário é uma boa alternativa, pois serve como
estimativa indireta da excreção renal de amônio.
O ânion gap urinário pode ser utilizado para ajudar no diagnóstico diferencial de
acidoses metabólicas hiperclorêmicas, separando as causas renais das causas
gastro-intestinal.
Nas acidoses metabólicas com ânion gap elevado, torna-se necessário verificar a
relação entre a magnitude da elevação no ânion gap e a magnitude da queda no
bicarbonato sérico. Este passo visa detectar a presença de outros distúrbios
metabólicos – como uma acidose metabólica hiperclorêmica ou uma alcalose
metabólica – que podem estar associados à acidose metabólica com ânion gap
elevado.
∆AG AG do paciente - 12
=
∆[HCO3 ] 24 - [HCO3 - ]do paciente
-
11
A equação acima pode inicialmente sugerir que 1 unidade de bicarbonato é
utilizada para tamponar 1 unidade de ácido orgânico (relação delta/delta = 1).
No entanto, como já foi visto, boa parte destes ácidos é tamponada no interior
das células e nos ossos e não apenas pelo bicarbonato, o que faz com que a
elevação do ânion gap seja, em geral, um pouco superior à queda no bicarbonato
(relação delta/delta > 1). Na acidose lática, por exemplo, esta relação tende a
ficar em torno de 1,6.
Quando a relação delta/delta é menor que 1, dizemos que existe uma acidose
metabólica hiperclorêmica associada à acidose metabólica com ânion gap
elevado. Isto pode ser intuído após uma observação mais cuidadosa da fórmula:
se a queda no bicarbonato superar a elevação no ânion gap (condição necessária
para se obter uma relação delta/delta < 1, ou seja, denominador maior que
numerador), deve haver alguma outra fonte de queda do bicarbonato além do
acúmulo de ácidos orgânicos. Exemplos clínicos hipotéticos: 1) paciente com
diarréia severa que evolui com choque hipovolêmico; 2) paciente com choque
séptico que desenvolve diarréia na UTI. Nestas situações, o quadro de choque
(hipovolêmico ou séptico) é responsável por gerar uma acidose metabólica com
ânion gap elevado, onde a patogênese é o acúmulo de ácidos orgânicos. Já a
diarréia é responsável por gerar uma acidose metabólica hiperclorêmica, cuja
patogênese é a perda de bicarbonato através dos fluídos intestinais. Esta
combinação diagnóstica só pode ser feita se a relação delta/delta for analisada;
nestes casos, ela revelará que a queda do bicarbonato foi superior ao que seria
justificável pela elevação no ânion gap, revelando então a existência de uma
segunda fonte de queda de bicarbonato, como uma acidose metabólica
hiperclorêmica por diarréia.
Quando a relação delta/delta é maior que 2, dizemos que existe uma alcalose
metabólica associada à acidose metabólica com ânion gap elevado. Nestes casos,
observa-se uma grande elevação do ânion gap para uma pequena redução do
bicarbonato. Em outras palavras, a queda no bicarbonato aparenta ser bem
menor que a que seria esperada para tamponar a grande quantidade de ácidos
orgânicos existente. Mas as aparências enganam! Sempre que existe uma
elevação no ânion gap – ou, dito de outra forma, acúmulo de ácidos orgânicos – a
queda no bicarbonato é obrigatória. E porque então o valor mensurado do
bicarbonato sérico não está tão baixo como seria esperado? A única resposta
plausível é que o bicarbonato caiu de um valor mais elevado que o normal!
Exemplos clínicos hipotéticos: 1) paciente com vômitos incoercíveis que evolui
com choque hipovolêmico; 2) paciente idoso, com quadro inicial de vômitos,
evoluiu com pneumonia aspirativa e choque séptico; 3) paciente em pós-
operatório de cirurgia abdominal, vinha em aspiração por sonda nasogástrica há
alguns dias e evolui com choque séptico de foco abdominal por sofrimento de
alça intestinal. Nestas situações, o quadro de choque (hipovolêmico ou séptico) é
responsável por gerar uma acidose metabólica com ânion gap elevado, onde a
patogênese é o acúmulo de ácidos orgânicos. Os vômitos (ou uso de sonda
nasogástrica) são responsáveis por gerar uma alcalose metabólica por perda de
ácido clorídrico através do suco gástrico. Esta combinação diagnóstica só pode
ser feita se a relação delta/delta for analisada; ela revelará que o bicarbonato do
paciente não está tão baixo como deveria para a magnitude do acúmulo de
12
ácidos, revelando assim uma alcalose metabólica que “se escondia” por detrás da
acidose metabólica com ânion gap elevado.
Nesta fórmula está implícito o seguinte conceito: o delta AG (ou o aumento que
houve no ânion gap) representa “bicarbonato em potencial”. Como dito
anteriormente, o acúmulo de ácidos orgânicos leva a uma queda no bicarbonato
devido a reações químicas de tamponamento. É importante frisar que este
bicarbonato não é perdido. Se a doença de base for resolvida, haverá conversão
destes ácidos orgânicos em bicarbonato, normalizando o ânion gap e
bicarbonato séricos.
[ Sinais e Sintomas ]
Portanto, uma análise de gasometria arterial deve ser solicitada sempre que a
doença de base sugerir a possibilidade de acidose metabólica ou quando o
paciente apresentar uma hiperventilação sem motivo aparente.
[Abordagem diagnóstica]
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Quadro. Lista mínima de exames laboratoriais necessários para diagnóstico
ácido-base e valores de referência mais comuns.
Exames Referência
pH 7,35 – 7,45
pCO2 35 – 45 mmHg
[HCO3-] 22 – 28 meq/l
[Cl-] 95 – 105 meq/l
Albumina 3,5 – 4,5 g/l
Nota: estes exames permitem o diagnóstico do estado ácido-base, mas para o diagnóstico
etiológico, é necessário correlacionar com dados de história, exame físico e outros exames
complementares. Os valores de referência apresentados, principalmente do bicarbonato e cloro,
estão sujeitos a variações, à depender do método bioquímico utilizado.
Nesta etapa, devemos procurar avaliar quais os possíveis DEAB que o paciente
pode apresentar, considerando apenas aspectos clínicos, sem olhar os exames.
14
[3−] [8]
= 6,1 + ⇒ 6,1 + = 7,22
0,03
2 0,03 20
Isto indica que os números fornecidos estão corretos. Embora esta etapa seja
desnecessária na prática clínica diária, ela é bastante relevante para estudantes e
professores que frequentemente lidam com casos inventados de distúrbios
ácido-base. Não raro, questões são criadas às vésperas das provas sem o devido
cuidado de se colocar o pH correspondente aos valores de bicarbonato e pCO2; a
utilização da equação acima evitaria este problema.
Possibilidades
Alteração pH
diagnósticas
Distúrbio 1º de
Acidemia
Acidose metabólica
Bicarbonato baixo
Resposta 2ª a uma
Alcalemia
Alcalose respiratória
Distúrbio 1º de
Alcalemia
Alcalose respiratória
pCO2 baixo
Resposta 2ª a uma
Acidemia
Acidose metabólica
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Como o paciente tem um pH de acidemia e estamos buscando uma acidose, o
distúrbio primário é obrigatoriamente metabólico, uma vez que distúrbios
respiratórios que levam à queda na pCO2 são de distúrbios de alcalose e geram
alcalemia. A queda na pCO2 deste paciente provavelmente representa a resposta
secundária a esta acidose metabólica, embora a adequação desta resposta
precisa ser analisada na próxima etapa.
 (
= ) − *+ + 3,
 (
( = Â (
# + 2,5 *4,0 − .+"#,
16
/+ Â (
 (
− 12
=
/+ "" 24 − ""
Voltemos ao caso do nosso paciente: o delta ânion gap é 8,5 (20,5 – 12) e o delta
bicarbonato é 16 (24 – 8), o que resulta em uma relação delta/delta ≅ 0,5. Um
delta/delta < 1,0 indica a presença de uma acidose metabólica hiperclorêmica
associada à acidose metabólica com ânion gap elevado.
[ Tratamento ]
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Aguda – Depende do ânion gap, assim como da severidade e potencial
reversibilidade da acidose metabólica.
- Âniong gap normal: nestes casos, existe um déficit real de bicarbonato.
Portanto, a maioria merece tratamento com agentes alcalinizantes, salvo
em casos leves e auto-limitados.
- Ânion gap elevado: nestes casos, não existe um déficit real de bicarbonato,
pois a reação com ácidos orgânicos não leva a perda irreversível de
bicarbonato. Por exemplo, a reação de ácido lático com bicarbonato de
sódio gera lactato de sódio. Se a doença de base for corrigida (ex. correção
de um quadro de choque com normalização da perfusão tecidual), o
lactato de sódio é convertido de volta em bicarbonato. Portanto, nas
acidoses com ânion gap elevado, o foco deve ser a correção da doença de
base. Mesmo casos mais severos, com pH < 7,15, podem ser manejados
sem administração de álcali quando a doença de base é de rápida
resolução (ex: acidose lática pós-convulsão, cetoacidose diabética). No
entanto, quando a acidose orgânica é severa e a etiologia não sugere
rápida resolução (ex. acidose lática no choque séptico), pode-se utilizar
bicarbonato de sódio seguindo os princípios descritos no Quadro.
ACIDOSE METABÓLICA
Crônica Aguda
Alargado Normal
Não Sim
Sim Não
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Quadro. Resumo das orientações para o uso de bicarbonato na acidose lática
Importante: Primeiro instituir tratamento para doença de base e otimizar
parâmetros ventilatórios e hemodinâmicos. Administrar bicarbonato de sódio
apenas na persistência de HCO3 < 10 meq/L e pH < 7,15.
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[ Bibliografia ]
Rose, BD. Metabolic Acidosis. In: Clinical Physiology of Acid-Base and Electrolyte
Disorders. Fourth ed. McGraw-Hill; 1994
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