Tese Patricio
Tese Patricio
Tese Patricio
CURITIBA
2017
2
CURITIBA
2017
3
CURITIBA
2017
4
5
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho – Orientador
PUCPR
___________________________________________________________
Profa. Dra. Cinthia Obladen de Almendra Freitas
PUCPR
___________________________________________________________
Profa. Dra. Claudia Maria Barbosa
PUCPR
___________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho Dantas
UFG
___________________________________________________________
Profa. Dra. Katya Regina Isaguirre
UFPR
D. Maria Anita (in memoriam), Sr. Manuel Melo (in memoriam), Vânia (in memoriam)
Vângela Pereira, Tânia Sampaio, Demontiê Melo, Mavaniê Pereira,
Edilberto Melo (Beto), Cristina Melo, Vera Marta, Antônio Lopes
Francisco (Nego Chico) e Jesus Pessoa
Todas as sobrinhas e sobrinhos
Todas as cunhadas e cunhados.
7
AGRADECIMENTOS
Aos Professores e Coordenadores do Programa em Direito da PUC Paraná: Prof. Dr. Carlos
Frederico Marés de Souza Filho, Prof. Emerson Gabardo, Profa. Márcia Carla Pereira Ribeiro,
Prof. Luiz Alberto Blanchet, Profa. Danielle Anne Pamplona, Prof. José Querino, Profa.
Cláudia Maria Barbosa, Profa. Katya Kozicki, Prof. Vladimir Passos de Freitas, Prof.
Oksandro Osdival Gonçalves, Prof. Marco Antônio César Villatore, Prof. Luiz Alexandre
Carta Winter. Prof. André Parmo Folloni, Profa. Dra. Heline Sivini Ferreira, Prof. Francisco
Micaelson Lacerda (URCA), Pelos ensinamentos e dedicação.
Às secretárias e secretário do Programa de Direito da PUC Paraná: Eva Curelo, Glair Braum,
Artur Cirilo (URCA) e Daiane. Pelo apoio, dedicação e simpatia nas horas difíceis.
Aos Professores e amigos da URCA: Allysson Pinheiro, Otonite Cortez, Fátima Romão,
Francy Lobo, Arlene Pessoa, Egberto Melo, Roberta Piancó, Júlio Brito, Ana Josicleide,
Lourdes Araújo, Sônia Meneses, Álamo Feitosa, Roberto Siebra, Ana Felícia, Karen Alencar,
Ana Amélia, Adriana, Sarah, George Pimentel, Edilma Gomes, Carminha Macedo. Pela
presença, leituras, apoio e torcida durante os quatro anos do Doutorado.
Aos colegas que dividiram comigo seu tempo e seu material de estudo: Rosiane Limaverde
(im memoriam), Rosemberg Cariri, Alemberg Quindins, Heloisa, João Maropo, Pe.
Roserlânio.
Aos colegas de Campo: Dedé Nunes, Vanda Roseno, Tália Juciara, Heloisa, João Maropo,
Renata.
Aos colegas de turma: João Luis Mota, Ana Elisa Linhares, Ligia Melo Casimiro, Edineusa
Pamplona, Ramá Lucas, Roberto Dias, Inaldo Bringel, Alexandre Soares, Adriano Fábio pelo
aprendizado conjunto e amizade que desenvolvemos na jornada.
8
Aos Profs. Dr. Fernando Dantas e Prof. Dr. Martônio Montalverne pelo incentivo e apoio
inestimáveis na realização do DINTER em Direito PUCPR/URCA.
Aos colegas mexicanos que nos receberam e nos abriram os caminhos para conhecer e
compreender a experiência de autodeterminação dos povos indígenas de Cherán: Dra.
Magadalena Gomes, Dr. Jorge Fernandes e Dr. Orlando Andrade, Mestres do Conselho Maior
de Cherán Vitor Hugo e Pedro Chaves e a Secretária do Conselho Mayor Guadalupe. Meu
agradecimento especial.
Aos colegas do Gabinete da Reitoria da URCA: Karen, Alex, Dedé, Luiz, Sarah, Adriana,
Luan. Pelo apoio inestimável.
Aos Cariri do Sítio Poço Dantas pelo acolhimento e disposição em conversar sobre suas
identidades e cultura.
A Deus, infinitamente agradecido, por tanto que tenho recebido em graças e bondade.
9
Vilarejo
1
Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção
Tem um verdadeiro amor
Para quando você for
1
Violeta Arraes presenteou-me com o disco de Marisa Monte, quando lançado em 2006. Não dei muita
importância, hoje me dou conta que era do Sítio Poço Dantas dos Cariri que o Vilarejo falava. Ela já sabia!
2
FREITAS, Antonio Carlos Santos. et. All. Vilarejo. Infinito Particular. Cantora: Marisa Monte. Copyright ©
EMI Music Publishing, Sony/ATV Music Publishing LLC, Universal Music Publishing Group. 2006.
12
RESUMO
Esta tese reúne informações, dados e análises que corroboram o direito à identidade dos índios
Cariri do Sítio Poço Dantas em Crato, Ceará, na região do Cariri. Esta é uma pesquisa do tipo
teórica e empírica em que utilizamos os referenciais do direito socioambiental enquanto liame
jurídico entre o direito constitucional, direito ambiental e os direitos sociais insertos na
constituição federal do Brasil. Os autores citados identificam no processo histórico, social e
jurídico dos grupos étnicos submetidos à colonização, um dos maiores etnocídios da história,
protagonizada pelos espanhóis e portugueses no século XVI; o que nos permitiu uma análise
dialética da relação entre culturas e natureza. Os resultados dessa análise confirmam como as
sociedades originais foram brutalmente atacadas, em grande parte, destruídas em sua
organização social, modo de produção coletiva ou comunal, convivência harmônica com a
natureza, cultura e religiosidade. Esse paradigma da colonização e eurocentrismo segundo
nossa análise faz com que os latino-americanos tenham o direito de agir para superar a cultura
eurocêntrica associada ao processo de desenvolvimento moderno cujo progresso está
submetido, exclusivamente, ao modo de produção capitalista. A Antropologia e a Etnologia
dos estudos dos índios do Nordeste, enquanto categoria característica da “mistura” étnica com
negros e índios mestiços, foram estudados para fins de localizar o grupo étnico dos Cariri do
Sítio Poço Dantas entre as descrições dos elemento de tensão inter-étnica e de fronteira étnica
que caracteriza a etnogênese. Confirmando o processo que se deu no Cariri no final do século
XVIII e século XIX quando os Cariri foram aldeados e em seguida expulsos da Missão do
Miranda. A identidade dos índios Cariri do Sítio Poço Dantas, portanto, é confirmada sob o
enfoque do direito positivo (Constituição Federal, art. 231 e 232, Convenção 169 da OIT,
Estatuto do Índio lei 6001/73) e do direito originário. Os resultados obtidos com a
investigação empírica e análise quantitativa e qualitativa dos dados confirmam: a) a
identidade Cariri e seu processo de etnogênese e da territorialização a que foram submetidos;
b) a invocação da sua memória coletiva à ancestralidade Cariri e a autoafirmação da
identidade como característica predominante no processo de identificação; c) à compreensão e
consciência social de pertencimento ao grupo étnico denominado Cariri; d) os direitos
coletivos socioambiental dessa comunidade à identidade Cariri; e) a comprovação dos traços
culturais ainda presente entre os Cariri do presente que reproduzem a cultura dos Cariri.
Outros estudos são necessários para compor o devido processo legal junto à
FUNAI/Ministério da Justiça. Dentre os direitos que lhes são atribuídos em face do
reconhecimento pelo Estado está: a) a terra indígena do aldeamento da missão do Miranda
cuja doação aos índios Cariú e etnias agregadas, todas da nação Cariri, foi-lhes retirada em
1780 pelo Estado; b) direito e acesso às políticas públicas indigenistas; c) direito à
autodeterminação. A experiência de autodeterminação dos Purépecha de Cherán no México
foi analisada para as inferências que o tema sugere enquanto novo direito para o Século XXI.
RESUMEN
Esta tesis trae información, datos y análisis que confirman el derecho a la identidad de los
indios Cariri del Sítio Poço Dantas en Crato, Ceará, en la región Noreste de Brasil. Esta es
una encuesta de tipo empírico y teórico que utilizamos las referencias de derecho socio-
ambiental mientras que legalmente obligado entre el derecho constitucional, derecho
ambiental y derechos sociales de la Constitución federal de Brasil. Los autores identifican el
proceso histórico, social y legal de los grupos étnicos sometidos a la colonización, uno de los
etnocídios más grandes de la historia, encabezada por los españoles y portugueses en el siglo
XVI; que permitió un análisis dialéctico de la relación entre culturas y naturaleza. Los
resultados de este análisis confirman cómo las sociedades originales fueron brutalmente
atacadas, destruidos en gran parte en su organización social, producción colectiva o
comunitaria, convivencia armónica con la naturaleza, culturas y religión. Este paradigma de la
colonización y eurocentrismo en el análisis hace que los latinoamericanos tienen el derecho de
actuar para superar la cultura eurocéntrica asociada con el proceso de desarrollo moderno,
cuyo progreso se presenta exclusivamente en el modo de producción capitalista. Antropología
y Etnología de los indios del noreste, mientras que la categoría de "mixtos" origen étnico con
los negros y mestizos, los indios han sido estudiados con el fin de localizar el grupo étnico
Cariri del Sítio Poço Dantas entre las descripciones del elemento de tensión interétnica y
frontera étnica cuenta con la etinogenese. Confirmar el proceso que tuvo lugar en Brasil en
finales del seglo XVIII y el siglo XIX cuando el Cariri quedaron aldeados y los expulsan de la
misión de Miranda. Por lo tanto la identidad del sitio de los indios Cariri del Sítio Poço
Dantas es confirmada bajo el enfoque de derecho positivo (Constitución, art. 231 y 232,
Convenio 169 de la OIT, del estatuto de indio 6001/73) y derechos originarios. Los resultados
obtenidos con la investigación empírica y cuantitativas y análisis cualitativo de los datos
confirma: a) la identidad de Cariri y su proceso de etnogénesis y la territorialización que se
presentaron; b) invocación de la memoria colectiva a su declaración de identidad y
ascendencia Cariri como característica predominante en el proceso de identificación; c)
comprensión y social sentido de pertenencia al grupo étnico llamado Cariri; d) los derechos
colectivos de la comunidad a la identidad social y ambiental Cariri; e) la evidencia de rasgos
culturales que persiste entre el Cariri que reproducen la cultura de Cariri del pasado. Otros
estudios son necesarios para componer el debido proceso legal por el FUNAI y el Ministerio
de Justicia. Entre los derechos que se les asigna ante el reconocimiento por el estado es: a) la
tierra indígena de la misión de la aldea de Miranda cuyo donativo a los Cariú, y indios y
etnias agregados de la nación Cariri, se retiraron en 1780 por el estado; b) derecho y acceso de
los indígenas a las políticas públicas; c) derecho a la autodeterminación. Se analizó la
experiencia de los Purépecha de Cherán en México de la autodeterminación para las
inferencias que el tema sugiere al nuevo derecho para el siglo XXI.
ABSTRACT
This thesis brings information, data and analyses that confirm the right to identity of Indians
Cariri of the Sítio Poço Dantas in Crato, Ceará, in the Northeast region of Brazil. This is a
survey of empirical and theoretical type we use the socio-environmental law references while
bond between the legal constitutional law, environmental law and social rights in the federal
Constitution of Brazil inserts. The authors identify the historical, social and legal process of
ethnic groups subjected to colonization, one of the largest etnocídios of the story, headlined
by the Spanish and Portuguese in the 16th century; which allowed us to a dialectical analysis
of the relationship between cultures and nature. Anthropology and Ethnology of Indians of the
Northeast, while the category "mixed" ethnicity with blacks and mestizos, Indians have been
studied for the purpose of locating the ethnic group of the Cariri of the Sítio Poço Dantas
between element descriptions of interethnic tension and ethnic border featuring ethnogenesis.
Confirming the process that took place in Brazil in the late 18th and the 19th century when the
Cariri were aldeados and then expelled from the Mission of Miranda. The identity of Indians
Cariri of the Sítio Poço Dantas therefore is confirmed under the focus of positive law (Federal
Constitution, art. 231 and 232, Convention 169 of the ILO, the Indian Statute Law 6001/73)
and law originating. The results of this analysis confirm how the original societies were
brutally attacked, largely destroyed in your social organization, collective or communal
production, harmonic coexistence with nature, cultures and religions. This paradigm of
colonization and Eurocentrism in our analysis makes Latin Americans have the right to act to
overcome the Eurocentric culture associated with the process of modern development whose
progress is submitted exclusively to the capitalist mode of production. The results obtained
with empirical research and quantitative and qualitative analysis of the data confirms: a) the
Cariri identity and your process of ethnogenesis and the territorialization that were submitted;
b) invocation of collective memory to your ancestry and identity statement Cariri as
predominant characteristic in the identification process; c) understanding and social
consciousness of belonging to the ethnic group called Cariri; d) the collective rights of the
community to the social and environmental identity Cariri; e) the evidence of cultural traits)
still present between the Cariri indicative that reproduce the culture of Brazil. Other studies
are needed to compose the due process of law by the FUNAI/Ministry of Justice. Among the
rights they are assigned in the face of the recognition by the State is: a) the indigenous land of
the village of Miranda's mission whose donation to the Cariú Indians and ethnicities, all of the
nation's aggregate Cariri, they were withdrawn in 1780 by the State; b) right and access to
indigenous public policies; c) right to self-determination. The experience of the Purépecha of
Cherán in self-determination Mexico was analyzed for the inferences that the theme suggests
while new right for the 21st century.
LISTA DE FIGURAS
.
16
LISTA DE QUADROS
LISTA DE GRÁFICOS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 22
2 O CARIRI E OS KARIRI..................................................................... 30
2.1 O CARIRI.............................................................................................. 30
2.1.1 O Cariri dos Recursos Naturais............................................................ 35
2.1.1.1 Bacia Sedimentar do Araripe................................................................ 36
2.1.1.2 Recursos Hídricos............................................................................... 36
2.1.1.3 Floresta Nacional do Araripe................................................................ 37
2.1.1.4 APA Chapada do Araripe...................................................................... 38
2.1.2 Geopark Araripe: Cultura, História, Paleontologia e Arqueologia do
Cariri................................................................................................... 39
2.1.3 O Cariri Político .............................................................................. 46
2.1.3.1 A Colonização do Cariri…………………………………………………… 48
2.1.3.2 Do Crato para o Brasil. Movimentos pró-liberdade dos nacionais, 1817,
1822 e 1824 e seus personagens: o jovem José Martiniano de Alencar,
Capitão-Mor José Pereira Filgueiras, Tristão Gonçalves de Alencar, D.
Bárbara de Alencar, Pinto Madeira....................................................... 54
2.1.3.3 Padre Cícero Romão Batista, Beato Zé Lourenço e o Cariri do Século XX 61
2.2 OS KARIRI.......................................................................................... 66
2.2.1 Índios Kariri/Cariri e a Colonização................................................... 74
2.2.1.1 Os Kariri e a mão-de-obra barata.......................................................... 82
2.2.1.2 Guerra dos Bárbaros............................................................................ 85
2.2.2 Expulsão dos Cariri do Cariri (Despatrimonialização)........................ 88
2.3 O ESTADO E AS MISSÕES CATÓLICAS NO CARIRI: A TERRA
COMO PROPRIEDADE.............................................................................. 90
2.4 CARIRI, OS KARIRI E O CAPITAL ................................................... 95
3 DIREITOS E POLITICAS PÚBLICAS INDIGENISTAS NO
BRASIL NO CONTEXTO DA AMÉRICA LATINA............................. 100
3.1 A AMÉRICA LATINA E OS POVOS INDÍGENAS, CONTEXTO.......... 104
3.2 A PROTEÇÃO DOS ÍNDIOS NO DIREITO INTERNACIONAL
LATINO-AMERICANO: NORMAS PROVENIENTES DA OIT, DO
MERCOSUL E DA ONU............................................................................. 118
3.2.1 Convenção nº 169 dos Povos Indígenas e Tribais (1989) e Declaração
sobre os Direitos dos Povos Indígenas e Tribais (2007).......................... 121
3.2.2 Recomendação nº 202 de Piso de Proteção Social e Recomendação nº
204 da Transição da Informal para Economia Formal ....................... 127
3.2.3 A atuação tardia do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL na
defesa dos Direitos Humanos e dos Povos Indígena................................ 129
3.3 A PROTEÇÃO DOS ÍNDIOS NO DIREITO BRASILEIRO 1500 – 1988. 133
3.3.1 Políticas Públicas Indigenistas no Brasil................................................. 135
3.3.2 Políticas Públicas de Proteção ao Índio no Brasil Pós-Constituição de
1988........................................................................................................... 148
3.3.2.1 Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas –
PNGATI e outras políticas públicas entre 2008-2012............................... 156
3.3.2.2 Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI e outras políticas
públicas 2016-2019................................................................................... 161
3.4 POLÍTICAS PÚBLICAS E O DESAFIO DOS NOVOS DIREITOS NO
SÉCULO XXI, UM GIRO DE-COLONIAL?............................. ............ 164
19
COMUNIDAD............................................................................................. 313
21
1 INTRODUÇÃO
resultados podem ser comparados à de uma pesquisa probabilística, mas como tal, nossos
resultados não contém o objetivo e o alcance da generalização para o Município do Crato.
Para Marcelo Menezes, a amostragem não probabilística é possível em projetos de
pesquisa qualitativa e “se as características da população acessível forem semelhantes às da
população alvo os resultados podem ser equivalentes aos de uma amostragem probabilística,
mas não podem garantir sua confiabilidade” 3.
A escolha do entrevistado foi aleatória e a intenção inicial era pesquisar 10% da
quantidade de pessoas que se autodeclararam índios no Censo de 2010, no município do Crato
– Ceará. De 112 pessoas 10% resultavam em 11,2, 12 entrevistas portanto. Daí algumas
análises tomam esses números como comparativos.
A descoberta do Sítio Poço Dantas e a estrutura do lugar (pequeno, acolhedor,
próximo), fez-nos restringir aos moradores do lugar, especificamente, a amostra. Eram 19
casas, mas apenas 10 estavam ocupadas, eram, portanto, 10 famílias. Para cada residência
uma entrevista, com a contagem da população residente que se denominava Cariri.
Adotamos a análise quantitativa para demonstrar em gráficos e números os resultados
e qualitativa utilizando a análise dialética sobre a relação homem, cultura e natureza sobre os
dados e os possíveis significados que podem revelar de modo a contribuir para a etnogênese, e
identidade jurídica dos índios Cariri do Sítio Poço Dantas, considerando a memória coletiva, a
terra indígena e o direito socioambiental como categorias relevantes nesta análise.
A análise quantitativa, qualitativa e os referenciais teóricos nos ajudam a compreender
o grupo social dos Cariri e sua relação com a sociedade, numa abordagem que pretendeu
recuperar informações e memórias coletivas dos Cariri e prospectar um futuro com dignidade
social como grupo étnico indígena frente ao Estado brasileiro. Incorporando, aleatoriamente,
na análise as categorias da memória coletiva de Maurice Halwachs 4, em que o indivíduo não
se explica isoladamente no grupo social e como linha que conduz a uma ideia de memória do
grupo e recuperação de uma consciência do ser índio; e etnogênese e a identidade jurídica
através do direitos socioambiental como processo social capaz de suscitar a recuperação da
identidade étnica e para a garantia de direitos coletivos para os índios Cariri.
3
MENEZES, Marcelo. Universidade Federal de Santa Catarina. Amostragem. Disponível em:
http://www.inf.ufsc.br/~marcelo.menezes.reis/Cap7.pdf. Acesso em: 23 Jul.2017.
4
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015.
25
5
ARRUTI, José Mauricio. Etnogênese Indígena. Povos Indígenas no Brasil 2001/2005. São Paulo: Instituto
Socioambiental, 2006, p. 31. Disponível em: < https://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa/publicacoes/povos-
indigenas-no-brasil-20012005>. Acesso em: 19 Jul.2017.
6
FOSTER, John Bellamy. A Ecologia da Economia Política Marxista. Tradução de Pedro Paulo Bocca. Lutas
Sociais. N. 28. 1º Sem. São Paulo. 2012. 87-104. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/issue/view/1194/showToc>. Acesso em: 22 Jul. 2017. p. 87.
7
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro. São Paulo: Abril Cultural. 1984.
8
HOWLETT, Michael. RAMESH, M.. PERL, Anthony. Política Pública. Seus Ciclos e subsistemas. Uma
abordagem integral. 3ª Edição. Tradução técnica Francisco G. Heidemann. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Elsevier,
2013. p. 60.
9
FOSTER, op., cit., p. 88.
10
Valor de uso e de troca ficou conhecido como o Paradoxo de Lauderlale, este um economista politico clássico
(1759-1839). Essa máxima estava em voga quando Marx faz a crítica do Capitalismo e dela se utilizou.
26
riqueza pública, como água, ar, solo, florestas, cereais etc., era preciso manter o preço de
troca, essa relação é fatalmente contraditória e destruidora no capitalismo, ademais que a
mais-valia é reinvestida no processo para gerar mais mais-valia e assim sucessivamente.
O sujeito histórico índio está condizente com as dimensões do sujeito histórico
marxista, na contemporaneidade, que vai além do universo dos trabalhadores, mas a eles se
somam para interpretar e fazer mudanças no mundo em que atua. Este novo sujeito busca re-
entrelaçar homem e natureza como instituições que não se separam parafraseando o autor da
teoria econômica democrática Polanyi11, o trabalho é parte da vida humana e a terra (natureza)
e trabalho não precisam estar separados. Aí estava a pretensão propositiva de Marx em sua
crítica ao capitalismo utilizando-se da categoria “fenda metabólica”12; seria uma sociedade
socialista/comunista “em que os produtores associados governem o metabolismo humano com
a natureza de uma forma racional... conseguindo isso como menor gasto de energia... em
ciclos metabólicos fechados.”13
Nada é tão simples na natureza ou na vida em sociedade. Os modelos de socialismos
elaborados ou na intenção de serem manifestações do socialismo ao estilo marxista não
conseguiu reproduzir com fidelidade, grosso modo, ser referência para esse ciclo metabólico
fechado, associativo homem/natureza. Há os críticos do marxismo sobre a questão
antropocêntrica e sobre a ideia de progresso como um processo que se pode adaptar aos
socialismo, não nos deteremos aqui nesta análise, que aliás, foi muito bem combatida por
Michael Löwy14. A crítica marxista ao capitalismo está em perfeita sintonia com o nosso olhar
sobre a questão dos danos que o capitalismo causa no nosso tempo. As soluções por ele
propostas é que precisam se ajustar aos anseios das sociedades contemporâneas, para isso não
faltam marxistas. Para Michael Löwy é o ecossocialismo o caminho, porque “implica uma
radicalização da ruptura com a civilização material capitalista. Nesta perspectiva, o projeto
socialista visa não apenas uma nova sociedade e um novo modo de produção, mas também
um novo paradigma de civilização.”15 Foster, a seu turno, fala de uma revolução no tempo
11
POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier.
2000.
12
Fenda metabólica é um conceito produzido a partir da compreensão do metabolismo, tomado de empréstimo
da Biologia. Um recurso natural utilizado para ajustar-se aos desgastes que ocorre nos processos de produção de
energia indispensável para o equilíbrio ecológico. No capitalismo há toda uma desatenção nesse processo quando
explora a natureza, capacidade de recuperação do solo, por exemplo. A este fator destrutivo Marx chama falha
metabólica. Sobre esta categoria repousa a principal crítica marxista ao capitalismo.
13
FOSTER, John Bellamy. A Ecologia da Economia Política Marxista. Tradução de Pedro Paulo Bocca. Lutas
Sociais. N. 28. 1º Sem. São Paulo. 2012. 87-104. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/issue/view/1194/showToc>. Acesso em: 22 Jul. 2017. p. 91.
14
LÖWY, Michael. Ecologia e Socialismo. Coleção questões da nossa época. V. 125. São Paulo: Cortez, 2005.
15
LÖWY, op. cit., p. 40.
27
16
FOSTER, John Bellamy. A Ecologia da Economia Política Marxista. Tradução de Pedro Paulo Bocca. Lutas
Sociais. N. 28. 1º Sem. São Paulo. 2012. 87-104. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/issue/view/1194/showToc>. Acesso em: 22 Jul. 2017. p. 101.
17
QUIJANO, Aníbal. La Colonialidad del Poder. In: LANDER, Edigard (Org.) La Colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciências sociales, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CICCUS. 2011. p. 124.
18
DUSSEL, Enrique. 1492 El Encubrimiento Del Outro. Hacía el origen del “Mito de la modernidade”.
Biblioteca Indígena. Colección pensamento crítico. La Paz – Bolívia. 2008.
19
LANDER, Edgardo. Marxismo, Eurocentrismo y Colonialismo. In: LANDER, Edigard (Org.) La
Colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências sociales, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires:
CICCUS. 2011. p. 209-243.
20
QUIJANO, op. cit., 2011.
28
da modernidade imposta pela Europa. Para nos libertar das amarras que nos prende a ideia de
seres inferiores e reabilitar a consciência de quem somos, nossos valores e nosso próprio
processo de desenvolvimento, um “giro decolonial”21, portanto.
Esta tese, enfim, revelou mais que a identidade dos Cariri do Sítio Poço Dantas,
revelou um modo de vida e compreensão do mundo sob o ponto de vista dos vencidos, índios
do Brasil, do Ceará, que foram expulsos de sua terra e que resistiram na esperança de um
retorno. Igualmente esses grupos sociais reencontram o caminho da emergência
socioambiental no momento em que a América Latina reflete sobre seu processo insustentável
de desenvolvimento... É como olhar para dentro e se colocar a questão do ser índio e aprender
com eles a convivência homem/natureza. Erra quem pensa que se trata de um retorno teatral, é
antes, um aprendizado humano sobre nossos limites e sobre entender os limites do planeta.
21
‘Giro decolonial’ é um termo cunhado originalmente por Nelson Maldonado-Torres em 2005 e que
basicamente significa o movimento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da
modernidade/colonialidade. BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc.
Polít., Brasília , n. 11, p. 89-117, Aug. 2013 . Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n11/04.pdf>.
Acesso em: 20 Jul.2017.
29
2 O CARIRI E OS KARIRI
2.1 O CARIRI
O Cariri cearense é uma região que ocupa a porção Sul do Ceará, no Nordeste
brasileiro. Uma região cercada pela biodiversidade exuberante da Chapada do Araripe23; esta
integrante da biorregião do Araripe – uma região mais ampla e de integração ambiental e
social que envolve parte dos estados do Pernambuco, Piauí e Ceará. O Cariri na composição
atual envolve um conjunto de 8 municípios: Barbalha, Crato, Jardim, Juazeiro do Norte,
Missão Velha, Nova Olinda, Porteiras e Santana do Cariri. Essa definição territorial e
administrativa foi realizada pelo Governo do Estado do Ceará em 201424. Outrora25 esta
22
A grafia dos nomes indígenas segundo a Convenção para a Grafia de Nomes Tribais estabelecida pela
Associação Brasileira de Antropologia, realizada no Rio de Janeiro em 1953, define o uso do etnônimo no
singular. Há, entretanto, pesquisadores e estudiosos, a exemplo de Júlio Cezar Melatti e Cristhian Teófilo da
Silva que compreendem ser esse um exercício que pode ser percebido como um tratamento dado a espécies
animais e vegetais. Sem adentrar no mérito da questão por não ser Antropólogo, adotamos para esta tese as
recomendações da convecção da ABA, de 1953.
23
Araripe, que em língua Tupi que dizer “lugar das Araras”, rari = arara. LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia
Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio Cultural da Chapada do Araripe. 2105. pp.
442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra. 2015.
P. 63.
24
INSTITUTO DE PESQUISAS DO CEARÁ - IPECE. Atlas do Ceará. Disponível em:
http://www2.ipece.ce.gov.br/atlas/lista/. Acesso em: 08 set. 2016.
25
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. Volume I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.4. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 5. O Cariri naquela época
compreendia 20 Municípios da região sulcearense que juntos somavam aproximadamente 373.851 habitantes.
30
região compreendia “Crato, Barbalha, Juazeiro, Missão Velha, Milagres, Mauriti, Brejo
Santo, Jardim, Santanópole26, São Pedro, hoje Caririaçu e Quixará27, atual Farias Brito” 28.
Figura 1. Mapas da Região Nordeste, Ceará, Região Metropolitana da Cariri e Microrregião do Cariri.
O Cariri ocupa uma porção de terra sob a encosta da Chapada do Araripe e sua borda
superior. A vegetação, clima e águas naturais distinguem esse território dos demais em seu
entorno. A sua estrutura é um complexo geológico-ambiental que se formou desde a era do
Cretáceo, entre 145 a 65 milhões de anos, constituída por arenitos com relevo tabular quase
plano, formando uma extensa mesa. A ausência quase total de escoamento superficial no topo
da chapada está diretamente relacionada às características do solo. No lado cearense da
Chapada persiste a vegetação densa, de médio a grande porte, da Floresta Nacional do Araripe
e sua zona de amortecimento30. O solo é fértil, razão das extensas áreas cultivadas.
26
A cidade de Santana do Cariri teve seu nome alterado para Santanópole pelo Decreto Estadual 448/1938 e
novamente alterado para Santana do Cariri pela lei 1153/1951. Em 1957 através da lei estadual 3.555 o então
distrito de Santana do Cariri, Nova Olinda, passa ao status de Município. Também Quixará integrava o
município de Santana do Cariri até 1926, quando por força da lei estadual 2.359 passou a integrar o município do
Crato. Quixará atualmente Farias Brito. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA -
IBGE. Santana do Cariri. Disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/ceara/santanadocariri.pdf. Acesso em 08 set. 2016.
27
Quixará, atualmente Farias Brito. Município pela lei nº 268, de 30.12.1936. Desmembrado de Crato. Pela lei
estadual nº 2 194, de 15.12.1953.
28
PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Reedição Fac-Simile da Ed. 1950. Fortaleza: Editora da UFC. 2010. P. 07.
29
INSTITUTO DE PESQUISAS DO CEARÁ - IPECE. Atlas do Ceará. Disponível em:
<http://www2.ipece.ce.gov.br/atlas/lista/>. Acesso em: 08 Set.2016.
30
BRASIL. Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC: Lei nº 9.985/2000. Disponível em:
www.planalto.gov.br. Acesso em 12 mar. 2017. Artigo 2º, inciso XVIII: entorno de uma unidade de
conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de
minimizar os impactos negativos sobre a unidade.
31
31
PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Reedição Fac-Simile da Ed. 1950. Fortaleza: Editora da UFC. 2010. p. 08.
32
COMPANHIA DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS DO CEARÁ. COGERH. Relatório de Gestão
de 2016. Disponível em: www.cogerh.com.br. Acesso em: 19 fev. 2017: 307 Fontes são monitoradas pela
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará - COGERH.
32
Para falar das gentes compreende-se indispensável falar dos recursos naturais, da
cultura e da politica do Cariri e dos Kariri, não sem antes tratar da definição do nome dos
primeiros habitantes e dos atuais indígenas33 da região do Cariri. Há registros de inscrição
Kariri com “K” e Cariri com “C”. Adotaremos para os Kariri do presente a inscrição com
“C”, em razão das anotações que estes registraram em sua assinatura. Os ancestrais silvícolas
daqueles filhos das cidades do Cariri, como Crato - antiga Missão do Miranda, eram
chamados por outras raças de Kariri, Kiriri ou Carirí, termo que para eles significava
“calado”. Uma quantidade expressiva de nomes e fonética foram sendo construídos ao longo
dos anos, conforme veremos mais adiante34. Os Kariri integravam uma nação que reunia
várias etnias. Não faltaram relatos dessa conjunção, como nas cartas de Martin Soares
Moreno, ainda no início do século XVII (1611), que descreve existirem 22 nações em três
castas de tapuyas em um raio 70 léguas nas terras do Ceará, sendo uma delas os Kariri35.
Há registros de um catecismo cristão na língua brasílica da nação Kariri36 e uma
gramática Kariri37. Igualmente suportam essa afirmação os relatos de etnias várias com
denominação Kariri ou Kiriri na região do Nordeste do Brasil, distantes do Cariri cearense, ou
cuja descrição física dos índios não se assemelham com as descrições dos Kariri do Cariri, do
passado ou do presente; é o caso dos Tremembé38, cuja compleição física é diversa daqueles
habitantes do Cariri, em hábitos e traços.
O Cariri, para este trabalho, é analisado em um recorte cronológico da sua
sociobiodiversidade, historicidade e da trajetória de alguns de seus personagens destacados na
política, seguindo esses elementos que consideramos fundantes para a identidade dos Cariri:
recursos naturais, cultura – através dos geossítios do Geopark Araripe, e política.
33
Índios é uma expressão utilizada em meados do século XVI para designar os indígenas submetidos (seja
aldeado, seja escravizado), por oposição ao termo mais geral gentio, que designa os índios independentes.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. P. 50.
34
PINHEIRO, Irineu. FILHO, J. de Figueiredo. Cidade do Crato. Fac-símile da edição de 1955. Coleção Nossa
Cultura, n. 1, Série memória, n.3. Edições URCA. Fortaleza: Editora da UFC, 2010. P. 84. Somam-se a este
autores: Batista Caetano e Theodoro Sampaio. Diverge apresentando outra hipótese: Thomaz Pompeu Sobrinho,
que aponta “água flui aqui (yquirirí), ou Oh! A água jorra (ycariri) em língua tupi”.
35
SOBRINHO, Thomas Pompeu. Os Tapuias do Nordeste. Fortaleza: Revista do Instituto do Ceará, 1934.p. 8.
36
MAMIANI, P. Luiz Vincencio. Catecismo Kiriri. Edição Fac-Símile. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional.
1942.
37
ADAM, Lucien. Grammaire Comparée des Dialectes de la Famille Kariri. Paris: J. Maisonneuve, Libraire-
Editeur. 1897. p. 1.
38
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. ABAN. Relatório Circunstanciado de Identificação
e Delimitação. Portaria Fundação Nacional do Índio/FUNAI. Nº 10, de 13.01.1999. Disponível em:
<http://www.abant.org.br/conteudo/001DOCUMENTOS/Laudos/Terras%20Indigenas/Relatorio%20Cristhian.p
df>. Acesso em: 27 Jun.2017.
33
39
Institui a Politica Nacional de Desenvolvimento Regional. Com recursos do Orçamento Geral da
União; Fundos Constitucionais de Financiamento das regiões Norte - FNO, Nordeste - FNE e do Centro-Oeste -
FCO; Fundos de Desenvolvimento do Nordeste - FDNE e Fundo de Desenvolvimento da Amazônia - FDA, bem
como outros fundos de desenvolvimento regional que venham a ser criados; outros Fundos especialmente
constituídos pelo Governo Federal com a finalidade de reduzir as desigualdades regionais; recursos dos Agentes
Financeiros Oficiais e Incentivos e Benefícios Fiscais.
34
Picos (PI) e Salgueiro (PE). O grande potencial de crescimento da base econômica regional a
partir de investimentos em setores produtivos tais como a ovinocaprinocultura, apicultura,
turismo e setor mineral, facilitou a identificação deste território com as políticas de
desenvolvimento nacional. Os estudos preliminares, o plano de desenvolvimento para a
Mesorregião do Araripe e a instituição do fórum da mesorregião contou com o apoio técnico
da Universidade Regional do Cariri – URCA, Fundação de Desenvolvimento Tecnológico do
Cariri – FUNDETEC e participação dos setores produtivos, poderes públicos e sociedade
civil.
Figura 03 - Mapa da Mesoregião do Araripe
Uma zona longilínea, alta, que forma o topo da Chapada, e uma zona baixa, mais
limitada, no sopé das encostas desta Chapada, mais ampla do lado do Ceará e os
sertões, em volta da bacia, e que incluem: ao norte, parte da depressão sertaneja
setentrional; ao sul, parte da depressão sertaneja meridional; a oeste, parte do
complexo Ibiapaba.
A maior riqueza hídrica do Cariri não está na superfície, nos rios Batateiras, Carás,
Grangeiro, Salgadinho, Riacho dos Porcos, Salamanca entre outros. É no subsolo que estão os
principais reservatórios de água mineral que abastecem as populações. Abundantes outrora,
hoje as fontes são motivo de preocupação, algumas já secaram, outras diminuíram a vazão.
307 fontes no Cariri foram monitoradas pela Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do
Ceará – COGERH, em 2016; 27 tiveram vazão zero para outorga, ou secaram totalmente
neste período43. Em 2005, estudo de caso realizado por pesquisadores do Ceará44 indicaram
40
GERVAISEAU, Pierre Maurice. A Geografia e Meio Ambiente da Biorregião do Araripe. Disponível em:
<http://fundacaoararipe.org.br/>. Acesso em: 22 Fev.2017.
41
BUENO, Franscisco da Silveira. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. 9ª edição. Ministério da
Educação. e Cultura. Rio de Janeiro: FENAME – Fundação Nacional de Material Escolar, 1975.: “CRETÁCEO:
Sistema mais moderno da era mesozóica.,: MEZOZÓICA; Diz-se da era secundária, isto é, entre a paleozóica e a
cenozóica ou terciária.” Na era Terciária surge a predominância dos mamíferos.” p. 851.
42
GERVAISEAU, op., cit, 2017.
43
COMPANHIA DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS DO CEARÁ. COGERH. Relatório de
Informações Gerais das Fontes da Bacia do Salgado. Disponível em: <www.cogerh.com.br>. Acesso em: 19
fev. 2017.
36
um número de fontes no Cariri menor, 256, em suma houve um aumento de 24 fontes que
passaram a ser monitoradas pela COGERH, mesmo com este aumento, a capacidade hídrica
da bacia hidrográfica do Salgado está reduzindo ano a ano. Em média 30% nos últimos 5
anos45 em razão da estiagem que sofreu o Ceará. A Bacia do Salgado, da qual fazem partes os
Municípios do Cariri, contudo, ainda é produtora de água superavitária igualando-se à bacia
Metropolitana de Fortaleza (Capital do Estado).
Em águas superficiais, reservatórios, a bacia do Salgado apresenta capacidade de
acumulação de 469,40 hm346, num total de 12 açudes estratégicos, somente um deles está no
Cariri, Açude Tomaz Osterne de Alencar (Crato), sendo um dos menores em capacidade de
acumulação da bacia. As águas do subsolo são destinadas para abastecimento humano,
preferencialmente, seguindo a politica nacional de recursos hídricos. Elas apresentam maior
facilidade de exploração, baixo custo e boa qualidade.
44
HISSA, Inah Abreu. Análise da Realidade da Fonte Batateiras no Cariri – CE. Aspectos Econômicos e
Legais do Mercado de Águas. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente). Universidade
Federal do Ceará – UFC. Fortaleza – Ceará: 2005, p. 63. Relatório de Perícia Técnica Judicial realizada pelo
geólogo Francisco Idalécio de Freitas, no processo n.º 2.000.0147.3912-8 em trâmite na 2.ª Vara do Crato. P. 3
“A precipitação que se infiltra no solo, no sopé da Chapada do Araripe, reaparece na forma de nascentes, num
total de 256 no Estado do Ceará, 43 do Pernambuco e 8 no Piauí”.
45
COMPANHIA DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS DO CEARÁ. COGERH. Relatório de
Informações Gerais das Fontes da Bacia do Salgado. Disponível em: <www.cogerh.com.br>. Acesso em: 19
fev. 2017.
46
O acompanhamento da capacidade e volume de água armazenada nos reservatórios do Estado do Ceará é
divulgado pelo site: www.cogerh.com.br. Os principais reservatórios da bacia do Salgado são: Atalho II, Lima
Campos, Rosário, Olho D’água, Quixabinha, Prazeres, Ubaldinho, Cachoeira, Riacho dos Carneiros.
47
Respectivamente criada e regulamentada pelos Dec-Lei nº 9.226 de 02 de maio de 1946/ Dec s/nº, de 05 de
junho de 2012.
48
INSTITUTO CHICO MENDES - ICMBio. Plano de Manejo da FLONA-ARARIPE: Aprovado pela
Portaria No. 81 de 21/11/2005. Disponível em: <www.icmbio.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2017.
37
especificadas como de proteção integral, ou seja, que não admite o uso direto dos recursos
naturais da UC.
Ocupa porção de cinco municípios do Cariri, Crato, Barbalha, Santana do Cariri,
Jardim e uma porção diminuta em Missão Velha, recém-mapeada, por uma extensão de
38.919,47 hectares. Constitui-se como um refúgio natural das espécies animais e vegetais da
caatinga, berço das fontes e nascentes de água do Cariri que é o hábitat de espécies endêmicas
do Cariri como o Soldadinho do Araripe (Antilophia bokermanni), pássaro de plumagem
branca e cabeça vermelha, e do caranguejo Guaja-do-Araripe (Kingsleya attenboroughi),
recém-identificado, assim como celeiro das árvores majestosas e floridas como o Pequi
(Caryocar coriaceum). Dentro da FLONA ainda há mapeado pelo Ministério do Meio
Ambiente um nicho de Mata Atlântica, em Barbalha.
49
Juazeiro do Norte fica de fora da APA. A falta de informação do tipo de gestão e acesso aos recursos naturais
dentro de uma APA fez com que os gestores temessem pelo desenvolvimento reduzido em razão da criação da
Unidade de Conservação. Temor infundado. Não há registro na APA Chapada do Araripe de processo que
recrudesceu em razão da UC. A UC foi criada e regulamentada pelo Dec nº de 04 de agosto de 1997.
50
INSTITUTO CHICO MENDES - ICMBio. Área de Proteção Ambiental do Araripe. Disponível em:
www.icmbio.gov.br. Acesso em 12 mar. 2017.
38
51
Para maiores informações: www.geoparkararipe.org.br ou http://www.unesco.org/new/en/natural-
sciences/environment/earth-sciences/unesco-global-geoparks/
52
PENA-VEGA, A. O despertar ecológico: Edgar Morin e a ecologia complexa. Tradução de Renato
Carvalheira do Nascimento e Elimar Pinheiro do Nascimento. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. P20 e p.32.
39
Patrimônio Cultural Paisagístico e Paleontológico com troncos de uma floresta fóssil silificada e
microfósseis raros com idades aproximadas de 410 milhões de anos.
53
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 9. ed. Revista e atualizada. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2014. p.
568.
54
MINC. Ministério da Cultura do Brasil. IPHAN. Roteiro para salvaguarda do patrimônio cultural
imaterial. Fortaleza. 2007.
55
SÉGUIN, Elida. O Direito Ambiental. Nossa casa planetária. Forense. Rio de Janeiro. 2006. p. 38.
56
Ibid., p. 38.
40
A Cachoeira de Missão Velha é outro sítio que tem como destaque o patrimônio
geológico e cultural, através da paisagem formada pela cachoeira e o cânion que se forma a
partir dela; da presença de icnofósseis57 raros e das manifestações da cultura imaterial através
de lendas que teriam origem na cultura indígena, uma vez que o lugar foi território dos índios
Kariris. Figuras 6 e 7.
57
Icnofósseis são registros geológicos de atividade biológica, como rastros fósseis (impressões feitas no
substrato por um organismo). Por exemplo tocas, orifícios originários de bioerosão, urólitos, pegadas e marcas
de alimentação. Wikipedia Dicionário. Icnofósseis. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Vest%C3%ADgio_f%C3%B3ssil. Acesso em: 12 mar. 2017.
41
58
INSTITUO DE PESQUISAS ECONÔMICAS DO CEARÁ – IPECE. Perfil Básico dos Municípios 2016.
Disponível em: <www.ipece.ce.gov.br>. Acesso em: 21 fev. 2017.
59
Secretaria de Turismo e Romaria de Juazeiro do Norte. 2012.
60
BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcante. Juazeiro do Norte: A Terra da Mãe de Deus. Fortaleza: IMEPH,
2014. p. 345: “Para quem crê, o Juazeiro é um lugar santo – tão santo que perto da ‘fonte milagrosa’ o beato José
da Cruz ‘viu’ o Santo Sepulcro redivivo. Para muitos um lugar encantado, o Santo Sepulcro está plantado na
parte mais agreste da serra do Horto e se constitui no último Sítio histórico de Juazeiro – o único espaço do
mundo dos beatos. Só os iniciados conhecem o caminho ‘tão longo, tão cheio de pedra e areia’ que, pelo túnel do
tempo, nos mergulha no Juazeiro de Maria de Araújo, no mundo de penitência, no universo do catolicismo
popular tão perseguido pela modernidade, pela romanização da Igreja.
61
As histórias política e religiosa de Juazeiro do Norte estão registradas em várias publicações locais, nacionais
e internacionais. Entre defensores e acusadores do perfil político e santo do Padre Cícero, registra-se
inexoravelmente o milagre mais famoso do santo popular, que é a transfiguração da hóstia em sangue na boca da
beata Maria de Araújo.
42
62
GOOGLE. Padre Cícero. Disponível em: www.google.com.br, de autoria não identificada. Acesso em: 26
Jul.2017.
43
registradas por pesquisadores da Fundação Casa Grande, de inscrições rupestres dos índios
Kariri no distrito de Santa Fé. Figura 11 e Figura 12.
Figura 11 - Pedra/Cachoeira da Fonte Batateiras/ Banda Cabaçal / Pinturas Rupestres em Santa Fé.
Foto 1 - A lenda da Pedra da Batateira diz que ela vai rolar e inundar o Crato 63. Foto 2 - A Banda
Cabaçal dos irmãos Aniceto produz seus próprios instrumentos e são considerados Mestres da
Cultura do Ceará.
Figura 12 - Fotos 3 e 4 - As pinturas rupestres do Sítio Santa fé guardam registro de uma cultura
indígena peculiar e única na região do Cariri. Estima-se serem dos mais antigos habitantes do
Cariri.
63
“Contam de bôca em boca, que o bravo índio Cariri ao deixar, acossado pelos brancos, as regiões paradisíacas
do lado cearense do Araripe, tapou quanto possível, as nascentes de sopé da serra. Mas algum dia voltará o
antigo dono da terra para vingar-se do usurpador. Abrirá todos os mananciais tapados e Crato será inundado.”
Relato da lenda da fonte da Batateira. PINHEIRO, Irineu. FIGUEIREDO FILHO, J. de. Cidade do Crato. Fac-
símile da edição de 1955. Coleção Nossa Cultura, n. 1, Série memória, n.3. Edições URCA. Fortaleza: UFC,
2010. P. 84.
44
Figura 13 - Lenda da Ponte de Pedra pintada e Mestre Expedito Seleiro, mestre da Cultura da
escrita por crianças. arte em couro
Berço dos índios Cariri, a região foi um dos cenários belicosos da colonização
portuguesa no interior do Nordeste. Revoluções e insurreições colocaram o Cariri em
evidência, através das quais deixaram registro na história do Brasil.
Iniciamos com uma breve nota sobre a historiografia do Cariri. Muitos e importantes
autores do Ceará, da história do Cariri, da colonização, das vilas, das cidades e do patrimônio
cultural, começam suas leituras e estudos com João Brígido através dos “Apontamentos para a
história do Cariri”, concluída a pesquisa em 1858 e publicada em 1861, no Diário de
Pernambuco é o mais antigo registro da história específica do Cariri que se tem conhecimento.
46
64
BRÍGIDO. João. Apontamentos para a História do Cariri. Reimpressão fac-similar da ed. 1861. Fortaleza:
Ed. Expressão Gráfica, 2007. P. 3.
65
GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil. 1836-1841. São Paulo: Editora da USP, 1975. P. 93-94.
Apud MACÊDO, Heitor Feitosa. In Sertões do Nordeste V. 1: Inhamuns e Cariris Novos. Crato: A província
Edições, 2015. P. 294.
66
BRÍGIDO., op. cit., p. 5. Observe-se que era comum utilizar o nome da etnia quando no plural, com “s”.
67
BRÍGIDO., op. cit., p. 5. 6.
47
68
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 36.
69
PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Reedição Fac-símile da Ed. 1950. Fortaleza: editora da UFC, 2010. P. 12.
70
RODRIGUES, José Honório. Índice Anotado da Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Imprensa
Universitária do Ceará, 1959. P. 9.
71
SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil (1500-1627). Editores Weiszflog Irmãos. 1918. Prefácio de
Marcos Venicio Ribeiro. Fundação Darcy Ribeiro. Brasília: Editora da UNB, 2014. Edição Digital (PDF). P.
325/326. O Capitão-Mor Pero Coelha conduziu uma bandeira com destino a ocupar a Serra da Ibiapaba no
Ceará em Julho de 1603, acompanhado do soldado Martin Soares Moreno, mais 64 soldados e 200 índios bons
de flecha. Os enfrentamentos foram ferozes em Camocim e Ibiapaba índios bravos estavam acompanhados de
franceses e lutaram para ganhar a guerra até que um dos líderes índios fora capturado e os fez se render. Com
muitas baixas de ambos os lados Pero Coelho montou um distrito na Ibiapaba e fez vários índios cativos.
72
ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará, desde os tempos primitivos até
1850. Recife: Typrografia do Jornal do Recife, 1867. P. 3.: “O primeiro investigador, que penetrou no território
do Ceara, foi Pedro Coelho de Souza, que chegando em 1603 ate a serra da Ibiapaba, d'ali com intento de
reconhecer o paiz, que da cumiada dos montes se lhe antolhava extensamente magestozo, buscou descer por
algum rio ate encontrar as plagas do oceano: o que executou, seguindo o curso do Jaguaribe desde as suas
cabeceiras”. [sic].
73
SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil (1500-1627). Editores Weiszflog Irmãos. 1918. Prefácio de
Marcos Venicio Ribeiro. Fundação Darcy Ribeiro. Brasília: Editora da UNB, 2014. Edição Digital (PDF). p.
48
348: Pero Coelho voltou à Paraíba para trazer a esposa e família com o intuito de construir residência na
Ibiapaba, deixando guarnição de soldados e índios na Ibiapaba. Martins Soares Moreno agora Capitão do Distrito
da Ibiapaba.
74
SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil (1500-1627). Editores Weiszflog Irmãos. 1918. Prefácio de
Marcos Venicio Ribeiro. Fundação Darcy Ribeiro. Brasília: Editora da UNB, 2014. Edição Digital (PDF). p.
10/11: “Muito sangue correrá ainda até que a terra fique encharcada e o gentio imponha alguma mudança
cultural”.
75
BRÍGICO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição Fac-símile reproduzida do Diário de
Pernambuco, de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. P. 7.
76
A Casa da Torre será o empreendimento mais eficiente no Nordeste cujo Capitão-mor é Garcia d’Ávila.
Próximo do Governador Geral do Brasil, com quem veio para o Brasil, no contexto de facilidades que lhe
facultara essa aproximação solicitou e obteve sesmarias no litoral a partir de 1550. A atividade canavieira
(engenho) e a partir daí pelos sertões a fora, até a fronteira do Cariri (Exu) fará de Garcia d’Ávilla “o mais
destacado criador de bovinos em toda a colônia”. LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva. A
Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio Cultural da Chapada do Araripe. 2015. Pp 442. Tese de
Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra. 2015. p. 22.
77
BRÍGICO, op., cit., p. 07.
78
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. p. 24.
79
MACÊDO, Heitor Feitosa. Sertões do Nordeste V. I: Inhamuns e Cariris Novos. Crato: A província Edições,
2015. P. 270.
49
80
FIGUEIREDO FILHO, J. de. História do Cariri I. Fac-símile da edição de 1964. Coleção Nossa Cultura, n.1.
Série Memória. N. 4. Coedição Secult/Edições Urca. Fortaleza: Editora da UFC, 2010. P. 23.
81
Ibidem. P. 21.
82
LIMA, Flávia Fernanda. Et. All. Geopark Araripe: Histórias da Terra, do Meio Ambiente e da Cultura.
Crato: Editora da URCA, 2012. P. 86.
83
Ibidem. P. 86.
84
BRÍGICO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição Fac-símile reproduzida do Diário de
Pernambuco, de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. P. 7.
85
Interessantíssima a descrição da co-fundação do Cariri pelos colonizadores baianos, anotando sua influência
na cultura e folclore do Cariri. In FIGUEIREDO FILHO, J. de. História do Cariri I. Fac-símile da edição de
1964. Coleção Nossa Cultura, n.1. Série Memória. N. 4. Coedição Secult/Edições Urca. Fortaleza: Editora da
UFC, 2010.P. 21-23.
86
RODRIGUES, José Honório. Índice Anotado da Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Imprensa
Universitária do Ceará, 1959. P. 14.
87
BRÍGICO, op., cit., p. 8.
88
Tradição é o que se conta pelos descendentes e pessoas do lugar.
89
A sua participação de Medrado teria sido em prestar auxilio aos Kariris em sua contenda com as tribos rivais
Cariú, Calabaça e Inhamuns, com isto intermediar a vinda de colonos para ocupação e enfrentamento.
50
1678 e 1683. Essas datas são contestadas por Brígido90, que entende que a data não traz
precisão e que a ocupação teria se dado mais tarde, entre 1706/07 a 1725.
Em razão de atuação do Pe. Lobato (da família dos sesmeiros de Icó); o bispo D.
Estevão Brioso autoriza a instalação das missões para catequese dos nativos em Missão
Velha, depois Missão Nova (atual Missão Velha) e Miranda (atual Crato. Logo em seguida à
esta incursão de João Correira Arnaud, nos confirma Tristão de Alencar Araripe Júnior91 a
chegada do Cel. João Mendes Lobato. Esses, os Arnauds e os Lobatos, efetivamente, teriam
sido os primeiros a fixar residência no Cariri, Missão Velha. Deste período são os escombros
da humilde casa de Pedra; a primeira moradia de colonos brancos no Cariri:
Que, partindo de Sergipe com 100 pessoas, desceo até o Icó. Procurando captar a
afeição dos selvagens, conseguio xamar muitos ao baptismo, e sob o in fluxo de um
sacerdote, seu filho, estabeleceo como começo da catechese o sitio de Missão-velha
na margem do rio Salgado entre o Icó e Crato. [sic]
Ali fez-se a primeira edificação solida, que n'aquellas paragens ergueram mãos
portuguezas: e ainda hoje mostram-se fracos vestigios d'essa edificação junto a uma
92
caxoeira visinha dê Missão-velha. [sic].
90
BRÍGICO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição Fac-símile reproduzida do Diário de
Pernambuco, de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007 . p. 8.
91
ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará, desde os tempos primitivos até
1850. Recife: Typrografia do Jornal do Recife, 1867. P. 5.
92
Ibid., p. 19: “Vestígios de uma casa forte tem sido descobertos na Cachoeira. Parece que foi esta a primeira
edificação no solo do Cariri”. [sic].
51
O início do século XVIII é marcado pela doação de terras no Cariri, entre 1717 e 1718
e as constantes desavenças entre os colonos para fins de fixação de limites, que tiveram cabo
até meados de 1741, resultaram em disputas sangrentas entre líderes coloniais na região Sul
do Ceará, dos Inhamuns ao Cariri, as mais famosas disputas ocorreram entre as famílias
“Montes e Feitosa” e atuação criminosa de “Manoel Pereira Aço”97.
93
Salamanca teve muitos anos ligada ao território da Missão do Miranda. Quando virou Barbalha vai ser
povoada no século XIX, primeira metade, por descendentes do Governador Geral do Brasil Men de Sá. O alferes
Antonio Pinheiro Magalhães e sua esposa Inês de Sá Souto, atualmente é a única que conserva descendentes dos
seus fundadores. FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri volume III. Coleção Nossa Cultura. N.1,
Série Memória, n.4. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC. 2010. P. 78.
94
A origem do nome Miranda também é ponto controverso na historiografia do Cariri. Afirmando alguns serem
referência não a índios do Cariri, mas à descendência do sesmeiro Gil de Miranda, que aparece nas primeiras
datas do Cariri. FIGUEIREDO FILHO, J. de. História do Cariri I. Fac-símile da edição de 1964. Coleção
Nossa Cultura, n.1. Série Memória. N. 4. Coedição Secult/Edições Urca. Fortaleza: Editora da UFC, 2010. P. 33.
95
Uma sucessão de dados: datas e nomes ocorrem na descrição dos primeiros habitantes-colonizadores no Cariri.
Poucos são os consensos entre os autores que se dedicaram a contar essa história. Adotamos, por isso, a
referência descritiva entre os autores, sem assumir uma opção que a tudo só causaria especulação dada a
ausência de fontes primárias acerca das datas. São questões que de certa forma não causam prejuízo à identidade
e a memória do lugar ou dos protagonistas descritos ou citados nestas fontes. No caso em particular da ocupação
de Missão Velha (porta de entrada para a ocupação do Cariri pelos colonizadores) a data mais erma é de 1702,
quando se registra a obtenção de terras que vão desde “Várzea das Crioulas até a Cachoeira” pelos sesmeiros Gil
de Miranda e Antônio Mendes Lobato, e não João Mendes Lobados. Nas terras do Crato, Barbalha, Santana do
Cariri, Jardim e Juazeiro do Norte, que não havia separação naquelas datas, os sesmeiros identificados em 1703:
1) Manuel Rodrigues Ariosa e Manuel Carneiro da Cunha e 2) Bento Correia Lima e João Dantas Aranha
(Riacho dos Porcos e Riacho dos Carás). E em 1716 por José Gomes de Moura, Baltazar da Silva Vieira e
Germano da Silva Saraiva. Atentando-se para o fato de que os sesmeiros não necessariamente vieram cá viver.
Alguns deles não estiveram ocupando as sesmarias, que passaram adiante em outros negócios. Inferências
obtidas com notas de PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963,
publicada pela Imprensa Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição
Secult/Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 19.
96
PEREIRA, Maria Alacoque de Lima. Jardim: sua história e sua gente. Fortaleza: COTRIM. 1986.
97
BRÍGICO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição Fac-símile reproduzida do Diário de
Pernambuco, de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. P. 40-
41.
52
98
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. 2015. Pp 442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. Coimbra. 2015. P. 26.
99
Freguesia era uma divisão de um Termo (Comarca Vinculada) composto por povoados servidos por uma
Igreja Paroquial. MAGALHÃES, Célia. Nosso Povo Nossa História: Missão Velha. Crato: Ed. Província, 1994.
P. 27.
100
Elevação à Vila dependia de Ato do Presidente da Província e como consequência se instituía o Senado da
Câmara, durante a colônia. Com a República dissolveu-se as Câmaras Municipais e criaram o Conselho de
Intendência Municipal e as Comarcas viraram também Município. Ibid., p., 27.
101
Seria 1814 a data da freguesia. PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Edição Fac-Símile da edição de 1950. Coleção
Nossa Cultura, n.1, série memória, n.1. Coedição Secult/Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 215:
102
Uma confusão de datas. Data de criação, data de ordem de execução, data de inauguração ou instalação.
Ficamos aqui no caso com as datas de criação. Jardim, da qual Porteiras era parte integrante, teve a vila criada
em 1814, a ordem de execução foi expedida em 1815 e a inauguração se dá em 1816.
103
FIGUEIREDO FILHO, J. de Figueiredo. Histórica do Cariri. V. III. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série
Memória, n.4. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza. Edições UFC. 2010. p. 76.
104
Ibid., p. 75.
105
Há uma discordância apontada por Irineu Pinheiro sobre a data da freguesia de Santana do Cariri para este
indicada a data de 1917. PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963,
publicada pela Imprensa Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição
Secult/Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 207.
53
2.1.3.2 Do Crato para o Brasil. Movimentos pró-liberdade dos nacionais, 1817, 1822 e 1824 e
seus personagens: O Jovem José Martiniano de Alencar, Capitão-Mor José Pereira Filgueiras,
Tristão Gonçalves de Alencar, D. Bárbara de Alencar, Pinto Madeira.
A colonização do Cariri avança para Vila em Missão Velha e no Crato. Mesmo com o
fervor dos enfrentamentos de guerras entre famílias no Inhamuns e no Cariri houve um
crescimento rápido, essas passaram a ser os maiores centros populacionais da Província do
Ceará, ao lado de Icó, à custa das boas condições de vida que o lugar oferece para os colonos.
Capistrano de Abreu observa que nesse contexto de crimes e violência no sertão, o elemento
de maior importância estava situado na propriedade enquanto a vida ficava em segundo plano,
“reinava maior respeito à propriedade do que à vida”.107 A construção desse perfil social,
analisa José Honório Rodrigues108 está ligado ao processo de destruição cultural, religiosa e
atividade de produção indígena teria impacto direto neste estilo de vida sertaneja, em que
abundaram, no século XIX, também em fenômenos místicos (Antônio Conselheiro, Pe.
Cícero, Beato Zé Lourenço) associados a aspectos políticos.
Desde sua criação a vila do Crato passa a liderar o desenvolvimento da região e sua
proeminência vai encontrar oposição na vila de Jardim através da luta de dois homens (ainda
parentes109): José Pereira Filgueiras e José Alexandre Corrêa Arnoud. A disputa se dá em
nível pessoal pela condenação de uma pessoa ligada a Filgueiras e a proteção dos executantes
106
BRÍGICO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição Fac-símile reproduzida do Diário de
Pernambuco, de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. P. 56.
107
RODRIGUES, José Honório. Índice Anotado da Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Imprensa
Universitária do Ceará, 1959. P. 14.
108
Ibidem. P. 14.
109
José Pereira Filgueiras capitão-mor do Crato e seu cunhado José Alexandre Correia Arnaud, este querendo
subtrair-se à autoridade e influência daquele. PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da
edição de 1963, publicada pela Imprensa Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n.
2. Coedição Secult/Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 395.
54
pelo Corrêa Arnoud110; tal que o resultado politico foi favorável a José Alexandre Corrêa que
obtém em razão de seu prestígio a elevação de Jardim à Vila em 1792 e com isso o posto de
Capitão-mor daquela Vila, consequentemente o enfraquecimento de Filgueiras que viu seu
poder diminuir na região do Cariri e na nova Vila. O que selou doravante a inimizade das
pessoas dos dois lugares, já que o Crato em tudo simpatizava com o Capitão-Mor Pereira
Filgueiras (baiano de nascimento tendo vivido desde quatro anos de idade no Cariri). Essa
admiração se intensificaria em razão da atuação deste na Revolução Pernambucana de 1817
(defendendo os Realistas) e nos anos que se sucederam em defesa da Independência do Brasil
e de D. Pedro I, e na Confederação do Equador - 1824 (contra a Monarquia).
Da Revolução Republicana de 1817, José Martiniano de Alencar foi o emissário para
promover a revolta de 6 de março de 1817 no Ceará. Filho de D. Bárbara de Alencar que
gozava de popularidade na região pela condução da família enquanto viúva.
Tratava-se de libertar o Brasil das mãos dos Portugueses, construir a República e
promover a autonomia e liberdade das pessoas ao melhor padrão europeu-liberal. A estimativa
do gabinete do governo republicano do Pernambuco era de que a revolta se consolidaria em
República, acabando com a Monarquia, que de certa forma andava combalida, mas com os
seus aliados. O jovem Martiniano de Alencar fazia estudos em Pernambuco e ufanista
assumiu a missão de viajar o sertão promovendo a revolta, discretamente, entre os lideres do
lugar. Chegando ao Crato, buscou apoio do Capitão-mor Filgueiras para vencer a empreitada.
A ideia era divulgar os ideais da república aos que quiserem e conhecer aqueles que se opõe a
ela. De Pernambuco a Pombal, depois Icó e Crato, se tudo fora bem passariam a Aracati e
Sobral. Empós isso estão prontos para tomar o poder na Vila de Fortaleza, era esse o cálculo.
A empreitada de Alencar começava, contudo, pela benção de D. Bárbara de Alencar,
natural de Exu, forte em suas convicções e grande em importância para os homens que
trilhariam doravante os destinos do Cariri e do Ceará. A partir dela é que a adesão do Pároco
de Crato, a concordância dos irmãos e o clamor do povo do Crato viriam a ser favoráveis ao
jovem Alencar. Ainda hoje é conhecida como a “heroína de 1817”111.
No percurso supunham contar com a ajuda de eclesiásticos e militares. De Filgueiras,
contudo, obteve somente o compromisso da não intromissão em defesa do Governo
provincial, o que encheu de ânimo os partidários da república.
110
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.4.
Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 52.
111
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V II. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.5.
Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 78.
55
112
Há autores que dizem ter sido 5 de maio. FILHO, J. de Figueiredo. Histórica do Cariri. V. II. Fac-símile da
Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 20.
113
BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição Fac-símile reproduzida do Diário de
Pernambuco, de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. P. 69.
114
Ibid., . p. 81.
115
BRÍGIDO, João. Op., cit.. p. 85.
116
Sua Alteza Real Dom Pedro.
56
apoio das câmara municipais e orienta eleições nas províncias para eleger Deputados que
comporão a sua própria assembleia constituinte. Essa iniciativa reascende os ânimos dos
liberais-republicanos em defesa de um Estado Nacional independente, houve adesão imediata
dos lideres de 1817 a D. Pedro I.
Ficaram, pois, do mesmo lado da trincheira os Alencar (José Martiniano - que assumiu
como Deputado eleito, o cada vez mais importante Capitão-Mor Pereira Filgueiras e o
também influente líder Tristão Gonçalves Alencar), contra os monarquistas, que no Cariri
estavam entrincheirados em Icó e Jardim, aliados ao Governo da Província do Ceará. O grupo
do Crato se dirigiu a Icó para garantir a eleição. Em 16 de outubro de 1822 se realizou a
eleição com grandes problemas de insubordinação à decisão da câmara municipal de Icó,
prenderam eleitores e pregaram o terror no dia seguinte à eleição. Ao defender os
encaminhamentos da eleição, unidos e em combate os lideres dos Alencar e Pereira Filgueiras
impuseram uma derrota aos líderes de Icó e Jardim. O Crato se põe na liderança da região
com Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras à frente após destituir a comissão provisória de
Icó e em lugar dela impor outra. No furor das decisões apressaram em marchar para Fortaleza
e com isso anunciar os fatos e propor igualmente que as Câmaras destituam o Governo da
Província e elejam outro até que S.A.R. designe o novo Governo para o Ceará.
Esses fatos ecoaram pelo Ceará inteiro: o Crato em defesa da Independência. Quando
os heróis chegaram a Fortaleza foram conhecedores da independência já consolidada e o
governo local renunciara. Incontinente foi escolhido Pereira Filgueiras Presidente da
Província do Ceará e em seguida após eleição diante dos representantes de Câmaras
Municipais e autoridades fora eleito Comandante das Armas do Ceará. O Cariri
definitivamente protagoniza a partir de então o cenário político do Ceará.
A luta não para tão logo festejaram a vitória Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras são
chamados para defender o povo do Piauí e a unidade do Brasil em batalha que se arrastou
durante o ano de 1823117.
Não durou muito a união e D. Pedro I dissolveu a assembleia constituinte em 1823 e a
impôs uma Carta Constitucional em 1824 e consequentemente fortaleceu o Poder Central, sob
a influência do Sul, em detrimento da autonomia das Províncias do Norte. Em Fortaleza os
líderes cratenses não aceitarão a mudança de rumos imposta pelo Imperador e deporão o
117
Forças leais à coroa portuguesa queriam manter o Brasil ligado a Portugal e tentaram dividir o território
brasileiro do Norte. A Batalha do Jenipapo ocorreu às margens do riacho de mesmo nome em Campo Maior no
Piauí. Foi uma das batalhas mais sangrentas feitas pela Independência do Brasil, ocorreu no dia 13 de
março de 1823, com grande protagonismo dos Cearenses que comandaram um exército de mais de 2 mil
homens. Consistiu na luta de piauienses, maranhenses e cearenses contra as tropas do Major João José da Cunha
Fidié.
57
118
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V II. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA.
Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 54. E FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora
Armazém da Cultura, 2015. P. 151.
119
FAUSTO, Bóris. História do Brasil. São Paulo. Edusp. 1995.
120
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 156.
58
121
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza. Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 157.
122
Curiosamente, no século XX, um dos mais ilustres membros dos Alencar do Cariri depois de José Martiniano
de Alencar, Miguel Arraes de Alencar é deposto em primeiro de abril de 1964 pelo Golpe que instituiu a ditadura
militar no Brasil, onde o Bispo de Olinda D. Helder Câmara falará pessoalmente com o Presidente Militar
Humberto Castelo Branco (ambos cearenses) em defesa da integridade física dos Arraes. O Governador deposto
ficará 14 anos no exílio na Argélia e parte de seus familiares com D. Violeta Arraes, onde se mantiveram na
França em constante vigília e atenção aos exilados brasileiros na Europa e América Latina, dentre os quais
Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Caetano Veloso, Gilberto Gil dentre tantos. A permanência em Paris só
foi possível em razão de seu esposo Pierre Gervaiseau, francês de nascimento. Em seu retorno à cena política
59
Imperador123. Enviado ao Rio de janeiro onde foi obrigado - para sobreviver - escrever uma
carta a D. Pedro I, em 20.01.1825 na qual nega sua participação na Confederação do Equador
nos seguintes termos: “Beija respeitosamente a imperial mão de V. M. este que é, Senhor, de
V. M. I. desgraçado, fiel e obediente José Martiniano de Alencar.” 124. Devolvido para
julgamento no Ceará foi inocentado de suas acusações. Doravante adotaria a causa da
Monarquia125.
Em 1825 recebe o perdão do Imperador e será nomeado Senador e posteriormente
Presidente da Província do Ceará por duas vezes em 1834 a1837 de 1840-1841.
José Martiniano de Alencar será para a história o mais importante político do Crato
para o Brasil, do Ceará para o Brasil126, mas sem dúvidas Tristão Gonçalves127 e Pereira
Filgueiras foram os mais amados pelos seus contemporâneos. Suas capacidades de executar
sem temor tudo que estava a seu alcance para por os ideais da República e do Cariri
revolucionário falou mais alto. Os nomes de Tristão Gonçalves e Pereira Filgueiras constam
no Panteão dos heróis nacionais do Museu Ipiranga, de São Paulo.
Os demais membros cearenses da Confederação do Equador, a exemplo de Pe. Mororó
foram executados em praça pública, outros degredados.128
Pinto Madeira começa seu reinado de poder e perseguição pelo Cariri. Depois da
derrota dos liberais em 1817 e em 1824, do qual teve atuação direta em favor da Monarquia, é
erigido a Coronel e passa a ser o homem mais forte do interior do Ceará e líder do novo Cariri
Monárquico. A dissidência entre os Alencarinos e Pinto Madeira iniciaria um novo capítulo –
traduzido em guerra civil no Cariri (Crato, Icó, Jardim e Missão Velha) com violência e
sangue129 derramado em enfrentamentos produzidos por Pinto Madeira e seus subordinados
milicianos.
nacional Miguel Arraes era reconhecido das pessoas do sertão de Pernambuco e do Cariri como “Guerreiro do
Povo Brasileiro”.
123
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V II. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA.
Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 78.
124
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 87.
125
Ibid., p., 21/160.
126
“Alencar era, incontestavelmente a maior glória da Província do Ceará”. Notícia da imprensa quando de sua
morte. FIGUEIREDO FILHO, op., cit., p. 22.
127
FIGUEIREDO FILHO, op., cit., p. 62: Tristão Gonçalves “Nunca por um instante sequer esmorecera em seu
idealismo... Suas convicções ficaram mais arraigadas e pode guiar com pulso firme e inteligência realizadora, os
acontecimentos que fizeram a independência no Ceará e também a marcha vencedora sobre Caxias, através dos
ínvios caminhos sertanejos, desde Fortaleza até o Maranhão.... Tristão Gonçalves de Alencar Araripe é dos
maiores vultos da história do Nordeste Brasileiro.”
128
FIGUEIREDO FILHO, op., cit., p. 62.
129
MAGALHÃES, Célia. Nosso Povo Nossa História: Missão Velha. Crato: Ed. Província, 1994. P. 160.
60
Ainda na primeira metade do século XIX, 1844, no Crato nasceu o homem que vai
mudar a história do Cariri no início do século XX: Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço”.
Missionário, político, padre, líder espiritual, santo. Muitas qualidades se atribuem a Padre
Cícero. O seu lugar de nascimento, o clima da época em que cresceu e exerceu sua vida
sacerdotal sem dúvidas moldaram o ser santo de Cícero. O Cariri viveu seu tempo de guerra
colonizadora e coronelesca (1703 – 1817 – 1822 -1824 - 1834 – 1904 – 1913/1914) como
nenhum outro lugar do Ceará e os protagonistas de tanto sangue derramado estavam dentro
das casas de fazendas, matando, liderando índios e escravos, empunhando suas baionetas,
130
FARIAS, Airton de. História do Ceará. Editora Armazém da Cultura. 7ª Edição. Fortaleza. 2015. P. 162.
131
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 109.
61
espingardas e poderio político. Ora, no limiar da República esses senhores serão conhecidos
como Coronéis132. Interferiam nos processo políticos e impunham ao Estado um modo
peculiar de se fazer ouvir: a força. O Nordeste será o nicho dos Coronéis. E o Cariri uma
representação eloquente para o Ceará. Chegando ao absurdo de num raio da mais alta
fraqueza institucional o Governador do Estado do Ceará, Antônio Pinto Nogueira Acióli,
propor e conduziu uma pactuação em que o Estado não era o detentor da gestão da coisa
pública: “O Pacto dos Coronéis” que no Art. 6° está dito: “... nessa hipótese, quando não
puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de suas opiniões, ouve-se o governo, cuja
ordem e decisão serão respeitada e restritamente obedecidas”.133
Participaram do referido pacto os chefes de todo o Cariri, municípios do Crato,
Jardim, Santana do Cariri, Barbalha, Missão Velha e Juazeiro do Norte, representado pelo
Padre Cícero, que foi o presidente da referida reunião. Além dos municípios de Araripe,
Aurora, Milagres e Brejo Santo. Esse preâmbulo é para que não pairem dúvidas sobre as
estratégias de sobrevivência politica e social a que esteve submetido Cícero Romão Batista e
como se sagrou vitorioso neste cenário em que a pobreza, a seca e a alienação eram condições
facilmente manipuladoras do destino politico de uma gente.
A história de Padre Cícero é um entrelace de politica e misticismo. Desde a sua
vocação à santidade que teria um chamado de Deus, melhor dizendo: “Do Sagrado Coração
de Jesus” que o convocou à messe nestes termos: “E você, Pe. Cícero, tome conta deles”134.
Como todo o conhecimento teológico não cabe à ciência ou a filosofia distinguir o certo ou o
errado do saber, mas compreender que se trata de uma verdade revelada. Era 1872135.
Para os romeiros de Padre Cícero e a gente crédula do Cariri, hoje do Brasil, nunca
duvidaram da sua santidade e do caráter sagrado de sua grande obra “Juazeiro do Norte”. Os
votos como sacerdote vieram em 1872 e assumiu vários trabalhos eclesiásticos em cidades
vizinhas a Juazeiro do Norte, àquela data, terras do Crato. Em sua missão reunião grupos de
beatos, degredados e pessoas que o buscavam atrás de salvação e paz espiritual, de trabalho e
132
“Os coronéis já eram conhecidos desde o tempo da regência e do Império, reaparece na república, com muita
força”. MAGALHÃES, Célia. Nosso Povo Nossa História: Missão Velha. Ed. Província. Crato. 1994. P. 145.
133
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 147.
134
Ibid., p. 153.
135
Outros autores divergem sobre o recado divino e seu mandante. FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª
Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 312. O que deixa de ser importante uma vez que o
objetivo final foi alcançado. A permanência de Pe. Cicero em Juazeiro para o destino que conhecemos.
62
negócios; criado nas entranhas da vida politica do Cariri foi um observador atendo para ser o
protagonista que foi na política136 quando encetou a luta para elevação de Juazeiro a cidade.
Controverso em sua atuação foi se tornando o líder politico que Juazeiro e sua gente
precisavam, em razão dessa atuação se aproximou de todos os tipos de lideranças que havia
no sertão do Ceará: coronéis, cangaceiros, clérigos, messiânicos, artistas, negros, índios e
retirantes. Nada escapou à sua atenção.
Em 1911 a luta pela emancipação de Juazeiro do Norte estava consolidada e Pe.
Cícero o 1º Prefeito do lugar. Dali para ser uma das lideranças do Ceará não tardou. Em 1912
foi eleito Vice-Presidente do Ceará137, ampliando sua influência do Ceará para o Brasil.
Um contra-ataque do Bispo Dom Joaquim (Fortaleza) confirmada pela Santa Sé
(Roma) veio urgente suspender Pe. Cícero de sua missão como Padre - em razão do milagre
ocorrido em Juazeiro no ano de 1889, no qual uma beata negra, Maria de Araújo recebe uma
hóstia das mãos de Pe. Cícero, hóstia que se converte em sangue138. Ele é proibido de
ministrar os sacramentos. Será o desfecho mítico para que a história e os devotos do padrinho
o alçassem à categoria de Santo: perseguido pela igreja139 ele se torna o cordeiro oferecido em
oferenda em defesa daquela sociedade de excluídos e marginalizados. As romarias começam a
ocorrer neste período. Juazeiro do Norte efetivamente passa a ser o ponto de atração
econômica e de negócios do Cariri. Padre Cícero se aproxima da ordem dos Salesianos, não
subordinada ao bispado do Ceará, até os dias de hoje o horto, o museu, a antiga casa do Pe.
Cícero é coordenado pelos Salesianos.
A morte de Pe. Cícero140 em 1934, aos 20 de julho141 não fazem diminuir as romarias
e o processo rápido de desenvolvimento de Juazeiro. Passados 82 anos, em 2016, a Igreja de
136
O ingresso de Padre Cícero na politica teria se dado com o impulso do médico Floro Bartolomeu, que
residindo em “Joazeiro” desde 1908 era amigo e defensor do Pe. Cícero.
137
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 312. Pe.
Cícero não assumiu o cargo permaneceu em Juazeiro do Norte. Ibidem.
138
Ibid., p. 313.
139
COSTA, Floro Bartolomeu da. Juazeiro e o Padre Cícero. Depoimento para a História. Fac-símile da edição
de 1923 publicada pela Imprensa Nacional, Rio de janeiro. Coedição Secult/Edições URCA. Fortaleza. Edições
UFC. 2010. P. 107: “Não só pelas localidades sertanejas de Pernambuco por onde passou, a cavalo, como pelas
da Bahia, á margem da estrada de ferro, recebeu demonstrações de elevado apreço, que lhe causaram surpresa”.
Em Maceió as manifestações foram estrondosas. “Esse prestígio sem o menor esforço de sua parte, todo
espontâneo, apesar da perseguição da sua classe. Quando ele tinha ordens e celebrava, em qualquer logar que
fosse, estivessem presentes outros padres ou bispos, conforme posso dar meu testemunho, não somente a egreja
ficava repleta, como toda a rua.” [sic].
140
Lourival Marques, filho de um dos secretários particulares de Padre Cícero apud DELLA CAVA, 2014:
325:“Que espetáculo horroso, esse de milhares de pessoas alucinadas, correndo pelas ruas afora, chorando,
gritando, arrepelando-se...O padre Cícero faleceu.”
141
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V II. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA.
Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 154: No dia 21, 60 mil pessoas acompanharam o Cortejo Fúnebre de Pe.
Cícero.
63
Roma, por seu Papa Francisco emite carta na qual reconcilia a igreja com Padre Cícero e
libera e reconhece o culto à memoria eclesiástica do Padim Ciço.
Muitas histórias, algumas controvertidas, há da passagem de Pe. Cícero no Nordeste
do Brasil, dentre eles ligados a Lampião – o cangaceiro, Caldeirão da Santa Cruz –
movimento de caráter socialista e comunitário que resultou em aldeamento; os preceitos do
Pe. Cícero para o meio ambiente; os rituais de entronizações do Sagrado Coração de Jesus e
todo ano na mesma data a “Renovação” com rezas, cânticos e comes-e-bebes; as orientação
para os negócios142: empresas e indústrias de velas, de lamparinas, de chapéus etc.
A atmosfera de energia gerada pelo mito Padre Cícero constrói dia-a-dia uma
metrópole no interior do Nordeste do Brasil e a crença inabalável e esperançosa na capacidade
de superação da pobreza e da desigualdade social. Sua estratégia de sobrevivência no
momento de maior crise de sua história, após o milagre e a suspensão pela igreja, foi se aliar
ao sistema politico dominante, junto à Oligarquia Acciolyna e Coronéis da região. Até onde
lhe foi conveniente, fortalecido ele auxiliaria o amigo Floro Bartolomeu na sedição de
Juazeiro em 1914, contra o Governo de Franco Rabelo.
Escolheu um lado na luta de classes, o dos dominantes143. Servir aos humildes, ajuda-
los em seus lamentos e aflições, conseguir lhes empregos, dar moradia etc. aumentou enfim, a
subordinação desses ao sistema vigente àquela época. Sua atuação política nem sempre lhe
favoreceu, contudo.
Aliado ao grupo ligado ao poder federal (Marechal Hermes da Fonseca) e ao oligarca
Accioly, Pe. Cícero e Floro Bartolomeu (Deputado Federal) participaram de alianças e
acordos para realizar uma intervenção federal no Ceará para retirar do poder o Presidente
eleito Franco Rabelo por ilegalidade - dos 16 votos da Assembleia Estadual necessários para
tornar legal a eleição, Rabelo havia obtidos apenas 12. Franco Rabelo por sua vez se aliou à
elite de Fortaleza e investiu contra Crato e Juazeiro destituindo os intendentes dessas cidades
(prefeitos). Dentre eles Pe. Cícero.
A conspiração realizada por Floro Bartolomeu no Rio de Janeiro torna-se pública para
Franco Rabelo ao interceptar uma correspondência de Pe. Cícero. Precipita-se uma ação
142
COSTA, Floro Bartolomeu da. Juazeiro e o Padre Cícero. Depoimento para a História. Fac-símile da edição
de 1923 publicada pela Imprensa Nacional, Rio de janeiro. Coedição Secult/Edições URCA. Fortaleza. Edições
UFC. 2010. P. 90: A vida cabocla em “Joazeiro” é cheia de oportunidade de trabalho. A injunção de Padre
Cícero e seus amigos leais como Dr. Floro Bartolomeu criam um ambiente informal, mas promissor de negócio e
oferta de mão-de-obra que não tem precedentes na história do Cariri. Vide relato de Dr. Floro em discurso da
Câmara Federal no Rio de Janeiro em 23.09.1923: “Anualmente, na época da colheita, seguem para os
municípios de Souza, Cajazeiras, S. João do Rio do Peixe, S. José de Piranhas e outros, cerca de cinco mil
pessoas, na maioria mulheres.” Para a coleta de algodão. [sic].
143
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 322.
64
armada do Estado contra o Cariri, por sua vez ainda em 1923 os aliados de Floro Bartolomeu
e do Pe. Cícero antecipando o cenário da batalha afasta o interventor local e se preparam para
o enfrentamento.
Em Crato os aliados de Rabelo se preparam para invadir Juazeiro e “arrancar a cabeça
de Pe. Cícero”. A investida dá errada e o exército de Rabelo sucumbe ao povo de Juazeiro e
de toda a região que veio em salvaguarda do Padrinho Cícero. Outra tentativa em 22 de
janeiro de 1914 contra Juazeiro também fracassou. Refugiados em Barbalha as tropas de
Rabelo será dispensada. As tropas vitoriosas de Floro Bartolomeu começam a saquear as
cidades vizinhas. Depois de um intenso combate em Iguatu contra forças do Governo chegam
à Fortaleza amedrontando toda a cidade, após saques e pilhagens em paradas do trem por todo
o caminho de Iguatu a Fortaleza.
Enfraquecido o governo de Rabelo o projeto de intervenção federal se configurou com
a renúncia dele em 14 de março de 1914144. Com isso o poder politico de Pe. Cícero e Floro
Bartolomeu se agigantam no Nordeste e no plano nacional. Mais uma vez o Cariri reaparece
na historia do Brasil como protagonista.
O Beato Zé Lourenço compõe, também, um capítulo especial da história do Cariri.
Negro ele acompanhado de seguidores remanescentes de índios, negros e romeiros do Padre
Cícero fundam a comunidade do Caldeirão no sopé da Chapada do Araripe, no Crato a partir
de terreno doado por Padre Cícero. O Beato Zé já fora preso e afastado do Sítio Baixa Dantas,
também no Crato, acusado de fanatismo e adoração ao boi mansinho, episódio combatido
pelos líderes políticos locais e dizimado pelo Deputado Floro Bartolomeu, que mandou matar
o animal, que àquelas alturas, tinha dejetos, urina, casco sendo usado para fazer curas e o boi
sendo idolatrado.
Passado o episódio do boi mansinho, vai Zé Lourenço se acomodar na comunidade do
Caldeirão e lá funda uma comunidade alternativa, com base na capacidade de suporte do
ambiente e comunitarismo. Com trabalho, reja e parcerias a comunidade cresce e se torna
mais uma vez motivo de preocupações para as autoridades. O resultado já era de se esperar. O
exemplo de Canudos: em 1936 aos 11 de setembro ocuparam a residência do beato Zé
Lourenço e dos “fanáticos” que o seguiam 150 policiais, que destruíram casas e expulsaram
os caboclos. Ainda mantiveram guarda para que lá não voltassem pelo menos 80 soldados145.
Zé Lourenço e seus seguidores teriam fugido antes da destruição do lugar. Ainda hoje a
144
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. p. 341.
145
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 219.
65
146
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. 2015. Pp 442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. Coimbra. 2015. p. 344.
147
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura. Fortaleza: Editora Instituto do
Ceará, 1965. Pp. 90/91.
148
LIMAVERDE, op., cit., p. 339.
66
datação de Carbono a idade aproximada de 3 mil anos para a presença dos ancestrais do
homem americano no Ceará, no Cariri. O ineditismo da pesquisa realizada junto à
Universidade do Porto, em Portugal confirma e amplia as datas postas por antigos e
importantes trabalhos realizados no Ceará, a exemplo da monografia de Thomaz Pompeu
Sobrinho sobre a pré-história Cearense, publicado em 1955.
A corrente migratória até então descrita do homem americano era imprecisa em torno
de dois ciclos de migração dentre os vários que vieram à América – que resultaram na
ocupação de terras do Brasil. Alguns consensos merecem atenção: todas elas vindos dos
velhos continentes; não havia povo autóctone nas Américas. Das correntes que cá chegaram
os mais antigos “Australóides do Paleolítico” que na leitura de Pompeu Sobrinho teria
chegado ao Nordeste do Brasil entre 20 e 18 mil anos149. T. Pompeu Sobrinho aponta o Cariri
entre os 7 a 4 mil anos150.
A data pode ser diversa, mas na etnia há certos consensos: desta leva primeira que
chegou ao “maçico da Borborema e as serras que dividem as águas do parnaíba, a oeste, das
do São Francisco, rio Açu e Jaguaribe, a leste” após longo período de adaptação os índios da
“família línguo-cultural tarairiu”, descendentes diretos daqueles pioneiros”151. Os resquícios
da presença desta família primitiva no Nordeste puderam ser analisados por estudiosos em
achados no Brasil (Gruta da Canastra) e nos traços étnicos possivelmente dos Láguidos. A
descoberta dos primeiros habitantes do Cariri feita por Rosiane Limaverde eram,
provavelmente, de povos ancestrais dos Tarairiú e não dos Kariri, como supomos
inicialmente.
Em síntese temos duas correntes que estimam presenças indígenas no Cariri em
tempos que avaliamos distintos e de distintas etnias:
149
SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Pré-História Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará. 1955. P. 118.
150
Ibid., p., 119.
151
SOBRINHO, op., cit., p. 119
67
Os Kariri, por sua vez, teriam chegado ao Nordeste na segunda leva migratória dos,
originalmente, “Protomalaios Brasílidos”152; muitos séculos depois da primeira leva dos
Láguidos (Tarairiús). Os Kariri vindos “pelos vales do riacho da Brígida e do pajeú, do norte
do S. Francisco e da Borborema ... quase nada se sabe da somatologia, além de sua estatura
baixa e cabeça curta” 153.
A leva de brasílidos dos quais se originaram os Kariri teria ocorrido na quarta corrente
de povoadores das Américas, aí pelo último século do milênio A.C. o que levou T. Pompeu
Sobrinho a “conjecturar que os brasílidos chegaram à margem do rio S. Francisco acerca de
1,5 milênios da era cristã” e os kariri/Cariri ao Cariri por volta do século IX ou X da era
cristão.
Os Kariri não estavam restritos ao território da Chapada do Araripe, ocupavam
“extenso trato do território nacional, de Itapicuru, no Maranhão, ao Paraguaçu, na Bahia”154.
Eram tribos de sertão, Kariri e Jê155, distantes do litoral onde predominavam os tupis.
A chegada dos Kariri ao sul do Ceará se deu pelo caminho das águas156. A presença
dos índios próximos aos rios foi registrada durante a colonização de Norte a Sul do Brasil nas
chamadas veredas que eram seguidas pelos colonizadores157. No Cariri chegaram vindos do
vale do Jaguaribe e do vale do São Francisco, caçadores e coletores em períodos de estiagem
152
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Pré-História Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará. 1955. p.
81/86: “Os componentes desta corrente migratória chegaram à América em número elevado, já em pleno
Holóceno... por via paramarítima ou mesmo oceânica. Eram braquicéfalos, de baixa estatura e tipo mongoloide,
neolíticos agricultores, ceramistas, tecelões e navegadores.” Sua área de caracterização era “Paleomongolóides
da Ásia Oriental, a interação com as “Velhas populações australóides... teve origem a raça Protomalaia.” “Após
ocuparem a quase totalidade das terras da atual Polinésia e Micronésia, chegaram aos mares da China, do Japão,
das Filipinas... Das costas da China-norte à América... Por mar, às costas asiáticas e os cordões de ilhas, do Japão
ao Kantchatca e desta península pelas Aleutinas, senão também pelo próprio estreito, teriam chegado ao Novo
Continente. [...] Cujas características conformavam: “Compleixão assás robusta, musculatura desenvolvida,
espáduas largas e amplo tórax; mãos e pés grossos e curtos, tronco desenvolvido e membros curtos ” [sic] .
153
Ibid., Pp., 57/121/122.
154
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 13.
155
Ibid., p.,13.
156
A ocupação do território brasileiro pelos indígenas exigiu um longo percurso, se considerarmos a chegada ao
continente pelo estreito de Bering. Seguindo esse raciocínio a caminhada dos Kariris/Cariris foi a mais extensa
no território cearense. Sua chegada “às margens do ramo oriental do Rio São Francisco se deu depois de
perambular dramático pelo Rio Amazonas e seu afluente Tocantins... no percurso foram se mudando em razão
do contato com outras tribos. Das margens do São Francisco teriam migrado para o norte pela Borborema até
alcançar o Rio Salgado, afluente do Jaguaribe, no Ceará”. STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará.
Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 70.
157
POMPEU SOBRINHO, Tomaz. A Grandeza Índia do Ceará. Coedição com a Secult. Org. Floriano
Martins. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 14.
68
Artefatos de pedra lascada e polida, que eram utilizados como armas para caça e
ferramentas utilitárias domésticas, como a mão-de-pilão usada como batedor para
moer... vasilhas decoradas na parte interna com desenhos geométricos coloridos em
preta, branca e vermelha... urnas funenárias, ‘igaçaba’ machadinhas, colares, ossos
160
de animais etc.
Somente o que é muito sério, muito solene e muito profundo na vida de um povo
pode explicar e justificar o incrível trabalho dos primitivos na confecção destas
curiosas criações, debuxos, por vezes, extensíssimos, talhados profundamente na rija
superfície da rocha comumente granítica, de modo a desafiar milenar fluir dos
tempos.
As gravuras e pinturas de Santa Fé ainda não foram estudadas a miúde, sequer sua
datação, sabendo-se através dessas ilações (fontes indiretas) ser o lugar com maior idade de
ocupação indígena do Cariri. Este sítio, até o momento, constitui-se único pela forma e
158
“O Período Quaternário, engloba o Pleistoceno (1,81 Ma 63) e o Holoceno (que inclui somente os últimos 10
mil anos) o que corresponde a menos de ½. 550 da história da Terra.”. LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia
Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio Cultural da Chapada do Araripe. 2015. Pp.
442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra. 2015.
P. 71.
159
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Pré-História Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1955. P. 91.
160
LIMA, Flávia Fernanda. Et. All. Geopark Araripe: Histórias da Terra, do Meio Ambiente e da Cultura..
Crato: Editora URCA, 2012. P. 150. “Também são encontrados cachimbos decorados, demonstrando que o fumo
já era praticado entre os indígenas da região.”
161
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. 2015. Pp. 442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. Coimbra. 2015. P. 341.
162
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. A Grandeza Índia do Ceará. Coedição com a Secult. Org. Floriano
Martins. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 271.
69
Trechos ocupados
pelos Kariri
A conformação tipológica dos índios que habitavam o Ceará e o Cariri, seguindo esta
linha de entendimento, estava dividida em tribos do latin tribu, nome que se dá a um
agrupamento humano unido pela língua, costumes, instituições e tradições e instaladas as
tribos em conjunto de habitações, denominados em tupy-guarani “ocas”; há registro de que
entre os índios do Ceará, os Tapuias habivam “tabas”
163
LIMAVERDE, op., cit., p. 342.
164
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Pré-História Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1955. P. 90.
70
Habitavam cazas xamadas na lingua geral tabas, nas quaes viviam familias inteiras
sem a minima separação para os individuos de um e outro sexo. Eram essas cazas
feitas de estacas _e cobertas e tapadas de folhas de diversas palmeiras, conpondoge
cada aldeia de varias cazas, conforme era a tribu mais ou menos numeroza. Nas
cazas não havia mobilia : n'ellas apenas viam se redes para dormir, e vazos de barro
para conter os licores embriagantes, de que eram apaixonadíssimos. [sic]. 165
Entre os Kariri um ou outro autor denominação também o uso das “choças” habitações
feitas de barro, cobertas de palha ou folhas de palmeira, com os mesmos fins, usos e padrões
descritos antes. Os conjuntos de oca, choças, tabas eram identificados pelos colonizadores
como Aldeias ou Malocas; essa definição do coletivo será levada pelos portugueses no
momento de constituir aldeias, missões ou reduções de índios. As aldeias, missões ou
reduções, formalmente instituídas pelo governo colonial, terão modos e forma diferente
daquelas instituída pelos nativos, estas na sua totalidade organizadas em regime de
cooperativismo e sem a noção de propriedade.
Algumas etnias conservam rituais diferenciados de iniciação dos jovens para o
casamento ou para jovens caçadores os quais iam à caça e à noite os mesmos dançavam e
cantavam até à exaustão. O resultado da caça era distribuído entre os mais velhos enquanto os
jovens ficavam apenas com um “pouco de milho e ou caça”166. No Ceará identificamos,
conforme Quadro 5 a seguir, as tribos, sua localização e língua predominante no território
cearense.
165
ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará, desde os tempos primitivos até
1850. Recife: Typrografia do Jornal do Recife, 1867. P. 24.
166
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 63.
71
Curar o doente com o sopro ou cantigas, ou pintar-lhe a pele com tinta de jenipapo
para que não seja conhecido do diabo;
Espalhar cinza à roda da casa do defunto para que o diabo daí não passe a matar os
outros; ou por cinza no caminho, quando se carrega a pessoa doente para que o
diabo não vá atrás dela;
167
A tipologia descrita para os indígenas do Ceará entre tupis, tapuias e kariris não é consenso na historiografia.
Diverge dela STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo
Instituto do Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 47. Para este autor a divisão entre os nativos do
Ceará seria melhor disposto em: Tupi, Cariri, Tremembé, Tarairiú, Zé (Jé ou Jê).
168
Ibid., p., 71. Dentre os inúmeros autores que contribuíram para essa composição de nações que formaram o
tronco Kariri.
169
A língua tupi, denominada pelos colonizadores como língua geral acabou por influenciar a denominação
toponímica de regiões ou lugares onde a língua falada era o tapuias, ou tapuias-kiriri.
170
POMPEU SOBRINHO, Tomaz. A Grandeza Índia do Ceará. Coedição com a Secult. Org. Floriano
Martins. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 58.
171
O uso da dicotomia tupi e tapuias é bastante criticada, uma vez que os tapuias eram o modo como os tupis
designavam qualquer outra tribo que não fosse tupi. Aqui é utilizado como registro do modo como eram
descritos no período colonial.
172
Lucian Adam, Lourenzo Hervás, Pe. João de Barros, Thomaz Pompeu Sobrinho, estudiosos que defendem a
existência de uma língua Kariri/Kiriri direfenciada do Tupy. Igualmente defendem que os Tapuias não definem
um povo, sendo uma expressão geral. Vide Gramática Kiriri produzidos ainda no século XVII pelo Pe. Luis
Vincêncio Mamiani (jesuíta). POMPEU SOBRINHO, op., cit., p. 195-205. Contribuíram para essa descrição
sobre os dialetos P. Rivet e Louktka In STUDART FILHO, op., cit., p., 70.
173
Há vários povos identificados como Kariri: Caris, Calabaça, Inhamun são os mais conhecidos e referidos na
literatura. Os Tapeba de Caucaia (litoral cearense) e os Kariri de Crateús e São Benedito no Ceará, também
reivindicam serem nações dos Kariri ou deles descentes. Na Bahia há os Kariri-Chocó com denominação
semelhante aos Kariri do Cariri.
174
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Pré-História Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará. 1955. p. 91.
72
Banhar a criança com aluá para que quando ela for adulta seja bom caçador e bom
175
lutador.
175
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 61.
176
RIBEIRO, Darcy. Falando dos Índios. Coleção Darcy no Bolso. Editora UNB: Brasília. 2010. P. 50.
177
STUDART FILHO, op., cit., p. 32-33.
73
A ocupação das terras do Cariri começa na atual cidade de Missão Velha são a porta
de entrada dos colonizadores portugueses e seus serviçais índios ou negros, ou mesmo
mestiços, ao território do Cariri. Seus primeiros contatos e enfrentamentos com os nativos
Kariris se darão nas proximidades da Cachoeira, seguindo “ao arrepio das águas”. Doravante
cantada pelos poetas e artistas do lugar, que, hoje, se orgulham de sua origem indígena:
178
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. P. 24/25.
179
Ibid., p., 13.
74
“Missão Velha, Sei que tu és bela, Resolvi falar de ti, Tão pequena e bonita, Parece uma cana
fita, Na porta do Cariri”.180 Irineu Pinheiro181 defenderá que outro caminho simultâneo pode
ter sido utilizado pelos colonizadores para chegar ao Cariri, “através do chapadão do
Araripe”, seguindo aquilo que foi descrito por Thomaz Pompeu Sobrinho como estradas da
ribeira, ou seja, as “veredas dos ameríncolas, sempre abertas ao lado dos rios... só havia água
nos poços e nas pequenas cacimbas que os indígenas abriam com as próprias mãos, no leito
arenoso dos rios e ribeirões”.182 Na Figura 17, a seguir, o mapa do Ceará com destaque para
as principais cidades e o rio Jaguaribe um dos caminhos de ocupação do território pelos
colonizadores.
Figura 17 - Mapa Rodoviário do Ceará
180
Música Cana Fita, de autoria dos artistas Morais e Cicéu (de saudosa memória).
181
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 23.
182
POMPEU SOBRINHO, Tomaz. A Grandeza Índia do Ceará. Coedição com a Secult. Org. Floriano
Martins. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 15.
75
A data específica e registro definido da chegada dos indígenas não estão na literatura.
“Pouco se sabe sobre o seu modo de vida, costumes e crenças, pois não desenvolveram
nenhuma escrita e foram minimamente descritos ao longo da história.”183. No relato dos
colonizadores no “médio São Francisco” quando aqui chegaram puderam (através dos
cronistas), descrever a existência de algumas tribos em especial: Tapuia, Cariri e Tupinaé,
observa Jacionara Coelho184, que “se não foram bem identificados nos primeiros momentos da
colonização, mais difícil seria fazê-lo tempos depois, quando esses grupos já haviam sido
registrados com denominações tribais muitas vezes substituídas.”. Não podemos esquecer que
como a colonização se dá primeiro no litoral, ocupado por Tupis, o modo de designar os
povos do sertão já trazia consigo um estigma do “outro”, do opositor, que na linguagem tupi
se denominava por “tapuia”.
A chegada de colonizadores, entretanto, está datada entre 1660 a 1680 “povoado por
aventureiros bahianos partidos do Rio S. Francisco”185[sic].
“Uma tribu (sic) selvagem, os Cariris, vivendo da caça e de fructos (sic) silvestres,
desde uma época, que não é possível assignalar.”186 Cariris187 - que ocupa uma faixa de terras
bem mais ampla do que o Cariri cearense, Cariré, Kiriri e até Alarve188. Kiriri-Sabuja189 eram
denominações que se encontram em documentos denominando os índios da região do Cariri.
Ou ainda podendo ser identificados como “Ariús, Cariri, Cariús, Cariuanes, Caratius
(Crateús), Curemas, Isus e Inhamuns”190, ou membros de um mesmo tronco ou família
linguística, como os Cariú e Calabaça191. Capistrano de Abreu incluirá os Cariri, entre os oito
grupos/ramos indígenas do Brasil, sendo os demais: Tupi Guarani, Guaicuru, Nuaruaque,
183
LIMA, Flávia Fernanda. Et. All. Geopark Araripe: Histórias da Terra, do Meio Ambiente e da Cultura.
Crato: Editora URCA, 2012. P. 91.
184
SILVA, Jacionara Coelho. Arqueologia no Médio São Francisco: Indígenas, Vaqueiros e Missionários.
Tese de Doutorado em História. 2003. Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2003. P. 160.
185
BRÍGIDO. João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco
de 1861 – fac similar. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. P. 7. In verbis: “Sabe-se que um negro,
escravo da casa Torre, residente em uma fazenda de crear, na margem do S. Francisco, pertencente então a
aquella casa, em edade tenra, cahindo em poder dos Cariris, em uma das suas excursões, fora trazido para aqui,
onde os recursos de sua inteligência lhe ganharam a afeição d’esses selvagens, sobre quem tinha o ascendente
dos hábitos contrahidos no commercio dos brancos, e levava vantagem no conhecimento de algumas das artes
mais necessárias á vida. Foi este escravo, que ensinou aos portugueses o caminho do Cariri, e quem para aqui os
conduziu por entre as hordas ferozes, as selvas impenetráveis, e os inumeráveis pântanos e ribeiros.” [sic]
186
Ibidem. p. 4-5.
187
ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará: desde os tempos primitivos até
1850. Recife: Typrografia do Jornal do Recife. 1867. P. 15.
188
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.4.
Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 11.
189
Ibid., p., 6.
190
FIGUEIREDO FILHO, op., cit.,p. 6.
191
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V III. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.6.
Fac-símile da Edição de 1966. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. p. 106.
76
Gês192 ou Tapuia, Caraíba, Pano e Betoia.193 Por sua vez, Thomaz Pompeu Sobrinho194 supõe
que dada a afinidade da língua falada dos Kariri com os demais grupos linguísticos da
América do Sul, terem sido os Kariri resultante de uma miscigenação entre Jê e Tupi.
Quem foram e quem são os índios Kariri/Cariri? Não há fonte primária para responder
esta questão, os inscritos rupestres e o acervo lítico, talvez. As informações sobre diversidade
indígena no Ceará anterior aos colonizadores, como referido antes, ainda é insuficiente para
traçar um perfil claro dos povos do Cariri naquele período.
Somente a partir da colonização que os registros são realizados, distinguindo-se e
dividindo-se segundo a língua que praticavam, em cinco unidades195 1) os Tupi, 2)
Tremembé; 3) Cariri; 4) Tarairiú; 5) Jê/Gê, restando ainda aqueles grupos não identificados
com os grupos anteriores. Na descrição de José de Figueiredo Filho os Cariri integram o
grupo que falavam a língua Kariri, Kipéa/Quipea196, para outros a língua falada pelos Kariri já
seria um dialeto misturado das várias línguas, considerando alguns topônimos do lugar.
A narração dos cronistas portugueses que vieram nos primeiros anos da colonização
descrevem apenas dois tipos de índios, os Tupi (litoral) e os Tapuia (sertões). Os primeiros
contatos foram no litoral. O modo de tratar na linguagem tupi os “outros” índios, povos
indígenas, dentre eles inimigos dos tupis era tapuia (dentre os quais se inclui os Kariris), daí o
nome tapuia197 ter se popularizado como uma tipologia descritiva de um povo, sem o ser.
Senão vejamos a descrição de Frei Vicente de Salvador198:
O que de presente vemos é que todos são de cor castanha e sem barba, e só se
distinguem em serem uns mais bárbaros que outros (posto que todos o são assaz). Os
mais bárbaros se chama in genere Tapuias, dos quais há muitas castas de diversos
nomes, diversas línguas, e inimigos uns dos outros.
192
Alguns autores utilizam com “G” outros com “J”. Mantemos as referências conforme indica cada autor.
193
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V III. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.6.
Fac-símile da Edição de 1966. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. p. 106.
194
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC. 2010. P. 14.
195
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 67.
196
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.4.
Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 7.
197
Não há consenso entre os estudiosos do século XIX sobre a divisão binária tupis e tapuias. Concorda-se,
contudo que a designação tapuia é destinada a identificação daqueles que falam língua diferente do tupi e destes
são desafetos. Igualmente ocorreu a generalização de tipos como Botocudos, em Minas Gerais. a exemplo de
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1978. P. 37.
198
SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil (1500-1627). Editores Weiszflog Irmãos. 1918. Prefácio
Marcos Venicio Ribeiro. Fundação Darcy Ribeiro. Brasília:Editora da UNB, 2014. Edição Digital (PDF). P. 75.
77
199
O holandês Elias Herckman , apresentam algo novo que não vemos em literatura
comum, o nome dos lideres dos Kariri, da Paraíba. Não chegaram a ser considerados para os
Kariri do Cariri. Quadro 6, a seguir:
Nação Rei/Soberano200
Carirys Kerioukeiou
Caririwasys Kurupoto
Cariryjouws201 Janduin
Tarairyou Caracará
A classificação entre tupis e tapuias foi aos poucos cedendo lugar ao entendimento,
acertado, de que cada tribo tem com justiça um lugar na história descritiva dos povos. Os
tapuias, generalização de tudo quanto não era tupi, passam a mostrar seus nomes verdadeiros.
Os estudiosos (d’Orbigny, von Martius, Schervin, G. Rauma, Carlso von denSteinen, Paulo
Ehrenreich e os brasileiros Couto Magalhaes, Batista Caetano)202 que pautaram essa questão
estiveram no Brasil, conviveram com tribos desde a Bahia, Amazônia, São Paulo, Minas
Gerais e outros, menos no Ceará. Os Kariri, descritos inicialmente entre os Jé, Guck, Côco,
Nuaruaque ou Maipure, somente em 1904, após estudos conclusivos de Paulo Ehrenreich203
aparecem na descrição e taxonomia acadêmica como um dos grupos principais dos nativos
brasileiros: Cariri ou Quiriri. Doravante, os estudos vão se consolidando no sentido de
decantar os vários Kariri do Brasil.
Em geral os missionários descrevem as primeiras linhas sobre o Brasil, falam de um
perfil social204da liderança dos índios, sem fazer-lhes distinção entre tupi ou tapuia. No qual
199
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 35.
200
HERCKMAN, Elias. Os Costumes Tapuyas. Cronicas do Instituto de Utrech. 1639. Tradução de José Higino
para a Revista do Instituto de Archeologia e Geografia de Pernambuco. Recife. 1886. In POMPEU SOBRINHO,
Thomaz. Os Tapuias do Nordeste. Fortaleza: Revista do Instituto do Ceará, 1934. P. 15.
201
Ibid., p; 15. O autor holandês supõe de suas observações que os Cariryjous estariam divididos uma parte da
nação teria essa denominação e um Rei, a outra se chamaria Tarairyou e o Rei seria outro.
202
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1978. P. 38-43.
203
Ibid., p., 40.
204
SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil (1500-1627). Editores Weiszflog Irmãos. 1918. Prefácio
Marcos Venicio Ribeiro. Fundação Darcy Ribeiro. Brasília:Editora da UNB, 2014. Edição Digital (PDF). P. 76.
78
descreve uma cultura em que o líder da tribo ou família não exerce poder hierárquico, mas
organiza os combates enquanto elemento forte do grupo.
Os Kariri não eram senhores absolutos das terras hoje compreendidas como Cariri.
Nas áreas em que foram identificados habitavam também tribos Gê, Tupi, Fulniê, Tarairiú,
Calabaça, Curianê, Quixereú, Icosinho, exatamente por falarem dialetos diferentes, se
considerarmos as nações e povos conforme grupos linguísticos diversos. Há autores que
preferem incluir esses povos como variação da mesma nação Kariri, dentre os quais incluem:
Tremembé, Pacajú, Icó, Cariri, Cariú, Jucá, Genipapo, Jandiú, Sucuru, Garanhun, Chocó,
Vouvê, Fulnniê, Acena, Romarí.205
A área em que habita estava dispersa entre os rios São Francisco – BA e Parnaíba – PI,
e do oeste do Pernambuco às quebradas orientais da Borborema206 na Paraíba207. Em geral em
áreas não muito extensas, com água abundante e ambiente com temperatura amena e
vegetação abundante. Os ancestrais silvícolas daqueles filhos das cidades do Cariri, como
Crato - antiga Missão do Miranda, “eram chamados por outras raças de Carirí, termo que
significa calado”208.
Observando a matriz da língua praticada pelos Kariris, o tapuias-kiriri, temos outra
suposição para o nome e o sentido etimológico para os nativos do Cariri. Sua denominação
não seria calado, mas teria relação com o nome do lugar Cariri, que em tupy significa “y
(água) + quí (aqui) + rirí (mana, flui) = água flui aqui. De yquirirí – na dicção própria das
mulheres Ikiriri. Na dicção própria dos homens y + ca + riri = Icariri”209 para se chegar com o
uso e o tempo às expressões comuns Kariri e Cariri. Enquanto Cariré significa peixe diferente:
Carí (peixe) + ré (diferente). Então não teriam sido os índios Kariri a dar nome à região, mas
o nome da região denominar os habitantes do lugar. Em geral os nomes compostos em tupi se
aplicava à terra e não às pessoas, mas não são raros, conclui Thomaz Pompeu Sobrinho, as
“tribos tomarem o nome da terra que habitavam”.
205
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 35.
206
Ibid., p., 58. O autor transcreve relatos do Jesuíta Fernão Cadim sobre a presença de Cariris no sertão da
Bahia, que “chamam Cariris, têm língua diferente”..
207
Na Paraíba há uma região também denominada Cariri, com características bem diferentes em termos
climáticos (caatinga) do Cariri do Ceará. O Cariri da Paraíba mais antigo do que o cearense, razão pela qual se
denominou incialmente Cariris Novos à região do Ceará.
208
PINHEIRO, Irineu. FIGUEIREDO FILHO, J. de. Cidade do Crato. Fac-símile da edição de 1955. Coleção
Nossa Cultura, n. 1, Série memória, n.3. Edições URCA. Fortaleza: Editora da UFC. 2010. P. 84. Somam-se a
estes autores: Batista Caetano e Theodoro Sampaio. Diverge apresentando outra hipótese: Thomaz Pompeu
Sobrinho, que aponta “água flui aqui (yquirirí), ou Oh! A água jorra (ycariri) em língua tupi”.
209
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. A Grandeza Índia do Ceará. Coedição com a Secult. Org. Floriano
Martins. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 64-66.
79
Quanto ao modo de vida e cultura podemos dizer que os Kariri, “ocupavam-se da caça
e plantavam”210. Havia lugar para o trabalho em colaboração do homem e da mulher, e as
atividades de caça e outros afazeres eram ensinados de pai para filho211:
generalização das tribos não tupi, foram estigmatizados por alguns missionários e/ou
colonizadores como “tapuia manso” ou “tapuia brabo”, daí serem estes os protagonistas das
ações que resultaram na “Guerra dos Bárbaros”. Seus hábitos218 de guerra também são
diversos dos tupis:
a) respeito aos asilos nas caiçaras ou pessoas em suas residências219;
b) reconhecimento de marcos representados pela cruz.
Os utensílios domésticos, alguns ainda presentes na cultura do Nordeste teriam sido
legado da cultura indígenas, no Cariri, especificamente:
a) Pilão de socar;
b) A urupemba; abano; esteira de palhas de palmeira;
Na culinária:
c) O trato com a mandioca220 e o feijão221, o preparo da farinha (acompanhamento
extremamente popular em todo Ceará) e seus usos;
d) Uso do milho na alimentação222;
e) O uso e aproveitamento do Pequi, dentre outros223.
Na sua crença os Kariri/Cariri obedeciam aos “bisamos”, que seriam os pajés. Para os
missionários “feiticeiros”224
Depois dos enfrentamentos com os colonizadores, foram aldeados225 em Missão
Velha, Crato e depois de expulsos, em Parangaba (Arronches), Caucaia, onde se integrando a
outros índios formam os Tapebas.
A chegada dos colonizadores e suas boiadas, em períodos de maior estiagem,
deixaram o vale do Cariri sem a vegetação de florestas e, consequentemente, sem os olhos
d’água, os índios foram sendo expulsos também por esse fato.
218
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1978. P. 23.
219
A mudança desse hábito cultural ancestral se dá pela atuação dos fazendeiros definindo aquilo que o autor
chama de “traição guerreira”. SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Editora Cátedra. Rio de Janeiro.
1978. P. 40.
220
Iibd., p., 49: Esse relato, aliás, é da época da chegada dos portugueses ao Brasil. Referido por Pe. Manuel da
Nóbrega em 1549.
221
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 62.
222
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri volume I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.4. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 8.
223
Ibid., p., 20.
224
SIQUEIRA, op., cit., p. 38.
225
“Aldeia é uma unidade social e religiosa”. ARRUTI, José Maurício P. A. A Produção da Alteridade: o toré
e as conversões missionárias e indígenas. VII Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais. A Questão Social
no Novo Milênio. Coimbra, 2004. p. 7. Disponível em:
<http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel47/JoseArruti.pdf>. Acesso em: 18 Jul.2017.
81
226
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1978 P.7.
227
PINHEIRO, F. José. Formação Social do Ceará (1680-1820). O Papel do Estado no Processo de
Subordinação da População Livre e Pobre. 2006. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História da UFPE. Recife. 2006. P. 9.
228
MAIA, Lígio de Oliveira. Índios a Serviço D’El Rei: Manutenção da Posse das Terras Indígenas durante o
Avanço da Empresa Pastoril na Capitania do Ceará (C.1680-1720). In PALITOT, Estêvão Martins (org). Na
Mata do Sabiá: Contribuições sobre a presença indígena no Caerá. Secult/Museu do Ceará. Fortaleza: Imopec,
2009. P. 68.
229
MAGALHÃES, Célia. Nosso Povo Nossa História: Missão Velha. Crato: Ed. Província, 1994. P. 165-166.
Transcrição da Lei Municipal nº 34 de 1967, Art. 1º.
82
atividades realizadas pelos índios com os europeus foram essenciais no início da jornada da
colonização e se diferenciavam em qualidade, diversidade e “péssimas remunerações” 230, com
destaque para o corte e transporte do pau-Brasil e atuação dos índios como intermediários
“diplomáticos” para enfrentar ou acalmar as tribos embrenhadas nas matas do Brasil, nas
caatingas do Nordeste e do Ceará. Dentre as atividades destacadas merece atenção esta que,
indiretamente, nos ajudam a consolidar o entendimento da ocupação do território do Cariri ter
se dado com ajuda de Medrado (um negro raptado da casa da Torre por índios Kariris, tendo
com eles vivido por um tempo). Ex vi comentário de Thomaz Pompeu Sobrinho acerca da
importância dessa amizade europeu/índio “A penetração pela hinterland não se fazia sem a
experiência231, os conselhos, as informações e a guarda dos índios amigos”.232
Durante o período da instalação dos aldeamentos e vilas Portugal emitiu ordens
expressas para impedir os índios de saírem das aldeias, e com isso submetê-los ao trabalho
forçado. No Cariri, particularmente em Crato (Missão do Miranda), não foi diferente. Os
índios tiveram que trabalhar por um pagamento de 4$800 (réis) anual para índios entre 15 até
60 anos. “Houve muitos abusos. Alguns índios foram reduzidos à escravidão pela avareza dos
locatários”233. Durante todo o período da colonização a mão-de-obra indígena fora utilizada
para o trabalho de ajuda aos “brancos” seja no trato com os índios indóceis ou em combate de
enfrentamento de outros estrangeiros holandeses e franceses. E até contra os próprios
portugueses, em algumas regiões do Ceará. Nas campanhas vitoriosas e nas derrotas dos
caririenses Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves não faltaram índios em suas milícias e
exércitos; nas sangrentas brigas entre famílias no Cariri também lá estiveram os índios em
defesa dos seus colonizadores. Os indígenas, entretanto, não se enquadravam nessa massiva
de ser trabalhador sob a lógica do capitalismo nascente. Não raro fugiam para a floresta para
seu habitat natural. Para os portugueses, sob a lógica de Marques de Pombal, “Civilizar era
submeter às leis e obrigar ao trabalho”234 os índios.
A descrição do modo de atuar destes é destacada pelo Lord Cochrane, a quem o
Imperador concedeu o encargo de vir ao Ceará conter a revolução de 1824, ao ter com os
índios e/ou seus subordinados nas batalhas observou que os mesmos combinavam em sua
230
POMPEU SOBRINHO, Tomaz. A Grandeza Índia do Ceará. Coedição com a Secult. Org. Floriano
Martins. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 23.
231
No trato com a seca, os índios que margeavam os rios sabiam fazer barragens naturais rudimentares para
guardar água e para caçar os animais que bebiam dessas águas.
232
POMPEU SOBRINHO, op., cit., p. 24.
233
MAGALHÃES, Célia. Nosso Povo Nossa História: Missão Velha. Crato: Ed. Província, 1994. P. 27.
234
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. P. 74.
83
estatura física “robustez corporal superior com atividade, energia, docilidade235 e força de
aturar que nunca falhava – formando, com efeito, os melhores padrões da raça, que vira na
América Latina.”236
O pastoreio veio a ser uma atividade realizada por alguns indígenas, vindo estes a
requerem até sesmarias dos colonizadores, pagar impostos etc. Está claro que o trabalho dos
nativos era por si diferente, na lógica do colonizador a mão-de-obra indígena era inferior, por
exemplo, a dos africanos angolanos, numa proporção de 3 para 1237.
A convivência com os colonizadores no Crato será de dominação e submissão dos
índios: “Ahi, os índios, homens e mulheres, trabalhavam por tarefa, debaixo da voz de um
feitor índio, e de um diretor branco.” Brígido (1861/2007: 26).238 Esta descrição da vida dos
índios nas vilas foi radicalmente piorada em razão dos enfrentamentos decorrente da Guerra
dos Bárbaros, entre indígenas e colonizadores, da qual, claro, foram perdedores os índios. O
aldeamento funcionou como ambiente de reclusão, como se estivessem cumprindo pena. Era
ainda o ambiente institucional para despatrimonializar os índios de suas terras. Segundo a
legislação a terra era para ser cultivada e nem sempre os índios assim o faziam e era mais um
dos motivos criados para que colonos reivindicassem à coroa a propriedade dessas terras nos
aldeamentos. Nos aldeamentos indígenas, sob o império dos diretórios dos índios, realizava-se
registros dos habitantes das aldeias, índios ou não, e a designação do contrato de enfiteuse
para os não índios, ou seja, de aforamento com pagamento anual do foro. Os índios em suas
terras – quando produtivas, ficariam com a posse e usufruto desta (em tese239), sem o
pagamento de foro240. Essa política de partilha e gestão da terra dos índios aldeados ou não,
permaneceu como modelo mesmo com o fim dos diretórios241. E mesmo depois da aprovação
235
Esta referência à docilidade não condiz com o espírito para o qual esses indígenas estavam enfrentando o
Lord Cochrane. Mas a escrita é dele e daqui saiu vencedor pode contar o que bem lhe aproveitou.
236
Relatório do inglês Lord Cochrane. Descrito por Eusébio de Souza. História Militar do Ceará, apud.
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri volume I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.4.
Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 10.
237
PINHEIRO, Francisco José. Notas sobre a formação social do Ceará (1680-1820). Fortaleza: Fundação
Ana Lima, 2008, apud Farias. P. 78.
238
BRÍGICO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco,
de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Reedição Fac-símile. Fortaleza: Expressão Gráfic e Editora Ltda,
2007. P. 26.
239
“Os índios tiveram diversas dificuldades para terem seus direitos fundiários atendidos na província do Ceará...
de 1850 até meados da década de 1870.” VALLE, Carlos Guilherme Octaviano. Aldeamentos Indígenas no
Ceará no Século XX: Revendo Argumentos Históricos sobre Desaparecimento Étnico. In PALITOT, Estêvão
Martins (org). Na Mata do Sabiá: Contribuições sobre a presença indígena no Caerá. Secult/Museu do Ceará.
Fortaleza: Imopec, 2009. P. 135.
240
Ibidem. P. 136.
241
VALLE, Carlos Guilherme Octaviano. Aldeamentos Indígenas no Ceará no Século XX: Revendo
Argumentos Históricos sobre Desaparecimento Étnico. In PALITOT, Estêvão Martins (org). Na Mata do Sabiá:
Contribuições sobre a presença indígena no Caerá. Secult/Museu do Ceará. Fortaleza: Imopec, 2009. P. 110.
84
da lei de terras de 1850. Cuja denominação jurídica terras “próprias nacionais” decorrentes
das terras sem uso e sem dono242 dos aldeamentos. A dúvida de natureza jurídica era se a esta
terminologia se entenderia com o “devolutas”, claro que eram. Mas a questão de fundo era
definir-se juridicamente o reconhecimento da existência de índios ou seu desaparecimento
entre os nacionais.
Durante os aldeamentos os nativos eram submetidos a trabalhos compulsórios
requisitados e prestados aos fazendeiros ou autoridades coloniais ou como força militar, cujo
principal exemplo no Ceará o aldeamento da Ibiapaba.243
O processo de aldeamento e de vila já havia à estas alturas imposto aos índios
trabalhos em atividades como pecuária, agricultura, obras públicas, serviços domésticos, além
da tecelagem que servia dentre outras coisas paras as mulheres cobrirem suas “vergonhas” 244.
O uso da mão-de-obra indígena pelos colonizadores era, ainda, um dos elementos de
desconstrução da cultura, do meio social e das atividades produtivas dos nativos, cuja
consequência imediata será a implantação das atividades econômicas do colonizador, do
capitalismo mercantil. Igualmente, a extinção formal dos índios, e a criação de uma sociedade
brasileira mestiça, liberava espaço (para que o gado pudesse pastar livremente245). Como vem
assevera Estêvão Martins, “e mão-de-obra para a ação modernizante promovida pelos grupos
econômicos mais privilegiados”246.
242
Dói pensar que um povo, vários povos, foram destituídos de sua terra, cultura e tradições e tem que enfrentar
esse debate sobre que é dono do que, quando tudo fora deles, os primeiros!
243
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 85.
244
Ibidem. P. 89.
245
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1978. P. 39.
246
PALITOT, Estêvão Martins (org). Na Mata do Sabiá: Contribuições sobre a presença indígena no Caerá.
Secult/Museu do Ceará. Fortaleza: Imopec, 2009. P. 22.
85
preconceito pelo estilo de vida e cultura dos índios, designados como “vadios, ociosos”247
pelos colonizadores. Razão pela qual a guerra dos Bárbaros será uma só na lógica régia 248. As
forças mobilizadas para aplacar as revoltas foram inacreditáveis, para a época: entre 1651 e
1678 (Recôncavo Baiano), foram mobilizadas 14 expedições (cada uma delas com centenas
de soldados, índios, mamelucos, milícias etc); uma das expedições (1676) coordenada pelo
Cap. Francisco Dias D’Ávila (Casa da Torre) contou com frecheiros-aldeados da tribo Cariri.
No Açu (Rio Grande do Norte) e vizinhança, entre 1687 a 1720 foram mobilizadas 27
expedições. Uma das quais para enfrentar os Cariri (Icó, Cariri, Cariú, Cratiú) no Rio
Jaguaribe em 1708. Já próximo do desfecho da “guerra do Açu” em 1720, outra expedição
liderada pelo Cap. Bernardo Coelho de Andrade do Ceará seria enviada para conter os
Tapuias249.
No Ceará a rebelião de 1713, que perdurou até 1715, iniciára com a invasão e
pilhagem em Aquiraz, com mortos das pessoas do lugar (200) e expulsão dos sobreviventos
em Fortaleza. O contra-ataque será eficiente, liderado pelo Coronel de Icó, João Barros Brago
e seus capangas, vencido enfrentamento em Choró após um dia intenso de guerra, mortos
muitos dos “bárbaros” e presos outros tantos (400). Os revoltosos não desistiram e pequenos
eventos continuou a ocorrer, com Tapuias de Banabuiú novamente em Aquiraz, em Acaraú
com lideranças que se juntaram a simpatizantes Tupinambá, Tremembé. O desfecho se deu na
Ibiapaba em 1715, quando assaltaram o Aldeamento dos Tupinambás, furtando suas armas...
as forças do Estado, apoiados pelos índios aldeados tupis, submeterá após intensos combates
com mortes dos tapuias, a submissão destes e alocação em aldeamentos dos remanescentes250.
A revolta porém, já tinha tomado proporções maiores do que a Corôa poderia esperar.
Este e outros episódios tiveram o protagonismo dos Cariri, um em particular teria se
destacado: Mandu Ladino, um índio com experiências na vida da colônia, condutor de boiadas
que por conhecer o trato dos colonos contra eles se rebelou ao lado de índios de todo o Ceará,
rio Grande do Norte, Piauí, Paraíba e Pernambuco. Durou aproximadamente 50 anos e foi o
principal enfrentamento entre nativos e colonizadores registrado no Nordeste. Em 1715
registra-se um dos maiores enfrentamentos em que liderados por Manu Ladino índios
bárbaros (Tapuia) atacam sedes das fazendas de colonizadores entre o Ceará até o
247
SOARES, Mª Simone. MOURA FILHA, Mª Berthilde de Barros. O Ordenamento dos Rebeldes: A
Formação das Primeiras Vilas no Sertão de Piranhas e Piancó da capitania da Parahyba na Segunda Metade do
Século XVIII. In. Anais do XVI Enanpur. Belo Horizonte. 2015. P. 4.
248
SILVA, kalina Vanderlei Paiva. Nas Solidões Vastas e Assustadoras. Os Pobres do Açúcar e a Conquista do
Sertão de Pernambuco nos Séculos XVII e XVIII. 2003. Tese de Doutorado em História. UFPE. Recife. 2003. P.
255.
249
Ibid., Pp., 258/263/264.
250
STUDART FILHO, Carlos. A Rebelião de 1713. Fortaleza: Instituto do Ceará, 1963. p. 10, 14, 15.
86
251
SILVA, Jacionara Coelho. Arqueologia no Médio São Francisco. Indígenas, Vaqueiros e Missionários.
2003. Tese de Doutorado em História. Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2003. P. 154.
252
Ibid., p., 154.
253
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 74.
254
Ibid., p. 75.
87
A descrição dos autores supracitados dão conta de uma espoliação infinda das terras
dos Cariri. Os nativos tiveram sua religião alçada de seu peito por uma cultura cristã-católica
255
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. p. 150.
256
PINHEIRO, Irineu. FIGUEIREDO FILHO, J. de. Cidade do Crato. Fac-símile da edição de 1955. Coleção
Nossa Cultura, n. 1, Série memória, n.3). Edições URCA. Fortaleza: Editora daUFC. 2010. P. 30.
257
STUDART FILHO, op., cit., 157.
258
PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Fac-símile da edição de 1950. Coleção Nossa Cultura, n. 1, Série memória,
n.1). Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 09.
88
e mais adiante convidada a se retirarem, à força, pela cultura eurocêntrica colonizadora. Que
encontra no relato de Irineu Pinheiro (2010: 14) 259 assentimento:
[...] ate certo limite, se pode justificar o modo de agir naquela época. Ou
dominariam (os colonos) nosso aborígene e o obrigariam a trabalhar á força, ou
fracassariam todos os seus esforços na nova terra.
... Reverendo Padre Frei Carlos Maria de Ferrara, como procurador e Missionário do
dito Gentio foi dito que ele aceitava a dita escritura na forma que nela se declara, e
se obrigava nas pessoas dos ditos Gentios em tempo algum não inovar coisa alguma,
nem neles haver arrependimento por serem muito contentes e amigável composição.
259
PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Fac-símile da edição de 1950. Coleção Nossa Cultura, n. 1, Série memória,
n.1). Fortaleza: Edições UFC, 2010. p. 14.
260
BRÍGIDO. João. Apontamentos para a História do Cariri. Reimpressão fac-similar da ed. 1861. Fortaleza: Ed.
Expressão Gráfica, 2007. p. 27.
261
Ibid., p., 27.
262
“Frei Carlos Maria de Ferrara que recebeu terras doadas aos índios do Crato e delas tomou posse em favor
dos mesmos”. PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela
Imprensa Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições
URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 27.
263
MACÊDO, Heitor Feitosa. Sertões do Nordeste I. Inhamuns e Cariris Novos. Crato: A província Edições,
2015. P. 264-265.
89
ato é tratado pela historiografia como “injusta” e “espoliação”. Tal ato seria nulo de pleno
direito se observados os princípios constitucionais e processuais que rezam a espécie hoje.
Os capuchinhos de Pernambuco, Olinda, já não estavam na condução da Missão do
Miranda quando da expulsão dos índios.
Não havendo mais índios nativos entendia os colonizadores que não haveria mais
nenhuma responsabilidade para atuação do Estado Português/Colonial com essas pessoas,
igualmente as terras poderiam ser designadas como devolutas e entregue como sesmarias para
os colonos portugueses ou mamelucos do lugar. Esta prática seria amplamente empregada
quando em 1850 a Monarquia criou a Lei de Terras, assim determinando: terra de índio é dos
índios, terras desocupadas são devolutas, “constituindo a propriedade um título originário”264.
Posteriormente á lei de Terras os Governadores das Províncias, dentre as quais o
265
Ceará, apressou-se em informar da inexistência de “índios aldeados e bravios locais” no
Ceará. Em 1863.
O destino dos índios aldeados expulsos foi se dirigir a aldeamentos no litoral de
Fortaleza, como em Caucaia e na periferia Arronches (Parangaba). “Muitos dos indígenas
roubados de suas terras... preferiram embrenhar-se pela serra do Araripe, ao deus dará”.266.
No Cariri sua extinção foi dada e anunciada. Ainda em 1947, quando da publicação de
artigo na Revista do Instituto do Ceará, Thomaz Pompeu Sobrinho267 assevera que os Cariri,
índios nordestinos, estão completamente extintos e quando de seu aldeamento pelos
eclesiásticos apressaram o processo de aculturamento dos remanescentes.
Em 1955268 ainda havia presença dos Kariris em Alagoas (173 no Município de Porto
Real – AL) e sertões da Bahia (975 em Mirandela – Ribeira do Pombal).
O esforço para recompor o mosaico da várias nações de nativos do Ceará não é tarefa
fácil, já o dissemos. Identificar as missões, vilas e aldeamentos indígenas no Ceará e no Cariri
durante a colonização é possível dado os registros e informações trazidas pelos colonizadores
264
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 79.
265
Ibid., p. 80.
266
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri volume I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.4. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 39.
267
POMPEU SOBRINHO, Tomaz. A Grandeza Índia do Ceará. Coedição com a Secult. Org. Floriano
Martins. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 191/192.
268
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Editora Instituto do Ceará. Fortaleza. 1965. p. 71.
90
e clérigos que habitaram o território neste período. Juntando as peças desse quebra-cabeça
construímos um quadro das referências e informações sobre o lugar, as nações, língua e
características principais desses nativos Cariri. Sabemos que a ocupação das terras pelos
Kariri se estendia desde a margem esquerda do Rio São Francisco até a Chapada do Araripe.
No Nordeste, não no Cariri, os índios começaram a ser evangelizados por Frades Capuchinhos
italianos e franceses, além do relato do jesuíta Martin de Nantes sobre os Kariri na Bahia,
Pernambuco e na Paraíba. No Cariri a evangelização dos Kariri terá vários protagonistas, mas
o que se destacou especialmente foi Frei Carlos Maria de Ferrara, capuchinho italiano na
segunda metade do século XVII.
Os clérigos sempre acompanharam as incursões marítimas dos portugueses na
conquista de novos territórios, inclusive a benção papal269. No caso da invasão do Brasil pelos
portugueses os padres jesuítas, sobretudo, tiveram um papel além do conforto espiritual dos
invasores, dominar e render pela fé os nativos. As técnicas utilizadas se deram de duas formas
basicamente: inserção entre os nativos, participação em eventos coletivos e disseminação da
cultura cristã-católica-européia com pregações, danças, procissões, cantos etc, de modo
itinerante. O segundo modo de abordagem, resultante do insucesso da primeira estratégia
eram as missões e aldeamentos270.
No período inicial da colonização do Ceará, depois de 1600, outra questão que merece
destaque, o território do Ceará era conhecido como hostil pela pobreza e agressividade dos
índios e mestiços de cá, o que dificultava a vinda e permanência de eclesiásticos para o Ceará.
Os que aqui chegavam, ficava pouco (um ou dois anos) e buscavam Pernambuco ou Bahia –
centros mais desenvolvidos. Outro fator de indisposição, decorrente desta primeira, era a má
reputação dos portugueses, desde as entradas de Pêro Coelho no território do Ceará, ainda no
princípio do século XVII. Ademais vem da tradição confessa dos missionários portugueses a
estratégia adotada para entrar os sertões e enganar271 aos gentios.
Com estes enganos e com algumas dádivas de roupas e ferramentas que davam aos
principais e resgates que lhes davam pelos que tinham presos em cordas para os
comerem, abalavam aldeias inteiras e em chegando à vista do mar, apartavam os
filhos dos pais, os irmãos dos irmãos e ainda às vezes a mulher do marido, levando
269
Nenhum favor, somente negócio! O sistema de padroado regia a orquestra, “em que o rei de Portugal, por
delegação papal, exercia várias das atribuições da hierarquia religiosa e arcava também com as suas despesas,
conferia um poder excepcional à Coroa em matéria religiosa. Por outro lado, o padroado se justificava pela
obrigação imposta à Coroa de evangelizar suas colônias... Se o padroado criava obrigações para a Coroa, ele
também lhe sujeitava o clero.” CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil. História, Direitos e Cidadania.
Coleção Agenda Brasileira. São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. P. 20.
270
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 83-84.
271
SALVADOR, Frei Vicente de, História do Brasil (1500-1627). Editores Weiszflog Irmãos. 1918. Prefácio de
Marcos Venicio Ribeiro. Fundação Darcy Ribeiro. Brasília: Editora da UNB, 2014. Edição Digital (PDF). P.
198.
91
272
Estudo publicado no “Jornal do Commercio” de 12, 29 de agosto e 10 de setembro de 1899 e reproduzido,
refundido e ampliado na “América Brasileira”, números 32, 33 e 34 de agosto, setembro e outubro de 1924. P.
180. Capistrano de Abreu. Descobrimento do Brasil E Povoamento Leitura Básica. Antonio Paim (Organizador)
Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro.
273
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 85.
274
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri volume I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.4. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 11.
92
Algumas escolas havia em torno da lagoa, e mais ou menos no lugar, onde foi a
antiga ribeira, havia uma longa casa igualmente coberta de palha, com aviamentos
de fazer farinha, aí os índios, homens e mulheres, trabalhavam por tarefa, debaixo da
voz de um feitor, e de um diretor branco. Ora fiavam para se vestirem, ora
manipulavam mandioca.
275
ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará, desde os tempos primitivos até
1850. Recife: Typrografia do Jornal do Recife, 1867: “Por isso era o vale do Crato incessantemente disputado
pelas hordas vizinhas contra os bellicozos Cariris, que com tanto esforço e denodo defendiam o seu paraizo
terreal” [sic].
276
BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco
de 1861 – fac similar. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. P. 24.
277
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri volume III. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.6. Fac-símile da Edição de 1966. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC,. 2010. P. 107.
278
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 27.
93
279
VALLE. Carlos Guilherme. Aldeamentos Indígenas no Ceará do Século Xix: revendo argumentos históricos
sobre desaparecimento étnico. In PALITOT. Estevão Martins. Na Mata do Sabiá. Contribuições sobre a
presença indígena no Ceará. Fortaleza: SECULT. MUSEU DO CEARÁ. 2009.
280
“Outra ordem religiosa presente no Ceará colonial foi a dos franciscanos, que passaram a entrar casualmente
no Brasil a partir da segunda metade do século XVI... se encarregaram, no século XVIII, da Missão do Miranda
(Crato), onde foram aldeados os índios kariris.” FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza:
Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 91.
281
FIGUEIREDO FILHO, J. de. História do Cariri I. Fac-símile da edição de 1964. Coleção Nossa Cultura,
n.1. Série Memória. N. 4. Coedição Secult/Edições Urca. Fortaleza: Editora da UFC, 2010. P. 16.
282
Ibid., p., 18.
283
FIGUEIREDO FILHO., op., cit., p. 16.
284
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura, 2015. P. 119.
94
poucos índios no Cariri, em Crato os índios da região foram trazidos para compor a aldeia
Cariri, no relato de Roseane Limaverde índios Icó, Quixelô, Cariú, Caratiú, Curuí e Icoá. 285
A Vila Real do Crato teria sido a que mais prosperou na Capitania, sendo vila de
Índios. Enquanto Vila, Crato recebeu índios da missão de Jucás e os da aldeia de Quixelô286.
Mais tarde o Crato se transformaria na primeira Comarca do Interior do Ceará abrangendo
uma extensão do Sul do Ceará até Quixeramobim.
No século XVIII, precisamente em 1759, informa Valle apud Porto Alegre (2009:
287
109) , há registro das primeiras vilas de índios criadas no Ceará.
A vida nestas vilas obedecia ao regime e ordens expressas da corte de Portugal: desde
1764, nenhum índio poderia sair de sua aldeia sem uma licença288. Em 1777, Crato e Arneirós
configuravam também freguesias indígenas. Posteriormente o Rei de Portugal emite Carta
Régia de 12 de maio de 1798, à Capitania do Pará e a do Espírito Santo, instituindo um
regime de “civilização dos índios” que prevê: ordenar e firmar os índios em aldeamentos,
estimular o livre comércio entre os índios e brancos, formar corpos efetivos (milícias),
promover casamentos entre gentios e brancos, inserir os índios como homens em sociedade.
Esta Carta Régia incluía os eclesiásticos a serem remunerados e inseridos como benfeitores
desta causa. Era o desfecho para a aculturação indígena no Brasil.
O Brasil é do povo “Índio”. Tudo que havia nesta terra pertencia há um conjunto de
nações de povos nativos. Índios é a denominação dada pelos europeus para designar aqueles
que localizados na “errônea” rota para as Índias, realizada por Espanhóis e posteriormente,
Portugueses, em meados do Século XVI, que buscavam um caminho marítimo alternativo
àquele realizado com destino à Índia e que tinha pela frente o revoltoso mar que circundava o
extremo sul do continente africano. Essa versão literária esculpida e descrita em manuais de
285
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva. A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. 2015. 442 pp.Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. Coimbra. 2015. P. 96.
286
FIGUEIREDO FILHO, op., cit., p.,16.
287
FIGUEIREDO FILHO, op., cit., p.,16.
288
BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco de
1861 – fac similar. Expressão Gráfica e Editora Ltda. Fortaleza. 2007. p. 26.
95
ensino fundamental e médio no Brasil encontra a crítica de Enrique Dussel289 (2008: 90), que
trata o episódio como “invasão”:
289
DUSSEL, Enrique. 1492 El Encubrimiento del Outro. Hacía el origen del “Mito de la modernidade”.
Biblioteca Indígena. Colección pensamento crítico. La Paz – Bolívia. 2008.
290
VALLE. Carlos Guilherme. Aldeamentos Indígenas no Ceará do Século Xix: revendo argumentos históricos
sobre desaparecimento étnico. In PALITOT. Estevão Martins. Na Mata do Sabiá. Contribuições sobre a
presença indígena no Ceará. Fortaleza: Secult. Museu do Ceará, 2009. P. 108.
291
FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 4ª. Ed. São Paulo: Edusp, 1996. P. 44.
292
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro. São Paulo: Abril Cultural. 1984.
96
Na análise de Polanyi293 homem e natureza são instituições que não se separam, estão
“entrelaçados”. De igual forma o trabalho é parte da vida humana e a terra (natureza) e
trabalho não são, tradicionalmente, separados.
O intento que almejou com sucesso o capitalismo, no contexto da colonização foi
transformar a natureza (terra-propriedade) e mão-de-obra humana em mercadoria para atender
ao mercado em expansão. E o Direito foi o suporte formal-técnico indispensável para esse
fim, com a lógica contratual. “A lei comum desempenhou um papel positivo no advento do
mercado de trabalho... o trabalho como mercadoria foi apresentado não por economistas, mas
por advogados.” Conclui Polanyi.294
O pré-capitalismo agrário, descrito por Wood295, por sua vez, denota que o capitalismo
não nasceu naturalmente como evolução das práticas de livre mercado, mas teve início na
Inglaterra e na política de cercamento, em razão dos elementos fundantes da expropriação de
terras e exploração do trabalho camponês. Por sua vez, Marx, pontua a violência com que esse
modo de acumulação ocorreu.
O padrão de desenvolvimento do capitalismo não se deu de modo igual em todas as
partes da Europa. Na península Ibérica (Portugal e Espanha), a expansão marítima com a
conquista da América e extermínio de grande parte da população indígena desse território
demonstrou outros aspectos de agressividade, violência e desrespeito à cultura e direito desses
povos, associadas a pratica de acumulação primitiva do capital empreendido e desenvolvido
nos séculos XVI, com consequências em longo prazo nas sociedades latino-americanas e nos
remanescentes dos povos originais.
Na América a ideia de raça, destaca Quijano296, foi “um modo de outorgar
legitimidade às relações de dominação imposta pela conquista”. O povo indígena com seu
modo particular de organização e Direito, foi exterminado e tiveram sua cultura e modos de
viver, negados e reprimidos até bem pouco tempo.
A década de 40 do século XX marcou na América o ressurgimento dos índios no
cenário político e social da América Latina, para o Brasil, os principais avanços de
reconhecimento dos direitos dos índios só vieram com a Constituição de 1988, que tem um
capítulo dedicado ao tema. As normas vigentes que instituíram uma politica nacional ainda
293
POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier.
2000. p. 218.
294
Ibid.,p. 218.
295
WOOD, Ellen Meiksins. As Origens Agrárias do Capitalismo. Revista Crítica Marxista, n° 10. São Paulo:
Boitempo. 2000.
296
QUIJANO, Aníbal. La Colonialidad del Poder. In: LANDER, Edigard (Org.) La Colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciências sociales, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CICCUS. 2011. P. 124.
97
carecem de complementação e orçamento próprio para que os direitos ali insertos sejam
alcançados, por enquanto a questão territorial da demarcação tem sido o principal foco do
governo federal.
Na Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador e Brasil, temos significativos avanços de
uma postura constitucional voltada para o reconhecimento dessa matriz populacional original
e de uma participação social no processo constituinte que pauta uma nova ordem no Direito
Constitucional Internacional.
No Brasil a emergência de princípios constitucionais como “função social da
propriedade”, denuncia a seu turno a necessidade de pautar um novo padrão de
desenvolvimento para a sociedade, voltada para a defesa e proteção do meio ambiente e das
populações, a dizer que a propriedade não cumpre sua função somente com a produtividade
que pode oferecer, não resultando da posse e uso, como outrora se registrou em Portugal. No
Brasil pós 1500, a propriedade sempre esteve associada ao modo de produção capitalista,
como elemento de apropriação privada. Essa dinâmica da função social imposta pelo
legislador constituinte de 1988 deve ser traduzida como necessária “submissão da propriedade
privada ao interesse público e social”, aponta Marés297. Em outras palavras, a terra “tem uma
função social a cumprir” para além daquela função que lhe emprestar os seres humanos, para
a própria manutenção da vida no planeta. É, portanto, um “dever do direito, e quem não
cumpre seu dever, perde seu direito”298.
É claro que o Direito tem um papel historicamente construído em defesa do status quo,
ou seja, da ordem dominante, do sistema capitalista, portanto. Através dele se constroem
textos de lei e não se lhes aplicam ou executam, é o caso de parte da legislação brasileira de
defesa dos índios e da função social da propriedade.
O Estado liberal, capitalista, não logrou cumprir com as promessas da modernidade,
do bem estar, com oportunidades para todos a partir do “pleno emprego” e não o fez por
absoluta impossibilidade de conciliar essa superestrutura de acumulação perniciosa de capital
numa conjuntura de população crescente e de recursos ambientais escassos, de um mercado
que produz necessidades nas pessoas através dos meios de comunicação para fomentar o
consumo, no estímulo à divisão de classes, de famílias, de unidades de consumo, gerando
outras consequências, não menos graves que é o adoecimento das pessoas e sua suposta
indiferença para o cenário politico.
297
SOUSA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Função Social da Terra. Sérgio Antonio Fabris Editor. Porto
Alegre. 2003. p. 102.
298
Ibid., p., 117
98
O direito através dos poderes constituídos tem o papel de interpretar a função social da
terra “em garantir os direitos dos trabalhadores, do meio ambiente e da fraternidade”. O
capitalismo no seu estágio atual demonstra estar em crise, após a consumação da natureza
como propriedade para o mercado, busca se metamorfosear em alternativas que transformem
em produtos a conservação da natureza, como a criar novos produtos. Sua eficiência está
sendo colocada em questão.
O Estado e sua organização normativa estão distantes de reconhecer o caráter coletivo
dos direitos das populações e os direitos a elas outorgadas pelas constituições, temática
comum aos países da América Latina. Os cenários das constituições e dos Estados nacionais
não conseguiram dar vazão à cultura e modo de viver das comunidades originárias, o que nos
impele a concluir pela recolocação nos Estados nacionais de uma constituição multicultural e
de um “direito plural”, que contemple efetivamente o “direito diferente” 299.
Não se trata, entretanto, de garantir acesso à justiça tradicional, direito privado, de
matriz econômica capitalista sob o manto da propriedade privada, tampouco através de criar
instâncias judiciais próprias para o processo relativo ao meio ambiente e populações
tradicionais, ou ainda no reconhecimento dos direitos. Os direitos dos povos tradicionais, os
índios, em especial, são compostos de bens e interesses que têm diferenciações e seu
destinatário não se restringe em sua maioria, particularmente ao uso da terra e sua cultura,
como individual, mas coletivo ou comunal. Trata-se de superar o modelo atual de sistema
normativo para incorporar elementos e estratégias capazes e flexíveis para compreender as
diferenciações nos bens postos em conflito e a apropriação desses bens por entes coletivos.
No dizer de Leff300, contrapor a propriedade privada pela propriedade coletiva ou comunal.
Vivemos uma crise de valores em que o capitalismo após reduzir o meio ambiente e o
capital humano da mão-de-obra em mercadoria, não consegue contem os danos irreversíveis
às sociedades humanos e à natureza. No que pese os “direitos coletivos já existirem dentro do
Direito, continuam invisíveis”301, precisamos avançar em compreensão e novas perspectivas
para incorporar os índios à dinâmica da sociedade e do Direito no século XXI.
299
SOUSA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. Curitiba:
Juruá, 1998. p. 67.
300
LEFF, Enrique. Os direitos ambientais do ser coletivo. In: LEFF, Enrique. Saber ambiental:
sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. p. 369.
301
SOUSA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. Curitiba:
Juruá, 1998. P. 183.
99
302
Para a teoria das instituições de Douglas North, as instituições determinam as regras do jogo “social-histórico,
politico e econômico”. Para o autor, instituições são idealizações ou restrições humanas que resultam em moldar
as interações humanas. São regramentos sociais de natureza formal-escrita ou informal como as
convenções/costumes. NORTH, Douglas. Institutions, Institutional Change and Economic Performance.
New York: Cambridge, 1990. P. 3.
303
No México a cultura Maya e Nahuatl, a cultura Mexica são exemplos destacados de alta cultura dos povos
americanos de raiz. A cultura Maya e Nahuatl, por exemplo, foram culturas com história, escritura e transmissão
oral. Esta cultura foi descrita e registrada pelos espanhóis colonizadores, a exemplo de Don Antonio de Herrera,
cronista de Felipe II: “Em Yucatán, i en Honduras, havia unos Libros de Hojas, enquadernado, en que teniam
los Indios la distribucion de sus tempos, i conocimento de las Plantas, i Animales, i otras cosas naturales.”
LEÓN-PORTILLA. Visión de Los Vencidos: Relaciones Indígenas de La Conquista. Nueva Edición Corregida
y Aumentada. Universidad Nacional Autónoma de México. Ciudad Universitária. México: Programa Editoral
Coordenación de Humanidades. 2013. P. 12-13.
304
O I Congresso Indigenista Interamericano, ocorrido no dia 19 de Abril de 1940 na cidade de Patzcuaro, no
México, ingressou na agenda mundial ao instituir esta data como dia da celebração dos povos indígenas latino-
americanos e pautar uma agenda latino-americana de atuação que envolvia: a) criação de instituições nacionais
para cuidar da questão indígena; b) combater práticas raciais nacionais e internacionais; c) promover a cultura
dos povos e sua memória, arte e conhecimento tradicional. O envolvimento dos povos indígenas se deu de modo
parcial, sem representações significativas dos povos do Haiti, Canadá e Paraguai. Participaram 55 delegações
oficiais, mas 71 delegados independentes e 47 representantes de grupos indígenas de vários países com objetivo
de debater assuntos relacionados às sociedades indígenas de cada país. Dentre os temas relevantes que foram
protagonizados, as consequências do evento foram também expressivas: a) a instituição de Institutos Nacionais,
a exemplo da Colômbia, Equador e Bolívia, em 1943; o Brasil já tinha o SPI desde 1910. Foram criados depois
outros institutos em todos os países da América Latina; b) o reconhecimento da Antropologia como mediadora
das questões científicas a cargo de mudar o pensamento hierárquico estabelecido pelas correntes teóricas do
evolucionismo científico – que nos colocava em posição inferior aos países do Sul. Essa perspectiva
antropológica cresceu no México e no Brasil, em busca de mudar em nível teórico a “perspectiva do relativismo
cultural”, sem fixar hierarquias; e c) insere a questão indígena como de interesse público e urgente. FARIAS,
Caroline. A Convenção de 1940. Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de
Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3. Disponível em:
<http://anphlac.fflch.usp.br/sites/anphlac.fflch.usp.br/files/Caroline%20Faria%20Gomes.pdf.> Acesso em: 07
Abr 2017. P. 5-7.
100
Esse momento politico mudará as políticas públicas nacionais indigenistas na América Latina,
ou pelo menos atribuindo aos Estados a responsabilidade por essas políticas.
Dentre os principais temas debatidos no referido congresso um deles resultou na
Convenção sobre a criação do Instituto Indigenista Interamericano, órgão internacional de
apoio às politicas nacionais e de integração da agenda interamericana de promoção da cultura
dos povos e da memória, arte e conhecimento tradicional ameríndia. O Brasil fez adesão à
Convenção em 1953 (Decreto Legislativo nº 55). Nem todos os países americanos ratificaram
a convenção. No Quadro 7, a seguir, podemos ver os Países que são signatários da convenção
sobre o Instituto Indigenista Interamericano.
PAÍSES RATIFICAÇÃO/
ASSINATURA DEPÓSITO INFORM.*
SIGNATÁRIOS ADESÃO
Argentina - 10/09/47 01/16/48 AD -
Bolivia 12/18/40 02/09/45 04/28/45 RA -
Brasil - 08/19/53 11/24/53 AD -
Chile - 11/07/61 01/03/68 AD -
Colombia - 02/16/44 04/10/44 AD -
Costa Rica 11/29/40 08/17/43 11/19/44 RA -
Cuba 11/29/40 - - -
Ecuador 11/29/40 10/08/41 12/13/41 RA -
El Salvador 11/29/40 03/18/41 07/30/41 RA -
Estados Unidos 11/29/40 06/06/41 08/01/41 RA -
Guatemala - 10/29/45 08/01/47 AD -
Honduras 11/29/40 02/08/41 07/29/41 RA -
México 11/29/40 04/22/41 05/02/41 RA -
Nicaragua - 04/18/41 03/10/42 AD -
Panamá - 04/30/43 07/27/43 AD -
Paraguay - 06/17/41 06/17/41 AD -
Perú 11/01/40 02/06/43 11/19/43 RA -
República
- 06/12/44 08/10/44 AD Si
Dominicana
Venezuela - 08/25/48 10/04/48 AD -
*DECLARACIONES/RESERVAS/DENUNCIAS/RETIROS : Republica Dominicana:
Denuncia 08/12/53
305
DEPARTAMENTO DE DIREITO INTERNACIONAL - DDI. Países que Ratificaram a convenção sobre o
Instituto Indigenista Interamericano. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/spanish/firmas/b-26.html.>
Acesso em 07 Abr 2017.
101
306
A proporção de crianças sofrendo de nanismo com menos de 5 anos caiu de 33% em 2000 para 24% em 2014.
Mas a ONU aponta dados e pontos críticos a serem combatidos: 5,9 milhões de crianças com menos de 5 anos
morreram em 2015 , a maior parte por causas evitáveis, e 216 mulheres morreram no parto a cada 100 mil
nascimentos. Em 2013, 59 milhões de crianças em idade escolar estavam fora da escola e 26% das mulheres com
idade entre 20 e 24 anos se casaram antes de completar 18 anos. Dados do Relatório. ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS – ONU. BRASIL. ONU divulga 1º relatório de acompanhamento dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://nacoesunidas.org/onu-divulga-1o-relatorio-de-
acompanhamento-dos-objetivos-do-desenvolvimento-sustentavel/. Acesso em: 11 Abr 2017.
307
Grifo nosso.
308
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. BRASIL. Plataforma Agenda 2030. Disponível em:
<http://www.agenda2030.com.br/meta.php?ods=10>. Acesso em: 11 Abr 2017
309
Idem. ONU divulga 1º relatório de acompanhamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/meta.php?ods=10>. Acesso em: 11 Abr 2017.
102
à sociedade uma prática comum; atuação que não se pode aceitar na contemporaneidade. Essa
máxima prevaleceu durante os séculos XVI a XXI de modo tão forte que as teorias jurídicas e
sociais de criação dos Estados Nacionais na América nela beberam. A partir desse
entendimento assimilacionista que supõe uma ideia de nação como o “ponto máximo” do
processo “civilizatório”; projetava-se que após reunir economicamente e socialmente os
povos, as particularidades (identidades) dos grupos internos seriam anexadas e finalmente
dissolvidas na ideia central e única de Estado, “adotando todos uma mesma forma cultural”
310
. Quando isso acontecesse, teríamos então, um Estado que também seria uma nação. A
nação como uma evolução natural, “como um projeto das elites europeias ou europeizadas,
voltado para suas populações internas, as populações nativas ou transplantadas”311, observa
Arruti. Essas teorias levaram o mundo a conclusões equivocadas e genocidas.
Pesquisadores da Antropologia, Sociologia e do Direito tem cada vez mais se colocado
a serviço de reforçar uma nova base de compreensão social, politica e jurídica para os povos
indígenas e comunidades tradicionais; também este envolvimento da academia é fruto de
pressões sociais internas de professores e estudantes, convenhamos. Em resumo, setores
específicos dessas ciências buscam na contemporaneidade expor o mito da invisibilização,
que tinha como objetivo destituir os índios de seus direitos enquanto povo: culturas,
identidades e patrimônio. É, contudo, através das politicas públicas que o Estado afirma seu
lugar neste novo contexto e o Direito tem uma função destacada, em tempos de Judicialização
da democracia e da política, no Brasil e na América Latina. Durante o Fórum Político de Alto
Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, realizado pela ONU em 2016 no contexto da
Agenda 2030, em um evento paralelo sobre “direitos e contribuições dos povos indígenas, a
Secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL),
Alícia Bárcena, destacou que “os indígenas vivem o auge de conflitos socioambientais que
podem desrespeitar seus direitos territoriais”312 e apontou que 235 disputas entre indígenas e
setores empresarias extrativistas da mineração ocorreu na América Latina entre 2009 e 2013,
em territórios indígenas.
A força dos movimentos sociais é grande, mas ainda carente de subsídios na literatura
jurídica que imprimam aos povos indígenas o exercício pleno de suas identidades no século
310
ARRUTI. José Maurício. Mobilizações étnicas na América Latina. Revista Tempo e Presença. Chamas da
liberdade. Multietnicismo. Nº 342. Julho/Agosto de 2005. Disponível em:
https://www.academia.edu/5285140/Mobiliza%C3%A7%C3%B5es_%C3%A9tnicas_na_Am%C3%A9rica_Lati
na_2005_?campaign=upload_email. Acesso em: 12 Nov 2016. p. 07/08.
311
Ibid., p., 08.
312
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. BRASIL. CEPAL critica ‘invisibilidade estatística’
dos povos indígenas na América Latina. Disponível em: https://nacoesunidas.org/cepal-critica-invisibilidade-
estatistica-dos-povos-indigenas-na-america-latina/. Acesso em: 11 Abr 2017.
103
XXI, razão pela qual nesta secção analisaremos alguns dos principais avanços normativos que
resultaram em políticas públicas indigenistas no Brasil. Igualmente trazemos algumas
inovações normativas inseridas em âmbito internacional pela Organização Internacional do
Trabalho – OIT, como a Convenção 169 e a Convenção de Combate ao Trabalho Injusto para
os indígenas; igualmente abordaremos o exemplo internacional latino-americano do Mercado
Comum do Sul – MERCOSUL, do qual o Brasil é integrante, consequentemente, a
implantação tardia de instrumentos legais internacionais para a defesa dos direitos humanos e
da proteção dos indígenas na agenda regional.
Nesta seção tratamos, a seguir, de contextualizar os povos indígenas da América
Latina e o embuste da conquista das Américas pelos colonizadores. Não é possível
entendermos a identidade dos indígenas latino-americanos sem passar por uma análise sobre o
traumatizante processo de colonização a que foram submetidos, assim compreendemos.
Porque América? O nome descende de Américo Vespúcio italiano que navegou para o
Império de Castela (Espanha) e Reino de Portugal no período de 1497 e 1503. Sua identidade
como descobridor do novo continente está na confirmação em carta de 1503 dirigida a
Lorenzo de Médice, de que chegara a uma quarta porção de terra, diversa dos velhos
continentes da terra “com habitantes muito primitivos e nus”313. Cristóvão Colombo,
navegador espanhol, em 1492, nas Antilhas que hoje é o Caribe, mais especificamente na Ilha
de São Domingos, hoje dividida entre dois países: República Dominicana e o Haiti314
inaugurando um novo tempo histórico denominado pelos europeus de “modernidade”315. Na
ilustração Figura 18, Colombo em contatos com os Taínos, gentílico dos indígenas que ali
313
O nome América será divulgado pela primeira vez em “Cosmographiae Introductio” de Matthias Ringmann y
Martin Waldseemüller (1507), em homenagem a Américo Vespúcio. DUSSEL, Enrique. 1492 El
Encubrimiento del Outro: Hacía el origen del “Mito de la modernidade”. La Paz – Bolívia: Biblioteca
Indígena. Colección pensamento crítico, 2008. Pdf. P. 32/33. Tradução livre do autor.
314
Quando da chegada de Cristóvão Colombo este instalou a primeira colônia da América La navidad, a ilha
entretanto passou a ser conhecida na historiografia como a Espanhola. Era composta por cinco reinos: Magua,
Darien, Maguana, Xaragua e Higuey. Com Reis importantes e Rainhas importantes e dispostos a servir à
Espanha. Todos os reinos foram trucidados e traídos pelos espanhóis, ou Cristãos como diz Las Casas em
guerras injustas e cruéis. A descrição apresentada pelo autor é inacreditável e descrita por ele como “diabólicos”
os massacres a que foram submetidos os indígenas desta ilha. Após tal destruição seguiram os espanhóis para as
ilhas de San Juan (Porto Rico) e Jamaica (colonizada por ingleses no na segunda metate do século XVII), igual
desfecho tiveram. LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª
Edición. Prólogo: Olga Camps. Fontamara: México. D.F., 2014. Pp. 37-42.
315
A modernidade é um conceito europeu que se propaga na Europa como limite temporal da descoberta desse
novo mundo que é a América. Sob o ponto de vista colonizador iniciam-se igualmente os comparativos entre os
seres civilizados-desenvolvidos e os inferiores que ao serem descobertos e comparados com os europeus foram
encobertos em sua alteridade e processo próprios de desenvolvimento cultural, social e humano.
104
viviam. Nesta ocasião Colombo insiste em ler o requerimento-ordem para tomar posse316 nas
novas terras em presença de oficiais de registro de cartório, em nome do Rei e da Rainha da
Espanha. A plateia de índios nada entendeu.
Em 1500 aporta na costa brasileira a esquadra de Pedro Álvares Cabral, Português. Em
conjunto espanhóis e portugueses inauguraram uma sequencia de exploração e destruição
humana jamais vista no mundo. Esta destruição era menos pelo afã exclusivo de matar os
indígenas e mais pela imposição de um sistema de produção e submissão cultural317. Durante
todo o processo sofreu resistência dos índios. A língua espanhola e portuguesa – natural dos
países que dividiram318 o novo mundo, influenciaram a língua dos povos da América do Sul –
notadamente; acrescida do francês. Essas línguas, por sua vez, tiveram origem derivada do
latim, e esta das línguas românicas, entre 350 a.C. e 150 d.C..
316
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 18.
317
Ibid., p. 07.
318
O tratado de Tordesilhas, de 1494, dividia as terras do novo mundo à Oeste para Espanha e Leste para
Portugal. O tratado foi selado em Tordesilhas sob as alces do Papa Alexandre VI.
319
Banco Mundial/ONU/Institutos Nacionais de Estatística no período variável entre 2013 e 2017.
105
Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá,
Paraguai, Peru, Republica Dominicana, Uruguai e Venezuela, 20 países como vemos na
Figura 19320, a seguir:
Uma imensidão de terra o novo continente! Seus primeiros habitantes seriam asiáticos
Australóides do Paleolítico, entre 20 e 18 mil anos321 a.C., vindos do Norte pelo estreito de
Bering322, conforme descrito na ilustração da Figura 20, ou vindos pelo Mar323. A ocupação se
dá, contudo, em várias correntes de imigração vindos dos velhos continentes. Dentre os
poucos consensos envolvendo o tema observamos que não havia povo autóctone nas
Américas. A origem e a data definitiva da vinda dos primeiros habitantes ainda suscita
debates acadêmicos acalorados. No Nordeste do Brasil, no Piauí Niéd Guidon324 e no Cariri –
CE Rosiane Limarverde325, têm demonstrado com seus estudos que o homem americano
320
WIKIMEDIA. Mapa da América Latina. Por Heraldry - Own work,Este desenho vetorial foi criado com
Inkscape., CC BY-SA 3.0. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7185231.>
Acesso em: 26 Jul.2017.
321
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Pré-História Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará. 1955. P. 118.
322
A faixa de terra chamada Beríngia teria assim aflorado (50 m abaixo do nível atual) em vários momentos
desse período de glaciação e permitido a passagem a pé da Ásia para a América entre 35 e 12 mil anos atrás.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira. São
Paulo: Editora Claroenigma, 2012. P. 9.
323
“Se é verdade que a Austrália foi alcançada há uns 50 mil anos por homens que, vindos da Ásia, atravessaram
uns 60 km de mar, nada impediria que outros viessem para a América por navegação costeira”. Meltzer apud
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. p. 10.
324
Ibid., p. 10.
325
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva. A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra. Coimbra. 2015. P. 341.
106
chegou ao Cariri em, aproximadamente, 3 mil anos (BP). Nichols326 defende, por sua vez, que
a presença do homem na América teria sido iniciada entre 30 mil e 35 mil anos atrás. Leon-
Portilla327 ao concordar com a ocupação das terras americanas entre 30 mil anos, observa que
a ocupação do México é mais recente, “ya que el fóssil humano más antiguo, encontrado em
Tepexpan, cerca de las pirâmides de Teotihuacan, parece remontarse a unos diez mil años
aproximadamente.”
326
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva. A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra. Coimbra. 2015. p. 10.
327
LEÓN-PORTILLA. Visión de Los Vencidos: Relaciones Indígenas de La Conquista. Nueva Edición
Corregida y Aumentada. Universidad Nacional Autónoma de México. Ciudad Universitária. Programa Editoral
Coordenación de Humanidades: México, 2013. P. 257.
328
FERREIRA, José. Chegada do Homem na América. Disponível em:
http://www.coladaweb.com/historia/chegada-do-homem-na-america. Acesso em: 16 Jun.2017.
329
As correntes imigratórias que num total de cinco, vindas dos velhos continentes, teve na quinta corrente os
Protopolinésios. Provavelmente dentro do primeiro milênio antes de Cristo. Os pontos de acesso estariam
situados nas costas ocidentais do norte da América do Sul e de toda a América Central. Vindos pelo pacífico
onde encontraram numerosos habitantes oriundos da Terceira e Quarta corrente migratória. Traziam os
Protopolinésios uma alta cultura... deram nascimento àquela civilização tão curiosa que os europeus encontraram
e selvagemente procuraram destruir no Peru e no México. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Pré-História
Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará. 36.
330
SOUSA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. Curitiba:
Juruá, 1998. p. 34. Dirá que eram 42 milhões.
107
milhões331. “Com o Novo Mundo descobre-se uma Nova Humanidade”.332 Da América dois
casos singulares pela importância em quantidade de indígenas, da cultura ameríndia, cidades-
estados e da extensão e riqueza natural, destacam-se: o México e o Brasil.
No México estava em expansão um império de conquistas ao mesmo tempo em que na
Europa, espanhóis e portugueses dominavam os descobrimentos. Esses dois impérios em
expansão333 se enfrentariam em 1519 no México.
Em 1500 já haviam aportado no Brasil-indígena os Portugueses.
Igualmente populosa as terras que viriam a ser o Brasil, tinha uma população estimada
“de 1,1 a 5,1 milhões de pessoas”334. As populações indígenas eram muitas, mas dispersas,
dificultando a identificação pelos europeus colonizadores. Os costumes e hábitos, a aparência
em tudo se assemelhava, mas a língua falada era diversa, restringindo-se a tribos, aldeias ou
grupos familiares pequenos. Restando a divisão entre línguas batizadas como tupis um povo e
tapuias, a todos os demais. Imprecisa esta determinação.
Na chegada às terras do Brasil, a esquadra de Cabral em seu primeiro contato com
nativos trocaram presentes335 e nenhum agravo. Na chegada de Colombo também. A partir
dessas trocas ficou evidente para os colonizadores o caráter desinteressado dos nativos por
coisas materiais, trocavam tudo por nada. Essa postura dadivosa estimulou a ideia do
336
bonsuvage que se difundiu dos nativos na Europa. No Brasil durante o período colonial,
inúmeros são os momentos em que estiveram combatendo, do mesmo lado, os indígenas com
portugueses, com holandeses e com franceses.
331
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. P. 16.
332
Ibidem. P. 40
333333
“la nación mexica que ensanchaba sus domínios y difundía la antigua cultura, iba precisamente a
encontrasse frente a frente con otro movimiento expansionista mucho más poderoso, por poseer armas y
técnicas de destrucción que deben calificarse de superiores. Ese encuentro iniciado, por lo que a los mexicas se
refiere, em 1519, iba a ser interpretado inicialmente en formas bien distintas. Los mexicas creyeron que los
forasteros llegados por las costas del Golfo, eran Quetzalcóatl y los dioses que por fin regresaban. Los
españoles, para los que resultaba difícil valorar la antigua cultura precolombina, tuvieron por bárbaros a los
mexicas y vieron em ellos la possibilidad de adueñarse de sus riquezas, imponiéndoles nuevas formas de vida.”
LEÓN-PORTILLA. Visión de Los Vencidos: Relaciones Indígenas de La Conquista. Nueva Edición Corregida
y Aumentada. Universidad Nacional Autónoma de México. Ciudad Universitária. Programa Editoral
Coordenación de Humanidades: México, 2013. P. 263.
334
STEWART (1949: 666). DENEVAN (1976: 230, 291) apud CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no
Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira. São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. P. 16.
335
ABREU. Capistrano. Descobrimento do Brasil e Povoamento. Estudo publicado no Recife: Jornal do
Commercio, de 12, 29 de agosto e 10 de setembro de 1899 e reproduzido, refundido e ampliado na “América
Brasileira”, números 32, 33 e 34 de agosto, setembro e outubro de 1924. Pp. 125-126. PAIM, Antonio (Org.).
Projeto Leitura Básica. Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro. 1982. Salvador: Disponível em:
<http://www.cdpb.org.br/capistrano_de_abreu[1].pdf>. Acesso em: 13 Mar.2017.
336
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 23.
108
337
“A religião deles era tola e vã, pois acreditavam que ela podia oferecer-lhes bens que não sabiam defender, e
que lhes eram tomados com tanta facilidade. Responderam-me que era a religião de seus pais. Quarenta ou
cinquenta anos mais tarde ainda ouve a mesma resposta: interroguei alguns velhos acerca da origem de seu saber
no que concerne ao destino dos homens, e eles responderam que os antigos lhes tinham legado e ensinado isso, e
que era tudo o que sabiam... Dão a entender que não adquiriram nada a partir de uma investigação particular.”
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 47.
338
SOUSA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. Curitiba:
Juruá, 1998. p. 36.
339
Opinião que é dividida com LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las
Índias. 3ª Edición. Prólogo: Olga Camps. Fontamara: México. D.F., 2014. Pp. 42/43.
109
340
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Indígena 2010. Disponível
em: http://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/estudos/indigena_censo2010.pdf. Acesso em 02 Abr.2017.
341
POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Campus-Elsevier: Rio de Janeiro,
2000. p. 193-198.
342
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. São Paulo: Martins Fontes. 1992. PDF. p. 23.
343
MARTIUS, Carl F. P. von. O Estado do Direito entre os Autóctones do Brasil. Introdução Max Fleiuss.
Tradução Alberto Löfgren. Revisão de A. C. Miranda Azevedo. Série Reconquista do Brasil. V. 58. Editora
Itatiaia/Universidade de São Paulo: Belo Horizonte/São Paulo, 1982. P. 40.
344
Antes ainda de Todorov abordar o tema do “Encontro” sob o ponto de vistas da alteridade, do outro; Leon-
Portilla, chama a atenção para o lado humano nas narrativas de índios e espanhóis para o violento encontro: “las
imágenes logradas por mesoamericanos y españoles mostrarán grandes variantes. No obstante condenaciones e
incomprensiones mutuas, em el fondo ambos tipos de imágenes son intensamente humanas [...] consecuencia
viviente del encuentro violento de esos dos mundos.” LEÓN-PORTILLA. Visión de Los Vencidos: Relaciones
Indígenas de La Conquista. Nueva Edición Corregida y Aumentada. Universidad Nacional Autónoma de
México. Ciudad Universitária. Programa Editoral Coordenación de Humanidades: México, 2013. P. 13.
345
TODOROV, op., cit., p. 5.
346
TODOROV, op., cit., p. 50.
110
escala para qualquer colonizador e qualquer indígena das Américas. São sistemas religiosos
diferentes que interferiram decisivamente para o sucesso ou fracasso dos sujeitos históricos
em questão, venceu Cortez!
Um encontro que ocorreu em 1492 com a chegada de Colombo e nos anos seguintes
disparou um reset347 na história do mundo, inaugurando a era moderna - que não se
confirmará ao longo do tempo como projeto de desenvolvimento civilizatório348. Sob um
ponto de vista latino-americano esposado por Dussel349 choque ou genocídio serão expressões
mais justas para dizer com precisão as consequências da chegada dos europeus ao novo
mundo.
Os elementos de dominação econômica postos em pratica na América Latina durante
a colonização levaram em consideração a terra como propriedade e a mão-de-obra para
produção de produtos e serviços para a Corte. Esta terra que nas sociedades primitivas
“sempre foi um bem coletivo, generosamente oferecido pelos antepassados que descobriam
seus segredos e legado necessários aos herdeiros que o perpetuariam.”350
Os povos se constituíam em sociedades humanas sem Estado e sem teorias sobre a
propriedade privada. O homem e o trabalho eram elementos conjugados pela natureza e a
terra. A mística contratual e a propriedade privada inserido nas sociedades de negócios trazida
com os europeus e a imposição de um novo sistema em que se separava obrigatoriamente o
homem da terra foi o ponto central para implantar esse sistema de produção fundado no
assalariado e na produção para a mais valia. No seu ambiente de produção homem/terra a
“função econômica é apenas uma entre as muitas funções da terra”351.
Esse período trará consigo muitas incertezas inclusive quanto ao conceito de
“humano” pelos colonizadores. Os europeus projetam nos índios uma imagem, com um perfil
identitário civilizatório determinado, com a qual os índios latino-americanos poderiam, talvez,
chegar algum dia. Imagem que se reflete como em um espelho para os nativos. Na Europa, na
corte espanhola, mais precisamente, durante os primeiros anos da colonização latino-
americana, um dos debates era em torno dos indígenas serem ou não “racionales, es decir, se
347
Termo utilizado em programas de computar parar reinicializar. desligar e religar a programação!
348
Os espanhóis, no dizer de Todorov inauguram a era moderna naquilo que ela pode ter de pior, a barbárie. “A
‘barbárie’ dos espanhóis nada tem de atávico, ou de animal; é bem humana e anuncia a chegada dos tempos
mordernos.” TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de
Beatriz Perrone Moi. São Paulo: Martins Fontes. 1992. PDF. p. 80.
349
DUSSEL, Enrique. 1492 El Encubrimiento del Outro: Hacía el origen del “Mito de la modernidade”. La
Paz – Bolívia: Biblioteca Indígena. Colección pensamento crítico, 2008. PDF. p. 59.
350
SOUZA FILHO, C. F. Marés. A Função Social da Terra. Fabris: Porto Alegre, 2003. p. 50
351
POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Campus-Elsevier: Rio de Janeiro,
2000. p. 214.
111
tenian uma naturaleza humana”352. Nas cartas de Colombro, datadas de 21.12.1492, descritas
por Todorov353, vemos a surpresa do colonizador diante das diferenças entre os nativos e os
europeus: “... que apesar de nus, os índios parecem mais próximos dos homens do que dos
animais”, para Colombo “os índios são desprovidos de qualquer propriedade cultural.”
Nas terras do Brasil, o naturalista Carl F. P. von Martius354 falecido em 1868, após 3
anos (1817-1820) de viagem ao interior do Brasil descreve os nativos brasileiros como “em
grau inferior de humanidade, moralmente, ainda na infância, a civilização não o altera,
nenhum exemplo o excita e nada o impulsiona para um nobre desenvolvimento progressivo”.
Claro está que o conceito de humano e de desenvolvimento empreendido pelo europeu bávaro
diz mais de sua origem do que aquele lugar e gente real que habitavam as terras latino-
americanas. No dizer de Dussel355: “Es el modo como “desapareció” el Otro, el ‘indio’, no
fue descubierto como Otro, sino como “lo Mismo” ya conocido (el asiático) y sólo re-
conocido (negado entonces como Otro): “encubierto”. Quando se fez essa comparação, tem-
se um ser que deveria ser igual, mas é diferente, inferior em humanidade e desenvolvimento.
Forçoso é admitir que assim funcionou e funciona o pensamento europeu acerca da América
Latina.
Dussel, após detida e conscienciosa análise do pensamento europeu, expresso em
Hegel e Kant, observa que a América Latina e a África, em tudo eram considerados territórios
e suas gentes em processo atrasado de desenvolvimento, fora da história, portanto. Dussel
propõe um olhar fora do Eurocentrismo em que estivemos imersos desde 1492. A expressão
“desenvolvimento”, que no dizer de Edgar Morin356, comporta muito de subdesenvolvido,
porque é uma “concepção redutora” que põe no centro de tudo o crescimento econômico e
352
LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición. Prólogo:
Olga Camps. Fontamara: México. D.F., 2014. p. 16.
353
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. São Paulo: Martins Fontes. 1992. PDF. p.. 21.
354
MARTIUS, Carl F. P. von. O Estado do Direito entre os Autóctones do Brasil. Introdução Max Fleiuss.
Tradução Alberto Löfgren. Revisão de A. C. Miranda Azevedo. Série Reconquista do Brasil. V. 58. Editora
Itatiaia/Universidade de São Paulo: Belo Horizonte/São Paulo, 1982. p. 11. Martius olha para os nativos do
Brasil, em sua descrição, como um povo que por sua gênese não evoluiu, está estacionado entre a infância e a
velhice, sem progresso: “Nesta raça unem-se, portanto, como nos sonhos, as imagens mais variadas; traços de
uma vida natural inocente e pura, aí se misturam com outros ainda que refletem a natureza espiritual e elevada
do nosso ser atingindo à consciência perfeita e, quais harmonias de conciliação, nos irmanam com uma raça
decaída, que pelas muitas desgraças quase se desumanizara”.
355
“... os grandes navegantes do mediterrâneo. É o modo como desapareceu o outro, o índio, não foi descoberto
como outro, senão como o mesmo já conhecido (o asiátivo) e só reconhecido (negado então como outro)::
encoberto”. DUSSEL, Enrique. 1492 El Encubrimiento del Outro: Hacía el origen del “Mito de la
modernidade”. La Paz – Bolívia: Biblioteca Indígena. Colección pensamento crítico, 2008. PDF. p. 32.
356
MORIN, Edgar. KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2003. p. 89. Importante destacar
que a ideia de desenvolvimento como asseguradora do progresso se propõe enquanto mito global atingir o bem
estar. “O mito do desenvolvimento determinou a crença de que era preciso sacrificar tudo por ele.”
112
357
As Juntas de Valladolid foram instaladas em 1550 na cidade de Valladolid, Espanha e tiveram a participação
de Conselhos Reais e Conselhos de Índios – dos quais o mais árduo defensor fora Fray Bartolomé de Las Casas.
BRAGATO, Fernanda. Raízes históricas dos direitos humanos na conquista da América: o protagonismo de
Bartolomé de Las Casas e da Escola de Salamanca. Revista do Instituto Humanitas. Unisinos. Edição 487 de 13
de junho de 2016. Disponível em:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6495&secao=487>.
Acesso em: 06 Abr.2017.
358
Nos Digestos de Justiniano, século IV d.C. a identificação de “homem” e “pessoa” é clara. A principal
divisão do direito das pessoas é esta: que todos os homens são livres, ou servos, explica Gayo (Digesto, 1.5.3).
Todos eles são considerados homens. Pessoas são todos os homens. RABINOVICH-BERKMAN, Ricardo D.
Princípios Generales del Derecho Latioamericano. 2ª reimpresión. Editora Astrea; Buenos Aires – Bogotá,
2013. p. 138. O tratamento dado aos nativos não será nem de servos dos Reis, posto que a eles não se atribuíam
direitos, nem de homens livres.
359
QUIJANO, Anibal. La colonialidad del poder. In: LANDER, Edigard (Org.). La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latinoamericanas. CICCUS: Buenos Aires, 2011. p. 219-260. p.
136.
360
LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición. Prólogo:
Olga Camps. Fontamara: México. D.F. 2014. p. 56.
113
361
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 74.
362
Colombo constrói uma Fortaleza para proteger e instalar seus subordinados espanhóis na nova terra.
5.11.1492, a chegada foi em outubro de 1492.
363
“más de treinta mil hombres, de más de doscientos mil que fueron de la parte de los españoles, como se há
visto; de los mexicanos murieron más de doscientos cuarenta mil, e entre ellos casi toda la nobleza mexicana,
pues que apenas quedaron algunos señores y caballeros, y los más niños, y de poca edad.” Descrição das baixas
humanas no período de 80 dias de cerco à capital do Império mexicano Tenochtitlan em 1521, do qual restou
destruída a cidade por incêndios provocados pelos vencedores espanhóis. LEÓN-PORTILLA. Visión de Los
Vencidos: Relaciones Indígenas de La Conquista. Nueva Edición Corregida y Aumentada. Universidad Nacional
Autónoma de México. Ciudad Universitária. Programa Editoral Coordenación de Humanidades: México, 2013.
p. 165.
364
Esmeraldas, prata, madeira e ouro, este o mais precioso que os espanhóis buscavam. LAS CASAS, Fray
Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición. Prólogo: Olga Camps.
Fontamara: México. D.F. 2014. p. 34.
365
“Los templos y palácios, el gran mercado, las escuelas, las casas, todo quedó em ruinas.” Resumo do que
restou ao cerco a Tenochtitlan. LEÓN-PORTILLA. Visión de Los Vencidos: Relaciones Indígenas de La
Conquista. Nueva Edición Corregida y Aumentada. Universidad Nacional Autónoma de México. Ciudad
Universitária. Programa Editoral Coordenación de Humanidades: México, 2013. p. 225.
366
TODOROV, op., cit., p. 56.
367
MARTIUS, Carl F. P. von. O Estado do Direito entre os Autóctones do Brasil. Introdução Max Fleiuss.
Tradução Alberto Löfgren. Revisão de A. C. Miranda Azevedo. Série Reconquista do Brasil. V. 58. Editora
Itatiaia/Universidade de São Paulo: Belo Horizonte/São Paulo, 1982. p. 42.
368
“Desde um principio,los españoles necesitaron emplear a los índios como fuerza de trabajo para explotar las
riquezas de la tierra y obtener metales preciosos; el modo de utilizarla consistió em reducir a los índios a la
esclavitud.” Mesmo com o decreto de proibição emitido pela Rainha Isabel, da Espanha, as práticas de
exploração do trabalho indígena continuaram com uma nova roupagem, típico das contradições e rearranjos do
114
Cristóvão Colombo propõe aos Reis de Espanha levar como escravos índios canibais
para a Europa, em resposta estes “preferem ter vassalos em vez de escravos: súditos que
possam pagar impostos”.
O trabalho praticado pelos indígenas em sua cultura era para sua sobrevivência e
sobrevivência da tribo: em práticas agrícolas – milho, frutas, raízes, pesca, caça, artesanato
em tecidos de algodão, palha, barro, madeira ou com metal, ouro, prata e cobre – além de uma
infinidade de práticas de rara sofisticação, sobretudo nos ameríndios da meso-américa.
Também eram utilizados em rituais. Eram, portanto, práticas coletivas, comunais (usos e
costumes). Como referido, não havia a propriedade da terra, mas uso e posse. Igualdade de
condições era também um traço destacado pelo bávaro Martius ao nativo brasileiro, embora
fosse com ironia depreciativa.
novo sistema capitalista nascente: “encomiendas”. “Esta instituición se basaba en el derecho concedido por
merced real a los españoles de Indias, para cobrar para si, los tributos que devían al rey los índios, que se les
encomendaban por su vida y la de um heredero, com la obligacion de cuidar de ellos em lo espiritual y
material”. LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición.
Prólogo: Olga Camps. Fontamara: México. D.F., 2014. p. 16.
369
Portugueses e espanhóis deram tratamento diferente ao modo de apropriação das terras, em sentido jurídico.
Os espanhóis através da “guerra de conquista” formalizavam através de um requerimento dirigido aos nativos -
uma ordem de submissão a qual uma vez feita oposição, se seguiriam a tomada da terra e a posse em nome da
coroa. O requerimento comunicava que os espanhóis vinham em nome do Rei. Um Rei poderoso, com a benção
do Papa Alexandre VI, para converter os índios e pregar a fé católica. Mais tarde empreendeu a “encomienda”
outro embuste para submeter os indígenas a trabalhos forçados e escravização. Os portugueses simplesmente
tomaram posse da terra, como se nunca houvera dono. E as sesmarias, os aldeamentos e vilas e a expansão da
fronteira agropecuária foi o caminho para expropriar a terra dos íncolas. Em ambos os casos houve
enfrentamentos e guerras violentas nas quais os nativos defenderam com a própria vida sua terra e sua gente.
370
POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Campus-Elsevier: Rio de Janeiro,
2000. p. 193.
371
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 29.
115
A circunstância, porém, de que todos estão nas mesmas condições para obter o que
precisam e que, aqui não existe como nos países civilizados, ricos e pobres, parece
372
ser o paládio da probidade do índio.
372
MARTIUS, Carl F. P. von. O Estado do Direito entre os Autóctones do Brasil. Introdução Max Fleiuss.
Tradução Alberto Löfgren. Revisão de A. C. Miranda Azevedo. Série Reconquista do Brasil. V. 58. Editora
Itatiaia/Universidade de São Paulo: Belo Horizonte/São Paulo, 1982. p. 39.
373
Mais de 1 milhão de índios foram escravizados na conquista da América, afirma LAS CASAS, Fray
Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición. Prólogo: Olga Camps.
Fontamara: México. D.F., 2014. p.. 69, 93.
374
Ibid., p. 114.
375
LAS CASAS, op., cit., p. 61.
376
DUSSEL, Enrique. 1492 El Encubrimiento del Outro: Hacía el origen del “Mito de la modernidade”. La
Paz – Bolívia: Biblioteca Indígena. Colección pensamento crítico, 2008. p. 51.
116
377
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 38.
378
Outro aspecto que merece nota é o fato da crença previamente anunciada em todos os povos da mesoamérica:
incas, maias e mexicas, em datas diferentes, de presságios, augúrios, sinais que anunciavam a chegada de povos
diferentes e que resultaria na vitória desses, para uns deuses, para os maias, bárbaros e estrangeiros. Como se a
derrota fosse indiscutível, estava previsto, então seria assim. Foram também, por isso, senhores de seus destinos
– em alguma medida, aceitaram sua crença, em vida e na morte.
379
LEÓN-PORTILLA. Visión de Los Vencidos: Relaciones Indígenas de La Conquista. Nueva Edición
Corregida y Aumentada. Universidad Nacional Autónoma de México. Ciudad Universitária. Programa Editoral
Coordenación de Humanidades: México, 2013. p. 81.
380
TODOROV, op., cit., p. 60/61.
381
“ao longo de toda a campanha, sabe aproveitar-se das lutas internas entre facções rivais e, nas fase final,
comanda um exército de tlaxcaltecas e outros índios aliados numericamente comparável ao dos mexicanos.. 10
mil combatentes índios a pé... se não fosse pelos tlaxcaltecas, eles teriam sido mortos, quando os expulsaram os
cristãos da cidade do México, os tlaxcaltecas os acolheram.” TODOROV, op., cit., p. 34.
117
sua hora mais delicada382, após os enfrentamentos iniciais no cerco à Tenochtitlan, eles
preferiram negar apoio aos seus iguais, acreditaram ser destino dos mexicas perecer por esses
supostos deuses. Ademais gostaram de ver seus inimigos sofrerem. Em seguida foram eles
assediados pelos espanhóis.
Foi, em geral, uma guerra sem precedentes para os nativos que não compreendiam o
que estava em jogo: a propriedade e a mudança em todo o sistema de produção e mercado.
Acostumados aos enfrentamentos que se concluía com aprisionamentos e tratados em que se
fixavam impostos etc, sacrifícios que fossem. Para os rivais locais dos mexicas, as disputas e a
também violência com que as rivalidades internas se resolviam, em alguma medida, se
assemelhava à violência praticada pelos espanhóis383.
Las Casas384 descreve os primeiros 49 anos da conquista da América como um flagelo
dos espanhóis sobre os nativos. Os anos que seguiram à destruição das populações indígenas
na América foi um período de reorganização do sistema de conquistas, implantando os
sistemas de dominação mercantil-capitalista e cristã-católico, disfarçando o mais que podiam
os massacres pelos Espanhóis e Portugueses. Cada um a seu modo.
382
”Deixemos que os estrangeiros matem os mexicanos (III, 22). A outra razão da recusa de opor-se aos
espanhóis é o fato de serem considerados deuses. ‘De onde podem vir, a não se do céu?’ (III, 21). ‘Por que os
estrangeiros viriam sem razão? Foram enviados por um deus por isso vieram!’ (III, 23). Para explicar um fato
surpreendente, recorre-se à hipótese divina: o sobrenatural é filho do determinismo; e esta crença paralisa
qualquer tentativa de resistência: ‘Achando que eles eram deuses, os chefes disseram às mulheres que não os
contrariassem, pois os deus levavam o que lhes pertencia’” (III, 26). Levaram tudo desta vez. TODOROV,
Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone Moi. Martins
Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 55.
383
Ibid., p. 35.
384
LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición. Prólogo:
Olga Camps. Fontamara: México. D.F., 2014. p. 32. Tradução livre pelo autor. Quando os índios se dão conta de
que os espanhóis não vieram do céu pelo modo como abusavam deles começaram a reagir e a tentar expulsar os
estrangeiros. Foram derrotados ao final e suas terras e impérios destruídos. “Entraram os espanhóis desde logo
que as conheceram como lobos e tigres e leões crudelíssimos de muitos dias famintos. E outra coisa não tem
feito de quarenta anos a esta parte até hoje e hoje em dia ainda fazem senão despedaça-las, mata-las, angustiá-
las, afligi-las, atormentá-las e destruí-las pelas entranhas e novas e várias e nunca outras tais vistas nem lidas
nem ouvidas maneiras de crueldade”.
385
A OIT foi criada após o fim da Primeira Grande Guerra Mundial, em 1919, como parte do tratado de
Versalhes para promover a paz mundial e prevenir o mundo contra o surgimento de conflitos através da
humanização das condições de trabalho. Em 1946 a OIT foi integrada à ONU, como sua primeira agência
118
Desde o seu nascedouro, com o Tratado de Versalhes (1919), a OIT atua na fronteira
entre os direitos humanos e o direito social ao trabalho através das inúmeras convenções
internacionais que de modo direito ou indireto influenciou centenas de Estados na busca pela
consolidação desses direitos. Dentre as normas emitidas pela OIT destacamos391, Convenção
nº 11 (1921) – que dispõe sobre o direito de associação e coalizão de trabalhadores rurais;
Convenção nº 14 (1921) – que dispõe sobre o descanso semanal nas indústrias; Convenção nº
19 (1925) – que dispõe sobre a igualdade de tratamento entre trabalhadores estrangeiros e
nacionais em matéria de indenização por acidentes de trabalho; Convenção nº 26 (1928) – que
dispõe sobre métodos para fixação de salários mínimos; Convenção nº 29 (1930) e Convenção
389
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Constuindo um Futuro com Trabalho
Decente. Disponível em: <http://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/105/lang--en/index.htm>. Acesso em: 04 Abr
2017. Versão original em inglês. Tradução livre do autor.
390
SACFF, Luma Cavaleiro de Macedo. Sistema de Proteção dos Direitos Humanos e Trabalho Forçado: O
Brasil e a Organização Internacional do Trabalho. Dissertação. Faculdade de Direito da USP: São Paulo. 2010.
143 p. p. 77: Diretor da OIT na 87ª Reunião da Conferência Internacional da OIT em 1999.
391
QUEIROZ, Miron Tafuri. A Integração das Convenções da Organização Internacional do Trabalho à
Ordem Jurídica Brasileira. 2009. 216 fls. Dissertação. Faculdade de Direito da USP. São Paulo. 2009. p. 104.
120
nº 105 (1957) – que dispõem sobre a abolição do trabalho forçado; Convenção nº 87 (1948) –
sobre a liberdade sindical e proteção do direito sindical; Convenção nº 98 (1949) sobre o
direito de organização e de negociação coletiva; Convenção nº 100 (1951) – relativa à
igualdade de remuneração; Convenção 107 (1957) – relativa à proteção e à integração das
populações indígenas e de outras populações tribais ou semitribais nos países independentes.
A Convenção 107 no item 3 do Art. 2º trata as iniciativas dos índios sob uma
perspectiva liberal, tendo como objetivo o desenvolvimento da dignidade do indivíduo. Trata-
se de uma abordagem diferente, portanto, daquela utilizada pelas comunidades indígenas e
povos tribais, cujo regime de produção é comunitário e suas práticas politicas, mesmo que
descaracterizadas em larga medida, são coletivas; excedem a perspectiva da acumulação
individual, senão a sobrevivência do grupo.
Merecem igualmente destaque a Convenção nº 111 (1958) – sobre a discriminação no
acesso ao emprego, nas condições de formação e de trabalho, com fundamento na raça, cor,
sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, bem como a promover
a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e de profissão; a
Convenção nº 138 (1973) – sobre idade mínima de admissão ao emprego que buscou afastar o
perigo do trabalho infantil e a Convenção nº 182 (1999) – sobre proibição e eliminação das
piores formas de trabalho das crianças.
Os documentos que em análise podem servir de exemplos para ilustrar o modo como a
comunidade internacional tem atuado na defesa do trabalho decente para indígenas e povos
tribais, assim como os desafios para a efetivação destes institutos nos países em que foram
adotados.
3.2.1 Convenção nº 169 dos Povos Indígenas e Tribais (1989) e Declaração sobre os
Direitos dos Povos Indígenas e Tribais (2007)
392
LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición. Prólogo:
Olga Camps. Fontamara: México. D.F. 2014. p. 54. Tradução livre do autor.
121
América Latina, como na Nicarágua, “Haverá hoje em toda a dita província de Nicarágua
obra de quatro, ou cinco mil pessoas as quais matam cada dia com os serviços e opressões
quotidianas e pessoais.” A convenção 169 vai, contudo, além de regulamentar as relações de
degradação no trabalho que envolvem indígenas, ela se transformou a principal ferramenta de
luta dos povos indígenas na América Latina, pelo seu conteúdo vasto e inclusivo dos povos
indígenas, assim como a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas e Tribais será um marco
institucional que reproduz a Convenção 169 para os países membros da ONU.
As iniciativas propostas pela Convenção 107 (1957), ainda fincada na integração dos
indígenas ao Estado-nação, dava ao Estado a condução de politicas para os indígenas, sem
tratar de temas importantes para o direito dos povos indígenas, como a autodeterminação. Em
1989 com a aprovação da Convenção 169 da OIT substituiu, porque mais ampla em direitos
para os indígenas, a Convenção 107393. Ficou de fora da convenção 169 a denominação como
“povos” para as comunidades indígenas, postura que segue uma linha de entendimento
normativo da ONU para preservar a autonomia dos Estados Nacionais que são membros da
OIT e da ONU.
Não passou despercebida, entretanto, a questão da identidade dos povos indígenas -
ponto especialmente sensível para comunidades indígenas aculturadas e descaracterizadas no
século XXI. Para a Convenção 169 um dos parâmetros para fixar a identidade é auto
declaração (consciência)394, é indiscutivelmente um avanço significativo para o
fortalecimento e apoio à lutas das populações que buscam se firmar com sua cultura e
identidade a aquisição de direitos, senão vejamos:
Brasil de 1988. São, em geral, povos que tiveram suas terras expropriadas por gerações e
gerações, que vivem em submissão politica, “debilitação cultural e discriminação”. Corolário
da colonização a que foram submetidos. São povos que foram submetidos a “politicas de
extermínio e assimilação durante todo o século XIX, o integracionismo forçado de meados do
séc. XX e início do séc. XXI”395. Essas práticas não foram em vão, visavam refundar uma
nação sem índios, consequentemente esses povos, que foram a todo custo invisibilizados,
quando pretendem atualmente o seu reconhecimento da identidade, têm posto em questão sua
própria existência como povos, seja pelo órgão estatal, ou o judiciário.
A Convenção 169 revisa as convenções anteriores ao “determinar que os signatários
dispensassem tratamento diferenciado aos povos indígenas”.396, ao mesmo tempo em que
busca romper com os laços integracionistas que pautaram as politicas publicas na América
Latina. No plano normativo a convenção uma vez ratificada gera repercussão normativa
interna, passa a integrar o sistema normativo nacional. Posição diversa das Declarações, que
atuam como recomendações aos Estados nacionais.
A Convenção 169 da OIT entrou em vigor em 05.09.1991 e obteve 22 ratificações,
conforme quadro 8, a seguir:
395
FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e Desafios da
Implementação dos Direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In VERDUM, Ricardo. Organizador.
Povos Indígenas: Constituições e Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos
Socioeconômicos - INESC, 2009. p. 13.
396
DREMISKI, João Luiz. LINI, Priscila. A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho. In.
FILHO, Carlos Frederico Marés. BERGOL, Raul Cezar. (Orgs). Os Direitos dos Povos Indígenas no Brasil:
Desafios no Século XXI. Curitiva: Letras da Lei, 2013. p. 75-96. p. 76.
123
397
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. OIT. Ratifications of C169: Indigenous and Tribal
Peoples Convention, 1989 (No. 169). Date of entry into force: 05 Sep 1991. Disponível em:
<http://ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:11300:0::NO:11300:P11300_INSTRUMENT_ID:312314>. Acesso
em: 07 Jun.2017.
398
ORGANIZAÇÃO INTERNAICONAL DO TRABALHO. OIT. Understanding the Indigenous and Tribal
People Convention, 1989 (No. 169). Handbook for ILO Tripartite Constituents / International Labour standards
Department. Geneva: International Labour Organization, 2013. Disponível em: <www.ilo.org/indigenous>.
Acesso em: 31 Ago.2015. Tradução do autor.
124
399
GARZÓN, Biviany Rojas. YAMADA, Erika M. OLIVEIRA, Rodrigo. Direito à Consulta e Consentimento
de Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais. DPLF: Washington, D.C./São Paulo, 2016.
P. 11.
400
A Convenção 169 da OIT não sendo o tema central de nossa pesquisa pode ser objeto de estudos mais
detalhados para sua melhor compreensão. Destaque-se, contudo, que os estudiosos do tema tem acompanhado
com preocupação o avanço no Brasil de projetos de lei que podem comprometer e afetar diretamente os povos
indígenas e tribunais e tramitam à revelia do direito à consulta e consentimento prévio livre e informado. São
eles: Projeto de Emenda Constitucional para assegurar aos índios participação nos resultados do aproveitamento
de recursos hídricos em terras indígenas. PEC 76/2011. Projeto de lei sobre mineração em terras indígenas. PLC
1.610/1996. PEC 161/2007. Projeto de lei sobre reconhecimento e demarcação de territórios quilombolas – PDL
44/2007. Projeto de Lei sobre regras de auto identificação quilombola. PL 3.654/2008. PEC que altera regras de
demarcação de terras indígenas 71/2011. Projeto de lei sobre uso de recursos naturais dentro de terras indígenas.
PLC 227/2012. Projeto de Lei sobre mineração com disposições específicas sobre mineração em terras
indígenas, território quilombolas e unidades de conservação. PL 5.807/2013. PL sobre reconhecimento e
125
demarcação de terras indígenas PL 1.216/2015. E a PEC 215/2000 sobre a mudança de competência para
demarcação de terras indígenas, que segundo análise dos movimentos sociais colocaria em risco 228 processos
em tramitação para demarcação, devolvendo ao Congresso Nacional toda a máteria em discussão, seja
administrativa ou judicial. A tramitação, dizem os especialistas, não respeitou o direito de consulta e
consentimento prévio, estabelecida na convenção 169 da OIT.
401
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. UNESCO.
Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil. UNIC-RIO e Instituto Socio-Ambiental. ISA.
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas: Perguntas e Respostas. Brasília, 2008.
Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001627/162708POR.pdf. Acesso em 07 Jun.2017. p. 5.
126
402
PIERDONÁ, Zélia Luiza. A Importância da OIT para a Expansão, a Evolução e o Aprimoramento da
Proteção Social. In CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. VILLATORE, Marco Antonio César.
Coordenadores. Direito Internacional do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho. Um Debate
Atual. Atlas: São Paulo, 2015. p. 13-24. p. 19.
127
403
PIERDONÁ, Zélia Luiza. A Importância da OIT para a Expansão, a Evolução e o Aprimoramento da
Proteção Social. In CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. VILLATORE, Marco Antonio César.
Coordenadores. Direito Internacional do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho. Um Debate
Atual. Atlas: São Paulo, 2015. p. 13-24. p. 21.
128
são em sua maioria informais. Ademais que as indicações presentes na Recomendação dão
conta de que mulheres, jovens, imigrantes, idosos, povos indígenas e tribais, as populações
pobres de zonas rurais, populações afetadas pelo HIV ou SIDA e as pessoas portadoras de
deficiência são especialmente vulneráveis aos déficits de trabalho decente.
Igualmente as políticas de promoção do trabalho formal deverão ter em conta a
necessidade de uma atenção especial para as pessoas que estão expostas na economia
informal, incluindo povos indígenas e tribais, criando regras para mudanças e incentivos para
a economia formal, reconhecendo nesta modalidade de trabalho situações de dignidade e
decência.
3.2.3 A atuação tardia do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL na defesa dos Direitos
Humanos e dos Povos Indígenas
404
BRASIL. Mercosul. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/>. Acesso em: 27.Ago.2015.
129
405
AVENA S, Via M, Ziv E, Pérez-Stable EJ, Gignoux CR, DEjean C, et al. (2012) Heterogeneidade genética
em Admixture em diferentes regiões da Argentina. Disponível em:
<http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0177103>. Acesso em: 22 Jun.2017.
406
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Indígenas. Disponível em:
<http://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/estudos/indigena_censo2010.pdf>. Acesso em 30 Ago.2015.
407
DIRECCIÓN GENERAL DE ESTADÍSTICA, ENCUESTAS Y CENSOS. DGEEC. Paraguay. Notícias.
Disponível em: <http://www.dgeec.gov.py/newspaper/index87.php>. Acesso em: 30 Ago. 2015.
408
INSTITUTO NACOINAL DE ESTADÍSTICA. INE. Uruguay. Anuário 2014. Disponível em:
<http://www.ine.gub.uy/biblioteca/anuario2014/datos/1.1.3.pdf>. Acesso em: 30 Ago.2015.
130
409
BRASIL. Mercosul. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/>. Acesso em: 27. Ago.2017.
410
Outras fontes indicam que a Bolívia tem uma população de aproximadamente 6,2 milhões de indígenas, ou
seja, o país da América Latina com a maior porcentagem de população autóctone.
411
Institutos de estatísticas de cada País. Colhido através do site oficial e relatórios publicados pelos Governos.
131
A conformação desses objetivos não alcançou pleno êxito e muitos problemas nessa
relação se notabilizaram na década de 1990 e teve uma recaída significativa na década
seguinte, com a constate perda de importância do bloco nas economias dos Países envolvidos.
Em seu histórico alguns fatos e datas merecerem destaque, como a caracterização do
Mercosul como personalidade jurídica de direito internacional do bloco, atribuindo-lhe, assim,
competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupos de países
e organismos internacionais, cuja previsão constava do Protocolo de Ouro Preto, de 1994.
Dentre os documentos que conformam a atual estrutura do Mercosul, destacamos:
a) A criação do Instituto Social do Mercosul (2007) e do Instituto de Políticas
Públicas de Direitos Humanos (2009);
b) A aprovação do Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul (2010);
No âmbito da atuação do Mercosul em matéria dos direitos humanos e dentre eles do
trabalho, o instituto de políticas públicas de direitos humanos e do Fundo para a Convergência
Estrutural do Mercosul são os principais avanços, com desdobramentos importantes nos anos
que se seguiram sua criação. A partir da criação do fundo, aumentou a escala de contribuição
internacional para a melhoria em setores como habitação, transportes, incentivos à
microempresa, biossegurança, capacitação tecnológica e aspectos sanitários.
Nos documentos fundadores do Mercosul, tratado de Assunção, assinado em 1991 e
no tratado de Montevidéu, de 1980, que institui a Associação Latino-Americana de Integração
(ALADI), nenhuma referência às populações originais da América, tratava-se efetivamente de
uma busca pela integração em aspectos somente econômicos. Igualmente omisso foi o
Tratado de Assunção em questões de ordem social, de modo geral. O mais próximo que
chegamos do tema e de semelhante importância é a questão sindical que teve assento na
Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS)412 e o foro indígenas, como
referido, instituído na reunião de Caracas em 2013. A criação da coordenadoria de certa
maneira atenuou a omissão do Tratado de Assunção sobre atuação do Mercosul em defesa dos
Direitos Sociais, uma vez que estava entre os objetivos da coordenadoria “defender a
democracia e os direitos humanos”413. A partir dessa iniciativa um subgrupo de “Emprego e
412
SCABIN, Roseli Fernandes. A Importância dos Organismos Internacionais para a Internacionalização
e Evolução do Direito do Trabalho e dos Direitos Sociais. In CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.
VILLATORE, Marco Antonio César. Coordenadores. Direito Internacional do Trabalho e a Organização
Internacional do Trabalho. Um Debate Atual. Atlas. São Paulo. 2015. p. 1-11. p. 6.
413
CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. NETO, Francisco Ferreira Jorge. A Dimensão Social no
Mercosul e os Novos Desafios. In CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. VILLATORE, Marco Antonio
César. Coordenadores. Direito Internacional do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho. Um Debate
Atual. Atlas. São Paulo. 2015. p. 81-106. p. 81.
132
Relações Trabalhistas” foi criado em 1991 através da Resolução Mercosul GMC 11/91, que
teve sua denominação ampliada em 1992 para Subgrupo de Trabalho para Relações
Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social e que elegeu em suas análises 34 Convenções da
OIT para que fossem ratificadas pelos membros do Mercosul, dentre elas a Convenção 107 –
das Populações Indígenas e Tribais.
No Brasil ao longo do século XIX, XX e XXI, foi criado um conjunto de políticas que
tinham e tem como destinatários os índios. Há políticas indigenistas e políticas indígenas.
Políticas indigenistas são aquelas produzidas pelo Estado português – durante a
colônia ou pelo Estado Brasileiro até nossos dias tendo como destinatários os índios. As
politicas indígenas414, a seu tempo, são aquelas praticadas pelos povos íncolas entre si ou com
outras nações também indígenas, conceitos adotados para esta pesquisa.
Como veremos adiante o Brasil fará o dever de casa sob o ponto de vista da criação
normativa: em 1910 cria o Serviço de Proteção ao Índio – SPI; na década de 50 e 60 buscou o
Estado consolidar a opinião pública para a questão da demarcação de terras indígenas415 e
com a criação em 1967 da Fundação Nacional do Índio – FUNAI ampliar a politica de
demarcação e assistência ao indigenato, bem como ajustar a política indigenista brasileira para
se adequar à Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano, resultante do Congresso
Indigenista Interamericano, ocorrido em Pátzcuaro no México em 1940. O Brasil aderiu em
1953, através do Decreto Legislativo nº 55. Um dos objetivos era estimular a criação de
institutos indigenistas nacionais, 16 foram criados.
O Instituto Indigenista Interamericano tem sede no México e no século XX perdeu
força, constituindo-se em razão da falta de investimentos, como acervo de documentação para
os institutos nacionais e membros da Organização dos Estados Americanos – OEA. Os
institutos nacionais continuaram com sua jornada, a exemplo da FUNAI no Brasil, que aderiu
em 1953, através do Decreto Legislativo nº 55. Um dos objetivos era estimular a criação de
institutos indigenistas nacionais, 16 foram criados. Outros 10 congressos interamericanos se
realizaram entre os anos de 1949 a 1993, tendo um deles ocorrido em Brasília no ano de 1972.
414
INSTITUTO SÓCIOAMBIENTAL. Povo Indígenas no Brasil na Atualidade. Disponível em:
<https://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/o-que-e-politica-indigenista/na-atualidade>. Acesso
em: 13 Mar.2017.
415
SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma Política Indigenista:
Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Contra Capa: Rio de Janeiro, 2002. P. 12.
133
A referida convenção ainda é vigente e traz no seu preâmbulo as questões macro a serem
desenvolvidas pelos países aderentes:
416
SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma Política Indigenista:
Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Contra Capa: Rio de Janeiro, 2002. P. 10.
417
VERDUM, Ricardo. Etnodesenvolvimento: A "Pedra de Toque" no Neo-Indigenismo? Anais da 56ª Reunião
Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004. Disponível em:
<http://www.sbpcnet.org.br/livro/56ra/banco_conf_simp/textos/RicardoVerdum.htm>. Acesso em: 07 Jun.2017.
134
418
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. Súmula 650: “Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição
Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1634>. Acesso
em: 02 Abr.2017.
419
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Função Social da Terra. Fabris: Porto Alegre, 2003. p. 50.
420
LAS CASAS, Fray Bartolomé. Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias. 3ª Edición. Prólogo:
Olga Camps. Fontamara: México. D.F., 2014. p. 32, 54.
135
Esse processo de mudança ocorrido na terra que passou a ser “propriedade”421 com a
colonização, buscou a todo custo instaurar entre os nativos do Brasil e da América uma mão-
de-obra voltada para o sistema de produção capitalista nascente. Numa conjuntura em que o
homem das Américas era livre e vivia integrado à terra, dela tirando seu sustento, a lógica de
trabalhar para um patrão mediante salário, que fosse, não gerou qualquer interesse. A
violência e os trabalhos forçados foi um dos caminhos adotados por portugueses durante o
período colonial para obrigar os nativos ao trabalho. Com a chegada de Marques de Pombal
(1760-1808) e a implantação da politica de aldeamentos essa premissa do trabalho será
radicalmente imposta, com os índios e com os negros trazidos de várias regiões da África
colonial portuguesa.422
Ainda sobre a análise do elemento territorial na seara econômica do capitalismo
nascente merece atenção as referências de Polanyi423 sobre a relação
homem/natureza/mercado, cujos pressupostos assinalam o homem e natureza como
instituições entrelaçadas, o trabalho como parte da vida humana e a terra/natureza/trabalho
como elementos não separados. E como esses elementos foram sendo atacados pelo sistema
de mercado. Separar o homem da terra foi o ponto central para implantar esse sistema de
produção fundado no assalariado e na produção para a mais valia, no caso português com a
exploração da mão-de-obra dos índios e escravos africanos nem salário se praticava. No seu
ambiente de produção homem/terra a “função econômica é apenas uma entre as muitas
funções da terra”, mas o capitalismo a resumiu a isto somente.
A lógica de criar uma cultura de mercado, produção e acumulação de capital definiu,
aquilo que Marx denominou de “descompasso entre o modo de produção da colônia e o modo
de produção capitalista” que impôs “acessões para forçar o trabalhador a seguir trabalhando
para adquirir a propriedade”424.
O Brasil pós-conquista marchava para se conformar como Estado nacional, para tanto
ainda no Império a Constituição de 1824 foi imposta por D. Pedro I, após deposição do
421
É nesse contexto que Carlos Marés nos ajuda a compreender a distinção entre terra e propriedade. Terra traz
consigo uma designação mais ampla que propriedade, sobretudo está inserida na ideia de bem comum, de um
bem coletivo, para os índios a terra é um elemento sagrado de proteção e que deve ser ao mesmo tempo
protegido. A ideia de propriedade da terra veio com os colonizadores e suas ideias liberais-capitalistas, para
quem a propriedade era um bem contratual para poucos, que deveria ser explorada.
422
Este capítulo sobre a escravidão no Brasil é uma página escrita a sangue pelos negros que não pode ser
esquecida. O Brasil tem em suas raízes a cultura negra; sua mestiçagem índio/negra formou a maioria dos
brasileiros enquanto povo.
423
POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Campus-Elsevier: Rio de Janeiro,
2000. p. 214-218.
424
MARX, Karl. O Capital: Crítica Da Economia Política. Livro primeiro. Abril Cultural: São Paulo, 1984. p.
377.
136
425
Em 1821 quando de sua partida do Brasil para Portugal, D. João VI orienta as Câmara Municipais para que
façam as eleições dos deputados para representarem o Reino do Brasil nas Cortes Gerais Extraordinárias e
Constituintes da Nação Portuguesa em Lisboa. Foram 97 os deputados e suplentes eleitos. Pelo Ceará foram 4
deputados, dentre eles, José Martiniano de Alencar.
426
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
Editora Claroenigma: São Paulo, 2012. p. 65.
427
Ibid., p. 68.
428
VALLE, Carlos Guillherme. Aldeamentos Indígenas no Ceará do Século XIX: Revendo Argumentos
Históricos sobre Desaparecimento Étnico. In PALITOT, Estêvão Martins (org). Na Mata do Sabiá:
Contribuições sobre a presença indígena no Caerá. Secult/Museu do Ceará/Imopec: Fortaleza, 2009. p. 121.
137
429
VALLE, Carlos Guillherme. Aldeamentos Indígenas no Ceará do Século XIX: Revendo Argumentos
Históricos sobre Desaparecimento Étnico. In PALITOT, Estêvão Martins (org). Na Mata do Sabiá:
Contribuições sobre a presença indígena no Caerá. Secult/Museu do Ceará/Imopec: Fortaleza, 2009. p. 144.
430
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro primeiro. Abril Cultural: São Paulo, 1984. Pp.
328/329, 342-344, 356.
431
Ibid., p. 328.
138
432
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro primeiro. Abril Cultural: São Paulo, 1984.p.
351.
433
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil. História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
Editora Claroenigma. São Paulo. 2012. P. 80.
139
434
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil. História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
Editora Claroenigma. São Paulo. 2012. p. 121.
435
RIBEIRO, Darcy. Falando dos Índios. Coleção Darcy no Bolso. Editora UNB: Brasília, 2010. P. 39. Sobre
Rondon, acrescenta Darcy: “Rondon não só afirmava o direito de os índios serem e continuarem índios, mas
criava todo um serviço, integrado por jovens oficiais, dedicados à localização e pacificação das tribos arredias e
à proteção dos antigos grupos indígenas dispersos por todo o país”.
436
Carta de Lei de 27.10.1831. Decreto de 3.06.1833. Regulamento 143 de 15.03.1842. Decreto legislativo 5.484
de 27.06.1928 - que elabora a cartilha conceitual e dispõe sobre quem são os índios nômades, aldeados em
promiscuidade com os civilizados etc.. São exemplos de legislação tutelar dos índios neste período referido.
437
DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Humanismo Latino: o Estado brasileiro e a questão indígena. In
MEZZAROBA, Orides (org.) Humanismo Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2003. p. 480.
438
Ibid., p. 487.
439
RIBEIRO, op., cit., p. 82.
140
uma ocupação territorial do País e assistir aos indígenas em “sentido jurídico e de orientar a
manifestação da vontade”440. De certa forma dando continuidade ao modelo colonial de
expropriação, mas diminuindo os abusos da igreja sobre os indígenas.
1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo
de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza,
crenças religiosas ou ideias políticas.
440
DANTAS, op., cit.. p. 488.
441
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. História do Serviço de Proteção ao Índio. Disponível
em: <http://www.funai.gov.br/quem/historia/spi.htm>. Acesso em: 09 Dez.2013.
141
442
Este mesmo Getúlio ainda seria eleito mais uma vez para um terceiro mandato como Presidente do Brasil,
iniciado em 1951 e encerrado prematuramente em 1954 com seu suicídio, diante de uma forte oposição dos
partidos desalinhados com o seu Governo e da mídia. Em sua carta testamento vê-se um politico perpetuando-se
na cena pública, saindo da política para povoar o imaginário dos saudosos getulistas, que reproduziram uma
militância entre trabalhadores urbanos, com alcance em regiões ermas do Brasil entre trabalhadores rurais e
urbanos, ainda hoje sem precedentes na história do Brasil.
443
O ícone impulsionador desse período foi a incursão dos irmãos Villas Boas no interior do Brasil indigenista
em um misto de coragem, dedicação e neo-colonização. Essa atuação se iniciou em 1943 e culminou com a
criação do Parque Nacional do Xingu em 1961.
142
representaria o estágio mais avançado” a que os índios poderiam chegar. Além do que, não se
reconhecia o caráter coletivo de tais populações.
O SPI demarcava as terras dos índios e evitava que fossem invadidas, protegia-os da
exploração de que eram vítimas por parte de alguns segmentos da sociedade
brasileira (comerciantes, exploradores de produtos naturais etc.). Além disso,
prestava atendimento de saúde, ensinava técnicas de cultivo, de administração de
444
seus bens e vários ofícios e proporcionava educação formal.
444
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. História do Serviço de Proteção ao Índio. Disponível
em: http://www.funai.gov.br/quem/historia/spi.htm. Acesso em: 09 Dez.2013.
445
LIMA, Antonio Carlos de Souza. HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma política indigenista:
Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Contra Capa: Rio de Janeiro, 2002. p. 12.
446
A Comissão Nacional da Verdade – CNV foi instituída pela Lei no. 12.528/2011. Em 16 de maio de 2012, a
Presidenta Dilma Roussef inaugurou formalmente as atividades da comissão.
143
Não são esporádicas nem acidentais essas violações: elas são sistêmicas, na medida
em que resultam diretamente de políticas estruturais de Estado, que respondem por
elas, tanto por suas ações diretas quanto pelas suas omissões.
Poder-se-ia assim distinguir dois períodos entre 1946 e 1988, o primeiro em que a
União estabeleceu condições propícias ao esbulho de terras indígenas e se
caracterizou majoritariamente (mas não exclusivamente) pela omissão, acobertando
o poder local, interesses privados e deixando de fiscalizar a corrupção em seus
quadros; no segundo período, o protagonismo da União nas graves violações de
direitos dos índios fica patente, sem que omissões letais, particularmente na área de
saúde e no controle da corrupção, deixem de existir. 451
447
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE – CNV. BRASIL. Observações sobre o Mandato Legal da
CNV do Brasil. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/images/documentos/Capitulo1/Nota%2025,%2030%20-
%2000092_003099_2014_23.pdf. Acesso em 03 Abr.2017. p. 3
448
Ibidem. p. 3.
449
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE – CNV. BRASIL. Guerrilha do Araguaia. Capítulo 14:.
Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/images/documentos/Capitulo14/Capitulo%2014.pdf>. Acesso em: 03
Abr.2017. p. 699.
450
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE – CNV. BRASIL. Violação de Direitos Humanos dos Povos
Indígenas. Anexo II: Texto 5. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-
%20Texto%205.pdf>. Acesso em: 03 Abr.2017. p. 2.
451
Ibidem. p. 2.
144
Durante o período investigado a CNV concluiu que ao menos 8.350 indígenas foram
mortos e os responsáveis impunes.
Ainda no período da ditadura militar, a partir de 1967 uma nova Constituição e logo
em seguida a mudança do Serviço de Proteção ao Índio - SPI para a Fundação Nacional do
Índio - FUNAI452, outra abordagem é inserida na politica de proteção ao índio no Brasil; com
mais colaboração da academia; na prática pesquisadores passaram a contribuir com projetos
cujos resultados nem sempre eram respeitados pelo governo militar de então. A FUNAI
nasceu com as finalidades de criar novas diretrizes para politicas indigenistas no Brasil e
garantir o seu cumprimento da política indigenista. Definiu nos artigos iniciais da lei que
criou os princípios do respeito à pessoa do índio e as instituições e comunidades tribais, em
tese um grande avanço. O marco temporal permaneceu para a questão da propriedade e posse:
garantia a posse permanente das terras que habitam e ao usufruto exclusivo dos recursos
naturais e de todas as utilidades nela existentes. Definiu ainda como princípios: preservação
do equilíbrio biológico e cultural do índio, no seu contacto com a sociedade nacional e
resguardo à aculturação espontânea do índio, de forma a que sua evolução sócio-econômica se
processe a salvo de mudanças bruscas.
A tutela continuava aos indígenas pelo Estado brasileiro, que incluía, gerir o
patrimônio indígena, no sentido de sua conservação, ampliação e valorização, promover
levantamentos, análises, estudos e pesquisas científicas sobre o índio e os grupos sociais
indígenas, promover a prestação da assistência médico-sanitária aos índios, a educação de
base apropriada do índio visando à sua progressiva integração na sociedade nacional. Dois
elementos inseridos no texto da lei que criou a FUNAI chama a atenção: despertar, pelos
instrumentos de divulgação, o interesse coletivo para a causa indigenista – que denota uma
intenção de ganhar a opinião pública para a politica indigenista em questão; e exercitar o
poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do índio – ou seja, o
poder de utilizar a violência do Estado dentro das terras indígenas. Essa politica se mantém
até nossos dias com a autorização dada pelo Estado para o uso de forças de segurança
nacional para Estados, Municípios e na proteção do meio ambiente, para manutenção da
ordem pública, enfim, na prática tem sido utilizada para conter conflitos ambientais em torno
de áreas de conflitos entre indígenas e proprietários de terras. Os riscos de que a fim de
proteger não sejam as forças de segurança algozes dos próprios indígenas é alto, como se
verificou em confrontos ocorridos na terra indígena Raposa Terra do Sol. A FUNAI até a
452
Lei Nº 5.371, de 5.12.1967.
145
453
LIMA, Antonio Carlos de Souza. HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma política indigenista:
Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Contra Capa: Rio de Janeiro, 2002. p. 10.
454
Ibid., p. 20.
455
Lei nº 6.001 de 19.12.1973.
456
DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Humanismo Latino: o Estado brasileiro e a questão indígenas. In
MEZZAROBA, Orides (org.) Humanismo Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2003. p. 489.
146
politico culminará nos avanços, obtidos com a Constituição Federal de 1988. No processo
constituinte brasileiro a questão indígena ocupa espaço na agenda do congresso, pondo em
lados opostos interesses econômicos regionais e o lobby pró-índio. Os primeiros traziam o
discurso que “há muita terra para pouco índio”457.
As perspectivas adotadas pela Constituição de 1988 tiveram inspiração nos
documentos produzidos nos seminários interamericanos e convenções das quais o Brasil havia
participado ativamente, especialmente pelos militantes acadêmicos e movimentos sociais. A
exemplo das discussões que se realizaram em 1981, em São José da Costa Rica, onde a
questão nascente do etnodesenvolvimento foi tema central. O etnodesenvolvimento458 é o
conjunto de ações que fincadas na defesa da identidade indígena em seu território de ação,
modos de vida, usos e costumes, busca se associar aos imperativos do desenvolvimento
econômico e social pautadas pelo Estado e o mercado. Uma alternativa para tirar da miséria
os povos indígenas no contexto do capitalismo global.
Conscientes que há uma luta a ser travada e um longo caminho a ser percorrido em
defesa dos índios, a Constituição Federal de 1988 traz em si o texto mais importante e avanço
normativo de todos os tempos no Brasil. O texto busca reconciliar o passado de exploração
com o reconhecimento às tradições, culturas, identidades, usos, costumes e terras necessárias
à sobrevivência dos indígenas e seus cultos, ex vi Art. 231. Além do referido artigo, merece
destaque o artigo 232.
No Art. 231 está protegido o direito à identidade do povo indígena, à medida que se
reconhece sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições. Assim como o direito
de propriedade, vastamente instituído, sobre as terras que tradicionalmente ocupam459. Como
457
LIMA, Antonio Carlos de Souza. HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma política indigenista:
Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Contra Capa: Rio de Janeiro, 2002. p. 14.
458
VERDUM, Ricardo. Etnodesenvolvimento: A "Pedra de Toque" no Neo-Indigenismo? Anais da 56ª
Reunião Anual da SBPC - Cuiabá, MT - Julho/2004. Disponível em:
<http://www.sbpcnet.org.br/livro/56ra/banco_conf_simp/textos/RicardoVerdum.htm>. Acesso em: 07 Jun.2017.
Em sua comunicação na SBPC Verdum dirá que o Etnodesenvolvimento está pautado “nas diversas mudanças
nas formas de reprodução da vida política, econômica, social e cultural, associadas com o aumento no fluxo
intercultural de informações, idéias e conceitos decorrente dos avanços tecnológicos e da expansão das redes
transporte e de comunicação (estradas, rádio, televisão, telefonia, internet, etc.), que têm levado a reformas na
noção de desenvolvimento e na visão do papel do Estado e do lugar dos índios neste processo. A contestação do
modelo econômico de desenvolvimento verificado no último quarto de século tem ocasionado uma busca de
novas alternativas conceituais, discursivas e políticas que reordenem e re-legitimem o processo de acumulação
de capital em curso. O “etnodesenvolvimento” ou “desenvolvimento com identidade cultural” são tentativas de
reforma/reformulação da ideologia/utopia do desenvolvimento, especialmente da conotação “economicista” que
a impregnou de forma acentuada no pós-Segunda Guerra”.
459
Art. 231. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
147
Como visto, esse leque de direitos inscritos na CF/88 são de ordem ampla e
contemplam a garantia às terras (por meio da demarcação) e proteção à cultura com os modos
e usos, sobretudo. A reboque disto houve esforços do Governo Federal com programas
específicos de regularização fundiária e saúde em comunidades indígenas – através da
Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, entretanto, não foram suficientes para consolidar
uma politica nacional e cumprir as normas constitucionais vigentes. Em geral, as iniciativas
normativas brasileiras, buscaram integrar os indígenas à nação brasileira, unificando suas
culturas ao tipo nacional, negando suas coletividades, “nesta perspectiva o genocídio
continuou [...] os povos perdiam não só a visibilidade, mas a própria vida.”460
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º -
O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas
minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º - As
terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É
vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso
de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o
domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na
forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º - Não se aplica às terras indígenas o
disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
460
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A Liberdade e outros Direitos: ensaios socioambientais. Letra da
Lei: Curitiba, 2011. p. 139.
148
Em 1992 o Brasil ratificaria o Pacto de São José da Costa Rica (1969), cujas
referências à Declaração de Criação da OEA (Protocolo de Buenos Aires) e
consequentemente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pautarão temas, ações e
protagonizarão processos em que figuram lesão a direitos humanos dos indígenas na América
Latina, mantendo vivo constantemente o tema da defesa dos povos indígenas em nível
internacional.
Apesar de todos os esforços do governo brasileiro, falta uma política federal
transparente para os indígenas no Brasil o que gera instabilidade e conflitos, como temos visto
nos noticiários, a exemplo: caso de Belo Monte461 ou da reserva Raposa Serra do Sol462, senão
vejamos:
A demora do Estado brasileiro em reconhecer e demarcar todas as terras indígenas
garantidas pela Constituição Federal de 1988 é responsável pela crescente tensão no
campo entre indígenas e produtores rurais. Este foi um dos pontos de consenso entre
os debatedores presentes no Fórum Soja Brasil realizado na noite desta quinta, dia
29, na Expointer 2013, em Esteio (RS). Com o tema 'Questão Indígena e Justiça
Social', o debate reuniu parlamentares e lideranças de produtores rurais e indígenas
na Casa RBS, com apresentação do jornalista João Batista Olivi. 463
Uma política de apoio aos índios deveria conter segundo Lima 464:
Uma política pública, ademais, deve atender a alguns requisitos que os especialistas
indicam como indispensáveis à sua realização, considerando que estas são um conjunto de
programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado diretamente ou indiretamente, com a
461
Um dos maiores focos de embate entre ambientalistas e o governo nos últimos anos, a polêmica sobre a
construção da usina Belo Monte, no Pará, se arrasta há mais de três décadas e se acirrou após disputas políticas.
Notícia veiculada no Estadão em 2011.
462
REDE GLOBO DE TELEVISÃO. Entenda o Conflito na Terra Indígena Raposa Terra do Sol.
Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL464471-5598,00-
ENTENDA+O+CONFLITO+NA+TERRA+INDIGENA+RAPOSA+SERRA+DO+SOL.html>. Acesso em 03
Abr.2017: “De acordo com o Ministério da Justiça, o processo de demarcação da reserva começou na década de
70 e "praticamente todos os não-índios que a ocuparam de boa-fé já foram indenizados ou reassentados". A
assessoria do ministério afirma que a resistência se reduz a um pequeno grupo de produtores de arroz que se
instalou no local no início dos anos 90 e ampliou sua área de produção, mesmo sabendo que as terras eram de
propriedade da União. Moradores da região contestam a demarcação da terra indígena e a necessidade da retirada
de não-índios da área”.
463
NEULS, Gisele. Conflito entre Proprietários e Indígenas é Agravado por demora do Governo em
enfrentar a Questão. Disponível em: http://sojabrasil.ruralbr.com.br/noticia/2013/08/conflito-entre-
proprietarios-e-indigenas-e-agravado-por-demora-do-governo-em-enfrentar-a-questao-4251839.html. Acesso
em: 18 Nov 2013.
464
LIMA, Antonio Carlos de Souza. HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma política indigenista:
Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Contra Capa: Rio de Janeiro, 2002. p. 17.
149
465
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA. O Que São Políticas Públicas. Disponível em:
<http://www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/File/coea/pncpr/O_que_sao_PoliticasPublicas.pdf>. Acesso em:
10 Dez.2013.
466
CARVALHO, Maria de Lourdes. Et all. Implementação de Políticas Públicas: Abordagem Teórica e
Crítica. X Colóquio Internacional sobre Gestão Universitário no Sul. Mar Del Plata. 2010.
467
CALDAS, Ricardo Warhendorff. Políticas Públicas: conceitos e práticas. Sebrae: Belo Horizonte, 2008: o
plano delineia as decisões de caráter geral, as suas grandes linhas políticas, suas estratégias e o projeto é o
documento que sistematiza e estabelece o traçado prévio da operação de uma unidade de ação. É, portanto, a
unidade elementar do processo sistemático da racionalização de decisões, suas diretrizes. O programa é,
basicamente um aprofundamento do plano: os objetivos setoriais do plano irão constituir os objetivos gerais do
programa. É o documento que detalha por setor, a política, diretrizes, metas e medidas instrumentais. É a
setorização do plano.
468
KINGDON, John W. Agendas, Alternatives and Public Policies. Addison-Wesley Longman: United States
of America, 1994.
150
Para o Estado brasileiro e seus governantes a questão indígena sempre girou em torno
do direito à propriedade da terra - esta que foi expropriada dos índios, já referido antes. As
politicas públicas foram sendo geridas por governos, que na história recente, não tinham
interesses em garantir os direitos humanos sociais e culturais desses povos, como proposto na
CF/88 e criam interpretações que impeçam o seu cumprimento. A este respeito convém
lembrar a observação do Marés469, “as elites locais sempre imaginam que suas Constituições
podem deixar de ser aplicadas por falta de leis que as regulamente.”.
Precisamos mudar a perspectiva do exercício dos direitos indígenas, para além do
direito individual, conclui acertadamente Marés:
469
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. A Liberdade e outros Direitos: Ensaios Socioambientais. Letra da
Lei: Curitiba, 2011. p. 136.
470
Ibid., p. 136.
471
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. Terras Indígenas: o que é?. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/demarcacao-de-terras-indigenas>. Acesso em: 03 Abr.2017.
472
Regularizadas são as terras que, após o decreto Presidencial de homologação, foram registradas em Cartório
em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União.
151
Delimitada 38 5.531.936,6827
Declarada 72 3.415.646,6662
Homologada 17 1.586.696,8980
Regularizada 435 105.648.344,8943
Total 562 116.997.082,2490
Em Estudo 114 5.769,0000
Portaria De Interdição 6 1.084.049,0000
473
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. Índios do Brasil: Terras Indígenas. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas>. Acesso em: 03 Abr.2017.
152
474
Não conseguimos os dados precisos da portaria de reconhecimento da reserva indígena Taba dos Anacés. Em
2014 o Governo do Ceará e Petrobrás doam um terreno e investimentos de 30 milhões para estruturar a RI.
153
Nenhum pedido de estudos sobre terras indígenas e/ou índios Kariri do território do
Cariri cearense tramita na Funai até a data de defesa desta tese.
Dentre os povos indígenas do Ceará os Tapebas de Caucaia são dos mais conhecidos.
Em 2008 contavam com 5.500 índios e mesmo tendo sido delimitada a área por decisão da
FUNAI, ainda pende decisão judicial sobre a propriedade das terras475. Outras 12 etnias ainda
estão entre estudos preliminares, identificação e delimitação, algumas com visitas já
realizadas pela FUNAI, outras em estudos iniciais por pesquisadores ligados às diversas
Universidades do Brasil ou pesquisadores independentes. Todas em situação de conflito com
o Estado ou iniciativa privada.
Os índios Kariri476 que em 2008 eram 60 indivíduos, localizados no Município de
Crateús, já foram visitados por estudiosos. Em 2010 a população que se declara indígena
neste Município foi para 613 indivíduos, conforme dados do IBGE.
Muito se tem discutido sobre a atuação da FUNAI e a morosidade dos processos de
demarcação de terras indígenas. Este órgão cuja finalidade principal atualmente é a
regularização fundiária em terras indígenas477 não tem conseguido seu intento. No Ceará
nenhum processo durou menos do que três anos. No Censo populacional do Brasil, realizado
pelo IBGE, em 2010 foram contados 896,9 mil índios (autodeclarados); 305 etnias e 274
línguas reconhecidas.478
Em conformidade com relatório do IBGE479, a população indígena no Brasil cresceu
pouco entre 2000 e 2010 mantendo-se em patamares iguais de crescimento 1,1%. Esse índice
quando comparado aos censos de 1991/2000 é nove vezes menor 10,9%.
Em dados absolutos no período de 1991 a 2000 se autodeclararam indígenas 440 mil
pessoas no Brasil, que significou 150% de crescimento aos dados existentes. Entre 2000 a
475
CAMILO, Ana Sinara. SILVEIRA, Brunna Grasiella Matias. A Regularizaçao das Terras Indígenas no
Ceará. Comunicação Oral. Sessão Diálogos 5: XXI Encontro Regional dos Estudantes de Direito. Encontro
Regional de Assessoria Jurídica Universitária. Crato. 2008. Disponível em:
<http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD5_files/Ana_CAMILO.pdf>. Acesso em: 07 Set.2015.
476
CAMILO, Ana Sinara. SILVEIRA, Brunna Grasiella Matias. A Regularizaçao das Terras Indígenas no
Ceará. Comunicação Oral. Sessão Diálogos 5: XXI Encontro Regional dos Estudantes de Direito. Encontro
Regional de Assessoria Jurídica Universitária. Crato. 2008. Disponível em:
<http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD5_files/Ana_CAMILO.pdf>. Acesso em: 07 Set.2015.
477
A FUNAI desde o Governo Collor de Melo tem sofrido redução em sua atuação. Em 1991 através dos
decretos 23, 24, 25 e 26, de fevereiro daquele ano a FUNAI cedeu aos Ministérios da Saúde, Educação e Meio
Ambiente muitas ações que lhe eram próprias nestes setores. Saúde/Funasa.
478
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Mapa Indigena do Brasil.
Disponível em: http://indigenas.ibge.gov.br/mapas-indigenas-2. Acesso em: 04 Abr 2017.
479
INSTITUTO BRASILEIROO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Os Indígenas no Censo
Demográfico de 2010: primeiras considerações com base no quesito cor e raça. Rio de Janeiro. 2012. Disponível
em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 19 Jun.2017. p. 7.
154
480
INSTITUTUO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE, op., cit., p. 8.
481
FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e Desafios da
Implementação dos Direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In VERDUM, Ricardo. Organizador.
Povos Indígenas: Constituições e Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos
Socioeconômicos - INESC, 2009. P. 23.
482
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. UNESCO.
Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil. UNIC-RIO e Instituto Socio-Ambiental. ISA.
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas: Perguntas e Respostas. Brasília, 2008.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001627/162708POR.pdf>. Acesso em 07 Jun.2017.
155
483
FUNAI. Fundação Nacional do Índio. Brasil. Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. PPA
FUNAI 2016-2019. Ministério da Justiça: Brasília – DF, 2016. P. 22.
156
Quadro 12 - Comparativo entre o texto constitucional que institui direitos aos povos indígenas e o Decreto que
institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas
484
PNGATI – Artigo 1º.
157
Quadro 13 - Comparativo entre o texto constitucional que institui direitos aos povos indígenas, Resolução 169 da
OIT e o Decreto que institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas
baixa efetividade por falta de instrumentos administrativos e legais. Sobretudo quando se trata
de direitos gerais como: a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução
física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia
sociocultural.
Em todos os instrumentos normativos analisados neste e no quadro 9, anteriores, há
uma benevolência e previsão de direitos destinados aos indígenas, mesmo que haja descarado
descumprimento dessas normas. As diretrizes gerais da PNGATI são textos expressivos que
ampliam o conteúdo inserto na CF/88, mas sofrem a limitação de ser uma política para a
gestão das Terras Indígena sem adentrar as questões temáticas relevantes, previstas da
Convenção 169 da OIT referidas no quadro 16, que dizem respeito ao modo de atuação do
Estado e Governo e a participação dos indígenas no processo de decisão sobre as ações que
impactam o patrimônio socioambiental da terra indígena, assim como lesão a direitos
coletivos socioambientais.
Dentre as diretrizes da PNGAT analisamos aquelas com maior potencial de
dificuldade executiva:
a) Protagonismo e autonomia sociocultural dos povos indígenas. Deixou de fora a
autodeterminação. Somente através desse mecanismo os povos indígenas poderão viver
plenamente sua autonomia sociocultural. A primeira conferência nacional de política
indigenista se realizou em 2015 mas as politicas públicas para a autodeterminação não
avançaram.
b) Proteção e fortalecimento dos saberes, práticas e conhecimentos dos povos
indígenas e de seus sistemas de manejo e conservação dos recursos naturais. Este ponto é
sensível porque sugere algo que na prática não tem sido respeitado pelo Estado, o direito
coletivo desses povos, a relação anímica deles com a terra e o autogoverno de usos e
costumes.
Os objetivos da PNGATI foram estruturados em eixos temáticos, a saber: Eixo 1 -
proteção territorial e dos recursos naturais; Eixo 2 - governança e participação indígena; Eixo
3 - áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas; Eixo 4 - prevenção e
recuperação de danos ambientais; Eixo 5 - uso sustentável de recursos naturais e iniciativas
produtivas indígenas; Eixo 6 - propriedade intelectual e patrimônio genético; Eixo 7 -
capacitação, formação, intercâmbio e educação ambiental.
Seguindo a lógica esposada antes, de que uma politica publica indigenista deveria ser
elaborada e executada com: planejamento de governo transformado em diretrizes para ação,
redistribuição de recursos captados pelo Estado brasileiro e abordagem de diferentes
159
aspectos da vida dos povos indígenas, com interlocução dos índios, modo de organização e
gestão política nativa. Podemos considerar que a PNGATI contempla dois destes elementos
formadores, uma vez que a redistribuição de recursos depende de dotações orçamentárias não
expressos no contexto de execução da referida politica. Deixando no vácuo a definição de
ações e recursos para sua implementação. A novidade está em que pela primeira vez em 2015
se inseriu no PPA 2016/2019 da FUNAI as ações e metas precisas para a implantação de
alguns elementos da PNGATI, o documento produzido pela FUNAI485 para divulgar esta
ação, não indica os valores expressos para alcançar as metas. Em termos de politicas públicas
falta neste elemento a transparência pública, condição para avaliação dos resultados no curto,
médio e longo prazos.
Por outro lado os objetivos da política de gestão territorial para as terras indígenas,
conforme as regras do direito e do Estado brasileiro vigente, não conseguem dialogar com um
autogoverno de usos e costumes das populações originais e com os meios de produção
comunal, de não acumulação de bens e/ou capital. Os caminhos para superar essas
contradições dentro da politica não foram indicados pelo Estado. A realização da primeira
conferência em setembro de 2015 colocou algumas destas questões em pauta.
Na cerimônia de instalação do Comitê Gestor da PNGATI486, em outubro de 2013,
mais de um ano da edição do decreto de criação, se pode perceber do relato das autoridades e
membros do referido comitê, presente, algumas informações relevantes: a primeira delas é a
declaração pública do caráter dialógico da construção do instrumento normativo, um
importante avanço no planejamento de ações que envolvem comunidades indígenas, e a
segunda é a falta de recursos expressamente destinados para a implementação da referida
política, que compromete a sua realização e contraria a essência do que é formalmente uma
política pública.
Politicas públicas para enfrentar questões indígenas estão no rol dos direitos que o
Estado Brasileiro se comprometeu em assegurar desde a aprovação pelo Brasil do Congresso
Indigenista Interamericano, em 1940, enquanto signatário com o Decreto 55 de 1953, as
discussões e registros do congresso apontam a questão indígena como de interesse público e
485
FUNAI. Fundação Nacional do Índio. Brasil. Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. PPA
FUNAI 2016-2019. Ministério da Justiça: Brasília – DF, 2016.
486
Previsto no Art. 6o O Comitê Gestor da PNGATI é responsável pela coordenação da execução da política,
será integrado por representantes governamentais e representantes indígenas, conforme ato conjunto dos
Ministros de Estado da Justiça e do Meio Ambiente com funções, dentre outras de propor ações, programas e
recursos necessários à implementação da PNGATI no âmbito do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e
do orçamento anual.
160
urgente487. Sendo, pois de interesse público relevante a PNGATI, assim compreendido como
prioridade dos investimentos públicos para essa politica, ou politicas. O tema não passou
despercebido pelas autoridades presentes na instalação do referido comitê, vejamos:
3.3.2.2 Conselho Nacional de Politica Indigenista – CNPI e outras politicas públicas 2016-
2019.
487
FARIAS, Caroline. A Convenção de 1940. Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC 2014 –
Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3. Disponível em:
<http://anphlac.fflch.usp.br/sites/anphlac.fflch.usp.br/files/Caroline%20Faria%20Gomes.pdf>. Acesso em: 07
Abr.2017. p. 05.
488
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF. Boletim de Notícias. Edição n° 199/ 2013 Brasília, 4 de
novembro de 2013. Disponível em: <http://6ccr.pgr.mpf.mp.br/institucional/clipping/04_11_2013.pdf>. Acesso
em: 10 Dez.2013.
489
FUNAI. Fundação Nacional do Índio. Etnomapeamento de Terras Indígenas. Disponível em:
<http://cggamgati.funai.gov.br/files/1714/8776/9858/Etnomapeamento_TI_Entre_Serras_de_Pankararu.pdf>.
Acesso em: 20 Jun.2017.
490
FUNAI. Fundação Nacional do Índio. Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas.
Disponível em: <www.funai.gov.br>. Acesso em: 20 Jun.2017.
161
Garantir aos povos indígenas a posse plena sobre suas terras, por meio de ações de
proteção dos povos indígenas isolados, demarcação, regularização fundiária e
proteção territorial;
As ações, ainda que tímidas, do governo brasileiro para a proteção dos povos
indígenas, considerando a demora em processos de demarcação e a opção clara do atual
Governo brasileiro, através do Judiciário, Congresso Nacional e Poder Executivo em proteger
o agronegócio e os interesses dos proprietários de terras, avançaram em conhecimento e
visibilização dos povos indígenas, ainda que estes estejam como nunca antes na história pós-
colonial desse país em luta para manter a visibilidade, ampliar e manter direitos.
491
FUNAI. Fundação Nacional do Índio. Brasil. Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. PPA
FUNAI 2016-2019. Ministério da Justiça: Brasília – DF, 2016. p. 6.
163
492
FUNAI. Fundação Nacional do Índio. Brasil. Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. PPA
FUNAI 2016-2019. Ministério da Justiça: Brasília – DF, 2016. p. 24.
493
BRASIL. Governo Anuncia Corte de 42,1 Bilhões em Despesas. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2017/03/governo-anuncia-corte-de-r-42-1-bilhoes-em-
despesas>. Acesso em: 21 Jun.2017.
494
CORREIIO BRASILEIENSE. Exoneração de Presidente e Corte de Verba: FUNAI Ameaçada de
Extinção. Disponível em:
<http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2017/05/06/internas_polbraeco,593395/exoneracao-
de-presidente-e-corte-de-verba-funai-esta-ameacada-de-exti.shtml>. Acesso em 21 Jun.2017.
164
Estado de garantir a paz social; as migrações de povos que foram durante séculos explorados
em seus territórios, seja pela colonização europeia, seja pelo avanço do capitalismo financeiro
que adveio com a globalização; o terrorismo e a cada vez mais influente onda de poder dos
grupos econômicos empresariais multinacionais, outro avanço que veio com a globalização.
Esta que é igualmente, um padrão de poder do capitalismo colonial/moderno, eurocentrado495.
Outro indicador que corrobora esta crise do Estado-Nacional é a revolução da informática,
como assevera Fritjof Capra496, esta revolução fez mudar as relações de poder antes fincada
no Estado, em torno da ideia de soberania. A era da informática obriga uma atuação em rede e
“a participação nessas redes é uma fonte crítica de poder”. Todos os setores que integram o
Estado e fora dele estão imersos em redes: economia, segurança, politica, criminalidade.
Não é com surpresa que assistimos a desconstrução da ideia unificadora do Estado
moderno. Também na Europa o Estado em substituição às gens-famílias já era anunciada por
Engels497 em 1884 como um projeto de poder central exploratório que tem sua gênese nos
conflitos sociais e econômicos existentes que não visava a igualdade social e a desigualdade
fatalmente resultará em precarização de direitos. Para Engels:
O Estado não é ... uma realidade da ideia ética, nem a imagem e a realidade da
razão, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando essa chega a
um determinado grau de desenvolvimento. É o reconhecimento de que essa
sociedade está enredada numa irremediável contradição com ela própria, que está
dividida em oposições inconciliáveis de que ela não é capaz de se livrar. Mas para
que essas oposições, classes com interesses econômicos em conflito não se devorem
e não consumam a sociedade numa luta estéril, tornou-se necessário um poder
situado aparentemente acima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a
mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Esse poder, surgido da sociedade, mas que
se coloca acima dela e que se aliena cada vez mais dela, é o Estado.
Tendo nascido da sociedade e suas divisões de classes, o Estado não teve em sua
origem a legitimidade para se estabelecer, exceto pelo uso da força. De modo que os
elementos fundantes, além do território, da imposição de impostos, nasceu com o Estado a
495
QUIJANO, Anibal. La colonialidad del poder. In: LANDER, Edigard (Org.). La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CICCUS. 2011. 264. (p. 219-
260).
496
CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 141-167. Para o autor “A ascensão da
sociedade em rede foi acompanhada pelo declínio do Estado nacional como entidade soberana. Metidos em redes
globais de turbulentos fluxos financeiros, os governos são cada vez menos capazes de controlar a politica
econômica nacional; já não podem dar à seus cidadãos as vantagens tradicionais do estado de bem-estar social;
perdendo a guerra contra uma nova economia globalizada do crime; e sua autoridade e legitimidade são cada vez
mais postas em questão.”
497
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 1ª Edição 1884.
Tradução de Ciro Mioranza. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. 2.a Edição Revisada. Editora
Escala: São Paulo. S.d. p. 185.
165
força pública e a força de polícia498. A América Latina, neste cenário de crise do Estado tem
que administrar em conjunto a crise étnica e social – legado da colonização.
É no alvorecer do século XXI que surgem reflexões em torno das possibilidades de um
giro de-colonial, que de um lado garanta direitos para os povos indígenas e tradicionais
“encobertos” desde 1492, do outro construa direitos e/ou uma perspectiva de Estado
Plurinacional499, que ampare a etnodiversidade, no dizer de Fernando Dantas que tenha o
desenho “do mosaico social brasileiro”500, ou seja, o multiculturalismo como princípio
constitucional. As razões para pensar e agir dessa forma está na construção do projeto de
modernidade e de Estado que foi imposto pelo colonizador e que tem como um dos eixos
fundamentais a ideia de raça, que associada a uma classificação social gerou no caso em
questão a colonização da raça inferior (índio, negro, mestiço) em contraposição à
superioridade (europeu, branco), servindo a dominação como uma justificativa de
inferiorização. A expansão do colonialismo europeu resultou na perspectiva eurocêntrica
também do conhecimento.501
Sob o ponto de vista econômico, a razão mais expressiva da colonização na América
inseriu na relação capital-salário novos elementos: a escravidão (indígena e posteriormente
africana), servidão e pequena produção mercantil. Com a distribuição geográfica-racial do
controle do trabalho centralizado na Europa, esta se consagrou como o centro do mundo,
ainda hoje de certa forma, vigente. A Europa já está vivendo sua própria crise do Estado-
nação: conflitos de classes e entre grupos radicais ultra territoriais se agudizaram, resultando
em terrorismos, mortes e invasões migratórias.
A América Latina busca mudanças capazes de refundar a ideia de Estado, civilização e
desenvolvimento fundados na igualdade. Uma sociedade comunista, ausente a ideia de Estado
como a que conhecemos e das diferenças de classes, em que a sociedade, “reorganizará a
produção na base da associação livre e igual dos produtores”502 parece ser a proposta de
498
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 1ª Edição 1884.
Tradução de Ciro Mioranza. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. 2.a Edição Revisada. Editora
Escala: São Paulo. S.d. p 185.
499
Como alternativa ao Estado Nacional e ao Estado Plurinacional Fritjof Capra apresenta o “Estado em rede
(network state)... em que todos os membros são independentes... sendo a União Europeia a manifestação mais
clara de uma rede desse tipo”. CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas. São Paulo: Cultrix, 2006. P. 141-167.
500
DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Humanismo Latino: o Estado brasileiro e a questão indígenas. In
MEZZAROBA, Orides (org.) Humanismo Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2003. P. 494.
501
QUIJANO, Anibal. La colonialidad del poder. In: LANDER, Edigard (Org.). La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CICCUS. 2011. 264. (p. 219-
260). p. 123.
502
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 1ª Edição 1884.
Tradução de Ciro Mioranza. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. 2.a Edição Revisada. Editora
166
Engels, nos idos de 1884. Em substituição ao Estado como síntese do sistema introduzido
para a exploração das classes dominadas, e consequentemente de mazelas que criticamos nas
sociedades do século XXI, como o machismo, perdas de direitos e aumento de deveres pelos
cidadãos pobres do mundo em afirmação de desigualdades, repressão das forças policiais a
movimentos democráticos, expansão do capital internacional etc:
Escala: São Paulo. S.d. p. 188. Engels enfatiza que nem sempre existiu Estado e “Em todos os estágios anteriores
de sociedade, a produção era essencialmente coletiva e o consumo se realizava também por distribuição direta
dos produtos no interior das comunidades comunistas, maiores ou menores. Esse caráter comum da produção
verificava-se dentro dos mais estreitos limites, mas trazia consigo a dominação dos produtores sobre seu
processo de produção e seu produtos. Sabiam o que era feito do produto: consumiam-no, ele não saía de suas
mãos. E, enquanto a produção se processa nessa base, não pode gerar poderes fantasmas estranhos a eles, como
ocorre regular e inevitavelmente na civilização.”
503
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 1ª Edição 1884.
Tradução de Ciro Mioranza. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. 2.a Edição Revisada. Editora
Escala: São Paulo. S.d. p. 190.
504
QUIJANO, Anibal. La colonialidad del poder. In: LANDER, Edigard (Org.). La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CICCUS. 2011. p., 144.
505
QUIJANO, op., cit., p. 144.
506
QUIJANO, op., cit., p. 146.
167
“avançar e conquistar direitos políticos e civis”. Sem esquecer de conter o controle politico no
capitalismo mundial, será que é possível? Quijano propõe que a América Latina deve se livrar
do espelho eurocêntrico que nos deforma.
No século XXI os desafios que precisamos enfrentar na ordem dos direitos indígenas
são em verdade, a continuidade de um debate sobre direitos que se arrastam há mais de 500
anos, com pontuações bem específicas em conteúdo e nas datas. Infelizmente.
Descolonizar é romper com o padrão do Estado e, consequentemente, dos Direitos que
resultam em exploração e destruição continuada dos povos e nações indígenas e povos
tradicionais na América Latina. Esse processo histórico que impôs restrição da existência de
práticas, saberes e existires dos povos e nações de indígenas e povos tradicionais na América
Latina. Dizem, a maioria dos povos nativos na América Latina, que não se trata de fundar
outros Estados dentro do Estado, mas não podemos negar que se trata de conviver várias
nações dentro de um Estado, se é que é possível essa convivência sem ferir a ideia nascente de
Estado, como temos hoje no ocidente. A nosso ver é impossível!, a menos que tenhamos
como ponto de partida não a ideia de Estado, mas a paz social como objetivo último da
politica e do direito. Isso implica em partir da realidade atual em que há excluídos e
exclusores507 – a partir dos quais, ambos têm direito à busca dessa paz social; faz sentido se
pensarmos que a nação existe como um dado da realidade, com seu existir social, com seu
direito próprio, com seus usos e costumes, ainda assim seria construir um diálogo intestino
entre Estado Indígena e Estado não-Indígena.
507
VARGAS, Idón Moisés Chivi. Os Caminhos da Descolonização na América Latina: os Povos Indígenas e o
Igualitarismo Jurisdicional na Bolívia. In. VERDUM, Ricardo. (Org). Povos Indígenas: Constituições e
Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituo de Estudos Socioeconômicos - INESC, 2009. p. 164.
168
508
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos Indígenas no Brasil. Quadro Geral. Disponível em:
<http://pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral>. Acesso em: 11 Dez.2013.
509
MINISTÉRIO DA SAUDE. Conheça a Secretaria SESAI. Disponível em:
<http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/conheca-a-secretaria-sesai>. Acesso em: 23 Jun.2017: A Secretaria
Especial de Saúde Indígena (Sesai) é a área do Ministério da Saúde responsável por coordenar a Política
Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena (SasiSUS), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Criada em outubro de 2010, a Sesai
surgiu a partir da necessidade de reformulação da gestão da saúde indígena no país, demanda reivindicada pelos
próprios indígenas durante as Conferências Nacionais de Saúde Indígena. A missão da secretaria é implementar
um novo modelo de gestão e de atenção no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, articulado com
o SUS (SasiSUS), descentralizado, com autonomia administrativa, orçamentária, financeira e responsabilidade
sanitária dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Entre as atribuições da Sesai destacam-se:
Desenvolver ações de atenção integral à saúde indígena e educação em saúde, em consonância com as políticas e
os programas do SUS e observando as práticas de saúde tradicionais indígenas; Planejar e coordenar as ações de
saneamento e edificações de saúde indígena; Promover o fortalecimento do Controle Social no Subsistema de
Atenção à Saúde Indígena. Para executar essas ações, a estrutura administrativa da Sesai conta com: 3
departamentos: Departamento de Gestão da Saúde Indígena (DGESI), Departamento de Atenção à Saúde
Indígena (DASI), Departamento de Saneamento e Edificações de Saúde (DSESI). Além dos DSEIs, há, ainda,
os Polos Base, Casas de Saúde Indígena (Casais) e postos de saúde.
510
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos Indígenas no Brasil. Quadro Geral. Disponível em:
<https://pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral>. Acesso em 23 Jun.2017.
511
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Censo Demográfico 2010.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm>. Acesso em: 24
Jun.2017.
169
Um lapso temporal de 200 anos desde 1780 foi o tempo que indígenas retomassem sua
luta pública pelo reconhecimento de suas identidades no Ceará. Estêvão Martins marca essa
retomada em 1980, com a igreja católica através da ação da Pastoral Indígena em Crateús e
Fortaleza e da Associação Missão Tremembé e Movimento de Apoio aos índios Pitaguary.
Em 2010 o referido autor observa que somente uma reserva foi regularizada.512
Em 2008 havia no Ceará 20 etnias conhecidas e divulgadas por ocasião da XIV
Assembleia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará513, dentre as quais: Tremembé já
homologada a demarcação de terras no município de Acaraú; Pitaguary em processo de
demarcação nos municípios de Maracanaú e Pacatuba. E em estudos preliminares pela
FUNAI os: Tremembé nos municípios de Acaraú e Itapipoca; Potyguara, Tabajara, Gavião e
Tubiba/Tapuia nos municípios de Monsenhor Tabosa e Tamboril. Em situação de
identificadas estão: Jenipapo Kanidé no município de Aquiraz; e Tremembé no município de
Itarema.
Todas as demais etnias emergentes estão sem reconhecimento pelo Estado: os Kariri
(Tapuya-Kariri) do município de São Benedito; os Kariri do município de Crateús, estimado
em 116 pessoas (34 famílias e 29 casas). Os Cariri no município do Crato, que é objeto desta
tese, não foi apresentada na XIV Assembleia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará. A
figura 22514, a seguir, demonstra a presença indígena no Ceará.
Figura 22 - Presença indígena no Ceará
512
PALITOT, Estêvão Martins (org). Na Mata do Sabiá: Contribuições sobre a presença indígena no Ceará.
Fortaleza: Secult/Museu do Ceará/Imopec, 2009. p. 39/42.
513
Ibid., p. 39/42.
514
PALITOT, op., cit., p. 38.
170
A Etnografia519 (do grego έθνο̋, ethno - nação, povo e γράφειν, graphein - escrever),
área a qual este tema da identidade está mais afeita, é para o Direito um terreno perigoso. Não
515
INSTITUO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Mapas Indígenas. Disponível em:
http://indigenas.ibge.gov.br/mapas-indigenas-2. Acesso em: 07 Set. 2015.
516
O percentual de pessoas que se autodeclararam índios em 2010, comparado com os dados da população de
2014 na região metropolitana do Cariri Quadro 15, é de 0,123%.
517
INSTITUTO DE PESQUISA E ESTRATÉGIA ECONÔMICA DO CEARÁ – IPECE. Perfil Regional.
Disponível em: <http://www2.ipece.ce.gov.br>. Acesso em: 07 Set.2015.
518
Serviram de referência os dados do censo demográfico do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, 2010 e do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará - IPECE, Perfil Básico dos Municípios
do Ceará 2014.
171
será, contudo, sob o ponto de vista etnográfico que defendemos a tese de que os indivíduos da
comunidade do Sítio Poço Dantas são da etnia Kariri, é sob o ponto de vista do direito
socioambiental que o defendemos. Se o gesto de compreender as identidades dos povos
indígenas é, principalmente, um diálogo intercultural e social, porque não multidisciplinar?
Não há nessa afirmação, tampouco, o compromisso com o método utilizado
pela antropologia na coleta de dados, que se baseia, na maioria das vezes, no contato
intersubjetivo entre o pesquisador e o seu objeto.
Identificar um povo é caracterizar quem são essas pessoas e o que as tornam iguais
e/ou diferentes dos demais. Em sentido etimológico520 identidade descende do Latin
identitate, ou seja, qualidade de ser igual a outro, identificar é reconhecer como idêntico,
tornar idêntico, fazer de duas ou mais coisas uma só; transubstanciar-se uma coisa noutra.
Adotamos, contudo, para esta tese o conceito das ciências sociais, em Castells 521, que
denomina identidades para descrever as sociedades em rede em seus múltiplos significados.
Ao situar o conceito de identidades na multiplicidade e na atuação em rede a partir de uma
construção social processual, contextual e relacional de legitimação, resistência ou de um
novo projeto para a sociedade. A matéria-prima para a construção das identidades é fornecida
pela “história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória
coletiva e pelas fantasias pessoais, pelas pompas do poder e por revelações de cunho
religioso”522 e defendemos, pelo direito socioambiental. As identidades e seus elementos
significantes constituem a base da cultura de um povo.
As identidades, como base das culturas e, consequentemente, das sociedades são por
isso “fontes de sentido mais fortes que os papéis devido as processo de autodefinição e
individualização... os papéis organizam as funções, as identidades organizam o sentido”523. As
identidades na sociedade de rede podem ser de três tipos: identidade de legitimação, de
519
FETTERMAN, david d. Ethnography: Step-By-Step. A Wilderness Guide. ed. 3. David M. Fetterman -
Fetterman & Associates. California: Stanford University. Vol. 17. Serie Applied Social Research Methods, 2010.
p. 33.
520
FONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Revisto pelo Dr. Joaquim
Ferreira. Reimpressão. Porto: Editorial Domingos Barreira, 2002. p. 965.
521
CASTELLS, Manuel. La Era de la Información: Economia, Sociedad y Cultura. Volumen 2. El Poder de La
Identidad. Traducción de Carmen Martinez Gimeno. México D.F. Delegación Coyoacán: Siglo Veintiuno
Editores. 1999. p. 23. “La revolución de las tecnologias de la información y la reestruturación del capitalismo
han inducido uma nueva forma de sociedad, la sociedad red, que se caracteriza por la globalización de las
actividades económicas decisivas desde el punto de vista estratégico, por su forma de organización en redes, por
la flexibilidad e inestabilidad del trabajo y su individualización, por una cultura de la virtualidad real construída
mediante um sistema de médios de comunicación omnipresentes, interconectados y diversificados, y por la
transformación de los cimientos materiales de la vida, el espacio y el tiempo, mediante la constitución de un
espacio de flujos y del tiempo atemporal, como expresiones de las atividades dominantes y de las elites
governantes”.
522
Ibid., p. 29.
523
CASTELLS, op. cit., p. 29. Tradução livre do autor.
172
524
CASTELLS, Manuel. La Era de la Información: Economia, Sociedad y Cultura. Volumen 2. El Poder de La
Identidad. Traducción de Carmen Martinez Gimeno. México D.F. Delegación Coyoacán: Siglo Veintiuno
Editores. 1999. p. 30. Tradução livre do autor.
525
CASTELLS, op. cit., p. 32. Neste caso, a construção da identidade é um projeto de uma vida diferente, talvez
baseada em uma identidade oprimida, mas que se expande até a transformação da sociedade como o
prolongamento deste projeto de identidade. Tradução livre do autor.
526
Não é intenção da tese fixar um conceito de cultura. Utilizamos elementos das definições clássicas de cultura
segundo os autores da Antropoliga e Etnografia. Para nós faz sentido compreender a cultura como o conjunto de
saberes e práticas acumuladas ao longo do tempo pelos membros de uma sociedade (Y. Taylor). Os saberes e
práticas que se incorporam em esquemas de adaptação e relativização da cultura de uma ou outra sociedade, sem
hierarquizar essas culturas em razão da acumulação (Franz Buenas) e observando os saberes e as práticas como
normas (programas) pelas quais os indivíduos em sociedade aceitam ser regrados (Clifford Geertz). As
informações conceituais podemos encontrar em: PERICO, Rafael Echeverri. Identidade e Território no Brasil.
IICA. Disponível em:
<http://www.iica.org.br/Docs/Publicacoes/PublicacoesIICA/IdentidadeTerritorioBrasil.pdf>. Acesso em: 03
Jul.2017. pp. 35/36.
527
“Processos inconscientes”, afirma Hall apud VERAS, Marcos Flávio Portela. DE BRITO, Guimarães.
Identidade Étnica. A Dimensão Politica de um Processo de Reconhecimento. Revista Antropólogos ISSN
1982-IC. Ano 4. Vol. 5. Maio 2012. Disponível em:
<http://revista.antropos.com.br/downloads/maio2012/Artigo4-IdentidadeEtnica.pdf>. Acesso em: 30 Jun.2017.
p. 109.
173
528
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. p. 106.
529
Inclusive como política de formação do Estado-nação o casamento inter-étnico foi previsto textualmente na
Carta Régia de 19.02.1696.
530
BARTH, Fredrik. Ethnic BARTH, Fredrik. Ethnic Groups and Boundaries: the Social Organizations of
Culture Difference. Long Grove, Illinois: Waveland. 1998. Pp. 9/12.
174
diferentes, concordando com Manuela Carneiro da Cunha531 e Veras, para quem o que é
mesmo relevante para caracterizar um grupo étnico “é compreender o que leva esse mesmo
grupo a se identificar dessa forma.” 532
A identidade de um grupo, por sua vez, delimita as fronteiras entre um e outro grupo
étnico533 diferente, entendimento descrito por Roberto Cardoso de Oliveira como identidade
contrastiva534. Esses limites ajudam a criar modos de organização dos grupos, daí Barth
afirmar que “grupo étnico é um tipo organizacional” 535. A identidade, com isso, é resultado
da identificação (processo em que se afirma a identidade contrastiva em exercício social com
outro grupo étnico) de duas dimensões que dialogam para formar a identidade étnica: a
dimensão pessoal ou social, individual ou coletiva do grupo. A pesquisa da identidade étnica é
vista nestes casos, em particular, como pesquisa da identidade social, sem contudo desprezar a
dimensão individual uma vez que a identidade social é reflexo da individual.536
Os povos originais da América Latina, já o temos demonstrado amiúde, na seção
primeira e segunda desta tese, têm uma identidade que os distingue dos europeus e esse
choque de identidades resultou na morte de milhões de índios que foram extintos por se
constituírem em povos diferenciados.
Garantir o reconhecimento e direitos dos povos indígenas significa identifica-los, dotá-
los de identidade indígena. A partir de meados da década 1990, afirma Arruti537, a proteção
dos indígenas que assumia certa “volta ao passado, uma resistência à modernidade”, passa a
“apresentar um caráter modernizador e integrador, em que o apelo identitário e comunitário se
apresentam como meio e não como fim” dos movimentos indígenas. Em termos práticos as
531
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. p. 107.
532
VERAS, Marcos Flávio Portela. DE BRITO, Guimarães. Identidade Étnica. A Dimensão Politica de um
Processo de Reconhecimento. Revista Antropólogos ISSN 1982-IC. Ano 4. Vol. 5. Maio 2012. Disponível em:
<http://revista.antropos.com.br/downloads/maio2012/Artigo4-IdentidadeEtnica.pdf>. Acesso em: 30 Jun.2017.,
p. 111.
533
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade Étnica, identificação e Manipulação. Revista Sociedade
e Cultura, vol. 6. Núm. 2, julho-dezembro, 2003, pp. 117-131. Pdf. Universidade Federal de Goiás. Goiania,
Brasil. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70360202>. Acesso em: 30 Jun.2017. O artigo é
a transcrição do texto publicado pelo mesmo autor no livro: Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo:
Pioneira. 1976. p. 2. Grupo étnico é um conceito explorado pela Antropologia e Etnologia que se reporta a
comunidades humanas portadoras de cultura.
534
Ibid., p. 5. Acesso em: 30 Jun.2017. O conceito de identidade contrastiva não é utilizado primeiramente por
Cardoso de Oliveira, embora ocupe uma centralidade em sua argumentação teórica, diversa de Harth.
535
BARTH, Fredrik. Ethnic BARTH, Fredrik. Ethnic Groups and Boundaries: the Social Organizations of
Culture Difference. Long Grove, Illinois: Waveland. 1998. p. 9. Tradução livre do autor.
536
CARDOSO DE OLIVEIRA, op., cit., p. 4.
537
ARRUTI. José Maurício. Mobilizações étnicas na América Latina. Revista Tempo e Presença. Chamas da
liberdade. Multietnicismo. Nº 342. Julho/Agosto de 2005. Disponível em:
https://www.academia.edu/5285140/Mobiliza%C3%A7%C3%B5es_%C3%A9tnicas_na_Am%C3%A9rica_Lati
na_2005_?campaign=upload_email. Acesso em: 12 Nov 2016. p. 10.
175
defesas dos movimentos indígenas mudam o foco para a luta por sobrevivência nos cenários
das sociedades em que vivem, ou seja, mais educação, saúde, terra, respeito etc. isto implica,
como conclui Arruti538 que “o direito à diferença se apresenta mais como rejeição de uma
marginalidade ou de um domínio brutal do que como desejo de virar as costas à sociedade
nacional”, ou se apresentar com a cultura dos índios pré-colombianos, ou seja, os índios de
hoje não necessariamente se vestem de penas e vivem isolados; uns e outros fazem jus à
dignidade e existência plena, de conformidade com sua identidade coletiva indicar. Portanto,
“não se pode definir etnicamente um grupo partindo do pressuposto biológico, cultural ou
linguístico, mas pela forma como se identificam ou são identificados por outros. A cultura, a
língua e os aspectos físicos de um povo são dinâmicos, podem sofrer muitas mudanças.”539.
E para o direito quem é indígena?
Conforme o estatuto do índio brasileiro em sua dupla denominação Índio ou Silvícola,
é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado
como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade
nacional. No mesmo sentido a lei concebeu como Comunidade Indígena ou Grupo Tribal um
conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento
em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou
permanentes, sem contudo estarem neles integrados.
Esses conceitos do estatuto do índio, lei 6.001/1973, traz algumas ponderações, que
em geral estão atacadas pela legislação internacional, especialmente a convenção 169/1989
(OIT), que passamos a analisar: se identifica e é identificado, uma dupla asserção que se
refere ao se perceber índio – ou se autodeclarar índio e ter essa declaração reconhecida e
identificada, sugerindo que pelo próprio Estado. Outro ponto já em questão é o tipo de
características culturais preservadas pela comunidade indígena que o identifica como
membros de uma comunidade indígena, no dizer do estatuto, os índios isolados são aqueles
que vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através
de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional. Índios em vias de integração,
aqueles que vivem em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, mas
conservam em menor ou maior parte as condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas
538
ARRUTI. José Maurício. Mobilizações étnicas na América Latina. Revista Tempo e Presença. Chamas da
liberdade. Multietnicismo. Nº 342. Julho/Agosto de 2005. Disponível em:
https://www.academia.edu/5285140/Mobiliza%C3%A7%C3%B5es_%C3%A9tnicas_na_Am%C3%A9rica_Lati
na_2005_?campaign=upload_email. Acesso em: 12 Nov 2016. p. 10.
539
VERAS, Marcos Flávio Portela. DE BRITO, Guimarães. Identidade Étnica. A Dimensão Politica de um
Processo de Reconhecimento. Revista Antropólogos ISSN 1982-IC. Ano 4. Vol. 5. Maio 2012. Disponível em:
<http://revista.antropos.com.br/downloads/maio2012/Artigo4-IdentidadeEtnica.pdf>. Acesso em: 30 Jun.2017.
p. 111.
176
práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão
necessitando cada vez mais para o próprio sustento. Índios Integrados são aqueles que
incorporados à comunhão nacional são reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis,
ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.
Já analisamos quão prejudicial podem ser esses conceitos para os índios que ainda
resistem em sua identidade no século XXI; uma vez que nem todos se conservam em
isolamento ou têm as condições para sobrevivência em meio à natureza degradada. Os índios
do presente não necessariamente usam cocares e penachos. O ser índio no Brasil ainda hoje é
um estigma que carregam quantos utilizam esse nome.
A memória coletiva, para muitos dos povos indígenas do Brasil, é a única razão de sua
existência e somente o Estado pode desatar os nós que sua história criou em torno da questão
indígena, há que ter uma inversão do ônus da prova, já que estamos diante de um conjunto
populacional em amplo desfavor financeiro e vulnerabilidade, a exemplo que ocorre em
outros direitos difusos e sociais, como o consumidor em relação ao grande empresário, o
Estado é que deve produzir prova em contrário da afirmação e autodeclaração do ser indígena
no Brasil.
A definição de índio para o estatuto, traz em si uma ideia preconceituosa que associa
esses povos à imagem do selvagem ao denomina-los silvícola, da selva. Quando em verdade
trata-se de povos da natureza, esta mesma natureza, que vemos ser um paradigma insuperável
para a sobrevivência humana porque dela provém a água, o ar e a maioria dos alimentos que
consumimos.
Com mais frequência se tem, hoje em dia, a certeza de que a civilidade que a
modernidade inculcou no imaginário dos brasileiros se assemelha mais à convivência
biocêntrica dos indígenas à natureza do que da exploração dos recursos naturais, consumo
desenfreado e acumulação capitalista. O conceito é ainda falho porque insiste em propor aos
indígenas um processo de integração à vida nacional/brasileira, máxima já superada na
dinâmica e compreensão dos indígenas como pessoas e povos detentores de direitos e
autonomia cultural, politica e autogoverno; compreensão presente nas interpretações
realizadas amiúde sobre a convenção 169/OIT e sua difusão internacional540. No que pese
esse entendimento o estatuto do índio ainda é vigente e tem na realidade jurídica brasileira,
540
“A Convenção 169/OIT deve ser compreendida a partir de seu contexto internacional de reconhecimento
formal da necessidade dos Estados superarem ideários assimilacionista e de colonização de povos culturalmente
diferenciados”. GARZÓN, Biviany Rojas. YAMADA, Erika M. OLIVEIRA, Rodrigo. Direito à Consulta e
Consentimento de Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais. DPLF: Washington,
D.C./São Paulo, 2016. p. 37.
177
541
Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências.
178
542
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. ABAN. Relatório Circunstanciado de
Identificação e Delimitação. Portaria Fundaçao Nacional do Índio/FUNAI. Nº 10, de 13.01.1999. Disponível
em:
<http://www.abant.org.br/conteudo/001DOCUMENTOS/Laudos/Terras%20Indigenas/Relatorio%20Cristhian.p
df>. Acesso em: 27 Jun.2017. p. 65.
543
GARZÓN, Biviany Rojas. YAMADA, Erika M. OLIVEIRA, Rodrigo. Direito à Consulta e Consentimento
de Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais. DPLF: Washington, D.C./São Paulo, 2016. p.
19. Ministra Rosa Weber: “nenhum Estado tem o direito de negar a identidade de um povo indígena ou tribal que
se reconheça como tal”.
544
BRASIL. Convenção 169 da OIT: Decreto 5.051/2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso em: 27 Jun.2017.
545
VERAS, Marcos Flávio Portela. DE BRITO, Guimarães. Identidade Étnica. A Dimensão Politica de um
Processo de Reconhecimento. Revista Antropólogos ISSN 1982-IC. Ano 4. Vol. 5. Maio 2012. Disponível em:
<http://revista.antropos.com.br/downloads/maio2012/Artigo4-IdentidadeEtnica.pdf>. Acesso em: 30 Jun.2017.
p. 119.
179
Para esta tese analisamos também as categorias de terra indígena, memória coletiva e
direito socioambiental para caracterizar a identidade coletiva dos índios Cariri do sítio Poço
Dantas.
546
A territorialização é uma categoria explorada por João Pacheco de Oliveira como um dos elementos de
afirmação da identidade uma vez que para esse conceito converge uma ideia de “reorganização social que
implica: 1) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica
diferenciadora; 2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do controle social
sobre os recursos ambientais; 4) a reelaboração da cultura e da relação com o passado.” PACHECO DE
OLIVEIRA, João. Uma Etnologia dos Índios Misturados? Situação Colonial, Territorialização e Fluxos
Culturais. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp.47-77. ISSN 0104-9313. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
93131998000100003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf >. Acesso em: 30
Jun.2017. p.. 55.
547
OLIVERIA, João Pacheco. Ação Indigenista e Utopia Milenarista. As Múltiplas Faces de um Processo de
Territorialização entre os Ticuna. In: ALBERT, B. & RAMOS, Alcida Rita. (Orgs.). Pacificando o Branco:
Cosmologias no contato no Norte-amazônico. São Paulo: UNESP, 2002. pp. 277-303. apud VERAS, Marcos
Flávio Portela. DE BRITO, Guimarães. Identidade Étnica. A Dimensão Politica de um Processo de
Reconhecimento. Revista Antropólogos ISSN 1982-IC. Ano 4. Vol. 5. Maio 2012. Disponível em:
<http://revista.antropos.com.br/downloads/maio2012/Artigo4-IdentidadeEtnica.pdf>. Acesso em: 30 Jun.2017.
p. 118.
548
No sentido que empresta Pierre Bourdieu, habitus é uma expressão que relaciona o sujeito e a capacidade de
incorporar uma determinada estrutura social por meio de disposições para sentir, pensar e agir em determinado
contexto social. O território é a terra dos índios que em razão do seu modo de vida conhece a natureza do lugar e
em razão disso é reconhecida por todos, que o mundo social desenha, ao se tornar um habitus vira uma lei social
incorporada. BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2003. p
64.
549
O seu reconhecimento se dá ato declaratório de direito e não constitutivo de direito.
180
desses povos. Neste artigo o legislador constituinte atribuiu competência à União para a
demarcação das terras indígenas e a proteção de todos os seus bens.
As terras indígenas para fins de demarcação são àquelas tradicionalmente ocupadas550
pelos índios, aquelas terras por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas
atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a
seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes
e tradições.
A propriedade das terras indígenas é da União, restando aos índios a ocupação e posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes. A União e os indígenas, nos termos da CF não podem alienar ou dispor das
terras indígenas. São também imprescritíveis. Para a FUNAI, a Terra Indígena, ou
simplesmente TI “é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por
um ou mais povos indígenas [...]. Trata-se de um tipo específico de posse, de natureza
originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada”551.
As comunidades indígenas através deste reconhecimento e posse são caracterizadas
como “coletividades organizadas de forma distinta do restante da população nacional” e,
consequentemente, assegurados a estes povos, direitos estabelecidos e administrados no
âmbito do Estado.552 A garantia do direito à terra é a principal garantia que o Estado está
obrigado a partir do momento em que estabelece a relação povos indígenas/Estado-nação.553
Adotamos a categoria jurídica terra indígena para esta tese como unidade geográfica de
habitação, de atuação política, religiosa e de integração com a natureza.
Para a Antropologia o conceito território seria mais adequado para os povos indígenas
como espaço de atuação que envolve a terra e os sujeitos em uma atuação para além da
550
CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO. CEBRAP. Direitos Indígenas. Debate com
Dalmo Dallari, Sérgio Leitão, Paulo de Bessa Antunes e Paula Monteiro. Novos Estudos. Nº 69, Julho de 2004.
Pp. 49-56. Disponível em: <http://novosestudos.uol.com.br/produto/edicao-69/>. Acesso em: 19 Jul.2017. p. 58.
Sobre o novo conceito de ocupação para o direito indígena: “No direito sempre fez diferenciação entre
propriedade e posse, mas no caso do índio se utilizou uma figura nova: a ocupação. O direito de ocupação não se
confunde nem com o direito de propriedade nem com o de posse. A ocupação pelo índio não significa o contato
físico permanente, imediato, com toda a área, mas um histórico de utilização da terra. Por isso se optou pela
expressão ‘terras que tradicionalmente ocupam’.”
551
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. Terra Indígena o que é?. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-24-32>. Acesso em: 11 Jul.2017.
552
VERAS, Marcos Flávio Portela. DE BRITO, Guimarães. Identidade Étnica. A Dimensão Politica de um
Processo de Reconhecimento. Revista Antropólogos ISSN 1982-IC. Ano 4. Vol. 5. Maio 2012. Disponível em:
<http://revista.antropos.com.br/downloads/maio2012/Artigo4-IdentidadeEtnica.pdf>. Acesso em: 30 Jun.2017.
p. 114.
553
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma Etnologia dos Índios Misturados? Situação Colonial,
Territorialização e Fluxos Culturais. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp.47-77. ISSN 0104-9313.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf >. Acesso em: 30 Jun.2017. p.. 55.
181
identidade, como espaço determinado em que atua uma organização social. Para esta tese
utilizamos os dois conceitos como essenciais para a compreensão do nosso objetivo central:
os índios Cariri do Cariri, do sítio Poço Dantas. Mesmo utilizando a categoria “terra de
índio”, como referido, estendemos esse conceito ao de território – fundado na tratamento dado
ao tema pelo Direito Socioambiental em Carlos Marés554 e ao conceito de territorialização,
assim defendido por João Pacheco de Oliveira555 e Rafael Echeverri Perico556.
Muito embora, seja a terra indígena o mais burocrático dos direitos a ser entregue e
garantido pelo Estado brasileiro, porque para o sistema jurídico nacional a terra é vista como
propriedade, sob um regime jurídico civil e não como à terra-natureza. Em matéria de
demarcação de terras indígenas cabe à FUNAI557, ações de regularização, monitoramento e
fiscalização das terras indígenas, bem como proteger os povos indígenas isolados e de recente
contato. Para tanto, a instituição conduz os estudos necessários à identificação e delimitação
de terras indígenas, com base no artigo 231 da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, Lei 6.001/73, Decreto 1.775/96, Portaria MJ 14/96 e Portaria MJ 2498/2011.
Os estudos realizados pela FUNAI, nos termos da legislação em vigor Decreto
1.775/96, devem ser multidisciplinares e o reconhecimento acompanhado pelo Ministério da
Justiça do Brasil até a expedição de Decreto da Presidência da República com a demarcação
de terras respectivas.
A memória coletiva dos kariri do Sítio Poço Dantas é um dos elementos formadores
da sua identidade coletiva como indígena a partir do conceito de Maurice Halbwachs 558, que
se constitui como uma reconstrução social fundada nos “contextos sociais reais” vivenciados
por um grupo que mantêm constantes vínculos de pertencimento dos seus membros ao longo
554
SOUSA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Função Social da Terra. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris. 2003. p. 49.
555
PACHECO DE OLIVEIRA, João. Uma Etnologia dos Índios Misturados? Situação Colonial,
Territorialização e Fluxos Culturais. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp.47-77. ISSN 0104-9313.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf >. Acesso em: 30 Jun.2017. p.. 56.
556
A territorialidade é entendida como esforço coletivo de um grupo social que ocupa, usa, controla e se
identifica como parte específica de seu espaço biofísico, convertendo-o, dessa forma, em seu ―território ou
homeland. PERICO, Rafael Echeverri. Identidade e Território no Brasil. IICA. Disponível em:
<http://www.iica.org.br/Docs/Publicacoes/PublicacoesIICA/IdentidadeTerritorioBrasil.pdf>. Acesso em: 03
Jul.2017.
557
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. Terra Indígena o que é?. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-24-32>. Acesso em: 11 Jul.2017.
558
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015. p. 7.
182
do tempo, ainda que não haja convivência ou que as lembranças individuais tenham se
perdido para uns e outros membros do grupo. A memória coletiva não é a composição de
lembranças individuais; é uma expressão da convivência de grupos sociais que se mantém por
traços de uma existência coletiva.
Para Maurice Halbwachs é possível se reconstruir a memória coletiva de um grupo
desde que essa reconstrução estabeleça pontes entre noções comuns do espírito dos membros
da coletividade ao longo do tempo.
Essa teoria dialoga com a psicologia, mas não é decorrente dela, é da sociologia que
nasce o entendimento sobre a memória coletiva, no que pese a experiência pessoal/individual
e os objetivos que nos movem diante dos fatos sejam, também, importantes para construir as
memórias coletivas. As lembranças individuais sobre o ponto de vista linear e temporal
seriam as fontes da memória coletiva, mas não é assim que estas se processam; assim como na
vida não há precisão, também na construção e reconstrução da memória coletiva não há uma
linearidade e as lembranças individuais têm elementos de construção que interagem com o
ambiente social e o grupo em que foram produzidos; dando relevância muitas vezes a
situações construídas pelo sentimento e experiências que não traduzem os fatos reais
vivenciados e, portanto, a memória coletiva emerge não somente das lembranças individuais.
A construção da memória coletiva é difusa e não necessariamente linear, se fixa no conjunto e
pode deixar lembranças no individual ou impregnado no modo de agir coletivamente, ou em
situações que se recupera em novas situações em que o coletivo é exigido como grupo. A
“memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva”560. A memória coletiva
não é a memória histórica de um indivíduo ou sociedade, ou seja, o registro dos eventos que a
história conserva. A memória coletiva comporta imagens parciais e lembranças impessoais.
559
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015. p. 39.
560
Ibid., p. 69.
183
As memórias da primeira infância, por exemplo, “não nos lembramos porque nossas
impressões não se ligam a nenhuma base enquanto ainda não nos tornamos um ser social”561
conclui Maurice. Ela se conforma, portanto, no exercício da crítica histórica562 e social.
Na reconstrução do fenômeno humano, a memória enfrenta o tempo para dizer que ele
não é o único meio estável em que os homens interagem, mas só o tempo recheado de
conteúdo é capaz de evocar lembranças e memórias. Os depoimentos de testemunhas de fatos
vivenciados em grupo são alguns exemplos de Maurice que fazem pressupor eventos reais
vividos outrora em comum563. Esses depoimentos tem sentido em relação a um grupo do qual
a testemunha faz parte. No presente a memoria coletiva se faz apresentar, vamos dizer assim,
através desses eventos e dependendo do contexto de referência no qual atualmente transitam o
grupo e o indivíduo que o atesta.
Na comunidade do Sítio Poço Dantas em Crato, colhemos depoimentos de pessoas que
declaram no presente manifestações de um passado comum. Sua autodenominação, e os
elementos de consciência coletiva que os move, faz esse testemunho membros de um grupo
Cariri dos índios Kariri/Cariri. Para Maurice “o tempo e só o tempo têm o poder de
desempenhar este papel de modo que podemos encontrar o ontem no hoje." 564 Esse fenômeno
do tempo como meio onde se estrai a memória é o que Maurice denomina de tempo social, ou
seja aquele extraído da essência de ideias de um grupo, ele tem um papel importante na
recuperação da lembrança que subsidia a memória coletiva.
Sabemos que a memória coletiva não é a soma de lembranças individuais; para
recuperar essa memória coletiva tampouco é indispensável a presença dos indivíduos com
quem essa memória foi construída. A memória coletiva nos ajuda a afirmar a identidade de
um povo porque podemos, segundo esse raciocínio, continuar no presente sofrendo influência
do grupo ao qual pertencemos ainda que seja de outra geração. As ações inscritas no tempo se
forem importantes para o grupo transformam-se em significados e são esses que ultrapassam a
barreira do tempo porque se incorporaram ao conjunto, ao grupo, tornando-se mais estáveis
do que um pensamento, lembrança ou memória individual. Tampouco “o recurso à memória
561
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015. p., 43/59. “Quando dizemos que a recordação de certas lembranças não depende da
nossa vontade, é porque a nossa vontade não é forte o suficiente. A lembrança está ali, fora de nós, talvez
dispersa entre muitos ambientes. Se a reconhecemos quando reaparece inesperadamente, o que reconhecemos
são as forças que a fazem reaparecer e com as quais sempre mantivemos contato”. É no meio e em contato com o
grupo que a memória coletiva existe e pode emergir.
562
A memória coletiva não é a memória histórica de um indivíduo ou sociedade, ou seja, o registro dos eventos
que a história conserva. A memória coletiva comporta imagens parciais e lembranças impessoais.
563
HALBWACHS, op., cit., p. 12.
564
HALBWACHS, op., cit., p. 146.
184
coletiva não pode ser imaginado como uma resposta imediata às lacunas de informação”565,
pondera Arruti.
Para Maurice “o tempo não passa. O tempo dura, subsiste e é necessário, senão como
poderia a memória retroceder no tempo?... Sim, o pensamento ainda atua na memória: ela se
desloca, está em movimento... E se move no tempo. Sem memória e fora de momentos em
que nos lembramos, como teríamos a consciência de estar no tempo?" 566
Neste contexto, igualmente, o espaço ocupa um local de referência para a identidade
dos grupos étnicos, já o dissemos. Opinião que é assente à teoria da memória coletiva de
Maurice. Segundo este autor “as imagens habituais do mundo exterior são parte inseparáveis
de nosso eu... Nosso ambiente material traz ao mesmo tempo a nossa marca e a dos outros.”567
E vai mais além:
A relação dos grupos sociais com o espaço e as coisas inanimadas que ocupam o
espaço gera uma linguagem para além do seu tempo, traduzindo uma espécie de linguagem ou
comunicação, que se vai aprimorando quando os ocupantes deste espaço resolvem utilizar
pinturas e marcam os espaços com cores, inscrições que remontam a animais, rituais, mitos
etc., que são estudo da Arqueologia. E ao remontar peças e seus lugares, vamos redescobrindo
um tipo de sociedade, de povos e sua forma de vida. Os espaços guardam lembranças.
Não por acaso a região do Cariri é cheia de espaços onde se localizam pinturas
rupestres e outros grafismos que remontam aos primeiros moradores do Cariri, da Chapada do
Araripe. A comunidade Sítio Poço Dantas, cuja identidade Cariri é objeto de nossa tese, está
localizada nas imediações da sede do distrito de Monte Alverne. Não mais que 6 km de
distância está o Distrito de Santa Fé, onde foi localizado um abrigo com pinturas rupestres de
várias gerações de humanos que habitaram a região do Cariri, com datação ainda não
determinada pela ciência, mas não inferior a 3 mil anos (BP). Na Figura 23 podemos ver a
distância, a altitude entre um ponto e outro, aproximadamente.
565
ARRUTI, José Maurício. Mocambo. Antropologia e história do processo de formação quilombola. São
Paulo: Edusc, 2006. p. 211.
566
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015. p. 154.
567
Ibid., p. 157.
568
HALBWACHS, op., cit., p. 158.
185
Figura 23 - Mapa com distância entre a sede dos Distritos de Santa Fé e Monte Alverne,
no Crato.
569
Fonte: GoogleMaps, 2017.
569
GOOGLE. Maps. Disponível em: <https://www.google.com.br/maps/dir/monte+alverne/Santa+Fe,+Crato+-
+CE/@-7.1428323,-
39.548984,14z/data=!3m1!4b1!4m14!4m13!1m5!1m1!1s0x7a1883187c8ae8f:0x77fdee980b0e379!2m2!1d-
39.5213618!2d-7.1233344!1m5!1m1!1s0x7a1891ed7998d05:0xf5c7d7a21c57d9c0!2m2!1d-39.5342904!2d-
7.1630431!3e2?hl=pt-BR>. Acesso em: 17 Jul.2017.
570
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015. p. 160.
186
Não é igualmente o caso dos Cariri do Poço Dantas, a memória coletiva do lugar está
preservado no tempo, há poucos quilômetros do lugar onde hoje habitam. As imagens do
abrigo de Santa Fé, não se trata de uma gruta ou caverna, são exemplos magníficos de uma
cultura e sociedade, senão vejas as figuras 24 e 25, suas formas associadas a animais ou cores,
raras e destacadas de outras pinturas encontradas por todo o interior do Nordeste do Brasil. A
571
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015. p. 189.
187
maioria delas ainda em estudos arqueológicos pela Fundação Casa Grande, em Nova Olinda e
do Instituto de Arqueologia do Cariri, da Universidade Regional do Cariri.
572
A Formação Exu é formada por arenitos grossos e argilosos, muito friáveis, com estratificação cruzada,
intercalada por níveis de arenitos conglomeráticos, apresentando predominantemente cores roxas e amareladas.
Foi redefinida por Ponte & Appi (1990) como a parte superior da Formação Exu de Beurlen (1963). É tida com
de origem fluvial (Ponte & Ponte Filho, 1996). Ponte, F.C. & Appi C.J. 1990. Proposta de revisão da coluna
litoestratigráfica da Bacia do Araripe. 36º Congresso Brasileiro de Geologia. Natal, Brasil, p. 211-226.
BEURLEN, K. 1963. Geologia e estratigrafia da Chapada do Araripe. In: Congresso Brasileiro de Geologia,
17, Recife, SBG, p.1-47. PONTE, F.C. & Ponte Filho, F.C. 1996. Estrutura geológica e evolução tectônica da
Bacia do Araripe. Departamento Nacional da Produção Mineral, Recife, 68p
573
DOURADO, Nick B. O. Estudo da Proveniência dos Arenitos da Formação Exu, Bacia do Araripe. Rio
de Janeiro, 2012. Xvi, 91p. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradução em Geologia. Departamento
de Geologia, Instituto de Geociências. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Disponível
em: <http://ppgl.geologia.ufrj.br/media/pdfs/Nick_Oliveira_Mestrado.pdf>. Acesso em: 17 Jul.2017.
188
antigos, Tuiuiús, dizem uns574. Há quem afirme tratar-se de desenhos de armas de guerras,
com flechas apontadas e propulsor575. Na foto 3 vemos o desgaste da rocha pela erosão, o que
denota a fragilidade do ambiente e a necessidade de sua preservação. O local em que se
encontra o abrigo é uma propriedade privada e o acesso só foi possível acompanhado pelo
proprietário do terreno, cujo local é cercado do acesso público.
Foto 3
Foto 1 Foto 2
Na figura 26, a seguir, vemos outro tipo de grafismo ou gravura, com imagens de pés
pequeninos e setas, sem pinturas (foto 1) e na imagem seguinte (foto 2) temos um conjunto de
gravuras em baixo-relevo, uma em desenho de cobra (destaque), traduzido pelos relatos dos
caboclos, descritos na Arqueologia Social de Rosiane576, como o mito da serpente Iara. É
possivelmente de datação diferente daquelas apresentadas acima, figura 28. Possivelmente são
registros antigos, os mais antigas do Cariri e o espaço foi visitado por diferentes gerações,
cujos habitantes não destruíram os registros anteriores, ao contrário acrescentou outras
imagens.
574
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. 2105. pp. 442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, Coimbra. 2015. p. 210.
575
Ibid., p. 212.
576
LIMAVERDE, op., cit., pp. 217/218.
189
Foto 1 Foto 2
Os autores das gravuras pintadas deixaram sua arte no suporte. Esse grupo dominava
uma sofisticada técnica de pintar gravuras causando aos nossos olhos contemporâneos
um efeito ‘impressionista’. O sítio não era um local de habitação, mas de algum tipo
de ritual, um Santuário pré-histórico, onde foi repetido de forma sistemática em quase
todo o paredão um único símbolo, importante para o grupo. Esse símbolo podia ter a
função de ser um marcador de memória para perpetuar a tradição cultural do grupo,
contendo dessa forma uma narrativa mítica... isso o que ocorreu no paredão: com o
tempo, o símbolo repetido foi passando por transformações, até chegar a uma forma
‘tosca’ de gravado, sem pintura, na periferia do supor rupestre. 577
577
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. 2105. pp. 442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, Coimbra. 2015. p. 217/218.
578
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Liberdade e outros Direitos. Ensaios Socioambientais.
Letra da Lei. Curitiba. 2011. p. 9/10. O termo socioambiental “significa a relação estreita e indissolúvel entre a
natureza e a cultura ou entre a biodiversidade e sociodiversidade, tendo como base a certeza de que a
sociodiversidade não sobrevive sem a biodiversidade”. O termo foi popularizado no Brasil pelo Instituto
Socioambiental – ISA, uma organização não governamental fundada em 1994. O Socioambientalismo,
190
sociedade, do Estado, e da relação dialética entre culturas e natureza579; que envolve o debate
sobre sociedades hegemônicas, povos indígenas, tribais e comunidades tradicionais e suas
relações com a natureza. Objetiva empreender o direito socioambiental a práxis do direito e a
norma jurídica para os fins da justiça social, ai compreendido a redução das desigualdades, o
respeito aos povos e nações indígenas, tribais e comunidades tradicionais, justiça de transição
em ambiente de participação, democracia e liberdade. Ao pretender construir um direito e não
uma luta politica somente, as correntes que lutam pelo direito socioambiental no Brasil
fizeram uma escolha-saída para a essa “guerra que se estabeleceu entre a humanidade e a
natureza”580: atuar no campo da regulação e promover mudanças internas no sistema.
De natureza multidisciplinar o direito socioambiental se associa fortemente ao direito
constitucional e influencia e modifica outros ramos do direito, como o penal, civil, agrário,
tributário e o direito ambiental sob o enfoque biocêntrico. Algumas vezes se confunde com o
direito ambiental. Na sua abordagem estão estudos e pesquisas sobre sociedades sem Estado,
a emergência de Estados comunitários, Plurinacionais e/ou Pluriétnicos. A superação da ideia
de progresso associada ao crescimento econômico, medidos pelo Produto Interno Bruto como
indicador preferencial de desenvolvimento, ou ainda a ideia de que o desenvolvimento
econômico é um fim e não meio para alcançar progresso, ainda que esse termo comporte
duras críticas. O termo socioambiental, por sua vez, põe em questão o conceito de
desenvolvimento sustentável, como a síntese do progresso conciliado com o uso racional dos
recursos ambientais, uma vez que está em sua agenda a análise desta relação e a crítica do
próprio desenvolvimento581.
O direito socioambiental nasce da necessidade de trabalhar conjuntamente duas
questões essenciais para a preservação das espécies e ecossistemas: o social/cultural e o
ambiental. Há uma crise nesses dois pilares e entre eles promovida pela ação dos seres
humanos no uso irresponsável da natureza. São problemáticas que estão presentes no nosso
dia-a-dia, tais como: a fome, a superlotação das cidades, “a iníqua distribuição de riquezas
igualmente importante, “é um movimento muito amplo que tem como convicção a necessidade de encontrar um
caminho de superação do desenvolvimento econômico sem limites para que seja possível a manutenção mais
próxima da integridade da sociodiversidade e da biodiversidade do planeta e de cada uma de suas partes.”
579
VEIGA. José Eli. A Emergência Socioambiental. São Paulo: Senac, 2010. p. 129.
580
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Liberdade e outros Direitos. Ensaios Socioambientais.
Letra da Lei. Curitiba. 2011.p. 12. Aqui o autor propõe em sua análise três saídas para o impasse homem x
natureza: “1) promover mudanças internas no sistema por meio de regulação; 2) uma revolução social profunda
que inverta totalmente a lógica capitalista; 3) uma catástrofe generalizada que destrua ou chegue muito perto de
destruir a humanidade”.
581
VEIGA. José Eli. A Emergência Socioambiental. São Paulo: Senac, 2010. p., 65.
191
Um grupo de índios de diversas nações e regiões se mobilizou para garantir que ali
estivessem inscritos os direitos de todos os povos que vivem no território clamado
Brasil. Não havia deputados indígenas... mas a participação dos índios e seus
aliados, antropólogos, advogados, filósofos, historiadores foi marcante. O processo
de pressão e esclarecimento a cada deputado esteve aliado a uma discussão
permanente com as comunidades indígenas e com a sociedade civil. [...]
582
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Liberdade e outros Direitos. Ensaios Socioambientais.
Letra da Lei. Curitiba. 2011. p. 9.
583
Ibid., p., 9.
584
VEIGA. José Eli. A Emergência Socioambiental. São Paulo: Senac, 2010. Pp. 67/68.
192
O tema mais disputado, mais renhido, foi o da reforma agrária que envolvia a
questão da função social da propriedade: de um lado a questão social ... e do outro a
velha propriedade do século XIX, absoluta, protegida a qualquer preço... Esta
disputa gerou um texto que permite uma intepretação ambígua... a propriedade
privada tornou-se um tema de direito público.585
585
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Liberdade e outros Direitos. Ensaios Socioambientais.
Letra da Lei. Curitiba. 2011. p. 165/166.
586
LEITE, José Rubens Morato. Introdução ao Conceito Jurídico de Meio Ambiente. In: VARELLA,
Marcelo Dias. BORGES, Roxana Cardoso B. O Novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rei, 1998, p.
51-69.
587
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 87.: Para
alguns autores trata-se de bens de interesse público, somente, é o caso de SILVA, José Afonso da. Direito
Ambiental Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 87.
588
SOUZA FILHO, op., cit., p. 179: “É o conjunto de bens agregados por valores especiais (socioambientais)
que se compõe e se integram por bens de diversos patrimônios individuais (públicos e privados)”.
193
Os índios Cariri do Cariri descendem de um processo de mistura étnica que teve sua
ligação mais recente no século XVIII e século XIX, a partir dos aldeamentos missionários a
que foram submetidos. Esses índios já eram resultantes de uma mistura de várias etnias que
foram aldeados na missão dos Cariris Novos – em Missão Nova (atual Missão Velha) e
posteriormente Missão do Miranda (atual cidade de Crato), esta coordenada pelo missionário
capuchino Frei Carlos Maria de Ferrara, cujas terras foram doadas em 1743 aos índios Cariú e
outros povos indígenas agregados. A etnia Cariú que estava descrita neste ato jurídico de
doação, representava um conjunto de várias etnias, algumas vindas de outras regiões do que
hoje compreendemos como Cariri, eram índios que sobreviveram ao processo de escravização
e espoliação territorial submetido pelos colonizadores.
Os índios Cariri do Sítio Poço Dantas são descendentes desse processo de aldeamento
registrado no Cariri e que ocorreu semelhantemente em outras regiões do Nordeste brasileiro
e gerou identidades e modos organizativos sociais, que no dizer de João Pacheco de
Oliveira591, é resultante de outro processo de territorialização diverso da colonização europeia,
ou seja, eram mestiços e misturados formando outras etnias. Diversa, portanto, daqueles
descendentes das primeiras migrações que chegaram ao território da chapada do Araripe, cujo
589
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e sua Proteção Jurídica. 3 ed. Curitiba: Juruá,
2006. p. 53.: “Num bem socioambiental existe sempre um direito de propriedade material e outro imaterial, da
coletividade, fica claro que o sentido da preservação não é pela materialidade existente, mas pela representação,
evocação ou memória que lhe é inerente. Todo bem cultural contém uma parte imaterial, intangível que
justamente lhe dá esta característica.”
590
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de
criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
591
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma Etnologia dos Índios Misturados? Situação Colonial,
Territorialização e Fluxos Culturais. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp.47-77. ISSN 0104-9313.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf >. Acesso em: 30 Jun.2017. p. 57.
194
registro datado de mais de 3 mil anos (BP)592, com pinturas e gravuras com registro de
presença humana entre 1170 ± 30 BP no sítio Arqueológico do Olho D’água em Nova Olinda
e no abrigo da Santa Fé, no Crato, para citar apenas os mais importantes.
A politica indigenista de demarcação no Brasil, no Nordeste, em que os povos
indígenas em geral já estão misturados à dinâmica regional constitui outro processo de
territorialização, seguindo entendimento de João Pacheco de Oliveira. Caso no qual se insere
a identidade Cariri da comunidade do Sítio Poço Dantas, que necessita renascer de sua
invisibilidade e retomar seu lugar no território do Cariri. A territorialização a que foram
submetidos os Kariri em 1743 se caracterizou com o aldeamento e depois com o diretório
indígena, que permitiu neste caso, a inserção de negros e brancos nos aldeamentos, gerando
outra mestiçagem; claro está que a cultura que esses povos legaram é também mestiça, mais
precisamente católico-cristã, sincrética com o negro e da cultura dos povos da natureza, dos
ancestrais dos indígenas.
Essa matriz étnica que teve influencia da territorialização e da mestiçagem cultural
está presente nos Cariri do Sítio Poço Dantas, como veremos nas seções seguintes. A
territorialização não é condição exclusiva para a identificação da etnia dos Cariri, mas no caso
da região do Cariri tem um apelo maior ainda, o nome que o identifica está na etnia dos povos
tradicionais que aqui habitaram e habitam a região: Cariri dos Kariri/Cariri. O nome que a
identifica trás em si uma referência identitária da presença inconteste da etnia Kariri/Cariri no
Sul do Ceará, compreendemos. Talvez por isso a politica indigenista nacional tenha se
dedicado a expulsar e dar por extintos os índios Kariri no Cariri. Sua expulsão para o litoral,
Parangaba (Arronches) e Caucaia, ocasionou outro processo de etnogênese, onde se
integraram a outros índios e formaram os Tapeba – etnia que busca seu reconhecimento e
demarcação de terras frente ao Estado e que tem encontrado resistência exatamente por essa
questão da miscigenação e traços de aculturação a que estiveram submetidos em toda sua
existência. A expulsão dos Kariri se deu em 1780 pelo Governo do Estado do Pernambuco, a
quem o Ceará e o Cariri estavam ligados593.
Os Cariri que permaneceram no Cariri ficaram invisibilizados, alguns mudaram até o
sobrenome para não serem identificados. Mas em sua consciência, ainda que tênue, eram
Cariri. Durante muitos anos essa identidade ficou silenciada, temendo represálias e
592
LIMAVERDE, Rosiane. Arqueologia Social Inclusiva: A Fundação Casa Grande e a Gestão do Patrimônio
Cultural da Chapada do Araripe. 2105. pp. 442. Tese de Doutoramento em Arqueologia. Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, Coimbra. 2015. p. 339.
593
Em 1680 o Siará passa a ser Capitania subalterna da de Pernambuco até 1799 quando em 17 de janeiro se
torna Capitania autônoma.
195
constrangimentos que associavam ao “ser índio” uma cultura atrasada, em estágio de evolução
menor ou simplesmente selvagem. A emergência das questões ambientais e indígenas no
Brasil da década de 1980 deu o subsídio necessário para a emergência também do orgulho de
ser Cariri para os membros do grupo étnico do Sítio Poço Dantas, que vai eclodir somente na
década de 2010, quando a comunidade foi visitada por uma índia militante do sul do Brasil. E
com ela renasceu o desejo de existir como grupo social.
Antes disso os Cariri eram índios autodeclarados no senso do IBGE, somente. Sem
etnia definida. Os dados de crescimento dos povos indígenas autodeclarados do Brasil
transcritos no relatório IBGE 2012594 confirmam o crescimento de 1,1% a.a. um crescimento
abaixo daquele experimentado entre 1991 e 2000, que foi de 10,8% a.a. o que implica dizer,
não houve retrocesso, continua havendo crescimento da quantidade de índios autodeclarados
no Brasil. A expectativa outrora era de desaparecimento natural dos indígenas. O
ressurgimento do interesse dos remanescentes em retornar á sua etnia original, segundo a
estimativa desse relatório é resultante de melhorias das populações indígenas em
consequência das politicas governamentais em curso até 2010. No mesmo período a
quantidade de municípios do Brasil com pelo menos um residente indígena autodeclarado
subiu de 34,5% para 63,5%. No censo de 2010 esse percentual aumentou para 80,5%. Os
estudiosos estão estimando esse crescimento em razão da etnogênese595, fator de identidade
étnica a partir da reinvenção de etnias já identificadas, processo comum que se iniciou no
Nordeste da década de 1920. É o caso dos índios Cariri do Sítio Poço Dantas, em Monte
Alverne, Crato, Ceará. E tantos outros descritos sob o mesmo perfil por Arruti 596 e João
Pacheco de Oliveira597 sobre os índios do Nordeste.
594
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Indígenas no Censo Demográfico
2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm>. Acesso
em: 24 Jun.2017. p. 4.
595
ARRUTI, José Maurício P. A. A Produção da Alteridade: o toré e as conversões missionárias e indígenas.
VII Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais. A Questão Social no Novo Milênio. Coimbra, 2004. p. 1.
Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel47/JoseArruti.pdf>. Acesso em: 18 Jul.2017.
______. Etnogênese Indígena. Povos Indígenas no Brasil 2001/2005. São Paulo: Instituto Socioambiental,
2006, p. 50. Disponível em: < https://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa/publicacoes/povos-indigenas-no-
brasil-20012005>. Acesso em: 19 Jul.2017. Etnogênese é o processo de auto-atribuição do rótulo de índios por
grupos que, até determinado momento, eram tomados indistintamente como sertanejos ou caboclos, com a
ressalva de que esse termo deve ser entendido como um processo social e não categoria de identificação; de tal
modo que se busca com esse entendimento afastar divisões entre um grupo étnico e outro mais isolado cuja
cultura está preservada e sofreu processos diferentes de aculturação.
596
ARRUTI, José Maurício P. A. A Produção da Alteridade: o toré e as conversões missionárias e indígenas.
VII Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais. A Questão Social no Novo Milênio. Coimbra, 2004. p. 1.
Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel47/JoseArruti.pdf>. Acesso em: 18 Jul.2017.
597
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma Etnologia dos Índios Misturados? Situação Colonial,
Territorialização e Fluxos Culturais. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp.47-77. ISSN 0104-9313.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf >. Acesso em: 30 Jun.2017.
196
598
CIARLINI, Alyne Almeida. Territorialidade, Saudade, Ressignificação: índios tabajara do olho d’água dos
canutos. In PALITOT, Estevão Martins. (Org.). Na Mata do Ceará: contribuições sobre a presença indígena no
Ceará. Fortaleza: Secult/Museu do Ceará/IMOPEC, 2009. 151-270. p. 274.
599
ARAUJO, Danielle. Agouros de um Espelho Partido. Luta e resistência no processo de afirmação étnica dos
índios do Nordeste. O caso dos Tapuia-Kariris de São Benedito. Revista Espaço Ameríndio. Vol. 10. Nº 1.
2016. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/65039/37847>. Acesso em:
21 Jul.2017.
600
Não há registro na literatura da quantidade de índios Kariri.
601
ARRUTI, José Maurício P. A. A Produção da Alteridade: o toré e as conversões missionárias e indígenas.
Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel47/JoseArruti.pdf>. Acesso em: 18 Jul.2017.
p. 4.: Os Kariri-Chocó pela descrição do autor possivelmente ligado aos Kariri do aldeamento no Cariri.
602
BANDEIRA, Maria de Lourdes. Os Kariris de Mirandela: um Grupo Indígena Integrado. Estudos Baianos.
Nº 6. Salvador: Universidade Federal da Bahia. 1972. p. 31. A autora fez registros da presença de Caboclos
Kariri em Mirandela. Bahia.
603
OLIVEIRA, Carlos Alfredo Ferraz de. Et. All. A Experiência do Projeto GATI em Terras Indígenas.
Núcleo Regional Nordeste I e II da FUNAI. Brasília – DF: IEB, 2016. p. 91.
604
ARRUTI, op., cit., p. 6: “O toré é uma dança coletiva que pode contar com um número indefinido de
participantes, que se apresentam em parte pintados de branco, segundo motivos gráficos muito simples e em
parte mascarados... o mascarado é um Encantado, e os mascarados formam um conjunto denominado Praiá. Um
conjunto de Praiás formam um batalhão e fica sob a guarda de um Xamã, designado como Zelador. Cada Praiá
corresponde a um Encantado (está em oposição a morrer) do panteão daquele terreno e a soma destes forma o
panteão da ‘aldeia’ (o próprio grupo étnico).”
605
ARRUTI, José Maurício. Etnogênese Indígena. Povos Indígenas no Brasil 2001/2005. São Paulo: Instituto
Socioambiental, 2006, p. 53. Disponível em: < https://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa/publicacoes/povos-
indigenas-no-brasil-20012005>. Acesso em: 19 Jul.2017.
606
Este tema, aliás, está em discussão no âmbito do Governo Federal. Por pressão da bancada ruralista no
congresso nacional o governo instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar denúncia de
irregularidade em laudos emitidos para a FUNAI. O relatório final foi indicando o indiciamento de técnicos
sobre laudos considerados irregulares. A Associação Brasileira de Antropologia emitiu manifesto de apoio aos
197
pesquisadores, considerando ser o episódio resultante do retrocesso nas políticas públicas indigenistas que o
Estado brasileiro vem sofrendo após o Impeachment da Presidenta Dilma Roussef em 2016.
607
ARRUTI, José Maurício P. A. A Produção da Alteridade: o toré e as conversões missionárias e indígenas.
VII Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais. A Questão Social no Novo Milênio. Coimbra, 2004. p. 5.
Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel47/JoseArruti.pdf>. Acesso em: 18 Jul.2017.
608
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade Étnica, identificação e Manipulação. Revista Sociedade
e Cultura, vol. 6. Núm. 2, julho-dezembro, 2003, pp. 117-131. Universidade Federal de Goiás. Goiania, Brasil.
Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70360202>. Acesso em: 30 Jun.2017. p. 8-9. Utilizou a
expressão “identidade histórica” para referir-se a extratos de referências que uma etnia utiliza para distinguir o
conceito de identidade étnica e grupo étnico. Associando-os ao conceito de minoria étnica diante de grupos em
maior número. Essa etnia fica latente e a qualquer momento retorna á superfície.
609
ARRUTI, op., cit., p. 6.
610
ARRUTI, op., cit., p. 9.
611
CARDOSO DE OLIVEIRA, op., cit., p. 10.
198
612
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Tapuias do Nordeste. Revista do Instituto do Ceará. Tomo XLVII.
Fortaleza. 1934. p. 8. Disponível em: <http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Apompeu-1934-
tapuias/pompeu_sobrinho_1934_tapuias.pdf>. Acesso em: 02 Jul.2017. Descrito com “C” e com “s” no final
significando plural: Cariris.
613
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção Agenda Brasileira.
São Paulo: Editora Claroenigma, 2012. p. 105.
614
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. p. 71. ARAÚJO, Antonio Gomes de. A Cidade de Frei
Carlos. Coleção Estudos e Pesquisas. Volume V. Crato: Faculdade de Filosofia do Crato/UFC, 1971. pp. 69 e
125.
615
Há vários povos identificados como Kariris: Cariús, Calabaças, Inhamuns são os mais conhecidos e referidos
na literatura. Os Tapebas de Caucaia (litoral cearense) e os Kariris de Crateús e São Benedito no Ceará, também
199
reivindicam serem nações dos Kariris ou deles descentes. Na Bahia há os Kariris-Chocós com denominação
semelhante aos Kariris do Cariri.
616
A Cidade de Frei Carlos. Coleção Estudos e Pesquisas. Volume V. Crato: Faculdade de Filosofia do
Crato/UFC, 1971. p., 74..
617
BRÍGIDO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco,
de 1861. Typ. Da Gazeta do Norte, 1888. Reeditado em Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda. 2007. p.
25.
618
GARDNER, George.Viagens pelo Brasil. Principalmente nas províncias do Norte e nos Distritos do Ouro e
do Diamante durante os anos de 1836-1841. Tradução de Albertino Pinheiro. 1ª edição. Brasiliana, Vol. 227. São
Paulo: Companhia Editora Nacional. 1942. p. 152.
619
ARAÚJO, Antonio Gomes de. A Cidade de Frei Carlos. Coleção Estudos e Pesquisas. Volume V. Crato:
Faculdade de Filosofia do Crato/UFC, 1971. p., 71.
620
Ibid., pp., 75/163.
621
ARAÚJO, op. cit., p., 77.: “Resolvidos a usurpar essas terras aos Cariú, os brancos imaginaram, com omeio
de o conseguir, a deportação dos donos. Os instrumento fácil encontraram na pessoa do ouvidor José da Costa
Dias e Barros, de quem obtiveram que representasse contra as vítimas junto ao Governador de Pernambuco, José
César Meneses, que, certamente mal informado, autorizou, ao mesmo Ouvidor, em carta de 23 de março de
1779, a transferência, para Parangaba, dos ex-catecúmenos de frei Carlos e beneficiários do capitão-mor
Domingos Álvares de Matos”.
200
Esse tipo de registro não é comum no Brasil, não há registrado na bibliografia que
subsidiou esta tese nenhum caso em que a identidade de uma etnia obteve provas documentais
do nome registrado em cartório. Que prova maior de sua auto-atribuição para fins de
reconhecimento do Estado como índio? Prova ao mesmo tempo sua origem étnica e prova a
resistência desse grupo. Será também o início de um processo que resultará em mais
indivíduos da etnia Cariri no Cariri, uma vez que segundo relatos dos moradores do Sítio
Poço Dantas, muitos habitantes retiraram de seu nome o sobrenome Cariri e muitos estão
espalhados em cidades próximas do Crato com sobrenome Cariri, que a partir da conformação
pelo Estado da identidade dos Cariri do Poço Dantas passarão a se reconhecer membro desse
grupo étnico.
Os Cariri do Cariri!
Em Crato uma comunidade conhecida como “tradicional” habitando um pequeno
morro chamado Sítio Poço Dantas, na zona rural, distante 20 km da sede do Município, se
autodenominam Cariri. Índios Cariri. É nesta comunidade que a pesquisa de campo, que
subsidiou a defesa da identidade jurídica dessas pessoas tal qual elas se veem, se definem, e
são conhecidos na comunidade do Distrito de Monte Alverne e Santa Fé: Cariri.
Como uma região tão próspera como o Cariri, conhecida pela sua ancestralidade
indígena de igual nome, constituindo-se como um território com identidade, mas sem um
povo Kariri? Essa indagação tem resposta: em sentido jurídico do termo, porque em sentido
sociológico não há dúvidas de que vivemos entre Cariri. O desafio que esta tese se propôs é
buscar uma identificação conforme os aspectos normativos e jurídicos do Estado brasileiro e
abrir os caminhos para o reconhecimento e exercício de direitos indígenas para esta
coletividade.
Como ponto de partida uma única pista sobre o lugar onde moram os Cariri: Sítio
Baixa Dantas. Uma indicação no googlemaps apontava uma rodovia perpendicular à Rodovia
estadual conhecida como Estrada do Algodão que liga o Crato à Fortaleza. Antes de chegar à
entrada para a rodovia uma pergunta a uma moradora das imediações e a descoberta primeira:
202
há dois sítios Baixa Dantas, mas nenhum deles há registro de presença de índios, nos
informou. Paramos o carro e refletimos sobre que caminhos seguir e chegamos à conclusão de
que os estudiosos da Fundação Casa Grande624, de Nova Olinda, poderiam nos ajudar na
identificação do lugar e assim fizemos. Por telefone confirmamos que o local não era o sítio
baixa Dantas, mas uma comunidade próxima ao Distrito de Santa Fé e Distrito Monte
Alverne, em Crato, seguindo pelo caminho do caldeirão da santa cruz do deserto.
A localização exata de endereço diverso daquele pensado inicialmente criou certa
apreensão: mudar o lugar pensado inicialmente no projeto de pesquisa e sem as garantias de
que se encontraria o referido lugar. Seguimos viagem ao desconhecido, até então não
estávamos ligando ao fato de que no Distrito de Santa Fé, haviam sido mapeadas pinturas
rupestres, de antigos habitantes do Cariri, provavelmente dos índios Kariri.
O acesso por estrada carroçável mudou a paisagem da rodovia principal e nos
mergulhou na paisagem característica do interior do Nordeste, neste caso, um Nordeste não
tão seco, não tão árido. Uma vegetação relativamente verde e em alguns trechos em floração,
seguimos para o caminho do Caldeirão e a partir de lá Monte Alverne e Santa Fé, fazendo o
caminho de retorno para a sede do Crato.
Devagar fomos alcançando vilarejos e casas isoladas, às vezes sem nenhum pé-de-
pessoa... em silêncio por 15 minutos de viagem, até encontrarmos uma casa e um carro
estacionado e obtivemos a informação de que estávamos no caminho certo, bastava seguir em
frente, dobrar à direita no próximo entroncamento e sempre à esquerda em frente. O lugar
indicado era mais exatamente, o Caldeirão. A figura 28 a seguir, foi colhida no percurso, na
data em que iniciamos a viagem.
624
A Fundação Casa Grande é gestora do Memorial do Homem Cariri, com rico acervo lítico e arqueológico dos
primeiros habitantes do Cariri. Na sua sede mantém um centro de Arqueologia Inclusiva para crianças, o Teatro
Violeta Arraes, uma Escola de Comunicação com rádio e tv comunitária, Biblioteca, Videoteca e Gibiteca e
sedia o Instituto de Arqueologia da Universidade Regional do Cariri URCA. Para visitar o site acessar
www.fundacaocasagrade.org.br.
203
Figuras 28 - Estrada carroçável que liga o Crato ao Caldeirão da Santa Cruz do Deserto
As informações colhidas com a professora foram mais animadores, ela saiu no terreiro
de calçamento e apontou o lugar (Figuras 31 e 32, a seguir), ali onde estão aquelas manilhas
do projeto Cinturão das águas do Governo do Ceará, aquele vilarejo ao lado, de casas brancas,
é lá. E imediatamente se viu o caminho que nos conduziria ao referido lugarejo. Estava tudo
se encaminhando bem.
Figura 31 – Imagem do caminho para o Sítio Poço Dantas, ao longe .
À medida que havia mais aproximação as pessoas no caminho indicavam com mais
precisão o lugar. Até que se chegou à entrada da comunidade e sermos recebidos por
moradores que nos indicaram uma Sra. M626 que liderava a comunidade. Elas nos ajudaria a
entender os atuais Cariri.
Já era manhã alta, 10 horas, com sol intenso, quando chegamos ao Sítio Poço
Dantas627. Encontramos uma comunidade de 25 casas, construída de forma aleatória, sem
respeitar a ideia urbana de quarteirões ou ruas, umas de frente a outra, outras que a frente dá
para os fundos da outra casa. Há habitações de alvenaria, mais novas, e outras de taipa, mais
antigas. Dispostas de modo quase circular. A casa da moradora indicada fica no centro da
comunidade. Inicialmenete houve a apresentação dos pesquisadores aos moradores, bem
como apresentação da instituição, os objetivos da visita e agendamento de outra visita para as
entrevistas, mediante questionário aprovado pelo comitê de ética da Universidade Regional do
Cariri. A conversa foi amistosa e extremamente empolgante. Debaixo de um pé de cajá no
quintal da cozinha. Enquanto ela cuidava do almoço. Umas pessoas, filhas e netas se
aproximaram moradores vizinhos, familiares todos.
Estava cada vez mais evidente tratar-se de uma comunidade tradicional, indígenas
misturados com negros, cujos traços de um processo secular de destruição da identidade sob
uma matriz de resistência silenciosa esta nos rosto das pessoas, sofridas, envelhecidas,
socialmente frágeis. Falavam de quem eram, do quanto bom seria ter educação, água e uma
instituição que fosse representativa da comunidade. Era emocionante estar ali. Surpreendente
625
GOOGLE MAPS. Monte Alverne 50 m. Adaptação Sítio Poço Dantas. Disponível em:
<https://www.google.com.br/maps/@-7.1204535,-39.5161695,382m/data=!3m1!1e3?hl=pt-BR>. Acesso em: 05
Jul.2017.
626
Em razão do sigilo das informações originais utilizaremos a letra “R” para indicar a líder dos Kariri do Sítio
Poço Dantas. Igualmente as pessoas entrevistadas receberão nominação em código com legras.
627
Em apêndice “D” fotografia e mapas da localização do Sítio Poço Dantas
206
também. Tão próximos de todos e tão distante de todos do lugar. A partir deste encontro
preliminar seguiu-se uma agenda de entrevistas para o dia seguinte.
No segundo dia, antes de se dirigir à comunidade, após realizar uma breve pesquisa ao
googlemaps pode-se localizar a comunidade, com suas habitações, a partir da qual se
desenhou o mapa com o lugar e identificação precisamente, Figura 32, que serviu de base para
a construção do mapa com as residências fincadas e a disposição das casas. Uma disposição
que compõe uma organização diferente daquela praticada em bairros e distritos da região,
com formato retangular ou aquadradado, vide imagem de satélite, Figura 33.
dezenove residências, nove das quais estavam desabitadas, em sua maioria porque os
proprietário haviam construído outras casas de alvenaria, substituindo antigas residências de
pau-a-pique ou taipa, como é comum denominar aqui na região. Esse mapa norteou o
caminho das entrevistas por residência.
No terceiro dia de visitas uma decisão se consolidou para a metodologia, seria ali o
núcleo central da tese e da pesquisa de campo, havíamos encontrado um núcleo homogêneo
de identidades dos índios Cariri. Havia certa excitação em nossa conquista, e uma grande
alegria, é como se estivéssemos descobrindo os índios Cariri. Em verdade estávamos mesmo!
As visitas serviram para apresentar o projeto de pesquisa, de modo simples em uma
conversa com grupos pequenos, no quintal da casa de “M”, debaixo de uma árvore.
Apresentar também o pesquisador e aproveitamos para fazer um pré-teste da entrevista.
Em mãos o questionário com sete perguntas. Resolvemos que o melhor caminho é
fazer o pré-teste com a pessoa indicada como líder da comunidade. Uma mulher negra de
mais de 50 anos, hábitos singelos de dona de casa, mãos molhadas da cozinha, que ao nos
receber apontou o quintal, sob a sombra de uma árvore, onde tinha três cadeiras de plástico,
uma sem encosto, onde sentamos para conversar, aos poucos se chegaram outras três
mulheres que acompanharam nossa conversa.
A apresentação, em poucas palavras, do conteúdo e objetivos do projeto de pesquisa se
seguiu a outiva dos relatos de quem eles eram, os passos que deu a comunidade a partir da
chegada de outros pesquisadores ao lugar, da visita de uma índia a 10 anos, de outra parte do
Brasil – não souberam identificar qual, apenas um nome “Rosi”, que fez despertar neles o
desejo de se firmar como Cariri.
Após 30 minutos de conversa, com apartes das colegas, colhemos a permissão para
fazer um pré-teste da entrevista. Ao final se observou a necessidade de ampliar o
detalhamento da questão 3 pertinente aos hábitos alimentares da comunidade. As entrevistas
protocolares só se realizaram no dia seguinte e explicamos como seria o processo de coleta de
dados, os termos de consentimento que precisamos colher dos entrevistados e os
esclarecimentos devidos em torno do projeto e os aspectos éticos da pesquisa de campo.
Desta abordagem, duas novas questões foram referidas pelos membros da comunidade
que precisariam ser observadas, uma delas consideramos de alta relevância: 1) todos os
moradores principais do Sítio Poço Dantas tinham em seu registro de nascimento e, portanto,
em RG o nome Cariri. 2) que havia muitos outros na cidade do Crato e Juazeiro do Norte com
nome Cariri em seu registro, todos ancestrais dos antigos Kariri. E que o cartório onde se
208
podia saber o registro oficial era o da sede da cidade Cartório Maria Júlia e do Cartório de
registro civil do Distrito de Santa Fé, em Crato Ceará.
Essa informação provocou um choque, uma surpresa, que não se sabia dessa
informação e que gerou reflexões sobre a origem dessa prática do registro? Seria essa
informação suficiente para firmar juridicamente a identidade dos Cariri? Sem resposta
imediata para tais perguntas, um conjunto de decisões metodológicas nasceu daquele
momento:
- Tomaríamos como referência para a entrevista, os Cariri registrados.
- Buscaríamos uma contagem dos habitantes Cariris do Sítio Poço Dantas.
- Visitaríamos os cartórios referidos para colher informações sobre o processo de
registro dos Cariri.
Na manhã seguinte outro caminho foi o percurso para chegar ao Sítio Poço Dantas,
pela rodovia federal que liga Crato ao Estado do Pernambuco, passando pela Floresta
Nacional do Araripe. O acesso à estrada para o Distrito de Santa Fé está em reforma para
asfaltamento e, portanto, havia máquinas na pista e vários desvios. Até a sede do distrito a
paisagem varia entre a Floresta e uma região com babaçuais e da terra vermelha. Inicialmente
na rodovia passamos para uma terra-arisco, cinza e esbranquiçada.
Antes de chegar ao Sítio Poço Dantas e depois do Distrito de Santa Fé, a vegetação
muda e se abre à vista o vale do Cariri, com suas bordas da chapada do Araripe. Figura 34
com fotos panorâmicas da Chapada do Araripe.
209
Figura 34 - Foto 1 (Babaçuais), Foto 2 (Vale do Cariri), Foto 3 (Chapada do Araripe ao fundo), panorâmicas da
Chapada do Araripe no percurso de acesso ao Sítio Poço Dantas, Distrito de Santa Fé.
Foto 1 Foto 2
Foto 3
Já na comunidade fomos recebidos pela líder D. M, que nos conduziu para a sombra
da mesma árvore, no quintal. Desta vez se aproximou alguns homens do lugar, um mais
velho, outro mais jovem. Cariris de nome e registro. Após a apresentação dos documentos
para captura da entrevista que foi preenchida pelo pesquisador, após assinatura do TCLE, no
tempo e conforme a vontade dos entrevistados, seguindo-se o roteiro pensado, em cada
residência, começando pela ordem indicada no mapa, colheu-se naquele dia quatro
entrevistas.
Outra questão foi suscitada pela comunidade que exigiu adequação ao plano inicial.
Eles queriam orientação sobre como formar uma associação de moradores. Sem a qual
entendiam que a luta para fortalecer a comunidade não seria conseguida. Combinamos de,
separadamente, conversar a respeito e prestar os esclarecimentos jurídicos para o tema. A
partir desse momento entendemos que se estava ampliando o tipo de abordagem com a
comunidade e inserindo aspectos próprios da pesquisa-ação à pesquisa; como retorno aos
moradores do lugar estabeleceu-se o compromisso de prestar esclarecimentos sobre os temas
jurídicos pertinentes ao associativismo.
210
O encontro estava previsto para conversar sobre a associação, mas como havia
trabalhos domésticos na comunidade, enquanto se aglomeram um grupo de até dez pessoas,
não concomitante, fomos falando para os que se aproximavam sobre o projeto de pesquisa.
A meta era alcançar 10% dos perfil autodeclarado índios no censo 2010 para a cidade
do Crato, entre moradores da comunidade do Sítio Poço Dantas.
Enquanto as mulheres trabalhavam na lida do lar, cozinhar, limpar a casa, pegar água,
os homens, jovens e outros com meia idade, transitavam de um lado para outro, de dentro de
casa e fora, bebendo, ouvindo música e conversando. De hora em hora alguém saia numa
moto, voltava em seguida. Alguns moradores e líderes indicados para a conversa não puderam
estar ali, porque estavam em serviço, na construção civil.
Ficou marcante neste dia de conversa e entrevistas observar o aspecto físico daquelas
pessoas. Homens com aparência descuidada, dentes danificados ou sem dentes frontais.
Mulheres também com aparência cansada e com poucos dentes. Alguns analfabetos, ou sem
instrução acima do 4º ano de estudo, ou menos. Alguns só assinam o nome, ou desenham o
nome, conforme treinamento aprenderam a desenhar o próprio nome. Não estão instruídos na
cultura letrada. Tampouco trazem outro idioma que não o português. São pessoas arrasadas
pela sua vida. Somente os mais jovens demonstram ler com domínio do vernáculo. Até o
terceiro encontro, somente um dos Cariri.
211
do Crato – Ceará. O que resulta em média 3,08 pessoas por habitação. São vinte e cinco
habitações.
No quadro 17, a seguir, tem-se uma visão geral dos percentuais de índios audo-
declarados no Censo de 2010 para o município de Crato – Ceará. O percentual de pessoas que
aderiram à entrevista considerando a amostra inicial pretendida de 10% atingimos com sobra
o objetivo. O percentual entre os entrevistados de índios autodeclarados é de 100% e dentre
estes apenas 1,78% não tem em seu sobrenome o patronímico “Cariri”. A etnia com a qual os
entrevistados auto-atribuem é Cariri. A contagem da população ultrapassa a expectativa
inicial, 48 índios autodeclarados Cariri se podem contar nas residências que foram visitadas,
que resulta em um percentual com relação às entrevistas realizadas de 369,23%.
628
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer Dos Povos Indígenas Para O Direito. Curitiba:
Juruá, 1998. P. 158. “Estes três dispositivos elevam à categoria de direitos a diferença cultural e linguística dos
povos indígenas, mas não reconhecem claramente a diversidade cultural e étnica da nação brasileira.”
214
a) O direito ou interesse629 que assiste ao povo Cariri do Sitio Poço Dantas de ser
declarado “índio” com fundamento na situação de fato autoidentificada e como tal do Estado
Brasileiro, considerando ser esse fundamento de direito socioambiental inscrito na
Constituição Federal que outorgam direitos culturais (art. 215); direitos à sua organização
social, costumes, língua, crenças e tradições como índios (art. 231); e direitos à educação em
processos próprios de aprendizagem (art. 210), se assim preferirem.
Com espeque nesse entendimento há de se observar que os direitos socioambientais e
coletivos em questão são aplicáveis diretamente por imposição normativa aos casos por ele
previstos porque é “função abstrata da lei que se concretiza independentemente da
consciência ou vontade do sujeito.”630
b) Igualmente fundamentam o acesso a este direito a aplicação direta da
Convenção 169 da OIT, art. 1º, 2, acerca da autodeclaração como critério fundamental, senão
vejamos: “A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério
fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente
convenção.” Esta alínea quando associada à condição inscrito no art. 1.º 1, b, consolida o
conceito jurídico de povo indígena segundo a Constituição Federal do Brasil e da Legislação
Internacional para proteção dos povos indígenas em vigor. A condição referida para ser o
povo indígena destinatário dos direito e garantias da norma convencional (169/OIT)é ser esse
povo ocupante de território em países independentes e que descenderam de populações que
viviam no país ou região geográfica na qual o país estava inserido no momento da sua
conquista ou colonização ou do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independente
de sua condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais, econômicas,
culturais e políticas ou todas elas.
O estatuto do índio (lei 6.001/73), no que pese está bastante aquém da realidade
jurídica socioambiental, já trazia no art. 3º o caráter da autoidentificação como componente
do conceito jurídico índio, senão vejamos: ficam estabelecidas as definições a seguir
discriminadas, Índio é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se
identifica. A segunda parte do artigo, referente ao condicionante critério que para ser índio
deve também ser identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características
culturais o distinguem da sociedade nacional, fere a Convenção 169 da OIT, cuja
629
SOUZA FILHO, op., cit., p. 176: Tão mais importante do que a diferença que alguns autores fazem do ser o
direito coletivo ou socioambiental com simples é reconhecer a importância do seu conteúdo e o caráter
atribuição de direitos que pode resultar esse fundamento jurídico. Entendimento semelhante em.
630
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O Renascer Dos Povos Indígenas Para O Direito. Curitiba:
Juruá, 1998. P. 176.
215
Quadro 18 - Demonstrativo das respostas à pergunta: o que faz você ser índio?
hábitos coletivos
20
direcionamentos pessoais e políticos
631
CIARLINI, Alyne Almeida. Territorialidade, Saudade, Ressignificação: índios tabajara do olho d’água dos
canutos. In PALITOT, Estevão Martins. (Org.). Na Mata do Ceará: contribuições sobre a presença indígena no
Ceará. Fortaleza: Secult/Museu do Ceará/IMOPEC, 2009. 151-270. p. 252.
632
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. FUNAI. Processo administrativo 0736/1998. Relatório de
identificação Étnica do Grupo Kalancó (AL). Ainda em estudo. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/terra_indigena_2/mapa/index.php?cod_ti=73201>. Acesso em: 23 Jul.2017.
633
ANDRADE, Ugo Maia. Dos Estigmas aos Emblemas de Identidades. Revista de Estudos e Pesquisas.
FUNAI, Brasilia, vol 1. Nº 1, p. 99-139. Jul. 2004. Disponível em: <www.funai.gov.br>. Acesso em: 22
Jul.2017. p. 118/119.
217
povos, situados como conclui Andrade “enquanto processo social em um contexto de diáspora
indígena e tensão inter-étnica que faz emergir no momento em que os repertórios domésticos
de memórias puderam convergir para formar, então, algo como uma ‘comunidade de
identidade indígena’”.
A busca por este reconhecimento identitário é a busca, em ultima ratio pelos direitos
coletivos dele decorrentes. A necessidade do processo identitário é também o modo de
enfrentar o desrespeito aos indígenas, consequentemente a identidade traz consigo uma
motivação moral “para a mobilização contra tal desrespeito”634.
Importante destacar que o reconhecimento da ancestralidade pelo Estado é um dos
elementos constantes do estatuto do índio já referido. Há que se produzirem provas de tal
elemento significante; a exemplo do entendimento de Arruti, “na falta das tais ‘evidências
históricas’, a memória passa figurar como ‘prova’.”635 Neste caso a memória coletiva, que
tem o papel de evocar uma lembrança social do grupo, a sua ancestralidade comum, como
fato significante e marcante para os entrevistados. É o que se pode subsumir das respostas
uníssonas ao questionário quanto à ancestralidade.
A identidade para esses povos é o resultado da resistência e força antes adormecida.
Através da afirmação de sua identidade podem reivindicar novos direitos. Essa identidade,
como afirma Leff tem uma força que presumíamos morta, mas que hoje expressa uma vontade
de recuperação cultural e reapropriação de sua história. Como sujeitos dessa história.
Trata-se de poder ler a essas identidades silenciadas, iletradas, sem voz e sem rosto,
que hoje voltam a falar, reconfigurando suas identidades na convulsão e reencontro
dos tempos onde se produz uma resistência, confrontação e diálogo com a
modernidade e com a globalização; donde se produz uma atualização – 500 anos
depois -, dos valores, princípios e culturas que caíram adormecidas na história como
sementes que esperam invernando a que o tempo as traga da chuva para voltar a
germinar.636
634
ARRUTI, José Maurício. Mocambo. Antropologia e história do processo de formação quilombola. São
Paulo: Edusc, 2006. p. 201.
635
Ibid., p. 218.
636
LEFF, Enrique. Los Derechos del Ser Coletivo y la Reapropriación Social de la Naturaleza. In CUNHA,
Belinda Pereira da. Et. All. Os Saberes Ambientais Sustentabilidade e olhar jurídico: visitando a obra de Enrique
Leff. Caxias do Sul, RS: Edus. 2015. Pp. 12-31. p. 18. Tradução livre do autor.
218
Esses traços são importantes porque falam do modo de vida integrada com a
biodiversidade da caatinga, uma adaptabilidade que se soma aos referenciais explorados nesta
tese que remontam ao habitus indígena de integração homem/natureza e que se perpetuou no
modo caboclo de sobrevivência no Nordeste. Impossível não referir que para a comunidade
local esses traços são ancestrais indígenas e são também hábitos incorporados às comunidades
caboclas de todo o Nordeste brasileiro. Sobre este tema interessante a observação de Andrade
sobre os hábitos alimentares da comunidade dos Kalancó, em tudo semelhante aos Cariri:
A comunidade Sítio Poço Dantas dos Cariri está próxima ao principal açude público
federal no município do Crato, Tomaz Osterne de Alencar, atualmente gerenciado pela
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará. Os Cariri podem ir a pé para o açude
em uma caminhada. Claro está que a localização de sua morada a exemplo dos primeiros
Kariri que ocuparam a chapada do Araripe, e que deixaram suas inscrições no abrigo de Santa
Fé, são semelhantes.
Acrescentando à entrevista, uma das lideres da comunidade sobre as danças e músicas,
descreve que praticam o “toré sempre que tem encontros com o povo de Crateús e São
Benedito”, comunidades Kariri em processo de etnogênese. E que praticam também “dança
do coco e o forró regional”. Descreve ainda que o toré foi resgatado dos colegas índios que lá
estiveram visitando a comunidade Poço Dantas, desde dez anos atrás. Conforme descrição de
Arruti638, esse processo significante esteve presente na maioria dos grupos indígenas do
interior do Nordeste em etnogênese e atua como elemento de ressignificação e
conscientização do ser índio a partir do resgate da memória coletiva do grupo social.
O terceiro maior índice de concordância na entrevista foi para o indicador de
identidade que está associado ao território em que vive os Cariri do Sítio Poço Dantas,
53,84%. Alguns elementos merecem destaque nesta afirmação. O primeiro deles é ser Cariri e
637
ANDRADE, Ugo Maia. Dos Estigmas aos Emblemas de Identidades. Revista de Estudos e Pesquisas.
FUNAI, Brasilia, vol 1. Nº 1, p. 99-139. Jul. 2004. Disponível em: <www.funai.gov.br>. Acesso em: 22
Jul.2017. p.p 114/115/116.
638
ARRUTI, José Maurício. A Produção da Alteridade: o toré e as conversões missionárias e indígenas. VII
Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais. A Questão Social no Novo Milênio. Coimbra, 2004. p. 1.
Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel47/JoseArruti.pdf>. Acesso em: 18 Jul.2017.
219
morar na região denominada Cariri, que é público e notório ser uma referência aos primeiros
habitantes indígenas da região, os Kariri. O segundo é entender que esta terra é um elemento
sagrado integrador de sua identidade, porque religa o ser índio à natureza. Outro elemento que
distingue essa informação em grau de importância é o fato reconhecido pela legislação
nacional vigente que o território é elemento identitário, ex vi Art. 231 da CF, Estatuto do
Índio, art. 2º, IX; considerando ainda que a principal politica pública indigenista do Brasil, de
todos os tempos, desde 1500, está associada à demarcação de terras indígenas.
A referência dos Cariri à terra é um elemento de identidade que os faz índios. As terras
que ocupam hoje são de sua propriedade, pequenos lotes individuais, mas que em razão do
parentesco da maioria das pessoas da comunidade atuam como uma aldeia; ajudam-se
mutuamente e se interessam uns pelos outros.
Dentre as preocupações destacaram o avanço de uma obra do projeto Cinturão das
Águas - obra de segurança hídrica que interliga a sub-bacia hidrográfica do Rio Salgado no
Cariri aos reservatório de captação de águas advindas do projeto de interligação de bacias do
nordeste Setentrional - Rio São Francisco, ao Ceará; é uma obra do Governo do Estado do
Ceará que já desapropriou algumas áreas de pessoas da comunidade, mas que a maioria vê
com preocupação essa obra, quanto mais pela escassez de água que estão enfrentando. Suas
fontes são cisternas de placas, e em períodos de seca, há 5 anos o Ceará esta em seca639,
precisam ser abastecidas por caminhão-pipa.
Na questão territorial terra indígena não registraram conflitos pelo uso da terra.
Parecem viver em paz e suas terras ficam não mais que um quilômetro distante do centro do
distrito de Monte Alverne, núcleo populacional mais próximo; de certa forma estão isolados.
O tipo de organização social em que vivem e hábitos coletivos, e a aparência e traços
físicos obtiveram entre 30% e 40% das respostas como indicador identitário para os
entrevistados. Indicador que não se confunde com a cor da pele, uma vez que esta informação
constava em outra alternativa que obteve 23,07 % das respostas.
639
FUNDAÇÃO CEARENSE DE METEREOLOGIA E RECURSOS HÍDRICOS. FUNCEME. Seca no Ceará
está menos grave em 2017, mas ainda preocupa. Segundo o Monitor de Secas do Nordeste, em junho do ano
passado, Estado tinha 100% do território com alguma condição de seca. Em junho de 2017, esse número caiu
para 64%. Após cinco anos com sucessivas quadras chuvosas abaixo da média histórica, em 2017 o período
principal de precipitações no Ceará (fevereiro a maio) foi encerrado em torno da média, com desvio percentual
de -7,7%, equivalente aos 554,5mm que caíram no Estado durante o quadrimestre. Ainda que não tenha sido uma
excelente quadra chuvosa, alguns impactos positivos podem ser percebidos no Monitor de Secas do Nordeste
(MSNE), cujo mapa mais atual, de junho de 2017, elaborado pela Fundação Cearense de Meteorologia e
Recursos Hídricos (Funceme) aponta redução de severidade da seca na comparação com junho de
2016. Disponível em: < http://www.funceme.br/index.php/comunicacao/noticias/807-seca-no-cear%C3%A1-
est%C3%A1-menos-grave-que-em-2016,-mas-ainda-preocupa#site>. Acesso em: 23 Jul.2017.
220
640
ARRUTI, José Mauricio. Da Memória Cabocla à História Indígena: o processo de mediação entre conflito
e reconhecimento étnico (Xocó, Porto da Folha – SE). In: Rachel Soihet, Maria R. C. de Almeida, Cecília
Azevedo e Rebeca Contijo. (Org.). Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. 1ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, v. 1, p. 249-270. PDF. p. 9.
221
Entrevista
Sim Não Total
Perguntas 4 e 6
A identidade
Cariri é geradora
de direitos para
os índios e suas
famílias 12 01 13
Total em
92,30% 7,70% 100%
Percentuais
A constituição
Brasileira protege
os direitos 12 01 13
indígenas?
Total em
92,30% 7,70% 100%
Percentuais
Gráfico 2 - Percentual de respostas á pergunta. Quais direitos você espera ver reconhecidos?
90
Posse da terra
80
70
Propriedade da terra
60
50
Reconhecimento da Identidade
40 Kariri/Cariri
30
Autodeterminação
20
10
Não entendo o que é
0 autodeterminação
Quais direitos você espera ver reconhecidos?
portanto, múltipla escolha, as quais o entrevistado poderia marcar mais de uma assertiva e na
última assertiva um espaço em branco para caso o entrevistado tivesse uma sugestão a fazer.
No quadro 21, a seguir, temos os resultados percentuais das respostas.
Quadro 21 - Demonstrativo das respostas à pergunta: quem você acha que está
em condições de garantir os direitos dos índios no Brasil?
Gráfico 3: Percentual de respostas à pergunta. quem você acha que está em condições de garantir
os direitos dos índios no Brasil?
60
Você e seu povo
50
Estado (Executivo, Legislativo ou
40 Judiciário
Ministério Público
30
FUNAI
20
10 Associação Indígena
0 Outra Entidade
Quem você acha que está em condições de garantir os
direitos dos índios no Brasil?
Como referido antes, esta seção objetivava ouvir os entrevistados acerca do modo
como eles veem a relação do Estado com a demanda levantada pelas comunidades para fins
225
de reconhecimento da identidade Cariri. E inserir esses dados no tema mais amplo que o
movimento socioambientalista está levando a efeito sobre a superação do modelo de Estado
Nacional brasileiro.
No resultado da questão sete, tem-se claramente uma propensão dos entrevistados em
reconhecer no Estado o caminho para a garantia dos seus direitos coletivos à identidade e à
terra indígena. A única resposta que ultrapassou o limite de 53,84% indica a FUNAI como
órgão capaz de garantir os direitos dos índios no Brasil, segundo o grupo étnico dos Cariri do
Sítio Poço Dantas. Em segundo lugar, com 38,46% temos o Estado através de suas funções
executivo, legislativo ou judiciário como aquela instância que pode atuar para a garantia de
direitos coletivos aos indígenas, conforme vimos pelos dados percentuais.
Em terceiro lugar a associação indígena desponta como uma referência de garantia de
direitos, 23,07%, embora seja no momento uma das solicitações mais emergentes das
lideranças dos Cariri do Sítio Poço Dantas, ajuda para criar e operacionalizar uma associação
indígena para reivindicar seus direitos. Esse índice somado ao quarto mais citado, que
remonta à autonomia da comunidade sobre a luta em defesa de seus direitos, somente 15,38%
das respostas reivindicou a primazia na capacidade de garantir direitos aos povos indígenas à
luta dos próprios índios. Somando-se os dois indicadores temos 38,45% de confiança na luta
dos povos indígenas (os povos por si mesmos e associados). É um indicador que denota o
quão descrentes estão os povos indígenas do Cariri, “cansados de guerra” como diria Jorge
Amado. Estão como tigres mosqueados! Afinal foi um longo tempo passado na invisibilidade.
Outro dado interessante, talvez inesperado, é a ausência quase total do Ministério Público
nesta resposta, apenas 7,69% dos entrevistados acreditam no Ministério Público como órgão
em condições de garantir os direitos indígenas, no que pese ser este o órgão demandante
quase por excelência das ações que envolvem interesses difusos e coletivos no Ceará porque o
artigo 129, V da CF/88 atribui ao Ministério Público a defesa judicial dos direitos e interesses
das populações indígenas e dos direitos e interesses coletivos ou difuso.
Para este terceiro ciclo de resultados e análise das entrevistas concluímos que a
comunidade étnica indígena Cariri do Sítio Poço Dantas identifica o Estado através da FUNAI
como órgão em melhores condições de garantir direitos indígenas constitucionais à
identidade, aos usos e costumes, à cultura e terra indígenas e todos os benefícios dela
resultantes.
226
Diante do quadro analítico que vimos construindo e dos dados colhidos na pesquisa de
campo podemos afirmar que os membros da comunidade tradicional do Sítio Poço Dantas, em
Crato Ceará, reúnem as condições jurídicas de ser identificados como Índios da etnia Cariri. A
identidade jurídica a qual nos referimos nesta tese é reunião dos elementos de composição
segundo o direito socioambiental da identidade étnica. Considerando o cumprimento segundo
interpretação realizada no corpo desta tese de que os mesmos são remanescentes dos Índios
Kariri/Cariri do Cariri e ocupavam o território ancestral preservando parte de sua cultura e
modos de vida.
Concluímos ainda preliminarmente:
1) Que os Cariri do Sítio Poço Dantas em etnogênese, descendem dos índios
Kariri/Cariri que habitaram as terras do Cariri, porção Sul do Ceará e sua territorialidade está
associada aos processos de aldeamentos realizados no Cariri, em Missão Nova (Missão
Velha) e Missão do Miranda (Crato) no período aproximado de 1741 a 1780, quando
oficialmente os colonizadores/sesmeiros e seus descendentes ou proprietários de terras e
autoridades que o sucederam, pretenderam expulsar todos os Cariri do seu vasto território na
encosta da Chapada do Araripe.
A reminiscência que traz essa identidade quando analisada sobre o fato que a gerou dá
conta de que não foi tão simples assim a pretensa extinção e expulsão dos Kariri/Cariri do
Cariri. Além das referências de Gardner641 já citada nesta tese, em que afirma a existência de
mais de 2 mil entre índios e mestiços morando na vila do Crato em 1838.
Igualmente Valle642 anota documentos oficiais emitidos pelo presidente da província
do Ceará em 1863 aos ministérios imperiais do Brasil confirmando que “os descendentes das
antigas raças ainda se encontram em grande número localizados nos aldeamentos já extintos,
se bem que misturados na massa geral da população”.
641
GARDNER, George. Viagens pelo Brasil. Principalmente nas províncias do Norte e nos Distritos do Ouro e
do Diamante durante os anos de 1836-1841. Tradução de Albertino Pinheiro. 1ª edição. Brasiliana, Vol. 227. São
Paulo: Companhia Editora Nacional. 1942. Disponível em: <http://www.brasiliana.com.br/obras/viagens-pelo-
brasil-principalmente-nas-provincias-do-norte-e-nos-distritos-do-ouro-e-do-diamante-durante-os-anos-de-1836-
1841/pagina/153/texto>. Acesso em: 05 Jul.2017.
642
VALLE, Carlos Guilherme Octaviano. Aldeamentos Indígenas no Ceará do Século XIX: revendo
argumentos históricos sobre desaparecimento étnico. In PALITOT, Estevão Martins. (Org.). Na Mata do Ceará:
contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Fortaleza: Secult/Museu do Ceará/IMOPEC, 2009. 107-154.
p. 142. Conclui o referido autor observando que esses “documentos mostram como a maioria dos índios que
viviam nos antigos aldeamentos não abandonou suas terras, mas foi obrigada a sair delas ou, então, teve que
encontrar certos nichos ou pequenas áreas para viver”.
227
A etnogênese dos índios do Nordeste, tão semelhantes entre si, expressam a mistura
étnica como uma constante no processo de identificação dos índios não isolados do Brasil, ou
seja, daqueles que foram retirados, expropriados ou expulsos de suas terras para se
transformar em um nacional, ou somente, com fins de implantar o sistema de produção
capitalista nascente que tinha na expansão da pecuária e agricultura o seu principal horizonte
nas terras do Cariri.
A etnogênese, entendemos ser um processo social que o direito socioambiental está
defendendo como relevante na “construção da identidade de um povo. É um processo lento
que se cria e se recria, fundado na tradição e com raízes fincadas na cultura enquanto práticas
sociais em movimento”643, aí incluídas as comunidades que foram se descaracterizando com o
passar do tempo.
2) Que os Cariri, fugidos dos aldeamentos ou da expulsão, resistiram e formaram
comunidade tradicional no Sítio Poço Dantas, distrito de Monte Alverne, no Crato.
Essa nova comunidade é também uma nova identidade que exige do Estado o
reconhecimento e direitos, um novo direito, que a Constituição prevê, mas ainda encontra
dificuldade nos tribunais para ver efetivado. Para esses índios do século XXI o que o Estado
propõe é um desafio novo, a nosso ver descrito por Leff como:
643
DANTAS, Fernando Antônio de Carvalho. A Noção de Pessoa e sua Ficção Jurídica: a pessoa indígena no
direito brasileiro. Hileia. Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Ano 3. Nº 5. Manaus: Edições Governo do
Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura/Universidade do Estado do Amazonas, 2005. 121-146. p.
644
LEFF, Enrique. Los Derechos del Ser Coletivo y la Reapropriación Social de la Naturaleza. In CUNHA,
Belinda Pereira da. Et. All. Os Saberes Ambientais Sustentabilidade e olhar jurídico: visitando a obra de Enrique
Leff. Caxias do Sul, RS: Edus. 2015. Pp. 12-31. p. 30. Tradução livre do autor.
228
possuem repertórios não idênticos de memórias e significados sobre suas relações históricas
com o aldeamento.”645
3) Que o processo de territorialização e etnogênese dos Cariri do Sítio Poço Dantas
tem características de mestiçagem, ou seja, são índios misturados com povos de descendência
africana de escravos da Casa da Torre que migraram para o Cariri, ou escravos trazidos pelos
fazendeiros de gado, ou de mineração (Missão Velha)646 e/ou senhores de engenho, muito
comuns no vale da Salamanca, atual município de Barbalha no Cariri. Não podendo neste
estudo precisar a origem exata dos negros.
Esse processo de mestiçagem tem registros, contudo, desde o século XX no SPI,
através de relatórios de casos de índios mestiços ou caboclos, remanescentes e compõe
entendimento assente entre os pesquisadores dedicados aos estudos dos índios do Nordeste647.
Nos relatórios veem-se citações de mestiços de índios Pancaraús-Xocó com brancos e
negros648 no total de 2.488. Os postos indígenas, do SPI, com relação aos índios misturados
tinham uma postura a favor e noutro momento contra, com fundamento no mesmo fato de ser
misturado, o que poderia resultar em reconhecimento ou não desses índios misturados e o
envolvimento em politicas públicas.
Esse processo se dá igualmente entre os Kariri de Mirandela, na Bahia. Bandeira
observa que “os caboclos Kariri, [...] são hoje grupo de caracteres físicos heterogêneos e
altamente diferenciados... os traços negroides são mais comuns.” 649 Essa mistura étnica era
uma política empreendida nos aldeamentos para miscigenar e com isso procurar chegar a um
tipo nacional, mas, sobretudo, uma estratégia também para se apropriar novamente das terras
que ainda estavam em poder dos índios, após a lei de terras de 1850; de saldo criava o
ambiente e mão-de-obra pobre a preço vil. Na prática, conclui Arruti era “a reordenação dos
645
ANDRADE, Ugo Maia. Dos Estigmas aos Emblemas de Identidades. Revista de Estudos e Pesquisas.
FUNAI, Brasilia, vol 1. Nº 1, p. 99-139. Jul. 2004. P. 107. Disponível em: <www.funai.gov.br>. Acesso em: 22
Jul.2017.
646
BRÍGICO, João. Apontamentos para a História do Cariri. Edição Fac-símile reproduzida do Diário de
Pernambuco, de 1861. Typ. Da Gazera do Norte. 1888. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007.
647
ARRUTI, José Mauricio. Agenciamentos Políticos da “Mistura”: Identificação Étnica e Segmentação
Negro-Indígena entre os Pankararú e os Xocó. Estudos Afro-Asiáricos. Ano 23. Nº 2. 2001. Pp. 215-254.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/eaa/v23n2/a01v23n2.pdf>. Acesso em: 21 Jul.2017. p. 6. “No inicio
do século XIX, o governo imperial voltaria a incentivar a ocupação não-indígena das terras das antigas missões e
aldeamentos, como forma de criar uma população finalmente homogênea”.
648
Ibid., p. 227.
649
BANDEIRA, Maria de Lourdes. Os Kariris de Mirandela: um Grupo Indígena Integrado. Estudos Baianos.
Nº 6. Salvador: Universidade Federal da Bahia. 1972. p. 31.
229
padrões de intervenção e controle sobre a população rural pobre nordestina num momento de
transição das relações de trabalho para o capitalismo.” 650
4) Os direitos coletivos socioambientais dos indígenas inscritos na Constituição
brasileira, art. 231 e 232 e o conjunto normativo complementar, regulamentador, ou ordinário
nela recepcionado, constitui arcabouço jurídico capaz de realizar e garantir os direitos à
identidade dos autoidentificados índios Cariri do Sítio Poço Dantas, em Crato. Assim
considerado sob o nível de confiabilidade que os membros do grupo social demonstrou no
ordenamento jurídico nacional e suas instituições.
5) A autodeterminação é um instituto desconhecido pela maioria dos índios
Cariri do Sítio Poço Dantas, sendo necessário um processo educativo nacional para colocar
esse tema na agenda das comunidades indígenas. A exemplo do que ocorre com as práticas
rituais e culturais, que os índios do Nordeste tem criado uma rotina de diálogos inter-étnico,
também o tema da organização politica e administrativa deve permear as temáticas abordadas
em seminários e assembleias indígenas para divulgar práticas de autodeterminação de
comunidades indígenas.
Esta necessidade confirma a hipótese levantada inicialmente em nosso projeto de
pesquisa necessidade de conhecer a título de observação a experiência dos Cherán no México,
como exercício politico e jurídico de autodeterminação.
6) Os resultados desta seção também nos impõe uma conclusão sobre a
convivência das comunidades indígenas no Estado Nacional e a superação do modelo de
Estado previsto da Constituição do Brasil. A população entrevistada indicou dentro das não
prioridades a autodeterminação, com 30,76%, o menor índice dentre as assertivas escolhidas.
Essa questão, como indicada na conclusão anterior pode ser resultado da baixa educação
sobre o tema, uma vez que 46,15% declarou não saber o significado de autodeterminação,
ainda que a explicação estivesse na assertiva que antecedeu esta resposta. Ou a comunidade
está compreendendo que ainda não é o caso de deixar o Estado Nacional como protetor dos
direitos indígenas. É o nosso entendimento dos fatos.
Para cada um o seu direito, para cada grupo étnico indígena identificado os seus
direitos coletivos, ou no dizer de W. H. Goodenough, para cada povo indígena identificado
um status, que representa um conjunto de direitos e deveres651. O primeiro deles à identidade
650
ARRUTI, José Mauricio. Agenciamentos Políticos da “Mistura”: Identificação Étnica e Segmentação
Negro-Indígena entre os Pankararú e os Xocó. Estudos Afro-Asiáricos. Ano 23. Nº 2. 2001. Pp. 215-254.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/eaa/v23n2/a01v23n2.pdf>. Acesso em: 21 Jul.2017. p. 220.
651
W. H. Goodenough apud CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade Étnica, identificação e
Manipulação. Revista Sociedade e Cultura, vol. 6. Núm. 2, julho-dezembro, 2003, pp. 117-131. PDF.
230
e em consequência dos elementos culturais, como o nome, o modo de organização social usos
e costumes, igualmente o acesso a politicas públicas indigenistas.
Os Cariri estão com as presas cerradas, não são beligerantes, não querem
enfrentamentos, mas pedem direitos e reconhecimento, e esperam do Estado essa atenção.
Foram comunidade invisibilizada e tantos outros Cariri há no Cariri, com registro de
nascimento inscrito Cariri que se colocaram “de fora” para se integrar à sociedade regional.
Prevaleceu em alguns a identidade negativa652 de sua etnia quando desde crianças aprenderam
que ser Cariri em nada agregava em sua busca por sobrevivência e assim se conservaram até
hoje. Como ficarão esses “de fora” após a identificação e reconhecimento dos povos da etnia
Cariri no Cariri? Certamente emergirão de seu esquecimento intencional, identidade histórica,
para se apresentar como Cariri, novamente. O crescente aumento dos autodeclarados índios
no Censo de 2010, do IBGE, nos ajuda a crê nesta assertiva.
A partir desse estudo que aponta para a confirmação da identidade jurídica dos Cariri
do Cariri, do Sítio Poço Dantas, é o momento de renovar as energias para dar vasão à luta
contida em busca de novos direitos.
c) A atuação do poder público deve atuar para que a base social respeite a
diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente
sustentáveis no que pertine a segurança alimentar e nutricional.
do Araripe; zona de amortecimento, nos termos da lei do SNUC é o entorno de uma unidade
de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas,
com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. Mas dada a
proximidade com estas unidades, há uma provável incursão destes em áreas de encostas que
são naturalmente protegidas como área de preservação permanente. De sorte que um dos
primeiros direitos dos povos indígenas Cariri do Sítio Poço Dantas, neste contexto, é ser
reconhecido como população tradicional nos termos desta legislação nacional, Art. 5º inciso
X, que define como diretriz do sistema nacional de unidades de conservação a garantia às
populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes
no interior das unidades de conservação, meios de subsistência alternativos ou a justa
indenização pelos recursos perdidos.
A comunidade a seu turno, assume o compromisso e obrigação de participar da
preservação, recuperação, defesa e manutenção da unidade de conservação observando-se que
o uso dos recursos naturais pelas populações de que trata este artigo obedecerá às seguintes
normas: a) proibição do uso de espécies localmente ameaçadas de extinção ou de práticas que
danifiquem os seus habitats; b) proibição de práticas ou atividades que impeçam a
regeneração natural dos ecossistemas; c) demais normas estabelecidas na legislação, no Plano
de Manejo da unidade de conservação. D) direito a estabelecer contrato de concessão de
direito real de uso.
primeiro grupo de trabalho dessa ação resultou em estudos para fins de demarcação e
“proteção” dos índios Pataxó e Kiriri, afirma João Pacheco de Oliveira.653
A denominação Índios do Nordeste, referido por Dantas, Sampaio e Carvalho apud
João Pacheco de Oliveira654 introduzirá a ideia de um denominador comum para os povos
indígenas da região, como diz o autor um “conjunto étnico e histórico”, cuja característica de
terem tido igual processo colonizador e de submissão aos missionários os distingue em sua
igual diáspora pela caatinga. Pari passu, os índios do Nordeste também desde a colonização
eram chamados em sua maioria de índios misturados, outra denominação que se traduz em
índios que estão integrados a economia e à sociedade regional655. Os índios do Nordeste na
década de 1970 já eram definidos como tais na literatura, “sertanejos pobres e sem acesso à
terra, bem como desprovidos de forte constrastividade cultural”656 No caso dos Cariri do Sítio
Poço Dantas temos uma comunidade de índios misturados, índios do nordeste, já o dissemos.
Qual seria o papel da FUNAI neste contexto? Para fugir das estratégias de
“manipulação”, a que se refere Teófilo da Silva, as bases seriam entender identificação étnica
como “manifestação sucessiva de multiplas estabilizações contrastivas de grupos que
vivenciaram e vivenciam situações de ‘diáspora’ e ‘mistura’.”657 O papel do pesquisador,
estudioso ou técnico seria neste caso categorizar essas pessoas, grupos sociais e seus recursos
materiais e/ou simbólicos com que constróem essas vivências, propondo o citado autor 658 que
os sujeitos é que estariam em melhores condições de fazer essa categorização enquanto o
papel do analista seria apenas reconhecer essas categorizações.
Esse tema é um dos mais delicados no momento nacional em que se discute a
invenção de etnias indígenas como processo de apropriação indevida de terras privadas. Há
Comissão Parlamentar de Inquérito que propõe indiciamentos de servidores de órgãos do
estado ou prestadores de serviços para esse fim e há pesquisadores já indiciados, cujas
referências já realizamos nesta tese. De sorte que essa problemática ao nosso ver, é mais um
processo de exclusão a que estão submetidos os povos indígenas no Nordeste, cuja
653
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma Etnologia dos Índios Misturados? Situação Colonial,
Territorialização e Fluxos Culturais. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp.47-77. ISSN 0104-9313.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf >. Acesso em: 30 Jun.2017. p. 51.
654
Ibid., p. 51.
655
OLIVEIRA, op., cit., p. 52.: “O órgão indigenista, sempre manifestou seu incômodo e hesitação em atuar
junto aos índios do nordeste, justamente por seu alto grau de incorporação na economia e na sociedade
regionais”.
656
OLIVEIRA, op., cit., p. 52.
657
SILVA, Cristhian Teófilo da. Identidade Étnica, Territorialização e Fronteiras. Revista de Estudos e
Pesquisas. FUNAI. Brasília. V. 1. Nº 1. P. 113-140. Jul. 2005. p. 120. Disponível em: <www.funai.gov.br>.
Acesso em: 24 Jul.2017.
658
SILVA, op., cit., p. 121.
234
659
SILVA, Cristhian Teófilo da. Identidade Étnica, Territorialização e Fronteiras. Revista de Estudos e
Pesquisas. FUNAI. Brasília. V. 1. Nº 1. P. 113-140. Jul. 2005. p. 131. Disponível em: <www.funai.gov.br>.
Acesso em: 24 Jul.2017.
660
TÓFOLI, Ana Lúcia Farah de. Retomadas de Terras Tapeba: entre a Afirmação Étnica, os Descaminhos da
Demarcação Territorial e o Controle dos Espaços. In PALITOT. Estevão Martins (Org.). Na Mata do Sabiá.
Contribuições sobre a presença indígena no Ceará. SECULT. MUSEU DO CEARÁ. Fortaleza. 2009. P. 214.
661
VALLE. Carlos Guilherme. Aldeamentos Indígenas no Ceará do Século Xix: revendo argumentos
históricos sobre desaparecimento étnico. In PALITOT. Estevão Martins (Org.). Na Mata do Sabiá. Contribuições
sobre a presença indígena no Ceará. SECULT. MUSEU DO CEARÁ. Fortaleza. 2009. P. 145.
235
662
OLIVEIRA, João Pacheco de. Os Caxixós do Capão do Zezinho: uma Comunidade Indígena distante de
Imagens da Primitividade e do Índio Genérico. Relatório encaminhado á FUNAI. Disponível em:
<http://www.anai.org.br/arquivos/Laudo_Antropologico_Caxixos_Capao.pdf>. Acesso em: 01 Jul.2017. p. 36.
663
VERAS, Marcos Flávio Portela. DE BRITO, Guimarães. Identidade Étnica. A Dimensão Politica de um
Processo de Reconhecimento. Revista Antropólogos ISSN 1982-IC. Ano 4. Vol. 5. Maio 2012. Disponível em:
<http://revista.antropos.com.br/downloads/maio2012/Artigo4-IdentidadeEtnica.pdf>. Acesso em: 30 Jun.2017.
p. 120.
664
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 8ª reimpressão. São Paulo:
Centauro Editora, 2015. p. 13.
665
ZIEGLER. Jean. Ódio ao Ocidente. Tradução Marcelo Mori, Maria Helena Trylinski, Mariclara de Oliveira.
Cortez Editora: São Paulo, 2011. P. 43.
236
Neste contexto de garantias de direitos, comunidades que foram envolvidos nas ações do
Estado são, como afirma Veras, “levados a situacionalmente reorganizar seus símbolos
culturais, lançando mão de sua identidade étnica e reivindicar seus direitos, sem contar com as
evidências empíricas da natureza de sua distintividade”. Para Oliveira, a única continuidade
que talvez seja possível, a exemplos dos índios do Nordeste semelhante ao que ocorre com os
Cariri do Sítio Poço Dantas, é “recuperando o processo histórico vivido por este grupo,
mostrar como ele refabricou constantemente sua unidade e diferença frente a outros com os
quais esteve em interação”. 666
Destes direitos reconhecidos, o papel da União é sem dúvida essencial para consolidar
sua proteção, através da demarcação de terras, ponto de partida para o leque de direitos a
serem protegidos. Razão dos maiores conflitos atuais, uma vez que o Brasil pouco avançou
nesta seara.
Reconhecer a identidade dos Cariri é reconhecer nessa comunidade um povo indígena
“misturado”, e ao fazê-lo estará o Estado desnaturalizando a mistura, que no dizer de João
Pacheco de Oliveira667, é a única política pública que o Estado pode fazer pelos índios do
Nordeste para garantir sua sobrevivência e cidadania. Esse processo é denominado pela
Antropologia como etnogênese668, que abrange desde a emergência de novas identidades
como a reinvenção de etnias já reconhecidas.
4.4.2.1 Costumes e tradições dos índios Kariri do passado e dos Cariri do século XXI
666
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma Etnologia dos Índios Misturados? Situação Colonial,
Territorialização e Fluxos Culturais. Mana [online]. 1998, vol.4, n.1, pp.47-77. ISSN 0104-9313.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2426.pdf >. Acesso em: 30 Jun.2017.
667
Ibid., p.. 53.
668
OLIVEIRA, op., cit., p. 53.
237
Quadro 22 - Comparativo de hábitos alimentares dos Kariri do passado e dos Cariri do Século
XXI.
669
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.4.
Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 7.
670
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1978. P. 38.
671
ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará, desde os tempos primitivos até
1850. Recife: Typrografia do Jornal do Recife, 1867. P. 24.
672
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. V III. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória, n.6.
Fac-símile da Edição de 1966. Edições URCA. Fortaleza:. Edições UFC, 2010. P. 106.
673
SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil (1500-1627). Editores Weiszflog Irmãos. 1918. Prefácio
Marcos Venicio Ribeiro. Fundação Darcy Ribeiro. Brasília:Editora da UNB, 2014. Edição Digital (PDF). P. 82-
83.
674
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 63.
238
Na culinária:
c) O trato com a mandioca678 e o feijão679, o preparo da
farinha
d) Uso do milho na alimentação680;
e) O uso e aproveitamento do Pequi681.
Algodão: Os indígenas do Cariri, pertencentes todos Não investigado
ao grupo do mesmo nome... plantavam algodão e
fiavam... Havia até a cerimônia de iniciação da moça
aborígene na profissão de tecer fibras.682
Mitos e lendas: Não investigado
a) Curar o doente com o sopro ou cantigas, ou pintar-
lhe a pele com tinta de jenipapo para que não seja
conhecido do diabo;
b) Espalhar cinza à roda da casa do defunto para que o
diabo daí não passe a matar os outros; ou por cinza no
caminho, quando se carrega a pessoa doente para que o
diabo não vá atrás dela;
c) Banhar a criança com aluá para que quando ela for
adulta seja bom caçador e bom lutador.683
Em guerra: Não foi investigado
a) Respeito aos asilos nas caiçaras ou pessoas em suas
residências684;
b) Reconhecimento de marcos representados pela cruz.
675
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri volume I. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.4. Fac-símile da Edição de 1964. Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 7.
676
PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Fac-símile da edição de 1950. Coleção Nossa Cultura, n. 1, Série memória,
n.1). Edições URCA. Fortaleza: UFC, 2010. P. 20.
677
LIMA, Flávia Fernanda. Et. All. Geopark Araripe: Histórias da Terra, do Meio Ambiente e da Cultura.
Crato: Editora da URCA, 2012. P. 150. “Também são encontrados cachimbos decorados, demonstrando que o
fumo já era praticado entre os indígenas da região.”
678
Iibd., p. 49: Esse relato, aliás, é da época da chegada dos portugueses ao Brasil. Referido por Pe. Manuel da
Nóbrega em 1549.
679
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 62.
680
FIGUEIREDO FILHO, op., cit., p. 8.
681
FIGUEIREDO FILHO , op., cit., p. 20.
682
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. volume III. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.6. Fac-símile da Edição de 1966. Edições URCA. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 106.
683
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo Instituto do
Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965. P. 61.
684
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Editora Cátedra. Rio de Janeiro. 1978. P. 40.: A mudança desse
hábito cultural ancestral se dá pela atuação dos fazendeiros definindo aquilo que o autor chama de “traição
guerreira”. SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Editora Cátedra. Rio de Janeiro. 1978. P. 40.
239
A propriedade das terras doadas para a Vila dos Índios, sob os cuidados do Frei Carlo
Maria de Ferrara, juridicamente falando, aos Cariú dos Kariri/Cariri pertenciam. O processo
de fim dos aldeamentos ocorridos com a edição da Lei de Terras (nº 601 de 1850),
resguardava as terras dos índios aldeados ou isolados para si e seus descendentes. Por serem
indispensáveis à sua sobrevivência ocupavam as terras e por isso não poderiam ser
incorporadas às terras “próprias nacionais”, na verdade terras devolutas.
A expulsão, “a bem dos índios” promovida pelo Presidente da Província de
Pernambuco e executada pelo Ouvidor Geral do Ceará José da Costa Dias e Barros em 1780,
denota uma fraude promovida pelo Estado contra os índios das Missões do Cariri, que merece
reparação. Foram expulsos para, em verdade, se apropriar das terras dos índios, duplamente a
eles reconhecidas: 1) pela aquisição extraordinária: permanente, mansa, pacífica, posse como
proprietário originário; 2) Doação687 realizado pelo Capitão-mor Domingos Álvares de Matos
685
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. volume III. Coleção Nossa Cultura. N.1, Série Memória,
n.6. Fac-símile da Edição de 1966. Edições URCA. Fortaleza. Edições UFC. 2010. p. 107/108.
686
Ibid., p., 107/108.
687
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Edição Fac-símile da edição de 1963, publicada pela Imprensa
Universitária do Ceará. Coleção Nossa Cultura, n. 1., Série memória, n. 2. Coedição Secult/Edições URCA.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. P. 27: “Frei Carlos Maria de Ferrara que recebeu terras doadas aos índios do
Crato e delas tomou posse em favor dos mesmos”.
240
e sua mulher Maria Ferreira da Silva, filha do Capitão Antônio Mendes Lobato, datado de
3.12.1743, escritura lavrada pelo tabelião público judicial Roque Correia Marreiros, Vila do
Icó688.
Como trazer ao reconhecimento público esse direito decorridos tantos anos de seu
ultrajante ataque? Não há resposta simples ou fácil para esta questão; talvez não haja resposta
sustentável juridicamente em tribunal para garantir o direito coletivo à terra indígena aos seus
verdadeiros proprietários, para usar um termo contratual.
A Constituição Federal de 1988, sobre o direito de propriedade em terras indígenas
instituiu: “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam689”. Cabendo à
União demarcar as referidas terras, protege-las e “fazer respeitar” os bens nela inseridos.
É extraordinário pensar na evolução que esse instituto representou em termos formais
para o reconhecimento dos povos indígenas no Brasil. Vejamos se o Estado é capaz de reparar
no caso dos índios Cariri do Cariri as consequências da expulsão enquanto ato ilegal, nulo de
pleno direito se observados os princípios constitucionais e processuais que rezam a espécie
hoje690, conforme interpretação pelo STF. O ato normativo do Governador de Pernambuco
José Cesar de Menezes foi executado pelo ouvidor do Ceará José Dias da Costa Barros. O
referido ato é tratado pela historiografia como “injusta” e “espoliação”.
688
MACÊDO, Heitor Feitosa. Sertões do Nordeste I. Inhamuns e Cariris Novos. A província Edições. Crato.
2015. P. 264-265.
689
Art. 231. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das
riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas
as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional,
em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o
domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na
forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
690
FIGUEIREDO, Leandro Mitidieri. Populações Tradicionais e Meio Ambiente: Espaços territoriais
especialmente protegidos com dupla afetação. PDF. p. 5. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-
tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs/artigos/docs_artigos/populacoes-tradicionais-e-meio-
ambiente-espacos-territoriais-especialmente-protegidos-com-dupla-afetacao-leandro-mitidieri. Acesso em: 23
Jul.2017.
241
autoridade indígenas nacionais e internacionais; fator que pode estar contribuindo para a
violência e conflitos entre proprietários de terras e indígenas. Igualmente preocupante é o
avanço de medidas administrativas e judiciais que tem colocado sob suspeição os estudos para
demarcação de terras indígenas, ou mesmo a reversão de terras já demarcadas pelo poder
judiciário. São tantas as questões preocupantes neste cenário controverso do Brasil do século
XXI que um dos mais inesperados golpes pode vir do poder legislativo, com os fins de alterar
a constituição quanto ao poder de demarcação de terras indígenas pela União, devolvendo ao
Congresso a prerrogativa, tornando mais burocrático o processo, além do que já é. Mais grave
é saber que esse processo se dá por atuação direta da bancada ruralista no Congresso
Nacional.
As terras indígenas reservadas são áreas destinadas à posse e ocupação pelos índios,
onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das
riquezas naturais e dos bens nelas existentes, respeitadas as restrições legais. Estas áreas não
se confundem com as de posse imemorial das tribos indígenas, podendo organizar-se sob uma
das seguintes modalidades: reserva indígena, parque indígena e colônia agrícola indígena. A
conceituação está descrita individualmente no estatuto do índio, sendo reserva indígena uma
área destinada a servir de habitat a grupo indígena, com os meios suficientes à sua
subsistência. Parque indígena é a área contida em terra na posse de índios, cujo grau de
integração permita assistência econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em
que se preservem as reservas de flora e fauna e as belezas naturais da região. Na
administração dos parques serão respeitados a liberdade, usos, costumes e tradições dos
índios. A colônia agrícola indígena é a área destinada à exploração agropecuária, administrada
pelo órgão de assistência ao índio, onde convivam tribos aculturadas e membros da
comunidade nacional.
No caso dos Cariri do Sítio Poço Dantas há três questões preliminares a resolver em
matéria de terra indígena: a) definir a extensão da terra indígena necessária à sobrevivência do
grupo étnico; b) resolver a questão da área do assentamento missão do Miranda usurpado
com a expulsão dos Kariri. Questão que pode ser remediada com desapropriação de área
territorial semelhante pelo Estado; e c) definir o regime de uso coletivo e de superação da
propriedade privada da terra que hoje ocupam, considerando que no local a propriedade está
sob a posse e em alguns casos propriedade dos Cariri, mas em extensão que não atende às
necessidades da coletividade; d) avaliar se há necessidade de extrusão.
243
Em toda a extensão em que as famílias de uma horda ocupam certa região é esse
território considerado propriedade da comunidade. Esta ideia está clara e viva na
alma do índio e ele compreende a propriedade comum como coisa inteiriça da qual
692
porção alguma pode pertencer a um indivíduo só. (grifo nosso).
691
MARÉS, Carlos F.. A Função Social da Terra. Sérgio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre. 2003. p.
102/117.
692
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Apud Von Martius. In Histórica do Cariri volume III. Coleção Nossa Cultura.
N.1, Série Memória, n.6. Fac-símile da Edição de 1966. Edições URCA. Fortaleza. Edições UFC. 2010. P. 106.
244
... o Silvícola considera como propriedade da tribo o terreno que ela cultiva, mas em
sentido estrito torna-se imóvel privado tal como acontece com a cabana, sendo estes
dois imóveis considerados mais como propriedade de toda a família ou famílias que
moram nela, do que propriedade individual exclusiva. ... Tais bens de raiz são
somente em comum e por isso, com mais direito, direito ainda, considerados
693
propriedades de todos. (Grifo nosso)
693
MARÉS, Carlos F.. A Função Social da Terra. Sérgio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre. 2003. p. 106.
694
Código Civil.
245
de uma variabilidade que decorre dos diversos tipos de bens e seus respectivos titulares.
Entendemos que é nesta fonte que o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira vai beber;
mas com referências em outros dispositivos constitucionais e até mesmos em outros diplomas
legais, o termo mais apropriado não seria “propriedade”, mas, “propriedades”.
Com isto não se quer afirmar que a propriedade privada está desprovida de conteúdo
particular. Pelo contrário, a Constituição confirma o direito de propriedade como garantia
individual e direito subjetivo. Vige, portanto a regra do Código Civil, artigo 1.228696, em que
ao proprietário é dado o direito de usar, gozar, dispor da coisa e ainda de reivindicar de quem
injustamente a possua. Este conceito conserva a essência do direito de propriedade como
atributo privado, impedindo sua desconfiguração. Havemos de convir, contudo que a
incidência constitucional da função social da propriedade como princípio altera o eixo do
direito patrimonial, posto que, ao proteger o direito de propriedade, o legislador não o fará
levando em linha de conta apenas o bem per si e seu dono, mas os valores constitucionais de
justiça social, tutelando como meta a dignidade da pessoa humana.
Sob um olhar subjetivista, o direito de propriedade é entendido como a vinculação do
proprietário a uma coisa, mas que ensejaria a figuração dos demais indivíduos da sociedade
em posição passiva, com um dever de abstenção de violar os atributos do dono, constituindo
inclusive uma relação jurídica entre o proprietário e as demais pessoas, uma vez que estes têm
o dever jurídico de se absterem da realização de qualquer espécie de ato que fira aquele
direito.
O direito subjetivo representa, em Vicente Rao697, a faculdade concedida a
determinados indivíduos de agirem conforme os preceitos da norma garantidora, pois, esta
tem como finalidade a preservação dos fins e interesses, podendo exigir de outrem, o que lhes
for devido segundo a lei. Ao analisarmos a questão jurídica posta em defesa dos índios Cariri
e sua Terra, se considerada propriedade, falta o título desta propriedade, ou seja, o contrato,
695
LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 161.
696
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha.
697
RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5 ed. Anot. e atual. por Ovídio Rocha Barros. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1999.
246
mas temos o registro de doação das terras do aldeamento da missão do Miranda aos Cariú.
Temos a controvérsia assinalada.
Voltamos, por momento, à conclusão de que só é possível analisar o direito à terra
indígena dos índios cariri em paralelo ao direito de propriedade pelo foco da função social da
propriedade e não pode ser de outra forma no regime Constitucional vigente, corroborando
com o entendimento de que a “propriedade não é direito subjetivo do proprietário, mas função
698
social de quem a possui”. Visto assim, a função social da propriedade mitiga o
individualismo que marcou o tratamento do direito de propriedade na codificação
oitocentista699, no entanto, não altera sua natureza jurídica de direito subjetivo tutelado pelo
ordenamento jurídico. Embora tenha provocado modificações na estrutura e regime jurídico
do direito de propriedade, alterando seu conceito e o seu conteúdo, para a faculdade que seu
titular possui de usar, gozar e dispor de certos bens, desde que o faça de modo a promover sua
função social, bem como a dignidade da pessoa humana. Eis o novo conceito de propriedade.
Tal concepção se coaduna com a tese proposta pelo Direito Civil Constitucional, em
que o direito a propriedade é inserido como direito individual fundamental e, logo em seguida
como interesse público, devendo se adequar aos fins sociais, orientando, portanto, o seu
exercício bem como o aproveitamento da propriedade.
Neste contexto, o melhor entendimento é aquele que retrata que o princípio da função
social da propriedade busca equilibrar o interesse público e o privado, sendo que este se
sujeita aquele. É, consequentemente um enquadramento do direito privado à custa da
sustentabilidade do ser humano neste planeta. Todo o direito positivo brasileiro atual é
antropocêntrico, neste caso em particular ao trazer o interesse coletivo para dialogar com
direitos privados está-se fazendo realmente o papel que o Estado-Poder deve realizar na
contemporaneidade. Quem está em verdade pautando essas grandes temáticas é a realidade e
reflexão em torno da sustentabilidade do planeta.
698
RODRIGUES, Rosalinda P. C. A questão agrária e a Justiça. In: A teoria da função social da propriedade
rural e seus reflexos na acepção clássica da propriedade. (Org.) Juvelino José Strozake. São Paulo:Editora
Revista dos Tribunais, 2000. p. 97.
699
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas
de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 397-433.
247
própria, porque abre um rol de possibilidades jamais explorado satisfatoriamente pelos índios
e pela sociedade contemporânea no Brasil. Os caminhos para implementar tal direito
concentra as dúvidas centrais, que no dizer de Consuelo Sánchez700: “precisa se concretizar...
os diversos caminhos vão desde a) conformação de entes autônomos sob o marco de um
Estado pré-existente até, b) a independência e a constituição de um Estado nacional próprio.”
Esse direito põe em questão os estados-nacionais advindos da colonização na América
Latina, cada um com sua Constituição, prenhe de direitos globalizantes e excludentes dos
direitos dos nativos701.
Ao mesmo tempo a autodeterminação, ou com mais precisão a livre-determinação, é
um passo além nos processos constitucionais experimentados na Bolívia (2009)702 e no
Equador (2008), enquanto Estados plurinacionais ou “constitucionalismo plurinacional
comunitário”703. Dentre as muitas dúvidas que o tema sugere um consenso: o
constitucionalismo tradicional não tem dado conta da realidade dos países colonizados,704
porque é ao mesmo tempo um misto de direitos sem garantias que o amparem. Na prática
direitos que não se convertem em direitos.705
Há um fator que pode ser o determinante destas escolhas, porque tipo de
autodeterminação lutar: a falta de compreensão pelos indígenas do próprio conceito jurídico
que esta autodeterminação significa e suas consequências e responsabilidades.
Autodeterminação no século XXI pode significar uma estrutura burocrática e a estrutura
burocrática é demasiado pesada para os tempos atuais se pensarmos que estes povos não
viverão isolados do resto do mundo e com eles podem dialogar, há que se organizar estruturas
intermediárias entre um regime, por exemplo, de usos e costumes e o Estado, nos moldes
700
SÁNCHEZ, Consuelo. Autonomia, Estados Pluriétnicos e Plurinacionais. In VERDUM, Ricardo.
Organizador. Povos Indígenas: Constituições e Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituto de
Estudos Socioeconômicos - INESC, 2009. P. 65.
701
Neste sentido: “Essas constituições, que se assentam em direitos de abrangência universal, foram incapazes
de abarcar questões como o respeito genuíno pelas diferenças e a preservação da identidade.” RAMIREZ,
Silvina. Sete problemas do Novo Constitucionalismo Indigenista: As Matrizes Constitucionais Latino-
Americanas são Capazes de Garantir os Direitos dos Povos Indígenas?. In VERDUM, Ricardo. Organizador.
Povos Indígenas: Constituições e Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituo de Estudos
Socioeconômicos - INESC, 2009. P. 216.
702
No Art. 2º da Constituição da Bolívia vê-se a opção por uma livre determinação dentro do Estado, cuja
definição é “Estado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário... intercultural, pluralismo jurídico e
linguístico”, além de outras coisas.
703
VARGAS, Idón Moisés Chivi. Os Caminhos da Descolonização na América Latina: os Povos Indígenas e o
Igualitarismo Jurisdicional na Bolívia. In. VERDUM, Ricardo. Organizador. Povos Indígenas: Constituições e
Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituo de Estudos Socioeconômicos - INESC, 2009. P. 155.
704
Ibid., p. 158.
705
RAMIREZ, Silvina. Sete problemas do Novo Constitucionalismo Indigenista: As Matrizes Constitucionais
Latino-Americanas são Capazes de Garantir os Direitos dos Povos Indígenas?. In VERDUM, Ricardo.
Organizador. Povos Indígenas: Constituições e Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituo de
Estudos Socioeconômicos - INESC, 2009. P. 217.
248
como há hoje em dia. O processo secular de maus-tratos com a educação para os indígenas
legou uma sociedade além de excluídos, mal-educados, no sentido de acesso à educação que
chamamos de formal.
As experiências de autodeterminação em Cherán, no México, constituem um diálogo
entre Estado de usos e costumes e Estado-nacional. Recheado dos problemas que para além da
ideia de Estado é comum às pessoas: violência, corrupção, transparência no trato da gestão,
planejamento para execução de obras e serviços, são exemplos.
Consuelo Sanchéz706 apresenta uma distinção entre autonomia indígena e Estado
Pluriétnico ou Plurinacional, sendo a primeira o exercício da autodeterminação no âmbito do
Estado Nacional sem status de Estado através do “autogoverno, configurado por um governo
próprio com capacidade de tomar decisões sobre a vida interna e a administração de seus
assuntos”. Com os ajustes que o Estado precisa fazer na legislação para adequar-se ao
governo de “usos e costumes”. O território delimitado, definido é também um dos elementos
que, a exemplo do Estado-Nacional707 é condição para o exercício da autonomia e
autogoverno. Não podendo se restringir à posse territorial somente dos indígenas
individualmente considerados, mas à propriedade coletiva. Igualmente a competência é um
dos elementos indicados por Consuelo Sanchéz, que inclui ir além das práticas comuns aos
indígenas e agregar o financeiro, “administrar os próprios recursos e acessar os fundos
nacionais”708, além de exercer jurisdição.
A autodeterminação, como um conceito ligado à nação, não foi uma invenção
indígena, claro, mas do próprio modelo de gestão dos Estados-Nacionais europeus, no direito
internacional709 nascido do Congresso de Viena710 em 1814 e seus desdobramentos através da
706
SÁNCHEZ, Consuelo. Autonomia, Estados Pluriétnicos e Plurinacionais. In VERDUM, Ricardo.
Organizador. Povos Indígenas: Constituições e Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituto de
Estudos Socioeconômicos - INESC, 2009. p. 69-72.
707
Ou Estado-Nação, aquele sob o manto de uma só nacionalidade.
708
SÁNCHEZ, Consuelo. Autonomia, Estados Pluriétnicos e Plurinacionais. In VERDUM, Ricardo.
Organizador. Povos Indígenas: Constituições e Reformas Politicas na América Latina. Brasília: Instituto de
Estudos Socioeconômicos - INESC, 2009. P. 73.
709
Anaya (2015. P. 49) apud NOGUEIRA, Carolina Barbosa Contente. A Autodeterminação dos Povos
Indígenas frente ao Estado. 2016. Ps 223. Tese de Doutorado em Direito Econômico e Socioambiental da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba. 2016. P. 91: Apontará o Tratado de Vestfália, de 1648,
como iniciativa nascente do direito internacional e consequentemente do diálogo diplomático entre as nações
autônomas.
710
O Congresso de Viena (Áustria) ocorreu entre 11.11.1814 e 9.06.1815. Participaram os representantes de
todos os Estados envolvidos nas guerras napoleónicas. Foi um marco na história da diplomacia internacional e ao
contrário do que o nome sugere não ocorreu em plenárias de um congresso, mas com reuniões bilaterais em
torno de temas determinados cujo objetivo geral era um acordo de paz que resultou em vários tratados, acordos,
regulamentos e concordâncias que nem sempre foram cumpridas. O Tratado de Paris, em 30 de Maio de 1815,
onde se estabeleciam, entre outras questões, as indenizações a pagar pela França aos países vencedores foi um
dos destacados acordos impositivos resultante do Congresso de Viena. O tema da autodeterminação no
249
Conferência de Paris em 1919, que resultou no Tratado de Versalhes711, um acordo de paz que
puniu severamente a Alemanha como responsável pela primeira guerra mundial. A liga das
Nações foi instituída nesta conferência e atuaria como associação internacional das nações. E
posteriormente a criação da ONU em 1945, que em seu seio acolhe as manifestações formais
dos Estados participantes da conferência das nações unidas em São Francisco – EUA e
definem como propósitos, dentre outras coisas: manter a paz e a segurança internacionais;
Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de
igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas
ao fortalecimento da paz universal.
Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de
caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua
ou religião também estavam entre os objetivos dos novos Estados. Ao tempo em que
resguarda a ONU, ou outro qualquer membro, de intervirem em assuntos que dependam
essencialmente da jurisdição de qualquer Estado. Art. 1º e 2º da Declaração. E posteriormente
na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, de 1948, em seu preâmbulo e artigos 1º, 2º
e 3º quanto ao reconhecimento dos direitos humanos para todos os povos, dentro do Estado ou
dos Estados entre si. A Declaração dos Direitos Humanos não se refere expressamente à
autodeterminação, mas liberdade de povos de modo geral, vedada a escravidão.
Congresso de Viena está associado aos critérios e privilégios das casas reais e domínios na Europa, definindo
territorialidades e poderios reais. O Ato final do Congresso de Viena foi assinado em 9 de Junho de 1815, por
todos os representantes, com excepção da Espanha, por causa da restituição do território de Olivença a Portugal.
O Congresso de Viena consagrou vários princípios fundamentais: o princípio da legitimidade, defendido
sobretudo por Talleyrand, a partir do qual se consideravam legítimos os governos e fronteiras que vigoravam
antes de 1789, garantindo assim o retorno dos Bourbons; O princípio da restauração das monarquias reinantes
antes da Revolução Francesa, incluindo se necessário intervenções militares sempre que estas estivessem em
perigo (“Santa Aliança”) nos seus territórios metropolitanos e ultramarinos; o princípio do equilíbrio de poder na
Europa e das “fronteiras geográficas” estabelecidas juntamente para evitar que qualquer potência adquirisse
capacidade para romper o equilíbrio. A carta de Direito Público da Europa criada em Viena viria a conhecer
alguns ajustamentos e contingências ao longo do século XIX, mas até 1914 mantiveram-se no quadro das
relações internacionais certos princípios: (1) a necessidade de consentimento de todos os Estados para alterações
fronteiriças no palco europeu; (2) neutralidade da Suíça; (3) livre navegação dos grandes rios; (4) papel dos
agentes diplomáticos que foram considerados “parte integrante” das decisões do Congresso. PORTUGAL.
Instituto da Defesa Nacional. Congresso de Viena. Relações Diplomáticas. Disponível em:
https://idi.mne.pt/pt/relacoesdiplomaticas/2-uncategorised/702-congresso-de-viena.html. Acesso em: 17
Jun.2017.
711
Um tratado de paz assinado pelas potências europeias que encerrou oficialmente a Primeira Guerra
Mundial. A Alemanha foi obrigada a aceitar todas as responsabilidades por causar a guerra incluindo reparações.
A Alemanha, inclusive, aceitou reconhecer a independência da Áustria. O ministro alemão do exterior, Hermann
Müller, assinou o tratado em 28 de Junho de 1919. O tratado foi ratificado pela Liga das Nações em 10 de
Janeiro de 1920. Na Alemanha o tratado causou choque e humilhação na população, o que contribuiu para a
queda da República de Weimar em 1933 e a ascensão do Nazismo. Tratado de Versalhes. Wikipedia.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_das_Na%C3%A7%C3%B5es. Acesso em 17 Jun.2017..
250
712
NOGUEIRA, Carolina Barbosa Contente. A Autodeterminação dos Povos Indígenas frente ao Estado.
2016. Ps 223. Tese de Doutorado em Direito Econômico e Socioambiental da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná. Curitiba. 2016. P. 90.
713
VARGAS, Idón Moisés Chivi. Op. Cit., 2009. P. 165.
714
Havemos de por um bemol na temporalidade que a identidade pode exigir para ser reconhecida como
indígena. Associamo-nos à corrente expressa por Joaquim Herrera Flores que afirma a multiculturalismo crítico
ou de resistência como traço de identidade, considerando que as mudanças culturais associadas à resistência e
autoafirmação podem resultar em afirmação da cultura de um povo. DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho.
Humanismo Latino: o Estado brasileiro e a questão indígenas. In MEZZAROBA, Orides (org.) Humanismo
Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003. P. 498.
251
medida, após processo judicial interposto pelo Conselho Comunal de Cherán, em defesa do
governo de usos e costumes.
Em contraposição a esse tipo de autonomia que se insere dentro do Estado-nação sem
feri-lo; Consuelo Sanchéz descreve que no Estado Pluriétnico ou Plurinacional há mais de
uma nacionalidade715, quantas houver em seu seio, referindo-se aos indígenas e suas culturas e
identidades. Novamente esse exercício esbarra na forma como os Estados implementarão
essas culturas. Trata-se de mudar o Estado para incorporar em suas instituições as
multiculturas com respeito às autonomias referidas antes e não de fundar dois ou mais
Estados. Ademais, querem as sociedades indígenas fundar outro Estado-nacional? A resposta
que indica os estudos das culturas sociais indígenas do Brasil é não!. Os indígenas constituem
sociedades sem estado-nacional716. Ou mudamos o conceito de Estado, como o conhecemos,
para adotá-lo às sociedades indígenas. Já que a fusão desses mundos culturais comporta
distinções até aqui inconciliáveis: o modo e sistema de vida social e econômica do
liberalismo-capitalismo e do coletivismo e colaboração do modelo de usos e costumes dos
indígenas.
As experiências de multiculturalismo no ambiente liberal parecem sobreviver com os
ajustes institucionais e normativos que permitem conviver idiomas diferentes e modelos
educacionais e cultural como o Canadá e a Bélgica, mas em modelos de sistemas produtivo e
econômico semelhante os interesses acabam por serem convergentes.
O reconhecimento a autodeterminação dos povos indígenas foi tema para os Espanhóis
nas juntas de Valladolid, de 1550-1551, tratava-se de pensar a sociedade política, como
resultado de uma criação humana e não como decorrência da vontade divina, e o governo e as
leis como produtos do consenso dos homens unidos em sociedade, colocou dúvidas reais
sobre o movimentos de dominação divulgados de conquista da América e das guerras contra
os índios. A legitimidade do título de conquista, representado principalmente pela Bula Inter
Coetera, foi abalada pela nova verdade proposta pelos juristas e teólogos espanhóis que, ao
menos em tese, reconheceram nos índios um igual e, após, reconheceram a sua capacidade e
autonomia para formar sua própria sociedade política, sendo ilegítimo qualquer poder que não
decorresse diretamente de sua vontade. Como sabemos, esse discurso não foi capaz de conter
a exploração política e econômica do Novo Mundo e tampouco o maior genocídio da história,
ele constituiu uma tentativa de amenizar as práticas abusivas contra os índios, proscrevendo-
715
SÁNCHEZ, Consuelo. Op. Cit., 2009. P. 83.
716
Opinião esposada por DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho e por Pierre Clastres. Humanismo Latino: o
Estado brasileiro e a questão indígenas. In MEZZAROBA, Orides (org.) Humanismo Latinoamericano e
Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003. P. 505.
252
se, de modo geral, os abusos e a exploração, com a não aceitação de guerras injustas e
escravidão717.
Claro está que o Brasil não cultivou a formação de um Estado inclusivo, ao contrário,
a identidade promovida pela elite brasileira, considerada branca, definiu a identidade
brasileira associada ao padrão português-europeu, “não queriam ser indígena, negro,
republicano, latino-americano e não católico”718. Daí ser a legislação brasileira
intencionalmente omissa aos verdadeiros “brasileiros”: mestiços, negros e índios.
Pensar um novo direito para o Brasil , um direito que envolve a inclusão social de
negros e índios, é ao mesmo tempo pensar um direito que dialoga com as demais inquietações
jurídicas latino-americanas em ascensão na Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela, dentre
outros. Igualmente trata-se de pensar um novo Estado ou a superação deste, integrado ao
pensamento dos povos e Estados latino-americanos. Um novo pacto social, de inspiração
comum para América Latina719, não para buscar uma unidade, mas para reforçar a diversidade
frente ao Estado-nacional. Ao mesmo tempo em que os vários povos nativos e tradicionais do
Brasil reivindicam com fundamento na Constituição Federal720, Convenção 169 da OIT e
Declaração da ONU sobre os Povos Indígenas e Tribais, um país Plurinacional, em
substituição ao Brasil que nasceu sob a ideia equivocada de universalidade e unidade
nacional, que foi imposta – a exemplo dos índios Kariri declarados extintos e tiveram sua
propriedade incorporada ao regime nacional colonial, mas não deixaram de existir, foram
invisibilizados.
Uma mudança na perspectiva constitucional de soberania nacional excludente dos
povos diferenciados em nome da inclusão individual, como afirma Carlos Marés721, da
717
BRAGATO, Fernanda. Raízes históricas dos direitos humanos na conquista da América: o protagonismo
de Bartolomé de Las Casas e da Escola de Salamanca. Revista do Instituto Humanitas. Unisinos. Edição 487 de
13 de junho de 2016. Disponível em:
<.http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6495&secao=487>.
Acesso em: 06 Abr.2017.
718
REIS, José Carlos. As Identidades do Brasil: de Varnhagem a FHC. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. p.
31/32.
719
SANTIAGO, Eduardo Girão. Brasilidades: Ensaios Socioeconômicos. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2016.p. 131.
720
Ao considerar os indígenas, a sua organização social, a diversidade cultural e consequentemente o
reconhecimento e proteção desses direitos o Art. 231 e Art. 216 da CF de 1988 insere formalmente as
comunidades indígenas como parte integrante do Estado brasileiro em termos diferentes em todos os tempos da
legislação brasileira. Sob o ponto de vista do reconhecimento como coletividade a integrar um estado
plurinacional, embora ainda não alcançado formalmente. Análise que dialoga com o pensamento de DANTAS,
Fernando Antonio de Carvalho. Humanismo Latino: o Estado brasileiro e a questão indígenas. In
MEZZAROBA, Orides (org.) Humanismo Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2003. P. 496.
721
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Soberania do povo, poder do Estado. In MEZZAROBA, Orides
(org.) Humanismo Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003. P. 108.
253
negação dos direitos coletivos, que reclama correção no século XXI em nome da recuperação
daquilo que os teóricos denominaram soberania popular722, emprestada ao Estado ao
constituí-lo, mas não alienada, não transferida definitivamente até porque “se o Estado
descumprir o mandato de soberania que lhe é outorgado, é legítimo ao povo reivindicá-lo de
volta, insurgir-se contra a tirania usurpadora”, se não garante os direitos ao povo igualmente
considerado, ricos e pobres, proprietários e trabalhadores, homens e mulheres, brancos e
negros, também.
O caminho para a mudança é a participação popular, cuja ideia central corroboramos
com Carlos Marés, o sentido da soberania do Estado contemporâneo, Estado Plurinacional,
está ligado à ideia da democracia ou participação. Esta opção contrasta com a perda
sistemática da soberania dos Estados contemporâneos para o sistema financeiro nacional e
internacional, e sua inserção nos mecanismos de financiamento politico e corrupção eleitoral,
que tem comprometido a legitimidade dos respectivos Estados.
Na América Latina o exercício constitucional de estado pluriétnicos e plurinacionais a
exemplo da Nicarágua e da Bolívia resultou em resistência e mudança de rumo na execução
das normas constitucionais, tornando sem efetividade as autonomias ali previstas. Não vemos
um retrocesso, precisamos estar conscientes, mas não se pode esmorecer na luta. Em uma
abordagem pedagógica do direito, Fernando Dantas723 nos traz com precisão o primado da
luta pelo direito de Hering, clássico da estudantada, ao comparar que esta luta, dos indígenas é
um referencial prático do direito se considerarmos que “a luta pelo direito é próprio direito”, e
que a participação política é o exercício da luta, exercício da cidadania, portanto. Estamos
longe de alcançar a igualdade de autonomias seja dentro do Estado ou seja em Estados
Plurinacionais. Quanto mais em um cenário onde os Estados como Argentina, Brasil e México
fazem um giro em que as lideranças estão mais conservadoras e no polo da direita de seus
países.
722
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Soberania do povo, poder do Estado. In MEZZAROBA, Orides
(org.) Humanismo Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003. p. 111.
723723
DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Humanismo Latino: o Estado brasileiro e a questão
indígenas. In MEZZAROBA, Orides (org.) Humanismo Latinoamericano e Estado no Brasil. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2003. P. 507.
254
obter identidade indígena no Brasil? A esta altura do trabalho podemos fazer ilações mais
conscienciosas, dentre elas que no plano dos direitos coletivos da comunidade Cariri do Sítio
Poço Dantas o direito à identidade já é tem sua relevância e em consequência dela o direito à
terra indígena, seja ela demarcada ou em regime de colônia, o Estado dirá. Além do acesso a
politicas públicas que podem impactar as condições de educação, saúde, moradia, cultura,
geração de negócios associativos, enfim uma vida de resgate e afirmação das identidades e
culturas.
Sob o ponto de vista da organização institucional e política o direito à
autodeterminação724 surge como um paladino para concluir em definitivo a transição entre o
ser índios em terra estrangeira, que se tornou a América Latina. Mas não foi assim que os
Cariri pensaram sobre o Estado brasileiro e a possiblidade da autodeterminação. Em nossa
pequena pesquisa de campo demonstraram não entender o que é autodeterminação e/ou
preferir a atuação do Estado conforme reza a Constituição do Brasil, nos artigos 231 e 232.
Como referido no início desta seção ainda não havíamos realizado a pesquisa de
campo com os Cariri mas entendemos que esse tema seria relevante para ouvir deles o que
pensam a respeito e concomitante a isto visitar no México a experiência de autodeterminação
jurídica, política e administrativa no pequeno município de Cheran. As conclusões a que
chegamos com a pesquisa de campo confirmam a necessidade de trazer mais informações
sobre o direito de autodeterminação na prática, de modo mais claro, ou seja, precisamos nos
educar para esse tema, para tratar dele com os movimentos sociais indígenas, ambientalistas
ou na academia.
Definimos um plano de trabalho para a visita de campo que contou com a indicação e
intermediação do Prof. Dr. Carlos Marés. Longe de realizar uma pesquisa internacional sobre
índios mexicanos, nosso objetivo era mesmo visitar e conviver um pouco com o povo de
Cheran e relatar nesta tese, a partir de uma análise qualitativa, os resultados dessa visita e
como esta experiência pode ser útil para o direito socioambiental à autodeterminação dos
povos indígenas.
A metodologia foi de observação não participante, através do acompanhamento da
vida cotidiana de membros do conselho maior, ou seja, o núcleo politico-administrativo gestor
da cidade; investigação em documentos públicos disponíveis em bancos de dados oficiais ou
em internet e imagens colhidas em ambientes públicos que ajudassem a contar a experiência
como vimos. Os resultados esperados e alcançados são relatos de viagem e observação de
724
Autodeterminação, livre determinação ou auto-governo.
255
vivências como a que assistimos uma reunião-assembleia de um dos quatro bairros que
formam a grande assembleia comunal de Cheran e análise seguindo referencial teórica da
tese, dos de estudos sobre o caso Cheran.
Ainda em terras do Brasil conversamos a conversar com os advogados militantes
Magdalena e Jorge Fernandes, ambos indicados pelo Prof. Carlos Marés que nos foi
introduzindo na temática regional do território mexicano e Michoacán, Estado em que está
ligado o município de Cheran.
A viagem se deu em Janeiro de 2016 com passagem pela Cidade do México, Mérida,
Cheran e Yucatán. Dois dias visitando Cheran e conversando com as pessoas do lugar. Na
figura 35, a seguir, fotos da chegada a Cheran e imagem da floresta de pinheiros, objeto de
proteção dos Purépecha.
Cherán (Cherán K’eri) é uma cidade de indígenas da etnia Purépecha localizada nas
montanhas de pinheiros do Centro-Oeste do México, distante 352 Km da capital mexicana.
Uma comunidade de aproximadamente 20 mil habitantes no Estado de Michoacán. Na figura
36 podemos ver a localização do Estado de Michoacán no México725.
725
BLOGSPOT. Mapa Estado de Michoacán. Disponível em:
http://programacontactoconlacreacion.blogspot.com.br/2014/12/ante-la-inoperancia-del-gobierno.html. Acesso
em: 25 Jul.2017.
256
726
QUEZADA, Alfredo Gasca. Cultura Purépecha. Material de estudo da Escola Miguel Cervet. Vídeo.
Publicado em outubro de 2013 no site https://www.facebook.com/dissertiartpub Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=k3BgPEVEchI&t=110s. Acesso em 01 Abr 2017.
727
Ibid.
728
QUEZADA, op., cit., p..
257
729
QUEZADA, Alfredo Gasca. Cultura Purépecha. Material de estudo da Escola Miguel Cervet. Vídeo.
Publicado em outubro de 2013 no site https://www.facebook.com/dissertiartpub Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=k3BgPEVEchI&t=110s. Acesso em 01 Abr 2017.
730
Todorov, p.42.
731
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. p. 39.
732
Ibid., pp. 39.
733
TODOROV, op. cit., p. 38.
734
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a Questão do Outro. 2ª edição. Tradução de Beatriz Perrone
Moi. Martins Fontes: São Paulo, 1992. PDF. P. 39.: Para os indígenas mexicanos aceitar o que está determinado
para cada um é menos em “função de seu conteúdo concreto, individual e único, do que em função de uma
258
humanos. Esse seria, indubitavelmente, o sentido de aderir direitos à natureza, como agora em
2017 a Constituição da Cidade do México estabelece.
Desde a ocupação e vitória dos espanhóis sobre os Purépecha, a religião predominante
é a católica, superada a religião de origem politeísta; legado da colonização e aldeamento pelo
bispo Dom Vasco de Quiroga após os conflitos encetados pelo espanhol Nuño de Gusmán que
em 1530, ano em que foi assassinou o rei Purépecha e destruídos os templos em busca de
ouro.
Cherán K´eri se encontra localizado no centro do estado de Michoacán, na região
denominada como a “Meseta Purépecha”735. Esse povo “se considera como uma das
principais zonas habitadas pelo povo Purépecha”.
ordem preestabelecida e a ser restabelecida, da harmonia universal. Seria forçar o sentido da palavra
“comunicação” dizer, a partir disso, que há duas grandes formas de comunicação, uma entre os homens, e outras
entre o homem e o mundo, e constatar que os índios cultivam principalmente esta última, ao passo que os
espanhóis cultivam principalmente a primeira? Estamos habituados a conceber somente a comunicação inter-
humana, pois, o ‘mundo’ não sendo um sujeito, o diálogo com ele é bastante assimétrico (se é que há diálogo).”
735
CONSELHO MAIOR. Disponível em: <http://www.concejomayor.gob.mx/>. Acesso em 01 Abr.2017.
259
736
Foto 3: Pensa: não esqueça a causa. Território Cheran. Foto 1 e 2: Enquanto não houver justiça para a
natureza, não haverá entre os seres humanos.
260
comunidade que vigiavam as ruas para não ceder ao cerco, dia e noite. Nas entradas da cidade
montaram barricadas. A cidade ficou limitada o acesso a pessoas de fora da comunidade. Na
figura 38 imagens de um carro queimados que funcionou como barricada e imagem de
pessoas do lugar em torno da fogueira, nas fogatas.
737
ANDRADE, Orlando Aragón. Resumo do Caso Cherán. Entrevista fornecida ao programa de rádio
EscúchaTE, producido por el Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación de México. (TEPJF).
Disponível em:
http://portal.te.gob.mx/prensa/sites/portal.te.gob.mx.prensa/files/Entrevista%20Orlando%20Arag%C3%B3n%20
Andrade%20-%20Esc%C3%BAchateTE%20-%209%20de%20junio%20de%202014.docx. Acesso em: 24
Jul.2017. A entrevista na íntegra está em anexo à tese.
261
738
Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos. Actualizada con el Decreto por el que se reforman,
adicionan y derogan diversas disposiciones de la Constitución Politica de los Estados Unidos Mexicanos, en
materia de combate a la corrupción. Puclicado en el Diario Oficial de la Federación en 27 de mayo de 2015.
Tradução livre do autor.
739
ANDRADE, Orlando Aragón. Resumo do Caso Cherán. Entrevista fornecida ao programa de rádio
EscúchaTE, producido por el Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación de México. (TEPJF).
Disponível em:
http://portal.te.gob.mx/prensa/sites/portal.te.gob.mx.prensa/files/Entrevista%20Orlando%20Arag%C3%B3n%20
Andrade%20-%20Esc%C3%BAchateTE%20-%209%20de%20junio%20de%202014.docx. Acesso em: 24
Jul.2017.
262
740
ANDRADE, Orlando Aragón. Resumo do Caso Cherán. Entrevista fornecida ao programa de rádio
EscúchaTE, producido por el Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación de México. (TEPJF).
Disponível em:
http://portal.te.gob.mx/prensa/sites/portal.te.gob.mx.prensa/files/Entrevista%20Orlando%20Arag%C3%B3n%20
Andrade%20-%20Esc%C3%BAchateTE%20-%209%20de%20junio%20de%202014.docx. Acesso em: 24
Jul.2017.
741
Ibid.
263
A Suprema Corte de Justiça Mexicana então com sua sentença reconheceu o direito
dos povos indígenas a serem consultados através de suas instituições representativas em casos
de produção normativa que as afeta.
Os Purépecha são os ascendentes dos atuais índios de Cherán. Na região noroeste do
estado mexicano de Michoacán, principalmente na área das cidades de Cherán K’eri.742 Esta
decisão referida acima na entrevista do Assessor Jurídico da comunidade continua sendo
desde 2014 o Único exemplo de autonomia eleitoral indígena no século XXI com repercussão
na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e da Suprema Corte de Justiça da Nação
mexicana.743
O acolhimento da controvérsia interposto pelo Conselho Maior de Cherán junto à
Suprema Corte de Justiça da Nação obteve decisão do colegiado pleno em 2014 com
sentença registrada sob o nº 25285744. Na decisão o Estado mexicano reconhece direito à
autodeterminação dos índios, nos termos do Art. 2º da Constituição mexicana, conforme se
depreende do voto do ministro Arturo Zaldívar Lelo de Larrea que sustentou: “Los pueblos y
comunidades indígenas tienen derecho a organizarse de las formas que mejor les acomode,
incluidos los municipios indígenas”745. O Ministro José Ramón Cossío Díaz fez notar que os
“pueblos indígenas tienen derecho a la autodeterminación, y por lo tanto a todo tipo de
organización, como la municipal”.746
Desde 2012 Cherán vive a experiência da autodeterminação.
É uma cidade simples, do interior. A exemplo das pequenas e humildes cidades do
Brasil. São trabalhadores do campo agricultores e pecuaristas e na cidade atuam no comércio
e serviços, tudo muito simples. A figura 39 algumas imagens da cidade e sua área central,
comércio e administração sede do Conselho Maior.
742
QUEZADA, Alfredo Gasca. Cultura Purépecha. Material de estudo da Escola Miguel Cervet. Vídeo.
Publicado em outubro de 2013 no site https://www.facebook.com/dissertiartpub Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=k3BgPEVEchI&t=110s. Acesso em 01 Abr 2017.
743
VENTURA PATINO, María del Carmen. Proceso de autonomía en Cherán: Movilizar el derecho. Espiral
(Guadalaj.), Guadalajara , v. 19, n. 55, p. 157-176, dic. 2012 . Disponível em:
<http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1665-05652012000300006&lng=es&nrm=iso>.
Acesso em 02 abr. 2017.
744
SUPREMA CORTE JUDICIAL DA NAÇÃO. Decisão 25285 de 2014. Controversia Constitucional
32/2012. Municipio De Cherán, Estado De Michoacán. 29 De Mayo De 2014. Ponente: Margarita Beatriz Luna
Ramos. Secretaria: Guadalupe M. Ortiz Blanco. Disponível em;
http://sjf.scjn.gob.mx/sjfsist/Paginas/Reportes/ReporteDE.aspx?idius=25285&Tipo=2&Tema=0. Acesso em: 02
Abr 2017.
745
“Os povos e comunidades indígenas tem direito a organizar-se das formas que melhor os acomode, incluídos
os municípios indigenas.” Tradução livre do autor.
746
SUPREMA CORTE JUDICIAL DA NAÇÃO. Controvérsia. Disponível em:
http://www.animalpolitico.com/2014/05/scjn-equipara-al-gobierno-comunal-de-cheran-con-un-ayuntamiento-y-
acepta-controversia/. Acesso em 02 Abr 2017.
264
Na praça central um museu foi dedicado ao sítio de 15 de abril de 2011, data oficial da
luta. No banner a explicação dos motivos do início da luta e um chamado para que as pessoas
estejam alerta. Figura 40, banner de divulgação do museu de sitio.
265
Chegamos no final do dia à Cheran, fomos de carro alugado. O único hotel da cidade
era afastado um pouco do centro da cidade, na verdade uma pousada como das mais simples
que temos aqui no Brasil. O frio da montanha contrastava com o fato de não ter aquecedor no
hotel e as portas não tinham vedação contra o frio. As mantas feitas à mão não estavam
conseguindo conter o frio. Para jantar, o único lugar acessível era uma lanchonete com
sanduiches e frutas.
No escritório do conselho comunal. Fomos recebidos em uma sala simples com dois
ambientes separados por uma divisória com vidros. Na primeira sala a secretária que escreve
em um computador all in one, acompanhado de uma impressora com xérox. Em cima da
pequena mesa de trabalho uma máquina de escrever elétrica em funcionamento. Há uma mesa
de trabalho com cinco cadeiras repleta de documentos e processos – parece ser a mesa de
despacho do conselho, nem todos os membros estavam presentes. A porta de acesso aberta, os
que chegam são recebidos pela secretária, sentam-se quando querem e bebem água. Em
construção na sala seguinte um plenário simples de madeira. As paredes já estão pintadas com
motivos da luta. É onde registramos uma foto com um dos conselheiros. Figura 45, a seguir.
constituía uma assembleia do bairro, só podia votar pessoas com 18 anos ou mais. na reunião
havia aproximadamente 80 pessoas. A reunião foi às 18 horas. Cada bairro tem um
coordenador que é funcionário remunerado pelo Conselho Maior, a qualquer tempo ele pode
ser destituído pela assembleia, mediante votação. Cada bairro como referido antes é composto
por fogatas que se reúnem mediante convocatória para indicar representantes para os
conselhos operativos que compõe a estrutura de governo comunal. Anexo C, juntamos uma
cópia de uma convocatória na íntegra. No ato convocatório eles se denominam Comunidad
P’urhepecha de Cherán. A reunião tratou sobre temas previamente divulgado e as discussões
seguiram o estilo de democracia direta, conduzido por uma mesa composta de conselheiros do
Conselho Maior, coordenadores de Bairro e outros membros de conselhos operativos. A
discussão em nada destoa de nossas reuniões de associação nem no tom da voz. Alto e
agressivo quando convém. Dentre os temas abordados estava a apreciação de solicitação de
uma empresa de telecomunicação para instalar uma antena para captar sinal para celular, que
não foi aprovada, considerando os riscos à saúde. Dentre as denúncias realizadas pela
assembleia chamou a atenção as falas de duas pessoas, mais exaltadas: a primeira uma
senhora que cobrou transparência no uso do dinheiro da cidade, reclamou de contratação de
familiares dos coordenadores de bairro para empregos públicos, da falta de presença do
coordenador no mercado público, como quando em campanha; a segunda reclamava do
sistema de usos e costumes, que não era bom, que sentia falta do modelo antigo, reclamou,
reclamou, reclamou... ninguém respondeu ou deu atenção, até que a reunião se esvaziou e
foram todos embora. Pareceu ser alguém ligado ao governo anterior queixoso de ver iguais
problemas nos dois governos.
Sob a responsabilidade do Conselho Maior está a atuação do judiciário, e polícia
comunitária. Nos casos mais graves ou em crimes, ou em casos de interesse do Estado ou da
Federação assim determinado na Constituição a competência passa para o Estado ou para a
Federação. A estrutura é suportada pelo Conselho Maior. Ao todo são 270 funcionários.
Quando o regime foi aprovado se formou um conselho interino para a transição.
As assembleias gerais costumam ter até 700 pessoas. Podem participar pessoas de 16 anos,
mas só com 18 ou mais podem votar.
Sobre os projetos educativos coletivos destacaram o projeto contexto e o desfile de 15
de abril – de comum acordo com a comunidade, comemorativo municipal. Todos os atos do
conselho são publicados.
Os povos de Cherán se denominam povos originários, índios e mestiços Purépecha.
tem aspecto naturais comuns aos mexicanos. Os trabalhos são coletivos e atuam com respeito
270
aos mais velhos. Nas conversas com os conselheiros eles se dizem otimistas com o futuro pelo
modo como estão vendo as pessoas que vem ao Conselho Maior. Um dos conselheiros com
que conversamos respondeu que leu Marx e outros autores de esquerda, mas que Cherán não é
igual a outros modelos de governo, não há réplica. Perguntado se é um regime comunista ele
respondeu que é um governo de usos e costumes, não tem outro nome.
A luta pela reforma agrária e valorização da cultura indígena é o ponto de partida que
desencadeou no México uma revolução que culminou com um movimento constitucional
inédito na América Latina. E consequentemente inaugura o discurso dos direitos humanos
sociais à igualdade, à propriedade, ao trabalho, direitos das mulheres e das crianças e
adolescentes na Constituição de 1917.
Esse mesmo povo, sob o influxo de lutas populares, legam ao mundo o primeiro
exercício jurídico e politico de autodeterminação, com todas as cores da realidade de um país
latino-americano.
A trajetória histórica por sua vez nos remete a tramas perpassadas por lutas, revoltas,
conquistas revezes, permeado pela fragilidade humana em seu contorno político e social. Das
batalhas vencidas e das traições à vontade do povo.
Um roteiro que nos inspira a pensar sobre o momento político e social da
contemporaneidade, sobretudo latino-americana e a mensagem derradeira de que vale a pena
lutar mesmo diante de consequências tão danosas para a vida de seus líderes no caso da
Revolução Mexicana e das dificuldades que enfrentaram os Purépecha de Cherán.
Em linhas gerais a atuação dos países do Sul ainda quando atuam em bloco,
repercutem em sua legislação aquilo que Jean Ziegler chama de ódio ao ocidente, um ódio
racional que busca uma justiça restauradora na medida em que renovam a memória em torno
da colonização como elemento destruidor da sociedade primitiva e inaugural dos tempos em
que a memória não se aniquilou, provocando na contemporaneidade a resistência dos povos
indígenas que buscam reafirmar sua identidade.
271
Índios é a denominação dada pelos europeus para designar aqueles que localizados na
“errônea” rota para as Índias, realizada por espanhóis e portugueses, em meados do Século
XVI, que buscavam um caminho marítimo alternativo àquele realizado como destino à Índia e
que tinha pela frente o revoltoso mar que circundava o extremo sul do continente africano.
Essa versão literária esculpida e descrita em manuais de ensino fundamental e médio no
Brasil já não se deve aceitar. Houve um processo jamais visto na história mundial de
destruição de culturas originais antecedidas pelo extermínio de milhões de pessoas no
território compreendido atualmente como América Latina. Os objetivos traçados por
espanhóis e portugueses estava claro: apropriação das terras para instalação de um novo
processo de colonização fundado na exploração da natureza e escravização da mão-de-obra
indo-americana.
Esse infeliz episódio reinaugura um novo tempo na história do antigo continente
europeu, e sela o início da modernidade que nasce com a descoberta desse novo mundo e com
ele uma nova humanidade tão diversa do europeu tradicional que por ele foi negado como
gente. Para os indígenas todo o processo foi um misto que envolveu técnica e armas de guerra
obsoletas pelos nativos e a crença desde em seu destino previsto, mitificação do europeu
como deuses que retornaram para ocupar seu mundo, sua terra. E o que se seguiu foi a
edificação de uma cristandade mestiça e sincrética com as poucas almas que restou viva após
a invasão e mortes.
A nova dinâmica imposta aos povos originários gerou uma sociedade dividida em
classes sociais para exploração do trabalho e dos bens apropriados e comercializados em uma
dinâmica de capitalismo-mercantil nascente que resultou em sociedades de capitalismo
subdesenvolvido e periférico que continua sem assistir às condições básicas sociais do seu
povo, ainda no século XXI. Sem um regime politico em que seus representados confiem,
vivem em constante efusão social e marginalização de suas classes menos favorecidas, que
são alijadas dos bens essenciais à sua sobrevivência.
Neste cenário uma população tradicional no Sítio Poço Dantas, em Crato-CE,
reivindica sua identidade como índios Cariri. A tese intitulada Identidade Índios Cariri,
Identidade e Direitos no século XXI confirma a identidade jurídica desses índios
considerando a sua etnogênese como processo social capaz de afirmar a identidade étnica do
grupo social a partir de uma identidade já conhecida, como em um movimento de retorno à
272
de norte para luta dos povos indígenas e para o exercício da cobrança frente ao judiciário do
cumprimento desses direitos.
b) Sobre a identidade dos índios Cariri do Sítio Poço Dantas:
Antes da tese os Cariri eram índios autodeclarados no censo do IBGE, somente. Sem
etnia definida. A pesquisa bibliográfica empreendida para a tese demonstrou, todavia, que a
etnia Kariri é de alcance mais largo do que os habitantes do Sítio Poço Dantas, do Cariri no
Ceará, se estendem pelo Nordeste. No Ceará há duas comunidades Kariri, nenhuma ainda
com processo junto à FUNAI, em Crateús e São Benedito.
Após a Convenção 169 da OIT e ratificação do Estado brasileiro à referida convenção,
elaborou-se o entendimento que o processo de auto-atribuição e consciência de “ser índio”
pelos grupos sociais tem sido a condição principal para o reconhecimento do Estado. À auto-
atribuição de ser da etnia Cariri constatada na pesquisa de campo, soma-se ao fato a
consciência e memória coletiva dos Cariri em se identificar índios Cariri e ter esse processo
traduzido em práticas coletivas da cultura, da religiosidade, da relação com a terra Cariri
presentes no seu dia-a-dia. Um destaque a mais nessa identificação que merece relevância é a
documentação original-oficial registrado em cartório do sobrenome “Cariri” em seus
documentos de registro de identificação pessoal.
Diante do quadro analítico que vimos construindo e dos dados colhidos na pesquisa de
campo podemos afirmar que os membros da comunidade tradicional do Sítio Poço Dantas, em
Crato Ceará, reúnem as condições jurídicas de ser identificados como Índios da etnia Cariri. A
identidade jurídica a qual nos referimos nesta tese é reunião dos elementos de composição
segundo o direito socioambiental da identidade étnica. Considerando o cumprimento segundo
interpretação realizada no corpo desta tese de que os mesmos são remanescentes dos Índios
Kariri/Cariri do Cariri e ocupavam o território ancestral preservando parte de sua cultura e
modos de vida.
Que os Cariri do Sítio Poço Dantas em etnogênese, descendem dos índios Kariri/Cariri
que habitaram as terras do Cariri, porção Sul do Ceará e sua territorialidade está associada aos
processos de aldeamentos realizados no Cariri, em Missão Nova (Missão Velha) e Missão do
Miranda (Crato) no período aproximado de 1741 a 1780, quando oficialmente os
colonizadores/sesmeiros e seus descendentes ou proprietários de terras e autoridades que o
sucederam, pretenderam expulsar todos os Cariri do seu vasto território na encosta da
Chapada do Araripe.
A reminiscência que traz essa identidade quando analisada sobre o fato que a gerou, dá
conta de que não foi tão simples assim a pretensa extinção e expulsão dos Kariri/Cariri do
275
Cariri. Além das referências citada nesta tese, em que afirma a existência de mais de 2 mil
entre índios e mestiços morando na vila do Crato ainda em 1838. Estes espalharam
descendentes que chegaram ao tempo presente.
Os documentos oficiais analisados em relatos bibliográficos emitidos pelo presidente
da província do Ceará em 1863 aos ministérios imperiais do Brasil confirmam o caráter
miscigenado das populações de índios aldeados, ou seja, que os descendentes das antigas
raças ainda se encontram em grande número localizados nos aldeamentos já extintos, se bem
que misturados na massa geral da população. A etnogênese dos índios do Nordeste,
expressam, por isso, a mistura étnica como uma constante no processo de identificação dos
índios não isolados do Brasil.
A etnogênese, entendemos ser um processo social que o direito socioambiental está
defendendo como relevante na construção da identidade de um povo. Por ser um processo
lento que se cria e se recria, fundado na tradição e com raízes fincadas na cultura, precisa
dedicado estudo para encontrar as particularidades que resultam no reconhecimento das
identidades de grupos sociais, a exemplo dos Cariri que foram se descaracterizando com o
passar do tempo.
Conclui-se também que os Cariri, fugidos dos aldeamentos ou da expulsão, resistiram
e formaram comunidade tradicional no Sítio Poço Dantas, distrito de Monte Alverne, no
Crato. Essa nova comunidade é também uma nova identidade que exige do Estado o
reconhecimento e direitos, um novo direito, previsto sua substância jurídica inserto na
Constituição, art. 231 e art. 232.
Na identificação dos Cariri deve-se levar em conta a condição do grupo étnico de
identidade indígena desconsiderando as famílias que possuem repertórios não idênticos de
memórias e significados sobre suas relações históricas com o território que os envolve.
Considerando também que o processo de territorialização e etnogênese dos Cariri do
Sítio Poço Dantas tem características de mestiçagem, ou seja, são índios misturados com
povos de descendência africana de escravos da Casa da Torre que migraram para o Cariri, ou
escravos trazidos pelos fazendeiros de gado, ou de mineração (Missão Velha) e/ou senhores
de engenho, muito comuns no vale da Salamanca, atual município de Barbalha no Cariri. Não
podendo neste estudo precisar a origem exata dos negros. E que esse processo de mestiçagem
tem registros tem correlação com documentos e provas de igual aceitação pelo SPI, como no
caso de mestiços índios Pancaraús-Xocó.
Como referenciais normativos balizadores concluimos por reconhecer a positividade e
vinculação das teses levantadas com os direitos que os ampara. Especialmente:
276
estatização de todos e cada âmbito do poder; o objetivo dessa proposta alternativa é promover
igualdades em bases sociais justas com garantias de direitos políticos e civis, dentre eles o
direito à identidade. Esta tese conclui, a partir do confronto teórico desta análise e o olhar
empírico sobre os Cariris mediar com o Estado nacional os direitos insertos na Constituição,
como medida preferencial.
A título de considerações finais podemos acrescentar que nos inspira pensar sobre o
momento político e social da contemporaneidade na América Latina a mensagem em forma
de experiência de que a luta vale a pena, mesmo diante de consequências tão danosas para a
vida de seus líderes no caso da Revolução Mexicana e das dificuldades que enfrentaram os
Purépecha de Cherán, eles construíram experiências exemplo para o mundo ao pautar no
primeiro caso os direitos sociais na agenda dos direitos humanos e no segundo caso a
autodeterminação no modelo de governo de usos e costumes, provar para todos que é possível
recuperar a capacidade dos povos originários, já adaptados ao tempo presente, de fazer um
governo em bases diversas daquela imposta pelo ocidente.
Acerca do papel do Estado-Nacional na dinâmica dos direitos indígenas no Brasil
concluímos:
A convivência das comunidades indígenas no Estado Nacional e a superação do
modelo de Estado previsto da Constituição do Brasil, conforme indicou esta tese não é
prioridades a autodeterminação, seja porque é contrário à autodeterminação ou por
desconhecer o seu significado. Ou, ainda, a comunidade está compreendendo que ainda não é
o caso de deixar o Estado Nacional como protetor dos direitos indígenas.
Em qualquer cenário de solução dos problemas enfrentados perante o Estado, O
caminho para a mudança é a participação popular, cuja ideia central corroboramos com Carlos
Marés, o sentido da soberania do Estado contemporâneo, Estado Plurinacional, está ligado à
ideia da democracia ou participação. Esta opção contrasta com a perda sistemática da
soberania dos Estados contemporâneos para o sistema financeiro nacional e internacional, e
sua inserção nos mecanismos de financiamento politico e corrupção eleitoral, que tem
comprometido a legitimidade dos respectivos Estados.
Como proposição final no caso dos Cariri do Sítio Poço Dantas espera-se com este
estudo apoiar a comunidade indígena do Sítio Poço Dantas para ingressar com processo de
reconhecimento e identificação formal dos índios Cariri do Sítio Poço Dantas pela
comunidade organizada em Associação, com a informação à FUNAI dos dados constantes
dessa tese. Observando especialmente a definição da extensão da terra indígena necessária à
sobrevivência do grupo étnico, a resolução da questão da área do assentamento missão do
278
Miranda usurpado com a expulsão dos Kariri. Questão que pode ser remediada com
desapropriação de área territorial semelhante pelo Estado e a definição o regime de uso
coletivo e de superação da propriedade privada da terra que hoje ocupam, considerando que
no local a propriedade está sob a posse e em alguns casos propriedade dos Cariri, mas em
extensão que não atende às necessidades da coletividade.
279
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Ugo Maia. Dos Estigmas aos Emblemas de Identidades. Revista de Estudos e
Pesquisas. FUNAI, Brasilia, vol 1. Nº 1, p. 99-139. Jul. 2004. Disponível em:
<www.funai.gov.br>. Acesso em: 22 Jul.2017.
ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará: Desde os tempos
primitivos até 1850. Recife: Typrografia do Jornal do Recife, 1867.
ARAÚJO, Antonio Gomes de. A Cidade de Frei Carlos. Coleção Estudos e Pesquisas.
Volume V. Crato: Faculdade de Filosofia do Crato/UFC, 1971.
ARAUJO, Danielle. Agouros de um Espelho Partido. Luta e resistência no processo de
afirmação étnica dos índios do Nordeste. O caso dos Tapuia-Kariris de São Benedito.
Revista Espaço Ameríndio. Vol. 10. Nº 1. 2016. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/65039/37847>. Acesso em: 21
Jul.2017.
280
________, BRASIL. Violação de Direitos Humanos dos Povos Indígenas. Anexo II: Texto
5. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-
%20Texto%205.pdf. Acesso em: 03 Abr 2017.
________, BRASIL. Observações sobre o Mandato Legal da CNV do Brasil. Disponível
em: http://www.cnv.gov.br/images/documentos/Capitulo1/Nota%2025,%2030%20-
%2000092_003099_2014_23.pdf. Acesso em 03 Abr 2017.
COMPARATO, Fabio Konder. Função Social da Propriedade dos bens de produção. In:
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 63. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1986.
CORREIIO BRASILEIENSE. Exoneração de Presidente e Corte de Verba: FUNAI
Ameaçada de Extinção. Disponível em:
<http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2017/05/06/internas_polbraeco,59
3395/exoneracao-de-presidente-e-corte-de-verba-funai-esta-ameacada-de-exti.shtml>. Acesso
em 21 Jun.2017.
COSTA, Floro Bartolomeu da. Juazeiro e o Padre Cícero: Depoimento para a História. Fac-
símile da edição de 1923 publicada pela Imprensa Nacional, Rio de janeiro. Coedição
Secult/Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010.
COTRIM, Gilberto. FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. São Paulo. Saraiva.
2010.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: História, Direitos e Cidadania. Coleção
Agenda Brasileira. São Paulo: Editora Claroenigma, 2012.
DABIN, JEAN. Le droit subjectif. Paris, 1952.
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. Tradução Maira Yeda Linhares. 3ª Edição.
Companhia das Letras: São Paulo, 2014.
DEPARTAMENTO DE DIREICHO INTERNACIONAL - DDI. Países que Ratificaram a
Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano. Disponível em:
http://www.oas.org/juridico/spanish/firmas/b-26.html. Acesso em 07 Abr 2017.
DOURADO, Nick B. O. Estudo da Proveniência dos Arenitos da Formação Exu, Bacia
do Araripe. Rio de Janeiro, 2012. Xvi, 91p. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Gradução em Geologia. Departamento de Geologia, Instituto de Geociências. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em:
<http://ppgl.geologia.ufrj.br/media/pdfs/Nick_Oliveira_Mestrado.pdf>. Acesso em: 17
Jul.2017.
284
FARIA, José Eduardo (org.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ª ed. 5ª
tiragem. Malheiros. São Paulo. 2010.
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7ª Edição. Fortaleza: Editora Armazém da Cultura,
2015.
FARIAS, Caroline. A Convenção de 1940. Anais do XI Encontro Internacional da
ANPHLAC 2014 – Niterói – Rio de Janeiro ISNB 978-85-66056-01-3. Disponível em:
http://anphlac.fflch.usp.br/sites/anphlac.fflch.usp.br/files/Caroline%20Faria%20Gomes.pdf.
Acesso em: 07 Abr 2017.
FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 4ª. Ed. Edusp. São Paulo. 1996.
FERNANDES, Dennys. Imagens da Chapada do Araripe. Slideshare. Disponível em:
http://www.slideshare.net/dennysfernande/imagens-da-chapada-do-araripe. Acesso em 09 Dez
2013.
FERNADES, Edésio. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a
trajetória do Direito Urbanístico no Brasil, in : MATTOS, Liana Portilho de (Org.). Estatuto
da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
FETTERMAN, David d. Ethnography: Step-By-Step. A Wilderness Guide. ed. 3. David M.
Fetterman - Fetterman & Associates. California: Stanford University. Vol. 17. Serie Applied
Social Research Methods, 2010.
FERREIRA, José. Chegada do Homem na América. Disponível em:
http://www.coladaweb.com/historia/chegada-do-homem-na-america. Acesso em: 16
Jun.2017.
FIGUEIREDO FILHO, J. de. Histórica do Cariri. Volume II. Fac-símile da Edição de 1964.
Edições URCA. Fortaleza: Edições UFC, 2010.
285
GARDNER, George. Viagens pelo Brasil. Principalmente nas províncias do Norte e nos
Distritos do Ouro e do Diamante durante os anos de 1836-1841. Tradução de Albertino
Pinheiro. 1ª edição. Brasiliana, Vol. 227. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1942.
Disponível em: <http://www.brasiliana.com.br/obras/viagens-pelo-brasil-principalmente-nas-
provincias-do-norte-e-nos-distritos-do-ouro-e-do-diamante-durante-os-anos-de-1836-
1841/pagina/153/texto>. Acesso em: 05 Jul.2017.
GOOGLE MAPS. Monte Alverne 50 m. Adaptação Sítio Poço Dantas. Disponível em:
<https://www.google.com.br/maps/@-7.1204535,-39.5161695,382m/data=!3m1!1e3?hl=pt-
BR>. Acesso em: 05 Jul.2017.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma política
indigenista: Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Contra Capa. 2002.
LIMA, Flávia Fernanda. Et. All. Geopark Araripe: Histórias da Terra, do Meio Ambiente e
da Cultura. Crato: Editora URCA, 2012.
288
LIMA, Jonatas Pinto. COSTA, Iasmine Carolina Barbosa Ferrari. Cherán: Movimento de
Luta e Sua Experiência de Autogoverno. In
file:///C:/Users/Patr%C3%ADcio%20Melo/Downloads/26-75-1-PB.pdf Acesso em 07 Set.
2015.
LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
LÖWY, Michael. Ecologia e Socialismo. Coleção questões da nossa época. V. 125. São
Paulo: Cortez, 2005.
LUGON, C. A República Comunista Cristã dos Guaranis. 1610-1768. Tradução de Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
MARX, Karl. O Capital: Crítica Da Economia Política. Livro primeiro. São Paulo: Abril
Cultural, 1984.
_______. O Capital: Crítica Da Economia Política. Livro terceiro. São Paulo: Abril cultural,
1985.
MELO, José Patrício Pereira. A Efetividade das Normas de Proteção do Meio Ambiente.
2007. Pp. 173. Dissertação de Mestrado em Direito da Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza. 2007.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 9. ed. Revista e atualizada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014.
MINISTÉRIO DA CULTURA DO BRASIL – MINC. IPHAN: Roteiro para salvaguarda do
patrimônio cultural imaterial. Fortaleza, 2007.
MINISTÉRIO DA SAUDE. Conheça a Secretaria SESAI. Disponível em:
<http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/conheca-a-secretaria-sesai>. Acesso em 23
Jun.2017.
MORIN, Edgar. KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2003.
NEULS, Gisele. Conflito entre proprietários e indígenas é agravado por demora do
governo em enfrentar a questão. Disponível em:
http://sojabrasil.ruralbr.com.br/noticia/2013/08/conflito-entre-proprietarios-e-indigenas-e-
agravado-por-demora-do-governo-em-enfrentar-a-questao-4251839.html. Acesso em: 18 Nov
2013.
NOGUEIRA, Carolina Barbosa Contente. A Autodeterminação dos Povos Indígenas frente
ao Estado. 2016. Ps 223. Tese de Doutorado em Direito Econômico e Socioambiental da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba. 2016.
NORTH, Douglas. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. New
York: Cambridge, 1990. P. 3 – 35.
OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Metodologia Científica Aplicada ao Direito. Thomson. São
Paulo. 2002.
OLIVEIRA, Carlos Alfredo Ferraz de. Et. All. A Experiência do Projeto GATI em Terras
Indígenas. Núcleo Regional Nordeste I e II da FUNAI. Brasília – DF: IEB, 2016.
OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Metodologia Científica Aplicada ao Direito. São Paulo:
Thomson, 2002.
PEREIRA, Maria Alacoque de Lima. Jardim: sua história e sua gente. Fortaleza: COTRIM.
1986.
PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas, Atualizado conforme o Código Civil
2002. Atual. por Ricardo Rodrigues Gama, 1 ed. Campinas: Russell, 2003.
PERICO, Rafael Echeverri. Identidade e Território no Brasil. IICA. Brasília, 2004-2007.
Disponível em:
<http://www.iica.org.br/Docs/Publicacoes/PublicacoesIICA/IdentidadeTerritorioBrasil.pdf>.
Acesso em: 03 Jul.2017.
PERLINGIERI, Pietro. Introduzione alla problematica della proprietà. Nápoles: Scuola di
Perfezionamento in Diritto Civile, 1982.
PINHEIRO, Irineu. FILHO, J. de Figueiredo. Cidade do Crato. Fac-símile da edição de
1955. Coleção Nossa Cultura, n. 1, Série Memória, n.3. Fortaleza: Edições URCA. UFC,
2010.
PINHEIRO, Irineu. O Cariri. Fac-símile da edição de 1950. Coleção Nossa Cultura, n. 1,
Série memória, n.1). Edições UFC. Fortaleza. 2010.
PINHEIRO, F. José. Formação Social do Ceará (1680-1820): O Papel do Estado no
Processo de Subordinação da População Livre e Pobre. 2006. Tese de Doutorado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
2006.
292
SILVA, kalina Vanderlei Paiva. Nas Solidões Vastas e Assustadoras: Os Pobres do Açúcar
e a Conquista do Sertão de Pernambuco nos Séculos XVII e XVIII. 2003. Tese de Doutorado
em História. Universidade Federal do Pernambuco, Recife. 2003.
SIQUEIRA, Baptista. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1978.
SLIDESHARE. Imagens da Chapada do Araripe. Disponível em:
<http://www.slideshare.net/dennysfernande/imagens-da-chapada-do-araripe>. Acesso em: 09
Dez.2013.
SOARES, Mª Simone. MOURA FILHA, Mª Berthilde de Barros. O Ordenamento dos
Rebeldes: A Formação das Primeiras Vilas no Sertão de Piranhas e Piancó da capitania da
Parahyba na Segunda Metade do Século XVIII. In Anais do XVI Enanpur. Belo Horizonte.
2015.
SOBRINHO, Tomaz Pompeu. MARTINS, Floriano (Org.) A Grandeza Índia do Ceará.
Reedição. Coedição com a Secult. Fortaleza: Edições UFC, 2010.
SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Pré-História Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará.
1955.
__________. Os Tapuias do Nordeste. Fortaleza: Revista do Instituto do Ceará, 1934.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. A Liberdade e outros Direitos. Ensaios
Socioambientais. Letra da Lei. Curitiba. 2011
_____________. O Renascer Dos Povos Indígenas Para O Direito. Curitiba: Juruá, 1998.
_____________. A Função Social Da Terra. Fabris: Porto Alegre, 2003.
_____________. Bens Culturais e sua Proteção Jurídica. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2006.
_____________. Multiculturalismo e direitos coletivos. In SANTOS, B. S. Reconhecer
Para Libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. p. 71-111.
_____________. BERGOL, Raul Cezar. (Orgs). Os Direitos dos Povos Indígenas no Brasil:
Desafios no Século XXI. Curitiba: Letras da Lei, 2013.
SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. .HOFFMANN, Maria Barroso. Questões para uma
Política Indigenista: Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas. Contra Capa: Rio de Janeiro,
2002.
SOUZA, Rainer. Revolução Mexicana de 1910.
http://www.brasilescola.com/historiag/revolucao-mexina.htm. Acesso em 15 Jun. 2015.
STUDART FILHO, Carlos. Aborígines do Ceará. Coleção História e Cultura dirigida pelo
Instituto do Ceará. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1965.
______. A Rebelião de 1713. Fortaleza: Instituto do Ceará, 1963.
SUNDFELD, Carlos Ari. Função Social da Propriedade. In DALLARI, Adilson e
FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coords.), Temas de Direito Urbanístico 1. São Paulo: RT,
1987.
295
______________________________
Assinatura do participante
______________________________
ou Representante legal
Impressão dactiloscópica
______________________________
José Patrício Pereira Melo
Assinatura do Pesquisador
299
Nome: __________________________________________________________________
( ) Kariri
( ) Outro
4. A identidade Kariri gera direitos para você e sus família? ( ) Sim ( ) Não
( ) Posse da terra
( ) Propriedade da terra
( ) Reconhecimento da Identidade Kariri
( ) Autodeterminação (se organizar politicamente, administrativamente,
juridicamente, e territorialmente como de interesse do seu povo).
( ) Não entendo o que é autodeterminação.
7. Quem você acha que está em condições de garantir os direitos dos índios no Brasil?
Carlos Jaime López: Daniela, qué gusto tener en la línea telefónica al doctor Orlando
Aragón Andrade, el especialista mexicano en derechos de los pueblos indígenas adscrito al
Centro de Estudios Sociales en la Universidad de Coimbra, en Portugal.
Le damos la bienvenida,
Y bueno, el tema, reitera la Suprema Corte de Justicia mexicana el derecho de los pueblos
indígenas a ser consultados.
¿Nos podría decir, en resumen, en qué consistió esa solicitud y en general los antecedentes del
caso?
Dr. Orlando Aragón Andrade: Bueno, en Cherán o digamos, venía presentándose una
problemática muy fuerte de inseguridad y de despojo de sus recursos naturales, aunado a la
inacción del Gobierno Municipal para atender la problemática, y entonces, eso ocasionó una
conflictividad interna que decantó por el desconocimiento de los pobladores de Cherán del
Gobierno Municipal en turno y la solicitud justamente de que pudiesen regirse o tener un
306
gobierno por usos y costumbres, ya que se percibía por parte de los pobladores de Cherán, que
las autoridades provenientes de los partidos políticos pues no estaban atendiendo sus
problemáticas.
Eso llevó justamente, como lo comentan, a que en la fecha señalada se presentara una
solicitud ante el IEM, ante el Instituto Electoral de Michoacán, solicitando la posibilidad de
hacer una elección por usos y costumbres.
Es importante decir que en este momento la comunidad solamente presentó esa solicitud en
función de que se hiciera una elección por usos y costumbres, no así un gobierno por usos y
costumbres que ya fue una solicitud posterior que se hizo, pero a esa altura lo que se estaba
solicitando al IEM, justamente era que pudieran, digamos, trascender de una elección de
partidos políticos a una regida o dirigida por los usos y costumbres de la comunidad.
Carlos Jaime López: Doctor, y en concreto, qué es lo que se solicita cuando el caso Cherán
llega al Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación.
Dr. Orlando Aragón Andrade: Ahí hay un cambio y lo mencionaba antes, porque es muy
importante y creo que ahí radica justamente o desde aquí se puede empezar a mostrar la
importancia del asunto de Cherán y sobre todo la resolución que dio la Sala Superior del
Tribunal Electoral, en el sentido de que a diferencia del escrito que se presenta al IEM en
donde se solicitaba la posibilidad de organizar una elección por usos y costumbres, y que
como ya también se planteaba el IEM se declara incompetente para dar una respuesta a este
tema, en el escrito de demanda que ya presenta la comunidad indígena de San Francisco
Cherán ante el Tribunal Electoral, ya no solamente pide la posibilidad de organizar una
elección por usos y costumbres, sino que en atención al cambio que recientemente había
sufrido la Constitución en el artículo Primero, el tema de los derechos humanos, de los
tratados institucionales, el bloque de constitucionalidad que todos sabemos más o menos
cómo funciona, es decir, la aplicación directa de los Tratados Internacionales, en el escrito de
demanda se presenta ante el Tribunal Electoral en el JDC, se solicita además ya la posibilidad
de contar con un gobierno por usos y costumbres, una cosa que hasta ese momento no se
había presentado en el país; es decir, el Tribunal por ejemplo, Electoral, ya tiene una larga
tradición en asuntos de municipios con elecciones por usos y costumbres en Oaxaca, pero no
se había presentado un caso en el cual se solicitara no solamente el procedimiento de la
Jornada Electoral por usos y costumbres, sino la posibilidad de contar con un Gobierno
Municipal, con estructuras propias de acuerdo a los usos y costumbres de una comunidad.
Entonces, en concreto eso fue lo que se pide, que se hiciera una elección por usos y
costumbres y que se pudiese permitir un gobierno con una estructura municipal distinta a la de
Presidente Municipal, síndico, etcétera, sino que estuviese ajustada también a los usos y
costumbres.
Todo eso, por supuesto, fundamentado en derecho, con la reforma al artículo Primero que
permitió justamente darle entrada directa a documentos fundamentales para los pueblos
indígenas en el derecho internacional de los derechos humanos, como el Convenio 169, de la
307
Carlos Jaime López: Ésta es una charla con el doctor Orlando Aragón Andrade.
De hecho esta llamada, y se le tiene que decir al público, porque siempre así lo hacemos todo
lo que sucede, esta llamada está siendo hecha hasta Portugal, precisamente.
Conductora: Doctor Orlando Aragón, qué resuelve el Tribunal Electoral del Poder Judicial
de la Federación y en qué punto se estriba la gran trascendencia del caso Cherán.
Dr. Orlando Aragón Andrade: Bueno, la Sala Superior del Tribunal Electoral resuelve el 2
de noviembre de 2011 justamente darle la razón a la comunidad de Cherán.
Y aquí es donde creo yo la Sala Superior dio un paso adelante, gigantesco, en materia de
derechos políticos de los pueblos indígenas, gigantesco me refiero a toda América Latina, no
solamente a México, que autorizó que pudiese tener una estructura de gobierno municipal
diferente a la que ordinariamente manejan, digámoslo así, los municipios, es decir, un
Presidente Municipal, un síndico, y posibilitó que en Cherán hubiera una estructura del
Gobierno que ahora es conocida o que es, digamos, dirigida en lugar de por una persona que
es el Presidente Municipal, por un Consejo de ancianos que en Cherán es conocido como el
Consejo Mayor del Gobierno Comunal y que está integrado por dos personas.
Este último punto, digamos, llevó los derechos políticos de los pueblos indígenas a un nivel
completamente distinto, obviamente de acuerdo a la nueva realidad jurídica ocasionada o
generada por la reforma al artículo Primero, en la aplicación de los derechos humanos de los
pueblos indígenas.
En ese sentido, la Sala Superior creó un precedente y una realidad jurídica, pues bastante
nueva; efectivizó el derecho internacional de los pueblos de los derechos humanos de los
pueblos indígenas, en un sentido que hasta ese momento no se había registrado en la historia
de nuestro país.
308
Yo creo que el caso Cherán, en la Sala Superior ha sido uno de los juicios en donde un
Tribunal de carácter constitucional, como es el caso de la Sala Superior, ha aplicado con
mayor, digamos, con una mirada más progresista los derechos humanos en un conflicto
judicial.
En este juicio, la Sala Superior atendió a los estándares internacionales más altos de derechos
humanos de los pueblos indígenas, que no solamente se quedó en los Tratados
Internacionales, sino en las declaraciones, en las jurisprudencias de la Corte Interamericana,
es decir, fue un proceso de interpretación de los derechos humanos, del derecho internacional
de los derechos humanos bastante alto, bastante progresista, para la historia judicial en
México.
Doctor, y ahora actualmente cómo elige la comunidad de Cherán a sus dirigentes. Su sistema
tradicional de gobierno basado en asambleas generales, les proporciona solución a sus
problemas, al hablar usted hace un momento de sus recursos, me parece que son madereros y
son muy importantes para ellos.
Dr. Orlando Aragón Andrade: Sí. Ahora lo que se hizo fue que gracias a la sentencia
justamente que emitió la Sala Superior, lo primero que se vio fue la facultad para que la
comunidad eligiera cuál iba a ser su estructura de gobierno.
Entonces, lo que la comunidad exhibió en relación a eso, fue darse una forma de gobierno a
partir de distintos consejos colectivos y encabezados, como ya les comentaba, por un Consejo
mayor de gobierno comunal, que está compuesto por 12 personas, y una serie de consejos
operativos, digamos, tienen distintas funciones, alrededor del gobierno.
Lo primero que hay que decir es que es un gobierno de carácter colectivo. La responsabilidad
está dividida en varias personas, todos ellos, todos estos funcionarios fueron electos en
Asamblea, justamente, y lo que se ha intentado hacer en Cherán, digamos, en la forma de
gobierno que se ha puesto en práctica, es una forma de democracia directa, vamos a decirlo
así, en donde en las Asambleas se toman de las determinaciones en relación a la elección de
los responsables de la administración pública.
Entonces, todos los representantes que conforman, tanto el Consejo Mayor de Gobierno
Comunal, como los demás consejos operativos, fueron electos por los comuneros de forma
directa en Asambleas a Manuel Sada o como se llama de forma coloquial, por bulto, es decir
309
por acumulación de la gente, cuando vota toda una persona su arma detrás de ella, quien tiene
fila más larga es quien gana.
También se debe comentar que actualmente se realizan con cierta periodicidad, ciertas
asambleas, en donde justamente las personas encargadas de la Administración Pública en
Cherán, ya sean los consejos mayor de gobierno o los otros consejos, rinden periódicamente
informes de cómo está gobernando el municipio, y la comunidad, incluyendo justamente el
tema de sus recursos forestales, el tema de programas educativos, distintas agendas de
gobierno municipal que se están manejando actualmente en Cherán.
Conductora: Hace unos días, Orlando, el pasado 29 de mayo, la Suprema Corte de Justicia
de la Nación, invalidó reformas a la Constitución del estado de Michoacán, en materia de
derechos indígenas.
Bueno, este caso está entrelazado justamente con la resolución que emite la Sala Superior en
2011, porque una de las cosas que la Sala Superior advierte a la hora de resolver este caso, es
que en Michoacán no se habían realizado las adecuaciones y las actualizaciones
constitucionales en materia de derechos indígenas.
Al momento en que Cherán interpone el juicio en 2011, para esta cuestión de la elección por
usos y costumbres y del gobierno por usos y costumbres, en Michoacán se tenía un marco
constitucional que estaba vigente desde 1997, si no mal recuerdo, ’98; es decir, Michoacán era
uno de los estados que contaba con un marco constitucional local más retrasado en materia de
derechos indígenas.
Lo que ocurre es que al poco tiempo que en la Sala Superior emite su fallo, reconoce el
derecho de Cherán para tener elecciones y un gobierno por usos y costumbres, el Congreso
Local de Michoacán legisla de una forma exprés, en 15 días una reforma constitucional que a
nadie le consulta y que lo más grave de todo no incluye ni la elección por usos y costumbres,
ni el gobierno por usos y costumbres.
Y de esta manera, digamos, neutraliza el triunfo que había obtenido la comunidad de Cherán
en la Sala Superior.
Al no incluirla está en un vacío legal el triunfo que recién había obtenido la comunidad.
310
Y entonces, este camino iniciado a inicios de 2011, llevó dos años hasta que el Pleno de la
Suprema Corte, decidió ya discutirlo y pues fue justamente lo que tuvimos en tres sesiones
largas, intensas, debatidas, a veces confusas en la Suprema Corte sobre el caso de Cherán, que
a final de cuentas termina resolviéndose en un precedente histórico a nivel continental, hasta
donde yo tengo conocimiento, nunca un pueblo o una comunidad indígena había logrado que
una Corte Constitucional declara inválida una Reforma por no consultarlo, y entonces, en este
caso se convierte también en un precedente histórico.
Sin embargo, creo que está a diferencia de la Sala Superior, hubo una interpretación más
restrictiva de derechos humanos por el tema de los efectos, justamente que se le ha dado a la
resolución en la Suprema Corte, a diferencia, me parece que lo que hizo la Sala Superior en su
momento, dar una interpretación, digamos, máxima de los derechos humanos, creo que hubo
una interpretación un poco más dirigida de los derechos humanos de los pueblos indígenas, de
las comunidades indígenas, pero sin embargo, se sigue sentando un precedente mediante el
cual ahora esta reforma constitucional queda invalidada y se tendrá que legislar nuevamente
en materia de derechos indígenas, consultando ahora sí a los pueblos y comunidades
indígenas de Michoacán, y especialmente a Cherán que es quien interpuso el juicio de
controversia constitucional.
Carlos Jaime López: Orlando, por tu respuesta, notamos que tú has estado cerca y tal vez al
lado de estas comunidades.
Orlando, ya finalmente, ¿se puede decir que la Suprema Corte de Justicia mexicana, entonces,
con su sentencia al respecto, ha reconocido el derecho de los pueblos indígenas a ser
consultados a través de sus instituciones representativas?
Digamos que aún habría que esperar el engrose final de la sentencia, porque lo que hemos
visto es la discusión pública. Todavía faltaría la parte más fina, más técnica de la sentencia de
lo que se disponga, pero indiscutiblemente ha reconocido el derecho a la consulta de las
comunidades indígenas, cada vez que se legisle en esta materia y lo que estaría por verse, que
yo creo que aquí la Suprema Corte tendrá que ver como un precedente importante justamente
el proceso que se hizo en el juicio de la Sala Superior del Tribunal Electoral, la manera de
cómo se debe consultar a las comunidades indígenas.
Es decir, ya en el 2011 la Sala Superior del Tribunal Electoral, fue muy clara en el sentido de
que las consultas se tenían que hacer, vuelvo a los usos y costumbres de las comunidades.
Acá creo que lo que está por verse, es que la Suprema Corte, ya en el documento final de la
sentencia, es decir, después del engrose de los agregados que se hagan de la discusión que
hubo la semana pasada, refleje esa parte también que debe de hacerse conforme a los usos y
costumbres de Cherán.
Conductora: Agradecemos, Orlando, pues esta charla que tuvimos contigo sobre este caso,
pues como tú lo dijiste, es un precedente histórico a nivel continental, tanto la resolución del
Tribunal Electoral como también la declaración de la Suprema Corte de Justicia de la Nación
al declarar inválido en este tema, a favor de este pueblo de Cherán en Michoacán.
Carlos Jaime López: Orlando, que estés muy bien, que te vaya muy bien, y gracias por tus
palabras.
Dr. Orlando Aragón Andrade: Bueno, hasta luego, un placer. Y que estén también muy
bien.
- - -o0o- - -
312
Ahora, como fruto de la lucha y de los derechos alcanzados; Y cumpliendo com el mandato
recibido de las pláticas informativas desarrolladas el día 15 y la consulta a la comunidad el dia
18 de diciembre de 2011. Se aprobó nombrar a la autoridad P'urhepecha de Cherán, por el
sistema de los usos y costumbres. Por lotanto.
A nombrar a la comunera o comunero, que participara para ocupar un lugar em los concejos
que compone la estructura de gobierno comunal P'urhepecha de Cherán, como es: Concejo
Mayor, Concejo de Bienes Comunales, Concejo de Justicia, Concejo de Barrio, Concejo de lo
Civil, Concejo de lo Local, Concejo de las Mujeres, Concejo de Programas Sociales, Concejo
de Jóvenes,
De acuerdo al siguiente:
CONSIDERANDO.
Que es necesario cumplir con nuestro deber de comunera y comunero a participar con la
palabra y asistencia activa para acordar en los hechos la construcción desde abajo con todos,
por todos y para todos, el buen destino de la comunidad.
Haciendo posible que las comuneras y comuneros, sin importar preparación académica,
posición social, modo de hablar o vestir, hagan escuchar su voz y, hagamos sentir el peso en
las grandes decisiones de la comunidad como el 15 de abril del 2011.
CONVOCA
Capítulo I
De las Fogatas
Tomando en cuenta que, como comunera o comunero originario y que viva en la comunidad,
debe cumplir con el deber.
Quien haya participado en otros tiempos como autoridades presentar su carta de finiqurto de
su gestión por la autoridad competente.
CONCEJO MAYOR.
La integraran tres por barrio. Una de las cuales debe ser mujer. Originario y que viva en la
comunidad, tener mayoria de edad, tiempo completo, conocer la cultura y sistemas
normativos P'urhepecha de la Comunidad.
Experiencia en trabajos colectivos. Que sea respetuoso, con tiempo “completo, sencillo,
humilde, responsable y honrar el gran valor a la palabra para guiar, orientar y aconsejar el
buen camino de la comunidad. De servir y no servirse y mandar obedeciendo.
CONCEJO DE JUSTICIA. /
314
La integrara uno por barrio. Originario y que viva en la comunidad, tener mayoría de edad,
con tempo completo, con conocimientos y saberes en la cultura P'urhepecha, con capacidade
grande para escuchar, analizar, reflexionar y ser justo desde la casa, fogata, barrio y en el
territorio de la comunidad.
La integrara uno por barrio. yoria de edad, con tempo Originario y que viva en la Comunidad,
tener ma p'urhepecha, sobre todo del completo, con conocimiento y saberes en la cultura
territorio, bienes comunes y memoria histórica.
CONCEJO DE BARRIO. 0/
La integrara dos por barrio. Originario y que viva en la comunidad, tener mayoria de edad,
tiempo completo, con el conocimiento y saberes en la cultura P'urhepecha, socio político,
idioma y artes. generar las condiciones para compartir los conocimientos y Con ia tarea de
¡dad a modo de usos saberes de nuestros abuelos desde la fogata, barrio y comum y
costumbres.
CONSEJO DE LO CIVIL.
La integrara uno por barrio. Originario y que viva en la comunidad, tener mayoría de edad,
con tempo completo, con el conocimiento y saberes en la cultura P'urhepecha, con el
compromiso de proyectar nuestra medicina tradicional, educación, deporte, saludcomunitaria,
artes y cultura informática.
CONSEJO DE LO LOCAL.
La integrara uno por barrio. Originario y que viva en la comunidad, tener mayoría de edad,
con tempo completo, con .el conocimiento y saberes en la cultura P'urhepecha, educación,
cultura informática, contaduria, ingenieria y arquitectura.
La integrara uno por barrio. munidad, tener mayoría de edad, con tempo bares de la cultura
P'urhepecha, educación, ntaduría, sociología, antropologia, psicologia Originario y que viva
en la com completo, con el conocimiento y as trabajo social, cultura informática, co y cultura
médica.
CONSEJO DE JÓVENES.
Una por barrio. omunidad, tener mayoria de edad, con tempo bares en la cultura P'urhepecha,
que entienda torio. Educación, cultura informática, Originaria y que viva en la o completo,
con el conocimiento y as el significado de la familia, comunidad y terri contaduría, sociología,
antropologia, psicología y cultura médica.
Capitulo ll
Segundo. Se nombrara, primera el 19 de abril de 2015, a las 12:00 horas, en los asambleas que
se llevaran a cabo lugares de costumbre. - Barrio primero; en la Esc. Prim. Casimiro Leco
López Barrio segundo; en la Esc. Sec. Fed. Lázaro Cárdenas Barrio tercero; en la Esc. Prim.
José Ma. Morelos Barrio cuarto; en la Esc. Prim. Federico Hernández Tapia.
Cuarto. En cada lugar se instalaran mesas de registro para elaborar un listado de comuneras y
comuneros.
Sexto. El dia del nombramiento, una vez instalada la asamblea se nombrara uma mesa de los
debates. La mesa pedirá que la asamblea proponga a los contendientes al concejo mayor de
gobierno comunal. la edad señalada en los puntos anteriores. s, con el deber de servir y no
servirse, con el tar a la comunidad y mandar Quienes deberán cumplir com Honestos,
humildes, trabajadore tiempo completo para todos los cargos para represen obedeciendo.
Oitvao. Asamblea se procederá a levantar el acta Una vez realizado el conteo en caran las
hojas Que será requisitada por los integrantes de la mesa y a ella se anexa del registro de
asistencia. tos y propuestas de cada una de las se en uno de los concejos, serán de la estructura
de gobierno y Octavo. Las comuneras y comuneros propues fogatas que no obtengan lugar
para integrar considerados en ocupar un lugar en las comissiones se ubicaran, validados todos
en asamblea de barrio.
Noveno. Para que haya vigilancia, validez y den fe del nombramiento en las asambleas será la
mesa de los debates y coordinadores de barrio.
Décimo. Para las fechas de nombramiento de los siguientes concejos, será de acuerdo a lo que
determine la asamblea.
316
Mayores informes con los coordinadores y comisión de enlace de cada barrio. Atentamente:
COORDINADORES DE BARRIO
Chera'n, Michoacán, México, Abril de 2015