Celso Furtado Formação Econômica Resumo
Celso Furtado Formação Econômica Resumo
Celso Furtado Formação Econômica Resumo
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 30 ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 2001 (Biblioteca Universitária. Série 2, Ciências sociais, v. 23). Primeira edi-
ção: 1959.*
Esse novo sistema produtivo nas Antilhas também teve conseqüências para as
colônias americanas do norte. Ali ainda foi possível manter-se uma colonização basea-
da na pequena propriedade. Inicialmente, a colonização baseada na auto-suficiência
indicava um lento desenvolvimento. Como a produção açucareira no Caribe implicou
a migração de pequenos produtores dessa região para as colônias do norte, estabelece-
se um contato mais próximo entre as duas regiões. Além disso, com a desarticulação da
pequena propriedade, as ilhas caribenhas passaram a ser importadoras de alimentos,
que passaram a ser fornecidos pelos pequenos produtores agrícolas do norte. Daí ou-
tras formas de comércio entre as regiões foram sendo estabelecidos, o que fez prospe-
rar outros setores nas colônias setentrionais, como a produção naval e a produção de
bebidas alcoólicas, a partir da matéria-prima produzida nas Antilhas, entre a segunda
metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII. Furtado destaca a impor-
tância da separação entre essas duas regiões, pois isso permitiu que nem todos os re-
cursos disponíveis fossem canalizados para a produção de açúcar. Isso representou o
aparecimento na América do Norte de um tipo de economia similar à da Europa na
época, baseada em uma produção voltada tanto para o consumo interno como para a
exportação. Fatores como a guerra civil inglesa no século XVII e as prolongadas guer-
ras entre Inglaterra e França favoreceram o fortalecimento do sistema formado entre as
Antilhas e colônias setentrionais, devido ao isolamento das colônias em relação às me-
trópoles. As tentativas empreendidas pela Inglaterra no século XVIII para coibir a rela-
ção comercial entre as suas colônias e as Antilhas só fez por acirrar os atritos de uma
relação já deteriorada pela existência de um sistema econômico em flagrante contradi-
ção com a condição colonial. Com isso, precipitou-se a separação entre as colônias se-
tentrionais e a Inglaterra.
A diferença entre os sistemas econômicos entre a América tropical e a América
do Norte estabeleceu também as diferenças entre os grupos sociais dominantes nessas
4
Ao se iniciar o século XVIII, a economia estava cada vez mais voltada para atividades
de subsistência, resultando na reversão da divisão do trabalho, na retração da produti-
vidade, na fragmentação das unidades produtivas e na “desaparição das formas mais
complexas de convivência social, substituição da lei geral pela norma local, etc.” (p. 69)
10
O final do século XVIII foi rico em acontecimentos políticos mundiais que re-
percutiram no Brasil. A guerra da independência na América do Norte e a revolução
francesa alteraram a oferta de produtos tropicais e ofereceram novas oportunidades de
desenvolvimento econômico para a colônia portuguesa. O Maranhão têm período de
prosperidade, beneficiando-se do apoio do Marquês de Pombal para desenvolver a
produção e o comércio de produtos em alta demanda devido à guerra da independên-
cia americana: arroz e algodão. Posteriormente, já no inicio do século XIX, com as
guerras napoleônicas e a transferência da corte portuguesa para o Brasil, novo período
de oportunidades econômicas tem lugar. A Metrópole deixa de ser o entreposto da
produção da colônia e a abertura dos portos é uma consequência natural dos aconteci-
mentos. A produção de açúcar ganha novo fôlego, devido à revolta no Haiti e a desar-
ticulação da produção naquela ilha.
O primeiro decênio da independência, no entanto, é marcado por dificuldades.
Como já mencionado acima, o Brasil independente herdou de Portugal a submissão
econômica à Inglaterra. Além disso, a partir da abdicação de Pedro I em 1831, os pro-
prietários rurais se estabelecem definitivamente como a classe dominante que exerce o
poder. O financiamento do governo central dependia das tarifas de importação, mas
devido ao acordo firmado com a Inglaterra, essas não ultrapassavam o valor médio de
15% ad valorem. Uma alternativa seria a taxação das exportações, mas isso afetaria os
lucros dos proprietários rurais. A saída foi cobrir o déficit com a emissão de papel moe-
da. Os perdedores nesse esquema foram as camadas médias urbanas, que empobrece-
ram com a desvalorização da moeda local frente à libra-esterlina. Desta situação emer-
giram as primeiras revoltas sociais em núcleos urbanos.
Um aspecto que Furtado procura destacar se refere às razões que levaram os
EUA a ser tornarem uma potência industrial, enquanto o Brasil se manteve subdesen-
volvido, com uma economia baseada na produção e exportação de produtos primários.
Na sua análise, não foram os acordos comerciais de 1810 e 1827 com a Inglaterra que
impediram a industrialização. O fator decisivo foi o desequilíbrio que o Brasil enfren-
tou com a queda dos preços dos produtos exportados. A isso se somou o fato de que, a
partir da independência que implicou a eliminação da Metrópole como entreposto, as
importações tornaram-se mais atrativas. Assim sendo, a queda no valor das exporta-
ções e o estímulo inicial às importações geraram o desequilíbrio que afetou a balança
comercial. Como mencionado acima, a estratégia para contornar o déficit foi a expansão
13
política protecionista. Como a queda nos valores exportados representou uma redução
na renda per capita, percebe-se que não seria possível competir com os preços dos teci-
dos ingleses em um contexto social no qual a população urbana havia sofrido um em-
pobrecimento significativo.
Finalmente, cabe destacar o fato de que, se no início do século XIX os EUA
apresentavam um déficit na balança comercial em relação à Inglaterra, mas a forma de
financiamento deste déficit foi distinta. Em lugar de fazer uma expansão monetária, o
os EUA emitiram bônus estaduais e federais que permitiram saldar as dívidas a médio
e longo prazo.
***
O processo de transformação econômica do Brasil só iria acontecer na segunda
metade do século XIX, com o desenvolvimento da produção do café em uma escala
capaz de reinserir o país no comércio internacional. Trata-se de atividade econômica
que fazia uso especialmente do fator terra, o único capital em abundância no país, além
de fazer uso de fatores então subutilizados, como a mão-de-obra escrava e o transporte
animal. Mesmo com a redução dos preços médios do café, a expansão cafeeira continu-
ou firme, favorecida pelo fato de que possuía custos monetários ainda menores do
que a produção de açúcar, o que permitiu a sua expansão mesmo nos períodos de que-
da dos preços internacionais. Já cultivado para consumo interno desde o século XVIII,
o café encontra condições favoráveis para a sua expansão na segunda metade do século
XIX. Para isso contribuiu decididamente a emergência de uma nova classe empresarial.
As mudanças sociais e políticas do início do século fizeram com que a cidade do
Rio de Janeiro se tornasse um centro urbano com uma capacidade de consumo sufici-
entemente grande para desenvolver atividades comerciais. Foi a partir desse núcleo de
comerciantes urbanos que se formou a nova classe dirigente, tanto em termos econô-
micos como políticos. Enquanto os proprietários rurais na época da economia do açú-
car estavam totalmente isolados das atividades comerciais —principalmente porque
15
Uma vez que o fator terra não era impedimento para a expansão da produção,
as preocupações se voltaram para o problema da escassez da mão-de-obra. Em primei-
ro lugar, as condições em que a agricultura de subsistência se estabeleceu no país não
permitiam a mobilização dessa mão-de-obra. Além disso, os grandes proprietários não
tinham interesse em deslocar essa mão-de-obra para a iniciante atividade cafeeira. A
mão-de-obra escrava também não se mostrava mais viável, uma vez que sua popula-
ção, não se expandiu: a taxa de mortalidade superava a taxa de natalidade, indicando
as condições precárias a que era submetida a população de negros africanos no Brasil.
Ficou evidente, portanto, que a solução se encontrava na atração de imigrantes euro-
peus.
16
Outros dois aspectos relativos à mão-de-obra são destacados por Furtado: refe-
rem-se ao deslocamento migratório do Nordeste para a região Amazônica e ao fim da
escravidão e seu impacto na redistribuição de renda. Quanto à primeira questão, ela se
refere ao ciclo da borracha, impulsionado pelos altos preços dessa matéria-prima no
final do século XIX e início do século XX. Cabe destacar que o papel da produção de
borracha na Amazônia, foi de caráter “emergencial,” para suprir a demanda internaci-
onal imediata até que fosse dada uma solução definitiva —que veio com a produção
asiática. Apesar desse caráter quase provisório, o fluxo migratório foi um dos maiores
da história do país, sendo que na última década do século XIX pelo menos 200 mil pes-
soas se deslocaram para a região amazônica. No entanto, como havia sido em outros
ciclos de expansão econômica, passadas as condições favoráveis, a população ocupada
nessa atividade retraiu-se a um nível extremamente básico de subsistência, enfrentan-
do ainda as dificuldades de um ambiente de floresta tropical, sensivelmente mais inós-
pito do que aquele existente nas grandes propriedades cultivadas.
17
Com relação ao fim da escravidão, Furtado destaca que duas alternativas ex-
tremas ilustrariam o efeito da abolição na atividade econômica. De um lado, a abolição
não representaria nenhuma distribuição de renda, uma vez que a remuneração ofere-
cida aos escravos libertos seria correspondente ao nível de subsistência já existente.
Esse foi o caso de algumas ilhas inglesas nas Antilhas. No outro extremo, o fim da es-
cravidão representaria uma real distribuição de renda aos trabalhadores libertados,
correspondendo a um processo semelhante a uma reforma agrária, sendo que o ativo
distribuído seria a própria mão-de-obra. Nesse caso, os ex-escravos receberiam uma
remuneração consideravelmente superior ao nível de subsistência. No caso do Brasil,
não teria ocorrido nem uma situação nem outra, mas no Nordeste, teria ocorrido uma
aproximação do primeiro caso, e na produção de café em São Paulo, seria uma aproxi-
mação do segundo caso. No que se refere aos engenhos de açúcar, os deslocamentos
de mão-de-obra devido à abolição foram pequenos, predominando a permanência na
propriedade rural original, mediante uma remuneração mínima. No caso das fazendas
de café, a possibilidade de retenção de mão-de-obra mediante remunerações mais altas
encontrou barreiras em questões culturais. Depois de séculos de escravidão, era de se
esperar que os escravos liberados não tivessem qualquer compreensão de um sistema
que possibilitasse acumular rendimentos para usufruí-los no futuro. A concepção de
trabalho estava contaminada com a ideia de opressão e a libertação significou também
a libertação do trabalho que excedesse as necessidades de subsistência. De fato, essa
era a única forma de sobrevivência que os escravos conheciam. Além disso, uma vez
que a política de imigração de mão-de-obra europeia já estava em andamento, não ha-
via razão, do ponto de vista econômico, para que fossem criadas condições para o
aproveitamento da mão-de-obra dos ex-escravos. Assim é que a população descenden-
te dos escravos africanos foi deixada à sua própria sorte e não houve alterações estru-
turais na distribuição de renda como consequência da abolição.
na etapa atual. Esse atraso tem sua causa não no ritmo de de-
senvolvimento dos últimos cem anos, o qual parece haver sido
razoavelmente intenso, mas no retrocesso ocorrido nos três
quartos de século anteriores. Não conseguindo o Brasil inte-
grar-se nas correntes em expansão do comércio mundial duran-
te essa etapa de rápida transformação das estruturas econômi-
cas dos países mais avançados, criaram-se profundas dissimili-
tudes entre seu sistema econômico e os daqueles países. (p. 150)
O funcionamento de todo o sistema tinha por base o fato de que o setor expor-
tador podia reter todos os lucros nas fases de expansão e sofrer os menores prejuízos
nas fases de retração. Isso era possível uma vez que a queda no preço internacional do
café era compensada pela desvalorização cambial, uma vez que o setor exportador era
20
também vendedor de reservas cambiais. Considerando que pelo menos parte do con-
sumo de produtos importados pela massa assalariada tinham uma demanda inelástica
—tratava-se de produtos ou matérias-primas de gêneros de primeira necessidade— a
desvalorização cambial resultava em uma transferência de renda do setor assalariado
para o setor exportador. Nos momentos de expansão, porém, não havia transferência
de renda dos exportadores para os assalariados, e os primeiros logravam reter prati-
camente toda a renda relativa à expansão.
No que se refere às políticas de equilíbrio, Furtado aponta para a ausência de
uma compreensão pelas elites políticas do processo real da economia. A doutrina do-
minante na época era aquela que se aplicava aos processos de expansão e contração nas
economias dos países desenvolvidos que, via de regra, eram pouco dependentes das
importações. Nesse contexto, o pensamento econômico recomendava a aplicação do
padrão-ouro, que pressuponha que cada país tivesse uma reserva nesse metal (ou em
moeda conversível) para fazer frente aos períodos de desequilíbrio na balança de pa-
gamentos. O problema é que tal modelo não poderia ser aplicável a uma economia
como a cafeeira, com uma fonte de recursos externos variável, mas com pelo menos
uma parte dos gastos em importações fixas. Para que o modelo do padrão-ouro pu-
desse ter algum efeito no desequilíbrio da balança de pagamentos no Brasil, seria ne-
cessária uma reserva de recursos enorme. Uma vantagem da economia cafeeira é que
ela podia continuar a funcionar nos períodos de crise, justamente porque acumulava
nos momentos de expansão e transferia suas perdas nos momentos de recessão para os
assalariados. Com isso, a economia podia continuar em funcionamento, ainda que às
custas das camadas dependentes do trabalho assalariado, em especial a população ur-
bana.
primários (o preço do café entre setembro de 1929 e setembro de 1931 caiu cerca de
280%), a possibilidade de que a compra dos estoques pudesse continuar se afigurava
ainda menor.
Furtado observa que tal situação só poderia ter sido evitada se tivessem sido
criados incentivos para o redirecionamento dos investimentos gerados pelo lucro na
produção do café para outros setores igualmente ou mais lucrativos do que o setor ca-
feeiro. No entanto, fatores conjunturais vieram a encaminhar a questão para uma solu-
ção que, ainda que de forma absolutamente inconsciente e tendo em vista a defesa dos
interesses dos produtores de café, correspondiam aos interesses da própria economia
do país. Essa saída evitou o aprofundamento da crise e mesmo fomentou o desenvol-
vimento da produção industrial para o abastecimento do mercado interno.
Para que seja compreendido o mecanismo que veio a ser implementado, é pre-
ciso inicialmente examinar alguns aspectos da conjuntura econômica da época. Uma
vez que já haviam sido feitos investimentos para o aumento da produção nos dois anos
anteriores à crise, com a maturação dos cafezais a produção atinge seu pico em 1933.
Nesse momento, já não era mais possível expandir os estoques de café por meio de
empréstimos externos, que se evaporaram como conseqüência da crise de 1929. As
reservas cambiais do governo também se esgotaram rapidamente. Assim, a questão
central passou a ser: o que fazer com a produção cafeeira. Esta deveria simplesmente
apodrecer nos pés de café? Deveria ser colhida? Se colhida, qual seria o destino da
produção: armazenamento ou destruição?
A situação peculiar foi que, do lado do consumidor não houve uma queda tão
acentuada dos preços e a demanda, apesar da crise, manteve-se relativamente constan-
te. Na verdade, o prejuízo com a queda dos preços desta vez havia ficado com os pro-
dutores. Os setores compradores, percebendo a fragilidade dos fornecedores devido à
grande quantidade de estoques, souberam impor os seus preços e recolher os lucros
com o comércio. Em um primeiro momento, a crise cambial resultou na desvalorização
24
na moeda, o que, mais uma vez, representou um alívio para o setor exportador. Aliado
a isso, fez-se um esforço para aumentar as exportações, que cresceram 25% entre 1929 e
1937. No entanto, quando a queda de preços acabou por superar a depreciação da mo-
eda, ficou patente que outra alternativa teria que ser apresentada para solucionar a
crise.
A recuperação econômica mundial que se inicia a partir de 1934 não irá alterar o
preço do café, que se mantém constante durante toda a década. Embora os preços de
outros produtos primários, como o algodão, aumentaram substancialmente com a re-
cuperação econômica, os preços do café em 1937 ainda eram inferiores aos preços pra-
ticados em 1932. No entanto, a política de manutenção de preços do café após a crise
de 29 pode ser considerada um sucesso devido a seu efeito mais amplo. Uma vez que
toda a dinâmica da economia estava ligada ao setor exportador de café, a política da
continuidade da produção juntamente com a destruição do café excedente permitiu
que a geração de renda fosse mantida no conjunto da economia. Assim, os trabalhado-
res rurais continuaram a receber seus salários e a consumir produtos manufaturados. O
resultado global dessa política —ainda que não planejada— foi que a queda da renda
monetária no Brasil no período mais agudo da crise foi entre 25 e 30%, enquanto nos
EUA e outros países industrializados, essa queda ultrapassou os 50%. Isso em um con-
texto no qual a queda nos preços de atacado de manufaturas tinha sido consideravel-
mente menor que a queda dos preços dos produtos primários, em especial o café.
***
26
Embora essa política não tenha sido totalmente bem sucedida no que se refere
ao controle da inflação, teve pelo menos como efeito redistribuir parte dos ganhos em
produtividade do setor industrial para a população como um todo. Assim é que, entre
1945 e 1953, a elevação dos preços do setor industrial foi de 60% enquanto que na eco-
nomia como um todo foi de 130%. “Mesmo assim, o desnível entre os preços internos
dos produtos industriais e os das importações continuava a ser substancial, comparati-
vamente à paridade de 1939” (p. 219). Assim sendo, o setor que colheu maiores benefí-
cios da política cambial foi o setor industrial.
à idéia de que todos preços aumentariam com a mesma taxa ao mesmo tempo. Essa
situação teria dificultado a escolha de políticas de combate à inflação.
É nesta parte final do livro que Furtado deixa de lado sua abordagem de inter-
pretação histórica e apresenta, em breves linhas, o que seria uma alternativa para o
Brasil nesse ponto de seu desenvolvimento. Sua visão está no desenvolvimento da
indústria de bens de capital.