Cabo Verde
Cabo Verde
Cabo Verde
A afirmação da identidade cultural cabo-verdiana está intimamente ligada à sua história literária. A
literatura serviu como base de afirmação, arma de combate e realização simbólica da cabo-
verdianidade, em diferentes momentos de afirmação. A identidade crioula construiu-se e veiculou-se
pela literatura. Os escritores cabo-verdianos utilizaram os textos literários para transmitirem aos seus
irmãos e aos estrangeiros a sua ideia de identidade cultural e nacional.
O termo nativismo é entendido como movimento de luta a favor dos interesses e manifestações
culturais por parte dos povos colonizados e da defesa da sua terra de origem.
O Nativismo e a geração da elite cabo-verdiana que o representa, defende os direitos dos filhos da
terra, alegando a autonomia do arquipélago. Apelando à união dos ditos filhos da terra, o objectivo
principal consiste na luta pela igualdade em relação aos da metrópole, de modo a serem reconhecidos
e considerados como portugueses plenos, sem contudo abrirem mão da Matria (África). A valorização
do espaço geográfico e humano das ilhas e da sua cultura, também foi outro aspecto defendido pelos
nativistas.
Apesar dessa identificação com a pátria portuguesa, os nativistas tentaram evidenciar uma identidade
crioula através de mitos que explicavam a origem de Cabo Verde. Assim, destaca-se o mito hesperitano
ou arsinário, que constituiu uma fantasia imaginária de alguns intelectuais cabo-verdianos numa
tentativa de defender uma identidade para Cabo Verde, ou seja, uma identidade distinta, específica e
singular em relação à Pátria-Portugal.
Então ficaram essas nossas ilhas Desde que as lusas velas legendárias,
Como elas, pelo Atlântico dispersas. Davam o nome Verde ao mesmo cabo
As Hespérides, de Héspero e as três filhas. Que assim perdia o que lhe déra Strabo.
Resumo:
Principais ideias:
Valorização da língua, das especificidades geográficas e históricas de Cavo Verde, face à metrópole.
Escritores representantes:
Eugénio Tavares; José Lopes, Pedro Cardoso, Luís Loff de Vasconcellos, etc.
Críticas e contributos:
Com os nativistas houve um despertar da consciência identitária, mas uma noção de identidade ainda
ambígua, confusa e sem maturação. Tiveram uma ideia equivocada (isto é, enganaram-se), ao se
considerarem portugueses e cabo-verdianos ao mesmo tempo e defenderem a igualdade entre os
naturais das ilhas e os portugueses. Não perceberam que no sistema colonial, não há relação de
igualdade entre o colonizador e o colonizado. Além disso, não tiveram noção da diferença existente
entre Cabo Verde e Portugal e por falta dessa diferenciação (importante para construir a ideia de
identidade) não tiveram consciência clara da sua identidade. Enfim, caíram numa grande contradição.
Os Claridosos da década de trinta e quarenta fincam os pés na terra cabo-verdiana e revelam o estado
de abandono a que as ilhas estavam votadas. Esse fincar dos pés na terra é feito com base na
valorização da terra-mãe, do povo das ilhas e da sua cultura. As temáticas desses intelectuais
repercutiam as angústias do povo cabo-verdiano, principalmente as longas secas, subsequentes
fomes, mortes e extrema miséria que assolavam o arquipélago. Isso incitou a nova geração a defender
esse povo, com o pressuposto de afirmar a identidade cabo-verdiana e, por consequência, a sua
autonomia.
Essa ideia regionalista sustentava que Cabo Verde, à semelhança de qualquer região de Portugal,
também apresentava características essenciais da cultura metropolitana, ou seja, assim como Algarve
e outras regiões de Portugal. Cabo Verde também é, desse todo português, que partilha traços
culturais fortes com a metrópole. Assim, a consciência identitária defendida por essa geração vai no
sentido da edificação da identidade mestiça e regional, o que denota uma consciência regionalista.
Isso marcou indubitavelmente o carácter de ambivalência dos claridosos na construção da identidade
cabo-verdiana.
Tão silenciosa a tragédia das secas nestas ilhas! as pedras dos moinhos!
de fumo subindo…
Resumo:
Principais ideias:
Defesa dos problemas de Cabo Verde e das condições de vida dos cabo-verdianos (através do lema
“fincar os pés na terra”);
Escritores representantes:
Jorge Barbosa, Baltazar Lopes da Silva, Manuel Lopes, João Lopes, Jaime Figueiredo, António Nunes,
etc.
Críticas e contributos:
Porém, assim como seus antecessores nativistas, revelaram, de certa forma, uma dupla identidade:
cabo-verdiana e lusitana (ou, pelos menos, uma tendência para neste sentido), o que mostra que ainda
não tinham percebido totalmente a diferença entre o Nós e Eles, algo importante para a tomada de
consciência da própria identidade. Além disso, foram contraditórios ao defenderem uma origem
mestiça e ao mesmo tempo acentuadamente portuguesa da cultura cabo-verdiana, ocultando ou
negando a herança cultural africana. Por fim, caíram num grande equívoco (engano) ao se
considerarem que Cabo Verde era uma região portuguesa (como Algarve, por exemplo), o que
demostra uma incompreensão da lógica do colonialismo, que não possibilita a igualdade entre a
colónia e a metrópole.
Com a geração de Amílcar Cabral, o fincar os pés na terra adquire um significado essencialmente
político, tendo como implicação imediata a assunção da condição de africano e a ligação de Cabo Verde
aos outros países envolvidos no projecto de emancipação político-cultural. Assim, enquanto a geração
dos Claridosos encarava a identidade como resultado de interacções quotidianas, sem que as relações
ali subjacentes fossem problematizadas, já que assumidas como relações simétricas, a geração de 50
concebe-as a partir da reiteração das diferenças num cenário de assimetrias e de relações de
dominação.
Os integrantes na luta pela independência nacional refutavam a ideia dos claridosos, e defendiam
principalmente aqueles que sustentavam nesta luta a afirmação da identidade africana do arquipélago
de Cabo Verde, isto é, a defesa da raiz africana e a forte ligação do arquipélago a África. A consolidação
desta ideia de retorno terá conduzido à luta pela conquista de uma identificação própria, luta essa que
não coincidiria com a das gerações precedentes e principalmente com a da consciência regionalista.
A década de 50 marca indubitavelmente uma nova era na formação da identidade cultural e nacional,
com o acento tónico no resgate das origens africanas. O novo discurso identitário apresenta traços
fortes com as do continente africano e encerra ali o significado de que era a altura certa da ruptura,
tornando a Nação livre, com hábitos característicos e libertos da opressão da administração colonial.
A defesa da raiz africana e o profundo laço dos cabo-verdianos a este continente passam a ser um dos
grandes propósitos e, possivelmente, um dos mais importantes pressupostos teóricos, a ponto de o
caracterizarem como o movimento da “reafricanização dos espíritos”. Amílcar Cabral, como um dos
mais exímios representantes deste movimento, baseado nos princípios do nacionalismo, viria, por
intermédio do partido PAIGC, fundado para a libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde, e num contacto
com os estudantes da colónia, a reivindicar a independência e libertação desses países, na ideia da
reafricanização, ou do resgate dos ideais africanos. Para Cabral, Cabo Verde, mesmo sendo uma região
insular, estava intimamente ligada ao continente africano, e é por esta razão que se começa a afirmar
nele a sua africanidade, ou seja, a sua dimensão africana
Um poema diferente
……………………………..
A caminho do Sul
Pa mund´ Intêru
Dexa da kabako.
……………………………………………
Afrika ô Morti!
Kaoberdiano Dambará
Resumo:
Principais ideias:
Busca e valorização das origens negras africanas da sociedade cabo-verdiana, através do movimento
que Amílcar Cabral designou de “reafricanização dos espíritos”;
Defesa e exaltação da dignidade e dos direitos do homem negro (defendida pelo movimento da
negritude);
Especificidade da identidade cultural do povo cabo-verdiano, que constituía uma nação específica e
diferente da nação portuguesa;
Amílcar Cabral, Onésimo Silveira, Felisberto Vieira Lopes, Aguinaldo Fonseca, Ovídio Martins, Gabriel
Mariano, etc.
Críticas e contributos:
Os escritores desse período, designados de nacionalistas, tiveram uma plena e clara consciência da
identidade cabo-verdiana e desempenharam um papel importante na afirmação do povo cabo-
verdiano como uma nação plena e portadora de uma identidade cultural própria. Além disso, foram
os responsáveis pela luta à independência de Cabo Verde, rompendo a ligação de dominação colonial
que mantinha a nação cabo-verdiana sob o jogo de Portugal. Entretanto, assumiram uma certa postura
de negação ou desvalorização da herança portuguesa da cultura cabo-verdiana, em detrimento de
uma sobrevalorização das raízes africanas do povo cabo-verdiano. Assumiram uma identidade cultural
cabo-verdiana, mas marcadamente africana, pois o contexto histórico da época quase que exigia uma
tomada de posição nesse sentido.
Conceito de identidade
Genericamente, a identidade é um conjunto de características próprias e distintas de um
indivíduo, um grupo social, uma comunidade ou um povo.
Mas para que ocorra a tomada de consciência, é necessário que haja diferença, a diferença
em relação a um outro. É somente ao perceber o outro como diferente, que pode nascer,
no sujeito, sua consciência identitária. A percepção da diferença do outro constitui de
início a prova de sua própria identidade, que passa então a “ser o que não é o outro”.
A identidade é marcada pela diferença, ou seja, pela dicotomia nós/eles, eu/outro. Para
Woodward, a marcação da diferença, da oposição ou da exclusão afigura-se crucial no
processo de construção das posições de identidade.
Por exemplo, a afirmação de ser cabo-verdiano traz em si uma negação, a de não ser
português, brasileiro, chinês, francês, por exemplo.
A identidade é construída por meio da diferença, da relação com o outro, da relação com
aquilo que não é. É através da identidade que se identifica e distingue indivíduos, grupos,
povos e culturas.
Desde meados do século XVII, terão existido elementos comuns aos naturais das Ilhas de
Cabo Verde e que constituíram a base da sua identidade num todo uno e homogéneo
culturalmente. A existência desses traços culturais fez com que os ilhéus se
diferenciassem dos demais grupos sócio-culturais, inclusive os que estão sob o mesmo
estatuto colonial e no mesmo espaço luso.
O ruralismo tropical teria por fundamento o facto da sociedade ser, na sua génese, agrária
e num espaço geográfico tropical.
Outras formas e expressões culturais que contribuem para a construção de uma identidade
cabo-verdiana autónoma, encontram-se na culinária com pratos típicos à base do milho,
tais como a cachupa, o cuscuz, xérem, djagacida, “camoca”, etc. pratos à base de peixe,
etc.
Todas essas expressões do ethos cultural Cabo-verdiano surgiram numa situação colonial,
portanto, de resistência, talvez, até mesmo duma luta cultural incessante contra a cultura
do colonizador.
Se é difícil determinar com precisão o que seja o carácter nacional de um povo, dadas as
diversidades interterritoriais (…), a verdade, porém, é que algo consegue fazer com que
pessoas de um mesmo país se sintam pertencer a um mesmo espaço, diferenciando de
outros espaços. No caso cabo-verdiano, esse sentimento de unidade e de pertença é
traduzido na ideia e no conceito de caboverdianidade. Ideia e conceito de difícil definição,
mas que, para os cabo-verdianos, condensa a morabeza, o ser ilhéu, o ser crioulo, o ter
uma identidade própria capaz de nos diferenciar de tudo e de todos.
Para afirmarem que Cabo Verde tinha uma identidade própria, os intelectuais Cabo-
verdianos criaram vários conceitos. Uma delas é a Cabo-verdianidade. Este conceito
surgiu com os nativistas. Eles defendiam que Cabo Verde tinha uma cultura, uma língua e
uma identidade própria.
Através desta análise surge a tabela (1), que possibilita compreender o surgimento e a
evolução da língua materna cabo-verdiana.
2) Música e Dança
Origem da música tradicional cabo-verdiana
Em Cabo Verde a música desempenha um papel de relevo em diversos aspectos da
vivência das nossas gentes, pois ela faz parte de toda a actividade social cabo-verdiana,
fortificando-a através das práticas lúdicas, bailes, divertimentos e outros passatempos e
exerce uma acção que desperta motivações vivenciais.
Até agora, não há estudos aprofundados que comprovam a origem das músicas
caboverdianas. Entretanto, defende-se que na origem da música tradicional cabo-verdiana,
estão ligados diversos elementos de várias proveniências: as lamentações árabes, os
alegres ritmos africanos, os cantares dos colonos, nomeadamente as cantigas de escárnio e
maldizer dos portugueses. No entanto, o escravo, mais do que o colono, foi portador e
cultivador das lamentações, por ser em maior número e viver num ambiente de
sofrimento.
Géneros musicais
Das formas musicais que compõem o panorama cabo-verdiano, existem o Batuque, os
ritmos e cantares da Tabanca, os ritmos e cantares do Kolá, inerente às festas dos santos, o
Funaná, a Morna, a Coladeira, e as formas orquestrais modernas derivadas do Funaná
tradicional, bem como formas musicais decalcadas directamente da cultura europeia como
Valsa, Mazurca e Contradança, que se adaptaram perfeitamente ao ambiente cabo-
verdiano.
Além desses géneros musicais, também temos outros estilos ligados à religião (ladainhas,
etc.), cantigas de trabalho (cantigas da monda, cantigas marítimas e pastoril) e cantigas
infantis (cantigas de ninar, cantigas de roda, etc).
A morna
A morna é uma expressão musical, através da qual o cabo-verdiano transmite todo o seu
sentimento, seja ele qual for, no momento da sua execução.
De acordo com a tradição, a morna nasceu na Boa Vista no fim do século XIX (a mais
antiga de que se tem conhecimento, “Brada Maria”, data de 1870).
Com os marinheiros da Boavista, a morna chega às outras ilhas. Em São Vicente, ela vai
evoluir no plano melódico graças a instrumentistas como Luís Rendall que, bastante
influenciado pela música brasileira, introduz o choro na música cabo-verdiana.
Com a chegada dos cantores, a morna conquista definitivamente as suas letras de nobreza.
A coladeira
A coladeira é uma música satírica cabo-verdiana, com um ritmo acelerado que se baseia
quase exclusivamente na ironia, com o objectivo de ridicularizar e gozar.
A coladeira é um novo género musical que nasceu em São Vicente, na 2ª metade dos anos
50. Quanto à sua origem, segundo vários autores, nomeadamente Jotamont, coladeira tem
a sua origem na morna tocada num ritmo mais acelerado, resultante do entusiasmo com
que antigamente de dançavam determinadas mornas vivas e alegres.
Ao contrário da morna que viajou por quase todo o arquipélago, a coladeira fez-se numa
única ilha, São Vicente.
O funaná
O Funaná, que terá surgido, inicialmente, no meio rural da Ilha de Santiago, entretanto,
possui um ritmo muito mais acelerado que o da Coladeira e mais próximo da África,
sendo muito peculiar os instrumentos utilizados na sua execução – a Gaita ou Acordeão,
de origem europeia, e o ferrinho (um ferro sobre o qual se faz deslizar um outro ferro ou
uma faca, à semelhança de um reco-reco).
Para além de possuir um ritmo frenético e electrizante, o Funaná possui também ritmos
lentos e compassados, que são designados de Funaná-Samba e Funaná-Marcha , havendo
ainda outros ritmos como o Funaná-Valsa, o Funaná-Maxixe, etc. A letra do Funaná
retrata o quotidiano da população, a vivência ilhéu, os sentimentos e a filosofia do cabo-
verdiano, constituindo também um meio de crítica e de ridicularização de
comportamentos e atitudes.
Muitos são os autores que têm procurado explicar a origem do funaná. Para uns, o funaná
surgiu ligado à vulgarização do acordeão em Santiago. Para outros, este género musical
surgiu da junção de duas palavras, Funa e Naná. São nomes de dois grandes tocadores.
Um se chamava Funa e o outro Naná.
Na época colonial o funaná foi desprezado e considerado uma música de mau gosto e
sobreviveu no meio rural isolado, e até discriminado. O funaná é uma música de dança
que terminava, muitas vezes, em brigas.
O Finason
O finaçon é um canto singelo (simples) que está ligado ao batuque. Inicia o batuque
trazendo à baila um motivo qualquer com o propósito de criticar e dar conselhos. É
improvisado por cantadeiras da ilha de Santiago.
Com a independência nacional, verifica-se um movimento de revalorização de todas as
formas musicais existentes em Cabo Verde e o funaná foi revitalizado nos finais dos anos
70, pelo conjunto Bulimundo sob a orientação de Carlos Alberto Martins (vulgarmente
conhecido por Katchás).
O Batuque
É um género musical de origem africana, que já existe apenas em Santiago. O batuque é
um género musical de características satíricas e de desafio (canto musical seguido de
respostas tanto nos versos como na música). Que encerra críticas, censuras e zombarias.
No batuque distingue-se duas fases fundamentais: o finaçon apenas com o canto e bater de
palmas; o batuque propriamente dito com conto, cimboa, tchabeta e dança.
Numa sessão de batuque, é assim que acontecem as coisas. A festa começa com o
batuque, melhor a sambuna, e acaba com o finaçon (o finaçon é uma sucessão de
provérbios e conselhos declamados com inflexões vocais). As mulheres sentam-se em
círculo, as dançarinas ocupam o centro e colocam um pano enrolado entre as pernas. O
som é quase o mesmo. O pano substitui a percussão e marca o ritmo enquanto uma das
mulheres entoa uma melodia. Segue-se o coro do resto do grupo. Uma outra mulher entra
no meio da roda, com um pano à volta da cintura, os braços em direcção ao céu e começa
a dançar. Bate-se com mais força. É a tchabeta! A mulher mexe a cintura, cada vez com
mais força. Da ku torno! O ambiente aquece. Rapica tchabeta! A excitação é geral. As
pessoas à volta da roda gritam e aplaudem.
A Tabanka
A Tabanka, por seu lado, é fruto de uma miscigenação étnica e cultural e produto de um
sincretismo religioso e também designa o conjunto de rituais e festejos que na ilha de
Santiago celebra o ciclo dos “santos juninos” entre 3 de Maio e 29 de Junho. É uma
manifestação popular de acentuado carácter festivo e de rua, que conjuga também cântico,
música, dança e alegria, em procissões que se realizam em determinadas datas sagradas.
Reunindo tambores e búzios, cornetas e apitos, um grupo de pessoas, vestidas de forma
especial, sai em cortejo pelas ruas, marchando ou dançando ao compasso dos ritmos
sincopados dos tambores, das cornetas e dos búzios, que são acompanhados de cântico e
de coro. Mas a Tabanka, para além do seu carácter festivo, é sobretudo uma sociedade
ritualista, com uma organização sólida à volta de um princípio de vida, donde a
solidariedade, a entreajuda e coesão comunitárias se revelam como signos de uma
sabedoria popular.
O colá
Falando agora dos Colá das várias ilhas, que, no fundo, são idênticos às Tabankas da Ilha
de Santiago, é de destacar que todos eles são festas consagradas aos santos patronos de
determinadas localidades e que decorrem, normalmente, entre os meses de Maio e Julho,
com maior ênfase em Junho. Os Colá são manifestações e rituais populares, resultantes de
um sincretismo religioso, que têm tambores e apitos como instrumentos musicais e que se
fazem acompanhar de cânticos a solo e em coro, existindo, entretanto, algumas
particularidades que os diferenciam.
O colá é uma dança ao som de um tambor, que é característica dos festejos dos Santos
Populares, em que os pares dançam de braços levantados embatendo-se de frente. Daí em
crioulo chamar-se o Colá S. Jom.
Outros géneros
Para além dos géneros frisados também pode-se ainda considerar outros géneros que
fazem parte do nosso patamar cultural. Assim temos alguns géneros de cariz religioso
nomeadamente as rezas, ladainhas, vésperas, estas que foram aprendidas pela população
através do contacto com os missionários que durante a época colonial trabalharam na
evangelização desse povo. As rezas geralmente são recitadas em forma de música num
tom com pouca oscilação, normalmente em algumas festas de santos, ou ainda em
ocorrências de funerais. Do mesmo modo temos ainda as cantigas de trabalho que são
recitadas durante as lides do dia-a-dia do camponês. Estes géneros são mais frequentes nas
ilhas agrícolas, nomeadamente Santiago, Fogo, São Nicolau e Santo Antão. Contudo,
estes géneros musicais com o passar dos tempos são cada vez menos ouvidos. Ainda no
repertório cultural cabo-verdiano podemos encontrar alguns géneros com cariz
marcadamente europeu que se foram adaptando ao nosso meio. Estamos a referir ás
Marchas, Mazurcas, Valsas Polcas, boleros e Sambas e também algumas cantigas de roda
geralmente utilizadas pelas crianças nos seus momentos de lazer. Antigamente, longe das
influências dos meios audiovisuais, as cantigas de roda eram utilizados durante as
brincadeiras nocturnas das crianças em noites de luar nos seus entretenimentos. Hoje, é
muito raro encontrarmos estas brincadeiras com frequência.
3) A Gastronomia
Colorida pelas influências africanas mas incorporando alguns hábitos da cozinha
tradicional portuguesa a gastronomia caboverdeana é rica em cores e sabores. A base da
alimentação tradicional são os alimentos produzidos localmente, quase sempre
incorporando o milho.
Pratos de carne (porco, vaca, cabra e cabrito), simples ou guarnecidos com verduras, ou de
peixe garantem uma variedade de sabores. O prato nacional de referência é a catchupa,
confeccionado com carnes várias (frango, vaca, porco e enchidos) acompanhado de milho
“cochido”, feijão ou favas, batata e couve e enriquecido, por vezes, com ovos fritos ou
peixe. Também o modje Manel Antóne (cabrito) suscita as delícias dos apreciadores da
cozinha africana.
Cabo Verde, com o seu mar rico em espécies marinhas, sustenta a variedade da cozinha
cabo-verdeana proporcionando agradáveis surpresas aos apreciadores de peixe e marisco.
Nesta vertente o prato típico nacional é o caldo de peixe; o atum, peixe serra, espadarte,
garoupa, esmoregal e a moreia, são algumas das espécies mais apreciadas; percebes,
búzios, polvo e lagosta merecem destaque especial. É típico comer bafas de marisco,
apresentadas como entradas ou simples aperitivos
Entre as bebidas não se deve deixar de provar o vinho frutado do Fogo (branco e tinto), o
manecon, produzido nas encostas do vulcão, e o café cru, um dos melhores do mundo. O
famoso grogue, aguardente de cana-de-açúcar, bebida fortemente alcoólica e fabricada
ainda por métodos artesanais na ilha de Santo Antão ou em zona rurais de Santiago,
encontra-se generalizado por todo o arquipélago podendo ser adquirido em atraentes
embalagens. O pontche e os licores de frutos juntam o “grogue” aos sabores tropicais
4) Crenças e superstições
São inúmeras as crenças que circulam entre os cabo-verdianos. A “crença”, por vezes, é
definida enquanto fé religiosa, outras vezes, como uma convicção que se pode situar
noutros domínios que não o religioso e ainda, às vezes, simplesmente como crendice ou
superstição. A crença tanto pode ter carácter religioso como profano. Quanto à
superstição, pode-se dizer que o povo cabo-verdiano é extremamente supersticioso. As
formas de superstição e crenças populares são primordialmente conotadas com a tradição
africana. No entanto, o feitiço e os bruxedos também se inserem perfeitamente na cultura
popular portuguesa.
Diz-se que as crenças e as religiões terão certamente entrado em Cabo Verde com os
primeiros povoadores, em 1462. No entanto, vale a pena falar de algumas crenças que, até
há cerca de uns cinquenta anos atrás, tinham bastante força e peso social em Cabo Verde.
Estas mesmas crenças têm vindo a perder credibilidade sob o efeito da escolarização,
cristianização, progresso sociocultural e científico, modernização e do poder interventivo
dos meios de comunicação social que têm vindo a transformar as mentalidades e os
comportamentos. Assim, as crenças a que nos vamos referir são o curandeirismo, a Kórda,
a “fetíseria”, as bruxas, os espíritos ou finados (espírito de um falecido) e o “guarda-
cabeça”.
É pela intuição e de forma empírica que se faz o diagnóstico das doenças e se utilizam as
mezinhas para as curar. Em certos casos, o curandeiro socorre-se de fármacos aos quais
junta as outras substâncias. Tem havido casos em que um ou outro médico, prevendo a
impossibilidade de cura, aconselha o paciente a dirigir-se ao curandeiro. Há tempos, estas
práticas eram correntes até pela carência de médicos e de unidades sanitárias de base,
sendo consideradas como necessárias e socialmente úteis. Hoje em dia estão em
descrédito crescente porque se considera que ir a um curandeiro é manifestar ignorância.
A “fetisería” trata-se de uma prática que teve bastante peso na sociedade cabo-verdiana
até há décadas atrás. Hoje muitos deixaram de acreditar na sua existência. Existem dois
tipos: a que resulta de efeitos mágicos, a “kórda”, que já referimos, e o bruxedo ou
encantamento, de efeitos sempre maléficos. As bruxas são pessoas que, por razões tidas
como hereditárias, se diz possuírem um dom especial. Vêem-se normalmente associadas à
eclosão de certas doenças. O feiticeiro é menos temido e menos poderoso, faz feitiço
negativo em vez de curar ou ajudar . Era-se feiticeiro sem ser por vontade própria.
Acreditava-se que era por uma espécie de destino que se nascia feiticeiro. Para se
protegerem dos feiticeiros, os indivíduos recorriam a inúmeras práticas. Por exemplo, para
proteger uma criança, colocavam-se cruzes desenhadas com “leite” de babosa na testa, no
peito, nas costas, nas palmas das mãos e nas plantas dos pés.
Ainda hoje em dia, alguns acreditam em feiticeiros que podem fazer o bem ou o mal, em
curandeiros que curam, em bruxas e em almas do outro mundo. Pensa-se que são
sobretudo as pessoas da ilha de Santiago, as mais ligadas a estas crenças.
5) Jogos tradicionais
Os jogos tradicionais têm por fim o prazer lúdico, aliado a uma maneira de ocupar os
tempos livres, diferindo-se consoante as diversas camadas etárias e sexos, cujos membros
executam tarefas conforme a habilidade específica exigida para cada caso, principalmente
no intuito de exercitar o corpo, pôr em confronto determinada destreza, desenvolver a
mente através da aprendizagem, etc. Habitualmente alguns jogos implicam a manipulação
de objectos culturais (cordas, dados, aparelhos, etc.), que são muito diferentes daqueles
com a classificação genérica de “brinquedos” (bonecas de trapos, bolas, piões, miniaturas,
cavalos de cana de carriço, peças feitas com o carolo do milho, carros de madeira e de
lata, papagaios de papel, etc.). Executados pelas crianças e jovens, contam-se as
brincadeiras de roda, apodos e apelidos usados na gíria da pequenada, jogos de
escondidas, a luta entre os rapazes, os jogos de malha, as fundas, fisgas, atiradeiras,
armadilhas para apanhar pássaros, etc. Grande parte dos brinquedos tradicionais são
confeccionados pelas próprias crianças a partir de embalagens perdidas (latas vazias,
arames, etc.), numa clara amostra da sua destreza, engenho e técnica.
6) As cantigas tradicionais
Nas ilhas agrícolas, nomeadamente Santo Antão, São Nicolau. Santiago, Fogo e Brava,
onde o homem cuida da terra que lhe dá o pão para o seu sustento, decerto à custa de
dificuldades várias, iremos encontrar as cantigas agrícolas umas vezes doloridas outras
alegres.
São as dolentes e plácidas Toadas de Aboio (“colá boi”) em que o homem acompanha o
boi ligado ao “trapiche” preso ao seu destino. São melodias verdadeiramente plangentes e
profundas, muitas vezes em gama pentatónica, em Santo Antão e na Brava. Nesta última o
canto não está ligado ao “trapiche” mas sim às épocas de “monda” e tomam o nome de
Bombena.
No livro Cantigas de Trabalho, Osvaldo Osório escreve: “Este canto é usado mais
precisamente na altura da plantação da batata doce”. E acrescenta: “[…] estas cantigas
normalmente nostálgicas e cujos motivos são a saudade e o amor, a despedida para a terra
longe, chegam a ser uma forma de emulação no trabalho”.
Às vezes estes cantos têm uma estrutura melódica mais ou menos elaborada, com
intervalos não muito grandes e, outras vezes, são verdadeiros cantos recitativos, ou então,
frases declamadas com nuances expressivas que hoje, com a falta de chuva, já quase não
são cantadas. Para além dessas cantigas de trabalho ligadas à terra, existiam também,
embora numa escala reduzida, Cantigas Marítimas que retratavam fielmente a fisionomia
do caboverdeano; o género de ocupação e a sua dependência e ligação com o mar.
As Cantigas de Ninar, outrora muito cantadas pelas avós, serviam para adormecer os
netinhos. Estes adormeciam embalados pela seguinte cantilena que mais não passava de
um ostinato melódico no compasso binário, hoje quase esquecida.
Outro género cultivado em Cabo Verde com tendência para o esquecimento, diz respeito à
geração infantil. Aqui encontramos as Cantigas de Roda e as Lenga-Lengas cantadas, ou
em forma de jogos rítmicos, com percussão corporal.
cultura cabo-verdiana →
O legado africano.
Da passagem e permanência de escravos africanos, ficou-nos, uma importante herança
que não se pode reduzir a insignificantes salpicos perfeitamente superáveis e episódicos.
“Na ternura, na minica excessiva, no catolicismo em que de se deliciam nossos sentidos,
na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão
sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra” (FREYRE, 2003:
367).
Pode-se concluir que, apesar de não ser predominante, o negro está geneticamente
presente no homem mestiço cabo-verdiano.
Embora desprestigiada pela escravidão que impedia o negro de manifestar os seus valores
culturais autênticos, em virtude da asfixia cultural a que foi submetido durante séculos
pelo poder colonial, verifica-se um conjunto de traços e valores culturais que, apesar de
terem sido adulterados, denunciam a sua remota origem africana. Alguns perfeitamente
integrados na cultura nacional, outros figurando apenas na cultura regional de algumas
ilhas.
O legado português.
Dos traços da cultura portuguesa com mais presença na cultura cabo-verdiana, resultante
da pressão cultural encetada pela dominação colonial, podem-se apontar: no plano
urbanístico e estético – arquitectónico, visível nos sobrados, nas casas coloniais, nas
igrejas e Câmaras Municipais, bem como a disposição das praças e ruas com calçadas
portuguesas e nomes como Sacadura Cabral, Gago Coutinho, Camões etc; na habitação
rural feita de pedra e barro, ao estilo das rústicas habitações do interior de Portugal; no
domínio da produção e expressão literária, verifica-se alguma adaptação à literatura
portuguesa, quer a nível da ficção, como da poesia; nos monumentos, estátuas e bustos
construídos em homenagens às grandes personalidades lusas; nas práticas religiosas, nas
quais irrompe a hegemonia do catolicismo português, através das procissões de Páscoa,
Nossa Senhora da Graça, nos festejos dos Santos populares (Santo António, São João); na
estrutura familiar que obedece aos padrões da civilização lusa, isto é, acentuadamente
patriarcal e monogâmica; no sistema de trabalho rural e regime de propriedade (as
técnicas de cultivo, o regime de arrendamento ou de parceria, o binómio proprietário
rendeiro). Podem-se referir ainda como tradição que veio de Portugal a corrida de navios
realizada na época dos festejos dos santos populares em que um grupo de pessoas vestidas
de marinheiros, e transportando réplicas de navios feitos de fibra, ao som de tambores e
apitos, imitando o bordejar de um barco, invocando o regresso ou a saída das caravelas
portuguesas da época dos descobrimentos; as corridas de argolinha e as corridas de
cavalos, reminiscência dos torneios medievais; e como não podia deixar de ser, a
incontornável presença da língua portuguesa no sistema morfológico e lexical do crioulo
cabo-verdiano. Estas são algumas das âncoras culturais lusas mais visíveis na cultura
cabo-verdiana. […].
Documento 4
Identidade
Para António Perotti (1997), Identidade é a maneira como os indivíduos e os grupos se
revêm e se definem nas suas semelhanças e diferenças relativamente a outros indivíduos e
grupos.
Este autor salienta que, o termo, quando aplicado ao indivíduo, encerra dois sentidos. O
primeiro diz respeito ao «conceito de identidade», que tem sobretudo um significado de
ordem psicológica. A identidade liga-se, assim, à percepção que cada indivíduo tem de si
próprio, isto é, da sua própria consciência enquanto pessoa na relação com outros
indivíduos, com os quais forma um grupo social (a família, as associações, a sua própria
nação).
Esta percepção de identidade não existe sem o reconhecimento recíproco entre o indivíduo
e a sociedade, o segundo sentido. Assim, a identidade comporta um aspecto subjectivo (a
percepção da autoidentificação e da continuidade da própria existência do indivíduo no
tempo e no espaço) e um aspecto relacional e colectivo (a percepção de que os outros lhe
reconhecem essa identificação e continuidade).
Documento 5
Identidade cultural
A identidade cultural refere-se ao patrimônio histórico-cultural de um grupo ou de uma
sociedade que a singulariza, diferenciando-o de outros grupos ou sociedades. O
património cultural compõe-se de todos os elementos culturais produzidos por um povo:
suas artes, sua literatura, sua filosofia, seus costumes, seus monumentos, arquitetura etc.,
bem como as produções de ordem coletiva e de natureza imaterial como as tradições orais,
a medicina tradicional, os contos populares e demais narrativas que compõem a memória
coletiva. Vincula-se à identidade cultural a memória histórica desses grupos ou sociedades
em constante contato cultural com outros grupos e sociedades e com suas respectivas
culturas que dinamizam o seu processo de crescimento e de desenvolvimento. Sendo
assim, a preservação do patrimônio cultural de um povo preserva seus vínculos e a
memória em relação ao seu passado, contribuindo para a afirmação e promoção de sua
identidade cultural.
Stuart Hall também destaca o caráter não fixo da identidade cultural, sendo que ela está
em constante processo em razão das interações socioculturais e do intercâmbio económico
e cultural no mundo globalizado. Para ele, a identidade é continuamente formada e
transformada em relação às formas com que somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam e “o próprio processo de identificação, através do qual
nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se provisório” (HALL, 2006, p.
13). No mundo moderno, as culturas nacionais se constituem em uma das principais
fontes da identidade cultural que, todavia, está exposta a constantes mudanças, já que não
são impermeáveis. Para o teórico, a globalização está deslocando as identidades nacionais,
em algumas vezes até começa a apaga-las. Explica Stuart Hall: […] à medida em que as
culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as
identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do
bombardeamento e da infiltração cultural (HALL, 2006, p. 74).
Também, durante muito tempo, devido à sua posição geoestratégica, Cabo Verde vai
permitir o cruzamento das grandes rotas do comércio triangular e do tráfico de escravos,
possibilitando contactos de diversos povos com culturas diferentes.
Os escravos ao serem trazidos para Cabo Verde eram usados como moedas de troca e no
povoamento das ilhas. Desta forma haverá aculturações devido ao cruzamento da cultura
europeia com a das diversas etnias africanas.
Apesar de cada grupo tentar preservar a sua cultura vai haver alienações motivadas pela
forma como se deu o povoamento e pelo próprio espaço físico. Devido ao referido
anteriormente, muitas práticas tanto europeias como africanas, tornam-se de difícil
realização por estarem longe do seu ambiente. Por exemplo os portugueses tinham os seus
próprios hábitos alimentares, e mesmo que mandassem vir os alimentos do reino quem os
preparavam eram as mulheres africanas, à moda delas. Mesmo que o branco se revoltasse
era obrigado a adaptar-se.
Apesar de haver essa convivência cultural, o grupo menos coercivo vai ser os africanos,
uma vez que eram constituídos por grupos de etnias diferentes (Jalofos, Mendingas,
Balantas, Beafares, Bijagós, etc), espalhados por várias localidades, perdendo assim a
ligação com o seu ambiente, e consequentemente os seus hábitos e costumes. Para eles era
uma perda da identidade, visto que estando longe e em número reduzido seria difícil uma
resistência para manter viva as suas tradições culturais.
Nos séculos XVI e XVIII nota-se uma afluência dos colonos das ilhas para os rios da
Guiné em serviço dos interesses económicos da metrópole, permitindo a ascensão social
dos mestiços. Isto provoca uma diminuição de choques entre as duas comunidades, até
que pouco a pouco, os poucos brancos foram crioulizando-se, assimilando os hábitos e
comportamentos do africano.
Segundo Dulce Almada “o facto de não termos sido uma colónia de povoamento, mas um
entreposto de escravos não permitiu uma concentração muito grande de escravos da
mesma etnia nas ilhas. Daí que o continente africano não tenha deixado aqui esse”apport”
cultural maciço e palpável (…). Da mesma forma tão pouco a cultura portuguesa pode
marcar entre nós uma presença suficientemente forte para se impor à sociedade como
padrão.”[1]
Podemos concluir das palavras de Dulce Almada que a cultura Cabo-verdiana formou-se
da fusão da cultura africana com a europeia.
Com base em todos os elementos referidos, desenvolveu-se uma cultura própria de Cabo
Verde, que se manifesta em vários domínios, permitindo a sua identificação e
diferenciação em relação a outras culturas.
O processo de miscigenação
24JAN
O processo de miscigenação
No processo de formação do homem cabo-verdiano, a miscigenação aparece como factor
fundamental.
Miscigenação é o cruzamento de raças humanas diferentes. Por outras palavras, a
miscigenação é a consequência da união sexual entre pessoas com tipos rácicos diferentes.
Desse processo, também chamado mestiçagem ou caldeamento, pode-se dizer que
caracteriza a evolução do homem. O indivíduo resultante desse processo é designado de
mestiço. Neste sentido, mestiços são pessoas que descendem de duas ou mais raças
humanas diferentes, possuindo características de cada uma das “raças” de que descendem.
No caso específico das ilhas de Cabo Verde, «achadas» desertas, o povoamento pôs em
contacto dois elementos raciais e culturais diferentes: o branco e o negro, que de cruzaram
desde a primeira hora. Em presença um do outro, sob pressão de factores vários,
nomeadamente, a carência de mulheres brancas, a facilidade de relacionamento do
português, as relações havidas entre homens brancos e mulheres negras, a orografia das
ilhas e a mobilidade dos primeiros comerciantes, fundiram-se dando origem ao homem
crioulo, cum uma língua de comunicação e uma cultura próprias (Mariano, 1959).
Os costumes quase patriarcais das famílias povoadoras, o influxo da religião que irmanava
senhores e escravos, a solidariedade vivamente despertada ante o desconhecido e perante
os frequentes ataques dos corsários, de um lado e de outro, a maviosidade e a dedicação
extremas da raça cativa facilitaram extraordinariamente a sua assimilação (Pedro Cardoso,
1934).
Por outro lado, a história económica e social de Cabo Verde ~o regime latifundiário,
aplicado em Santiago, e o regime minifundiário, aplicado nas outras ilhas – terá
determinado as características da miscigenação que em parte definem a fisionomia própria
do homem cabo-verdiano (João Lopes Filho, 1936).
Segundo o censo de 1807, apesar da crise de 1773-1775, que provocara 22.000 mortos, a
população aumentara para 58.431 habitantes, em que apenas 3% era constituído por
brancos, sendo 41% mulatos e 55% pretos, entre escravos e forros.
Documento 3
A miscigenação em Cabo Verde
A fixação dos colonos, e dos africanos (escravos e homens livres) no arquipélago de Cabo
Verde, permitiu que a estruturação social, económica e administrativa cabo-verdiana se
tornasse uma realidade.
Como resultado desta miscigenação, surge o mestiço que passou a ser um importante
elemento na divulgação e afirmação da identidade e cultural cabo-verdiana.
by RickingMSGo
Disponível em: https://pt.scribd.com/user/138197352/RickingMSGo
Enquadrado nessa ideologia colonial, algumas potências coloniais adoptaram uma política
colonial de assimilação ou política assimilacionista para as suas colónias. Foi o caso de
Portugal que elaborou e implementou a sua política assimilacionista junto das populações
das suas possessões coloniais. Antes de se conhecer os fundamentos e os objectivos dessa
política, convém perceber o que é assimilação e em que consiste o conceito de política
assimilacionista.
Neste sentido, foi publicado um conjunto de dispositivos legais que culmina com o Ato
Colonial (1930) e com a Carta Orgânica do Império Colonial Português (1933). O Ato
Colonial define um quadro jurídico-institucional geral de uma nova política para os
territórios sob dominação portuguesa. A política cultural de assimilação, defendida,
sobretudo por Portugal tinha por objetivo “converter”, de forma gradual, o “homem
africano” em “europeu”, o que significava em linhas gerais que toda a organização interna
das colônias, o direito consuetudinário e as culturas locais deveriam ser então
modificadas.
A palavra indígena – que provém do latim, que significa «o que é natural do lugar ou país
que habita; aborígene; autóctone (seja homem animal ou planta). Para os colonialistas
portugueses da época, o termo serve para designar, «o preto boçal», atribuindo a ele
categorias de inferior’’ ‘’atrasado’’ ou ‘’primitivo’’, são o exemplo da forma como era
caracterizado o nativo indígena africano de Angola, Guiné e Moçambique.
Segundo o «Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e
Moçambique», aprovado por Decreto-lei de 20 de Maio de 1954, consignava as
modalidades segundo as quais qualquer «indígena» das colónias portuguesas podia ser
«elevado» à condição de «assimilado».
Após conseguir provar que era um “assimilado” seria conferido, pelos administradores de
Conselho ou Circunscrições, uma certidão de identidade, instrumento indispensável para
que eles pudessem conseguir determinados tipos de trabalhos, principalmente na
administração pública, bem como obter a carteira de motorista, aumentando assim sua
possibilidade de ascender socialmente.
Eles tinham que pagar mais impostos do que os “indígenas”, mas podiam ocupar baixos
cargos na administração colonial e eram dispensados do trabalho “voluntário”, extensível
e compulsório a todos os “indígenas”. Podiam acessar tribunais regulares e ao menos em
tese tinham direitos iguais aos dos europeus. Mas mesmo assim continuavam a ser
tratados como “[…] cidadãos de segunda classe, alvos de preconceito racial, econômico e
social”