Inventário de Depressão Infantil (CDI) : Análise Dos Parâmetros Psicométricos
Inventário de Depressão Infantil (CDI) : Análise Dos Parâmetros Psicométricos
Inventário de Depressão Infantil (CDI) : Análise Dos Parâmetros Psicométricos
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi analisar os parâmetros psicométricos da
versão brasileira reduzida do Inventário de Depressão Infantil – CDI e de sua
versão original. Do Estudo 1, participaram 169 escolares da 3ª, 4ª e 5ª série, do
ensino fundamental de escola pública. A análise fatorial apontou a presença de
cinco fatores que explicavam 49,6% da variância total e obteve-se um Alfa de
Cronbach de α=0,73. Do Estudo 2, participaram 157 alunos de 3ª e 4ª série do
ensino fundamental de uma escola pública. A análise fatorial exploratória revelou
também cinco fatores que explicavam 43,9% da variância total com um Alfa de
Cronbach de α=0,80. Todavia, em ambos os estudos, os itens dos fatores ainda
não se mostraram ajustados no que se refere à separação dos aspectos cognitivos,
afetivos, motivacionais e comportamentais envolvidos no construto depressão
infantil, o que deve constituir-se em um desafio para os estudiosos do tema.
Palavras-chave: avaliação psicológica; psicometria; escalas de auto-relato;
depressão infantil.
4th and 5th grades of a public school in Campinas. The factor analysis in Study 1
identified five factors explaining 49,6% of the total variance and the Cronbach
coefficient was 0,73. In Study 2, 157 students of 3rd and 4th grade of a public
school in Campinas took part. Five factors explaining 43,9% of the variance also
emerged from the factor analysis of Study 2. The Cronbach coefficient was 0.80.
Nonetheless, in both studies, the cognitive, affective, motivational, and behavioral
components of the construct child depression were not evinced. This should be a
challenge which remains to be addressed by future research.
ESTUDO 1
MÉTODO
Participantes
A amostra foi composta de 169 crianças, de ambos os sexos e em idade
escolar, mais precisamente cursando a 3a, a 4a e a 5a série do ensino fundamental.
A faixa etária dos participantes variou de 8 a 15 anos (M= 9,79 e DP= 1,57). Dos
169 alunos, 69 crianças (40,8%) freqüentavam a 3a série, outras 69 (40,8%), a 4a
série, e, 31 (18,3%) estudavam na 5a série. 58% dos alunos eram do sexo mascu-
lino e 41,4% do sexo feminino. A maioria dos estudantes (73%) não era repetente,
enquanto 26,6% deles eram repetentes. As crianças eram residentes na cidade de
Campinas-SP e freqüentavam uma escola pública municipal.
Procedimento
Para a coleta de dados foram seguidos os padrões éticos necessários à re-
alização de pesquisa com humanos, conforme a Resolução 196/96 do Ministério
da Saúde. Assim, só foram incluídos no presente estudo os alunos cujos pais ou
responsáveis assinaram o termo de consentimento esclarecido.
A aplicação do CDI foi realizada em pequenos grupos de, no máximo,
quatro crianças e em apenas uma única entrevista conduzida durante o horário
escolar. Os itens do CDI foram gravados em fita cassete, de forma que não
existisse a interferência do pesquisador. As instruções e as questões do CDI
foram ouvidas pelos alunos, que utilizaram aproxidamente 15 minutos para
responder o instrumento. As crianças foram orientadas sobre como preencher
o inventário e, caso tivessem dúvidas, deveriam levantar a mão para que as
mesmas fossem esclarecidas.
INSTRUMENTO
Conforme mencionado anteriormente, empregou-se o CDI validado para
o Brasil por Gouveia et al. (1995). A versão brasileira é composta por 20 itens
que avaliam sintomas afetivos, cognitivos e comportamentais da depressão em
crianças e adolescentes. Cada item possui três alternativas de resposta e a corre-
ção varia em uma escala de 0 (ausência de sintoma), 1 (presença do sintoma), e 2
pontos (sintoma grave). O respondente é orientado a selecionar a alternativa que
melhor descreve seus sentimentos durante as duas últimas semanas.
No presente estudo, o CDI foi composto por 19 questões, uma vez que se
optou pela retirada do item 9, que avalia a ideação suicida. Tendo em vista que o
suicídio em crianças é uma condição pouco freqüente (CASSORLA, 1987) e que
a depressão pode ou não estar associada ao suicídio (MENDELS, 1972) e, ainda,
considerando que a idéia do suicídio consiste em apenas um dos sintomas da
depressão, acreditou-se ser mais adequada a retirada dessa questão. Assim como
para Weisz et al. (1997), a omissão desse item teve a finalidade de evitar que os
participantes pudessem se abalar emocionalmente.
Gouveia et al. (1995) definiram que o ponto de corte no CDI seria 17 pon-
tos, de forma que a criança com pontuação igual ou superior a 17 pontos deverá
merecer atenção, uma vez que tal resultado pode indicar um provável depressivo.
Em função da retirada de uma questão no CDI, no presente estudo, o ponto de
corte foi recalculado, passando para 16.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em um primeiro momento, foram aplicadas provas de estatística descritiva
nas respostas obtidas. Assim, os dados referentes à média e desvio-padrão do CDI
separados pelas variáveis série escolar e gênero são apresentados na Tabela 1.
constado que gênero, idade e série escolar não influenciaram os escores do CDI.
Já na investigação de Golfeto et al. (2002) foram encontradas diferenças signifi-
cativas para a idade, mas não para o sexo.
Para verificar se haveria a possibilidade de realizar a análise fatorial, realizou-
se o Teste de Esfericidade de Bartlett, que indicou uma correlação entre os itens (χ2
[171, N = 169] = 555,030; p < 0,001), demonstrando que a matriz de correlação era
apropriada para o modelo fatorial. A medida de adequação da amostra foi averigua-
da pelo índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que foi de 0,705, valor considerado
regular para a extração de fatores, especialmente porque o resultado apresentou signi-
ficância estatística. A análise fatorial por componentes principais revelou a presença
de cinco fatores, explicando, respectivamente, 19,1%, 9,6%, 7,9%, 6,6%, 6,4% da
variância total. O conjunto dos fatores explicou 49,6% da variância. Considerando-
se o construto analisado, escolheu-se a rotação varimax, visando-se à maximização
da variância nos eixos e à obtenção de um padrão de cargas o mais diferente possí-
vel entre os fatores obtidos, em razão da interpretação pretendida. A distribuição dos
componentes, após a rotação, pode ser vista na Tabela 2.
TABELA 2. Cargas fatoriais dos itens do CDI após a rotação Varimax
de 0,62; 0,53; 0,49; 0,44; 0,49. Verifica-se que a maioria dos fatores apresenta
índices abaixo do nível de α = 0,60, que é o mínimo aceitável. Como esperado,
em razão do maior número de itens, a consistência total da escala alcançou um
índice mais elevado de α = 0,73.
No presente estudo, a análise fatorial revelou a presença de cinco fatores
que, quando avaliados separadamente, apresentaram baixa consistência interna
e não evidenciaram claramente os aspectos cognitivos, afetivos, motivacionais e
comportamentais envolvidos no construto da depressão infantil, como aponta a
literatura (BECK et al., 1997; KOVACS, 1992).
A Tabela 3 apresenta uma descrição comparativa dos resultados da análise
fatorial encontrada no Estudo 1 e nos demais estudos nacionais, empregando a
versão reduzida do CDI.
ESTUDO 2
MÉTODO
Participantes
A amostra do segundo estudo foi composta de 157 estudantes de 3a e 4a
séries do ensino fundamental, de ambos os sexos e com idade entre 8 a 12 anos
(M = 9,04; DP = 0,81). A maioria dos alunos (55,4%) era do sexo feminino e
44,6% do sexo masculino. No que se refere à escolaridade, 85 alunos (54,1%)
freqüentavam a 3ª série e 72 (45,9%) estavam na 4ª série. Quanto à repetência
escolar, verificou-se que 146 alunos (93%) eram não repetentes e 11 estudantes
(7%) eram repetentes. Todos os participantes viviam na cidade de Campinas/SP e
estudavam em uma escola pública municipal.
PROCEDIMENTO
A coleta de dados foi iniciada após a autorização da escola e o consenti-
mento dos pais ou responsáveis. Cabe ressaltar que, tal como no Estudo 1, todos
os cuidados éticos foram tomados (BRASIL, 1996). A administração do CDI foi
coletiva e ocorreu em sala de aula com a presença de uma média de 20 alunos e o
tempo médio de aplicação foi de 20 minutos.
INSTRUMENTOS
Empregou-se, no Estudo 2, o Inventário de Depressão Infantil (CDI) de-
senvolvido por Kovacs (1992). Essa versão do CDI é constituída por 27 itens
que avaliam sintomas afetivos, cognitivos e comportamentais da depressão. Tal
como na versão brasileira do CDI, os itens são oferecidos em três alternativas,
atribuindo-se 0 para a ausência do sintoma, 1 ponto para a presença do sintoma
e 2 para o sintoma agravado. Da mesma forma que no Estudo 1, na presente in-
vestigação, optou-se pela retirada do item 9 que avalia a intenção de suicídio, de
forma que o inventário ficou composto por 26 itens no total. O ponto de corte do
presente estudo também foi o de 17 pontos, como tem sido o critério emprega-
do pela maioria dos estudos nacionais (BAHLS, 2002, BAPTISTA; GOLFETO,
2000; GOUVEIA et al., 1995; HALLAK, 2001; FONSECA, M.; FERREIRA;
FONSECA, S., 2005).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Recorreu-se à estatística descritiva para a análise das respostas obtidas. Os
resultados a respeito da média e desvio-padrão dos escores no CDI em relação às
variáveis demográficas podem ser visualizados na Tabela 4.
Observou-se nos resultados obtidos que a média obtida no CDI foi 9,39 e
desvio-padrão de 6,45. Os participantes apresentaram um valor mínimo de 0 e
um valor máximo igual a 30 pontos no CDI. Foi possível constatar que a média
e desvio-padrão dos participantes do Estudo 2 foi mais elevada que a média dos
participantes do Estudo 1, sendo o primeiro conduzido em 2001 e o segundo no
início de 2005. Dessa forma, é possível aventar-se hipóteses, tais como: (a) com
o passar do tempo o número de crianças com sintomatologia depressiva esteja
aumentado? (b) o instrumento empregado no segundo estudo é mais sensível na
identificação de crianças com sintomas de depressão?
Tal como no Estudo 1, as meninas tiveram as médias pontuações mais ele-
vadas no CDI do que os meninos. No entanto, o resultado do teste t também não
apontou diferenças significativas entre ambos os sexos (t = -1,215; p = 0,226).
Embora os participantes da 3ª série tenham mostrado mais sintomas de depressão
que os da 4ª série, o teste t também não revelou diferenças significativas entre os
grupos da 3ª e 4ª série (t = 1,392; p = 0,166).
Para verificar se haveria a possibilidade de aplicar a análise fatorial, reali-
zou-se o Teste de Esfericidade de Bartlett, que indicou uma correlação entre os
itens (χ2 [325, N = 157] = 890,756; p < 0,001). A medida de adequação da amostra
foi averiguada pelo índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e foi de 0,705. Consi-
derando a adequação do resultado de KMO e o nível estatisticamente significa-
tivo do Teste de Barlett, decidiu-se pelo emprego da análise fatorial exploratória
também no Estudo 2. Assim como no Estudo 1, e pelas mesmas razões, o método
de rotação utilizado foi o varimax. As análises revelaram a presença de cinco
fatores, tal como ilustrado na Tabela 5.
conclui que o coeficiente variou de 0,71 a 0,89, indicando uma aceitável consis-
tência interna do instrumento em questão. Os resultados obtidos nos Estudos 1 e
2 encontram-se dentro dessa faixa.
A Tabela 6 apresenta uma análise comparativa dos fatores encontrados no
Estudo 2 e nos demais estudos que utilizaram a versão original do CDI.
TABELA 6. Análise comparativa da configuração encontrada dos itens
nos fatores no Estudo 2 em relação os demais estudos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora a literatura aponte que a depressão infantil não é um construto uni-
dimensional, podendo ser explicado por vários fatores (KOVACS, 1992), a análi-
se fatorial do CDI em crianças brasileiras tem sugerido que o inventário pode ser
unifatorial, uma vez que foi baixo o índice de consistência interna de cada fator
avaliado isoladamente (GOUVEIA et al., 1995; GOLFETO et al., 2002).
Pelos resultados obtidos nos Estudos 1 e 2, é possível constatar que o CDI
pode ser um instrumento que possui condições de realizar o reconhecimento e a
triagem de crianças com sintomas depressivos. Entretanto, a versão original do
CDI apresentou um índice mais alto de consistência interna, quando comparada à
versão reduzida do instrumento. Recomenda-se, portanto, que novos estudos se-
jam feitos com a versão original, por esta mostrar uma configuração mais ajustada
para identificar crianças com sintomatologia depressiva. Vale ressaltar, entretanto,
a considerável controvérsia existente no que concerne à sua estrutura fatorial.
Pode-se formular a hipótese de que talvez a presença de algumas variáveis
nos Estudos 1 e 2 possam ter contribuído para se encontrarem resultados dife-
rentes nas duas pesquisas. As amostras foram distintas e a coleta de dados foi
realizada em escolas públicas, porém em escolas diferentes. A maneira como o
CDI foi aplicado também variou de um estudo para outro. Enquanto no Estudo 1
a aplicação do CDI foi em grupos de 3 a 4 alunos, no Estudo 2, o inventário foi
aplicado em grupos de 20 alunos. É possível que essas variáveis possam explicar
as diferenças nos resultados obtidos quanto à consistência interna do CDI, bem
como quanto à estrutura fatorial da escala.
Além disso, os dados indicam que a versão original desenvolvida por Ko-
vacs (1992) apresenta melhores índices de consistência interna. Parece claro que
o número de itens pode interferir nesse resultado, uma vez que o CDI original
apresenta um número maior de itens (27 itens) que a versão adaptada para o Bra-
sil, formada por 20 questões. Sugere-se que novos estudos sejam conduzidos para
que ocorra maior aperfeiçoamento do instrumento brasileiro.
Cabe ressaltar, ainda, que pedir a uma criança que selecione a melhor al-
ternativa que descreva seus sentimentos nas duas últimas semanas pode ser uma
tarefa complexa. Dependendo da faixa etária, pode ser difícil para a criança ava-
liar seus sentimentos e, sobretudo, avaliar nos últimos 15 dias. Seria interessante
que novos estudos investigassem essa questão, solicitando que as crianças sele-
cionassem a melhor alternativa que descrevesse seus sentimentos num intervalo
menor de tempo (última semana). Recomenda-se também que sejam realizados
estudos de fidedignidade que contemplem a possibilidade de uma análise por
teste e re-teste, com base na qual seria avaliada a magnitude do erro e a aparente
instabilidade das inferências que têm sido feitas dos escores obtidos.
É essencial a realização de futuras investigações, principalmente pesqui-
sas conduzidas com crianças brasileiras e com amostras maiores e mais repre-
sentativas. Fazem-se necessárias pesquisas que possam não só precisar melhor
as propriedades psicométricas do CDI, mas também que visem ao refinamento
dos itens e a uma melhor definição deste construto em nosso meio. A compo-
sição dos fatores identificados nas investigações nacionais difere consideravel-
mente não só do presente estudo, mas também entre si. Esta pesquisa aponta
para a configuração de diferentes tipos de itens que aparecem, ora como fatores
isolados, ora combinados.
REFERÊNCIAS
AJURIAGUERRA, J. Manual de Psiquiatria Infantil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Masson do Brasil, 1976.
FRISTAD, M.A.; EMERY, B.L.; BECK, S.J. Use and abuse of the children’s
Depression Inventory. Journal of consulting and clinical psychology. USA, v. 65,
n. 4, p. 699-702, 1997.