Calcificação
Calcificação
Calcificação
Calcificação Patológica
A calcificação patológica é a deposição anormal de sais de cálcio nos tecidos,
junto com quantidades menores de ferro, magnésio e outros sais minerais. Há
duas formas de calcificação patológica. Quando a deposição ocorre localmente
em tecidos mortos, é conhecida como calcificação distrófica; ela ocorre apesar
de níveis séricos de cálcio normais e na ausência de alterações no metabolismo
do cálcio. Em contraste, a deposição de sais de cálcio em tecidos normais é
conhecida como calcificação metastática, e quase sempre resulta da
hipercalcemia secundária a algum desequilíbrio no metabolismo do cálcio.
Calcificação Distrófica
A calcificação distrófica é encontrada em áreas de necrose, sejam elas do tipo
coagulativa, caseosa ou liquefativa, e em focos de necrose enzimática da
gordura. A calcificação quase sempre está presente nos ateromas da
aterosclerose avançada. Também se desenvolve comumente nas valvas
cardíacas envelhecidas ou danificadas, dificultando ainda mais a sua função.
Qualquer que seja o local da deposição, os sais de cálcio aparecem
macroscopicamente como delicados grânulos ou grumos brancos, muitas vezes
palpáveis como depósitos arenosos. Às vezes, um linfonodo tuberculoso é
praticamente convertido em pedra.
Embora a calcificação distrófica seja simplesmente um sinal indicador de lesão
celular prévia, ela, com frequência, é causa de disfunção do órgão. Este é o
caso na doença valvar calcificada e na aterosclerose, como ficará claro na
discussão posterior dessas doenças. O cálcio sérico é normal na calcificação
distrófica.
Calcificação Metastática
A calcificação metastática ocorre nos tecidos normais sempre que há
hipercalcemia. A hipercalcemia também acentua a calcificação distrófica. Há
quatro causas principais de hipercalcemia: (1) aumento da secreção do
paratormônio (PTH) com subsequente reabsorção óssea, como no
hiperparatireoidismo devido a tumores das paratireoides, e secreção ectópica de
proteína relacionada ao PTH por tumores malignos ( destruição de tecido ósseo,
decorrente de tumores primários da medula óssea (p. ex., mieloma múltiplo,
leucemia) ou metástases esqueléticas disseminadas (p. ex., câncer de mama),
remodelamento ósseo acelerado (p. ex., doença de Paget) ou imobilização; (3)
distúrbios relacionados à vitamina D, incluindo intoxicação por vitamina D,
sarcoidose (na qual macrófagos ativam um precursor da vitamina D) e
hipercalcemia idiopática da lactância (síndrome de Williams), caracterizada por
sensibilidade anormal à vitamina D, e insuficiência renal, que causa retenção de
fosfato, provocando hiperparatireoidismo
secundário. Causas menos comuns incluem intoxicação por alumínio, que
ocorre em pacientes sob diálise renal crônica, e na síndrome leite-álcali, que
resulta da ingestão excessiva de cálcio e antiácidos absorvíveis como o leite ou
carbonato de cálcio.
A calcificação metastática pode ocorrer em qualquer lugar do corpo, mas afeta
principalmente os tecidos intersticiais da mucosa gástrica, rins, pulmões, artérias
sistêmicas e veias pulmonares. Embora em localização bastante diferente, todos
esses tecidos excretam ácido e, portanto, têm um compartimento interno alcalino
que os predispõe à calcificação metastática. Em todos esses locais, os sais de
cálcio morfologicamente se assemelham aos descritos na calcificação distrófica.
Assim, eles ocorrem como depósitos amorfos não cristalinos ou, em outras
vezes, como cristais de hidroxiapatita.
Em geral esses sais minerais não causam disfunção clínica, mas,
ocasionalmente, o envolvimento maciço dos pulmões produz achados
radiográficos e comprometimento respiratório notáveis. Depósitos maciços no
rim (nefrocalcinose) podem, com o tempo, causar lesão renal.
Calcificação distrofica
Calcificação distrófica é a que resulta de modificação local nos tecidos (o termo
distrofia significa alteração produzida por "nutrição anormal': remetendo à ideia
de uma alteração tecidual prévia). Várias modificações celulares ou teciduais
favorecem a nucleação e a precipitação de cristais de cálcio.
Restos necróticos são particularmente suscetíveis de deposição de cálcio, que
ocorre sobretudo em locais com necrose caseosa, necrose de coagulação e
necrose gordurosa. Calcificação associada a esteatonecrose encontrada na
pancreatite aguda resulta da combinação de cálcio com ácidos graxos liberados
por ação da lipase pancreática sobre triglicerídeos. Infartos (necrose isquêmica)
de vários órgãos também podem calcificar-se. Áreas de necrose caseosa na
tuberculose frequentemente se calcificam. Além de tecidos necróticos,
calcificação aparece também em cicatrizes, em ateromas e em cartilagens.
Trombos venosos podem se calcificar, formando flebólitos. Em certos órgãos,
como pâncreas e glândula salivar, secreções em duetos podem calcificar-se, por
vezes causando obstrução ductal. Calcificação de fetos mortos retidos produz
litopédio.
Muitos tumores são propensos a uma forma peculiar de calcificação- psamomas,
comuns no carcinoma papilar da tireoide, no adenocarcinoma seroso papilífero
do ovário e em meningiomas.
Em tecidos necróticos, a deposição de cálcio ocorre de maneira gradativa,
iniciando-se por pequenos grânulos basofílicos periféricos, que às vezes
apresentam aspecto em alvo ( calcosferitas ), resultantes da deposição
concêntrica de cristais de hidroxiapatita. A medida que mais cálcio se deposita,
esses grânulos coalescem e formam faixas que se estendem gradativamente ao
centro da lesão.
Os mecanismos propostos para explicar a formação de depósitos de cálcio
incluem: (1) exposição de núcleos primários; (2) aumento local na concentração
de fosfato e/ou de cálcio; (3) remoção de inibidores de calcificação. Exposição
de núcleos primários parece ser necessária para iniciação da calcificação.
Fosfolipídeos de membranas celulares representam núcleos primários, uma vez
que o cálcio pode ligar-se a essas moléculas; ao cálcio ligam-se sobretudo
fosfatos, formando cristais inicialmente apoiados sobre elementos da própria
membrana celular. Em tecidos necróticos e em placas ateromatosas,
fosfolipídeos são abundantes, por vezes formando microvesículas; estas podem
fornecer um paralelo entre a calcificação distrófica e a calcificação fisiológica,
em que o processo iniciador ocorre em vesículas de matriz, presentes em
cartilagens de placas de crescimento ósseo. Outras moléculas ou estruturas
parecem atuar como núcleos primários e iniciadores da calcificação, como fibras
elásticas, fibras colágenas, proteínas desnaturadas, fosfoproteínas, ácidos
graxos e bactérias.
Calcificação metastdtica
Calcificação metastática é assim denominada, desde os tempos de Virchow,
para indicar que o cálcio reabsorvido do tecido ósseo em condições patológicas
ocasiona, se não houver excreção adequada do íon pelos rins, depósitos em
outros locais.
Hoje, sabe-se que as condições que favorecem calcificação metastática são
hipercalcemia e, mais raramente, hiperfosfatemia. Como regra geral, sempre
que o produto das
concentrações séricas de cálcio e de fosfato fica acima de 60 ou 70, ocorre
calcificação metastática (em adultos, em condições fisiológicas, esse valor é de
35 a 40).
A principal causa de hipercalcemia é hipersecreção de paratormônio ou de
moléculas semelhantes. O paratormônio eleva a calcemia porque estimula a
atividade osteoclástica e a reabsorção óssea. No hiperparatireoidismo primário,
um tumor (geralmente adenoma) ou hiperplasia de paratireoides) é o
responsável pela hipersecreção. No hiperparatireoidismo secundário a
insuficiência renal crônica, surge hiperplasia das paratireoides por causa da
redução de cálcio sérico (com a insuficiência renal, ocorre retenção de fosfatos e
queda de cálcio). Outra causa importante de aumento de paratormônio
(ou de moléculas afins) é sua produção ectópica por neoplasias; nesses casos,
a hipercalcemia faz parte da síndrome paraneoplásica.
Muitas doenças dos ossos podem causar hipercalcemia. Acometimento ósseo
extenso por neoplasias, como mieloma ou metástases disseminadas, podem
provocar rápida destruição óssea, com aumento da calcemia. Doença de Paget
dos ossos, por aumento da remodelação óssea, também provoca hipercalcemia.
Imobilização prolongada remove estímulos para formação de tecido ósseo,
enquanto continua ocorrendo reabsorção.
Depósitos de cálcio metastáticos podem formar-se em qualquer local, mas há
nítida preponderância do estômago, pulmão, rins, artérias sistêmicas, veias
pulmonares e córnea.
Esses órgãos e estruturas têm em comum o fato de secretarem ácidos, criando
um compartimento interno alcalinizado. O estômago é notável pela capacidade
de secretar ácido no suco gástrico; a urina produzida pelo rim é ácida; o pulmão
elimina C02; a córnea também perde C02 por difusão (nos processos ciliares, há
atividade de anidrase carbônica). Os depósitos em vasos com sangue
oxigenado (artérias sistêmicas e veias pulmonares) explicam-se pelo mesmo
princípio, já que o sangue venoso é mais ácido que o arterial, dada a sua maior
concentração de carbonatos.
Os achados anatomopatológicos na calcificação metastática
extensa podem impressionar. Os órgãos apresentam-se muito endurecidos e
calcários e rangem ao corte com faca. O pulmão adquire aspecto comparado a
fina esponja de banho (a comparação refere-se a esponjas marinhas, que são
finamente calcárias). Nos rins, a deposição de cálcio nos túbulos produz
nefrocalcinose, que acarreta prejuízo da função renal, com retenção de fosfatos
e hiperparatireoidismo secundário, que agrava a hipercalcemia. Na
nefrocalcinose são vistos múltiplos focos de deposição de cálcio nos túbulos,
alteração que não deve ser confundida com litíase (cálculo) renal. Em
calcificações metastáticas, a precipitação de cálcio inicia-se em mitocôndrias. O
próprio paratormônio favorece a entrada de cálcio nas células. Quando há morte
celular, as células acabam envolvidas pela calcificação. A deposição de sais de
cálcio ocorre também no compartimento extracelular, sendo as membranas
basais dos pulmões e dos rins sítios particularmente suscetíveis.
Calcificações metastáticas na insuficiência renal associadas
primariamente a hiperfosfatemia têm curso clínico distinto.
Calcificações múltiplas, às vezes com aspecto tumoral, são vistas em vários
locais, principalmente em torno do quadril, no tronco e em articulações; pode
haver também calcificações extensas no subcutâneo. Nesses casos,
administração de biofosfanato pode ser tentada como prevenção e tratamento.
Essa molécula tem estrutura semelhante à do pirofosfato, ligando-se à superfície
dos cristais de cálcio e bloqueando o crescimento destes. Em alguns casos,
depósitos mesmo extensos são reabsorvidos se a função renal for restabelecida,
por exemplo por meio de transplante.