Projeto de Pesquisa Unirio
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capitalista em crise
Projeto de Pesquisa
Maio de 2013
1. Resumo
2. Introdução
No dia 30 de setembro de 2011, Anwar al-Awlaki, cidadão dos EUA e suposto membro da
Al-Qaeda, foi morto no Iêmen por um drone1 – robô voador da CIA, armado com mísseis, e
operado por controle remoto. Segundo amplamente divulgado, o presidente dos EUA teria
pessoalmente colocado al-Awlaki numa lista de pessoas que a CIA estava autorizada a
matar2. Duas semanas depois, Abdulrahman al-Awlaki, seu filho de 17 anos, também
1
BBC Middle East. “Islamist cleric Anwar al-Awlaki killed in Yemen”. In: BBC Middle East, 30 de
setembro de 2011. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-15121879. Acesso: 14 de
abril de 2013.
2
Miller, Greg. "Muslim cleric Aulaqi is 1st U.S. citizen on list of those CIA is allowed to kill". In:
The Washington Post, 7 de abril de 2010. Disponível em: http://www.washingtonpost.com/wp-
dyn/content/article/2010/04/06/AR2010040604121.html. Acesso: 14 de abril de 2013.
1
cidadão americano, foi morto, junto com outras nove pessoas, por outro ataque de drone no
Iêmen3. O fato de que o Poder Executivo dos EUA havia planejado e executado o
assassinato de um cidadão americano criou certo burburinho na mídia internacional. Uma
consequência recente desse burburinho foi uma carta pública, de autoria do Attorney
General Eric Holder – uma espécie de Ministro do Supremo Tribunal – declarando
abertamente que o governo Obama considera hipoteticamente legal usar ataques de drone
para eliminar cidadãos dos EUA em solo dos EUA4. Evidentemente, tal ataque, a ser
empregado em situação emergencial, dispensaria qualquer processo legal outro que uma
decisão de cúpula do Poder Executivo e do serviço secreto. Ao mesmo tempo, desde
dezembro de 2011, vigora nos EUA uma “lei de segurança” que permite que cidadãos dos
EUA suspeitos de terrorismo sejam presos pelas forças armadas sem julgamento5. Visto
que o conceito de terrorismo é ao mesmo tempo amplo e mal-definido, o que isso tudo
significa, é que, potencialmente, o Executivo Norte-Americano reconhece publicamente seu
direito de assassinar e prender seus cidadãos, se julgar que eles representam uma ameaça à
ordem. Se juntamos a isso às misteriosas e até hoje debatidas circunstâncias da morte de
Osama Bin-Laden pela marinha norte-americana, numa operação secreta e não-autorizada
em território estrangeiro, o resultado é a idéia de que, potencialmente, sempre que se
instaure uma situação emergencial – seja lá o que isso signifique – o Executivo Norte-
Americano pode assassinar e prender quem quer que seja, onde quer que seja. Mais do que
ser objeto de uma declaração formal, essa idéia ficou publicamente demonstrada.
***
3
Kasinov, Laura. “Strikes Hit Yemen as Violence Escalates in Capital”. In: The New York Times, 15
de outubro de 2011. Disponível em: http://www.nytimes.com/2011/10/16/world/middleeast/yemeni-security-
forces-fire-on-protesters-in-sana.html. Acesso em: 14 de abril de 2013.
4
Reilly, Ryan J. "Eric Holder: Drone Strike To Kill U.S. Citizen On American Soil Legal,
Hypothetically". In: The Huffington Post, 5 de março de 2013. Disponível em:
http://www.huffingtonpost.com/2013/03/05/us-drone-strike_n_2813857.html. Acessado em: 14 de abril de
2013.
5
Chris McGreal. "Military given go-ahead to detain US terrorist suspects without trial". In: The
Guardian, 15 de dezembro de 2011. Disponível em:
http://www.guardian.co.uk/world/2011/dec/15/americans-face-guantanamo-detention-obama. Acessado em:
14 de abril de 2013.
2
Em 10 de maio de 2004, em plena Guerra do Iraque, a revista The New Yorker publicou
uma matéria, baseada num relatório interno das forças armadas dos Estados Unidos, na qual
se revelava que solados norte-americanos vinham empregando tortura contra prisioneiros
de guerra na prisão de Abu Ghraib6. Fotografias tornavam as alegações incontestáveis;
vários dos soldados produziram vídeos amadores das seções de tortura. Nas palavras do
relatório, divulgadas pela matéria, houve “quebra de lâmpadas químicas e derramamento do
líquido fosfórico sobre prisioneiros; derramamento de água gelada sobre prisioneiros nus;
espancamento de prisioneiros com cabo de vassoura e cadeira; ameaça de prisioneiros do
sexo masculino com estupro (...); sodomização de um prisioneiro com uma lâmpada
química e talvez um cabo de vassoura; emprego de cães militares para assustar e intimidar
prisioneiros com ameaças de ataque”. Nessa prisão havia “vários milhares [de prisioneiros],
incluindo mulheres e adolescentes”, muitos dos quais civis “apanhados em varreduras
militares aleatórias e checkpoints em estradas.”7 As revelações dessa reportagem tiveram
ampla repercussão na mídia. Ficaram famosas as fotos dos prisioneiros nus apavorados
sendo intimidados por cães com os dentes de fora, da militar puxando um prisioneiro ferido
por uma coleira, do prisioneiro de pé, em posição incômoda, com fios elétricos presos nas
mãos. Nos anos seguintes, pipocaram denúncias semelhantes: tornou-se de conhecimento
geral, por exemplo, que a base Norte-Americana no território cubano ocupado de
Guantanamo servia como prisão, e que seus internos sofriam maus-tratos rotineiramente.
Um dos resultados dessa repercussão foi que o então Diretor da CIA, Michael Hayden, foi
chamado a prestar um depoimento público a respeito do emprego de técnicas de tortura.
Como foi amplamente noticiado na época, Hayden admitiu que a CIA empregava a técnica
de tortura conhecida como “waterboarding” em prisioneiros de guerra. A técnica consiste
em prender o prisioneiro em uma superfície, cobrir seu rosto com um pano, e derramar
água sobre o pano, de modo a simular a sensação de afogamento. Hayden declarou que “ao
meu próprio ver, na opinião de meus advogados, e na do Departamento de Justiça [dos
6
Hersh, Seymour M. “Annals of National Security: Torture at Abu Ghraib. American soldiers
brutalized Iraqis. How far up does the responsibility go?” In: The New Yorker. Disponível em:
http://www.newyorker.com/archive/2004/05/10/040510fa_fact?currentPage=all. Acesso: 14 de abril de 2013.
7
Idem.
3
EUA], não é certo que essa técnica seria considerada legal de acordo com o estatuto atual”8;
ao mesmo tempo, assumiu que talvez fosse necessário empregar essa e outras “técnicas
avançadas de interrogação” (enhanced interrogation techniques) novamente9. Mais uma
vez, a repercussão na imprensa foi enorme. Um mês depois, o então presidente dos EUA,
G. W. Bush, vetou uma moção do Congresso que tentava proibir a CIA de empregar
tortura10. Na mesma época, a BBC-Reino Unido produziu um programa televisivo
discutindo a tortura e mostrando os dois lados da questão: tanto a eficiência das técnicas
quanto o “custo humano”, incluindo o fato de que a tortura de prisioneiros de guerra vai
contra o Artigo 3 da Convenção de Genebra11. A partir de então, escândalos envolvendo
tortura de prisioneiros e prisões secretas foram se tornando frequentes, até deixarem de ser
escandalosos. Já em 2007, havia evidências de que milhares de prisioneiros haviam sofrido
tortura nas mãos do exército americano12.
***
Em 17 de outubro de 2007, foi realizada uma operação da Polícia Civil do Estado do Rio de
Janeiro nas favelas da Coréia e do Taquaral, na Zona Oeste do Rio. A operação deixou doze
mortos, entre eles duas crianças. Entrevistado, o Secretário de Segurança do Estado, José
Maria Beltrame afirmou sem meias-palavras: “mesmo morrendo crianças, não há outra
alternativa. Esse é o caminho”13. Em 16 de abril de 2008, o coronel Marcus Jardim, da
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, comandante de Policiamento da Capital,
comemorando uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) na Vila
8
Frieden, Terry. “CIA director: Waterboarding necessary, but potentially illegal” In:
CNNPolitics.com, 7 de fevereiro de 2008. Disponível em:
http://edition.cnn.com/2008/POLITICS/02/07/mukasey.waterboarding/ Acesso: 14 de abril de 2013.
9
BBC News. “US ‘may’ use waterboarding again”. In: BBC News, 6 de fevereiro de 2008.
Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7231146.stm. Acesso: 14 de abril de 2013.
10
Myers, Stephen L. “Veto of Bill on C.I.A. Tactics Affirms Bush’s Legacy”. In: The New York
Times, 9 de maio de 2008. Disponível em:
http://www.nytimes.com/2008/03/09/washington/09policy.html?_r=0. Acesso: 14 de abril de 2013.
11
O autor do presente projeto teve a oportunidade de assistir um desses programas enquanto fazia seu
Estágio de Doutorado no Exterior na Inglaterra, em 2008.
12
McCoy, Alfred. A Question of Torture: CIA Interrogation, from the Cold War to the War on Terror.
New York: Henry Holt & Co, 2007. pp. 16-17.
13
Redação Terra. "Beltrame: mesmo morrendo crianças, não há alternativa". In: Terra Notícias, 17 de
outubro de 2007. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1998832-EI5030,00.html.
Acessado em: 14 de abril de 2013.
4
Cruzeiro, favela da Zona Norte do Rio, afirmou em entrevista coletiva que “a PM é o
melhor inseticida social”14. A reportagem que noticiou a operação refere-se aos nove
mortos como “supostos traficantes”. Nos anos seguintes – culminando no que ficou
conhecido como a “Guerra do Alemão”, no final de novembro de 2010 –, o jargão da
atuação policial letal se generalizou, ganhando penetração inaudita na mídia, e
representações que iam desde brinquedos infantis15 até temas para escolas de samba16. Ao
mesmo tempo, o número de mortes por “autos de resistência” – tecnicamente, o
procedimento da Polícia Militar de atirar para matar sempre que um suspeito oferecer
ameaça – crescia exponencialmente frente ao número de prisões17. Nesse contexto, vem
sendo implantada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro uma “política de segurança”
que tem como carro chefe as Unidades Policiais de Pacificação (UPPs), as quais foram
descritas pelo Consulado dos EUA no Rio de Janeiro, num relatório para a Secretaria de
Estado daquele país, como estando baseado em táticas de controle territorial e de contra-
insurgência18 – ou seja, os mesmos princípios empregados na ocupação territorial do
exército dos EUA no Iraque e no Afeganistão, e por Israel na Palestina. Viraram rotina os
conflitos entre as populações cariocas das áreas “pacificadas” e os policiais das UPPs.
Recentemente, policiais da UPP do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, mataram com um tiro
na nuca Alielson Nogueira, de 21 anos, que lanchava num bar. As imagens do corpo no
chão, coberto de plástico amarelo, e com o cachorro-quente ao lado da mão contorcida,
circularam a internet. No confronto que se seguiu, a população atirou paus e pedras nos
policiais, que ameaçaram os civis com fuzis e pistolas19, numa cena que lembra tristemente
as Intifadas. O fato que originou o tiroteio que matou Alielson Nogueira teria sido uma
14
Toledo, Malu. "Nove morrem em ação do Bope; coronel diz que PM do Rio é 'o melhor inseticida
social'" In: Folha de São Paulo, 16 de abril de 2008. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u392620.shtml Acesso: 14 de abril de 2008.
15
G1 RJ. “Dia das crianças tem ‘caveirão’ de brinquedo no Rio”. In: G1, 7 de outubro de 2010.
Disponível em: http://g1.globo.com/especiais/dia-das-criancas/noticia/2010/10/dia-das-criancas-tem-caveirao-
de-brinquedo-no-rio.html. Acesso: 14 de abril de 2013.
16
UOL Entretenimento. “Coberta de caveiras do Bope, Viviane Araújo diz estar no seu 'momento'”.
In: BOL Carnaval, 7 de março de 2011. Disponível em: http://carnaval.bol.uol.com.br/2011/03/07/coberta-de-
caveiras-do-bope-viviane-araujo-diz-estar-no-seu-momento.jhtm. Acesso: 14 de abril de 2013.
17
Citado em Marcelo Salles, “Máquina mortífera”, Caros Amigos, out. 2009, p. 31.
18
Segundo telegrama divulgado pelo Wikileaks. Disponível em:
http://wikileaks.org/cable/2009/09/09RIODEJANEIRO329.html. Acessado em: 14 de abril de 2008.
19
Granja, Patrick. Chalita, Guilherme. "Policiais da UPP atiram para matar na favela do Jacarezinho".
In: A Nova Democracia - Blog da Redação, 5 de abril de 2013. Disponível em:
http://anovademocracia.com.br/blog/?p=5247. Acesso: 14 de abril de 2013.
5
reação à abordagem policial: a cultura de controle territorial das UPPs inclui a revista
rotineira dos moradores. Ao ser entrevistado a respeito do sucedido, Cláudio Haliki,
comandante da UPP do Jacarezinho, declarou abertamente que a população deve se
“acostumar” com as abordagens policiais, as quais “são necessárias e irão continuar”20.
Trata-se da instauração de uma nova normalidade social militarizada.
***
20
O Dia. "UPP: comunidade do Jacarezinho deve se acostumar com abordagens". In: O Dia, 5 de abril
de 2013. Disponível em: http://odia.ig.com.br/portal/rio/upp-comunidade-do-jacarezinho-deve-se-acostumar-
com-abordagens-1.568767. Acesso: 14 de abril de 2013.
21
A matéria já não está mais disponível para acesso.
22
Bastos, Isabela. Antunes, Laura. “Depois do Choque de Paz, o choque de ordem”, O Globo, 13 nov,
2011. Disponível em: http://glo.bo/uXLncR. Acesso em: 14 de abril de 2013.
6
área de lazer com quadras, quiosques e mirante, numa área de oito mil metros quadrados”,
que consumirá R$ 700 milhões do total de R$ 756 milhões destinado à “urbanização” da
favela, o que equivale a quase 10% do montante total de R$ 8 bilhões que será investido em
todas as favelas do Rio até 2020.23 Para serem tomadas na perspectiva correta, essas
notícias precisam ser lidas através de uma reportagem de capa do Jornal do Brasil de 1988.
A foto mostra quatro policiais militares carregando o corpo de um mulato de cueca. O texto
destaca o uso de “helicópteros, armas pesadas e cães” pela polícia, relaciona as prisões e as
apreensões (“20 quilos de maconha, 86 papelotes de cocaína, 5 revólveres, uma pistola de
fabricação soviética e uma metralhadora INA”) e anuncia: “Agora, o governo do estado
invadirá a Rocinha com uma bem arquitetada ação social. A partir de hoje, os milhares de
moradores da maior favela da América Latina contarão com postos para a emissão de
documentos, de saúde e do Sistema Nacional de Emprego. Até os cães do morro serão
vacinados.”24 Através das décadas, sedimentam-se no imaginário social a consciência da
persistência da segregação territorial sem perspectiva de superação e a consciência do
exercício contínuo e normal da violência para conter as consequências dessa segregação.
***
A pesquisa prevista pelo presente projeto parte da intuição de que os quatro fenômenos
complexos descritos acima, todos ligados à banalização da violência estatal e à
militarização do quotidiano, constituem visões essenciais e interligadas a respeito da
normalidade da vida social na sociedade capitalista global contemporânea. Parte, além
disso, da idéia de que, embora a atuação violenta do Estado seja constitutiva e
imprescindível à sociedade capitalista25, existe uma novidade no fato de que essa atuação
passe a desempenhar não um papel velado e inconspícuo, mas venha ganhando formas cada
vez mais explícitas – e isso independentemente de se tratar de eventos que se dão dentro da
23
Milhorance, Flávia. “Rocinha deve ganhar investimentos em obras de até R$ 756 milhões”, O
Globo, 14 nov. 2011. Disponível em: http://glo.bo/v17nCJ. Acesso em: 14 de abril de 2013.
24
Jornal do Brasil. “Polícia invade e ocupa a Rocinha”. In: Jornal do Brasil, 2 de junho de 1988, p. 1.
Disponível em: http://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19880602&printsec=
frontpage&hl=pt-BR. Acesso: 14 de abril de 2013.
25
E provavelmente de qualquer sociedade onde exista um Estado. C.f. o problema do direito, do
Estado e da negação da política em Agamben, Giorgio. Estado de exceção. Trad.: I. D. Poletti. São Paulo:
Boitempo, 2003, especialmente pp. 131-133.
7
lei, ou às margens dela. Essa novidade entra em conflito com a difundida leitura de que a
democracia capitalista opera através de uma combinação de consenso e coerção: na medida
que as situações de extrema e sistemática violência estatal vão se normalizando, o sentido
mesmo do consenso vai desaparecendo, visto que o espaço para consentir encolhe quando a
alternativa ao consenso não é o dissenso, mas a destruição. Na medida que o Estado ora age
contra a lei, aproveitando as prerrogativas da emergência e da exceção, ora legaliza o uso
da força, as vantagens mesmas de aceitar o consenso democrático aparecem sobretudo sob
o ângulo da participação no mais ou menos restrito espaço social dos sobreviventes.
Com isso, o conceito de ideologia, tradicionalmente a terceira peça na caracterização
da democracia capitalista – ao lado do consenso e da coerção – também tem sua
importância colocada em cheque. As visões críticas sobre aquela forma social incluíam o
juízo de que o consenso envolvia um logro através do qual grandes massas eram levadas a
participar pacificamente de processos sócio-político-econômicos profundamente
desvantajosos, porque marcados por sua própria exploração, chamada pelo marxismo de
“violência econômica”. Na medida que o fato da violência estatal passa a figurar
constantemente da mídia, na opinião pública, nas manifestações culturais em geral, no
imaginário social, aquela função obscurecedora da ideologia perde a razão de ser. Em seu
lugar, o que se verifica é o surgimento de algo que se parece muito a discurso que, ao invés
de obscurecer, esclarece: alardeia a violência estatal como meio de paralisar o dissenso,
fomentando a obediência com o medo de morrer. Uma ideologia que não esconde e engana,
mas mostra e intimida.
De fato, a idéia de que a vida está em risco se generaliza na mesma época em que o
Estado capitalista começa a pôr as mangas de fora. Essa idéia se tornou senso comum, e
isso tanto no nível individual – o que tange à sua vida e à minha, ameaçadas pela “violência
das grandes cidades”, pela intoxicação alimentar com pesticidas sistêmicos, pela epidemia
mundial de câncer, etc. – quanto no nível mais geral da humanidade como um todo,
ameaçada pelos acidentes planetários com asteróides, pelas crises econômicas mundiais, as
gripes aviárias, e as catástrofes ambientais cientificamente previstas, desencadeadas por
atividades produtivas predatórias, porém sempre tratadas como impossíveis de serem
detidas, como fato consumado. Ademais, num mundo marcado pela extrema concentração
de riqueza, e onde uma em cada duas pessoas dorme com fome a maior parte da sua vida, é
8
impossível imaginar que o reconhecimento do privilégio sócio-econômico não constitua um
elemento importante, ou até fundamental, da organização psíquica em geral. Isso aparece,
por exemplo, no jargão da “luta pela sobrevivência no mercado”, bem como de outras
figuras do ideário da burguês, tais como a necessidade de competir. Mas se essas figuras, na
sociedade burguesa clássica, estavam ligadas às imagens de uma prosperidade, progresso e
desenvolvimento que eram, a um só turno, econômicos e sócio-políticos, tal dimensão
positiva foi suprimida para uma humanidade que, em poucas décadas – digamos, nos
últimos 40 anos – testemunhou sucessivas ondas de desindustrialização irrecuperável,
crises financeiras, informalização do trabalho, suspensão de direitos trabalhistas e sociais,
retração dos serviços públicos, sistematização da violência estatal e guerras civis que
assolam interminavelmente regiões do globo onde a civilização burguesa simplesmente não
chegou, e não chegará jamais, exceto através do tráfico de armas e das benfeitorias de
marfim e diamante.
Assim, o presente projeto trabalha com a hipótese de que o que está em andamento
hoje – pelo menos no que antigamente se chamava “o ocidente democrático”, o qual,
entretanto, já transbordou as tradicionais fronteiras do ocidente há muito – é,
simultaneamente, a generalização da crise social – ou, em termos mais precisos, a falência
do projeto civilizatório burguês – e a generalização da consciência dessa crise. Os
fenômenos da ideologia intimidadora e da retração das instituições democráticas por trás da
militarização do quotidiano seriam sintomas daquela crise, a qual tem também óbvias
ramificações teóricas: se a sociedade capitalista democrática emprega a violência de forma
explícita e sistemática, e se o fracasso do projeto civilizatório se torna mais ou menos
evidente mesmo para parcelas crescentes da população dos países centrais, é preciso
reformular as exigências tradicionalmente postas para essa sociedade – como a
generalização dos direitos, ou a inclusão econômica.
3. Objetivos
9
regime democrático que, embora possivelmente negadas pela prática estatal de
violência naturalizada, continuam balizando o debate a respeito dessa prática.
Determinar a relevância do conceito de ideologia, tensionando seus significados
marxistas tradicionais através da descrição e análise de fenômenos contemporâneos dos
campos cultural, midiático, artístico e do discurso econômico-político.
Determinar a relevância de um conceito de crise para caracterizar a situação do
capitalismo contemporâneo.
4. Justificativa
10
abolição da propriedade privada. Mas sobrevém a derrota do 1848. A consequente
consolidação de uma nova ordem moldada pelo bom-funcionamento da acumulação
capitalista marcam o momento em que o ideário, as instituições e a prática sócio-econômica
tipicamente burgueses deixam de significar revolução e transformação, tornando-se
definitivamente e irreversivelmente conservadoras26.
Essa reconfiguração sócio-política, entretanto, não revoga o ideário liberal. Ao
contrário, tratará de fixá-lo, mas em termos das brandas imagens da democracia
representativa e da iniciativa individual, e de um humanismo filosófico estático cuja forma
geral, no dizer de Jean-Paul Sartre, é a seguinte:
Todos os homens são iguais: deve-se entender que participam todos igualmente da essência humana.
Todos os homens são irmãos: a fraternidade é uma ligação passiva entre moléculas distintas, que
rouba o lugar de uma solidariedade de ação ou de classe (...). É uma relação totalmente exterior e
puramente sentimental que mascara a simples justaposição dos indivíduos (...). Todos os homens são
livres: livres para serem homens, é claro. (...) A ação no plano político é completamente negativa:
não é preciso construir a natureza humana, basta que sejam retirados os obstáculos que poderiam
impedi-la de se expandir.27
26
Trata-se do motivo principal do texto Marx, Karl e Engels, Friedrich. “Mensagem do Comitê
Central à Liga dos Comunistas” in Obras escolhidas. Volume I. Moscou/Lisboa: Progresso, 1982, p. 178-
188.
27
Sartre, Jean-Paul. Présentation des Temps Modernes, in Situations II. Paris: Gallimard, 1958, p. 18.
28
Idem.
11
marco de 184829. O universalismo volta-se contra o absolutismo na medida que nega as
distinções naturais entre os seres humanos; e o mesmo universalismo nega as contradições
da sociedade burguesa – sobretudo, apaga o fato de que as exigências populares de 1848
tiveram que ser sufocadas para que a sociedade burguesa viesse a ser – exatamente porque
representa aqueles que vivem sob a sociedade burguesa como simplesmente seres humanos,
e ponto. O universalismo burguês clássico não reconhece interesses objetivos distintos,
lugares econômicos distintos (advindos da exploração econômica inerente ao sistema) e as
cisões na tessitura social que decorrem de tais coisas.
Essa dialética do universalismo burguês leva Marx a formular um projeto de crítica da
sociedade burguesa enquanto crítica imanente. A idéia é que a sociedade burguesa, devido
à sua origem revolucionária, pode (e deve) ser criticada nos seus próprios termos. Desde a
ótica de tal crítica o fundamental a respeito da igualdade entre os homens é que ela não se
realizou na sociedade burguesa. Ora, esquematicamente, um dos entraves para sua
realização é a propriedade privada. Assim, para que a igualdade se realize, é preciso abolir
a propriedade privada. Nas palavras do Manifesto Comunista:
...em nossa sociedade, a propriedade privada já foi abolida para nove décimos da população; se ela
existe para alguns poucos é precisamente porque não existe para esses nove décimos. Acusam-nos,
portanto, de procurar destruir uma forma de propriedade cuja condição de existência é a abolição de
qualquer propriedade para a imensa maioria da sociedade30.
29
C.f. Hobsbawm, Eric. The Age of Capital. 1848-1875. London: Abacus, 2006. p. 14. Arantes,
Paulo Eduardo. O fio da meada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. pp. 48ss.
30
Marx, Karl. Engels, Friedrich. Manifesto comunista. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa
Sundermann, 2003. p. 40-41.
12
sociedade burguesa – nesse sentido, diz-se da ideologia que ela é socialmente necessária;
por outro lado, ela não descreve essa sociedade de modo adequado, sendo portanto
aparência socialmente necessária31. Na medida que não descreve a realidade, aquele
ideário é falso; mas na medida que descreve uma promessa civilizatória que deve ser levada
a sério, é verdadeiro. É claro que, em Marx, o fundamental era mostrar o quanto daquela
impossibilidade de realização era absolutamente necessária e incontornável. Através de
suas complexas análises da dinâmica econômica típica da sociedade burguesa, Marx
procura mostrar, por um lado, como a acumulação de capital se torna determinante para
todas as esferas da vida social e, por outro lado, como essa mesma acumulação está baseada
na exploração (sob a forma do trabalho assalariado), na injustiça (sob a forma da troca
desigual que possibilita a formação de mais-valia, e portanto de lucro) e na violência: esse
será o projeto de sua obra magna, O Capital. Tratava-se de mostrar por quê a sociedade
burguesa precisava ser destruída e superada, sendo que a idéia dessa superação é que estava
por trás daquela dimensão da crítica imanente que consistia numa aceitação do projeto
civilizatório burguês: a aceitação e a crença nos valores da liberdade, igualdade e
fraternidade, mas concebidos num sentido radical que apontava para o comunismo, para o
controle popular e racional da produção e a abolição da propriedade privada que
resultariam numa igualdade social substantiva. Dessa igualdade substantiva – e não formal,
como a do humanismo burguês – adviria uma sociedade democrática cuja prática total
poderia ser descrita pela fórmula: “a cada um conforma suas necessidades, de cada uma
conforme suas capacidades”32.
Entretanto, no que diz respeito a essa aposta crítica no projeto civilizatório burguês, é
preciso dizer que é obviamente anterior a Marx a idéia de que os valores liberais, mesmo
quando não concebidos em seu sentido mais radical, não podiam ser ou simplesmente não
eram realizados pelas formas sociais existentes mesmo numa Europa concebida como
socialmente mais avançada. Immanuel Kant, escrevendo numa época em que o ideário da
Revolução Francesa ainda estava em gérmen, e contribuindo para uma discussão entre
31
Eagleton, Terry. Ideology. An introduction. London: Verso,1998. p. 2. A discussão sobre a
necessidade da ideologia está amparada na famosa tese marxista sobre a “determinação em última instância”
da cultura, discursos, representações, “superestrutura”, pelo econômico. C.f. Marx, Karl. Engels, Friedrich.
The German Ideology. London: Verso, 1974. p. 47.
32
Marx, Karl. Critique of the Gotha Program. Rockside: Wildside Press, 2007. p. 27.
13
letrados a respeito de como o ser humano poderia tomar as rédeas de seu destino33,
descreve o desenvolvimento civilizatório enquanto projeto ainda inacabado, ou enquanto
idéia reguladora para o fazer histórico da humanidade34. Em sua história do pensamento
iluminista, Ernst Cassirer mostra como a idéia do progresso constante e infinito é
fundamental para a intelectualidade “esclarecida” do século XVIII – e, portanto, para aquilo
que, acima, chamamos de pensamento liberal35. Liberdade, igualdade e fraternidade
aparecem, assim, como promessas da modernidade burguesa – nesse sentido, deve-se falar
mais precisamente de modernização burguesa – ou da forma social que pensa a si mesma
historicamente.
O próprio Marx, evidentemente, não era indiferente à idéia de que a sociedade
burguesa, conquanto devesse ser superada em última análise, acomodava ou havia
acomodado momentos de progresso e desenvolvimento. Esse progresso não se confunde
com o movimento de superação da sociedade burguesa, mas participa do raciocínio que
leva a tal superação. A via argumentativa do Manifesto Comunista passa pela idéia de que é
a sociedade burguesa que prepara sua própria derrocada através de seu movimento histórico
particular. As formulações são célebres: “a burguesia [entendida sobretudo como classe
capitalista propriamente dita: os proprietários da indústria] não pode existir sem
revolucionar constantemente os meios de produção e, por conseguinte, as relações de
produção e, com elas, todas as relações sociais (...) com o rápido aprimoramento de todos
os meios de produção, com as imensas facilidades dos meios de comunicação, a burguesia
arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização”36. Através das relações
comerciais, o modo de produção capitalista espalha as relações sociais burguesa por toda
parte.
No cerne da discussão sobre desenvolvimento burguês, entretanto, está a tese sobre a
contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. É
essa tese que faz com que a aceitação marxiana da idéia de uma modernização burguesa
não se confunda com a idéia da superação da sociedade burguesa: tal superação só é
33
Trata-se de uma das teses fundamentais de Kant, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é
Esclarecimento? In: Textos seletos. Trad.: R. Vier. Petrópolis: Vozes, 2012.
34
Kant, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Tradução:
R. Naves e R. R. Terra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 12.
35
C.f. Cassirer, Ernst. The philosophy of the enlightenment. Trad.: F. C. A. Koelin e J. P.
Pettegrove. Princeton: Princeton University Press, 1979, especialmente capítulos I, V e VI.
36
Marx, Karl e Engles, Friedrich. Manifesto Comunista. pp. 29, 30.
14
concebível como resultado de uma interrupção da história dessa sociedade, e não por um
aprofundamento e expansão da sua dinâmica. Tal interrupção histórica não seria algo
inédito: a contradição entre forças produtivas e relações de produção, desencadeada pela
atuação sócio-econômica normal da burguesia industrial, foi o motor da derrocada da
sociedade feudal:
Numa dada etapa do desenvolvimento dos meios de produção e troca, as condições sob as quais a
sociedade feudal produzia e trocava, a organização feudal da agricultura e da indústria manufatureira,
em suma, as relações feudais da propriedade mostraram-se incompatíveis com as forças produtivas em
pleno desenvolvimento. Transformaram-se em outros tantos entraves a serem despedaçados; foram
despedaçados.37
37
Ibid., p. 30-31.
38
C.f. Thompson, E. P. “Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial”, in: Costumes em
comum. Trad.: A. Negro et. alii. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; Linebaugh, P. e Rediker, M.
“Hewers of wood and drawers of water”, in: The many-headed hydra. Boston: Beacon Press, 2012.
15
modernas contra as condições modernas de produção, contra as relações de propriedade que
condicionam a existência da burguesia e seu domínio.”39
O que está em jogo aí é o seguinte: desde uma perspectiva histórica ampla, o
progresso técnico leva à superação da necessidade material, a capacidade da humanidade de
se alimentar, vestir, curar, morar, superar os desafios que a natureza lhe coloca enquanto
espécie. Mas, no âmbito específico da história da sociedade burguesa, aquele progresso,
justamente no que gera abundância material, entra em conflito com o princípio social da
propriedade privada. A abundância tecnicamente produzida aponta para a inexistência da
privação, promete um futuro em que a humanidade pode se mover para fora da esfera da
privação natural e das necessidades materiais; mas a propriedade privada – gêmea da
exploração econômica – impõe sobre todas as relações sociais a emulação de primitivos
estágios de privação: a abundância produzida pela indústria, mas concentrada na mão do
industrial, obedece a lógica da falta, e não do excesso. É assim que convivem, numa grande
cidade contemporânea – embora convenientemente afastados por segregação econômica e
policial – consumidores cercados de bugigangas eletrônicas e caçadores-coletores que
cavam o lixo alheio para sobreviver. Esse imagem da experiência quotidiana é expressão da
mesma contradição que está na raiz daquelas crises econômicas cujo paradigma em nossa
história econômica tornou-se a crise de 1929, mas que Marx, em 1848, já conhecia bem, e
descreveu assim:
Nessas crises, destrói-se uma grande parte dos produtos existentes e das forças produtivas
desenvolvidas. Irrompe uma epidemia que, em épocas precedentes, parecia um absurdo: a epidemia da
superprodução. Repentinamente, a sociedade vê-se de volta a um estado momentâneo de barbarismo; é
como se a fome ou uma guerra universal de devastação houvesse suprimido todos os meios de
subsistência; o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê? Porque há demasiada
civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças
produtivas disponíveis já não mais favorecem as condições da propriedade burguesa; ao contrário,
tornaram-se poderosas demais para essas condições que as entravam; e, quando são maiores que esses
entraves, desorganizam toda a sociedade, ameaçando a existência da propriedade burguesa. A
sociedade burguesa é muito estreita para conter suas próprias riquezas. 40
Para conferir a atualidade dessas observações, basta considerar o seguinte: entre 1900
e 2000, quando a população mundial quadruplicou, o produto bruto real do mundo cresceu
de 20 a 40 vezes, de tal modo que, já em 1990, o “Report of Food and Agriculture” da
39
Marx, Karl e Engles, Friedrich. Manifesto Comunista, p. 31.
40
Idem.
16
ONU estimou que, com a devida aplicação da capacidade produtiva, a humanidade poderia
alimentar de 30 a 35 bilhões de indivíduos, ou seja, por volta de cinco vezes a população do
planeta Terra em 2012. E, no entanto, segundo dados daquele mesmo ano, cerca de metade
da humanidade ou bem está faminta ou vive na pobreza extrema, em “insegurança
alimentar”41. Os diversos movimentos sociais e protestos que, na sequência da crise
financeira de 2008, vêm denunciando, sob o lema “Nós somos 99%”, a extrema
concentração de riqueza no mundo hoje, também se reportam objetivamente (ou seja,
mesmo que não a conheçam) à mesma contradição fundamental apontada por Marx42. Sob
essa ótica, a promessa civilizatória burguesa, contida nos lemas da liberdade, igualdade e
fraternidade, recebe um recheio bem concreto: o constante avanço técnico – o
desenvolvimento das forças produtivas – promete para a humanidade o reino da satisfação
material universal; e no que esse estado de coisas só pode chegar com a abolição da
propriedade privada, ele estará marcado pelo fim dos conflitos sociais ou da luta de classes:
é a realização do universalismo burguês, mas bem para além da sociedade burguesa.
Assim, a imagem marxiana do movimento histórico da sociedade burguesa tem um
conteúdo absolutamente problemático, paradoxal, de negação e de afirmação. A crítica da
ideologia burguesa assume a forma do reconhecimento de uma necessidade de negar a
sociedade falsa para que os valores da modernidade se façam verdade. Esse movimento é
estranho ao pensamento liberal, que dispensa a idéia de um sentido intrínseco ao
movimento histórico-social, limita o emprego do conceito de ideologia ao âmbito
exclusivamente subjetivo – a discussão em torno da manipulação da massa, da denúncia da
41
Ullah Jan, Abid. Overpopulation: Myths, Facts and Politics. Albalagh, 2003. Disponível em:
http://www.albalagh.net/population/overpopulation.shtml. Acessado em: 30 de março de 2013. Reuters. Fome
é “alarmante” em 29 países do mundo. In: Folha.com, 11/10/2010. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/813148-fome-e-alarmante-em-29-paises-revela-estudo.shtml. Acessado
em: 30 de março de 2013. Ravallion, Martin: Pessimistic on Poverty? In: The Economist. 07/04/2004.
Disponível em: http://www.economist.com/node/2571960. Acessado em: 30 de março de 2013.
42
Do total de riqueza existente no mundo hoje, o 0,001% mais rico da população mundial (91 mil
pessoas) detém 30% (US$ 16,7 trilhões), o próximo 0,01% mais rico (800 mil pessoas) detém 19% (US$ 10,7
trilhões), o próximo 0,1% (8 milhões de pessoas) detém 32% (US$ 17,4 trilhões) e os 99,9% restantes da
população mundial (6 bilhões de pessoas) detém 19% (US$ 10,3 trilhões). Pesquisa baseada em dados do
Banco Mundial, FMI, ONU, bancos centrais, Banco de Compensações Internacionais, tesouros nacionais,
entre outros. C.f. Henry, James S., Christensen, John e Mathiason, Nick. The Price of Offshore Revisited:
Press release, 19th July 2012. Tax Justice Network. Disponível em:
http://www.taxjustice.net/cms/upload/pdf/The_Price_of_Offshore_Revisited_Presser_120722.pdf. Acesso: 30
de março de 2013.
17
superstição, e da liberdade intelectual43 –, e lê na mesma chave o “crescimento” econômico
capitalista, que representa apenas a atuação empresarial. Em seu período dourado – o
último quartel do longo século XIX, no dizer de Eric Hobsbawm44 – o ideário liberal
produziu um discurso utópico que envolvia o reconhecimento do momento positivo daquele
progresso técnico: aceitava o desenvolvimento das forças produtivas, mas sem falar em
contradição com as relações de produção. Marshall Berman elenca criticamente
manifestações do entusiasmo com que uma sociedade burguesa que se percebe solidamente
fundamentada em suas próprias bases analisa a ascensão, expansão e aprofundamento do
seu modo de ser cultural, técnico, político, econômico45. E Dolf Oehler mapeia a má-
consciência dessa fase heróica do ideário burguês, trabalhando com os poetas, escritores,
artistas, pensadores, que mantiveram viva a frustração dos setores sociais cujos interesses
objetivos radicais não couberam no esquema burguês, cujos sonhos revolucionários foram
derrotados nos interstícios de exceção à legalidade democrática, e para quem o triunfalismo
liberal não tinha outro nome, se não “ideologia” no sentido crítico-depreciativo do termo:
discurso falso46.
Não obstante, no campo do próprio marxismo, não faltou quem pinçasse justamente o
tal momento positivo da imagem histórica daquela forma social e insistisse mais ou menos
isoladamente nos aspectos eminentemente progressistas do desenvolvimento do
capitalismo. A tese do progresso contínuo e linear desde o capitalismo para o “socialismo”
é fruto dessa tendência47, tornou-se central à chamada “Ortodoxia Marxista” da Segunda
Internacional, e caracterizou a chamada Social Democracia a partir do final do século XIX.
Nessa concepção – Karl Kautsky e Eduard Bernstein encontram-se entre seus célebres
proponentes – conserva-se a promessa civilizatória, enquanto a crítica imanente perde sua
centralidade. Mas o mesmo não acontece com uma variedade especificamente terceiro-
mundista daquele reformismo: amparada na percepção do subdesenvolvimento, um certo
desenvolvimentismo militante, combinado a um nacionalismo anti-imperialista, marcou o
43
C.f. Frankfurt Institute for Social Research. Aspects of Sociology. Trad.: J. Viertel. Heinemann:
London, 1973. p. 183-184.
44
Hobsbawm, Eric. The Age of Empire. 1875-1914. London: Abacus, 2007. pp. 46ss.
45
Berman, Marshall. All that is solid melts into air. The experience of modernity. London: Verso,
1983.
46
Oehler, Dolf. O velho mundo desce aos infernos. Trad.: J. M. Macedo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999
47
C.f. a discussão sobre “dialética fechada” e “dialética aberta” no marxismo, em: Löwy, Michael.
Bensaïd, Daniel. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã, 2000. pp. 78ss.
18
século XX com a sua própria onda de revoluções – e de contra-revoluções e golpes
militares produzidos para tentar detê-la.
De forma esquemática, pode-se dizer que o ideário que alimentou essas revoluções
possuía uma formulação específica do problema da ideologia: tratava-se de apontar para um
colonialismo continuado, uma divisão internacional do trabalho segundo a qual os países
centrais industrializados, com capitalismo mais desenvolvido, exploravam os periféricos.
Ernst Mandel mobilizou o conceito de “troca desigual” para expressar esse mecanismo: no
que exportava matérias primas e importava bens industrializados, o Terceiro Mundo ficava
preso a funções econômicas subalternas marcadas pela evasão de valor acumulado e pela
impossibilidade de desenvolvimento endógeno48. O termo “subdesenvolvimento” tornou-se
popular no discurso crítico: pretendia apontar o fato de que o progresso econômico
experimentado pelos países do Primeiro Mundo dependia de uma exploração que barrava
um progresso similar nos países do Terceiro Mundo. E as leituras do significado disso
podiam ir desde a radicalidade de intelectuais como o próprio Mandel – para quem o
capitalismo simplesmente não comportava a inserção dos Terceiro Mundo, o que apontava
para a necessidade da revolução internacional – até o desenvolvimentismo, que prescrevia a
necessidade de programas político-econômicos mais ou menos agressivos, porém graduais,
de “substituição de importações”, industrialização e superação do subdesenvolvimento49.
Até certo ponto do século XX, o conceito de subdesenvolvimento mantinha um
relacionamento crítico com a idéia de modernização burguesa. Por um lado, admitia-se que
o que a sociedade capitalista tinha a oferecer, em diversos planos, de fato faltava aos países
subdesenvolvidos: por exemplo, teóricos de influência weberiana discutiriam (e, de fato,
discutem até hoje50) como o grau mínimo de institucionalização da política – algo típico da
sociedade burguesa desenvolvida – ainda não tinha tido lugar no Brasil51, enquanto que,
para o desenvolvimentismo de todos os matizes, tratava-se de “fazer o bolo crescer para
depois dividir”, ou seja, desenvolver a economia primeiro, para então enriquecer o povo e
48
É o argumento desenvolvido especialmente nos capítulos 10 (“A concentração e centralização
internacional de capital”) e 11 (“Neo-colonialismo e troca desigual”) de Mandel, Ernst. Late Capitalism.
Trad.: J. De Bres. London: NLB, 1975.
49
Oliveira, Francisco de.: Crítica à Razão Dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2008,
pp. 48,
50
Autores brasileiros contemporâneos tais como Simon Schwartzman e Marco Aurelio Nogueira
trabalham nessa perspectiva.
51
É a tese de Buarque de Hollanda, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2006.
19
tornar acessíveis as benesses da civilização capitalista: de água encanada a eletricidade, de
calçados a geladeira. Para a Esquerda que compartilhava do desenvolvimentismo, o que
estava em jogo eram aqueles elementos do marxismo que estavam objetivamente ligados às
reflexões do próprio Marx a respeito dos ganhos civilizatórios alcançados com o fim do
feudalismo. Posições semelhantes já haviam estado em jogo nas leituras dos
revolucionários russos a respeito da transição da atrasada sociedade imperial Russa para o
Socialismo52, e da problemática levantada pela Revolução Chinesa. Haveria um paralelo
entre a derrocada da sociedade feudal e a ascensão da burguesa, a partir do final do século
XVIII, e as quedas do império russo e chinês no século XX, que então teriam passado
diretamente para o socialismo, queimando a etapa do desenvolvimento capitalista
esquematizada por Marx no Manifesto. Evidentemente, seria tolice exigir coerência
intelectual e crítica imanente na situação em que a Rússia destroçada pela guerra se
encontrava em 1917: a industrialização e o desenvolvimento econômico, então,
apresentaram-se como a única saída disponível para alimentar uma população faminta. Mas
é importante observar que, no contexto do anti-imperialismo terceiro-mundista do pós-
guerra, desaparece o lugar específico que a crítica à ideologia ocupava junto à apreciação
da modernização burguesa. Tratava-se, aí, de denunciar o colonialismo continuado,
estendido desde os primórdios da modernidade pelo século XX afora, mas na medida que
se aceitava o desenvolvimento industrial capitalista como projeto, dispensava-se (pelo
menos taticamente, ou momentaneamente, se não definitivamente) a necessidade de
problematizar aquilo que, na lógica mesma do capitalismo global, torna o
subdesenvolvimento uma necessidade. É essa a leitura de Francisco de Oliveira53.
É assim que as forças políticas que reconhecem as vantagens da modernização
burguesa, e decidem lutar por elas ao longo do século XX, muitas vezes lançaram mão de
lemas relacionados com o marxismo, conclamando o socialismo, mas dispensando a
radicalidade marxiana que exigia a crítica imanente da ideologia burguesa, e buscando
como que tardiamente um desenvolvimento econômico-institucional equivalente ao que a
52
C.f. Trotsky, León. Resultados Y perspectivas. Tres concepciones de la revolución rusa. Buenos
Aires: el Yunque editora, 1975.
53
Oliveira, Francisco de. Op. cit., pp. 32. C.f. também Schwarz, Roberto: “Prefácio com perguntas” in
Oliveira, Francisco de. Op. cit., p. 12.
20
sociedade burguesa havia trazido para a Europa feudal54. Tais movimentos, difíceis de
conceituar, são ao mesmo tempo respostas possíveis a problemas reais e desvios do
percurso projetado pela teoria marxiana, cuja promessa de emancipação geral de
humanidade não perde seu interesse, embora tenha sido aqui abandonada, ali traída, acolá
adiada indefinidamente. Nesse sentido, em sua análise do colapso da União Soviética,
Robert Kurz aponta o quanto o aprofundamento da “sociedade produtora de mercadorias”
havia acabado por tornar-se a única perspectiva dos países socialistas, de tal modo que o
fracasso econômicos deles funciona até como atestado para a falência do capitalismo55.
Roberto Schwarz sumariza nos seguintes termos, o argumento de Kurz: a competição entre
empresas no "livre mercado" implica um desenvolvimento técnico constante; até certo
ponto, esse desenvolvimento técnico resulta não só em métodos mais produtivos, mas
também em uma diversidade maior de mercadorias a serem produzidas – no jargão, a
"inovação de processos" acarreta "inovação de produtos"; porém, a partir da incorporação
da microeletrônica nos processos produtivos, ainda que o cardápio de bugigangas tenha se
incrementado muitíssimo, essa expansão não acarreta numa criação proporcional de
empregos, porque os métodos produtivos dispensam mão-de-obra. Na medida que, na
leitura de Kurz, o processo produtivo imperante na URSS não dizia respeito a outra coisa
que a produção de mercadorias, e o seu esforço civilizatório se havia reduzido à expansão
da produção de mercadoria para regiões atrasadas do globo, auxiliada pelas forças
organizadoras do Estado, a derrocada da economia soviética era apenas um capítulo da
derrocada da sociedade produtora de mercadorias – especificamente, o segundo capítulo,
pois o Terceiro Mundo havia precedido o bloco socialista nas crises da dívida externa de
1980. São dois momentos da mesma crise, o teor da qual pode ser expresso sucintamente na
seguinte fórmula: "o capital começa a perder a faculdade de explorar trabalho"56.
Mas, então, em conjunto, a leitura de Kurz e a de Francisco de Oliveira, apontam para
uma situação de esgotamento da promessa civilizatória burguesa. A modernização tardia no
Segundo e no Terceiro Mundo não resultaram na generalização do Primeiro pelos quatro
cantos do mundo, sendo que fica demonstrado, por aqueles autores, o quanto esse fracasso
54
C.f. Hobsbawm, Eric. “Chapter Ten. The Social Revolution 1945-1990” in: The Age of Extremes.
1914-1991. London: Abacus, 2007. pp. 287-319.
55
Kurz, Robert. O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de caserna à crise da
economia mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
56
Schwarz, Roberto: “Um livro audacioso” in Kurz, Robert. Op. cit., p. 9.
21
não se deveu a um acidente de percurso, mas às contradições internas da sociedade
burguesa – mais ou menos as mesmas que, no Manifesto de 1848, Marx e Engels haviam
mobilizado para falar da necessidade de superar o capitalismo. Evidentemente, os sinais do
esgotamento da promessa civilizatória burguesa não fazem com que se alce para a ordem
do dia a necessidade de superar o capitalismo e de mudar os termos da discussão sobre o
desenvolvimento civilizatório. Mas a modernização – o desenvolvimento sócio-econômico-
político – era a marca definitória da existência normal da sociedade burguesa e, no âmbito
do marxismo, constituía o ponto de apoio para a crítica imanente. Assim, quando esse
desenvolvimento dá sinais de não ser mais possível – sem que, ao mesmo tempo, a
sociedade burguesa esteja em vias de ser superada como indicava a lógica histórica
marxiana –, torna-se necessário tanto perguntar pela especificidade da nova forma social
que emerge, quanto refletir sobre o caráter que deve assumir uma teoria crítica dessa
sociedade. Afinal, com a falência do desenvolvimento social burguês, cai por terra,
também, a razoabilidade da crítica à ideologia e, com isso, um dos pontos de apoio
privilegiados do marxismo.
Essa situação é precisamente a que Theodor Adorno quis caracterizar com sua
sentença de abertura da Dialética Negativa, ao referir-se, em clara alusão a Marx, ao
momento histórico em que a filosofia – a ideologia burguesa – perdeu a chance de se
realizar57. Mas, ao mesmo tempo que insistiu nessa formulação, Adorno também deixou
pistas para a construção de uma teoria crítica que dispensasse o ponto de apoio do
desenvolvimento burguês – o elemento de “dialética positiva” no marxismo –, insistindo no
conceito de fetichismo, que organiza explicitamente grande parte das discussões daquele
livro e, implicitamente, grande parte das discussões em geral promovidas pelo autor58.
O problema do fetichismo é introduzido por Marx no contexto de uma exposição da
natureza da mercadoria, este cerne do modo de produção capitalista. Evoca o descontrole
inerente a esse modo de produção, seu caráter de processo cego eminentemente indiferente
às necessidades humanas, bem como a interconexão necessária e inevitável entre essa
indiferença, de um lado, e a própria produção de mercadorias e acumulação de trabalho
57
Adorno, T.W. Gesammelte Schriften 6. Negativ Dialektik. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag,
1986. p. 15. “Philosophie, die einmal überholt schien, erhält sich am Leben, weil der Augenblick ihrer
Verwirklichung versäumt ward.” (“A filosofia, que outrora pareceu ultrapassada, segue vivendo, porque se
deixou passar o momento de sua realização.”)
58
Arantes, Paulo. O fio da meada, p. 192.
22
abstrato, por outro59. Ou seja: trata-se de um conceito que está ligado à crítica dos
fundamentos mesmos da sociedade capitalista, aos elementos mais intransigentes da teoria
marxista. Trata-se, também, do conceito que Roberto Schwarz evoca quando quer chamar
atenção sobre os problemas do terceiro-mundismo desenvolvimentista, em seu relato sobre
a apropriação do marxismo pela intelectualidade paulista das décadas de 1950 e 1960 – a
qual, para os efeitos da presente discussão, pode ser considerada uma apropriação típica.
Schwarz define-a como tendo sido construída ao redor de uma atenção específica aos
problemas do desenvolvimento industrial, sem relativizar a própria industrialização
capitalista60. É precisamente essa relativização que a experiência social do capitalismo
contemporâneo traz para a ordem do dia. E o conceito de fetichismo é ferramenta
importante na decifração daquela experiência, na medida que descreve um comportamento
social automático, a um só turno indiferente à esfera onde a ideologia tradicionalmente
tinha lugar, e propagador de uma forma de racionalidade que a Escola de Frankfurt
qualificou de administradora61.
5. Metodologia e fontes
59
C.f. Marx, Karl: Capital. Volume I. Trad.: B. Fowkes. London: Penguin Books, 1990. Capítulo 1,
§4.
60
Schwarz, Roberto. “Um seminário de Marx”. In Seqüências Brasileiras. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999. p. 103.
61
Arantes, Paulo. O fio da meada. p. 182.
23
marxista clássica com a extensa produção teórica contemporânea a respeito das mudanças
operadas nos planos midiático, político, jurídico, econômico e militar, especialmente no
Brasil, nos Estados Unidos e na União Européia. Dentro dessa produção, serão
privilegiadas as representações da violência social na mídia e na cultura, as discussões
sobre intervenções militares domésticas e estrangeiras, a crise econômica e os discursos de
emergência construídos ao redor delas, e análises sobre as práticas político-jurídicas para
lidar com a pobreza e o protesto empregadas nos países privilegiados.
Os resultados da pesquisa serão apresentados sob forma de participação em eventos
acadêmicos e publicações científicas.
6. Cronograma de atividades
7. Referências bibliográficas
Agamben, Giorgio. Estado de exceção. Trad.: I. D. Poletti. São Paulo: Boitempo, 2003
24
Arantes, Paulo Eduardo. O fio da meada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996
Berman, Marshall. All that is solid melts into air. The experience of modernity. London:
Verso, 1983
Buarque de Hollanda, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2006
Frankfurt Institute for Social Research. Aspects of Sociology. Trad.: J. Viertel. Heinemann:
London, 1973
Kant, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento? In: Textos seletos. Tradução:
R. Vier. Petrópolis: Vozes, 2012
Löwy, Michael. Bensaïd, Daniel. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã,
2000
Löwy, Michael. Bensaïd, Daniel. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã,
2000
Marx, Karl e Engels, Friedrich. “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas” in
Obras escolhidas. Volume I. Moscou/Lisboa: Progresso, 1982
25
Marx, Karl e Engles, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Instituto José Luis e
Rosa Sundermann, 2003
Marx, Karl. Critique of the Gotha Program. Rockside: Wildside Press, 2007
Marx, Karl: Capital. Volume I. Trad.: B. Fowkes. London: Penguin Books, 1990
Oehler, Dolf. O velho mundo desce aos infernos. Trad.: J. M. Macedo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999
Oliveira, Francisco de.: Crítica à Razão Dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2008
Schwarz, Roberto: Seqüências Brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1999
Thompson, E. P.: Costumes em comum. Trad.: A. Negro et. alii. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998
26