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A Rede de Atenção À Saúde (RAS)

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A REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS)

A Rede de Atenção à Saúde (RAS)

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma conquista do povo brasileiro e de várias lutadoras e
lutadores da área da saúde. A conquista da regionalização como uma diretriz do SUS e eixo
estruturante do Pacto de Gestão é de enorme importância para os desafios postos na atualidade para
a eficiência do sistema e da prestação dos serviços.

Infelizmente, hoje o atual modelo de gestão do SUS encontra-se esgotado – cada vez mais evidente
a dificuldade em superar a intensa fragmentação das ações e serviços de saúde e qualificar a gestão
do cuidado no contexto atual.

Pensando em uma saída para essas problemáticas, principalmente da peregrinação muitas vezes
ocorrida da dificuldade tanto dos usuários, como dos gestores e dos trabalhadores e trabalhadoras do
SUS em se trabalhar de forma correta o pilar das referências e contra-referências, em 2010 foi
pactuada na Comissão Intergestora Tripartite as “diretrizes para a organização da Rede de Atenção à
Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)” estabelecida pela Portaria Nº 4279, de 30 de
dezembro de 2010.

As redes de atenção à saúde (RAS) é definida como arranjos organizativos de ações e serviços de
saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico,
logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado.

A RAS tem como objetivo promover a integração sistêmica, de ações e serviços de saúde
com provisão de atenção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada, bem
como incrementar o desempenho do Sistema, em termos de acesso, equidade, eficácia clínica
e sanitária; e eficiência econômica.

Em entrevista recente do importante pesquisador e professor Gastão Wagner, do Instituto de Saúde


Coletiva da FCM da Unicamp, intitulada por “Regionalização é o futuro do SUS” onde ele aponta a
criação de uma autarquia o SUS Brasil que teria como mudança principal o planejamento a partir das
RAS e não dos municípios.

Por fim, é de suma importância que nós estudantes, professores, gestores e usuários pensemos
coletivamente a melhor saída para atual crise que o SUS passa hoje de um lado sendo atacado
fortemente pelos interesses do capital (internacional, principalmente) e com as dificuldades
encontradas pela gestão e o sub-financiamento do Governo. Me parece que a melhor saída é, de
fato, pensar a regionalização!

O SUS, As Redes De Atenção E O Direito À Saúde

Saúde é um direito. Mas o que isso quer dizer? No Brasil, o direito à saúde é garantido pela
Constituição de 1988, como uma grande conquista do período de redemocratização, envolvendo ativa
participação popular. A saúde é direito de todos e dever do Estado, não podendo ser mercantilizada,
ou seja, não é uma mercadoria a ser comprada e sim um direito que deve ser garantido. As políticas
Públicas de saúde devem ser elaboradas de modo a pensar a integralidade de cada indivíduo na
sociedade, fomentando a participação social e a organização de redes descentralizadas e
regionalizadas ¹.

Dentro desse contexto, foi sancionada a Lei nº 8080, de 19/09/1990, que instituiu o Sistema Único de
Saúde (SUS) ². O SUS impulsiona, por definição, a saúde como direito e possui princípios e diretrizes
que regem as ações em saúde no país. Dentre estes, é possível destacar:

universalidade: garante o acesso ao sistema a toda pessoa residente no Brasil;

equidade: engloba uma abordagem simétrica a cada especifidade dos usuários do sistema;

integralidade: reforça a importância do olhar singular a cada pessoa e sua inserção com qualidade no
SUS, em uso da Rede;

participação social: garante a participação de usuários na fiscalização e controle das ações do


Estado, além de vincular o cuidado em saúde a aspectos democráticos e de construção conjunta ³.

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Como organizar esse Sistema único de Saúde garantindo todos esses direitos e um cuidado de
qualidade?

No final de 2010 foi publicada a Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, que estabelece
diretrizes para organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS), no SUS. As Redes de Atenção à
Saúde devem, com toda a amplitude da palavra, tecer as ações e serviços de saúde de modo que
estas estejam integradas em sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão. O objetivo é garantir o
direito a saúde integralmente 4.

Dentro das Redes de Atenção, o cuidado é pensado em níveis organizacionais. Esses níveis,
denominados Atenção Primária, Secundária e Terciária à saúde, possuem possibilidades e
articulações distintas, garantindo a equidade e integralidade. A Atenção Primária (APS) é responsável
pela entrada do usuário no sistema de saúde, pela continuidade, por manter o vínculo com o território
e pela atenção em saúde a todo e qualquer acometimento em saúde, além de aspectos preventivos.
Para questões que exigem maior densidade em tecnologia, é necessário acompanhamento na
Atenção Secundária. A Atenção Terciária assume casos de maior especificidade e gravidade clínica e
densidade tecnológica. Ao contrário do que pode parecer, a organização em níveis de atenção não
busca uma hierarquização, mas sim uma lógica focada no indivíduo que está inserido na Rede, sendo
a Atenção Primária coordenadora desse fluxo 5.

As principais características da RAS envolvem a formação de relações horizontais entre os níveis de


atenção. O centro e foco do cuidado são nas necessidades da população, assim como a clareza e
compartilhamento na responsabilização, planejamento e ações em saúde junto com trabalhadores,
gestores e usuários envolvidos no processo 6,7.

O espaço territorial e a população constituem o elo, o embrião, a linha para tecer a Rede, em
construção sempre partilhada. O caminhar do usuário e sua identificação com espaço, profissionais e
ações são fundamentais para tal criação. Dessa forma, é possível pensar de fato em saúde não
apenas como ausência de doença e sim no rompimento com o modelo biomédico, garantindo um
olhar às especificidades biopsicossociais 6,7.

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O tecer da Rede compõe o todo de cada pessoa, sem se limitar a segmentações individualizadas,
mas se preocupando com o cuidado singular.

O SUS e seu modo de organização é uma conquista cidadã e a saúde é um direito de todos. O
discurso midiático recorrente que nega tal feito deve ser tomado com cautela, já que ao capitalismo,
pouco vale um sistema de saúde universal, que produza vida e não lucro.

Diretrizes Das Redes De Atenção À Saúde

“Juntamente com o Secretário da Saúde, a CGP está participando da reorganização da


Atenção Básica com as Coordenadorias de Saúde/ Supervisões.”

A CGP está participando da reorganização da Atenção Básica junto às Coordenadorias de Saúde /


Supervisões. Esta é uma ação do secretário da saúde Dr. Wilson Modesto Pollara que está sendo
articulado pela secretária adjunta Drª Maria da Gloria Zenha Weiliczka e visa reestruturar a Rede de
Serviços, conforme diretrizes elaboradas em Junho/2017.

Diretrizes das Redes de Atenção à Saúde é produto das comissões estabelecidas pela Secretaria
Municipal da Saúde de São Paulo: “Comissão de Estruturação Regional da Rede de Serviços”
(Portaria nº008/2017), “Comissão de Organização dos Serviços, Elaboração de Agendas e Definição
de Metas“ (Portaria nº156/2017) e “Comissão de Protocolos - Encaminhamentos para a Atenção
Especializada” (Portaria nº273/2017), publicadas no Diário Oficial da Cidade de São Paulo.

Essas comissões foram instituídas com o propósito de repensar e analisar as redes de serviços de
saúde e assim caracterizar claramente suas competências e propor o desenho do sistema de saúde
que engloba a definição das especificidades do Município, considerando a racionalização e
aperfeiçoamento do trabalho realizado para prover ações e serviços de saúde com garantia de
acesso equânime a uma atenção integral, resolutiva, de qualidade, humanizada e em tempo
adequado, por meio da organização e desenvolvimento de Redes de Atenção à Saúde (RAS) que
terão base no território dos Distritos de Saúde – DS, agrupadas nas Coordenadorias Regionais de
Saúde (CRS) que totalizam o município.

Toma-se por objetivo da Secretaria Municipal da Saúde: “Realizar a Atenção à Saúde na Cidade de
São Paulo, nas dimensões de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, conforme os
princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), respeitando as especificidades da cidade e integradas
em rede”.

Para este trabalho, são considerados os seguintes níveis de atenção que constituirão as Redes de
Atenção à Saúde na Cidade de São Paulo:

• Atenção Básica
• Atenção Ambulatorial Especializada
• Atenção à Urgência e Emergência
• Atenção Hospitalar

Considera-se Atenção Básica e Atenção Primária como equivalentes, associando esses termos às
noções de vinculação e responsabilização de equipes de saúde pelo cuidado continuado de pessoas
em seus territórios de vida, acessibilidade, atenção abrangente e integral, alta resolutividade e
protagonismo na gestão do cuidado. (CAB n. 28, V. 1).

Tomando como base a constituição das Redes da Atenção à Saúde, as ações e serviços realizados
na Atenção Básica à Saúde devem oportunizar o contato do usuário para atenção e cuidado
continuado tanto nas unidades de saúde como em domicílio e às pessoas institucionalizadas. Incluem
acolhimento e atenção à demanda espontânea, às urgências e emergências e as ações
programáticas de acordo com as diversas linhas de cuidado.

Estas ações podem compreender atenção individual e coletiva (ex.: Familiar, Comunitária), a
realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos; atividades de vigilância em saúde,
coordenação do cuidado, incluindo o acesso a ações e serviços fora do âmbito da atenção básica;
construção de estratégias e processos que qualifiquem a atenção e a gestão em saúde tais como
matriciamento, atividades de ensino com ênfase no acompanhamento de estágios, residências e

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educação permanente e o fortalecimento do controle social na perspectiva de produzir impacto


positivo sobre a saúde individual e coletiva.

A necessidade da população deve ser identificada a partir de análise do território, com base nos
dados sociais, demográficos e epidemiológicos, atendendo à missão do serviço de dar respostas às
necessidades de atenção à saúde das pessoas de modo oportuno e com qualidade.

Os equipamentos de saúde responsáveis pela Atenção Básica à Saúde são as Unidades Básicas de
Saúde - UBS. O horário de atendimento das UBS deve ser de segunda à sexta-feira das 7 às 19h.
Outros horários poderão ser definidos conforme as necessidades da região. Durante o horário de
atendimento a UBS deverá oferecer todas as ações e serviços previstos.

A atenção básica é coordenadora do cuidado na rede de atenção à saúde. Sua gestão compreende a
territorialização e análise da situação de saúde; planejamento, programação, acompanhamento,
monitoramento e avaliação; gestão de pessoas, do trabalho e da Educação em saúde; gerência de
unidades assistenciais; apoio técnico e administrativo, logística de transportes, gestão de materiais e
estoques, inclusive de medicamentos; gestão financeira; gestão de sistemas de informação, inclusive
as atividades de alimentação das bases de dados oficiais; gestão participativa; ações Intersetoriais;
articulação intra-rede de saúde e demais ações administrativas e gerenciais.

Referente à implementação de protocolos, juntamente com outros manuais já desenvolvidos pela


Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP), visa à melhoria da resolutividade do sistema
de saúde com a racionalização de recursos e consequentemente contribuir para a redução do tempo
médio de espera para exames prioritários e consultas na atenção Especializada na Cidade de São
Paulo. São pressupostos neste trabalho a efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da
melhoria da resolutividade da Rede Assistencial, a Gestão do Cuidado, o fortalecimento da Atenção
Básica à Saúde e da Gestão Regional e Descentralizada.

Define-se no Programa de Metas 2017-2020 da gestão municipal a redução do tempo médio de


espera para realização de exames e encaminhamentos para especialidades, sendo assim os
primeiros protocolos a serem implantados serão os protocolos de acesso.

Os protocolos de acesso devem estabelecer critérios para o encaminhamento e solicitação de


exames, contemplar indicações clínicas, contraindicações, hipótese diagnóstica e profissionais
solicitantes, definidos com base na competência de cada nível de atenção.

Devem prezar pela qualificação e resolutividade da assistência nos seus diferentes níveis e buscar
esgotar as possibilidades e recursos terapêuticos disponíveis na Atenção Básica à Saúde, sendo ela
a ordenadora da Rede Assistencial e Coordenadora do Cuidado.

Eles contribuem para a organização da fila de espera (regulação e microrregulação) baseada na


avaliação clínica, intervenção oportuna e vulnerabilidade. Devem estar coerentes com as Linhas de
Cuidado e manuais clínicos preconizados pelas Áreas Técnicas.

Os critérios clínicos adotados no protocolo devem ser baseados na melhor evidência científica
disponível e coerente com a realidade local do município (epidemiológica e organizacional). Os
critérios e fluxos definidos pelo Protocolo devem ser adotados para a organização e regulação do
acesso.

As solicitações que não se enquadrem no protocolo só poderão ser atendidas mediante as devidas
justificativas clínicas para diagnóstico, seguimento e consenso entre solicitante e médico regulador
local ou de instância superior quando necessário.

Finalmente, deve apontar para mecanismos de qualificação da resolutividade da Atenção Básica à


Saúde, tendo o Telessaúde (Teleconsultoria e Teleducação) e/ou matriciamento como ferramentas de
apoio para justificativa de encaminhamentos ou solicitações de exames e consultas.

Os protocolos de acesso foram produzidos e validados pela Comissão de Protocolos (Portaria


nº273/2017) e o processo de implementação visa submetê-los à avaliação clínica e análise de
viabilidade técnica pelos atores que compõem a rede assistencial do Município de São Paulo.
Preconiza-se a participação dos trabalhadores e gestores envolvidos com as solicitações e regulação
do acesso de exames e encaminhamentos, bem como deve ser considerada a necessidade clínica

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dos usuários e vulnerabilidade social. Desta forma buscar-se-á um processo mais efetivo, pactuando
e incorporando contribuições de seu público alvo na complementação e/ou revisão dos protocolos. A
mobilização desses atores, além de captar contribuições, atua nos nós críticos para a implementação
e disseminação dos mesmos.

Todos esses processos visam o progresso das unidades de saúde do município de São Paulo e são
frutos de um longo estudo para que se obtenham os resultados esperados com estas estratégias.

Foram listadas algumas metas como: defesa do SUS nas peculiaridades dos territórios, resolutividade
da rede com qualidade, fortalecimento da Atenção Básica como coordenadora da Rede de Atenção à
Saúde, gestão do cuidado, estruturas concisas, trabalho em equipe com papéis claros e definidos,
gestão regional potencializada com a contribuição dos parceiros e participação social.
O sucesso do projeto já pode ser observado com a diminuição na fila para exames, a quantidade de
atendimentos realizados, a extensão nos horários de atendimento, entre outras melhorias.

O objetivo é alcançar as metas com êxito até 2020, que é quando se encerra o mandato da atual
gestão, atendendo a demanda e as premências dos cidadãos.

A Rede De Atenção À Saúde No SUS

Após quase 4 anos de discussão tripartite entre CONASS, CONASEMS e MS, finalmente foi
aprovada na última CIT de 2010, as Diretrizes para a Rede de Atenção à Saúde no SUS, e publicada
em Portaria pelo Ministério da Saúde.

A Portaria de n. 4.279 de 30 de dezembro de 2010, trata das diretrizes para a estruturação da Rede
de Atenção à Saúde (RAS) como estratégia para superar a fragmentação da atenção e da gestão nas
Regiões de Saúde e aperfeiçoar o funcionamento político-institucional do Sistema Único de Saúde
(SUS,) com vistas a assegurar ao usuário o conjunto de ações e serviços de saúde que necessita,
com efetividade e eficiência.

São 7 as Diretrizes propostas, conforme descritas abaixo:

1. Fortalecer a APS para realizar a coordenação do cuidado e ordenar a organização da rede de


atenção.

2. Fortalecer o papel dos Colegiados de Gestores Regional – CGR, no processo de governança da


RAS.

3. Fortalecer a integração das ações de âmbito coletivo da vigilância em saúde com as da assistência
(âmbito individual e clínico), gerenciando o conhecimento necessário à implantação e
acompanhamento da RAS e o gerenciamento de risco e de agravos à saúde.

4. Fortalecer a política de gestão do trabalho e da educação na saúde na RAS.

5. Implementar o Sistema de Planejamento da RAS.

6. Desenvolver os Sistemas Logísticos e de Apoio da RAS.

7. Financiamento do Sistema na perspectiva da RAS.

Para cada diretriz, a portaria prevê algumas estratégias consideradas necessárias para implantação
da Rede.

Um dos grandes desafios dessa empreitada, senão o maior, é o fortalecimento da Atenção Primária à
Saúde, tornando-a capaz de coordenar o cuidado e ser o centro de comunicação. O desafio central,
do qual derivam muitos outros, é o da valorização política e social do espaço da APS junto aos
gestores, academia, profissionais, mídia e a própria população. Como exemplo, destaca-se a
dificuldade de captação de médicos nas residências de medicina de família, o entendimento da APS
como “postinho de saúde” e da agregação de valor por parte da população, que não reconhece esse
espaço como crucial para apoiá-los no emaranhado de serviços e tecnologias disponíveis no sistema
de saúde.

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O momento é favorável, pois estamos iniciando novas gestões na esfera federal e estadual.
Possuímos um exército de equipes de saúde da família, com milhares de Agentes Comunitários de
Saúde espalhados em todo país e um contingente de cerca de trinta e quatro mil equipes.

Todas as esferas explicitam a tomada de consciência de que não chegaremos a plenitude de um


Sistema de Saúde realmente para todos, se não tivermos uma APS de qualidade, resolutiva, e com
amplo acesso. E mais ainda, não teremos um Sistema pleno, se não mudarmos drasticamente o
modelo de atenção vigente e hegemônico, que privilegia as condições agudas.

Nos países com sistemas de saúde universais, como os da Europa, Canadá e a Nova Zelândia, o
tema APS está na agenda política dos governos, em contra

ponto com a fragmentação dos sistemas de saúde, a superespecialização e o uso abusivo de


tecnologias médicas, muitas vezes causando iatrogenias. Nos Estados Unidos, por exemplo,
trabalhos publicados apontam uma redução de 6 a 12 meses na expectativa de vida da população,
por iatrogenia médica, sendo essa a terceira causa de morte naquele país.

É evidente que a concretização dessa proposta, já exitosa nos estados de Minas Gerais e Espírito
Santo, ocorrerá através de um processo contínuo, com coerência com o Pacto pela Saúde, como
diretriz institucional tripartite, e as políticas vigentes.

Redes De Atenção À Saúde: Contextualizando O Debate

A organização de redes regionalizadas de serviços de saúde constituiu a premissa sobre a qual


historicamente foram debatidas as propostas de reforma do sistema brasileiro - tomando como
referência a experiência dos países que construíram sistemas universais e a literatura internacional -,
e formou parte da bagagem do planejamento em saúde durante décadas.

No entanto, ao longo da década de noventa, pelos próprios rumos do processo de descentralização,


a instituição de redes deixou de ser o eixo central em torno do qual se construía a organização de
serviços, voltando ao centro do debate apenas a partir da publicação da Norma Operacional da
Assistência à Saúde (NOAS)1, em 2000, e especialmente com o Pacto pela Saúde2, em 2006.

Em seu retorno, a proposta de organização de redes tem assumido diferentes significados, utilizada
de forma distinta por diferentes atores. Especificamente em seu recorte de organização de serviços
de saúde, uma vertente de discussão - refletindo o debate observado na literatura e na experiência
internacional -, centra-se no "campo do cuidado integrado"3.

Sob esta denominação genérica, é agrupada uma gama de intervenções com diferentes
denominações em vários países, que variam muito em objetivos, escopo e mecanismos, que têm em
comum a busca por mecanismos e instrumentos de integração, aqui incluídos os dirigidos à prática
clínica individual, à integração organizacional horizontal ou vertical e entre setores, como saúde e
cuidado social4.

Entre as experiências consideradas centrais neste campo, estão os sistemas integrados americanos,
uma grande variedade de arranjos organizacionais derivados da integração vertical de provedores no
mercado americano e as redes regionalizadas dos sistemas nacionais de saúde, especialmente em
suas recentes inovações no campo da integração do cuidado.

No entanto, ainda que possam ser observadas semelhanças nas estratégias utilizadas e nos arranjos
organizacionais resultantes, focar o debate apenas nestes aspectos, sem considerar a natureza
distinta dos sistemas, seus valores e princípios, tende a obscurecer diferenças centrais do âmbito da
política, que condicionam, inclusive, as possibilidades de adoção dos instrumentos desenvolvidos em
cada caso.

Para o sistema americano, por exemplo, não se coloca a questão da regionalização - intrinsecamente
derivada dos princípios de universalidade e equidade dos sistemas universais. Os sistemas
integrados americanos são, por definição, destinados aos que podem pagar, com planos
diferenciados que pressupõem acesso desigual e naturalmente não incorporam as questões da
saúde pública e da ação sobre os condicionantes sociais, próprias do Estado.

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Os sistemas nacionais, ao contrário, não podem abdicar de sua responsabilidade de garantia do


direito e a organização de redes regionalizadas constitui-se num instrumento para ampliação do
acesso e diminuição de desigualdades.

Este artigo tem por objetivo buscar referências na literatura e na experiência internacional que
possam contribuir para o debate da constituição de redes no SUS. Busca contextualizar a discussão
da organização de serviços de saúde "em redes" em dois casos, o sistema nacional de saúde
britânico e o sistema privado americano, através da análise histórica comparada, focalizada
especificamente no recorte da organização de serviços.

Redes Regionalizadas: O Relatório Dawson E A Constituição Do NHS Britânico

A primeira descrição completa de uma rede regionalizada foi apresentada pelo Relatório Dawson,
publicado em 19205, por solicitação do governo inglês, fruto do debate de mudanças no sistema de
proteção social depois da Primeira Guerra Mundial. Sua missão era buscar, pela primeira vez, formas
de organizar a provisão de serviços de saúde para toda a população de uma dada região.

Ainda hoje, a leitura do relatório surpreende por sua abrangência e profundidade. Em sua introdução,
explicita que seu objetivo só poderia ser alcançado através de uma nova organização, com base na
estreita coordenação entre medicina preventiva e curativa.

Para cada dado território, propõe a organização de serviços para atenção integral à população com
base formada por serviços "domiciliares" apoiados por centros de saúde primários, laboratórios,
radiologia e acomodação para internação. Esta seria a "porta de entrada" do sistema, que empregaria
os general practitioners (GP) - os médicos clínicos generalistas, que já então trabalhavam de forma
autônoma e/ou contratados pelo sistema de seguro social.

Os centros primários, localizados em vilas, estariam ligados a centros de saúde secundários,


localizados nas cidades maiores, com oferta de serviços especializados, cuja localização deveria se
dar de acordo com a distribuição da população, os meios de transporte e os fluxos estabelecidos,
variando "em tamanho e complexidade, segundo as circunstâncias".

Os casos que não pudessem ser resolvidos neste nível seriam encaminhados a um hospital de
referência, ao qual os centros se vinculariam. Os profissionais trabalhariam de forma integrada, de
modo que [...] o pessoal adscrito aos centros de saúde poderia acompanhar o processo em que
interferiram desde o começo, familiarizar-se com o tratamento adotado e apreciar as
necessidades do paciente depois de seu regresso ao lar.

O centro primário foi proposto como núcleo do sistema, onde os médicos generalistas poderiam se
relacionar com especialistas e consultores, central ao aperfeiçoamento profissional, já que "[...] o
médico sai da universidade e observa a enorme discrepância entre sua preparação e as
necessidades dos pacientes que deve atender".

Para que essa coordenação fosse possível, já era apontada a necessidade de estabelecer-se um
sistema uniforme de histórias clínicas; no caso de um paciente ser encaminhado de um centro
a outro para fins de consulta ou tratamento, deve ser acompanhado de uma cópia de sua
história clínica.

Do ponto de vista da gestão do sistema, todos os serviços - tanto curativos como preventivos -
estariam intimamente coordenados sob uma única autoridade de saúde para cada área. É
indispensável a unidade de ideias e propósitos, assim como a comunicação completa e
recíproca entre os hospitais, os centros de saúde secundários e primários e os serviços
domiciliares, independentemente de que os centros estejam situados no campo ou na cidade.

Coube, portanto, ao Relatório Dawson, introduzir a territorialização, ausente até então dos sistemas
de seguro social; apontar a necessidade de articulação entre a saúde pública - necessariamente nas
mãos do Estado - e a atenção individual; e marcar a associação entre o modelo de organização de
serviços e sua gestão, ao prescrever uma autoridade de saúde única no território. Do ponto de vista
da organização de serviços, formulou os conceitos de níveis de atenção, porta de entrada, vínculo,
referência e coordenação pela atenção primária, além de considerar os mecanismos de integração,
como sistemas de informação e de transportes.

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A organização em redes foi concebida como uma resposta à questão de como garantir acesso com
equidade a toda uma população. Por questões de eficiência/escala e qualidade, seria necessário
concentrar serviços e adotar mecanismos de referência. Para garantia de acesso ao cuidado integral,
a regionalização deveria ser baseada em territórios de grande porte populacional, com
autossuficiência em recursos de saúde em todos os níveis de atenção, subdivididos em distritos, sub-
regiões ou microrregiões. O conjunto estaria sob um único comando e deveria operar de forma
coordenada através de mecanismos de referência entre níveis (e/ou territórios), alimentados por
sistemas de informação e de transportes.

A contraposição entre atenção primária e hospitalar não se colocava e o conceito de hierarquização


referia-se à complexidade - compreendida como densidade tecnológica - e não a uma valoração
maior ou menor entre os níveis. O primeiro nível de atenção e a assistência hospitalar eram
compreendidos como elementos indissociáveis da mesma rede, atendendo aos mesmos usuários, de
acordo com a necessidade. O primeiro nível seria - como efetivamente é, até hoje - responsável pelo
acesso de toda a população aos meios diagnósticos e aos serviços especializados/hospitalares.

Chama a atenção na leitura do relatório que tantas dimensões centrais à organização de sistemas,
em discussão até hoje, já tenham sido abordadas em 1920. O relatório é também caracterizado pela
flexibilidade e é enfatizado que, dentro das diretrizes estabelecidas, deveriam ser levadas em conta
as condições locais, a forma como a população ocupava o território. O próprio esquema proposto
(Figura 1) mostra a multiplicidade de relações estabelecidas entre os componentes da rede, inclusive
com integração horizontal.

A proposta, no entanto, era inerentemente controversa. Sua adoção implicaria em que os hospitais
filantrópicos - principais responsáveis pela atenção hospitalar à época -, desaparecessem como
sistema autônomo; a ideia de organizar serviços para a cobertura de grandes territórios desafiava o

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conceito de governo local e os custos para a construção e manutenção dos serviços necessários
seriam altos. Não se conseguiu chegar a uma proposta final e o relatório foi engavetado 6.

Apenas durante a Segunda Guerra Mundial, no âmbito da discussão de uma nova política de
proteção social, apresentada pelo Relatório Beveridge em 1942, o relatório voltaria a servir de base à
proposta de organização do novo sistema de saúde universal e equitativo.

A organização de serviços e os mecanismos de financiamento e gestão foram alvo de intenso debate


e negociação. A discussão da regionalização expressava a disputa: as novas autoridades sanitárias,
responsáveis pelas regiões, seriam constituídas por um colegiado de autoridades locais ou por
especial designação do poder central?7

Com a vitória esmagadora do Partido Trabalhista no pós-guerra, o National Health Service (NHS)
britânico foi criado em 1948. A organização de serviços seguiu a proposta do relatório, com
mudanças resultantes de acordos com a corporação médica. Como não aceitaram trabalhar como
assalariados em centros de saúde, os médicos generalistas foram contratados por capitação,
responsáveis por cuidados integrais à sua lista de pacientes, com grau importante de autonomia, mas
mantida sua função de gate-keeper, responsáveis pelas referências para os outros níveis e pela
manutenção do vínculo7. Uma nova forma de inserção que se mostrou muito bem-sucedida e foi mais
tarde copiada por vários países.

Com relação à regionalização, considerou-se que sua construção através de colegiados com
decisões tomadas por consenso havia sido inviabilizada por interesses divergentes de hospitais,
autoridades locais e médicos. Após nacionalização e encampação dos hospitais, as regiões foram
instituídas como delegação do poder central, a partir das bases de referência de um hospital
universitário, com populações da ordem de dois milhões de pessoas7.

Pela relação intrínseca entre os princípios de universalidade, equidade e integralidade e a estratégia


de regionalização e hierarquização, o modelo de organização em redes foi seguido por todos os
países que construíram sistemas nacionais de saúde, como os nórdicos e o Canadá, com as devidas
adaptações às especificidades locais. Preconizado pela Organização Mundial de Saúde, compõe a
base da proposta dos SILOS (Sistemas Locais de Saúde), estratégia desenvolvida pela Organização
Pan-Americana da Saúde a partir de meados da década de oitenta8.

Para cumprir as funções do primeiro nível, diferentes países optaram por composições distintas de
recursos, como generalistas autônomos, equipes em centros de saúde ou policlínicas. Mas, em todos
os casos, o primeiro nível é dotado de resolutividade, dada a partir da qualificação dos recursos
humanos, do acesso a meios diagnósticos e terapêuticos e das articulações funcionais com os
demais componentes da rede9.

Ao mesmo tempo, a construção da regionalização é acompanhada do arcabouço jurídico e dos


arranjos institucionais compatíveis, seja em Estados unitários seja em países federativos, de modo a
possibilitar a instituição do comando único, prescrito por Dawnson em 1920.

No caso dos Estados unitários, as regiões são estabelecidas por delegação do poder central, ainda
que com um grau considerável de autonomia (desconcentração) e, no caso das federações ou de
arranjos federativos - Canadá, Espanha, Itália, entre outros -, a descentralização é feita para as
províncias (ou seus equivalentes). As bases para o planejamento são as regiões e os distritos e as
atribuições assumidas pelos governos locais, em geral, restringem-se ao cuidado social10.

Reformas No Sistema Saúde Britânico: Da Competição À Integração

Inserida na ampla agenda de reforma do Estado e no questionamento de seu papel na execução de


políticas, a primeira fase da reforma do sistema de saúde britânico foi implementada no início dos
anos noventa, durante o governo de Margareth Thatcher. Ainda que inicialmente se propusesse a
modificar a base do financiamento, a resistência política à mudança dos princípios do NHS fez com
que as medidas fossem focadas no aumento da eficiência no uso dos recursos públicos, no contexto
de um sistema cronicamente subfinanciado11,12.

A adoção do "mercado interno", com a separação das funções de financiamento e provisão e foco na
competição, substituiu a provisão direta financiada por orçamentos globais. Os hospitais públicos
transformados em trusts - entes públicos autônomos - passaram a disputar os contratos realizados

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pelas autoridades sanitárias, que poderiam comprar serviços também fora de suas regiões e distritos.
Paralelamente, criou-se um projeto-piloto em que era transferido aos generalistas parte do orçamento
da região, para que comprassem serviços para os pacientes sob sua responsabilidade, os GP's
fundholders13 .

Em que pesem os ganhos em eficiência em alguns campos, as medidas resultaram num grau
importante de fragmentação, aumento na desigualdade de acesso e em seleção de pacientes. Os
hospitais passaram a privilegiar os procedimentos mais lucrativos - em geral, cirurgias eletivas para
diminuição de filas de espera - e os pacientes crônicos e idosos tornaram-se pouco atrativos;
hospitais universitários, referência natural para casos mais complexos, não conseguiram garantir
seus orçamentos e os custos administrativos do sistema aumentaram de forma muito significativa 12,13.

O projeto fundholders foi capaz de garantir maior acesso a seus pacientes, mas criou uma clientela
com acesso diferenciado, inadmissível no sistema britânico. Por outro lado, ao instituir centenas de
compradores que contratavam serviços sem articulação com as autoridades regionais, contribuiu
ainda mais para a fragmentação14.

O comprometimento da equidade ajudou a derrubar o governo conservador e, em 1997, os


trabalhistas assumiram, prometendo menos competição e mais cooperação. Durante a década
seguinte, mantidos os princípios fundantes do sistema, instituiriam uma nova leva de reformas, que
geraram novos arranjos para a provisão, inclusive com participação do setor privado na prestação de
serviços.

Mantiveram a contratualização, mas com muito maior grau de controle, com definição central das
diretrizes, parâmetros e indicadores para elaboração dos contratos. Transferiram a ênfase para o
fortalecimento da coordenação entre os níveis da rede - ainda que busquem manter alguma medida
de competição em alguns campos - e reforçaram o papel de planejamento das autoridades sanitárias
nacionais, regionais e distritais. Foram institucionalizados alguns dos ganhos obtidos durante a
primeira fase de reformas, especialmente o aumento do escopo da atenção primária e o estímulo a
arranjos cooperativos que haviam sido criados e que se tornariam a base para os Primary Care
Trusts (PCT) hoje estabelecidos - grupos que congregam os generalistas e que, em conjunto com as
autoridades regionais, compram serviços para seus usuários 9,12.

Foram também desenvolvidas estratégias de coordenação do cuidado clínico, como as clinical


networks/redes clínicas para o tratamento de crônicos, articulação funcional de profissionais dos
diversos níveis de atenção, organizações de pacientes e sociedades de especialistas, que
desenvolvem protocolos clínicos e mecanismos próprios de integração das práticas que perpassam
todos os serviços envolvidos15. O NHS sugeriu a possibilidade das clinical networks se
transformarem em novos trusts com quem seriam realizados contratos, à semelhança dos sistemas
integrados americanos16. No entanto, ainda que a partir de 2000 tenha sido possível a integração
vertical através da criação de trusts, até 2009 um número muito pequeno havia sido estabelecido e
nenhum com as características de uma clinical network17.

Durante os anos 2000, a integração do cuidado - em suas várias concepções - se tornaria o foco da
formulação de estratégias e de projetos-piloto empreendidos pelo NHS, com influência direta da
experiência americana de sistemas integrados18.

Do Outro Lado Do Atlântico: A Experiência Norte-Americana

Baseado em seguro voluntário de empresas e dois grandes programas públicos - o Medicare, de


responsabilidade federal e dirigido à população maior de 65 anos e o Medicaid, para cobertura de
populações de baixa renda, sob responsabilidade dos estados - o sistema americano é caracterizado
pela segmentação e por um grau de fragmentação incomparavelmente maior que os sistemas
públicos, inclusive os de seguro social.

Os custos gerados pela fragmentação, aliada a formas de pagamento por itens e procedimentos,
geraram o significativo crescimento do managed care, originado dos planos de pré-pagamento da
década de trinta, e institucionalizados como política governamental nos anos setenta e oitenta 11.
Engloba diferentes arranjos organizacionais, centrados no pagamento por capitação a distintos tipos
de organizações, que se responsabilizam pela provisão de todo o cuidado a um paciente, seja

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através de rede própria de serviços, seja por diferentes tipos de contratos estabelecidos com
provedores19.

Com a transferência do risco financeiro dos pagadores aos provedores, as organizações


de managed care desenvolveram mecanismos de controle de acesso e de utilização de recursos,
entre os quais a instituição do generalista gatekeeper, que controla o acesso aos especialistas e a
adoção muito rígida de protocolos clínicos e controle da prática profissional 19.

A fragmentação é um problema particularmente importante para o Medicare, com grande proporção


de crônicos entre seus beneficiários e poucas possibilidades de interferir na forma como se organiza
a provisão20. Como alternativa, utiliza as organizações de managed care, que desenvolveram dois
mecanismos principais de coordenação do cuidado a crônicos. O case management/gerenciamento
de casos é dirigido a pacientes mais frágeis, identificados através de seu padrão de alta utilização de
recursos. O coordenador, em geral enfermeiras especializadas em geriatria ou em doenças crônicas
específicas, tem o papel de articular as práticas dos múltiplos provedores envolvidos no cuidado21.

Já os programas de disease management/gerenciamento de doenças crônicas específicas tem por


alvo pacientes e grupos de risco. Entre seus objetivos, está o controle do processo de
desenvolvimento da doença - de forma semelhante aos programas verticais - através de protocolos
clínicos muito estruturados22.

As primeiras empresas especializadas em disease management foram criadas pela indústria


farmacêutica - que permanece responsável por grande fatia do mercado. Do pacote comprado pelo
plano, constavam os protocolos clínicos que incluíam os medicamentos providos pela própria
empresa dentro do contrato22. Estes arranjos causaram estranheza e críticas entre os pesquisadores
e gestores europeus, que consideraram inapropriado que em seus países os sistemas públicos
garantissem fatia de mercado à indústria, ao mesmo tempo em que restringiriam a autonomia clínica
dos médicos em favor dos fabricantes de medicamentos23.

A partir de meados da década de noventa, os programas de disease management foram sendo


ampliados em seu escopo, mudando seu foco de uma patologia específica às múltiplas necessidades
de pacientes crônicos/idosos portadores de comorbidade. Ao mesmo tempo, sua adoção foi se
expandindo e, sob este rótulo, hoje acomodam-se desde pequenas intervenções focalizadas a
programas amplos em escopo e objetivos24.

Do ponto de vista da configuração do sistema, em resposta às formas de pagamento com cada vez
maior transferência de risco aos provedores, num mercado altamente competitivo, ainda na década
de setenta, iniciou-se um intenso processo de reestruturação caracterizado pela consolidação, com a
substituição dos hospitais filantrópicos que haviam sido responsáveis pela maior parte da provisão
por corporações lucrativas25.

As décadas de oitenta e noventa foram marcadas pelo movimento de integração vertical, desde entre
provedores de serviços clínicos de diferentes níveis - em geral, a articulação de serviços
ambulatoriais em torno de um hospital - até a constituição de sistemas mais abrangentes, integrando
provisão clínica, serviços de laboratórios e imagem e de produção de equipamentos e insumos 26.

Este processo deu origem a diferentes combinações de provedores, com conformações estruturais
muito diversas, que se tornaram conhecidas pela denominação genérica de integrated delivery
systems (IDS)/sistemas integrados de provisão. Apenas no período 1993-1997, foram identificados
1.917 sistemas integrados formados e 1.466 dissolvidos26.

Os IDS foram definidos por Shortell27 como uma rede de organizações que provê, ou faz arranjos
para prover, umcontinuum coordenado de serviços de saúde a uma população definida e que
está disposta a prestar contas por seus resultados clínicos e econômicos e pelo estado de
saúde da população a que serve, definição que se tornaria a mais amplamente utilizada.

Redes Em Sistemas Distintos: Em Busca De Um Referencial Conceitual

Em que pesem as diferenças centrais entre redes regionalizadas e sistemas integrados - a começar
pela natureza radicalmente distinta dos sistemas de saúde nos quais estão inseridos -, a semelhança
em alguns arranjos organizacionais e na utilização de instrumentos de integração levou a um debate
sobre as aproximações entre os dois modelos, que influenciou a formulação da política britânica na

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década de 2000 e que ajudou a conformar o grande e pouco delimitado campo dos sistemas
integrados/cuidado integrado.

Em 2002, foi publicado um estudo em que o NHS era comparado à Kaiser Permanente28, uma
organização americana de managed care de tipo grupo - que opera a maior parte dos serviços e que
dispõe de seu próprio quadro de profissionais de saúde. Os resultados seriam favoráveis à Kaiser,
que teria performance semelhante a custo menor. A publicação gerou polêmica e profissionais e
gestores britânicos apontaram a impropriedade da comparação entre o NHS e um sistema integrado,
que opera com seleção de pacientes com relação à condição econômica e idade, os principais
condicionantes da utilização de serviços. Em 2004, foi publicado novo artigo 29, em que eram
questionadas as premissas e a metodologia utilizadas, demonstrando que os casos não haviam sido
tornados comparáveis. Outros estudos se seguiram 30, dando origem a um extenso debate acerca da
possibilidade de aumentar a eficiência e melhorar a qualidade no NHS através da utilização dos
instrumentos desenvolvidos pela Kaiser para cuidado a pacientes crônicos. Como resultado, foi
instituído um programa de cooperação e troca de experiências, que apoia alguns projetos-piloto,
ainda em andamento31.

Outro experimento em integração foi desenvolvido a partir da atenção primária, utilizando o modelo
americano Evercare de case management para pacientes crônicos17. No entanto, não se
observaram efeitos significativos nas admissões hospitalares, tempo de permanência ou mortalidade.
De acordo com os estudiosos britânicos, há pouca evidência de que estas estratégias de integração
possam reduzir internações no caso da Grã-Bretanha, já que a efetividade de abordagens complexas
de case management depende do tipo específico de intervenção, da natureza da população-alvo e
das características do sistema de saúde em questão17.

Outros autores também afirmam que, dadas as diferenças entre os sistemas de saúde, os achados
originados no contexto americano podem não ser facilmente transferíveis e que compreender o
contexto institucional é essencial para a identificação dos facilitadores e das barreiras à
integração24,32.

Como resultado destas experiências, o NHS assumiu uma atitude mais cautelosa, contrariamente ao
que havia sido antecipado, e optou por não definir as estratégias de integração como política
nacional, lançando em abril de 2009 novos pilotos, com o objetivo de buscar mais evidências 17.

No contexto de outro sistema nacional de saúde - da Catalunha, na Espanha -, observou-se a


emergência de sistemas integrados de forma mais assemelhada aos arranjos verticais americanos.
Neste caso, a autoridade sanitária contrata uma multiplicidade de provedores de forma complementar
à provisão pública financiada por orçamentos. Processos de integração vertical se deram a partir da
década de noventa, quando a gestão conjunta de um hospital de agudos, um centro para tratamento
de crônicos e de uma equipe de atenção primária tornou-se o embrião das denominadas
organizações sanitárias integradas, das quais havia dezoito catalogadas em 200633.

Portanto, no grande campo do cuidado integrado, são englobadas experiências que vão dos sistemas
integrados americanos às redes regionalizadas dos sistemas nacionais de saúde, passando por um
conjunto de intervenções com maior ou menor grau de abrangência em seu escopo e que podem ou
não se traduzir em arranjos organizacionais de diferentes tipos. Não por acaso, do ponto de vista
conceitual, é um campo pouco delimitado, sem definições comuns, com uma pletora de terminologias.
Foi descrito alternativamente como "um pântano acadêmico de definições e análise conceitual" 34 ou
mais simplesmente como uma torre de Babel35. Em revisão sistemática recente, foram encontrados
mais de setenta termos ou frases relacionadas à integração, compreendendo 175 definições e
conceitos36.

Nolte e McKee24 observam que a formulação de Shortell reflete fortemente a perspectiva


do managed care, em que a ênfase é numa população definida (mas selecionada), e na integração
das funções de financiamento e da provisão, que nos Estados Unidos tradicionalmente estiveram
separadas. Este conceito não seria facilmente comparável com a interpretação européia, na qual
tradicionalmente integração se refere à integração de setores - saúde e cuidado social - e não de
funções.

Já pesquisadores ligados ao Consórcio Hospitalar da Catalunha utilizam o critério de afiliação da


população para classificar os sistemas ou redes integradas em dois tipos: (1) população definida pelo

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território, sob gestão de uma autoridade sanitária, geralmente formando parte de um sistema nacional
de saúde e (2) população definida por afiliação voluntária, nos países em que se estabeleceu um
mercado para a saúde, como é o caso dos sistemas integrados americanos 37.

Uma série de autores tem argumentado a necessidade de esclarecer conceitos e delimitar modelos,
de modo a tornar possível a compreensão de seu significado, a troca de experiências e a avaliação
de resultados38,39.

Em 2008, a Organização Pan-Americana da Saúde empreendeu consultas nacionais e regionais para


validação de sua proposta de organização de redes, denominada em sua versão final "Redes
Integradas de Serviços de Saúde Baseadas na Atenção Primária"3, que provê um marco conceitual
para os países latino-americanos.

O documento adota uma versão modificada da definição de Shortell, considerando que as Redes
Integradas de Serviços de Saúde podem definir-se como uma rede de organizações que provê,
ou faz arranjos para prover, serviços de saúde equitativos e integrais a uma população
definida e que está disposta a prestar contas por seus resultados clínicos e econômicos e pelo
estado de saúde da população a que serve.

Ao basear as redes na atenção primária e introduzir o conceito de serviços de saúde equitativos e


integrais, a proposta alinha-se no campo das redes regionalizadas dos sistemas públicos e fornece
um marco conceitual para a organização de redes no caso brasileiro.

Uma contribuição central do documento é a clara separação entre os atributos da rede e os


mecanismos e instrumentos de coordenação a serem utilizados para sua implementação. Entre os
treze atributos essenciais definidos, são centrais à discussão aqui realizada: população e território
definidos; extensa rede de estabelecimentos de saúde que presta serviços integrais; primeiro nível de
atenção com cobertura de toda a população, porta de entrada do sistema, que integra e coordena a
atenção e sistema de governança único para toda a rede. Estes atributos remetem à proposta de
Dawson das redes regionalizadas, que assim constituídas, devem utilizar mecanismos de
coordenação ao longo de todo o continuum dos serviços.

De acordo com a proposta, dada a diversidade de contextos, não seria possível prescrever um
modelo organizacional único para as redes e vários esquemas seriam possíveis. O objetivo da
política pública seria o de propor um desenho que satisfaça as necessidades organizacionais
específicas de cada sistema.

São identificados instrumentos de política e mecanismos institucionais, cuja pertinência dependerá de


cada contexto específico. Uma questão central, ainda, é que quaisquer que sejam os mecanismos ou
instrumentos utilizados, devem estar sempre respaldados por uma política de Estado que impulsione
as redes como estratégia fundamental para o alcance de serviços de saúde mais acessíveis e
integrais, apoiada em um referencial jurídico coerente.

Conclusão

Ao colocar no centro do debate a discussão da integração/coordenação do cuidado, o processo de


reforma dos sistemas nacionais, em sua fase mais recente, passou a utilizar mecanismos e
instrumentos próximos aos desenvolvidos no mercado americano. Este, por outro lado, como
resposta às pressões de mercado, experimentou processos de integração vertical com arranjos
organizacionais em níveis de atenção, generalistas gatekeepers e mecanismos de referência, que
lembram os modelos tradicionais de organização em redes dos sistemas universais.

No entanto, ainda que os arranjos organizacionais e os instrumentos institucionais em busca da


integração do cuidado sejam similares - desenvolvidos num padrão comum de alta expectativa de
vida e prevalência de doenças crônicas -, os valores, premissas e objetivos que informam cada um
dos sistemas e a resultante forma de organização de serviços implicam contextos muito distintos.

Os sistemas nacionais de saúde operam redes com populações definidas geograficamente por que
saúde é entendida como bem público e o sistema é universal e equitativo. As redes são o instrumento
de garantia do direito, ampliando acesso e diminuindo desigualdades. A regionalização e a
constituição de redes são compreendidas em suas dimensões técnica e política. Ao mesmo tempo
em que são a única forma de garantir acesso a cuidado integral de forma igualitária, envolvem

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disputas de poder e requerem decisões de política pública que certamente ferem interesses. A região
é institucionalizada e tem comando único por que, sem institucionalidade, não é possível garantir o
direito e, sem comando único, não é possível cobrar a responsabilidade sanitária.

Dependendo do contexto, esta autoridade sanitária pode utilizar a estratégia de contratualização para
a garantia da provisão, inclusive através de provedores privados, e até mesmo empregar
mecanismos de pagamento ou de outro tipo que incentivem a integração vertical e a emergência de
sistemas integrados. No entanto, não lhe deveria ser possível abdicar da responsabilidade sobre as
condições de saúde e o acesso da população às ações e serviços. A utilização da contratualização,
pelo contrário, implica decisão política para exercício do poder regulatório, inseparável da capacidade
técnica para definição do plano no qual os contratos estarão inseridos e para o desenho dos
instrumentos, incluído o alinhamento dos incentivos financeiros.

As redes regionalizadas a serem construídas no SUS claramente estão neste campo, com referencial
teórico remetendo a Dawson, atualizado na proposta da OPAS. Sua construção nestes moldes, no
entanto, representa alguns desafios, considerando as dimensões técnica e política, de resto
indissociáveis.

Frente à peculiar combinação de uma federação trina com descentralização da responsabilidade


sanitária para o nível local, como construir a regionalização? Do ponto de vista técnico, como se
configuram as regiões de saúde? Qual o grau de autossuficiência da "extensa rede de serviços que
provê cuidados integrais" que propõe a OPAS? Do ponto de vista político institucional, como construir
o território regional? Qual o papel e a responsabilidade de cada ente federado na constituição deste
espaço? Como construir a institucionalidade?

O enfrentamento destes desafios permitirá definir um marco referencial para a constituição das redes,
em suas diretrizes gerais - a ser traduzida em condições regionais específicas -, e permitirá avaliar
possibilidades e limitações de modo a embasar a escolha dos mecanismos e instrumentos
pertinentes.

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