História
História
História
* Mestranda em História pela Universidade Católica de Goiás, professora de História Universidade Estadual
de Goiás.
1 Documentos produzidos pelo Pe. Lorenzo encontram-se na sede da congregação em Barcelona. Em nosso
encontro pessoal com o superior Pe. Benjamim, ficou acordado que tais documentos, juntamente com outros
da instituição referentes à Paroquia de Santo Antonio Mara Rosa e ao período estudado, serão trazidos
pessoalmente pelo superior para a casa da Congregação em Goiânia em julho de 2009, a partir de quando
teremos acesso aos mesmos.
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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
A gente aqui achava muito bom os padres porque era o começo e eles eram um
incentivo para o povo, para educação(logo eles começaram a lecionar) pra
diminuir a violência. O que que a gente fazia? a gente ajudava como podia: eu
mesma costurava batina para o padre, os forros do altar eu costurava e bordava
tudo; até aqueles forrinhos que eles usam na celebração eu fazia. Outra coisa que a
gente fazia eram os leilões, porque a renda era pras despesas dos dois padres no
começo, depois que o padre Pedro foi pra Minaçu aí ficou so o padre Lorenzo, mas
3 Amaro Leite é uma cidade do séc. XVIII, mas devido à escassez de água e relevo acidentado, os moradores
decidem se mudar para um lugar onde houvesse condições para a cidade crescer e prosperar e abundância de
água, esse novo lugar recebe o nome de Mara Rosa em homenagem a uma das filhas de José Maurício de
Moura primeiro prefeito eleito.
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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
À nossa chegada, estava formado em duas fileiras, diante do templo paroquial, todo
o pessoal da cidade, bem como muitos outros povos vizinhos. Saudamos as
excelentíssimas autoridades, falamos um pouquinho e, ato seguido, passamos entre
as fileiras, enquanto ressoavam os cantos e vivas: não faltavam os foguetes.
Também tinham levantado um arco triunfal com bananeiras. Assim foi a nossa
entrada na paróquia. Já dentro do templo, realizaram-se as cerimônias oficiais de
tomada de posse na presença do bispo. Celebrei a Missa e preguei o primeiro
sermão a meus paroquianos; se entenderam a metade do que falei, dou-me por
satisfeito, porque os que nos ouvem pela primeira vez, entendem pouco. Ao terminar
a Missa, vinte meninos já esperavam para serem batizados e, pela tarde, três
casamentos. Assim se passou o primeiro dia de pároco, a quem aqui se costuma
chamar de vigário. ( Pe. Lorenzo, 02/11/1961)
O novo pároco assume sua nova paróquia, e na presença do bispo celebra missa, batiza
e assiste casamento; prega, mesmo sabendo que não é totalmente entendido pela assembléia. A
partir do discurso do Pe. Lorenzo Arias, e das representações que faz sobre a gente e o lugar,
podemos identificar estratégias de imposição de autoridade, do “tomar para si” certeauneano,
4 Essas formas de leilões eram também observadas nos festejos do padroeiro Santo Antonio de Pádua, nos nove
dias que antecediam à festa ocorrida dia 13 de junho.
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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
Ele sabia e ensinava como pai tomou logo as rédeas da situação - como a gente
costumam dizer por aqui - assim que chegou. A mim ensinou rezar em latim, a fazer
hóstias que a gente assava numa forminha. Ele também fundou o Apostolado, e fez
de tudo para criar o movimento chamado as filhas de Maria, mas não deu certo.
Observemos a descrição da alegria com que o povo recebia os padres, mas não era só a
fé que movia tais sentimentos, ter um padre na comunidade era elevação de status, uma vez
que eram considerados como o impulso que iria ajudar a cidade a crescer, pois o modelo de
igreja evidenciava a figura do padre e o apresentava como essencial.
A fundação do Apostolado da Oração na cidade pode ser entendida como uma
estratégia do pároco para promover a união do fiel a Jesus e a eucaristia, uma vez que, na
carta aos superiores escreve:
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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
Vou contar-lhes algo de minhas atividades neste sertão brasileiro. Começarei por
meu itinerário semanal pela montanha. Passo a maior parte da vida viajando pelas
capelas para poder assisti-las a todas pelo menos uma vez a cada dois meses. (...)
algumas estão na montanha onde só se chega por caminhos intransitáveis para
carros. Por carta aviso a estas com 15 ou 20 dias de antecedência e, chegado o dia,
alguém vem me buscar de um povoado a outro com cavalo ou carroça. (...) nos dias
3, 4 e 5 de julho estive umas fazendas a umas 18 léguas (100km) de Mara rosa desta
vez um amigo me levou de Jeep. No dia 4, fiz 18 batismos e 28 confirmações.
Terminei às 4hs e, depois de merendar empreendemos viagem para outra fazenda
3,5 léguas da anterior. Fazia 14 anos que um sacerdote não vinha a esta fazenda.
Nossa surpresa foi grande, ao ver que à nossa chegada, iam chegando caravanas de
gente montada a cavalo vindas de outras fazendas, algumas distantes três ou 4
léguas. Aquilo me recordava os filmes do faroeste americano, já que quase todos os
homens vinhas armado de revolver. (...) Realizei bem o giro missionário, graças a
Deus sem grandes dificuldades e portando-me como um verdadeiro cavaleiro; só
que não acertava pôr as esporas e montava do lado contrário.
Tendo como base esses princípios, podem-se entender essas viagens também eram
utilizadas para diminuir a distância cultural entre o padre e o povo. A prática das viagens do
padre vem corroborar a afirmação de Serbin (2008, p. 39), a respeito do padre como elemento
de modernização: “ O fluxo de pessoas e idéias para o Brasil na segunda metade do século
XX constituiu uma terceira onda de evangelização na qual os padres mais uma vez atuaram
como agentes de modernização”.
Na cidade, os ad’ Vincula empreendem contatos políticos e conseguem por tais meios
ainda na década de sessenta: terminar a casa paroquial, um terreno de 18mil metros quadrados
e Cr$ 2.000,00 como ajuda para levantar o colégio São Pedro ad Vincula. Padre Lorenzo se
encontra bastante animado com o crescimento da cidade, pois a partir de sua chegada muitos
fazendeiros da região constroem casas na sede do município a fim de educarem seus filhos.
Também, a capela que ao chegarem ficava quase vazia nos fins de semana, um ano depois já
tem que celebrar três eucaristias para dar conta da demanda de fiéis.
A partir desse referencial, fica explicito que Pe. Lorenzo estava preocupado
fundamentalmente com questões de caráter sacramental e moral. Sendo possível visualizar,
também, a intenção de que fala de Certeau, “ da prática panóptica”, da leitura do espaço, a
fim de “conquistar para si um lugar Próprio” (p. 100).
As táticas identificadas dizem respeito à práticas de conquista da confiança do padre,
pelos fiéis, a festa pois “ o dia é terminado com o terço, a procissão, as ladainhas, cânticos...
Porque o povo diz que o dia em que o padre vem é dia de festa e a festa não pode passar sem
procissão.” (Pe. Lorenzo Martinez). Antagônicas às práticas de “agrado” ao padre e à festa,
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ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
até o momento, foram as ações dos fiéis da comunidade rural Amarolândia que segundo
depoimentos orais, os líderes se recusaram a entregar ao padre a renda da festa do padroeiro e
o padre por sua vez imputou-lhes a comunidade ficar sem os sacramentos até que os
numerários fossem devidamente remetidos aos cofres da paróquia; embate que so se resolveu
após um ano.
Ao fundamentar nossa pesquisa nas concepções de De Certeau, será, pois, preciso
explanar os conceitos de Estratégia e Tática. Assim, o autor (2007, p.99), concebe a estratégia,
sob a forma de uma ação que supõe a existência de um lugar próprio, “como algo próprio e
ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade”.
Já a idéia de tática leva à interioridade, visto que, com relação às estratégias, ele define
táticas como
[...] a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. Então
nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não
tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é
imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. [...] Em suma, a tática é a
arte do fraco.
O autor opõe os dois conceitos diferenciando-s por tipos de operação que cada um é
capaz de efetuar. Enquanto as estratégias dizem respeito a produzir e impor, as táticas só
permitem utilizar, manipular e alterar algo, que no nosso estudo trata-se da ação dos fiéis.
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