Antologia de Poesia Portuguesa
Antologia de Poesia Portuguesa
Antologia de Poesia Portuguesa
representando uma construção fortíssima do imaginário inteligibilidade para o leitor comum, é, no entanto, apontada
português.. Na obra poética de Camões identificam-se dois por muitos como um dos nomes mais inovadores e importantes
estilos: o das redondilhas (a medida velha) e de alguns sonetos da ficção portuguesa. A sua carreira literária iniciou-se com Os
(a medida nova), na tradição do Cancioneiro Geral; outro, o Pregos na Erva (1962), obra que inaugurou uma nova forma de
estilo de inspiração latina ou italiana de muitos outros sonetos e escrever, embora estruturalmente se assemelhe a um livro de
das composições (h)endecassílabas maiores. Sua história de contos. Os cantores da leitura (2007) é o título do último livro
vida apresenta grandes lacunas, mas sabe-se que serviu como publicado em vida. Escreveu três diários e mais de duas
soldado do Rei, embarcado para a África, afastado de Portugal dezenas de narrativas de ficção, número que deve aumentar
cerca de 20 anos. Voltou pobre, doente e envelhecido para com os resultados da pesquisa em curso do seu espólio literário
Lisboa, onde vem a morrer praticamente na indigência. Sua em Sintra.
poesia lírica foi publicada após a morte, com inúmeros MIGUEL TORGA (1907/1995) - Miguel Torga, pseudónimo
problemas de edições, que a crítica especializada até hoje de Adolfo Correia Rocha, foi um dos mais importantes
estuda, em busca de um corpus seguro. escritores portugueses do século XX. Em 1928 entra para a
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publica
o seu primeiro livro, Ansiedade, de poesia. Em 1929, com 22
MANUEL ALEGRE (1936) - Estudou Direito na anos, deu início à colaboração na revista Presença, que era a
Universidade de Coimbra. Cumpriu o serviço militar na guerra bandeira literária do grupo modernista e era também, bandeira
colonial em Angola, quando participou de movimentos de libertária da Revolução Modernista. Em 1930 para de colaborar
resistência e foi preso pela polícia política (PIDE). A com a revista. Sua obra reúne poesia, contos e diários. Seus
perseguição obrigou-o à clandestinidade ou à emigração livros estão traduzidos para diversas línguas, algumas vezes
durante 10 anos. Paralelamente à carreira política, produziu publicados com um prefácio seu: espanhol, francês, inglês,
larga obra literária que lhe conferiu notoriedade tanto nos alemão, chinês, japonês, croata, romeno, norueguês, sueco,
meios acadêmicos quanto nos meios populares. Destaca-se, holandês, búlgaro.
sobretudo, a sua produção poética que foi muito premiada, em
especial o Prêmio Pessoa (1999) concedido pelo conjunto da
obra. Tendo vivido no exílio, seus poemas tornaram-se OLGA GONÇALVES (1929/) - Escritora portuguesa natural
verdadeiras canções de liberdade e de resistência à ditadura. de Luanda. Embora tenha feito a sua estréia como poetisa com
Atualmente, exerce cargo político, além da produção literária. o volume Movimento (1972), a sua atividade foi sobretudo de
Destacamos as obras Praça da Canção(1965), O Cantos e as romancista. Na prosa, a autora debruçou-se sobre aspectos da
Armas (1967) e Coisa Amar (Coisas do Mar) (1976). sociedade portuguesa, como a emigração, as mudanças
provocadas pela revolução do 25 de Abril de 1974, o papel da
mulher nos movimentos históricos e a sua situação na
MARIA GABRIELA LLANSOL (1931/2008) - Licenciou-se sociedade. Obras a destacar: A Floresta em Bremenhaven
em Direito e em Ciências Pedagógicas. Considerada uma (1975), Este Verão o Emigrante Là-Bas (1978) e Só de Amor
autora cuja escrita mostra-se, aparentemente, de difícil (1975).
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Renascimento. Inúmeros autos famosos e extremamente dos Cães (1982). O livro de crônicas e ensaios E Agora, José?
referenciados ao longo dos séculos. Destacamos: Auto da (1977) é de grande interesse para compreender sua relação com
Alma, Trilogia das Barcas, Auto da India e Autos de Inês a literatura e o mundo. Escritor bastante crítico da situação
Pereira. ditatorial em que viveu, aliou ao conteúdo de denúncia e
combate estratégias narrativas de grande modernidade e
originalidade. Os prêmios literários e a crítica literária
JORGE DE SENA (1919/1978) - Foi poeta, crítico, ensaísta, demonstram o lugar importante de sua produção no panorama
ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário. do romance português moderno-contemporâneo.
Vivenciou o exílio, por oposição ao regime salazarista, no
Brasil e, depois, nos Estados Unidos, onde veio a falecer, com
sólida carreira de docente de literaturas brasileira e portuguesa. JOSÉ SARAMAGO (1922) - Único escritor português
Licenciado em engenharia civil, dedicou-se sempre à carreira galardoado com o Nobel da Literatura (1998), ganhou também
de Letras. Foi, sem dúvida, um dos maiores intelectuais o Prêmio Camões, além de outras honras em Portugal e no
portugueses do século XX. Tem uma vasta obra de ficção, exterior. De origem pobre e com apenas o ensino industrial,
drama, ensaio e poesia, além de vasta epistolografia com completou a sua formação de forma autodidata. Tornou-se
figuras tutelares da história e da literatura portuguesas. Sua cronista, dramaturgo, poeta, contista e romancista, tendo
obra organiza-se fundamentalmente pela idéia de testemunho, publicado tardiamente o seu primeiro romance, Manual de
defendendo a dignidade humana e a liberdade. De sua pintura e caligrafia (1977), considerado a sementeira dos
vastíssima obra, destacamos em poesia o livro Metamorfoses demais que lhe granjearam renome internacional e que podem
(1963), de sua ficção, o romance Sinais de Fogo (1979) e de se agrupar em duas fases: a primeira, de crítica à cultura
sua ensaística, os inúmeros estudos sobre a obra Camoniana, do portuguesa representada por Levantado do chão (1980),
qual foi esmerado leitor. Memorial do convento (1982), O ano da morte de Ricardo
Reis (1984), Jangada de pedra (1986), História do cerco de
Lisboa (1989), O evangelho segundo Jesus Cristo (1991); e a
JOSÉ CARDOSO PIRES (1925/1998) - O seu trajeto pessoal segunda fase, de crítica humanista, iniciada com o Ensaio
e a sua carreira de escritor são marcados pela inquietação e pela sobre a cegueira (1995), a que se seguiram outros títulos.
deambulação. Trabalhou como jornalista e redator de Algumas obras foram adaptadas para o teatro, a ópera e o
publicidade, dedicando-se depois inteiramente à literatura. A cinema.
relação mais consistente e duradoura, no campo literário, deu-
se com o movimento neo-realista português até ao 25 de Abril
de 1974. O final de década de 50 e os anos 60 concentram LUÍS DE CAMÕES (1524/1580) - É frequentemente
romances importantes, entre os quais: O Anjo Ancorado considerado o maior poeta de língua portuguesa e dos maiores
(1958), Cartilha do Marialva (1960), Jogos de Azar (1963), O da sua história. O seu génio é comparável ao de Virgílio,
Hóspede de Job (1963) e O Delfim (1968). Destacam-se Dante, Cervantes ou Shakespeare. Das suas obras, a epopéia Os
também Dinossauro Excelentíssimo (1972) e Balada da Praia Lusíadas (publicada em 1572) é a mais significativa,
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póstumo), além de contos, intensa correspondência e crônicas. feitos dos reis da primeira dinastia (Afonsina) de Portugal. De
Morreu em Paris. Seus livros foram traduzidos em sua obra, chegaram até nós a Crônica d´El-Rei D. Pedro, a
aproximadamente 20 idiomas. É o grande nome do romance Crônica d´El-Rei D. Fernando e a Crônica d´El-Rei D. João I
português oitocentista. (1.ª e 2.ª partes). Foi o defensor do chamado “evangelho
português” que sustentou ideologicamente a dinastia gloriosa
de Avis. Do ponto de vista da forma, o seu estilo representa
FERNANDO PESSOA (1888/1935) - Órfão de pai, uma literatura de expressão oral e de raiz popular, com grande
acompanhou sua mãe em novo casamento com um diplomata habilidade narrativa que ultrapassa de muito o mero registro
português que servia na África do Sul, de onde retornou para históriográfico.
Lisboa, perto dos 18 anos. Sem nunca mais sair de Portugal, e
pouco publicar em vida, Pessoa deixará uma obra extensa e
múltipla que até hoje mobiliza a atenção de críticos de várias FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO (1938/2007) - Estreou
nacionalidades. Foi mentor, junto com Mário de Sá-Carneiro e como autora com Em Cada Pedra Um Voo Imóvel (1957), obra
Almada Negreiros, do grupo / Revista Orpheu (1915) que se que lhe valeu o Prêmio Adolfo Casais Monteiro. Ganha
tornaria marco fundamental do primeiro modernismo notoriedade no meio literário a partir de Morfismos, em Poesia
português. Poeta conhecido pela criação de heterônimos, com 61, publicação onde se reúnem cinco jovens poetas: Gastão
obras e biografias próprias: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Cruz, Fiama H.P. Brandão, Luiza Neto Jorge, Maria Teresa
Alberto Caeiro são três dos mais importantes. Outro semi- Horta e Casimiro de Brito. É considerada como uma das mais
heterônimo Bernardo Soares é responsável pelos fragmentos importantes poetas da contemporaneidade portuguesa. Entre
que, na década de 80 do século XX, serão publicados como O suas obras, destacamos: Barcas Novas (1967), O Texto de
Livro do Desassossego. A principal obra de Fernando Pessoa, João Zorro (1974), Homenagemàliteratura (1976), Obra
publicada em vida, é Mensagem (1934), uma coletânea de Breve (1991) e Cenas Vivas (2000). Destaque-se também sua
poemas sobre grandes personagens históricos portugueses, produção em prosa, teatro e o livro de ensaio O Labirinto
numa leitura mítica e utópica da questão portuguesa. Sua obra Camoniano e outros Labirintos,de 1985.
em prosa é também múltipla e extensa. Sem dúvida, é o grande
nome da Literatura Portuguesa do século XX. A bibliografia a
respeito de sua obra é imensa, atestando o interesse que sua GIL VICENTE (1465/1536) - É considerado o primeiro
obra tem produzido em diversos ensaístas para além de grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Há
Portugal. quem o identifique com o ourives, autor da Custódia de Belém,
mestre da balança, e com o mestre de Retórica do rei Dom
Manuel. Enquanto homem de teatro, parece ter também
FERNÃO LOPES (1378/1459) (?) – De biografia pouco desempenhado as tarefas de músico, ator e encenador. É
conhecida, sabe-se que foi tabelião, Guarda-Mor da Torre do frequentemente considerado, de uma forma geral, o pai do
Tombo e cronista nomeado pelo rei D. Duarte (2ª dinastia teatro português. A obra vicentina é tida como reflexo da
portuguesa – a de Avis) que o incumbiu de pôr em crônica os mudança dos tempos e da passagem da Idade Média para o
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Referências biobliográficas dos autores citados nesta Micropaisagem (1969), e no romance, Casa na Duna (1943),
Antologia, em ordem alfabética Uma abelha na Chuva (1953), Finisterra (1978) e O Aprendiz
de Feiticeiro (1971), livro de crônicas.
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Paulo: Cortez, 2002, p. 475-501. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1976 [capítulos: “Lírica,
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Entre ser e estar: raízes, percursos e discursos da com atualizações desse livro]
identidade. Porto: Afrontamento, 2002. 111. ______. Camões: labirintos e fascínios. Lisboa:
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Texto teórico
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
ou mais que qualquer delas uma fiel vale mais que uma vida ou a alegria de té-1a.
dedicação à honra de estar vivo. É isto o que mais importa - essa alegria.
Um dia sabereis que mais que a humanidade Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não tem conta o número dos que pensaram assim, não é senão essa alegria que vemos
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
de insólito, de livre, de diferente, está menos vivo ou sofre ou morre
e foram sacrificados, torturados, espancados, para que um só de vós resista um pouco mais
e entregues hipocritamente â secular justiça, à morte que é de todos e virá.
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de Que tudo isto sabereis serenamente,
[sangue.» sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, e sobretudo sem desapego ou indiferença,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas ardentemente espero. Tanto sangue,
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, tanta dor, tanta angústia, um dia
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam não hão-de ser em vão. Confesso que
[vivido, multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória. de opressão e crueldade, hesito por momentos
Às vezes, por serem de uma raça, outras e uma amargura me submerge inconsolável.
por serem de urna classe, expiaram todos Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
s erros que não tinham cometido ou não tinham consciência quem ressuscita esses milhões, quem restitui
de haver cometido. Mas também aconteceu não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
e acontece que não foram mortos. Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer, aquele instante que não viveram, aquele objecto
aniquilando mansamente, delicadamente, que não fruíram, aquele gesto
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus. de amor, que fariam «amanhã».
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, E. por isso, o mesmo mundo que criemos
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
há mais de um século e que por violenta e injusta que não é nossa, que nos é cedida
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, para a guardarmos respeitosamente
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria em memória do sangue que nos corre nas veias,
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos. da nossa carne que foi outra, do amor que
Apenas um episódio, um episódio breve, outros não amaram porque lho roubaram.
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
SENA, Jorge de. Poesia II. Lisboa>: Edições 70, 1988.
a caminho do mundo que vos sonho.
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2- Considerando todos os fragmentos lidos até o momento cheia de afáveis para os estrangeiros
nesta recolha, discuta o fragmento II acima. que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
JORGE DE SENA terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
A Portugal que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não. como esses sentimentos de oito séculos
Nem é ditosa, porque o não merece. de roubos e patrões, barões ou condes;
Nem minha amada, porque é só madrasta. ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
Nem pátria minha, porque eu não mereço eu te pertenço.
A pouca sorte de ter nascido nela. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta és peste e fome e guerra e dor de coração.
quanto esse arroto de passadas glórias. Eu te pertenço mas seres minha, não
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são SENA, Jorge. 40 anos de servidão. Lisboa: Edições 70, 1989.
por serem meus amigos, e mais nada.
CARTA A MEUS FILHOS
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca Os Fuzilamentos de Goya
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza, Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
de mesquinhez, de fatua ignorância; É possível, porque tudo é possível, que ele seja
terra de escravos, cu pró ar ouvindo aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto; onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
terra de funcionários e de prostitutas, de nada haver que não seja simples e natural.
devotos todos do milagre, castos Um mundo em que tudo seja permitido,
nas horas vagas de doença oculta; conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
terra de heróis a peso de ouro e sangue, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
e santos com balcão de secos e molhados E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
no fundo da virtude; terra triste o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
à luz do sol calada, arrebicada, pulha, ainda quando lutemos, como devemos lutar,
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SARAMAGO, José. A jangada de pedra. Lisboa: Caminho, 1986. p. 14. Textos teóricos
Fragmento II 1- Toda leitura é necessariamente intertextual, pois, ao ler,
estabelecemos associações desse texto do momento com
Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um outros já lidos. Essa associação é livre e independente do
convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der comando de consciência do leitor, assim como pode ser
um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que independente da intenção do autor. Os textos, por isso, são
estamos, e todos disseram, Deus ouça vossa majestade, e lidos de diversas maneiras, num processo de produção de
ninguém ali sabia quem iria ser posto à prova, se o mesmo
63
PIRES, José Cardoso. O delfim. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2- A intertextualidade é prática fundamental em O Delfim.
1983. Comprove essa afirmação, analisando os textos que se
cruzam na enunciação do romance.
3- Qual a relação entre escrita – História – versões do real no
Textos teórico-críticos caso de O Delfim?
1- “Toda escrita é colagem e glosa, citação e comentário”
(COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação, p.29)
Questões de análise
[...] Com efeito, o texto interpela o leitor de uma forma directa, Na gândara há aldeolas ermas, esquecidas entre pinhais, no fim
obrigando-o a identificar-se com essa cena subjectiva, e a do mundo. Nelas vivem homens semeando e colhendo, quando
projectar-se nesse tu a quem é exigida uma resposta. O leitor é, o estio poupa as espigas e o inverno não desaba em chuva e
então, uma figura necessária nessa cena inconsciente, aí lama. Porque então são ramagens torcidas, barrancos, solidão,
figurando como o único elemento capaz de esclarecer o mundo naquelas terras pobres.
não visível do poema e de conferir uma presença real ao Ao fundo dum desses sítios, há uma pequena lagoa que o calor
sujeito poético. [...] de julho seca. A aldeia chama-se Corrocovo e a lagoa nem
sequer tem nome. Quando a água se escoa, a concha gretada
JÚDICE, Nuno. As máscaras do poema. Lisboa: Aríon, 1998. p. 34. está coberta de bunho. As mulheres ceifam-nos, estendem-no
ao sol, e entraçam esteiras que vão vender às feiras da vila de
Corgos.
Questões de análise
Mariano Paulo e os amigos descem da quinta, caçam ali os
patos bravos, quando o outono os leva de passagem para as
1- O drama em gente pessoano é um drama na linguagem.
terras quentes do sul. O charco espalha sezões nos casebres á
Desenvolva a afirmação.
borda de água e agasalha as aves para os senhores da aldeia
2- Qual é a relação com a linguagem defendida por
derrubarem a tiro. Aves com frio, caçadas crepusculares. (cap.
Caeiro?
I, Casa na Duna)
3- A partir do que afirma Nuno Júdice, em citação acima,
discuta os poemas Autopsicografia e Isto.
Fragmento II
Soneto, de Cantata
ISTO
FERNANDO PESSOA
Dizem que finjo ou minto
(poema sexto – Parte II Os Castelos, de Mensagem) Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo Com a imaginação.
O plantador de naus a haver, Não uso o coração.
E houve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo Tudo o que sonho ou passo,
De império, ondulam sem se poder ver. O que me falha ou inda,
É como que um terraço
Arroio, esse cantar, jovem e puro, Sobre outra coisa ainda.
busca o oceano por achar; Essa coisa é que é linda.
É a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro, Por isso escrevo em meio
É a voz da terra ansiando pelo mar. Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
AUTOPSICOGRAFIA Sentir? Sinta quem lê!
O poeta é um fingidor. PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1981.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Mantém-se a chá e pão! Chama por ela a cova. aprende (a “novidade”agora!) que nenhum grande relato virá
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente, em seu socorro. A aprendizagem errante pela “Babel tão velha
Oiço-a cantarolar uma canção plangente e corruptora” (“A débil”) chega também ao campo que, depois
Duma opereta nova! da emigração em massa, não poderá jamais ser o mesmo. [...].
Perfeitamente. Vou findar sem azedume. SILVEIRA, Jorge Fernandes da. Verso com verso. Coimbra: Angelus
Novus, 2003. p.155.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas, Questões de análise
Impressas em volume?
1- Discuta no poema acima a idéia de ser “o trabalho o
Nas letras eu conheço um campo de manobras; articulador das estruturas sociais.”
Emprega-se a "réclame", a intriga, o anúncio, a "blague", 2- Destaque na linguagem do poema o “jeito moderno” de
E esta poesia pede um editor que pague Cesário Verde.
Todas as minhas obras... 3- O poeta, atento ao mundo que o rodeia, aos detalhes mais
comezinhos e anti-líricos do cotidiano, constrói uma escrita
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? lúcida e altamente crítica da sociedade de seu tempo.
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia? Desenvolva essa afirmação com elementos do poema acima
Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia... transcrito e outros lidos durante o curso.
Que vida! Coitadinha!
Texto crítico
Todo o drama e todo o romance precisa de: Que tenha o governo juízo; que as faça de pedra, que pode; e
Uma ou duas damas; viajaremos, com muito prazer e com muita utilidade e proveito,
Um pai: na nossa boa terra. (capítulo último)
Dois ou três filhos de dezanove a trinta anos;
Um criado velho;
Um monstro, encarregado de fazer as maldades; Texto crítico
Vários tratantes, e algumas pessoas capazes para intermédios.
Ora bem; vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de Eugénio A estrutura da sociedade garrettiana percebe-se claramente na
Sue, de Vitor Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as construção de Viagens na Minha Terra: encontrando ou
figuras que precisa, gruda-as sobre uma folha de papel da cor fazendo amigos no seio do povo ou numa aristocracia
da moda, verde, pardo, azul [...] forma com elas os grupos e esclarecida, o poeta troca ideias e impressões, comenta os
situações que lhe parece; não importa que sejam mais ou menos acontecimentos, critica a situação política com uma ironia
disparatados. Depois vai-se às crónicas, tiram-se uns poucos de chicoteante; esta estrutura é dominada, finalmente, pela
nomes e palavrões velhos; com os nomes crismam-se os narrativa, que ocupa uma grande parte do livro, romance dentro
figurões; com os palavrões iluminam-se...(estilo de pintor do romance.
pinta-monos). – E aqui está como nós fazemos a nossa É preciso, porém, chegar ao capítulo X para entrar neste
literatura original. (cap. V) romance subtil, encruzilhada de significações, espécie de
autobiografia vista do interior e retrato de uma revolução
social, se o considerarmos de fora. Tanto de um lado como de
Fragmento III outro, é um documento doloroso.
FRANÇA, José-Augusto. O romantismo em Portugal. 3ªed. Lisboa:
[...] Horizonte, 1999. pp.113-114.
Assim terminou a nossa viagem a Santarém e assim termina
este livro. Questões de análise
Tenho visto alguma coisa do mundo e apontado alguma coisa
do que vi. De todas quantas viagens, porém, fiz, as que mais 1- Como a estrutura das Viagens de Garrett demonstra essa
me interessaram sempre foram as viagens na minha terra. “encruzilhada de significações” de que fala Jose-Augusto
Se assim o pensares, leitor benévolo – quem sabe? - , pode ser França.
que eu tome outra vez o bordão de romeiro e vá peregrinando 2- Por que é dito que a linguagem utilizada nas “Viagens” é
por esse Portugal fora, em busca de histórias para te contar. um marco da moderna prosa literária portuguesa?
Nos caminhos de ferro dos barões é que eu juro não andar. 3- O narrador, ao questionar a todo momento sua narrativa, faz
Escusada é a jura, porém. claramente a crítica da literatura de sua época e a
Se as estradas fossem de papel, fá-las-iam, não digo que não. problematização da criação literária por meio da ironia e da
Mas de metal! sátira. Comente essa afirmação com elementos retirados
dos fragmentos literários acima.
55
(...)
Texto crítico
154
A liberdade de juízo que Camões patenteia na epopéia lhe vem,
Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,
em parte, de sua qualidade de humanista, mas também, e
De vós não conhecido nem sonhado?
sobretudo, da de homem inserido numa época de crise, capaz
Da boca dos pequenos sei, contudo,
de avaliar a grandeza do esforço realizado, identificando-se
Que o louvor sai às vezes acabado;
com ele no que encerra de afirmativo do homem superador da
Nem me falta na vida honesto estudo,
própria condição, mas capaz também de enxergar-lhe o outro
Com longa experiência misturado,
lado, o que irrompe dos relatos da história trágico-marítima:
Nem engenho, que aqui vereis presente,
capaz de sentir que o grande momento de Portugal já passou,
Cousas que juntas se acham raramente.
mas existiu, em toda a plenitude da empresa que utilizou o
homem integral – o da ciência, da técnica e da ação. Essa
155
liberdade de juízo, porém, poderia não ter sido conservada pelo
Para servir-vos, braço às armas feito;
Poeta que criava uma epopéia – narrativa de feitos
para cantar-vos, mente às Musas dada;
positivamente apresentados, sem questionamento, destinada à
Só me falece ser a vós aceito,
exaltação de um povo. E aqui está uma das razões da grandeza
De quem virtude deve ser prezada.
do poema que, à medida que se faz, questiona não somente o
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
contexto que utiliza, mas o próprio enunciado que consagra
Digna empresa tomar de ser cantada
este contexto. A matéria épica, apesar da visão crítica do Poeta,
- Como a pressaga mente vaticina,
apesar das tremendas acusações do Velho do Restelo,
Olhando a vossa inclinação divina -,
permanece válida mas não indiscutida: há pelo menos duas
verdades possíveis.
156
Serão, por isso, Os Lusíadas menos epopéia que a Odisséia ou a
Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
Eneida? Nem menos, nem mais. Os Lusíadas são a epopéia de
A vista vossa tema o monte Atlante,
53
LUIS DE CAMÕES 40
Os Lusíadas Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Canto V Que um dos sete milagres foi do mundo.
C’um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
37 Que pareceu sair do mar profundo.
Porém já cinco sóis eram passados Arrepiam-se as carnes e o cabelo
Que dali nos partíramos, cortando A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.
Os mares nunca de outrem navegados
Prosperamente os ventos assoprando, 41
Quando ua noite, estando descuidados E disse: - <<Ó gente ousada, mais que quantas
Na cortadora proa vigiando, No mundo cometeram grandes cousas,
Ua nuvem, que os ares escurece, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
Sobre nossas cabeças aparece. E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
38 E navegar meus longos mares ousas,
Tão temerosa vinha e carregada, Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Que pôs nos corações um grande medo. Nunca arados de estranho ou próprio lenho;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo. 42
- <<Ó Potestade – disse – sublimada, <<Pois vens ver os segredos escondidos
Que ameaço divino ou que segredo Da natureza e do húmido elemento,
Este clima e este mar nos apresenta, A nenhum grande humano com cedidos
Que mor cousa parece que tormenta?>> De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mi que apercebidos
39 Estão a teu sobejo atrevimento,
Não acabava, quando ua figura Por todo o largo mar e pela terra
Se nos mostra no ar, robusta e válida, Que inda hás de subjugar com dura guerra
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura • estrofes finais da epopéia (Canto X)
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
52
LOPES, Fernão. Crónica de D. João I. Lisboa: Seara Nova, 1980. Fernão Lopes], mais do que em Camões, pode dizer-se que
encontramos na sua forma mais consumada e viva a epopeia
nacional portuguesa [...]. Em comparação com estas crónicas,
Texto crítico Os Lusíadas aparecem-nos como uma epopeia póstuma,
inspirada pelo sentimento de uma decepção que quer resgatar-
Fernão Lopes pertence a uma época que se caracteriza
se, e vibrando de inquietação acerca do destino nacional, social
precisamente pelo realismo abundante dos pormenores. Nota-se
e humano. (p.133)
nele uma curiosidadade ávida de conhecer como as coisas se
passaram, desgosta-o que a história fique “indeterminada” e
entende que o historiador terá de minudenciar os factos, porque
“as coisas tostemente passam e se dam a esqueecimento”
(Crón. de D. João I, parte II, cap. 83).
A esta preocupação da minúcia descritiva, sabiamente
agenciada em função do seu valor expressivo, se devem os
grandes quadros de Fernão Lopes: os motins da arraia-miúda, o
cerco de Lisboa, as festas do Porto. Nada aí de mais, e tudo
converge para dar vida ao quadro. O escritor tinha um
sentimento delicado da justa medida, que o leva por vezes a
abreviar os assuntos áridos como os capítulos de alianças e
tratados, “por non mostrar destemperada perlonga” (ibid.,
cap.’80).
Questões de análise
colonizador como o imigrante. “A zona fronteiriça é uma zona Antologia de literatura portuguesa
híbrida, babélica, onde os contactos se pulverizam e se
ordenam segundo micro-hierarquias pouco susceptíveis de Linha temática: Escrita
globalização. Em tal zona, são imensas as possibilidades de
identificação e de criação cultural, todas igualmente EÇA DE QUEIROS
superficiais e igualmente subvertíveis: a antropofagia que A Ilustre Casa de Ramires
Oswald de Andrade atribuía à cultura brasileira e que eu penso
caracterizar igualmente e por inteiro a cultura portuguesa.”
(Idem, p. 153) Fragmento I
KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco, SARAMAGO, José. A jangada de pedra. (p. 45)
1994, p.15
Texto teórico
Questão de análise
“Em primeiro lugar, a cultura portuguesa não se esgota na
Estrangeiro constante, por sua própria opção, não seria demais cultura dos portugueses e, vice-versa, a cultura dos portugueses
afirmar que, em Sena, o exílio é uma condição em si, não se esgota na cultura portuguesa. Em segundo lugar, as
autônoma, que extrapola o sentido político, ainda que também aberturas específicas da cultura portuguesa são, por um lado, a
o considere. Desenvolva essa afirmativa, a partir da leitura dos Europa e, por outro, o Brasil e até certo ponto, a África. Em
poemas acima. Considere as reflexões de Edward Said e Julia terceiro lugar, a cultura portuguesa é a cultura de um país que
Kristeva acerca da condição do exilado / estrangeiro. ocupa uma posição semiperiférica no sistema mundial.”
ele viaja à gafeira para encontrar-se com a escrita, também JORGE DE SENA
vislumbra uma sociedade marcada por ausências, por homens
que partem e jovens camponesas a dormir “sòzinhas nas suas
camas de casadas”. Desenvolva a afirmativa. “Em Creta com o Minotauro”
II
O Minotauro compreender-me-á.
Tem cornos, como os sábios e os inimigos da vida.
É metade boi e metade homem, como todos os homens.
Violava e devorava virgens, como todas as bestas.
Filho de Pasifae, foi irmão de um verso de Racine,
que Valéry, o cretino, achava um dos mais belos da "langue".
Irmão também de Ariadne, embrulharam-no num novelo de que
se lixou.
Teseu, o herói, e, como todos os gregos heróicos, um filho da
puta,
riu-lhe no focinho respeitável.
44
Texto crítico
Fragmento I “O mundo dera a Firmo luzes para ver além das fragas nativas.
Por isso tinha olhos para ver o padre em plena grandeza. Um
“Foi um grande acontecimento em Vilarinho, quando na castanheiro. Tal e qual um castanheiro, redondo, maciço,
Senhora da Agonia, à missa, o padre João leu os nomes dos frondoso. De tal modo fincado onde nascera, que não havia
mordomos da próxima festa. É que, à cabeça do rol, vinha o forças que o fizessem mudar. Só a morte. Ele, Firmo, filho de
Firmo, e todos esperavam tudo, menos isso. cavadores, cavador até aos vinte, que se casara, que não tinha
- O Firmo?! – não se conteve, no silêncio da igreja, o António estudos, - sem nenhum apego à terra, incapaz de se deixar
Puga. penetrar da verdade dos tojos e das leiras; e aquele homem
- Psiu!... – sibilou, dos lados da pia benta, o sacristão, que letrado, que recebera ordens, que prometera dar-se todo a quem
andava às esmolas. proclamara que o seu reino não era desse mundo, - ali com
E o caso só à saída foi comentado como merecia. mulher e filhos, cheio do amor deles, agarrado às verças como
- O Firmo?! Mas então o Firmo, daqui a um ano... – e o Puga os juncos às nascentes! As razões que apresentava eram sempre
nem era capaz de levar o raciocínio ao fim. as mesmas. Tantas vezes as ouvira que já nem lhes ligava
- Fica. Desta vez fica... – garantiu a margarida, que bebia do sentido. Mas agora as palavras de ontem, de antes de ontem, de
fino. – O padre João tantas lhe disse... há vinte anos, embora igualmente incapazes de o vencer – pois
A assistência ouvia maravilhada. O Firmo de pedra e cal em sabia que não o movera nenhum dos argumentos invocados -,
Vilarinho! O mundo sempre dá muita volta! entravam-lhe pelo ouvido dentro com outra significação.
A notícia tinha realmente que se lhe dissesse. Há muitos anos já Mandavam-no curvar-se de pura admiração diante de uma vida
que o Firmo desorientava Vilarinho. Desde que viera de sem fendas, inteira como um rochedo.” (Idem, p. 52-3)
Amarante, da artilharia, e embarcara, nunca mais a seu respeito
se soube a quantas se andava. Nem a própria mulher. Quando
lhe perguntavam pelo homem, o que fazia, se voltava, se
gozava saúde, respondia, já resignada:
- O meu Firmo?! Eu sei lá do meu Firmo!
No Brasil, na América, na Argentina, os que o conheciam
estavam na mesma. Sempre a variar de terra, sempre a mudar
de emprego, e às duas por três a oferecer préstimos para
Portugal.”
Então o terceiro a El-Rei rogou cristianismo, fraternitatis rosea crucis, quer dizer, invenção de
Licença de os buscar, e El-Rei negou. uma fraternidade de alma de que a divisão das nações e dos
impérios reais, triunfo da ‘Ordem’, é a contrafacção incurável e
Como a um cativo, o ouvem a passar demoníaca.”
Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura LOURENÇO, Eduardo. Da literatura como interpretação de Portugal (De
Da febre e da amargura, Garrett a Fernando Pessoa). In: ---. O labirinto da saudade. 3.ed. Lisboa: D.
Quixote, 1988, p.115.
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.
Questões de análise
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
— O Poder e o Renome —
1 – Diante da leitura dos poemas presentes em Mensagem,
sobretudo “Prece”, como podemos compreender a afirmação de
Ambos se foram pelo mar da idade
Eduardo Lourenço, ao dizer que “para Pessoa [Portugal] é puro
À tua eternidade;
futuro, manhã a amanhecer vinda próxima do Encoberto, Cristo
E com eles de nós se foi
sem cristianismo, fraternitatis rosea crucis, quer dizer,
O que faz a alma poder ser de herói.
invenção de uma fraternidade de alma de que a divisão das
Queremos ir buscá-los, desta vil
nações e dos impérios reais, triunfo da ‘Ordem’, é a
Nossa prisão servil:
contrafacção incurável e demoníaca”?
É a busca de quem somos, na distância
De nós; e, em febre de ânsia,
2 – Partido da análise dos poemas “Padrão” e “Ascensão de
A Deus as mãos alçamos.
Vasco da Gama”, podemos indagar: como o texto pessoano
Mas Deus não dá licença que partamos.
investiga o sentido iniciático da viagem? Estabeleça relações
entre a viagem como conquista de um Império real, proposta
em Camões, e a viagem encenada como rito de passagem,
acesso ao Quinto Império.
Texto teórico
FERNANDO PESSOA
Mensagem (Fragmentos) III. Padrão
Monstros, fenómenos, aflitos, aleijados, Poeta do “inho”, António Nobre traça em ”Lusitânia no Bairro
Talvez lá dentro com perfeitos corações: Latino” um olhar que se desloca com ironia e agudeza pelo
Todos, à uma, mugem roucas ladainhas, Portugal decadente de seu tempo. Procure comparar esse olhar
Trágicos, à uma, mugem roucas ladainhas, crítico com o de Cesário Verde, em “Sentimento dum
Trágicos, uivam "uma esmolinha p'las alminhas Ocidental” e discutir as afirmações de Pessoa acima referidas.
Das suas obrigações!"
Pelo nariz corre-lhes pus, gangrena, ranho!
E, coitadinhos! fedem tanto – é de arrasar...
Paris, 1891-1892
Texto teórico
Que linda e asseada vem a Senhora das Dores! O bom povinho de fato novo,
Olha o Mordomo, à frente, o Sr. Conde. Nas violas de arame soluça, romântico,
Contempla! Que tristes os Nossos Senhores, Fadinhos chorosos da su'alma beata.
Olhos leais fitos no vago... não sei onde!
Os anjinhos! Trazem imagens da Função nos seus chapéus.
Vêm a suar: Poeira opaca. Abafa-se. E, no céu ferro-e-oiro,
Infantes de três anos, coitadinhos! O Sol em glória brilha olímpico, e de prata,
Mãos invisíveis levam-nos de rastros Como a velha cabeça aureolada de Deus!
Que eles mal sabem andar.
Trombetas clamam. Vai correr-se o toiro.
Esta que passa é a Noite cheia de astros! Passam as chocas, boas mães! passam capinhas.
(Assim estava, em certo dia, na Judeia!
Aquele é o Sol! (Que bom o Sol de olhos pintados!) Pregões. Laranjas! Ricas cavaquinhas!
E aquela outra é a Lua-Cheia! Pão-de-ló de Margaride!
Seus doces olhos fazem luar... Aguinha fresca da Moirama!
Essa, acolá, leva na mão os Dados, Vinho verde a escorrer da vide!
Mas perde tudo se vai jogar. À porta dum casal, um tísico na cama,
E esta que passa, toda de arminhos, Olha tudo isto com seus olhos de Outro-Mundo,
(Vê! d'entre o povo em êxtase, olha-a a Mãe) E uma netinha com um ramo de loireiro
Leva, sorrindo, a Coroa dos Espinhos, Enxota as moscas, do moribundo.
Criança em flor que ainda não os tem.
E que bonita vai a Esponja de Fel! Dança de roda mai-las moças o coveiro.
Mas ela sabe, a inocentinha, Clama um ceguinho:
Nas suas mãos, a Esponja deita mel: "Não há maior desgraça nesta vida,
Abelhas de oiro tomam-lhe a dianteira! que ser ceguinho!"
Lá vem a Lança! A bainha Outro moreno, mostra uma perna partida!
Traz ainda o sangue da Sexta-Feira... Mas fede tanto, coitadinho...
Passa o último, o Sudário! Este, sem braços, diz "que os deixou na pedreira..."
O Corpo de Jesus, Nosso Senhor... E esse, acolá, todo o corpinho numa chaga,
Oh que vermelho extraordinário! Labareda de cancros em fogueira,
Parece o Sol-pôr... Que o Sol atiça e que a gangrena apaga,
Que pena faz vê-lo passar em Portugal! Ó Georges, vê! que excepcional cravina...
Ai que feridas! e não cheiram mal...
Que lindos cravos para pôr na botoeira!
E a procissão passa. Preamar de povo!
Maré-cheia do Oceano Atlântico! Tísicos! Doidos! Nus! Velhos a ler a sina!
35
Texto crítico
ANTÓNIO NOBRE
“A questão está colocada: se a falência da imagem secular do Só
país como cais de partida parece ser articulada quando o
império se desfaz nos anos 70, a consciência da necessidade
desse olhar para dentro de casa é um projeto que Garrett já Lusitânia no Bairro Latino
anuncia com perspicácia nas suas Viagens na minha terra. Com
ela inaugura ele uma proposta de releitura de Portugal no [...]
avesso das viagens portuguesas, ou, se quisermos, com sinal
oposto ao da apologética do mar como símbolo da glória 3
nacional. Garrett faz, sim, um livro de ‘viagens’, para situá-lo
no contexto lusíada de um país de marinheiros. Mas essas são, Georges! anda ver meu país de romarias
agora, viagens na (sua) terra portuguesa, aquela que fica E procissões!
aquém-mar, desconhecida e abandonada pelos olhos de uma Olha estas moças, olha estas Marias!
‘política de transporte’ que aniquilou a fixação positiva do Caramba! dá-lhes beliscões!
homem à terra. Para assinalar esse sinal contrário a um Os corpos delas, vê! são ourivesarias,
movimento secular, parte de Lisboa e do Terreiro do Paço onde Gula e luxúria dos Manéis!
desembarcavam outrora riquezas do Império e parte também de Têm nas orelhas grossas arrecadas,
barco, porque marinheiras eram todas as viagens da tradição Nas mãos (com luvas) trinta moedas, em anéis,
lusíada.” Ao pescoço serpentes de cordões,
E sobre os seios entre cruzes, como espadas,
CERDEIRA, Teresa Cristina. De viagens e viajantes: Camões, Garrett, Além dos seus, mais trinta corações!
Saramago. In: ---. O avesso do bordado: ensaios de literatura. Lisboa:
Caminho, 2000, p. 306 Vá! Georges, faz-te Manel! viola ao peito,
Toca a bailar!
Dá-lhes beijos, aperta-as contra o peito,
Questão de análise Que hão-de gostar!
Tira o chapéu, silêncio!
Ao encetar suas Viagens na minha terra, Almeida Garrett
insere-se em uma linha significativa da Literatura Portuguesa, Passa a procissão.
que corresponde à que poderíamos chamar, junto com Cleonice
Berardinelli, de nacionalismo crítico. Nesse sentido, e Estralejam foguetes e morteiros.
considerando o texto de Teresa Cristina Cerdeira, estabeleça Lá vem o Pálio e pegam ao cordão
uma análise das Viagens que considere o seu diálogo com a Honestos e morenos cavalheiros.
épica camoniana, apresentando semelhanças e diferenças. Altos, tão altos e enfeitados, os andores,
Parecem Torres de David, na amplidão!
34
Fragmento III
ALVES, Maria Theresa Abelha. Gil Vicente sob o signo da derrisão. Feira
de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2002, p. 14-5.
32
do Restelo, acima transcrito, dialoga com o texto de Eduardo e três ou quatro panelas,
Lourenço? que não ache em que comer.
2 - Estabeleça leitura comparativa entre os versos destacados Que chegada e que prazer!
anteriormente e as dezoito primeiras estâncias do canto I de Os Fecha-me aquelas janelas,
Lusíadas.
LUÍS DE CAMÕES
Os Lusíadas
94
Mas um velho de aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C’um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
95
- Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto que se atiça
Cua aura popular que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
27
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obra poética. 2a ed. Lisboa: LOURENÇO, Eduardo. A nau de Ícaro e Imagem e miragem da lusofonia.
Editorial Caminho, v. II, 1995, p. 50-52. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 58.
Questões de análise
Exílio
1. Leia atentamente o poema “Marinheiro sem mar” e comente
Quando a pátria que temos não a temos a alegorização de Portugal na figura do marinheiro, sem
Perdida por silêncio e por renúncia esquecer a possibilidade do diálogo de Sophia de Mello
Até a voz do mar se torna exílio Breyner Andresen com Camões e Fernando Pessoa.
E a luz que nos rodeia é como grades.
(Idem, p. 144.) 2. Lisboa é metonímia de Portugal em Garrett e em Cesário
Verde. Como se apresenta no poema Deriva XV? Justifique.
Deriva XV
Inversa navegação
Tédio já sem Tejo
Cinzento hostil dos quartos
Ruas desoladas
Verso a verso
Lisboa anti-pátria da vida
(Ob.cit, v.III, 1996, p. 275.)
26
Todas as cidades são navios Nenhum mar lavará o nojo do seu rosto
Carregados de cães uivando à lua As imagens são eternas e precisas
Carregados de anões e mortos frios Em vão chamará pelo vento
Que a direito corre pelas praias lisas
E ele vai baloiçando como um mastro
Aos seus ombros apoiam-se as esquinas Ele morrerá sem mar e sem navios
Vai sem aves nem ondas repentinas Sem rumo distante e sem mastros esguios
Somente sombras nadam no seu rastro. Morrerá entre paredes cinzentas
Pedaços de braços e restos de cabeças
Nas confusas redes do seu pensamento Boiarão na penumbra das madrugadas lentas.
Prendem-se obscuras medusas
Morta cai a noite com o vento
E ao Norte e ao Sul
E sobe por escadas escondidas E ao Leste e ao Poente
E vira por ruas sem nome Os quatro cavalos do vento
Pela própria escuridão conduzido Sacodem as suas crinas
Com pupilas transparentes e de vidro
E o espírito do mar pergunta:
Vai nos contínuos corredores
Onde os polvos da sombra e estrangulam “Que é feito daquele
E as luzes como peixes voadores Para quem eu guardava um reino puro
O alucinam. De espaço e de vazio
De ondas brancas e fundas
Porque ele tem um navio mas sem mastros E de verde frio?”
25
ser apreciado em estudos críticos, equivale à forma-romance referências, respectivamente, às conexões entre Portugal-
que é fielmente a sua desde há dez anos. A forma-romance de Camões e Portugal-Cristo. Há ironia crítica nestas articulações
Saramago, constituída por um tipo de discurso muito particular, que sustentam uma determinada concepção de identidade
e agenciando correntes de sentido específicas, insiste, através nacional patrocinada pelas classes dominantes? Justifique.
de uma proposta concreta de relação entre a escrita e o social,
num modelo muito particular de leitura da História (...). Com 2. Com base em Maria Alzira Seixo, discuta a articulação
efeito, Saramago também diz, quando fala dos seus romances, ficção/realidade ou literatura/história promovida por Saramago
que tudo é História, e que toda a narrativa dá conta do passado, em seus romances, como se observa no fragmento II de O ano
o que pode fazer equivaler enunciação e referência (como da morte de Ricardo Reis em que o heterônimo se transforma
assinalámos atrás) e considerar o texto em processo de escrita em personagem ficcional de Saramago a conversar com o seu
como uma espécie de paradigma temporal passado/presente criador real, Fernando Pessoa, sobre o contexto histórico
(quer dizer: um sistema de escolhas que faz do presente uma português no ano de 1936.
grelha de escolhas de leitura de um passado susceptível de
criar, por sua vez, através de alterações fictivas, e sobretudo 3. Numa relação explicitamente intertextual com o verso
através da escrita que seleciona essas escolhas de leitura, o camoniano “Onde a terra se acaba e o mar começa”
próprio presente – onde a dimensão estética produz o efeito de (CAMÕES, ob. cit. Canto III, estrofe 20, p. 168.), o romance
correção ética – , ou ainda como um efeito de interpretação do de Saramago se inicia e se conclui com os enunciados do
mundo, cuja abordagem de descodificação possível faz fragmento III. Que sentidos têm as alterações sob o ponto de
(factualiza) esse mesmo mundo, ou ainda, acrescentemos, vista da problematização da identidade portuguesa no presente?
reorganizando os conceitos, como um mundo possível cujo
efeito de real consiste em articular uma leitura face ao 'outro'
(leitura ou leitor) e assim justamente instituir o tempo do
vivido, e portanto a ilusão, já não da referência, mas da ficção.
Pelo que de certo modo as relações entre facto e ficção se
encontrariam, pelo menos, parcialmente invertidas.”
Questões de análise
aos ímpios da tropa romana e às orgias dos adoradores de dia’), sinal de amor e de solidariedade entre os explorados. O
Baco e cujos desmandos se acolhiam...' ” nevoeiro preserva assim a festa, comemoração da substancial
(Idem, pp.127 - 128) mudança, fundação do tempo novo. A partir da sequência em
causa, ilumina-se retrospectivamente o significado de nuvem,
Textos críticos ‘coroa de fumos’ da lagoa: e vê-se que a subversão do mito
pontuou a narrativa inteira.” (Idem, p. 139)
“Finalmente n’O Delfim, Engenheiro e Escritor são
personagens principais. O espaço das secundárias parece estar
vago, enquanto figurantes de primeiros plano são Domingos, o Questões de análise
cauteleiro, o Padre Novo, a dona da pensão e Mercês. Como
figurantes de terceiro plano considerem-se os camponeses-
operários e o Regedor. Com estes últimos ocorre movimento 1. O território da Gafeira, como a representação alegórica de
análogo ao que se passa com Floripes, em O hóspede de Job: Portugal, é uma paisagem humana heterogênea: no presente é
construída a significação d’O Delfim, camponeses-operários ocupada pela população diversificada que habita a aldeia; no
ascendem a personagens principais, pois com eles, por eles e passado, revela a herança pagã pelo testemunho arqueológico
neles se faz o texto e ainda porque, embora não pareça, de outras culturas. Baseado no fragmento I e no Texto crítico,
contracenam todo o tempo com Escritor e Engenheiro.” reflita sobre as personagens do romance, discutindo seu papel
na composição de uma identidade portuguesa para além das
LEPECKI, Maria Lúcia. Ideologia e imaginário; ensaio sobre José
Cardoso Pires. Lisboa: Morais Editores, 1977. p. 28 – 29)
classes sociais e das etnias hegemônicas.
“Assim, de salutares, as águas transformam-se em mortais para 2. A lagoa é um símbolo de múltiplas significações no
Maria das Mercês; fonte de rendimentos – fonte de romance. Comente esta polissemia, considerando o fragmento
prosperidade económica – fazem-se o lugar da morte II e a interpretação de Lepecki.
sociológica do Engenheiro explorador; de lugar da escravidão
mudam-se, para os explorados, em espaço da liberdade.” 3. Discuta a proposta de um anti-sebastianismo no romance,
(Idem, p. 86) levando em conta a reflexão de Maria Lúcia Lepecki sobre o
fragmento III.
“A primeira proposta de um anti-D.Sebastião aparece no festim
das enguias. Pelo menos um elemento (a chamar-se formal)
remete a cena para mito e corpo legendário sebastiânicos: o
nevoeiro, nuvem de fumo que envolve a Gafeira e, muito
particularmente, o ágape de confraternização após o acto
revolucionário conseguido. Além da proposta de subversão
mítica, o nevoeiro é com a maior clareza, o corpo material que
clandestiniza, para não-gente da aldeia (os ‘Delfins do meio-
22
Mais que a besta sadia, invenção de um Ocidente futuro para o qual Portugal-Esfinge
Cadáver adiado que procria? parece olhar, de costas voltadas a uma Europa há muito
entregue aos demónios da vontade de poderio.”
QUINTO / NEVOEIRO LOURENÇO, O labirinto da saudade. Lisboa: Dom Quixote, 1992, p. 114-
115
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser Questões de análise
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder, 1. N´Os Lusíadas, assim Vasco da Gama situa Portugal para o
Como o que o fogo-fátuo encerra. rei de Melinde:
PESSOA, Fernando. Mensagem. Edição de António Apolinário Lourenço. Analise o diálogo intertextual entre Pessoa e Camões.
Coimbra/Braga: Ângelus Novus Editora, 2008.
2. Em que consiste o nacionalismo pessoano na visão de
Eduardo Lourenço e como se revela em Mensagem, em
Texto crítico especial no seu poema final.
AS QUINAS / QUINTA
D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL
tenebrosa abóbada, com os assentos de pedra, estranho buraco sucedida, por mais adequada transposição mítica, sentido da
ao meio, redondo como o dum poço e ainda pelas paredes realidade e criação de imagens e arquétipos ainda de pé, é sem
riscadas de sulcos de fumos, os anéis dos tocheiros. Depois em duvida a de Eça de Queirós. Apesar de todas as críticas que se
cima, no imenso eirado que a fieira de lamparinas, cingindo as lhe podem fazer, é um Portugal realmente presente que ele
ameias, enchia de claridade, Gonçalo, erguendo a gola do interroga e que o interpela. (...) E fá-lo, não para cumprir, como
paletot na aragem mais fina, teve a dilatada sensação de se sugeriu, um programa de experimentador literário, nem de
dominar toda a Província, e de possuir sobre ela uma sociólogo 'artista', mas para descobrir, com mais paixão do que
supremacia paternal, só pela soberana altura e velhice da sua a sua ironia de superfície o deixa supor, a face autêntica de uma
torre, mais que a Província e que o Reino. Lentamente pátria que talvez ninguém tenha tão amado e detestado.”
caminhou em roda das ameias, até o miradouro, a que um
candeeiro de petróleo, sobre uma cadeira de palhinha posta em LOURENÇO, Eduardo. O labirinto da saudade. Lisboa: Dom Quixote,
1992, p. 95.
frente à fresta, estragava o entono feudal. No céu macio, mas
levemente enevoado, raras estrelas luziam, sem brilho. Por “A grandeza da Torre está centrada no eixo do passado,
baixo a quinta, toda a largueza dos campos, a espessura dos daí as narrativas encaixadas contarem/cantarem o velho tempo.
arvoredos se fundiam em escuridão. Mas na sombra e silêncio, E o declínio do presente (...) não é apenas dela, enquanto
por vezes além, para o lado dos Bravais, lampejavam foguetes indivíduo; é também, ou sobretudo, o declínio dos Ramires, o
remotos. Um clarão amarelado e fumarento, caminhando mais que, pelo significado históricos destes, em última instância,
longe, entestando para a Finta, era decerto um rancho com representa a decadência do próprio povo português. A Torre é a
archotes festivos. Na alta Igreja da Veleda tremeluzia uma projeção plástica da queda da nação portuguesa, enquanto os
iluminação vaga, rala. Outras luzes, incertas através do palácios e os castelos o são do seu apogeu: (...)”
arvoredo, riscavam o velho arco do Mosteiro, em Santa Maria
de Craquede. Da terra escura subia, por vezes, um errante som PADILHA, Laura Cavalcante. O espaço do desejo; uma leitura de A ilustre
de tambores. E lumes, fachos, abafados rufos, eram dez casa de Ramires de Eça de Queirós. Brasília: Ed. Universidade de Brasília.
freguesias celebrando amoravelmente o Fidalgo da Torre, que Rio de Janeiro: EDUFF – Ed. Universitária, 1989, p. 60.
lhes recebia o amor e o preito no eirado da sua torre, envolto
em silêncio e sombra. (Cap. XI)
Questões de análise
Questões de análise
Textos críticos
1. Que recursos poéticos são usados para expressar o mal estar
“A cidade é Lisboa; o 'sentimento' do título é o do narrador, do eu lírico em Lisboa, em fins do século XIX, como afirma
natural do extremo ocidental da Europa, um português. Mas a Helder Macedo?
cidade também representa o todo da civilização ocidental a que
Portugal pertence; e o sentimento que ela provoca é ao mesmo 2. No poema de Cesário, escrito para comemorar o
tempo um produto dessa civilização e um protesto contra ela.” tricentenário da morte do épico, Camões é a figura tutelar na
memória do poeta e da pátria. No entanto ele se reduz a uma
MACEDO, Hélder. Nós; uma leitura de Cesário Verde. 3. ed. Lisboa: Dom estátua de praça na cidade. Discuta esta tensão no poema de
Quixote, 1986, p. 169. Cesário Verde, levando em conta as reflexões de Helder
Macedo.
“A estátua de Camões no 'recinto público e vulgar' com
'exíguas pimenteiras' (embora não sejam estas as pimenteiras 3. Articule os poemas de Cesário Verde com a crítica de Jorge
que levaram as naus à Índia, o seu nome claramente as Fernandes da Silveira.
relaciona com as Descobertas e o 'épico de outrora') serve
assim para lembrar que houve um outro passado, associado ao
povo e ao mar, bem diferente do passado sinistro da Inquisição
e do terramoto, associado à cidade, ao clero e às prisões. Mas o
passado épico cantado por Camões não é contínuo com o
presente, é o seu oposto. O contraste é dramaticamente
acentuado pela diferença entre as nobres 'proporções guerreiras'
da estátua monumental e a massa acumulada de 'corpos
enfezados' na realidade espectral da cidade.”
(Idem, p.180)
16
IV
E nestes nebulosos corredores
O tecto fundo de oxigénio, de ar, Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras; Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras, Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.
Eu não receio, todavia, os roubos;
Por baixo, que portões! Que arruamentos! Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
Um parafuso cai nas lajes, às escuras: E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras, Amareladamente, os cães parecem lobos.
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.
E os guardas, que revistam as escadas,
E eu sigo, como as linhas de uma pauta, Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
A dupla correnteza augusta das fachadas; Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas, Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.
As notas pastoris de uma longínqua flauta.
E, enorme, nesta massa irregular
Se eu não morresse, nunca! E eternamente De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas! A Dor humana busca os amplos horizontes,
Esqueço-me a prever castíssimas esposas, E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
VERDE, Cesário. O livro de Cesário Verde e poesias dispersas. 3. ed.
Ó nossos filhoes! Que de sonhos ágeis, Lisboa: Europa-Américad.
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas, Heroísmos
Numas habitações translúcidas e frágeis.
Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Ah! Como a raça ruiva do porvir, Solene, enraivecido, turbulento,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes, Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
Nós vamos explorar todos os continentes O mar sublime, o mar que nunca dorme.
E pelas vastidões aquáticas seguir!
Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
Mas se vivemos, os emparedados, De vítimas famélico, sedento,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!... E creio ouvir em cada seu lamento
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas Os ruídos dum túmulo disforme.
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.
15
E saio. A noite pesa, esmaga. Nos E aquela velha, de bandós! Por vezes,
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras. A sua traîne imita um leque antigo, aberto,
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Um sopro que arripia os ombros quase nus. Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.
Questões de análise I
1. Em suas viagens Tejo acima, Garrett busca um outro Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Portugal, encontrando ora deleite, ora degradação. Com base Há tal soturnidade, há tal melancolia,
nos fragmentos I e II, discuta a primeira afirmação de Eduardo Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Lourenço. Despertam um desejo absurdo de sofrer.
2. A crença de Garrett no poeta que cantou a aventura marítima O céu parece baixo e de neblina,
estabelece uma identificação entre Camões e a pátria, sem O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
impedir uma visão questionadora. Comente as reflexões críticas E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
feitas. Toldam-se duma cor monótona e londrina.
pelo Tejo e por suas ribeiras, fechado a broches de bronze por inactivas, outro no mestre Adonirão, outro finalmente na beleza
suas fortes muralhas góticas, o magnífico livro devia durar e realidade do sistema constitucional que felizmente nos rege.
sempre enquanto a mão do Criador se não estendesse para Mas essas crenças são para os que se fizeram grandes
apagar as memórias da criatura. com elas. A um pobre homem o que lhe fica para crer? Eu,
Mas esta Nínive não foi destruída, esta Pompéia não foi apesar dos críticos, ainda creio no nosso Camões: sempre cri.
submergida por nenhuma catástrofe grandiosa. O povo de cuja (Idem, p. 27-28)
história ela é o livro, ainda existe; mas esse povo caiu em
infância, deram-lhe o livro para brincar, rasgou-o, mutilou-o,
arrancou-lhe folha a folha, e fez papagaios e bonecas, fez
carapuças com elas. Textos críticos
Não se descreve por outro modo o que esta gente
chamada governo, chamada administração, está fazendo e “Nenhum itinerário romântico é, entre nós, mais interessante a
deixando fazer há mais de século em Santarém. esse respeito, que o de Garrett. Ele é o primeiro de uma longa e
As ruínas do tempo são tristes, mas belas, as que as ainda não acabada linhagem de ulisses intelectual em busca de
revoluções trazem, ficam marcadas com o cunho solene da uma pátria que todos temos sem poder ajustar nela o sonho
história. Mas as brutas degradações e as mais brutas reparações plausível que nos pede e a realidade amarga que nos
da ignorância, os mesquinhos consertos da arte parasita, esses decepciona. (...) é sob a pluma de Garrett que pela primeira
profanam, tiram todo o prestígio.” (Idem, p. 132) vez, e a fundo, Portugal se interroga, ou melhor, que Portugal
se converte em permanente interpelação para todos nós.”
Questões de análise
ALMEIDA GARRETT
1. Com base nas ponderações de Jacqueline Hermann, analise Viagens na minha terra
o fragmento I.
Fragmento I
2. A partir da interpretação de Eduardo Lourenço, comente o
fragmento II. “São 17 deste mês de Julho, ano de graça de 1843, uma
segunda-feira, dia sem nota e de boa estrela. Seis horas da
3. Na abertura do Frei Luís de Sousa, a viúva de D. João, manhã a dar em S.Paulo, e eu a caminhar para o Terreiro do
desaparecido em Alcácer-Quibir, faz a leitura dos versos Paço. Chego muito a horas, envergonhei os mais madrugadores
“Naquele engano d´alma ledo e cego / Que a fortuna não deixa dos meus companheiros de viagem [...] Assim vamos de todo o
durar muito...”, relativos à história trágica de Inês de Castro nosso vagar contemplando este majestoso e pitoresco anfiteatro
narrada no Canto III da epopéia que Camões dedicou ao seu de Lisboa oriental, que é, vista de fora, a mais bela e grandiosa
rei, d. Sebastião, conforme mostram os versos: parte da cidade, a mais característica, e onde, aqui e ali,
algumas raras feições se percebem, ou mais exactamente se
“E vós, ó bem nascida segurança adivinham, da nossa velha e boa Lisboa das crónnicas . [...].”
Da lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. Porto: Anagrama, 1984, p. 8.
De aumento da pequena cristandade.
Vós, ó novo temor da maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade, Fragmento II
(Dada ao mundo por Deus, que todo o mande
Pera do mundo a Deus dar parte grande);” “Rodeámos o largo e fomos entrar em Marvila pelo lado do
norte. Estamos dentro dos muros da antiga Santarém. Tão
CAMÕES, ob. cit. Canto III, estrofes 120, p. 218. magnífica é a entrada, tão mesquinho é agora tudo cá dentro, a
maior parte destas casas velhas sem serem antigas, destas ruas
Considerando a atmosfera de expectativa, temor e presságio maiorescas sem nada de árabe, sem o menor vestígio de sua
na casa portuguesa de Manuel de Sousa Coutinho, discuta a origem mais que a estreiteza e pouco asseio.” (Idem, p.122 )
problematização do sebastianismo presente no drama de
Garrett. Fragmento III
ALMEIDA GARRETT
Frei Luís de Souza
Fragmento I Fragmento II
“MARIA “MADALENA
(entrando com umas flores na mão, encontra-se com Telmo, e o (aterrada)
faz tornar para a cena)
E quem vos mandou, homem?
Bonito! Eu há mais de meia hora no eirado passeando - e
sentada a olhar para o rio e a ver as faluas e os bergantins, que ROMEIRO
andam para baixo e para cima – e já aborrecida de esperar... e o Um homem foi, e um honrado homem... a quem unicamente
senhor Telmo aqui posto a conversar com a minha mãe, sem se devi a liberdade... a ninguém mais. Jurei fazer-lhe a vontade, e
importar de mim! Que é do romance que me prometeste? Não é vim.
o da batalha, não é o que diz:
Postos estão, frente a frente, MADALENA
Os dois valorosos campos; Como se chama?
é o outro, é o da ilha encoberta, onde está el-rei D. Sebastião,
que não morreu e que há-de-vir um dia de névoa muito
cerrada... Que ele não morreu; não é assim, minha mãe? ROMEIRO
O seu nome, nem o da sua gente nunca o disse a ninguém no
MADALENA cativeiro.
Minha querida filha, tu dizes coisas! Pois não tens ouvido, a teu
tio Frei Jorge e a teu tio Lopo de Sousa, contar tantas vezes MADALENA
como aquilo foi? O povo, coitado, imagina essas quimeras para Mas, enfim, dizei vós...
se consolar na desgraça.
ROMEIRO
MARIA As suas palavras, trago-as escritas no coração com as lágrimas
Voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe: eles que andam de sangue que lhe vi chorar, que muitas vezes me caíram nestas
tão crentes nisto, alguma coisa há-de ser.” mãos, que me correram por estas faces. Ninguém o consolava
senão eu... e Deus! Vêde se me esqueceriam as suas palavras.
GARRETT, Almeida. Frei Luís de Sousa. Porto: Edições Asa, 1977, p. 69 –
70. Ato I, Cena III. JORGE
Homem, acaba!
8
súbita força à incipiente consciência nacional. A noção de ser No berço o corpo e a voz alevantou:
português forma-se a partir da consciência de ser diferente dos - Portugal, Portugal, alçando a mão,
que, por essa razão, o consideram inimigo e o ameaçam Disse, polo rei novo, D. João.
colectivamente. A intensa propaganda ideológica expressa e
propositadamente criada em torno do Mestre de Avis para (...)
legitimar o seu poder, apesar de bastardo, e para o apresentar
como o rei eleito por Deus e pelo povo para o salvar da Aqui a fera batalha se encruece
dominação castelhana, completam o quadro que eu queria Com mortes, gritos, sangue e cutiladas;
apresentar para os anos conturbados que se seguem a 1383. A multidão da gente que perece
A partir daí, as grandes batalhas contra os inimigos são Tema as flores da própria cor mudadas.
memorizadas como patrimônio colectivo de um povo.” Já as costas dão e as vidas; já falece
O furor e sobejam as lançadas;
MATTOSO, José. A escrita da História: teoria e métodos. Lisboa: Editorial Já de Castela o rei desbaratado
Estampa, 1988, p. 160.
Se vê e de seu propósito mudado.”
CAMÕES, ob. cit. Canto IV, estrofes 3e 42, p. 232 e 251.
Questões de análise
FERNÃO LOPES
Crónica de D. João
Para complementação de leitura, verificar os
seguintes títulos na bibliografia ao final da antologia:
Fragmento I
21, 37, 78. 80, 103 e 104. “Aproveitando-se o Mestre para partir, postas nos
navios todas as vitualhas, feitas as manjedouras para os
animais, andavam todos os da cidade, tanto grandes como
pequenos, abalados com medrosos pensamentos. Muitas cousas
lhes mostravam claros sinais de nova guerra, e ninguém podia
imaginar com alguma certeza aonde tais feitos podiam ir parar.
Os povos do Reino, e especialmente, a gente de Lisboa, viviam
em grandes cuidados, vendo tais cousas muito duvidosas e
dando lugar a esperar-se grande destruição da terra (...)
Além disto entendiam que vindo el-Rei de Castela ao
Reino, e entrando sanhoso dentro da cidade, quer por não terem
consentido que dentro dela fosse levantado pendão pela rainha
sua mulher quer pela união que fizeram contra a sua sogra, por
força haviam de receber danos nos corpos e haveres sem
poderem defender-se. E se quisessem deixar cercar a cidade e
defendê-la contra el-Rei de Castela , isso era cousa que não
poderiam manter durante muito tempo, e finalmente seria a
cidade tomada e o Reino todo sujeito a Castela, porque todos
esperavam que o que passasse em Lisboa passaria em outros
lugares (...)”
LOPES, Fernão. Crônicas. Trad. de António José Saraiva, 2 ed. Lisboa:
Portugália Editora, 1969, p.216, 217, 218.
Textos críticos
LUÍS DE CAMÕES
Os Lusíadas
45
A matutina luz, serena e fria, Do bravo a força horrenda se quebranta:
As estrelas do pólo já apartava
Quando na Cruz o Filho de Maria 48
Amostrando-se a Afonso, o animava; Tal do Rei novo o estâmago acendido
Ele, adorando Quem lhe aparecia, Por Deus e pelo povo juntamente,
Na Fé todo inflamado, assi gritava: O bárbaro comete, apercebido
- Aos infiéis, Senhor, aos infiéis, Co animoso exército rompente.
E não a mi, que creio o que podeis! Levantam nisto os perros o alarido
Dos gritos; tocam a arma, ferve a gente,
46 As lanças e arcos tomam, tubas soam,
Com tal milagre os ânimos da gente Instrumentos de guerra tudo atroam.
Portuguesa inflamados, levantavam
Por seu rei natural este excelente 49
Príncipe, que do peito tanto amavam; Bem como quando a flama que ateada
E diante do exército potente Foi nos áridos campos (assoprando
Dos imigos, gritando, o Céu tocavam, O sibilante Bóreas), animada
Dizendo em alta voz: - Real, real, Coo vento, o seco mato vai queimando;
Por Afonso, alto Rei de Portugal! A pastoral companha, que deitada
Co doce sono estava, despertando
47 Ao estridor do fogo que se atea,
Qual cos gritos e vozes incitado, Recolhe o fato e foge para a aldea:
Pola montanha o rábido moloso,
Contra o touro remete, que fiado 50
Na força está do corno temeroso: Desta arte o mouro atônito e torvado,
Ora pega na orelha, ora no lado, Toma sem tento as armas mui depressa;
3
APRESENTAÇÃO
Esta Antologia é o resultado da primeira fase, trabalho de análise e interpretação literária, que pode ser
desenvolvida no ano de 2007, do Projeto de Monitoria da área aprofundado com os títulos da bibliografia sugerida ao final
de Literaturas Portuguesa e Africana do Departamento de do volume.
Letras Clássicas e Vernáculas da UFF − “Revitalizando o
curso de Letras da UFF: um corpus para Literatura Portuguesa” Como um trabalho de equipe em caráter experimental,
a Antologia foi aplicada nas turmas de Literatura Portuguesa I
−, com o objetivo de reunir um conjunto de textos literários a
durante o ano de 2008, ao final do qual foi feita a sua
serem estudados na disciplina obrigatória de Literatura
avaliação por professores e alunos, incorporando-se as
Portuguesa I. O corpus foi selecionado a partir de pesquisa
alterações necessárias.
dos conteúdos de estudos e programas utilizados nos cursos de
Letras da região, considerando a nova configuração curricular
Em dezembro de 2008
implantada em 2006 no Instituto de Letras da UFF e as
recomendações nacionais para a área fixadas na ementa do
Os autores
ENADE.
ESTUDOS DE LITERATURA
PORTUGUESA I
por
Monitores
Gabriel Moraes Dias de Souza
Mariana Neto Silva Andrade
IDA FERREIRA ALVES Silvia da Silva Nogueira
MARIA LÚCIA WILTSHIRE DE
OLIVEIRA
SILVIO RENATO JORGE
1
ESTUDOS DE LITERATURA
PORTUGUESA I
ANTOLOGIA E QUESTÕES
INSTITUTO DE LETRAS
E ESCRITA