Barbara Cartland - Prisioneira Do Amor
Barbara Cartland - Prisioneira Do Amor
Barbara Cartland - Prisioneira Do Amor
Barbara Cartland
Disponibilização: MANA
Revisão: Cynthia
O castelo estava em silêncio, no meio da noite, quando Sorilda escutou passos no corredor. A
porta de seu quarto abriu de repente e um homem aproximou-se de Sorilda. Com os olhos
arregalados de susto, ela reconheceu nele o jovem conde Silas Winsford, amante de sua tia. A
partir desse momento tudo se precipitou: acusações, injúrias, falsidades forçaram Sorilda a se
casar com o conde para reparar seu erro. Mas, no dia do casamento, na igreja do castelo, Sorilda
fez seu noivo estremecer… Caminhando para o altar, pálida e linda, vinha Sorilda todinha vestida
de negro!
Barbara Cartland é a autora romântica mais conhecida e lida em todo o mundo. Seu jeito
insuperável de juntar amor, colorido e suspense conquistou o entusiasmo de milhões de leitores.
“Eu dou ao público romance, evasão, beleza, tudo o que ele secretamente procura”.
NOTA DA AUTORA
3
CAPÍTULO I
1851
18
CAPÍTULO II
No dia anterior, cavalgando pelo campo, Jim chegou ao parque da Winsford House no
tempo calculado por Huxley.
Ao avistar a ampla casa, remodelada no início do século, achou não só que era uma das
casas mais imponentes que já vira, mas que seus estábulos superavam, em muito, os do
castelo.
Cavalgou pela estrada, até atravessar a ponte sobre o lago; então, voltou-se para o lado
da casa onde se localizavam as cozinhas e quartos dos empregados.
Conhecia bem a Winsford House; assim, Jim sabia onde poderia estacionar o cavalo e,
tendo-o feito, dirigiu-se à porta da cozinha.
Bateu e entrou, procurando alguém a quem pudesse entregar o convite que trouxera.
Então, viu uma figura familiar saindo de um cômodo que ele sabia ser o vestíbulo dos
criados, e deu um grito:
— Betsy!
Um rosto atraente virou-se para ele e, por sua exclamação, não havia dúvidas de que ela
estava satisfeita em vê-lo.
— Olá, Jim! Não esperava vê-lo hoje!
— Também não pensei que fosse eu quem viesse — respondeu Jim.
— Como vai? -
— Muito bem — respondeu Betsy. — Mas aqui não é a mesma coisa que o castelo; e
estou sabendo que você está nos estábulos!
— Sinto falta de você! — disse Jim em voz baixa. — Fiquei terrificado quando ela
mandou você embora.
— A cozinheira foi gentil trazendo-me para cá. Ela disse que me daria uma chance, pois
conhecia meu pai desde que ele era um garoto!
Os lábios de Jim endureceram-se.
Ele ficara consternado, como todos os outros criados do castelo, quando Betsy, cuja
família servira sua propriedade por três gerações, fora demitida pela nova duquesa por uma
razão que ninguém conseguia adivinhar, e sem qualquer carta de referências. Ao ver a
expressão do rosto dele, Betsy ficou preocupada e disse:
— Está tudo bem, Jim. Estou muito feliz aqui, pois posso ver você algumas vezes!
— Eu gostaria de poder fazer alguma coisa por você.
— Esqueça-se disso! Trabalhar na cozinha não é a mesma coisa que trabalhar na casa,
mas tive sorte de encontrar um emprego sem ter referências!
Betsy não conseguia esconder o ressentimento em sua voz.
Todo criado sabia que era extremamente importante ter boas referências para se
conseguir um emprego.
O modo como a duquesa despedia aqueles de quem não gostava, sem explicação e sem
essas tão importantes referências que lhes poderiam assegurar outro emprego, era muito
comentado não só no castelo, mas em toda a região.
— O Sr. Huxley me disse que você foi mandada embora porque é muito bonita, e que
Sua Graça faria o mesmo com a Srta. Sorilda se tivesse oportunidade!
19
— Sei disso! — exclamou Betsy. — Eu escutava o jeito com que ela falava com a Srta.
Sorilda. Ficava doente, ouvindo aquilo, pois a Srta. Sorilda sempre foi gentil com todo
mundo!
— É verdade — concordou Jim. — Minha mãe dizia que a finada duquesa também era!
Betsy suspirou profundamente.
— Um homem deve ter cuidado com quem se casa, não é?
— Eu pretendo ter cuidado — disse Jim. — Por isso é que quero me casar com você.
— Oh, Jim, ainda vai levar muito tempo até economizarmos o bastante para isso. E
depois, se você continuar trabalhando no castelo, duvido que Sua Graça o deixe se casar
comigo!
— Então, procurarei outro lugar para trabalhar — replicou Jim. — Ninguém vai me
impedir de casar com você, prometo!
Ao falar, colocou seus braços em volta de Betsy, mas quando ia beijá-la, ela olhou,
assustada:
— Aqui não, Jim! Por favor, aqui não!
— Então, onde? E quando?
— Amanhã à noite! Eu sairei depois da ceia e encontrarei você no fim da estrada.
— Estarei lá, mas não se atrase, como da última vez!
Ela sorriu para ele; então, como ouvisse passos no corredor, começou a sair.
— Ei, espere! — gritou Jim. — Não perguntou por que eu vim! Colocou a mão no bolso e
puxou a carta.
— Para Sua Excelência, de Sua Graça! — anunciou ele. — E devo esperar por uma
resposta!
Betsy apanhou a carta.
— Eu a levarei à copa! É melhor você esperar no vestíbulo dos criados!
— Volte o mais rápido que puder — disse Jim, em voz baixa. Quando Betsy saiu
apressada pelo corredor, ele perambulou sem pressa pelo vestíbulo, onde havia uma grande
mesa no centro.
Betsy caminhava pelo corredor em direção à copa.
Dera alguns passos, antes de olhar para a carta que trazia nas mãos, e achou que a
duquesa era igual a todas as outras mulheres que corriam atrás do conde, por ele ser tão bem-
apessoado.
Elas são como abelhas em volta de um pote de mel! — pensou Betsy, desdenhosamente.
Ao mesmo tempo, admitia que, realmente, Sua Excelência era muito vistosa, capaz de
atrair muitas mulheres, quaisquer que fossem.
Por admirar seu novo patrão, achava uma pena que ele estivesse envolvido com a
duquesa de Nuneaton.
Betsy tinha uma boa índole, mas a maneira injusta como fora despedida causara-lhe um
golpe do qual não se recuperara.
Não só perdera seu emprego, como também decepcionara seus pais, que se sentiam
sempre muito orgulhosos de terem trabalhado no castelo, e ainda se humilhara perante todos
os seus amigos da propriedade e da cidade.
Fora trabalhar para o duque com muita honra, exibindo-se para as outras garotas com
quem brincara desde criança, pois era regra, desde há muito, que os filhos de pais que
tivessem trabalhando no castelo teriam preferência sobre os outros candidatos.
20
Então, no momento em que a Sra. Bellows, a governanta, sentia-se satisfeita com ela, e
Betsy achava que realmente estava desempenhando bem suas funções de sexta arrumadeira,
viu-se mandada embora, sem qualquer outra razão a não ser o fato de a duquesa o querer!
— Eu a odeio! — pensava, agora, Betsy, olhando para a letra floreada dá duquesa.
Virou o envelope e, ao fazê-lo, percebeu que o lacre com que a duquesa fechara o
envelope estava descolado!
Sem dúvida fora pela maneira como Jim o colocara no bolso, pensou ela, desejando que
não lhe trouxesse nenhuma complicação o fato de o envelope estar aberto.
Quando Betsy olhava para ele e se preocupava com Jim, veio-lhe uma idéia repentina,
mas achou que era ultrajante o simples fato de pensar nisso! No entanto, impulsivamente,
guiada pela curiosidade ou por qualquer outro sentimento que fugia ao seu controle, saiu do
corredor, abrindo a porta que dava para o viveiro de flores.
Lá havia prateleiras contendo grande número de vasos, que eram usados para as flores
que os jardineiros colhiam durante todo o ano.
O viveiro estava vazio e Betsy, fechando a porta atrás de si, ficou por um momento
olhando para o envelope.
Prendendo a respiração, pois sabia estar fazendo algo tão chocante que tinha vergonha
até de pensar, retirou a fina folha de papel de carta, onde a duquesa escrevera sua mensagem.
Betsy tinha ido à escola, pois o duque providenciara uma para os filhos de seus
empregados e havia pago uma professora para ensiná-los.
Assim, embora lentamente, podia ler. Levou um pouco de tempo para decifrar o que a
duquesa escrevera, ainda que sua caligrafia fosse grande e clara.
Com dificuldade, leu:
Ele partirá amanha à noite. Venha às nove, pela porta da Torre Oeste, a qual deixarei aberta para
você. Será difícil esperar, pois desejo muito vê-lo, ouvir sua voz e estar em seus braços.
Não havia assinatura e, quando Betsy acabou a leitura, deu um soluço audível.
— Realmente! — disse para consigo. — Se Sua Graça soubesse o que está acontecendo,
ficaria surpreso vendo a bela esposa que tem!
Colocou a carta de volta no envelope, molhou seu dedo e o pressionou contra o lacre,
esperando que ninguém notasse que estava descolado.
Então, voltou ao corredor, em direção à copa.
Foi apenas quando voltava apressada para o vestíbulo, onde se encontrava Jim, que uma
idéia veio à sua cabeça, parecendo tão fantástica que ela se julgou louca só em pensar naquilo.
Abriu a porta do vestíbulo e, por um momento, achou que Jim se fora, sem esperar pela
resposta que o copeiro lhe traria.
Então, saindo por trás da porta, ele a agarrou de surpresa, beijando-a, até que ela
conseguisse se safar.
— Comporte-se, Jim Travei! — gritou ela, numa voz que, em vão, tentava ser firme. —
Você quer me ver na rua? E se alguém nos apanhar?
— Ninguém o faria, e eu não consigo esperar até sexta-feira — disse Jim.
Falava com tanto sentimento na voz que Betsy deu-lhe um pequeno sorriso, sabendo o
quanto ele a amava, desde que eram crianças.
Depois, disse:
— Soube que Sua Graça partirá amanhã!
— Soube antes de mim — disse Jim. — E como fez para saber?
21
— Ele vai para Londres?
— Acho que sim. Sua Majestade não pode passar sem ele.
— Pensei que ela tivesse o príncipe Albert.
— E tem! — replicou Jim. — Mas, como toda mulher, ela gosta de ter muitos homens à
sua volta!
Falava casualmente, e, então, completou:
— Mas eu mataria qualquer um que tentasse se aproximar de você, lembre-se disso!
— Não há necessidade de ter ciúmes! — disse Betsy. — Sua Graça irá ficar na Nuneaton
House?
— Onde mais ficaria? — perguntou Jim. — Lá é muito bom, como já disse antes para
você, embora não tenha muitos quartos nos estábulos.
Betsy não respondeu.
Estava pensando e isso requeria toda a sua concentração, para contemplar a
extraordinária idéia que se apresentava a ela, como que saída das nuvens.
Cavalgando para casa, depois de ter visto o conde no Long Gallop, Sorilda achou uma
pena que ele não pudesse vir jantar, como sugerira sua tia.
Supunha que, realmente, fora um convite que ela levara aos estábulos, para que Huxley
despachasse para a Winsford House.
Quando Jim voltou, trazendo a resposta e Sorilda a levou até sua tia, esta esperou que
ela saísse, para abrir o envelope.
— Não me deixará ficar para o jantar — pensou Sorilda.
Mas, sem dúvida, ela daria uma espiadela no conde, através da balaustrada ou da
Galeria do Menestrel, a qual abrigava a grande sala de banquetes, normalmente usada
quando havia convidados.
A frente da Galeria do Menestrel era densamente esculpida e Sorilda descobrira que, de
lá, podia assistir às festas, sem que ninguém desse por sua presença.
Seria interessante, pensava ela, ver o conde de perto, mas, se pudesse escolher, preferiria
ver seus cavalos.
Aquela noite, no jantar, sentada com seu tio e sua tia, ouviu o duque dizer:
— Como vou para Londres, posso muito bem levar aquele colar que você quer
consertar. É melhor que mandá-lo pelo estafeta.
— Está indo para Londres, tio Edmund? — perguntou Sorilda.
— Sim, tenho que ver Sua Majestade — respondeu o duque. — É uma amolação, pois
estive no Palácio de Buckingham há apenas uma semana. No entanto, recebi uma carta de Sua
Majestade, solicitando que a apóie no encontro da Sociedade para Melhoria das Condições
das Classes Trabalhadoras.
Enquanto seu tio falava, Sorilda pensava que, antes de enviar o bilhete com o convite
para jantar, a duquesa já sabia da viagem do duque.
Parecia estranho, mas ela já sabia.
As cartas chegam sempre pela manhã e são levadas diretamente para os aposentos dos
duques, que as recebem antes mesmo de descerem para o desjejum.
Se Íris sabia que seu marido iria viajar, por que convidara o conde para jantar?
Dificilmente poderia esperar dar uma festa por conta própria.
Então, subitamente, ocorreu a Sorilda que, talvez, sua tia quisesse jantar a sós com o
conde!
22
Mas isso era impossível!
Por mais que confiassem em seus criados, embora algumas vezes as pessoas tendam a se
esquecer dos fatos e das ações humanas, isso seria comentado, não só dentro do castelo, mas
na cidade.
O fato de a duquesa de Nuneaton jantar sozinha com o conde de Windsor iria provocar
um suculento bocado de mexericos, que iria varrer toda a região, como um incêndio florestal.
Não, pensou Sorilda, sua tia não seria tão indiscreta a ponto de querer causar um
escândalo tão grande.
Então, por que o bilhete?
Continuou a pensar nisso até ir para a cama, depois de ouvir Íris dizer a seu tio, em tons
adocicados, que iria sentir sua falta desesperada-mente, e que ele voltasse o mais rápido
possível.
— Agora que é um homem casado, querido, a rainha deve compreender que não pode
dispor tanto de você quanto fazia antigamente.
— Concordo — replicou o duque — e asseguro-lhe que não é meu desejo deixá-la e
seguir para Londres sem você!
Como se subitamente lhe ocorresse algo, disse:
— Por que não vem comigo? Poderíamos ficar uma noite a mais e iremos à ópera!
— Seria adorável! — respondeu a duquesa. — Mas não posso viajar assim de uma hora
para outra. Não sou tão móvel quanto você e, de qualquer forma, logo deveremos ir para lá,
para a abertura da Exposição!
O rosto do duque sombreou-se.
— Naturalmente, isso está pendendo sobre as nossas cabeças! — disse ele. — E eu não
suportarei ver o dinheiro público sendo gasto dessa maneira vergonhosa, a menos que esteja
com você!
— Naturalmente, estarei com você, meu querido marido! — respondeu a duquesa.
O duque, gratificado por aquele tom, levou a mão dela aos lábios.
Depois de seu tio ter partido, na manhã seguinte, com uma rajada de instruções de
última hora, esquecendo-se de algumas coisas e fazendo perguntas sem fim sobre qual capote
seria melhor para ser usado naquela época, Sorilda achou muito estranho que sua tia não
quisesse acompanhá-lo.
A duquesa tinha repetido continuamente, desde que haviam voltado para o campo, há
duas semanas, que queria ficar em Londres; estavam perdendo bailes e recepções, aos quais
queria estar presente.
Sorilda sabia que, desde que se tornara duquesa, Íris apreciava o fato de todas as portas
antes fechadas para ela estarem agora abertas, e de como esposa de um dos primeiros duques
da Grã-Bretanha, possuir uma posição inatacável.
E também, segundo Sorilda, deveria ser-lhe frustrante ter apenas dois espectadores para
seus novos vestidos: seu marido e sua sobrinha, ao passo que em Londres podia ouvir os
aplausos de uma multidão, toda vez que entrava num salão de baile.
A duquesa arrumou mil coisas para Sorilda fazer durante o dia, e, ao final da tarde,
disse:
— Jantaremos às sete, pois quero me retirar cedo. Na verdade, estou me sentindo
exausta.
Ela, na verdade, não parecia cansada, pensou Sorilda, ao contrário, parecia
23
especialmente adorável, com os cabelos arrumados em um novo penteado, que Harriet
copiara do The Ladie's Journal.
Jantaram na pequena sala de refeições e, ao contrário de fazer comentários a respeito da
comida ou de qualquer outra coisa, como era comum quando estavam sozinhas, a duquesa
parecia preocupada com seus pensamentos.
Sorilda tinha medo de falar, fazendo assim com que ela mudasse a direção de seus
pensamentos e desabasse qualquer coisa sobre ela.
Tão logo terminou o jantar, a duquesa subiu para o seu boudoir, dando instruções para
que fossem apagadas as luzes desnecessárias, como de costume.
Isso queria dizer, sabia Sorilda, que os criados iriam todos se retirar para seus próprios
aposentos, ficando apenas dois velhos vigias noturnos fazendo a ronda, para verificar as
portas e janelas.
Os quartos dos duques ficavam no lado oeste do castelo, perto de uma das velhas torres
que flanqueavam ambos os lados da parte conhecida como “o lado noturno” da construção.
De fato, o castelo havia sido reconstruído há duzentos anos e o arquiteto mantivera-o o
mais parecido possível com o que fora anteriormente.
Assim, ao invés de os quartos serem largos, eram, na maioria, pequenos e baixos, com
janelas estreitas, que não deixavam entrar luz suficiente.
O pai do duque, no entanto, fizera reformas, dotando-o de considerável conforto.
Juntara vários quartos pequenos, transformando-os em dois grandes dormitórios, para
ele e para sua esposa, com um boudoir, entre eles. Criara um grande salão de estar no
pavimento térreo que, assim como seu quarto, dava para os jardins de trás do castelo.
Voltados para o sul, esses cômodos eram inundados pelo sol.
Por outro lado, o quarto de Sorilda ficava sobre a porta principal e dava para o parque.
Como estava voltado para o norte, o sol não entrava pelas duas janelas estreitas e
Sorilda, freqüentemente, pensava em mudar de quarto, ainda que isso significasse ter que se
transferir para outro andar.
Até a chegada da duquesa, tudo no castelo era imutável e tinha que continuar sendo
como sempre fora.
Sorilda, no entanto, tinha continuado a dormir no mesmo quarto que ocupava desde a
sua vinda para o castelo, e imaginava que, caso solicitasse à duquesa ser transferida, esta não
hesitaria em mandá-la para as dependências da criadagem.
Pior ainda se a alternativa fosse aquela parte do castelo que era sempre fria e que se
tornava literalmente gelada nos meses de inverno.
Era um alívio perceber que, nessa noite, estava quente o suficiente para manter as
janelas abertas, e encontrar sobre a sua pequena mesa um livro que estava ansiosa por ler.
Embora seus preceptores tivessem ido embora, o contador não revelara à duquesa que
continuava a comprar para Sorilda qualquer livro que ela desejasse.
Como ele ficasse a maior parte do tempo em Londres, onde cuidava de todas as
propriedades do duque, assim como de sua correspondência particular, Sorilda adquirira o
hábito de escrever quase que semanalmente para o Sr. Burnham.
Ele estava sempre tão pronto a atender o que ela lhe solicitasse que Sorilda achava que
entenderia facilmente o que se passava desde o casamento de seu tio.
Certamente, ele devia achar estranho a rapidez com que os criados eram substituídos no
castelo, sendo que, no passado, eles eram admitidos quando crianças e permaneciam até o fim
24
da vida.
Sorilda trocou de roupa, vestindo um penhoar antes de apanhar o livro
Não tinha intenção de se deitar imediatamente, pois era muito mais confortável
refestelar-se numa poltrona perto da janela, colocar seus pés em um tamborete e ler, a
princípio sob a luz do pôr-do-sol e, depois, à luz de vários candelabros.
O duque instalara luz e gás em algumas partes do castelo.
Os únicos a contarem com esse melhoramento eram os aposentos do duque e, como isso
acontecera antes da chegada de Sorilda, não havia por que exigir tal privilégio.
Ela não se importava. Preferia os candelabros, achando que davam ao castelo um ar
romântico de outras épocas.
Para ter certeza de que iria ficar confortavelmente instalada, Sorilda apanhou um dos
travesseiros da cama e colocou-o atrás de si, então, abriu o livro e preparou-se para se
divertir.
Mas, por alguma razão, as palavras não prendiam a sua atenção, como esperava.
Ao contrário, ficou olhando pela janela, vendo o céu transformar-se de púrpura e ouro
nas sombras da noite.
Fará um belo dia amanhã, pensou, lembrando-se do velho adágio: “Quando a luz do céu
é vermelha, quem fica contente é o pastor de ovelha”.
Isso queria dizer que ela poderia cavalgar às seis da manhã, ir mais uma vez ao
Carvalho Queimado e, talvez, espiar os soberbos cavalos do conde.
Sorilda amava cavalgar desde criança e, como seu pai gostava de caçar, sempre tiveram
um estábulo cheio de caçadores de primeira linha, ainda que sua mãe achasse que, se
continuassem gastando tanto com eles, ela e Sorilda ficariam descalças.
Sorilda achava uma delícia cavalgar com seu pai e, freqüentemente, já mais velha, eles
dois saíam em longas expedições.
Enquanto retornavam para casa lentamente, em virtude do cansaço dos cavalos,
conversavam longamente, sendo que, aí, ela aprendia muito mais do que se tivesse lido
centenas de livros, ou tivesse estudado com uma dúzia de eruditos professores.
Papai iria admirar os cavalos do conde, pensou ela.
Gostaria de saber mais a respeito deles. Por exemplo, gostaria de saber a ascendência do
cavalo que o conde estivera montando.
Acharia também interessante saber quanto tinha pago por ele, mas suspeitava que essa
pergunta poderia ser respondida por Huxley.
Ele era um inveterado mexeriqueiro e sempre sabia o que estava acontecendo nos outros
estábulos da região.
— Tenho certeza de que ele acha os cavalos do conde mais interessantes do que
qualquer outra pessoa, pois tem ciúme deles, assim como o tio Edmund tem ciúme do conde.
A idéia era divertida, então, ao olhar pelas sombras das árvores do parque, viu à
distância, alguém cavalgando em direção ao castelo.
Ficou imaginando quem poderia ser, pois, àquela hora, sabia que não seria ninguém dos
estábulos do castelo.
Pensou que talvez fosse um cavalariço trazendo alguma mensagem, mas mesmo assim
era tarde para isso.
Podia ver o cavalo e o cavaleiro movendo-se entre as árvores, e, subitamente, ocorreu-
lhe que havia algo vagamente familiar neles. Ela espiou, endireitando-se na cadeira.
25
Quem quer que fosse, não estava vindo diretamente ao castelo, mas movimentando-se
de forma a se aproximar da casa por um ângulo diferente.
Como estava curiosa, levantou-se e olhou pela janela. Agora conseguia ver muito mais
claramente e, como o castelo fora construído em um declive, ela conseguia enxergar de longa
distância e, a despeito das sombras e do céu escuro, teve certeza de que o cavaleiro
aproximava-se pelo lado oeste.
Que estranho! pensou Sorilda, por que o lado oeste? Os estábulos ficam no leste!
Estendeu o pescoço um pouco mais para olhá-lo e, então, deu-se conta de que sabia
quem eram cavalo e cavaleiro!
É impossível! Estou ficando louca! pensou ela. — Há outros homens no mundo, por que
penso nele?
Mas tinha certeza, certeza absoluta de que era o conde de Winsford que chegava
cavalgando ao castelo.
Então, entendeu, e tudo o que a confundira a respeito do bilhete de sua tia encaixou-se
direitinho.
Seu tio estava fora e o conde visitava sua tia!
Por um momento, isso pareceu tão incrível a Sorilda que ela achou que isso era produto
de sua imaginação.
Sabia, porém, que não era uma fantasia, mas algo que realmente estava acontecendo.
Sua tia ficara sabendo que seu marido iria para Londres, e passara a informação ao
conde, usando como desculpa o fato de estar convidando-o para jantar.
O bilhete que Jim trouxera e que ela entregara à sua tia era a resposta dizendo que
aceitava.
Agora, por mais incrível que parecesse, ele estava chegando às nove horas da noite.
Mas como poderia isso acontecer, sem que os criados ficassem sabendo?
No mesmo momento em que se fazia essa pergunta, soube a resposta.
Ao vir pela primeira vez ao castelo, ela ficara intrigada com as duas torres altas,
remanescentes da construção original.
As escadas circulares dentro delas, os cômodos minúsculos e as janelinhas estreitas,
tinham-na encorajado a visita Ias não uma, mas dúzias de vezes, pois pareciam um fragmento
do romantismo dos cavaleiros andantes e dos barões, que, em certa época, governaram a
Inglaterra.
A escada da torre oeste possuía uma porta que dava para o quarto do duque, e embora
esta ficasse trancada por dentro, uma vez seu tio lhe dissera, rindo:
— Se um dia quiser sair do castelo sem ser notado, posso descer por esta escada a qual,
veja você, dá para o meu quarto.
— Ela seria muito útil, tio Edmund, se o senhor fosse um realista fugindo das tropas
cromwellianas — dissera Sorilda.
— Acredito que algo como isso tenha acontecido em nossa historia — replicara o duque.
— Peça ao Sr. Burnham que lhe entregue um catálogo dos livros que há na biblioteca.
Sorilda procurara na história da família, mas não achara nada sobre um Eaton ser
perseguido naquela época.
Antigamente, tinham acontecido muitas batalhas à volta do castelo e, certa vez, um
exército sitiara seus habitantes quase até a morte por inanição.
Como tudo isso fazia parte de sua própria história, e pelo fato de seu pai ter lhe contado
26
muito a respeito dos Eaton e da maneira como sempre tinham servido seu país, Sorilda
tentara amar o castelo e sentir-se orgulhosa de tudo o que ocorrera ali.
Mas, desde que sua nova tia tinha vindo viver ali, estava encontrando dificuldades.
Agora, percebia que estava chocada e horrorizada em pensar que uma mulher que se
tornara membro de sua família, e que era a duquesa de Nuneaton, enganava seu marido e
procedia de uma maneira que a mãe de Sorilda acharia repreensível.
— Tio Edmund a amava — pensou Sorilda —, e é uma traição a ele e a toda a família
que ela quebre os laços matrimoniais seis meses após tê-los contraído!
Não mais via o cavalo ou o cavaleiro, mas sabia que estavam passando sob os arbustos
plantados no lado oeste da casa, onde havia heras antigas que chegavam até a porta da torre.
Havia muitos lugares onde o conde poderia amarrar seu cavalo, e, sem dúvida, Íris já
teria aberto a porta exterior da torre e aquela que dava para o quarto.
— É má ação da parte dele! — exclamou Sorilda. — É um cavalheiro e um vizinho.
Ainda que tio Edmund não goste dele, isso não é razão para ele proceder dessa maneira!
Achava que o conde, que parecia não só muito bonito mas correto, não deveria se
rebaixar e proceder dessa maneira com alguém como seu tio.
De certa forma, achava-se desapontada com ele.
Mas agora lembrava-se de que ouvira de Huxley e outros cavalariços coisas que, então,
não notara particularmente, mas que agora se lembrava, referiam-se ao conde como sendo um
“homem de muitas mulheres”
Naturalmente, tinham sido cuidadosos com o que diziam em sua presença, mesmo
porque ainda a consideravam uma criança.
Mas as alusões tinham sido ventiladas, e ela podia se lembrar de outras, mais refinadas,
feitas pelos hóspedes sentados à mesa do duque.
— Ouvi dizer que Winsford está ficando famoso em Londres — lembrava-se agora de
ter ouvido um velho cavalheiro dizer ao jantar.
— Em que sentido? — perguntara friamente o duque.
— Ele tem um olho num bom cavalo e outro numa bela dama — respondera o velho,
falando alto demais, pois era surdo.
O duque abaixara os olhos e as senhoras à mesa fingiram corar.
— Ora, senhor duque — dissera o cavalheiro — não finja estar surpreso. O senhor foi
um cachorrão em sua juventude!
Seu tio, lembrou-se Sorilda, ficara muito feliz com o cumprimento.
— Isso não é surpresa, meu querido duque — dissera a esposa do velho homem —, o
senhor sempre foi o cavalheiro mais atraente a freqüentar os bailes de caça, e lembro-me
muito bem de como as damas sempre rezavam para que as tirasse para dançar.
— E é isso o que as moças de hoje andam fazendo — dissera o cavalheiro — somente
que, rezam para que o jovem Winsford as note. Acho que um grande número delas tem suas
preces atendidas.
Rira de sua própria piada até sufocar, e quando tiveram que bater às suas costas e
mandar vir água, mudara-se o rumo da conversa.
Na mente de Sorilda formou-se a idéia de que o conde era um homem de sucesso com as
mulheres, assim como com os cavalos, mas nunca esperaria que fosse perseguir uma pessoa
como sua tia, dentro de um recinto que era a fortaleza dos Nuneaton.
— É horrível! — disse Sorilda novamente, e abriu seu livro com determinação.
27
O conde de Winsford surpreendera-se, no dia anterior, com o bilhete da duquesa.
Estava pronto a deixar a casa, para cavalgar com um amigo seu, Peter Lansdown.
Como não gostasse de deixar os cavalos esperando, abrira a carta impacientemente, nem
se preocupando em olhar ou adivinhar de quem viera.
Ao ler o que a duquesa escrevera, permanecera por um momento surpreso e intrigado:
— O que é, Silas? — perguntara Peter Lansdown. — Se cancelar nossa cavalgada, ficarei
extremamente aborrecido! É minha última chance de experimentar seus soberbos cavalos,
pois parto muito cedo amanhã.
— Isso quer dizer que ficarei só! — dissera o conde.
— Tenho a certeza de que haverá muita gente à sua volta, se desejar isso — replicara seu
amigo, com um tom divertido na voz.
O conde, no entanto, parecia não estar ouvindo. Ao contrário, parecia estar se debatendo
com algo dentro de si, e seu amigo considerara que ele, obviamente, pensava no que fazer.
Então, com um sorriso um tanto malicioso, dissera:
— Vá na frente, Peter. Tenho que escrever uma resposta.
Ao falar, correra para o vestíbulo, escrevera uma resposta à carta da duquesa e voltara
em um minuto, mais ou menos, para entregá-la ao mordomo.
— Mande isto ao castelo Nuneaton.
— O cavalariço que trouxe a correspondência está esperando, milorde.
— Então, entregue a ele.
Ao falar, o conde atravessara rapidamente o vestíbulo e descera os degraus, até onde seu
cavalo ficara esperando.
Montara e seguira seu amigo, que apenas alcançara a ponte sobre o lago.
— Tomou uma decisão momentânea? — perguntou Peter Lansdown, quando o conde se
aproximara.
Eles eram amigos há muitos anos, tinham servido juntos no mesmo regimento e apoiado
firmemente o príncipe Albert em casar a arte com o comércio, mostrando ao mundo uma
exibição de cultura que poderia espantar todo o país.
Peter Lansdown era um membro do Parlamento e sua voz na casa traduzia,
continuamente, o ponto de vista do príncipe, em resposta aos que lhe eram hostis.
— Recebi um convite que me surpreendeu — admitira o conde, quando cavalgavam
lado a lado.
— Pensei que fosse velho demais, e certamente bastante experiente para ficar surpreso
com qualquer coisa que uma mulher pudesse sugerir — riu Peter Lansdown.
— Como soube que era uma mulher? — perguntara o conde.
— Era óbvio, pela expressão de seu rosto — respondera seu amigo.
— Aposto um contra mil que você aceitou a proposta em questão.
— Foi culpa sua!
— Por quê?
— Porque está me deixando sozinho e, francamente, Peter, como a maioria dos ingleses,
não gosto de jantar sozinho.
— Já disse que isso não lhe é necessário. Mas se não gosta que isso aconteça, mesmo
ocasionalmente, há um remédio muito fácil!
— E qual é? — perguntara o conde.
Prestava pouca atenção ao seu amigo, pois sua mente estava em outro lugar.
28
— Poderia se casar!
— Meu Deus, isso não é um caso de melancolia! — exclamara o conde. — E casar-me é
algo que não pretendo nem agora nem nunca!
— Está falando seriamente?
— Muito seriamente. O casamento, meu caro Peter, não é para mim. Nasci solteiro. Estar
ligado a uma mulher, por mais atraente que seja, significa sentir-me prisioneiro numa
masmorra, de onde é impossível escapar.
Peter Lansdown rira. Então, dissera:
— Não tinha idéia de que pensasse dessa maneira, embora soubesse que você sempre
conseguiu se esquivar de todas as iscas que lhe foram lançadas, desde que tinha dezoito anos.
Tinham alcançado o topo da estrada e, ao se dirigirem para o Long Gallop, Peter
Lansdown virara-se para olhar a casa.
Ela ficava um pouco abaixo deles e, com todas aquelas grandes árvores, parecia
incrivelmente magnífica ao sol da primavera.
— Admirando minhas propriedades? — perguntou o conde.
— Pensava que, mais cedo ou mais tarde, você terá que mudar de opinião e arrumar, ao
menos, um herdeiro! — replicara Peter Lansdown. — Sabe muito bem que seu primo Hubert
não é a pessoa indicada para usar com dignidade o seu título.
Ambos riram, mas o conde o fizera de forma algo desgostosa.
Seu herdeiro presuntivo era um jovem que recusava toda responsabilidade social e, ao
contrário, gastava a maior parte de seu tempo em Paris, pintando coisas péssimas e
divertindo-se à larga com as mulheres que comandavam a vida noturna da cidade.
Tinha deixado crescer a barba, usava um casaco de veludo como os artistas, uma grande
gravata esvoaçante e, quando se lembrava, uma boina caída na cabeça.
— Simplesmente não consigo imaginar Hubert em Winsford — disse Peter Lansdown.
— Assim, pare de falar besteiras, Silas, mude de opinião e, em nome da família, abrace os
santos laços do matrimônio!
— Estarei perdido se o fizer! — respondeu o conde. — Gosto da vida da maneira como a
vivo e, como disse, qualquer mulher com quem me casar logo se tornará uma pessoa tão
enfadonha que eu acabarei matando-a.
— Antes gere seu herdeiro! — disse Peter Lansdown. — Então, poderá afogá-la no lago,
jogá-la do telhado e ninguém se importará!
O conde balançara a cabeça e rira.
— Peter, você é incrível! Se eu lhe desse ouvidos, tornar-me-ia um criminoso, e isso
certamente não embelezaria o brasão de minha família!
— Lembre-se de que estou querendo ajudá-lo! — disse Lansdown. — Nesse meio
tempo, divirta-se!
— É o que pretendo fazer! —replicara o conde. — Por que diria não a qualquer bom
pêssego que caísse em meu colo?
Ao falar, pensara que essa era uma boa descrição de Íris.
Ela era exatamente como um pêssego, em sua maciez, na maneira como conseguia, com
seus cabelos loiros e olhos azuis, ter aquele brilho que faltava às outras mulheres.
Na verdade, o conde admitia ter ficado desapontado — ou a palavra adequada seria
“enciumado”? — quando, logo após haverem se conhecido, ela ter aceito o duque de
Nuneaton, e ter se casado antes que ele pudesse pôr-lhe as mãos por uma segunda vez!
29
Tinham sido apresentados em uma festa oferecida por um dos amigos mais animados
do conde, por ocasião das corridas de St. Leger, em Yorkshire.
No momento em que o conde entrara na casa de seu amigo, depois de ter vindo em
tempo recorde de Londres, vira Íris, e achou que o esforço da viagem tinha valido a pena.
A festa no entanto transcorrera, surpreendentemente, em um clima respeitável, pois o
anfitrião, à última hora, fora obrigado a hospedar sua mãe, que viera para as corridas.
Isso inibira o comportamento dos outros hóspedes que, normalmente, costumavam
proceder muito livremente durante aquelas corridas particulares, naquela casa particular.
Entretanto, na segunda noite, o conde conseguira chegar aos aposentos de Íris.
Com sua vasta experiência com mulheres e a autoridade que lhe conferira a fama de
melhor amante de Londres, o conde percebera que por detrás da aparência angelical de Íris
existia o fogo de uma mulher passional.
Não se desapontara, e considerara, ao voltar para seu próprio quarto, que fora uma
noite adorável.
No dia seguinte, partira logo após a corrida e, enquanto procurava ver Íris novamente
em Londres, lera no The Times que o casamento dela com o duque de Nuneaton já tinha
acontecido.
Ao dançar com ela no baile oficial, sentira que a história não terminara, e que o
casamento não apagara aquele fogo que queimava dentro dela.
Ao mesmo tempo, hesitara em deliberadamente atrair a esposa de seu vizinho para a
infidelidade.
Um dos princípios do conde era o de não fazer amor com uma mulher na casa de seu
marido, quando este, para todos os efeitos, era seu amigo.
Mesmo assim pensou que era impossível para Íris vir ao seu encontro sem que os
criados ficassem sabendo.
Assim, sabia que, ou recusava seu convite ou mandava seus princípios às favas!
Lembrara-se de que o duque nunca gostara dele e, freqüentemente, distanciava-se, para
fazê-lo sentir-se em segundo plano na região, quando ele estava presente.
E mais, ressentia-se da atitude que o duque tomara em relação ao príncipe Albert e à
construção do Palácio de Cristal.
Para o conde, parecia uma simples questão de lealdade por parte daqueles que
freqüentavam o Palácio de Buckingham e mereciam a confiança da rainha e do consorte,
apoiar o príncipe em seu projeto, o qual não só seria bom para o país, mas também
conseguiria desenvolver as relações comerciais com todo o mundo.
Havia sido isso, primordialmente, o que fizera com que o conde decidisse que, se o
duque não conseguia cuidar de sua própria esposa, não seria ele a lhe ensinar o ofício.
E mais, pensara ele, seria certamente um prazer rever Íris e sentir aquele fogo
queimando em seus lábios, os quais pareciam não ter pronunciado nunca algo que fosse uma
prece ou um salmo. . Somente quando já se dirigia ao castelo é que o conde se perguntara se
não estaria passando por tolo, assumindo riscos desnecessários, em ir ao encontro de uma
mulher cujos favores já desfrutara.
Ao alcançar o limite entre as duas propriedades, quase voltara.
Tinha a desconfortável sensação de que buscava o perigo, embora não soubesse o
porquê.
— Devo estar ficando velho, se não consigo entrar nessa aventura comum sem me sentir
30
seguro! — pensara desdenhosamente. — E Deus sabe que sou jovem demais para ficar
sozinho e pesar a minha consciência!
Passou para as terras do duque e lembrou-se de que, se fosse há dez anos, quando pela
primeira vez viera de Oxford, sentiria que aquela era uma emoção que não poderia perder!
Ao cavalgar, apenas achava que Íris valia qualquer problema que viesse a aparecer!
Freqüentemente, o conde percebera que, em seus casos de amor, a emoção do primeiro
encontro nunca mais era repetida com igual força nos subseqüentes.
Certamente, em sua experiência, tinha sido fatal reviver casos que pensava já terem
terminado. Mas isso não se aplicava à Íris, pois, na verdade, uma única noite não podia ser
chamada de romance.
Talvez, pensava ele, fosse melhor permanecer sozinho, pois não desejava enfurecer o
duque, o que certamente aconteceria se ele soubesse o que estava acontecendo.
Mas Íris, sem dúvida, sabia muito bem o que fazia.
Ele deixara muito claro a ela, como a todas as outras mulheres, que era um amante e não
um marido, e que suas intenções eram estritamente desonrosas, e nada ou ninguém poderia
mudá-lo.
— Ela, certamente, é bastante adulta para se cuidar — desculpou-se o conde —, e não há
porque eu bancar a babá!
Já tinha alcançado a torre oeste e, enquanto passava através dos arbustos, descobriu que
havia muitos lugares onde poderia prender as rédeas de seu cavalo.
Tendo desmontado, viu a porta da torre bem à sua frente, e ao se aproximar, percebeu
que estava entreaberta.
O céu já estava quase escuro e a primeira estrela brilhava sobre a torre.
O conde olhou para cima e, vendo as janelinhas estreitas, pensou que em tempos mais
remotos, sem dúvida estaria caído ao chão, com uma seta espetada no peito.
Então, com um sorriso em seus lábios, que zombavam de si próprio, empurrou a pesada
porta de carvalho e começou a subir as escadas circulares, em direção a uma luz que brilhava.
31
CAPÍTULO III
44
CAPÍTULO IV
56
CAPÍTULO V
68
CAPÍTULO VI
80
CAPÍTULO VII
Sorilda acordou de repente e percebeu que cochilara com a cabeça recostada no pilar.
Ela havia se sentado junto à vela, esperando, em vão, que isso pudesse lhe proporcionar
algum calor, pois sentia que o frio tomava conta de todo o seu corpo.
Quando seus dentes começaram a bater, tirara suas amplas saias e cobrira com elas os
ombros nus. Ao fazer isso, ocorrera-lhe que talvez se aquecesse mais se suas anáguas ficassem
em contato direto com suas pernas, ao invés de sobre a armação da crinolina.
Tirara a armação e, por um momento, havia julgado que a maciez da seda fazia com que
sentisse um pouco mais de calor. Então, cruzara os braços e sentara-se perto da vela.
Nesse instante percebeu que a vela já estava quase chegando ao fim e que, dentro de
poucos minutos, se extinguiria por completo.
Então, ela ficaria na escuridão!
Ao pensar nisso, olhou para as sombras que se projetavam sobre as paredes, onde, sabia
ela, estavam as urnas com os ossos dos monges mortos há muito tempo.
— Eles não me farão mal — pensou sensatamente. — Eles são santos e me protegerão do
mal!
Mas não tinham sido capazes de protegê-la contra ser aprisionada dentro da cripta, o
que, tinha certeza, fora uma ordem da duquesa.
Ninguém iria encontrá-la e ela morreria lentamente de frio e de fome, até que, anos mais
tarde, encontrassem seus ossos, envoltos em seu vestido de seda.
Esse pensamento deu-lhe vontade de gritar. Então, disse a si mesma que esse era o
momento em que deveria rezar por ajuda e acreditar, ainda que parecesse algo impossível,
que suas preces fossem ouvidas.
Então, ao começar a orar, descobriu que todo o seu corpo e sua alma clamavam pelo
conde! Ele era tão forte, tão atlético, que era a única pessoa que poderia salvá-la.
Pensou que não se importava que tivesse cem outras mulheres em seus braços, desde
que pudesse tê-lo junto a si, e que ele a tirasse daquela prisão fria e escura.
— Meu destino é ser prisioneira por toda a vida — murmurou Sorilda, com um pequeno
soluço — primeiramente, no castelo, e agora, nas ruínas de uma cripta, onde ninguém se
lembrará de procurar!
Então, subitamente, percebeu que estava em outra prisão ainda!
A simples idéia disso fê-la tremer. Não podia ser verdade!
O que estava pensando devia ser conseqüência do medo ou de qualquer outro motivo.
No entanto, por mais que protestasse, sabia que era verdade.
Ela amava o conde!
Parecia incrível, que até então sentira somente desdém por ele, mas agora sabia por que
tinha sido tão feliz nesses últimos dias, quando cavalgaram juntos, quando o ouviu contando
o que estava acontecendo no Parlamento, e ao vê-lo rir com Peter Lansdown.
Ela o amava!
Então, desesperadamente, disse a si mesma que era inevitável que isso tivesse
acontecido. O que sabia ela a respeito dos homens, tendo sido enclausurada no castelo desde
a morte de seus pais, e não conhecendo ninguém a não ser os velhos amigos do duque?
81
— Eu seria uma anormal se não tivesse me apaixonado pelo homem mais atraente do
mundo — pensou ela — e agora sou uma prisioneira do amor!
Tentou rir, mas, ao contrário, apenas padeceu ao perceber que não só queria o conde
como instrumento de salvação, mas também como homem!
Muitas outras mulheres o tinham querido da mesma maneira, pensava ela, mas ela
ainda não sentira seus braços enlaçando-a e os lábios dele contra os seus.
Talvez seja melhor morrer! Pensou.
Ainda que todo o seu instinto quisesse viver!
Queria ver novamente o conde, ouvir sua voz, ver o brilho de seus olhos quando alguma
coisa lhe agradava, ou escutar sua risada, que revelava um quê de menino nele.
— Sou sua esposa! Sua esposa! — disse a si mesma Sorilda.
Mas, desesperadamente, lembrou-se de que era esposa apenas no nome.
Ele tinha ficado furioso por ter que se casar com ela, e ela bem se lembrava de que,
durante todo o tempo que tinham ficado em Londres, nunca parecera olhar para ela, além de
nunca terem ficado a sós.
Talvez… agora… ele tenha outra impressão de mim! Pensou.
Mas logo voltariam a Londres e existiriam outras pessoas para conversar com ele, com
quem ele dançaria, e eles nunca mais ficariam sozinhos!
Como ele não estava interessado nela, Sorilda sabia que iria se sentir extremamente
sozinha em meio à maior multidão.
— Eu o amo! Eu o amo! — murmurou em voz alta, e seus dentes bateram de frio,
Podia sentir esse frio subindo do chão úmido e pensou que talvez fosse melhor
caminhar um pouco, mas, nesse instante, a vela se apagou!
Agora, a escuridão era apavorante e os fantasmas dos monges pareciam assombrá-la.
Talvez, pensou, a maldade que emanava de sua tia estivesse também presente ali, e a
duquesa estivesse rindo de satisfação por ela ter caído tão rapidamente na armadilha que
armara.
— Como pude ser tão tola? — perguntou-se Sorilda. Arrependia-se mil vezes de não ter
corrido à sala de jantar e contado ao conde o que acontecera!
Agora é muito tarde! Pensou novamente.
Morreria ali, no frio, e ele nunca a encontraria e nem ficaria sabendo o quanto ela o
amava!
— Eu o quero! Eu o quero! — gritava intimamente.
Pensou que se ao menos ele pudesse tê-la nos braços e beijá-la antes que morresse…
Então, sua coragem disse-lhe que, feliz ou infeliz, tinha que tentar não morrer!
Forçou-se a ficar de pé, segurando-se no pilar, para que não ficasse totalmente perdida
na escuridão.
Mas sentou-se novamente e tentou rezar…
Muito, muito depois, quando tremia como se atacada de maleita, Sorilda começou a
caminhar, com suas mãos estendidas, para não tropeçar caso encontrasse algum obstáculo
pela frente, até as escadas.
Olhou e conseguiu ver uma tênue linha de luz, entre a junção das duas portas de ferro, e
achou que era a luz do dia!
Esperava ouvir vozes, mas ouviu apenas o leve piar dos pássaros.
— Se os passarinhos estão cantando, é porque não há ninguém os espantando! — disse a
82
si mesma, achando que seria tolice gritar por socorro.
Como achasse que, talvez, em cima fosse um pouco mais quente, começou a subir as
escadas; mas, nesse momento, despencou uma súbita chuva sobre as portas.
Ao cair a chuva, sentia que o simples som da água a fazia ter mais frio ainda.
Não tinha fome, somente sentia um vazio dentro de si, mas, à medida que as horas
foram se passando, começou a ter sede. Achou que poderia beber água da chuva, mas não
tinha como consegui-la.
Lentamente o tempo se passou e, então, com muito terror e medo, Sorilda gritou por
ajuda, mas, novamente, sua voz apenas ecoou pela escuridão da cripta.
Como se sentisse mal acomodada nos degraus, desceu novamente e, apalpando, foi até o
pilar, sentando-se recostada nele.
Tentava calcular quanto tempo levaria para morrer, mas, ao invés, ficou pensando no
conde.
— Por que, de todos os homens, justamente ele apareceu em minha vida? — perguntou-
se.
Ficou se lembrando de como ela estava, quando apareceu em seu quarto no castelo,
parecendo surpreso ao encontrá-la sentada contra as almofadas, olhando para ele.
Então, com um pequeno aperto no coração, recordou-se da raiva que emanava dele,
quando se dirigira a ela, quando chegaram a Londres.
Se eu tivesse sido inteligente, pensou Sorilda, teria aceito a sua oferta de viver separadamente,
mas, aí, nunca o amaria como estou fazendo agora.
Sabia que pensar nele era um grande padecimento para seu coração, e que doía querê-lo
e saber que ele nunca teria conhecimento disso.
Imaginava o que estaria fazendo. Estaria procurando por ela, ou simplesmente
pensando que fugira e, assim, logo se esqueceria dela?
Talvez estivesse rindo disso com Peter Lansdown, feliz por seu casamento ter se
acabado, sendo que tão cedo não arranjaria outra esposa.
— Ele queria ficar solteiro — pensou Sorilda — ainda que um dia eu viesse a lhe dar um
filho para continuar a linhagem!
Pela primeira vez, sentiu as lágrimas brotando dos olhos, ao pensar que, se tivessem tido
um filho, teriam ficado mais próximos. Pelo menos, por um momento teriam se pertencido
mutuamente.
As lágrimas não correram de seus olhos, como se já estivesse morta e não restasse mais
vida nela.
Sentia-se cada vez mais fria.
A chuva parou e não havia qualquer som sobre as portas da cripta, mas alguma coisa
começou a amortecê-la e ela sentiu que ia ficando paralisada.
A duquesa ganhou, pensou, morrerei hoje à noite ou amanhã, e ninguém ficará sabendo!
Fechou os olhos e achou que estava mergulhando cada vez mais na escuridão, sem
pensar, apenas sentindo que já estava jazendo em um túmulo frio…
— Beba um pouco mais, milady! Fará com que melhore — disse a Sra. Dawson, mas
Sorilda balançou a cabeça.
A sopa quente estava deliciosa, e parecia espantar o frio que a envolvera como em um
sarcófago.
Tinha estado semi-inconsciente, mas percebera, enquanto ela cavalgava lentamente de
volta à casa, que estava onde queria estar, e nada mais importava, pois ele a tinha encontrado!
O conde a carregara escada acima e vagamente se lembrava, por estar meio fora da
realidade, de ouvi-lo dar ordens para que providenciassem brandy, alimentos quentes e um
banho.
Então, apareceram criadas para cuidar dela, e Sorilda não fez qualquer esforço,
deixando-se mergulhar em um calor que, gradualmente, parecia espantar o frio.
Lentamente, muito lentamente, sentiu-se voltar à vida.
Pensara que estava morta, mas com o calor havia vida novamente correndo em suas
veias e, primeiramente o brandy e depois a sopa quente, fizeram-na quebrar o gelo.
Agora estava na cama, com o corpo e os pés aquecidos, e sentia que não conseguiria
engolir nada mais.
— Não… obrigada… Sra. Dawson — disse ela debilmente.
— O senhor conde ficará desapontado, como lhe dirá daqui a pouco!
— Ele… está vindo… me ver?
Sorilda conseguia sentir a palpitação em sua voz ao fazer essa pergunta, e a Sra. Dawson
respondeu:
— Sua Excelência disse que subiria imediatamente após ter trocado de roupa e jantado.
Ele deve estar exausto, depois de ter cavalgado ontem o dia todo, após ter passado a noite em
claro, recomeçando hoje novamente. A senhora condessa nos deu um grande susto!
Sorilda sabia que a Sra. Dawson estava estourando de curiosidade para saber o que
acontecera, mas ela não queria falar sobre isso.
Apenas queria pensar, com uma indescritível alegria, que estava viva e que fora o conde
quem a salvara!
Ele aparecera, como ela rezara para que o fizesse, e a trouxera para um lugar seguro,
antes que fosse tarde e ela tivesse morrido no frio e na escuridão.
Olhou em volta do quarto e achou que aquele era o lugar mais bonito do mundo.
— Tem certeza de que está bem aquecida? — perguntou solicitamente a Sra. Dawson.
— É… agradável… estar tão bem — respondeu Sorilda.
Olhou para o fogo que queimava na lareira e para o candelabro de porcelana de
Dresden, que ficava ao lado de sua mesa, com doze velas acesas, e, então, lembrou-se da
velinha que se apagara.
85
Fechou os olhos porque era maravilhoso demais não precisar ter medo! Estava em casa!
Esta era a palavra certa: casa! E fora o conde que a trouxera para cá!
Ouviu-se um batida à porta e ela sentiu seu coração pular.
A Sra. Dawson foi abri-la.
— Entre, Excelência — Sorilda ouviu-a dizer. — A senhora condessa diz que se sente
melhor!
Ele entrou e a Sra. Dawson saiu para o corredor, fechando a porta atrás de si.
Por um momento, ficou apenas parado junto à porta, olhando para Sorilda estendida
contra as almofadas enfeitadas de rendas, com os cabelos caindo por sobre os ombros, seus
olhos verdes muito grandes contrastando com suas faces pálidas.
Dirigiu-se a ela e, Sorilda impulsivamente, sem pensar, estendeu a mão.
— Você… me salvou! — disse ela. — Rezei… para que viesse… mas pensei que não
fosse ser ouvida!
— Eu a ouvi — disse ele. — E sabia que alguma coisa muito terrível tinha acontecido
com você. Senti isso desde o momento em que aconteceu!
— Achei que iria morrer e você nunca ficaria sabendo… onde estava! — disse Sorilda
em voz baixa.
Sentia os dedos dele entre os seus.
— Isso não voltará a acontecer — disse ele. — Você está bem, para me contar como foi
parar naquele maldito lugar?
— Um… garoto… levou-me até lá.
O conde pareceu confuso.
— Que garoto?
— Não sei. Eu estava no terraço… e ele me disse que deveria ir ver Drake
imediatamente… e eu pensei que talvez ele tivesse sofrido um acidente.
— Por que não me contou?
— Não imagina… quantas vezes me fiz essa mesma pergunta! — respondeu Sorilda. —
Mas eu segui o garoto até a cripta e quando ele a apontou, achei que talvez Drake tivesse
caído pelas escadas e se ferido!
Viu, pela expressão de seu rosto, que o conde estava furioso, e continuou:
— Foi muito… tolo de minha parte!
— Suspeita de quem possa ter prendido você lá dentro?
Viu a expressão de Sorilda e soube que ela conhecia o responsável, quem havia
planejado sua destruição.
— Esqueça — disse ele rapidamente. — Nós dois temos que fazer isso, senão não
teremos paz nem felicidade.
Deu um sorriso que pareceu transformar seu rosto.
— E a única maneira que tenho de protegê-la é mantê-la ao meu lado, dia e noite!
Sorilda olhou para ele com um súbito brilho nos olhos. Então, disse, um pouco
incoerentemente:
— Você deve ter achado… isso tudo… um incômodo!
Achou que ele pensava em algo antes de dizer:
— Você me disse que rezou para mim. Você me queria ou desejava somente alguém que
a salvasse?
Havia um tom em sua voz que fez Sorilda sentir-se subitamente envergonhada. Seus
86
olhos se agitaram e ela não conseguiu olhar para o conde.
— Quero que responda à pergunta, Sorilda.
Talvez por estar fraca ou por achar impossível fingir, disse a verdade.
— Eu… queria… você!
— Rezou para mim?
— Todo… o tempo.
— Quer me dizer por quê?
Houve silêncio e o conde disse:
— Diga-me, Sorilda. É importante, e quero ouvir a verdade.
— Eu queria… estar com você. Fui tão feliz… desde que viemos para o campo!
— Eu a fiz feliz?
Seus olhos estavam arregalados quando encontrou os dele. Era como se não houvesse
necessidade alguma de palavras. Ele devia estar sabendo o que ela sentia, saber de seu amor
brotando por ele.
— Quero lhe dizer algo, Sorilda — disse o conde, com voz lenta e profunda.
— O que… é?
— Quando a perdi, percebi o quanto passou a significar para mim, e que era
desesperadamente importante encontrá-la para que pudesse lhe contar isso.
Os olhos de Sorilda pareciam conter a luz de mil velas.
— Está… me dizendo que… gosta um pouco de mim?
— Estou lhe dizendo que a amo — replicou o conde. — E de uma maneira como nunca
amei ninguém!
Deu um suspiro que, de certa forma, parecia impaciente.
— Sei que é difícil acreditar nisso. Sei que a choquei, que você me desprezou, e teve todo
o direito de fazê-lo. Mas quero que saiba que o que sinto por você é algo inteiramente
diferente e não tem nada a ver com essas declarações de amor banais que os homens fazem a
toda hora. É verdade, e eu quero que acredite em mim!
— Eu… o desejo! Você sabe que… eu o desejo, e mesmo que se canse de mim, que me
abandone como abandonou outras mulheres, teria sido um paraíso ter tido você, nem que
fosse só por um momento.
— Não é questão de muito ou pouco, Sorilda — disse gentilmente o conde. — Eu a amo
e isso é algo que nunca disse a ninguém!
Olhou para ela como se tivesse medo que não acreditasse, completando rapidamente:
— As mulheres me atraíram, eu as desejei. Não há necessidade de explicar isso a você,
mas eu sempre soube que o que sentia por elas não era amor, não aquele amor que esperava
encontrar um dia, embora achasse que isso seria quase que impossível.
— Foi por isso… que nunca se casou?
— Exatamente! — disse o conde. — Há muito tempo atrás, jurei para mim mesmo que, a
menos que o meu casamento fosse totalmente diferente desses que eu via à minha volta,
permaneceria solteiro.
Olhou para ela e completou:
— Quero uma esposa que me pertença completamente, e para sempre. Que seja leal. E
que seja exclusivamente minha, para toda a eternidade!
Fez uma pausa, antes de dizer calmamente:
— E acho, Sorilda, que a encontrei!
87
Então, enquanto ela pensava que tudo aquilo que acontecia era um sonho milagroso, ele
abaixou-se e, muito gentilmente, procurou os lábios de Sorilda.
Foi um beijo suave, um beijo sem paixão, quase como um homem tocando uma flor.
Para Sorilda foi como se o quarto estivesse iluminado por uma luz que vinha de dentro
deles, e que também fosse parte de Deus.
Sentia que o conde, com o toque de seus lábios, proporcionava-lhe tudo o que há muito
desejara. Era uma parte daquela beleza que sempre a emocionara, e da música que vibrava
dentro de seu coração.
— Eu… o amo! Eu… o amo! — quis gritar.
Então, os lábios do conde começaram a se tornar mais possessivos, mais suplicantes, e
ela sentiu como se ele tivesse extirpado a alma de seu corpo.
Finalmente, após o que pareceu ser uma eternidade, ele levantou seu rosto.
— Eu… o amo! — murmurou Sorilda. — Eu… o amo! Eu… o amo!
— Como eu a amo, minha querida!
— É verdade… é realmente verdade… que me ama?
— Eu a amo — replicou o conde. — E agora não precisa mais ter medo. Eu cuidarei de
você e a protegerei, e nunca mais a perderei!
Havia algo tão comovente na voz dele que lágrimas começaram a brotar nos olhos de
Sorilda que, ao olhá-lo, sentiu-se envolvida por uma nuvem de glória.
— É tudo… tão maravilhoso… tão perfeito! — murmurou ela. — Talvez… eu esteja
morta… e tenha subido aos céus!
Ao falar, as lágrimas inundaram seu rosto.
O conde enlaçou-a, puxando-a para junto de si.
— Minha preciosa, minha adorada, minha querida maravilhosa! Não chore! Você foi
muito corajosa, incrivelmente corajosa, a despeito de tudo o que aconteceu, e agora quero que
seja feliz e esqueça tudo isso!
Beijou sua testa, dizendo:
— Você não vai morrer, viverá comigo e nós dois teremos muitas coisas excitantes para
fazer juntos.
— Tem… certeza de que me deseja? Não o incomodarei?
— Tenho certeza de que isso nunca acontecerá — disse o conde. — Peter vive me
dizendo que você é muito inteligente, como se eu não tivesse percebido isso por mim mesmo!
— Desejo ser inteligente… por você — disse humildemente Sorilda. — E, talvez…
— O que vai fazer?
— Talvez… possa ajudá-lo em algumas coisas que tem para fazer. Fico fascinada
quando você me fala delas!
— Quero que me ajude — disse o conde. — Na verdade, quero que futuramente
façamos tudo juntos.
Ocorreu a Sorilda que, nesse caso, ele não teria tempo para nenhuma outra mulher.
Como se lesse os pensamentos dela, o conde disse:
— Tudo isso acabou, esqueça, esqueça tudo o que aconteceu até este momento mágico.
Agora, há apenas uma mulher a preencher meu coração e minha vida!
— É tudo… muito maravilhoso!
O conde tirou seu lenço de dentro do bolso do casaco e enxugou-lhe o rosto.
— Adoro seus honestos olhos verdes, seus cabelos flamejantes e sua pele alva. Quero
88
beijar todo o seu corpo, minha querida!
Suspirou e, como que fazendo um enorme esforço para se controlar, disse calmamente:
— Acho, minha querida, que agora deve dormir. Amanhã conversaremos e faremos
nossos planos. Uma coisa que temos que decidir é onde passar a nossa lua-de-mel. Acho que,
apesar de tudo, merecemos uma!
— Uma lua-de-mel com você… seria maravilhosa! — murmurou Sorilda.
Então, recostou seu rosto contra os ombros dele e disse muito baixinho:
— Apenas tenho medo que me ache muito… ignorante e sem jeito, depois de…
O conde segurou em seu queixo, virando-lhe o rosto em direção ao dele.
— Não diga isso — disse ele. — E nem pense nessas coisas!
Olhou para ela penetrantemente, e Sorilda percebeu que sua expressão era terna, muito
diferente da de antes.
— Peter falou que você era a Bela Adormecida — disse o conde, com uma voz profunda.
— Prometo-lhe, minha querida, que serei o homem que a despertará. Será a coisa mais
fascinante e excitante que fiz em toda a minha vida!
Ao falar, seus lábios encontraram os dela, beijando-a de maneira diferente da que fizera
anteriormente.
Agora, havia algo que suplicava por aquilo que Sorilda sabia ser a paixão, e ela sentiu
como se todo o seu ser respondesse a esse apelo.
Uma pequena chama acendeu-se dentro dela, não maior que a luz de uma vela, mas
queimava através de todo o seu corpo, subindo por seu peito até a garganta.
Era uma sensação que nunca experimentara, e, quando o conde levantou sua cabeça, ela
murmurou:
— Ensine-me… ensine-me como amá-lo… para que não fique… desapontado!
— Eu lhe ensinarei tudo sobre o amor — disse o conde. — Eu despertarei a Bela
Adormecida, assim como ela me acordará para um amor que é a emoção mais maravilhosa
que jamais senti!
— É o que eu quero… fazer!
— E é o que fará, minha adorada — respondeu ele. — Mas agora você precisa descansar
e dormir, pois está muito cansada.
Sorilda escondeu novamente seu rosto, enquanto dizia baixinho:
— Não gostaria… que me deixasse!
Percebeu que ele ficou em silêncio. Então, o conde disse:
— O que quer dizer? O que quer dizer realmente, minha querida?
Sua voz era fracamente audível, quando sussurrou:
— Quando eu estava na cripta, imaginei que estava em seus braços, e senti-me… segura!
— É assim que se sentirá no futuro. Mas, o que mais sentiu?
— Era… muito excitante… mas não tão maravilhoso como realmente estar com você.
Os braços dele apertaram-na tão fortemente que Sorilda quase não conseguia respirar.
— Por favor… fique comigo!
As palavras quase que não passavam de um suspiro, mas o conde as ouviu e, então,
acendeu-se um súbito fogo em seus olhos!
— Eu a desejo! Deus sabe o quanto a desejo! — disse ele. — Mas estou pensando em
você!
Seus lábios abriram-se em um pequeno sorriso, quando disse:
89
— Isso é algo que nunca fiz antes!
— Quero ficar… próxima de você!
Ao falar, Sorilda deu-se conta de que não poderia deixá-lo sair, e assim perder a magia e
a maravilha de sua proximidade e de seu amor.
Não se sentia cansada, ao contrário, sentia-se totalmente viva!
O conde despertara sensações estranhas dentro dela, e seus beijos fizeram-na sentir-se
como se estivesse voando pelos céus, cheia de felicidade.
O conde apertou-a contra si. Seus lábios procuraram os dela.
— Eu a amo, minha adorada mulherzinha, e a desejo! — disse ele. — E nem hoje, nem
em qualquer outra noite, escapará de mim!
Era como se ele estivesse fazendo um juramento, e, naquele momento, Sorilda soube que
novamente estava em uma prisão, mas, desta vez, era a prisão dos braços do conde, de suas
mãos, de seus lábios, dele inteiro: a prisão do amor!
FIM
90
QUEM É BARBARA CARTLAND?
91
Nº 16
UM BEIJO AO AMANHECER
92