Prova Que Sabes
Prova Que Sabes
Prova Que Sabes
Parte A
Embarcar nesta história é como dar um mergulho no passado. Imaginam-se logo as embarcações
5 de madeira, de velas ao alto, carregadas de ouro, prata e especiarias, e os seus ambiciosos comandantes,
desafiadores dos corsários e dos mares em fúria, a tentarem galgar ondas gigantes para chegar a terra
firme. Estamos na Fortaleza de Santiago do Outão, em Setúbal, a mais importante da linha de costa, na
região, durante a crise dinástica de 1580-1640, e, à nossa frente, desfia-se um rosário de histórias de
10
naufrágios que começam ali e só acabam em Melides, ao longo de todo o concelho de Grândola.
Em dezembro de 1589, “a guarnição (1) do forte testemunhou um temporal e uma nau a desfazer-
tese, enquanto tentava entrar na baía”, relata Alexandre Monteiro, arqueólogo do Instituto de Arqueologia e
Paleociências, uma unidade de investigação e desenvolvimento da Universidade Nova de Lisboa e da
Universidade do Algarve.
15 Sabe-se que quase toda a tripulação morreu afogada e que, nos meses seguintes, pescadores
locais e oficiais da coroa conseguiram encontrar documentos, instrumentos de navegação e bens pessoais.
“Mas quase nada da sua carga. Ficou tudo lacrado (2) na areia”, sustenta o nosso arqueólogo de serviço,
que, há quatro anos, se fez de rato de biblioteca, para recolher toda a informação que o possa levar ao
20
local onde jaz a embarcação. “Sou bom a encontrar navios naufragados”, argumenta, sem falsas modéstias,
ele, que já realizou 12, desde 1996.
Agora quer ir mais longe. Além da tal nau do tesouro — quanto à sua história, já lá vamos —,
conhece-se pelo menos um outro galeão afundado, de origem holandesa, junto a Melides. Mas ali os pontos
25 multiplicam-se: desde a Idade do Ferro que a região é ocupada e, no tempo dos romanos, tornou-se mesmo
numa zona de pesca e de conservação de peixe. Como diz Alexandre Monteiro, “onde há barcos, há
naufrágios”. Daí que tenha decidido, também, elaborar a Carta Arqueológica de todo o conselho.
O seu raciocínio para este projeto é fácil de seguir: como lugar de abrigo e de passagem obrigatória
30 de navios e frotas de comércio e guerra, os nossos mares foram cenário habitual de naufrágios, o que
explica o facto de a Carta Nacional Arqueológica Subaquática conter cerca de 6 mil registos de
embarcações naufragadas em águas portuguesas. Um desses registos corresponde ao de uma nau
espanhola da frota das Índias Ocidentais que, “depois de cortar os mastros, deu à costa rijamente em
Setúbal, onde se partiu em bocados, com alguns homens a salvarem-se nado e a darem a notícia de que o
resto se teria afogado”.
35 A história começa a 12 de setembro de 1589, dia em que zarparam de Cuba cerca de 90 galeões e
naus. Entre tempestades, ventos contrários e corsários escondidos, à espreita, dois desses navios
conseguiram chegar ao porto de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira: o galeão Santíssima Trindade e a nau
Nuestra Señora del Rosario. Refeitos da odisseia, voltam a fazer-se ao mar, a 26 de novembro. Três dias
depois, o galeão estava na iminência de naufragar: tripulação, passageiros e todo o ouro e a prata que
40
Página 1 de 10
estavam a bordo foram transferidos para a nau espanhola. Ao amanhecer do dia 7 de dezembro, acharam-
se — contam-se esses registos — varados (3) quasi in terra a sotavento de Setúbal. “E, agora, esse tesouro
está aqui, à nossa frente”, diz o arqueólogo, a apontar para os bancos de areia em frente à Península de
Troia.
Vocabulário
(A) O galeão Santíssima Trindade e a nau Nuestra Señora del Rosario aportam em Angra do
heroísmo.
(B) A guarnição do forte avista um nau a tentar entrar na baía de Setúbal, durante um temporal.
(C) Os dois navios que conseguiram chegar à ilha Terceira retomam a viagem.
(D) A tripulação, os passageiros e toda a carga de ouro e prata antes transportados pelo galeão
seguem viagem na nau.
(E) Alguns despojos, como documentos, instrumentos de navegação e bens pessoais, são
encontrados.
(F) Uma frota de galeões e naus parte de Cuba a 12 de setembro de 1589.
(G) O galeão da frota das Índias Ocidentais, carregado de ouro e prata, encontra-se em risco de
naufragar.
2. Seleciona a única opção que permite obter uma afirmação adequada ao sentido do texto.
2.3 No texto, para introduzir discurso direto, utilizam-se formas verbais como
(A) “começam” (linha 8), “sustenta” (linha 16) e “explica” (linha 30).
(B) “relata” (linha 11), “sustenta” (linha 16) e “argumenta” (linha 18).
(C) “sustenta” (linha 16), “argumenta” (linha 18) e “começa” (linha 34).
(D) “argumenta” (linha 18), “corresponde” (linha 31) e “contam” (linha 40).
3. Seleciona a opção que corresponde à única afirmação falsa, de acordo com o sentido do texto.
Parte B
(Caso tenhas dúvidas, consulta os teus apontamentos sobre Auto da Barca do Inferno)
Página 3 de 10
Vem Joane, o Parvo, e diz o Arrais
do Inferno: Tua mulher é tinhosa
Joa. – Hou daquesta! e há-de parir um sapo
Dia. – Quem é? chentado num guardanapo!
Joa. – Eu sô. Neto de cagarrinhosa!
É esta a naviarra vossa?
Dia. – De quem? Furta-cebola! Hiu! Hiu!
Joa. – Dos tolos. Escomungado nas erguejas!
Dia. – Vossa. Burrela, cornudo sejas!
Entra! Toma o pão que te caío!
Joa. – De pulo ou de voo? A mulher que te fugio
Hou! Pesar do meu avô! per’a Ilha da Madeira!
Soma: vim adoecer Cornudo atá mangueira,
e fui má-hora a morrer, toma o pão que te caío!
e nela pera mi só.
Hiu! Hiu! Lanço-te ua pulha!
Dia. – De que morreste? Dê-Dê! Pica naquela!
Joa. – De quê? Hump! Hump! Caga na vela!
Samicas de caganeira. Hio, cabeça de grulha!
Dia. – De quê? Perna de cigarra velha,
Joa. – De cagamerdeira, caganita de coelha,
má ravugem que te dê! pelourinho de Pampulha!
Dia. – Entra! Põe aqui o pé! Mija n’agulha, mija n’agulha!
Joa. – Houlá! Num tombe o
zambuco! Chega o Parvo ao batel do Anjo,
Dia. – Entra, tolaço enuco, e diz:
que se nos vai a maré!
Joa. – Hou da barca!
Joa. – Aguardai, aguardai, houlá! Anj. – Que queres?
E onde havemos d’ ir ter? Joa. – Querês-me passar além?
Dia. – Ao porto de Lucifer. Anj. – Quem és tu?
Joa. – Ha-a-a... Joa. – Samica alguém.
Dia. – Ó Inferno! Entra cá! Anj. – Tu passarás, se quiseres;
Joa. – Ó Inferno? Eramá! porque em todos teus fazeres
Hiu! Hiu! Barca do cornudo. per malícia não erraste;
Pero Vinagre, beiçudo, Tua simpreza t’abaste
Rachador d’Alverca, huhá! pera gozar dos prazeres.
Sapateiro da Candosa! Espera entanto per i;
Antrecosto de carrapato! veremos se vem alguém
Hiu! Hiu! Caga no sapato, merecedor de tal bem
filho da grande aleivosa! que deva de entrar aqui.
1. Expli
c a a
6.1 Relaciona a afirmação tendo em conta a função que a personagem desempenhará em cenas
subsequentes da peça.
GRUPO II
1. Imagina que um amigo teu não conhece o significado das palavras listadas abaixo e resolve ir
procurá-las num dicionário. Escreve à frente de cada uma delas, de acordo com o exemplo, a forma
que ele deve procurar, para ficar elucidado. (2%)
3. Observa o esquema da evolução de duas palavras provenientes do mesmo étimo e de étimos diferentes.
Como as classificas? (3%)
Página 5 de 10
A) direito
Directu
Direto
B)
Sunt
São
sanu
4. Indica o processo de formação das palavras seguintes. (6%)
Derivação Composição
Palavras Prefixação Sufixação Prefixação e Parassíntes Morfossintátic Morfológica
Sufixação e a
angelical
porventura
papo de anjo
omnívoro
embarcar
desorganizaçã
o
5. Escreve a forma verbal entre parênteses de acordo com o tempo e o modo indicados. (6%)
6. Classifica a forma verbal sublinhada na frase seguinte, indicando pessoa, número, tempo modo e
subclasse. (3%)
Gostaria que o Onzeneiro não fosse um explorador.
Os juízes do Outro Mundo atribuirão uma pena a todos os pecadores, de acordo com o seu
comportamento em vida.
9. Passa as falas apresentadas do discurso direto para o indireto. Faz as transformações necessárias. (5%)
“Anj. – Eu não sei quem cá te traz...
Brí. – Peço-vo-lo de giolhos
(...)
Passai-me, por vossa fé,
(...)”
10. Associa cada elemento da coluna A ao único elemento da coluna B que lhe corresponde, de modo a
identificares a função sintática desempenhada pela expressão sublinhada em cada frase. (7%)
A B
Manhã
Benéfico
Anoitecer
Página 7 de 10
Grupo III
Elabore uma reflexão sobre o significado da liberdade, partindo da perspetiva exposta no excerto a
seguir transcrito.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um
deles com, pelo menos, um exemplo significativo.
Escreva um texto, devidamente estruturado, de duzentas a trezentas palavras.
«A liberdade é, antes de mais nada, o respeito pelos outros e o respeito que os outros nos devem em
função dos nossos direitos. A liberdade é a combinação entre os direitos e os deveres, sem que cada um
invada o espaço que, por direito, pertence aos outros.»
José Jorge Letria, O 25 de Abril Contado às Crianças… e aos Outros, Lisboa, Terramar, 1999
PROPOSTA DE CORREÇÃO
Grupo I
Parte A
Página 8 de 10
Parte B
1Joane, o Parvo, surge no auto vicentino para assumir, essencialmente, de duas funções: a de gerador de
cómico e a de comentador crítica.
Por um lado, através das suas ações, linguagem e caráter, Joane suscita o riso no público. Para além
disso, depois de se dirigir às duas barcas, o Anjo imcumbe o Parvo de julgar as outras personagens,
tornando-o, por isso, um comentador dos pecados dos outros réus. Dado que Joane é apresentado como
alguém desprovido de razão e, portanto, “autorizado” a quebrar os códigos e regras sociais, Mestre Gil
poderá tê-lo criado para criticar grupos sociais que, diretamente, jamais poderiam ser visados.
2. O Diabo nada sabe sobre Joane e a sua vida terrena, pois o Parvo é uma personagem humilde e
simples, logo não teve, em vida, nenhuma ligação com o Arrais Infernal. Pela mesma razão, nesta cena da
peça, não existem quaisquer adereços cénicos, devido ao facto de Gil Vicente utilizar estes acessórios
para representar os pecados das personagens e, como Joane não pecou, Mestre Gil optou pela ausência
destes.
4. De facto, é possível estabelecer uma relação entre a forma como Joane se dirige ao Anjo e o seu
destino após a morte. A expressão “Samica alguém” é bem reveladora da humildade do personagem, que,
ao contrário das outras personagens, se apresenta sem nome e sem altivez, optando por dizer que era
(talvez) apenas “alguém”.
Como o Anjo valoriza a humildade e desaprova a arrogância, é natural que o Parvo seja aceite na barca
angelical.
5. A fala proposta para análise remete para o facto de Joane ter vivido feliz, sem grandes ambições, ou
seja, contentou-se com pouco, gozando “dos prazeres” de uma forma pura (não pecaminosa). Assim, e de
acordo com os preceitos cristãos, que valorizam a humildade, foi-lhe dado direito de embarcar para o
Paraíso, se assim o desejasse.
6. Joane, nas cenas subsequentes da peça, assumirá o papel de “juiz”, tecendo comentários e críticas
implacáveis às restantes personagens.
De facto, é possível relacionar o papel do Parvo com a citação de Clarice Lispector. Esta personagem, ao
contrário das outras, diz tudo o que pensa, sem quaisquer reservas, de uma forma absolutamente
espontânea. Assim, é natural que este “avalie” melhor os réus, já que, como o povo diz, “não tem papas
na língua”, ou seja, não tem vergonha de dizer o que sente.
Grupo II
1.
1.1 amável 1.2 sábio 1.3 partir 1.4 bonito
2. 1. f) 2. d) 3.b) 4. g) 5. a) 6. e) 7. j) 8. c) 9. h) 10. i)
3. a) palavras divergentes b) palavras convergentes
4. angelical – palavra derivada por sufixação
porventura – palavra derivada por prefixação
papo de anjo – composição morfossintática
omnívoro – composição morfológica
embarcar – palavra derivada por parassíntese
desorganização – palavra derivada por prefixação
Página 9 de 10
5. a) tenham apreciado b) tivesse insistido c) fora
6. Trata-se da forma de 3ª pessoa do singular do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo copulativo
“ser”.
Grupo III
PROPOSTA DE CORREÇÃO
Primeiro parágrafo:
– ideias-chave/teses: o respeito pelo outro é uma condição para vivermos em liberdade/ viver em
liberdade pressupõe contrariar o egoísmo
– questões problematizadoras a responder no desenvolvimento: como definir a função da
liberdade na democracia? (a nível global)/ como viver individualmente a liberdade? (a nível individual)
Segundo parágrafo:
Terceiro parágrafo:
Conclusão:
– reforçar a tese e, eventualmente, levantar novas hipóteses: a liberdade talvez não esteja ligada
só ao respeito pelo outro: talvez seja essencial para a sobrevivência humana
Página 10 de 10