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OLAVO DE CARVALHO
Exercfcios e Indicates
Praticas
INDICE
iNTRODUgAO
1. Discurso Interior e Discurso Exterior ll
2.6 Supera^ao 67
2.7 Moral e Religiao 73
3. Linguagem 127
INTRODUQAO
Este e um trabalho de natureza pessoal e de forma alguma deve ser entendido como
um conjunto de instrucoes oficiais do Curso Online de Filosofia. Nao pretendemos
algo de original, uma vez que apenas nos limitamos a fazer uma colagem das indicates
que tem sido dadas pelo professor Olavo nas aulas do curso. Contudo, e a nos, como
compiladores, que devem ser pedidas responsabilidades quando a exposicao se torna
menos clara e dubia, ou quando pecamos pelas rcpeticoes inconsequentes, pelas
lacunas e pelos elementos deslocados. A estruturagao, classificagao e designagao
dos exercicios e das indicates praticas e tambem largamente da nossa
responsabilidade, e mais adiante, nesta introducao, trataremos de justificar a
estruturacao que seguimos com base em indicacoes tambem dadas pelo professor
Olavo.
O nucleo original em que nos baseamos e constituldo dos exercicios que o professor
Olavo nos deu nas primeiras aulas. Mas o numero de indicacoes praticas que nos tem
sido dadas e tal que reformulamos o projecto inicial, como base na frase de Goethe:
“O talento desenvolve-se na solidao; o caracter na agitacao do mundo.” Aos exercicios
viemos juntar um sem numero de indicacoes praticas, que complementam e
enquadram os exercicios, mas que tambem fornecem inumeras pistas para
enfrentarmos a agitacao do mundo. Os principals obstaculos da vida intelectual nao
sao de ordem intelectual mas de ordem moral e psicologica. A filosofia e uma coisa
perigosa, tanto pelos seus efeitos a longo prazo, como para quern a pratica, que pode
se meter em confusoes sofisticadas das quais nao conseguira mais sair.
Mas isto tem que ser conjugado com uma serie de consideracoes sobre o aspecto
existencial da vida intelectual, tendo em conta o estado actual da sociedade brasileira
e mundial. Ou seja, e necessaria uma fase de integracao social para nao ficarmos a
merce da sociedade, ja que, caso isso aconteca, ate poderemos vir a ser pessoas de
uma certa cultura mas sem a capacidade de assumirmos a responsabilidade pelo
conhecimento que adquirimos. O processo educativo e uma ascensao de lucidez, um
conhecimento e uma tomada de posse das nossas dimensoes; um adquirir de uma
transparency a nos mesmos que nos permita ter nocao das nossas possibilidades e
incapacidades, assim como das nossas deficiencias.
Nao pretendemos apresentar uma simples lista de exercicios e indicacoes praticas
prontas a aplicar, sendo posslvel, no entanto, fazer uma lista desse genero a partir
deste material. A abordagem que seguimos privilegiou a “contextualizacao”, de modo
a que cada coisa seja apresentada com as suas varias ligacoes e implicacoes, para
desta forma estimularmos nos leitores um estudo das aulas mais integrado. Este
esforco de contextualizacao - que, em si, deixa impllcitas uma serie de outras
indicacoes praticas - faz com que este trabalho possa ser lido sem recorrer a outras
fontes. Contudo, o que aqui apresentamos e um
material de segunda ordem, que so pode ser bem aproveitado para quem ja conhece
as aulas que nos serviram de materia-prima - sendo tambem um convite para revisitar
as mesmas e fazer delas uma abordagem mais pessoal e unificada - e assim sabe o
peso das palavras, o contexto geral e o desenrolar do curso, caso contrario, a leitura
ira coisificar o conteudo, que aparecera como um manual disciplinar, o que de todo se
quer evitar. As explicates fornecidas incluem uma parte da teoria mas nao podem
esgota-la, uma vez que existe uma parte intransmisswel e que so se revela na propria
pratica. As explicates so podem ir ate determinado ponto dal em diante ha um salto
que tern que ser dado por nos, e para isso temos que experimentar uma vez, duas,
as vezes que forem necessarias.
Nao existe uma tecnica de estudo que possa ser passada por inteiro, pelo que temos
de criar uma nossa, e que pode ser totalmente desadequada para outras pessoas.
Mas nao vamos fazer isso a partir do zero; devemos aproveitar um conjunto de saber
de experiência feita que o professor Olavo nos tem passado e que aqui reunimos.
***
A educação deve seguir a ordem dos quatros discursos, que corresponde também a
sequencia de desenvolvimento da filosofia na Grecia. Aristoteles desenvolveu a logica
em cima da dialectica que ele e Platao criaram. Mas antes disto foram necessarios
seculos de pratica retorica, e esta, por sua vez, desenvolveu-se em cima de uma
linguagem poetica e mltica. Dentro deste espfrito e de acordo com a Aula 8, a vida
intelectual desenvolve-se numa serie de blocos, que sao independentes mas devem
ser articulados e trabalhados em paralelo:
Fechamos o capltulo com algumas indicagoes sobre Memoria e Notas (5.11), nao
apenas no sentido pratico estrito, ja que, como em todos os pontos, tentamos sempre
que seja vislvel a ligagao com uma vida intelectual unificada. Os capltulos 6, 7 e 8 sao
complementares aos anteriores. Quern leu o livro A Vida Intelectual , do padre
Sertillanges - cuja leimra e bastante aconselhada nao so pelas indicacoes em si mas
porque mostra como uma visao filosofica faz emergir as indicacoes praticas a partir
da unificacao de princlpios -, sabe que ali estao contidas indicacoes sobre aspectos
tao variados como a alimentação, a preparação para uma noite descansada, a
condução de contatos pessoais, incluindo considerações sobre a família. São todos
aspectos que nao estao totalmente separados da vida intelectual e vao influencia-la,
pelo que se fazem necessarios alguns cuidados mlnimos a respeito, sem com isto
tentar implementar alguma regra disciplinar. Desde que Sertillanges escreveu este
livro, a situacao alterou-se bastante e tornou-se necessario dar uma enfase acrescida
a certos aspectos e abordar outros que ele nao contemplou.
esta recheado de indicates para a nossa vida pessoal mas que nao deixa de apontar
os
cuidados que devemos ter com estes assuntos tendo em vista a nossa vida intelectual.
para o fim. O titulo nao exprime totalmente o sentido do conteudo, mas usamos a
palavra
“discurso”, nas suas vertentes interna e externa, para salientar o veiculo de acgao que
Metodo da Confissao (1.1). O ponto esta repleto de indicates praticas, o que justifica
a
sua inclusao neste volume, contudo, a sua colocacao como ponto initial prende-se
com a
funcao estruturante e unificante que o metodo confessional exerce e, por isso, tudo o
resto deve ser entendido em funcao dele. Rastrear a Historia das Proprias Ideias (1.2)
e
uma pratica confessional que escrutina a historia do nosso discurso interior de forma
a
purificar a nossa memoria. O ponto destinado a Encontrar a Propria Voz (1.3) faz uma
ligacao entre o nosso discurso interior e o nosso discurso para o exterior. O Voto de
Pobreza em Materia de Opiniao (1.4) diz respeito ao nosso discurso para o exterior e
***
Tratamos agora de lancar alguma luz sobre como se deve abordar o material que aqui
ministrada no Curso Online de Filosofia. Todas as nossas decisoes de vida tern que
passar
saber, essa obrigacao e determinada pelo nosso nlvel de consciencia. Para alem da
nossa
estamos a cair na dualidade burguesa, que separa a vida pratica da vida de estudos.
service”, nem sequer temos que organizar uma rotina de estudos, porque tudo o que
o
professor Olavo nos recomendou e para “fazer quando der, do jeito que der” (Aula 15).
Nao temos ninguem para avaliar o que fazemos ou deixamos de fazer, pelo que e
uma
responsabilidade que so podemos exigir a nos mesmos. Tambem nao temos que
planear
fazer determinadas tarefas em certas horas, porque isso provoca uma separacao
entre
momentos livres, ate isso se tornar num estilo de vida. Se cairmos numa pratica muito
disciplinar, vamos perder a naturalidade e a espontaneidade, atormentando-nos a
toda a
num piano a executar em serie, devemos pensar num esquema global, como num
jogo de
Isto nao quer dizer que os exercicios devem ser colocados em pratica de forma
aleatoria,
uma vez que convem seguir minimamente a ordem cronologica seguida nas aulas.
Como
fazemos uma apresentacao por blocos, essa ordem fica quebrada mas, dentro de
cada
aulas. Em caso de duvida, e conveniente consultar nas references finals de cada ponto
a
primeira aula referenciada. Podemos comecar com varias coisas em paralelo, que
(2.1), Gramatica Latina (3.1), Aquisigao de Cultura Literaria (4.1) e Exerclcio de Leitura
Lenta (5.2).
Nao devemos imaginar que os exercicios sao para fazer apenas uma unica vez,
porque sao
coisas por onde devemos ir circulando e voltar muitas vezes ao longo da vida.
Tambem
nao e apenas um material para ser abordado tendo em vista a aquisigao de certas
capacidades, ja que tambem foi pensado para nos auxiliar a ultrapassar dificuldades
de
varia ordem e tambem deve ser consultado para esse fim. Nesse sentido, pensamos
que o
professor Olavo - pode ser util. E certo que isso faz elevar bastante a dimensao deste
trabalho, mas fazendo as contas, chega-se a conclusao que cada ponto tern, em
media,
que fazemos dos assuntos, para lhes conferir nitidez, nao pode fazer esquecer que
eles se
encontram mesclados, pelo que nao e demais referir a necessidade de voltar as aulas
para
ter uma nogao das realidades complexas que aqui estao envolvidas. Infelizmente,
alguns
itens foram abordados em muitas dezenas de aulas, pelo que nao se torna facil de
fazer
esta operagao.
tambem obtido por termos aprendido a “apanhar”, mas ele nao serve para nos
envaidecermos mas para percebermos que as qualidades que vamos adquirindo tern
obrigacoes correspondentes.
***
deve ser claro que nao se trata de um plural impessoal ou de um plural majestatico: e
apenas a forma de sinalizarmos que nos encontramos na mesma posicao que o leitor,
ja
que todos somos alunos do Curso Online de Filosofia. Tambem nao sentimos que
este
seja um trabalho de nossa exclusiva iniciativa, uma vez que grande parte das
indicagoes
derivou de questoes levantadas pelos alunos. Entao, e natural que todos os alunos
sintam
fizeram deram origem a respostas que passaram a servir para todos, ainda que no
Este trabalho foi em escrito em portugues de Portugal, sem respeitar o novo acordo
portugues do Brasil, contudo, isso pode criar a ilusao de existir tambem uma
aproximacao
sonora, o que de forma alguma ocorre. A tnanutcncao da grafia antiga, entre outras
comparagao com a sua lingua de uso corrente, realgadas tambem pelas diferengas
ao nlvel
da construcao frasica. Nao se pretende com isto, obviamente, fazer uma defesa da
esta assume nas diferentes geografias onde se encontra em uso. Entao, nao pedimos
que
nao estranhem quando verem escrito “registo” e nao “registro”, ou “ideia” e nao “ideia”,
ou “facto” e nao “fato”, ou “em Franca” e nao “na Franca”, ou tantas vezes “porque” e
11
Discurso Interior
Discurso Exterior
que obtemos.
12
A filosofia tem uma base confessional desde que se tornou numa actividade auto-
consciente com Socrates, mas que foi, nos ultimos seculos, substitulda por um
processo
nossa sinceridade e das nossas capacidades expressivas, para que possamos ser
Confissao e Filosofia
Socrates, cuja pessoa inspira todo o Curso Online de Filosofia, colocou na base da
sua
a sua vida real. Trata-se de uma abertura para um deposito infinito de conhecimentos,
que
Esta pratica confessional tornou-se mais clara em Santo Agostinho quando, nas
Confissoes,
aspirava as ideias universais da filosofia. Mas ele percebeu que o ser humano nao
esta
A base confessional da filosofia tem sido, nos ultimos seculos, esquecida e substitulda
por
os varios “eus” (executivo, historico, social, etc.) sao ilusorios, o “eu observador”, que
e
13
uma criagao deliberada, so pode ser ainda mais ilusorio, mas os individuos
submetidos a
esta pratica passavam a acreditar que era o unico verdadeiro. Ao negarem a propria
substantia historica - uma fuga gnostica da realidade estavam a fazer uma anti-
confessava-se autor dos seus actos, ate os minimos, reconhecendo a sua condigao
humana. E tambem este o conselho de Jean Guitton: “cave onde voce esta”.
Giambattista Vico, ao contrario do que todos diziam no seu tempo, afirmava que so
conhecemos bem o que fizemos, por isso, nao e o mundo da natureza que
conhecemos
melhor mas o mundo humano, o mundo da sociedade e da alma humana. E mais facil
conhecer o mundo das accoes humanas do que o mundo natural, do qual apenas
negativas, porque e urn terreno firme que permite medir o grau de confiabilidade de
tudo o que conhecemos mediante o estudo tern o mesmo grau de certeza do que
aquilo
que sabemos a respeito da nossa propria historia? A partir daqui, podemos graduar
os
nossa situagao real, especialmente daquilo que so nos sabemos, porque assim nao
ficamos
Nos ultimos seculos, uma motivagao basica que tern levado a busca de conhecimento
ea
disto. Outra motivagao elementar, bastante presente em Karl Marx, parte tambem da
imparcialidade. Mas nao e algo realizavel em termos existenciais, ja que toma por
base a
quando nunca estamos acima de nos mesmos. O ponto de observagao que Santo
Agostinho propunha era o seu proprio “eu historico”, para ai centrado confessar-se
tambem nao podemos evitar ser contaminados pela decadencia e sujidade do mundo
primeiro lugar, em nos mesmos e nao no exterior. Nao ficamos limpos com uma
suposta
proteccao de uma redoma. E Deus quern nos vai limpar quando fazemos a confissao,
mais precisamente no exame de consciencia previo.
14
O conhecimento que buscamos deve ter importancia real para nos, ser algo em que
ainda
evitar jogos com conceitos abstractos que nao se possam escorar em realidades. A
celebre
mantido os sdbios ocupados por seculos (ver aula 9). Tambem devemos nos abster
da
busca de uma verdade total e universal, que e algo incompatlvel com a estrutura
temporal
que ate podem ser muito prejudiciais. Nao havia ascetismo algum em Socrates; ele
verdade - que nao se confunde com a realidade mas e aquilo que pode ser dito e se
nao do conteudo das respostas buscadas. Maome tern uma prece exemplar: “Deus,
mostra-me as coisas como elas sao.” Nao devemos temer saber as verdades mais
O Curso Online de Filosofia tern como base o metodo da confissao, que decorre
sentido e valor com que confessamos como verdade, para nos mesmos ou para Deus,
os
autor da intengao e o autor do acto sao a nossa pessoa e so nos sabemos aquilo com
toda
preceitos morais, se nao os podemos confessar nos mesmos termos com que o
fazemos
como se estivessemos diante do proprio Deus, estes nao podem ser admitidos como
de conhecimento.
actos. Tomemos como modelo uma acgao vergonhosa de nossa parte - nao precisa
ser de
15
sobre a verdade porque, se nao somos capazes de dizer a verdade sobre nos
mesmos, e
utopico pensar que podemos dize-la sobre outra coisa qualquer. O metodo da
confissao
obtcncao de conhecimento, sabendo que aquilo que e relatado nao e novidade para
este
observador mas e algo que ja existe na realidade: esta na mente de Deus. A medida
que
revelamos a nossa vida para o observador omnisciente, descobrimos coisas que antes
nao
neste ponto estar no piano cognitivo e nao no piano moral. O impulso que leva ao
pecado
nao e da mesma ordem do que aquele que leva a confissao. O pecado surgiu de uma
parte
nossa que cedeu a uma promessa de satisfagao ou recompensa imediata e nao teve
mais
mero auto-depreciamento, que nos deixara ainda mais fragmentados, mas e algo que
nos
integra e eleva. Para isso, e necessario fazermos uma complexa operacao de
intcgracao do
em forma de racioclnio ou numa forma mais literaria, como num diario, e necessario
termos tornado posse de uma serie de instrumentos verbais e expressivos que nos
todas as pessoas existentes no planeta, apenas eu posso dar conta dos tneus sonhos,
ambigoes e pianos. Sendo esta informacao estritamente pessoal, nao significa que
seja
subjectiva, ja que sempre possuimos certos conhecimentos que nao dependem das
nossas
de algo que so ele assistiu, nao havendo outra base para o conhecimento objectivo
refazer uma parte Infima do que necessita saber para dominar um assunto, aceitando
o
mais patente no caso dos factos historicos, porque estes sao, por natureza,
irrepetfveis, e o
pessoais.
Nao podemos esquecer que o nosso objectivo e obter conhecimento, nao e aprender
a
16
acumula uma massa critica suficiente. Depois de obtermos este conhecimento interior
e
intuitivo mas ele ainda permanecer mudo. Quando tentamos transpo-lo para
pensamento,
ha o risco de nos afastarmos da intuicao originaria. Isto ocorre quando damos urn salto
O universo da filosofia ficara fechado para nos se nao nos adestrarmos para sermos
faz aos seus interlocutores para serem testemunhas de si mesmos. Existe uma
dificuldade
publico e que nao foi criada para servir as nossas finalidades particulares. Ha o risco
de
cairmos nos lugares comuns veiculados por uns quantos meios de comunicacao de
directa. Temos de procurar adquirir uma linguagem cada vez mais exacta e sincera
que
nos de uma medida estilistica que nos torne qualificados para falarmos com o
observador
tremenda sinceridade com que falam a partir da sua propria realidade (ver 1 .3
Encontrar a
uma linguagem corrupta mas foi tambem produzida para corromper as pessoas. O
que temos uma propensao natural para a verdade: o apelo da veracidade tern um
peso
sempre alterar uma narrativa, ate na sua recordagao, seja para torna-la mais
interessante ou
transformar noutra coisa. Mas quando vamos expressar esta experiencia, ela ainda
deve
ser reconhecida por outros. Fazer isto explicitamente e a funcao do escritor, que e
menos
necessaria num ambiente com uma literatura rica, mas se estamos num meio
culmralmente pobre, vamos ter que elaborar os materiais para raciocinar. Devemos
exigir
vez que nao existe “honestidade integral”. O julgamento pelos pares (peer review )
nao
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
17
falta de consciencia moral. A ideia do testemunho solitario tem que se tornar um habito
para nos, e junto disso vem a consciencia de que ha coisas que so nos sabemos e
que nada
nos impedira de mentir. Perceber que podemos mentir tem um efeito paralisante e
acusagao e de defesa da nossa pessoa perante uma plateia imaginaria. Esse discurso
ea
raiz da falsidade, porque quern nos acusa e o diabo e quern nos defende e a nossa
vaidade,
e em geral os dois discursos sao falsos. Este discurso e rapidamente transposto para
a
nossa vida exterior, onde faremos das outras pessoas personagens do nosso tribunal
imaginario, que serao vistas por nos como advogados de acusacao, quando elas
desconhecem quase todas as nossas falhas, ao passo que nos assumimos o papel
de Deus,
rccriminacoes entra num automatismo semelhante, que pode ser quebrado pela
oracao.
Entao, para narrarmos a nossa situacao real, para alem dos instrumentos expressivos
bastante a propria visao que temos de nos mesmos. Para alem da distorcao
introduzida
por uma linguagem deficiente, existe a distorcao introduzida por elementos de ordem
superior que absorvemos quase sem perceber, como as ideias correntes e as formas
confundir-nos de tal forma que acabamos por colocar um fim arbitrario a discussao.
Mas
este processo tambem vai afectar, a um nlvel mais elementar, a nossa memoria, de
forma a
ja nao recordarmos o que vimos mas aquilo que a cultura nos permite reter. Temos
que
saber distinguir o que vimos daquilo que a cultura nos ajudou a reter, e depois
aprimorar a
elementos intemporais, nao deixa de ser importante para descrever a nossa situacao
real,
uma vez que enfoca componentes que estao presentes de forma tensional na nossa
situacao actual.
Observador Omnisciente
distintos - durante a confissao que nos permite conhecer algo que nao estava no nosso
admitimos a estrutura da realidade tal como ela se apresenta a nos - quando cavamos
onde estamos uma parte do imenso reservatorio de conhecimento por prcscnca sobe
a
revela um pouco mais como as coisas sao, de repente, percebemos que aquela
dimensao
passo que nos podemos contar aquilo que fizemos, aquilo que somos so Deus pode
nos
que nao se consegue com praticas disciplinares, que provocam o efeito inverso e nos
fecham para incontaveis descobertas que um dia estariam a nossa disposigao. Esta
abertura ajuda a libertarmo-nos das nossas ideias mais complexas e as quais mais
nos
apegamos por termos dedicado tantos es forces. Entao, podemos fazer sinteses mais
elaboradas e abrangentes, ate chegar o dia em que vamos compreender que o mundo
da
verdade e infinito. Isto pode nos assustar de inlcio, mas depois o infinito passa a ser
mais
tentarmos dominar, conseguimos transitar nele e ser por ele inspirados. Al, ja nao
teremos
Raul Seixas. Nao temos que nos assustar, podemos perfeitamente deixar de nos
preocupar
com nos mesmos porque Deus nos conhece, e podemos repousar na verdade, que
passa
por nos como se fossemos uma superficie transparente. A nossa forma vai sempre
falsificar um pouco a verdade, pelo que temos de ir sacrificando a nossa forma sempre
um pouco mais. So assim estaremos habilitados a criar a cultura de um pais que nao
seja
deformada pela nossa personalidade. Nao nos podemos permitir a cometer este tipo
de
adulterio, na linguagem biblica, ja que se trata dum pecado espirimal grave. Estamos
sempre sujeitos a fazer isto, mas o fundamental e nos abrirmos para a perspectiva de
infinitude, sabendo que todas as nossas criacoes sao provisorias. Perseverar neste
trajecto
Contudo, grande parte do nosso discurso interior nao tern uma natureza confessional
mas
de autoconhecimento. A nossa imagem so ganha forma, no sentido que esta tern para
as
biografia (ver 2.1 Exercicio do Necrologio). Enquanto vivos, nao somos confundiveis
possuir uma imagem porque ela nao tern uma forma determinada, e sempre se altera
e
amplia por incorporacao de novos elementos. “Entao, quern sou eu? Sou aquele que
fala
com Deus.” Qualquer que seja o nosso discurso sobre nos mesmos, este sera apenas
19
suspeitar que estamos loucos e que nao nos conhecemos mais, mas passado algum
tempo,
connosco. Iremos perceber que nao somos uma imagem mas uma accao, comccando
ai o
mundo dos nossos pensamentos, uma vez que o constante fluxo de impermanencias
o vai
erodindo. Mas a auto-imagem nao cumprira essa funcao. Tudo ira virar po, excepto
se
nao-ser, pois o que cessa na escala do tempo nao se pode tornar num nada: o nada
nunca
foi nada. Do ponto de vista de Deus, nada se perde e aquilo que se esvaiu da nossa
memoria pode ser la colocado por Ele em qualquer altura. E Deus que nos refaz a
cada
momento e a nossa unica realidade e a nossa figura eterna perante Deus. O ego
cartesiano
tambem nao pode ser a base de tudo, porque ele e uma sucessao de impermanencias.
confissao, visto como instrumento para obter e validar conhecimento e tambem como
Fontes para entender a confissao — Existem algumas fontes que nos podem ajudar
na
interlocutores a serem testemunhas fidedignas da experiencia que tern, tal como ele
faz
consigo mesmo. As Confissoes , de Santo Agostinho, sao um dos livros que mais nos
pode
ajudar a respeito da confissao. Neste livro, pela primeira vez, o homem ocidental
assume a
responsabilidade por tudo o que se passa na sua alma. Esta nao e uma tendencia
natural
tendo a nogao que a confissao, para alem de um sacramento, e tambem uma arte e
uma
tecnica que se foi aprimorando com o tempo. Tambem no livro de Adolphe Tanquerey,
porque a partida, devido ao pecado original, Deus ja nos desaprovou: estamos ali para
Cristo “quebrar o nosso galho”, e para isso a confissao tern que ser feita com
serenidade e
ate com uma certa alegria. As proprias aulas do Curso Online de Filosofia sao uma
fonte
Olavo raramente esta tentando provar alguma coisa, antes faz uma narrativa que tenta
da verdade, o que e uma abordagem muito diferente das seguidas nas habituais
discussoes
sobre a existencia de uma verdade objectiva.
sera utilizada por nos como tecnica filosofica, mas tambem o deve ser como
instrumento
20
educativo mais generico, a colocar em pratica desde ja. A vida intelectual desenvolve-
se
moral e refeita atraves da pratica da confissao: e a unica tecnica que existe para este
fim, e
por isso nao e apenas uma obrigagao dos catolicos. Pode ser complementada por
outros
metodos, como a pratica platonica de lembrar a noite tudo o que hzcmos durante o
dia,
mas nao pode ser substituida. No exame de consciencia que fazemos, ha alguns
elementos
que devemos sondar e para os quais a teologia nao nos alerta, ja que esta fala apenas
refere os tres inimigos da alma como o mundo, o diabo e a carne. Elencam-se aqui
mais
nos:
(1) Existe a inducao da covardia por parte da sociedade e das famllias, que faz com
que
grupo de referenda. A funcao do intelectual nao e obter aprovacao mas trabalhar para
a
(2) Outro elemento que devemos sondar em nos e o odio ao conhecimento, que e
tambem o odio a verdade, e isto e o pecado contra o Esplrito Santo, que nao tern
perdao.
Em tres dos seus livros, Lima Barreto explora o tema da aversao ao conhecimento na
leitura e recomendada porque nos permite ter nocao de quao miseravel e a vida de
um
(3) Devemos tentar perceber ate que ponto integramos na nossa personalidade a
exigencia
que a sociedade faz aos grandes homens para que acabem por ceder e se
autodestruir.
Neste sentido, vamos verificar se nao temos uma inveja destrutiva em relagao aos
melhores e, por outro lado, decidir que nao iremos nos autodestruir mas seremos bem-
sucedidos, o que implica nao entrar na briga prematuramente (ver 1.4 Voto de Pobreza
em
Materia de Opiniao).
(4) Ainda um ultimo elemento que temos para sondar e o mimetismo neurotico. No
Brasil, quando alguem imita uma conduta nao ve isso como um meio de vir a ser como
o
tudo se resume a encenagao e, assim, a imitacao passa a valer por si, o que seria um
objectivo razoavel apenas para o actor. Machado de Assis compilou toda uma galeria
do
bem. Vamos nos livrar do mimetismo neurotico atraves da imitacao consciente, usada
como instrumento pedagogico (ver 3.2 Imitacao dos Grandes Escritores de Lingua
Portuguesa).
21
nos mesmos pois iremos saber muito mais coisas do que aquelas que podemos
contar.
muito tempo a contar essas coisas para nos mesmos, a par de uma aquisigao dos
meios de
a sua raiz e motivagao ate ao objectivo final, passando pelos meios colocados em
acgao.
torna-se necessario para saber o que pode ser admitido como verdadeiro
conhecimento, ja
que vivemos num contexto onde existem inumeras entidades a postular o seu direito
de
obtemos uma certeza que serve para nossa orientagao pessoal e que pode ser
partilhada
com aqueles que queiram vivenciar a mesma aventura cognitiva, sem ter pretensao
alguma
que a sua actividade nao lhe permite ditar a verdade para a sociedade inteira. A
verdade a
que ele chega apenas pode ser admitida por quern, voluntariamente, tenta refazer a
mesma
experiencia e confessa-la. A filosofia e uma modalidade de conhecimento
essencialmente
verdade nao esta na proposigao mas no juizo pensado ao dizer a frase, pelo que se
torna
necessario, desde logo, que a frase possa ser inteligivel para nos. Uma inteligibilidade
esquematica - por vezes, a unica posslvel em ciencia - nao basta, porque nao
podemos
assumir responsabilidade pessoal e integral pelo que ela diz. Existe aqui uma
operagao
dupla, porque esta responsabilidade tambem tern que ser fundada no conhecimento,
ja
que aquilo que confessamos tern que ser verdadeiro objectivamente, apesar de
sermos a
unica testemunha. A filosofia constitui-se quase so destas verdades que exigem uma
dupla
operagao, de dentro para fora e de fora para dentro, o que justifica a definigao de
filosofia
ligagao entre pensamento e realidade. So podemos falar aquilo que pensamos, seja
a
respeito da percepgao senslvel ou da imaginagao que produz imagens conceptuais.
O
pensamento nao tern a capacidade de dizer realidades, pelo que se coloca a questao
de
garantir a ligagao entre pensamento e realidade. A verifi cacao cientlfica apenas pode
confirmar fragmentos passlveis de verifi cacao colectiva. Contudo, nos tambem somos
uma conexao entre pensamento e realidade, porque somos uma realidade, nao urn
pensamento, que pensa coisas que fazem parte da realidade. O metodo confessional
decorre no momento em que nos oferecemos como prova do que estamos a dizer a
nos
mesmos e aos outros. O nosso pensamento e ali assumido tambem como nossa
realidade;
distinguir no nosso discurso aquilo que e puramente individual daquilo que e universal,
na
22
medida em que essa univers alidade se expressa na nossa condicao de humana tal
como a
vivenciamos. Este e o unico metodo que assegura a verdade, mesmo nao podendo
ser
submetido a prova colectiva e, por isso, nao nos da autoridade sobre os outros,
podemos
conteudo, tern autoridade divina, uma vez que ali coincidem o ser, o conhecer e o
dizer;
estamos no ambito da verdade porque estamos sendo aquilo que estamos dizendo:
somos
omnisciente. Durante muitos anos vamos praticar a confissao apenas para nos
mesmos,
pois saberemos muito mais do que aquilo que conseguimos contar. E a alma imortal
(ver
2.8 Consciencia de Imortalidade) que esta capacitada para falar com Deus, nao no
sentido
de procurar autoconhecimento para buscar a Deus mas, pelo contrario, para
reconhecer,
atraves da confissao, o autoconhecimento que Deus nos infunde. A maior parte das
pessoas nao tern consciencia da unidade da sua pessoa, o que provoca conflitos
internos
que parecerao ter mil e uma causas externas. A base da saude mental reside na
narracao da
historia do “eu” para nos mesmos e para o observador omnisciente. Esta confissao e
tambem libertadora porque admitimos que ha sempre algo mais para alem do nosso
horizonte de consciencia.
processo, estao sempre a entrar novos elementos que nao estavam no nosso
horizonte de
por inquiricao. Fazer muitas perguntas idiotiza, e ja dizia o proverbio russo que um so
idiota consegue fazer mais perguntas do que aquelas que 60 sabios conseguiriam
pecados aparecem todos de uma so vez e sao apresentados a Deus; pedimos perdao
e de
forma instantanea somos perdoados. O filosofo ama a sabedoria, quer aprender com
ela e
colocar em cima. Tambem Aristoteles disse que a busca do conhecimento vai do mais
parte das pessoas acredita que um facto e qualquer coisa em que se acredita, quando
facto
significa algo que foi feito e nao pode mais ser desfeito, pelo que aquilo que e ainda
23
continue sempre. Quem ainda nao tem a experiencia reflectida de actos que fecham
urn
para se poder fazer uma narrativa efectiva e nao cair no primarismo de elaborar um
discurso de acusagao e defesa, que e muitas vezes um atirar de toda a culpa para os
outros.
As nossas acgoes que fecharam portas estao para nos como os elementos da
natureza
fisica exterior: ja nao fazem mais parte do nosso processo interior, materializaram-se
e
ficaram com o peso do determinismo externo. Temos de ter uma ideia do coeficiente
de
nao cair nunia discussao abstracta a este respeito. Nascemos numa famllia, numa
classe
social, dentro de uma raga, com um certo codigo genetico, com certas caracteristicas
biofisicas - tudo isto esta determinado -, mas se tudo estivesse determinado, ou se
mdo
Saber estas coisas de base nao so e essencial para termos algum domlnio sobre nos
mesmos como e fundamental para ter a ideia do que seja a busca da verdade.
A busca da verdade — Uma das primeiras perguntas que surge em redor da filosofia
com esta busca porque a tendencia e logo abordar as verdades mais altas e universais
e
nao prestar atengao nas pequenas verdades que nos sao acessiveis. Sempre temos
alguma
Vamos confessar, por exemplo, algo que sabemos ser verdade sobre a nossa
conduta.
Pode ser algo humilhante, porque esta pratica tambem nos liberta e da-nos a conhecer
o
que e a verdade no seu sentido mais imediato e sincero, com o seu intuito ali revelado.
Este e o treino elementar que nos ajuda a encontrar a propria voz (ver 1.3) e da-nos
a
uma forma de encontrar a verdade mas uma forma de nao trairmos aquelas verdades
que
ja sabemos, o que no fundo constitui a base da dialectica socratica. Socrates obrigava
os
sua ignorancia. Este e um rastreio que devemos tambem fazer em relagao as nossas
ideias
que meditar sobre o assunto, saber que nao podemos modificar aquilo, ou seja, e uma
nosso, de preferencia algo negativo que nao contamos ainda a ninguem, porque
somos, ao
mesmo tempo, o sujeito da narrativa, o sujeito da accao e o objecto sobre o qual pende
a
meditacao, pelo que conhecemos a questao por todos os lados. Agostinho faz nas
Confissoes uma especie de purih cacao da memoria, recordando as coisas tal como
foram
compativel nem com a auto-acusagao nem com a defesa de si mesmo. Nao estamos
como
quem conta as coisas para um juiz mas como quem faz um relato para um medico.
So
vamos descobrir a verdade sobre nos quando tivermos a consciencia de que nos
24
Referencias:
Aulas 1, 2, 3, 4, 8, 9, 11, 14, 35, 42, 46, 68, 73, 87e 97.
20tanquerey.pdf
25
Nao pode haver discussao filosofica seria antes de termos tornado a nossa memoria
clara
e fidedigna. Para fazer a sua arrumacao, devemos comccar por rastrear a origem das
nossas ideias, algo que quase toda a gente desconhece. Mas para alem desta
absorgao
cair no automatismo facil de criar argumentos para sustentar as ideias, porque este
processo “justificative” nao revela nada sobre a sua origem. Temos que recompor a
experiencia tal como ela se passou em nos e nao fazer uma racionalizacao visando
Revisando as nossas opinioes, veremos que, na maior parte dos casos, elas vieram
de fora
e nos aderimos a elas por simples imitagao, porque naquele momento aquilo pareceu
experiencia. Frequentemente as ideias que tern mais impacto em nos sao aquelas
que nos
afastam da experiencia e nos arrebatam para um mundo fora dela, supostamente mais
elevado e maravilhoso. Isto vai atrelar a nos um conjunto de ideias e slmbolos que
nos
candidatam a uma neurose. Depois de aderirmos a varias opinioes por esta via do
encantamento, torna-se muito dificil contar a historia de como isto aconteceu. Para
temos que nos basear na sinceridade, mas nao apenas a sinceridade de um momento.
Vamos recordar como tudo aconteceu sabendo que nao podemos moditlcar mais
aquilo.
Como chegou a palavra “ciencia” a nossa mente? A sua origem em nos ja deve estar
esquecida e ficou apenas um deposito que corresponde a coisas que outros disseram,
o
que torna dificil fazer a reconstituicao da historia da ideia de ciencia em nos porque
uma serie de lacunas no nosso conhecimento sobre o assunto, que tern de ser
preenchidas
para podermos falar a seu respeito com propriedade. Para entender uma unica ideia
em
conhecer a origem externa da ideia e conhecer quais as referencias culturais que ali
estao
impllcitas.
classificagao das nossas ideias segundo o seu grau de certeza, usando a escala dos
quatro
discursos. Tambem podemos classificar a nossa ignorancia, ja que ela pode ser total
ou
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
26
pode delimitar um conteudo que indicia urn meio de resposta. Conhecemos a origem
respeito do tema, incluindo alguma definicao de areas de luz e de escuridao. Para ele,
fazer
o rastreamento da origem das ideias era uma coisa basica. So este processo lhe
permitia
Ter conhecimento da origem das nossas ideias e mais importante do que conseguir
ate nas coisas mais Infimas. A logica coisificada pode levar a um estado de extrema
alicnacao uma vez que permite construir discursos que em si sao coerentes mas que
em
cognitivos irreversiveis. A logica deve emanar do senso da unidade do real e este, por
sua
ter uma unidade complexa, tensa, dialectica. Entao, o fundamental em filosofia e que
a
Por tudo isto, nao podemos contar a nossa vida. O apego que temos a nossa auto-
imagem
ficamos ofendidos ante a sugestao de que podemos ser influenciados a partir de fora.
sem qualquer conhecimento dos nossos pontos fracos. Ao inves disto, devemos nos
abrir
no meio lingulstico e por todo o conjunto de simbolos e palavras que entram em nos
sem
os termos chamado. E tambem deste meio que vem o repertorio dos nossos
ate o que temos de mais Intimo e proprio. A nossa personalidade e formada dentro
deste
meio cultural, e so ai ela e descritivel e pode ser reconhecida por outras pessoas. Leva
muito tempo perceber ate que ponto estamos impregnados de certos elementos, como
27
que sao coisas nossas, quando elas vieram de fora, mas a nossa identificagao com
elas e tal
Quern diz que gosta de pensar pela sua propria cabega, na realidade nunca tentou
saber de
onde surgiram as suas ideias. Esta preocupacao de “pensar pela propria cabcca” so
se
tornou possivel, curiosamente, com o aparecimento de uma consciencia historica e
com a
para “pensar com a propria cabepa” e saber se as ideias que temos foram criadas por
nos
ou absorvidas de algum lugar, e podemos desde ja estar certos que quase sempre se
trata
deste ultimo caso, porque pensar pela propria cabcca e uma das coisas mais dificeis
de
fazer. Todas as ideias, valores e criterios que estao presentes na sociedade imediata
tiveram
suporte no nosso “carma familiar”. Szondi fala do peso imenso que os perils
psicologicos
dos nossos antepassados ainda mantem sobre nos, exigindo que repitamos o destino
deles, com a agravante de que sao varios antecessores e entram em conflito entre si.
sobre elas, ou acabaremos mesmo por cair em situagoes de vida que repetem
destinos dos
ambiente, sao coisas que vieram de fora, que nos provocam impulsos contraditorios
e
determinam grande parte da nossa conduta, mas nada disto se confunde connosco.
Autobiografia intelectual
Ao fazermos o rastreio das proprias ideias estamos a nos centrar num processo em
que
fomos essencialmente vltimas das ideias alheias, e o objectivo e obter uma imagem
do
Contudo, isto nao implica que, por termos descoberto ate que ponto fomos enganados
e
28
movimentos historicos.
Podemos tirar algumas indicacocs sobre como operar este processo seguindo o
proprio
74 (ver nas referencias o link para a lista de influencias). As suas primeiras influencias
vieram da liturgia da igreja, que deixaram uma impressao profunda e tudo o que veio
de
seguida, de certo modo, serviu para tornar aquelas imagens mais concretas. O ideal
e
absorver cada influencia tendo convivencia com pessoas do meio de onde elas
provem,
mas por vezes so temos livros a disposigao. Nesse caso, para nao ficarmos apenas
na
influencias, que podem ser conflitivas, fazendo apelo a memoria afectiva de situacoes
que representa o papel, que mdo aquilo e um sonho. Vamos ganhar a nogao da
diferenga
entre o mudo das teorias, das ideias, e a realidade vivida, ja que nenhuma das teorias
que
vamos absorver pode abarcar a realidade como um todo. Cada influencia representa
um
ponto de vista diferente, mas importa que aquela posigao que assumimos seja vivida
com
por diante. Nao e muito diflcil fazer isto relativamente aos dialogos de Platao, que ja
sao
como a sua propria personagem melhor que ela se compreenderia a si - ele vai se
identificar um pouco tambem com as outras personagens, e e isto que nos tambem
temos
que fazer em rclacao a ideias, doutrinas, correntes culmrais, para nao nos
contaminarmos
polos de referenda para nao cairmos num estado de desoricntacao. Para o professor
Olavo, um desses polos foi a propria liturgia da missa que, de forma simbolica e nao
doutrinal, lhe deu uma visao completa do universo. Mas todos temos sempre o recurso
a
propria experiencia da realidade, que nos mostra que nenhuma daquelas perspectivas
e
completa. Por vezes deparamos com ideias peculiares, que apenas podem ser vividas
como discurso e nao como realidade, e que visam precisamente nos separar da
Referencias:
Aulas 2, 12, 13, 16, 21, 71, 75, 86, 95, 97 e 161.
29
Este ponto esta bastante relacionado com a confissao (1.1), tendo sido colocado em
separado para melhor salientar alguns aspectos praticos, nomeadamente ao nlvel dos
discurso com que a expressamos. Quando chegamos a este ponto, temos a certeza
de
sermos nos mesmos; estamos a lidar com o material genuino da experiencia e ja nao
uma linguagem pessoal, que seja fiel a nossa experiencia - seja esta vivida, sentida
ou
preciso que ela tenha uma significagao objectivamente verdadeira na situagao em que
foi
dita. Por isso, quando o louco diz que e dia, sendo dia, nao podemos concluir que ele
fala
verdade, como observou Spinoza. Todo o conhecimento comeca com uma narrativa
e
esta, por sua vez, necessita de uma testemunha fidedigna que ja tenha feito o
necessario
Esta e tambem a base dos dialogos socraticos, por vezes brutalmente sinceros, sem
medo
Encontrar a propria voz e tambem uma questao de encontrar o nosso estilo literario,
algo
que exige uma certa pratica. Uma inspiracao para isso e o verso de Antonio Machado:
“Quien habla solo, espera hablar con Dios un dia.” Se queremos logo falar
directamente
com Deus, podemos ser traldos pelas falsas imagens que temos a seu respeito, pelo
que a
imagem da morte e algo bem mais claro e dificil de corromper (ver 2.1 Exercicio do
espirito. E a voz que nos permite urn dia falarmos com Deus, e e aquilo que nos
permite
descobrir a nossa verdadeira personalidade, que e a melhor coisa que temos, dizia
Goethe.
Encontrar a propria voz ira dar-nos alguma solidao e nao urn premio social porque, se
queremos conservar o que adquirimos, temos de nos afastar de muita gente. Mas e
com Deus, o que ocorre quando todos os l'dolos, ate os da moral crista, ja nao nos
valem.
Nao e a aquisigao de uma linguagem pessoal que nos vai tornar incompreensiveis
para os
experiencias relatadas, o que o outro pode sempre se recusar a fazer, mas se aceitar
participar pode, entao, acontecer um verdadeiro contacto humano, algo cada vez mais
que vamos adquirindo conhecimento, isso quer dizer que passamos a levar em conta
elementos que permanecem ocultos para os outros, e e isso que pode nos tornar
incomunicaveis. Mas nao e isso que nos deve preocupar: Cristo e a figura central da
nossa
civilizagao e ninguem foi mais incompreendido que Ele, pelo que nao temos razao
para
querer algo melhor para nos, alem de termos a comunidade de alunos do seminario
que
propria voz, mas e tambem muitas vezes necessario fazer um ajustamento ao nlvel
fonetico. Nao se tratam realmente de aspectos separados, mas pode ser conveniente
trata-
los como tal durante algum tempo, pois sao distingulveis e passlveis de
aperfeigoamento
ajudar a rete-la na memoria. Estes elementos externos sao auxiliares que funcionam
por
analogia com a nossa experiencia directa, mas quando o meio cultural e pobre - como
legado literario. Nao devemos fazer isso pelo lado da analise literaria mas com um
nossas (ver 4.1 Aquisigao de Cultura Literaria). A absorgao dos elementos culturais
nao
deve se restringir ao domlnio da linguagem, mas deve perseguir todo o legado artistico
e
historico (ver tambem 4.2 e 4.3), sempre com o objectivo de descobrir a verdade na
realidade, o que nos leva de novo ao metodo confessional de Socrates, que exortava
lugar, para nos mesmos e para Deus, porque se fizermos isto num ambiente grupal
corremos o risco de cair num processo de adaptagao a uma linguagem feita para nos
corromper.
A imitagao e um instrumento fundamental no aprendizado, servindo para adquirirmos
pretendemos e, ainda assim, fazer com que a propria voz seja expressao real do que
somos. Falamos com a nossa propria voz quando os elementos externos ja nao nos
nao basta um mimetismo verbal que capte o estrato fonico, e preciso tambem um
mimetismo intelectual por tras. Nao vamos apenas imitar o modo de falar de alguem
mas
tambem a sua forma mentis , as suas percepgoes, o seu mundo interior; vamos imitar
32
Elementos foneticos
A preocupagao ao nlvel fonetico aparece ainda quando estamos centrados da
aquisicao de
do portugues, como acontece com o ingles. A corrupcao linguistica ocorre ate por
sensibilidade auditiva. Sem a musica do idioma, ficamos sem urn dos principals
elementos
expressivos. A nossa experiencia real sobre a qual falamos flea camuflada porque
encobrimos a experiencia real de estar falando. Temos de estar presentes com total
o conteudo que tentamos expressar ficara deslocado. Nao vamos conseguir dar a
imagem
Nao existem apenas carencias ao nlvel da alta cultura mas tambem deficiencias na
propria
aprender o maximo de fonemas, e por isso devemos falar muito com criangas e bebes,
e tern que ser decoradas (ver 3.3 Aperfeicoamento dos Meios de Expressao). O
entendimento so vem depois e nao se encontra dado nas proprias regras gramaticais.
praticas: ler textos em voz alta da forma mais clara posslvel; tomar ditados, o que nao
nos
deve humilhar; decorar poemas. So conseguimos aprender algo imaterial atraves dos
seus
slmbolos materials, e nao ha nada como a alta poesia para mesclar de forma
miraculosa
estes dois nlveis, cuja ponte seria convencional mas ali aparece como natural. O canto
e
propria voz, porque a voz ira falhar se nao estivermos no tom certo. Nao vamos cantar
com uma falsa voz, fraquinha, como faz o Joao Gilberto. So vamos cantar para nos
mesmos, sem impor este exerclcio a terceiros. O cantor nao canta com a garganta,
mas
com a boca. Ate acertarmos com o nosso registo, vamos cantar como tenor, barltono,
baixo e ate soprano, e havera uma faixa que e a nossa. Ja dizia Aristoteles que
reconhecer
exerclcio de abrir a boca para dizer “a” e pensar no som “i”, o que nao e facil.
O Senso da enfase
Devemos pensar na voz com que falamos e como isso influencia o que ela transmite.
Se
queremos cumprir o padrao de normalidade burguesa, a nossa voz nao ira transmitir
mais
do que inseguranga e duvida, pelo que estamos apenas capacitados para exprimir
duvida
33
incertos, nao devemos tentar expressar certezas mas precisamente dar conta da
nossa
inscguranca, porque ela e o nosso estado real. Al diremos “nao sei”. So depois de
termos
dito muitas vezes “nao sei” podemos um dia dizer “sei”, e al nao e mais opiniao, porque
ja
fazer, ja que toda a gente quer fingir normalidade. Esta e uma forma de criar uma
segunda
realidade que encobre a inscguranca pessoal tipica de quern vive numa situacao
apocaliptica.
emotiva tern que ser proporcional a verdadeira emocao, a nao ser que tenhamos um
proposito comico ou ironico. Nao se trata de uma questao de boas maneiras mas de
uma
percepgao a realidade das coisas, que e a base da inteligencia filosofica. Temos que
dizer
as coisas tal como as estamos percebendo, nem mais nem menos, e isto nao e facil
de
fazer. Em primeiro lugar, a nossa memoria tern que ser fiel a nossa pcrccpcao e nao
aceitar a que temos actualmente, que e um linguagem impotente, onde todos falam e
Encontrar a propria voz flsica e uma forma de encontrar o proprio estilo literario. Tudo
se resume a busca da sinceridade. Ronald Reagan discursava como se estivesse a
falar para
a propria famllia. Mas hoje toda a gente quer falar com linguagem empostada e formal,
o
que sufoca a propria voz. Escritores como Marques Rebelo e Herberto Sales sao
leituras
aconselhaveis para este fim pelo modo como eles trabalharam muito a questao da
Um exerclcio excelente, que ajuda a ligar o nosso discurso exterior ao discurso interior,
tres vezes e so depois escrevemos aquilo (ou falamos), mas ate pode bear apenas na
mente.
apontando para um sentido mais geral e metaforico, como tambem aqui se delineia.
Para
alem de tratar da parte vocal propriamente dita, ele faz algo como uma psicoterapia,
visando dar as pessoas mais poder sobre elas mesmas e sobre a sociedade. O curso
do
Arthur Joseph e feito para lingua inglesa, mas podemos adaptar e criar exercicios
similares
para a diegao e para a voz pessoal.
Outra fonte que nos pode ser util, sobretudo para quern tenha necessidade de falar
em
35
Neste ponto sao abordadas as razoes a favor de uma contengao das nossas opinioes
em
espago publico e no nosso proprio dialogo interior. Este voto e tambem urn
componente
do aprendizado, que nos permite elaborar com mais clareza o nosso mapa de
ignorancia.
Nem todas as opinioes tem o mesmo valor e veremos alguns criterios para fazer a sua
mcdicao, que sao, ao mesmo tempo, condicoes para a investigacao filosofica.
Devemos
So vamos conseguir explicar as coisas para outros depois de termos passado muito
tempo
explicando-as para nos mesmos. Isto quer dizer que o nosso discurso para o exterior
so
sera substancial se for precedido de uma longa pratica confessional, onde nos
habituamos
a tolerar o estado de duvida, sem ter pressa de ter razao, de modo a que os assuntos
se
O professor Olavo pediu aos alunos para que, durante a duracao do Curso Online de
e um voto de silencio, o que significaria guardar a opiniao para nos mesmos. Antes,
devemos mesmo evitar ter opiniao, por isso e um voto de abstinencia ou de pobreza,
o
que significa, neste ultimo caso, que nao eliminamos todas as nossas opinioes mas
as
Estamos tao habituados a opinar sobre todos os assuntos que achamos que e quase
um
dever opinar. Mas por que razao havemos de opinar? A nossa opiniao serve para
melhorar
o estado de coisas? Alguem nos pediu um conselho? Caso tenha sido este o caso,
podemos dar uma opiniao porque foi solicitada, mas advertindo que e apenas uma
opiniao e nao tem mais valor do que qualquer outra em circulacao. Estas questoes
rapidas,
ainda sem entrar noutras consideragoes, podem nos ajudar a refrear a nossa vontade
de
Devemos sobretudo nos abster de tentar debater com quern nao esteja
verdadeiramente
inabalavel. Contudo, nao estamos ainda preparados quando nao conseguimos nos
fazer
entender a um interlocutor interessado. Talvez nao tenhamos ainda nogao do que seja
o
experiencia interior -, que se identifica com a camada 9 (ver 2.3 Exercicio das 12
Camadas
36
fisica ou musica. Mesmo quando aparecem j ovens filosofos com obras geniais, em
geral
Pobreza em Materia de Opiniao nao diz respeito apenas a emissao de opinioes mas
a um
depois sao refeitas uma a uma, ate podermos dizer que nao temos opiniao alguma:
ou
sabemos do assunto - por vezes apenas da para chegar a uma opiniao fundamentada
- ou
nao sabemos.
tempo que lhe dedicamos. Opinioes prematuras vao nos amarrar e comprometer, e
depois, como temos uma capacidade limitada de arcar com culpas, passaremos o
resto da
vida a justifica-las. O desejo de viver sem culpas mostra ja uma consciencia de culpa
sufocada, que e, por si, origem de neuroses. E preciso assumir a culpa como algo
inerente
sem fundamento mas, se queremos deixar uma marca que seja historicamente util
para as
pessoas, temos que fazer um recuo, consolidar o que obtemos das aulas e fortalecer
os
O verdadeiro filosofo merece ser ouvido porque apresenta um material com um grau
de
certeza muito elevado e nao absoluto. Apos um longo exame critico, ele reuniu um
grande
Platao sem dar opiniao, dando aulas tecnicas sobre retorica e dialectica porque lhe
pediram. Ate aos 48 anos, o professor Olavo tambem nao interveio publicamente para
alem do que a sua funcao de jornalista lhe exigia. O nosso objectivo deve ser o de
chegar
a um estagio de confissao onde aquilo que dizemos nao e fruto do desejo mas e algo
que
nao conseguimos mais negar, mesmo que queiramos. So depois de termos ensinado
tudo
para nos mesmos e adquirido certeza interior, estaremos qualificados para ensinar
outros.
Devemos nos abster de opinioes que nao tenham um lastro suficiente de experiencia
encontradas. Conhecer o status quaestionis nao garante que nao vamos errar mas,
se nao
corresponde a realidade alguma. Por isso, tudo o que dizemos sem lastro associado
pode
tambem projectamos ali certos valores e isso da-nos a sensagao de que estamos a
dizer
algo importante. Contudo, no limite, aquilo nem chega a ser uma opiniao, mesmo que
37
em voga e, por isso, parece ter unidade e coerencia. Se chegamos a este ponto, ja
estamos
num estado patologico.
O voto de pobreza, para alem de ser elemento moral, torna-se tambem num aspecto
controlar melhor aquilo que sabemos e nao sabemos. Assim, podemos ser mais
rigorosos
em relacao aos assuntos e identificar aquela ignorancia que faz parte da realidade, e
que
nao pode ser vencida, assim como a ignorancia que precisamos superar para
podermos
interseccao com materias vizinhas, pelo que sabemos que tambem dependemos de
outros.
Um criterio rapido, para efeitos praticos imediatos, que podemos usar para avaliar o
valor
de uma opiniao relaciona-se com o tempo que esta levou a ser formada. Uma opiniao
que
levou 2 anos a ser formada e outra que apenas levou 2 minutos nao devem ter a
mesma
importancia para nos. Para fazermos uma estimativa rapida, uma opiniao merece ser
ouvida tanto tempo como aquele que levou a ser pensada, dividido por 100. Contudo,
quando queremos medir o valor das nossas proprias opinioes. De seguida, elencam-
se seis
criterios - postos como respostas a seis perguntas - que permitem medir o valor e o
caracter de uma opiniao, e que podem, igualmente, ser vistos como condicoes para a
invcstigacao filosofica, que pode ser entendida como o processo que leva a
formulacao de
(1) Em que medida podemos acreditar na nossa opiniao? Ela revela algo meramente
possivel, algo verosimil, algo razoavel ou algo absolutamente certo? Sem esta
orientacao
minima, dentro da grad uacao dos quatro discursos, nao faz difcrcnca ter ou nao ter
opiniao.
(2) De onde surgiu a nossa opiniao? Quase nunca as opinioes nos surgem
opiniao continua com a mesma carga semantica da sua origem historica. Devemos
tentar
perceber se a nossa opiniao nos chegou de algo que lemos, vimos da TV, ouvimos na
radio, se e fruto da imprcgnacao do meio social, etc. (ver 1.2 Rastrear a Historia das
Proprias Ideias).
(3) A nossa opiniao pretende responder a que? Para que problema e ela a solucao?
Nao
38
Toda a afirmacao filosofica e uma resposta a uma pergunta, a uma duvida; e uma
reaccao
a um problema, pelo que a identificagao do problema e a primeira conclicao da
amputada da pergunta a que responde, deixa de ter significado e nem permite saber
o seu
(4) O problema que temos em maos e real? Nem todas as perguntas, duvidas ou
dimensao universal. Por isso, depois de formulado o problema, este tern que ser
testado
antes de tentarmos encontrar uma solucao para ele. O teste nao pode ser a medida
do
nosso escandalo ou uma avaliagao estetica baseada na aparencia formal. Temos que
pergunta: Qual a razao de Deus permitir o mal no mundo? Esta questao pressupoe
que
isto nao devia ser assim, mas nao existe aqui nenhum problema filosoficamente
legltimo,
mesmo que seja algo que nos possa inquietar, uma vez que o amor infinito de Deus
nunca
se poderia manifestar num campo finito, pelo que a existencia do mal e uma
inevitabilidade.
(5) A opiniao/investigagao aceita a natureza das coisas? Tudo o que aprendemos e
com o
universo e nos nao chegamos aqui para decretar seja o que for. O certo e o errado, o
amor a sabedoria, que e a marca da filosofia, pressupoe que a sabedoria nao nasceu
connosco mas e algo a ser alcancado, porem, nunca de forma total e perfeita. Por
isso, as
formas que a nossa mente assume terao sempre que ser desfeitas para podermos
absorver
novas formas superiores, mais vastas e integradas, decorrendo este processo ate ao
ultimo
dia da nossa vida. Nem a nossa alma imortal podera obter o conhecimento perfeito de
Deus.
(6) O problema abordado e realmente nosso? Se o problema que temos em maos foi
soprado no nosso ouvido por alguem ou deriva de algum requisito academico, entao,
nao
e algo realmente nosso. Mas tern que ser um problema nosso em segundo grau para
aquilo. O problema tern que ser uma cmocao recordada na tranquilidade, como disse
aquelas que veem ate nos. Quern opina num meio de cornu nicacao social esta
o direito correspondente dos outros terem a liberdade de nao quererem ouvir o que
temos para dizer. A febre opinativa transformou aquilo que era opiniao em verborreia
de
39
meros absurdos e sintomas psicoticos. Nestes casos, nao temos que opinar em
clircccao
contraria, somente devemos demonstrar que a pessoa nao pensou nada, que apenas
expressou uma rcaccao emotiva que nada significa, mesmo quando seja
acompanhada de
urn coro numeroso. Contudo, antes de fazermos isto, coloca-se a questao de saber
sobre a
pensadores tambem eram filosofos, e como tal aceitaram discutir com ties em pe de
um estatuto aos modernos que estes nao tinham. Se vamos opinar com base numa
vontade
de ter razao - o que e indlcio de vaidade vamos acabar por alimentar contendas com
pessoas que nao estao qualificadas para a discussao mas que, devido a nossa
actuagao, irao
ter uma lcgitimacao que nao mereciam. Tambem nao podemos esquecer o que disse
Nicolas Gomez Davila: “Veneer um tonto nos humilha.” Nao devemos aceitar qualquer
interlocutor como valido e devemos apenas entrar em discussao com os nossos pares.
Quando percebemos isto, entao vemos que e hipocrisia dizer que temos as nossas
direito do outro errar. Respeitar a opiniao do outro tanto como a nossa significa estar
indeciso, nao ter realmente opiniao. O direito ao erro e o direito a experiencia, que nos
nao for claro para nos, entao estamos a deixar deprimir a nossa inteligencia,
afastando-a
Nao temos que entrar na discussao no nlvel em que esta se encontra hoje, nem
disputar
os lugares aos que estao hoje instalados mas criar outras fungoes. Nao vamos falar
para o
publico actual mas para outro que existira no futuro, de pessoas como nos. A ideia e
criar
um debate acima do actual, com mais peso, para que aquele que esta por baixo acabe
por
ceder. Mas e imposslvel fazer isso se nos colocamos debaixo dos criterios do
establishment
cultural. Assim nao iremos fazer algo essencialmente diferente, talvez apenas de para
fazer
algo um pouco melhor. O nosso objectivo deve ser o de fazer uma coisa diferente,
polltica alguma, se bem que uma das fungoes que nos cabe seja a de inspirar a classe
porque para isso havia jornalistas e polemistas, ao passo que os intelectuais como
ties
cultura.
Nao vamos discutir quando a besteira em circulacao e muita, apenas calamos com
tres
palavras. Entramos para ter uma presenga arrasadora, nada menos que isso. O mero
palpiteiro nao se deixa convencer com simples argumentos racionais, senao tie seria
uma
pessoa mais evoluida. Sao frequentes as falhas ao nlvel da percep^ao nas discussoes
pensamentos, que ja sao uma elaboragao num nlvel acima. Estas pessoas precisam
de uma
40
reeducagao primaria, de alguem que lhes ensine a ter o senso das proporcocs, a
relacionar
uma coisa com outra e assim por diante. Falhando a ligacao entre pcrcepcao e
pensamento, a pessoa pode falar muito, e ate de forma aparentemente evoluida, mas
sera
a respeito de nada, pelo que discutir com ela e uma inutilidade. Se o sujeito usa a
linguagem apenas com a funcao apelativa, ele vai entender qualquer argumentagao
nossa
quando os dois lados estao prestando atencao nas mesmas coisas, o que implica
terem
despertar da sua loucura, pois quanto mais batermos nos escarnecedores mais eles
nos
sua ignorancia, e melhor nao fazer nada. E se alguem interrompe um debate serio
para
retire, nao com raiva mas com a autoridade de quern nao volta atras. A pessoa que
se quer
mostrar e bem mais fraca do que parece.
Ha ainda dificuldades de outra ordem nas actuais discussoes. Tudo o que digamos e
expor as nossas ideias de forma clara e organizada, pelo que neste particular e util
frequentar os grandes polemistas, como Leon Bloy, William Hazlit, Matthew Arnold e,
Para termos uma intervcncao publica eficaz, temos que permanecer inactivos, em
termos
O tempo em que cumprimos o Voto de Pobreza em Materia de Opiniao nao deve ser
encarado como uma demissao de tentar melhorar o estado actual de coisas. Podemos
ate
dizer muita besteira sem perceber e depois ficaremos presos as posigoes que
assumimos.
41
Intervir agora publicamente significa apenas que vamos emitir mais uma opiniao
como uma sociedade secreta. Vamos reunir esse conhecimento em nos para
acumularmos
trabalhamos para o ego, as nossas opinioes nao tern forca porque os ouvintes sabem,
objectivo, mesmo que protestem e tentem nos intimidar, nao conseguirao mais nos
nos mesmos, ate chegarmos ao dia em que a opiniao dos outros sobre nos ja nao nos
interessa. Para isso, precisamos de uma historia com realizagoes que tambem
possam
ajudar outros, pois isso nos da firmeza. E uma conquista que se da atraves do desejo
O periodo de abstinencia tern que ser visto como “dar um passo para tras para dar
dois a
uma resposta mais profunda e eficiente. A raiva de ver a actual degradagao cultural e
moral pode nos levar a querer agir ja, mas temos que nos focar no que faremos no
futuro.
Agora e tempo de aumentar o nosso poder de fogo, porque o nosso objectivo ao entrar
na briga nao pode ser apenas a mera disputa mas a vitoria, e se ela for humilhante
para o
adversario ate pode-lhe despertar a consciencia. Nao seremos uteis para ninguem se
entrarmos na discussao com odio ou raiva de alguem, que e algo que nos divide e, se
temos duvidas, devemos protelar a nossa entrada em cena. Vamos “hater” por
motivos
Podemos tomar nota de muitas das inquietagoes que o mundo moderno nos provoca
e,
ao inves de reagirmos oralmente, podemos reagir por escrito, escrevendo para nos
mesmos. Dai pode sair um conjunto enorme de notas, que pode dar origem a algo
como
satanico. Toda a gente quer opinar sobre assuntos pelos quais nao tern qualquer
interesse
que essa opiniao seja aceite logo como verdade. Ter interesse pelo assunto e
vivenciar as
suas complexidades e tensoes internas, nao e dar conclusoes mas e conseguir montar
e
equacionar o problema, muitas vezes sem poder resolve -lo. Durante a duragao do
curso,
vamos absorver todo o veneno da cultura brasileira e nos prepararmos para reagir
com
Muitos dos nossos vicios de raciocinio resultam do desejo de ter razao, mas o
importante
cruzadas. Por isso, o segredo da busca do conhecimento e deixar que Deus nos guie,
hear
42
bem com o que temos, num contentamento interior que nos permite a conformidade
com a ordem real. Esta perspectiva fica fora do nosso horizonte se nos apegamos a
primeira opiniao que criamos, que sera apenas um substitutivo verbal persuasivo. Ou
seja,
dizemos uma frase que parece-nos persuasiva nao porque concorda com o objecto
mas
porque concorda com nos mesmos e depois, se alguem discorda de nos, aquilo
parece-nos
um ataque pessoal. Permanecendo neste nivel, nao estamos capacidades para uma
mesmo da eristica. Nao podemos nos identificar com ideia alguma, apenas podemos
nos
verdades e outras coisas sao apreendidas sem parar. Entao, a nossa identidade
pessoal
deixa de ter uma forma fixa e torna-se numa fore a, uma luminosidade, onde podemos
ver
proprio objecto marque a sua prescnca. E isto que interessa e nao ter razao, que e
uma
quando temos uma forc^a real, ai ja nao e questao de ser moderado na exibigao. A
atitude pode ser vista num video de Mario Del Monaco, um dos maiores tenores
dramaticos de sempre, e que anuncia com muita modestia o que vai cantar, mas
quando
chega a hora de mostrar o que tern, ele revela uma forca avassaladora:
http:/ /www.youtube.com/watch?v=9nlIElHynss
nossos juizes e professores, e irao moldar toda a nossa conduta, que se regera por
expectativas de como achamos que esse grupo reagira ao nosso desempenho. Esta
revela medo, carencias afectivas e falta de poder pessoal. Querer ganhar discussoes
e algo
legitimo num adolescente, que esta na fase da conquista dos meios de expressao e
do seu
espaco, e todos temos de adquirir meios de accao social. Quern nao fez isso na
normalmente advem de uma inferioridade real. Mas ha uma idade limite para fazer
isto, ja
nao pode ser com 50 anos, porque chegando a esse ponto, o melhor e perdoar o
universo
e esquecer.
A vida intelectual exige uma abertura para o mundo, mas primeiro temos que deixar
ainda
a nossa zona de conforto grupal que sera como uma travessia no deserto, onde
parecera
que estamos sempre sozinhos e tristes, mas isso e ilusorio e durara pouco tempo.
Temos
veneer discussoes. Nao temos mesmo razoes para entrar em discussoes. Estamos
sozinhos com as nossas ideias, porque estamos na realidade, e se outros nos derem
razao,
melhor para eles, porque para nos nao faz qualquer diferenca. Entramos do debate
para
dar algo, seremos generosos, e nao para pedir alguma coisa, porque isso nos rebaixa.
Nao
damos opiniao porque nos precisemos disso mas sim porque sao os outros que
precisam,
ainda que depois lhes custe ouvir o que temos para dizer. Os grandes artistas educam
o
seu publico, nao estao sob o seu escrutlnio mas agem como se fossem professores
do
sao inferiores.
O padre Sertillanges nota que a busca da aprovacao publica retlra ao publico uma
forca
sinceridade, vamos nos adaptar a linguagem do adversario e ser corrompidos por ela,
ou
mostrar odio ou indignacao por quern apenas tern importancia suficiente para ser
Sao Tomas de Aquino da o conselho de termos sempre diante de nos o olhar dos
mestres.
Nao vamos nos submeter ao julgamento de pessoas que nao sao melhores do que
nos,
mas vamos imaginar o que pensaria Platao, Aristoteles, Shakespeare ou Sao Tomas
de
Aquino daquilo que estamos fazendo agora. Estas pessoas, que sao muito melhores
que
nos, nao estao interessadas em nos enganar e tambem nao precisam de nos para
nada, e e
apenas delas que queremos a aprovacao. Isto nao nos da qualquer premio social,
mas cada
um de nos sera um ser humano de verdade: alguem que nao e uma bolha de sabao
mas e
perante si mesmo; conhecedor dos seus meritos e demeritos; e que toma decisoes
com
toda a firmeza e sinceridade. Isto resulta da aquisicao da alta cultura, que nos da uma
verdadeira autoridade de quern sabe do que esta falando. A nossa intervcncao publica
deve ocorrer quando atingirmos este estado, antes disso a nossa opiniao vale tanto
como
a de qualquer outra pessoa, nao foi pensada, testada e ainda pretende, no fundo,
agradar a
um grupo de referenda. As ideias que sao discutidas neste contexto nunca se referem
propriamente aos assuntos a que nominalmente dizem respeito mas apenas tentam
atender as nossas necessidades, porque e delas que o nosso mundo interior vive e
nao dos
assuntos usados como pretexto. Escritores catolicos como Leon Bloy, Georges
Bernanos
desrespeito com que falamos das coisas, algo que esta bastante invertido hoje em
dia.
pessoas que podem ter sobre elas algum poder, mas falam com insolencia de Platao,
poder, mas nunca podemos deixar que as pessoas que nos estao acima nessa
hierarquia
44
com varias pessoas mas, ao mesmo tempo, o seminario de filosofia e um espago onde
diidiva pura. Contudo, o debate interno que daqui e gerado tambem deve seguir
algumas
linhas para se manter saudavel. Em primeiro lugar, nunca devemos insistir muito nos
nossos argumentos, porque nao importa ter razao agora mas daqui a “20 anos”. Pode
ate
ser util pensar a coisa errada (na altura nao sabemos que e errada) se tivermos em
mente
que pode haver sempre outras hipoteses, dado que no final ja conhecemos bem as
varias
versoes a respeito do assunto, por exemplo, ser conservador e catolico depois de ja
ter
conflitos sao reais e em que piano se dao. Antes de termos montado o sistema inteiro,
nao
adianta ter razao. Tambem nao temos a pressao de quern ocupa um posto decisorio,
como
o general no campo de batalha, pelo que podemos adiar a nossa opiniao. Uma das
um limite teorico para a manutengao desse estado, o que acontece na pratica e esse
estado
permanecer em nos ate se formar uma massa crltica suficiente, que nos permite
perceber
que as possibilidades ja devem estar quase todas esgotadas e o que aparece de novo
ja e
O forum do seminario nao existe para debates mas para a troca de informacoes e para
ajuda mutua entre alunos. A discussao, por vezes agressiva, so tern sentido se fiver
uma
utilidade publica ou ate de caridade, mas nunca pode ser para nos uma auto-
expressao
emocional. Durante o curso, devemos adquirir posse de nos mesmos, tendo em mente
cuidado com o instrumento que temos em maos, dado que nem todos os usos sao
legitimos. Acima de tudo, tanto para o filosofo como para o estudante de filosofia, as
devemos ter em conta para nos precavermos em relacao aos debates em geral e, em
especial, com os colegas. Em primeiro lugar, tudo o que pensamos vem acompanhado
de
um “pensamento” de segunda ordem que afirma que o primeiro esta sempre certo, ou
seja, se pensamos, pensamos que estamos certos. Por outro lado, temos tambem
tendencia em achar que uma opiniao contraria a nossa significa um ataque pessoal,
o que
antagonista, qualquer coisa que digamos a seu respeito vai parecer verdade naquele
absurdos, como contestar factos com hipoteses, fazer todo o tipo de inversoes e usar
todo
45
Para precaver este tipo de situagoes, o professor Olavo proibiu os alunos no espaco
do
Pound quando esteve preso, so tem sentido falarmos “de armas, de letras e de genios
no seminario. Este nao e o lugar indicado para criar um movimento politico, que e ate
uma ideia interessante mas que deve ser posta em pratica noutro cspaco, criando
instrumentos para isso que funcionem de modo independente. O trabalho politico esta
para o trabalho de criacao cultural assim como a funcao do piloto esta para a funcao
do
final o desvio sera enorme. O piano deve ser concebido de modo a que os
5 a 10 anos para estar preparados para intervir na vida publica, de modo a entrarmos
com
seguranga e com opinioes bem fundamentadas. Ate la, espera-se que os alunos
fagam
Referencias:
Aulas 3, 4, 5, 8, 9, 11, 14, 16, 17, 22, 23, 25, 28, 29, 30, 35, 37, 42, 47, 52, 68, 81 e
113.
http:/ / townhall.com/columnists/monacharen/
46
POSICIONAMENTO
Existencial e Moral
Filosofia (2. 1 ), que nos dd uma imagem do nosso “eu ideal”, a qual
inicio da filosofia.
47
tendo, contudo, um prazo para ser entregue ao professor Olavo (os exercicios devem
ser
nao so como deve ser feito o exercicio mas tambem justificado o seu valor e, por fim,
sao
abordadas formas de ultrapassar algumas dificuldades que possam ocorrer, sejam
elas de
Descriqao do exercicio
redigido por outra pessoa. Vamos supor que esta pessoa nos conheceu bem e
consegue
ver a nossa vida como uma totalidade, compreendendo a natureza dos nossos
esforgos.
Ela vai relatar, por carta, a nossa vida a uma terceira pessoa, que nao nos conheceu
ou nos
conheceu mal. O exercicio nao vai ter os resultados esperados se fizermos esta
narrativa
vida como uma forma fechada, que e digna de ser contada as geracoes futuras.
Vamos contar a nossa vida ideal, imaginando que realizamos as nossas aspiracoes
mais
elevadas, vistas em termos humanos e nao sociais, ou seja, nao vamos contar o que
nos
tornamos mas quern . Pretende-se que mostremos a nos mesmos quern queremos
ser, e isto
tern que ser feito com o maximo de seriedade e sinceridade. Nao podemos cair numa
coisa hiperbolica e imaginar que seremos Papa ou um novo Napoleao, mas nao tern
mal
E preciso usar a imaginacao para realizar o exercicio: vamos nos conceber como uma
acreditar nesta personagem e nao duvidar das possibilidades dela realizar os seus
comccar por excluir tudo aquilo que nao queremos ser ou que tenha pouca importancia
para nos. Podemos valorizar a sinceridade ou querer levar uma vida virtuosa, por
exemplo,
mas esta pretensao pode ser dificil de compatibilizar com a vontade de conhecer a
Ainda assim, ha coisas que nos absolutamente nao queremos fazer, mesmo que isso
O nosso necrologio e um instrumento que serve para comecar a delinear pianos mais
concretos, por exemplo, sobre o que vamos fazer no proximo ano. Estes pianos
podem
ser cada vez mais minuciosos, passando a ter um detalhe mensal, e depois semanal,
ate
chegarmos ao limite de saber o que vamos fazer no proximo minuto. Chegando a este
ponto, ja teremos um estilo, seremos alguem com uma voz propria (1.3) capaz de ser
uma
testemunha fidedigna (1.1).
O Exercicio do Necrologio nao deve ser encarado como um mero exercicio formal,
feito
48
uma vez e que depois pode ser esquecido. Nas principals situacocs de vida, temos de
ter
(2.2) para que a imagem do nosso “eu ideal” sempre seja actual para nos.
correcgoes e, acima de mdo, amputates, que sao decorrentes nao so dos arranjos
necessarios fazer face a nossa situacao real, mas tambem por aprofundamento da
nossa
concepgao de “eu ideal”. A nossa vida e uma equagao em que entram factores como
os
nossos objectivos de vida e a situacao real que enfrentamos. Esta esta recheada tanto
de
em conta que, no final, o desejavel devera prevalecer, mesmo que seja por curta
margem.
mais dificeis. Nao existem elementos que nos sejam totalmente antagonicos; eles
mesmos
dialectica. Podemos estar numa situacao tao primitiva que nao temos os elementos
para
A nossa verdadeira historia e a tensao permanente entre o “eu real” e o “eu ideal”.
Como
necrologio se refiram ao futuro proximo. O “eu ideal” comeca por ser uma imagem
generica que se torna cada vez mais individualizada na medida em que se converte
na
matriz dos nossos es fore os sinceros. A nossa imagem de futuro orienta os nossos
actos de
elementos essenciais do nosso piano, como recorda o poema de Robert Frost, The
road not
taken.
E muito util avaliar ate onde chega a personagem do nosso necrologio, considerada
dentro dos patamares definidos pela Teoria das 12 Camadas da Personalidade. Cada
um desses
necrologio, nao necessariamente por escrito. Nao podemos esquecer que o Curso
Online
de Filosofia e destinado para pessoas que estao ou pretendem atingir, pelo menos, a
nona
logo, uma nogao precisa do que e a filosofia como actividade intelectual e humana.
Isto
49
vai ajudar-nos a incorporar uma imagem essencial de Socrates e a ter uma visao
pratica da
ser. De todas as vozes que falam dentro de nos - originadas por medos, preconceitos,
pelo falatorio geral que se incorpora no nosso subconsciente apenas vamos permitir
que uma nos julgue, corrija e oriente. Esta e a nossa parte mais alta, a unica que pode
falar
com Deus. Este exerclcio e um primeiro passo para a constituicao do nosso juiz
interior,
de modo a que ele tenha objectividade e nao seja apenas um impulso ou uma das
nossas
nosso ideal de “eu” expressa o que ha de melhor em nos e vai orientar-nos durante
toda a
protestantismo, que tern toda uma teologia da vocacao. Deus manifesta-se no que
existe
de melhor e mais alto em nos, e uma presenga na nossa alma, o Supremo Bern de
que falava
Platao, e do qual nos aproximamos mas ao qual nunca chegaremos. Deus tambem
fez a
realidade exterior, e da equagao destas duas coisas sai a vontade de Deus em relagao
a nos.
Nao sabemos se a nossa vocacao coincide com aquilo que queremos hoje para o
nosso
futuro, mas esta e a melhor pista que temos. Sobre a vocacao intelectual, em
especlfico,
universal, a situagao humana, concreta e particular. Nao existe um salto directo entre
as
duas coisas. O modelo que vamos idealizar no necrologio tern que ser personalizado,
ou
seja, e necessario fazer uma mcdiacao entre a situacao concreta que vivemos e o
valor
que um bom exemplo tambem funciona como um conselho, assim como um bom
conselho tambem e um exemplo. Uma vida que e louvavel aos olhos dos outros
parece ela
O senso do ridlculo que temos ao ler o nosso necrologio e um estlmulo para refaze-lo
melhor, tendo uma imagem cada vez mais acertada, ate que ja nao se trata mais de
uma
imagem porque e algo que ja estamos a realizar. A ideia do sentido da vida vai dar um
eixo
eixo ficaremos a merce dos impulsos da nossa alma animal e das pressoes do
ambiente
exterior. E a volta deste eixo que se pode exercer a nossa verdadeira liberdade, nao
em
50
Quando concebemos a nossa vida ideal, imediatamente cria-se uma tensao entre a
nossa
vida actual e este objectivo, que, no entanto, foi concebido na nossa pessoa actual. A
estrutura do ser humano e tensional e a nossa percepgao nao pode, pela sua
natureza,
abranger a totalidade dos elementos, apenas tem uma tendencia para a totalidade e
para a
verdade final como forma de participacao nela. Vivemos entre o finito e o infinito, entre
o
real e o “irreal”, eeo necrologio que nos da a medida exacta dessa tensao. Aquilo que
ea
Devemos ter a nocao que o este exercicio nao e para o professor Olavo mas para nos.
nos em graus diferentes. Listam-se aqui as mais significativas - assim como formas
de
que certos elementos culturais exercem sobre nos (ver tambem capltulo 6).
O medo da morte — Podemos ficar bloqueados ao tentar fazer o exercicio porque nao
querermos imaginar a nossa morte. A cultura moderna tem horror a ideia da morte e
tenta esconde-la de qualquer forma. Nao temos de pensar aqui na morte em sentido
biologico mas como o final das transformacoes, o limite para o qual as correccbes a
nossa
vida se tornam imposslveis. A ideia da morte e essencial nao so para a filosofia mas
para a
propria orientacao na vida. Sem a ideia, nunca tentarlamos ser alguem na vida - o
tempo
usa esse esquema para colocar a nossa consciencia perante o facto da morte, de
forma a
nossos actos.
Nao saber quem se quer ser - Ha pessoas cuja vocagao e simplesmente estar a
disposifao
para ajudar outros, mas isso nao quer dizer que todos aqueles que nao sabem o que
ascetica e monastica: a pessoa fica a espera que Deus lhe indique o que fazer.
Contudo,
mesmo nao tendo nenhum dever interior a nao ser este estar a, disposifao, nunca
podemos
esquecer o que dizia o doutor Muller: “Quando voce nao sabe o que fazer, faca o que
e
do seu dever.” Podemos ficar bloqueados pela ideia de escolha de uma profissao,
pelo que
nao e demais voltar a lembrar que o necrologio se foca em quem queremos ser, ou
seja, nas
imaginar que realizamos o melhor de nos mesmos, mesmo que isso se materialize
numa
vida pobre em realizacoes exteriores: pode ser uma vida puramente interior. Por outro
lado, se estamos num curso de filosofia e porque a filosofia deve fazer parte do nosso
desvio. Tudo na filosofia sera util para o nosso caminho ou entao sera esquecido.
51
Quem somos nos diante da morte? — Devemos ultrapassar a ideia da morte como
uma
coisa morbida e usa-la como um criterio para saber o que e realmente importante para
nos. Quern sou eu em face da morte ? Julian Marias disse que “Eu sou aquelas coisas
que eu
escolhi, e que valem a despeito da morte, em face dela. Com morte ou sem morte eu
quero isso.” O necrologio deve reflectir algo que a morte nao invalide. O exerclcio
pretende que cada um se veja a luz de uma escala de valores universais. Numa
linguagem
Espinosa, cujo ideal de ver as coisas sub specie aeternitatis consistia numa fuga da
realidade
para o mundo da universalidade abstracta. Viktor Frankl, quando foi falar com um
condenado a morte, nao tentou aliviar o sofrimento do seu “paciente”, propondo uma
fuga para uma universalidade abstracta, antes, disse ao individuo que o importante
seria
ele fazer algo que tivesse sentido valido em termos pessoais, quer ele vivesse mais 5
os resultados podem ser imprevisiveis, ja que o nosso dialogo com Deus pode estar
viciado pelas ideias que temos sobre Deus e a religiao. Em rclacao a morte, nos
sabemos
que quando ela vem a nossa forma flea fechada. Pensando em termos cristaos, a
morte e
o fim do periodo em que nos podemos fazer alguma coisa para corrigirmos os nossos
necrologio foram escolhidos por vaidade e nao por uma real vontade de rcalizacao
pessoal, entao, estamos no bom caminho. Tambem se nos sentirmos idiotas ao fazer
o
necrologio, isso tambem e positivo porque evidencia que a imagem que criamos para
nos
potencial e a nossa real ambicao. Quando achamos que nao conseguimos fazer algo,
e fundamental aqui. A vocacao tern sido substituida pela imitacao, parafraseando Lima
nosso necrologio e insincero, talvez tenhamos inventado uma vida ideal sem fazer a
reabsorcao das circunstancias, como dizia Ortega y Gasset. Podemos ter proposto
para
nos, por exemplo, uma vida sossegada que nao e compativel com a pessoa que nos
queremos tornar. E muito importante reconhecer este tipo de coisas e voltar a fazer o
necrologio. O piano inicial que escolhemos tera sempre algo de falso e estereotipado,
e so
nao queremos aquilo mas desejamos querer. Coisas que realmente queremos sao
aquelas
que, a nao serem feitas, vamos achar que a nossa vida foi perdida, mas se as
fizermos,
morremos satisfeitos. Primeiro, averiguamos realmente se queremos aquelas coisas
que
temos em mente, so depois iremos pensar se elas sao razoaveis ou nao. Estas
duvidas
podem revelar alguma dificuldade em falar connosco mesmos, pelo que e uma
nao pode, por sua vez, ser visto por nos. Daqui pode resultar uma necessidade de
criar
uma auto-imagem e, nao a tendo, achamos diffcil redigir o necrologio. Contudo, todas
as
auto-imagens que criamos a partir desse centro criador, por mais nltidas que sejam,
nunca
52
Ultrapassar o flatus vocis — Para Eric Voegelin, fundamentalista e aquele que acredita
em frases, esta disposto a morrer e a matar por elas, mas nao se preocupa em saber
a que
realidade as palavras se referem. O ambiente cultural esta cheio destas pessoas, que
se
ofendem mortalmente quando parecemos colocar em perigo os slmbolos que lhes sao
queridos, mesmo quando estes nao correspondam a nada existente. Temos, entao,
que
por dinheiro nao deixa ninguem rico. Paradoxalmente, e uma obsessao que revela
uma
que dificulta a realizacao do necrologio e a idolatria do prazer: toda a gente acha que
so
deve fazer aquilo de que gosta. A realizacao de uma vocacao nada tern a ver com a
busca
mas com o advento do cristianismo, a imitacao do modelo de Cristo ja nao podia ser
entendida da mesma forma. Cristo nao e um modelo externo que se possa imitar
atraves
de uma serie de condutas exteriores, e necessario, antes, um juiz interior que tenha a
nogao que apenas se pode aproximar deste modelo, que nao so esta fisicamente
ausente
bases cristas. A “aristocracia” passou a ser constitulda pelas pessoas com maior
capacidade de imitacao teatral. Por toda a literatura espalhou-se a ideia da vida como
um
teatro, e na vida real toda a gente tinha consciencia da mentira e, por isso, ainda se
algo que nao podemos evitar, mas temos de ter consciencia que nenhum desses
papeis
tern realidade em si, nenhum pode falar com Deus ou servira para algo na hora da
morte.
O que apresentamos para Deus e um enigma que so Ele conhece realmente, e e desta
pratica que vem um senso de uma verdadeira personalidade, indescritivel pela sua
natureza. Se nem a nos mesmos nos podemos conhecer realmente, muito menos
podemos conhecer a Deus. Tentar saber quern e Deus e ir atras de ilusoes que a
cultura
so nos fara afastar mais da verdade que e, no fundo, a unica coisa que temos de
conhecer.
Temos de aprender a ficar sos, o que nao significa ficar no vazio, porque resta o
enigma
atingir uma perfeigao quantitativa. Em toda a Blblia, so Jesus Cristo realiza tal
objectivo, e
todos os outros tern virtudes especializadas, em torno das quais constroem as suas
dificuldade para fazer o necrologio e o moralismo. Quern fica fazendo uma lista de
humanas, a possibilidade de uma vida crista foi tornando-se cada vez mais remota. A
como um meio social criado nominalmente a partir de valores cristaos sufoca a alma
crista, porque ali se misturam esses valores com os valores da ideologia burguesa e
Chesterton dizia que os seus pais eram pessoas respeitaveis, porem honestas.
Contudo, a
fracassadas, podem ter sido bem realizadas. Napoleao, apesar da destruigao final, ou
Leon
conseguiu criar uma obra literaria baseada numa vida crista e sincera.
Deus como nosso juiz — Se concebermos Deus como nosso juiz, seremos presas
das
falsas ideias que temos sobre Ele. Entao, o nosso juiz devera ser aquilo que em nos
marca
a presenca de Deus, que justificou Cristo ter dito “Vos sois deuses”, e que inspirou o
verso de Paul Claudel “Deus e aquele que, em mim, e mais eu do que eu mesmo”, a
nossa
alma imortal (ver 2.8 Consciencia de Imortalidade). O necrologio serve para ter a
imagem
desse juiz, que tera de ser corrigida muitas vezes ao longo da vida.
Referencias:
54
Este exercicio baseia-se num texto de Louis Lavelle que nao foi dado em formato
digital
propositadamente, para que seja ditado em aula e seja apontado por cada um com a
sua
I’Intimite Spirituelle. O texto foi dado em duas partes, nas aulas 3 e 4, e apresenta-se
de
que nossa vida nos revela sua significa^ao, que nos queremos o destino mesmo que
nos coube, como se nos proprios o tivessemos escolhido. Depois o universo volta
senao tacteando por um caminho obscuro onde tudo se torna obstaculo aos
nossos passos. A sabedoria consiste em conservar a lembran^a desses momentos
estado cheio de significagao e inteligibilidade, que nos permite delinear um “eu ideal”
que
serve de guia ao “eu actual”. Contudo, a utilizagao da imagem do “eu ideal” apresenta
dificuldade esta no proprio desvanecimento natural da imagem do “eu ideal”, que pode
cair no esquecimento total ao fim de pouco tempo. Este exercicio visa restaurar o
estado
Ja tinha sido visto que o Exercicio do Necrologio nos tinha introduzido no grande
e cognitiva.
que fazer uma relacao directa e unlvoca, a imaginacao e capaz de captar uma slntese
imaginagao e feito pela absorcao do legado literario e artlstico (ver capltulo 4). Quanto
maior for o repertorio de situacoes que temos em memoria, supondo a sua boa
55
como poderemos delinear situacocs concretas a partir dos valores universais que
escolhemos.
Louis Lavelle fala na queda que se da logo a seguir ao momento em que vimos a
nossa
vida plena de signiiicacao. Ao inves de ver essa queda numa situacao caotica como
uma
tragedia, ele propoe um caminho de retorno. O caos em que tacteamos como cegos
faz-
nos ser humildes, e assim percebemos que nao fomos nos que inventamos o mundo.
Quando aceitamos isto, o nosso “eu ideal” nao e mais uma fantasia subjectiva mas
um
modelo do qual nos aproximamos e para o qual vao sempre entrando novos
elementos. O
de modo a que ela faga sentido dentro da nossa historia pessoal. Estamos como uma
personagem na peca errada, o que nos obriga a estender o enredo. A nova situacao
nem
sempre e antagonica aos nossos propositos. O proprio antagonismo pode ate nos
ajudar:
vontade de realizar os nossos objectivos, que tambem assim beam mais claros. Uma
situacao de indiferenca ou incompreensao pode ter efeitos bem mais nefastos, ja que
teremos muitas desilusoes e sera mais dificil focarmo-nos no nosso alvo. O que nunca
podemos fazer e tentar aliviar a tensao essencial entre o “eu ideal” e o “eu actual”,
porque
Nao ha homem que nao tenha conhecido tais momentos, mas ele os esquece
depressa como um sonho fragil, pois ele se deixa captar quase imediatamente por
porque ele pensa reencontrar nelas o solo duro e resistente da realidade. Mas aquilo
privilegiados, mostrar como sao janelas abertas para um mundo de luz cujo
horizonte e infinito, do qual todas as partes sao solidarias e que esta sempre
nos ensina a reconhecer em cada uma delas o corpo luminoso do qual ela e a
sombra.
Existe uma dialectica permanente entre idealidade e realidade. No inlcio, Lavelle fala
dos
mundo dos factos, agravada pelas preocupacoes externas, que se impoem a nossa
externa nao constitui nenhum “solo duro da realidade”, nao tern consistencia e faz
parte
o que nos e mais proprio, Intimo e verdadeiro, devido ao medo que a situacao exterior
nos
56
exterior.
modestia, dizendo que tais e tais problemas sao demasiado elevados para si: assim
da-se a
com uma consciencia moral tosca, que as imuniza contra o sofrimento. Isto elimina a
moral: sem uma cocrcao exterior, na sua solidao, o individuo tern a capacidade de se
horrorizar perante os seus actos e pode se recusar a fazer certas coisas. Sem este
aprimoramento nao ha filosofia, que comecou com Socrates como filosofia politica,
como
e algo que se tern que cobrar a politicos e figuras publicas, mas quern faz a critica nao
dos elementos contraditorios que se agitam dentro de nos, dos impulsos contraditorios
e
das diferentes possibilidades de acgao. Nao e possivel uma coerencia linear mas
apenas
encaramos tudo a luz do que e mais permanente e decisivo. Uma forma de fazermos
isso
e olhar tudo a luz da morte, a unica certeza que temos. Ali, o que e transitorio passa
a ser
que temos uma consciencia da figura total da nossa unidade, complexa e tensional.
Conservar a consciencia disto implica agir como um ser humano que esta consciente
de
si, que tern uma transparency em rekpao a si; sabe o que quer, quais os seus
sentimentos
e perplexidades, e nao se acha uma pessoa simples que se pode furtar a tudo o que
e mais
podemos esquecer tudo e continuar agindo segundo outros criterios. Mas o importante
e
recuperar esta reco rdacao ate que nos identifiquemos como a nossa figura ideal, que
Referencias:
Aulas 3, 4, 13 e 56.
57
observado facilmente. Tal como nos foi pedido para fazermos o Exercicio do
Necrologio
(2.1), tambem nos e pedido que fagamos uma analise de nos mesmos a luz das 12
nosso desenvolvimento, algo que temos de evitar a todo o custo. Nao conseguiremos
personalidade.
Cada camada representa um foco de atcncao num objectivo que parece importante
para
nos naquela fase. Quando pas samos da quinta para a sexta camada, deixamos de
buscar o
sentimento de vitoria e procuramos agora obter uma certa eficiencia real no mundo
social. A passagem de uma camada para outra da-se naturalmente se nao existirem
Cada camada coloca algum problema, e o importante nao e veneer todos os lances -
porque essa sede de vitoria so nos ira fazer estacionar naquela camada o importante
e
nao fugir dos problemas. Por vezes perdemos, apanhamos, e normal, e so temos que
o
por isso. O proprio desporto pode ensinar isto, por exemplo, no caso dos adeptos de
futebol que nao deixam de torcer pela sua equipa mesma que esta fique muitos anos
sem
supomos. O objectivo deve ser o de inverter gradualmente esta situacao e nao ficar
apenas
solicitando algo aos outros. Por exemplo, vamos passar a dar a afeicao que queremos
(elogiando a nossa mae, por exemplo) e assim deixamos de ficar escravos da busca
de
da afeigao que os pais lhe davam antes, que agora ja lhe parece excessiva.
O padre Pio aconselhava estar sempre de animo estavel, sem procurar extremos, o
que de
certo modo e uma felicidade permanente, ja que o nosso nivel de infelicidade nunca
desce
abaixo de um determinado ponto. Para isso, temos que nos dedicar a algo que esta
muito
acima de nos e, entao, deixamos de ser um problema para nos mesmos: o trajecto
das 12
sentimentos de base. O que difere de pessoa para pessoa e a forma que o conjunto
adquire com o tempo. Essa forma pode ser apreendida respondendo a pergunta: Qual
eo
objectivo dominante que orienta o conjunto dos es forces daquela pessoa? Tentamos
58
essencialmente corporal, e dal o interesse enorme que tem pelo seu corpo e o desejo
de
tentamos personaliza-lo.
o que torna o clrculo de interesse mais amplo do que o proprio corpo. Se a feme esta
presente em todas as pessoas, nem todos gostam das mesmas coisas, o mesmo se
socialmente, sendo obrigado a adquirir novos codigos de interaccao que lhes abram
faz muita distingao entre pessoas, animais e coisas, mas na terceira camada ha a
nogao de
que “os outros nao sao eu”, ou seja, que existem outros centros de acgao, decisao,
significagao e, por isso, nao podemos submeter tudo ao nosso desejo. Na segunda
camada
ha a tentativa de impor a nossa vontade pela forga, mas agora, na terceira camada,
ha uma
tentar alcangar os nossos objectivos, que passam a ser delineados num mundo muito
mais
comega a fazer a distingao entre presente, passado e futuro, tornando posslvel fazer
uma
mundo imaginario, que nao estando fisicamente presente e ainda assim real para nos.
59
busca de felicidade se esgota e o indivi'duo percebe que so pode estabilizar certos
anterior felicidade, ou infelicidade, era baseada em algo que vinha de fora, mas agora
a
pessoa compreende que tambem pode ser autor dos seus proprios estados e nao tem
que
mas agora no sentido existencial total. O criterio de sucesso na quinta camada nao e
a
em si, conduz a infelicidade, pelo que e preferlvel buscar a forca. O individuo tem que
provar que e alguma coisa, e prova essencialmente para si mesmo, mesmo que haja
algum
depressivos, agora podem ser encarados como desafios, porque o que importa e a
vitoria
a propria forga mas mostrar uma eficiencia real. A sexta camada diz respeito ao
domlnio
visando algo que nos beneficiara, nao em termos psicologicos, mas em termos
financeiros
com uma posigao modesta, o nosso problema fica logo resolvido, desde que isso nao
seja
problema de uma divida a pagar e nao bear a toda a hora sofrendo por isso, porque a
preocupagao nao vai colocar dinheiro no nosso bolso. Da mesma forma, se alguem
nos
deve algo, nao devemos estar sempre exigindo da pessoa, o que a empurra para a
camada
4 ou 5, mas antes devemos rezar para ela ter dinheiro ou dar-lhe ideias para ela o
obter.
Para vencermos na sexta camada, algum dia teremos que dominar um procedimento,
uma
tecnica - nao importa qual -, que nos permita alcancar com grande margem de certeza
os
resultados que pretendemos atingir. Por mais modesta que seja a actividade, o
importante
personalidade. Isto tambem servira muitas vezes para sabermos quando estamos na
realidade ou quando estamos fantasiando, por isso, nao podemos achar que a
eficiencia
havendo a possibilidade de escolha, nao tem que ser algo de que gostamos de fazer
mas
tambem tem objectivos e que nao dao muita importancia para nos, pelo que o nosso
pessoais, so possivel com um senso de direitos e deveres, que nao nos chega sob a
forma
60
local onde estamos, e que pode ser em grande parte impllcito, pelo que temos de o
posslvel, amado, tendo como base um padrao de justiga que ali vigora, e que ate pode
ser
uma monstruosidade do ponto de vista filosofico, porque aqui nao importa a justeza
dos
codigos mas a sua apreensao e colocacao em pratica. Podemos tambem ser forcados
a
optar por um dentre varios codigos disponlveis, o que implica seleccionar as nossas
maturidade e examinar criticamente o que fizemos da nossa vida. Pela primeira vez,
iremos nos ver como o sujeito dos nossos actos, nao apenas como cidadaos mas
como
alguem, ja que obtivemos consciencia de nos mesmos e podemos nos julgar. Atingida
a
maturidade, podemos trocar de papeis sociais sem que o nosso caracter se altere,
porque
ja se consolidou e autonomizou.
Nona Camada - O natural e que todos os seres humanos adultos cheguem ate a oitava
camada, mas a maioria pararia por ai. Contudo, algumas pessoas criam uma nona
camada
contradigoes - e que percebem nao serem apenas suas mas aspectos estruturais da
vida
humana. Esta e uma apreensao que se faz atraves da cultura e que leva ao interesse
pela
vida de outras pessoas como se fossem a nossa, mesmo que sejam vidas passadas
ou
apenas vividos ao nlvel estritamente pessoal mas sao encarados como slmbolos ou
sugestoes de problemas muito maiores, e mesmo que nao tenham solugao, pensar e
dedicar-lhes tempo torna-se uma das grandes finalidades da vida. O Curso Online de
Filosofia foi feito para quern tern uma personalidade intelectual desenvolvida, caso
contrario, teremos uma compreensao diminulda do que aqui se passa. Nao e uma
questao
de QI, o sujeito ate pode ser um genio mas, se nao tern a consistencia existencial
se faz antes dos 30 anos e normalmente apenas aos 40. Mas pode-se comegar a
entrar nela
muito antes porque nao se ganha esta camada de uma vez por todas, sendo
necessario um
Nao sao abordadas aqui as camadas da personalidade seguintes porque sao as mais
apelativas, apesar de serem as mais distantes da nossa situagao real, e assim tenta-
se evitar
Descrigao do exercicio
nesse sentido. A propria funcao intelectual esta mal definida no Brasil devido a falta
de
exemplos internos, pelo que temos de olhar para exemplos no exterior e para a propria
61
uma determinada camada mas nos encontramos numa camada inferior, isso gera
muitos
deslocados, desempenhando funcbcs intelectuais porque tal da prestigio. Isso faz com
que
atemorizante que tentam fugir dela saltando logo para o “aperfeicoamento pessoal” e
para
Obviamente que se trata de uma finalidade religiosa totalmente falsa. Quern nao
consegue
falar em seu proprio nome - e antes de chegar a oitava camada nao estamos aptos
para ter
uma voz personalizada o suficiente para isso - muito menos podera falar em nome de
Deus, e limitar-se-a a repetir o que ouviu e que lhe parcca conveniente dentro da regra
de
jogo. Nao e por acaso que um dos mandamentos prolbe usar o nome de Deus em
vao.
Mas tambem nao temos o direito em falar em nome dos oprimidos, do povo brasileiro,
dos humilhados, ou de uma classe social; so podemos falar em nosso proprio nome.
Muita gente que esta na quarta camada busca protecgao na Igreja, achando que beam
que e a de criar uma geragao intelectual que possa restaurar a dignidade da vida
intelectual
no Brasil. Ser chamado a isto e uma honra, mas que a honra nao seja apenas a
se cumpre directamente mas atraves da aquisigao de um “eu” que valha alguma coisa.
Em
geral, a vida intelectual atende aos objectivos de todas as oito camadas anteriores,
desde
tern autonomia total para se manter imune as correntes que levam tudo para baixo.
Na
Para quern esta numa camada, os objectos das camadas seguintes sao
incompreenslveis.
Entendemos tudo dentro dos moldes da camada em que nos encontramos. Por
exemplo,
uma regra moral e entendida por uma crianga na segunda camada como tentativa de
impor forca flsica, ao passo que para alguem na terceira camada, a regra sera vista
nao
como uma regra moral mas como uma regra de jogo, ao passo que para alguem na
quarta
62
Sabendo que todos os alunos nao terao ainda atingido a maturidade da nona camada,
e
Para isso, e necessario que cada um de nos identifique, com toda a honestidade, a
camada
psicologico e perguntar onde nos doi: o que e que nos ofende e perturba
profundamente?
Uma crianca na camada 2 fica ofendida quando contrariamos o seu instinto, retirando-
lhe
derrota e temos sempre que mostrar o nosso valor, isso indicia a nossa “prcscnca” na
camada 5, pelo que ainda nao estamos preparados para a vida em sociedade.
Duvidas
sobre a nossa capacidade pessoal sao tambem problema de camada 5, e o que temos
de
fazer e arranjar rapidamente um desafio numa area para a qual tenhamos inclinagao
e
que nos preocupa e, na camada 7, ficamos em xeque se algum dos nossos papeis
sociais
profundamente pessoal e o que nos perturba sao os ataques a verdade, aos valores
De seguida sao dados alguns esclarecimentos sobre duvidas habituais sobre a Teoria
das 12
Camadas da Personalidade , naquilo que importa para a realizagao do exercicio deste
ponto.
patologicos, como lesoes cerebrals ou demencia senil. Pode parecer que certos
indivlduos
regrediram de camada, mas na realidade eles tinham apenas feito uma pscudo-
ocupacao
pessoal real. Contudo, podemos sofrer por motivos relacionados com uma camada
de liberdade, pressao social extrema, etc. - mas nao se trata de sofrimento de natureza
disso, este sofrimento pode ser mitigado de uma forma imposslvel para quern se
encontra
realmente naquela camada, porque uma pessoa numa camada superior pode sempre
encontrar alternativas para ampliar o seu espaco vital. A depressao tern factores
neurobiologicos que nao podem ser controlados por nos, pelo que a subida de camada
nao nos protege contra ela, mas vai influir na tradugao que fazemos da situagao.
E possivel saltar camadas? — Nunca se saltam camadas, mas e frequente uma falsa
extensao para camadas acima. As outras pessoas nao irao confirmar o nosso
63
seguintes vao nos perseguir, mas somos nos que nao estaremos presentes a eles,
anterior. So saimos de uma camada quando esta deixa de ser um problema para nos
e ja
temos em maos um problema mais evoluido. Pode um santo chegar a decima segunda
camada sem ter realizado as camadas anteriores? Isso e impossivel, mas nao
podemos
crengas que temos sobre o mundo e que marcam a nossa singularidade, mesmo que
isto
camada e bastante dificultada se nos encontramos num meio social em que nao
existem
interesses e orientates, mas se percebermos que as unicas que estao disponlveis nao
se
interessam por questoes mais elevadas, podemos ficar tentados a optar por um
concebidos por uns poucos individuos que estao na sexta camada. E natural ir subindo
num meio social estimulante e elevado, mas tambem se tivermos acumulado bastante
material cultural e ampliado o nosso imaginario. Isto forma uma massa critica de
forma mais aperfeicoada. Sem uma linguagem apropriada, pode ser impossivel fazer
a
nao estamos a falar de um problema pessoal mas vamos dar voz a muita gente.
Referencias:
.pdf
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
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dos dois primeiros capltulos do livro A Vida Intelectual \ do padre Sertillanges, que nos
dao
(2.1). Lima Barreto disse que no Brasil as pessoas nao tern vocacao, apenas cultivam
a
tern que ser dentro de uma medida razoavel ou estaremos a jogar a nossa vida fora
por
tudo deve ser julgado em funcao dela. A realizacao da vocacao pode ser dificultada
pela
falta de meios, mas a sua abundancia tambem pode ser prejudicial. Nao ha um
julgamento
absoluto que se possa fazer a este respeito: muitas coisas que, num certo momento,
podem nos parecer desagradaveis ou prejudicial, mais tarde poderao se revelar boas,
da
mesma forma que certas coisas que agora nos parecem boas podem vir a nos
enfraquecer.
No segundo capltulo do livro, Sertillanges diz que o exerclcio da vida intelectual e feito
de
certas virtudes. O tamanho do nosso QI nao determina se vamos saber as coisas com
instrumento que dominamos, ela e, antes e apenas, fungao do nosso amor pela
verdade.
Para seguir o Curso Online de Filosofia, temos que ter este amor pela verdade e, em
primeiro lugar, amor pela verdade sobre nos mesmos, no sentido que isso tern na
oitava
Nao e correcto falar em ostentar virtudes, porque a virtude e uma forca que Deus nos
da.
Mas elas podem ser praticadas, e depois incorporam-se em nos como habitos. Nesse
ponto, podem ser esquecidas, o que e o ideal. Devemos perscrutar em nos se temos
o
instinto de ajudar o proximo ou se ficamos sempre de pe atras com receio de sermos
“justificada”? Se vamos entrar numa briga, ela tern que ter importancia moral objectiva.
Tambem nao podemos achar que e pecado falarem mal de nos. Quern esta focado
no
piano intelectual, nao pode se perturbar muito com ofensas pessoais, apenas ficara
ofendido com o desrespeito pela alta cultura e por aquilo que ofende o proprio Deus,
abrangendo mais autores, temas e factos, a inteligencia sera cada vez mais
estimulada, mas
sem a devida base moral, corremos o risco de cair num fingimento tlpico de camadas
inferiores.
domlnio: queremos tornar o universo numa especie de miniatura que pode ser captada
num olhar e sobre o qual temos um poder intelectual completo. O mundo nunca podera
ser um objecto que caiba dentro do nosso poder de observagao - achar isso e ja
incorrer
na paralaxe cognitiva -, ele e antes o ambiente em que estamos e, por sua vez, esta
dentro
65
numa ignorancia confiante, sabendo que a nossa unica substancia e o amor divino.
Assim,
Referencias:
^4 Vida Intelectual. \ Antonin Sertillanges. O livro esta traduzido para ingles e para
66
daquilo que lhe acrescentamos em cima. Esta atitude faz parte do voto de pobreza
em
dois. Num deles, imaginamos que tudo o que nos acontece e por nossa
responsabilidade,
como se fosse nosso carma. A posigao e existencialmente falsa, pois anularia o carma
de
responsaveis por nada, somos vltimas inermes, o que tambem nao pode ser verdade.
O
objectivo e obter, no final, uma tensao entre estas duas visoes opostas que reflicta a
Referencias:
Aulas 2 e 13.
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
67
2.6 SuPERAgAo
Este ponto e dividido em dois tipos de superacao (na falta de melhor termo),
aparentemente distintos mas que acabam por se relacionar. Primeiro, sao vistas
solugoes
para superar situacoes de opressao extrema, que tambem podem ser utilizadas num
meio
meio.
uma situagao opressiva, como estar na prisao ou num campo de concentragao. Estas
solugoes tambem sao adequadas para quern esta num ambiente espiritualmente
depressivo
Entrei cego na prisao (com vagos fulgores de luz, nao acerca da realidade, mas
saio com os olhos abertos; entrei mimado, luxento, saio curado de caprichos,
me pouco, agora sei apreciar o menor pedacinho de pao; saio admirando mais do
aqueles com quern errei, com os meus amigos e inimigos e, ora!: comigo mesmo.
Steinhardt apresenta tres solugoes, das quais exclui a possibilidade da crenga, por
esta ser
pode ser ameagado, chantageado, iludido ou enganado. Ele saiu do mundo, ja nao
espera
por nada, nao tern nada para recuperar, nem existe uma moeda para comprar a sua
alma.
Se a decisao for firme e definitiva, o «risco de ceder, de concordar com uma denuncia,
de
trabalha ao acaso, que vive de hoje para amanha, que dorme em qualquer lugar,
passa por
prisoes. Seja como for, o importante e nunca entrar no sistema. O homem a margem
da
sociedade tambem esta imune a pressoes, porque nada se lhe pode tirar ou oferecer.
Tern
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
68
a lingua solta e nao sabe o que e o respeito, e diz em voz alta as verdades que os
outros
opressao, a desgraga, a miseria, o perigo, nao nos abatemos mas daqui tiramos uma
vontade louca de viver e lutar. Quando pior as coisas correm, quanto mais feridos e
formas imensamente maiores que nos, atacamos quando perdidos, nao perdemos a
espcranca e nem nos damos por vencidos ou mortos. E temos uma alegria plena nesta
resistencia. Esta solucao exige uma forga de caracter excepcional, uma vontade de
ago,
mais agrado pela batalha e pelo combate do que pelo exito. A injustiga e o sofrimento
As tres solugoes podem ser resumidas assim: (1) a morte consentida, assumida,
antecipada
e provocadcr, (2) a indiferenga e a audacia; (3) a bravura junto a uma alegria louca. E
duvidoso encontrar outra saida para situagoes de opressao extrema. Estas saidas
parecem
pela morte que o abismo totalitario provoca. E, pelo contrario, um amor a vida que, em
circunstancias extremas, leva a pisar a morte para vence-la. O “homem morto” tern
muito
mais vida do que aqueles que o rodeiam, tal como o “marginal” nao vive humilhado
porque sabe que e um aristocrata que nao pertence ao meio por excesso de
capacidade.
Tambem devemos assistir ao filme, em tres partes, sobre a vida do samurai Miyamoto
Musashi. No terceiro capitulo, ele ja perdeu todas as ilusoes, ate de ser samurai, ja
nao
quer saber de entrar em duelos, quando anos antes tinha matado 72 pessoas em
combate
de uma so vez. Mas agora ele quer mais, tern preocupagoes morais, e vai para o
fundo da
sociedade, torna-se campones numa terra sem dono para tentar ser uma pessoa
melhor.
No final, ele ainda tern de entrar em mais um duelo, por insistencia do outro maior
espadachim vivo na altura, instrutor das elites, e mata o sujeito. Musashi adoptou
tambem
as tres solugoes. Primeiro ele deixa de contar com a vida e vence os duelos porque
ja se
considera morto. Ele tambem adopta a solugao de atacar quando a situagao
engrossa,
quando defronta toda uma academia. No final, torna-se num “marginal”, indo para o
lugar mais baixo da sociedade, onde ja nao e mais acessivel a lisonja e a chantagem.
Precisamos sempre lembrar que a nossa tarefa nao apresenta estes riscos, sobretudo
de
estatal a tentar acabar connosco (algo que aos poucos se vai formando mas levara
algumas
missao e muito branda, apesar de exigir muita disciplina em termos psicologicos. Nao
vizinhos). Entao, nos vamos poder ajudar estas pessoas, ter amor por elas, mas nao
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
69
podemos depender delas para nada. Se alguem quiser nos ajudar nos nossos
estudos,
oferecendo condigoes materials, nos podemos aceitar mas com a firme disposigao de
que
essa pessoa nao tera nenhuma autoridade sobre nos. Nao podemos assumir a
posigao de
algum sinal nesse sentido, temos de deixar claro que ele apenas fez a sua obrigacao
em
nos ajudar, porque fazemos um trabalho de salvagao nacional e ele faz o mesmo
indirectamente, para apaziguar a alma, por isso nao temos dlvida nenhuma em
relagao a
ele. Devemos ter sentimento de dlvida em relagao a quern deu muito relativamente
ao que
pergunta que formulamos torna-se mais clara e intensa, o que ate pode ser melhor do
que
ter o livro logo no primeiro momento.
Cada dificuldade material tern que ser transformada num desafio. Se metermos na
cabega
que vamos resistir a todos os obstaculos e ameagas, sairemos muito fortalecidos, nao
seremos outras pessoas, seremos mais nos mesmos mas mais fortes e melhores.
Temos de
nos oriental' pelo senso do nosso dever a cumprir, que sera o criterio para julgarmos
as
perante a sociedade estao condicionadas por esse lugar, que nos da uma obrigagao
especifica. Sempre vamos falhar em muitas obrigagoes, mas temos de ter o senso de
quais
sao aquelas que sao fulcrais para nos. Isto cria um senso de missao que nos da uma
coluna
vertebral e nos permite enfrentar todas as exigencias e chantagens que nos chegam
da
devemos atacar de volta sem dar explicagoes ao acusador, para nao estar a advogar
em
que, a existirem, devem transparecer nas nossas obras e nao no nosso discurso de
auto-
Olavo da explicagoes aos seus alunos. Mas nunca vamos dar explicagoes aos
acusadores e
aos maliciosos, pois temos de ter autoridade sobre eles, humilha-los se for necessario,
pois
isso nao lhes fara mal. Perdemos muito tempo para que os outros tenham boa opiniao
sobre nos, especialmente os maliciosos, mas a opiniao dos outros nao nos ajudara no
Juizo Final e, como tal, tambem nao temos de ter opiniao sobre os outros, apenas
podemos julgar os seus actos se nos afectarem. Todos partimos de pontos muito
baixos, e
o importante e se estamos a fazer coisa certa com o material que temos. Vamos
formal'
opiniao sobre pessoas que dependem de nos: um filho; em certos casos, um aluno;
ou
quando alguem nos pede conselhos. Mesmo em tribunal, sao os actos que sao
julgados e
70
Algumas fontes diversas podem nos servir de inspiragao para o fim da supcracao. Por
Robert Franklin Stroud, que foi preso por assassinato e acaba sentenciado a prisao
sobre passaros. Cesar Cantu tambem escreveu uma Historia Universal na prisao,
apenas
pode surgir uma coragem absurda, suicida. Esta ultima fonte serve tambem para
esta sim, e uma ideia de fracos. Por ultimo, nao podemos esquecer os livros de Viktor
A timidez pode revelar falta de amor ao proximo, mas antes devemos comegar por
questionar se a timidez deve realmente ser vencida. Ha certas situagoes que sao
timidez para conseguirmos nos impor em certas situagoes, o que nao legitima
qualquer
tipo de imposigao. O problema de fundo tern que ser visto por outro lado. A timidez e
um problema real quando caimos na ilusao de sermos um “eu” e todos os outros serem
apenas forgas inibidoras contra esse “eu”. Desta forma, negamos aos outros a
possibilidade deles serem tambem “eus”. Uma forma de veneer a timidez e atraves do
amor ao proximo, que faz com que os outros deixem de nos parecer estranhos e as
sim ja
nao nos atemorizam. Se nos preocupamos muito com a timidez ser um problema
nosso,
mais dificuldade teremos para ter amor ao proximo. A pergunta que devemos fazer e
se
egoismo, o que nao elimina a timidez mas apenas a disfarga com uma postura de
“cara-de-
centro do problema. O que temos de fazer nao e reforgar a nossa posigao central mas
sair
dali, ter real interesse pelos outros, ouvi-los, questiona-los e logo a timidez desaparece
Outro exercicio que permite fazer esta nossa “salda dos holofotes” de maneira mais
explicita, consiste em, durante algum tempo, estar a inteira disponibilidade de todas
as
com elas, generosos, estarmos atentos de modo a que a nossa passagem pela vida
abstralmo-nos da chatice delas -, fazendo de conta que somos a solugao para os seus
71
problemas. Nao vamos aguentar fazer isto o tempo todo mas depois de nos
esforcarmos
durante algum tempo, um mes ou mais, alguma desta generosidade vai se incorporar
na
nossa pessoa e nao seremos mais os mesmos. E natural que algumas pessoas
tentem
abusar de nos, mas isto faz parte do exerclcio, e o problema e delas, so elas sairao
a fazer de conta que somos um balcao de reclamacoes, que tenta dar conta de todos
os
problemas alheios e resolve -los. Podemos ser tentados em nos acharmos boas
pessoas,
educadas, durante este periodo, mas e apenas um exerclcio e depois esta “vaidade
justificada” desaparece.
Nao podemos confundir o amor com uma cmocao. No Brasil existe um culto das
emogoes, como se tudo tivesse que ser feito com as emogoes a flor da pele, mas isso
nada
passo que Jesus Cristo curava os enfermos sem transbordar de emogao mas pleno
de
amor ao proximo. O amor e uma escolha e uma accao, nao e uma cmocao ou um
sentimento. O bem deve ser praticado com simplicidade e com animo homogeneo. O
padre Pio aconselhava a um es force para ter um animo igual, nem muito deprimido
nem
depende das nossas emogoes mas daquilo que realmente fizemos nesta vida, em
termos
interiores e exteriores.
acusagao de idolatria e jogada pelos invejosos que nao suportam que ninguem seja
admirado. Admirar e essencialmente um acto de amor ao proximo. Significa “olhar
para”,
tendo impllcito que e para algo que merece ser visto e que nos faz bem de alguma
forma.
Mas como acto de amor, a admiracao nao pode ser algo meramente passivo. Apesar
da
humana, e assim vemos ali o sinal de alguma coisa mais elevada, aquilo esta sempre
pai e mae”, que significa que temos de arcar com os defeitos da pessoa que
admiramos
como se fossem nossos deveres. Defeito e algo que nao se completou, o que significa
que
tudo aquilo que os nossos pais nao fizeram passam a ser tarefas nossas. Sempre
temos
algum dever em relacao aos nossos pais, por isso nao temos que os criticar mas que
fazer
algo que eles nao fizeram, para assim limpar a imagem deles, nem que sejam dlvidas
que
eles deixaram para pagar. A mesma coisa devemos fazer em relacao a tudo que nos
chegou como legado. Nao apenas vamos tirar proveito daquilo mas vamos limpar as
Colocar ambiguidade dentro da admiracao e uma coisa diabolica. Nao e uma questao
de
tentar reduzir os aspectos negativos mas de ter uma atitude generosa. Apesar de
todos
sermos almas imortais, nem todos somos do mesmo tamanho e, como tal, e posslvel
a
admiracao. A alta cultura e iminentemente hierarquica, pelo que temos que saber
distinguir o mais alto do mais baixo, e aquilo que hierarquiza as pessoas e a proporcao
entre meritos e demeritos. O nosso foco deve seguir o que diz Nicolas Gomez Davila:
72
outorga, em vez de degenerar no odio costumeiro que todo o benfeitor desperta, sao
impulso sexual, que apenas chega para passar. A base fundamental tern que ser o
amor
Referencias:
73
espera dos alunos e as ligacoes entre filosofia e religiao. A isto soma-se outro conjunto
de
indicates e tentativas de clarificagao mais ligados a propria pratica religiosa, que foram
surgindo nas aulas sobretudo pelo grande numero de questoes neste sentido que
foram
sendo suscitadas pelos alunos. Contudo, a abordagem que aqui se faz, seguindo o
proprio
teor das aulas, e essencialmente filosofica e nao teologica, da qual tambem vao saindo
algumas indicacoes uteis para a vida de estudos, quando nao aberturas para futuras
compreensao dos problemas filosoficos. Para termos uma nocao, ainda que
imaginaria,
este ponto e serao dadas algumas ideias sobre como recuperar a antiga cosmovisao
crista.
Depois serao abordados alguns cuidados que devemos ter, hoje em dia, quando
pensamos
virtudes.
O problema da moral
O grande problema da moralidade, tal como formulado por Sao Tomas de Aquino,
sistema geral dos valores e normas morais. Podem se introduzir inumeros p ere algos
e
erros durante este processo. Por exemplo, em relacao ao mandamento “Am a a teu
proximo como a ti mesmo”, sabemos nos quern e o proximo? E sabemos o que quer
dizer “como a ti mesmo”? Para Santo Agostinho, o amor-proprio era o oposto do amor
a
Deus e e isso que esta aqui em causa. Para Eric Voegelin, fundamentalista era aquele
que
precisamente o contrario, cada frase tern que ser vista nas varias situagoes humanas
que
lhes sao subjacentes e nunca podemos aceitar, sem questionar, o primeiro sentido
que nos
ocorra.
que e essencialmente a mesma funcao, consegue conceber entes que sao, ao mesmo
74
sociedade, tendo em conta que a obra literaria representa, como disse Aristoteles, o
vivos de alta cultura e seriedade, entao, a moralidade geral vai cair. O exemplo so
pode vir
oscilacao muito grande entre o populismo e a rigidez hieratica, passa-se de uma coisa
para
a outra com grande rapidez e isso tern um efeito muito nefasto para a alma humana.
moral. A filosofia moral e a teologia, por mais desenvolvidas que sejam, so podem
abarcar
do pensamento logico.
regra, que, no processo, pode ver o seu sentido originario bastante diluldo. Por
exemplo,
como se vai aplicar o mandamento “nao mataras” a uma situagao em que um sujeito
esta
estuprando a nossa filha de 3 anos e nao conseguimos que ele pare por mais que
concreta. Nao existe uma regra para o problema da moral formulado por Sao Tomas
de
Aquino mas apenas um senso moral, uma especie de intuicao moral que deriva do
amor
pelo Bern, que tambem nao se pode definir. A propria regra nao serve para
desenvolver o
amor ao Bern porque ela ja surge para a maioria das pessoas como uma encarnacao
do
mal.
constituir e afinar o senso moral para as varias situacoes, onde a regra moral e
utilizada
como baliza. Da regra nao conseguimos deduzir a situacao particular, pelo que a
aplicacao
ponto 8.3 (Vida Amorosa e Familiar) a proposito da cdu cacao moral das criancas.
Serao aqui feitas algumas consul cracoes sobre o posicionamento moral que se
pretende
dos alunos, como condicao para a propria vida de estudos e nao para tentar instituir
75
nossas vidas e a julgar a dos outros pelo criterio da moral brasileira. Nessa moral
simplista, nao existe verdadeira admiracao mas um temor em relacao aos mais fortes,
que
nossa libertagao falando mal dos sujeitos. O Curso Online de Filosofia visa a formacao
de
auto-ajuda.
Naturalmente que o curso pode nos fortalecer, mas ha o risco de confundirmos a moral
com a decencia. A decencia tern criterios mais exigentes do que a moralidade, pois
nao
basta ser serio, ha que parece-lo, o que implica uma adaptagao a olhares multiplos e
cncenacao, vamos tambem exigir o mesmo tipo de “perfeigao” dos outros e ficamos
decepcionados quando ouvimos falar mal de alguem. Mas neste curso nao estamos
esta a lealdade. A lealdade e, em primeiro lugar, a fidelidade a palavra dada, pelo que,
se
nos comprometemos em fazer algo, nao podemos voltar atras, leve o tempo que levar.
Sem isto, a nossa inteligencia flea bloqueada porque ela provem daquilo que e
permanente
do mundo mutavel, por isso, nunca podemos voltar atras com a palavra dada ou
seremos
dada, porque sem ela nunca seremos confiaveis e iremos precisar sempre de alguem
que
mande em nos.
moral mais importante do que os outros. Cristo foi expllcito ao dizer que os
mandamentos devem sempre ser vistos tendo em conta o amor a Deus e ao amor ao
proximo. Ou seja, os mandamentos tern que ser vistos a luz da verdade e tambem
perante
possamos chegar seja incomunicavel. A filosofia nao e uma arte argumentativa, antes,
ela
Nunca devemos julgar os outros pelos princlpios da decencia, o que significa evitar
entrar
que aparencias senslveis -, o mundo da filosofia fica fechado para nos. Em relacao a
pessoas do nosso clrculo, devemos adoptar a norma de nunca falar mal de ninguem.
Se e
para falar alguma coisa, entao elogiamos. Apenas as atitudes publicas podem ser alvo
de
76
critica, nunca as acgoes privadas. A avaliagao que as pessoas fazem umas das outras
so e
elas vierem de alguem que tenha autoridade sobre nos, como urn professor ou um
e seriedade do seu julgamento. Qualquer julgamento que nos faca sentir superiores
aos
outros e um engano tragico, que pode destruir a nossa inteligencia de uma vez para
sempre.
durante muito tempo, as nossas possibilidades na esfera moral ate termos uma ideia
efectiva do que podemos fazer e daquilo que nos e imposslvel. Por exemplo, devemos
ja
ter testado a nossa forga e conseguido albergar em nos, de forma consistente, certos
ja que sempre voltam outros pensamentos malignos e nos so conseguimos fazer uma
articulagao precaria entre as duas coisas. Entao, uma norma de conduta que podemos
adoptar e de nao criticar a conduta alheia (mesmo de forma indirecta) se, na mesma
situagao, nao sabemos o que fariamos. Isto implica considerar o outro como nosso
semelhante, o que comeca a dar consistencia a nossa vida moral. Indo mais alem,
Sao
Tomas de Aquino aconselhava a termos sempre diante de nos o olhar dos mestres.
Assim,
Aquino daquilo que estamos fazendo agora. Desta forma, passamos adiante do
por pessoas muito melhores do que nos, que nao querem nos enganar nem precisam
de
nos para nada. Nenhum premio social obtemos com isto, antes obtemos uma
consistencia
real e vamos poder dizer “eu” com conhecimento de causa, sendo capazes de assumir
as
demeritos, de modo a que as nossas decisoes sejam tomadas com toda a firmeza e
e opinioes. So assim essas ideias serao realmente nossas e nao apenas ideais que
que e algo sempre falso, mesmo que seja para mostrar fidelidade a hierarquia da
Igreja.
Leon Bloy, Chesterton ou Bernanos sao dos escritores catolicos mais personalizados
que
espiritual eterno e, portanto, como uma imagem de Deus. Claro que ha uma diferenga
Dai a importancia da alta cultura e a razao das pessoas inteligentes e cultas tenderem
a
achar todas as outras inteligentes, ao passo que as pessoas mais burras e medfocres
acham
que ate os inteligentes sao burros, ja que nunca conseguem conceber possibilidades
e moral. Sem a estrutura de caracter adequada, o estudo nao vai adiantar. Em primeiro
lugar, todos os conhecimentos que vamos obter em qualquer curso de alto nivel sao
inacessiveis para as pessoas do nosso meio, o que modifica o teor das nossas relates
com
77
elas. William Hazlitt, a este respeito, falava das desvantagens da supetioridade
intelectual,
porque saber mais do que os outros vai tornar-nos incompreensiveis e, assim, menos
eficazes. Entao, temos de ter sempre em mente que saber e saber algo que os outros
nao sabem.
esta colocado numa alma ainda infantil, que nao consegue entender as implicates do
conhecimento que esta adquirindo, por isso, nao somos logo capazes de assumir a
sentido.
que ainda possamos sentir com estas pessoas e ilusoria, porque temos conteudos e
pessoas nao tern qualquer obrigagao de nos compreender, somos nos que temos de
compreende-las, e isto signifka ter paciencia para a burrice alheia sem ser cumplice
dela.
Estas pessoas sao como criangas para nos e, de certa forma, somos responsaveis
por elas.
mais precisam da aprovagac > de uma autoridade, nao apenas dos iguais, mas de
alguem que
flcou ausente com o descredito em que as religioes cairam. Estas, para tentar suster
a sua
sonante e que parece combater as heresias, achando que a santidade e uma coisa
que
irradia, quando a santidade e algo que se percebe pelos frutos. Nao e numa igreja,
numa
sinagoga ou numa mesquita que vamos encontrar guiamento, apenas o nosso proprio
humana, uma vez que sao puramente espirituais. A seguranga so advem de um senso
de
mera persuasao. As poucas certezas de altissimo nivel que podemos ter sao na esfera
deficiente.
conhecimento, como sempre ensinou a Igreja Catolica. Nem toda a gente pode ter
esta
evidencia intelectual e por isso existem os sacerdotes para legitimar uma fe, como
autoridades externas, pelo que se trata de uma certeza de segundo grau, que depende
da
evidencia que o sacerdote teve em primeiro grau. Materia de fe sao assuntos como o
nascimento virginal de Cristo, a ideias de que Jesus e o Logos encarnado; que Cristo
eo
caminho para a salvaaio, etc. Confundir o que e materia de fe com aquilo que nao e
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78
degrada a propria nogao de fe, que passa a ser fe na instituigao como ela
materialmente se
Nao temos que enfrentar tempos tao penosos como os dos primeiros seculos de
enfrentar o isolamento e incompreensao do nosso meio, pelo que nao ha razao para
o
medo que alguns sentem. O isolamento nao nos vai matar, so nos fortalecera ate
encontrarmos verdadeiros amigos (ver 8.2 Amizade). A seguranca deve ser procurada
no
alguma autoridade que nao seja Jesus Cristo. So conhecemos Cristo de duas
maneiras, ou
quando entendemos que a razao divina governa o mundo, ou pela intervengao divina,
seja
Nao precisamos de ter certezas em mais de dois ou tres pontos. Em geral, as certezas
intelectuais, porque lidam com questoes de ordem abstracta, nao servem para orientar
a
nossa conduta, sendo aqui que a fe entra como complemento. Nao se trata da fe como
reconforto numa instituicao ou num extase grupal, mas da fe como conhanca numa
pessoa que fez uma promessa. Essa pessoa nao esta visivel no momento mas
continua a
agir, e age muitas vezes de forma condicional, mediante o nosso pedido sincero.
Devemos
pedir algo real, de que temos falta e que seja moralmente justificado e que
acreditemos
que Cristo pode nos dar. Se pedirmos coisas vagas ou incertas, e porque nao
sabemos
bem o que queremos, mas temos que saber e ter confianga que Jesus Cristo nos quer
dar
aquelas coisas, por isso vamos pedir algo o mais explicitamente possivel, e vamos
faze-lo
em nome de Cristo, o que significa chegar perto de Deus pai e dizer que o seu filho
nos
podemos saber bem o que queremos. Para podermos pedir com firmeza, so podemos
vai responder a isso, mas sinceridade nao e dizer apenas o que se pensa, mesmo que
sinceridade tern que estar tanto na emissao como na percepc^ao. Mais que isso, a
sinceridade tern que juntar tres elementos: dizer o que se pensa; pensar como se
percebe;
e perceber as coisas como elas sao, tal como se apresentam. Ja se introduzem varios
nos levam a pensar desta ou daquela maneira. Entao, devido a tudo isto, acabamos
vendo
apenas aquilo que queremos ver porque nao temos suficiente amor a verdade e a
realidade ser aquilo que ela e. Nao e uma falsa alternativa entre (a) projectar na
realidade
permite ver uma versao parcelar da realidade. Esta segunda alternativa tambem nao
e
amorosa e como compreender uma pessoa, o que implica gostar que ela seja como
ela e,
mesmo que esteja errada e seja feia, de maneira a que o modo de ser dela nos fale
alguma
coisa. Tudo a nossa volta fala, ate os acontecimentos da natureza - ate uma pedra,
porque
79
temos paciencia de ouvir alguem que se explica mal e logo fazemos uma conclusao
sobre
a pessoa, o que ate pode ser legltimo, mas nunca podemos esquecer que fazemos
isso para
nossa conveniencia e nao para nem por conhecer o outro. Sem estas cautelas, ainda
podemos acabar kantianos e achar que tudo depende de nos. Pelo contrario, aos
poucos
devemos deixar que o nosso interior seja regrado pelo exterior. A estrutura da razao
divina esta ali presente o tempo todo, cerca-nos, mas vamos enlouquecer se nos
fecharmos sobre nos mesmos e imaginarmos que a nossa mente molda tudo.
Filosofia e religiao
pratica religiosa ira tornar-se numa monstruosidade, o que e pior do que nao ter
religiao
alguma.
extremas, que nunca se verificam na realidade. O egoista total seria obrigado a viver
numa
solidao completa, pelo que seria o mais infeliz dos seres humanos e o seu egoismo
nao
estaria a trabalhar em favor de si mesmo. Por outro lado, nao existe o altruista total,
que
apenas da e nada ganha, pois ele tambem ama quern ajuda e, nesse acto, obtem uma
satisfagao imediata. Jesus Cristo foi crucificado para salvar a humanidade mas
recebeu o
no mundo. Mais uma vez, e um problema que nao tern legitimidade filosofica, pois
parte
do princfpio que um mundo finito poderia albergar uma quantidade infinita de bem.
Ha tambem que veneer a inclinagao pela mera busca de um conceito abstracto de
Deus,
que deu origem ao chamado Deus dos filosofos. Ha que distinguir o conceito de
saber que estamos sempre colocados diante de uma dimensao de eternidade, perante
o
nao ha misterio algum a nao ser o da propria luz. Nao aguentamos estar sempre
uma imensidao de coisas e depois esquecemos. Este esquecimento esta tambem nas
reino dos ceus. Por isso, disciplinas muito rigidas deformam a pessoa, porque abolem
a
repouso, podemos esquecer porque Deus sabe e nao temos que nos preocupar. Deus
Nao tern sentido apontar heresias a uma analise filosofica porque ali nao se esta
verdade e pelo erro, por isso, nao temos de ter medo de pensar o que quer que seja
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Antes de a doutrina estar fixada, muita coisa errada foi pensada. Na filosofia queremos
achar a verdade a partir da nossa tremenda confusao. Para isso, vamos abrir a alma
para
Deus, fazendo uma busca cognitiva sem medo, sem estar a verificar se cada
pensamento
esta completo e a Igreja nao pretende ter uma doutrina final e terminada. A discussao
teologica ficou fechada apenas em relacao a alguns pontos. Mas nem e isto que se
hipoteses e, por isso, tudo e tentativo. Para uma filosofia ser heretica, ela tern,
primeiro, que
poetica, como vamos comparar uma figura de linguagem com uma afirmagao literal e
taxativa, que se presume a declaragao final sobre alguma coisa? De uma figura de
linguagem podem tirar-se varias afirmagoes, que depois tern que ser interpretadas, e
umas
seriam hereticas e outras nao. Qualquer estudioso ou erudito sabe estas coisas; e
quern
nao tern disto, pelo menos, uma intuigao, um pressentimento, nao esta capacitado
para os
estudos filosoficos. A vontade de classificar os outros como hereticos e algo muito pior
do que aquilo que fazia a Inquisicao, cujos processos de heresia podiam durar anos.
Falava-se com o acusado, lia-se a sua obra para ter uma ideia do conjunto e nao se
fazia o
julgamento apenas sobre umas frases dispersas. Qualquer aluno no Curso Online de
Filosofia tern que ter o pressentimento de que existem coisas como generos literarios,
nem os que afirmavam mas apenas aqueles que buscam entre gemidos.
Tambem nao tern sentido falar-se de poesia heretica. E da natureza da poesia llrica
desespero. Nao se podem tirar daqui conclusoes teologicas, nem sequer filosoficas.
Na
teologico. A obra poetica termina com o ultimo ponto final, mas a discussao em seu
redor
nao tern mais fim, onde vao entrar muitas coisas sem qualquer valor, como muita da
analise lingulstica.
sobre como se chegou ao actual contexto historico, social e cultural, que torna
bastante
dificil uma vida crista. Depois sao abordados alguns caminhos para recuperar algo da
81
das pessoas ao ponto de se tornaram materias de fe. Originalmente, nao faziam parte
da
fe, eram material de conhecimento, a que se chegava por metodos racionais, ou entao
cristaos tern uma imagem de Deus como criador de um mundo do qual Ele e separado,
e
tomam como realidade basica o mundo fisico tal como e descrito pela ciencia. Esta e
uma
Nicolau de Cusa sugeria uma imagem para comecarmos a entender o que e o olhar
de
Deus, que podemos exemplificar a partir dos quadros em que o olho de Cristo parece
estar olhando sempre para nos, nao importa a dircccao pela qual nos olhemos o
quadro. A
visao de Deus e pervasiva, olha para todas as direcgoes ao mesmo tempo e a partir
de
apenas tern uma direccao disponlvel a cada momento. Isto e apenas um exerclcio
para
conseguir entender melhor o que e a omnisciencia de Deus. Outro exerclcio para isto
eo
necrologio (2.1). Apesar da imagem que criamos que no necrologio nao ser aquilo que
Deus quer de nos - e aquilo que queremos ser -, o artificio de ver as coisas a luz da
morte, colocando-nos na perspectiva de vermos a nossa forma fechada, faz com que
consigamos aprender algo do que Deus quer para nos, e depois a imagem vai se
aprimorando com as correccdes sugeridas pela realidade, que foi criada por Deus.
objectivo, sem o qual nao era posslvel ter fe alguma. A visao que temos do mundo
antigo
e medieval acaba por nao corresponder a nada do que eles estavam dizendo na altura.
Nao tern sentido a ideia de que os antigos viam a Terra como o centro do Cosmos e
ocupou o lugar mais elevado na simbologia crista, por representar Jesus Cristo, ao
passo
estava errado.
Tambem o milagre era entendido pelo catolico medieval de uma forma completamente
diferente de como e entendido pelo catolico de hoje, que ja esta formatado pelos
padroes
Ao mesmo tempo, a Renascenca trouxe toda uma teatralidade. O Uvro dos Mdrtires,
de
Foxe, mostra como os debates que o inquisidor tinha com os suspeitos de heresia,
apesar
da elevagao e polidez, ja tinham por detras o espectro do castigo. Entao, todo o debate
era
comccou a apelar aos meios repressivos quando perdeu a hegemonia culmral, e dal
veio a
nao vista como confianga Intima numa pessoa mas como participacao no corpo dos
82
sinceridade. O sistema onde vivemos, com uma midia mundial que mente
descaradamente
o tempo todo e exige que todos nos entremos na farsa, foi criado por intelectuais,
inquisidores e protestantes. Toda esta cultura dos ultimos 4 ou 5 seculos e para set
jogada
fora e resgatar o que for possivel da cultura anterior. O que as pessoas fazem, quando
ja
nao aguentam mais a falsidade do mundo moderno, e propor uma revolucao futura, o
que
se trata de uma falsidade ainda muito maior. Temos que resgatar o sentido simbolico
da
propria realidade e entender que nao existem dois mundos mas uma sucessao de
pianos
de realidade que podem ser todos articulados.
eram a medida nao so do sucesso ou do fracasso mas serviam tambem para fazer o
julgamento dos outros. Esta ideia dissolveu-se com o advento do cristianismo porque,
a
chegar. Por outro lado, tambem ja nao e uma simples imitacao externa, mimetica, e
uma
imitacao interna, em que o juiz e o proprio imitado, o que provoca um confronto Intimo
e
nao um julgamento publico. Como este modelo e infinito, Santo Agostinho percebeu
que
nele tambem estava contido o conhecimento da sua propria alma, que se desvendava
quando ele se revelava ao observador omnisciente (ver 1.1 Confissao). Existia agora
um
processo dialectico bem mais complexo do que a antiga imitacao dos modelos
exteriores.
que era muito dependente da afcricao da sua conduta publica. Foi essa aristocracia
que se
tornou criadora e fornecedora de novos modelos de conduta, com toda uma etiqueta
modernidade a arte narrativa e a do teatro, esta ultima saindo dos palcos para
incorporar-
papeis.
Todos sabem que estao mentindo e, por isso mesmo, maior devogao colocam na
mentira.
Ja no sec. XVI, Thomas More dizia que a farsa politica era tanto mais eficiente quanto
mais mentirosa. A objectividade do mundo era agora obtida pelas medidas - e o mundo
observador supra-cosmico que escapa ao fluxo das aparencias. Por outro lado, faz
parte
Mas estes grupos nada podem fazer por nos na hora da morte. A unica coisa que nos
resta fazer e considerar todos os processos de adaptacao social como meros simbolos
de
83
Deus, que e quem nos somos perante a eternidade. E a forma que adquirimos no
momento da morte que consiste naquilo que realmente somos, mas essa forma
mas que podem pesar em nos de tal forma que podemos perder a voz com que nos
e quem realmente somos: uma pura consciencia sem forma identificavel, alguem que
e
alguma coisa mas que se apresenta nu, sem papeis sociais, e que tern uma figura que
desconhecemos e que so Deus conhece. Nos apresentamo-nos como um enigma
perante
Deus e e Ele que nos define. Muitas vezes, sao as grandes desilusoes que nos deixam
num
vazio que nos torna aptos para nos colocarmos diante de Deus e sermos por Ele
refeitos
Mllenarismo
O mllenarismo foi proibido por Cristo: “Respondcu-lhes ele: nao vos pertence a vos
saber
os tempos nem os momentos que o Pai fixou em seu poder.” (At 1, 6-7) Estas
um chega ao Julzo Final nao com a sua filosofia da Historia mas com os seus actos,
com a
sua verdadeira historia pessoal, e e isto que sera julgado. De nada vai adiantar a
podemos abarcar o curso inteiro dos tempos dentro da perspectiva temporal, apenas
a
partir da eternidade o podemos fazer. Mas o que o milenarismo faz e inverter o tempo,
o
que e tambem uma inversao da ordem da realidade, porque supoe que uma criatura
o universo nao pode ser concebido como um objecto, apenas como participagao, por
isso
Santo Agostinho diz que e no interior do homem que existe a verdade, porque Deus
so
pode ser conhecido como forga agente que nos cria e ilumina naquele momento. Na
realidade, nao podemos conhecer ninguem como objecto mas apenas como um
conjunto
morta. Isto nao e uma posigao ceptica mas apenas a afirmagao de que apenas
podemos
conhecer as coisas de acordo com a sua real modalidade de existencia. Apenas algo
que
uma deficiencia da realidade mas que sera vencida. Mas a limitacao do conhecimento
e
84
humanidade nao conhece nada, apenas os indivlduos conhecem, e estes nao podem
ter o
conhecimento total, nao sendo isto uma falha da humanidade mas um elemento
constitutivo da propria ordem da realidade. Portanto, esta limitacao nao e para ser
vencida
mas para ser assumida. Entao, o que temos de fazer e de cavar onde nos estamos e
um pouco, que e precioso. Estas abermras nao sao necessariamente religiosas mas
destino, porque nos instalam mais firmemente na realidade, nao por vencermos o
desconhecimento mas por encontrarmos um modus vivendi com o misterio, tendo uma
unica atitude realista a nossa entrega a uma inteligencia infinita que nos revela as
coisas na
medida daquilo que podemos receber. Isto e o oposto da fuga gnostica da realidade,
que e
coisas serao vistas de um ponto de vista divino. Quando Cristo diz para pegarmos a
nossa
cruz e segui-lo, a ideia nao e arcar apenas com os proprios pecados mas tambem
O milenarismo foi enterrado por Santo Agostinho por volta do ano 400 e so voltou mil
que o tal milenio de governo da Igreja no mundo, ja tinha comccado, o que esta de
acordo
com aquilo que a Igreja conseguiu construir nos mil anos seguintes depois de
Agostinho,
o que nao quer dizer que interpretar o slmbolo “mil” como a duracao total do universo
nao seja valido. O erro fundamental milenarista, que se impregnou em quase toda a
gente,
ser humano tern uma duracao de vida expectavel e certamente nao passara de um
determinado numero de anos, por isso, e possivel fazer um piano de futuro e avaliar
a
qualidade da vida de uma pessoa como um todo. Mas a Historia humana nao so nao
tern
nao existe como coisa a nao ser na imaginacao dos historiadores, e nesse sentido
Eric
Voegelin diz que a Historia e a Historia da ordem, no sentido em que, na medida em
que
a sucessao de es forces torna-se na unica ordem de que existe na Historia, para alem
da
85
religiao. Depois que apareceu a Reforma Protestante, a situacao virou uma anarquia,
estavam todos contra todos, e cada um se acreditou no direito de matar o proximo em
nome de Jesus. A sociedade, naquela epoca, ja nao era muito organizada, existia o
religiao a coisa piorou. Entao, alguns individuos decidiram que tinham de criar uma
autoridade que estivesse acima das dissensoes religiosas, e assim surgiu o Estado
Moderno. Com o Estado Moderno, a situacao passou a ser a seguinte: temos de seguir
a
religiao do rei (caso contrario temos de ir embora), ou entao, se o rei governar sobre
varias comunidades religiosas diferentes, ele esta acima de todas elas. Isso quer dizer
que a
estrutura das leis que compoem o Estado fica colocada acima do criterio da moral
religiosa, que se torna numa mera questao pessoal. Embora isto tenha tido a virtude
de
muito piores.
Para existir uma verdadeira religiao, nao e indispensavel que cada pessoa seja dotada
de
alta cultura, mas e necessario que exista uma alta cultura presente e que espalhe os
seus
efeitos por toda a sociedade. No mundo actual, onde reina a ignorancia presuncosa e
ate
uma estupidez colectiva de Indole satanica, praticamente tornou-se obrigatorio que
cada
um adquira pessoalmente a alta cultura para poder ter uma pratica religiosa genuina.
passar directamente aos fins ultimos, sob pena de toda a pratica religiosa nao passar
de
recorrer em caso de duvida. E obvio que, sobre qualquer coisa que falemos, devemos
Religiao burguesa
intelectuais. No entanto, Hugo de Sao Vitor diz, no Didascalicon, que e o estudo que
nos
leva a Cristo, e Clemente de Alexandria dizia que a filosofia e o pedagogo que nos
leva ate
Deus. E o conhecimento que cria varios prismas pelos quais olhamos a nossa alma e
assim podemos ter nogao, ainda que vaga, da forma total que estamos adquirindo, e
e isto
que mostramos a Deus na confissao (ver aula 34). Nesse momento, Deus, que sabe
a
nossa forma total, da-nos a conhecer um pouco mais de nos, na medida das nossas
possibilidades. A religiao burguesa leva as pessoas a confessar os pecados mais
banais, aos
quais os outros burgueses tambem estao atentos, mas nunca se foca na confissao
daquilo
e o que opoe o Bern ao interesse -, levando em conta tudo aquilo que aprendemos
aqui.
86
nossos papeis sociais fosse a nossa verdadeira substantia, pelo contrario, e o papel
social
que tem que estar ao servigo das nossas finaUdades mais globais. O estudo da
filosofia e o
desenvolvimento da vida intelectual tem de estar no topo das nossas vidas e presidir
todas
as nossas decisoes profissionais, familiares, de lazer, etc. So assim tudo vira do nosso
nossos actos, porque reflectimos uma personalidade inteira. Caso contrario, a vida
intelectual servira apenas para encobrir a escuridao da nossa vida. Podemos ser fieis
a
Igreja em espfrito, mas a Igreja nao foi feita para ser uma comunidade ou uma
instituigao
que nos console, bastando lembrar que os primeiros 18 papas foram executados.
Querer
Os varios papeis sociais nao sao pessoas diferentes, nao correspondem a distingoes
reais
mas formais, e nao e a partir destas distincoes que podemos resolver as grandes
questoes
existe esse limite, ha apenas diferentes pontos de vista por onde se olha. O mundo
burgues considera a distingao entre publico e privado como substantiva, e a partir dal
ate
Mas desde entao, outros elementos entraram em cena, com um peso enorme.
Vivemos
hoje num meio social muito mais pressionante, apesar (ou tambem por causa) de
todos os
que existia na Antiguidade e na Idade Media. Nessa altura, o local de trabalho estava
perto
para os monges (para o seu proprio bem) e para todos os outros tudo era altamente
flexlvel, enquanto um atraso hoje pode destruir uma vida. Nem nos lembramos de que
esta nao e uma pressao natural no ser humano e que surgiu num determinado
momento.
Tambem nao havia uma separagao rigida entre momentos de trabalho e de lazer. Os
novos elementos vieram trazer uma grande pressao, mas se desaparecem - quando
ficamos desempregados, por exemplo - tambem acabam por nos colocar num grande
habilitada a lidar com as novas situates, que sao factores de alienagao que
fragmentam a
nossa consciencia e nos separam dos nossos objectivos e valores. Combate-los exige
como fala Louis Lavelle e, entao, uma preocupacao tipica da modernidade. Tambem
nao e
por acaso que surgiu nos seculos XVIII e XIX o genero romance , onde sempre ha
algum
milhoes de pessoas ambigoes que estao muito acima das suas capacidades, o que
se torna
outro factor depressivo. Surgem depois todo o tipo de alivios artificials para mitigar as
de sermos pouco atraidos pela cobiga ou pela luxuria. Entao, nao e apenas a cobiga
ea
luxuria que nos afastam de nos mesmos, e tambem o proprio medo que temos da
cobica e
da luxuria. Tambem nao podemos esquecer que os habitos sociais que vigoravam
quando
surgiu o cristianismo eram muito degradantes comparados com os que temos hoje em
dia,
e nao era incomum a pedofilia, matar urn filho indesejado ou repudiar uma mulher.
Passados dois mil anos, muita da moral crista incorporou-se nas leis do Estado,
tornando-
se numa grande fonte de opressao. A moral aparece, assim, frequentemente com urn
sob valores cristaos, que se misturam com as ideologias burguesa, positivista, etc., e
que
acaba por sufocar a alma crista. A solucao para sair desta camisa-de-forcas e a
a mediar todas as relacoes amorosas, que deixaram de ser pessoais: todo o aparato
da
justiga esta ali observando a nossa intimidade para nos punir quando cometemos
alguma
infraccao. A familia, neste contexto, pode se tornar numa das maiores fontes de
alienagao,
Para nao incorrermos na mesma maleita , podemos ser obrigados a ficar sozinhos
durante
algum tempo, ate encontrarmos pessoas como nos. Mas estas pressoes sociais
tambem
foram internalizadas e funcionam como um advogado de acusacao no nosso interior.
Esquecemos que Cristo disse que o sabado foi feito para o homem e nao o contrario.
Por
extensao, a sociedade foi feita para servir o homem e nao o contrario. Nao temos
deveres
para com a sociedade que estejam acima dos deveres que temos para com a nossa
consciencia e para com Deus. Em primeiro lugar, temos que defender a nossa posicao
contra o nosso proprio instinto alienante. O que nos torna aptos para o estudo da
filosofia nao e a capacidade de estudo mas uma capacidade de ordem moral. Vai ser
a
nossa forga moral a graduar o esforco que vamos colocar na busca do conhecimento,
caso
Nao podemos esquecer que o cristianismo e hoje praticado num contexto social e
econo mico que nao lhe e proprio e que ja filtra a intcrprctacao que fazemos dele. Ja
interiorizamos um certo fundo historico que nos pode levar longe do espirito da
religiao.
Por exemplo, quando alguem que conhecemos peca gravemente, o que devemos
fazer? Se
achamos que devemos partir para a censura social, entao, estamos a ver a religiao
pelas
lentes do nosso contexto social e historico. O que devemos fazer, em primeiro lugar,
segundo o espirito original, e perdoar, deixar que a pessoa seja como ela e e perceber
que
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88
a integridade dela esta intacta. Depois, temos tambem o d ever de adverti-la para os
riscos
espirituais que ela corre, sem fazer dessa advertencia uma amcaca social. Cristo
referia-se
a isto quando disse para perdoar o nosso irmao nao 7 mas 70 x 7 vezes. Em geral,
estamos apenas preocupados com a incomodidade social e estetica que alguem pode
provocar, nunca para as consequencias espirituais que podem advir para a pessoa.
Acabamos, desta forma, por nos sentirmos superiores aquela pessoa e isso encerra-
nos, a
nos e a ela, dentro do campo das tensoes da psique terrestre. A substantia do amor
ao
proximo e o perdao, nao e gostar da pessoa, e estar junto dela, ser seu advogado
perante o
Juizo Final; e querer que essa pessoa subsista na gloria eterna e assumir uma certa
condutas nos provocam pode indiciar que nao estamos a compreender o que se passa
ali.
Pode querer dizer que estamos apenas a ver as coisas desde o ponto de vista da
so ira efectivar-se para nos quando nos abrirmos para a alma imortal.
A Igreja, nas ultimas decadas, nao seria nada sem o apostolado leigo, sobretudo de
escritores como Georges Bernanos. O amor a Deus e a maior forca que podemos ter
para
nao sermos corrompidos. A realidade nao e criacao cultural: nos estamos dentro da
realidade e nao o inverso. A nossa memoria nao funciona sem suportes externos. O
nosso
conhecimento tern que ser dirigido pela admissao de que estamos dentro da
realidade, que
nos cerca, e ali somos apenas um atomo (ver 5.3 Densidade do Real). Sao Boaventura
dizia que primeiro conhecemos Deus no mundo exterior, depois na propria alma e
finalmente em nos mesrnos, por meio de interferences que Ele faz na nossa vida, que
nao
poderiam ter sido feitas nem por nos nem pelo acaso. Para conhecer Deus dentro de
nos,
pensemos na difcrenca entre estar vivendo dentro de uma realidade que tern
dimensoes
mudas, sem significado real para alem da mera criacao cultural humana. Esta
admissao da
prcscnca real de Deus faz uma cliferenca abissal na conduta das pessoas. Tanto o
religioso
como o ateu costuma imaginar Deus como um “serzao” acima do mundo, observando
tudo. Ser religioso pode ajudar mas tambem pode prejudicar, porque se perdeu muito
do
se perder de vista a accao directa de Deus sobre cada individuo, pois o metodo do
aconteceu.
Benedetto Croce nota que a Idade Moderna e assinalada por uma reafirmagao da vida
escolasticismo, sem conseguir dar contributes para o pensamento ou para a arte, nem
89
presencas dos milagres, de Deus ou do demonio, eram uma coisa de todos os dias.
De
para o mundo material imediato, e o mundo espiritual acaba tambem por se retirar. A
expectativa que as pessoas tern de que vivemos num mundo material, onde o
espiritual e
apenas uma construgao cultural feita em cima, acaba se confirmando pelo desenrolar
dos
nestas coisas que temos que nos instalar para transcender um pouco a camisa-de-
forcas da
as outras, vai perder o seu poder de influencia no mundo. Ha quern pense que
sobrecarregar-se de obrigacoes morais e levar uma vida crista, mas no tempo das
mas a verdadeira vivencia religiosa implica estar num meio social onde e fisicamente
filmes, etc. E mais importante ver o filme sobre o padre Pio, ler sobre a vida dele, do
que
encher a cabega de doutrina. Fazer a lista de pecados para mostrar a Deus, como se
este
comegou a declinar a sua influencia. Deus e um juiz diferente, julga a nossa pessoa
por
inteiro, nao julga actos tipificados de forma impessoal. Nao havia moral crista de inicio,
havia a presenca de Cristo, por isso temos de voltar as coisas primeiras, recuperar
um
pouco dessa presenca, indo para junto do milagre, acompanhar o padre Pio.
Olavo nunca disse para fazermos isso - estar na Igreja ja era obrigagao nossa e o que
se
faz no Curso Online de Filosofia vai muito alem disso. Sobretudo, nunca disse para
nos
envolvermos em algum grupo religioso. Aquela comunidade a que nos podemos dirigir
pode estar muito corrompida, por isso, vamos a igreja apenas para assistir a missa,
As pessoas que estao na igreja podem nos corromper; nao devemos nem falar nem
brigar
com elas. Isto serve para percebermos a responsabilidade que temos de criar uma
coisa
melhor, com base na busca de uma consciencia mais ampla e integrada que nos for
nos adaptar, como aconteceu com Gustavo Corgao, Otto Maria Carpeaux ou Bruno
Tolentino, e Mario Ferreira dos Santos nao foi destruido mas logo apos a sua morte
caiu
no esquecimento. Nunca devemos deixar que vagabundos fagam com que tenhamos
vergonha, com suas perguntas e insinuacoes. So diante de Deus podemos ficar sem
jeito,
so perante Ele nos humilhamos totalmente, nem sendo esta uma vergonha no sentido
habitual do termo, que e tentar esconder algo, pois nada podemos esconder de Deus.
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90
Nunca devemos ter medo do ridfculo - todos somos ridiculos mesmo o importante e
sabermos quem somos e conhecer os nossos pecados muito melhor do que os outros.
Fazemos isso pela confissao e, quando nos acusarem de um pecado que nao fizemos,
podemos responder que fizemos aquilo e muito pior. Esta libertacao so e possivel
quando
Nao temos que agradar as pessoas, devemos tentar apenas agradar ao proprio Jesus
Cristo, que disse para pegarmos na nossa cruz e segui-lo, mas nao disse para sermos
crucificados. Ele tambem nao chamou todos, mas sempre podemos fazer algo bem
feito
A teologia pressupoe uma inteligencia especlfica que consiga deambular pelas varias
intcrpretacoes das Escrituras. Para a maior parte de nos, as Escrituras servem pela
sua
infindavel riqueza simbolica, que nos ajuda a entender muitas coisas. E ha partes que
tern
um alcance que nao seria possivel de atingir com um mero texto humano, como
acontece
com o Pai-Nosso, que nos rezamos e aquilo tern um efeito. Devemos ler pouco e
deixar
dizem, vamos entender muitas coisas a partir delas. Nao podemos ver as Escrituras
como
um mero objecto da nossa inteligencia - sao, pelo contrario, a sua origem -, antes sao
elas
que realmente nos abrangem e compreendem e, por isso, nunca poderao ser
totalmente
A palavra de Deus nao e para ser analisada como um objecto, e para ler, guardar e
deixar
que o efeito se faga em nos. Para quem tern vocacao para a teologia, tern a sorte de
no
Brasil ter o Antonio Donato, de uma honestidade e bondade sem igual, um excelente
que pertencemos a uma elite, quando apenas ascendemos a este nivel depois de
construirmos uma autoridade baseada em obras feitas; nao existe uma elite que se
infunda
por imprcgnacao, que apenas pode dar um reconforto ilusorio. Pertencer a Igreja
Catolica
e cumprir os sacramentos, nao e preciso mais do que isso, nao e preciso pertencer a
algum
tipo de extase colectivo. Sao estas coisas que nos afastam da familia, da verdade e
que,
A infalibilidade papal diz apenas respeito a materia doutrinal, e o Papa nao vai agir
neste
ambito para alterar doutrinas mas para mante-las ou para acrescentar algo que seja
coerente com o resto. De resto, o Papa pode errar em tudo no que diz respeito a
decisoes
politicas, pastorais, educacionais, por isso, nao podemos achar que o Papa nos
garante,
pelo contrario, nos e que temos de apoia-lo, zelar pela sua seguranca, rezar para que
ele
dos outros, sabendo que as pessoas de mais baixo nivel de consciencia nao irao nos
e participar indirectamente nos padecimentos de Cristo, que viveu o mais elevado grau
de
solidao na cruz. A cruz e o comedo da nossa civilizagao, o nosso ponto de referenda
e
aquilo que condiciona todo o nosso imaginario, apenas pela nossa participagao
historica
91
pessoas que procuram o conhecimento e a propria solidao de Cristo na crux, mas num
grau muito menor, sem todo o peso que Cristo carregou, nem sequer nos
aproximamos
do peso que carregaram os martires. Nao ha razao para choradeira ou para cobardia,
e
uma honra poder fazer este trabalho intelectual e o preco a pagar e bem modesto.
O Evangelho nao e para ser lido como expressao de uma doutrina mas como
testemunho
historico. Nao tern sentido achar que este “Jesus historico” e apenas a parte humana,
porque nao ha separagao entre a parte divina e a parte humana. A Igreja Catolica e o
elo
entre Cristo e o Evangelho, o que nao quer dizer que, hoje em dia, existam suficientes
Nao podemos falar hoje em nome da autoridade da doutrina catolica, que foi uma
coisa
elaborada por pessoas com uma vivencia muito diferente da nossa e que tinham uma
consciencia clara da alma imortal. A linguagem deles era tambem muito mais
compacta
porque havia muita coisa impllcita que era evidente para eles. Precisamos de
enriquecer
leituras.
Odiar o bem faz parte da natureza humana. Ninguem foi e e mais odiado do que Jesus
Cristo. Nao e algo que nos deve atemorizar, porque esse e um odio contra a estrutura
da
realidade e, por isso, condenado ao fracasso. Temos que largar as pessoas devotadas
a este
A religiao vira supers ticao quando achamos que so existe o mundo material e a
cultura,
apenas um fetichismo elegante. Para restaurar o sentido pleno do que foi perdido nos
ultimos 500 anos sao necessarias muitas pessoas durante varias geragoes, mas cada
um faz
o que pode. Nao tern sentido apontar os outros por fazerem o bem numas coisas e
nao
Confissao religiosa
A confissao serve para Deus nos limpar. Nao podemos entrar ali com esplrito de
revolta e
pecado e carrega-lo o tempo todo, por isso temos de ter paciencia com nos mesmos.
Tal
como fazemos em relagao a higiene pessoal, onde nos sujamos mas depois limpamo-
nos,
em termos morais nos contaminamo-nos do mal do mundo, que flea dentro de nos,
mas
depois confessamos para Deus e ficamos limpos. Sem esta paciencia, facilmente
cairemos
nas tendencias revolucionarias, mesmo que pensemos ser contra elas, e vamos
adoptar a
sumaria nao so para nao tentar o padre mas tambem para nao estimular o nosso
discurso
interior de acusacao e defesa. O arrependimento tern que ser uma coisa equilibrada,
nao
um desespero.
A melhor forma de nos conhecermos a nos mesmos e aos outros e deixar vir ate nos,
em
de percebermos muitos erros e vicios em nos, iremos tambem perceber que eles se
92
encontram nas outras pessoas e que nao somos melhores do que elas, mas agora ja
conhecemos a raiz da nossa maldade, do erro, da mentira, etc. Existem pessoas muito
melhores do que nos que simplesmente praticaram esta confissao durante muito
tempo,
mesquinhez e banalidade. A confissao ritual tern sempre que ser articulada com o
exame
de consciencia (ver 1.1 Confissao). A confissao nao serve para Deus nos aprovar
porque
Ele ja nos desaprovou, mas serve para Ele nos perdoar e refazer.
integral e nao como o autor de determinados actos particulares. E necessario ter uma
nogao do que seja a nossa verdadeira presenga desde o centro, para ter a ideia mais
nltida
de quern somos e conseguindo julgar tudo no devido contexto, para podermos nos
apresentar diante de Deus e pedir que ele nos mostre mais. No momento de nos
apresentarmos a Deus, tanto os nossos meritos como os nossos pecados ja nao tern
mais
peso: os nossos meritos sao uma imagem remotissima das qualidades de Deus, e os
de termos uma ideia do peso humano das coisas, vamos “zerar” tudo perante Deus e
Ele
nos refaz. Isto e assim tanto para a confissao ritual quanto para conjunto dos nossos
Praticamos hoje a confissao num meio que tern uma heranga que misturada o
cristianismo
confissao foram incorporados na legislagao civil, e ate criminal, ja nao sendo mais
materia
de consciencia individual. Hoje, a nossa consciencia ja nao se apresenta diante de
Deus
morais anteriormente, Cristo veio para perdoar quern nao cumpria as regras. Nao
do Necrologio (2.1) serve para tambem para termos uma nogao do que e uma imagem
pessoal que pode ser narrada para Deus. Temos de saber qual e o peso humano das
coisas
e depois vamos “zerar” tudo isso para que Deus nos refaga. Tambem devemos
adquirir
uma forma total para o conjunto dos nossos conhecimentos, ter nogao do seu nlvel de
filosofia inteira.
pode ser percebida quando aceitamos o limite do nosso conhecimento como um dado
da
realidade. Temos que aceitar que existimos no meio do misterio e ainda assim
reconhecer
misterio e que vem ate nos, nos ajudam e esclarecem. Se nao aceitarmos as nossas
colocar-nos no lugar de Deus. O que temos de fazer e, pelo contrario, fazer uma
aceitagao
93
http:/ /
www.practicegodspresence.com/brotherlawrence/practicegodspresence09.html
Ele conversava 24 horas por dia com Deus, com toda a simplicidade, confessando
cada
porque sabia que o mais importante nao era o pecado mas o perdao de Deus. Temos
que
pedir perdao a Deus tambem pelos pecados que desconhecemos (dal se dizer que
pecamos por pensamentos, palavras, actos e omissoes), o que implica confessar nao
contar so os pecados ja e querer controlar o processo, e esse controlo tern que ser
dado a
Afe
No sentido actual, fe significa acreditar numa doutrina, mas nao podia ser esse o
sentido
formulada, cuja formulacao so ocorreu muito mais tarde quando a forca das narrativas
ia
decaindo e surgiam obj echoes as quais era preciso argumentar, como mostrou Alois
Dempf. Entao, o que existia era a fe na presenca real do Cristo agindo - uma conhanca
-,
sentido originario da fe, que e a confianga numa pessoa, que nao e algo que se passa
no
mesmo piano do que a razao. A razao aplica-se ao mundo das ideias e nao ao mundo
dos
se possa alegar, contra ou a favor dela, motivos de verosimilhanca que tern em si uma
estrutura racional, mas isto ja e uma discussao colocada em seguida. Tambem nao
podemos confundir o Credo Apostolico com uma doutrina, pois ele e tambem uma
narrativa; e para ser ouvido como um testemunho e nao como uma argumentagao. Se
vamos ler as narrativas blblicas achando que sao apenas um conjunto de mitos, entao
faremos como alguem que assiste a uma pega de teatro e comega logo a analisar
aquilo
sem se deixar impressionar. Pelo menos uma vez, devemos ler as narrativas blblicas
com
ingenuidade, sem teorizar, para captar o maximo do que as testemunhas mais directas
ali
presentes tiveram para dizer. Estamos a fugir do objecto se comecamos por elaborar
imaginacao para que aquelas coisas se tornem presentes para nos. Para cada
episodio do
Evangelho, ou para as Cartas de Sao Paulo, por exemplo, devemos fazer um filme
mental,
como fez Mel Gibson, e depois a historia tera um efeito em nos. As conclusoes virao
por
94
momentos para podermos prosseguir nesta busca. Ela e sobretudo necessaria nos
hoje em dia, muitos cristaos acham que a fe e um salto no escuro, como se a crenca
em
algo do qual nao tivemos qualquer evidencia fosse mais meritoria. Essas evidencias
foram
se erodindo em relacao ao tempo de Hugo de Sao Vitor, quando toda a gente tinha a
vivencia de um mundo cuja realidade tinha uma estrutura simbolica, mas hoje esse
e tudo o mais e tido como criacao cultural ou milagre. E preciso, de facto, muita fe
para
Divina e nao precisamos de fe alguma, mas na maior parte do tempo nao estamos
nesse
por isso, ele nao tern fundamento em si; existe mas como apenas simbolo da
verdadeira
dimensao. Tomar este mundo como real em si mesmo leva a considerar os objectos
do
de Leviandade, sao tudo irrealidades que nao nos darao substancia suficiente para
sermos
como simbolo de algo mais elevado e que esta aberto para o simbolizado. Todos
escolha onde podemos optar por buscar aquilo que tern repercussao eterna, aquilo
que
aceitamos como simbolismo da realidade eterna e claro que nem tudo serve para isso,
tivessemos todas as provas do mundo, ainda assim precisarlamos de fe, porque nao
somos
um conjunto de proposigoes, nao somos um discurso. Temos sempre a possibilidade
de
mentir para nos mesmos e para os outros, dal se colocar o problema da honestidade
intelectual. A honestidade intelectual e nao fingir que se sabe o que nao se sabe nem
fingir
que nao se sabe aquilo que se sabe. A toda a hora precisamos desta fidelidade em
rekpao
a coisas que sabemos perfeitamente bem. A fe em Deus nao e uma crenca sem
A Igreja Catolica sempre disse que a admissao da existencia de Deus nao e materia
de fe,
e algo que pode ser entendido no sentido em que Schelling falava do entendimento
do
acontecer quando Deus e o factor activo e nao nos, ou seja, quando Deus se mostra
para
nos. A religiao e precisamente uma abermra para que Deus haja em nos, e fora disto
ha
apenas um conhecimento formal, que pode vir de muitas formas, do simbolismo, das
aulas do Curso Online de Filosofia, mas e tudo indlcio indirecto. A unica maneira
directa
Acreditar ou nao em Deus e urn produto cerebral que nao traduz a nossa pcrccpcao
real
vaga. As coisas nao sao para ser encaradas desde o ponto de vista cerebral mas a
partir do
podermos saber tudo a Seu respeito, nao ha limites para o que possamos conhecer.
Da
Ler livros de teologia pode nos ajudar a responder a questoes sobre Deus, mas
tambem
temos de ter o cuidado em elaborar o status quaestionis. Mas se a nossa duvida nao
e
teologica e e uma duvida existencial sobre Deus - se e uma busca de Deus - a busca
deve
ser feita atraves da oracao, falar com Deus ate que Ele decida dar uma resposta, e
isto
funciona.
nossa vida de estudos nao tenhamos, por vezes, forma de evitar passar por estas
coisas)
realidade, quer acreditemos ou nao n’Ele. Pensar na unidade das religioes e noutras
coisas
do genero e limitar tudo a accao humana e nao deixar qualquer espaco para Deus
agir.
religiosa - ou ser criado numa cultura atelsta - impede a compreensao de quase toda
a
literatura ocidental, nao sendo apenas os slmbolos do passado religioso que ficam
nao serve para recuperar este conhecimento porque nos fara entrar em becos sem
salda, ja
resto vamos perceber por analogia a partir do universo simbolico que criamos a partir
da
nossa religiao.
Quando percebermos que a nossa inteligencia nao e bem nossa mas algo que nos
fim, uma antevisao da visao de Deus. Nao inteligimos Deus como um objecto pois Ele
e
o nosso criador, o nosso segredo interior que nos constitui. E uma forma de
para uma possibilidade superior que nos esta formando, criando e mantendo na
actos de criacao do amor divino, nao so no passado mas agora mesmo, e Ele que nos
96
Podemos sempre meditar no seguinte topico: porque e que eu existo? Como nao
temos
dado auto-evidente, como se fosse um direito adquirido. Mas esse e um direito que so
existe a partir do momento em que passamos a existir, pelo que cabe perguntar sobre
qual
somos o resultado de um acto arbitrario de amor divino. Deus ja nos amava antes de
existirmos, nos amava enquanto ideias, e nos estavamos na mente de Deus desde
sempre.
pecados, nao e algo tao facil como parece. Nao e uma coisa mecanica e pensar dessa
forma e ate pueril. O simples desejo do perdao ja pressupoe uma mudanca muito
profunda na alma humana, porque todo o bem que possamos fazer vem de Deus: e a
presenga de Deus atraves de nos. Ja o mal e de nossa iniciativa, por isso o pecado e
a
acgao humana por excelencia. O proprio desejo do perdao ja e uma Graga de Deus,
que
nao e dada a troco de nada. E quern se arrependeu verdadeiramente nao vai directo
para o
Paraiso, tern ainda o Purgatorio, porque se nao purgou os pecados em vida tera que
o
fazer apos a morte. Mais simples e a vida concebida pelo ateu, que pode fazer o que
quiser e depois vai para o “nada”, pois o seu sonho e viver num mundo sem
consequencias.
Os milagre s
O milagre e hoje visto como se fosse uma suspensao ou ruptura das leis na natureza,
o
que nao tern sentido. Esta aqui impllcito que se conhecem as leis da natureza e que
estas
conhecemos apenas parte das leis da natureza, que mais correctamente deviam ser
chamadas de habitos. “Milagre” deriva de micaculum , que significa algo para ser
olhado e
contemplado. Entao, antes de ten tar explicar o milagre, devemos olha-lo e tentar
percebe-
lo. O milagre e uma conjugacao de multiplos factores e nao se reduz a algo que possa
ser
estudado por ciencia alguma. Nenhuma filosofia ou doutrina tern o minimo valor perto
de
tern de vir em primeirissimo lugar. Mas hoje as pessoas pensam que se inventarem
uma
conseguem explicar o facto, acham que ja nao tern de contar com ele. Isto e uma
tentativa
de evitar Deus, e para isso serve o vedanta, o budismo, o que seja, porque a presenga
de
descoberta e a auto-realizacao. Quando relatamos algo desta forma, surge outra coisa
que
se incorpora na nossa memoria e altera o que sabemos de nos mesmos, e isso muda
a
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97
nossa maneira de ser e o nosso modo de prcscnca no mundo. Sem esta sinceridade,
nao
elemento de transmissao indizlvel, que so pode ser obtido pela alma individual e nao
pelo
No cristianismo, o principal esta nos factos e nos milagres, nao esta na teologia. Por
isso,
todas as religioes, Deus atrai os homens de algum jeito, mas no cristianismo foi Deus
que
veio de uma vez para sempre. Um unico milagre e mais importante que a Historia
inteira,
considerar revelados por Deus, no sentido de dizerem algo sobre a rclacao profunda
entre
a alma humana e o mundo exterior, mas apenas se pode considerar uma narrativa
do tempo em linhas coerentes com ela. A narrativa dos Evangelhos nao terminou, e
vai
continuamente acrescentando novos capltulos aquela rcvelacao e por isso ela nos
interessa, nao e por nos dar uma verdade final, ja que um texto verdadeiro nao pode
ter
uma verdade final. Nos nao somos puros objectos da criacao, somos tambem como
que
outras especies.
versao abreviada da propria narrativa divina. O que ali se conta sera continuado em
futuras accoes que tern coerencia com o texto revelado e que sao a propria
continuacao da
rcvelacao. Sabemos que a Blblia e, sobretudo, o Novo Testamento sao textos
revelados
por Deus devido a sequencia de milagres inteiramente coerentes com eles, o que nao
tern
paralelo com qualquer outro sistema de crencas. A coerencia total do milagre com o
texto
da rcvelacao faz com que ele tenha de ser considerado na sua totalidade e nao visto
por
um ou outro aspecto que seja analisavel por alguma ciencia em particular. Mas se nao
correcta. A hermeneutica do milagre de Fatima e uma coisa que nao termina mais,
processo historico, que se articulam com todos os outros aspectos que estiveram ali
presentes.
Algumas fontes para encontrar provas da existencia de milagres: comccar lendo sobre
a
vida do padre Pio; o padre Gruner tern uma pagina sobre o milagre de Fatima; ver os
James Rutz tern bastantes relates e clocumcntacao sobre milagres, incluindo muitos
casos
de ressurreicao.
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
98
Pecados e Virtudes
outras personagens exemplares tem virtudes especializadas, como Abraao, que tinha
a
virtudes que vamos personalizar. Nessas, faremos o nosso melhor e no resto fica do
jeito
que der. Se nos acusarem de nao termos esta ou aquela virtude, podemos sempre
perguntar: “E voce nao tem a virtude de nao encher o saco?” Se estamos no Curso
que cultivamos vao irradiar sobre os outros sectores da nossa personalidade. Quern
pensa
uma serie de indicacoes padronizadas. Antes, a virtude tem que ser compreendida no
proprio acto, e por isso temos de partir das virtudes que efectivamente ja temos e nao
de
recomcndacoes alheias. Muitas virtudes podem ser desenvolvidas por imitacao mas
apenas se ja tivermos ja em nos a sua raiz. Aquela tendency tem que existir em nos,
mesmo que tenuemente, porque a simples imitacao - ou seguir uma receita sem
perceber
a que coisa aquilo corresponde em nos - nao vai resultar. Por isso, tambem nao resulta
dar muitos conselhos de virtude a outras pessoas, que apenas ficarao esmagadas sob
uma
scnsacao de impotencia. O que devemos fazer e pegar nas virtudes uma por uma e
cultiva-las lentamente, sem nunca parar. Em termos teologicos, todas as virtudes sao
obrigatorias e todos os pecados sao condenaveis, mas nem todos podemos ser
santos,
pelo que devemos fazer uma escolha. Nao existe maior virtude do que o amor a Deus:
e
ela que nos da forca e face a ela todas as outras virtudes e defeitos empalidecem.
Meditar sobre virtudes nao e desenvolver ideias a respeito delas, e encontrar a raiz
das
virtudes em nos mesmos. Virtude e um impulso que toda a gente tem de fazer coisas
boas, seja pelo amor a Deus, pelo amor ao proximo ou pela piedade que certas coisas
nos
inspiram. Mas existe algo que se opoe a que coloquemos em pratica as virtudes, pelo
que
o nosso esforgo deve ser para a remogao desses obstaculos. As virtudes nao
necessitam de
ser compreendidas, muito menos teologicamente, temos apenas de saber onde elas
se
encontram em nos.
transparency para com nos mesmos, sabendo sempre que a consciencia e clclica,
com o estado de mentira confortavel. Se nao nos adestrarmos para aceitar a verdade
sobre
nos mesmos, tambem nao estaremos capacitados para descobrir nenhuma verdade
no
nao esta ao alcance do ser humano. Deus nao espera isso de nos; Ele quer apenas
ver a
nossa figura de conjunto, onde cada coisa tem um peso relativo e as vezes ate os
defeitos
de ficar infelizes com isso, porque atraves da mcditacao do erro podemos melhorar
no
e assim nos completar um pouco mais, nao pode ser confundida com o tentar a Deus,
que
ocorre quando queremos forcar Deus a dar-nos algo. Aos poucos, conheceremos o
curto
99
cspaco de liberdade que nos cabe e saberemos que so temos realmente autocontrolo
Quase toda a gente adulta ja tem mais afcicao do que precisa, da famllia, dos amigos,
dos
padrao que tinham na infancia. Para ultrapassar isso, devemos contar aquilo que ja
que gera ingratidao. Se nao nos deram obrigacoes e deveres morais para cumprir,
devemos busca-los nos. Isto fara termos respeito por nos mesmos.
Muitas vezes, o mais dificil em confessar o pecado e encontrar a medida certa, para
nao
exagerar e nao fazer drama para Deus, porque os nossos pecados sao
eminentemente
escalar, que da uma hierarquica. E um amor que e sempre mais do que qualquer outro
nosso amor, e um “mais” que nunca se cumpre mas da-nos um verdadeiro senso da
hierarquia. Pecados materials que cometemos hoje podem ser o resultado de pecados
espirituais que estamos cometendo desde ha decadas, como mentir para Deus. Por
isso,
Apesar das virtudes serem feitas da mesma materia que sao feitos os vicios, como
disse
Santo Agostinho, alguns vicios nao podem ser transmutados e temos de os cortar
totalmente. Em relagao aos vicios “transmutaveis”, temos que buscar a raiz boa deles
e
impedir que ela seja usada para finalidades mas. Nao podemos fazer isto para um
pecado
so pode ser feita com uma finalidade que transcenda o conjunto e se abra a accao de
Deus
sobre ele. Sozinhos, nao conseguimos parar de pecar, o diabo e sempre mais
inteligente
que nos e nos fara pecar sem que tenhamos nogao disso. Nao e uma questao
quantitativa
ter amor a Deus. Nao sabemos o que e Deus mas sabemos que Ele e melhor do que
aquilo que nos imaginamos, melhor que tudo o que pensemos a seu respeito. Ele esta
sempre acima e isso que esta acima nao e pensavel, mas se pensarmos bem a
respeito de
Deus, Ele vai nos abrir um pouco mais a consciencia, e isto e elevar os pensamentos
a
Deus, que fara com que certas formas que se agitam em nos e nos levam a fazer
coisas
ruins se transmutem por si sem que percebamos. Nao somos nos a fazer isso,
simplesmente nos abrimos para o amor a um bem infinite) que comega a pensar no
nosso
lugar e agir em nos. Por isso, amar a Deus e, no fundo, deixar que Deus nos ame, que
Ele
nos preencha com o seu amor. Contar pecados leva a loucura, ou acabamos no
orgulho
demoniaco ou, ainda, no desespero. Pensar no pecado nao nos faz bem, o que faz
bem e
pensar em Deus.
Existe aqui uma dialectica, onde entra um movimento ascensional, quando nos
abrimos
para Deus, e tem o movimento contrario, em que, com uma extrema humildade e
impotencia, pedimos que Deus nos refaga. Ambos os movimentos sao importantes,
tanto
100
conseguimos enxergar, tudo a volta parece ruim, e e ai que o outro lado da bondade
de
Deus aparece, quando Ele nos retira da nossa miseria. Passamos a gostar dos dois
momentos, porque tambem no fundo do poco sabemos que Deus esta em algum lugar
ee
Ele que nos vai tirar dali e nao nos. Numa hora vemos Deus e na outra Ele mostra-
nos a
nos mesmos; num momento compreendemos tudo, tudo esta claro, e no outro
momento
olhamos para nos mesmos e nao entendemos mais nada. Tudo isto amplia a nossa
alma e
da-nos a medida certa da realidade. Entao, nao vamos pensar no pecado mas
pensemos
apercebermos que, sozinhos, nada somos, para assim deixarmos que Deus nos
transforme
em outra coisa, e para is so so temos que pedir. E daqui que obtemos a prova
experimental
de Deus, na medida daquilo que podemos saber e obter naquele momento em que
Nao temos de ficar preocupados quando nao vemos Deus, a cegueira e so nossa,
Deus
nunca esta ausente, e aquilo que parece ser a sua ausencia e apenas a nossa
presenga.
Pensar nos nossos pecados, que sao algo tao desinteressante, estupido e vulgar, e
pensar
Os pecados capitals nao existem como formas substantivas mas sao expressoes de
algo
mais basico, que e o medo e a angustia. A cobiga nao existiria sem o medo, assim
como o
prazer nao se buscaria sem o medo da privagao, pelo que ele e sobretudo a busca de
urn
isso e natural que viva no medo e na angustia. Mas buscar prazer e seguranga nao
resolve
nlvel em que ele se encontra. Nao existe verdadeiramente alivio no piano terrestre. As
religioes tern mandamentos contra a cobica, contra a luxuria por isso mesmo, mas
quando
numa segunda fonte de medo e angustia. Ou seja, o apego a religiao como meio
terrestre
nao melhora a nossa situagao. As praticas religiosas sao muito boas se soubermos o
que
estamos fazendo com elas, senao o melhor e nao entrar naquilo, ja que corremos o
risco
de apenas experimentar a funcao que a religiao tern de manter a ordem social e nao
teremos contacto com a funcao de lembrar a nossa verdadeira identidade. Cristo disse
“vos sois deuses” (Joao 10, 34; que remete ao Salmo 82 (81), versiculo 6), ao passo
que o
diabo disse “vos sois como deuses” (Gn 3, 5). Atermo-nos aos pecados vai prender-
nos
perante a nossa alma imortal (ver 2.8 Consciencia de Imortalidade). So a alma imortal
fala
com Deus. So vamos confessar aquilo que nos tornou opacos para a nossa alma
imortal,
uma vez que tudo o resto sao coisas que nos envergonham face a sociedade e
confessa-las
sera apenas um ritual social, que e, precisamente, uma das fontes de angustia e de
medo.
Antes de percebermos que a nossa primeira divida e para com a nossa verdadeira
comunicarmos ao nlvel da alma imortal. A este nlvel, as coisas nao tern o mesmo
sentido
que tern no nlvel social. Em termos sociais, tern merito o indivlduo que nunca cometeu
adulterio devido ao medo de repudio social, mas para a alma imortal e preferlvel
aquele
101
que cometeu adulterio mas que tem nocao do que esta fazendo, porque esta no
caminho
de descobrir alguma coisa importante, ao passo que o primeiro apenas busca alivio
para o
medo e para a angustia. O importante nao e fugir do pecado mas amar a Deus sobre
todas as coisas, mas nao podemos fazer isso se nem sequer amamos a nossa alma
imortal.
“Inferno” significa “inferior”, ou seja, uma forma diminulda de existencia. Para Sao
Tomas de Aquino, todo o mal e uma ausencia, uma privacao. A verdadeira natureza
do ser
nao temos forma de rejeitar isto; por isso a Igreja diz que aqueles que vao para o
Inverno,
vao por escolha propria, como se mostra no livro de Monseigneur de Segur, L’Enfer.
Santo Agostinho disse que qualquer acto sexual feito por prazer e pecado. Se
acharmos
que isto quer dizer que o acto sexual deve ser feito apenas a contragosto, como se
fosse
Qualquer acto humano so tem legitimidade quando nao nos prende na irrealidade
presente, logo o acto sexual so tem validade quando simboliza o verdadeiro encontro
instrumento do nosso alivio material, o que nao e licito buscar mas e licito oferecer.
encontro ocasional. Tem que haver doagao completa, e o sexo no casamento, sem
pensar
isto vai muito alem de uma simples proibigao. Nao vamos nos livrar do pecado
amanha,
temos de conviver com ele e ter paciencia com nos mesmos mas tambem firmeza. Os
qualquer risco de engravidar. Mas nao temos nada a ver com os pecados dos outros,
temos os nossos, que ate podem ser piores. Na verdadeira relacao sexual, duas almas
E como o divino a descer para o animal. Nao se consegue isso com a masturbacao
ou
foram escritos, no imperio romano, o pecado da carne era barbaro mas hoje em dia
temos
onde entra o diabo mas no raciocinio). Temos que recuar para a consciencia profunda
e
O livro The Demon , de Hubert Selby Jr., mostra como a obsessao demonlaca e algo
quase
impossivel de se lidar nas sociedades modernas, em que o demonio finge nao existir
e as
vulnerabilidade: nao podemos confiar em nos mas apenas em Deus. Isto porque a
nossa
estrutura consiste em amar a Deus acima de todas as coisas. A nossa vida intelectual
tern
que ser modelada pela nossa vida espititual e nao o contrario, porque e a vida
espiritual
que nos instala na realidade e nao podemos viver apenas no mundo das nossas
ideias.
Temos que aceitar que a realidade nao e doutrina, ela consiste nos proprios factos.
Temos
que examinar constantemente a nossa alma para nao nos candidatarmos a uma
neurose.
Nada do que fazemos e neutro, tudo tern um significado e nao podemos nos livrar da
consciencia moral. E uma confissao permanente, que nao e apenas ir aos pecados
catalogados mas implica uma abertura total, em que temos de ter a certeza que Deus
nos
Referencias:
Aulas 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 16, 17, 19, 21, 28, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 39,
40,
41, 42, 44, 45, 46, 51, 54, 55, 56, 57, 59, 60, 64, 66, 68, 70, 73, 77, 79, 81, 87, 92, 96,
http: / / www.voegelinview.com/what-is-a-miracle.html
103
Em geral, nao nos relacionamos com outras pessoas a este nlvel mas a um nlvel trivial
que
nao nos permite sair da nossa condicao terrestre de medo e angustia. O verdadeiro
contacto humano so pode ocorrer entre pessoas que se veem como algo mais do que
mas tambem e a base para o proprio metodo filosofico, como Socrates nos mostrou.
Contudo, a cultura moderna parece nao deixar espaco para uma vida supra-mundana,
pelo
factos cientificos para quebrar a casca com que nos protegemos contra qualquer
vivencia
ser explicado pela enumeracao das partes porque lhes falta um factor unificante, que
nao e
uma faculdade, e exactamente aquilo que somos e que abrange todas as nossas
parcelas. A
nossa identidade profunda nao pode ser apreendida por pensamento, apenas pode
ser
que ter uma simples pcrccpcao isolada ou ate repetida, significa ter tambem a
intimamente a que a nossa consciencia nao se feche mais para aqueles factos ou que
a sua
influencia diminua e deixe de ser uma forca estruturante sobre a nossa vivencia de
“eu”,
Newton e outros, apresentou um novo modelo de ciencia que passou a modelar nao
quando se tenta reduzir a mente ao corpo. A propria linguagem foi moldada para nao
conceber uma terceira alternativa acima disto. Algumas formas poeticas surgiram para
tentar romper com isto e visando exprimir outras possibilidades, no entanto, e uma
poesia
que aparece como extravagante e distante a maior parte das pessoas. Tambem
existiram
movimentos que tentaram romper com esta carapaca, como o Movimento do Potencial
104
um Deus, em algum lugar inimaginavel e inalcangavel, constituido de puro esplrito e
que,
do inexplicavel. \ por isso nao e passivel de prova mas apenas de “fe”. Mas como e
possivel
ter fe nessas circunstancias se, ao ler uma frase do Evangelho, nao conseguimos reter
o
sentido daquelas palavras? Jesus disse que iriamos obter mdo aquilo que pedissemos
com
certeza de obter. Como ter fe nisto num contexto onde so existe corpo, mente e o
apos entendermos o seu contrario — , pelo que no contexto em que vivemos nao
temos
Os documentos de outras epocas deixam claro que a palavra “eu” nao era usada para
referir o corpo ou a mente, enquanto hoje, paradoxalmente, o “eu” refere a nossa vida
interior balizada pelo corpo, ou seja, e como se fosse uma coisa mental com uma
prcscnca
dos Evangelhos, e a nossa vivencia de hoje. Tudo o que esta colocado nos
Evangelhos
ele apenas tern responsabilidades criadas pela mente humana, que tomam a forma
dos
codigos de vida em sociedade. Mas ai ja nao nos referimos a substancia dos nossos
actos
mas apenas a uma sua qualquer tipificagao perante uma instancia que os julgue. E
um
para um ente composto de corpo e mente, mais exactamente, uma confusao entre
corpo e
mente, porque o “eu” e tido como algo que esta contido dentro do corpo. David Hume
mostrou que um ente assim nem poderia ter “eu”, apenas percepc^oes e palavras,
que a
nem fe. Este dualismo, que apareceu depois de Galileu e Descartes e foi subscrito
praticamente por toda a cultura moderna, torna impossivel o acesso a certas vivencias
que
eram comuns antigamente. Nao so o cristao mas tambem o crente de qualquer religiao
acreditava que tinha uma alma imortal, que nao se confundia nem com o seu corpo
nem
com a sua mente. Contudo, imagina-se hoje que apenas depois da morte temos
acesso a
esta terceira coisa, pelo que continuamos sem acesso a unidade do real, nem a
unidade da
nossa pessoa ou sequer as realidades que a religiao menciona. Mas se somos
imortais,
quase certamente o somos por essencia. A imortalidade adquirida por acidente nao e
O homem moderno identificou-se a tal ponto com o seu corpo que se sente
amedrontado
e ofendido quando lhe sugerem que ele pode ser algo mais do que isso, mesmo
quando tal
lhe e mostrado como evidencia. A dificuldade em imaginar uma terceira coisa alem de
que comecou por ser uma mera ideia filosofica, transformou-se, atraves do efeito
105
Einstein e Planck, continua a vigorar na alma das multidoes como verdade definitiva,
impondo a ideia de que apenas existe o mundo das coisas flsicas, da dura realidade
regida
por leis supostamente inflexlveis, e estas, por sua vez, suportam a autoridade
universal e
e onde cada um pode crer no que bem entenda, mas onde ninguem pode proclamar
uma
por leis proprias, apenas rompidas pontualmente pela interference divina, pelo
milagre.
Ao crente resta apenas um “Deus dos hiatos”, que se limita a agir por entre as brechas
do
conhecimento cientifico. O ateu ere que essas brechas serao fechadas um dia, pelo
que
aquilo que hoje e inexplicavel sera explicado amanha. A separagao kantiana entre
conhecimento e fe tornou-se em palavra dos Evangelhos para a maior parte das almas
religiosas, apesar de ser uma doutrina heretica e a Igreja sempre ter insistido no “crcdc
ut
Claro que a uma pcrccpcao mutilada vai corresponder uma religiao mutilada e vice-
versa.
flsica parece-nos mais proxima e real, isso significa que estamos a confundir a ordem
do
conhecer com a ordem do ser. Aristo teles ja ensinava que aquilo que e primeiro e
mais
evidente para nos nao e necessariamente aquilo que e primeiro e mais evidente em
si
mesmo.
Em outras epocas, quando alguem falava “eu”, referia-se a sua carreira inteira, neste
mundo e no outro, por isso, a dimensao imortal era um dado sempre presente. Mas
actualmente ate os religiosos possuem somente uma mente carnal, nao percebendo
que
assim nao ha nada na pessoa que possa ir para o ceu ou para o inferno, pois so a
alma
imortal pode ir para o alem, nunca a mente ou o corpo. Nem pode a alma carnal se
confessar perante Deus, nem pode ter pecado ou santidade: ela so existe na esfera
material e cultural, so pode cometer delitos ou qualquer coisa a este nivel. O “eu” era
antes visto como a personagem que tinha um destino eterno, benigno ou maligno, o
queria dizer que a significagao que lhe era dada correspondia a alma imortal. Se
apenas
existe corpo e mente, entao cada pessoa so tern duas dimensoes: a dimensao animal
ea
condigao que apenas atenta a adequagao social. Se apenas a alma carnal pode ler a
Biblia,
Se nao temos na cultura moderna uma linguagem para falar da alma imortal, esta
tambem
certa para abordar a alma imortal, nao tern instrumentos para chegar ate ela e exigem
que
a alma carnal pratique tudo aquilo do qual ela quer fugir. Sao os ateus, budistas,
pessoal da
nova era, apesar de terem a teoria errada, que tern instrumentos mais acertados.
Contudo,
quando eles percebem esse poder neles, quando percebem que sao formas
cosmologicas
fundamentals. Podemos pegar a tecnica para chegar a alma imortal onde ela existir,
seja no
foi perdida no curso da evolucao cultural. Se negarmos estas fontes estamos pecando
106
contra o Esplrito Santo, e nao temos nem devemos sair do quadro doutrinal catolico
para
experienciamos que somos eternos”, pelo que nao era uma teoria mas algo que as
pessoas
sentiam. Entre os seculos XVIII e XIX, este sentir e experiential' desapareceu e ficou
a
mera crenca, que e apenas um produto da mente, uma ideia a que atribuimos
veracidade
ou falsidade. O sentir e o experiential' de que fala Espinosa nada prova mas exprime
algo
que era quase universal e que ainda hoje podemos recuperar de algum modo. O
problematica como e insano achar que a ciencia emplrica moderna esta apta a julgar
toda
a heranga das civilizagoes anteriores. Nao existem metodos que possam testar no
presente
O nosso meio cultural cartesiano, onde esta instituido o dualismo corpo-mente, nao
define em absoluto o que podemos pensar e conceber. Contudo, ele comeca logo a
vai influindo nos valores reais que regem a nossa conduta. Os ultimos seculos
registaram
material, o mundo espiritual acaba tambem por se retirar. Mas nao podemos fugir ao
cristianismo visto como criagao cultural entrando numa autoflagelagao moral, isto so
pode resultar em neurose. Para recuperarmos um pouco desta vivencia crista temos
de
nos aproximar dos lugares e circunstancias onde o milagre se encontra presente (ver
2.7
imortalidade.
Tendo em conta o ambiente que a modernidade criou, que nos afasta do divino, pode
ser
imortalidade nao e passivel de prova directa, uma vez que nao e possivel espremer a
cultas tern dentro de si. A prova cientlfica de imortalidade nao daria por si a
consciencia
107
tenha operado esta passagem nao precisa de prova alguma face a evidencia indirecta
que
recebeu. As provas servirao apenas como meio pedagogico para estimular em outros
a
comeca por referir que nao somos o nosso corpo; as nossas celulas estao
constantemente
a morrer e a ser substituidas. Por outro lado, as pesquisas a respeito das relacoes
entre
ate sugerem que o cerebro nao funciona como um gerador de consciencia mas como
um
no cerebro como uma especie de amortecedor, o que coincide com o que diz o padre
Seraphim Rose: o corpo funciona como uma proteccao contra a pcrcepcao de todo o
A mente nao esta, entao, encerrada no cerebro, como mostram todas as pesquisas
que
tipo de situacao, em que nao se regista nenhum tipo de actividade cerebral, existem
inumeros relatos que provam que as pessoas estavam a ver - por vezes coisas que
se
ponto de luz e do “outro mundo”, que podem ter sido elaborados pela imaginacao no
tempo, coloca-se a questao de saber onde esta esse centro a que nos referimos
quando
dizemos “eu”. Os dados levantados nao resolvem nada, antes criam um problema.
Como
atencao se foca torna-se conhecimento, o que nao acontece durante a nossa condicao
dela uma visao fragmentaria. A nossa pcrcepcao flsica do universo depende de uma
conhanca que temos numa continuidade e numa unidade que nao nos sao
perceptlveis de
maneira alguma, mas que sem elas nem conseguiriamos ter a percepgao
fragmentaria. Este
ter ou nao, mas nunca nenhum ser humano teve a opgao de descrer da continuidade
e
unidade do real. Este e um senso que nao e conteudo consciente - pode estar sempre
inconsciente e algo que nos impoe o meio, algo que vem do conhecimento por
presenca, que nao precisa de subir a consciencia porque e antes a consciencia que
se
constroi em cima dele. E imposslvel a mente dar ordem ao conjunto dos fragmentos
que
nos chegam, como pensava Kant, porque seria necessario o cerebro ter a capacidade
de
108
corporal. Entao, cada um de nos e muito maior do que aquilo que pensa. O cerebro e
o
nossa subsistencia terrestre. Por vezes, temos uma abertura para algo que vai alem
disso.
verdadeira identidade, que se ajusta para a dimensao terrestre. Mas nos tambem
acreditamos estar onde esta o nosso corpo, e esta nao e uma identificagao que vem
de
que nos e dada pela entidade extra-corporea que realmente somos. Mesmo o
racioclnio
logico mais estreito depende de uma capacidade intuitiva imediata que da a unidade
por
intuitivo ou nao e apreendido de modo algum. O que a logica faz e estudar a unidade
do
discurso, e nos recorremos ao discurso logico porque a nossa conclicao corporal nao
nossas deficiencias, algo que ocorre nas experiencias de morte proxima. Ainda assim,
esta
consciencia nos estados de morte cllnica nao prova a imortalidade mas prova que a
mortalidade e uma ilusao. Mesmo que esta consciencia so estivesse ali presente
durante 5
minutos, significaria que a consciencia nao depende do corpo e e soberana sobre ele.
jamais esteve no corpo tambem nao pode sair fora dele. As referencias espaciais sao
comodas mas sera mais exacto falar na consciencia como transcendendo o corpo ou,
melhor, como sendo meta-corporal: esta alem do corpo e, por isso, o abrange. O meta-
corporal e “maior” do que o corpo, nao so abrangendo um territorio maior mas tambem
fora dos seus sentidos, por vezes a milhares de quilometros de distancia: trata-se da
visao
remota. Isto pode acontecer de forma espontanea ou deliberada, mas implica uma
capacidade incomum na nossa cultura e por isso se diz ser “paranormal”, no sentido
de
habilidade inata ou adquirida pela pratica, mas nao e nem sonho nem devaneio; o
sujeito
descreve as coisas como se as estivesse vendo com os olhos abertos, sem aquela
O segundo tipo de visao meta-corporal nao se adquire por treinamento mas ocorre
109
espontaneamente a algumas pessoas em estados de morte clinica, nao apenas com
a
quarto onde jaziam, como se estivessem acordados, e por vezes descrevem tambem
coisas
veem, cheiram, tocam. Dizia Goethe que se o olho pode captar luz e por participar da
natureza da luz. Mas a consciencia participa desta natureza ainda mais directamente,
de
remota, ja que so podemos ter nocao de estarmos a ver coisas distantes porque
sabemos
onde esta o nosso corpo; e no caso da visao meta-corporal em estado de morte clinica,
o
individuo reconhece o seu proprio corpo, ou seja, o corpo tornou-se num conteudo da
consciencia, por isso e o corpo que esta na consciencia e nao tern sentido em se falar
em
Para quern nao teve nenhuma destas duas experiencias, existe um procedimento
mais
Para o sujeito com surdez tonal, se o cantor desafina ou o pianista toca numa nota ao
lado, ele nao percebe a diferenpa. Viktor Zuckerkandl levantou o problema da surdez
tonal no livro Sound and Symbol, a proposito dos casos de pessoas que percebem
varios
sons mas nao reconhecem melodias. A musica tern uma especificidade em relapao
aos
demais fenomenos acusticos: para alem dos sons, a musica tern tambem significado,
que e
algo que esta para alem dos elementos sonoros que a compoem. A distancia entre
ouvir
sons e apreender uma melodia e a mesma que vai entre ouvir palavras e compreender
o
entre as pessoas com audipao normal e as que tern surdez tonal nao diferem
uma melodia e quern nao percebe melodias nao tern acesso a toda uma linguagem
de
teatro.
Consciencia de imortalidade
110
desde sempre supra-corporeo mas que nao e percebido habitualmente como tal.
Uma experiencia pessoal, a qual nao e reconhecida validade cientlfica mas que nos
da o
unidade do “eu” nao pode ser uma questao de mero pensamento abstracto, porque
todo
“eu” sem necessitarmos pensar nisso. E algo que, na verdade, nao pode ser pensado,
apenas lembrado que estava presente em tudo o que fizemos e em tudo o que nos
Ninguem pode ter uma visao completa de si mesmo, temos apenas visoes
fragmentarias e
do “eu”, pelo que este senso nao pode ser um elemento mental nem um elemento
nao sabermos o que seja essa identidade, sabemos que ela nao e corpo nem
pensamento,
mas e algo que lhes serve de base. Sem isto, seriamos como esquizofrenicos, que
podem
ter sensagoes e pensamentos normals mas nao os relacionam com a sua pessoa,
faltando-
identidade de fundo, onde reside o nosso verdadeiro “eu”. Para despertarmos este
senso
de maneira consciente temos que usar algo do pensamento. Uma das coisas que
podemos
fazer e lembrar que somos os mesmos desde que eramos criangas: vamos nos focar
na
nossa continuidade para alem das nuidancas da nossa figura fisica e vamos dizer “isto
sou
imagens muito tentadoras na nossa mente requerendo a nossa atengao. Nao vamos
tentar
parar este fluxo nem vamos segui-lo. Se perdermos o foco, retomaremos ao mesmo
ponto
as vezes que forem necessarias. O centra para onde o foco se dirige nao e um centro
fisico
mas hierarquico: pode ser imaginado como um ponto sem dimensao, por conter tudo
o
que nos e possivel pensar e experimentar na escala de espago e tempo; mas tambem
pode
ser imaginado como uma esfera que abrange de antemao todo o conjunto de
experiencias
possiveis, corporals e mentais, pelo que nao vamos perder nada com a reorientacao
da
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
111
E importante salientar que a procura da consciencia de alma imortal nao e uma luta
contra mente e corpo, e ate podemos partir deste material que a cultura nos deixou.
Todas
veremos que os seus estados tambem sao impermanentes e que ele esta em
constante
mudanca, com as celulas se trocando o tempo todo. Apesar disso, sabemos que
temos
uma permanencia e uma identidade, que nao pegamos nem do corpo nem da mente
mas,
pelo contrario, e uma coisa que nos permite ter a pcrccpcao de corpo e mente. E uma
fundo mais permanente em nos, que e como se fosse uma melodia ou um ritmo
permanente. De inlcio pode ser diffcil nos apercebermos disto, mas nao se trata de
perceber uma nova dimensao: e esta mesma dimensao em que estamos mas captada
em
maior profundidade. Nos somos esta continuidade miraculosa, que nos permite saber
ou
perceber o que quer que seja e que tudo unifica, por isso nao vamos chamar “eu” as
provavelmente nao tern um forma e toma todas as que sao possiveis, ou seja, nao
tern um
conteudo especlfico porque pode albergar qualquer um. Tudo o que percebemos do
corpo e da mente passou por esta identidade profunda e, assim, ja nao e mero
fragmento
e refere-se a uma unidade, e por isso podemos falar das nossas percepcoes e das
nossas
memorias.
Podemos nem nos dar conta deste piano mais permanente se ninguem nos chamou
atencao para ele. Quando a consciencia mais profunda surge, a actividade corporal e
mental diminui; ficamos como cadaveres, mas nao precisamos de entrar em estado
alfa
algum, ficamos exactamente onde estamos. Podemos fazer isso varias vezes por dia,
receios, sensacoes, tudo isso passa e nos deixamos eles irem e virem, e vamos
procurar
uma constancia. Nao e simplesmente procurar algo constante, o que sugere a busca
de um
objecto separado de nos, e procurar a nossa constancia: somos nos que estamos la.
Nao
temos - nem podemos - nos desligar do nosso corpo e da nossa mente, porque eles
estao
contidos em nos e nao podemos nos separar deles. Deixamos os seus sinais
continuarem
Ao tentar tomar consciencia da alma imortal, podemos confundi-la com algum estado
mental, por exemplo, com o medo. Se nos apegarmos a esse estado mental nao
podemos
seguir adiante, antes temos de deixa-lo passar. Nao se trata propriamente de sentir
ou
perceber algo mas de apreender a nossa propria prescnca, que nao tern conteudo,
nem e
uma ideia ou uma imagem. Contudo, temos alguns sinais que acompanham esse
sentiremos um jubilo e uma alegria indefinlvel, ou entao ainda nao acertamos. Neste
contcmplacao porque nao nos contemplamos a nos mesmos. Mas esta experiencia
vem
acompanhada de uma certeza muito grande, e algo que temos imediatamente
presente,
um poder que se revela, porque a alma imortal e um poder formativo sobre a realidade;
112
ela e mais real do que o mundo exterior, mais real do que a nossa mente.
Sempre soubemos que esta identidade permanente existe, porque quando amamos
uma
pessoa, nao amamos nem o seu corpo nem a sua mente, amamos a pessoa inteira -
e por
isso nos tambem somos pessoas inteiras -, a sua alma imortal, so que nao tlnhamos
um
nome para lhe dar porque a cultura contemporanea o sonegou. O amor e o desejo de
Amamos na pessoa o que e eterno nela, que e aquilo que nela e verdadeiro. Se
dissermos
que, na pessoa amada, e a mistura de corpo e mente que amamos, resta entao saber
onde
imortal, nao na mente, como achava Kant. No acto sexual torna-se mais vislvel que a
outra pessoa e mais do que mero corpo e mente. Ali temos uma imensa prcscnca do
sexo e a tentativa de imitar no piano do corpo o alcance ilimitado que temos na esfera
imortal, pelo que ha sempre uma especie de fracasso quando no final, apos uma
especie
O nosso “eu substantivo” pode ser conhecido mas nao pensado, mas isso nao o
coloca
reconhecemos nela um “eu” que esta presente na sua totalidade, algo que nao
podemos
apreender nem por pensamento, nem por scnsacao, nem por coisa nenhuma. Mas se
nao
Portanto, todo o ser humano pode ser conhecido mas nao pode ser pensado: pode-
se
pensar apenas a respeito da pessoa, porque pensa-la na tua totalidade seria torna-la
num
dado da nossa consciencia. Entao, a validade do que pensamos ou sabemos de
outras
Sabemos ainda que o “eu substantivo” de outras pessoas nao depende da sua
presenca ou
ausencia momentanea e por isso podemos ate saber coisas sobre pessoas que
viveram em
outras epocas. O verdadeiro ser da pessoa nao pode ser pensado por nos, com todo
o seu
processo biologico sem fim. Nao podemos pensar tudo o que diga respeito a ela mas
sabemos que tudo aquilo existe, pelo que o proprio processo de continuidade
existencial
do ponto de vista fisico e fundamental para sabermos que aquela pessoa e real e nao
um
produto da nossa consciencia. Mais uma vez, sabemos isto pelo conhecimento por
admitir. Essa admissao significa que as coisas nao foram feitas por nos e que apenas
somos mais um ente dentro de uma infinidade de seres existentes. Passamos assim
do
exterior (ver 4.2 Convivio com as Mais Elevadas Realizacoes Arristicas), serve para
captar
a nossa melodia interior e assim nos ligarmos a dimensao mais profunda da nossa
personalidade.
113
percebamos como urn poder de consciencia e, em primeiro lugar, como urn poder
constitutivo. E uma consciencia que nao visa um qualquer objecto mas um universo
como das nossas possibilidades. Nao e a experiencia de um vazio, pois nao ha nada
mais
pleno. Tambem nao e um desligamento do mundo exterior porque a experiencia
abrange-
visto apenas como parte da experiencia, ja que o foco da atengao muda e isso e o
essencial. A ideia corrente diz que, normalmente, recebemos uma situacao com um
que esta dentro de nos, da alma imortal, que e imensamente maior do que qualquer
situacao mas sem nos desligar dela. O distanciamento da situacao presente pode dar
um
vago pressentimento do “eu profundo”, de algo que esta colocado noutro piano de
Por isso, e necessario envoi ver mo -nos nas situacoes presentes e entendermos que
a
situacao que vivemos agora, tal como o nosso corpo, faz parte do nosso mundo.
Nenhuma situacao presente pode nos envolver por inteiro, nem as nossas memorias,
nem
foi dito. Pode parecer algo complicado ate acertarmos a primeira vez, e logo veremos
que
nao e algo muito dificil. Mas precisamos de algum tempo e persistencia para
reconhecermos a nossa verdadeira identidade, que e como um movimento
permanente e
reconhecer essa continuidade tao longe quanto as nossas memorias de nos consigam
recuar. Como diz o Vedanta , nao somos os nossos pensamentos, nem os nossos
estados,
nem os nossos sentimentos, nem a nossa memoria, mas somos tudo isto ao mesmo
tempo na base de uma permanencia que nao depende de nada disto. Quando
ganhamos a
consciencia disto, sentimos claramente que algo quer que nos existamos para
sempre, e e
a esse algo que chamamos Deus. Nao somos um capricho de Deus, somos uma
melodia
sem fim. Na nossa cultura ha a ideia que temos apenas estados passageiros e em
cima
disso cria-se a ilusao de um “eu”. Se assim fosse, quando falamos com alguem, seria
como
falar com um fantasma, mas, de algum modo, nos sabemos que sao os “eus
profundos”
A maior parte das pessoas tern uma consciencia muito debil da unidade da sua
pessoa,
tendo apenas desejos atomisticos, que podem ser totalmente contraditorios mas elas
nem
irao perceber. A contradicao interna que sai daqui, e que a pessoa nao percebe, vai
externas. Por isso, a base da saude mental e contar a historia do “eu” para si mesmo,
para
imortalidade e mais subtil e, ao contrario deste, nao e algo que o mundo flsico nos
possa
114
encontra a nossa verdadeira substancia. Temos acesso a esta continuidade nao pelo
pensamento mas pelo sentimento de continuidade do “eu”, como se este fosse uma
como ideia ou pensamento mas como presenca continua que unifica os fluxos de
pensamentos e sensagoes.
Nos podemos tambem ver uma continuidade nos nossos animais domesticos, por
exemplo, por baixo de todas as suas mudangas corporais. Mas aqui trata-se de uma
coisa
as razoes das coisas acontecerem. Tudo o que e decisao ja evoca um futuro que
pretendemos ser, o que ja faz parte do “eu substancial” mas nao o reflecte
perfeitamente.
Apenas quando a morte encerra a curva da nossa vida e que teremos a historia
projectada
O uso da palavra “eu” para designar a alma imortal nao e comum, nao se refere a um
acto
palavra para designar a nossa pessoa e, ao mesmo tempo, nos reconhecermos nela,
o que
nem sempre e facil, por exemplo, quando cometemos algum acto vergonhoso e nao
nos
conseguimos reconhecer moralmente ali, como se fosse uma forca externa que nos
tivesse
factor exterior, como a bebida, basta termos sido privados da funcao que assume, de
forma executiva, a autoria moral do acto na hora de comete-lo. Isto mostra como a
palavra “eu” sem nenhum destes problemas e com pleno conhecimento daquilo que
sabemos que a experiencia foi nossa e nao de outro. A nitidez do facto recordado e
recordamos, ali nos identificamos como o sujeito da acgao ou do estado que estamos
recordando.
A psique, apesar de na origem ter o mesmo significado que a alma, ao contrario, nao
se
115
actividade imanente do sujeito para consigo mesmo, o mundo da sua propria criacao,
englobando o pensamento, a memoria, sentimentos, etc. A dimensao do esplrito
comcca
uma lei da geometria. A psique, apesar de estar presa a prcscnca espacial, quando
atinge
contem elementos que nao “somos nos”, sao elementos hereditarios, outros
impregnamos da sociedade, e tudo isto e uma parte impessoal do nosso ser terrestre.
Isso
indicando que fazemos parte de uma familia. Szondi mostrou o poder dos nossos
da nossa existencia mundana, mas pode nos ocupar de tal forma que vamos agir
como se
tambem denominado em aula por “eu real”, “eu verdadeiro”, “eu profundo” ou “eu
nos mesmos, e tambem distingui-lo do “eu social” - o terceiro -, que e aquilo que eu
sei
de mini e que eu sei que os outros tambem sabem de mini ou, no mlnimo, terao
social” nao e um fingimento mas uma necessidade, sendo o “eu social” diferente para
cada pessoa com quern falamos. Esta seleccao cria figuras constantes, a que
chamamos de
pode ser uma simples ignorancia natural, como a ignorancia sobre o nosso
nascimento.
Mas aqui nao se trata de consciente ou inconsciente. Nos sabemos que temos um “eu
que temos um “eu executivo”, ou nem podiamos assistir a aula; e temos um “eu social”,
impllcita. Estes tres “eus” sao reais mas apenas como criagoes da nossa consciencia.
que as mudancas possam ocorrer a algum sujeito. Contudo, nos sabemos que nao
somos
uma criacao da nossa consciencia, pelo que e necessario existir um “eu substantivo”
por
baixo dos outros tres “eus”, para ties tambem existirem e se articularem entre si, ou
seja,
eles existem como aspectos ou fungoes do “eu substantial”. Tudo o que dizemos sobre
o
“eu substantivo” temos de transformar primeiro em “eu historico”, que e o seu residuo
116
que fazemos, o que acontece quando pensamos sobre o nosso nascimento. Apenas
o “eu
substantivo” existe por si mesmo, mas nao podemos saber nada dele directamente a
nao
ser atraves dos outros tres “eus”, aos quais ele transmite a sua substancia de
realidade.
humanos.
toda a experiencia fisica. Este “eu profundo” tambem aparece na confissao tal como
descrita por Santo Agostinho, onde o “eu” abrange a narrativa e nao o contrario, e
naquele mesmo momento fica a saber coisas que nao estavam na narrativa. “Eu te
conheci desde antes da criacao do mundo”, como diz a Biblia, refere a nossa alma
imortal.
Ao longo dos ultimos seculos, este senso do verdadeiro “eu” foi sendo trocado pelo
“eu
Joyce, ja nao ha mais urn “eu profundo”, apenas existem pensamentos soltos e
sensagoes.
Mas apenas o “eu profundo” poderia contar a historia desses pensamentos e
sensagoes,
tal como apenas o “eu profundo” de David Hume poderia se aperceber que “apenas”
existia na cabega dele um conjunto de sensagoes, para concluir que ele mesmo nao
existe.
David Hume dizia que as sensagoes tinham uma existencia manifesta - sentimo-las -
mas
nao percebemos nenhum “eu” por detras delas. Isto e um obvio caso de paralaxe
cognitiva, ja que para isso ele teve de apagar a pista do momento em que fez o
raciocinio,
elemento intuitivo mas algo que captamos atraves de constru^oes intelectuais muito
nao tern nenhuma? Como vai o sujeito saber que a identidade dele e a dele e nao a
esquecer no dia seguinte? Nao pode ser pela continuidade da memoria, porque esta
teria
que se referir ao mesmo objecto que, nesta conccpcao, se nega a existencia.
Se nos apegamos ao “eu narrativo” e ao “eu social”, tudo o que nao faz parte das suas
penetramos em regioes que nao sao alcancadas nem pelo cerebro nem pela
pcrccpcao
sensivel vamos ter alguma experiencia do que seja a nossa imortalidade. O cientista
que
teste a imortalidade (ou supra-temporalidade), fara o teste ao nivel do seu “eu social”
ou
do “eu narrativo”, nao reconhecendo, assim, uma dimensao extra na sua pessoa que
tenta
testar noutras pessoas. Esta como um surdo fazendo teste de audigao noutras
pessoas. O
metodo cientifico e optimo desde que se tenha feito uma investigacao filosofica previa,
o
117
que nao ocorreu para estes assuntos. Mesmo para os testes que mostram cognicao
em
estados de morte clinica, o investigador que nao tenha consciencia da sua propria
supra-
Nao e a alma carnal que tern intuigao do “eu substantivo”, e o “eu substantivo” que
tern
intuigao da alma carnal, pois so ele age realmente. Reconhecer o “eu substantivo” e
deslocar o foco da esfera carnal para a esfera imortal; e comegar a ver as coisas
noutro
desconfortavel neste outro piano. Nao e apenas um mundo muito maior do que
pensavamos, ali percebemos que tambem somos muito maiores do que supunhamos.
carnal nao existe, e apenas um aspecto do nosso “eu substantivo”, que vigora durante
a
nossa vida biologica, mas nao e outra coisa ou uma pessoa, nao e outro ente, e
apenas
uma fungao. Esta func;ao nao pode ser punida por Deus, apenas o “eu substantivo”
pode.
Saber que somos uma alma imortal, mesmo se nao estivermos sintonizados o tempo
todo
com ela, pode se tornar num conteudo do nosso pensamento, o que nos ajuda a voltar,
de
que ja a temos: ela ja nos foi dada. A dillculdade em falarmos destas coisas deve-se
a toda
terrestres. Mas com um pouco de atencao, iremos perceber que por baixo de todos
os
nossos estados existe o “eu substantivo”, e que ele nao e um dado do nosso
pensamento
mas uma sua condicao. Reconhecendo isto, entramos numa esfera de conhecimento
meta-
vigora o dualismo corpo-mente, alem de existir uma pressao social contra quern
pretende
ver algo para alem disso. Foram avangados alguns dados para tentar quebrar os
nossos
bloqueios que advem daqui de forma a nos abrirmos para outras vivencias. Veremos
de
devemos lutar contra nada disto, nem tentar eliminar o que quer que seja. Vamos
colocar
incontaveis coisas que poderiamos pensar ou sentir; tudo sera passageiro se nao nos
com uma procura da realidade, porque dao a ilusao se serem uma fuga de um vazio
angustiante. Mas por mais intensa que seja uma sensagao, ela e ainda tao
impermanente
como uma sensagao ligeira. Apenas nao termina aquilo que tern fundamento
ontologico e
valoriza-las porque tudo o que era vivenciado no piano terrestre agora ecoara de
alguma
forma na eternidade.
Em algumas tecnicas esotericas, o “eu” e identificado com a esfera de pensamentos
e
consiste em nos libertarmos do “eu”. Mas como o verdadeiro “eu” esta noutro piano, o
de nivel. Nao sao os elementos que compoem a nossa estrutura que estao em causa;
o
fundamental e saber para onde se dirige o foco da nossa atencao. Podemos focar a
nossa
atengao nos detalhes mais insignificantes, o que acontece nos vicios e obsessoes, de
onde
se podem originar problemas enormes. A maior parte dos nossos problemas resolve-
se
pela nuidanca do quadro geral da nossa vida e nao atraves do pensamento. Resolver
algo
na teoria e depois na pratica e sinal de genialidade. Pensar nos problemas acaba por
criar
mais problemas. Esta capacidade que temos de centrar a nossa atengao em certos
aspectos, normalmente em nosso desfavor, pode ser usada tambem para nos
centrarmos
no nosso senso de identidade permanente, o que ira mudar todo o nosso piano da
aparecer para nos. Ali vislumbraremos coisas que transcendem a nossa capacidade
verbal
e iremos ganhar uma interioridade que nao e comunicavel, e apenas nossa, de algo
que
e vem uma scnsacao de jubilo e percebemos tambem, por incrivel que pareca, a nossa
total falta de fundamento, aquilo que Santo Agostinho dizia “Eu sei quern sou mas nao
sei
porque sou”. Al estamos prontos para uma segunda navegacao, como dizia Platao,
em
que, ao nivel da alma imortal, ja podemos buscar Deus, porque antes so podemos
buscar
a nos mesmos.
A consciencia do “eu permanente” e, por sua vez, impermanente. Para alem do medo
e
Aquilo que nao conseguirmos lembrar enquanto seres corporais, ainda esta presente
na
nossa alma imortal, por isso nao precisamos de fazer muito esforco para nos
lembrarmos
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119
do conhecimento terrestre pode ser tambem urn factor de alienacao. Quando nao
conseguimos alcancar uma coisa que queremos, podemos pensar que Deus sabe
aquilo e,
quando quiser, pode-nos da-la. Esta atitude cria condicoes para o nosso ser corporal
afrouxar um pouco o controlo das coisas e deixar uma abertura para a nossa alma
imortal
- que sabe aquilo - transportar aquelas coisas para a nossa vida terrestre, nem que
seja
uma verbalizacao muito dificil. O modo dialectico - afirmar a coisa por lados opostos -
e
entao usado para que a realidade do que se fala aparega intuitivamente, mas nao
podemos
aumentara a nossa actividade mental e sensitiva. Nao vamos lutar contra essa
actividade,
nem tentar elimina-la, vamos acalmar e lembrar que ela esta dentro da esfera do
nosso “eu
do nosso “eu” ao longo do tempo. Para isso, tempos de desfazer a ideia corrente de
que a
imortalidade e apenas uma coisa que acontece depois da morte, o que implicaria uma
apegamento a uma constelagao de mentiras que mantemos para suster uma mentira
inicial. Tudo isso pode ser dissolvido sem perdermos nada de essencial. Quando
que nos surgem, que podem vir do budismo, do sufismo, ate de exercicios espirituais
de
precaver contra algumas armadilhas que nos podem desviar do caminho. Em geral,
os
nosso “eu profundo” existe a prescnca de Deus, sobre a qual nao temos qualquer
controlo. Alguns exercicios propoem o corte da ligacao com o nosso corpo para nos
colocar noutro piano. Mas, se isso fosse possivel, iriamos ter nao uma identidade mas
duas, o que e um caminho certo para a loucura. Ha ainda exercicios para destruir o
ego,
mas depois nao sobraria ninguem para contar a experiencia. Os exercicios de domlnio
do
corpo podem ter resultados um pouco melhores mas o poder adquirido dificulta a
atitude
120
de humildade perante Deus. E quem tenta dominar o corpo, esta como um domador
perante uma fera: o corpo quer uma coisa e a alma outra, pelo que ainda seremos
como
que duas pessoas. O sujeito preguicoso segue o corpo, e o durao segue a alma, mas
nos
dois casos ha a divisao em duas pessoas, pelo que isso so piora o problema da busca
da
unidade.
nao e: e uma pratica, uma acc;ao que fazemos, uma acgao interior, onde puxamos o
foco
da nossa consciencia para aquilo que esta por baixo, para o que e o fundamento e a
verdadeira substantia. E para o que esta por baixo de todas as nossas experiencias,
estados, pensamentos, e que chamamos de “eu”, porque sem isso haveria apenas
uma
multiplicidade de estados.
algo que nos transcende e “nos” queremos manter o controlo mental, o que aqui se
torna
imposslvel. Entao, da-se uma revolta contra a perspectiva de infinitude, e essa revolta
e, na
verdade, uma perspectiva infernal infinita. E muito melhor saber que o universo nao
depende de nos e assim podemos ter uma aceitacao jubilosa. Esta e a verdadeira
humildade, mas nao como hoje se entende humildade, que e a sub mis sao mental a
um
nao poderiamos pensa-lo , no sentido de poder falar sobre ele. Este conhecimento,
que nao
um “eu substantial” foi colocada entre parenteses porque nao pode ser encontrado a
este
nlvel. Entao, o “eu substantial” foi dado como nao existente. A identidade chegou a
ser
explicada como uma imposicao gramatical, mas a quem se fez essa imposicao? A
realidade. Mental e fisico sao apenas distingoes que o nosso pensamento impoe a
fragmentados. Kant aceitou esta descontinuidade mas supos que ha algo em nos que
unifica estas percepgoes e com elas constroi um mundo exterior, a partir das formas
a
priori - por serem anteriores a experiencia -, uma especie de regra de jogo por baixo
de
raciotinio sao as categorias, os princlpios logicos, etc. Ele nao esta errado ao dizer
que
121
nos unificamos a pcrccpcao do mundo exterior, mas erra ao achar que isto e urn
processo
sabermos onde estamos, pelo que a unidade da percep^ao e restaurada pelos dados
do
mundo exterior. Em geral, e o mundo exterior que nos ajuda a reconquistar a unidade
e
unificadora que da unidade as pcrccpcoes. O processo tern que ocorrer numa esfera
ontologica, nao num conhecer mas num ser efectivo. E a experiencia da alma imortal
da
precisamente esta esfera de ser mais duradoura e continua por baixo da experiencia
cotidiana.
damos um nome e que depois, para reconstituir um simulacro verbal de uma unidade
hipotetica, vamos liga-las atraves do verbo “ser”, chamado de copula por juntar dois
sem a qual nao pode haver conhecimento, percepgao ou pensamento - nao esta dada,
nem na mente, nem nas percepgoes, nem na reconstituigao artificial que se faz na
logica,
Outra questao, relacionada com esta, pretende inquirir sobre as relacoes entre mente
e
corpo. Quase sempre parte-se de uma experiencia mal observada e depois, a partir
dos
conceitos extraldos dali, monta-se uma discussao artificial que apenas vem trazer
mais
complicacao. O que nos faremos, pelo contrario, e recuar dessa discussao para uma
apreensao intuitiva mais exacta, ainda que nao consigamos exprimir verbalmente
muito
bem, e de uma vez por todas, o que se passa ali. Queremos conhecer e nao obter
uma
A prescnca do ser, de que fala Louis Lavelle, refere a experiencia da alma imortal.
mesmo tempo, a parti cipacao do eu no ser. E algo que nao ocorre nem no corpo nem
na
mente, antes e a presenca do ser que abrange todas as dimensoes ali presentes. A
presenca
de nos a nos mesmos nao e uma experiencia mental mas e aquilo que a possibilita.
Quando percebemos esta outra dimensao e vemos todo aquele poder, ha o risco de
nos
alma imortal, porque e grandiosa, que tern que ser humilde, nao a nossa pobre alma
carnal, tao fraca, humilhada e cheia de medos. A alma imortal nao nos faz assim tao
grandiosos, porque ela nao tern substantia propria: a substantia que tern e a bondade
divina. Mas conquistar este poder pode traumatizar algumas pessoas, que tentam se
Aristoteles dizia que a alma e tudo o que ela conhece. Tudo o que vemos, pensamos,
conhecemos, mesmo por instantes, e sempre recuperavel porque faz parte de nos.
Aqui se
inclui tambem a experiencia possivel que e imaginada e a que e absorvida de outras
pessoas pela leitura, audigao, etc. Tudo isto e a nossa alma e, em certos momentos,
e
possivel ve-la como conjunto, ainda que aberto, mas com uma unidade que
122
Quando reconhecemos que somos a mesma pessoa que eramos quando tinhamos
tres
de uma presenca que nao pode ser explicada nem psiquicamente nem
fisiologicamente
mas requer uma nogao como a da alma imortal. Duas recordac^oes que temos de
epocas
distintas nao tern nada ao seu nlvel que as unifique, cada uma delas foi um fragmento
e
tambem cada record acao e fragmentaria, no entanto, nos sabemos que elas nos
isto de transcendental, mas nao e algo assim tao transcendental quanto isso e
podemos ter
a vivencia disso em certos momentos. Contudo, nao e uma vivencia que se possa
memoria, porque e a memoria que nela esta contida. Esta experiencia permite
constatar
existimos, do qual a vida corporal e uma fraccao diminuta, uma aparencia que pode
adquirimos dentro dos limites da existencia corporal sao, entao, apenas aparencias
dentro
de uma aparencia.
humana, onde o que apenas existe e a troca de palavras por palavras. E preciso que
a
experiencia do “eu permanente” nos traga gradativamente as respostas sem
actividade
mental, com evidencia total e definitiva. Nao e uma questao de evitar as perguntas
aceitagao da realidade e do “eu profundo”. Temos que nos habituar a colocar as coisas
que participem da mesma experiencia, mesmo que esta seja expressa em linguagem
tambem um metodo de pcrccpcao e, por assim dizer, um modo de ser. Cada linha dos
que a solucao nao esta no piano da discussao mas noutro piano mais profundo, onde
o
amor as discussoes.
A visao que temos do “eu substantial” deve ter algumas consequencias para a nossa
visao
tempo todo, e estas sao quase todas ignoradas e relegadas para o abismo da
memoria. O
“eu social” tambem se baseia num conjunto transitorio de accoes em relacao com
outros.
O “eu autobiografico” tambem e composto por fragmentos - que compoem a historia
que conhecemos de nos mesmos, incluindo qualquer recordacao sobre nos. Estes
tres
transitorios. Mas a quern esta acontecendo tudo isto? Tern que haver por baixo um
ente
real que continue a existir mesmo quando ninguem repara nisso — nem nos — ou
terlamos
123
Raramente pensamos que temos uma existencia permanente e que esta nao coincide
com
o que sabemos a nosso respeito. Apesar de nao sabermos o que e esta existencia
permanente, ela e a base ontologica para todas as imagens do “eu” que podemos
formar.
O campo do conhecer apoia-se num outro campo mais profundo e sobre o qual nao
temos nenhum domlnio mental, e por isso tambem nao o podemos conhecer, pelo
menos
nao na totalidade, uma vez que ele nao pode ser objecto de conhecimento. Contudo,
pode
ser objecto de admissao, tal como o universo inteiro nao pode ser um objecto de
cognigao
e so podemos admitir que ele existe. Mas sao precisamente as coisas que
transcendem a
inseguro e perdeu de vista a evidencia directa, sem perceber que a prova e apenas
uma
coisa que fazemos na vida. Alem disso, o pensamento nao prova a existencia de
ninguem
ideia de que tudo o que nao for provado deve ser colocado em duvida. A prova e algo
acabou por se sobrepor a esta, criando um vicio mental que afectou ate as
inteligencias
mais prodigiosas.
A prova faz parte do “eu social”, por isso nao pode haver prova de que “eu sou eu
mesmo”, que e uma evidencia que temos da propria experiencia. O “eu permanente”,
substantial” tern que abarcar passado, presente e futuro, Alem disso, como ja vimos,
e
capaz ainda de ter visao remota e nao depende da prcsenca corporal, que e uma sua
modalidade de existencia ante a presenga do ser. Santo Agostinho tern isso em conta,
o
que e uma raridade na maior parte das filosofias, e para ele a Historia terrestre so
existe
efectivamente no piano celeste. Mas apesar da dimensao de imortalidade reduzir
bastante
continuamos a ter uma dimensao cognitiva, pelo que ainda se mantem algum tipo de
civilizacional sera para a alma imortal apenas uma percepc;ao imortal, ja que ela
abarca o
processo inteiro. Se perdemos esta nocao de vista, a Historia terrestre ganha um peso
124
Na medida em que tomamos consciencia da alma imortal, vamos orientar a nossa vida
de
outra maneira. Mas nao e uma consciencia que se possa ter em permanencia, e ja
Hugo de
Sao Vitor sabia disso e tinha de estar sempre a falar do sentido da leitura, da
meditagao,
em que tudo faz sentido e outros, logo de seguida, em que nos esquecemos dos
primeiros
momentos ate nos identificarmos novamente com a nossa figura ideal, que representa
a
nossa alma imortal. Temos que seguir os exemplos das figuras biblicas, que nao eram
perfeitas mas estavam sempre a preparar-se para a morte. O proprio Cristo disse que
a
unica coisa necessaria e estar sempre indo na direccao do Eterno, por mais que
erremos.
Ele. A ascensao que fazemos e do corpo para a alma imortal e, so depois, da alma
imortal
para Deus.
eternas, o que muda muito a nossa responsabilidade. Depois disto, acima de nos so
esta
Deus, ninguem manda em nos, nem ha ninguem para nos proteger, existem apenas
O ser humano e uma especie de paradoxo: por um lado, e quase um anjo, por outro,
pergunta o salmista: “O que e o homem para que Deus olhe para ele?” Isto impele-
nos a
busca de Deus, mas tambem pode conduzir-nos a uma tragedia metaflsica porque o
acesso a alma imortal pode se ter dado por maneiras indevidas (praticas ocultistas,
magicas, etc.) e entao vamos nos tomar como fonte e origem de tudo. A consciencia
de
mesmos — existe um poder que nos abrange, que nos constitui por dentro e nos
mantem
na existencia -, acaba por nos dar a nogao de que pertencemos ao Corpo de Cristo.
O “eu
profundo” tern uma forca criadora sobre o mundo e e a fonte de todas as curas
psiquicas.
Cristo sempre falou para a alma imortal das pessoas, as vezes mais explicitamente,
como
quando disse “vos sois deuses” ou “aquilo que voce tiver fe, voce vai obter de qualquer
Sem esta vivencia, nao adiante ter fe. O piano da salvacao da alma coloca-se aqui, e
quando estivermos neste estado ha duas coisas que podemos pedir sempre,
pedimos perdao pelos nossos pecados e pedimos a Deus para estar junto a Ele por
toda a
eternidade. Pedimos isto porque a nossa natureza e esta. Se a alma imortal crer
sinceramente nisto, ela vai te-lo, pois e nela que reside a verdadeira fe. Percebermos
que
somos um acto de gratuidade divina pode ate fazer com que nao queiramos mais
nada,
mas sempre podemos pedir para que outras pessoas tenham acesso a mesma
experiencia.
O nosso poder e infundido por Deus desde dentro, ou seja, somos um poder divino
mas
incomplete). A experiencia da alma imortal e como se fosse uma melodia eterna, uma
massa de sentimentos que toma a forma de jubilo e poder sobre todos os conteudos
da
125
a nogao de que nao temos o nosso proprio fundamento e de que existimos em fu ncao
do
amor divino, corremos o risco de acharmos que o nosso “cu pensante” e o centro de
tudo
e que somos a unica realidade. Deus criou o universo como uma constelacao de
poderes
anlmicos, em si praticamente ilimitados, e que acabam por se limitar uns aos outros,
ee
dentro disto que existe o mundo flsico. Santo Agostinho disse que a verdade esta no
interior do homem, mas nao poderia estar a referir-se ao interior flsico, que se desfaz
no
imortal, que e uma dimensao mais profunda, a que nao temos acesso cognitivo mas
temos
que nao podem ir para o nada. Na pior das hipoteses, vamos para o Inferno. O que e
julgado no Julzo Final nao e propriamente a alma inteira, que contem inumeras
O remorso e algo proprio da alma sub-carnal, do pior que tern a alma carnal, e o
demonio
que nos acusa, porque Deus nao nos acusa, Ele nos chama porque nos quer e nos
ama.
de Deus e, por isso, nao se evidencia por uma serie de auto-acusagoes. Humildade e
perceber que Deus nos deu uma alma com duracao ilimitada, que ira permanecer
quando
o universo ja fiver sido destruldo. Apesar disso, constatamos a nossa absoluta falta
de
ontologica que nos enche de uma gratidao indizlvel para com Deus, ao ponto de ja
nem
nos lembramos dos nossos pecados. Humildade e reconhecer que Deus nos viu como
uma possibilidade, nos amou e quis que durassemos para sempre. Chesterton disse
que o
cristao tern que ser humilde mas nao modesto, porque ele nao e um nada, e uma alma
imortal. Para isto, temos que ter a experiencia da nossa continuidade, de que tudo se
comprime num ponto que esta onde estamos agora, e percebemos que por baixo das
atengao esta geralmente voltada para pensamentos e sensagoes, e isso e algo que
nao vai
desaparecer ate ao momento da nossa morte. Mas vamos mudar o foco para um nlvel
mais permanente, um nlvel mais lento, que sempre esteve al e e a unica coisa em nos
que
tern substancialidade. O pensamento moderno inverte tudo isto e diz que a sociedade,
a
linguagem, os papeis sociais, tudo isto tern substancialidade, mas nos nao. Nos
impregnarlamos uma identidade a partir destas entidades, sem se saber como irlamos
e definitiva, nao temos que olhar para mais nenhuma outra direcgao para fazer
perguntas:
126
all ja estao as respostas. Se estas nao chegam na hora e porque Deus nao esta
querendo
agif em nos por urn processo que nos seja conhecido. Todo o autoconhecimento vem
do
proprio Deus, nao e que temos de buscar o autoconhecimento para buscar a Deus,
pelo
sentimento e da experiencia que temos de dizer “eu”, onde nos reconhecemos como
sujeitos das nossas acgoes, pensamentos, estados. Este nucleo de consciencia nao
veio de
fora, ou seria inconstante, mas este nucleo permanece sempre e e aquilo que nos
somos.
127
Linguagem
O estado da Gramdtica Latina (3. 1) e util sobretudo para compreender
personalidade.
128
frases em qualquer lingua, uma vez que os elementos de base sao os mesmos em
quase
narrativa. Este e o primeiro passo para depois captar, numa segunda fase, a estrutura
inigualavel, que tenta ensinar o domlnio das regras fundamentals do idioma tal como
usadas pelos escritores. A aprendizagem do latim flea tao facil quanto posslvel,
partindo
da propria estrutura do latim, que ja pede para ser ensinado desta forma, mas so nesta
como a inteHgencia tambem sai fortalecida. Em latim, a ordem das palavras nao e tao
http:/ / mestrenapoleao.blogspot.com/
Referencias:
Aulas 1, 2, 13 e 14.
129
3.2 iMiTAgAo de Escritores de Lingua Portuguesa
que relata para si mesma, de maneira fiel, o seu mundo da experiencia (1.1). E
essencial
fazer a distingao entre aquilo que vimos e aquilo que a cultura nos ajudou a reter. As
palavras que usamos sao elementos culturais que, se usadas sem cuidado, vao repetir
os
uma linguagem pessoal, que serve para nos expressarmos para outros e para nos
mesmos.
Podemos dizer que estamos tentando encontrar a propria voz, tanto em sentido literal
nao conseguirmos escrever e nos expressarmos bem. A filosofia faz um uso muito
elevado da linguagem, e muito mais subtil do que a propria arte literaria. Partindo dos
instrumentos da arte literaria, a filosofia vai aprofundar aquilo ate um nlvel de exactidao
quase cientifico. Para Aristoteles ter chegado aquele nlvel e perfeigao cientifica, foi
necessario a filosofia ter percorrido um caminho iniciado com Socrates, que apenas
se
para os nossos fins. No inlcio, cada escritor deve ser lido por nos com intuito de
do estilo daquele autor, que deve ser imitado servilmente. Quando passarmos a um
segundo autor, iremos nos livrar das limitacoes do primeiro, ou seja, os problemas da
imitacao sao corrigidos pela propria imitacao. Depois de passarmos por varios
escritores,
e nao devemos procurar logo uma originalidade, que e uma conquista e nao uma
obrigagao.
simples, como Graciliano Ramos. Vamos le-lo dia e noite, imitando-o e, se optarmos
por
Graciliano Ramos, aprenderemos a compactar. Mas nao podemos nos viciar neste
tipo de
escrita, por isso, de seguida devemos passar para outro escritor com uma abordagem
diferente, como Jose Geraldo Vieira, que tern um estilo bastante verboso. Existem
muitas
que sera dito. Se lermos muito um escritor, ja teremos uma ideia do vocabulario que
ele
esta em causa.
O brasileiro tern uma capacidade mimetica extraordinaria, o que o pode levar a fazer
130
mentis , as percepc;6es, o mundo interior, ou seja, fazer um mimetismo intelectual.
Isto e
a mae do aprendizado mas nao pode ser a imitagao pela imitagao - que e a
especialidade
do actor tern que ser a imitagao para nos tornarmos aquilo , por isso imitamos os
escritores como se fossemos eles. A imitacao serve, entao, para adquirir uma
habilidade e
nao e um instrumento para obter brilho social; e algo para desenvolver na solidao e
nao
para exibir na confusao do mundo. Nao temos que imitar o modo de falar de Camoes
que Camoes, mas se o imitarmos linearmente, nada mais seremos do que uma
imitacao.
Temos que imitar o que ha de mais profundo no autor: queremos perceber, ver, sentir
como ele, ate termos na nossa alma a imitacao do santo, do poeta, do sabio. Esta e a
a acertar, gradativamente, na nossa propria vo%. Esta tern que dar, simultaneamente,
a
impressao que queremos dar e ser a expressao real de quern somos. A medida que
escritores de lingua inglesa do que em lingua francesa. O frances ainda tern uma
estrumra
alguns erros de ortografia. Quando se tenta dizer algo e aquilo nao soa convincente,
por
defice da propria voz, a tendencia e dar uma enfase exagerada para tentar compensar.
A
retorica antiga falava numa graduagao de tres estilos: simples, formal e solene. As
pessoas
tentam o estilo solene e fica simples, e quando tentam o simples acaba saindo
grotesco.
As influencias anglo-saxonicas, em termos de equipamento linguistico, devem ficar
para
segundo piano durante algum tempo. A sua assimilacao nao pode ser feita pela
procura de
italiano, e antes de tudo passar um bom tempo apenas com escritores de lingua
portugues a.
Os autores dos quais nao podemos fugir, comegando pelos portugueses, na poesia,
sao:
vamos perder Eca de Queiros, Camilo Castelo Branco, Ferreira de Castro (escreveu
A
Selva , o melhor livro sobre a Amazonia), Aquilino Ribeiro e Vergilio Ferreira. No Brasil,
que tern alguns dos maiores poetas da humanidade, destacam-se: Gonsalves Dias,
Cruz e
Bruno Tolentino. Na ticcao temos de ler: Machado de Assis, Raul Pompeia (O Ateneu
),
Jose Lins do Rego, Graciliano Ramos, Marques Rebelo, Jose Geraldo Vieira e
Herberto
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131
Sales.
tern uma escrita que mereca ser imitada. Tambem Joao Guimaraes Rosa, cujo livro A
por ser artiflcioso, que criou muitos vlcios de linguagem. Nelson Rodrigues e um bom
escritor para imitar, especialmente as suas cronicas, genero que todos nos
necessitamos de
dominar. Ele e um escritor eficiente mas nao e estilisticamente rico, tendo uns quatro
ou
cinco procedimentos que funcionam. Por isso, depois vamos imitar outro. Nao e um
prosador como Camilo Castelo Branco ou como Ortega y Gasset, um dos maiores
causa empatia, podemos fazer um exerclcio de parodia, mas a imitacao deve ser
sobretudo
pela positiva, pela admiracao de algo que queremos ser. Podemos mesmo fazer
primeiro
Para podermos escrever ensaios de critica literaria devemos, tambem imitar varios
criticos
literarios, tendo em conta que este e um genero literario em si mesma (ver A Critica
Literaria no Brasil, de Wilson Martins), com muitas variantes. Otto Maria Carpeaux tem
uma tecnica que insinua mais do que diz. Em Alvaro Lins e ja o aspecto moral que fica
real cad o. A imitacao de criticos literarios e util tambem para a propria imitacao de
ficcionistas, porque ajuda a pegar a estrutura dos textos. E importante termos muitos
modelos adquiridos, ja que ter poucos pode ainda ser pior do que nao ter nenhum.
Alguns
Lionel Trilling. Os artigos de critica e ensaios do Carpeaux sao meio poeticos. Augusto
Meyer e ainda mais poetico e completamente diferentes do que faz o Matthew Arnold,
por exemplo.
Pode ser mais facil comccar a fazer a imitacao de textos retoricos - onde nao visamos
a
prova final mas apenas tornar aquilo que se quer transmitir sugestivo e veroslmil -,
que e
uma actividade de interesse geral, ao passo que so alguns tem vocagao para a ficgao.
Antes
lendo para isso os grandes polemistas como Leon Bloy, William Hazlit, Mathew Arnord
e
alguns franceses, uma vez que o genero literario frances por excelencia e o jornalismo
de
J. Adler tem tambem o livro How to Speak, How to Listen , importante para quern
precise de
Referencias:
132
http:/ / townhall.com/columnists/monacharen/
133
fonico ver 1.3 Encontrar a Propria Voz). Contudo, estes sao aspectos que devemos
prestar atencao sempre. Herberto Sales - um mestre da lingua portuguesa, que Otto
Maria Carpeaux considerava ser o escritor brasileiro com maior consciencia literaria
— em
tentar apanhar as regras gerais por indugao, o que seria um processo sem fim. Depois
de
aprendidas as regras, podemos adapta-las, sabendo que ha sempre uma tensao entre
a
so alguma pratica na imitacao de grandes escritores mas tambem juntar mais alguns
das palavras as coisas, vamos das coisas as palavras, ou seja, vamos tentar encontrar
as
palavras que exprimem os objectos, experiences, estados, etc., que ja conhecemos.
A
atencao reflexiva deve aprender com o material mais basico da pcrcepcao, da intuicao
e da
observar o local onde estamos, uma sala, por exemplo, e tentar perceber se sabemos
o
nome de todas as cores que ali distinguimos. Quando a nossa atencao reflexiva
percebe
algo de maneira vaga e confusa, devemos insistir ate saber o que percebemos ali.
Durante
o tempo que for necessario, vamos nos basear na percepgao passiva, sem fazer
analise
critica, ate que sejam as proprias coisas a ditar a nossa linguagem, e daqui ate pode
sair
uma forma de expressao literaria para quern tenha talento. Esta e a materia-prima, a
latina, apenas em um volume mas brilhante, permitindo pesquisar do latim para tras.
Um
nenhum dicionario podera indicar qual o preciso significado de cada palavra utilizada
pelo
milagroso.
O dito “beleza nao se poe na mesa” expressa o desprezo pela coisa bem-feita e
caprichada. Mas a preocupacao com a beleza tern que se impregnar em nos. Por
exemplo,
devemos ter uma grande preocupacao, na escrita, com a precisao vocabular. Vamos
134
encontrar o termo proprio que diga aquilo que queremos dizer e nao uma coisa
parecida.
Uma regra universal da boa escrita diz que devemos preferir o termo proprio ao termo
do abstractismo logico. Fazemos isso quando, ao ler um novo escritor, relemos varias
vezes a mesma frase e nos interrogamos como ele fez aquilo. Tentamos perceber as
razoes de escolha ter recaido numa palavra e nao noutra. Mas antes de fazermos
analise
critica, temos que nos deixar impregnar. Em geral, quando nao sabemos o termo
nao termos dito o que pretendlamos, e entao repetimos aquilo com pequenas
variacbcs,
que produz um efeito comico, tornou-se numa marca de estilo dos jornalistas
profissionais.
Esta cheia de estereotipos, jargoes, slogans , pelo que apenas cumpre uma fungao
apelativa -
influencia sobre o outro - e esquece as outras duas funcoes descritas por Karl Buhler:
a
manuals ha exercicios que nos podem ajudar nesse sentido. Ha coisas que podem
ser
descritas pelo seu nome, mas outras so podem ser descritas por cruzamentos de
palavras,
gramatica mas lendo bons escritores. Neste particular, sao aconselhaveis escritores
como
ambiente flsico onde a acgao de desenrola. Existem describes mais subtis, como na
flsico, sempre tendo em mente que buscamos o termo proprio e nao o termo generico.
Referencias:
Aulas 7, 14, 17, 19, 28 e 46.
135
Quem pretende se tornar numa pessoa de alta cultura nao pode se furtar a
aprendizagem
de outras linguas. Nao vamos compreender bem a nossa propria lingua se nao
tivermos
aprendido mais nenhuma. Quando conhecemos outras linguas, percebemos que elas
tem
inumeras coisas que nao podem ser ditas na nossa lingua e vice-versa, porque nao
existem
coisas que passam a ser diziveis para nos, que antes sabiamos que existiam mas so
conseguiamos descrever de forma muito remota e, por isso, nao tinhamos sobre elas
dominio suficiente.
diferenca entre a nossa lingua e a que pretendemos aprender, esta tera sempre
alguma
estranheza para nos, e isso fara surgir uma terceira lingua, que e aquilo que nao da
para
Os cursos de imersao total, se bem que uteis para fins de interaccao pessoal, podem
nos
afastar dos objectivos mais elevados se nao tivermos cuidado. O nosso fim e
conseguir ler
onde interessa ter um vocabulario reduzido mas debaixo da lingua. Ja a leitura exige
um
vocabulario enorme, mas nao o temos de ter sempre presente; e um conhecimento
que
pode ficar passivamente a espera ate ser solicitado. Mesmo se nao quisermos
aprender
outras linguas para falar, pode ser util saber algumas coisas sobre a articulagao dos
sons.
Nem todas as nossas fontes serao escritas e podemos aperfeigoar a nossa audigao
sem
nao formos ensinados naquela lingua desde criancas. O portugues do Brasil usa muito
os
labios, enquanto o ingles e falado entre dentes. O italiano e falado vibrando o ceu-da-
boca, o que se relaciona com o estilo renascentista italiano de fazer as igrejas com
E ideia corrente que se deve pensar na nova lingua que tentamos aprender. Mas isso
so se
torna realmente possivel se tivermos uma convivencia de uns 30 anos com essa
lingua, e
ate la apenas podemos treinar alguns circuitos verbais para reagir em certos contextos
analogos na nossa, pelo que a leitura de grandes obras deve ser ao mesmo tempo
um
exercicio de traducao. O processo de compreensao profunda da-se na producao de
analogos, a que temos de recorrer muitas vezes por falta de traducao directa.
Por uma questao de facilidade, podemos comccar por estudar o frances, que tem uma
bem tratada, que pode nos ajudar na escrita, como mostrou Eca de Queiros. A lingua
francesa tambem e importante para ter acesso a autores como Louis Lavelle e Andre
136
a mesma palavra ao longo do livro. Se fizermos tradugao, ainda sera melhor. Um livro
indicado para isso e Te Nceud de Viperes , de Francois Mauriac, que mantera a nossa
atengao
tudo para o ingles e no site www.bookfinder.com podemos encontrar coisas que nem
julgariamos existir. O ingles e tambem a lingua usada nos trabalhos dos academicos,
pelo
que o seu conhecimento e fundamental para nos actualizarmos. Devemos apenas nos
precaver para que a nossa escrita nao fique afectada pela aprendizagem do ingles,
que tern
uma estrutura muito diferente do portugues. A aprendizagem do ingles pode ser feita
atraves do seminario, no curso ministrado pela professora Margarita Noyes, que tern
mais
com os seus quatro filhos de forma notavel. O seu curso de ingles nao visa o turismo
mas
que cada palavra ganhe peso, e incide, em primeiro lugar, no livro The Tiring Principle
, de
Frank Raimond Leavis, que foi um grande crltico ingles que achava que o domlnio da
lingua e da literatura era condigao previa para todos os estudos superiores, incluindo
os
cientlficos.
A aprendizagem do espanhol deve ser natural para nos, sem ser preciso um estudo
dedicado dos aspectos gramaticais, uma vez que sao quase todos semelhantes ao
portugues. Podemos aprender esta lingua, incluindo aquilo em que ela difere
Lorca e Benito Perez Galdos. Nao iremos perder nada se aprendermos italiano, se
bem
que possa ser para alguns um pouco mais diflcil do que o frances. Podemos traduzir
alguns trechos da Divina Comedia, de Dante, por exemplo. Para o estudo da filosofia
e
discurso e um modelo.
Referencias:
EDUCAgAO DO
ImaginArio
cultura literdria e para nos ndo uma actividade academica mas urn
pelo que quantos mais modelos tivermos absorvido da literatura, melhor apetrechados
que nos permitem superar a nossa condi<;ao animal. O poeta fala para a comunidade,
ao
passo que o filosofo vira as costas a ela para poder dialogar com o ser. Devemos fazer
um
aquisicao da cultura literaria deve assentar em tres pilares, comegando pela propria
leitura,
sugeridos para leituras, que tentam servir de estimulo a que cada um elabore os seus
mas apenas sobre conceitos. Antes disso, tal como mostrou Aristoteles, os dados dos
parte da retengao de imagens e feita a partir de analogos culturais, pelo que facilmente
acabamos por recordar nao o que experienciamos mas apenas aquilo que a cultura
nos
permite. Na fase seguinte, vamos expressar a nossa experiencia usando palavras que
nao
foram inventadas para servir os nossos fins e nos incitam a seguir o vies da cultura
em
torno. A lingua e o nosso grande instrumento de pcrccpcao e aquilo que nao esta no
nosso idioma usual nao sera percebido, excepto no caso dos genios, mas mesmo
estes
coisa alguma, nao pensaria. Se nao fosse esplrito fantastico, nao seria tambem
esplrito
humanas, que nao foram vividas como experiencias de pensamento mas como
que o mundo nos chega e nao como argumentacao logica. O tratamento logico e uma
segunda etapa, e quern so tern acesso a ela perde de vista o fundo de experiencia
originario, que nao e recuperavel pela linguagem logica mas apenas mediante a
139
permitam entender do que ele esta falando. Fora disto, existe apenas “troca de ideias”,
que
Se nao tivermos uma linguagem rica e flexlvel, assim como uma imaginagao
poderosa, a
sera parcial, truncada e, nos casos mais graves, havera uma troca da experiencia por
descricao tern que permanecer ainda inteliglvel o suficiente para ser dita na linguagem
equivalente culturais mais exactos e legftimos mas se nao tivermos um pouco disto, a
filosofia ficara fechada para nos.
Num meio com uma literatura rica, o filosofo ja tern a tarefa facilitada, porque tern a
sua
disposigao uma ampla galeria de personagens e situagoes humanas, que podem ser
usadas
directamente ou combinadas para exprimir coisas que foram vistas, mesmo se nao
habitos de leitura sao maus, a absorcao do legado literario e artistico torna-se ainda
mais
experiencias directas e dos elementos simbolicos dados pela TV e pelos jornais vai
desligar-nos da realidade e ligar-nos a uma outra coisa que tern com ela uma relacao
sustentem as nossas decisoes, mas nao podemos esquecer que a filosofia comegou
experiencia real das pessoas, quando seria funcao do escritor tornar dizlvel a
experiencia
material basico de discussao. Por vezes, e a experiencia de outros povos que e vertida
na
que pensamos se aplicarem a nos mas que so sao validos para outros.
Um pais que deixa de ter literatura, como aconteceu no Brasil, perde a imagem que
tern
tornados por pessoas que apenas se interessam pela auto-idolatria grupal. Uma
verdadeira
escritores. A lingua, a religiao e alta cultura acabam por ser a mesma coisa, porque a
alta
seja conversar com Deus. Nao se pode criar uma cultura a partir da ciencia moderna,
que
nao e algo que desenvolva a inteligencia mas antes a pressupoe. Apenas o longo
convivio
Estudar matematica ou fisica nao qualifica ninguem para isto, pelo contrario, a
tendencia e
isolar a pessoa na sua especialidade e torna-la cada vez menos apta a se orientar
num
quadro de interesses mais gerais. So existe alta cultura quando ha uma abertura para
a
nao fornece criterios para reger o debate geral, nem sequer a literatura, mas esta, por
sua
alusoes e pensam que se trata de plagio. Alusao e fazer uma frase igual ou similar a
de um
autor conhecido mas sem citar o nome, ja que se presume que o leitor conhece o
original.
que seria ridiculo para coisas que deviam ser do conhecimento geral do publico
letrado.
Quern nao percebe uma alusao tambem nao vai perceber uma figura de linguagem e
pode
mesmo pensar que se trata de linguagem directa e literal. Da mesma forma, nuances
e
A linguagem pas sou a servir apenas para exprimir certas cmocoes e impulsos de
natureza
animal, como o medo, a dor, o ciume ou o desejo sexual. Entao, todas as subtilezas
da
transmitir coisas que habitualmente nao perceberiamos e nao para veicular uma serie
de
emogoes primarias, que ate os animais percebem. Tudo isto pode fazer parte das
obras de
grandes escritores e poetas, mas nunca como meros dados fisiologicos, porque isso
eo
mesmo que dizer nada. A dcsproporcao no uso da linguagem vai equivaler a uma
nao existe a grande literatura, a lingua deteriora-se a uma grande velocidade e o que
e dito
gcracao.
poder, depois, restaurar uma discussao filosofica seria. Nao se trata de obter cultura
modo a nao nos tornarmos meros repetidores de frases feitas. A medida que o nosso
experiencia cada vez mais conhecimento. Na situacao concreta onde comeca este
curso,
estamos especialmente mal equipados, uma vez que o idioma esta horrivelmente
viciado.
gramaticais. Nao existe mais literatura brasileira, o que significa que nao existent
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
141
simbolos culturais que possam ser trocados. Estes simbolos permitem que as pessoas
este reconhecimento que torna possivel um verdadeiro encontro humano. Sem isto,
estamos numa situagao analoga a uma economia sem moeda, que e bastante
ineficiente
havia ainda verdadeira literatura, e muito provinciano comparado com os dias de hoje.
Ha
toda uma serie de personagens na vida publica brasileira que sao de uma grande
por escrito, o que e uma capacidade especlfica, mas temos de conseguir imaginar
muitas
atraves dos personagens absorvidas da literatura, onde estao bem definidas e libertas
de
partir de uma linguagem preexistente, que e a linguagem literaria, aquela que e natural
na
humanidade. A expressao poetica aparece em todas as civilizacoes. A linguagem
filosofica
fez da dialectica a arte filosofica por excelencia, mas ele nao se referia ao confronto
de
a fungao de transfigurar a experiencia num bem cultural. Ele nao chega a um nlvel de
lhe for possivel, o que nem sempre e possivel a um nlvel muito avancado e pode exigir
um
isso, ja esta filosofando sobre a sua arte, mas ele nao e obrigado a meditar e a explicar
a
sua criacao, porque se a obra for genulna, ela evidenciar-se-a por isso.
A filosofia tern um horizonte diferente da literatura e das artes em geral. A obra de arte
tern como meta fixar determinadas impressoes que sejam acesslveis a experiencia
directa,
e fica encerrada no ponto em que adquire uma forma deter minada e reconheclvel. Ja
a
filosofia abrange um horizonte de experiencia muito mais amplo - quase toda uma
cultura
culturais em que vive o filosofo. O filosofo vai retornar varias vezes ao mesmo assunto,
142
desde varios pontos de vista e nlveis de maturidade, e nunca podera daf uma
expressao
escrita perfeita da sua filosofia, cujos documentos escritos atestam apenas de forma
predeterminado.
algo por analogia, percebemos que a nova situacao repete situacoes anteriores mas
com a
novidade das suas difcrencas especlficas. A nova situacao vai constituir uma nova
forma,
que sera base para novas comparagoes. Existem nao so analogias mas tambem
analogias
de analogias. Entao, numa sociedade, aquilo que nao esta consolidado no imaginario
os nossos modelos de entendimento, pelo que se alguem diz algo que nao se encaixa
nesses modelos nem sera entendido nem tera credibilidade aos olhos da plateia.
Entao, o
ficcionista molda muito mais a cabeca do espectador do que o jornalista, cujo trabalho
tern uma vida curta, mas o modelo da ficcao e repetido vezes sem conta em inumeros
meios de expressao.
O mundo da nossa experiencia interior so pode ser expresso mediante analogia com
a
e diferentes com o mundo interior de qualquer outra pessoa que ja existiu. Saber quais
sao
nos a nos mesmos atraves da imagem do outro, mas significa tambem conhecer o
outro
atraves da nossa imagem, e sem isto nao ha verdadeira convivencia humana. Esta e
a
podemos compreender a alma alheia por meio do conhecimento dos seus analogos
na
nossa alma, e estes analogos, por sua vez, sao conhecidos atraves dos simbolos que
a
problema, temos que comecar por elaborar uma narrativa, e esta accao pode, so por
si,
para cometer um crime. A partir daqui, podemos imaginar o que farlamos na mesma
situacao.
e numa fonte imprescindivel para nos. A medida que as leituras prosseguem, iremos
143
passa dentro de nos. A conquista desta transparency assinala a maturidade, que nao
pode
existir fora de uma certa maturidade intelectual. A pessoa que esta bem encaixada no
meio
social pode ainda nao ter alcangado a maturidade e a sua alma ser um conjunto de
deformidades. Normalidade nao e sanidade, que e algo que implica uma transparency
Poesia e filosofia
imagens em outras pessoas que tiveram a mesma experiencia. Isto vai desaparecer
na
que se torna dificil saber do que ele esta falando, mas quando se faz a dccifracao dos
elementos, vemos que todos os recursos sonoros da poesia foram usados de forma
Camoes, por exemplo, tambem podemos ter alguma estranheza e achar os versos
Camoes era a mesma do homem comum do seu tempo - algo caracteristico dos
momentos em que houve grande literatura e que da a unidade a uma cultura - e, sem
romper com a imaginagao usual da sua epoca, ele conseguia subir ate ao mundo da
filosofia platonica.
pessoas pensam que ele apenas se referia a impressoes sensiveis banais, mas nao
e isto.
pessoas se for verbalizada, e tambem so ai pode ser pensada por nos. Entao, torna-
se
nao pode fazer mais do que isto, ao ponto de Platao ter sido o unico poeta-filosofo na
realidade que ja nao podia ser expresso doutrinalmente; entao, completava o clrculo
constituem o minimo de referencia para poder existir uma vida comunitaria. O poeta e
um dos pilares que gera a civilizacao ao criar um espaco comunicante em que os
homens
144
a participagao por analogia num novo cspaco. A partir da sua experiencia, interna ou
geral - que pode usar palavras de uso raro mas nao termos especializados ao mesmo
tempo que presta tributo a tradicao do seu oficio, nem que seja pela transgressao.
Quase
sempre, o poeta procura usar combinacoes de palavras que possam dar novas
acepcoes
fora do que e padrao. A experiencia de participacao que possibilita o poeta, assim
como o
artista, e apenas imaginativa, sem intervengao directa e flsica. Isso vai distingui-la de
outros tipos de experiencia, e por isso nos fugimos de certos horrores na experiencia
O filosofo faz algo diferente do poeta, logo por nao estar no meio da sua comunidade
mas comecar por virar costas a ela, e vai procurar nao aquilo que a experiencia pode
dizer
a todos os homens ao mesmo tempo mas apenas aquilo que, aos poucos, se revela
aos que
continuamente a contemplam. Ele dialoga com o ser e nao com a tribo; por isso os
filosofos aparecem muito mais tarde do que poetas, magos, sacerdotes e profetas,
sendo
reflexao, que e algo acidental e instrumental na filosofia, tal como o e na poesia. Poeta
e
segundo para linguagem logica. Quando, mais tarde, o filosofo defrontou na polls
retoricos
tarefa e similar a do poeta, mas enquanto este tern que transformar a intuigao em
moeda
respeito, o filosofo tern que fazer esta reflexao continuamente para que a intuigao se
integre profundamente na estrutura do seu ser e nao seja apenas um vislumbre a partir
de
um determinado ponto de vista de algo que ainda pode estar mal destringado de areas
condenando o filosofo a nada deixar registado ou a que a sua verbalizacao tome uma
forma criptografica, que apenas pode ser devidamente compreendida por quern faca
o
bom poeta comunica-se com todos; o bom filosofo fala para outros filosofos. Aqueles
acidental a filosofia, que tern como fim o conhecer e nao o transmitir. O poeta
consegue
mesmo comunicar-se com aqueles que nao queiram fazer um es forgo mental de
vantagem de nao ser uma mera sabedoria alusiva e simbolica, como na poesia, mas
uma
a poesia e uma sabedoria que busca os homens, pelo que a poesia acaba por ser
uma
forma concisa de filosofia, ao passo que a filosofia e uma poesia recolhida ao estado
de
experiencia interior.
145
O portador do saber filosofico e o homem e nao o livro nem qualquer outro registo,
que
apenas pode condensar alguns princlpios gerais e dar alguns exemplos. O filosofo
alberga
aquele saber vivo em si e tem o poder de lhe dar ilimitadas encarnagoes, algumas
interior onde tudo aquilo se gerou: e isto so e possivel por meio da narracao, do drama
e
da poesia, nao vertidos em obras literarias mas numa articulagao harmonica em que
se
poetica. Contudo, quando o filosofo consegue ser mais comunicavel, isso de forma
alguma indicia que ele foi mais profundo ou sabio. A nitidez verbal nao tem de coincidir
Um poeta tem, em geral, duas ou tres grandes obras, que dispensam as restantes,
mas
tudo o que filosofo deixou escrito pode ser relevante; ate curtas mensagens podem
alterar
a ideia que se tinha do conjunto: todas estas coisas sao apenas testemunhos do
filosofema,
que e o sistema ideal de intuigoes e pensamentos que se ocultam por tras dos textos,
ea
compreensao da filosofia passa pela sua reconstrugao - que nunca sera completa -,
como
quern executa uma partitura para a musica poder existir. Ja a obra poetica basta ser
bem
lida para ser compreendida. Faz parte do filosofema uma serie de atitudes pessoais
concretas que o filosofo tomou, sendo um exemplo caracteristico a dignidade de
Socrates
ante a morte. Na literatura, os detalhes biograficos nao devem, em geral, fazer parte
da
interpretacao dos textos, ja que o escritor nao tem que acreditar no que escreve depois
do
nao pode e mentir, racionalizando o seu pecado para o poder integrar a forca no seu
sistema. Tambem nao pode esquecer, porque a filosofia, ao inves de ser a elaboragao
de
uma obra, e a e criacao incessante de uma consciencia: saber e saber que sabe e a
cruz que
o filosofo tem de carregar. Isto nao quer dizer que compreendemos um filosofo atraves
da sua biografia, porque esta nao pode revelar a unidade de pensamento que falta
aos
registos escritos ou aos ensinamentos orais, e por isso Nietzsche e poeta e nao
filosofo.
partindo do principio que o filosofo e fiel a sua filosofia. Ja a obra artistica exige ao
artista
devocao ao cria-la mas nao fidelidade depois de pronta, sendo vulgar o artista e o
escritor
sentirem que devem libertar-se da obra depois desta estar terminada. Porem, o
homem de
pensamento carrega sempre o que ja elaborou, mesmo quando se trata de renegar o
antes
A coerencia entre actos e a obra do filosofo nao e um requisite moral, antes e uma
ligacao
experiencia encontra a autoconsciencia, pelo que a prcsenca do filosofo nao pode ser
146
Leitura e hermeneutica
O conhecimento nao se encontra nas coisas, nem mesmo nos livros, mas na
inteligencia.
essencial. Devemos nao apenas ler os livros essenciais mas tambem buscar neles o
que e
em pratica. Nas obras religiosas esta o essencial do essencial, mas estas sao muito
dificeis
de ler e tern provocado muita discussao. Saber o que e obra religiosa nao e tao obvio
como possa parecer, ja que autores como Platao e Aristoteles sao considerados
religiosos
dentro de algumas trad i goes, assim como acontece para os relatos miticos de povos
fazer isso, temos de partir de onde estamos e nao de onde deviamos estar. Qualquer
assunto tern sempre alguma ligagao com o coragao da realidade, por mais Infima que
seja,
como sinais para nos alertar. Interpretar esses sinais e a arte da hermeneutica, que
vem de
Hermes, condutor das almas ao Hades, e serve de simbolo daquilo que une (costura)
os
para ligar o particular ao geral, a uniao simbolica entre o individual e o universal, que
se
filologia antiga tinha um sentido espiritual, era uma reverberagao do amor a Deus,
materializada pelo amor e entendimento dos escritos humanos. Ela tinha uma fungao
A aquisigao de cultura literaria, que e a base de toda a educagao, deve ser feita
atraves de
tres pilares. O primeiro, e mais obvio, e a propria leitura das grandes obras de
literatura,
que tern de ser um habito para nos, tendo em vista a constante ampliagao do nosso
imaginario. A leitura constante dos grandes livros - nao so de literatura mas em todos
os
domlnios do conhecimento que nos sao acesslveis - serve nao so para conquistar
alguma
inimaginavel para quern nao tenha adquirido cultura. Para que as leituras se integrem
na
culturais que temos para adquirir e ilimitado, mas mais importante que o volume e
nunca
147
actividade ludica, que busca o prazer, nao vamos penetrar profundamente na alma
dos
autores. A leitura pode, assim, se tornar num vlcio, mas nada daquilo se ira incorporar
em
nos, quanto muito servira para obtermos algum brilho social. Aqullo que os grandes
escritores fizeram nas suas obras foi mortalmente serio, nao tinha como objectivo
oferecer momentos de diversao aos leitores. Nao vamos aprender nada se nao
importante nao cair no erro de ler somente coisas de que gostamos, ou iremos gostar
sempre das mesmas coisas. O nosso gosto deve se abrir para outras coisas. Existem
mundos inteiros que nao sao atingidos pelas nossas preferencias, pelo que nao temos
que
seguir o nosso gosto mas procurar aquilo que leram as pessoas de grande nlvel
cultural e
O terceiro pilar e a reflexao critica sobre a literatura, tendo como fulcro a experiencia
humana e o aprofundamento da tecnica literaria. Esta reflexao da-nos a conhecer as
Lins, Adolfo Casais Monteiro e o proprio Otto Maria Carpeaux. A critica literaria, que e
escritores, acaba por ser a primeira disciplina filosofica, dado que e a expressao
intelecmal
mais imediata da experiencia literaria. Nao vamos confundir a critica literaria com os
estudos literarios, que produziram um mar sem fim de vacuidades e disparates. Estes
estudos tomaram a lingua como um objecto de estudo, que tern a sua propria
estrutura,
que se vai desencontrar da realidade. O resultado foi que os estudiosos desta area
logicas. Esta e a tendencia dos ultimos seculos, que comegou com a duvida cartesiana
e
qualquer coisa que possamos chamar realidade. A critica literaria de que aqui falamos,
pelo
contrario, nao e o estudo das obras em si, desligadas da realidade. Trata-se de uma
actividade exercida por leitores privilegiados, que sao capacitados para expressar algo
da
sua experiencia de leitura, ao mesmo tempo que a inserem num quadro cultural
historico
realmente a situacao por dentro. Os elementos culturais adquiridos tern que se tornar,
em
transparency as nossas relacoes com a realidade total. Nao vamos aprender nada se
as
leimras nao tiverem um profundo impacto em nos. Para isso, na literatura de ficcao, e
porque sempre temos algum ponto de contacto com aquela pessoa, ja que todas as
148
paixoes humanas estao presentes em todos os coracocs, e por mais diferente que a
personagem seja de nos, ela sempre tera algum equivalente em nos. Quem nao e
capaz de
ler um livro tambem nao pode pensar em se comunicar com Deus, que nao tern razao
alguma para recompensar a nossa preguica moral e intelectual. Ele vai nos socorrer
Sobre a leitura
Antes de relatarmos o que as leituras devem ser para nos, comecamos por dizer o
que elas
nao devem ser. Ja tlnhamos visto que nao era aconselhavel adoptar a optica dos
estudos
literarios. As leituras tambem nao devem ser feitas como contemplates esteticas nem
ser
uma busca do prazer. Sao Tomas de Aquino explicava que o prazer e o efeito de uma
acgao completada, e este efeito nao esta na propria accao, sendo um resultado
subjectivo
leituras darem prazer, elas tern que fazer alguma coisa em nos, e o que
potencialmente
pode sair daqui e um prazer bem modesto comparado com o prazer que outras coisas
podem fornecer. Nao temos de adquirir o “prazer da leitura” mas sim o gosto pelo
conhecimento, especialmente daquilo que se vai incorporar em nos.
As leituras devem ser feitas para adquirir, progressivamente, uma linguagem que nos
Nao e por acaso que os grandes romancistas sao aqueles cuja percepgao moral e
mais
que os escritores descrevem sao experiencias reais, que podem ser partilhadas por
milhoes
historica e cultural mediante a analogia que ela tern com experiencias anteriores ja
vertidas
encaixar numa tradic;ao historica e literaria. Aristoteles dizia que nao existia
compreensao
do singular absoluto. Aquilo que nao tern analogia com nada, que e totalmente sui
generis,
deixar dirigir pela obra literaria, sem medo de sermos influenciados, e ve-la com um
slmbolo - uma matriz de inteleccoes, segundo Susanne Langer -, que nos abre portas
149
foram usados, pelo que e um duplo enriquecimento: ao mesmo tempo que obtemos
uma
rede de slmbolos que ilumina a nossa vida e experiencia, tambem obtemos os meios
de
dizer aquilo. Esta aqui impllcito que a linguagem nunca podera dizer tudo, sempre
comunicagao.
Roman Ingarden fala nas varias camadas da obra literaria, distingao que nos ajuda no
uma camada de coisas a que esses sons se referem e que sao imaginados como se
fossem
um segundo andar; num terceiro estrato aparecem os enredos e os dramas que estao
sendo narrados; e assim por diante. Numa primeira leitura, vamos para as coisas, para
os
enredos, mas quando mais tarde lermos com mais atencao, comecamos a ver a
relacao
sons nao iria funcionar, e esse e o grande problema com a traducao. A isto acresce o
problema da complexidade da criacao em algumas obras, que podem ter sido feitas
para
como em Gerardo Mello Mourao. Mas mesmo os romances podem ter muitas frases
que
A aquisigao da cultura literaria, tal como a entendemos aqui, vai ser naturalmente
progressiva, ja que nao podemos captar tudo num primeiro momento. Jorge Luis
Borges
dizia que, para compreender um unico livro, e preciso ter lido muitos livros. A
experiencia
memorativo. Se este conteudo for exclusivamente pessoal e singular, nao pode ser
pessoais, cada coisa nossa tinha de ser associada a um historia pessoal, o que seria
muito
Isto da-nos um criterio para sabermos se estamos a ler com qualidade. Para os fins
que
nos interessam, que nao sao literarios, uma leitura esta a ser feita com qualidade se
vida, entao, elas estao funcionando. Quanto mais leituras fizermos, mais pontos de
ricas e precisas.
Leitura de poesia
A aquisigao de cultura literaria pode comecar com a leitura de poesia, o que levanta
poesia Utica visa expressar determinados momentos sem que ali esteja vertida, de
forma
exprimir algo totalmente diferente. Importa apenas na lirica fixar um estado de esplrito,
que sempre sera passageiro, da maneira mais fiel que for possivel, de modo a que o
leitor
possa ali identificar vivencias semelhantes que teve, mesmo que sejam de desespero
e de
regras gerais.
A leitura de poesia e facilitada para quern tenha ja sido submetido a uma cultura
literaria
decorar poemas. A memorizagao de poesia e um exercicio muito bom, que cria uma
se a ele saber de cor boa parte da poesia universal. Isto criava um tesouro de
ressonancias
tradicao literaria inteira a escrever pela sua mao. Ele definia a poesia como uma forma
memoravel de dizer, o que tambem significa que se trata de material que merece ser
memorizado. A medida que vamos decorando cada vez mais coisas, a rapidez na
memorizagao de novos poemas aumenta. Nao temos que interpretar a obra literaria,
ela
propria voz, e eles acabarao por se tornar mesmo em linguagem nossa. E importante
declamar os poemas em voz alta, bem articulada. Fazer isto em grupo e muito
proveitoso
sentindo aquilo, e assim o poeta falara pela nossa boca. A poesia lirica ja deve ter
registado
todos os estados interiores possiveis ao ser humano, se nao na nossa lingua, entao
noutra.
leitura lenta (5.2), ja que nao ha forma de ler poesia sem fazer todo um mar de
evocacoes,
e de cada vez que lermos o mesmo poema, sempre novas virao. Para isso, vamos
nos
deixar hipnotizar pelo poema, como se estivessemos num sonho acordado dirigido
pelo
poeta. Nao vamos temer ser influenciados, ja que este temor, paradoxalmente, nos
torna
vivamente que se assista de novo a aula 108, onde sao lidos varios poemas, que
expressam
coisas muito diferentes. Os poemas lidos sao em lingua portuguesa mas a lista
fornecida
amada”. Decorando alguns sonetos iremos conseguir escrever algumas frases com
Leitura de ficqao
moralmente. Em tudo o que lemos, temos que nos colocar num ponto de vista em que
tern razao ou nao, vamos reconstituir mentalmente experiences que tornam aquilo
nos, ainda que os nossos impulsos predominantes nada tenham a ver com os dela.
Algumas leituras podem estar acima do nosso nlvel de compreensao, mas temos
muito
tempo pela frente e os centros de referenda da nossa vida irao mudar muitas vezes.
comccar pelos romances, desde o seculo XVIII ate metade do seculo XX. Este e um
situagoes sao representadas de uma forma intensificada e com uma nitidez que nao
existe
na vida real, onde vivemos em simultaneo uma pluralidade de dramas sem ligagao.
Nao
vamos ler as obras de ficcao de um ponto de vista estrutural, mas vamos encara-las
como
depoimentos. Isto pode ser aprofundado em termos psicologicos, nao com uma
O que ler
Ao inves de avancarmos com um piano de leituras unico, serao aqui avangados varios,
a
executar em paralelo, dentro da medida das possibilidades de cada um. Cada listagem
e
necessariamente ser feitas assim. As listas avangadas sao apenas indicates que
servem
para cada um fazer as suas selecgoes e elaborar os seus pianos de leitura. O estudo
da
historia da literatura pode ser feito a parte, como ja foi referido, assim como as leituras
152
complementares dos grandes crlticos literarios. A facilidade da leitura nao pode ser
um
criterio que decida o que vamos ler primeiro. Podemos logo partir para obras muito
Lista minima de leituras — Composta por aquilo que formou o imaginario de todos os
filosofos ocidentais ate ao seculo XIX: a Blblia, Homero, mitologia grega e teatro grego.
***
Lista “completa” - Dada por Otto Maria Carpeaux, na sua Historia da Uteratura
Ocidental \ com mais de 3000 nomes, de Homero a Nikos Kazantzakis. Fazemos aqui
um
e depois damos uma continuagao parcial com uma lista de romancistas aconselhados.
A
partir deste resumo e possivel extrair um curto numero de autores a que se poderia
que este resumo nao dispensa a leitura da propria Historia de Otto Maria Carpeaux,
pelo
A literatura ocidental comega com a heranca grega, cujos primeiros nomes sonantes
sao
Homero e Hesiodo. Depois surge o florescimento da poesia lirica, como veio a ser
variantes, comega por ser poesia coral, em que Aleman e o primeiro nome que nos
chega,
reflexao, aparecendo tambem aqui o senso da polls. Calino foi o primeiro elegiaco,
Safe, Anacreonte e Arquiloco, se bem que este ultimo tambem se diga ligado a poesia
iambica. Os ultimos poetas gregos notaveis sao Calimaco e Teocrito, este ultimo tendo
criado o genero bucolico. O teatro foi uma das maiores contribuicoes literarias dadas
Menandro com a comedia nova, que teria depois em Plauto e Terencio os seu
representantes latinos. Na Grecia surgiram quase todas as disciplinas que temos hoje,
mas
Heranca Romana
A primeira vista, a literatura romana parece uma sombra da grega, uma imitagao
diminuida. Mas nunca existiu uma tentativa de copiar literalmente os gregos, tendo os
latinos introduzido um espirito diferente e mais acessivel aos modernos, que foram
153
sobretudo aqui buscar os seus modelos e nao aos gregos. A polivalencia de Cicero e
a
influencia que teve nos seculos que se lhe seguiram tornam-no o primeiro homem de
letras.
Lucrecio e urn poeta epicurista, cuja originalidade nao lhe e justamente reconhecida,
e
no que nao foram mais seguidos. Os poetas llricos gregos estao mais proximos dos
modernos do que dos gregos, e entre eles destacam-se Catulo, Propercio e Tlbulo.
Os
poetas romanos que se tornaram mais famosos e influentes - o que nao os torna
avivar-se com Tito Llvio, que a falta de elementos para elaborar um aHistoria exacta
concebeu uma ideal. Mais tarde, Tacito ira revelar-se um grande historiografo a-
historico.
incontornavel das letras latinas, filosofo estoico, sao dele as unicas tragedias que se
quase poderlamos dizer comerciais: Petronio, Penio e Juvenal apostam nas satiras, o
primeiro num estilo que parece actual, o segundo envereda pela indignacao estoica e
o
Velho e o Novo -, ambos poetas naturalistas, assim como Apuleio e Luciano, comccam
a
romano, mas ainda a tempo de aparecer um imperador cujas letras nao calram no
esquecimento: Marco Aurelio. Fecham a heranca romana Ausonio, Claudiano e
Boecio.
comega a Idade Media e tern inlcio uma lenta definigao de fronteiras das nagoes
europeias,
que se haveria de prolongar por muitos seculos, nunia alianca conflituosa entre o
papado
e os reis ocidentais. Do clero vao sair os primeiros intelectuais locais, como Beda
ia caindo nos costumes barbaros, ate que no inlcio do seculo X acontece a reacgao
com a
Sao Bernardo de Claraval, monge cisterciense, vai aliar a alma do asceta visionario
com a
do politico asceta. Adam de St. Victor e um criador de hinos, que se destacam mais
pelas
suas qualidade literarias do que liturgicas, onde o proprio Sao Tomas de Aquino
mostrar-
se-a, mais tarde, imbatlvel, nesta vertente pela qual e pouco conhecido.
154
lingua vulgar. Aparece, entao, a poesia popular nas aldeias e ruas das cidades. Como
que
ira dominar a Europa inteira por seculos. Em poucos anos, afirmam-se nomes como
Bernard de Ventadour, Arnaut Daniel, Giraut de Borneil, Bertran de Born, Peire Vidal
e
de Baena. Tambem a Alemanha tern a sua propria literatura provencal, com autores
de
grande qualidade: Walther von der Vogelweide, Neidhart von Reuntal e Ulrich von
lendas arturianas para elaborar os seus romances corteses. Da mesma fonte lendaria,
a
lenda de Tristao e Iso/da e explorada por Thomas de Inglaterra e pelo alemao Gottfried
von
Strassburg. A versao deste ultimo, alias, baseada no primeiro, serviu para a opera
novo ciclo de Troia. Em Espanha, Don Juan Manuel afirma-se como um dos grandes
fazer brilhar a poesia liturgica. Assis e uma das influencias de Jocopone da Todi, um
dos
Ruiz.
E eis que surge o fabuloso “trecento” italiano, com alguns dos maiores nomes de
sempre.
o maior nome da Idade Media, ele que trouxe a Europa para a literatura inglesa. Jan
van
o uso da imaginagao fantastica, mas Marco Polo quase provoca o mesmo efeito
cronistas como Jean Froissart, Pero Lopez de Ayala, Fernao Lopes e Philippe de
Commynes. O outono da Idade Media vai ser preenchido pela colectanea iberica de
novelas de cavalaria Amadis de Gaula , que teve em Thomas Malory a sua versao
inglesa; em
Italia surge a novela erotica com Enea Silvio Piccolomini; Juan de Mena tenta fazer
um
Renascenca e Reforma
Alguns dos nomes que se inserem nesta parte precedent temporalmente outros que
se
distinto, apesar da Renascenga nao ser tanto uma renovagao dos modelos classicos
como
155
“Quattrocentro” italiano pretende explorar um homem integral, pelo que da maior
relevancia aos elementos flsicos, bem como a natureza, como acontece com
Leonardo
paganismo sensual. O realismo continua com Matteo Maria Boiardo, numa versao
mais
romantica. Luigi Pulci acaba por ser um humorista que lembra Aristofanes. Giovanni
Pontano e o poeta burgues que tanto canta o amor dionisiaco, a astrologia, como
tambem
Com Francesco Colonna entra-se no “Cinquecento” italiano; ele procura imitar a visao
de
Dante mas com toques humanistas, acabando por criar um mundo de arte pura, mas
sem
conseguir fugir a um certa angustia religiosa. Esta tambem era caracteristica dos
escritores
realismo num fundo ceptico, de quern acha que o mundo e um caos desordenado. No
latim e passou para a lingua vulgar. Leone Ebreo apresentou uma teoria do amor, que
misturava o amor platonico com o amor sensual, tendo influenciado muito a sua epoca,
incluindo Camoes. Gaspara Stampa parte de Petrarca mas alcanna uma expressao
pessoal
europeia, mas esta ja esta despida do mito. Este novo modelo seduziu o portugues
Plauto, por Bibiena, Aretino, Giammaria Cecchi, Antonio Francesco Grazzini (tambem
mais conhecido pelas suas observances pollticas. Battista Mantovano elabora uma
poesia
Aretino nao tinha cultura classica nem protectores e utilizava a imprensa para
aterrorizar a
opiniao publica e veicular a sua literatura pornografica. Teofilo Folengo foi poeta
poesia para exprimir aquilo que a escultura nao podia mostrar. Francesco Guicciardini
foi
melhor historiador do que Maquiavel, por saber distinguir a teoria dos factos. A
literatura
italiana comega a decair e sobra a do povo, em nomes como Alione, que escreveu
farsas
A Renascenca nao se limitou a Italia, mas foi daqui que partiram as principais
influencias.
Juan Boscan, espanhol, recebeu influencias de uma Italia em parte dominada por
corrente petrarquista em Portugal, cujo maior expoente e Camoes, tao grande que
nem se
pode incluir propriamente nesta corrente. Fr. Agostinho da Cruz e outro grande
petrarquista portugues, que se torna ermita, realizando assim a sua aspiracao poetica.
Em
Franca, as influencias italianas entram na cidade de Lyon, sendo o grande poeta desta
escola Maurice Sceve, mas mais homenagens futuras recebeu Louise Labe pelos
seus
Joachim du Bellay. Mas outros nomes deste grupo nao sao desprezaveis: Jean-
Antoine de
Baif, Pontus de Tyard e Etienne Jodelle. Robert Gamier fez algumas grande s pccas
de
por Henry Howard — Earl of Surrey -, preparando o caminho para Shakespeare. Nao
sao
inferiores aos da Pleiade os sonetos ingleses, sendo tambem influenciados por estes,
em
nomes como Samuel Daniel, Michael Drayton e Sir Philip Sidney. Sir Walter Raleigh
colocou a sua imensa experiencia de vida na poesia. Numa epoca em que as cangoes
especial no capltulo erotico. William Browne e o ultimo dos poetas Hricos cujas
cancoes
literatura: Richard Hakluyt, na Inglaterra; na Espanha por Bernal Diaz del Castillo e
Alonso de Ercilla y Zuniga; em Portugal por Camoes e Fernao Mendes Pinto. Ainda
em
Espanha por Garciliano de la Vega brilha (ecloga), que teve como sucessor de monta
ponto de partida, em Espanha, foi dado por Jorge de Montemayor, depois secundado
por
Gil Polo; em Portugal destaque para Francisco Rodrigues Lobo e Samuel Usque; em
Inglaterra, Robert Greene, Thomas Lodge e John Barclay; em Franca, Honore D’Urfe.
A Rcnancenca foi se internacionalizando cada vez mais, chegando tambem a Europa
latinas. Na Hungria, Balint Balassa e o primeiro grande poeta, que acabou por morrer
no
campo de batalha. O maior poeta das literaturas jugoslavas e Ivo Frane Gundulic, que
tern
Guevara aposta numa moral crista estoica e num imperialismo espiritual. Fernando de
foi a ultima forma, cujo maior representante foi Justus Lipsius. Montaigne e o grande
Mas a Idade Media ainda nao estava esquecida e servia de mote para a critica satlrica
aos
desta via, mas foi maior poeta do que Sachs, alem de ser um grande artista. Ele pode-
se
enquadrar dentro do teatro espanhol, onde pontificavam nomes como Juan del
Encina,
um romancista ingles que mistura varios elementos distintos para fazer uma literatura
ao
literatura universal que permanece leglvel hoje como literatura divertida e critica. Ulrich
von Hutten e o alemao que permitiu que o humanismo no seu pals nao tivesse
nao e propriamente uma renascenga. Martlnho Lutero, no bem e no mal, e uma das
uma Renascenca crista como Erasmo. Calvino e menos interessante que Lutero, mas
igualmente forte e disciplinado pela sua formagao humanista, apesar de nao ser um
Morus foi quern seguiu de forma mais brilhante as tese de Erasmo de Roterdao, sendo
esse posto ocupado em Portugal por Damiao de Gois, e em Espanha por Luis Vives,
mas
sem o elemento mlstico que possui Francisco de Aldana. Em Espanha tambem havia
uma
mistica de origem nacional, cujo maior expoente era o beato Juan de Avila. Fr. Luis
de
pela sua historiografia. Alfonso de Valdes morreu catolico mas a sua literatura tern o
podem-se tirar licoes morais. Theodore Agrippa d’Aubigne foi um dos grandes
criadores
de satiras na Franca e o primeiro grande poeta do Barroco frances. Paul Gerhardt e o
Arrebo, mas o cume foi atingido por Thomas Kingo. Johannes Stalpaert van der Wiele
Andrewes tern sermoes dificeis de ler, mas sem paralelo no mundo. Ali, com Richard
Barroco e Classicismo
francesa, inglesa e holandesa - ja estao muito vincadas. Luigi Tansillo aparece no pre-
barroco italiano, ja com novos sentimentos mas ainda ligado a epoca anterior.
Giambattista Marino foi o poeta mais famoso do seu tempo, e o seu interesse pioneiro
pelas artes plasticas foi vertido na literatura, tornando-o maior artista do que poeta.
Teve
passadista, que tentou fazer uma arte solene a moda de Pindaro. Fulvio Testi, porem,
supera-o, porque nao aposta apenas na forma e revela uma autentica alma romana,
sincero
mas sem verdadeira arte. Em Espanha, o barroco vai evidenciar-se em forca com Luis
de
Gongora y Argote, grande tecnico da poesia, que dominava todos os estilos, acabando
por criar uma lingua particular. Levantam-se um sem numero de poetas contra
Gongora,
mas que nao conseguem deixar de ser gongoristas, como Juan de Jauregui. Dos
gongoristas fieis, apenas a poetlsa Juana Ines de la Cruz possula algo do genio do
mestre.
grande poeta lirico e dramaturgo, mas superado pelo jesuita polaco Matthaues
Sarbievius.
Em Italia, destaca-se Frederico della Valle no teatro jesuitico. Este estilo existia em
toda a
parte, mas vai atingir o auge na Austria e na Alemanha meridional, onde aparece
Jacobus
Vega cria uma sintese tipica da liberdade que o teatro tinha neste pais, juntando o
lado
Vicente. Tirso de Molina esta um pouco abaixo de Vega mas conseguiu tornar o
Barroco
Comedia Famosa del Gran Seneca de Fspana, Felipe II. Luis Velez de Guevara trans
forma o
de Vega era o Barroco popular, mas nao por antitese, pois sem Vega nao teria existido
Francisco de Rojas Zorrilla e discipulo de Calderon, mas opta por uma veia popular
mais
ao estilo de Vega. Calderon teve inumeros outros seguidores, mas apenas alguns
merecem
destaque: Juan de la Hoz y Mota, Jeronimo de Cuellar, Antonio Coello. Agustin Moreto
y
Cavana faz boas refundigoes das pecas de Lope de Vega, mas a sua grande
imaginacao
flea diminuida pela falta de realidade dramatica. Com Francisco Antonio de Bances
Candamo ja mdo e pura fantasia, juntando a poesia musical gongorica a fantasia das
mitologias de Calderon, mas nesta altura ja isto tinha uma versao ainda mais
espectacular:
O drama pastoril torna-se numa das expressoes tipicas do Barroco, convivendo com
o
romance poetico. Estas formas ja existiam antes e o que aparece como novidade no
159
no seu tempo mas depois calda injustamente em descredito. Esta peca gerou muitas
Randolph. Mas Torquato Tasso, ele que foi um dos poetas mais famosos da literatura
universal e o ultimo grande italiano a influenciar a Europa inteira, foi tambem o criador
quando na realidade apenas se limitou a tratar como epopeia o que apenas era
burlesco.
Charles Sorel. Thomas Nash fez o primeiro romance de caracteristicas inglesas, como
se
picaresco escrito fora de Espanha, e uma das maiores obras alemas de sempre.
Christian
Reuter fez comedias muito originais, onde realga o elemento satirico do romance
picaresco.
Renascenca internacional e vai entrar em pleno estilo Barroco; mas ele tambem
concebe a
por fim, os seus sonetos completam o legado que o tornou imortal. George Chapman
eo
primeiro dos “metaphysical poets”. Ben Jonson foi um dos maiores poetas
companheiros
de Shakespeare, grande llrico mas cuja prosa era a forma natural de expressao,
contudo
foi pouco popular na sua epoca, especialmente em contraste com Thomas Dekker,
que
tambem foi um grande poeta dramatico. Thomas Middleton foi o ultimo dramaturgo da
geragao de Shakespeare, que ainda em vida veria a sua fama ser suplantada por John
dramaturgo, que sem ser grande poeta e um grande mestre do verso. John Webster
mostrou um teatro essencialmente llrico, com dramas de horror fascinante, mas ele
nao
deixou de ser um dos maiores poetas da literatura universal. John Ford, poeta de
musicas
160
Joost Van den Vondel e o maior poeta holandes, merecendo tambem destaque ao
nlvel da
classica atraves da Franga e depois cria uma arte barroca. Depois de varios
seguidores
primeiro poeta llrico de nota em lingua alema. Andreas Gryphius aparece como um
autentico poeta, sendo tambem um dramaturgo notavel. Johan Scheffler e o grande
primeiro e o maior dos “cavalier poets”, mas o mais famoso foi Richard Lovelace, e o
ultimo Edmund Waller. Robert Southwell representa uma versao religiosa, quase
erotica.
sabedoria. John Donne e uma dos maiores poetas barrocos, ao lado de Gongora;
celebrou
o maior sacro do seu tempo, secundado por Jeremy Taylor. George Herbert foi o unico
“metafisico” que se tornou popular, poeta religioso e subtil, de grande riqueza ritmica.
catolico entre eles e o mais barroco de todos, mlstico e descendente de Donne. Henry
Vaughan e tambem mlstico mas mais sentimental. Thomas Traherne e o ultimo dos
“metaflsicos”, grande retorico e tambem mlstico. Izaak Walton foi o unico que lhe
e maior poeta ingles depois de Shakespeare, cuja obra Paradise Lost e uma das
grandes
epopeias dos ultimos seculos. Andrew Marvel recebeu influencias de Milton, dos
metaflsicos, e torna-se no gentleman mais fino da poesia inglesa. John Bunyan foi um
mitos que voltaram a comover o povo, tal como tinha feito Shakespeare.
San Juan de la Cruz foi um grande humanista e mlstico, cuja poesia religiosa e a mais
erotica do Barroco. Santa Teresa de Avila traz-nos para terra firme, realista, cuja
mlstica e
cultura classica. Guillaume de Brebeuf foi o maior dos poetas religiosos do Barroco
doengas. Paolo Segneri foi um pregador da corte papal, moralista destemido sem
medo de
enfrentar a hierarquia. Jacques-Benigne Bossuet foi um dos maiores oradores cristaos
de
todos os tempos, colocando o seu genio nao ao servigo da sua personalidade mas ao
servigo da verdade. Louis Bourdaloue foi o maior orador sacro jesuita, moralista ao
estilo
161
grandes efeitos retoricos. Blaise Pascal e o primeiro grande prosador frances e o mais
Foi assim que aconteceu em varios paises, como em Franca, com Alexandre Hardy,
o
primeiro a escrever pccas para serem representadas e nao lidas. Outro pioneiro,
discipulo
dos italianos, foi Jean de Mairet. Pierre Corneille criou a simplicidade do teatro classico
ea
tragedia psicologica cheia de conflitos historicos invisiveis. Thomas Corneille escreveu
algumas das pegas mais famosas da epoca. La Rochefoucauld foi aforista famoso,
em que
abandono. Madame de La Fayette foi outra grande dama, ja fazia romances que nao
Dominique Boileau foi uma personalidade literaria imponente, tendo apresentado uma
teoria poetica que poucos na altura nao se atreveriam a seguir. Tristan L'Hermite, de
influencias espanholas e italianas, foi um precursor de Jean Racine, este que foi o
poeta
mais perfeito da lingua francesa e aquele sobre o qual maior numero de lugares
comuns se
disse, como o de ser uma mistura de Sofocles com o jansenismo. Philippe Quinault
foi o
unico sucessor legitimo de Racine, apesar de mais velho que este, e apenas se
distinguiu a
Mas eis que tambem aparece um anti-barroco, marcado por uma oposicao ao
Cervantes Saavedra e conhecido mundialmente pelo seu Dom Quixote, menos pelas
Novelas
Exetnplares e ainda pelas suas pegas serias, uma vez que estas destoam do resto da
obra.
Vieira foi o grande pregador e epistolografo, jornalista corajoso, sempre com um fundo
Tommaso Campanella cria com a Citta del Sole uma utopia eclesiastica. Hugo Grotius
foi
um grande fabulista. Moliere e para os franceses o seu espelho do genio nacional, ele
que
dentro de uma regularidade cartesiana. Jean-T’rancois Regnard foi o mais famoso dos
162
dramaturgos que sucedeu a Moliere, embora estando-lhe abaixo, nao deixa de ser urn
excelente farsista.
Ilustracao e Revolucao
que tambem foram fonte para os pre-romanticos. Mas ainda no final do seculo XVII
aparece um Neobarroco, inspirado na decadencia alexandrina grega por pseudo-
membros e Benedetto Menzini um dos mais tlpicos, ao passo que Pietro Mestasio foi
o
maior e mais conhecido, o maior libretista do seculo XVIII e criador, dentro da literatura
Portugal, em nomes como Pedro Antonio Correia Gargao e, sobretudo, Bocage. Carl
Mikael Bellman e um dos grandes poetas de todos os tempos, sueco, tambem era
Na Inglaterra, John Dryden e tido como um dos mestres do verso satirico e o criador
do
teatro moderno, tendo sido tambem um grande critico literario. Thomas Otway e
W illi am Congreve e George Farquhar. Earl of Rochester, amigo Intimo do rei Carlos
II, e
o maior devasso da corte, revelando um verso sincero e com mestria. Samuel Pepys
mostrou a sinceridade absoluta no seu Diary, onde relata tudo o que lhe era posslvel.
testemunham de forma exemplar o valor da literatura por si so. Jean de La Bruyere foi
um
que nao estavam abaixo dos seus congeneres ingleses da altura. Louis Gresset foi o
ultimo
teatro classico frances, ele que mostrou que o Rococo tinha tanto possibilidades
Edward Gibbon escreveu a famosa Histoy of the Decline and Dali of the Koman
Empire, que e
grande literatura e ainda se pode consultar hoje como obra historiografica, apesar de
adoptar a formula da religiao ser a causa de todos os males. Nicolas Malebranche foi
um
dos esplritos, que ja nao tinha lugar no mundo racional. Giambattista Vico foi um ilustre
desconhecido no seu tempo, que Benedetto Croce deu a conhecer como um dos
grandes
163
genios da humanidade, ainda que a sua linguagem nao seja facil de entender, mas a
suas
***
cultura mais proxima, ao mesmo tempo que evidencia as lacunas desta literatura, que
tern
da geracao anterior onde ainda havia alta cultura, e assim iremos perceber a
***
pelo que constitui um precioso auxiliar da actividade filosofica. Ali, sempre ha algum
problema entre o indivlduo e a sociedade moderna, que tenta demolir a sua unidade
actualizagao pode ficar para mais tarde, quando estaremos tambem mais capacitados
para
identificar as obras que merecem atencao. Em geral, as obras mais recentes nao tern
a
Fielding, Laurence Sterne, Jane Austen, Johann Wolfgang von Goethe, Walter Scott,
August Strinberg, Henry James, Fiodor Dostoievski, Mark Twain, Oscar Wilde, Anatole
France, Thomas Mann, Jakob Wassermann, Plo Baroja, Joseph Conrad, Marcel
Proust,
Ramon Perez de Ayala, Hermann Hesse, Franz Kafka, D. H. Lawrence, James Joyce,
Bernanos, Thomas Wolfe, John dos Passos, Hermann Broch e Robert Musil.
***
Nas duas ultimas listas, as escolhas sao obviamente discutiveis, nao so pela inclusao
ou
omissao de alguns nomes mas pela sua propria extensao. Mas se com isto
provocarmos o
uma vez que e dever de cada aluno ler a Historia completa e tirar as suas notas.
Nao foi elaborada uma lista de poetas nem de dramaturgos de lingua estrangeira
(excepto
164
que podera ser facilmente elaborada a partir da obra de Otto Maria Carpeaux.
Tambem
nao foram considerados, em geral, os filosofos, embora algumas das suas obras
possam
ter um elevado valor literario. Mais tarde, estes autores aqui nao listados tambem terao
de
ser lidos para se poder compreender as influencias mutuas entre as varias formas
literarias, que se estendem tambem a outras artes, como a pintura e a musica.
Referencias:
Aulas 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 25, 28, 30, 31, 32, 37, 39, 42,
46,
47, 49, 58, 59, 60, 62, 68, 74, 80, 85, 87, 91, 92, 96, 108 e 112.
neutica.pdf
7%C3%A3o+Liter%C3%Alria+-+Qlavo+de+Carvalho.pdf
165
tambem pela experiencia estetica do mais alto nlvel. Serao abordadas, de forma
breve, as
Musica
essa musica sugere. A musica e como se fosse um sonho acordado dirigido sem
imagens,
mas tern uma repercussao interior dada por uma sequencia de cmocoes e
experiencias.
Para captarmos o seu conteudo, temos de ouvir muitas vezes ate conseguirmos
decorar e
extrair tudo o que a pcca tern para dar, o que em alguns casos parece ser um trabalho
trautear) recorrendo a memoria. Nao visamos fazer analise musical mas captar as
harmonias, melodias e ritmos que a musica transmite numa sucessao muito bem
com as situacoes reais. Nao se trata de fazer analise em cima mas de nos deixarmos
impregnar ate que a musica se torne numa estrutura do nosso imaginario. Daqui
podemos
fazer inumeras analogias com situacoes, textos, poesias, pinturas que tenham o
mesmo
O fenomeno da surdez tonal - pessoas que nao percebem melodia sem que isso seja
uma experiencia muito peculiar, que nao transmite apenas sons mas um enorme
conjunto
de significados, que vao muito alem dos signos. A musica vai condensar os ritmos e
sermoes de Bossuet, que evocam certas composites de Bach. O melhor livro a ler a
este
No seminario estao colocados links para listas de musicas tanto eruditas como
populares,
em especial country (ver abaixo). A musica erudita e uma musica de segundo grau,
criada
temos de acompanhar. Isso torna-a inadequada para alguns fins mais basicos e
essenciais,
pelo que temos de recorrer a musica popular. Uma boa colcccao de melodias em
memoria
ajuda-nos a captar a nossa continuidade interior, que pode ser vista como uma
melodia ou
de melodias manifesta-se a unidade da nossa pessoa, que nao se pode confundir com
a
Ao mesmo tempo, estas melodias sao uma defesa eficaz contra a banalidade do
ambiente.
Podemos mesmo aumentar imaginativamente o volume da melodia que recordamos
para
166
atencao ou mesmo a dar atencao ao que nao interessa. Todos os grandes filosofos e
escritores tem mundos inteiros dentro de si, que superam o proprio clrculo da
de outros lugares e epocas, pelo que temos de adquirir uma certa independence em
relagao ao ambiente psiquico em torno, mas sem nos alienarmos dele. A capacidade
de
nos desligarmos do imediato tem que ser articulada com a capacidade de integrar a
quisermos fugir dele. As melodias permitem-nos dar ou recusar atencao aos estimulos
As melodias que servem para estes fins tem de ter um sentido moral aceitavel, que se
encontra na musica folclorica e popular tradicional mas, em geral, ja esta ausente nas
suas
versoes industrials. A musica country genuina tem um sentido muito forte e falava da
experiencia real dos autores, que compunham em primeiro lugar para si mesmos e
para os
que era o circulo inicial ampliado. Este publico ainda tinha um forte sentido de
assim resultava muito limpida, feita de emocoes genuinas, sem elementos de fal si h
cacao e
particulares.
Seleccao de musicas:
Artes visuais
nas culturas mais primitivas. Entao, isso quer dizer que existe uma causa cultural
natural
aqui implicita. Aristo teles dizia que a arte nasce da imitagao, e sabemos hoje, pela
neurobiologia, que a nossa rede neuronal esta sempre imitando as formas que
percebemos, e daqui podemos fazer imitacoes de segundo grau que criem objectos
onde
aquelas formas sao fixadas. Quando o homem fixa um bisao na parede de uma
caverna,
167
criativo da arte e secundario, que aparece mais tarde em formas sofisticadas de
imitacao,
que vao para alem das necessidades cognitivas elementares do ser humano.
numa malha de conceitos, nao para o extrair da realidade mas para o localizar nela.
A
Arquitectura
interpretativas da realidade que podem ser lidas como livros. Nos livros de Pierre
No Brasil, o espago fisico foi apagado e substituido por algo totalmente diferente e
de forma do espago fisico foi lenta e nao foram registadas em livro algum. As pessoas
estao vivendo num caos estetico medonho e nem percebem, porque vao olhar apenas
importados, e acharao que tudo esta bem. Benedetto Croce amava a sua Napoles e
conhecia cada pcdaco dela, mas no Brasil ha uma mentalidade “dinheirista” que
destroi o
amor pelo espago onde se vive. E importante ver lugares bonitos, especialmente para
quern mora em lugares feios. Com a destruigao de muitos lugares, o brasileiro e criado
na
feiura e isso e uma coisa que tambem estupidifica. As pessoas adquirem um gosto
influencia surge antes das consideragoes morais, porque se as pessoas nao sao
capazes de
O cinema e um teatro sem as limitagoes flsicas deste, e e bastante util para ampliar o
nosso imaginario. Ate os maus filmes podem ser uteis, ja que, pelo menos, dao-nos
uma
boa imagem do que e a estupidez humana. Conmdo, e preciso notar que o cinema e
uma
sempre abaixo do livro correspondente, que e apenas uma das inumeras versoes
posslveis
168
do livro.
Duas series sao recomendadas: Inspector Maigret , feito pela TV Suiga e interpretada
por
Bruno Cremer, e a serie do Sherlock Holmes, interpretada por Jeremy Brett. Enquanto
o
Sherlock e dedutivo, Maigret vai mais pela impregnate psicologica, tornando-o mais
Referencias:
Aulas 9, 10, 13, 16, 17, 20, 35, 42, 59, 60, 130
169
ele parte de fragmentos largamente inconexos e tern de formar na sua mente uma
imagem
unitaria, usando a imaginagao para cobrir muitas lacunas. Daqui podem surgir
montagens
muito diferentes. Tambem o leitor tern que usar a imaginacao para ler livros de
Historia,
nao so porque existem erros de facto, mas porque o historiador nunca pode contar
tudo.
Por isso, e importante ler muita ticcao antes de entrar nos livros de Historia. A narrativa
paralelo com romances e filmes sobre a epoca. Por exemplo, ao ler Guerra e Pa % de
Tolstoi, temos uma ideia do que podem ter sido as guerras napoleonicas. Nao
obtemos a
realidade historica a partir do romance, mas ficamos com uma hipotese plausivel do
que
podera ter acontecido e depois, a partir daqui, a imaginacao cria hipoteses que podem
ser
cruzadas com a realidade que ficamos a saber dos livros de Historia. O conhecimento
historico e muito importante para nos mas primeiro temos de trabalhar a nossa
imaginacao, fazer a nossa coleccao de figurinhas. Temos de ter uma abertura para a
memoria, que nao e a mesma coisa do que fazer um esforco de memoria. Podemos
despertar o interesse montando um assunto como se fosse uma peca de teatro ou
uma
guerra, pelo que a leitura correcta da Historia implica a abertura para o elemento
ficcional.
Aristoteles dizia que a poesia, entendida como a literatura em geral, e mais verdadeira
do
aproxima mais da compreensao efectiva das coisas do que a narracao historica, onde
o
historiador e obrigado a fazer uma seleccao mais ou menos arbitraria e que pode ainda
ser
mal articulada.
mais importante do que saber factos historicos. E bastante didactico imaginar mo-nos
na
decisoes historicas e mais importante que saber a sequencia material dos factos ou,
pior
de saber e cai-se quase sempre numa verborreia desligada da realidade. E quern faz
isso
quase sempre nao tern nocao da sua propria situacao historica, social e cultural, mas
acha
que pode discorrer facilmente e com certeza sobre as causas que movimentam a
Historia
da humanidade.
As grandes obras em Historia nao perdem o seu valor com o passar do tempo, mesmo
quando alguns detalhes sao impugnados pela pesquisa posterior, que lhes serve de
actualizacao. Isto so nao e valido quando teses de fundo sao impugnadas, o que pode
exemplo e a ideia de que a Renascenca filosofica dos seculos XII e XIII tinha ocorrido
por transmissao das traducoes arabes dos classicos gregos, que supostamente
tinham
tudo. E mesmo as traducoes arabes que nos chegaram eram quase todas de autores
170
cristaos e nao muculmanos, porque na altura metade do mundo arabe era cristao.
Tambem temos de estar preparados para que a Historia nem sempre seja escrita
pelos
depois tentam obter uma vitoria intelectual para enfraquecer o inimigo. Por isso, a
quase
contra os paises comunistas ou islamicos. Mesmo que uma ideia seja anulada no
piano
A ciencia historica tern recursos fantasticos e permite descobrir quase tudo o que se
trabalho, por isso as pessoas imaginam estar progredindo quando estao apenas
ficando
tendencias gerais que provocam as accoes. A crise financeira de 2008 foi apenas o
natural
decorrer da estrategia de (Howard -Pi ven, que fez com que milhares de pessoas sem
recursos pedissem emprestimos que nao podiam pagar, ao mesmo tempo que outras
com
Devemos empreender o estudo da Historia por perlodos, pegando nuns poucos livros
interpretou situacoes amblguas, como lidou com dados em falta, etc. Leopold von
Ranke
dizia que o objectivo da Historia e contar as coisas como elas realmente se passaram,
mas
em primeiro lugar so temos as coisas que nos chegaram. Depois disso, vamos
articular
com outros pontos de vista e tentar saber o que os outros viram e, na medida do
possivel,
percebido a situacao nem as implicates a longo prazo das suas decisoes. O historiador
dos acontecimentos podem nao ter sido do conhecimento geral. Contudo, nunca e
Para contar como as coisas se passaram, no dizer de Leopold von Ranke, temos de
nos
perlodos, ignorando que existiram inumeras civilizagoes que nao tiveram qualquer
contacto umas com as outras. Eric Voegelin tentou fazer uma Historia dos modelos
de
E muito interessante pegar num bom livro de Historia, ver as fontes usadas e tentar
perceber como foram trabalhadas. Podemos ver esse processo com relativa facilidade
com
conjunto de documento liberados pelo governo. Mas se tomarmos um livro como Rites
of
Spring, de Modris Eksteins, sera muito mais complicado perceber como o autor
trabalhou
documentos oficiais... E melhor pegar num livro que trate de um tema especlfico, onde
podemos saber que tipo de documentos foram usados e talvez mesmo ter acesso a
eles.
Benedetto Croce salientou que os documentos, escritos e nao escritos, sao apenas
coisas
ser algo que nao existe excepto como criacao da mente, tambem condenada a
desaparecer.
em nos na confissao, percebemos que o nosso momento historico nao e uma prisao.
Podemos transitar entre varias epocas e civilizacocs e vivenciar tudo aquilo como se
nos
implica uma classificacao das coisas segundo criterios morais mas reviver de facto
aquelas
coisas, que passam a ser elementos do nosso imaginario. Sem penetrar no piano da
uma criacao cultural. Os animais nao podem captar a dimensao de eternidade, so tern
a
Glenn Hughes, no livro Transcendence and History , ressalta precisamente que nao
pode haver
experiencia, que decorre no tempo, e por isso so pode ser descrita por meio da
narrativa.
verifi cacao cientifica. Como o historiador utiliza documentos e testemunhos, que sao
incompletos, mas o tempo nao parou, ele vai ter que se servir dos procedimentos
ligar os varios pontos sobre os quais tern scguranca. Isto e necessario ate para
contarmos
a nossa propria historia, porque nao podemos nos lembrar de todos os detalhes, e as
partes em falta tern de ser preenchidas por elementos imaginarios. A narrativa assim
obtida nao vai coincidir exactamente com o que aconteceu mas esta estruturalmente
criado por nos mas e-nos dado por duas vias: em primeiro lugar, pela propria
172
presente na linguagem, entre sujeito e verbo evidencia a distingao real entre um ente
e as
Segue-se uma lista de livros recomendados pelo professor Olavo, para diversos fins,
Antiguidade:
Davis Hanson
Idade Media:
Revolucao Francesa:
173
Livros de Pierre Chaunu, Augustin Cochin e Edmund Burke (sobre as reflexoes sobre
a
Revolucao Francesa).
lluminisiTH k Me idernidade:
The Toads to Modernity: The British, French, and American Enlightenments, Gertrude
Himmelfarb
The King's Two Bodies* (trad: Os Dois Corpos do Rei), Ernst Kantorowicz
America Latina:
Atytecs: An Interpretation, Inga Clendinnen
Brasil:
174
Portugal:
Espanha:
Arms for Spain: The Untold Story of the Spanish Civil War , Gerald Howson
Estados Unidos:
Lincoln Unmasked: What You're Not Supposed To Know about Dishonest Abe,
Thomas
DiLorenzo
The Teal Lincoln: A New Look at Abraham Lincoln, His Agenda, and an Unnecessary
War,
Thomas DiLorenzo
How America Got It Tight: The U.S. March to Military and Political Supremacy, Bevin
Alexander
The Christian Lfe and Character of the Civil Institutions of the United States, Benjamin
F. Morris
lnglaterra:
Domesday Book and Beyond: Three Essays in the Early History of LnglancF, F. W.
Maitland
Russia:
USSR: The Corrupt Society - The Secret World of Soviet Capitalism, Konstantin M.
Simis
Africa e Escravidao:
Baepler
White Gold: The Extraordinary Story of Thomas Fellow and Islam's One Million White
Slaves,
Giles Milton
Les Negriers en terres d'islam : Ta Premiere traite des Noirs, TTIe-XTTe siecle,
Jacques Heers
Igreja:
History of the Popes: Their Church and State*, Leopold von Ranke
Las Puertas del Infierno. Ta Historia de la Iglesia Jamas Contada, Ricardo de la Cierva
A Historia da Igreja de Cristo, de Daniel-Rops
Stalin's War: A Radical New Theory of the Origins of the Second World War, Ernst
Topitsch
The Chief Culprit: Stalin's Grand Design to Start World War II (Military Controversies j,
Viktor
Suvorov
176
Referencias:
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/2019
KgSY09mdHJTaU8tWk5VdW41WiZWYXVPRmtXVFE&output=xls
177
percepcao e como ela da-nos uma esquematica logica de tudo o que vemos. E
importante
nao ficando policiando o nosso mundo onlrico. Veremos ainda exercicios sobre como
usar a imaginacao desenvolver um senso narrativo, e como usa-la para cultivar o amor
ao
proximo.
Existem dois sentidos para a palavra imaginacao. Por um lado, temos o fluxo onlrico
que
nunca para mas, por outro lado, pode ser acrescentada alguma interferencia criativa
em
cima deste fluxo, como se fosse um sonho acordado dirigido. O fluxo onlrico e o
resultado da percepcao espontanea. Tentar interpretar isto nao serve para nada, tal
como
exemplo. O que temos que ver no sonho e o que ele reflecte de real, e as vezes algo
que
como dizia Leibniz, que na altura logo foram esquecidas mas aparecem mais tarde na
imaginacao.
Tudo o que criamos na nossa imaginacao e verdadeiro de algum modo, tal como
acontece
O que temos de fazer - e isto pode ser visto como um exerclcio - e darmo-nos conta
de
conversacao. Nao vamos tentar dominar o processo mas “curti-lo”, pois e assim que
iremos conhece-lo.
A actividade onlrica tambem capta uma esquematica logica, aquela que nos permite
perceber as formas dos objectos e que e uma traducao da sua logica intrinseca. A
essentia
de um ente e a primeira coisa que captamos, sob a forma simbolica. Podemos
perceber
por imaginar uma vaca malhada no pasto, que e o ente mais normal no seu local mais
ediflcio. Em seguida, vamos mudar os atributos da vaca, como trocar a sua cor ou
limite. Se passamos certos limites, percebemos que a vaca passa a ser outra coisa,
por
pensarmos num gato, podemos imaginar que ele da um pulo de 3 metros - e apenas
um
178
gato muito dotado mas sabemos que e outro tipo de ser se ele s altar 300 metros.
Isto quer dizer que os seres tern a sua logica intrinseca e nos podemos entender algo
dela,
porque percebemos a harmonia da forma logo no primeiro instante ou nao a
poderlamos
perceber depois. Por vezes equivocamo-nos, mas tal e tambem motivado por entes
cuja
que o mundo das aparencias nao tern qualquer estabilidade. O erro no conhecimento
nao
que ja nos da uma ideia das possibilidades de acgao e transformacao dos entes, e
isto nao
estar tudo misturado e a questao e saber como organizar aquilo. No mundo do sonho
Consciencia dispersa
Nao existe apenas a consciencia focada, existe tambem uma consciencia dispersa,
como
aquela que aparece nos momentos em que olhando para o vazio. Na realidade, nao
sao
consciencia dispersa, de onde recolhe material para prestar atencao. Mas hoje as
pessoas
rotinas mentais de adaptagao social. Nao podemos ter este tipo de desprezo pelo
proprio
material da nossa alma. Devemos nos habituar a reconhecer como actividade nossa
tudo
o que nos vem a cabega, mesmo que sejam pensamentos idiotas, vamos confessar
tudo
isto sem medo de imaginar. Nao se trata de cultivar o desejo ilusorio, o que implicaria
fixar a atencao e ja nao seria actividade livre da imaginacao mas te-la presa a uma
certa
imagem. E nao temos de procurar uma causa para tudo o que acontece na nossa
alma
porque o que define o ser humano e precisamente a capacidade de ser causa. Sem
esta
capacidade, nem conseguiriamos distinguir algo que fizemos de algo que nos
aconteceu.
Preservapao da imaginapao
A imaginacao e feita para conceber o posslvel, mas o racioclnio construtivo pode
conceber coisas que vao muito alem da imaginacao, como bem o demonstra a
acontece com muita ficcao moderna, que nao tern coerencia interna e assim perde o
valor
artificiosa. Daqui pode sair uma linguagem rebuscada e hipnotica que castra a nossa
capacidade expressiva. A imaginacao deve ser usada tal como aparece na memoria,
nos
sonhos e nos devaneios. Ali podem se misturar coisas muito diferentes e afastadas, e
o
179
Exterminador do Futuro ja nao podem ser vistas como sonhos, entram no mero campo
das hipoteses idiotas, sao como regras de jogo imutaveis. Nao podemos viciar a nossa
imaginacao com jogos idiotas, sabendo que estamos a entrar em terreno perigoso
sempre
causais. Lipot Szondi comparava a mente normal a urn palco giratorio onde ha sempre
mudanca de papeis. No louco, o palco para de girar e a mente diminui a sua actividade
educacao, estamos sempre a ser constrangidos a nao antecipar certas reaccoes para
nao
parecer mal. Por isso, nao devemos ter uma atengao excessiva as normas de polidez
ou
seremos vitimas do colectivo. Vamos acabar por dizer apenas aquilo que os outros
actual do nosso corpo, assim como as alteracoes que este sofre causadas pelo meio
ambiente. Entao, o nosso senso da realidade esta ancorado no sonho e na
imaginacao;
apenas aqui o interior reflecte imediatamente o exterior. As sensacoes, apenas por si,
nao
podem dar este profundo arraigamento na realidade em torno. Todas elas estao
sujeitas ao
teste ceptico e, por isso, podem ser negadas, porque tudo pode ser ilusao do
realidade imediata, sem qualquer necessidade de um elo logico. Nao e por acaso que
alguem nao sonha direito deixa de captar a realidade, porque a sua imaginacao deixa
de
funcionar.
Interromper o sono de alguem pode impedi-lo de entender algo que ja estava a ser
quase
conhecido. Mesmo se nao nos lembrarmos dos sonhos, os assuntos continuam a ser
trabalhados e por isso percebemos certas coisas quando acordamos que estavam
obscuras
quando nos deitamos. Ficamos com o produto final ainda que o sonho tenha ficado
esquecido.
Imaginaqao e narrativa
Um exercicio duplo muito bom para o imaginario consiste em (1) elaborar,
mentalmente,
um roteiro de filme a partir de um livro que lemos e (2) conceber uma narrativa
baseada
num filme que assistimos. Podemos substituir o filme por uma peca de teatro. O
exercicio
serve, acima de tudo, para entendermos o que e uma narrativa, e o que e a sua
traducao
180
coloca-los por escrito, de modo a colmatar as lacunas na actual literatura. So com uma
personagens reais. Nesta linha, para conhecer uma pessoa, temos de a conhecer pelo
presenga dela; (ii) a pessoa no seu meio, para perceber a sua situagao real e as
tensoes a
que estava sujeita; (Hi) nlvel biografico, o que ja entra na arte do romancista, o que
nos faz
Entao, um exerclcio que podemos retirar daqui e imaginar a vida de pessoas nossas
conhecidas como se fosse um romance. Isto ira fazer-nos ver que a vida das outras
pessoas tern uma forma. O sentido do que lhes acontece e dado face a expectativas
de
futuro e a ocorrencias do passado. Nao existem actos isolados na vida das pessoas,
que
nao pode ser vista como uma sucessao de eventos mas sim como um drama. Em
geral,
nao somos capazes de contar desta forma a vida de ninguem, apenas conseguimos
relatar
de inlcio ao fim. Todo o romancista faz este exerclcio, mesmo a partir de uma notlcia
de
jornal.
Uma experiencia comum, descrita na apostila “Da contemplacao amorosa”, que todos
temos quando conhecemos uma pessoa, e a quantidade de coisas que sabemos dela;
um
conhecimento que nos permite tambem compreender intencoes, gestos e todo o tipo
de
sinais que a pessoa emite e que sao inteliglveis em fungao de uma unidade que os
vai
coerir dentro dela. Conhecer uma pessoa e saber isto instantaneamente, sem que em
algum momento ela passe a ser um objecto do nosso pensamento. Nao podemos
pensar a
que a reproduza, pois somente aspectos dela sao pensaveis. Conhecemos uma
pessoa
quando conseguimos apreender a unidade dela, mas de modo a que essa unidade
cada gesto e palavra de amor que navega entre nos e ela. O conhecimento baseado
na
contemplacao amorosa comeca por aceitar as coisas como elas sao, querer que elas
sejam
como sao. E tambem atraves do amor ao proximo que se torna posslvel fazer
previsoes
181
agente da Historia.
Referencias:
Aulas 2, 3, 4, 7, 13, 18, 19, 21, 26, 78 e 91.
182
APROXIMAgAO AO
CONHECIMENTO
nos focar na abordagem que se deve dar as aulas do curso (5.1) A leitura
origern dos objectos de um lugar (5.7), irernos dar substdncia aos conceitos
trabalho e a sua articulagao com a eternidade e uma das coisas que torna
183
No final do curso, os alunos deverao ter ganho autonomia para programar os seus
aprendizado de caracter mais passivo, onde o centro pedagogico nao e ocupado por
leituras mas pelas aulas. Os alunos devem fazer um es force para assistlr a aula ao
vivo, ja
que isto cria um efeito de grupo. Mesmo aqueles que tenham comecado o curso mais
tarde devem assistir a aula corrente e ver as aulas anteriores sequencialmente, uma
vez que
recentes nao irao perceber tudo o que e dito nas aulas ao vivo, e e natural que surjam
muitas duvidas, mas isso criara uma tensao positiva e uma esperanca, quando se
assiste as
primeiras, sobre o que vai acontecer, uma vez que ja existe uma ideia de onde se vai
chegar. Tambem nao ha problema em que os alunos mais novos facam questoes (e-
mail:
bem compreendidos.
Para alem da aula ao vivo, os alunos devem depois ouvir a aula gravada, que tambem
esta
directo. Mais tarde, devemos ler ainda a sua transcricao. A primeira impressao da aula
ao
nos o que foi dito, como se fosse um novo orgao de percepcao, sem necessidade de
abordado.
do professor Olavo sobre como desempenhar esta tarefa (para contactar o grupo por
e-
de frase por frase, que olha para os detalhes de rcdaccao, preenchendo hiatos,
cortando
rodeios desnecessarios, mas nao visa a remanejar o texto para lhe dar uma ordem
logica.
As aulas transcritas sao uma parte fundamental para o desenrolar do curso, ja que
cada
aluno deve receber cada aula tres vezes: ao vivo, na gravacao e na transcricao. A
transcricao de uma aula demora cerca de uma semana a fazer, pelo que o trabalho
tera
mesmo que ser dividido. Aqueles que fizerem as transcrkoes serao os que ganharao
mais
com as aulas.
Cada aluno deve ter tambem um caderno do curso, que sera como um diario do curso,
184
onde nao so resumira o conteudo das aulas como ira acrescentar as suas proprias
ideias,
registo da sua experiencia individual, de modo a estar ali contida toda documentacao
do
curso, que constituira uma especie de autobiografia intelectual. Resumos, assim como
outros materials elaborados pelos alunos que tenham valor documental, nao devem
ser
notas a partir das transcribes, de forma a estas conterem tudo o que e essencial, ainda
e
Caso nao sejamos uma daquelas raras pessoas que conseguem aprender sozinhas -
e que,
presenca de um filbsofo vivo que mostra como se faz, e a importancia das aulas deste
Nas aulas, o professor Olavo nao esta tentando provar alguma teoria, no sentido de
expressao de uma visao inteligivel que tivemos. O que o professor esta fazendo e dar-
nos
uma visao da realidade tal como lhe apareceu, mesmo que, por vezes, tenha de
recorrer a
uma desciiao com uma estrutura logica, quando tal se mostre mais adequado, mas a
validade do que nos e dito, mesmo neste caso, nao se deve a utilizagao da logica mas
ao
raciocinio logico, quando utilizado em aula, e apenas o slmbolo de uma visao, e nao
devemos partir do princlpio que o professor esteja tentando provar algo. Isso
conduziria a
uma inevitavel analise critica, quando o que temos de fazer e um esforco de captar o
que
esta simbolizado por tras. Ali esta sendo transmitida uma impressao genuina de modo
a
reconhecermos aquelas coisas na nossa propria experiencia. Nao existe a prova mas
um
discurso em aula, consoante o seu grau de certeza na escala dos 4 discursos: certeza
Cada aula nao segue obrigatoriamente um tema unico, ao qual se atem, mas pode
percorrer varios assuntos que podem ser sintetizados, de algum modo, numa unidade
que,
por sua vez, remete a propria unidade do real. A filosofia, como busca da unidade do
e uma unidade complexa, ligando coisas heterogeneas e por isso podemos, com base
na
sinceridade, fazer uma transicao entre varios domlnios. O objectivo nao e procurar um
185
princlpio unico explicativo, porque nao pode haver uma teoria geral de tudo, mas e
Nao existe um programa definido para o curso, cujo andamento depende muito do
feedback dos alunos, mas existem alguns temas por onde nos moveremos, entre os
quais a
Teoria do Conhecimento e a Filosofia das Ciencias. Alem disso, como o objectivo nao
e
formar filosofos no sentido academico do termo mas formal' uma nova elite intelectual,
composta por pessoas com uma gama variada de interesses, iremos frequentemente
abandonar uma linha de exposicao filosofica para entrarmos em assuntos que sao de
interesse cultural mais geral. Pode parecer, frequentemente, que a aula e dada para
o pior
aluno, mas se tal acontecer nunca e uma perda de tempo. Quern entende menos e
que tern
de receber mais explicacoes, e estes, assim, irao limitar menos o andamento dos
restantes,
Sendo este um curso online, para alem das desvantagens que a distancia fisica
acarreta, ha
tambem uma serie de vantagens. A propria presenga fisica dos alunos faz com que,
muitas
vezes, os mais esforc;ados sejam limitados por aqueles que apenas se interessam
por
destabilizar. A distancia permite que cada um possa levar adiante o seu esforgo sem
pcrturbacoes. Por outro lado, a internet permite aliviar distancia e o isolamento em que
sucumbir a companhias que nos oferecem a sua simpatia em troca de nos afastarmos
do
nosso caminho. Com o tempo, o ambiente intelectual virtual que estamos criando deve
se
transformar num ambiente real e presencial, onde iremos poder, mais tarde,
desencadear
Com o desenrolar das aulas, pode surgir a impressao de que sao abordados muitos
assuntos a esmo, mas tudo e feito de caso pensado, tendo em conta que a unidade
do que
Referencias:
Aulas 1, 2, 13, 15, 19, 39, 42, 54, 73, 83, 86, 91 e 93.
filosoficos (ver 5.8). Este exercicio vai estender-se para alem da duracao do curso,
uma
vez que necessitamos de varios anos para completa-lo apenas em relacao a urn unico
livro.
E um exercicio que pretende nos marcar para o resto da vida. O acto de leitura deve
ser
incorporado nao apenas na nossa memoria mas na nossa pessoa. Para isso, cada
frase
deve ser apreendida por nos ate se transformar num novo mecanismo de pcrccpcao.
Podemos usar qualquer livro de filosofia mas alguns sao mais aconselhaveis. Como
vamos
conviver muito tempo com o livro, e preferivel escolher um que nos faca bem, sendo
os
sera usado para exemplificar este exercicio, para o qual fazemos apelo a alguns
exercicios
descritos por Narciso Irala. Estes exercicios tern uma utilidade cognitiva em si e devem
ser tambem realizados mesmo por aqueles que nao facam o Exercicio de Leitura lenta
Ao realizar este exercicio, vamos ler apenas algumas frases por dia, sempre uma
pequena
parte que tenha unidade e nunca mais do que um paragrafo. Cada frase sera
transformada
num objecto de med i tacao, ou seja, sera confrontada de forma aprofundada de modo
a
reconhecer nela a experiencia interior a que o autor se refere. So temos que encontrar
ideias e demais recursos a nossa disposigao. Apenas nos podemos dar por satisfeitos
quando a frase, que inicialmente nos chegou como ideia, se tenha transformado numa
percepfdo. Por vezes, ha frases que nao nos evocam nada e permanecem em estado
de
compreensao abstracta. Nesses casos, nao vamos passar adiante e devemos esperar
alguns
dias ate que alguma coisa nos surja, ate porque sera util dormir sobre o assunto. Nao
ha
A tecnica que devemos utilizar e o oposto da analise de texto, que tenta se ater
somente
memoria - incluindo a memoria afectiva - os elementos que o texto nos evoca, e este
que motivaram o texto. Iremos evocar a pessoa real do autor com a descompactacao
de
cada frase. Muitas evocacoes que nos surjam podem estar longe daquilo que motivou
o
autor, e ai temos que voltar ao texto e seleccionar aquelas que estao em coerencia
com ele.
Temos que refrear o impulso de continuar a leitura quando esta se torna interessante.
final, teremos obtido a sequencia exacta das ideias, ja transformadas em reco rdacoes
e
187
escrevendo a medida que vamos fazendo a leitura, mas devemos, no inlcio, conter
este
Louis Lavelle. Este livro e apropriado ao exercicio por ser, ele mesmo um resumo de
uma
ser.
meditar sobre isto, sao sugeridos alguns exercicios. Primeiro, vamos tentar suprimir a
presenga do ser, imaginar que nao ha nada. Vamos repetir isto vezes sem conta para
perceber que nunca tivemos a experiencia do nada. Iremos constatar que, por mais
que
tentemos suprimir imaginariamente tudo o que existe, ha sempre algo que sobra,
podemos fazer sempre, atentar a coisa mais simples, como o vento abanando uma
folha, e
perceber que aconteceu algo, aquilo nao foi um nada. Tudo o que entre na esfera do
ser
nao pode ir para o nada, porque o nada nunca foi nada, e algo que alguma vez tenha
etapa, vamos mais longe e tentaremos imaginar que nos mesmos nao existimos.
Antes de
pensarmos logo se a frase e certa ou errada, temos de fazer este tipo de pratica, como
se
Depois de passarmos algum tempo nestes exercicios que tentam suprimir o ser,
vamos
partir numa nova direcgao e tentar perceber conscientemente a presenga do ser, que
e
algo tao obvio que nunca pensamos nisso, apenas admitimos de passagem. Porem,
vamos deitar, fechar os olhos, relaxar, e ganhar consciencia dos ruldos em torno,
focada antes, ja que nao eram importantes para a nossa acgao imediata, mas estavam
presentes no fundo. Percebemos que existe o cenario proximo onde nos movemos,
mas
depois o ambiente prolonga-se por uma serie de clrculos concentricos, onde os ruldos
se
tornam cada vez mais inaudlveis, mas nao desaparecem de todo. Nao se trata de um
exerclcio de analise, apenas fazemos uma coleccao de ruldos, trazendo para primeiro
esquerda para a direita, uma linha branca. Da ponta direita da linha branca, tracamos
quarta que fechara o quadrado. Sem esta capacidade construtiva nao poderlamos
conceber
o que quer que fosse, mas se passarmos por cima da consciencia de pcrcepcao,
vamos
substituir a realidade pelo mundo das ideias. O mundo real e incomparavelmente mais
primeiro exerclcio do Narciso Irala, de pcrcepcao, nos sabemos que os ruldos saem
sempre de algum lugar - temos uma certa percepcao da distancia, que ja nao e som -
, por
isso nao percebemos apenas ruldos mas tambem presents. Elas sao uma nossa
referenda
permanente que assinala onde estamos e o que fazemos, mesmo se nao lhes
prestarmos
atencao. Quando percebemos um som como estando longe, este “longe” nao e som,
e
O senso que vamos ganhar fazendo esta coleccao de sons deve, posteriormente, se
alargar, por exemplo, para incluir uma maior consciencia da nossa presenca espacial,
da
profundidade, da densidade das coisas, que e algo que ja nao e apenas senslvel mas
vai
alem disso, apesar de ser uma experiencia imediata inclulda na percepcao (ver 5.3
que supomos que acordamos e nao ha nada em torno do nosso quarto, percebemos
que e
uma experiencia aterrorizante, mas vemos que nao conseguimos suprimir o universo
e
este nosso quarto imaginario ja tern elementos exteriores ou nao pode se suster.
Estes exercicios do Narciso Irala pretendem puxar a presenca de fundo para a /rente
e
incorpora-la na nossa pessoa. Devem ser feitos pelos seus proprios beneflcios,
mesmo se
utilizarmos outro livro para o Exerclcio de Leitura Lenta que nao seja A Presenfa Total.
A
nossa atencao vota-se habitualmente para o que nos interessa, e esta escolha e uma
actividade construtiva, que separa alguns aspectos em que se focar, mas o universo
e
frente, que vai garantir que os nossos pensamentos nao fujam muito a realidade. O
foco
da nossa atencao, que incide no objecto recortado, nao pode ser separado do fundo
permanente so porque nao lhe prestamos atencao. O senso de presenca do ser da-
nos
tambem o senso de continuidade, que nao pode ser obtido pela memoria ou pelas
da experiencia real, tendo a nossa presenca flsica como suporte. Para alem do mundo
da
experiencia, existe o mundo que nao e objecto de experiencia mas esta sempre
presente.
Se pensarmos nas pessoas a quern nos dirigimos, por exemplo, como sendo meras
formas
ocas, sem interior, isso parece macabro porque o nosso senso de presenca faz que,
sem
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
189
Os exercicios de Narciso Irala aqui recomendados permitem fazer uma distincao clara
entre aquilo que nos e dado, surgindo na perccpcao, e aquilo que e construldo
pseudo-filosoficos que aparecem hoje em dia, onde toda a gente gosta de discutir, e
se
criam incontaveis enigmas, paradoxos, oposicoes, etc. O proverbio russo, que diz que
um
unico idiota consegue fazer mais perguntas do que 60 sabios conseguiriam responder,
tern
ser compreendidas quando executadas. A leitura tern que ser lenta de initio, e para
isso
pode ser util usar um livro nao traduzido, porque ira refrear a vontade de avancar.
Mais
tarde, o ritmo da leitura pode aumentar sem prejulzo, porque ja fizemos muitas
evocacoes,
um mundo inteiro, como se os livros fossem comidos e nao lidos. Todos os grandes
leitores
do passado leram desta forma; foi assim que os grandes romancistas entenderam
outros
universos dos escritores passados que haviam sido absorvidos. Isso exaspera alguns
autores que querem se libertar do legado passado - as vezes do seu proprio legado -
, mas
nao e posslvel fazer isso porque o que foi absorvido transformou-se num instrumento
de
percepgao e e fonte para novas associates de ideias e analogias. Mas nao podemos
esquecer que aquilo que um escritor ou um filosofo conseguiram transmitir foi apenas
filosofia, ja que perceberemos que eles nao perderam um minuto tentando evocar as
experiencias que estao por detras das palavras. Num intelectual serio, por cada
palavra que
tie diz, tern muitas mais que nao podem ser enunciadas devido a riqueza do seu
O exercicio nao visa fazer uma analise de texto, antes vamos fazer para nos mesmos
uma
coisas, que precisam de ser preenchidas de conteudo, e quanto mais sensivel e visivel
for
esse conteudo, melhor. Esta e uma fase de absorcao passiva do livro, e e a mais
dificil. A
analise critica torna-se depois facil mas, se for feita previamente, pode sair tudo errado
190
pelo que apenas vamos discorrer em cima de estruturas verbais. Nao podemos
aprender
sempre de ter em conta que a expressao verbal e insuficiente, o filosofo nao tern que
ter
uma boa expressao verbal nem tera tempo para dizer tudo o que pensa. Temos de
precisar de algum aporte filologico, o que pode criar algumas dificuldades, mas
teremos
Os livros de Aristoteles nao apenas sao adequados para o Exerclcio de Leitura Lenta
como apenas podem ser lidos desta forma, ja que apenas nos chegaram rascunhos
de
aulas, que precisam ser descompactados para podermos ter uma ideia do que
Aristoteles
acrescentava em aula. Ja os livros de Mario Ferreira dos Santos nao sao muito
adequados
para este exerclcio, ja que tern muitas referencias embutidas, que so serao
compreendidas
quando lemos no, inlcio da Metafisica de Aristoteles, que “todos os homens tern por
natureza o desejo de conhecer. Prova disso e o prazer que nos temos nos nossos
sentidos,
concupiscencia visual, que nos pode deixar extasiados sem possuirmos as coisas. A
visao e
o mais cognitivo dos sentidos, ela da mais do que os outros, apesar da verdadeira
posse
Para cada frase que analisarmos, neste exerclcio, temos que identificar o seu
conteudo e os
seus limites, pelo que temos sempre de ter em conta qual o limite semantico onde
aquilo e
valido, ou calmos no erro de achar que tudo e dito de forma absoluta e veremos
contradigoes em toda a parte. No caso do prazer da visao de que fala Aristoteles, e
obvio
que ele sabia que nem sempre a visao nos da prazer, e ha coisas que nos parecem
mesmo
horrlveis. Ele tambem diz que os homens tern por natureza o desejo de conhecer, mas
sabia bem que essa tendencia podia ser reprimida ao ponto das pessoas ganharem
uma
visao muito mais nltida e organizada daquilo que o filosofo queria dizer. Se vamos ler
um
filosofo a serio, temos de partir do princlpio de que ele nao vai anunciar tese alguma
que
nao esteja carregada de experiencia real. E isso que o distingue dos imitadores.
Referencias:
pensamento, fonte de todos os erros. Uma verdade so deixa de ser uma abstraccao
se
estivermos bem instalados na realidade. A propria imaginacao tern que ter como fim
a
insercao no contexto real da nossa vida e nao ser apenas um teatro isolado na nossa
Amorosa, em que nao somente aceitamos o facto mas queremos que este seja como
ele e
e por isso deixamos que ele se apresente, aceitando a densidade do mundo dos
acidentes.
Nao podemos recorrer a livros para obter o senso da realidade, apenas nos podemos
socorrer de experiencias que nos coloquem face a realidade. Uma dessas
experiencias e
vamos escolher um local descampado e isolado e vamos nos deitar no chao. Ali,
vamos
sentir a terra debaixo de nos e vamos olhar a infinitude do ceu acima de nos. O
consciencia, nao-verbal, da nossa prcscnca fisica no universo real, sem ter o apoio da
rede
difcrenca que existe entre considerarmos que estamos num mundo de prcsencas
fisicas
reconhecendo a sua accao directa em nos, e para isso temos que pedir a Ele.
Este senso da realidade concreta permite-nos fazer a distincao entre uma crenca e
uma
evidencia intuitiva. A crenga so vale pela repetigao, mas ha uma serie de coisas que
continuamos acreditando sem pensar nelas, como saber que o chao continua para
alem
daquilo que a vista alcanna. Este tipo de coisas, com as quais sempre contamos mas
nas
mas nos devemos quase tudo a ela, sendo Infimo aquilo que e criacao nossa, pelo
que
Nao se trata aqui de interpretar sinais que a realidade nos da. Vamos ver a realidade
apenas como indicadora de si mesma, aceitando o que ela tern para nos dizer. Para
isso,
vamos esperar ate que algo aparcca como evidencia, sem procurar logo decifrar os
primeiros indlcios. Entao, temos de ter calma, paciencia e total conformidade com a
realidade, sem querer chegar logo a conclusoes, que e algo que so vem no tim apos
os
aquele que norteia as discussoes rotineiras, porque usamos a realidade como criterio.
da Densidade do Real, apenas vamos deixar que a realidade nos apareca na sua
plenitude.
contemplagao, que muitos buscam, de um outro mundo. Nao temos que parar os
nossos
pensamentos, apenas temos que nos lembrar que eles se desenrolam no preciso
lugar
onde nos encontrarmos, na nossa situacao concreta. Tambem nao podemos confundir
este exerclcio com alguns exercicios de sensibilizacao, que consistem em tentar sentir
mais
na sensagao mas na realidade e na sua presenca nas suas varias modalidades. Por
maior
que o universo seja, veremos que ele nao nos chega de maneira caotica mas de uma
forma
organizada. Temos varias perspectivas (sonora, tactil, visual) e, dentro de cada uma,
forma. Por exemplo, em relacao ao nlvel tactil, a presenca do chao e imediata mas a
temperatura necessita de alguma variacao para ser percebida. Em relacao aos sons,
nos, desde os sons mais distantes e quase inaudlveis, indo para aqueles proximos de
nos,
no quarto onde estamos, por exemplo, e depois os sons dentro do nosso corpo, ate
“chegarmos” aos sons gerados no nosso proprio ouvido (ver tambem 5.2, onde se fala
sobre alguns exercicios do Narciso Irala). Tambem quando estamos sentados num
ilimitadamente em todas as direegoes, ou seja, ele tern uma densidade e por isso
confiamos que o chao nao vai fugir debaixo dos nossos pes. Esta e uma experiencia
que
nao e puramente senslvel mas, indo alem disso, continua a ser imediata: esta
embutida na
A experiencia com as di recedes do espaco vai dar-nos a base para outros tipos de
percepcdes, onde construlmos metaforas espaciais, por exemplo, para nos referirmos
ao
tempo falamos do “futuro pela frente” e do “passado pelas costas”, uma vez que e
diflcil
universo (tambem descrita em 5.2) e veremos que nao conseguimos. Entao, nao
visamos
pcrcepcao do visivel. E o conhecimento por presenca que nos permite uma simples
pcrcepcao sensivel, que nao e mais do que a pcrcepcao de urn limite cuja forma e
definida
Referencias:
langar alguma luz sobre alguns problemas, mas a sequencia de esforgos nao e para
ser
vista como um fenomeno historico e sim como um drama que se desenrola em nos
pesquisa. E neste ultimo ponto em especifico que agora nos focamos. Contudo, nao
desconhecido do real que nao pode ser vencido. A fe existe para aceitarmos a nossa
ignorancia sem entrarmos no desespero gnostico. No Exercicio da Biblioteca
Imaginaria
Repertorio de ignorancia
pessoal, tudo isto tern continuidade. Mas nao e uma pura continuidade, ha
continuidades e
descontinuidades, como nos casos das coisas que terminam, assim como existem
processos sem rekpao entre si. Sem as continuidades, nao conseguiamos captar
desconhecida. Nao ha fenomeno que seja totalmente ininteligivel ou nem poderia ser
percebido. Sempre captamos essencias e, por isso, algo da estrutura racional das
coisas
que sera inteligivel, por mais misterioso que seja. Podemos ignorar o desconhecido
precisamente por sabermos que ele e inteligivel. O circulo da ignorancia nao e para
ser
nossas, uma eoleegao de duvidas cujas respostas sao constituidas por elementos
com
unidade e inteligibilidade - existir e precisamente possuir estas duas coisas.
pedago. E aquilo que conseguimos inteligir nao e apenas uma manifestagao particular
mas
uma estrutura generica, universal, que nao esta fisicamente em parte alguma, ao
mesmo
tempo que esta presente em cada ente particular. O fundamento de toda a razao e de
todo
univers alidade que as coisas, por si mesmas, nao podem mostrar. As coisas nao sao
captadas sob a forma de presenga fisica mas sob a forma de pensamento, por assim
dizer.
A inteligencia humana nao esta separada das coisas, ela e um campo onde as coisas
se
195
mas nao e uma adequagao existencial, porque nao podemos realizar esta
inteligibilidade de
modo total. Temos que ter abertura para a inteligibilidade universal, e esta abertura
toma a
proprio Logos divino. Se trocarmos isto pela natureza, esta nao pode conter em si a
sua
ignorancia, que faz parte da propria natureza da coisa. Nao podemos olhar uma
pessoa
desde fora e, ao mesmo tempo, observa-la por dentro, numa mesa de cirurgia, por
pode mostrar-se sob todos os aspectos ao mesmo tempo, e isto nao se deve a nossa
solido em rclacao a alguma coisa, temos que comccar por distinguir aquilo que e o
ser vencida. A partir daqui fazemos do nosso repertorio de ignorancia, que e a base
para o
esta classificagao ja e limpar a area e saber ate que ponto podemos defender uma
opiniao,
se vamos fazer uma ncgociacao ou se vamos defende-la ate a morte. Ver tambem o
ponto
filosofica.
A realidade nao pode ser conhecida no seu todo, e isto faz parte da sua estrutura. Por
outro lado, tambem somos limitados pela nossa finitude, e ainda temos de enfrentar a
estudos tern de ter em conta estas duas limitagoes. Se nao aceitamos o coeficiente
de
desconhecimento que ira ser vencido, entao estamos a viver num mundo inventado
por
ciencias nao compoe, de forma alguma, um universo. Isto e uma alicnacao que chega
ao
nao sabemos fosse irrelevante. Esta arrogancia e alienacao deriva de termos controlo
Nao so temos uma duracao limitada como tudo o que conquistamos pode ser perdido
no
instante seguinte, pelo que a nossa condigao real obriga-nos a refazer continuamente
a
perde como ainda nos reconstroi. Sempre seremos perseguidos pela ignorancia, pelo
ponto do esquecimento ser uma forga historica determinante, porque aquilo que uma
geragao sabe custa muita a passar a seguinte, sendo muitas operates estrategicas
baseadas
compreensao daquilo mas fazem a sua integracao dentro da estrumra geral de uma
necessita nao apenas de ser compreendida mas confessada para dali se obter uma
perfeita
inteligibilidade. Por vezes, somos obrigados a confessar que temos apenas uma
semente
Os elementos flsicos da natureza tambem sao registos, pelo que qualquer esmdo da
natureza e apenas uma dccifracao dos registos naturais, da mesma forma que quando
mas apenas signos materiais, que sempre tern que ser decifrados. Por isso, a
acumulacao
tern que aprender mdo de novo. Por vezes, e mais facil decifrar directamente os
registos
Por outro lado, a transmissao cultural tambem se opera atraves de registos, que se
vao
acumulando a tal ponto que um especialista numa area pode ser um ignorante noutra,
ainda que proxima. Dificilmente alguem se mantem actualizado na sua area. Temos
de ter
algum controlo sobre a nossa ignorancia. Desde logo, ha muitas coisas que nao
sabemos
mas que tambem nao interferem com a investigacao dos campos que nos interessam.
Mas
ha tambem muitas coisas essenciais para nos e que nao podemos saber, por exemplo,
temos alguns fragmentos da sua historia, e do residuo de tudo ficamos com o nosso
“eu
presente”, que reconhecemos. Mas mesmo apenas com fragmentos, temos confianga
na
continuidade do “eu”, da qual nunca duvidamos, assim como confiamos na
continuidade
do espago para alem do que observamos. Ou seja, podemos ignorar quase tudo sem
isso
quase tudo o que fizemos ontem, do qual so conseguimos reconstituir uma porcao
Infima,
assim como podemos ignorar muitos factores sociais, cientificos e historicos que estao
conhecimento ira penetrar muito ligeiramente no passado e ainda assim de uma forma
esquematica, mas existe uma continuidade familiar desde a origem dos tempos ou
nao
estariamos aqui. Esta carga genetica esta em nos, com os nossos antepassados
exigindo
que vivamos as vidas deles e nao a nossa, como apontou Szondi, que a partir daqui
estabeleceu uma constelagao de oito impulsos que nos acompanha para o resto da
vida e
delineou o repertorio das nossas possibilidades. Tudo isto esta em nos mas no
maximo
conjunto das influences de um escritor nem em que medida ocorreram, por exemplo.
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
197
continuidade analogica e muito parcial. Em geral, a historia da cultura nao tem uma
unidade, que apenas pode aparecer quando vemos as coisas a uma certa distancia,
sendo
conhecimentos. Isto ja foi tratado por muitos filosofos, mas aqui vamos entrar numa
1) Identificar aquilo que jamais podemos saber, e cuja ignorancia temos de contar para
conhecemos vai aparecer, assim, destacado como um recorte dentro um clrculo inteiro
de
ignorancia dentro do qual nos encontramos. Podemos fazer isto com a historia da
nossa
familia, nao so com a lista das personagens mas incluindo os lances importantes na
vida
deles, que devem ter acontecido mas nao sabemos mas podemos imaginar. Tambem
podemos fazer esta pratica em relagao a qualquer assunto que estamos estudando.
Vamos
identificar uma zona de seguranca num mar de duvidas, porque se nos focarmos
apenas
no que sabemos, esse conhecimento perde signifi cacao, perde o seu perfil, que e
delimitado pela fronteira entre conhecimento e ignorancia. Mais tarde, podemos fazer
factores que ela ignora e nao pode ter acesso mas que sao importantes para o seu
desenvolvimento. Frequentemente, aquilo que uma ciencia nao pode examinar, pela
escolha da sua area de estudo e enfoque, vem a ser dado como nao existente.
Enquanto a
falsificagao cientlfica.
O repertorio ou mapa da ignorancia e o guia para o curso inteiro dos nossos futuros
estudos. Sabemos que para entender algo precisamos tambem saber “isto” mais
“aquilo”... Mesmo sem ter ainda os conhecimentos, sabemos quais sao os elos em
falta e
filosofia e mesmo usar fontes da internet. Quern passar dois ou tres anos fazendo
uma
lista, razoavel e crltica, de livros sobre os sectores de seu interesse, mesmo se nao
ler
nenhum livro dessa lista, sabera mais do que alguem que tivesse passado o tempo
todo
lendo livros sobre o assunto mas sem ter feito este trabalho previo. Esta bibliografia
critica, que acompanha o problema desde a sua origem, da uma ideia do status
quaestionis
lista de tltulos de livros. Para cada um vamos adicionar alguma informagao minima:
autor,
Veremos que em filosofia praticamente nao existe problema que nao esteja ja em
Platao e
analogamente aos descobridores que tern de mapear o terreno primeiro que tudo.
Faremos muitas listas de livros, naturalmente que nao as leremos todas, mas
sabemos que
aquela informacao existe e qual a sua importancia. Ao longo do tempo, iremos formar
o
criterio sobre o que e importante para a discussao, uma vez que nao se trata de algo
que
percebidos ao longo do tempo, e sem isto nao sabemos nada. Temos de aprender a
deixando que essas contradicoes nos pressionem por dentro ate o objecto marcar a
sua
Apesar do estudo da filosofia dever ser feito por assuntos, algum dia teremos de
estudar a
obra inteira de um filosofo, mas nao logo de inlcio. O estudo “tematico” dar-nos-a a
o status quaestionis com o state of the art , que e algo que se aplica mais a tecnologia,
e aquela
aqueles elementos que interessam agora para a solucao do problema. Este preliminar
historico, com as devidas ressalvas, obriga-nos a seguir muitas pistas falsas, a ler cem
vezes
mais coisas do que aquilo que realmente interessa. No entanto, uma vez obtida a
sequencia dos documentos que marcam as etapas decisivas da discussao, estaremos
discutindo o assunto com a mais alta consciencia que e posslvel ter a respeito. Nao
temos
ainda certeza de acertar, mas sabemos que estamos a fazer o melhor posslvel, e
sempre e
entrar em paralaxe cognitiva. As questoes filosoficas que vamos abordar tern que ser
importantes para as nossas decisoes e para o allvio das nossas angustias, porque so
isso
autores muito separados entre si, porque e comum algumas das ideias mais
relevantes
provirem dos lugares mais inesperados e, por isso, estao fora da bibliografia filosofica
usual e considerada formalmente pertinente. Mas nos nao podemos fazer isso logo
no
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
199
coincidencias”, porque veremos analogias e ligacoes em tudo, e estas podem nao ser
reals
senso do que e pertinente. Entao, no inlcio dos estudos, devemos usar apenas as
fontes
uma apenas mas de varias questoes, vamos nos permitir buscar inspirapao em outras
ser substituida pelo assumir da tarefa de fazermos essa bibliografia por nossa
iniciativa.
Havera muita tentativa e erro ate desenvolvermos um instinto selectivo. Mas e-nos
dado
um criterio para discernir entre autores que merecem atenpao e os que merecem
metodos e pontos de vista de cada um, assumindo a posipao de um aluno fiel que
incorporou o espirito do mestre. Apos fazer isto com duas duzias de filosofos, as
Este e o metodo pratico de fazer o exame dialectic o de Aris to teles, comepando pelo
recenseamento das “opinioes dos sabios”, articulando, no final, todo o material como
se
fosse uma teoria unica. Apenas se pode compreender o status quaestionis pensando
com as
cabepas dos filosofos antecessores, pelo que a filosofia nao e apenas uma tecnica
mas
tambem uma tradipao, chagando-se “ao domlnio da tecnica pela absorpao activa da
consciencia, o que e dificil de fazer para quern tern demasiado amor a sua
independence
primeira linha. Na realidade, mesmo quando alguns filosofos avanpam com cretinices,
estas revelam-se uteis porque nos revelam quais os erros naturais da inteligencia que
dialectica, pelo que temos de discordar de nos mesmos para entender alguma coisa.
Ao
inves de fugirmos das contradipoes, vamos alimenta-las ate o seu cruzamento nos
mostrar
Algumas regras praticas derivam daqui. Vamos poder verificar quern sao os filosofos
a
200
emitam opinioes valiosas. O fllosofo nao tem que tornar expllcito o percurso historico
absorvido, mas isso deve transparecer de alguma forma. Esta abordagem tambem
sugere
que a filosofia nao deve ser estudada por autores mas por problemas, cuja escolha
deve
o que e positivo porque significa que nos estamos a centrar nos verdadeiros
problemas.
E muito provavel que a lista de livros a ler nao fique pronta a primeira, e as lacunas
irao se
Quando fizermos a montagem global, ja nao seguimos uma ordem historica mas
logica,
tentando criar uma hipotese filosofica unica, mesmo que insatisfatoria e cheia de
experiencia pessoal e, caso seja posslvel, dar a nossa contribui^ao original ao debate,
inserindo-a na tradicao.
problema. E preciso nao levar demasiado a letra a fase da pesquisa historica, porque
se
tivermos em conta todos os passos vamos nos focar na narrativa historica, com a sua
Aristoteles diz que temos que partir das opinioes dos sabios, ja esta a dizendo que e
para
ter em conta apenas a opiniao qualificada, aquela que foi trabalhada e onde os
problemas
Os patamares em filosofia
Um patamar em filosofia e algo que, uma vez descoberto, ninguem tem o direito de
ignorar ou estara a regredir para uma fase mais grosseira do racioclnio, vendo a
realidade
mas o que nao podemos fazer e ignora-los. Isto obriga a um comprometimento com o
status quaestionis, o que nao implica uma nogao de progresso em sentido historico.
6). Nao e uma questao de ser um “homem do seu tempo”, que e um frase que nao diz
feito por nos em funcao das circunstancias. Temos de ir alem disto se queremos ter
uma
201
compreensao existencial de quem somos, o que implica saber quais sao as correntes
historicas onde ja estamos a participar, assim como aquelas que queremos combater
ou
nossa percepgao, a nossa mente ficara sem forma e sem hierarquia, o que acabara
por
assim substituida por uma “historia da carochinha”, ja que nao conseguimos sentir o
peso
humanos ou das ideias como se fossemos Deus, tendo domlnio mental total sobre a
como sendo apenas coisas feitas ou descobertas no passado. Estes patamares tern
que ser
vistos como possibilidades actuals, que podemos redescobrir na nossa vida todos os
dias.
O processo de pesquisa
O treinamento para as ferramentas de pesquisa pode ser feito atraves de varios livros,
em
recomendados para este respeito, e que nos aproximam mais das condicoes em que
indicacoes sobre como trabalhar estas coisas, tendo por base o metodo dialectico que
nascihum.pdf
a ler os livros, saber onde eles estao, do que falam, ter uma ideia dos seus Indices. A
internet facilita bastante esta pesquisa, em especial sites como o Questia
(http:/ / www. questia.com) . que sempre tern alguma informacao util sobre um grande
202
Referencias:
O Exercicio da Biblioteca Imaginaria pode ser encarado como uma aplicacao pratica
de
lista que vamos elaborar com todos os livros que, idealmente, iremos ler para resto da
vida. Nunca conseguiremos completar a lista, muito menos fazer a leitura de todos os
livros, muitos que nunca chegarao as nossas maos. Sempre nos faltara informagao e
de interesses, mas nao devemos nos basear numa simples curiosidade por certas
areas de
estudo, como a Historia, a psicologia, ou a musica, mas em algo que tenha uma
encaixar as disciplinas que nos possam esclarecer, sempre sem esquecer que o
nosso
Vamos comecar por fazer a lista de livros que ainda nao lemos mas nos parecem
bibliografia essencial de cada uma delas. Depois de pegarmos nas areas que
interessam
para o esclarecimento das nossas questoes, fazendo a exclusao das outras, vamos
procurar
livros sobre a sua historia que nos possam dar uma lista de autores e livros. A Internet
e
tambem uma fonte util e na bibliografia final do livro The Great Ideas (Mortimer J.
Adler)
existe uma lista com cerca de 1500 ou 2000 livros, que e um bom comedo. Nao vamos
nos limitar a uma unica fonte bibliografica, que pode ter omissoes brutais, pelo que
bibliografica. Sao preciosos os pontos onde existem duvidas, assim como aqueles
onde
uns autores dao muito relevo e outros esquecem totalmente ou dao mesmo uma
uma historia da filosofia que consiga mostrar essas tres tradigoes em pe de igualdade.
orientacao e torna sempre vislvel o nosso repertorio de ignorancia, que e aquilo que
nao
Eric Voegelin foi feita com base na consciencia dos elementos que ele necessitava de
incorporar para resolver as questoes que o atormentavam. Este tipo de busca nao se
encaixa na vida academica e nas suas divisoes bem compartimentadas. Podemos ter
uma
dificuldade inicial em formular uma questao que tenha real interesse existencial para
nos
mas, em todos os casos, o assunto nunca deixa de ser a nossa experiencia de vida
real. Por
pode ser um excelente tema de investigacao, e nisso e posslvel comecar com autores
temos que fazer uma transposicao da experiencia para simbolos verbais, e aqui
podem se
introduzir todo o tipo de erros. Se tivermos uma inseguranca de base, vamos criar uma
distancia entre nos e o objecto e tentar criar um esquema mental que o explique. Esse
esquema, por ser criado por nos, da-nos domlnio sobre ele, mas e algo que apenas
esta na
nossa mente e ainda nos afasta mais do objecto. Isto agudizou-se quando a educagao
Contudo, temos de apelar bastante a memoria e a imaginacao, que servem para repor
as
ideias no seu contexto historico. Estas ferramentas nao serao usadas como auxiliares
do
pensamento mas, recorrendo a elas nas suas funcoes mais basicas, usadas para
montar a
historia das ideias como se fosse uma composigao dramatica. Este exercicio pretende
responder a pergunta: O que e conhecer alguma coisa? Nao pretendemos uma
resposta
teoretica mas uma resposta que nos devolva elementos existenciais. Vamos comccar
por
tentar perceber a difcrenca que existe entre uma pessoa que conhecemos e outra que
apenas vimos de passagem ou nem sequer a vimos. Vamos descrever, para nos
mesmos, a
difcrenca entre as duas situacoes. Isto nao podera ser logo feito por palavras porque
a
nossa consciencia ficara inundada de muitas coisas confusas. Mas vamos reflectir
muitas
vezes nas duas situacoes. Depois, vamos repetir o processo para uma maquina que
conhecemos e para outra que desconhecemos, e podemos tambem fazer isto para
um
livro que lemos e recordamos bem, comparando com outro que desconhecemos, mas
Vamos procurar as marcas que caracterizam cada uma das situacoes em termos de
experiencia real. Estaremos apenas a repetir a pergunta se nos limitarmos a dizer que,
entre uma coisa conhecida e outra desconhecida, existe uma difcrenca de informacao.
Em
relacao as coisas conhecidas, podemos logo identificar dois elementos que estao
presentes
em maior grau. Existe um elemento de poder, no sentido de que podemos fazer mais
coisas com aquilo que conhecemos. E existe tambem um elemento de intimidade, nao
apenas em relacao as pessoas mas tambem para com objectos conhecidos, que
deixam de
ser apenas objectos, ja se incorporando em nos e, assim, podemos nos
responsabilizar por
eles. Nunca nos iremos responsabilizar, em consciencia, por algo que nao
conhecemos.
Vamos ter que recordar incontaveis vezes a experiencia que temos em relacao a algo
que
conhecemos, seja uma pessoa, uma maquina, um animal ou uma ideia, e perceber o
que
ha nesta experiencia que esta ausente em relacao a experiencia relativa a algo que
nao
e um computador pode efectuar com muito maior rigor e precisao; o que diferencia a
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
206
A nossa atencao reflexiva, em geral, nao liga para estas coisas e deixa-se dominar
pelos
assuntos em discussao na sociedade. Entao, ela vai ligar mais para aquilo que os
outros
falam do que para aquilo que nos mesmos ja sabemos, o que configura um claro
processo
se tentarmos logo verbalizar esse material - ou fazer analise critica vamos destruir
aquilo que obtivemos gratuitatnente. Este material interno tern que ser lidado de forma
delicada e humilde. A atencao reflexiva e a parte falante que se acha muito importante
socialmente, mas ela tern que perceber que existem outras camadas mais discretas,
rapidas
memorativo da experiencia.
aquilo, mas o que devemos fazer e guardar aquele material na memoria e voltar
sempre a
ele ate percebermos o que se passa. So depois devemos fazer analise critica ou
colocar em
forma literaria, se for este o nosso talento. Quase sempre, nao foi a perccpcao que foi
confusa mas a sua record aqio, ja que quando conseguimos voltar a experiencia
originaria,
veremos que tudo foi muito claro. Contudo, como a nossa atencao estava ao nlvel dos
elementos da realidade, ela nao tinha meios de se verbalizar e foi trocada por
elementos
de pensamento, que criaram uma impressao difusa. E a atenpao reflexiva que tern
que ser
Quern pretende ser filosofo tern que adaptar a sua mente a realidade. Esta adaptaciio
e
contlnua e possui unidade. Apesar de a realidade estar sempre presente a nos, com
toda a
sua densidade, ela vai nos parecer vaga e difusa. Por outro lado, o que nos parece
claro e
firme sao as nossas construpoes mentals, mas temos de perceber que elas nao sao
a
realidade, ao contrario do que achava Kant, que pensava que a realidade e feita de
fragmentos, sendo apenas unificada na nossa mente. Obviamente que a mente nao
tern
este poder de unih cacao, e e ela que necessita dos sinais vindos da realidade para
ganhar
saber onde esta, e depois recupera alguma integridade com base na observagao dos
deixar que as coisas aparecam e nos permitirmos ser disciplinados por elas, como se
207
fossem um prolongamento da obra divina. Deus, depois de criar a realidade, viu que
aquilo era bom e nao discute com ela, aceita-a, ao contrario do gnostico que e um
critico
da criacao. Aceitar a realidade nao signifka acreditar que ela e perfeita. A realidade
mistura
nao poderia criar algo perfeito como Ele, e essa impcrfcicao e simbolizada pela
serpente
no paraiso. Mais tarde surgiram debates teologicos feitos por pessoas que ja nao
tinham
formacao escolastica, que nao conheciam Aristoteles, Sao Tomas de Aquino ou Duns
elalaoracao mental que nos encerra sobre nos mesmos, pois cada um tern a sua
elaboracao
de mundo. Mas como diria Heraclito, a pcrcepcao diz-nos imediatamente que estamos
Referencias:
Aula 19.
208
Tal como o Exercicio Descritivo (5.6), este exercicio tambem se baseia na distincao
entre
mundo flsico, e este exercicio visa saber a que coisas correspondem estes conceitos.
que vemos. Convem ser um local que nao tenha muitos objectos, por razoes que se
tornarao obvias. Vamos perguntar como cada objecto chegou ali, mas nao queremos
apenas saber a sua proveniencia imediata, ja que para isso bastaria dizer que foi
comprado
em tal loja ou que foi oferecido, mas nos sabemos que estes objectos nao existiram
desde
sempre. Na nossa imaginagao, vamos rastrear estes objectos ate as suas origens.
plastico e o papel nao puderam ter vindo todos do mesmo lugar. Em relacao a agua,
podemos imaginar uma fonte mas tambem quern teve a ideia de verificar as
propriedades
da agua, e para isso e necessario imaginar um laboratorio, o que, por sua vez,
pressupoe a
sua construcao, a formacao dos investigadores, etc. Mas depois de aprovada a agua,
e
e isso remete para toda a historia dos bancos, da analise do risco, etc. Passando
depois
para o plastico, teremos de imaginar o processo de fabncacao, que necessita do
petroleo
outras fontes.
complexidade inabarcavel, sendo obvio que nenhuma mente humana podera controlar
todo o processo, dal a razao do socialismo nao funcionar. Um directorio central nao
pode
poder para administrar a economia. Percebemos que Marx nunca se preocupou com
a
lembrou que aquelas coisas tinham de ser feitas mesmo. Marx diz mesmo no inlcio
d’O
Capital que vai fazer abstracgao de um conceito, o que e uma boa forma de nao
perceber
nada. No mundo de Marx so existem patroes e empregados, nao existem
consumidores.
necessaria para produzi-la, como se o consumidor nao decidisse nada. Quern compra
pode decidir pagar uma fortuna por um fetiche que nao deu trabalho algum a produzir.
Nao se trata aqui de estudar economia mas de encontrar um suporte memorativo sem
o
qual os conceitos da economia nada significant O que este exercicio pretende fazer e
Este exercicio e mais facil de verbalizar do que o Exercicio Descritivo, mas nao
devemos
209
Humana de Balzac. Iremos perceber que a nossa vida depende de accoes de milhares
de
outras pessoas. Essas acgoes entrecruzam-se vindas de todas as direcgoes, e so
precisamos
de saber uma parcela Infima do funcionamento das coisas porque alguem tem o
trabalho
de entender o resto para nos. Isto permite-nos entender o que e a verdadeira natureza
humana e que Santo Agostinho estava certo quando disse que a base da sociedade
grande empresa pode atingir valores que parecem monstruosos, mas a quantidade
de bem
imensidao de coisas que os outros fazem por nos, nao podemos ter uma sensagao
de
gratidao por ninguem nem respeitar seja quern for. Ficamos toda a vida como bebes,
sentindo-nos o centro do mundo. Antes de pensarmos nos nossos direitos, que
implicam
humana, que e a colaboracao. Mesmo que as pessoas sejam motivadas por desejos
de
riqueza, o que elas tem realmente de fazer sao produtos ou fornecer servicos que sao
uteis
Referencias:
Aula 19.
210
5.8 Leitura de Textos de Filosofia
experiencias originarias. Aqui levamos este aspecto mais adiante e de uma forma
mais
estruturada. Estamos ainda apenas a fazer a leitura de um livro de filosofia sem entrar
na
que nao esgota tudo o que podemos fazer com um texto. Ha outros trabalhos que
exigem
uma atitude contraria, de distanciamento critico, mas que acabam por deslizar para
fora
acabamos por analisar nao o texto real mas outro que inventamos para o seu lugar.
Algum
tipo de analise critica sempre acaba por surgir naturalmente depois de tomarmos
posse do
deixando que os outros falem, que os livros falem, que as pcrccpcoes falem e que a
realidade fale.
E aqui lugar para identificar onde se encontra a leitura de filosofia, tal como entendida
neste curso, dentro dos 4 tipos de leitura que Sertillanges fala no livro A Vida
Intelectuah
demorar varios anos e ser intercalada com varias leituras informativas. Estas ultimas
serao
propositos, ainda que possam ser laterais ao nucleo do livro. Na leitura de edifi cacao
nao
vamos analisar o texto mas deixar que ele aja sobre nos. Pode ser proveitoso ler varios
Tambem existe uma analise estrutural nas leituras mais rapidas, mas esta permanece
de forma metodica para evitar erros de entendimento. As leituras devem buscar uma
compreensao de um objecto que nao e o proprio texto mas aquilo para onde ele
aponta,
com a exccpcao da poesia, onde e dificil separar texto, forma e assunto. Mas devemos
pessoal, cultural, historica e assim por diante. O processo e trabalhoso de inlcio mas
moldes indicados. Apresenta-se aqui ainda o resumo da aula 25, onde e feita a leitura
de
outro texto que, embora nao seja de filosofia, vem trazer alguns contributes
importantes
para a leimra atenta de qualquer tipo de textos. Na aula 155 o processo de leitura e
ainda
mais aprofundado.
Para cada texto filosofico que tivermos em maos, vamos fazer um trabalho em tres
niveis.
Primeiro, transformamos o texto num drama, articulando o conflito que ali esta
211
subjacente, pois nao ha especulagao filosofica sem conflito. Vamos reconstituir esse
conflito e revive -lo imaginativamente. Trata-se aqui apenas de uma visao sintetica do
texto
monta-lo ja com todos os conteudos. Para dar substantia as falas das personagens,
vamos
tudo a respeito delas mas apenas aquilo que e pertinente ao drama esbogado. Nao
importa
quanto tempo vamos trabalhar no texto, mesmo que sejam seis meses, porque no
final
vamos aprender mais sobre filosofia do que se tivessemos lido 20 livros a respeito.
Nao e tao facil montar um drama sobre um livro de filosofia como o e para um livro de
ficcao, que ja e um “sonho acordado dirigido”. Podemos ter que recorrer a algumas
para saber qual a discussao a que aquele texto diz respeito. Julian Marias dizia que a
formula da tese filosofica nao e “A=B” mas sim “A nao e B mas sim C”. Benedetto
Croce
tambem dizia que para compreender um filosofo temos de saber contra quern ele esta
discutindo. Nem sempre esse dialogo filosofico e explicito, mas vamos ter de montar
o
drama com todos os personagens, quer eles estejam citados ou apenas insinuados.
Temos
de acumular material para podermos fazer uma leitura mais reflectida e nltida, ainda
sem
disse Jorge Luis Borges: para compreender um livro e preciso ter lido muitos livros.
dados historicos.
cognoscente.
212
Aqui ja temos dois nlveis de significagao. Para os antigos filosofos gregos nao era
sujeito para conhecer aquele objecto, ja que para eles esta nao so era uma
experiencia
natural como era a unica que tinham. A estranheza aparece aos autores modernos -
poeticas, mas enquanto Heslodo falava da origem do cosmos a partir das lutas entre
os
deuses, os filosofos ja nao se contentam apenas com uma narrativa - que tambem era
entendida como relato historico -, mas buscam uma ex pi i cacao, querem saber como
foi
filosofia grega, sobre um dogmatismo realista, tanto mais seguro de si quanto mais
inconsciente.
Uma afirmacao dogmatica inconsciente e tao obvia que nao precisa ser declarada. O
a base para a tomada de decisoes. Esta e uma tendencia natural ao esplrito humano,
por
presenga material objectiva, afirmando que a substancia das coisas era mental ou
antigo, so que nao era declarado e, assim, podia permanecer inconsciente uma vez
que
213
objetiva.
A afirmagao objectiva e para nos uma afirmagao impllcita da realidade, mas para eles
nem
pensamento filosofico seja mais elaborado e organizado, a experiencia que este tern
por
afirmar e a unificar.
A afirmagao e aqui, na realidade, uma crenga impllcita, que tras ja em si urn conteudo
positivo para a filosofia. Esta nao e um mero questionamento, tambem afirma algo, e
a
possibilidade de o conhecermos. O espfrito humano nao e apenas critico, ele tern duas
tendencias basicas: afirmar e unificar. Durante muito tempo, a nossa atengao sera
cativa
(perfodo jonico).
coexistir.
214
A razao humana teve entao como que um deslumbramento: sem deixar de apoiar o
realismo, ela vacilou, por assim dizer. Pois o “ser” nao representava, no objeto do
numa formula simplificada, mas cada um deles via o “ser” num piano distinto. Heraclito
deixou-se impressionar mais pelo fluxo constante das aparencias (“nao nos banhamos
textos que sobraram destes dois sao bem curtos e o que temos de procurar sao as
passagens a que se referent a este ponto. Ha aqui tambern uma referenda implicita a
Socrates, que vai pegar no debate aqui iniciado e tenta resolver o problema a sua
maneira.
Ele vai dizer que existem dois pianos de realidade e os dois sao verdadeiros, cada um
a seu
ntodo. Existia, por um lado, o mundo das aparencias sensiveis e, por outro, o ntundo
dos
arquetipos, que sao os esquemas eternos que permitem que as coisas sejam o que
sao.
Aparecent aqui as “ideias platonicas”, que devem ser entendidas mais como formas
ou
formulas, porque nos costumamos ver ideia apenas como algo pensado.
E, para cumulo, Zenao de Eleia, discipulo de Parmenides, adota por missao, dir-se-
espontanea.
Zenao surgiu com paradoxos como o da flecha, que em cada momento esta no lugar
em
que esta e nao noutro. Se a flecha esta aqui e nao ali, como podemos dizer que ela
se
move? Estes paradoxos sao esquemas logicos onde a forma da contradicao logica e
jogada
contra a realidade das impressoes. Sao artiflcios dificeis de desmontar e que so vieram
trazer maior desconforto a razao espontanea.
215
Alias, esse escandalo da razao era ainda agravado pela impressao nada edificante
criada pela multiplica^ao excessiva dos sistemas cosmologicos que solicitavam, nos
decerto, nem engenhosidade nem ousadia. Com igual desdem pelas tradi^oes e
dava voltas, por assim dizer, ao acaso, sem sentir-se em parte alguma como em
obstante tao realista, por uma primeira crise da certeza, e preciso levar em conta,
unica de onde pudesse ter saido toda a multiplicidade das coisas. Entre uns e outros,
esse
texto. Nao temos que fazer um resumo do pensamento dos varios autores mas achar
exactamente aqueles pontos a que o texto se refere. Para isso, podem bastar uma ou
duas
frases como, no caso de Heraclito, “Tudo flui” e “Nao nos banhamos duas vezes no
mesmo rio”, e no caso de Parmenides. “O ser e, o nao-ser nao e”. No caso dos pre-
adquirir conhecimento historico. Temos apenas de montar o teatro com as falas das
personagens para sentirmos a pressao interna do conflito a que o texto se refere. A
pressa
que montamos a situacao que fara com que nos recordemos dela.
Neste texto de Joseph Marechal, vamos procurar saber quando surgiu a critica ao
em Socrates. A busca de unit! cacao pela razao foi produzindo varias explicacoes
opostas,
216
texto nao expressa mas que podemos dele subentender. Todas as duvidas
mencionadas
surgem no piano da razao reflectida (ou reflexiva), onde as formulas podem ser
expressas
Heraclito disse que os homens despertos estao todos no mesmo mundo e os homens
adormecidos vao cada um para o seu mundo, ele ja dava a entender que a experiencia
que
cada um tinha do mundo nao pode ser muito diferente daquela que tern os outros. Por
isso, nao podem surgir oposicoes no piano da razao espontanea ja que esta lida com
os
como sendo aqueles que se valem da razao reflectida, que condensa e armazena a
dela produzindo uma expressao insuficiente, que contrastara com outras expressoes
dessa
mesma experiencia, tambem elas insuficientes. E assim nascem as oposicoes
filosoficas
dos homens que estao adormecidos, cada um no seu mundo, falando a partir da sua
razao
das suas posicoes, ja que tambem viam o mesmo que o outro via, mas quando se
anamnese, que mostra que por tras das diversas opinioes existe conhecimento
que nao tern forma imediata de se verbalizar. A tradigao filosofica moderna, com o
sempre compensada em filosofia, como o fez, por exemplo, Thomas Reid com o seu
apelo ao senso comum. Mas e preferivel pensar em razao espontanea, ja que senso
critica, mas o que Socrates fazia era um processo anamnesico, partindo das
conclusoes
conteudo, podemos fazer uma segunda leitura do texto filosofico, agora como se este
corpo e na nossa mente, vendo como tudo esta em constante fluxo. Depois, estaremos
anamnesico para lembrar que tudo isto surgiu de um fundo de experiencia comum,
onde
razao espontanea aceita isto sem problematizar. E a razao reflectida que, ao tentar
encontrar explicates, vai despoletar con trad icoes. Os filosofos erram ao sobrepor a
217
vistas em separado estao erradas, mas juntas, tal como fez Socrates ao articular
Heraclito e
experiencias parciais que estao em doutrinas filosoficas e, depois, ir para urn nlvel
mais
verbalmente expostos.
torna-la patrimonio comum. Contudo, ela lida apenas com a experiencia pensada e,
se
confiamos demasiado nela, podemos nos afastar da experiencia real. Daqui surgirao
duvidas e contradicocs aparentes. Para que a razao reflectida funcione, ela tern que
se
isto nao basta para que a razao reflectida se mantenha proxima da razao espontanea:
esta
proximidade e o que garante que estamos sempre proximos das respostas que a
realidade
nos insinua. A isto temos que juntar a riqueza verbal nossa e um universo de simbolos
guardados na memoria, o que nos remete para o campo literario. A razao espontanea
liga-
analogica, atraves da propriedade que esta linguagem tern dos significados que usa
nao se
linguagem cientifica nao tern esta subtileza semantica e, por isso, nao podem
descrever a
experiencia da forma mais directa. Com estas linguagens, podemos apenas falar dos
realidade desde que exista um fundo de experiencia comum entre quern escreve e
quern
le, para alem de uma riqueza e flexibilidade de linguagem adequadas. Por isso, o
verdade, e o unico que realmente interessa porque, a partir dele, podemos aprender
tudo o
resto. E importante compreender a linguagem humana com todas as suas subtilezas
e
humana.
realidade esta “dizendo”. Para eles, so existe o que e patrimonio cultural reconhecido.
O
realidade que se apresenta na razao espontanea, mesmo que todos digam o contrario.
Para
vamos abandonar a razao reflectida mas policia-la para que nao se afaste em demasia
da
vamos ficar mais atentos e doceis para com ela, porque ela sabe muita coisa e e a
base de
quase tudo o que fazemos.
218
Passamos agora a um outro texto que, nao sendo de filosofia, a sua leitura permite
elucidar alguns pontos a ter em conta tambem nos textos filosoficos. O texto deve ser
visto como uma pauta que desperta evocagoes e garante que nao vamos parar muito
longe
da mente do autor. Vamos ver as multiplas camadas de significado que um texto pode
ter.
Lewin:
pessoas com as quais ela lida. O tipo de comportamento e a atitude que ela tenta
desenvolver, e os meios que ela usa para isso, nao sao determinados meramente
educational pensa-se principalmente nos ideais, nos principios e atitudes que sao
ordem e a ligacao entre as varias proposicoes, tendo em conta que cada sentenca
pode
De seguida, vamos cruzar esta analise com a tecnica de “ler com a imaginacao”. A
palavra
219
“educagao” pode logo fazer-nos lembrar da nossa educagao, as escolas por onde
social”, que ja nos remete para uma convivencia mais ampla do que a sala de aula,
nos lembrarmos destas coisas, percebemos que o processo educativo esta dentro de
um
processo social mais amplo, que inclui tambem a interaccao entre a escola e outras
algumas que nao remetem para um processo social, como a leitura de um livro de
etimologicamente significa “ir para fora do ser”, sendo uma abertura da nossa alma
para
algo que nao se encontrava nela, um construir por dentro. Piaget tambem falava de
dois
praticavel numa leitura normal, mas pode ser efectuado algumas vezes para captar o
Concretamente para este texto, vamos apelar a um outro elemento exterior, que e o
conhecimento de que Kurt Lewin era um cientista social e, como tal, usa a palavra
outro.
ela usa para isso, nao sao determinados meramente pela filosofia abstracta ou por
(1) Refere-se a educacao. Depreendemos que a palavra educacao nao esta a ser
usada no sentido
geral mas no sentido concreto que ja antes tinhamos antevisto, ou seja, como um
processo pelo
isto nao basta para explicar o tipo de educacao que o primeiro grupo da ao segundo,
porque o
primeiro grupo tem uma composicao sociologica real e dessas outras filiacoes muita
coisa e
vertida para a educacao, por isso, para entender o tipo de educacao que esta sendo
passada, temos
autor quer dizer, ja que surge um contraste entre as nossas evocacoes e aquelas que
ele
220
deixa no texto. Mesmo que algumas evocagoes possam parecer despropositadas no
momento, mais tarde poderao revelar-se uteis. Comcca a ficar claro que Kurt Lewin
fala
proprio “social” como accao social e nao estrutura social. Quase toda a cducacao
infantil
derivou de pessoas que aprenderam com Kurt Lewin. Percebemos que o fenomeno e
altamente complexo e nao poderia ser entendido apenas a partir do texto, sendo
Kurt Lewin falava da sociedade alema das decadas de 20 e 30, no periodo pre-nazi,
e
verificou que a cducacao alema era muito rigida e hierarquica, isto comparativamente
com
a educagao americana, se bem que esta ultima tivesse alguns pontos de maior
exigencia,
expcrimcntacao em grupos para saber qual o tipo de cducacao que favorecia unia
sociedade democratica. Mas ele parecia esquecer alguns aspectos, embora fosse um
cientista serio. Apesar da cducacao alema ser rigida, Berlim era considerada a capital
do
pecado e os j ovens alemaes envolviam-se em movimentos de sexo livre e de revolta
contra
o cristianismo, isto ja antes do nazismo. Mas, por ironia, Kurt Lewin estava proximo
de
deste, desenvolveram estudos onde tentavam mostrar que era a cducacao americana
que
So e possivel fazer uma leitura com esta riqueza saindo do texto. A analise de texto
de
Martial Gueroult deu certo aplicado a Descartes porque o livro Meditates Metafisicas
foi
todo pensado de antemao e ali o fundamental era a propria ordem do texto. Aplicado
a
outros filosofos, o metodo tern resultados limitados porque estes ja nao escrevem
textos
Na aula 155 (ver esta aula para seguir o processo em maior detalhe) e exemplificada
a
tecnica de leitura de obras de filosofia para um texto de Eric Voegelin, retirado do livro
A
Nova Ciencia da Politica. Em primeiro lugar, e feita uma exposigao do texto, tal como
seria
onde se pega o aluno no estagio em que ele esta no momento, tendo em conta que o
seu
que e a estrutura do proprio livro. Mas existe tambem uma segunda camada,
composta de
toda uma serie de coisas que autor sabia e que estao ali implicitas no texto de algum
modo. Contudo, ainda existe uma terceira camada, que e onde se revela o proprio
objecto
do qual o autor fala, que vamos captar atraves dos olhos do autor, a nao ser que ja
complementando aquilo que o autor sabe a respeito. Entao, para chegar a este
terceiro
nivel, que deve ser sempre o nosso objectivo, precisamos de passar pelo horizonte
de
leituras do que nos, alem de ter uma serie de references que nos nao temos, pelo que
Isto e uma inversao do metodo do Mortimer Adler para leitura de livros de filosofia,
que
diz para lermos o texto todo, passando pelas partes nao compreendidas sem nos
leitura. Pelo menos para certos livros de filosofia, nao podemos fazer isto e temos de
ler
cada linha e entende-la, mesmo que levemos um ano a ler o livro. Nao se trata de
entender o texto mas de saltar dele para uma coisa real, e foi precisamente para isto
que
ele foi escrito. Nenhum autor filosofico escreve para nos prender no horizonte da sua
consciencia; ele escreve para nos abrirmos para mais coisas do que aquelas que ele
mesmo
Captar as referencias embutidas no texto e uma coisa muito trabalhosa, que implica
nao
apenas a leitura de outros textos do autor mas tambem a leitura de muitas coisas que
ele
leu, porque as referencias bibliograficas nao sao apenas um adorno ou um reforgo. E
dado, para, no mlnimo, nos elevarmos ao nlvel de compreensao que ele tinha, mas
de
preferencia indo mais alem. Pode parecer dificil saber mais do que Eric Voegelin, o
que e
assimilagao, mas ele morreu e aconteceu muita coisa que nos podemos saber a mais
do
que ele, que nos dizia para estudarmos a realidade e nao a sua filosofia.
que o autor a viu; nao e apenas lidar com o texto mas com a pessoa, com o seu
esplrito.
Temos de saber quais as referencias que estavam na mente do autor quando ele
escreveu o
texto. Para cada palavra, para cada conceito que ele emite, o que ele sabia a respeito?
Ja
nao podemos lidar somente com o texto e temos de ir muito para alem dele. Em parte,
textos de um autor lermos, mais facil fica esta operagao, que chega a automatizar-se.
Quando chegarmos a este ponto, quando fizermos as leituras ja teremos uma serie
de
ramificagoes imaginarias que irao compor o universo mental de dentro do qual o texto
apareceu. No caso de Eric Voegelin, tratando-se de um filosofo altamente tecnico,
podemos supor que ele tern uma “retaguarda” para cada palavra que colocou no texto,
usando essas palavras nao apenas no sentido filosofico convencional mas com toda
uma
carga de referencias historicas, de leituras, meditagoes, etc. Vale sempre a pena, para
os
termos substantivos que exprimem conceitos, trazer esta riqueza para fora. Se ja
existirem
outros usos feitos da mesma palavra noutros textos, e esta e uma das tecnicas de
destes conceitos, como para “existencia historica”, que passa por Giambattista Vico,
Hegel e pela ciencia historica tal como formulada por Leopold von Ranke, tendo ainda
em conta o tipo de documentos que Eric Voegelin se servia (para mais detalhes, ver
aula
155 ).
levar semanas a descortinar - estavam presentes para ele em simultaneo. Por isso,
nao
importa se levamos alguns meses para ler o primeiro paragrafo se este contem uma
serie
ter uma imagem sintetica do texto, o que nao significa obter um esquema mas uma
sintese
estava escrevendo. Mas nao podemos fazer isto antes de uma primeira leitura
pedagogica,
onde trazemos a nossa imaginable desde o seu horizonte de distracgao ate ao foco
Podem ainda aparecer subtilezas terriveis, como quando Eric Voegelin usa palavras
com
quase todas as referencias estao contidas no proprio texto, mas depois ha 2400 de
Historia e muita coisa aconteceu. Na aula, nao se chegou ainda a terceira fase, de
fazer
com que a realidade fale. Por enquanto, trata-se de estabelecer um dialogo humano
com o
filosofo.
Na aula 161 foi lido um texto do proprio professor Olavo (“Filosofia e autoconsciencia”),
num processo que nos coloca na pista de sabermos como apreender uma filosofia de
um
filosofo. Qualquer texto filosofico de uma certa qualidade possui uma densidade que,
para
ser compreendida, exige de nos o processo de leitura que aqui tern sido exposto e
que se
pode resumir numa operagao tripla exercida sobre cada sentenca: (1) captar a
referenda
historica que ali transparece; (2) perceber os argumentos compactados que ali estao
embutidos e que, embora nao estando explicitos, sao necessarios para o autor ter
podido
mesmo tempo, onde se reune, como num quadro, tudo aquilo que ele sabe da
realidade
num conjunto que ele tenta unificar, nao necessariamente para obter uma doutrina
explicativa de tudo mas como um modo pessoal de ver as coisas. Mas ele so pode
escrever
uma coisa de cada vez, frase por frase, pelo que existe uma tensao dialectica entre a
pcrccpcao desta tensao, nao estamos a fazer uma leitura filosofica correcta, e
rapidamente
e que um leitor experiente perceberia sem mais explicates. O filosofo pode nao ter
deixado aparecer esta tensao em cada frase, o que ja implica ter um talento artistico,
mas
ainda assim ela esta la. Entao, isto quer dizer que dificilmente vamos compreender
uma
unica frase de um filosofo antes de termos compreendido todas, porque cada frase
tern
que ser vista como um simbolo da visao de conjunto. Acresce ainda a necessidade de
compreender uma serie de coisas que nao estao em frase alguma, porque o filosofo
nao
teve tempo de escrever ou nao se tratam de coisas que sejam materialmente possiveis
de
descrever.
Ha ainda outro requisite) para ler o filosofo sem diminuir o sentido de cada frase: temos
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223
isto. Louis Lavelle fala daqueles momentos de lucidez em que a totalidade da nossa
vida se
E isto o que o verdadeiro filosofo faz o dia inteiro, e e o que tambem deviam fazer os
historiadores e os homens das ciencias sociais. Se vamos ler tudo com base no nosso
estado de dispersao, entramos na forma classica de nao entender nada, que leva ao
de a propria pedagogia da leitura nao ter sido abordada como tema principal. Tratam-
se
de aulas onde foram lidos textos de filosofia de forma lenta, tentando retirar dos textos
o
Aula 27: Leitura de urn trecho da Metafisica de Aristfiteles, a partir de uma duvida de
um
aluno.
Aula 33: Leitura de outro trecho do livro Da Origem das Artes, de Hugo de Sao Vitor.
Suhrawardi.
Aulas 122, 123, 124, 128, 129, 130, 133, 134, 135 e 136 - Leitura do livro Meditafies
224
Referencias:
consciencia.pdf
225
Neste ponto, comccamos por ver que a pcrccpcao ja vem acompanhada de uma
coisas tal como se apresentam e nao com os seus signos. Mantemo-nos no domlnio
da
uma reaccao total do nosso ser ao contacto com o objecto, e ela em si nao erra, ja
que o
da simples apreensao ja contem implicitamente quase tudo aquilo que as ciencias vao
Dentro deste ambito, serao abordados - de uma forma pedagogica e nao tecnica -
uma
serie de assuntos que Aristoteles destacou a partir da sua propria experiencia de estar
no
distingoes.
baralho, duas azuis e duas vermelhas. Os indivlduos retiravam uma carta de qualquer
pilha
vermelhas davam premios altos mas multas maiores ainda, ao passo que as cartas
azuis
flm de 50 rondas que o jogo estava viciado e que era mais vantajoso retirar cartas
azuis.
quando a mao se aproximava das cartas vermelhas, e dal para a frente havia maior
tendencia para retirar cartas azuis, ocorrendo isto cerca de 40 jogadas antes dos
proprios
se ter dela uma compreensao consciente. Mas esta analise nao chega ao fundo do
problema, ja que a psicologia nao pode estudar o processo cognitivo, cujo objecto nao
faz
226
por indugao, onde sao reunidos indicios que apontam num sentido, dos quais se retira
uma regra hipotetica que explica nao so os casos passados mas todos os futuros. Mas
a
primeira “reaccao” tambem nao pode ser descrita como mera intuicao ou
pressentimento:
tambem ali existe urn raciocinio indutivo, so que com uma casulstica menor. Os
psicologos colocam a diferenca fundamental no tipo de raciocinio ser ou nao
consciente,
mas em termos filosoficos isto e mero acidente, alem de que o nivel de inconsciencia
no
realizado com materiais inteiramente criados pela nossa mente, que tern uma relacao
com
a experiencia real mas ja nao sao as cartas da mesa e sim outras, que foram
transformadas
com signos da nossa mente mas com os proprios objectos da experiencia. Existem,
entao,
duas ordens de conexoes logicas, uma factica, que e dada nos proprios objectos e na
sequencia dos factos, e outra mental ou comummente chamada de logica, que ocorre
nos
A pcrcepcao imediata nao nos da, aparentemente, a certeza logica que retiramos de
um
raciocinio logico inteiro e que pode ser verificado. Mas a pcrcepcao imediata e tambem
um raciocinio indutivo e nao menos falivel que o raciocinio logico, mas nos apenas
dominio que temos sobre as formas mentais que criamos para reproduzir a situacao
real
mais certeiro e o primeiro porque nao e feito indirectamente atraves de signos mas
com
Esta e uma confusao que resulta de quatro seculos de subjectivismo filosofico, que
mas sem tentar captar a conexao logica real entre os factos em si mesmos,
considerada
ser aquilo que a nossa mente cria e o subjectivo aquilo que e dado na propria situacao.
O
raciocinio logico criado por nos, apesar de nos dar a sensagao de certeza, e apenas
uma
conexao logica entre conceitos e nao uma conexao factica entre coisas. E a diferenca
entre
uma situagao que se apresenta e outra que se representa. As teorias elaboradas pelas
de certeza, ao passo que a reacgao na decima jogada era a mesma para todos,
certeira, mas
sem vir acompanhada da sensacao de certeza.
processo, porque ela vai querer tirar conclusoes logicas antes dos factos revelarem a
suas
Nao existe nenhuma tecnica que possa aprimorar directamente o processo de decisao
“imediato”, uma vez que a substancia esta nos factos, que sao a parte activa, e nao
em
227
passividade necessaria para receber e aceitar os factos tal como eles sao. O
coisas como elas sao e a termos mais confianga na nossa percepgao directa do que
nos
conhecimento efectivo nao pode ser uma construcao da mente: ele e uma reacgao de
um
sujeito real, vivente, presente a uma situagao actual e real. So naquele momento e
que
Os dados utilizados no primeiro tipo de racioclnio sao presengas reais oferecidas pela
realidade, nao sao signos, e apenas atraves destes conseguimos expressar o que foi
possamos dominar, achando que estamos realmente a dominar o assunto. Mas nesta
criagao que fizemos ha uma passagem dos factos aos conceitos, e depois outra
passagem
destes aos raciocinios, num percurso onde se podem introduzir inumeros erros, que
nao
sua conexao auto-evidente e auto-exibida, por isso, quanto mais nos atermos a este
tipo
tambem existem, mas sao em muito menor numero, como atestam as milhares de
decisoes que sao necessarias tomar por alguem que esta conduzindo, decisoes
tomadas
sucedem-se uns aos outros - algo a que nem os grandes filosofos escapam - porque
a
Podemos dar provas deste tipo de racioclnio, repeti-lo e permitir que outras pessoas
o
confirmem, mas essa confirmacao visa apenas a logica interna e nao a conexao dos
factos.
A ciencia moderna tornou-se numa actividade social porque busca, acima de tudo, a
nao em entrar numa roda de auto-engano, temos de nos interessar pela primeira
modalidade de conhecimento, a partir das proprias coisas, ja que e a unica que nos
pode
Quase tudo o que iremos descobrir sera intransmisslvel, mas essa coisa muda e a
nossa
228
a optar por um simulacro. No outro caso, optamos por assumir a responsabilidade do
conhecimento, que e a de saber coisas que os outros nao sabem e ate podem nem
entender ou sequer querer saber. Aceitar apenas o que os outros ja sabem implica o
nivelamento por algum grau de burrice. E o que ocorre nas discussoes publicas, onde
ninguem diz a verdade, ninguem tem olhar proprio mas apenas o olhar do outro, que
tambem confia em outro igual a ele, pelo que todos se enganam mutuamente sem
perceber. A filosofia surgiu como arte de perceber as coisas como elas sao, sem
ilusoes de
ser possivel compartilhar este conhecimento por todos. A vantagem e poder saber,
mais
ou menos, como as coisas sao e conseguir prever um pouco como irao ser, mais
para as demais pessoas que se preocupam com a prova e nao confiam na intuigao
directa.
A emogao
Podemos tambem ver a experiences das cartas pelo lado da cmocao que ali aparece
denunciada pelo suor na mao. A reaegao baseada na emogao mais imediata tendia a
ser
cmocao, porque ali se mistura a cmocao com o conteudo representative que a induz.
Mas
Nao e uma reaegao localizada: ela toma posse de nos inteiros. E e sempre racional
porque
quern coloca o objecto para que a emogao responda? Pode ser a percepgao ou pode
ser a
imaginagao.
A percepgao pode cometer um erro por defice de atengao - a percepgao nao se perfaz,
por assim dizer, e ja estamos imaginando a coisa errada -, e a nossa emogao vai
responder
Podemos ouvir passos e supor que e um ladrao, mas al e o racioclnio que esta errado.
Respondemos com medo, mas a culpa nao e do medo mas do racioclnio. Se o objecto
erro e muito maior. Na vida nao podemos nos orientar sempre por percepgoes, temos
frequentemente que representar as situagoes mentalmente, e a emogao tambem lhes
vai
responder proporcionalmente. A ideia que a emogao e uma coisa irrational e, ela sim,
reaegao integral do ser, e a pessoa inteira que tem a emogao, e e atraves da emogao
que
emogoes que podemos saber quern realmente somos; nao e pelos nossos
pensamentos,
porque podemos fazer uma sequencia inteira de pensamentos sem acreditar numa so
linha
imaginar uma historia inteira sem nos identificarmos com ela, o que acontece com o
actor
pensamentos podem se destacar daquele nucleo que diz “eu”, mas as emogoes nao
podem. Nao e possivel sentir medo, raiva ou esperanga sem sabermos que somos
nos que
229
estamos sentindo aquilo. Somente as emocoes nos informam da realidade do nosso
estado. E o que provocou esse estado? Estamos reagindo a alguma coisa que foi
percebida
pelo todo? Estamos reagindo a uma hipotese imaginaria que construimos com
exactidao,
imaginagao. A percepcao nao erra porque nao tern em si nenhum elemento racional
nem
irrational, pois escapa desta divisao. Quern pode errar sao as faculdades construtivas
da
correspondencia com a realidade, quando as vezes nao tern. E aqui que se introduz
o erro,
Aristoteles falava do silogismo imaginative: quando criamos duas imagens, elas criam
uma
terceira, que e uma resposta. Eisenstein usava esta tecnica no cinema. Tanto o
raciocinio
-, nao pode haver erro, que apenas surge pela mao de quern apresenta o objecto, e a
emocao nao nos apresenta objectos. Desde Descartes que se considera que as
emocoes
sao irrationals, e isso leva a muitos erros. O primeiro erro vai ser a excessiva confianca
no
O dominio da verdade
Aristoteles ja tinha percebido a diferenca que havia entre a conexao factica entre
dados da
realidade e a conexao logica entre conceitos. Sabia tambem que apenas uma parte
infima
do que e perceptivel na esfera dos dados pode ser transposta para uma demonstracao
percebido da forma inteligivel dos objectos, algo que os representa mas nao os
apresenta.
A ciencia experimental serve para verificar se a ordem logica colocada nos conceitos
coincide com a ordem dos factos em alguns pontos, mas o primeiro tipo de raciocinio
vai
mais alem porque e uma percepcao da logica interna entre entes, com as suas formas
inteligiveis. So aqui estamos no dominio da verdade porque so desta forma se revela
a
Actualmente, quern entra nos circulos filosoficos e cientificos nao busca o dominio da
verdade mas apenas obter de outros a confirmacao do seu discurso. E o solo das
relacoes
altamente complexo e falivel, onde se da uma perda enorme. Por isso, um livro de
filosofia nunca pode dizer tudo e e imprescindivel fazer o exercicio imaginario, treinado
a exposicao para fazer sair o fundo de experiencia que motivou o autor. Isto tambem
nos
pode ajudar a produzir expressoes culturalmente eficientes, mas elas nao significam
prova.
Escolher o domlnio da vc re lade faz-nos perceber que “saber e saber algo que os
outros
veriti cacao, sendo este conjunto confundido com os criterios que dao validade
intrinseca a
que confirmam os discursos umas das outras, criando uma pressao tal que se torna
e achar que a ciencia pode corrigir as nossas percepgoes. A observagao directa, nos
ultimos seculos, foi relegada para um papel de materia-prima sobre a qual se deve
colocar
em cima um racioclnio, como se ela mesma fosse irrational. Mas a observaaio directa
do discurso.
Edmund Husserl colocou como condigao para a existencia de uma ciencia ideal a
existencia da «evidencia» - a percepgao directa de alguma coisa que so e valida para
uma serie de afirmagoes que tern uma conexao logica nao so entre si mas tambem
nos
dados apresentados pela testemunha e pela propria situagao. Mas quando ligamos
duas
premissas e apresentamos uma conclusao, nao ha aqui apenas uma conexao logica,
e
tambem necessaria uma evidencia para que as conexoes entre afirmagoes sejam
tambem
prova. Entao, nao existe conhecimento rational mas apenas conhecimento intuitivo,
que e
baseado na evidencia e feito com elementos da propria situagao e nao com signos. O
que
chamamos de rational e ainda uma conexao intuitiva que ja nao e dada pelos factos
mas e
dada mentalmente pelos conceitos que nos criamos. A partir daqui, conseguimos criar
conhecimento. Como o foco normal da educagao esta aqui, a burrice vai aumentar
com a
quantidade de estudos.
Nunca e posslvel fazer a apropriagao da razao divina, terlamos de ser Deus para fazer
isto,
mas ainda assim podemos desvaloriza-la face as estruturas criadas pela nossa mente,
pela
ciencia, pela arte ou pela filosofia. E uma operagao blasfema que substitui o mundo
por
uma ideia nossa, so porque isso nos da seguranga. Mas o nosso mundo interior faz
parte
Daqui surge uma grande perversao cultural, que coloca a prova acima da realidade,
que e
uma sobreposigao do signo sobre o significado. Mas toda a prova e relativa, nunca da
a
certeza absoluta, sendo apenas confirmada pela percepgao directa. Querer apenas a
prova
real, tal como experimentado imediatamente, pode servir para nos. Nao temos que
231
raciocinio judicial: nao se pode condenar ninguem sem ter provas cabais. Mas em
outros
dominios, na politica ou na guerra, nao se pode esperar por essa prova, e o facto e
que os
grandes generais erram menos do que os julzes e tem de tomar decisoes estrategicas
muito complexas em pouco tempo. A prova so serve para tirar duvidas, mas ela nao
pode
ser feita com elementos da realidade, pois nao e possivel fazer acontecer de novo,
diante
decisoes em relagao ao nosso mundo subjectivo e nao a realidade. Esta e uma fuga
que
subjectivo a autoridade suprema, no qual acreditamos mais do que nos nossos olhos,
e
fingimos que existe uma comunidade intelectual simbolica que lhe presta vassalagem.
Isto
coisas como elas sao e, sendo o conhecimento que adquirimos verdadeiro, as provas
irao
Prova significa purificar, ter uma visao mais llmpida de algo. A visao construlda na
nossa
mente e sempre mais llmpida do que aquilo que e percebido na realidade porque nos
fazemos abstracgao de todos os elementos acidentais, algo que nao podemos fazer
na
perccpcao directa. Para que esta tambem se torne llmpida, temos de “limpar os nossos
acontecimento so pode ocorrer junto a uma serie de elementos acidentais, que sao a
sua
substantia, e como a prova faz a sua abstraccao, ela tera de ser corrigida, o que pode
ser
um processo sem fim. Um processo alternativo, mas que ainda nao esta criado, seria
uma
realidade.
A prova e uma tentativa de encaixe de uma coisa da ordem fisica, que transcorre no
tem sempre que se adequar a pcrccpcao e nao o contrario. Algo verdadeiro pode ser
dar logo um vislumbre de inumeras provas a desenvolver. Mas a prova sera sempre
isso, devemos ter nocao de que a nossa condicao humana implica que os outros
duvidem
Todas as pessoas tem a capacidade de perceber a realidade quase por igual, por isso,
todos
podemos aprender a conduzir e a tomar decisoes totalmente adequadas a realidade
que,
232
entao passamos a acreditar mais na nossa duvida do que naquilo que vimos. Induzir
este
percebermos que existe o conhecimento por presenca, mas elas ainda nao sao este
presenca. Podem ser recordadas, mas o conhecimento por presenca pode ser
restaurado
quantas vezes quisermos, desde que averiguemos sobre o que temos que saber o
tempo
todo para, neste momento em particular, sabermos alguma coisa. Quando puxamos
de
dentro de nos este conhecimento, que sempre tivemos, aparece uma camada de
elementos
recebidos culturalmente, mas chega uma hora em que percebemos que ha algo mais
que
nao e abrangido pela cultura e que fundamenta e torna possivel o mundo cultural. Este
mundo contem muito mais coisas do que aquelas que apreendemos nas nossas
primeiras
imenso.
tempo vividas como uma realidade pessoal mas tendo um alcance universal e, por
isso,
tern alcance cultural em si mesmas. Sao estas experiencias que estruturam toda a
nossa
das direcgoes do espago e, por outro lado, da-nos tambem o proprio conceito de
posicao erecta. Esta posicao tern um valor para nos porque ela nao so aumenta o
nosso
poder de acgao sobre o mundo como tambem nos custa alguma coisa a alcangar, ja
que
tivemos que superar a nossa anterior posicao rastejante. Quando algo esta confuso,
dizemos que a coisa esta “de cabega para baixo” ou “sem pes nem cabega”, porque
ali nao
posicao erecta que ja contem todos estes conceitos, que depois vamos desdobrar
233
Podemos andar para a frente e voltar para tras, mas o tempo nao recua e isso da-nos
o
vamos capta-lo atraves de imagens espaciais, por exemplo, quando dizemos que
alguem
ainda tern muito tempo pela frente. Outra experiencia fundante parte da diferenca
entre a
utilizagao das pernas - que em geral so servem para andar para a frente ou para tras
-e
dos bravos - que nos mostram a capacidade de agirmos no espago em varias
direcgoes.
maior, menor, etc.) sao tidos como abstracgoes, mas nesse caso tern de ser
abstraldos de
alguma coisa. Todos estes conceitos vem da nossa experiencia primitiva de estar no
mundo, mas estas primeiras experiencias nao foram verbalizadas na altura. Mais
tarde, os
conceitos chegam-nos verbalizados como sendo elementos culturais, sem nada a ver
com
a nossa experiencia. Uma das funcoes da filosofia e corrigir esta situagao pelo
trabalho
Temos a nocao de ponto, que e algo que sabemos nao existe na realidade, apenas
porque
conseguirmos focar a nossa atencao em coisas Infimas e, depois, voltar a uma escala
normal. Qualquer crianca descobre isto quando observa uma formiga pela primeira
vez.
Podemos expandir a nossa atencao para circulos cada vez maiores de factos, mas
sem a
que Platao disse no Titneu , de que Deus colocou os astros no ceu para nos vermos
os
movimentos da inteligencia divina nos ceus e modelarmos a nossa inteligencia por
eles. Se
ver, mas o ver e tambem um acto subjectivo, pelo que ha aqui uma ligagao inseparavel
do
ar que nos ensina. O acto macro-cosmico ocorre no mesmo momento em que decorre
um
mundo, que tambem surge como presenca. Entao, as formas a priori kantianas ja
estao
dadas no quadro universal onde estamos e nao na nossa mente. Temos tambem a
sao bem destacadas. E um ciclo mas nao um circulo, porque as coisas nao voltam
tradigao cultural nos passara. A remcmoracao destas experiencias cria um elo entre,
por
mesmo universo e nao fosse dal que viessem as experiencias fundantes que tudo
validam.
Sao estas experiencias que nos fazem ter, mal nascemos, uma concepgao do
universo, algo
Lavelle, onde se incluem coisas que nao sao fisicas, como as direcgoes do espago ou
o
234
senso de hierarquia, e sem as quais nao podemos fazer a distingao entre o flsico e o
nao
flsico. A origem da paralaxe cognitiva e a negligencia das experiencias fundantes. Os
esta pensando em nos atraves dos instrumentos que ele nos deu pelas experiencias
fundantes. Contudo, quando se criou a nocao de natureza como um campo regido por
leis
matematicas, que nada tem a vet com a nossa presenga ali, a experiencia da natureza
e do
A riqueza da percepqao
apreensao e nao o raciocinio logico, que se mantem precisamente por ser algo basico
e
por isso ve uma coisa e da-lhe o nome de outra ou pode confundir a sua identidade
com a
de outra pessoa.
tambem podia ser preto, cinzento, castanho, raiado, mas nao poderia ser azul ou
verde
com bolinhas. De algum modo, as cores possiveis do gato estao todas ali embutidas,
em
termos de abertura para algumas possibilidades e nao para outras, sejam em termos
de
cor, forma, tamanho, etc. Sabemos que ha uma variacao toleravel por ser harmonica
com
a forma da especie e que se manifesta no individuo singular. Isto foi pouco estudado
ate
inteligivel - o conceito geral - e captada por inducao, quando a sua apreensao deriva
de
fazer isto, nem sequer os anjos. As objecgoes cepticas em rekpao a percepgao sao
que da a medida real do universo objectivo. Mas quando as pessoas nao tem os
instrumentos culturais de vcrbalizacao e de expressao adequados para veicular o que
a
pcrccpcao lhes da, acabam por negar a propria pcrccpcao e atem-se apenas ao que
ja esta
contido no seu universo verbal. Nesta situagao, ja nao adianta apelar para a
consciencia
das pessoas, uma vez que esta esta soterrada por muitas camadas de dificuldades
verbais,
categorias (lugar, paixao, tempo, acaio, etc.). A pcrccpcao nao da apenas a unidade
do
235
ideia de uma historia esta subentendida tensionalmente na percepcao do ente.
uns nos outros, e e a nossa atengao que dita a sua percepcao ou nao. No caso da
percepcao de seres humanos, existem logo tres circulos de realidade que podemos
perceber. Primeiro, tal como acontece para qualquer objecto, percebemos a aparencia
fisica, que ja tem dois andares, urn para a figura - como o recorte exterior de uma
existe um mundo de intencoes que aquela pessoa tem e que podemos perceber
consoante
sua simples presenca faz transparecer alguma coisa. E isto pode prosseguir, ate ao
ponto
em que o padre Pio conseguia perceber o que as pessoas tinham para confessar
melhor do
que elas mesmas. Mas num acto simples, como perguntar o prego das laranjas num
subentendem tudo aquilo de que tratam as ciencias que podem estudar laranjas:
nutritivas e como ela se gerou ate chegar ali; sabemos que houve um processo de
Para maximizar a inteligencia nao devemos raciocinar com conceitos mas com o fluxo
de
imagens onirico , que e constituido de simbolos e ainda nao de conceitos. Mas o ideal
e
partir de elementos da realidade, mas esta limitado no numero de variaveis que pode
lidar,
enquanto um ser humano pode condensar milhares de elementos num sonho. Temos
de
escolher um ponto de vista sobre a situacao, dos milhares possiveis, que seja aquele
que a
enfoque.
Existem, para os fins que aqui nos interessam, duas modalidades de abstraccao.
Numa
delas, o ente individual e considerado nao apenas em si mesmo mas naquilo que tem
de
acidentes, eles mesmo implicitos da definicao das coisas de que fazem parte, no
sentido
da coisa. A analise logica feita nestas condicoes pode acompanhar, a pari passu, a
estrutura
do ser observado, pelo que nao ha separacao entre observacao e raciocinio logico.
Na
236
pelo cientista.
de consciencia neste momento e Virtualizacao e aquilo que jogamos para urn pano
de fundo
mas que nao fica totalmente esquecido. Num processo de abstraccao, separamos
uma
fundo permite-nos lidar com a essencia pura destacada sabendo que ainda estamos
lidando com o objecto real. A base do metodo filosofico e precisamente esta tensao
entre
O problema da abstraccao e o primeiro que a logica tern que enfrentar, uma vez que
qualquer raciocinio necessita de ter algum material, que e dado pelos conceitos
imediatos.
chamam de simples apreensao. Este e o acto pelo qual reconhecemos um ente pelo
seu
nome (ou damos-lhe nos um, caso nao saibamos o seu nome), de modo a formarmos
uma sua ideia geral. Segundo os logicos, essa ideia esta separada das circunstancias
concretas de ordem sensivel (lugar, tempo, situacao, etc.), que sao abstraldas para
obter o
conceito geral. A simples apreensao e tida - a nossa fonte e aqui o livro Elements de
l^ogique
quididade e abstracta e distingue-se da visao intuitiva das coisas sobre o seu aspecto
Contudo, sera que existe mesmo, na abstraccao, esta separacao da essencia das
isto e o circulo de latencia, que a logica formal ignora, lidando apenas com a forma
ideal
do pensamento, que e apenas uma regra de jogo. Para alem da logica formal, Aristo
teles
tambem considerava a logica material, que e uma teoria do conhecimento que permite
logica material, ja estamos viciados. Tra tamos aqui, entao, de corrigir logo de inlcio
as
fundo com tudo o que sabemos daquele objecto. Ou seja, nao se trata de uma
separacao
mas de uma distincao, e sempre existe uma relacao tensional entre a estrutura geral
eo
piano de fundo. Por um lado, ao ente particular nao pode faltar nenhum dos atributos
que
estao na essencia, por outro, a essencia se fosse apenas ideia nao poderia ter
existencia. A
237
existencia. Quando vemos uma arvore, nao vemos apenas a sua forma externa mas
vemo-
la como um ser vivo, com certas propriedades, e apreendemos a formula interna que
permite que ela seja o que ela e. Entao, a simples apreensao e simples apenas no
sentido
de ser imediata e por nao requerer outros actos cognitivos, mas nao e simples do
ponto de
simples apreensao, descrevendo as coisas como elas sao, mas o processo so resulta
se
realidade, e tambem uma aposta em que e bom as coisas serem como sao.
Nao e verdade que a simples apreensao nada afirme ou negue, ja que ela afirma tudo
aquilo que sabemos sobre a distincao entre aquele ente captado e todos os outros
nela mas no juizo anterior que a fundamentou e a fez nascer. Quern ouve a proposicao
que os registos da verdade nao sao, por si sos, conhecimento. Quando expressa por
palavras, a verdade so pode ser refeita na consciencia do ouvinte ou do leitor por meio
da
este nao tenha conteudo - o que ocorre na logica formal -, viciamos a mente neste
jogo e
ente. Isto nao se confunde com uma simples definigao por genero proximo e diferenga
especifica. Conseguimos cap tar estes circulos olhando para os objectos de forma
nao podera ser percebido como algo actual e patente. Nos percebemos as coisas
assim
A perccpcao, em si, nunca erra. Temos sempre um signo mental que corresponde a
forma
e a presenga do que estamos vendo, e o verbo mentis, que aparece mesmo quando
nao
temos um nome para aquilo. Por vezes, dizemos que existem erros de perccpcao que
na
o proprio erro pressupoe a perccpcao exacta. A perccpcao tern uma riqueza enorme,
ea
sua primeira componente e a uniao indissoluvel entre uma ideia universal e uma
presenga
singular, e as duas vivem numa tensao, ja que para alem da essencia da especie
tambem
esta patente a integralidade da forma individual daquele ente dentro da especie, assim
O que foi exposto da-nos uma base tecnica a desenvolver sobre dois pontos:
(1) O momento decisivo do conhecimento e a simples apreensao. Ela da-nos os
238
conceitos exactos das coisas, e ainda que nao tenhamos um nome pra elas, temos
(2) A consciencia humana surge da simples apreensao como ordem narrativa que se
expressa no tempo e, por isso, a racionalidade humana tern que partir do domlnio
aprendizado literario.
As categorias de Aristoteles
Aristoteles era um mestre na aprendizagem com aquilo que a realidade lhe dizia. E a
partir
desta optica que vamos abordar as categorias que ele expos, ou seja, nao entramos
ainda
num domlnio tecnico mas permanecemos numa vertente pedagogica. Mais adiante
iremos
podemos emitir a respeito do que quer que seja. Sem precisar ter jamais ouvido
entre dizer o que uma coisa e (categoria da substancia), como ela e (qualidade), se e
algum modo a outras (rela^ao), onde esta (lugar), desde quando e ate quando esta
(tempo), o que ela faz (ac^ao), e o que se faz ou pode fazer com ela (paixao ou
acqao passiva).
tempo, acgao e paixao ou acgao passiva), Aristoteles admite, em algumas listas, ainda
mais
espontaneo delas. Ninguem confunde o que uma coisa e com uma sua qualidade,
nem
com a sua posigao ou tamanho. As categorias mais nao sao do que a percepgao das
diferencas que surgem nas varias formas que escolhemos para olhar uma coisa.
Aristoteles
logicos), podendo estas tambem ser usadas com menos precisao na convcrsacao.
Mas
ganham uma autonomia propria. Elas vao entrar em exposigoes filosoficas, com uma
problematica interna que pode nada ter a ver com o uso da pcrcepcao. E nesta
autonomia
das categorias como conceitos filosoficos que surgem incontaveis erros e confusoes.
239
As categorias nao estao todas no mesmo piano. As quantidades podem ser
articuladas
podem ser pensadas separadamente mas nao existem em si. O mesmo se passa para
as
relacoes, mesmo quando operadas entre conceitos logicos, ja que estes tambem sao
quais as substancias que existem realmente e as que podem ser tratadas logicamente
como
perguntamos a dctinicao de uma mesa e nos dizem que e um movel, sabemos que
falta
alguma coisa porque nos deram uma definigao demasiado generica e assim nao
podemos
distinguir a mesa de outras coisas do mesmo genero. Isto mostra que percebemos
intuitivamente a diferenga entre definic;ao e genero. A propriedade e algo tao natural
em
alguns seres, como o gato miar, que basta saber qual e o ser para sabermos que ele
fara
aquilo. Mas ja nao podemos deduzir um acidente, como o gato estar no telhado ou no
de ser acrescentados a definigao, mas nao sao puramente acidentais ja que nao
podem ser
ou preto, estar miando ou ronronando, subir ao telhado ou estar deitado no sofa, mas
isso
nao ira acontecer com um caranguejo ou com um jacare. Tambem sabemos que e
possivel
atirar sobre uma pessoa, sobre um animal ou num ser inanimado, mas nao podemos
atirar
sobre uma equagao matematica, sobre um ser imaginario ou numa alma de outro
mundo.
O senso do real consiste em cerca de 80% de uma graduacao instintiva que fazemos
dos
podem suceder aos varios seres das varias especies. Esta e a parte mais preciosa da
E isto que nos diferencia infinitamente dos animais e dos computadores e nao o
acidentes.
Os tipos de causa
formal, causa eficiente, causa material e causa final. Causa formal e a simples
definigao, a
natureza da coisa, que pode, por si so, dar-nos explicates sobre o que a coisa faz ou
lhe
pode acontecer. Quando falamos de uma tartaruga, sabemos que ela pode andar em
terra
ou na agua, mas o mesmo nao acontece com um peixe. A causa eficiente e o impulso,
o
mecanismo imediato, o gatilho que dispara a accao. Causa final e o proposito de uma
coisa. Por fim, causa material e o meio, material ou canal pela qual a acgao se realiza.
Na
arma do crime (causa material), assim como a arma nao se confunde com o objectivo
ultimo do criminoso (causa final), nem nenhum destes confunde-se com o impulso
Ainda conseguimos fazer a distingao entre causa proxima e causa remota. Quando
isso nao ficamos satisfeitos com uma resposta que diz que o divorcio se deveu a uma
crise
geral do casamento, porque isso aponta para uma causa remota. As causas remotas
podem
causa que esta envolvida num processo de gcstacao, processo que seguira se nao
for
alguma coisa, que nao se pode dizer que resulta de uma forca anterior, pois o
processo
nao seguira automaticamente como no caso da gestacao. Nos dois casos, existe um
processo causal, tendo Aristoteles chamado de causa eficiente a que esta envolvida
no
final, que diz respeito a uma serie de accoes que visam a uma finalidade, ou seja, e
algo
que nao esta fisicamente operando mas corresponde a um piano que apenas existe
na
cabega de alguem. Elas operam a partir de pontos distintos, por assim dizer, e nao
funcionam do mesmo modo. Por vezes aparecem confusoes medonhas entre filosofos
Relativamente a causa material, ela indica o “de que” as coisas sao feitas, ja que as
propriedades materials das coisas sao causa de um processo poder funcionar. Por
causa eficiente nem uma causa final. E, por ultimo, existe uma causa formal, que e “o
que” uma coisa e, e explica a razao de dois gates se cruzarem e dali resultar um gato
e nao
Franca, de pais mais poderoso no mundo, declinou continuamente ate aos dias de
hoje,
partir dos seus agentes individuals e grupais, sabendo como estes interpretavam a
sociologia moderna, criticou esta metodologia, alegando que por baixo das accoes
dos
agentes existiam formas impessoais muito mais decisivas, a que ele chamou de factos
ai intervir a intengao de quem quer que seja. Sao tudo coisas anonimas, instituigoes,
habitos, resultados estatisticos, etc., que passaram a ser estudados pela nova ciencia.
Taine trabalhou sobre as causas proximas. Nao tern sentido confrontar uma coisa com
outra. A causa remota pode se reflectir na causa proxima, mas esta nao e obrigada a
seguir
a primeira. Mais tarde, a propria historiografia foi influenciada pela sociologia moderna,
e
Ele achava que tudo poderia se resumir a medias estatisticas e regras institucionais.
O problema da sociologia moderna de Durkheim e que acaba por nao explicar nada.
Faz
apelo de causas remotas, como os factos sociais, que sao coisas que nao existem em
si
mesmas; nasceram da accao humana e e atraves dela que podem exercer alguma
influencia. Ao mesmo tempo, a accao humana pode ir contra os factos sociais. Quando
dizemos que a pobreza provoca criminalidade, estamos a fazer apelo a uma causa
remota
(a pobreza) que em si nao explica nada, ja que ha paises pobres muito violentos e
outros
muitos paclficos. Para explicar isto, temos de fazer apelo a outros factores, e ai tera
de
intervir alguma causa mais proxima. Se a ideia de que os pobres estao libertos de
certas
obrigacocs morais tiver sido espalhada, entao, temos uma causa mais proxima
intervindo.
Mas ainda nao e suficiente, porque mesmo assim as pessoas podem decidir nao ser
criminosas, alem de que faltam ainda os meios materiais para o crime despontar.
fazendo abstraccao das causas imediatas e da accao humana, o que vamos obter e
um
fantasma. Sera um estudo de meras causas remotas hipoteticas, que operam mais ou
menos como se fossem causas formais e causas finais. Dessa forma, as causas
remotas
remotas nunca sao causas eficientes e, por isso, nunca podem determinar a acgao.
Nao ha
acgao humana que nao tenha por detras um agente humano concrete).
ideia de que os factores impessoais sao a causa das coisas. Em pleno seculo XVIII,
debate que haviam substituido os antigos saloes literarios. Ali juntavam-se intelectuais
e
semi-letrados para dar palpites sobre tudo. Algumas dessas sociedades estavam
tambem
o advento do Estado moderno, tinha sido legada para um domlnio estritamente privado
e
afastada da vida publica, que tinha agora os seus criterios proprios, supostamente
neutros
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242
e que tinham que presidir acima de qualquer moral religiosa, ja que o Estado moderno
nasceu sob o pretexto de terminar com as guerras de religiao. O fenomeno esta bem
descrito por Reinhart Koselleck no livro Critica e Crise, assim como nos trabalhos de
Augustin Cochin.
de um efeito terapeutico. Como nao podiam exercer poder politico directo, criaram
uma
A revolucao ainda se encontrava no seu inlcio e estava planeada para ter 3 fases: (1)
estagio filosofico; (2) estagio politico; (3) e estagio revolucionario. No estagio filosofico,
o
poder e exercido nao atraves da accao politica directa mas pelo dominio da opiniao.
Com
esse poder e possivel criar idolos ou condenar pessoas ao ostracismo, porque temos
o
forma mais publica, dominaram o panorama cultural durante um seculo. Depois disso,
ja
era possivel passar para a fase seguinte: o estagio politico. No estagio politico, as
das ONG, que criaram a ideia de existir uma opiniao publica, mas na verdade eram
apenas
pensamento, Augustin Cochin mostra que ali havia apenas uma terrivel concordancia.
Passados 100 anos, Durkheim acreditou realmente na existencia de formas anonimas
e de
uma unidade espontanea na sociedade e criou uma ciencia inteira a partir disso. Mas
os
descrito pelo metodo de Taine. Os factos sociais dao a falsa impressao de serem
caso das sociedades secretas. Mesmo que depois as coisas sejam passadas por
impregnacao inconsciente ou por meio de habitos, esses habitos tiveram uma origem
que
As ciencias sociais sofrem do mal endemico de trocar causas remotas por causas
proximas, por isso nunca fornecem o elo entre a suposta causa que enunciam e o seu
efeito. Nos nao podemos dar esse salto. Quando enunciamos uma causa remota
devemos
ter consciencia que ela tern apenas o poder de predispor a uma determinada situacao,
mas
depois devemos procurar encontrar quais foram os meios (causa material) que
produziram aquele efeito. Estes meios nao sao apenas materiais mas tambem se
referem a
alguma organizacao de meios. E para fazer isso temos apenas de operar as distincocs
243
Um patamar da filosofia (ver 5.4) e a distingao que Aristoteles fez entre forma e
materia.
para oricntacao na vida, contudo, e uma clistincao muitas vezes mal compreendida
ate por
aprimoramento da pcrccpcao.
Para Aristoteles, a forma nao dizia respeito a forma exterior, tanto que ele dizia que
uma
mao cortada tinha figura de mao mas nao forma de mao, ja que esta havia perdido a
sua
funcao. A forma seria o que hoje chamariamos de formula, o princlpio de
funcionamento
confere existencia.
copo existir, ja existia a forma de copo e quando alguem compreendeu essa forma
outro objecto com a fungao de copo, ele veria um objecto de uma natureza totalmente
Sem a distincao entre forma e materia nao pegariamos a nocao de especie, pois dois
entes
que reconhecemos serem da mesma especie nao partilham nem a mesma materia
nem a
mesma posigao no espago. Mesmo no caso de uma gata que da a luz gatinhos,
distinguimos uns dos outros porque nem mesmo ali as materias sao iguais e ha uma
separagao por clrculos concentricos porque a mae nunca esteve dentro da mae. Esta
fazemos em quase todas as operagoes mentais. Sem ela seriamos totalmente idiotas
pois
Aristoteles. Mesmo para negar esta teoria e preciso afirma-la, porque se contesta a
sua
forma expondo-a numa materia diferente dos escritos originais, sabendo que a teoria
afirmar uma coisa ja se esta a fazer a sua negagao porque se fosse verdadeira nao
era
o mundo inteiro desde fora, como se fosse Deus, achando assim que nao existe nada
acima dele a quern possa recorrer. Isto e uma doenga mental porque configura um
erro de
pcrccpcao. Para nos libertarmos disto temos de nos imaginar diante do Juizo Final, e
esta
ali o Deus verdadeiro que sabe tudo de nos, ate coisas que nos desconhecemos. Al
244
cognitivo, a sua perda do senso das proporgoes, as invengoes, etc. Mas e deste
processo
que surge a energia e a forca para conhecermos sempre mais. Sem a dimensao de
eternidade nao haveria medida real para o ser humano, tudo seria subjectivo e a
propria
qualidades, por exemplo, sabemos que um elefante nao e separado da sua cor,
posicao ou
tamanho mas nao se identifica com estas coisas. Finalmente, a distincao formal faz a
separacao entre qualidades: a cor nao se confunde com o tamanho, e uma nao esta
na
outra. Tambem fazemos estas distincoes espontaneamente mas agora vamos incluir
na
distincoes entre os varios predicaveis, categorias e causas. Mas isto tambem deve
virar
que nao correspondem a nada real e nao tern qualquer importancia. A escola analitica
ambiguidades. A linguagem vista como um sistema deixa de ser uma linguagem real
e
que estas capacidades sao espontaneas em nos. Mas quando transpomos estas
operacoes
erros grosseiros. O erudito comete, com frequencia, confusoes deste genero, que sao
vexatorias e seriam rislveis para o homem comum se ele percebesse o que esta
fenomenicas, o Kant enquanto homem comum ja tern a sensatez que lhe permite
alimentar-se das coisas mesmas.
245
exerclcio das suas mais altas funcbcs, dcsca abaixo da inteligencia do cidadao comum
no
exercicio das suas actividades diarias. O cidadao comum, nas suas actividades
rotineiras,
proxima. Contudo, os filosofos modernos fazem isto constantemente, erros que Platao
ou
Aristoteles nao cometiam. Estes filosofos podiam cometer erros por terem informacao
deficiente ou erros logicos devido a alguma distracgao, mas nao erros a este nivel.
por outros, e a nossa primeira referenda e a base erguida pelos criadores da filosofia:
Platao e Aristoteles. Podemos confirmar o que eles disseram, ficar no mesmo lugar
ou
descobrir algo mais, mas nao podemos ir abaixo dos patamares que eles
estabeleceram.
ficar muito atras. Se segulssemos a letra o que disse Descartes, de que temos que
duvidar
de tudo e so podemos acreditar naquilo sobre o qual temos provas, ou Francis Bacon,
que
iriamos sair do lugar. Para investigarmos qualquer coisa e necessario ja existir muita
Aristoteles ja sabia que existiam varias fontes de conhecimento e, mesmo tendo elas
todos ja estao tao enraizados que mais ninguem sabe como tudo comegou. Schelling
tinha
logo existo”. O sujeito que pensa e o mesmo que existe? Ele nao provou isso,
acreditou
apenas. Para provar algo e preciso aceitar um sem numero de coisas sem as quais
nada se
faz, comecando logo por aceitar uma lingua com a qual raciocinamos e que nao fomos
nos que inventamos e nem sabemos qual e a ligagao exacta entre as palavras e a
realidade.
capacidade de prova, ele nao poderia saber nada nem provar coisa alguma. A prova
pessoa. Quern quer provar tudo ja entrou num estado patologico onde acha que tudo,
com a excepgao dele mesmo, e duvidoso. Depois de ter caldo nesta doenga,
Descartes
Referencias:
Aulas 15, 17, 18, 20, 25, 31, 40, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 70 e 110.
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246
247
descrigao do exerclcio.
A logica de Aristoteles
Aristoteles retirou a sua logica do estudo das especies animais, quando ele tentava
feita com base em caracteristicas unitarias presentes nos varios animais, e depois e
preciso
um jogo formal, ela nao foi criada como tal mas como instrumento de veriti cacao e
foco passou para a estrutura interna da logica, que Aristoteles sabia existir mas nao
era o
aspecto que lhe interessava. O discurso so pode ser conferido com a realidade se
puder
ser conferido com ele mesmo, ja que nao pode ser auto-contraditorio e, ao mesmo
tempo,
dizer algo sobre a realidade. O discurso analltico, como Aristoteles lhe chamava, nao
providencia preliminar para descobrir se ele e verdadeiro ou falso, pois o discurso que
nao
que fizemos, criando assim uma relacao de causa-efeito, que e uma relacao logica
que
De fora fica uma infinidade de pcrcepcoes que nao sao posslveis de relatar. A
situagao passada dentro de uma sequencia real. No processo existem tres verdades:
a
papel verdadeiro numa nova situacao. Aristoteles criou a logica para que esta pudesse
expressar as relates entre as formas inteliglveis reais, pelo que nao ha separagao
entre
esta logica, com o seu conjunto de discursos logicos associados, e o mundo real onde
esses discursos sao elaborados, ao contrario do que acontece com a logica de sinais,
que e
com a realidade e pretendem se elevar ao piano da univers alidade logica, mas este
ultimo
chegou a alertar que este era um caminho perigoso porque havia o risco do ego impor
as
248
Socrates voltava sempre a realidade da experiencia. Se essa experiencia for bem
relatada, e
dal a constante instigagao para tal, aparece um tecido com uma densidade formidavel,
de Aristoteles tenta ainda servir este fim, sendo muito mais do que uma siloglstlca,
que e
Descrigao do exercicio
Numa divisao onde gostemos de estudar, vamos fazer a lista dos objectos, nao um
por um
mas por especies. Teremos coisas como moveis, livros, material de escritorio,
livros podem estar ordenados por categoria e, dentro de cada uma, seguir uma
cronologia.
Podem existir bancadas especiais, com autores que gostemos de ler sempre ou que
estritamente objectiva, por assunto; outra segue um criterio pratico. Em geral, uma
classificagao objectiva, dentro de cada especie particular, segue sempre a par com
outras
classificagoes que exprimem algum uso peculiar que fazemos daqueles objectos, e
que
variam de pessoa para pessoa, por exemplo, o que sao objectos de culto para uns
serao de
proveniencia comercial e que uma terceira pessoa tambem poderia fazer - para outra
baseada naquilo que os objectos significam para nos. A classificagao que fazemos
dos
objectos e a sua aproximagao por grupos podem seguir uma infinidade de criterios,
mas
sempre tern algo a ver com aquilo que os objectos sao, mesmo no caso de uma
referenda ao que eles sao temos o numero, definido pelo criterio, ou seja, definido
pela
os varios objectos. Embora Platao tivesse criado a nogao de ciencia, esta so foi
colocada
em pratica por Aristoteles e o primeiro passo foi precisamente a classificagao dos
seres
que ele estudava em biologia, e que lhe deu um princlpio de ordem. Este e um
exercicio
simples, e que temos de colocar sempre em pratica em tudo, tendo isto consequencias
houve engano no criterio, como acorre se trocamos o criterio da natureza pelo criterio
da
utilidade.
Apesar das chaves classificatorias serem em numero ilimitado, elas articulam-se com
o
sistema das categorias de Aristoteles (ver 5.9). E estas categorias, por sua vez, estao
249
submetidas aos nlveis de predicacao. Os predicaveis elencam as possibilidades que
surgem
quando dizemos algo a respeito do que quer que seja: ou estamos a dar uma definicao
e um animal); ou estamos falando de uma sua propriedade (que e algo que decorre
logicamente da definicao mas nao faz parte dela - o homem e o unico animal que joga
objecto, pelo que nao e nem uma coisa estatica nem dinamica.
A Teoria dos Quatro Discursos e uma chave classificatoria, que classifica os discursos
segundo o nlvel de credibilidade que estes pretendem atingir, nao seguindo mais
nenhum
criterio. Por exemplo, o melhor romance so conseguira mostrar que certas coisas
podem
acontecer. Ja o discurso retorico e mais convincente mas tern que par fir das crcncas
do
do discurso logico ou analltico podemos dar uma prova cabal. Mas existem muitas
outras
chaves classificatorias, e cruzando-as no mesmo objecto, este fica muito mais nltido
para
nos. Erros de classihcacao sao muito mais frequentes do que os erros de silogismo,
classificatorias.
chaves que usamos e perceber quando mudamos de chave. Depois de fazermos isso
para
os objectos da nossa sala, da cozinha, do quarto, vamos fazer o mesmo para outros
Referencias:
Aulas 14 e 36.
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
250
Tratamos neste ponto de aspectos mais praticos mas cuja abordagem incorrecta pode
desempenha nao apenas nas actividades do ser humano mas na sua propria definigao
como ser unico. Depois iremos ver a propria utilizacao de memoria e como devemos
O ser humano define-se essencialmente pela memoria: age hoje em fu ncao do que
fez
O “eu autobiografico” surge das integracoes cada vez maiores que surgem da
articulacao
varias fases da nossa vida. Podemos, entao, dizer que a consciencia e a memoria sao
Os Chineses sao os alunos que se saem melhor no mundo porque o seu ensino tern
uma
analogias.
Utilizaqao da memoria
nos deixa na ponta da cadeira. Depois, deixamos que aquilo fique dentro de nos,
experiencia se condensa numa estrutura mais abstracta que ja podemos relatar. Mas
o
Nao temos que forcar a aquisicao de erudicao. O estudo substantivo so pode render
duas
ou tres horas por dia, embora possa ser conjugado com outras actividades de indole
251
firmemente dispostos a guardar aquele material na memoria. Devemos ler cada linha
-o
que nao se aplica a material de importancia secundaria, como noticias de jornal - com
a
intencao de a guardar na memoria, e vamos relacionar isto com coisas que podemos
ter
Mas, paradoxalmente, isto nao implica um esforco de memorizacao, que e uma coisa
que
nao funciona. O que faz a diferenca e o nosso interesse efectivo pelo assunto, que
nos
fara montar um teatro mental em cima dele, e depois recordamos aquilo devido ao
dramatismo da situacao. Quando um filme ou uma peca de teatro tern impacto sobre
nos,
nao temos de fazer esforco algum para recordar aquilo. So temos de fazer as mesmas
coisas com as leituras, preenche-las de vida. Para isso, temos de acalmar a mente e
deixar
para armazenar. Tal como um computador ligado a Internet vai buscar informacao a
milhoes de outros computadores, nos temos de aprender a confiar na realidade
exterior
como deposito de conhecimentos. Nao temos de ter sempre tudo na memoria, sendo
apenas necessario nos lembrarmos das coisas no momento certo, e para isso pode
bastar
estarmos sintonizados com a situacao real e deixar que ela nos informe. Nao vamos
nunca foliar a memoria nem nos angustiarmos por causa do esquecimento. Podemos
sempre pegar um livro e perguntar de novo. Se quisermos realmente saber como sao
as
coisas, a informacao vai aparecer, de inlcio pode demorar mas depois vem rapido.
Querer
porque a memoria e feminina, e preciso ir com jeito, seduzir, porque se foi'carmos vira
estupro. Para esquecer e preciso confiar que estamos num campo de absoluta
inteligibilidade, onde o unico misterio e a propria luz. Por vezes, temos algumas
aberturas
porque tudo isto faz parte da nossa natureza e nao podemos conquistar a
omnisapiencia.
aparecam quase que por si, e rastreando essas imagens percebemos que algumas
tern
Tambem a memoria funciona de uma forma passiva e outra activa, por exemplo,
quando
coleccao de sons, do Narciso Irala, nao acrescentamos nada aos sons registados, e
isso e
uma operacao passiva, mas “anotamos” os sons, e isso e uma operacao activa.
252
Dominic O’Brien, campeao de memoria por oito vezes, seguindo o que ja sabiam os
lugar do espago que conhecamos. Isto mostra que existe uma ligacao entre memoria
e
record acao nao esta no cerebro. As coisas quando cessaram no tempo apenas se
tornaram
tempo nao e a mesma coisa que desaparecer no espago, porque essas coisas nao
podem
ter ido para o nada. Toda a nossa memoria e baseada na permanencia do ser, na
eternidade. Tudo o que aconteceu nao desaparece mais; sai desta esfera temporal
onde
estamos mas nao pode ir para o nada, esta no ser, na realidade, e pode ser resgatado
Para desenvolver uma boa memoria, temos de acreditar que tudo aquilo que
queremos
recordar existe, nao numa forma sensivel, o que nao quer dizer que nao seja espacial,
por
exemplo, as figuras geometricas sao espaciais e nao sao sensiveis. Tudo o que
passou
continua existindo, e uma realidade de uma vez para sempre. Podemos imaginar isto
como sendo a mente de Deus eeo Esplrito Santo que nos fara recordar estas coisas.
Por
Nao existem coisas separadamente a nao ser sob certo aspecto. Rememorar e
reintegrar
num todo - composto pelo conjunto do mundo tal como o experimen tamos - certos
uma historia e, por isso, e diflcil recordar coisas totalmente isoladas, o que leva a uma
estrutura abstracta evanescente, mas sera mais facil enquadrar aquilo na situacao
real, e
por associacao virao mais e mais coisas. E na eternidade que esta a nossa memoria
e nao
no cerebro, que e apenas um pobre receptor: ele nao produz mas recebe a
consciencia.
Como podem os neuronios criar algo que nao e neuronio, algo como um processo
simbolico? A memoria necessita do espaco, que Leibniz ja dizia ser o melhor slmbolo
da
Notas
As notas sao a nossa memoria de papel, mas nao tern que ser feitas a parte, com a
nos. Um bom metodo e escrever (a lapis, pois podemos mudar de ideias em alguns
pontos) nos proprios livros, e assim a nossa biblioteca torna-se o nosso fichario. Ali
esta a
nossa memoria exterior mas tambem, em parte, a interior. A memoria nao consegue
exterior que lhe da uma serie de sinais e informacoes estruturantes. As notas que
tiramos
de um livro vao ser ditadas por aquilo que procuramos nele, pelo que nao e preciso
determinar o recorte que fazemos. Apenas para uns poucos livros excepcionais vamos
As notas que devemos colocar a parte referem-se a ideias que nos surgem e, nesse
caso,
devemos registar tudo o que tenha algum valor, mesmo que no momento nao parcca
ter
utilidade, porque mais tarde pode vir a ter. Ja nao se tratam propriamente de notas
mas da
elaboracao de um diario. Mas nao vamos forcar e tornar isto numa coisa obsessiva.
Referencias:
Aulas 3, 11, 13, 16, 21, 35, 40, 73, 92, 93, 100 e 110.
world-memory-champion-Dominic-OBrien.html
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
254
POSICIONAMENTO
Historico e Filosofico
cldssico fiico definido em Vlatdo e Aristoteles; contudo, este modelo nao fioi
255
que se queira eficaz. Precisamos de ter consciencia deste ambiente onde nos
encontramos
desde ja, quando ainda estamos recolhidos na nossa formagao, porque se trata de
um
conjunto de influencias que nao se encontram apenas no meio exterior, tendo muitas
ja
o nosso aprendizado. Para este fim, este ponto e como que um roteiro das aulas onde
instrumento que permita a cada um seleccionar as aulas que deverao rever para
discussao filosofica.
facto de terem aparecido tantas pessoas neste curso mostra que a universidade ja
nao
atende sequer os seus propositos burocraticos usuais, e e nosso dever formar, desde
ja,
uma nova elite intelectual, sabendo que mais ninguem podera fazer isso.
com a maxima fundamentagao racional, sabendo que na maior parte das questoes
nao
podemos obter uma certeza absoluta - mas e tambem algo em que o individuo possa
justamente o que muita gente nao tern. Prases e conceitos sao instrumentos de
raciocinio,
mas a ligagao destes com a realidade precisa ser recomposta, sendo necessarias
outras
Para Hugo von Hofmannsthal, nada esta na politica de um pals se nao estiver primeiro
na
sua literatura. No Brasil, nao ha nada na literatura, por isso nao ha nada na politica; a
linguagem ficou carregada de estereotipos, jargoes e slogans que ja nao servem para
descrever a realidade, cumprindo apenas a ultima das tres funcoes da linguagem, tal
como
descritas por Karl Buhler: a funcao apelativa, que tern por objectivo influenciar a
cabeca
das pessoas (as outras duas sao a fungao nominativa, que consiste em dar nome as
coisas
256
primeira, mais simples e mais imediata sintese que se faz da experiencia. E preciso
A ausencia da alta literatura num pals coloca-o numa situagao, fazendo uma analogia
com
a economia, como se nao existisse moeda mas apenas troca directa de coisas por
coisas, o
Thomas Mann, Robert Musil, Hermann Broch e Jakob Wasserman - apesar de nao
haver
no mundo inteiro fenomenologia da mentira interior como a descrita por Machado de
Assis. Jose Geraldo Vieira foi um grande escritor, mas falhado, de certo modo, porque
as
jornalismo mudou de fungao: inicialmente servia para informal' as pessoas para que
estas
pudessem tomar decisoes, mas hoje so serve para manipulagao. Um unico cidadao
poderia
fechar todos os jornais do pals, uma vez que a imprensa viola o codigo do consumidor.
A
opiniao dos jornais ja nao esta mais no editorial, que pode ali diluir sua verdadeira
opiniao
para nao chamar demasiado as atengoes, mas esta espalhada pelos cadernos, nas
notlcias
Se estamos imersos numa cultura rasteira, a nossa imaginagao moral vai ser desviada
para
o mau caminho: a unica prcocupacao moral do brasileiro e falar mal de politico mas
esquece de se colocar ele mesmo sob a mesma luz julgadora. Mesmo as mais altas
257
a coisa certa e nao em julgar os outros. Jamais deve-se brigar com os pais, eles estao
valores cristaos, que acabaram por adquirir um sentido inverso do initial. Em 0 No das
Vlboras , Francois Mauriac mostra como uma sociedade criada nominalmente sob
valores
cristaos, que se misturaram com ideologia burguesa, positivismo, etc., acabou por
evidenciada pelas “causas” do seculo XX: libcracao sexual, gayzismo, feminismo, etc.
Ao
mesmo tempo que existe esta promocao da promiscuidade, cobra-se das figuras
publicas
Aula 7: As vocafdes saem frustradas devido obsessao pelo imediato e pelo sensual;
a falta de erica de
trabalho no Brasil.
Nao ha outro pais no mundo como o Brasil onde ideal e real estejam tao separados,
e em
que o povo esteja tao voltado para o sensualismo imediato; por isso, todas as
vocagoes sao
dever de bondade. Se nao nos sustentarmos, alguem tera de nos carregar as costas.
Goethe foi o exemplo de alguem que sempre cumpriu os seus deveres diplomaticos e
de Jose Lins do Rego. O resultado da vida do individuo e a articulacao entre seu piano
de
Aula 8: 0 debate publico brasileiro esta dominado por um discurso hipnotico de auto-
lisonja.
escrevem apenas para manifestar a sua inter- solidariedade de forma a reforcar a sua
258
Para alem do mundo, do diabo e da came, devemos sondar em nos a covardia subtil
que
nos foi induzida desde pequenos, a inveja maliciosa e destrutiva do brasileiro pelas
A educafao moral e social refaz-se atraves da confissao, onde os nossos mestres sao
Santo
lembrar-se a noite tudo o que fizemos durante o dia e os exercicios do Narciso Irala
do
uma dialectica entre os dois; temos tambem as imensas contribuicoes de Paul Diel,
Viktor
Frankl e Igor Caruso, que descobriu que a repressao da consciencia moral esta mais
presente na neurose do que a repressao sexual.
pessoas nao podiam falar sobre o que estavam fazendo, aparecendo um culto do
Aula 15: 0 odio ao conhecimento e utn sintoma de corrupfao; a cultura gay gista
sobrevaloriga o aspecto
pessoas pobres, pois a classe media intelectual nao presta. Existe uma cultura
gayzista de
O Brasil e governado por gente burra e assassina, que esta mais preocupados com
as
criticas a gays do que com um problema de morticinio, uma vez que vive no
subjectivismo.
linhas de tempo: percepcao sensivel imediata; tempo biografico; existencia social; etc.
Aula 18: A opiniao dominante tornou-se a reposta a todos os problemas e nao admite
ser questionada.
opositivos. Hoje em dia, a opiniao dominante nao e qualificada nem e sequer tomada
como o inicio da investigagao, mas ela e tida como o fim e a resposta do problema.
Quern
essa opiniao nao nos qualifica para enfrenta-la; nao basta ser contra o mainstream de
forma
querer ser superior a Deus. A unidade do real e-nos dada e nos estamos dentro dela.
A
260
um individuo que esta errado, mas que parece sereno, o primeiro sempre vai parecer
errado perante o ultimo. Devemos escolher o juiz da nossa sanidade, seja em respeito
a
tensoes, mas nao devemos buscar aprovagao do nosso meio social, pois isso nos
destruiria. Nao vamos nos isolar como um eremita ou tentar mudar a sociedade como
o
insercao cultural. Se nao tivermos consciencia disto, e acharmos que somos autores
de
onde circulam ideias como a de que nao existem verdades - mas nada deixa o
relativista
mais furioso do que duvidarmos das suas opinioes -, ou que apenas existe o mundo
flsico
e tudo o resto e criacao cultural. Se aduzirmos factos que vao contra opinioes
dominantes,
fontes primarias. Mas nao nos devemos atemorizar por estas coisas porque a
coragem
tomada de poder atraves da culmra, mas quern nao entende este processo pensa que
se
A situagao actual e definida pela existencia de uma elite internacional que trabalha
para a
globalista abarca o movimento marxista e para propor algo mais defensavel e preciso
passou a ser um processo voluntary e planeado. Os seus dirigentes nao agem para
obter
dinheiro mas poder. Uma analise seria ao fenomeno do poder tern de partir da
premissa
261
A ideologia cientihca moderna desempenha um papel substancial nos esforcos da
nova
ordem mundial, prometendo a realizagao das promessas biblicas por vias inversas,
onde se
como a autotidade suprema sobre todos os domlnios humanos, mas ela possui uma
linguagem que so pode ser entendida completamente pelos proprios cientistas, pelo
que o
domina a linguagem cientifica sobre quern nao a domina. A ciencia moderna pretende
no senso de ordem que a propria natureza possui, misturada com certo nlvel de caos,
que
Nesta aula foram lidos alguns excertos do livro Science as Salvation , de Mary Midgley:
http:/ /www.giffordlectures.org/Browse.asp?PubID=TPSASV&Cover=TRUE
Aula 28: A educafao nas escolas catedrais; a importancia de uma cultura corporal.
Esta aula foca alguns obstaculos a vida intelectual, que nao sao de ordem intelectual
mas
uma serie de habitos internos e externos. A educafao de ha dez seculos atras foi
responsavel pelo florescimento intelectual ocorrido nos seculos XII e XIII, onde
obras mas pessoas, tendo como alvo initial o corpo por este ser visto como um sinal
da
real. E precisamente isto que o corpo deve transmitir, e para isso tern que ser afinado
forgas da polidez burguesa (ver 7.2 Cultura Corporal). Daqui resultam falsas
afcctacoes de
indignacao, que sao proibidas no Curso Online de Filosofia. Os alunos devem receber
com elevagao pequenas e grandes ofensas. O desejo de ter sempre razao conduz a
alguns
vicios que impedem o desenvolvimento intelectual. Nao importa ter razao em cada
Aula 29: A educafao moderna nao pernite a abertura para outras epocas e lugares.
A alta cultura de qualquer pais e mantida por umas poucas centenas de inteligencias
autonomas, das quais umas 5 ou 6 seis tern um grande nlvel de criatividade. Coloca-
se o
apenas numa ordem inventada ou sugerida pelo professor, encerrando o aluno num
262
de tentarmos ser for mad ores de opiniao, devemos dominar a nossa materia de
estudo e so
nos submeter ao julgamento daqueles que sabem mais do que nos.
O ambiente mental, tal como urn veneno espalhado pela atmosfera, penetra em nos
por
todos os poros e nos contamina. Temos que observar estes efeitos ao mesmo tempo
em
nos e na sociedade em torno. Esse ambiente esta dominado no Brasil pela logica
brasiliensis ,
entre palavras e coisas, falta de senso das proporcoes, utilizacao errada de nlveis de
predicacao, misturas de genero, etc. Este estado de coisas revela uma queda
formidavel da
artes passaram a ser instrumentals para atingir o poder. A retorica passou a ser vista
como
uma forma elegante de mentir, uma eristica, que ja nao parte das verdadeiras crengas
publicas mas de outras implicitas que se querem impingir ao auditorio sem este
perceber.
anterior, quando ainda existia alta cultura. Mas tambem devemos averiguar em nos
os
Hugo de Sao Vitor ensina-nos com quase mil anos de antecedencia, se o soubermos
ler
de forma cheia, que quando alguem diz “nao ha verdades absolutas”, essa pessoa
revela
que se desiludiu na busca de verdades universais e, entao, desiste das verdades mais
proximas de si que ja conhece. Mas para fazer isso, tern que falsear a sua posigao
existencial, pelo que se trata tambem de uma posigao que mascara a impotencia e o
desprezo que o individuo tern por si mesmo com uma simulacao de importancia ao
para enganar o sujeito sempre. Nao da realmente para discutir: a discussao pressupoe
um
objecto, uma questao clara que seja compreendida igualmente pelas duas partes e
onde
haja duas respostas divergentes. Se o sujeito nao compreendeu nada da questao e,
mais
ainda, se o que ele esta dizendo expressa apenas uma deficiencia de percep^ao dele,
nao
se imagina, mesmo os altos postos do Brasil sao ocupados por pessoas burras. A vida
literaria em 1900, conforme descrito em livro homonimo de Brito Broca, era uma
263
guerra cultural.
um poder postumo mas e, a longo prazo, o mais eficaz de todos, uma vez que vai
demarcar de antemao a esfera de acgao dos outros dois poderes: o poder economico
eo
poder polltico/militar. O Iluminismo veio trazer uma nova autoridade intelectual, cuja
visao que pretendia dar de si mesma, bem como da ordem anterior, se tornou
tradicao, e o que eles realmente queriam era criar uma nova situacao historica. Daqui
abrindo a porta para todo o tipo de confusoes. Os alunos do Curso Online de Filosofia,
na sua prcparacao para veneer a guerra cultural, tern de perceber aquilo que os
inteiro para poder fazer previsoes historicas acertadas. Isto implica encarar a vida de
estudos como algo sem fim, e que a nossa personalidade tern de se ir dissolvendo de
Aula 36: A Nova Orde?n Mundial e a religiao globalista; o ho?ne?n plastico como
paradigma para a
democracia totalitaria.
Uma elite, muito bem amparada polftica e financeiramente, criou um conceito novo de
civilizacao que esta sendo implantado ha mais de cinquenta anos e cujo sentido das
accoes
O livro de Carrol Quigley Tragedy and Hope - tern 1300 paginas e so existe na lingua
Mundial, do qual fazem parte praticamente todos os grupos bilionarios que controlam
o
americanos colaboraram de alguma forma com este esquema e ate Edwin J. Feulner,
que e
o representante do actual pensamento conservador cristao nos EUA. Essa religiao e
uma
aceitara como um periodo de paz, quando padres, monges budistas, espiritas e pajes
264
palses, e isso flea expllcito no discurso antitabagista, que para o conservador devia
querer
dizer que na sua propriedade e ele que manda e decide se ali se pode fumar ou nao,
mas
arma, tornando quase impossivel ter uma para quem nao e bandido. E assim que se
faz
uma ditadura. Querem cobrar impostos sobre o dinheiro dado a uma causa santa, o
dinheiro fica para o governo; se este for comunista, o dinheiro da contribuicao para
uma
causa santa vai para o partido comunista. Todos temos de tomar consciencia - pelo
menos os que estao com menos de trinta anos - que fomos formados neste contexto.
Muitas atitudes que parecem naturais nao passam de improvisos arranjados ha pouco
tempo, mas foram oferecidos como a unica alternativa possivel; muitos julgamentos
espontaneos reflectem tal facto. A pressao do establishment medico e uma das coisas
mais
indecentes e imorais do mundo. O numero de pessoas que morrem por erros medicos
nos EUA e maior do que aqueles que morrem de qualquer outra doenca. A apostila
Aula 37: 0 Polo e o verdadeiro llder do mundo; a perda de hegemonia cultural pela
Igreja.
filosofo com conhecimento da filosofia intuitiva - aquela que apreende a natureza dos
escritos legados pelos filosofos antecessores, distinguindo-se da filosofia discursiva -
,
cujas ideias abrangem o horizonte inteiro das possibilidades de uma epoca ou ate de
varias
dal em diante, como acontece com Platao ou Moises. Ele e o llder do mundo ainda
que
aquele que tern um maior alcance temporal e que define as possibilidades de accao
dos
outros poderes.
A historia da cultura e da ciencia esta tao cheia de falsidades que seria preciso refaze-
la
unidade e a Igreja deixou de ter a hegemonia cultural, que nao voltou a recuperar e
continua a perder terreno ate hoje, tudo porque nao soube enfrentar os novos filosofos
rabino Marvin Antelman mostra, no livro To Eliminate the Opiate , a crise interna do
265
Sayyid Qutb criou uma autentica teoria da libcrtacao islamica, que depois se tornou
no
exemplo a seguir por todos. O Cristianismo Ortodoxo esta minado por agentes
descoberta e a busca da verdade. Quanto mais satisfatorio for o raciocinio, mais rapido
passo e contar as verdades que sabemos, especialmente aquelas sobre nos mesmos.
Devemos nos deixar conduzir pelo nosso proprio espirito e ter a nocao de que a
realidade
O senso da miseria do nosso meio tern de ser permanente em nos, temos de nos
lembrar
disso sempre. E melhor ficarmos no vazio, sem referencias durante certo tempo,
perdidos, do que nos agarrarmos a uma das referencias actuals para obtermos
seguranca.
Aula 43: A possibilidade de fa^er a renovafao cultural do Brasil a partir do exilio; a
actual cultura nao
tem conserto.
Se nao der para fazer a renovafao cultural a partir do territorio brasileiro, far-se-a a
partir
do exilio. Nao ha que tentar consertar a actual cultura brasileira, e tudo para jogar fora
e
retira energias. E melhor criar uma nova cultura a partir dos elementos saudaveis do
passado.
Ramos. As pessoas sao levadas a loucura pelo complexo de rejeicao e nem mesmo
o
Olavo, “Caindo sem Parar”, tambem trata deste tema. A marginalidade dos grandes
intelectuais brasileiros repete-se ao longo do tempo: Gilberto Freyre e Otto Maria
Carpeaux, Josue Montello e Joao Antonio Ferreira Filho. A Academia de Letras tem
gente
266
de valor, mas tambem tem uma dose de mediocres que nao deviam ser aceites numa
instituigao como essa. Os intelectuais de elite ja levavam uma vida falsa, tendo um
discurso politico contra eles mesmos sem perceber. Passar a legitimar uma vida a
partir de
preservava-se pela discricjao, era educado e falava com todos, mas mantinha os seus
pensamentos em segredo, que so tomavam forma nos livros e ainda assim nao eram
verdadeiras se formos capazes de transformar cada uma num julzo que seja expllcito,
claro e perfeitamente inteliglvel para nos e inteliglvel de tal forma que temos de admitir
que aquilo e verdade. Com este criterio, muito pouco do que ouvimos dizer e do que
acreditamos pode ser tornado por conhecimento efectivo. Este e o unico instrumento
que
nos da um centro, um eixo, que nos permite afirmar que sabemos do que estamos
falando.
pessoas buscavam relates pessoais fora dos canones e das exigencias da sociedade,
nao
pensavam necessariamente em casamento e apenas uma parte pequena de
pervertidos
relacoes realizavam muito melhor a promessa de Cristo de que quando dois de nos
oficializados pelo Estado ou pela Igreja. O terror que as pessoas tem de serem
expostas
ao ridlculo e maior do que o medo do Julzo Final. Hoje ha mais pessoas fugindo do
actos em particular.
que tem um catolico actual, educado dentro dos padroes da ciencia de Galileu. Para
nos, o
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
267
catolico actual estudar mais ciencia e chegar a teoria quantica, vera que Galileu estava
errado, e que o mundo da ciencia quantica se parece mais com o mundo medieval do
que
investigagao matematica.
Idade Media e fichinha perto disso. A sinceridade de hoje e aquela sinceridade que o
protestante inquirido pelo inquisidor tinha: sabia que se fosse inteiramente sincero,
isso o
conduziria a morte. Isso quer dizer que a autonomia cada vez maior do poder politico
e
mundo e a vida reclusa de monge, ja nao e mais concebida por Thomas Moore, que
era
individuo e o que ele pode declarar em publico tornou a paralaxe cognitiva a estrutura
Aula 60: A expan sao da comunicafao humana ate a utn ponto caotico; a
burocrati^afao da sociedade.
aprendizado mais dificil que ha: conhecer a realidade. E queremos conhecer mesmo
se
nao tivermos palavras para descreve-la. Contudo, o universo daquilo que se tornou
o quadro de pcrccpcao dele, podendo assim absorver a neurose. Max Weber disse
que o
advento da sociedade industrial veio junto com a tendencia para estruturar toda a
de processo de racionalizagao da sociedade, mas seria mais certo dizer que e uma
sentirmos muito confusos, devemos nos lembrar de que o mundo nao esta esperando
que
proposital.
268
filosofica tornou-se um caos, pois os filosofos foram perdendo uma linguagem comum;
do que o outro esta falando. Segundo Ezra Pound: “Essa funcao [da literatura] tern a
ver
com a claridade e vigor de todo e qualquer pensamento e opiniao. Ela tern a ver com
proprio pensamento. Salvo nos raros e limitados exemplos de invengao nas artes
plasticas
governante e legislador nao pode agir eficazmente ou moldar suas leis sem palavras,
ea
solidez e validade dessas palavras estao sob os cuidados dos malditos e desprezados
pouco mais para lidar do que palavras e por isso mesmo foi muito cuidadosa no seu
uso.
pessoas perderam a capacidade de fazer isto como tambem perderam a vontade. Elas
querem impor, frequentemente, certas coisas justamente porque sabem que sao
mentira.
Torna-se imposslvel introduzir a clareza porque as pessoas nao querem isso; querem
se
esperanga esta em que nem toda a sociedade foi infectada por esta mentalidade.
Ainda
restam pessoas que querem saber mais ou menos o que esta acontecendo e todo
mundo
depende de que sejam estas pessoas, e nao os loucos, que tomem as redeas da
sociedade.
Mesmo sem sabermos o que vai acontecer, temos de fazer a nossa parte do servigo.
Aula 66: 0 homem moderno vive para o momento e sem nofao de imortalidade; a
mentalidade
No livro Lifoes nao Aprendidas do Seculo XX, Chantal Delsol explica que o europeu
so
acredita no momento presente e, por isso, busca apenas as melhores sensagoes. Nao
ere
mais na Historia da humanidade, nem no outro mundo ou na vida eterna, por isso, a
ideia
estrutura social por outra e uma distorcao da perspectiva crista. Pelo acumulo de
experiencias negativas, esta perspectiva nao poderia durar muito. Mas a simples
hipotese
de reduzir a vida humana a escala da temporalidade terrestre ja e uma coisa que vai
contra
mundo melhor. A partir do momento em que esta ideia ganhou forma, entre os seculos
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
269
XVIII e XX, todo o campo da cultura foi infectado por ela, a tal ponto que quando se
depressao enorme porque nao concebem nenhum outro sentldo para a vida a nao ser
dos alunos deste curso nao se limita a situacao brasileira. A revolugao e um projeto
de
Dostoievski.
senso da imortalidade, entao, o sujeito flea contra a realidade, esperando que esta
mude.
de pessoas com quern temos uma ligagao mais ou menos directa -, o objecto de
convivencia imediata nao e a propria sociedade como um todo, muito menos as outras
pessoas e na relagao entre as varias comunas (valido para qualquer sociedade, nao
apenas
na sociedade comunista) existe uma serie de regras praticas que visam a defesa do
indivlduo dentro da comuna e a defesa desta face as outras comunas. Estas regras
sao
mais ou menos universais e nada tern a ver com as leis gerais da comunidade. Sao
regras
que visam exclusivamente obter a melhor posigao posslvel para si e para a sua
comuna, e
nada tern a ver com as regras gerais da comunidade e que mantem a unidade social.
pessoas comegam a esperar pelo pior, e esta situagao pode durar seculos. Acontece
que a
alta cultura para que a regra comunal nao nos suba a cabega.
Aula 91: A ciencia moderna como instrumento revolucionario; a mentira espalhada por
camuflagem ou
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
270
meio da ciencia.
poderosa, que desde ha cento e cinquenta anos passou a ser usada como tecnica
meio tempo e menos arriscado do que dizer o que vem adiante. A filosofia advinda
dos
Existem duas maneiras de enganar a plateia: a primeira e construir urn edificio inteiro
de
razoes, argumentos etc., tudo verdadeiro, so que com uma premissa falsa escondida
ali no
meio; outra forma e mentir em todas as linhas, de maneira a que se torne impossivel
conferir aquilo, entao, a plateia vai passando por cima e engolindo as coisas erradas
ate ao
intoxicafao. Bertrand Russel opta pela segunda. Isso quer dizer que em tres ou quatro
paginas existem tantos erros e problemas, que ele passa por cima fingindo que nao
paginas. Nao houve controlo do homem sobre a natureza ou sobre o ambiente, e sim
Para Bertrand Russel, o poder e o conceito central das ciencias pollticas, e o professor
Olavo concorda com isso, mas faz a sua propria dcscricao da natureza do poder, ja
em
antevisao do debate com o professor Aleksandr Dugin, que define o poder do ponto
de
Hoje em dia, os tres blocos que disputam o poder no mundo sao o russo-chines, que
soberanias nacionais sejam absorvidas. A elite islamica, por sua vez, esta onde o Islao
dai, e necessario tambem entender as “revolucoes pelo alto”, como fez Adolf Hitler,
271
obedecer sem saber. Podemos, a partir daqui, imaginar a islamizacao do mundo todo
a
pedagogicamente: a critica que lhe fazem por citar autores desconhecidos. Trata-se
de
uma ostensiva confissao de ignorancia e torna-se obvio que os criticos nao consultam
os
autores mencionados para verificar se, de facto, as coisas sao conforme as suas
acusagoes.
Os tais “autores desconhecidos” que o professor Olavo cita sao: (1) grandes filosofos,
respeitados por especialistas; (3) autores cujas obras tiveram ampla repercussao em
outras
epocas, mas que foram injustamente esquecidos; (4) autores de pouco relevo, mas
cujos
testemunhos sao trazidos a cena para a exacta compreensao dos factores expostos.
As
Brasil e um caso de calamidade intelectual como nunca se viu no mundo e talvez seja
melhor educar as camadas mais pobres desde o bergo, pois elas nao tern a
mentalidade
que se queira ensinar uma gramatica diferente de acordo com o nlvel social. Pode ser
que
a intervencao profunda neste pais nao seja mais possivel, mas e com isto que vamos
trabalhar.
Dugin.
para provar que nada mais pode saber para alem daquilo que ja sabe. Le para chegar
a ser
um “gostosao intelectual”, mas que nao suporta encontrar alguem que saiba mais do
que
eles.
se+um+gostosao+intelectual.pdf
mais majestoso da historia humana desde o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Estados, nagoes e imperios nao sao agentes historicos - vide o livro Teoria Geral do
Estado ,
do filosofo Georg Jellineck mas o Professor Dugin nao entende isso. A acgao historica
explica-se por dois princlpios de racionalidade: (1) a accao humana, por exemplo, o
piano
Aleksandr Dugin, a proposito do seu debate com o professor Olavo de Carvalho, acusa
o
Ocidente de heresia pela separagao entre a Igreja e o Imperio, e afirma que na Russia
o
Czar era tambem chefe da Igreja Ortodoxa. A partir deste momento, o limite da
expansao
problemas internos. Ele acredita que existe uma verdadeira divisao entre os imperios
nao entende que a Eurasia nao e um conceito geopolitico. Afirma ainda que os
imperios
problema e que dois holismos absolutos, como ele defende, sao incompativeis, por
exemplo: Deus e Trino para o cristao mas para o Islao isso nao existe. E mais: nao ha
dos “crentes” estudos especiais, apenas a participagao em certos ritos tendo em vista
a
e hollstica, o nome ja diz, holismo e totalidade. Mas o que interessa e a infinitude, pois
a
273
catolicos a expandiram do Paraguai a China, sem ter de carregar o peso de urn
imperio
de urn Czar - uma reconstituigao do czarismo pode ressurgir nas proximas decadas -
,
Russia sempre administrou bem as populates islamicas, mesmo nos tempos do Czar.
Serao oferecidas vantagens a estes povos, mantendo sobre eles algum controlo e
economia e havera uma curta margem para a pequena e media industria. A Igreja
Ortodoxa nao quer desaparecer, mas sente esta amcaca, pois esta praticamente
tomada
Aula 105: A cultura dicionari^ada; a guerra prevista por Dugin entre eurasianos e
atlantistas.
necessarias para que algo exista na realidade e nao somente no reino das palavras.
A proposta do projecto eurasiano e a de uma guerra entre eurasianos e atiantistas,
por isso
Dugin acha que todos devem tomar uma posicao. Mas e se considerarmos que o bem
eo
que e a descricao real da situagao, e isto pode levar muito tempo. Lutar por obter uma
visao suficiente da realidade - nao da realidade como um todo, mas pelo menos
daquelas
partes que nos interessam -, e algo muito trabalhoso. Tomar uma posigao aos dezoito
anos vale tanto como qualquer outro capricho de juventude. Come gar a tomar posicao
aos quarenta ou cinquenta e outra coisa, e trazer toda uma experiencia, todo um
julgamento moral. Toda a comparagao entre pontos de vista pressupoe, por definigao,
uma grade comparativa que os abranja a todos e nao se reduza a nenhum deles.
inlcio da modernidade como vago projecto, mas assume perfil definitivo no seculo
XVIII,
com o Iluminismo, e esta na base da formagao dos estados modernos. Segundo esta
ideia,
o Estado deve permanecer neutro em relacao aos valores teologicos, ao passo que a
como uma autoridade no campo social. A proposta iluminista de fazer do debate social
274
verbas, pela adopcao do ingles como lingua oficial dos academicos, pelos
permanentes
espcranca era que do livre confronto de opinioes acabaria por prevalecer a razao, que
o
O totalitarismo era tido como proposta viavel devido as crises das democracias nos
anos
30. Nao podemos imaginar a Historia retroactivamente so com aquilo que foi divulgado
depois. Mas hoje ha a defesa do modelo totalitario de forma explicita por pessoas
como
realidade e aprovado por um criterio cientlfico, por assim dizer. A administracao tern
que
possuir um controle maior dos dados da situagao: nao pode tomar decisoes a esmo.
No
momento em que um dado cientlfico se transforma numa lei, acaba a discussao. Ela
e
imposta com toda a forga da administracao publica. Ha que lembrar que de dentro da
Revolucao Francesa sairam as ideias mais democraticas mas tambem as mais
autoritarias,
cientlfica, que pode estar embotada por desvios ideologicos ou pela tentativa de
angariar
verbas, o que nos obriga a lidar sobretudo com documentos de fonte primaria.
uma serie de apostilas e gravacoes no site do seminario que nos ajudam a perceber
o
Ascens%C3%A3o+uma+Visao+Civilizacional.pdf
275
gdf
Apostila “Introdugao a Paralaxe Cognitiva”:
+Organizacao+economica+e+o+conceito+de+dinheiro.pdf
http:/ /www.seminariodefilosofla.org/node/92
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/154
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/155
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/1085
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/1329
http:/ Avww.seminariodefilosofia.org/node/1418
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/1639
http:/ Avww.seminariodefilosofia.org/node/1812
Entrevista “Olavo de Carvalho: esquerda ocupou vacuo pos-ditadura!”
276
http:/ / www.seminariodefilosofia.org/node/2051
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/2112
http:/ /www.seminariodefilosofia.org/node/2117
ponto.
Referencias:
Aulas 1, 2, 3, 4, 7, 8, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 28, 29, 30, 31, 35, 36,
37,
39, 40, 42, 43, 45, 46, 55, 60, 61, 66, 69, 72, 91, 92, 97, 99, 100, 105 e 143.
277
do campo filosofico em que vamos entrar. O projecto socratico tem sido substituldo
por
retomar o projecto socratico. Nao se trata apenas de nos precavermos contra os erros
das
filosofias modernas, porque tambem importa saber aproveitar aquilo que elas tenham
de
Socrates nao se distinguia dos seus contemporaneos pelo uso da razao, da qual os
sofistas
tambem faziam amplo uso. Mas enquanto os outros repetiam ideias correntes - e
fazendo
isso podiam gozar do prestigio conferido por certos papeis sociais -, Socrates nao se
o dos seus contendores. Por isso ele era filosofo e os outros filodoxos, amantes de
os dois unicos filosofos que nao podemos ignorar para chegarmos a ser filosofos.
Contudo, quando a filosofia se tornou profissao, ela passou a ser vista como uma arte
da
argumentacao, como um meio de criar doutrinas, num processo que exclui a obtcncao
de
uma orientacao abrangente para a vida. A filosofia assim despida viu o seu campo
sendo
fracasso. A metafisica esta dada como morta, e parece apenas restar a hipotese da
filosofia
socratico parece apenas imposslvel se colocamos o foco nas doutrinas. Socrates nao
tentava criar doutrinas - embora possa ter deixado sementes para isso -, tentava
formar
almas humanas e despertar o senso profundo da verdade. Daqui surge nao o amante
das
doutrinas mas o amante da sabedoria, que Aristoteles levara mais longe com o
conceito
Mais tarde, isto materializou-se nas escolas catedrais, com a formacao do gentil-
homem,
que criou o fundo que tornou possivel o advento dos grandes escolasticos. Entao, nao
temos que procurar novos terrenos para a filosofia porque o seu objectivo principal e
academica foi proveitosa em alguns momentos da Historia, que sao exccpcao e nao
regra:
278
pista do que e a filosofia. Esta e, ao mesmo tempo, uma tradigao e uma pratica
pessoal e
dessa tradigao.
Aula 12: A ciencia moderna como subjectivismo baseado na investigafao de um
recorte da realidade.
um juiz de instrucao, segundo Kant - interroga o suspeito, para que diga o que o
cientista vai sempre confirmar a sua hipotese, a menos que tenha suposto uma
constante
que nao existe ou que tenha feito observacoes erradas ou seleccionado mal os factos.
Ja
totalidade dos acidentes necessarios para que o facto aconteca. Substituir a ciencia
antiga
justamente por tomarem a natureza como ela se apresenta, enquanto eles forgavam
a
natureza a dizer o que eles queriam, o que cria uma grande abertura para aplicacoes
estrutura das teorias cientlficas pode mudar a qualquer momento, como apontaram
Thomas Kuhn e Michel Foucault. O sujeito acredita numa coisa num dia e no outro
acredita noutra, em outras palavras, ciencia moderna e subjectivismo sao a mesma
coisa.
Aula 14: A implantafcao da ciencia moderna trouxe u?na explosao tecnologica mas foi
um retrocesso ao
aquilo que nos mesmos fizemos. Nos nao podemos conhecer o mundo da natureza
perfeitamente, porque nao fomos nos que o fizemos, mas podemos conhecer o mundo
da
alma humana, o mundo da historia humana, o mundo da sociedade. Por que? Porque
nos
chamava de “verdade tecnica”: aquilo que entendemos por verdade nao e aquilo que
as
coisas sao mas algo que nos permite opera-las de certa maneira. Nao quer dizer que
a
tecnologia nao tenha o seu valor, mas ela nao e um conhecimento dos objectos.
Iluminismo, que nao so nao se cumpriram como em seu lugar veio uma sequencia de
279
principals ideias da ciencia moderna. Com a maconaria, surgiram duas ciencias: uma
para
se apresentar ao publico e outra para ser feita dentro da loja maconica. O proprio
Newton
dedicou praticamente toda a sua vida a alquimia. Quando a Igreja perdeu a sua forca,
quern a substituiu nao foram cientistas mas alquimistas, astrologos, magos e mlsticos.
A implantacao da ciencia moderna veio junto com uma serie consequencias nefastas:
a) a
matematizacao dos objectos - Leibniz dizia que ela servia para medir o objecto, mas
nao
para conhecer sua forma substancial, tal como a concebia Aristoteles b) a existencia
de
autobiografias.
porque permitiu a Mario Ferreira dos Santos, por exemplo, transitar entre pitagorismo,
a
escolastica, Leibniz, e tudo ao mesmo tempo. Gilberto Freyre foi outro exemplo da
falta
seculo XX.
Aula 65: Depois de Hegel, criou-se a ideia de que a estrutura interna da filosofia
coincide com o seu
desenvolvimento historico; Dardo Scavino e o giro lingmstico.
uma vez situado nessa linha, torna-se num opinador qualificado (ou num professor)
de
coincide com o desenvolvimento interno da propria filosofia, como se esta fosse uma
como se fosse a humanidade pensando. Mas quern definiu essa linha como sendo a
Actual de Dardo Scavino. No ficheiro do material da aula, existe uma introducao critica
de Wolganf Stegmuller:
280
segundo o autor.
Aula 66: Continuafio da leitura do texto de Dardo Scavino; A filosofia vista cojuo um
pensamento
unico leva a ignorar as experiencias reals, ate chegarmos ao ponto em que a ideia da
existencia de uma
um unico filosofo. O texto de Dardo Scavino lido nesta aula exemplifica muito bem o
uso
desta tecnica. E necessario percebermos que a unidade que o autor toma por base
nao e a
unidade historica real, uma vez que houve outras linhas de desenvolvimento filosofico
que
definida pela Fenomenologia, pela Filosofia Analitica, por Jacques Derrida, Heidegger,
Wittgenstein e Richard Rorty; e qualquer coisa diferente destas linhas soa, aos seus
verdade objectiva da ciencia - que reflecte de forma distante a tradicao grega do saber
onde se foi afirmando a ideia de que nao existe verdade objectiva alguma, somente
existe
a heranga lingulstica e cultural na qual vivemos e atraves da qual o mundo nos chega.
A
filosofos, uma vez que estes ja nao remontavam a experiencia mesma e tomavam a
raciocinio.
ou seja, todas as ciencias deixam para tras um residuo que e precisamente o que
torna o
seu objecto real. Na ciencia, a nogao de verdade ja foi neutralizada, nem sequer
podemos
revolucionaria, porque nao existe outra cultura. O que existe e a cultura contra-
revolucionaria mas que usa dos mesmos meios, e nao uma cultura anti-revolucionaria.
Aula 67: A jaula kantiana; a abolifao da verdade cientifica; a pressao grupal a
determinar o rumo das mo das
281
academicas.
realizada nas duas aulas anteriores, onde o autor expoe, de maneira muito bem
modernos.
“O kantismo e como uma jaula.”, assim dizia Ortega y Gasset. E como se fosse uma
pegadinha mental que lembra a frase que o Diabo dirige a Dante na Divina Comedia:
“Voce nao sabia que eu tambem era um logico!” Ele faz pegadinhas das quais nao
academico e cultural pode se prolongar por decadas ou seculos. Pode mesmo tornar-
se lei,
uma vez que a autoridade intelectual do filosofo - tal como acontecia com a autoridade
sujeito insulta o outro com a verdade, o insultado pode processa-lo mesmo assim; ou
seja,
que adquira mais poder na sociedade. Isto tern influencia hoje na area do direito, na
Reason, algo que a pessoa ja acha que sabe. A pressao do grupo mais forte e que
vai
academico. Por exemplo, Sartre nao escreveu uma linha que preste mas ocupa um
espaco
incomparavelmente maior do que Louis Lavelle, que foi o maior filosofo frances dos
anos
1930-1940. Na Franca ninguem sabe nada dele, foi esquecido, nao por ter sido
contestado,
mas por fazerem de conta de que nao existiu. Piaget, que inventou uma crianca para
essa onda que tornou Sartre conhecido, o que explica o seu sucesso na educagao.
Dardo Scavino continua a descrever todo o processo anterior a Teoria dos Jogos de
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
282
que acaba por ser a imagem da propria linha de desenvolvimento em que ele se focou.
Ela
ele, como se fosse um processo unlvoco, fora do qual nao se concebe qualquer
Nos EUA, outras linhas filosoficas desenvolveram-se fora desta linha filosofica de
83%29.pdf
Nada do que eles poderiam dizer serviria para alguma coisa, pois a linha de
dentro do discurso, nao tendo qualquer relacao com a experiencia real, pelo que entra
aqui
impotentes para explicar o seculo XX, ao passo que estudos realizados por Eric
Voegelin
mostram que nao existe uma historia das ideias, ja que estas nao tern
necessariamente a
ver uma com as outras, ao contrario, a parte mais significativa destas ideias surge de
forma
outro e eles sao autonomos entre si, como podemos saber se a descrigao dos jogos
actualmente existente e real ou nao? Isto torna esta autonomia dos jogos de
linguagem
entre si imposslvel, e dizer que ela existe e apenas uma afirmacao inconsequente.
Como e
posslvel descrever um jogo de linguagem sem que haja nisso a presuncao de que a
propria
Heussy ou Zubiri. Ou seja, este metodo pode ser usado desde que tenhamos
consciencia
de que nao se trata de uma historia da filosofia, trata de algumas filosofias mas obriga-
se a
esquecer outras. Outra ideia mltica na qual se baseia este metodo e a de que tudo
aquilo
Aula 71: Wittgenstein e Kant queriam encerrar as pessoas nas suas experiencias
gnosticas; o filosofo nao
Alexander Zinoviev tentou demonstrar que pode haver um abismo de diferencas entre
obtem a sua validade geral pelo facto de serem sentencas condicionais. Por isso, as
uma abordagem inadequada da realidade e nao uma filosofia errada, sem importancia
historica. Alem disso, o seu es forgo e o mesmo de Kant: tentar fazer com que tudo
aquilo
em generalidades.
As pessoas confundem a complexidade e a elegancia da construgao intelectual com
o
valor da intuicao filosofica originaria. O efeito final de uma filosofia nao coincide com
a
letra do filosofo, porque para ele conseguir controlar isso necessitaria de uma
consciencia
de si tao abrangente que fosse capaz de prever os efeitos ultimos da sua filosofia.
que a geraram. Fazer isso com varios filosofos e encaixa-los numa sequencia historica
e
fazer uma verdadeira historia das experiencias reais que se passaram com seres
humanos
condigao da investigagao filosofica.” Esta foi uma das primeiras sentengas filosoficas
que
o professor Olavo leu que foi decisiva para ele. A historia da filosofia nao tern unidade
nenhuma, essa unidade alegada por Hegel, Soloviev e Scavino e uma construgao
post facto.
Aula 72: 0 metodo da USP da andlise de texto; a obra filosofica esta sempre em aberto
e precisa ser
revivenciada.
Nesta aula, o professor Olavo le e comenta seu artigo intitulado “Dois Metodos’’’ no
qual ele
distingao hierarquica entre aqueles que, como eles, praticam a “filosofia profissional”
e
semana. Jose Arthur Gianotti, um dos mais celebres porta-vozes da entidade, chegou
a
definir a filosofia como “um trabalho com textos”. Em cinco decadas, a USP nao
formou
um unico filosofo digno desse nome, embora ha quern tente justificar este fracasso
com a
284
O texto do fllosofo e sempre algo inacabado, aberto. Mario Ferreira dos Santos, urn
dos
expressou ideias que se ele, Platao, nao pensou, poderia ter pensado, ou seja, eram
fundamental e a importancia que ele colocou nas afirmacoes, e isso nao esta escrito.
Vamos inclusive flcar atentos ao genero literario do livro, como no caso das Meditates
Stanislavski para o teatro), pois e das experiencias fundantes que nascem as intuipoes
centrals que dirigem as “doutrinas” filosoficas. Ao fazer isso, constata-se que a “duvida
universal” que Descartes propoe e imposslvel. Nao se pode duvidar de uma so coisa
sem
modernidade em algo ainda pior, mas as suas proposipoes estao reduzidas a jogos
de
linguagem.
impotencia da linguagem para tratar de certos assuntos, nao e tratar deles. Ele
confunde
intervencao miraculosa. Diz tambem que Deus nao se manifesta no mundo: nesse
caso
nada saberiamos d'Ele e nao poderiamos contempla-Lo. Mas nos temos inumeras
falar sequer disto como hipotese. Deus nao e inefavel, Deus e Santo; ler Dom
Columba
A tecnica filosofica destina-se, no fim das contas, a acalmar o cerebro e impedir que
ele
Stephen Hawking de que o Big Bang tenha acontecido por uma combinacao de quatro
formas? O mundo real nao e o mundo da flsica. Vamos perguntar por que deveriamos
podemos conceber nem o mais simples dos objectos sem a ideia de finalidade. E ela
que
Nos nao os apreendemos nem com as sensapoes e nem com a razao. Nos
apreendemos as
coisas assim porque somos seres viventes com um passado e nos dirigimos a um
futuro, e
285
famoso verso de MaUarme: “tel qu’em lui-meme enfin I’eternite le change”. Quando
percebemos
qualquer indivlduo humano, e isto o que nos percebemos nele: um trajecto em
direcgao a
um estado de completacao. E sabemos que so nesse nlvel do ser completo ele e real.
esfera do discurso, ao ponto de afirmarem que nao existe experiencia que nao seja
mediada pelo discurso. Ou seja, para eles a estrutura da linguagem determina e limita
toda
a esfera do pensar, quando realmente apenas limita a esfera do dizlvel, que e algo
que nao
significa nada se nao existe uma intercomunicacao do indizlvel. Querer que a esfera
do
por isso que devemos ler autores marxistas ou nao iremos saber o que eles estao
Idstrategia Socialista onde confessam que “para existir uma hegemonia tern de haver
uma
condigao tal que uma forca polltica particular assuma-se como representante de uma
totalidade que e absolutamente incomensuravel com ela”. E afirmam que para chegar
a
isso foi necessario conceber todo o espago social como um espago discursivo, de
que nao existe o referente e que, em ultima analise, nao existe o objecto do qual se
refere.
longo prazo.
Para estudar um filosofo, a primeira coisa a fazer e conhecer o conjunto das suas
ideias,
saber como elas se articulam logicamente, captar a unidade interna, e perceber a sua
busca
participarmos no debate intelectual superior. Sera necessario ler tudo o que o sujeito
escreveu da primeira a ultima linha - inclusive o que parega nao ter muita importancia
e
os escritos de publicacao postuma - para ter uma concepgao interna do seu
pensamento.
Advira a pergunta: com quern ou contra quern ele estava dialogando? A segunda
sem que ele tenha seleccionado ou escolhido. A terceira e conhecer a sua linhagem
historica (ambiente mediato): influencias nao actuantes no meio, mas que surgem com
uma tradicao. Por fim, articular o pensamento desse filosofo com o que veio depois:
como ele foi lido, a historia das interpretacoes que ele recebeu ao longo do tempo. O
problema que se apresentara al e que um filosofo lida com varias disciplinas, pelo que
teremos de estuda-las para entender do que ele esta tratando. Um dia teremos que
fazer
este trabalho com pelo menos um filosofo e so al entenderemos o que e uma filosofia.
286
intuito deliberado de dar certa impressao enganosa para produzir um efeito social,
cultural
e historico, como acontece com Maquiavel e com Descartes, que e o caso mais
celebre,
subtil e perverso. Nos sonhos que Descartes teve, toda a sua descoberta do cogito ja
estava
dada. Podemos nos perguntar o porque dele usar uma mascara para subir a cena do
mundo, ja que ele estava na Holanda, longe da Inquisicao. Ele desvia-se da tradicao
chamou de tmidanca de paradigma, e coloca isso sob uma forma ortodoxa; mas ele
introduz nogoes que vao mudar completamente a nogao que as pessoas tern de Deus,
assim como as suas relacoes com o mundo criado. O Professor Olavo leu trechos do
livro
Descartes.
O ciclo moderno origina-se de uma operacao destinada a encobrir suas origens, o que
criou uma cultura do fingimento. Giordano Bruno dizia que, se continuassem assim,
iriam
Aula 77: Descartes como um fllosofo mascarado que tenta acabar com o cristianismo
fmgindo defende-lo.
O fingimento de Descartes, Maquiavel e outros nao advem do medo imediato de um
perigo mas de um objectivo de longo prazo que so pode ser realizado por meios
leitor que aceita o raciocinio dele torna-se num blasfemador inconsciente. Descartes
tenta
excluir a possibilidade do milagre, esta e a finalidade de todo um raciocinio que ele faz
ee
Deus tudo aquilo que O torna absolutamente desnecessario no mundo real. Ele
constroi
toda a sua filosofia como se fosse uma defesa da ortodoxia catolica, mas ela
desencadeou
efeitos ateisticos e materialistas. Devemos nos perguntar como foi isso possivel. Ele
ainda
isto. Nao e trabalho para uma unica pessoa, os estudos do professor sobre
Mentalidade
Revolucionaria e Paralaxe Cognitiva sao o inicio disso, mas sera necessaria uma
multidao
Aula 79: Descartes queria nos encerrar na nossa mente, ?nas esta e transcendida
pela realidade e pelo
287
“eu substantial”.
Para Rene Descartes, nos somos apenas mente. Mas se a mente cognoscente fosse
a base
e o centro do nosso ser, ela nao poderia conhecer nada fora dela mesma, pois tudo o
que
pensassemos seria criacao da nossa mente, bem como os conceitos, as imagens. Se
nao ha
Contudo, nao podemos transformar nosso “eu substancial” numa criacao da nossa
mente.
uma prova da propria existencia, significa que ele ja foi parar num estado mental muito
convivencia humana.
Nao existe um genero literario fixo no qual as doutrinas filosoficas sejam expostas.
Um
filosofo dirige-se aos seus pares e raramente temos acesso ao depoimento acerca da
experiencia originaria das suas ideias, como temos no caso de Descartes. Mas
Descartes e
completamente diferentes das que ele elaborou. A linguagem academica nao permite
ter
ele abstraiu toda a realidade por tras da industria, do negocio; ele simplesmente nao
Aula 81: As filosofias modernas, ao contrario das anteriores, tentam ter uma explica
fio de tudo; Deus e
epoca da criacao dos grandes sistemas filosoficos que pretendiam explicar tudo, obter
a
Aristo teles nem os escolasticos jamais pretenderam explicar tudo. Eles pretendiam
apenas
e do misterio divino. Dizer que e um misterio significa que nao vai ser abarcavel tao
Spinoza nao buscou Deus de verdade, pois ele nao considera o conhecimento por
experiencia, apenas o dedutivo. Mesmo que lhe acontecesse um milagre, ele nao
aprenderia nada com isso porque para ele, assim como para muitos outros filosofos,
Deus
288
Aula 82: A importancia do contacto com o filosofo; as formas a priori; a filosofia como
imersao numa
realidade infinita.
com um filosofo vivo, como fez Julian Marias com o Ortega-y-Gasset e se encontra
Voegelin Society”.
entre o “eu cognoscente” e o mundo exterior se da pela luz: ela e o a priori de toda a
percepc;ao visivel do mundo. As tais formas a priori existem, mas elas sao a estrutura
do
mundo e nos precisamos delas para nos orientar e nao o contrario, como pretendia
Kant,
resultado de uma alicnacao formidavel dos filosofos dos ultimos tres seculos.
imersao-. mergulhar numa realidade infinita - com consciencia dela -, que se recorta
em
sucessivos perfis finitos conforme ele se desloca daqui para la, conforme o tempo
passa e
conforme ele esta em diferentes lugares do cspaco; exceptuando-se isso, tudo o que
se
concebe sao produtos mentais que tern dinamica e forca de atraccao propria: o desejo
de
construir uma filosofia e uma das coisas mais corruptoras que existe. A extrusdo
consiste
comunicaveis que facam o seu ouvinte reviver por ele mesmo esta experiencia, e
concluir
que de facto e assim, que viveu isto, e que sabe que as coisas sao assim.
No Brasil dos anos 50 e 60, havia uma discussao estrategica e sociologica esquerdista
de
um lado e, do outro lado, a cultura geral do pais. Mas a cultura tomou posse da
discussao
geral, tendo sido a unica que restou, o que significou um rebaixamento do nivel da
discussao, que nem com influencia do exterior pode melhorar porque tambem elas
foram
289
E incrivel ver como a escolastica na sua fase criadora foi de curta duracao. Na medida
em
a forca criadora da escolastica durou mais tempo, mas os outros palses aderiram
mas tambem e tosca, pois estes filosofos da modernidade lidam com conceitos que
nao
eficacia sao como um veu que encobre a pergunta quid? A filosofia administrada
chega ao
filosofia pela administracao chegou a produzir a revolucao cultural com Mao Tse Tung.
Hoje, praticamente toda a actividade filosofica do mundo faz parte dessa filosofia
administrada.
ciencia; isso levou a exclusao da pergunta: quid? - ao mesmo tempo, levou a exclusao
do
inspirada na pergunta inicial da natureza do ser, mas podemos fixar a atencao na sua
O que aconteceu na entrada da idade moderna foi uma divinizacao das constantes
desconstrucionismo etc., onde nao ha mais a que se ater, nao ha mais uma realidade
-a
realidade dos sentidos ja foi desmentida pelo cepticismo, mas verifica-se agora as leis
da
290
apareceram nao uma mas duas correntes contrarias: de um lado, o empirismo, que
acredita que somente os dados dos sentidos sao reais; e de outro, o racionalismo, que
acredita que a estrutura geral na qual enquadramos os factos, nao sendo ela propria
experiencia.
Por vezes, existem elementos na doutrina que estao um pouco abaixo do seu
conteudo,
elementos de ordem puramente formal e que sao, por assim dizer, premissas ocultas
que -
ser ocultas ate mesmo ao proprio autor), moldando o debate pelos seus dois lados:
moldando a cabega dos seus defensores e a dos seus detractores por igual, e fazendo
com
crenga: as pessoas viviam no seu mundo religioso, nao se colocavam fora dele para
julgar
se acreditavam ou nao. Max Scheller observa que a ideia de imortalidade sempre foi
obvia
imortalidade.
Numa parte da aula, o professor Olavo esclarece as razoes de nao ter uma filosofia
tratadistica, por assim dizer, ja que tanto os seus amigos como os inimigos cobram
dele
uma exposicao sistematica da sua filosofia. Uma doutrina cristalizada em textos e uma
verdade apenas historica ou mais propriamente filologica, para nao dizer editorial. Mas
nenhum filosofo criou suas doutrinas so para que as conhecessemos e sim para que
O autor usa aquilo que o professor Olavo chama de intoxicacao - um metodo para
291
enganar a plateia o que quer dizer que em tres ou quatro paginas ha muitos erros e
problemas sobre os quais Russel passa por cima, como se nao tivesse percebido. Se
erroneas de ordem tradicional, as quais a ciencia veio substituir com a sua versao dos
historia da ciencia tal como Russel a conta. Na sequencia, Russel continua afirmando
que
a doenga era atribuida a feitigaria pelos seres humanos nao-civilizados, mas podemos
nos
questionar se ha algum estudo cientifico que prove que fciticaria nao funciona de facto.
O
autor do livro segue com outras mentiras que o professor Olavo vai rebatendo, uma a
versa, a busca da unidade e algo que aponta para hierarquizagao e sistema e, neste
sentido,
qualquer uma das partes so adquire sentido dentro do sistema. Existe uma tendencia
filosofia. Nao seria necessaria filosofia alguma se a nossa tendencia natural fosse a
de
fragmentacao fosse muito confortavel para o ser humano, ele nao buscaria, de modo
o Verbo. No princlpio era o Logos, nao ha outra salda. Qualquer outra teoria e uma
realizadas que cercam cada ente existente. E a isso que chamamos, em cada ente, o
seu
clrculo de latencia. O clrculo de latencia e tudo aquilo que um ente poderia ser, mas
nao e.
Terceiro princlpio: dentro deste universo existe uma criatura chamada homem. A
criatura
animais reagem a situacoes que se apresentam, de acordo com pautas que ja estao
dadas
292
Aquiles - que eram herois por colocavam a sua forca ao service do mundo inteiro,
homem. Mas os homens do vulgo apenas vem a sua volta a mesma falta de forca e
grandeza que os caracteriza a eles mesmos, e caso sejam filosofos e a isto que se
reduz a
sua filosofia. Ja o homem generoso tern uma alma simpatica a todas as outras. Essas
distincoes vao marcar os dois tipos classicos de filosofia, que se perfilam com a
maxima
fecundidade da experiencia, que marca o initio da filosofia positiva, que toma a accao
em dez niveis diferentes e percebe a integracao e o fio condutor que conecta esses
niveis:
e Aristoteles e de certos princfpios do metodo filosofico tie extrai toda uma filosofia da
Faz isso em poucas paginas, coisa que filosofos considerados densos e complexos,
como
pregador Jacques Benigne Bossuet - quando Deus fez o homem colocou nele, em
primeiro lugar, a bondade. Isso quer dizer que a bondade faz parte da natureza
humana.
Hoje nos estamos tao acostumados com teorias hobbesianas da agressao, da “guerra
de
todos contra todos” - todo esse discurso sobre a agressao nos parece tao natural -,
que
proprio ser corporal. Vamos reler o texto do Ravaisson, pois trata-se de uma joia
filosofica.
afirma que aquilo que Platao fez foi, na verdade, aplicar o mecanismo abstractive as
coisas
e tomar o produto dessa actividade abstractiva como se fosse mais real do que as
coisas
das quais a abstraccao partiu. Somente aquilo que e vivo pode gerar vida, os
esquemas das
ideias nao tern vida por si mesmos, eles so conseguem ter alguma presenga viva
atraves
Ravaisson, naquela epoca, Aristoteles viu que tinha algo de errado naquele esquema
293
da consciencia e vice-versa.
Desde o inlcio do nosso curso, o professor Olavo definiu a filosofia como a busca da
unidade do conhecimento na unidade da consciencia e vice-versa. As implicates disto
sao muito mais extensas do que podem parecer a primeira vista. Normalmente, as
pessoas
nao procuram de maneira alguma dar coerencia ao conjunto dos seus conhecimentos
mais
suas atitudes na vida real do dia-a-dia. O esforgo para fazer isso e absolutamente
nas nossas proprias ideias. E e evidente que aquelas ideias das quais podemos nos
servir
quais nos nao podemos nos apoiar para nossas decisoes na vida real, estas nao
contam
qual nos servimos como uma especie de muleta psicologica destinada, sobretudo, a
que quando nos interessa lembramo-nos que sabemos alguma coisa e quando nao
nos
realidade.
materialista, esta caindo. A epidemia de fraudes cientificas que houve nos ultimos
classe cientifica, que nao se vai aguentar por mais muito tempo, entao, a pergunta
que
cognitivo. Quer dizer, segundo esta conccpcao, temos urn aparato cognitivo e mdo o
que
pensamos provem das exigencias das estruturas internas desse aparato cognitivo, e
nao
podemos jamais ter a certeza de que isso corresponde a algo no mundo exterior.
Segundo
um mundo material a nossa volta que nao tern absolutamente nada a ver com o que
nos
pensamos dele. Ou seja, e uma crenca de que vivemos dentro deste mundo material,
nos
mesmos sendo constituldos de materia mas tendo uma coisa chamada pensamento,
que e
um produto do nosso cerebro. E o cerebro, entao, cria mitos, lendas, culturas, etc.,
sem
294
que isso tenha algo a ver com a estrutura do mundo exterior. O mundo exterior, nesta
conccpcao, e-nos totalmente estranho, nao ha a menor intimidade entre uma coisa e
outra: tudo o que se passa dentro da minha mente reflecte apenas o meu processo
interior
A partir do hiato criado pelo kantismo, restam apenas duas alternativas: ou afirmar
quer dizer, fazer um ato de fe cega; ou negar que o conhecimento cientifico tenha a
que consiga prever correctamente certos acontecimentos. Nos dois casos caimos num
Num ensaio celebre, Leo Strauss diz que qualquer pessoa que aprendeu alguma coisa
em
filosofia aprendeu com alguem, que aprendeu com alguem... que nao aprendeu com
la como que do nada por ter, junto com a vocacao e o talento filosofico, outro talento
que nao chegariamos ao conhecimento das suas ideias so atraves das obras escritas
ja
esta continua ate ao ultimo dia da sua vida. Isto e muito mais importante do que ler os
livros. Os primeiros dois anos do curso foram dedicados a que os alunos pudessem
serie de leituras, fazer uma serie de resumos, analisar alguns textos e mostrar mais
ou
menos como se le aquilo. Isso nao e o essencial. Mas, nao sendo essencial, e
indispensavel
Aula 98: A vida intelectual brasileira como adesao cega a um determinado grupo.
Esta aula baseia-se na leitura do artigo do professor Olavo intitulado “Como tornar-se
um
295
gostosao intelectual”:
se+um+gostosao+intelectual.pdf
E descrita a vida intelectual no Brasil, que consiste em dizer-se pertencente a uma
das
duguiniano, mesmo sem conhecer o que dizem estes autores, porque o que conta e
dizer-
dele. A circulacao de ideias no Brasil e psicotica, pois a cultura brasileira e feita apenas
de
conhecer a propria tradicao em que eles se declaram integrados do que julgar aquilo
que
validas a nao ser na medida em que estas conclusoes tenham, para a alma que as
recebe, a
final, a qual, quando chegar, nao chegara sob a forma de expressao doutrinal.
das suas proprias obras; a fraude esta na base, nao se trata de uma distorcao da
actividade
impor como fonte de uma nova civilizacao em bases totalmente diferentes das da
observam alguns factos, notam que sao repetiveis, mas nao tern a menor ideia do que
esta
acontecendo. Para seguir a carreira cientifica, e necessario admitir a partida uma serie
de
296
como que formulas que, idealmente, a mente humana poderia alcangar e expressar
estrutura de todo o universo. A prcsuncao de Isaac Newton era esta e nas sociedades
Mais ainda: Isaac Newton tinha a ideia de fundar uma nova religiao. Toda a sua obra
absoluta, mais ou menos como existe no mundo islamico (o Corao prega a unidade
como faz Descartes atraves de uma narrativa autobiografica que tenta ater-se
somente aos
pensamentos que lhe ocorreram. Descartes privilegiou o sujeito e fixou-o como
Aula 111: O filosofo tern que descer dos falsos consensos ate aos dados pertnanentes
da vida humana.
297
A filosofia pode dar um allvio para uma pessoa que esteja vivendo numa situagao
nos evadirmos do mundo real para o reino encantado da filosofia. Acontece que nada
de
bom se obtem por esses meios e essa foi a situagao de Maquiavel. O objectivo nao e
realidade. Ele nao se teria deixado enganar pelos valores elevadlssimos e slmbolos
deu algumas receitas praticas que, se seguidas, colocar-nos-ao no caminho certo para
a
Contudo, parece que as coisas nao estao dando muito certo para o pessoal que esta
seguindo Maquiavel. Desde logo, parece haver alguma coisa errada, e nao somente
do
ponto de vista moral, porque lendo Maquiavel apenas como se fosse um tratado de
tecnica polltica, a sua tecnica parece nao funcionar. Dal surgiu esta hipotese: e se
houver
um engano geral com rclacao a Maquiavel? Para responder a isso era preciso estuda-
lo
desde um ponto de vista muito singular, a partir do qual ele nunca tinha sido estudado,
uma psicose ate um determinado ponto, porque esta carece de inteligibilidade para o
proprio psicotico.
Descartes e a sua duvida geral. Ate entao nao havia paralaxe cognitiva, mas
Descartes vai
inaugura-la: como ele nao percebeu que nao existe duvida geral? E que a sua duvida
nao
era uma duvida real mas um conceito de duvida? A sua construcao narrativa e logica
e de
A partir da Aula 118, o professor Olavo comega a expor os seus estudos sobre a
filosofia
298
sua filosofia. Como exemplo, vemos a tranquilidade soberana com que Socrates
enfrentou
sua propria morte e ao mesmo tempo ele filosofava sobre a morte em geral.
resposta, ambiguidades e nao ha safda senao procurar nos factos biograficos aquilo
que os
seus textos nao nos esclarecem. N'O Discurso do Metodo , ele estaria concebendo
uma nova
dificuldades para entender a filosofia de Descartes somente nos termos em que esta
colocada.
pois nao parecem conferir bem com a imagem de um pensador inteiramente voltado
para
Descartes deixou uma narrativa de proprio punho desses sonhos, chamada Olympica
num
caderno que se perdeu, mas que teve duas transcribes, uma delas feita por Leibniz.
As
duas fontes conferem. Maxime Leroy mandou ao Dr. Freud uma dessas transcribes,
que
paciente vivo.
Foram tres sonhos que aconteceram na mesma noite, num sono interrompido. Freud
Descartes da aos seus sonhos e no sentido de serem uma manifestacao da luz que o
pitagorica que ele ve no tftulo da poesia de Ausonius, Sic et Non, e bastante forcada.
O
poder do raciocfnio.
http:/ / www.seminariodefilosofia.org/
system/files/A+Maldi%C3%A7%C3%A3o+do+Cart
esianismo.pdf
Antes, o professor Olavo esclarece que as questoes que vem da discussao da heranca
de
299
tremendamente, como se o fllosofo tivesse dado a luz uma civilizacao inteira, com os
seus
ou menos convenientes.
justamente naquilo que atraves dele ficou invisfvel (seja por nao fazer parte de seu
Descartes sao enormes e estao encobertos ao longo dos seculos; perto dele,
Maquiavel e
um pobre coitado.
A primeira pergunta que se pode fazer, a partir da promessa cartesiana do poder do
homem sobre a natureza, e a quern sera dado esse poder? Descartes nunca tratou
dessa
dizem que nao existiria se nao fosse Descartes, mas se analisarmos a verdadeira
estrutura
A confusao entre o ser humano concreto e o pronome generico abstracto aparece nas
Descartes comega contando a historia de uma experiencia real pela qual passou e,
de
repente, passa a falar do “eu filosofico” geral, isto num livro que e uma autobiografia.
Ele
nao cita a revelacao divina como uma das fontes do conhecimento - autoridade,
sensacao
corporal e razao - que coloca em duvida. Tambem nao coloca Deus em duvida,
apenas
entendem religiao como crenca pessoal, algo que comecou com Descartes. Ele faz
uma
critica fingida a autoridade e, para um homem que inventou a geometria analftica, nao
ter
consciencia, mas acontece que a consciencia e ele mesmo; como e que ele pode
fazer
vira esquizofrenia. Ele introduz tambem uma confusao entre o corpo material, tal como
falsidade comprova-se quando Garcia Hernandez descobriu que ela foi tirada de uma
pcca de Plauto.
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
300
E muito mais facil estudar a heranfa de um filosofo olhando a influencia restritiva que
ele
exerceu do que pela influencia positiva que ele provocou. A influencia restritiva da-se
pelo
entre a revolta contra a autoridade dos poderes terrestres e revolta contra a autoridade
divina. No caso de Rene Descartes, e quase impossivel distinguir quando ele estava
mentindo ou estava confuso. Descartes subscreve os argumentos dos antigos
cepticos
cepticos pode tornar-se sao subtil que tome uma vida inteira sem chegar a lado algum.
O
argumento central contra o cepticismo, de Bertrand Russel, nao e logico, mas pratico:
o
cepticismo e impecavel do ponto de vista logico, mas admiti-lo cria uma sucessao de
pp. 93-97:
A leitura nao visa discutir a filosofia de Descartes, mas analisar a sua biografia, tal
como o
do filosofo. Foi tambem lido um excerto da introdufao do livro sobre Descartes que o
professor Olavo esta escrevendo (nao disponlvel em arquivo no seminario, pois ainda
esta
sendo elaborado). Trata-se de um estudo que nao e motivado pelo interesse numa
psicanalista com uma semana de pratica sabe reconhecer: o individuo esta vendo uma
verdade mas nao quer ve-la; entao, o analista lanca perguntas e duvidas que podem
ser em
numero ilimitado.
Descartes parte do pressuposto de que sua mente esta organizada como se fosse um
sistema dedutivo, com princlpios fundamentals dos quais tudo o resto se retira
dos factos da vida interior, confusao esta que caracteriza a narrativa inteira. Descartes
funcao. Afirma que em todo o universo percebido, as unicas coisas que sao certas e
etc., fazendo abstracgao dos chamados aspectos secundarios, como cor, gosto ou
sabor.
“Se Deus fosse tao soberanamente bom quanto se diz, Ele nao deveria permitir que
eu
aqui um perfeito non sequitur, logicamente falando. Quern diz que Deus, se
infinitamente
bom, nao pode permitir que eu me engane? Assim, a responsabilidade dos meus
enganos
e imputada ao proprio Deus. Descartes nao somente nao se csforca para provar isto
como
esta sub-repticiamente introduzindo a sua tese do genio mau. Descartes ainda afirma
sobre Deus que se Ele deixa as pessoas no engano, entao isso diminuiria o Seu poder,
mas
este e outro non sequitur. No fim, ele substitui Deus por um genio maligno para poder
que com os pensamentos, que sao evanescentes. Sao varios os sinais e os indicios
de que
Descartes.
Continuagao da leitura das Meditafoes Metafisicas , de Rene Descartes, “Meditafao
Segunda”,
pp. 97-101:
Descartes evoca Arquimedes e o seu ponto de apoio que poderia mover o mundo,
mas no
caso dedutivo nao se percebe que uma so afirmagao possa “mover o mundo”, ja que
e
e tambem uma alavanca. Se nas duas primeiras meditafoes vemos uma grande
quantidade
Descartes tira o tema do Deus enganador de uma pcca de Plauto, chamada 0 Anfitriao
,
em que Jupiter faz Mercurio se passar pelo servo de um general lutando em guerra,
servo
este chamado Sosia, nao por coincidencia, para que, enquanto isso, Jupiter possa
seduzir a
mulher do general, passando-se por ele. Sosia fica tao confuso ali na presenfa de
Mercurio, que possui um rosto como ele, que chega a duvidar da propria existencia.
Sabemos que Descartes leu e conheceu bem essa pega, ele inclusive usa uma frase
muito
parecida com a de Sosia: “Se voce esta me enganando, e porque alguma coisa eu
sou,
entao eu existo.”. Neste ponto, ja nao sabemos mais se Descartes faz uma narrativa
de
Quando Descartes diz “eu mesmo, o meu esplrito e uma coisa mais facil de conhecer
do
que os corpos”, esta confundindo a clareza maior ou menor do conceito com a propria
pois o meu corpo pode ser um misterio para mim mesmo. Foi apenas no sec. XVII que
alguem descobriu a circulacao do sangue, que estava circulando desde que o mundo
e
mundo. Aristoteles, porem, ja tinha explicado isso com mil e setecentos anos de
antecedencia, quando entendeu que aquilo que e primeiro na ordem do ser e o ultimo
na
ordem do conhecer.
Na aula mostra-se como se deve ler um texto filosofico. Nao se deve le-lo apenas com
a
esse o caso, seria uma obra literaria que, de certo modo, e um mundo em si mesmo.
ligacao que o livro tenha com factos reais, mas, se e filosofia existe a pretensao de
descobrir qual e a experiencia espiritual, interior, real, que o levou a dizer isto ou
aquilo;
so que ele nao esta nos ajudando muito. E nao nos esta ajudando porque existe em
sua
respondido.
pp. 102-106:
http:/ / arquivos.seminariodefilosofia.org/ files/ descartesmeditacoesmetafisicas.pdf
abstracto e universal. Qualquer pessoa, no momento em que pensa que existe, existe
porque esta pensando naquele momento. Descartes retirou esse argumento da fala
do
personagem Sosia da peca 0 Anfitriao , de Plauto. Dessa imagem, ele desliza para
outra
imagem do “eu”: a do “eu” efectivamente pensante, do “eu” que pensa outras coisas
alem
do “penso, logo existo”. Da simples consciencia do “penso, logo existo” nao seria
imaginar e o sentir.
O “eu” do cogito e uma mera fungao, e se somente esse “eu” atomlstico existisse, o
proprio
cogito seria impossivel. Descartes parece estar usando um recurso retorico e nao uma
havia sido resolvido por Aristoteles. O que Aristoteles entendia por forma substancial
de
uma coisa nao e, evidentemente, a sua aparencia sensivel, mas algo que hoje se
chama de
corpo advem de uma regra tambem ja estabelecida por Aristoteles, a de que nao
existe o
infinite quantitative em acto. E possivel conceber o infinite em acto em Deus mas nao
limitagao dos proprios objectos, que nao podem num mesmo instante mostrar todas
as
como conceito.
que seu raciocinio seja uma linha ininterrupta. Ao lermos uma primeira vez,
bem demonstrado. Aos poucos iremos perceber incongruencias e falhas que podem
acabou entrando tao profundamente na alma ocidental que todos nos ainda somos
qual esta em contacto com Deus, pelo que a unica garantia da existencia do mundo
so
podemos ter num dado momento, mas ela volta-se contra toda a experiencia anterior
que
experiencia da leitura de ficcao tern que ser imediata, mas num livro de filosofia isso
nao
existe. O filosofo abre para o leitor uma serie de experiences interiores que podem
nao
e 18):
e translucido a si mesmo. Mas esse momento dura apenas uma fracgao de tempo
nao-
Descartes afirma que existem dois tipos de coisas: as coisas que tern extensao, e que
estao
caracteristicas das coisas que tern extensao: forma, cor, posicao, relacao com outros
objectos, peso, utilidade, serventia, quididade, etc. Mesmo que nao sejamos capazes
de
dizer com precisao, sabemos a diferenga entre elas e outras coisas. Descartes
pretende que
tudo o que sabemos delas e que tern extensao e estao presentes no espaco, por
exemplo:
um elefante tern extensao e esta presente no espago; uma mesa tambem tern
extensao e
mesa dum elefante. O que Descartes diz nao corresponde a sua experiencia real,
porque
semelhante a da meditacao vedantina, como se fosse uma experiencia, mas ele esta
aspecto sem levar outros em conta. Descartes admite que nao pode sentir sem o
corpo
mas, na sequencia, como nao pode nega-lo, procura isolar o corpo do mundo.
elementos que existem na discussao erudita a seu respeito; b) as reaccocs que outras
pessoas tiveram aquilo; mas, sobretudo, c) tern de buscar o que o individuo estava
realmente dizendo, e qual a experiencia concreta da qual ele partiu. E claro que essa
sua filosofia, nao e totalmente apreenslvel. Nao podemos descreve-la totalmente, mas
sabemos que ela esta presente e nao e um elemento totalmente obscuro, e apenas
aquela tensao que permite apreende-la como um pensamento realmente vivo, alguma
coisa que esta lutando com a realidade: e uma inteligencia humana. So ao revivermos
a
que e preciso utilizar no estudo dos textos filosoficos o aparato inteiro das tecnicas e
literario, queremos realmente resgatar algo da experiencia que ali esta subentendida;
e se
podemos fazer isso com autores de pegas de teatro, de poemas e de romances, entao
5-9):
que ocorrem na sua mente e, em seguida, distingue quais podem ser objecto de erro,
tendo em conta que so aqueles pensamento que podem ser verdadeiros e que
tambem
podem ser falsos; onde nao ha veracidade tambem nao ha erro, nao ha falsidade.
Afirma
que so ha verdade ou falsidade nos juizos: mas estes residem fora do sujeito - isso
seria
separado dos objectos externos. O que marca o inlcio da filosofia moderna e esta
torcao,
esta virada que vai do objeto para o sujeito, ou de uma filosofia realista para uma
filosofia
idealista, por assim dizer, sendo que da filosofia idealista pode haver um idealismo
objectivo, que considera que as ideias ou formas existem fora de nos, e outro
idealismo
subjectivo, como e o caso de Descartes, para o qual tudo existe apenas na mente
humana.
autoconhecimento.
E absolutamente necessario que a leitura de livros de filosofia seja feita por um metodo
de combinar uns com os outros. Por exemplo, ha toda uma serie de circulos
concentricos
de significado que tern algo a ver com a mentalidade da epoca e com alusoes
implicitamente.
Uma obra muito influente, lida por muita gente, atrai a atenpao do publico para certos
como urn foco de luz que se vai deslocando ao longo do tempo, conforme um autor
chama a atencao para isto ou para aquilo, e o proprio deslocamento do foco de luz
A leitura de um texto filosofico implica tambem fazer uma auto-analise muito profunda
para saber como estamos absorvendo aquilo e para poder reconhecer ali as origens
de
crengas, sentimentos e reacgoes, que ate entao considera vamos como coisas
pessoais ou
dados comuns e correntes da sabedoria convencional que simplesmente copiamos
de
actividade filosofica.
partindo de um interesse geral que temos por questoes da filosofia, cultura etc.,
vamos,
por assim dizer, afunilando, como numa espiral que se fecha para dentro dos detalhes
relacionar aquilo com questoes cada vez mais amplas, que chegam ate aquelas que
dizem
respeito a nossa vida no mundo presente. Vamos, entao, ate o texto de Descartes, e
retornamos a nossa propria posicao. Este modo de leitura parece inerente a propria
material e o objecto formal da filosofia e hoje frequente. E curioso que tantos autores
de
introdugoes, pessoas tao habeis e eruditas, cometam a esparrela de tentar definir a
filosofia apenas pelo seu objecto material. Assim, tudo cabe dentro da filosofia: quern
quer que tenha dado um palpite sobre uma questao filosofica e considerado
significa que ele esta aberto a todo o horizonte do conhecimento disponlvel, ainda que
conhece, mas sabe que o universo do seu conhecimento nao abrange todo o universo
do
entao, quatro tracos definidores da filosofia, que nao apenas estao presentes em
todos os
humana.
filosofia, nao basta uma leitura filosofica em sentido estrito, antes ha que procurar um
nlvel mais imediato, vendo que o texto apresenta-se como uma narrativa
autobiografica, e
da experiencia dele.
O criterio utilizado por Descartes para verificar se a ideia que o sujeito tern
corresponde
que existe nessa ideia: se a realidade objetiva transcende a capacidade que o sujeito
tern de
cria-la, entao e porque o objecto existe no mundo. E evidente que o criterio da clareza
e
distingao se aplica primordialmente aos conceitos e as ideias enquanto tais, mas nao
aos
seus objectos. Descartes tenta julgar os dados dos sentidos por um criterio que vale
eminentemente para as ideias, tais como ele mesmo as concebeu. Portanto, o criterio
ea
consistencia logica. Mas ele nao aponta onde estaria demonstrado que as sensagoes
No instante em que temos uma sensagao, nao temos nenhuma ideia dela; so depois
criamos uma ideia a respeito, quando nos recordamos dela e trabalhamos este
elemento
na memoria.
A doutrina catolica ensina que a ideia de Deus nao e inata, mas a capacidade de a
conceber e inata no ser humano, o que nao quer dizer que ele a conceba. Se fosse
308
substrato historico, humano, real, virou uma doenca endemica nos estudantes de
filosofia
americanos, que levam as discussoes destas coisas ate as suas ultimas
consequencias, e
estude a realidade”.
Aula 135: Descartes discute a ideia do infmito e nao o infmito, tentando criar uma nova
concepfao de
civili^acao.
Descartes esta montado na razao quando diz que a nogao do infinito tern mais
substantia
de realidade do que as outras. Porem, ele nao esta falando do infinito propriamente
dito e
sim da ideia de infinito; ele examina esta questao nao do ponto de vista metafisico
mas do
constituidos de mudancas do mundo fisico que nao sao compatlveis com a fixidez do
sonho, onde as coisas estao a toda hora mudando de formas. Mas a natureza sempre
foi
assim. Qual a razao dos gregos terem como experiencia fundamental da natureza
iphysis) a
leis imutaveis que regem a natureza. Hoje sabemos que essas leis nao existem. Na
fantasia, e a fantasia de Deus, onde tudo pode acontecer. Mas a cultura e a sociedade
Descartes fez uma inversao ao falar da ideia de infinito e nao do proprio infinito, sendo
isto uma coisa flagrantemente errada do ponto de vista logico, porque o objectivo dele
nao e o que esta declarado, de obter a certeza, mas e o de criar uma nova concepcao
da
esquecidos.
Aula 136: “Meditafdo Terceira” e a passagem da narrafao para a argumentafao.
309
clave argumentativa, tentando passar a impressao de que descobriu algo que jamais
se
soube antes, mas nao faz references a Plauto ou a Santo Anselmo, que o precederam.
No
natural. Ate hoje, essa inversao de retorno ao erro, a ignorancia, nao se explicou
completamente.
Aula 137: Revisao sobre o processo de leitura; a hipotese de genio ?nau e o terror
metafisico.
Antes, foi feita uma revisao acerca do metodo de leitura dos textos filosoficos: na
tecnica
da leitura aprofundada, o foco da nossa atencao deve deslizar entre varios pianos de
realidade. Primeiro, vamos entender cada frase separadamente no seu sentido mais
imediato e material. Mas isso nao basta se nao entendermos qual e o lugar dessa
frase
dentro da sequencia em que esta colocada. Ja no proprio texto, temos uma especie
de
relacao, uma dialectica, uma tensao entre a parte e o todo. Em seguida, em busca do
para nos? Qual e a ressonancia que estas coisas tern dentro de nos neste momento?
Ao
fazer isto, notamos que existe uma separacao, quase que um abismo entre nos e o
autor
do texto, na medida em que estamos situados noutra epoca, noutra cultura, e temos
outra
lingua, e assim por diante. Entao, existe tambem uma segunda tensao entre o nosso
ambiente cultural e o do autor.
Apos termos percorrido este percurso, vamos ler a frase seguinte e repetir o mesmo
processo. Isto significa que, para cada linha que lermos, existira um jogo entre a
intencao
do autor e a intencao com que nos o estamos lendo e a repercussao que a leitura tern
dentro de nos, o que aquilo significa na nossa experiencia. Ao mesmo tempo, esta
psicologico que formou a nossa mente. E e a partir dos elementos que este contexto
cultural nos da que vamos poder compreender o contexto cultural do autor. Ha quern
sugira estas opcracoes em serie: primeiro, fazemos uma leitura estritamente literal e
depois
vamos alisar o ambiente cultural, ou seja, primeiro fazer uma leitura “interna” para
depois
fazer uma leitura “externa”. Mas e utopico tentar fazer isto: temos que fazer as duas
coisas ao mesmo tempo. E por isso mesmo que a leitura destes textos tern que ser
mais
A pergunta e: qual o motivo que levou Descartes a ter querido fazer isto? Nenhuma
310
duvida propriamente filosofica ou teorica poderia levar o indivi'duo a desejar fazer essa
devogao de Julio Lemos ao Sr. Michael Dummit. Da um trabalho enorme ler paginas
e
paginas de distingoes logicas subtis dos pensadores da escola analitica, mas afinal
onde
nos leva tudo aquilo?
A filosofia que comegou como analise critica das verdades consagradas, agora trata
apenas
encaixar-se num pequeno espaco vazio onde nao cause nenhuma incomodidade em
torno.
terreno balizado pelo imperio das coisas, chegaram ao cumulo de exclamar, como o
Este e apenas mais um preconceito da escola analitica que so serve para atravancar
o
processo de inteligencia.
exemplo. Ou seja, como discutir ontologia de um objecto que nao esta sequer
definido?
Que discussoes filosoficas poderiam advir dal? Alem disso, o conhecimento que se
obtem
da ciencia moderna e apenas potencial. O conhecimento so pode ser tido como tal
A escola analitica trata todos os julzos como se fossem julzos de sujeito e objecto,
311
auxiliar. Alem disso, o discurso nao e prova do testemunho, pois nao ha domlnio da
testemunho.
professores Gianotti, Xaul e outros, a USP deu um passo atras em relacao aos
professores
Jose Guilherme Merchior e Otto Maria Carpeaux foram os maiores eruditos que o
Brasil
ja teve, mas demonstravam inabilidade quando salam de seus campos e nao
escreveram
Nao se aprende a ser um filosofo sem o ensino tecnico dado por um exemplo vivo de
alguem que pertence a tradicao, da mesma forma que nao aprendemos a lidar com
um
universo de opinioes. O que falta na USP nao e mais espaco para os alunos dizerem
qualquer filosofo que serve, por exemplo, os professores da escola analltica nao
servem.
livros que melhor resume esta escola de pensamento, Positivist Philosophy. Prom
Hume to the
12.doc
O livro aborda o positivismo desde as suas origens remotas na Idade Media ate chegar
ao
Cfrculo de Viena, de onde surgiu Wittgenstein. Hoje em dia, os seus principios estao
principios foram assimilados de tal forma que passaram a fazer parte do senso
comum, a
toda a parte, todos agem conforme a sua vontade mas nem percebem que ele existe.
Quando uma casta intelectual se apropria do Estado, ela ja nao representa classe
social
conhecimento, logo, tambem aquelas que nao merecem. Fornece normas para admitir
quais sao as perguntas certas a se fazer acerca da realidade e, por exclusao, aquelas
que
devem ser consideradas non sense. Concluindo: o positivismo nao constitui uma
filosofia
Para o positivismo nao existem essencias (“entidades ocultas”) que possam identificar
deixam nada clara a distingao entre esta “causa invisivel” e a “entidade oculta” que
rejeitam. Materia e espirito sao consideradas por eles como interpolates ilegitimas,
que
supor que uma intuicao formulada em termos gerais possa ter quaisquer referentes
reais
que nao sejam objectos individuals concretos. Mas a discussao suscitada a partir dai
ja
podem ser criacocs da mente humana. Seria um elo puramente mental entre as coisas
e
nao objectivo. Nem sempre a aparente oposigao entre dois conceitos pode ou deve
ser
12.doc
arbitraria sobre a experiencia. Esta concepcao deriva de Kant, que negava que se
podia
uma operagao intelectual para tentar impedir que a pesquisa tenha em conta algum
valor.
E a consequencia disso, nas ciencias sociais, e que os juizos de valor perderam toda
a
cientlfica, por exemplo, o facto de um chines dar uma crianca para os porcos comerem
deveria ser considerado um habito cultural, a ser estudado sem fazer juizos de valor.
Mas
pesquisa (quando ha conflito de valores, por exemplo, em que estes devem ser
suspensos
valores para nao defender um deles significa defender a ciencia e seus valores. Mais
tarde,
negando que ele possa ter alguma validade universal, pelo que a pretensao da
que apareceu como salda de uma opcao inicial que ja era doentia em si. Esta cegueira
e
mais patente nos domlnios onde e posslvel separar o objectivo do subjectivo, como
Para o marxismo, nada pode ser estudado em si mesmo, mas somente atraves da
accao. O
conhecimento cientlfico coloca-se como estrategia revolucionaria, nao ha um
interesse
E claro que as vezes isso se torna numa confusao entre teoria e pratica e fazer a
articulagao entre ambas e um processo alucinatorio, mas nem sempre e assim. Este
positivistas.
tern de passivo na esfera da accao historica, ou seja, eles sao conduzidos pela
estrategia
marxista e nao tern a menor ideia disso. Surgiu nos EUA um movimento “anti-anti-
perlodo que ficou conhecido como a “noite negra” da Historia americana, mas
sabemos
hoje que o problema da infiltragao de agentes comunistas no governo americano era
314
a acreditar que as denuncias do senador eram falsas, quando eram todas verdadeiras,
positivista leva vantagem, porque a dialectica nao poe dinheiro no bolso de ninguem.
Quando o comunismo comccou a bear mal das pernas, por sua propria inviabilidade
facto aconteceu.
Referencias:
Aulas 2, 12, 14, 65, 66, 67, 68, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 79, 80, 81, 82, 83, 85,
88,
89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 102, 103, 109, 116, 117, 118, 119, 120, 121,
122, 123, 124, 125, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134,135, 136, 137, 139, 140, 141,
142,
144 e 145.
315
EDUCAgAo
Atraves do Corpo
faster entrar num estado de devaneio lucido. Devetnos ter algum tipo de
discrplina corporal (7.2) que nos permita transcender e dar significado ao
enfraquecem.
316
mesmo tempo, toda a consciencia e atengao. Tambem pode ser usado para
adormecer
embora nao tenha sido concebido para esse fim. O objectivo e penetrar em camadas
mais
quarto escuro e a certeza de nao ser interrompido. Outro pre-requisito prende-se com
o
nao necessariamente para saber o nome dos ossos mas para conseguir visualizar o
pouquinho (passagem da figura 1 para a figura 2). Comegamos pelos ossos da cabega
e
vamos descendo pelo pescogo, ombros, omoplatas, bravos e dedos; depois voltamos
as
vertebras logo abaixo do pcscoco, descemos ate a bacia e prosseguimos ate chegar
aos
dedos dos pes. Vamos imaginar que cada juncao e cada articulacao se separa, como
se o
estado de grande clareza, onde as melhores ideias nos ocorrerao, mas nao devemos
forgar
trabalhar depois. Este e um estado que devera durar uns 5 minutos e depois teremos
317
Qualquer interpretacao que se faca do sonho, seja seguindo Freud, Jung ou Adler, ira
encontrar sempre respalde no sonho porque ele contem tudo isso e muito mais, mas
se
nos atemos a uma interpretacao, iremos perder toda a sua riqueza de conteudo. O
sonho,
que e sempre inteliglvel no seu decurso, e tambem um slmbolo e, por isso, uma matriz
de
inteleccoes, como dizia Susanne Langer, que nos pode sugerir sempre novas
intuicoes,
desde que nao o transmutemos para uma linguagem que o queira interpretar.
Tambem
dizer.
Referencias:
Aula 32.
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
318
Quando falamos em disciplina corporal, na realidade estamos a falar de algo que toma
como base o corpo, assim como as suas possibilidades de acgao, com vista a
transcende-lo
e a enquadra-lo num quadro maior onde ele adquire significado. Por isso, nao e
imagens, emogoes e sensagoes, que sao aquilo que lhe da substancia. Os esplritos
Tudo num intelectual deve ser intelectual. Ele da alguns conselhos elementares,
a sua correlacao com a atencao. A boa respiracao nao se prende apenas com a
existencia
e nao trabalhar numa posicao que optima os pulmoes nem comprima as vlsceras. Isto
deve ser complementado por uma sessao de exercicios e alguma ocupacao manual,
segundo Sertillanges.
Sabemos hoje que a cultura corporal era ainda levada mais a serio na educagao as
escolas
catedrais, que foi a responsavel pelo florescimento intelectual ocorrido nos seculos XII
e
XIII, onde apareceram as catedrais e os grandes escolasticos. Essa cdu cacao nao
visava
produzir obras mas pessoas, tendo como alvo inicial o corpo, por este ser visto como
um
real. E precisamente isto que o corpo deve transmitir, e para isso tern que ser afinado
Hugo de Sao Vltor disse que a leitura podia dar um vislumbre da ordem total, algo que
nos parece hoje inconceblvel. Mas a leitura nao era feita de qualquer forma, era feita
em
voz alta ou como quern recita, articulando as palavras com os movimentos bocais mas
em
voz baixa inaudlvel. Ou seja, nao se lia apenas com os olhos mas com o corpo.
Quando
fazemos uma leitura puramente visual, estamos a ter uma participagao apenas
imaginativa
e nao fisica. A leitura com o corpo significa que estamos a fazer, em primeiro lugar,
uma
absorgao do material como realidade e nao apenas como pensamento. Uma leitura
apenas
descrito por Newton, por outro, o mundo das “ideias”, das coisas inventadas. Nesta
naturais sem qualquer intengao de as transcend er, pelo que a necessidade de uma
cultural
corporal ganha um novo relevo. Os modernistas brasileiros, nos anos 20 do sec. XX,
ao
inves de tentarem veneer o medo metaflsico face a natureza colossal, decidiram antes
319
aos impulsos primarios e ao sensualismo, e isto vai dar no culto do carnaval, das
religioes
flsica e o total isolamento humano, como acontece com os bichos. O ser humano
apenas
pode juntar formas no mundo virtual \ porque e ali que ele pode organizar-se para
resolver
onde as coisas tern unidade. So assim percebemos o sentido das coisas e o que
temos de
fazer.
animismo e o carnaval. Isto significa coloca-las dentro de um quadro maior onde elas
vao
virtual. Isto corresponde a uma subida nas camadas da personalidade (ver 2.3), onde
novos objectivos que nos dao um senso de unidade cada vez mais elevado e
abrangente.
Uma disciplina corporal que serve o fim da transcendencia do corpo e o Tai-Chi, que
Por vezes estamos incapacitados de alguma forma e nao podemos fazer nada a nao
ser
nos divertirmos em pensamento, e isto e tambem um bom exerclcio. Claro que
qualquer
pratica tern os seus riscos, no caso das artes marciais, a concentracao de energia
pode
atrair o antagonista. Por outro lado, desenvolve uma tolerancia a dor sem nos
alienarmos
dela, o que e muito util. A existencia flsica foi-nos imposta, com toda a sua miseria,
por
para nos. Assim, entramos no gnosticismo, que comcca por ser uma revolta contra a
existencia flsica. Temos de aceitar plenamente a nossa condi<;ao flsica mas de forma
a nos
Nao temos uma regra aqui para seguir que diga quantas horas devemos dormir por
dia.
estiver preparado para acordar nos despertaremos. Nao temos que hear angustiados
por
aquilo que deixamos de fazer para poder dormir. Dormir nao e tempo perdido, e o
sonho
pode ser melhor do que ler 10 livros. O importante e quando formos dormir, e para
dormir mesmo, e quando e para estudar, e para estudar. Nao podemos hear no meio
a
meio, fazendo uma coisa com vontade de fazer outra. Caso tenhamos alguma
dificuldade
em acertar naturalmente com a quantidade de horas que devemos dormir, podemos
ir
experimentando ate encontrar o numero de horas que nos convem e depois manter
uma
Podemos rezar antes de dormir, pedir para Deus nos dar um sono profundo, com
sonhos
que nos fagam bem, mesmo que nao nos lembremos deles depois. Muita da
esterilidade
intelectual e pratica deriva da pouca atcncao dada ao mudo interior, povoado pelos
sonhos, imaginacoes, desejos, etc. E daqui que veem as nossas formas e nos somos
320
realmente isto. Considera-se que a atencao ao mundo exterior e uma coisa seria, mas
virar
essa atencao para o mundo interior e estar ocioso. Mas nos precisamos desto ocio e
e por
isso que sonhamos quando dormimos, mas tambem podemos fazer isso um pouco
quando estamos acordados. Podemos pensar em coisas que gostamos, em coisas
belas que
conseguimos imaginar, que deve ter muita nitidez. E da imaginacao que vem o desejo,
e
directo e elegante. Podemos imaginar algo simples, como o gesto de pegar algum
objecto.
Referencias:
321
7.3 ALIMENTAgAO
atengao para que esta nao conduza a uma longa digestao. Nesse sentido, a comida
deve
ser leve, cozinhada com simplicidade e ingerida com modcracao. Contudo, o ambiente
em
desgasta o nosso organismo de uma forma tal que a simples alimentagao nao
consegue
nos sao uteis para o proprio funcionamento cerebral: cereais, oleaginosas, como
limburger.
alguma coisa a ver com a alimentacao, com os medicamentos, como fluor para os
dentes
das criangas e assim por diante. O que podemos fazer em relagao a isto e nos
abstermos
pela ONU, como e o caso do Codex Alimentarius. Trata-se tambem de uma forma de
engenharia social, que opera pela via da ostracizacao de quern nao seguir os ditames
do
codigo. Temos que ser mais fortes que a pressao do grupo. Mas isto nao quer dizer
que
vamos passar a planear a nossa alimentacao com grande rigor, vendo exactamente o
que
comer e as quantidades. Vamos seguir aquilo que funciona para nos. Nao adianta
seguir
outra pessoa se, no fundo, nao queremos fazer o mesmo que ela. Isso vai nos
Referencias:
322
Trabalho e
RELAgOES PESSOAIS
O trabalho (8. 1 ) deve ser assumido por nos como urn dever de bondade.
deve ser acautelada em alguns aspectos para que ndo fruste a nossa
vocafdo.
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
323
8.1 Trabalho
por se identificar com a sua vida profissional, quando esta nao e a vida real, e apenas
um
papel que desempenhamos em certas circunstancias. O trabalho deve ser visto como
um
dever de bondade e como algo que nao esta separado da nossa vocagao, que tern
que ser
Quando chegar a altura de des envoi ver mo s um trabalho mais ligado a vida
intelectual,
teremos de ocupar postos que nao existem actualmente, por isso devemos ja comccar
a
de agir em conjunto com outros colegas de curso. Nao devemos procurar a seguranca
sociedade injusta. Este e um pensamento natural num pals onde o fracasso e visto
como a
Contudo, o trabalho faz parte da nossa vocagao e tern uma signihcacao moral em si.
Os
nossos pianos e ambigoes tern de ser vistos como coisas a serem realizadas aqui,
neste
propria subsistencia, alguem tera de o fazer por nos. Em 0 Feijao e o Sonho , Origenes
Lessa
mostra a vida de um sujeito que aspira a ser escritor mas ve-se confrontado com a
Mas ate que ponto o trabalho e realmente impeditivo de uma vida de estudos? De
inlcio,
nao vamos aguentar mais de uma ou duas horas de estudo serio - e quase toda a
gente
tern este tempo disponlvel, de alguma forma -, e mesmo se tivessemos o dia inteiro
disponlvel, nao iriamos render mais do que isto. So quando tivermos muito mais
experiencia podemos chegar as quatro ou cinco horas de estudo efectivo por dia.
Poucas
pessoas estudaram mais do que Aristoteles e ele aconselhava a estudar com
moderagao.
Quern nao consegue se sustentar e porque ainda nao esta capacitado para ser um
aluno do
Curso Online de Filosofia, onde a carga de estudos e muito pequena. Nao existe um
dificuldades materials vao dar sentido ao nosso piano, que realmente so e necessario
porque existem dificuldades a veneer: no Paralso ninguem tern piano de vida. Isto nao
implica aceitar passivamente tudo aquilo que a sociedade nos quer impor, ja que
temos de
ter sido criadas para nos debilitar e humilhar. Sempre temos de fazer com que os
factores
cada dificuldade, cada obstaculo, cada elemento dispersante tern que ser recebido e
incorporado com o maximo de boa vontade. Estes sao elementos preciosos para o
desenvolvimento do nosso caracter. Goethe sempre teve muita sorte, foi ajudado,
aplaudido, mas nao se limitou a tentar desenvolver o seu talento artlstico, e cumpria
todos
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
324
isso nao teremos consistencia. A nossa vocagao cumpre-se atraves de missoes que
a
circunstancia nos impoe e que gradualmente nos aproximam dos nossos objectivos.
O dever de prover o proprio sustento nao pode ser visto como se fosse trabalho
escravo,
e mesmo neste caso temos o exemplo do filosofo escravo Epicteto, que fazia do seu
trabalho o ponto de partida da sua filosofia moral. O trabalho nao e apenas uma
uma contribuicao directa para a sociedade como alivia alguem que teria de prover o
nosso
brasileira e muito baixa, porque se ensina logo em casa que a situagao de senhor e
escravo
esta certa, e apenas temos que nos preocupar em sermos os senhores. A primeira
preocupacao, entao, e ser um fardo para os outros, obter seguranga, e para isso
qualquer
vocacao deve ser reprimida. Pelo contrario, a nossa primeira obrigagao e nao sermos
um
peso para os outros, e se o nosso emprego servir para isso, mesmo que seja o pior
do
Ha a ideia de que tudo o que de satis facao nao pode ser trabalho, porque julga-se
que o
conhecimento e por tudo o que se relaciona com o esplrito esta ligado a uma grande
falta
O nosso trabalho pode gerar incomodidade mas devemos ama-lo, seja ele qual for,
como
um dever moral, pois isso vai aumentar o nosso rendimento intelectual e dar-nos
energia.
Vamos fazer as coisas melhor do que o nosso chefe pediu, nao por lisonja, ate porque
ele
nao vai reconhecer e isso pode atrair invejas. Por vezes, temos que fazer um service
muito
monotono e nao temos escapatoria. Aguentar isso e uma boa disciplina, alem de que
podemos experimentar rezar naquele momento e descobrir uma forca extra que
Ter muito tempo livre pode ser prejudicial, porque nos tornamos sonolentos,
divagantes.
Jean Guitton diz que um dos segredos da vida intelectual e nao haver meia-dedicagao.
Vamos estudar quando temos interesse total, aproveitando os bons momentos, caso
contrario, e melhor fazer outra coisa. O Dr. Muller dizia que “quando voce nao sabe o
Mais que isso, os lugares que devemos ocupar nem sequer existem socialmente e
temos de
intelectual, sabendo que de initio ninguem vai entender o que estamos fazendo.
decorre. Nao temos que disputar lugares existentes mas criar outras funcoes. So tern
sentido fazer da filosofia uma actividade profissional se esta nao for um desempenho
de
papel social tern que coincidir com a nossa expressao pessoal, o que esta impllcito na
frase
de Ortega y Gasset: “Genio e aquele que inventa a sua profissao.” Ou seja, todos
vamos
ter que cultivar um certo aspecto de genio, inventar meios de actuacao que sejam
completamente diferentes dos que existem hoje. Portanto, nao temos que nos amoldar
em
fazer algo que seja compreendido por pessoas como nos, que existirao no futuro. E
temos
de criar o nosso proprio dialogo, que ira colocar-se infinitamente acima das cabccas
de
hoje. Nao temos que entrar em campo para discutir com elas, podemos apenas
denuncia-
las ocasionalmente. Mas isto nao deve ser a nossa principal ocupacao. O objectivo e
criar
um outro debate em cima do existente, que tenha mais peso, para que aquele que
existe
fazer mais ou menos a mesma coisa que existe hoje, so que um pouco melhorada.
Mas
para fazer algo melhor e preciso que a raiz do que e bom esteja nela, e essa condicao
nao
Inclusive, as relacocs entre o debate cultural e a polltica devem ser muito diferentes
das
que existem hoje, em que qualquer sujeito que abra a boca na midia brasileira ja
representa
determinado grupo politico, mas todos os grupos existentes sao muito parecidos uns
com
os outros. Nos, pelo contrario, nao temos que representar nenhum grupo politico, mas
tudo o que fizermos pode aparecer em grupos politicos mais tarde. Inspirar uma classe
polltica futura e uma das nossas funcoes, mas inspirar nao quer dizer representar.
Quern
haver pessoas que fagam isso, mas definitivamente nao e a nossa funcao aqui. Os
grandes
Frankfurt nao defend em ideias comunistas, porque para isso existem jornalistas,
por exemplo, e dificllimo de ler, nao convenceria ninguem numa discussao de jornal,
mas
Por razoes profissionais, podemos ser obrigados a tomar partido numa discussao
publica,
atribuirao todas as ideias que aquele grupo inimigo tern, tornando-se a discussao num
dialogo de abismos. Depois, quando escrevermos algo que difere das ideias daquele
grupo
326
estudar numa instituicao noutro pais nao vai nos livrar disto. Podemos absorver todos
os
cacoetes mentais de um grupo que esta a discutir no seu proprio contexto nadonal e
depois, ja no Brasil, fazemos uma versao caseira daquilo. Isto ate pode ter uma funcao
politicamente util mas nao tern nada a ver com aquilo que estamos a querer fazer aqui.
Nos Estados Unidos tern muita gente dando curso sobre como enriquecer, como o
japones (Robert Kiyosaki) que escreveu o Pal Rico, Pai Pobre. Leva uma vida e temos
primeiro de aprender como funciona o mundo dos negocios. Temos de lutar pela
nossa
tipo free-lancer ; para nao ficar dependente de nenhuma. Nao temos de ter seguranca
Nem toda a gente serve para ser empregado, e isto pode provocar alguns empecilhos
para
importante que quern venha a dar conselhos aos outros tenha efectivo conhecimento,
eo
teste para validar isso e saber o quanto a pessoa ja ganhou naquela area que pretende
ensinar. Ou seja, deve ensinar quern ja ganhou dinheiro e agora quer ensinar os
amigos a
fazer o mesmo percurso. E uma boa ideia criar um forum para isso. Estamos ajudando
a
cultura brasileira e, por isso, devemos nos ajudar uns aos outros, por exemplo, se
tivermos
uma empresa devemos dar preferencia aos colegas. Por outro lado, e tambem um
dever
diz para tentar obter pequenas vantagens colando-se ao governo, mas isto faz-nos
apenas
perder poder ao ponto de qualquer fiscal poder entrar na nossa empresa, pisar em
nos e
negocial e nao dialogamos com o governo de cabega baixa e com medo de tudo poder
Contudo, quanto mais nos entretemos com problemas financeiros, mais energia
perdemos. Essas preocupacoes nao foram feitas para nos dar forca mas para nos
nao escolhemos mas que vieram ate nos e nos oprimem desde fora. Se voltarmos a
nossa
atengao para a religiao, para a arte ou para a alta cultura estamos abrindo
perspectivas,
327
sua condicao, tudo lhes e dificil, leva muito tempo e da sempre errado. Mas as pessoas
nao percebem que tudo deriva de uma especie de pragmatismo imediatista que as
impede
de conceber as coisas numa esfera mais ampla, onde tudo adquire mais nitidez e, por
porque sao coisas simples, que podem requerer trabalho e csforco mas nao um
coeficiente
de inteligencia muito alto. Se prestarmos atencao para as coisas elevadas, teremos
energia
problemas praticos, ficamos cada vez com menos energia e mais burros. Entao
fracassamos, e quanto mais fracassarmos, mais iremos achar que somos sujeitos
realistas,
adultos e com os pes no chao. Por isso, quando se fala do problema da educacao,
toda a
gente acha que a solucao passa por largar mais dinheiro sobre o aparato de ensino.
Isto e a
concepcao mais materialista que se pode ter e que introduz um elemento depressivo.
A
nao e material e e preciso fazer uma rcpresentacao mental para fazer a juncao. Por
isso,
tambem nao resulta o aviso por escrito no Brasil, e preciso falar. A capacidade de
pcrccpcao imediata parece etereo, vago. Ja na Biblia se diz que para o homem carnal
certas coisas sao inimaginaveis, como a esfera espiritual e divina, mas no Brasil uma
dirigentes.
tempo, um dos mais optimistas que existe. Desde sempre que as pessoas acreditam
no
Brasil como uma grande potencia e todos pensam que vao ser ricos. O sujeito
deprimido
bca a pensar na base do wishfull thinking, e de facto o Brasil e o pais do futuro, porque
eo
pais do burro com a ilusao de chegar a cenoura a sua frente. O Brasil nunca sera nada
se
nao tiver pessoas melhores, e para isso e preciso comegar com a educacao superior,
que
No Brasil as pessoas tambem nao tern verdadeira ambicao, ninguem quer bear
milionario,
apesar de muita gente ter a ideia abstracta de vir a ser rico. As pessoas querem
seguranga,
doentes, que nao tern mais perspectivas e entraram na vida passiva, por isso tern que
recuar em scguranca, mas isso agora passou a ser o objectivo de quern entra na vida
activa. Na realidade, e ate mais facil bear milionario do que obter seguranga, porque
seguranga e uma coisa que nao existe realmente. O ser humano nunca esta garantido
para
nada, nem o milionario esta seguro, tambem ele esta sempre aterrorizado,
especialmente
hoje em dia, em que a riqueza e totalmente bnanceira e nao tern uma base real, pelo
que a
desencorajador, e tambem utopico. Nao temos que procurar scguranca, temos que
buscar
a forga. A forca nao nos vai garanbr contra tudo, mas podemos reagir as situacoes,
nao
tanto pela capacidade de defesa mas mais pela capacidade de ataque, porque “a
fortuna
favorece os audazes”.
328
Se temos uma divida, so vamos pensar nela na hora de pagar. Vamos pensar em
ganhar
dinheiro, ter uma ideia, apostar, e ai sim pagamos a divida. Nunca devemos pensar
em
problemas: ou pensamos numa actividade criativa que resolva aquele problema (ou
outros) ou nao pensamos nada. Se amigos e familia vem chatear, mandamos para
aquele
lugar; nao devemos dar ouvidos a maus conselheiros porque preocupacao com coisas
fazer alguma coisa. Diz Alain que a pior coisa no ser humano e aquele estado
rancoroso
em que se rosna e nao se age, onde estamos a trabalhar contra nos mesmos. Entao,
jamais
temos uma divida, anotamos, e depois tratamos de arranjar dinheiro, e nao interessa
pensar na divida quando nao temos ainda dinheiro para paga-la. Mas depois nao
vamos
Referencias:
329
8.2 Amizade
verdadeiras amizades. Nao e algo que se possa forcar, mas e neste contexto que se
deve
procurar a companhia daqueles que partilham dos mesmos valores que nos. Sao
Tomas de
Aquino definia a amizade como idem velle, idem nolle , ou seja, e nosso amigo aquele
que
quer as mesmas coisas que nos e tambem rejeita as mesmas coisas que nos. Nao
podemos
ser amigos de toda a gente e aqueles que nos querem conhecer apenas como um
papel
social nao podem ter uma verdadeira relacao pessoal connosco. So e nosso amigo
verdadeiro aquele que vai na mesma dircccao que nos e nos e leal nessa caminhada.
Uma
simpatia passageira nao significa nada e a amizade tem que ser baseada em
afinidades mais
serias, profundas e duradouras. Isso nao quer dizer que vamos desprezar as outras
carne sao os tres inimigos de que fala a Blblia, sendo que o mundo se identifica com
a
ambiente social - o mundo - e constituido, em primeiro lugar, pelas pessoas que nos
estao proximas: amigos, familiares e colegas de trabalho. Por vezes, e mais facil
integrar
um inimigo no nosso piano de vida, porque sabemos que nao vamos obter nada dele,
do
que as pessoas proximas ou aquelas por quern nos sentimos atraidos, porque estas
vendem a sua afeipao em troca da nossa corruppao. Nestes casos, temos que fazer
uma
O unico princlpio que justifica uma scparacao hierarquica entre seres humanos nao
pode
ser baseado em classes sociais, economia ou rapa, porque tudo isto nao passa de
materialismo, e coisa animalesca. A separapao so pode ser feita com base na chama
que
cada um tem para as coisas mais elevadas, e se aparece alguem que nao tem chama
alguma
por estas coisas, so temos de nos afastar dessa pessoa, pois e ela quern se inferioriza
ao
negar qualquer vocapao humana, jogando-se assim no lixo. Nao temos que hesitar
em
estas pessoas apenas nos vao atrapalhar e chantagear. Se elas querem que
gostemos delas,
entao so tem que melhorar um pouco e fazer algo que evidencie os dons intelectuais
e
espirituais que Deus lhes deu. Quando somos novos temos medo de desaprovar de
forma
manifesta a conduta destas pessoas, mas nao temos de temer isto, de lhes dizer que
elas
vivem abaixo do potential humano e que nao tem direito de nos julgar a partir das suas
conhecidos e nao amigos, excepto se partilharem dos mesmos valores que nos e se
estiverem indo para o mesmo lugar para onde nos dirigimos. O que podemos ter por
estas
pessoas e caridade, ensina-las, mas se tivermos medo delas nao estamos preparados
para
apoia-las e temos de fugir, o que nao quer dizer que nao tenhamos amor por estas
pessoas. Entao, vamos ficar na solidao e so quando estivermos fortes podemos voltar
junto delas e ser activos, com paciencia mas firmeza. Nao vamos aceitar convivencia
330
Online de Filosofia e algo que transcende infinitamente o clrculo dos interesses e ate
o
horizonte de consciencia do actual meio social. A medida que vamos entrando na alta
cultura vamos ficar cada vez mais incompreenslveis para as pessoas do nosso meio,
que
nao nos vao entender por dentro mas apenas sociologicamente. A nossa convivencia
com
estas pessoas apenas pode estourar o mundo delas, mas para conseguir fazer isso
ainda vai
demorar algum tempo, pelo que temos que diminuir o tempo de convivencia, ser bom
para as pessoas mas nada esperar delas. Se esperarmos que nos compreendam, que
nos
amem ou que nos ajudem, vamos criar problemas para nos e desviarmo-nos do
caminho.
Estamos como num hospital cuidando de doentes, que nada nos podem dar mas
podem
receber algo de nos: se pedirem urn conselho ou dinheiro, nos damos. Se ficamos
com
medo das pessoas ou irritados com elas, entao vamos embora. So podemos aceitar
a
pessoas com objectivos e valores identicos aos nossos. Quanto mais o nosso
Aristoteles disse que sem a amizade nao seria possivel construir a sociedade politica,
ja
que nao existiriam grupos unidos por uma comunidade de valores e objectivos, sem
os
que nao atrapalhem o nosso comprometimento com a busca da verdade. Temos que
seleccionar as pessoas de quern queremos afcicao, nao e preciso mais que meia
duzia, e
tambem temos de seleccionar as pessoas de quern nao queremos a amizade.
Amizade e o
amigo morrer por nos, segundo Cristo. Isto reduz muito o leque e tranquiliza-nos. O
cristao deve ser humilde mas nao modesto, segundo Chesterton. Mas so vamos olhar
do
vistos como uma oportunidade para encontrar aqueles que querem seguir na mesma
dircccao que nos, mesmo que o contacto directo nao seja possivel. Formamos uma
fisicamente presentes no mesmo local para assistirmos as aulas, e isto pode parecer,
a
hospital sem memoria, com um nivel de consciencia abaixo de um animal, porque ate
os
vez mais amplos, onde se inclui todo o tipo de rclacbes, incluindo a amizade, que nos
331
dal surgem clubes relacionados com os mais variados interesses. No Brasil, a amizade
comega com uma certa simpatia inicial e logo o nosso “amigo” acha que tern o direito
de
falar mal de nos. Mas se precisarmos de dinheiro e pedirmos para ele, ja sabemos
que a
resposta vai ser negativa. Nao basta uma admiracao mutua para construir uma
amizade, os
dois tern de seguir um curso paralelo: o nosso amigo esta indo para o mesmo lugar
que
nos.
Louis Lavelle disse que as relacocs humanas devem evoluir de um estado onde a
base e a
simpatia ou antipatia naturals (onde podem intervir muitos elementos sociais, que
depois
antropofagico e nada tern a ver com o amor no seu sentido mais elevado. A atraccao
baseia-se em querer obter algo de uma pessoa, uma satis facao, independentemente
se
damos ou nao algo a ela. Um animal tambem tern este tipo de atraccao. No outro
extremo, a pcrfeicao da amizade e morrer pelos amigos, como disse Jesus Cristo. No
meio-termo, Leon Bloy disse que o criterio da amizade e o dinheiro, medido pela
reaccao
Nao existe qualquer sentido moral, na melhor das hipoteses, na atraccao e repulsa
naturais. Sao apenas um fenomeno da natureza humana, que se estende para a
sociedade,
tal como existe a sociedade de cada especie animal. E como se apenas estivessem
em jogo
egolsta: tudo o que digamos remete sempre para nos mesmos, pelo que nao ha real
temos a possibilidade de conceber o outro como um ente espiritual eterno, como uma
estado subjectivo, actual, da pessoa. Ela pode ser infinitamente mais do que e, desde
que o
seu interesse organico seja submetido a algo mais , que apenas se encontra na alta
cultura,
epocas. A propria religiao necessita deste aporte para nao se tornar numa
monstruosidade.
Referencias:
332
de uma pratica disciplinar, requer atcncao aos diversos aspectos da nossa vida, ao
mesmo
tempo que oferece solucoes ate para os nossos problemas mais pessoais, sem
procurar,
contudo, fazer uma orientacao para a vida. A nossa vida intelectual pode ficar muito
limitada se nao lidarmos de forma conveniente com alguns aspectos da vida pessoal,
onde
Neste ponto, fazemos um clrculo no seio da famllia, comegando por nos centrarmos
na
nossa posigao filial, e terminamos com os nossos filhos em maos. Passamos pelas
etapas
intermedias - conquista, intimidade e casamento - enquadrando-as de forma a unificar
a
comegamos a obter uma forma realmente humana. Devemos perceber que temos
uma
dlvida a pagar em relacao aos nossos pais e nao estamos numa posigao de credores.
A
conquista da simpatia ou do amor de outra pessoa passa por nos descentrarmos das
nossas preocupagoes e olharmos para onde a outra pessoa esta olhando. O acto
Intimo
tern uma riqueza infinitamente maior do que aquilo que conseguimos, posteriormente,
dizer dele. No casamento, a fidelidade e o perdao tern de andar juntos. Nao devemos
permitir que o nosso conjuge nos desvie da nossa vocacao e temos de tentar
conseguir
que ele nos siga. Os filhos nao sao projectos nossos e devem ser educados para
procurar a
nossa esfera de actuagao no meio espacial vai aumento atraves da famllia, pelo que
ela nos
privado, e e na famllia que aparece a primeira instituigao com regras. Entao, a base
da
provoca nao um caos moral, que e algo que hoje ja se verifica, mas algo mais
profundo: a
substi tuicao de todas as relacoes naturais por relacoes artificiais criadas pelo Estado,
e isto
moderno nao se sustenta por si mesmo - ele sustenta-se num paradoxo, que e um
aparato
legal de base relativista, afastada de qualquer princlpio divino mas que exige
cumprimento
absoluto da lei - e tambem necessita das relacoes naturais. Sem a famllia, e a propria
forma humana que desaparece pois nada pode tomar o seu lugar.
mae. Se nao der para ter uma convivencia mais elevada com eles, faremos como
Abraao e
com a mae real que brigamos mas com aquela que trazemos dentro de nos. So vamos
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
333
abrir a boca para falar bem dos nossos pais, mesmo que eles nao tenham feito nada
por
nos a nao ser o acto procriador. Criticar pai e mae suja-nos porque o nosso dever e
pagar
uma divida pelo que eles fizeram por nos, e nos nao apenas nos recusamos s fazer
isso
somos devedores. Em geral, a rebeldia juvenil contra aos pais e uma revolta contra
uma
autoridade mais fraca - a dos pais - e uma submissao a uma autoridade que agora
aparece
como mais forte, que e a do grupo de pressao do qual se quer fazer parte ou obter
aprovacao.
Tambem em relacao a pessoas por quern temos uma divida intelectual, nao temos
que as
criticar mas que reparar as suas faltas. Quando se descobre algum podre de uma
figura de
altos meritos, o habitual e todos comegarem a escarnecer porque julgam que aquele
que
era melhor ficou nivelado com eles. Este tipo de mentalidade evidencia uma falta de
senso
de hierarquia e tern que ser varrido da alta cultura. Esta tentativa de nivelagao advem
da
perda dos valores mais amplos e a sua substituic;ao pela mentalidade comunal, onde
reina
republica e tudo piorou com a revolucao culmral gramsciana, cujo elemento comunal
e
fundamental. Nao podemos fazer nada pela cultura brasileira se estivermos infectados
de
mentalidade comunal. Temos de ter uma mentalidade recta, honesta, e nao basta
apenas
ter outras ideias politicas, porque so estamos a propagar o estado de iniquidade, algo
que e
pior do que o pecado, uma vez que este ainda tern algum sentimento de culpa
associado,
mas depois a sua protcccao incorporou-se nas leis do Estado e adquiriu um valor
desejo feminino de poder a sustentar a familia. Qualquer pai de familia ve-se hoje
obrigado a manter um certo padrao de vida para a sua familia ou pode perde-la,
mesmo se
e azarado, mas a mulher e o juiz vao concordar que ele ja nao serve e esta amcaca e
sim que dividir com a mulher e os filhos o que temos. Ser pobre nao e indigno e as
nossas
Nunca devemos fazer concessoes a familia; devemos ser generosos com eles e
guardar
uma atitude de superioridade porque temos uma responsabilidade que eles podem
nem
entender. Sejamos bons no nlvel deles, mas isso nao quer dizer que vamos fazer o
que eles
querem para nos, jamais podemos lhes obedecer. A Blblia diz para honrar pai e mae,
nao
para obedecer, que e algo que fazemos quando estamos sob dependencia deles, e
nesse
caso acaba por ser uma disciplina excelente o ter de aguentar quieto perante
situacoes que
nao podemos alterar, o que so nos fortalece. Mas temos que guardar uma
superioridade
que nao humilhe as pessoas, guardar um espago para as pessoas perceberem que
existem
areas na nossa alma onde elas nao penetram. Temos que amar a nossa familia e nao
hear
dando esmola para que ela nos ame a nos. E amar sem recompensa, e se o
casamento
temos que levar o sacriflcio a serio. Nao ha forma de conciliar os desejos da nossa
familia
334
com os nossos objectivos. Suportar esta tensao e fundamental para a vida intelectual,
e
algumas horas do dia para nos. As famllias hoje requerem muita atenpao mas elas
nao
sobrepor a tudo o resto. Primeiro, temos que ser sinceros com nos mesmos e admitlr
que
fazemos certas coisas para obter aprovacao ou para que gostem de nos. Assim, nao
vamos
de uma pessoa e mostrar que nos interessamos por ela, e para isso fazemos
perguntas
estimulando-a a falar sobre o que ela quer falar. Ninguem resiste a isto, e e um
mecanismo
que ja tern um sentido moral embutido, uma vez que so ira resultar se tlvermos um
interesse genuino pela pessoa. Se quisermos apenas a simpatia dela, entao, nao
estamos
simpatia embutida.
De certa forma, nao existe amor nao correspondido. Quern fica sofrendo por “amor
nao
para com a sua pessoa, ou seja, esta realmente apaixonado por si mesmo e, assim,
nao da
nenhum motivo para a outra pessoa lhe dar atencao. Se tivermos verdadeiro amor por
alguem, vamos nos esquecer de nos, apenas queremos a felicidade e o bem da outra
pessoa, e vamos ama-la de qualquer jeito. Isto e irresistlvel para a pessoa amada, a
nao ser
que ela seja pervertida ou louca. Entao, para pessoas normals, o amor e geralmente
Mas tambem se coloca a questao de saber se temos verdadeiro amor pela pessoa.
No
amor (Intimo, nao no amor filial, pelos amigos ou pelo proximo), a paixao, a atracpao
sexual e o querer bem a pessoa sao indiscernlveis, nao pode haver dualismo. Mas o
querer
estar com uma pessoa nao basta, ja que se nunca nos questionamos se somos a
melhor
companhia para ela, entao nao temos verdadeira generosidade para com ela, estamos
apenas a tentar contribuir para o seu fracasso, e isto nao e amor. Mas se temos as
qualidades necessarias para complementar a pessoa, entao, queremos estar com ela
porque
e isso que a faz feliz. Nao podemos ser tlmidos nestas circunstancias porque o que
temos
A propria aquisipao de cultura e uma forma de nos irmos esquecendo de nos mesmos,
uma vez que passamos ter preocupacoes maiores que abrangem as anteriores, quase
335
podemos nos abrir para o verdadeiro amor, nao apenas no domlnio Intimo, tambem
nos
abrimos para o amor ao proximo. Dessa forma, lidamos tambem com naturalidade a
rejeicao, ja que sabemos que se a outra na pessoa nao nos quer, ela e que se vai dar
mal e
nos nao temos tempo para perder com idiotas. Nao e diflcil ser gostado, basta ter amor
genuino pelas pessoas, por isso nao temos que nos preocupar com isto: e algo facil
de
aprovacao de outros, nao se trata de desprezar a opiniao alheia, algo que nunca
devemos
formas estruturantes da nossa psique - a comegar pela mae -, atraves dos quais nos
existindo desde o inlcio mas sem ser um instinto, e uma totalidade complexa que
depende
outros seres humanos, pelos quais se manifestam capacidades nossas. Por isso, o
testemunho e o modo de conhecer a psique, porque corresponde a sua estrutura, que
nem
acesso mediante introspecc;ao. Ate o nosso contacto com a natureza nao e directo,
ja que
nao e um mandamento que tenha que ser cumprido a partir de fora, ele e antes uma
propensao natural da psique humana, que nao pode viver sem isto.
Platao fala do amor como o casamento entre Poros, o deus da abundancia, e Penia,
deusa
atendida ou nao conseguiriamos viver dois dias. A agressao e o mal sao coisas que
podem
estar presentes desde o inlcio como uma especie de ameaga potencial, mas nao sao
as
prescnca do ser, que chega como algo confuso e nada individualizado, e por vezes
pode
tomar um aspecto atemorizante. Tudo depende de como o bebe lida com o elemento
de
misterio que sempre esta presente e nos primeiros tempos mais do que nunca. A mae
simular um refugio fora do ser, e esse racioclnio levado ao extremo pode tomar o
nosso
de tudo e negamos a experiencia. Tudo cotncca com uma mentira que foi esquecida,
da confissao, onde se torna obvio que nao conseguimos fugir disto e que e imposslvel
animal racional, ja estava afirmando esta tensao, dizendo que o ser humano e como
os
336
outros bichos no que diz respeito as suas necessidades, a memoria, sensagoes, mas
ele
Desejamos proteger da morte todos os seres que amamos, ainda que nao os
possamos
Intimidade
Qualquer acto humano so tern validade quando nao nos prende dentro da irrealidade
presente mas nos abre para a nossa verdadeira dimensao, e isto tambem se aplica
aos
actos sexuais. Estes actos nao decorrem apenas entre corpos quando se trata de
seres
o encontro verdadeiro entre duas identidades. Isto implica reconhecer a outra pessoa
na
o outro como um instrumento para o nosso allvio material. Por isso, Santo Agostinho
dizia que o sexo “por prazer” e um pecado. Na verdade, nao da para fazer sexo, nas
condicoes validas, sem prazer. Ali esta presente, em primeiro lugar, o elemento da
beleza,
que e um sinal terrestre de um mundo maior, e olhar para algo bonito provoca prazer.
Ao
inves de Santo Agostinho estar a proibir o prazer, ele esta a indicar que devemos
buscar o
busca de allvio e onde nao existe uma relagao de doagao completa. A relagao apenas
com nos mesmos e cuidar para que nao se tornem em habitos ou nos irao estragar.
No
verdadeiro acto sexual, existe sempre a possibilidade de procriacao, o que quer dizer
que
todas as anteriores geracoes, desde o comedo do mundo, estao ali presentes de certo
se com o uso do preservative, assim como no casamento gay . , onde apenas existem
actos
mecanicos. No verdadeiro acto sexual existe sempre “risco”, o corpo da mulher pode
se
O ser humano nao tern o poder de fazer actos sem significado. Falar de sexo “por
prazer”
e apenas uma metonlmia. Nao existe prazer sexual dirigido pelo desejo de prazer, que
e
uma coisa abstracta que nao excita ninguem. A excitacao e sempre dirigida a um ser
real,
llcito ou nao, normal ou pervertido - ha sempre uma busca de contacto, ainda que
imaginario, que possa romper com a nossa solidao corporal, que e uma experiencia
fundamental que nos leva a buscar allvio. Outras experiencias levam a superar o
fechamento dentro do nosso corpo, a comccar pelo carinho que os pais devotam ao
bebe.
genetico, quer pensemos nisso ou nao, e duas linhas geneticas que veem desde o
initio do
que faz com que quase toda a humanidade esteja ali presente. Isto nao e uma
componente
temos consciencia clara de tudo o que esta acontecendo mas percebemos que ha
algo
Imortalidade). Entao, as pessoas estao ali inteiras e nao apenas parcialmente, ou seja,
sao
as almas imortais que se encontram. Uma rekpao sexual so pode ser banal no sentido
consciente e reduzido aquilo que a mente conseguiu captar. Como existe uma
insinuacao
abermra para dimensoes maiores. Na Blblia diz-se, por exemplo, que Abraao
conheceu
Sara, porque no acto sexual ele sabe tudo a respeito dela e vice-versa. Entao,
sabemos,
logo depois do acto, que aquela pessoa com quern estivemos e mais do que aquilo
que
vemos nela no cotidiano, por isso vamos defende-la, porque mesmo que ela ja parcca
Nao so nao conseguimos contar o que realmente aconteceu no acto sexual, como a
nossa
Elementos perifericos - situacao social onde o acto se da, receio de olhares estranhos,
leis
do Estado - sao acidentes que podem estar presentes e nao fazem parte da substantia
do
acto, mas podem pesar tanto que podem abafar o resto. E aquilo que dizemos sempre
nos
compromete, pelo que acabamos por acreditar mais em algo que conseguimos
verbalizar
Casamento
A moral que regulava as relagoes entre homem e mulher integrou-se nas leis dos
Estados,
tempo colocava acima deste o dever de perdoar. Se separamos uma coisa da outra
vamos
cair num abstraccionismo que apenas trara sofrimento, separando a alma humana da
Curso Online de Filosofia - Exercicios e Indicates Praticas
338
densidade do real. Assim, pensamos casar com uma ideal, um seu espelho lisonjeiro
da
pessoa real que nunca caira em tentagao. Tudo isto cria uma situagao alienante
porque
quern pecar contra o matrimonio nao so deixa de poder ser perdoado como tern ainda
o
si, a fldelidade do conjuge, so Deus merece a fidelidade e e tambem Ele que nos diz
para
em seu lugar, e isso da-lhes uma expectativa absurda de que merecem a fidelidade
do
constituem uma hierarquia e nao podem ser vistos atomisticamente. Esta confusao
deriva
do subjectivismo - criado por filosofos como Descartes e Kant -, que coloca o ser
da realidade. O “eu” nao e uma coisa que exista por si mesma, e so podemos dizer
“eu”
Mas enquanto temos o dever de perdoar o pecado carnal - que nao se confunde com
outros pecados que atentam contra a propria famllia -, quando somos nos a cometer
o
pecado nao temos de nos sentir confortaveis, devemos ser severos com nos mesmos
e
O casamento e um sacramento oficiado pelos noivos e nao pelo padre. Entao, antes
de
homem e uma mulher iam para a cama ja estao casados e, por isso, nao pode haver
sexo
ao mal e tern que ser encarado como um descida de nlvel ontologico, uma perda de
certas
todos perceberiam que numa relagao sexual ja se contacta com a outra pessoa num
piano
de perenidade e que ali ha uma ligagao “eterna”. O ser humano ja nao tern mais esta
capacidade, nem mesmo depois de advertido que ela existe. Podemos ter um
mal mas e uma fraqueza perante o mal. Nem e preciso ter intencao de fazer o mal,
permanente e estrutural no ser humano e um pecado no sentido mais restrito, tal como
o
339
nossos actos possam desencadear a longo prazo sobre as outras pessoas. Isto inclui
o que
esta a desempenhar uma func;ao intelectual, e nao devemos tentar limita-lo para que
nos
de atencao. A arma natural da mulher e a beleza, que pode intimidar pelo medo da
infelicidade que a rcjeicao pode provocar. Mas o homem tem naturalmente o poder de
intimidar pela forga e pode causar um mal maior a mulher. Se ainda for orgulhoso,
pode
nao suportar que a mulher se adiante a ela e ao inves de a tentar seguir, como e seu
dever,
ira tentar limita-la a sua dimensao. A inveja no casamento pode comegar quando a
outra
pessoa nao nos da atencao, mas quern disse que somos merecedores de atencao?
Temos
de prestar atencao ao que o outro esta prestando, e isso o amor. A conjuncao das
almas
que se amam da-se num ponto que esta para alem delas; a atencao nao se pode
voltar
conjuge, na falta de fidelidade ao caminho que ele traga e que nos deviamos tambem
seguir, que ele ja nao gosta o suficiente de nos para nos dar uma bronca. Entao, temos
que fazer algo para levarmos uma bronca, o que significa que estamos a comccar a
restaurar o amor. Vamos comecar a olhar para onde o outro esta olhando e ai ja
seremos
No casal, vencera a longo prazo a pessoa mais forte e, se esta for a mais burra, o
casamento sera a corrupcao de ambos. Se for o homem a parte burra, ele tendera a
ser
de abandono. Quando e a mulher que nao quer acompanhar o homem, este deve
trata-la
com todo o amor mas tambem com toda a severidade, sem ceder um milimetro.
Seremos
paciencia sem fim, nunca gritando ou ficando irritado, e com a conviccao de que um
dia
nao de fraqueza. Podemos explicar o exercfcio da alma imortal, que dificilmente ela
nao se
interessara. E importante termos compaixao pela pessoa com quern vivemos, nao
desistir
e ser mais constante, para que ela perceba que o que fazemos nao e mera teimosia
nossa,
porque se ela pensar isso, sera ela a tentar mudar-nos. Mas se ela perceber que nao
se trata
apenas de uma ideia nossa, que nos somos aquilo , entao ela ira nos seguir. Podemos
ter de
esperar 10 anos ou mais, nao tem importancia. Nunca vamos ceder, nao vamos
negociar
nem brigar e, sem ceder um milimetro, seremos atenciosos, carinhosos, ate que ela
perceba que e uma fatalidade. O dever que temos de amar todas as pessoas nao
implica
que sejamos fracos diante delas. Por vezes, apenas podemos rezar pela pessoa, se
estamos
Se queremos fazer uma vida de estudos e o nosso conjuge nao nos quer acompanhar,
haverao problemas mais tarde ou mais cedo. So e possivel fazer uma vida em
conjunto
quando o outro deseja o mesmo que nos, e esse objectivo nao esta em nenhum dos
dois
mais transcende-os. O sentido de uma coisa esta sempre para alem dela, e percebe-
lo
abre-nos para o infinito. Mas na sociedade brasileira considera-se que toda a gente
tem
direito a preguica intelectual e que quern quer aceder ao conhecimento tem de pedir
340
pecado contra o Espirito Santo, que nao sera perdoado nem neste mundo nem no
outro.
A nossa falta de conhecimento tem de ser proportional a nossa burrice e nao a nossa
Filhos
proteccao. Mas o que temos de fazer e incentivar os filhos para que vengam e
busquem a
a seguranca, podemos comprovar em nos ate que ponto isso nos limitou e nos tornou
cobardes. Tambem existem pais que querem impedir os filhos de ver televisao,
pensando
conseguir mante-los numa redoma de pureza, quando isso apenas os torna indefesos
perante o mundo.
Nao podemos fugir da experiencia humana; Cristo disse para nao resistirmos ao mal:
nos
fizermos este csforco permanente de limpeza, tendo paciencia para com nos mesmos,
os
soltar os filhos no mundo pois sabemos que somos algo mais atractivo e forte do que
aquilo que eles encontrarao no exterior. Eles estao sujeitos aos di tames da industria
nos tornar numa influencia que se torne mais interessante para os nossos filhos do
que
sempre terao em casa novas ideias e exemplos, sem ser necessario forcar alguma
coisa.
nao ser que haja algum problema. Se achamos que os filhos sao naturalmente
rebeldes, ja
vai ser mais dificil que eles nos sigam e obedegam. Se interferirmos o menos posslvel,
tendo em conta que somos o garante da liberdade dos filhos e eles precisam de sentir
isso,
eles vao obedecer e perguntar a toda a hora se podem fazer isto ou aquilo, apenas
para ter
a nossa confirmacao, que da importancia aos seus actos, uma vez que a
personalidade das
criancas e pouco estruturada e necessita que a apertem para lhe dar forma, fenomeno
que
hoje tambem se verifica em muitos adultos que prolongam o seu estado de
adolescencia.
Quando tivermos que dizer “nao”, nao explicamos e se eles perguntarem o porque
basta
sabe que nao vai obter nada dos filhos, a nao ser acidentalmente. Em geral nao havera
tempo para retribuicoes, quando muito podem aparecer algumas satisfacocs, por isso
nao
serve de nada cortejar os filhos. Hoje os pais ficam a questionar sobre o que os filhos
pensarao deles, mas a opiniao que os filhos tem de nos e irrelevante. Como pais,
temos o
dever de sustentar os filhos, educa-los e coloca-los no mundo e nao estamos ali para
sermos do jeito que eles querem. Os pais nao existem para amoldar os filhos a sua
341
estamos prontos para amar e fazer o bem para as pessoas sem precisar saber o que
elas
pensam de nos. Claro que temos de ouvir o que a nossa mulher ou marido tem para
dizer
porque sao nossos iguais, mas nao um fllho crianpa ou adolescente. Nao tem sentido
aquelas assembleias familiares com todos a terem direito de voto e a dar opiniao, isso
e
mera cobardia dos pais que querem apenas distribuir as responsabilidades pelos
filhos,
numa altura em que estes nao tem condipao para avaliar as situapoes e, se forem
muito
Em relacao aos filhos quando ainda criancas, ha duas coisas que devemos seguir: a
primeira e nao atormenta-los, interferir pouco no espaco deles, dar poucos palpites
sobre
o que eles devem fazer, comer ou vestir, para que eles tenham espaco para tomar
decisoes
nas suas pequenas vidas; depois, quando chegar a hora de intervir, nunca vamos
explicar o
muita naturalidade, desde que o facamos apenas umas poucas vezes por mes, caso
contrario vamos atormentar as criancas, algo que a Blblia prolbe. A autoridade nao se
filhos a questionem. Os pais nao devem procurar a aprovacao dos filhos, nao se trata
de
uma relacao de amor mutuo, como entre homem e mulher, trata-se de amor numa so
direcpao porque nos nao nos casamos com os nossos filhos, nao e uma relacao de
uma regra de jogo e nao o que esta realmente em causa. O que temos de fazer e
No fundo, e o trabalho que os adultos tambem devem fazer. A propria explicacao que
acaba por ser util para a nossa propria consciencia moral. A crianca vai ter dificuldade
em
perceber o ensinamento moral de forma directa porque ela ainda nao tem um “eu
Por outro lado, a crianca nao aprende connosco apenas quando lhes ensinamos algo.
O
seu fasclnio pelos adultos, sobretudo pelos pais, leva a que ela esteja sempre os
absorvendo e aprendendo a fazer o que os pais fazem. Entao, nao podemos controlar
a
aprendizagem moral dos nossos filhos mas podemos controlar a nossa propria
conduta
de modo a que o mal que temos em nos nao passe para eles. Neste particular, nao
podemos aqui nos guiar por regras mas apenas pelo amor a uma conduta bonita e
amorosa, tendo uma nopao clara do que amamos e odiamos porque e isso que iremos
passar aos nossos filhos. Eles poderao decidir algo diferente mais tarde, mas a
primeira
marca ja tera sido dada. Se queremos que eles tenham bons sentimentos, entao so
temos
que ter bons sentimentos em relacao a eles. Trata-los de forma distante por meio de
regras so os fara obedecer por medo, ao mesmo tempo que ficarao odiando qualquer
regra. Quando a situacao com os filhos ficar descontrolada e for necessario recorrer
a
Crianga tem instinto de obediencia, que e largamente um instinto de imitagao. Ela ira
ela nao mexerem em algo, ela aprende a gritar e nao que nao devem mexer naquilo.
Quase
todo o conteudo verbal e perdido, mas aquilo que fazemos impregna-se neles.
Raramente
pequena, com menos de 5 anos, nao adianta, ja que ela nao tem um “eu narrativo”
outro moleque de castigo mais tarde. Nao podemos ter nenhuma meta determinada
em
termos da forma que a educagao deve adquirir. Cada ser humano e um poder e uma
meta,
foi divinamente criado e em essencia e bom, apesar do pecado original, que nao e
algo
assim tao mau, nao inclina toda a gente a fazer o mal o tempo todo, caso contrario
nao
O ser humano e por natureza uma consciencia e um poder de accao. A alma imortal
mostra que sabemos, desde ja, mais do que todas as enciclopedias do mundo. O
nosso
poder tende a realizar-se conforme a sua natureza, por isso o educador nao precisa
de
interferir muito. Os bebes ja sabem distinguir o bem do mal, nao e isso que temos que
ensinar para eles. A nossa intuigao do bem e do mal e muito mais perfeita do que
qualquer
conceito do bem e do mal, devemos usar a apreensao instintiva do bem e do mal que
a
crianca tem de modo a desenvolver a consciencia moral dela, apenas zelando para
que nao
erradas.
No que diz respeito a educagao das criangas num sentido mais literario, e importante
logo
por comegar falando muito com os bebes, mesmo sabendo que eles nao entenderao
nada.
Assim vamos aumentar o repertorio de fonemas que eles conhecem, e para isso e
tambem
importante falar com eles em varias linguas. Depois, nunca devemos lhes dar o que
se
os mais faceis de ler, como os de Rudyard Kipling. O importante nao e que eles
conhecam os textos mas o mundo atraves deles. Nao temos de comegar logo a
orientar os
filhos para umas ou outras areas, mas devemos mostrar as possibilidades, levando-
os a
museus, concertos, mostrar como funcionam bibliotecas. Assim elas fleam com uma
ideia
dos recursos de estudo que existem, o que e melhor do que ensinar algo em particular.
Nao temos que pensar logo sobre a futura conduta sexual dos filhos ou temer se eles
vao
ser drogados, bandidos e assim por diante. Eles so tem que adquirir uma conhanca
emocional baseada no amor de pai e mae. Para isso, quando a crianca e pequena,
temos de
carregar muito ao colo, dizer muitas vezes que a amamos e, sentindo ela estas coisas
fisicamente, depois o resto vai por si. Nao temos forma de controlar o futuro dos
nossos
filhos a um nivel de detalhe que permita evitar que sejam homossexuais ou drogados,
pois
nao sabemos o correspondente disso na infancia. O que temos de fazer e criar uma
pessoa que tenha uma base emocional muito firme, que lhe permita tomar as suas
decisoes com consciencia de causa e sem se deixar arrastar demais por uma
influencia
negativa do meio. As pessoas tem de ser boas, corajosas e sabias, so isto interessa,
e so
343
temos de ser para eles o que queremos que eles sejam. O nosso filho nao esta all
para ser
moldado, ele e o que e, e nem sequer sabemos quais as tendencias ancestrais que
se
evidenciam nele. Apenas podemos ensinar para os filhos coisas muito basicas que
podem
ter valor universal mas eles tem de entende-las de forma concreta. Desejar moldar a
conduta dos filhos ja torna artificials as relagoes com eles. Agimos em funcao de um
piano que temos, que eles desconhecem, decorrendo a relag ao em torno de um fumro
Temos de pensar nos valores mais basicos e que se transmitem sem palavras: o amor,
a
bondade, a coragem. A crianga flea emocionalmente formada ate aos tres anos. Se
entrarmos em “lutinhas” com ela, so nos ira nos ira igualizar a crianga, quando ela
precisa
de ajuda e proteegao dos pais, ate que se possa virar sozinha. A crianga tem de sentir
a
proteegao emotional e o fundamental e ela sentir que estamos do lado dela e que nao
estamos ali para ficar corrigindo. As criancas querem imitar os pais desde que estes
nao
estejam preocupados em molda-las, porque nao e nos efeitos futuros que temos de
nos
centrar mas na aegao presente, que tem que ser muito real, verdadeira e inteiramente
baseada no coragao humano, a semelhanga das relagoes que temos com qualquer
outra
pessoa. O professor Olavo tambem nao consegue controlar a conduta futura dos seus
funciona. Nao importa o que a educagao vai dar, o fundamental e que o nucleo seja
bom
e firme.
E uma perversao comegar a nos preocuparmos ja com a futura conduta sexual dos
filhos.
Temos de partir de coisas basicas e a conduta sexual nao e uma delas, e como a
conduta
alimentar. O sexo nao e uma das bases da personalidade, ao contrario do que dizem
as
modas freudianas. As condutas sexuais podem decorrer de fantasias passageiras.
Nao ha
destes, mas nao e preciso, por exemplo, o pai ter algum comportamento especial ou
ensinar algo em especlfico para que o seu filho homem se comporte como homem. E
se
Se mal a crianga nasce ficamos preocupados com ela poder virar homossexual,
drogado,
bandido, militante do PT, entao mais vale nao ter filhos. Temos de confiar um pouco
nao temos que nos preocupar com o que os nossos filhos vao ser no futuro, vamos
nos
preocupar com aquilo que eles sao no presente, e isto passara para eles um senso
de
ideia hobbesiana, que a crianga e uma criatura rebelde, irracional, que tem que ser
domada
ou modelada desde o inlcio, entao a ideia de ter filhos e uma tortura. Temos de pensar
que os filhos serao de alguma forma iguais a nos, que gostarao de nos; eles sao
proximos
de nos e nao temos que estranha-los e temer pelo que eles vao ser no futuro; vamos
344
confiar neles pela base. Eles vao errar muito, mas a linha central e segura e, em
essentia,
eles irao acertar, desde que haja uma base afectiva forte, dada entre um e dois anos
de
idade. Vamos dar muito carinho, atcncao, falar com o bebe e nao tentar educa-la. Se
for