Modernismo Brasileiro Na Coleção Da Fundação Edson Queiroz, 2017
Modernismo Brasileiro Na Coleção Da Fundação Edson Queiroz, 2017
Modernismo Brasileiro Na Coleção Da Fundação Edson Queiroz, 2017
Exposição temporária
Piso 0
Modernismo Brasileiro
Na Coleção da Fundação Edson Queiroz
26/10 — 11/02/2018
Modernismo Brasileiro na Coleção da Fundação Amigas, de Lasar Segall, que abre a exposição,
Edson Queiroz reúne características-chave formais para a
Ao longo dos últimos 30 anos, a Fundação Edson compreensão de uma importante parcela da
Queiroz, sediada na cidade de Fortaleza, na produção dos primeiros tempos do modernismo
região Nordeste do Brasil, vem constituindo uma no Brasil. Por um lado, Segall emprega cores não
das mais sólidas coleções de arte brasileira do realistas, imbuídas de valor simbólico; por outro,
país. Das imagens sacras do período colonial lança mão de princípios cubistas, simplificando as
à arte contemporânea, a coleção reunida pelo figuras por meio de planos geometrizados.
Chanceler Airton Queiroz percorre cerca de O uso da cor carregada de significado psicológico
quatrocentos anos de produção artística, com é um recurso frequente também nos retratos
obras significativas de todos os períodos. A produzidos por Flávio de Carvalho. Em Retrato de
exposição Modernismo Brasileiro na Coleção da Berta Singerman, a pintura é construída por meio
Fundação Edson Queiroz apresenta uma seleção de pinceladas vigorosas que borram os contornos
desse precioso acervo, destacando um conjunto da personagem, confundindo figura e fundo.
de obras produzidas entre as décadas de 1920 Chamam a atenção as olheiras, a grande boca
e 1960, quer por artistas brasileiros, quer por vermelha praticamente no meio da pintura, assim
estrangeiros residentes no país. como os dedos verdes e finos em primeiro plano.
Os trejeitos das mãos e a maquilhagem carregada
são típicos da declamadora argentina em cena,
como se observa nas fotografias de época.
Se Flávio de Carvalho e Anita Malfatti (na década
de 1910) são representantes de uma vertente
expressionista do modernismo brasileiro, Antônio
Gomide, Ismael Nery, Vicente do Rego Monteiro
e Victor Brecheret respondem por uma filiação
ao cubismo. Ainda que tenham assimilado lições
cubistas, quando essa geração de artistas tem
contacto com o movimento, na década de 1920,
este já havia perdido o radicalismo dos primeiros
anos. Assim, percebe-se nos seus trabalhos uma
estilização moderada das figuras, mais alinhada
com a art déco. No que diz respeito aos pintores,
notam-se a clara preferência por tons pastéis e
o empenho para planificar o espaço pictórico,
características emprestadas ao cubismo. As
linhas na pintura O Ceramista, de Gomide, e nas
esculturas Virgem Oriental e Ritmo, de Brecheret,
definem silhuetas sinuosas e elegantes. Em
Lasar Segall
Duas Amigas, 1917-1918 contrapartida, o traço inflexível de Rego Monteiro,
Óleo sobre tela em Crucificação, somado à frontalidade das
figuras e à simetria da composição, acentuam a
austeridade da cena religiosa.
Reinventando a pintura Ao contrário dos seus colegas, as pesquisas
No Brasil, os artistas da primeira geração formais levadas a cabo por Ismael Nery não eram
modernista partilham o facto de terem passado um fim em si mesmo: via na arte uma maneira
por uma formação no exterior, dedicarem-se a de dar corpo ao essencialismo, sistema místico-
uma pesquisa de renovação formal (ainda que filosófico concebido por ele que consistia na
tímida) e por adotarem uma linguagem figurativa. busca de uma unidade ancestral perdida. O seu
Com exceção de Lasar Segall, que já é um artista objetivo era unificar as polaridades masculino-
maduro quando chega ao país em 1924, todos os feminino primordiais que haviam sido cindidas
outros aprofundaram os seus estudos na Europa, para que o ser humano restabelecesse a
ou nos Estados Unidos, no caso específico de plenitude, independentemente de tempo e
Anita Malfatti. espaço. Nesse sentido, o cubismo interessava-lhe
Realizada ainda no período alemão, a pintura Duas menos pela renovação formal que simbolizava
e mais por servir à fusão de corpos particular ao Reinventando o Brasil
essencialismo. Masculino e feminino confundem- Paralelamente às renovações formais, alguns
se em Autorretrato: Nery representa-se de artistas da primeira geração modernista também
forma ambígua, com feições que poderiam se interessaram pela busca de imagens que
identificar quer uma figura feminina sombria, refletissem uma identidade do Brasil. Embora
quer um homem de traços afeminados; em a historiografia da arte calcada no discurso
Figuras Sobrepostas, os dois corpos mesclam- modernista reitere que essa procura tenha
se, engendrando uma nova unidade. Em ambas sido particular àquele período, encontramos
as pinturas o que está em jogo são tentativas de preocupações semelhantes desde a primeira
concretizar a essência, a unidade espiritual do metade do século XIX. A urgência de criar um
ser humano que, para Nery, era fruto da vontade imaginário próprio para o país intensifica-se
divina. após a Independência, quando se instaura a
Quando Nery viaja pela segunda vez a Paris, necessidade de forjar uma identidade para a
em 1927, o emprego da linguagem derivada do jovem nação. Porém, se num primeiro momento
cubismo é substituída por uma aproximação à o referencial artístico era a academia europeia,
figuração surrealista. Provavelmente foi por meio no século XX o debate nacionalista é retomado
dele que Cícero Dias entrou em contacto pela sob outro prisma. Não eram mais as idealizações
primeira vez com imagens surrealistas, no Rio de românticas que pautavam a produção simbólica
Janeiro. Entretanto, se para Nery a representação do imaginário genuinamente brasileiro. Havia,
do homem vinha de encontro a um pensamento por um lado, uma determinação em recuperar
místico, para Dias está ligada à memória da elementos nativos, anteriores à colonização
sua infância no interior de Pernambuco. As portuguesa; por outro, havia um esforço, por
recordações da época em que viveu no engenho parte de intelectuais, para compreender as
de açúcar são associadas a uma visualidade contradições do sistema colonial e incluir a
típica da arte popular, como se verifica em mestiçagem como fator decisivo na formação do
Moças na Janela. O “desajuste” de proporções e povo brasileiro.
profundidades confere um caráter naïf à pintura e Entre os modernistas que aderiram à busca
sugere que as moças em questão se assemelham de temas e imagens que correspondessem
tanto a prostitutas esperando clientes quanto a uma identidade nacional, destacam-se
a ex-votos empilhados nas paredes das igrejas Tarsila do Amaral (com paisagens pau-
católicas no nordeste brasileiro. brasil e antropofágicas), Cícero Dias – cujas
reminiscências da infância, permeadas de
saudades, trazem à tona o universo nordestino
–, Vicente do Rego Monteiro (com pesquisas
referenciadas no imaginário indígena),
Di Cavalcanti e Cândido Portinari, entre outros.
Conhecido como “o pintor das mulatas”, ao
longo de sua vida Di Cavalcanti empenhou-se
na formulação de uma visualidade nacional.
Boêmio convicto, elegeu as mulheres, a música
e as festas populares como representantes por
excelência da identidade brasileira. Afirmava:
“A cultura não apaga os meus sentidos, sou
sempre o vagabundo, o homem da madrugada,
o amoroso de muitos amores”.1 O seu estilo de
vida alimentava a sua arte e vice-versa. Dividia
com Matisse, pintor que muito admirava, a
predileção pela figura humana (sobretudo a
feminina), o emprego de um cromatismo intenso e
a concepção hedonista da arte.
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Emiliano di Cavalcanti 1 Di Cavalcanti. Viagem da Minha Vida I: o Testamento da
Mulata com Flores, 1936 Alvorada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1955, p. 145.
Óleo sobre tela
As pinturas Mulata com Flores, Figuras e mais Retorno à ordem
tardiamente Batuque exemplificam bem sua As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas por
poética. uma acomodação das linguagens modernistas.
Di Cavalcanti divide com Portinari a predileção Até mesmo Lasar Segall e Anita Malfatti,
pela figura humana como representante da nação. dois expoentes das renovações formais
Mas se para o primeiro a mestiça é motivo de no Brasil, voltam-se para uma arte menos
celebração, para Portinari – artista da chamada experimental. Anita pinta Interior, um canto de
segunda geração modernista – o homem sala estudadamente desordenado, em que as
brasileiro é virtuoso e íntegro, mas em geral estampas e as artes sobressaem como motivos.
digno de compaixão pela condição de extrema Segall, por sua vez, realiza os retratos Mulher
pobreza em que vive. Das lavradoras em Colhendo Sentada Entre Flores e Mulher com Blusa Rosa.
Batatas apreendemos que estão descalças, têm O primeiro, pintado ainda na década de 1920,
as mãos embrutecidas pela lida com a terra, conserva as cores vivas que caracterizam o que
provavelmente os joelhos macerados e as costas Mário de Andrade chamou de “fase brasileira”. No
moídas. São trabalhadoras obstinadas que segundo, mais representativo do retorno à ordem,
aproveitam os primeiros ou os últimos raios de Segall lança mão de breves pinceladas de rosas
luz para catar batatas que mais parecem pedras. pálidos, verdes acinzentados e tons terrosos para
A proximidade entre os dois corpos volumosos e criar texturas e volumes na figura e no setting nos
o predomínio de cores quentes constroem uma quais está inserida. Embora de faturas bastante
atmosfera de intimidade entre as duas, porém diversas entre si, nos dois retratos as modelos
o espectador, certamente pertencente a outra posam sentadas de frente, com as mãos unidas no
classe social, encontra-se claramente excluído. colo. A mesma postura é replicada em Menina com
Já as figuras em Mulher e Crianças, embora Fita, de Portinari, que se assemelha a Mulher com
representadas de frente, têm traços indefinidos, Blusa Rosa em termos de fatura.
configurando uma representação de tipos O retomar de tendências mais tradicionais da
humanos e não de retratos individuais. O drama arte não ficou restrita à pintura. Quando Ernesto
comum a muitas famílias está inscrito no olhar de Fiori chegou ao Brasil, em 1936, trazia consigo
assustado de algumas figuras e perdido de outras. a convicção de que a arte deveria ser informada
O único traço de força e esperança traduz-se pela produção do passado. Na escultura Mulher
aqui pelo laço de fita vermelha que ornamenta a em Pé, ele elege o tema clássico do nu feminino e
cabeça da mãe. funde o trabalho em bronze, material igualmente
tradicional. Entretanto, a superfície rugosa do
bronze é indicativa do processo de trabalho dos
seus dedos sobre a matéria original (argila ou
gesso), sinalizando a sua adesão ao modernismo.
Mas foi como pintor que De Fiori deixou mais
herdeiros entre nós. A sua pesquisa em torno da
construção da pintura por meio da cor e das suas
possibilidades plásticas – do cromatismo intenso
à síntese formal, das pinceladas enérgicas ao jogo
de transparências – foi reveladora para artistas
residentes em São Paulo, como Alfredo Volpi.
Se De Fiori foi um artista referencial na capital
paulista tanto para os seus contemporâneos como
para as gerações vindouras de pintores, em Belo
Horizonte, no estado de Minas Gerais, esse papel
foi ocupado por Alberto da Veiga Guignard. E assim,
como De Fiori, Guignard era um exímio colorista.
Nas paisagens que registou das cidades históricas
mineiras, das quais Balões é um ótimo exemplo,
as igrejas e o casario estão representados na
metade inferior da tela, enquanto as montanhas
Alberto da Veiga Guignard
Balões, 1947 e o céu ocupam a metade superior. É justamente
Óleo sobre madeira nas nuvens e nas montanhas ao longe que se nota
com maior clareza a habilidade do artista de lidar criando uma sugestão de profundidade. No caso
com a tinta diluída para construir espaços por de Antônio Bandeira, as ortogonais inspiradas nas
meio de transparências e sobreposições de cores, ruas e cruzamentos das cidades tecem tramas
inclusive as mais improváveis. cerradas, a ponto do referencial só ser conhecido
por meio da indicação dos títulos. Já as redes
Figura, não figura traçadas na pintura Intérieur de Vieira da Silva 3
A segunda metade da década de 1940 começou remetem a um ambiente fechado, mas também
com factos marcantes: no mundo, o fim da II permanecem no limiar entre figura e não figura,
Grande Guerra; no Brasil, o término da ditadura de entre a sugestão de um espaço representado e
Getúlio Vargas. Os novos ventos que sopravam o reconhecimento da tela como superfície plana.
no país deram impulso a importantes mudanças Para Segall, o embate desenrola-se nas florestas
no meio artístico. Foram criados o Museu de de Campos do Jordão, que regista com grande
Arte de São Paulo, em 1947, e os museus de Arte lirismo nos últimos anos da vida.
Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, em A sombria Floresta, realizada quando José Pancetti
1948. Com eles, foram apresentadas exposições integrava o Núcleo Bernardelli, estruturada por
de arte moderna e conferencistas internacionais meio de breves pinceladas verticais, em tudo
foram convidados, arejando o circuito cultural difere das marinhas que realizou na Bahia, no
com novas imagens e novos debates. Além disso, fim da vida. Cores fortes e luminosas substituem
as recém-inauguradas instituições ofereciam os tons escuros, e a matéria espessa é trocada
cursos pioneiros com propostas pedagógicas por finas camadas de tinta colorida. Paisagem
atualizadas como alternativa à aprendizagem e figuras humanas passam por uma grande
artística tradicional oferecida pelo Liceu de Artes simplificação formal, chegando mesmo às
e Ofícios, em São Paulo, e pela Academia Nacional portas da abstração. Terra, areia e mar são
de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Soma-se a esse representadas com pouco mais do que três faixas
cenário a atuação do artista de origem romena de cor ligeiramente desniveladas, conforme se vê
Samson Flexor, que imigrou para São Paulo em em Monteserrat, Bahia.
1948 e começou a lecionar no seu atelier. O seu Mas é no conjunto da obra de Alfredo Volpi que
método consistia em “interpretar as formas dos se assiste com maior clareza a passagem da
assuntos escolhidos, fragmentando-as em planos figuração convencional (se é que esse termo
geométricos à maneira cubista, promovendo uma se aplica a um artista que não passou por
elaboração mais independente dos contrastes educação formal) para a abstração. A pintura de
fundamentais da pintura: os valores (claro-escuro) paisagens dos anos 1910 e 1920 sofre as primeiras
e as cores”.2 Ou seja, a sua proposta fundava-se transformações em meados da década seguinte,
num exercício de tradução da forma para uma quando Volpi começou a frequentar o que viria
representação perpassada pela geometria, que a ser conhecido como Grupo Santa Helena.
convidava os alunos a explorar a ambígua seara Nas telas Paisagem de Itanhaém e Casario de
entre figuração e abstração. Cambuci, ambas da década de 1940, é visível a
Assim, uma das discussões mais mobilizadoras influência da pintura de De Fiori (embora Volpi
daqueles anos foi a “chegada” da abstração, relutasse em admiti-la): o espaço parcialmente
linguagem que passara ao largo do modernismo planificado é estruturado por meio de manchas
brasileiro até então. Alguns artistas, como Di translúcidas de cor, distribuídas por pinceladas
Cavalcanti e Flávio de Carvalho, mantiveram-se em várias direções. Com o passar dos anos, Volpi
simpatizantes convictos da figuração; mas boa foi-se distanciando do referencial arquitetónico e
parte deles aventurou-se, se não à abstração muitas das suas fachadas, mastros e bandeirinhas
completa, pelo menos a operações de redução convertem-se em pinturas abstratas ímpares,
da forma. Resultados desse enfrentamento regidas por uma geometria flexível e grande
são visíveis em trabalhos de artistas presentes sensibilidade cromática.
na exposição, tais como Alfredo Volpi, Antônio .......................................................................................................................
Bandeira, Bruno Giorgi, Ione Saldanha, José 2 Depoimento de Alberto Teixeira a Maria Alice Milliet,
Pancetti, Lasar Segall, Maria Helena Vieira da Silva em março de 1997. MILLIET, M.A. “Atelier Abstração”.
In AMARAL, Aracy (org). Arte Construtiva no Brasil: Coleção
e Maria Leontina. Nesta, o convívio profícuo entre Adolpho Leirner. São Paulo: Companhia Melhoramentos-
figuração e abstração ganha corpo em Episódios DBA, 1988, p. 75.
3 Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes viveram no Rio
III, em que elementos geométricos preenchidos
de Janeiro entre 1940 e 1947 e conviveram intensamente
com variações de azuis organizam o espaço, com artistas e escritores modernistas residentes na cidade.
de cores primárias chapadas, sem nenhuma
referência ao mundo extra-artístico. Para eles, a
arte era a concretização de uma ideia (concebida
matematicamente) e não deveria, em hipótese
alguma, deixar rastros de subjetividade. Ou seja, o
objeto artístico era entendido como um produto,
preferencialmente reproduzível pela tecnologia
industrial. Entre os participantes do Grupo Ruptura
presentes nesta exposição estão Hermelindo
Fiaminghi, Judith Lauand, Lothar Charoux, Luiz
Sacilotto e Maurício Nogueira Lima.
No guache Concreto 144, Judith Lauand, única
integrante feminina do grupo, cria jogos óticos:
se olharmos de longe, aparentemente estamos
diante de fileiras horizontais de duas cores;
Amilcar de Castro
porém, ao aproximarmo-nos, verificamos que
Sem título, década de 1980 curtos segmentos de linhas retas com ligeiras
Ferro diferenças de inclinação, meticulosamente
calculadas, produzem efeitos de ondulação e
movimento. Um efeito semelhante, mas agora
Abstrações de rotação, está estampado na serigrafia de Luiz
O país principiou a década de 1950 com otimismo: Sacilotto, em que formas crescentes de losangos
os parques industriais ampliavam-se, as cidades levemente arredondados partem como hélices
expandiam-se e o desejo de incluir o Brasil em de um mesmo ponto central. O vértice alongado,
mercados internacionais foi-se tornando uma somado à alternância de cores, nos induz a
realidade. Foi no embalo da expectativa de identificar um movimento giratório. Princípios
modernização que Juscelino Kubitschek mandou análogos, descritos pela gestalt, foram aplicados
construir no descampado Planalto Central a por Hermelindo Fiaminghi e Maurício Nogueira
nova capital do Brasil, símbolo máximo da euforia Lima em 11 GHF e Retículas Transcendentais,
desenvolvimentista. respetivamente.
Nesse contexto, o Museu de Arte Moderna de No Rio de Janeiro, os artistas interessados pela
São Paulo organizou a primeira edição da Bienal abstração geométrica reuniram-se em torno de
internacional (1951), impulsionando de maneira Ivan Serpa, professor de pintura de crianças e
extremamente eficaz o intercâmbio entre artistas adultos no Museu de Arte Moderna, formando o
brasileiros e estrangeiros. Os prêmios concedidos Grupo Frente, cuja primeira mostra ocorreu em
pelo júri na categoria Escultura consagraram 1954. Embora também adotassem a geometria
Victor Brecheret como o grande escultor do como ponto de partida, os cariocas tinham uma
modernismo brasileiro e o suíço Max Bill como o concepção bastante distinta das suas aplicações.
representante-mor de uma linguagem abstrata Para eles o pensamento lógico era, sobretudo,
calcada em princípios matemáticos, novidade que uma forma de comunicação propícia ao exercício
vinha despontando havia pouco tempo no meio da liberdade de experimentação e não um fim em
artístico local. O prêmio de Jovem Pintor Nacional si mesmo. Ainda que à primeira vista não pareça
foi conferido ao carioca Ivan Serpa, também por haver grandes diferenças entre a produção de
uma tela abstrata. uns e de outros, ao examinarmos com um pouco
No ano seguinte, 1952, o MAM-SP apresentou a mais de atenção percebemos que Ivan Serpa, por
exposição do Grupo Ruptura, que se tornaria um exemplo, não se atém às cores primárias para fixar
marco na história da arte abstrata no Brasil. O as formas geométricas, mas prioriza o jogo óptico
grupo, liderado por Waldemar Cordeiro, lançou causado pela justaposição de cores quentes na
um manifesto em que se posicionava contra pintura Sem Título, 1953. Nos Metaesquemas de
qualquer tipo de arte figurativa e contra a arte Hélio Oiticica, os retângulos parecem prestes a
abstrata gestual, que julgava “produto do gosto perder o equilíbrio e desabar para fora do suporte
gratuito”.4 Clamavam por uma arte nova, baseada .......................................................................................................................
em “princípios claros e inteligentes” da geometria. 4 Manifesto do Grupo Ruptura, São Paulo, 1952.
Pregavam o uso de linhas e figuras geométricas
(o que de facto ocorre com os Relevos Espaciais, a exercer os sentidos com plenitude e a modelar
6
criados pouco depois). as próprias emoções”. Ou seja, o grupo carioca
Entre os escultores que participaram no Grupo se singularizou mais por uma atitude em relação à
Frente estão Amilcar de Castro, Franz Weissmann arte do que por um estilo propriamente dito.
e Abraham Palatnik, se tomarmos a liberdade O rompimento definitivo entre os dois grupos
de classificá-lo como escultor. Embora as peças ocorreu em 1959, quando o Jornal do Brasil
dos três artistas apresentadas nesta exposição publicou o Manifesto Neoconcreto, assinado
sejam de período posterior, todas conservam por Amilcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz
características do período concreto. Para Amilcar Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo
e Weissmann a modelação e o entalhe típicos da Jardim e Theon Spanudis. Contestando a
escultura tradicional dão lugar a experimentações “perigosa exacerbação racionalista” dos paulistas,
tridimensionais com a linha no espaço: na peça o manifesto pregava que a geometria era apenas
de Amilcar, ela é ausência de matéria; na Coluna um instrumento que possibilitava a instauração
em Fio, de Weissmann, a linha estrutura os de um significado novo, que transcendia a
retângulos e o vazio é apresentado como matéria materialidade da obra para despertar a criação
em potencial. intuitiva e a imaginação. Essa experiência só
Quando Abraham Palatnik apresentou o seu poderia ser assegurada pela vivência corpo a
objeto cinecromático na I Bienal de São Paulo, corpo do espectador com a obra. A aplicação
o júri de seleção não soube em que categoria dessas formulações pode ser verificada em
classificá-lo. Entretanto, o júri de premiação Bicho Linear, de Lygia Clark. Aqui as múltiplas
entendeu que a obra – uma caixa com lâmpadas articulações nas chapas triangulares convidam
coloridas movimentadas por engenhocas que o espectador a manipular o objeto, de modo a
projetam cores e formas numa lâmina de vidro transformá-lo em novos bichos. O artista atua
fosco – merecia menção honrosa. Em Cinético como um propositor de experiências sensíveis e o
P-4 PA, círculos coloridos anexados a hastes de espectador assume o papel de cocriador.
metal giram em diferentes compassos, criando Ao longo da década de 1950 outros artistas
uma nova possibilidade visual a cada instante. A interessaram-se pela pesquisa em torno da
instabilidade e o aspeto lúdico da obra de Palatnik geometria, mas sem se filiarem a nenhum grupo.
são partilhados pelo trabalho E7521 (Vermelho) Alguns tangenciaram a não figuração por um
de Sérvulo Esmeraldo. Nesse excitável, os período breve, como Mira Schendel, que nesse
bastonetes de madeira permanecem em repouso momento tinha em vista uma pesquisa acerca
até que uma fonte de energia estática (como a da materialidade das cores. Outros, como Willys
mão do visitante) toca a superfície de acrílico. As de Castro e Hércules Barsotti, adotaram uma
pequenas estruturas seriadas desorganizam-se e linguagem abstrato-geométrica ao longo da
formam infinitas possibilidades de composições vida, mas sempre de forma independente. Já
efêmeras, estimulando nossa capacidade Rubem Valentim valeu-se de círculos, triângulos
percetiva. Quer os aparelhos cinecromáticos de e retângulos para criar estruturas inspiradas em
Palatnik, quer os excitáveis de Esmeraldo, são religiões afro-brasileiras. Seja de uma forma mais
contribuições singulares para a arte cinética ortodoxa ou de maneira mais lírica, a tendência
brasileira e internacional. construtiva que se consolida nesse período deixou
As diferenças programáticas entre os membros um importante legado para a história da arte
do Grupo Ruptura e do Grupo Frente ficaram brasileira.
evidentes na I Exposição Nacional de Arte No mesmo ano em que o Manifesto Neoconcreto
Concreta, realizada em dezembro de 1956, foi lançado, a V Bienal de São Paulo concedia o
no MAM-SP, e em janeiro do ano seguinte, no prêmio de Melhor Pintor Nacional a Manabu Mabe
Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. pelas suas telas abstratas, marcadas por gestos
Ao avaliar as divergências, o crítico Mário Pedrosa largos e manchas de cor.
resumiu: “Em face deles [paulistas], os pintores do .......................................................................................................................
Rio são quase românticos”.5 De facto, o próprio 5 PEDROSA, Mário. “Paulistas e cariocas.” Jornal do Brasil,
Textos:
Regina Teixeira de Barros Sérvulo Esmeraldo
Curadora da exposição E7521 (Vermelho), 1975
Madeira, cartão, algodão e acrílico
Capa :
José Pancetti
Monteserrat, Bahia, 1956
Óleo sobre tela
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