Enquadramento Teórico
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Uma vez que todo este trabalho gira em volta do jogo, torna-se imprescindível falar
sobre a sua definição.
Ao longo dos tempos, esta temática tem sido alvo de interesse na área de educação.
Segundo Neto (2003) “O estudo do jogo apresenta-se como um fenómeno complexo e
global. A sua fundamentação é dispersa devido à multiplicidade de abordagens, linhas
investigação diferenciadas, e de múltiplos pontos de vista teóricos.” (p. 6)
Assim, é extremamente difícil falarmos numa definição exata desta palavra, na
medida em que, a diversidade de jogos conhecidos, tais como faz-de-conta, simbólicos,
motores, intelectuais ou cognitivos, individuais ou coletivos, metafóricos, de palavras, de
adultos, de animais e inúmeros outros, indica a multiplicidade de atividades incluídas na
categoria jogo. A variedade de atividades consideradas como jogo mostra a dificuldade
da tarefa de defini-lo. Contudo, a palavra jogo, segundo o dicionário da língua portuguesa,
tem origem latina “jocu”, que significa “actividade lúdica ou competitiva em que há
regras estabelecidas e em que os participantes se opõem, pretendendo cada um ganhar ou
conseguir melhor resultado que o outro;” (Costa & Melo, 2003, p. 979). Assim, no seu
sentido etimológico, esta palavra diz respeito a uma brincadeira, a uma atividade de
recreação, mas que também pode ser sujeita a regras que devem ser respeitadas com a
finalidade de perda ou ganho de alguma coisa/objetivo.
Neste trabalho de investigação empregamos a palavra Jogo como um recurso para o
desenvolvimento cognitivo e não como uma competição entre pessoas ou grupos que
envolve uma vitória ou derrota.
Não obstante, é importante examinar o que alguns autores pensam sobre o conceito
dessa palavra, visto que há definições como a de Huizinga (2001) :
O jogo é uma função da vida, mas não é passível de definição exata em termos
lógicos, biológicos ou estéticos. O conceito de jogo deve permanecer distinto de
todas as outras formas de pensamento através das quais exprimimos a estrutura
da vida espiritual e social. Teremos, portanto, de limitar-nos a descrever as suas
principais características. (p. 10)
Ainda este autor defende que o jogo para as crianças não tem a mesma conotação que
para os adultos, isto porque devemos ter em consideração que para a criança trata-se de
um momento, não só de brincadeira, mas também de aprendizagem, enquanto que,
geralmente para o adulto, é mera recreação. Assim, para as crianças, o jogo tem um
enorme interesse, pois a partir deste, ela conclui que a brincadeira é uma ótima forma
para se aprender.
Uma outra definição de jogo bastante interessante é a de Henri Wallon (2005), um
psicólogo francês com diversos estudos ao nível da relação entre o jogo e a criança. Este
refere que “o jogo é a atividade própria da criança;” sendo que para ela, o jogo está
dividido em quatro fases, cada uma com diferentes níveis de complexidade:
1.ª “Os jogos funcionais podem ser movimentos muito simples, como estender e
dobrar os braços ou as pernas, agitar os dedos, tocar os objetos, imprimir-lhes
balanceamentos, produzir ruídos ou sons.” (p. 73) Segundo o autor, nesta fase, o
jogo é como que uma atividade à procura de efeitos, ainda elementares, mas que
tem uma importância fundamental para preparar a utilização combinada e cada
vez mais correta e mais diversa dos nossos gestos;
2.ª “com os jogos de ficção, cujo tipo é brincar às bonecas, montar um pau como
se fosse um cavalo, etc., intervém uma atividade cuja interpretação é mais
complexa, mas que está também mais próxima de certas definições melhor
diferenciadas que têm sido propostas do jogo”. (p. 73). Nesta fase prevalece o “faz
de conta”, a situação imaginária, ou seja, a criança imita situações do seu
quotidiano, como por exemplo, imitar os pais, os educadores/professores;
3.ª “Nos jogos de aquisição, a criança é, segundo uma expressão corrente, toda
olhos e toda ouvidos; observa, escuta, esforça-se por perceber e compreender
coisas e seres, cenas, imagens, contos, canções, parecem absorvê-la totalmente.”
(p. 74). Assim, nesta fase, a criança esforça-se para perceber, apreender,
reproduzir os gestos, os sons e imagens. Esta atividade relaciona-se com a
capacidade de ver, ouvir e realizar esforços que contribuam para a compreensão.
4.ª “Nos jogos de fabricação, diverte-se a reunir, combinar, modificar, transformar
objetos, e a criar novos.” (p. 74). A criança diverte-se com atividades manuais de
criar, combinar, juntar e transformar. Os jogos de ficção estão ligados a esta fase,
tendo um papel importante, por exemplo, quando a criança cria e improvisa um
brinquedo, este é a maior parte das vezes “vindo” da vida fictícia.
Piaget, embora não tivesse estudado o jogo em si mesmo, foi outro autor que se
debruçou sobre o conceito do mesmo, por ser uma atividade natural, que lhe permitiu
observar a evolução e o desenvolvimento social da criança segundo ele: “O jogo é uma
pura assimilação que consiste em modificar a informação de entrada de acordo com as
exigências do indivíduo” (Piaget, 1986, p. 87). Para Moreira (2004) , “jogar e brincar são
actividades humanas praticamente tão antigas como o próprio homem” (p. 58)
Apesar das diversas definições dadas ao jogo, a autora Paula (1996) defende que “o
jogo é uma entidade sem definição, ou seja, não há como dizer tudo sobre ele sem que
nada falte ou nada sobre “ (p. 86)
Em suma, são várias as conspeções sobre o conceito de jogo, no entanto, nenhuma
consegue definir na perfeição esta temática tão vasta. O jogo tem adotado cada vez um
papel mais importante no que diz respeito ao desenvolvimento da criança, uma vez que
não se trata apenas de uma atividade recreativa, mas também um meio para que as
crianças desenvolvam certas competências , como a cooperação, o seguimento de regras,
a interação entre outras crianças, entre outras.
No decorrer das suas pesquisas e obras, Piaget (1990) deu sempre uma grande
importância ao jogo/lúdico no desenvolvimento das crianças. Pessanha (2003) menciona
que Piaget “apresentou uma teoria relacionada com o desenvolvimento cognitivo da
criança. Considerou que as crianças atravessam diferentes estados de desenvolvimento e
que, na actividade lúdica, o tipo de comportamento está ligado à fase de desenvolvimento
correspondente.” (p. 33)
Para Piaget (Piaget, A Formação do Símbolo na Criança, 1990), o desenvolvimento
da inteligência nas crianças está fortemente ligado com as atividades lúdicas,
relacionando cada tipo de jogo a uma determinada etapa do desenvolvimento infantil.
Este autor classifica os jogos tendo em conta três classes relacionadas com os três
estádios de desenvolvimento por ele defendidos:
Estádio sensório-motor (0 a 2 anos): aqui, a criança ainda não utiliza regras por
não ter noção das mesmas, sendo um período em que ainda brinca sozinha;
Estádio pré-operatório (dos 2 aos 7 anos): a criança começa a utilizar aos poucos
a regra nas suas brincadeiras, surgindo assim o jogo simbólico;
Estádio das operações concretas (dos 7 aos 11 anos): nesta fase, a criança já é um
ser social, sendo fundamental a utilização de regras quando joga em grupo.
Piaget classifica os jogos em três tipos, de acordo com as estruturas mentais vistas
anteriormente.
Na forma inicial do jogo, a criança toma consciência das suas novas capacidades, em
cada aprendizagem adquirida, ela volta a utilizar estes jogos que acabam por formar novos
esquemas de ação ou de conduta. O objetivo destes jogos é a repetição de movimentos e
gestos apenas pelo prazer que a criança tem ao fazê-los. Nos jogos de exercício não
existem símbolos nem regras.
De seguida, a criança passa para os jogos simbólicos, nos quais ainda encontra o
mesmo prazer dos jogos anteriores, porém começa a usar símbolos. Há, assim, a presença
do faz-de-conta onde a criança utiliza outros objetos para simbolizar que está a comer, a
dormir, ou a fazer qualquer outra atividade. Este comportamento representa alguma
situação que a criança vivenciou, permitindo a assimilação do mundo exterior ao “eu” da
criança.
Os jogos simbólicos apresentam uma evolução até a criança chegar aos sete anos de
idade.
Nos primeiros anos desta fase (dos dois aos quatro anos) a criança utiliza o seu
próprio corpo para representar aquilo que deseja, por exemplo, imita animais, no caso do
cão, a criança ajoelha-se e imita o som do cão.
No entanto, quando se aproxima do estádio das operações concretas, por volta dos
sete anos, começa a surgir o pensamento intuitivo, os jogos passam a ter uma
representação mais próxima da realidade. Aqui a criança procura o prazer através dos
resultados obtidos e do cumprimento de regras, enquanto que nas brincadeiras simbólicas
o prazer está no processo. Esta é a fase do jogo de regras.
Em jeito de conclusão, podemos apreender que para Piaget (1990) o jogo é crucial
na vida da criança, constituindo uma condição para o desenvolvimento social, moral,
intelectual e cognitivo da mesma.
Assim, para Vygotsky, o uso dos jogos em contexto educativo proporciona ambientes
desafiadores, capazes de “estimular o intelecto” proporcionando a aquisição de estágios
mais avançados de raciocínio. Quando o educador/professor propõe situações de jogos na
sala de atividades/aula, oferece momentos de afetividade entre a criança e o aprender,
tornando a aprendizagem mais significativa e prazerosa.
Na perspetiva de Piaget, existem três tipos de jogo que surgem de acordo com três
estágios do desenvolvimento da criança, sendo que os jogos de exercício surgem no
estágio sensório-motor, os jogos simbólicos aparecem no estágio pré-operatório e os
jogos de regras no estágio das operações concretas. Vygotsky defende que, para a criança,
o jogo apresenta três características fundamentais: a imaginação, a imitação e as regras,
surgindo a partir dos três anos de idade, uma vez que só a partir desta altura é que a criança
começa a representar o real através da brincadeira.
2003, p. 5)
Hoje em dia, as crianças têm acesso aos mais diversos meios de comunicação, pelo
que, a forma como os conteúdos são abordados na escola a torna um pouco
desmotivadora. A exposição oral das ideias é a técnica mais utilizada pelos professores,
permitindo-lhes promover a informação de uma forma mais sintética e ordenada. No
entanto, este método tem vindo a sofrer várias críticas, uma vez que este leva ao
desinteresse e falta de atenção das crianças pela sua passividade neste processo, no qual,
a criança não passa de uma mera recetora de informação, visto que os conteúdos são
apresentados na sua forma final. Ribeiro (2012) diz que
o método expositivo torna também a gestão de conteúdos bem mais objectiva e
linear. Poupa tempo. Torna mais raro o alibi da falta de tempo para cumprir
programas. Gerindo os programas desta maneira é fácil acelerar na lecionação
quando é necessário. (p. 72)
Todos sabemos que as crianças de todas as idades demonstram gosto pelo lúdico,
assim, o período da infância está profundamente relacionado com a brincadeira e os jogos.
Assim, o jogo pode ser transformado num auxiliar educativo e como forma de motivação
das crianças para a aprendizagem. Todos nós já tivemos momentos em que o jogo foi uma
magnífica fonte de alegria, e de certeza, que estas constituíram uma grande experiência
de vida, contribuindo assim para o nosso desenvolvimento, quer a nível social, quer
cognitivo.
Jogar contribui para a formação intelectual sem arrastar a criança para um
intelectualismo dessecante e rígido: é nisso que o jogo é insubstituível dentro do
processo pedagógico. Conserva o dinamismo do vivente, do motivante, do
prazer, e, ao mesmo tempo, milita nas fileiras do sério, do formal, do
equipamento intelectual lógico-matemático. (Ferran, Maret, & Porcher, 1979, p.
18)
Para que isso ocorra, o educador deve compreender que não basta incluir jogos nas
suas planificações, tendo que saber utilizá-los pedagogicamente e, como refere Pessanha
(2003), de forma a motivar as crianças na exploração dos jogos pensar nos
aproveitamentos pedagógicos. Assim, na Educação Pré-escolar, o processo de ensino-
aprendizagem através da exploração dos jogos, ocorre quando o educador promove
estratégias diversificadas e significativas para o potencializar.
A preparação das atividades deve apoiar-se nas observações e nos registos feitos
pelos educadores sobre os interesses e os progressos no desenvolvimento de cada criança.
A planificação do educador deve partir das necessidades das crianças para refletir sobre
as especificidades das mesmas.
Neste âmbito, o educador deve fomentar situações de aprendizagem suficientemente
desafiadoras, de forma a cativar e estimular cada criança, promovendo aprendizagens nos
vários domínios curriculares.
No que diz respeito ao 1.º CEB, “o professor do 1.º ciclo do ensino básico desenvolve
o respectivo currículo, no contexto de uma escola inclusiva, mobilizando e integrando os
conhecimentos científicos das áreas que o fundamentam e as competências necessárias à
promoção da aprendizagem dos alunos.” (Decreto-Lei n.º 241/2001, de 30 de agosto, p.7).
Tendo em conta a acrescida dificuldade em conseguir manter as crianças atentas
durante um considerável período de tempo, é essencial que o professor pratique
estratégias que despertem na criança a vontade de aprender para que se sinta motivada e
realizada. No entanto, “é preciso que o professor como mediador e facilitador da
aprendizagem deixe claro para a criança o motivo da escolha e qual é o papel de cada
aluno na utilização desta estratégia, levando a criança, compreender e internalizar a
aprendizagem de maneira atraente.” ( Guimarães & Lopes, 2012, p. 54)
De um modo geral, é do nosso conhecimento que “os poucos momentos de actividade
lúdica permitidos à criança na escola, ficam remetidos para os recreios, fora da sala de
aula, e mesmo nestes escassos minutos, os adultos desejam que as brincadeiras sejam
calmas e tranquilas.” (Pessanha, 2003, p. 153). Assim, é necessário que o professor queira
e saiba utilizar o lúdico como uma estratégia de ensino-aprendizagem e, nesta linha de
pensamento, o jogo torna-se num valioso aliado do professor na organização das suas
práticas, uma vez que proporciona a apropriação de conhecimentos de uma forma lúdica.
Contudo, é fundamental a mediação intencional do professor e o estímulo à interação
entre as crianças, de forma a ampliar as possibilidades da criação de um ambiente propício
para a aprendizagem.
Corroboramos a opinião de Guimarães e Lopes (2012) quando dizem que:
[…] muitas vezes, as crianças conseguem fazer algo ou resolver um problema
numa situação de jogo e não conseguem fazê-lo em situações da realidade ou
aprendizagem formal, sendo esse um dos momentos de principal atuação do
professor, orientando e abrindo caminhos para que a criança se desenvolva e
ande sozinha, pois, por meio de auxilio do mediador, ela conseguirá, a cada
momento, fazer novas descobertas que se tornarão significativas em sua vida.
(pp. 55-56)
Em síntese, podemos afirmar que, com a utilização adequada do jogo em sala de aula,
o professor, enquanto gestor do currículo, pode despertar nas crianças uma aprendizagem
muito mais simples. Deve, portanto, optar por jogos promovedores de aprendizagens
significativas, criando momentos favoráveis à realização dos mesmos de uma forma
educativa desencadeando experiências enriquecedoras. É, no entanto, fulcral realçar dois
pontos. Em primeiro, “o jogo ocasional, distante de uma cuidadosa e planejada
programação, é tão ineficaz quanto um único momento de exercício aeróbio para quem
pretende ganhar maior mobilidade física” (Antunes, 2011, p. 37), e em segundo, “uma
grande quantidade de jogos reunidos em um manual somente tem validade efetiva quando
rigorosamente selecionados e subordinados à aprendizagem que se tem em mente como
meta.” (Antunes, 2011, p. 37)