Logica Proposicional Filosofia10
Logica Proposicional Filosofia10
Logica Proposicional Filosofia10
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1 Os elementos da filosofia
Numa caracterização inicial pode dizer-se que a filosofia é, essencialmente, uma
atividade de investigação que se debruça sobre problemas fundamentais acerca da
natureza da realidade, do conhecimento e do valor.
1.1 Problemas
O ponto de partida para a discussão filosófica são os problemas. No que diz respeito
aos problemas, a principal ferramenta filosófica é a capacidade de os formular. Formular
um problema significa ser capaz de enunciá-lo. Geralmente, a melhor forma de o fazer é
formulando diretamente uma questão; o problema da justiça de guerra, por exemplo,
pode ser formulado nos seguintes termos: “Pode haver guerras justas?”; ou
alternativamente, podemos dizer que consiste “no problema de saber se uma guerra poderá
alguma vez ser justa ou não.” Além disso, os filósofos também devem ser capazes de
esclarecer um problema, isto é, de explicitar o seu conteúdo e a sua relevância. Por
exemplo, “O problema da justiça de guerra consiste em procurar determinar se existem (ou
não) situações que justificam o recurso ao conflito armado entre diferentes Estados (ou
comunidades políticas)...”; “Este problema é importante porque…”; etc.
Por fim, pode ainda ser de grande importância relacionar o problema em mãos com
outros problemas filosóficos aos quais este se encontra ligado. Por exemplo, o problema da
justiça de guerra, tal como foi aqui formulado, relaciona-se, entre outros, com um problema
mais geral acerca da moralidade das nossas ações, ou seja, com o problema de saber o
que torna uma ação certa ou errada.
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1.2 Conceitos
Analisar um conceito é explicitar o seu significado. Para esse efeito os filósofos podem
recorrer quer a uma definição explícita, quer a uma caracterização.
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1.3.1 Proposições
Uma proposição é o pensamento verdadeiro ou falso literalmente expresso por uma
frase declarativa.
Tal como acontece com os conceitos e os termos, também existem casos em que duas
frases diferentes expressam a mesma proposição – como acontece, por exemplo, com
“A guerra é incompatível com o conceito de justiça” e “O conceito de justiça é incompatível
com a guerra” – e casos em que uma só frase, devido ao seu caráter ambíguo, expressa
mais do que uma proposição – como acontece, por exemplo, com “Os alunos só
consultam livros na biblioteca”, que tanto pode expressar a ideia de que todos os livros que
os alunos consultam estão na biblioteca, como a ideia de que a única coisa que os alunos
fazem é consultar livros na biblioteca.
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1.3.2 Proposições categóricas e condicionais
Importa ainda referir que existem diferentes tipos de proposições. Desde logo, é
frequente distinguirem-se as proposições categóricas das proposições condicionais.
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Aquilo que está aqui a ser dito é que ser português implica ser europeu, ou, por outras
palavras, está-se a afirmar que ser português é uma condição suficiente para se ser
europeu e que ser europeu é uma condição necessária para se ser português.
Neste caso, estaríamos a afirmar que ser europeu é uma condição suficiente para se
ser português e que ser português é uma condição necessária para se ser europeu. A
Proposição Condicional 1 é verdadeira, ao passo que a Proposição Condicional 2 é falsa, pois
existem europeus que não são portugueses, mas sim franceses, alemães, espanhóis, etc.
A proposição que implica, isto é, aquela que constitui uma condição suficiente
designa-se “antecedente” (na Proposição Condicional 1, corresponde à proposição: “Eu
sou português”). A proposição que é implicada, isto é, aquela que constitui uma condição
necessária designa-se “consequente” (na Proposição Condicional 1, corresponde à
proposição: “Eu sou europeu”).
Assim, a Proposição Condicional 1 poderia de igual modo ter sido expressa por
qualquer uma destas formulações alternativas:
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1.3.3 Proposições bicondicionais e definições
Como vimos anteriormente (na secção 1.2), quando queremos proceder a uma
definição explícita de algo, não basta apresentar condições necessárias ou suficientes,
temos de apresentar condições simultaneamente necessárias e suficientes. Ora, se,
como acabámos de ver, a relação de condição necessária é, geralmente, expressa em
português pela expressão “só se” e a relação de condição suficiente é, geralmente,
expressa pela expressão “se”, então para expressar condições simultaneamente
necessárias e suficientes devemos usar a expressão “se, e só se” (ou equivalentes,
como “se e apenas se”, “se e somente se”, etc.), como acontece por exemplo na seguinte
definição: “Algo é água se, e só se, é H2O”.
Às proposições que têm subjacente esta estrutura: “P se, e só se, Q” decidiu chamar-
-se “bicondicionais”, porque cada uma das proposições que as compõem implica (ou tem
como consequência) a outra, porque é simultaneamente verdade que “Se P, então Q” e
que “Se Q, então P".
Com efeito, quando dizemos que “A água é H2O”, estamos a afirmar que se algo é água,
então é H2O e que se algo é H2O, então é água. Isto significa que uma condição necessária
e suficiente para algo ser água é ser H2O, e vice-versa, ou seja, “Algo é água se, e só se, é
H2O”.
Agora que já compreendemos melhor aquilo que está em causa quando falamos de
teorias no contexto da atividade filosófica, já podemos indicar quais são as principais tarefas
dos filósofos no que diz respeito às mesmas.
Assim, as principais tarefas que os filósofos executam relacionadas com teorias são
formular teorias e avaliar teorias.
Formular uma teoria é enunciá-la por meio de uma frase declarativa que constitui
uma resposta possível para o problema em análise. Por exemplo, no que diz respeito ao
problema da justiça de guerra, podemos defender as seguintes teorias: “Não pode haver
guerras justas, porque a guerra é sempre imoral”; “Não pode haver guerras justas, nem
injustas, porque não faz sentido aplicar esses conceitos à guerra” e “Pode haver guerras
justas, desde que cumpram certos requisitos”.
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Geralmente, as teorias mais discutidas são abreviadas por meio de um termo ou uma
expressão que serve para as designar. No exemplo apresentado, as teorias enunciadas
correspondem, respetivamente, ao pacifismo, realismo, e teoria da guerra justa. Contudo,
devemos ser cautelosos ao usar estas designações e dizer a que tese elas se referem
concretamente, pois por vezes elas são utilizadas para designar perspetivas ligeiramente
diferentes. Existem, por exemplo, diferentes versões de pacifismo, realismo, etc.
Para responder a 1., devemos certificar-nos de que a tese ou teoria avançada procura
efetivamente constituir-se como uma resposta para o problema em questão, em vez de se
limitar a apresentar um conjunto de afirmações genéricas, mais ou menos relacionadas com
o problema, mas que não respondem diretamente ao mesmo (ou que respondem a outro(s)
problema(s) relacionado(s), mas não àquele que está a ser discutido). Por exemplo, quando
alguém pergunta se a existência de Deus é (ou não) compatível com a existência de mal no
mundo, não constitui uma resposta adequada dizer que não se acredita na existência de
Deus, pois o problema da existência de Deus, embora esteja relacionado com o problema
anterior, não se identifica inteiramente com ele.
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Pelo menos uma destas proposições tem de ser falsa. Ou é falso que a existência de
Deus não é compatível com a existência de mal no mundo, ou é falso que há mal no
mundo, ou é falso que Deus existe. Até pode acontecer que sejam todas falsas. O que
seguramente não podem é ser todas verdadeiras.
Ora, isto significa que uma teoria inconsistente nunca pode ser verdadeira (ou, pelo
menos, uma das ideias que esta sustenta é necessariamente falsa) e, por conseguinte,
deve ser reformulada ou até mesmo rejeitada e substituída por uma teoria que não
apresente esse tipo de inconsistências internas.
devemos preferir teorias com maior poder explicativo – isto é, teorias que nos
permitem resolver um leque mais vasto de problemas – a teorias que parecem ser
formuladas para dar conta de casos / problemas demasiado específicos, mas que se
revelam ineficazes para dar resposta a outros casos/problemas bastante similares;
devemos preferir teorias que são capazes de resolver o problema em mãos sem
precisarem de introduzir complicações ou problemas adicionais para os quais não
oferecem uma resposta satisfatória (princípio da parcimónia);
devemos preferir teorias suportadas por bons argumentos a teorias que têm bons
argumentos contra elas.
1.4 Argumentos
Por fim, resta-nos referir as principais tarefas dos filósofos no que diz respeito aos
argumentos propriamente ditos.
Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende justificar ou
defender uma delas, a conclusão, com base na outra ou nas outras, que se chamam
premissas.
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1.4.1 Indicadores de premissas e conclusão
Existem expressões linguísticas que, tipicamente, servem para indicar essa pretensão:
os indicadores de premissas e conclusão. Quando alguém afirma que “Deus não existe,
porque há mal no mundo” está a usar o “porque” para indicar qual é a razão que o leva a
pensar que Deus não existe, ou seja, está a usá-lo como um indicador de premissas. Por
outro lado, quando alguém afirma que “Há mal no mundo. Logo, Deus não existe” está a
utilizar o “logo” para indicar que a ideia de que “Há mal no mundo” suporta (ou tem como
consequência) a ideia de que “Deus não existe”, ou seja, está a utilizá-lo como um
indicador de conclusão. Na tabela que se segue apresentam-se alguns indicadores de
premissas e conclusão comuns.
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1.4.2 Formulação explícita de argumentos
Para formular explicitamente um argumento (ou para reconstruir um argumento que
nos foi apresentado por outrem de uma forma confusa e desordenada) devemos seguir os
passos que se seguem:
1. Identificar a conclusão do argumento.
2. Identificar as premissas do argumento.
3. Completar o argumento.
4. Formular explicitamente o argumento.
Para ver como é que isto funciona na prática, vamos imaginar um exemplo de
argumento apresentado de forma confusa e desorganizada e tentar reformulá-lo de forma
explícita.
“É claro que Deus não existe! Deus não permitiria que existisse mal no
mundo, por isso, Deus não existe.”
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No ponto 3., recomenda-se que se procure detetar se há alguma premissa implícita,
isto é, alguma premissa que o autor do argumento não chegou a formular explicitamente,
mas que é legítimo presumir que é uma das ideias que este precisa de assumir para poder
chegar à conclusão. No exemplo apresentado, podemos presumir que o autor do argumento
acredita que
Por fim, no ponto 4., é-nos sugerido que escrevamos cada premissa (incluindo a(s)
premissa(s) omissa(s), caso existam) numa linha diferente, seguidas pela conclusão,
que surge na última linha, antecedida pela palavra “logo” (para ser mais fácil identificar
os diferentes passos do argumento, sugere-se ainda, que todas as linhas devem ser
numeradas, por exemplo com 1, 2, 3, e assim sucessivamente (ou com P1, P2, P3, para as
premissas, e C1), para a conclusão). Neste caso, o argumento apresentado no exemplo
ficaria qualquer coisa como:
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1.4.3.1 Validade
Diz-se que um argumento é válido quando é impossível, ou muito improvável, que as
suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa.
(1) Se chover, o chão fica molhado. (1) Se chover, o chão fica molhado.
(2) Choveu. (2) O chão ficou molhado.
(3) Logo, o chão ficou molhado. (3) Logo, choveu.
O argumento da direita é inválido, porque a verdade das premissas não oferece qualquer
justificação para aceitarmos a verdade da conclusão. É perfeitamente possível imaginar
uma situação em que as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa. A primeira premissa
estabelece que chover é uma condição suficiente para que o chão fique molhado, mas não nos
diz que é uma condição necessária. Assim sendo, fica em aberto a possibilidade de o chão ficar
molhado por outros motivos (como por exemplo, o facto de o sistema automático de rega estar
ativo, ou de alguém ter estado a lavar o chão à mangueira, etc.). Nesse caso, as premissas
podem ser ambas verdadeiras, apesar de não ter chovido.
1.4.3.2 Solidez
No entanto, o facto de um argumento ser válido não é suficiente para nos convencer da
verdade da sua conclusão. Repare-se, por exemplo, no argumento que se segue:
(1) Se Donald Trump é chinês, então o monte Everest é nos Estados Unidos.
(2) Donald Trump é chinês.
(3) Logo, o monte Everest é nos Estados Unidos.
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Este argumento tem exatamente a mesma estrutura que o argumento apresentado em
1.4.3.1 à esquerda e, por conseguinte, também é válido. No entanto, uma vez que as suas
premissas são claramente falsas, não é suficiente para nos convencer da verdade da sua
conclusão.
Ora, é precisamente por esse motivo que no ponto 2. (página 13) se sugere que, depois
de se verificar que o argumento é válido, se procure determinar se as suas premissas
são verdadeiras, ou seja, se procure determinar se o argumento é sólido.
A solidez é uma propriedade bastante apelativa dos argumentos, porque, como vimos
anteriormente, se um argumento for válido, a verdade das premissas garante (ou suporta) a
verdade da conclusão, isto é, se aceitarmos que as premissas de um argumento válido
são verdadeiras temos boas razões para pensar que a conclusão também o é.
1.4.3.3 Cogência
Contudo, a solidez também não é suficiente para que um argumento seja persuasivo.
Repara no exemplo que se segue:
(1) Sócrates era filósofo.
(2) Logo, Sócrates era filósofo.
Este argumento é válido, pois não é possível que a sua premissa seja verdadeira e a sua
conclusão seja falsa; e é sólido, pois é um facto histórico que Sócrates era um filósofo. Mas,
apesar disso, não podemos dizer que nos foi apresentada uma boa razão para acreditar na
verdade desta conclusão. Afinal de contas, a única coisa que se fez foi repetir a conclusão
enquanto premissa. Argumentos como este não são convincentes, porque só está na
disposição de aceitar esta premissa quem, à partida, já estaria disposto a aceitar a conclusão.
É, precisamente, por esse motivo que, no ponto 3. (página 13), se recomenda que,
depois de constatarmos que um argumento é sólido, tenhamos o cuidado de verificar se as
suas premissas são, à partida, mais plausíveis (ou aceitáveis) do que a conclusão. A esta
propriedade dos argumentos dá-se o nome de “cogência”.
Diz-se que um argumento é cogente quando, além de ser sólido, tem premissas mais
plausíveis (ou aceitáveis) do que a conclusão.
Caso um argumento não seja cogente, corre o risco de ser viciosamente circular e,
por conseguinte, não ser capaz de persuadir ninguém da verdade da sua conclusão, a não
ser aqueles que já estavam, à partida, dispostos a aceitá-la.
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Considerem-se os exemplos que se seguem:
(1) Se tenho febre muito alta, então (1) Se tenho febre muito alta, então
preciso de ir ao médico. preciso de ir ao médico.
(2) Tenho febre muito alta. (2) Não preciso de ir ao médico.
(3) Logo, preciso de ir ao médico. (3) Logo, não tenho febre muito alta.
Vamos imaginar que, em ambos os casos, nos encontramos numa circunstância que
torna as premissas verdadeiras, ou seja, vamos imaginar que os argumentos são ambos
sólidos. Para isso temos de considerar que, quer num caso quer no outro, ter febre muito
alta é uma condição suficiente para precisarmos de ir ao médico. Além disso, temos de
pensar que na situação da esquerda é verdade que temos febre muito alta, ao passo que,
na situação da direita não temos qualquer necessidade de ir ao médico (seja por causa de
febre alta, seja por que motivo for). Ora, uma vez que, tal como as situações foram
descritas, é mais fácil perceber se temos febre muito alta do que perceber se temos de ir ao
médico, o argumento da esquerda oferece premissas mais plausíveis do que a conclusão e,
por conseguinte, dá-nos boas razões para visitarmos um médico. Contudo, o mesmo não se
verifica no argumento da direita. Uma vez que é mais fácil perceber se não temos febre do
que perceber se não temos de ir ao médico, este argumento não nos dá boas razões para
acreditar que não temos febre. Isto acontece porque o argumento da esquerda é cogente,
ao passo que o da direita não.
1.4.5 Contra-argumentar
A última das tarefas dos filósofos sobre a qual nos iremos debruçar é a tarefa de
contra-argumentar. Contra-argumentar é usar a argumentação para mostrar o que há de
errado com uma dada teoria e/ou argumento. Existem diferentes formas de o fazer. Em
seguida iremos analisar algumas delas.
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1.4.5.1 Negação de proposições e quadrado da oposição
A negação inverte o valor de verdade de uma proposição, ou seja, quando uma
proposição é verdadeira, a sua negação é falsa, e vice-versa. Isto significa que qualquer
proposição é inconsistente com a sua respetiva negação e, por conseguinte, se
conseguirmos mostrar que a negação de uma proposição é verdadeira, conseguimos
mostrar que essa proposição é falsa. Assim sendo, se o nosso argumento for persuasivo, o
defensor da teoria que estamos a atacar terá razões para duvidar da verdade da sua tese.
Negar proposições pode ser mais complicado do que parece à primeira vista. Por
exemplo, qual é a correta negação de “Alguns animais não-humanos sentem dor”? Ou de
“Se Deus existe, então a vida faz sentido”. A tabela que se segue representa a forma
adequada de negar diferentes tipos de proposições.
Universal “Todos os seres “Alguns seres A negação de uma universal afirmativa é uma
afirmativa humanos são humanos não são particular negativa, porque, uma vez que a
egoístas.” egoístas.” proposição diz que o predicado se aplica à
totalidade do sujeito, basta haver um caso em
que isso não aconteça para que essa
proposição seja falsa.
Universal “Nenhum ato é “Alguns atos são A negação de uma universal negativa é uma
negativa genuinamente genuinamente particular afirmativa, porque, uma vez que a
altruísta.” altruístas.” proposição diz que o predicado não se aplica a
nenhum dos elementos do sujeito, basta haver
um caso em que isso se verifica para que essa
proposição seja falsa.
Particular “Algumas guerras “Nenhuma guerra é A negação de uma particular afirmativa é uma
afirmativa são justas.” justa.” universal negativa, porque, uma vez que a
proposição diz que o predicado se aplica a
alguns elementos do sujeito, a única forma de
mostrar que isso é falso é mostrando que não
se aplica a nenhum.
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Tipo Exemplo Negação Explicação
Singular “Sócrates não é “Sócrates é mortal.” A negação de uma proposição singular negativa
negativa mortal.” é a singular afirmativa correspondente, porque
dizer que é falso que o predicado não se aplica
àquele sujeito em particular é o mesmo que
dizer que na verdade se aplica.
Condicional Se chover, então Está a chover, mas A negação de uma condicional corresponde à
levo guarda-chuva não levei o guarda- afirmação da sua antecedente e à negação da
para a escola. -chuva para a sua consequente, pois só assim se estabelece
escola. que afinal a primeira não é uma condição
suficiente para a segunda.
Bicondicional Algo é um ser “Algo é um ser Para negar uma bicondicional temos de mostrar
humano se, e só humano, mas não é que os seus membros não constituem
se é um animal um animal racional condições necessárias e suficientes um para o
racional. ou algo é um animal outro, porque é possível que um deles se
racional, mas não é verifique, sem que o outro se verifique.
um ser humano.”
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O diagrama para o tradicional quadrado da oposição é o seguinte.
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2 Lógica proposicional clássica
20
As conectivas proposicionais são verofuncionais quando o valor de verdade da
proposição mais complexa é determinado apenas pelos valores de verdade das
proposições que a compõem. Por exemplo, a negação, habitualmente expressa em
português pela palavra “não”, é uma conetiva verofuncional, pois o valor de verdade da
proposição “O João não é benfiquista” é determinado pelo valor de verdade da proposição
simples ou elementar por meio da qual esta é composta, a saber, a proposição “O João é
benfiquista”. Se esta última for verdadeira, a primeira será falsa, e vice-versa.
Contudo, o mesmo não se verifica com a conetiva “Tenho medo que…”, pois o valor de
verdade da proposição “Tenho medo que o João seja benfiquista” não depende apenas do
valor de verdade da proposição simples ou elementar a partir da qual esta é composta.
Saber que a proposição “O João é benfiquista” é verdadeira (ou falsa) não me permite, por
si só, determinar o valor de verdade da proposição composta apresentada.
“não…”,
Negação “não é verdade que…”, ¬
“é falso que…”
“… e…”,
Conjunção “tanto… como…”, Ʌ
“... mas… também…”
“… ou…”,
Disjunção (inclusiva) “… a não ser que…”, V
“… a menos que…”
“… ou…ou”
Disjunção (exclusiva) V
“... ou…, mas não ambos”
“se… então…”,
Condicional “… desde que…”, →
“… só se…”
“… se e só se…”,
“se e somente se…”,
Bicondicional
“… condição necessária e
↔
suficiente…”,
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2.1.3 Âmbito das conectivas
Na lógica proposicional também se utilizam os parêntesis “(…)”, pois são necessários
para agrupar, à semelhança do que acontece na matemática. Assim, cada conectiva
proposicional binária terá parêntesis. Por exemplo, sendo P a abreviação da proposição
simples “Deus existe” e Q a abreviação de “há mal no mundo”, a proposição complexa
“Deus existe e há mal no mundo” é traduzida como (P Ʌ Q). Apenas a negação não terá
parêntesis, pois é um operador unário como, por exemplo, na proposição “não há mal no
mundo” que se pode traduzir simplesmente como ¬Q. Por uma questão de simplicidade,
pode-se omitir os parêntesis exteriores, mas convém lembrar que eles estão sempre lá.
A. (¬P → Q)
B. ¬(P → Q)
C. Deus existe, e se a vida tem sentido então há entrega ativa a projetos com valor.
D. Se Deus existe e a vida tem sentido, então há entrega ativa a projetos com valor.
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A proposição (C) afirma que é verdade que Deus existe, e que, caso seja verdade que a
vida tem sentido, então também será verdade que há entrega ativa a projetos de valor. A
conectiva com maior âmbito é a conjunção. A formulação lógica é:
C. (P Ʌ (Q → R))
Na proposição (D) já não se afirma que é verdade que Deus existe, mas sim que se for
verdade que Deus existe e a vida tem sentido, então também será verdade que há entrega
ativa a projetos de valor. A conectiva com maior âmbito é a condicional. A formulação lógica é:
D. ((P Ʌ Q) → R)
P = Deus existe.
Q = Há mal no mundo.
(1) (P → ¬Q)
(2) Q
(3) ∴ ¬P
(P → ¬Q), Q ∴ ¬P
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2.2 Funções de verdade e Tabelas de verdade
Na secção anterior vimos um argumento em que a variável proposicional “P” é uma
tradução para “Deus existe” e “Q” é uma tradução para “Há mal no mundo”. Cada uma destas
proposições elementares pode ser verdadeira ou falsa. Portanto, verdadeiro ou falso são os
valores de verdade de qualquer proposição. Por uma questão de simplicidade utilizemos “V”
para o verdadeiro e “F” para o falso. Ora, como “P” e “Q” representam duas proposições
elementares, temos quatro possíveis combinações dos seus respetivos valores de verdade:
P Q
V F Só P é verdadeira
F V Só Q é verdadeira
Conectivas
Funções de verdade
proposicionais
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Com estes princípios já conseguimos formar as tabelas de verdade que representam
as várias conectivas proposicionais:
Negação
P ¬P
V F
F V
Conjunção
P Q (P Ʌ Q)
V V V
V F F
F V F
F F F
Disjunção inclusiva
P Q (P V Q)
V V V
V F V
F V V
F F F
25
1
Disjunção exclusiva
P Q (P V Q)
V V F
V F V
F V V
F F F
Condicional
P Q (P → Q)
V V V
V F F
F V V
F F V
Bicondicional
P Q (P ↔ Q)
V V V
V F F
F V F
F F V
1
A disjunção exclusiva é equivalente à seguinte forma lógica: ((P V Q) Ʌ ¬(P Ʌ Q))
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2.3 Avaliação de formas proposicionais
As tabelas de verdade constituem diagramas lógicos, com as condições de verdade,
que permitem avaliar formas proposicionais compostas ou complexas.
Temos uma tautologia ou verdade lógica quando a fórmula proposicional tem o valor
“V” em todas as possíveis combinações de valores de verdade. Portanto, as tautologias são
fórmulas proposicionais verdadeiras em todas as possíveis circunstâncias. Por outro lado,
temos uma contradição ou falsidade lógica quando a fórmula proposicional tem o valor “F”
em todas as possíveis combinações de valores de verdade. Assim, as contradições são
fórmulas proposicionais falsas em todas as possíveis circunstâncias. Caso a fórmula
proposicional tenha o valor “V” nalgumas circunstâncias e o valor “F” nas outras
circunstâncias, então é classificada como contingente. Para compreender melhor isto,
consideremos a seguinte fórmula proposicional:
¬(P V ¬Q)
Será esta fórmula proposicional uma tautologia, uma contradição ou uma contingência?
Um modo de determinar isso é com a construção de uma tabela de verdade. Como essa
fórmula proposicional tem duas variáveis proposicionais, temos quatro possíveis
combinações de valor de verdade. Por isso, começa-se por explicitar essas circunstâncias.
Na parte de cima da tabela, do lado direito, escreve-se a fórmula proposicional. Na parte de
cima, do lado esquerdo, escrevem-se as variáveis que aparecem na fórmula proposicional
e, em cada uma das linhas abaixo das variáveis registam-se as várias combinações de
valor de verdade.
P Q ¬ (P V ¬Q)
V V
V F
F V
F F
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O passo seguinte é calcular o valor de verdade da fórmula proposicional para cada
linha. Para isso temos de começar por determinar o valor de verdade daquilo que tem
menor âmbito e avançar sucessivamente para aquilo que tem maior âmbito. Nesta fórmula o
que tem menor âmbito é “¬Q”. Por isso devemos começar por escrever os valores para
“¬Q”. Uma vez que a negação inverte o valor de verdade, sempre que o valor de “Q” for V, o
valor da sua negação será F, e vice-versa. Ou seja, nas linhas (interpretações ou
circunstâncias) em que o valor de “Q” é V, escrevemos um F por baixo de “¬Q” e nas linhas
(interpretações ou circunstâncias) em que o valor de “Q” é F, escrevemos um V por baixo
de “¬Q”, conforme se pode ver na tabela que se segue:
P Q ¬ (P V ¬Q)
V V F
V F V
F V F
F F V
A seguir, temos de determinar o valor de verdade da disjunção “(P V ¬Q)”, uma vez que
esta conectiva tem menor âmbito do que a negação da disjunção “¬(P V ¬Q)”.
Tal como na matemática deve-se resolver primeiro o que está dentro de parêntesis.
Para determinar o valor de verdade desta disjunção temos de consultar os valores de cada
uma das proposições que a compõem, neste caso, das duas disjuntas “P” e “¬Q”. Ora, os
valores de ¬Q já foram registados na etapa anterior, por isso resta-nos copiar os valores
que atribuímos a P em cada circunstância para baixo desta ocorrência dessa variável,
conforme se pode ver na tabela seguinte:
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P Q ¬ (P V ¬Q)
V V V F
V F V V
F V F F
F F F V
P Q ¬ (P V ¬Q)
V V V V F
V F V V V
F V F F F
F F F V V
Por fim, determinamos o valor de verdade da conectiva com maior âmbito, a negação,
que se aplica a toda proposição para se chegar ao resultado final. Ou seja, aplicamos a
regra da negação aos últimos valores que acrescentámos para a disjunção, conforme
vemos na tabela abaixo:
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P Q ¬ (P V ¬Q)
V V F V V F
V F F V V V
F V V F F F
F F F F V V
Ora, uma vez que o valor de verdade a que chegámos não é verdadeiro em todas as
circunstâncias (apenas na terceira linha é verdadeiro quando “P” é falso e “Q” é verdadeiro),
nem falso em todas as circunstâncias, então a fórmula proposicional “¬(P V ¬Q)” é
contingente.
(P V ¬P)
P (P V ¬P)
V V V F
F F V V
30
Um último exemplo:
(P Ʌ ¬P)
P (P Ʌ ¬P)
V V F F
F F F V
Ora, como em todas as circunstâncias temos o valor de verdade “F”, então a fórmula
proposicional “(P Ʌ ¬P)” é uma contradição.
Como se pode verificar, as linhas das tabelas de verdade variam consoante o número
de variáveis proposicionais, de acordo com a fórmula 2n (em que “n” representa o número
de variáveis). Assim, se n = 1, ficamos com 2 linhas; se n = 2, ficamos com 4 linhas (2 x 2);
se n = 3, então ficamos com 8 linhas (2 x 2 x 2); se n = 4, ficamos com 16 linhas (2 x 2 x 2 x
2); se n = 5, ficamos com 32 linhas (2 x 2 x 2 x 2 x 2); e assim sucessivamente. Portanto, n
variáveis proposicionais dá 2n linhas (i.e. possíveis combinações de valores de verdade).
Depois na penúltima variável alterna “V” e “F” em grupos de dois, seguidamente para a
antepenúltima em grupos de quatro e assim por diante até completar as combinações de
valores de verdade das variáveis. Como nos seguintes exemplos:
P P Q P Q R
V V V V V V
F V F V V F
F V V F V
F F V F F
F V V
F V F
F F V
F F F
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Repetimos a importância de prestar muita atenção à ordem pela qual se fazem os
cálculos dos valores de verdade nas tabelas de verdade complexas. Como se calcula o
valor de verdade da proposição “((¬P Ʌ (Q → P)) → ¬P)” de modo a determinar se é uma
tautologia, contradição ou contingência? A ideia fundamental é começar pelas conectivas
que têm menor âmbito e avançar sucessivamente para as conectivas que têm maior
âmbito. A ordem para a forma proposicional em análise é a seguinte:
1 2 1 3 2
(P → ¬Q), Q ∴ ¬P
Será esta forma argumentativa válida ou inválida? Para determinar isso precisamos de
construir um inspetor de circunstâncias com colunas para cada uma das premissas e para a
conclusão, tal como se segue:
32
P Q (P → ¬Q), Q ∴ ¬P
V V
V F
F V
F F
P Q (P → ¬Q), Q ∴ ¬P
V V V
V F V
F V F
F F F
P Q (P → ¬Q), Q ∴ ¬P
V V V F
V F V V
F V F F
F F F V
33
Agora que já sabemos o valor da antecedente e da consequente, podemos verificar em
que circunstâncias a condicional (P → ¬Q) é verdadeira e em que circunstâncias é falsa. De
acordo com a função de verdade da condicional, esta só será falsa quando a antecedente
for verdadeira e a consequente falsa.
P Q (P → ¬Q), Q ∴ ¬P
V V V F F
V F V V V
F V F V F
F F F V V
Uma vez determinado o valor da primeira premissa, precisamos de ver o que acontece
no valor da segunda premissa. Como a segunda premissa exibe apenas a variável Q, basta
copiar os valores desta variável.
P Q (P → ¬Q), Q ∴ ¬P
V V V F F V
V F V V V F
F V F V F V
F F F V V F
Dado que a conclusão é ¬P, precisamos de inverter o valor de verdade de P, tal como
se segue:
34
P Q (P → ¬Q), Q ∴ ¬P
V V V F F V F
V F V V V F F
F V F V F V V
F F F V V F V
(P → Q), Q ∴ P
P Q (P → Q), Q ∴P
V V V V V
V F F F V
F V V V F
F F V F F
35
2.5 Aplicação da lógica para avaliar argumentos filosóficos
Em filosofia as várias teorias que procuram dar resposta aos problemas filosóficos
existentes são sustentadas por argumentos. Se a teoria for fundamentada com bons
argumentos, então torna-se plausível aceitá-la. Mas como é que sabemos se um certo
argumento é bom ou mau? No caso de estarmos perante um argumento dedutivo (isto é,
um argumento em que se pretende que a verdade da(s) premissa(s) seja suficiente para
garantir ou estabelecer a verdade da conclusão), o primeiro passo é analisar se ele é
dedutivamente válido, ou seja, procura-se examinar se a estrutura ou forma do argumento é
correta, se a conclusão do argumento é uma consequência lógica das premissas. Por isso é
importante saber avaliar os argumentos. Vejamos um exemplo:
Nas Meditações e depois de tentar provar que existia (“eu penso, logo existo”),
Descartes tenta argumentar que Deus existe.
Será este um argumento válido? Para determinarmos isso convém seguir as seguintes
etapas de avaliação da validade dos argumentos:
Primeiro, é necessário representar canonicamente o argumento, deixando claro quais
são as premissas e qual é a conclusão:
(1) Se a existência é uma perfeição e Deus por definição tem todas as perfeições
então Deus por definição tem de existir.
(2) A existência é uma perfeição.
(3) Deus tem por definição todas as perfeições.
(4) Logo, Deus por definição tem de existir.
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Terceiro, com este dicionário já é possível formalizar o argumento na linguagem da
lógica proposicional clássica:
((P Ʌ Q) → R), P, Q ∴ R
P Q R ((P Ʌ Q) → R), P, Q ∴R
V V V V V V V V V
V V F V F F V V F
V F V F V V V F V
V F F F V F V F F
F V V F V V F V V
F V F F V F F V F
F F V F V V F F V
F F F F V F F F F
Quinto, por último resta fazer a análise do inspetor de circunstância para determinar se
o argumento é válido ou inválido. O argumento que se está a examinar é válido, pois não
existe qualquer circunstância (linha) em que todas as premissas sejam verdadeiras e a
conclusão falsa. O argumento de Descartes é válido, ou seja, caso as premissas sejam
verdadeiras, a conclusão será verdadeira. Mas serão as premissas de facto verdadeiras?
Analisar isso é uma tarefa fundamental que se deve fazer a seguir, através da discussão
crítica da filosofia, para determinar se o argumento é sólido ou até cogente.
37
2.6 Formas de inferência válidas
Existem algumas fórmulas argumentativas válidas que consistem em formas muito
básicas e bastante frequentes de raciocinar. Ao construir-se inspetores de circunstâncias
podemos constatar facilmente que estas fórmulas são logicamente corretas. No entanto, se
conhecermos estas formas de inferência já nem precisamos de recorrer a um inspetor para
determinar se são válidas.
Duas inferências válidas muito usadas na argumentação são o modus ponens (que é
uma expressão latina que significa “modo de afirmação”) e o modus tollens (que significa
“modo de negação”). As formas lógicas de modus ponens e modus tollens são
respetivamente as seguintes:
Se – Então (A → B) Se – Então (A → B)
(P → ¬Q) (P → ¬Q)
P ¬¬Q
∴ ¬Q ∴ ¬P
38
Outras fórmulas válidas importantes são as seguintes: no silogismo hipotético se uma
proposição A implica uma proposição B, e se essa proposição B implica uma proposição C,
daqui se segue que transitivamente a proposição A implica a C.
39
Uma outra equivalência lógica a partir da qual podemos fazer inferências é a
contraposição:
Contraposição
(A → B) (¬B → ¬A)
∴ (¬B → ¬A) ∴ (A → B)
Negação dupla
¬¬A
∴A
Este argumento comete uma falácia da afirmação da consequente, pois mesmo que
as premissas sejam verdadeiras, a conclusão pode ser falsa. Do facto de estar em Portugal
não se segue que estou em Lisboa, pois poderei, por exemplo, estar no Porto. Outro
exemplo:
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Do mesmo modo, este argumento comete uma falácia da negação do antecedente,
pois do facto de eu não estar em Lisboa não se pode concluir que não estou em Portugal;
posso estar, por exemplo, no Porto ou noutro lugar que, não sendo Lisboa, continua
igualmente a pertencer a Portugal. Em suma, a estrutura inválida destas duas falácias é a
seguinte:
Se – Então (A → B) Se – Então (A → B)
41
3.1.1 Argumentos indutivos
Existem dois tipos de argumentos indutivos muito recorrentes: generalizações e
previsões. Num argumento indutivo por generalização, extraímos uma conclusão geral
(que inclui casos de que não tivemos experiência), a partir de um conjunto de premissas
referentes a alguns casos de que já tivemos experiência. Por exemplo:
Um bom argumento indutivo (quer seja uma generalização ou previsão) deve basear-
-se numa amostra representativa e diversificada, bem como não deve ocultar contraexemplos
conhecidos. Por exemplo, se tiverem sido observados dez mil corvos e em regiões
diferentes, os argumentos em consideração serão mais fortes do que no caso de terem sido
observados apenas cem corvos numa pequena região. Caso contrário estamos perante
maus argumentos indutivos. Quando estamos perante um mau argumento indutivo isso
significa que foi cometida alguma falácia informal. Este tipo de falácia não decorre de falhas
na forma ou estrutura lógica dos argumentos, pelo contrário, o seu caráter enganador deve-
-se ao seu conteúdo. Quando um argumento por generalização se baseia num número
reduzido de casos ou ignora contraexemplos conhecidos incorre na falácia da
generalização precipitada. Quando a amostra utilizada para fazer a generalização é
tendenciosa, ou seja, quando não é representativa da diversidade de características do
universo em questão, comete-se a falácia da amostra não representativa.
(1) O José tem tosse, dor de garganta, febre alta, tremores e suores, dor de
cabeça, dor muscular, cansaço.
(2) As pessoas com esses sintomas normalmente têm gripe.
(3) Logo, o José provavelmente tem gripe.
42
Num mau argumento por analogia, as semelhanças observadas não são relevantes
para a característica em causa e/ou existem diferenças relevantes entre os dois elementos
da comparação que não estão a ser devidamente tidas em conta. Um mau argumento por
analogia designa-se de “falácia da falsa analogia”. Por exemplo,
(1) Tal como os homens as mulheres também têm pulmões, fígado e rins.
(2) Os homens têm próstata.
(3) Logo, as mulheres também têm próstata.
(1) Nos livros e aulas de história ensina-se que Dom Afonso Henriques foi
aclamado como primeiro rei de Portugal em 1139, sendo isso consensual
entre os especialistas nessa matéria.
(2) Logo, Dom Afonso Henriques foi aclamado como primeiro rei de Portugal
em 1139.
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3.2.1 Petição de princípio
Comete-se a falácia da circularidade ou petição de princípio quando se pressupõe nas
premissas aquilo que se quer ver provado na conclusão. Por exemplo:
Neste caso estamos perante um falso dilema uma vez que as duas hipóteses em
consideração (vegetariano e carnívoro) não esgotam todos os tipos de regime alimentar
disponíveis.
Este tipo de argumento é falacioso, pois pelo facto de não se conseguir determinar o
valor de verdade de uma dada proposição em consideração daí não se segue que tal
proposição seja falsa.
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3.2.4 Ataque à pessoa
Numa falácia do ataque à pessoa (ad hominem), procura-se descredibilizar uma
determinada proposição ou argumento atacando a credibilidade do seu autor. Por exemplo:
(1) Defendes que Deus não existe porque apenas estás a seguir a moda.
(2) Logo, Deus existe.
3.2.5 Derrapagem
A falácia da derrapagem (bola de neve) consiste em tentar mostrar que uma
determinada proposição é inaceitável, porque a sua aceitação conduziria a uma cadeia de
implicações com um desfecho inaceitável, quando, na realidade, ou um dos elos dessa
cadeia de implicações é falso, ou a cadeia no seu todo é altamente improvável.
Estamos perante uma falácia, uma vez que as premissas sustentam relações causais
muito duvidosas. Ou seja, do casamento homossexual não se segue causalmente coisas
como a pedofilia nem sequer o fim da civilização.
3.2.6 Espantalho
Através da falácia do espantalho pretende-se mostrar que se refutou um determinado
argumento, ou teoria, através da refutação de uma versão distorcida e enfraquecida do(a)
mesmo(a). Por exemplo:
(1) Os defensores dos direitos dos animais sustentam que é tão errado matar
um animal como matar um humano.
(2) Mas isso é obviamente falso.
(3) Logo, os defensores dos direitos dos animais estão errados (ou seja, os
animais não têm direitos).
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Com este argumento pretende-se defender que os animais não têm direitos. Porém, na
premissa (1) distorce-se ou faz-se um espantalho da posição sustentada pelos defensores
típicos dos direitos dos animais, para a atacar mais facilmente. Ou seja, faz-se e critica-se
uma mera caricatura da posição em consideração, para a combater mais fortemente. Isto
porque os defensores dos direitos dos animais não defendem que é tão errado matar um
animal como um ser humano, mas sim que os animais também são dignos de consideração
moral.
(1) Sempre que o José entra com o pé direito na sala de aula tira positiva no
teste de filosofia.
(2) Logo, a positiva que o José tira no teste é causada por entrar com o pé
direito.
3.2.8 Ad populum
A falácia ad populum consiste em apelar à opinião da maioria ou “ao povo” para se
sustentar a verdade de alguma afirmação. A estrutura do argumento é a seguinte: a maioria
das pessoas afirma que P; logo, P é verdadeiro. O problema desta inferência é que a
maioria das pessoas pode estar equivocada. Uma ilustração desta falácia pode ter esta
forma:
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Bibliografia complementar
● Almeida, Rolando, Faria, Domingos. & Veríssimo, Luís (2014) Como Pensar Tudo
Isto? – Filosofia 11.º ano. Lisboa: Sebenta.
● Gensler, Harry (2002) Introduction to Logic. New York: Routledge, 2nd Edition, 2010.
● Kneale, William & Kneale, Martha (1962) O Desenvolvimento da Lógica. Trad. M. S.
Lourenço. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª edição, 1991.
● Newton-Smith, W. H. (1985) Lógica: um curso introdutório. Trad. Desidério Murcho.
Lisboa: Gradiva, 2.ª edição, 2005.
● Priest, Graham (2000) Lógica para Começar. Trad. Célia Teixeira. Lisboa: Temas &
Debates, 2002.
● Priest, Graham (2001) Introduction to Non-Classical Logic. Cambridge: Cambridge
University Press.
● Sider, Theodore (2010) Logic for Philosophy. Oxford: Oxford University Press.
47