Érika Mesquita
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Sociologia da Práxis
Érika Mesquita
Resumo
Este trabalho vem contribuir para um (re)pensar a obra e a postura
intelectual de um dos grandes pensadores brasileiros, Clóvis Moura,
profícuo estudioso da história social do negro no Brasil. Analisa a condu-
ta acadêmica deste cientista social radical e expõe, de forma incipiente,
parte de sua trajetória de vida que muito contribuiu para suas acepções
teóricas e práticas. Traz à tona a questão de sua tardia receptividade nos
círculos acadêmicos.
Palavras-chave: Clóvis Moura, história social do negro, Brasil, negro,
Sociologia da práxis.
Abstract
Clovis Moura and the sociology of praxis
This work contributes to a (re)thinking of the work and
intellectual position of one of the greatest Brazilian thinkers, Clovis
Moura, a very important Brazilian thinker of the Negro social history. It
analyzes this radical social scientist’s academic career, and it shows, as
well, a part of his life story that has contributed to his theoretical and
practical ideas. And it also highlights his late acceptance among the
academic circles.
Keywords: Clovis Moura, Negro social history, Negro, Brazil, sociology
of praxis.
Résumé
Clovis Moura et la Sociologie de la praxis.
Par ce travail, on veut contribuer à repenser l’oeuvre et la démar-
che intelectuelle de l’un des grands chercheurs brésiliens, Clovis Moura,
dont les études sur l’histoire sociale du Noir au Brésil sont fructueuses.
On y analyse la démarche académique de ce spécialiste radical des scien-
ces sociales et l’on présente de forme succinte une partie de la trajectoire
de sa vie qui l’a beaucoup aidé à mettre en place ses acceptions théoriques
et pratiques. On souligne également le fait que les milieux académiques
ne l’ont reconnu que tardivement.
Mots-clés : Clovis Moura, histoire sociale du Noir, Noir, Brésil, Sociolo-
gie de la praxis.
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patrono à maneira da Academia Brasileira de Letras”. Comenta,
ainda, que “o Grêmio contou com sócios honoráveis, como Luís
da Câmara Cascudo, Elói de Souza, dentre outros autores regiona-
is de renome”. Possuiu também um jornal literário de nome O Po-
tiguar, sob sua direção, no qual publicou o primeiro de muitos ar-
tigos sobre o Brasil, este versando sobre a Inconfidência Mineira.
Quando Clóvis Moura e seu irmão se mudaram para Salva-
dor, em 1942, finda-se o Grêmio, muito conhecido pelos debates e
publicações literárias. Na Bahia, Clóvis não chega a graduar-se em
Humanidades naquele ano,3 e ingressa na carreira jornalística por
meio do jornal O Momento, diário do Partido Comunista Brasilei-
ro – PCB. É quando há o contato com o PCB, que se constitui na
oportunidade para que ele se aprofundasse nas teorias marxista e
pecebista da III e IV Internacionais. Já em 1945 torna-se militante
e em 1947 elege-se deputado estadual pelo Partido, mas tem sua
candidatura cassada pelo Tribunal Eleitoral devido a uma mano-
bra política proveniente dos partidos de ocasião, em torno de um
comício no qual estava em Juazeiro, no dia 1º de maio. Sabemos
que houve, em 1947, mais um dos cancelamentos do registro do
Partido Comunista, partido pelo qual se elegera.
Por conta desse acontecimento político, Moura transfere-se
para São Paulo em 1949, e começa a atuar na Frente Cultural do
PCB, organismo que reunia Caio Prado Júnior, Villanova Artigas,
Artur Neves, dentre outros intelectuais. Além de militar no Parti-
do Comunista, Moura profissionalmente atua como jornalista,
trabalhando para Samuel Wainer e, posteriormente, para Assis
Chateaubriand, nos Diários Associados. Concomitante a sua ati-
vidade profissional, pesquisava sobre a rebeldia negra, a luta de
classes no período colonial, tendo como foco o importante e ativo
papel do negro na formação da nação, não só do ponto de vista cul-
turalista, que começava a ser abordado no momento, mas – e prin-
cipalmente – social, desdobrando-se para os planos político e eco-
nômico. Em 1959 publica seu primeiro e marcante livro, Rebeliões
da senzala.
Foi com esse pioneiro livro, revisionista da escravidão, bem
como da história social do negro, que Clóvis Moura se inseriu no
cenário intelectual brasileiro, sendo que as luzes da ribalta nacio-
nal tardiamente voltaram seu foco para ele. A questão que se coloca
é: por que o autor foi preterido da discussão acadêmica, principal-
mente logo após sua “inserção” como mais um pensador da escra-
vidão e da história do negro no país? Talvez a resposta a este ques-
tionamento esteja na própria leitura feita pelo autor da história so-
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Clóvis Moura fez uma análise que a gente acha interessante do racismo
brasileiro [...]. Essa idéia que o Estado brasileiro foi formado com base
racista. [...]. É também uma homenagem ao Clóvis Moura [...]. A ques-
tão racial para Clóvis Moura não é mais um estudo. É o estudo dele. E a
gente acha uma injustiça da academia com ele. Eu acho que ele deu gran-
des contribuições, porque ele sistematizou, ele se debruçou sobre o
tema. Outros também se debruçaram, mas tem outros temas também,
não foi o tema central. (Depoimento citado em Calderano, 2002:100)
NOTAS:
1. Utilizaremos o termo radical como Michael Löwy utiliza em sua obra Para uma socio-
logia dos intelectuais revolucionários. A evolução política de Lukács (1909-1929), no
qual ele utiliza o adjetivo para expressar a posição dos intelectuais que pretendem, no
mínimo, questionar veementemente o capitalismo. Em suas palavras, “O intelectual
‘radicalizado’ é aquele que vê no capitalismo a causa profunda do ‘mal da civilização’,
e que por isso deseja aboli-lo” (Löwy, 1979:4).
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2. A Academia Brasileira de Letras, durante as três primeiras décadas do século XX, foi
uma das instituições culturais mais prestigiadas, e “lugar de fala” da intelectualidade
brasileira. Temos que ressaltar que nesta época, a ABL ainda estava nos tempos áure-
os de sua existência, coisa que já não acontece atualmente.
3. Conclui sua graduação nove anos mais tarde.
4. O stalinismo, em sua forma mais ortodoxa, segundo Löwy, “implica a obediência
acrítica e incondicional a todas as tendências e manobras da direção soviética e de
seus instrumentos internacionais (Comintern, Cominform etc.)” (Löwy, 1979:
230).
5. Podemos dizer que a análise mouriana foi grandemente influenciada pela interpreta-
ção marxista caiopradiana.
6. Löwy analisa de forma bastante fecunda o que seria a categoria de intelectual e, teori-
zando, escreve: “Que é um intelectual? Trata-se, sem dúvida, de um ser bizarro e difí-
cil de classificar. A primeira evidência é que o intelectual pode ser recrutado em todas
as classes e camadas da sociedade: pode ser aristocrata (Tolstoi), industrial (Owen),
professor (Hegel) ou artesão (Proudhon). Em outros termos: os intelectuais não são
uma classe, mas uma categoria social; não se definem por seu lugar no processo de
produção, mas por sua relação com as instâncias extra-econômicas da estrutura soci-
al; do mesmo modo que os burocratas e os militares se definem por sua relação com o
político, os intelectuais situam-se por sua relação com a superestrutura ideológica.
Quer dizer: os intelectuais são uma categoria social definida por seu papel ideológi-
co: eles são os produtores diretos da esfera ideológica, os criadores de produtos ideo-
lógico-culturais” (Löwy, 1979:1).
7. De acordo com Madeira e Veloso (1999:180), foram nas décadas de 40 e 50 que as
ciências sociais começaram a se institucionalizar, rompendo com a tradição “ensaís-
tica” dos anos de 20 e 30. Duas instituições de ensino se destacaram: a USP – Univer-
sidade de São Paulo e o ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, desde logo
com posicionamentos distintos. Segundo as autoras, “a USP adota critérios que afir-
mam a autonomia da pesquisa acadêmica e da universidade diante de outras instân-
cias de poder, buscando pôr em prática um ethos e os procedimentos científicos inter-
nacionalmente válidos. Surge, nessa instituição, um grupo de pesquisadores, lidera-
dos por Florestan Fernandes, que garante a continuidade dos estudos sobre o modo
de desenvolvimento do capitalismo no Brasil”. O ISEB, vinculado à estrutura do Mi-
nistério da Educação, por sua vez reúne um grupo de cientistas sociais, dentre eles,
Guerreiro Ramos, Roland Corbisier, Nélson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto,
que se propõem a elaborar um modelo de desenvolvimento para a sociedade brasilei-
ra. “Formulam também um tipo de ideal desenvolvimentista, entendido como possi-
bilidade de inserção autônoma do país no sistema capitalista internacional. O grupo
participa da elaboração do ‘plano de metas’ do governo do presidente Juscelino Ku-
bitschek (1955-1960), responsável pelo surto modernizador do período” (ibi-
dem:181). Ver mais sobre o assunto em Daniel Pécaut (1990).
8. Essa análise nos remete a Gramsci e seu conceito de “intelectual orgânico”, que se ca-
racteriza justamente por intelectuais provenientes de um determinado grupo, e que
passam a ser porta-vozes desta ou daquela organização social. Este conceito gramsci-
ano cabe muito bem para caracterizarmos o intelectual Clóvis Moura, por suposto
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