Dissert. Clarice
Dissert. Clarice
Dissert. Clarice
Teresina
2008
Clarice Helena Santiago Lira
Teresina
2008
Lira, Clarice Helena Santiago
L768p
O Piauí em tempos de segunda guerra: mobilização local e as
experiências do contingente piauiense da FEB. / Clarice Helena
Santiago Lira. Teresina: 2008.
159fls
C.D.D. 321.9
Clarice Helena Santiago Lira
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento – UFPI
Orientador
_______________________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Mauad de Sousa Andrade Essus – UFF
Examinadora
_______________________________________________________
Profa. Dra. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz – UFPI
Examinadora
Aos ex-combatentes do Piauí, em
especial a Claudísio Torres de Carvalho (in
memoriam).
AGRADECIMENTOS
Quando iniciei essa pesquisa, apesar de saber que teria uma árdua caminhada pela
frente, não supunha as várias batalhas a travar até o trabalho ser concluído. Para que chegasse
a sua finalização, foi preciso que, ao longo dessa difícil trajetória, familiares, amigos, mestres,
entre outros, me ajudassem de variadas formas, demonstrando, através de seu apoio, que um
trabalho é sempre compartilhado, por mais que não nos demos conta disso. Dessa forma, hoje
posso afirmar que essa dissertação não foi somente minha produção, mas o resultado de uma
relação fecunda, com um universo inimaginável de pessoas que, de uma forma ou de outra,
fizeram com que a idéia se transformasse em concretude. Por isso, agradeço:
A Deus, meu grande Amigo, que sempre esteve por perto em todos os momentos da
escrita desse trabalho.
À UESPI e à FAPEPI, pela ajuda de custo que me permitiu viajar para fazer pesquisa
nos arquivos do Rio de Janeiro.
A Gleidson, João Batista, Rafael, Ítalo, Calil, Jordan Bruno, Vera, alunos-amigos, que
me ajudaram a encontrar alguns dos entrevistados e outras fontes que atualmente estão
registrados nessa pesquisa.
A Ranielli, Luciano, Wilson, que, assim como eu, enveredaram em pesquisas sobre a
FEB, e muito contribuíram com informações e indicações de leituras.
A Rodrigo, amigo carioca, que possibilitou chegar às minhas mãos muitas dissertações
relacionadas ao meu objeto de pesquisa.
Aos amigos, Jonhy, Mary, Cláudia, Marcelo, Arimatéia, Vívian, Maureni e Valtéria,
pela amizade imensurável.
Aos meus colegas do Mestrado, em especial à Nalva, Pedro Pio, Andreza, Márcia,
Joseane, José Luiz, Paulo Gutemberg, pela amizade e presença fecunda, que, para além das
doações intelectuais, contribuíram com doações afetivas, tornando a trajetória de pesquisa
uma experiência mais branda.
A Francisco Alcides do Nascimento Júnior, por ter feito a maior parte da pesquisa
documental no Arquivo Público do Piauí.
Aos comandantes do 25º BC e da 26ª CSM, por me permitirem o acesso aos arquivos
dessas unidades militares.
Aos ex-combatentes e suas famílias, que dividiram comigo experiências de guerra, que
muitas vezes preferiam silenciar, muito obrigada. Em especial a Claudísio Torres de Carvalho
(in memoriam), a João Paulino Torres, a Francisco de Sousa Primo, à Maria de Jesus
Rodrigues, a Renato Silva e Sousa, à Marinês Silva e Sousa Vilarinho, à Maria de Lourdes
Silva e Sousa e à Valdene Mendes de Morais.
À minha família, minha fortaleza; com ela venci essa batalha e vencerei todas as
outras. Pai, mãe, irmãs, sobrinho: – amo a vocês.
À história seca, fria, impassível, prefiro a
história apaixonada. Inclinar-me-ia mesmo a
considerá-la mais verdadeira.
Georges Duby
RESUMO
Esse estudo teve como pretensão construir uma narrativa dos tempos da Segunda Guerra no
Piauí (1942-1945), tendo como objetivo principal analisar a forma como a mobilização de
guerra, criada no Brasil, após o decreto do estado de beligerância contra o Eixo, foi
operacionalizada na sociedade piauiense. Para tanto, os questionamentos giraram em torno
das alterações sofridas no Estado, com a instituição de uma mobilização de guerra local, como
também em relação à maneira como se processou a arregimentação de homens para a defesa
do litoral e principalmente para a composição da Força Expedicionária Brasileira. A presente
pesquisa inseriu-se nos estudos da história sociocultural, por considerar a importância das
configurações históricas na constituição das relações sociais, ao tempo em que também deu
margem à criatividade e liberdade de pensar, agir e sentir dos sujeitos históricos que
vivenciaram o período em estudo. Sob este aspecto, os documentos escritos, utilizados na
produção da pesquisa, foram principalmente jornais locais, relatórios e boletins internos. No
que se refere às fontes orais, estas foram compostas principalmente pelas narrativas dos ex-
combatentes e de seus familiares. O trabalho foi dividido em cinco partes assim distribuídas:
1 Introdução. Na Parte 2, foi discutida a criação do Serviço de Defesa Passiva Antiaérea, da
Comissão da LBA e de um Pouso do SEMTA em Teresina, e a forma como essas instituições
agiram diante das particularidades socioculturais locais. Na Parte 3, procurou-se analisar
como se deu a mobilização militar e de que modo as forças de ar, terra e mar se comportaram,
no Estado, diante da arregimentação de soldados para a guerra. Na Parte 4, procurou-se
discutir a trajetória de soldados do 25º BC, selecionados para a FEB, desde sua saída para o
Rio de Janeiro até seu retorno da Itália. A memória composta pelos ex-combatentes e seus
familiares, acerca de suas experiências vivenciadas no período da guerra, tornou-se
problematizadora de uma imagem de soldado piauiense, construída pelos órgãos oficiais
naquele período. 5 Conclusão. Por fim, as Referências, que, com base nos ensinamentos dos
teóricos estudados, contribuíram para a tessitura e construção deste trabalho.
This study had the purpose to constitute a narrative about the Second World War period in
Piauí (1942-1945), as the main objective to analyze the way how the war mobilization,
created in Brazil after the decree of belligerence state against the Axis, was produced in the
piauiense society. This way the questions round about the changes suffered on the State, with
the institution of a local war mobilization, as well as in relation to the way how was the
recruitation of men to the littoral defense and mainly to the composition of the Brazilian
Expedition Force. This research insert itself into the studies of social and cultural history for
considering the importance of the historical compositions on the social composition and at the
same time for permitting a certain creativity and freedom in the thinking, in the acting and in
the feeling of the historical subjects who experimented the studied period. About this aspect
the written documents used in the production of this research were mainly local periodicals,
reports and Internal Bulletin. In relation to the oral sources, these were mainly composed for
the telling of the ex-combatants and of their relatives. The paperwork was divided in five
parts distributed like that: 1 Introduction. In the Part 2 was discussed the creation of the
Service of Anti-aerial Passive Defense, of the Commission of the LBA and of a Landing of
the SEMTA in Teresina, and the way how these institutions acted in front of the social and
cultural local particularities. In the Part 3 we intend to analyze how was the military
mobilization and the way how the forces of air, land and sea behaved, in the state, in front of
the recruitation of soldiers to the war. In the Part 4 we intended to discuss the trajectory of
soldiers of the 25th BC who were selected to the FEB, since their exit to Rio de Janeiro until
their returns from Italy. The memory composed by the ex-combatants and their relatives about
their experiences felt in the war period became constructor of an image of piauiense soldier
constructed by the official organs in that period.5 Conclusion. At last, the References that,
based on the teachings of the studied scholars, contributed to the texture and construction of
this paperwork.
BC – Batalhão de Caçadores
BI – Boletim Interno
CR – Circunscrição de Recrutamento
PE – Polícia do Exército
RM – Região Militar
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 13
4.1 Aí eu vim para minha terra, quando, em poucos dias, fui chamado para ir à
guerra...................................................................................................................... 99
4.2 Ainda hoje sinto uma coisa ruim quando escuto o barulho de um trem................ 111
4.3 Muito ruim! Ave Maria! [...] Além do medo da guerra, tinha também o frio........ 122
4.4 [...] nós vamos embora para o Brasil, foi um corre-corre danado [...]................... 131
5 CONCLUSÃO....................................................................................................... 142
REFEREÊNCIAS................................................................................................. 145
APÊNDICES......................................................................................................... 152
Minha paixão pelas histórias e memórias da Segunda Guerra nasceu ainda na infância,
quando entrei em contato com alguns livros publicados pela Editora Biblioteca do Exército
(BIBLIEX). Esses livros pertenciam a um parente militar, que, à época, início de 1980, era
assinante da coleção General Benício.1 De todos aqueles livros, empoeirados e jogados em um
canto qualquer, o que mais me chamou a atenção foi Missão 60 de Fernando Pereyron
Mocellin.2 A narrativa sensível desse autor, piloto da FAB (Força Aérea Brasileira),
emocionou-me a cada página lida. O memorialista relatava poeticamente seu cotidiano e o de
seus colegas, na Itália, em tempos de guerra. O autor, em sua escrita, apesar de estar narrando
um episódio bastante doloroso de sua vida e de outros expedicionários, transformou-o em um
romance verossímil, em que optou por expressar sentimentos como o medo, a saudade e a
coragem, as dificuldades com o meio, com o clima e com outras culturas, além de rememorar
os momentos de lazer nos dias de folga.
Até então, para mim, a Segunda Guerra tinha sido algo bem distante, no tempo e no
espaço, sem nenhuma relação com a História do Brasil. Através dessas leituras, eu soube que,
além de o Brasil ter participado, apoiando politicamente os aliados, havia sido formada uma
Força Expedicionária (Força Expedicionária Brasileira-FEB), para lutar contra o Eixo em
campos italianos.
Na graduação em História, quando me foi exigido um tema, para que eu pudesse
construir um projeto de pesquisa, de imediato, veio-me à idéia de pesquisar sobre os
desdobramentos da Segunda Guerra no Piauí, com especial atenção a quem efetivamente
participou dos combates: – os ex-combatentes do Estado. Através dessa experiência, tive o
primeiro contato com jornais locais, que circulavam no período da guerra, como também com
informações que me levaram até os pracinhas que foram mobilizados militarmente pelo 25º
Batalhão de Caçadores. Finalizada a graduação, vez ou outra eu tentava obter mais
informações sobre os expedicionários piauienses, indo, algumas vezes, às unidades militares
desta Capital.
Em uma dessas investigações, obtive o endereço da Associação de Ex-combatentes do
Estado do Piauí e a informação de que possivelmente as unidades militares do 25º Batalhão de
1
A coleção General Benício é uma das publicações da BIBLIEX. A referida Editora também publica outras
coleções de livros e revistas sendo, no entanto, seu público-alvo o militar.
2
MOCELLIN, Fernando Pereyron. A missão 60. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército / Companhia Brasileira
de Artes Gráficas, 1971.
14
Caçadores e da 26ª Circunscrição do Serviço Militar possuíam ainda os boletins internos dos
anos de guerra; material que posteriormente tornou-se importante para a construção desta
pesquisa. Paralelamente eu tentava obter bibliografias que me ajudassem a compreender a
participação do Brasil na Segunda Guerra, como também o papel da FEB nessa participação.
Pude constatar, através dessa procura, o pouco interesse dos historiadores em trabalhar com
essa temática, como também o desinteresse de editoras brasileiras em publicar as escassas
pesquisas que eram realizadas nas pós-graduações de todo o Brasil. Não obstante, observei
que esta realidade começou a ser modificada, pelo crescente, e ainda limitado, número de
pesquisas acadêmicas sobre a FEB e de publicações sobre o assunto, observados a partir da
segunda metade da década de 1990. Outro ponto a ser ressaltado é a escassez de pesquisas que
trabalham com o cotidiano das cidades brasileiras, nos tempos de mobilização de guerra, que
afetou, guardadas as devidas proporções, variados grupos da sociedade brasileira.
Nesse sentido, esta pesquisa procurou construir uma narrativa dos tempos de guerra no
Piauí, analisando a maneira como a sociedade e, de forma específica, os pracinhas piauienses
e seus familiares, vivenciaram o conflito. Dessa forma, as principais questões de pesquisa que
se apresentaram foram: – Que alterações cotidianas sofreu o Piauí com o processo de
mobilização de guerra acontecido em entre 1942 e 1945? Como as notícias dessa mobilização
eram veiculadas nos jornais que circulavam no Estado? Que grupos sociais foram mais
afetados com esse processo de mobilização? Qual foi o papel das instituições criadas no
Estado no processo de mobilização? De que forma as forças armadas brasileiras,
representadas no Estado, arregimentaram jovens piauienses para a guerra? Qual a reação do
povo piauiense à remessa de seus soldados para o conflito mundial? Que experiências dos
tempos de guerra são consideradas mais marcantes pelos pracinhas, convocados pelo Piauí, e
por seus familiares? Foi composta no Estado do Piauí uma memória sobre os tempos de
segunda guerra, incluindo aquela que reconhece a participação efetiva de conscritos do 25º
BC no teatro de guerra italiano?
À busca de responder às questões de pesquisa, utilizei-me de um universo vasto de
documentação escrita, produzida à época da mobilização nacional, entre eles, jornais,
relatórios e revistas que circulavam no período em estudo. Outra modalidade de
documentação, utilizada na produção da pesquisa, foram as fontes orais, obtidas por meio de
entrevistas feitas com ex-combatentes da FEB, que foram, no período da mobilização militar,
arregimentados pela 26ª Circunscrição de Recrutamento, como também entrevistas feitas com
os familiares. Seus depoimentos sobre a própria experiência vivenciada compuseram também
parte da memória daqueles anos.
15
3
Para Sônia Maria de Freitas, o método de pesquisa “História Oral” pode ser dividido em três gêneros distintos:
tradição oral, história de vida e história temática. Para maior esclarecimento sobre esses gêneros, ver: FREITAS,
Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas / FFCH / USP / Imprensa
Oficial do Estado, 2002. p. 19-22. Ver também: ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro:
FGV, 2005. p. 37-39.
4
O trabalho sobre a mobilização e o cotidiano da cidade de São Paulo de Roney Cytrynowicz foi uma referência
importante no andamento dessa pesquisa. Ver: CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e
o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial / EDUSP, 2000.
16
5
Nessa pesquisa, os conceitos de produção e consumo são utilizados na perspectiva de Michel de Certeau.
17
Sem ser um saudosista, não posso deixar de evocar a Teresina que conheci, pelos
idos de 1942; uma cidadezinha escura e triste, muito quente no verão (e no inverno
também), quase isolada do mundo, um mundo, por sinal, tenso e revoltoso, afogado
na guerra. Lembro-me que um chefe de polícia meio pra frente, e para demonstrar
que o Piauí também estava na guerra, tentou sacudir a cidade, despertando-lhe brios
bélicos. Era uma noite como as outras, e ninguém poderia prever aquele apocalipse
de fogos de artifício que, de repente, explodiu nos ares calmos da cidade, enquanto
os sinos das igrejas badalavam frenéticos.6
Carlo Eugênio Porto, médico que veio ao Piauí, em 1940, para implantar o Serviço
Nacional de Malária, doença que, à época, se alastrava pelo Estado, ao rememorar a Teresina
dos tempos da Segunda Guerra, no trecho supramencionado, refere-se a um serviço que
passou a fazer parte do cotidiano da cidade – o Serviço de Defesa Passiva Antiaérea7 –
quando o governo brasileiro declarou estado de beligerância contra o Eixo,8 iniciando por
parte deste uma série de torpedeamentos a navios mercantes brasileiros.
O Brasil manteve-se neutro, diante do conflito entre os Aliados e o Eixo, até o ataque
japonês à Pearl Harbor, base americana no Pacífico, quando resolveu apoiar os Estados
Unidos, em troca de material bélico e financiamento para a construção da Companhia
Siderúrgica Nacional. Neste acordo, o Brasil se tornava exportador exclusivo de matérias-
primas estratégicas para os Estados Unidos e cedia bases do Norte e do Nordeste aos
americanos, posições importantes neste momento de guerra.9
Teresina, localizada no sertão nordestino, “escura e triste”, sem um parque industrial
nem um centro ferroviário importante, dificilmente estaria correndo riscos de ataques aéreos;
mas foi inserida, assim como todas as capitais do País, no estado de guerra que provocou
6
PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. p. 11.
7
Este serviço foi criado no Brasil, em fev. 1942, em decorrência do rompimento de relações diplomáticas do
governo brasileiro com os países do Eixo. No entanto, após a efetivação do estado de beligerância, ago. 1942,
foram criados departamentos regionais de defesa passiva, inclusive no Estado do Piauí. In: CASTELO
BRANCO, Manoel Thomaz. O Brasil da II grande guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960. p.
118.
8
FERRAZ, Francisco César Alves. Os brasileiros e a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005. p. 8.
9
Ibid., 2005, p. 14.
18
desdobramentos na vida dos habitantes do Estado, de acordo com os lugares sociais10 que
estes ocupavam naquele período.
O litoral nordestino, principalmente a cidade de Natal, era considerado o ponto
estratégico de maior importância no Atlântico-Sul, por ser a região mais oriental de todo o
continente, e por isso mais próxima da África Ocidental. A partir da base de Natal, seriam
entregues aos soviéticos e britânicos, em Dacar (África Ocidental), grande quantidade de
equipamento militar assim como a proteção e a patrulha de todo o tráfico marítimo da
América do Sul.11 Existia também a possibilidade de um ataque das potências do Eixo ao
saliente nordestino, impedindo o uso, pelos americanos, das bases aéreas navais como
também comprometendo a segurança nacional.12
O torpedeamento dos navios brasileiros, praticado por submarinos alemães, provocou
manifestações em todo o País. Grupos de estudantes e populares foram às ruas manifestar seu
repúdio aos países do Eixo, exaltando ao mesmo tempo o papel dos aliados. João Falcão, ao
analisar esse movimento que aconteceu nas principais cidades brasileiras do período, as
interpreta como práticas de extremo patriotismo e sentimento cívico, operacionalizadas
através de passeatas e comícios.13 Nessas manifestações cívicas, houve também perseguições
às nacionalidades que eram súditas do Eixo, provocando depredação dos bens desses
grupos.14 De acordo com José Camilo Filho,15 quando a notícia dos torpedeamentos chegou a
Teresina provocou indignação geral:
10
Michel de Certeau utilizou esse conceito, para analisar como se opera a produção historiográfica. Para ele, o
lugar do pesquisador torna possível determinadas pesquisas, impossibilitando outras. Sendo assim, a pesquisa
encontra-se circunscrita pelo lugar que define uma conexão do possível e do impossível. Acrescenta ainda que
“[...] a história, se define inteiramente por uma relação da linguagem com o corpo (social), e, então, também por
uma relação com os limites colocados pelo corpo, seja sob a forma do lugar particular de onde se fala, seja sob a
forma do objeto distinto (passado, morte) do qual se fala”. In: CERTEAU, Michel de. A operação histórica. In:
LE GOFF, Jacques, NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. p. 27. A
partir desse entendimento de Certeau sobre o lugar social do pesquisador em História, amplia-se o conceito para
o entendimento de outros grupos pertencentes ao corpo social, concordando que a realidade social “é construída,
pensada, dada a ler” a partir de diferentes lugares e momentos. Para maior aprofundamento dessa discussão, ver:
CHARTIER, Roger. Introdução. In: História cultural: entre práticas e representações. Algés/Portugal: DIFEL,
2002. p.13-28.
11
ALVES, Vagner Camilo. O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: história de um envolvimento forçado. Rio
de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2002. p. 92.
12
SILVEIRA, Joaquim Xavier da Silveira. A FEB por um soldado. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2000.
p. 42
13
FALCÃO, João. O Brasil e a Segunda Guerra: testemunho e depoimento de um soldado convocado.
Brasília: UnB, 1999. p. 83-117.
14
SILVEIRA, op. cit., 2000, p. 43.
15
CAMILLO FILHO, José. O Piauí na Segunda Guerra Mundial. Cadernos Piauienses, Teresina, n. 4, [s/p],
1972.
19
Vale lembrar que, à época, ainda não havia na capital do Piauí uma rádio
convencional. Eram as amplificadoras, instaladas no centro da cidade, um dos meios de
comunicação que divulgavam as notícias da guerra, transmitiam os discursos e conclamavam
o povo para as manifestações.16 Grupos de estudantes promoviam passeatas e manifestações
nas avenidas e praças. O coreto da Praça Rio Branco, após a missa dominical na Igreja Nossa
Senhora do Amparo, era constantemente usado para tais proclamações e bravatas.17 Em
relação a estas, o Sr. Vicente Bezerra, ex-combatente piauiense, que lutou em campos
italianos pela FEB (Força Expedicionária Brasileira), desabafa: – “Pouco importava para eles,
afinal não iriam mesmo à guerra [...] Os filhotes da burguesia piauiense, à época, sequer
alistavam-se, conseguiam uma dispensa”.18 Paulo Nunes que, no mesmo período, era
estudante, relembra sob outra perspectiva essa movimentação:
[...] Foi um período este muito assim acidentado, muito movimentado da história da
cidade, porque de fato o que motivou [...] a participação do Brasil foi o afundamento
dos nossos navios pelos submarinos alemães [...] e isto é que levou a estudantada e o
povo de modo geral às passeatas.19
O entrevistado lembra ainda que entre os estudantes havia intensa atividade em relação
às discussões sobre a guerra, e que as revistas estudantis – Voz do Estudante, editada pelo
Colégio Leão XIII e “Zodíaco” editada por Demóstenes Avelino – eram muito partícipes
desse movimento.20
Levando-se em consideração as memórias do Sr. Vicente Bezerra e de Paulo Nunes,
pode-se perceber que os desdobramentos da guerra, no Piauí, os afetaram de diferentes
formas. O estudante em sua entrevista enfatiza a participação efetiva da estudantada piauiense
nas passeatas, pedindo guerra ao Eixo ou mesmo produzindo textos sobre o assunto, para as
revistas estudantis ou até promovendo reuniões para festejar os avanços dos aliados.
Contrariamente, o ex-combatente constituiu uma memória da guerra que expressa a
experiência traumática pela qual passou nos combates da Itália. Ao discutir as maneiras
diferentes de como a memória se constitui, Pollack enfatiza as disputas entre estas, tomando
partido para as memórias das minorias, que ele denomina de subterrâneas.21 Acrescenta ainda
16
RODRIGES, Tony. Participação na 2ª Guerra faz 2 mortos. MEIO NORTE, 11 mar. 2001, p. 4.
17
Id. Ibid.
18
Id. Ibid.
19
NUNES, Manoel Paulo. Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 29 set. 2007.
20
Essas revistas podem ser encontradas no Arquivo Público do Piauí, do período da mobilização de guerra
(1942-1945); a revista “Voz do Estudante”, n. 7, 9, 12, 13; e a “Zodíaco”, produzida no período em questão, foi
encontrada somente a n. 15.
21
POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, p.
4, 1989.
20
que a “[...] referência sobre o passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições
que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas
também as oposições irredutíveis”.22 Nesse sentido, em que lugares sociais e quais memórias
se constituíram sobre a Segunda Guerra no Piauí?
Nesse período de guerra, o Estado do Piauí era governado pelo interventor Leônidas
de Castro Melo, que criou, na capital, durante o tempo de mobilização nacional, a Diretoria
dos Serviços de Defesa Passiva Antiaérea, sob a direção de Evilásio Vilanova. Perseguições a
pessoas ligadas às nacionalidades do eixo aconteceram no Estado. O governo dispensou
“súditos alemães que prestavam serviços na Usina Elétrica, na reforma da rede elétrica de
Teresina, no serviço telefônico e no Hospital Getúlio Vargas”.23 A companhia aérea que
trafegava pelo Piauí neste momento era a Condor, que ligava o Estado à capital da República.
Mas “os ataques alemães a navios nacionais, em águas da costa brasileira, e o acirramento das
manifestações [...] provocaram a suspensão dos vôos da Condor.24
O cumprimento das diretrizes políticas implantadas pelo governo ditatorial de Vargas,
entre elas a mobilização de guerra, parece ter sido aceito sem questionamentos pelo
interventor do Estado do Piauí. Ressalte-se que esse posicionamento de aceitação pode ser
percebido desde sua chegada ao poder, em 1935, sendo reforçado às vésperas do Golpe de
1937, quando o deputado Negrão de Lima, emissário de Vargas, vem a Teresina pedir apoio
para o golpe de Estado, necessário à contenção de um plano comunista em andamento, o
Plano Cohen.25 Sobre a cooperação do governo do Estado em relação ao pretenso golpe,
Francisco Alcides do Nascimento pontua:
O indicativo de data para o golpe, deixado por Negrão de Lima para Leônidas, foi 4
de novembro. No intervalo entre 4 e 10 de novembro, as autoridades militares
viveram a expectativa de deflagração de um ataque à ordem estabelecida, promovido
pelos comunistas. Ainda no dia da “visita” de Negrão de Lima, à tarde, ocorreu uma
reunião do comandante do 25º BC, o coronel Abelardo Torres de Castro com o chefe
de Polícia e o comandante da Polícia Militar. O interventor narrou o acontecimento,
reproduziu a farsa do provável levante comunista no País e concluiu: ‘Aqui no Piauí,
se tal suceder, reagirei por todos os meios a meu alcance e com a maior energia’.26
22
POLLACK, op. cit., 1989. , p. 9.
23
CAMILLO FILHO, op. cit.
24
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo: modernização e violência policial em Teresina.
Teresina: FCMC, 2002. p. 183.
25
Em 30 set. 1937, foi divulgado na imprensa um plano de insurreição organizado pelos comunistas. Este plano
ficcional foi utilizado como estratégia do governo Vargas para a aceitação de seu projeto golpista, que acabou
dando certo. Para maiores esclarecimentos, ver: PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do
regime. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.). O tempo do nacional-estatismo:
do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 33-34.
26
NASCIMENTO, op. cit., 2002, p. 35.
21
27
PIAUÍ. Chefia de Polícia. Diário Oficial, Teresina, 7 jul. 1943, p. 2.
28
PIAUÍ. O Estado de Guerra. Diário Oficial, Teresina, 25 nov. 1944, p. 6.
29
PIAUÍ. Serviço de Registro de Estrangeiro. Diário Oficial, Teresina, 25 nov. 1944, p. 6.
22
30
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p. 118.
31
NUNES, op. cit., 29 set. 2007 (Entrevista).
32
NASCIMENTO, op. cit., 2002, p. 85-89.
23
O Eixo, como se pode perceber, passa a ser visto, pelo discurso oficial, como um
inimigo feroz que deveria ser derrotado, contrariamente a índole do brasileiro, o qual possuía
sentimentos de ternura, algo que podia ser constatado nos conflitos do passado. A imagem do
brasileiro pacífico, patriota, cidadão e colaborador permeará o discurso oficial do período em
análise. “A propaganda, além de enaltecer a figura do líder e sua relação direta com as
massas, demonstrava a preocupação do governo com a identidade nacional coletiva”.34
Produzia-se o sentimento de pertencimento à Nação, ao Povo, à Pátria, enfatizando os
aspectos culturais que deveriam ser lembrados e proibindo os produtos culturais perigosos ao
projeto nacionalista.35
Uma idéia mais sistematizada, sobre um Estado forte e centralizado, com
características culturais próprias que o fazia diferente das outras nações existentes, passa a ser
pensada e escrita no Brasil logo após sua Independência, com a criação do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, em 1838.36 Certamente não se pode esquecer a produção sobre o
33
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 3 jun. 1943, p. 2.
34
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge; DELGADO,
Lucília de Almeida Neves (Org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do
Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 124.
35
CAPELATO, op. cit., 2007, p.125.
36
O Século XIX será um século importante quando se fala na formação dos Estados nacionais, principalmente
em relação aos países da América Latina. As mudanças que se estavam operando na Europa Ocidental vão afetar
aquele mundo dependente, entre eles, o Brasil, contribuindo para suas emancipações políticas. É nesse momento
que o liberalismo e o nacionalismo passam a fazer parte do universo sociopolítico, gerando a necessidade de se
24
Brasil anterior à criação do IHGB, mas, com o nascimento dessa instituição, o objetivo
principal passa a ser a de “[...] fazer uma história pedagógica, orientadora dos novos para o
patriotismo, com base no modelo dos antepassados [...]”.37
Nesse sentido, foi criada uma imagem idealizada do Brasil, dos brasileiros e de seu
passado. Com a proclamação da República, houve a necessidade de romper-se com a tradição
monarquista; e novas imagens sobre o Brasil e seu povo tiveram que ser criadas para legitimar
o novo regime que se apresentava. No entanto, as imagens criadas para a República brasileira
e as relações sociais contraditórias que se apresentavam na cena cotidiana, em seus vários
aspectos, demonstravam que o novo regime havia sido criado para poucos e que os vícios de
um passado aristocrata, escravocrata e paternalista permaneciam, desdobrando-se em várias
crises que vão caracterizar a Primeira República. 38
A tomada do poder, em 1930, pela Aliança liberal, formada por diversos segmentos
descontentes com a República Velha, apoiava-se no discurso de negação do passado
republicano e defendia, apesar de sua heterogeneidade, temáticas relacionadas à justiça social
e a liberdade política. Dessa forma, o governo, que passava a se constituir, tentava afastar-se
dos modelos que se assemelhavam ao momento político anterior, propagando a imagem da
“Revolução” como aquela capaz de construir um Brasil novo, através de reformas no sistema
político, na defesa dos direitos sociais, na diversificação da economia, como também na
diminuição das disparidades regionais.39 O Estado Novo, implantado em 1937, através de um
golpe, veio, de acordo com o discurso do governo, como necessário à continuidade do projeto
que havia sido implantado com a Revolução, mas que corria o risco de ser interrompido com
forças contraditórias ao regime. Nesse período, o DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda), criado em 1939, dirigido por Lourival Fontes, passa a ser um dos instrumentos
de sustentação do regime, por controlar os meios de comunicação e cultura, como também por
construir uma identidade, para as nações que nasciam nesse momento. A criação do IHGB está intimamente
relacionada a esse momento histórico. Francisco Iglesias, no entanto, divide de uma forma bem didática, mas
também fluida, três momentos que ele considera importantes na construção da historiografia brasileira e de uma
imagem do Brasil: o primeiro momento se situa entre 1500-1838; o segundo momento, de 1838-1931, tendo
como marco a criação do IHGB; e o terceiro momento, de 1931, a contemporaneidade. Para maior
aprofundamento, ver: IGLÉSIAS, Francisco. Historiadores do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Belo
Horizonte-MG: UFMG, 2000.
37
Ver Iglésias, op. cit., 2000, p. 61.
38
Uma análise sobre o imaginário construído da República no Brasil e as disputas entre elas podem ser vistas
em: CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. E uma discussão sobre as contradições sociais que se apresentavam entre o ideal do
novo regime e as relações sociais que se constituíam no cotidiano, principalmente na cidade do Rio de Janeiro,
estão presentes em: CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
39
PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. p.
16.
25
produzir e divulgar a propaganda estado-novista.40 Por meio desse órgão, o governo ditatorial
propagava, para a opinião pública, as “[...] diretrizes doutrinárias do regime, atuando em
defesa da cultura, da unidade espiritual e da civilização brasileira”. 41
É importante lembrar que o governo Vargas considerava o fascismo europeu uma
referência para a realidade nacional, tendo como prioridades a centralização do poder, a
crítica à democracia parlamentar e à pluralidade de partidos, o nacionalismo, “[...] a adoção de
uma política imigratória anti-semita, o emprego de mecanismos de controle social e político
(DOPS) e de legitimação (DIP) [...]”.42 Nessa tentativa de legitimação do Novo Regime, a
cultura popular ganha maior dimensão, porque é através do renascimento e/ou invenção como
também do esquecimento de certos aspectos perigosos da mesma que a doutrinação do regime
passa a se constituir. Sendo assim,
40
CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. In: Repensando o
estado novo. Dulce Pandolfi (Org.). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 169-170.
41
Ibid., 1999, p. 172.
42
CARNEIRO, Maria Lúcia Tucci. O estado novo, o dops, e a ideologia de segurança nacional. In: Repensando
o estado novo. PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1999. p. 334.
43
VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a política do Estado Novo. In: FERREIRA, Jorge. Lucília de
Almeida Neves (Org.). O tempo do nacional estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 172.
44
D’ARAÚJO, Maria Celina. A Era Vargas. São Paulo: Moderna, 1997. p. 56.
26
sentido, a “[...] mobilização para a guerra e a mobilização para o Estado Novo se conjugaram,
a guerra sendo por vezes um álibi para o Estado Novo”.45
Diante das especificidades da Segunda Guerra, o governo brasileiro divulgava que o
sacrifício não mais seria somente do soldado uniformizado no campo de batalha, mas também
de toda uma população que ficava na retaguarda, sendo que toda a população teria que
participar inclusive crianças e mulheres. 46
Em relação à defesa do território brasileiro, fazia-se necessário diminuir os perigos de
um possível bombardeio com a colaboração da população para com o governo, cumprindo seu
papel na defesa nacional. Não bastava que a população estudasse “apenas os meios de defesa
pessoal, mas também os de colaboração com os poderes públicos, para a eficiência do serviço
de defesa coletiva”,47 haja vista ser “[...] dever de todo brasileiro conhecer a utilidade da
defesa passiva antiaérea”. 48
Por sua vez, a defesa passiva antiaérea parece não ter promovido o efeito desejado por
parte das autoridades, não despertando assim o interesse popular. O povo parecia indiferente
às necessidades do serviço. O insucesso, segundo a Diretoria Nacional, podia ser explicado
pela incompreensão da população sobre as medidas, por esta também não se sentir ameaçada,
pela falta de recursos, assim como a ausência de leis coercitivas. 49
Através da memória de Carlos Eugênio Porto, pode-se questionar: – Até que ponto a
população contribuiu com os serviços de defesa passiva? Ou ainda de forma mais geral: – Até
que ponto a população piauiense contribuiu com a mobilização de guerra produzida pelo
governo? Por que não existe uma memória coletiva sobre os tempos da Segunda Guerra no
Piauí? Michel de Certeau corrobora, através de sua discussão sobre a invenção do cotidiano, a
visualização de algumas pistas. Segundo ele, há “uma produção racionalizada, expansionista
além de centralizadora, barulhenta e espetacular”, que estamos tomando aqui como a
organização da mobilização de guerra pelo governo, “corresponde outra produção, qualificada
de ‘consumo’”.50 Deste modo, pode-se inferir que as maneiras de empregar os produtos,
criados pela mobilização do estado de guerra, pela população piauiense, divergiram do
imposto pela máquina de propaganda ditatorial.
45
CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda
Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial/EDUSP, 2000. p. 105.
46
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 3 jun. 1943, p. 2.
47
Id. ibid.
48
Ibid., p. 3.
49
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p. 119.
50
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994. p. 39.
27
Em Teresina, o desinteresse pelo exercício de defesa passiva pode ter sido freqüente,
posto que, na conferência supracitada, o professor avisa:
Aos que não acreditam na possibilidade de um ataque aéreo à nossa terra, sob a
esperança de que nos encontramos em ponto muito afastado dos teatros da luta, ou
de que não constituímos objetivo que justifique uma ação de tal natureza, ou ainda,
de que o inimigo já se encontra enfraquecido, convém lembrar que o monstro está
ferido, mas não está morto [...]. Não nos devemos esquecer do chamado “desespero
de causa”. De tudo é capaz um inimigo que apunhala pelas costas; que bombardeia
hospitais inteiros cheios de doentes; [...] que torpedeia pacatas embarcações de
cabotagem conduzindo famílias e crianças!51
51
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 3 jun. 1943, p. 3.
52
D’ARAÚJO, op. cit., 1997, p. 94.
53
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 6 abr. 1943.
28
momento de guerra.54 De acordo com o Diário Oficial, o delegado e suas instruções foram
recebidos com muito entusiasmo por alunos e professores.
A Igreja, além de contribuir com o badalo frenético de seus sinos no exercício do
serviço de defesa, como recorda Carlos Eugênio Porto, também se comprometia em
esclarecer, em algumas paróquias, através de reuniões, a importância do serviço, cumprindo
com o seu papel diante da Pátria. Alguns professores e estudantes se comprometeram também
em ajudar no serviço de defesa, como é o caso de Benjamin Soares de Carvalho, professor
que fez curso de defesa passiva antiaérea no Rio de Janeiro e recebeu certificado de monitor.
O curso passa a ser oferecido em Teresina para pessoas influentes da cidade, como
professores, padres, desembargadores. E são estes que terão a responsabilidade de repassar as
orientações necessárias para a proteção dos habitantes da cidade. Alguns estudantes
“assumiam o seu dever cívico”, na concepção do DEIP, como foi o caso dos alunos do
Ginásio Leão XIII, que visitaram, juntamente com professores e diretor, a sede da Defesa
Passiva Antiaérea na capital, oferecendo a sua contribuição como cidadãos patriotas e
cumpridores de seus deveres.55 Os estudantes, para o governo, eram elementos importantes na
constituição de uma nação ideal. Destaque-se que um dos estudantes da capital é recordado
cumprindo a função de alertador:
Pegado na rua de surpresa, não soube o que fazer, e fui em frente. Isso me valeu uma
severa advertência, quase diria uma agressão de parte de um estudante meu
conhecido, que surgiu como um fantasma daquele caos. Era um “alertador” contra
ataques aéreos, conforme me disse nervosamente, muito agastado pelo fato de me
encontrar perambulando desabrigado na rua, naquela hora de sombrios perigos. Para
acalmá-lo, “abriguei-me” na casa de um velho médico, meu amigo, que encontrei
encantado com a teatralidade daquele exercício. Secretário do Governo, convidara
pessoas para a festinha do “alarme”, como graciosamente chamava aquele louco
estralejar de foguetes. A festinha amena acabou noite alta, muito depois de ter
subido ao céu a última girândola. Saímos para a rua, agora silenciosa, quando os
galos iniciavam a cantoria e o trem de São Luís apitava na curva do Mafuá.56
54
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 10 abr. 1943, p. capa final.
55
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 16 abr. 1943, p.1.
56
PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. p. 11.
29
Apareciam, vez por outra, espíritos demolidores de pessoas maldizentes, até mesmo
das altas camadas sociais, que procuram menosprezar os serviços de defesa civil ou
de incutir no ânimo de outros retardados a suposição de se tratar de coisa inútil,
entre nós.57
57
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 7 jun. 1943, capa final.
58
Id. ibid.
59
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 12 maio 1943, capa final.
60
Id. ibid.
30
Nesse período em que o Brasil se insere no estado de guerra, não existia em Teresina
uma estação emissora de rádio. Nesse sentido as amplificadoras se tornaram meios
importantes da divulgação do conflito mundial. 61 Eram instaladas nas principais praças do
centro comercial da capital e, apesar da limitação de sua abrangência, tornou-se um dos
instrumentos propagadores e convocatórios da mobilização de guerra na cidade, dentre eles o
Serviço de Defesa Passiva.
De acordo com decreto oficial relativo a esse serviço, os moradores ou pessoas que
exerciam suas atividades nos estabelecimentos privados, como, por exemplo, residências
particulares ou coletivas, oficinas, fábricas, repartições, estabelecimentos industriais e
comerciais, deviam construir um serviço privado de defesa passiva antiaérea. Esses serviços
privados tinham como missão instruir e preparar todos os que conviviam nesses locais, para
que pudessem ficar protegidos e agir em caso de blackout, incêndios, efeito de bombas
incendiárias, aproveitamento de abrigos, construção de trincheiras, dentre outros.62
O Sr. Claudísio Torres, ex-combatente, recorda um desses exercícios de defesa passiva
que aconteceu nas noites da capital:
61
SOLON, Daniel Vasconcelos. Novos sons se espalham por Teresina: os altos falantes e o processo de
modernização da cidade. In: NASCIMENTO, Francisco Alcides do; SANTIAGO, JR. F. C. Fernandes (Org.).
Encruzilhadas da história: rádio e memória. Recife: Bagaço, 2006. p. 168.
62
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 8 abr. 1943, capa final.
63
CARVALHO, Claudísio Torres de. Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 10 fev.
2007.
64
NUNES, op. cit., 29 set. 2007 (Entrevista).
65
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 29 abr. 1943, p. 5.
31
aéreo. Sob este aspecto, em 18 de junho de 1943, foi realizado um exercício com a população
em relação à defesa passiva, e elogiado pelo diretor nacional de Defesa Passiva Antiaérea.
Segundo seu relato, ficava extremamente satisfeito com o êxito do exercício, saudava o
diretor regional, as autoridades militares e civis, e o povo pela patriótica cooperação.66
Em chamamento do Diário Oficial, era ressaltada a necessidade de o povo participar
no exercício desse serviço:
Brasileiros!
A qualidade de membros do Serviço de Defesa Passiva Antiaérea vos equipara aos
soldados do Brasil. Procurando instruir-vos sobre defesa passiva e cumprindo, à
risca, as ordens e prescrições emanadas do referido Serviço, trabalhareis, de modo
eficiente e decisivo, pela vossa proteção individual, pela proteção coletiva e pela
defesa da Pátria.67
66
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 17 jul. 1943, p. 1.
67
PIAUÍ. Brasileiros! Diário Oficial, Teresina, 3 abr. 1943, p. 7.
68
A discussão sobre a adoção da doutrina corporativista pelo Estado Novo pode ser vista em: D’ARAÚJO, op.
cit., p.72-74; LENHARO, Alcir. A sacralização da política. Campinas-SP: Papirus, 1986. p. 22-23.
69
PIAUÍ. Serviço de Defesa Civil. Diretoria Regional. Diário Oficial, Teresina, 28 set. 1944, p. 4.
70
CYTRYNOWICZ, op. cit., 2000, p. 272-273.
32
proteção dos escolares e das pessoas que trabalhavam nesses estabelecimentos de ensino,
diante de um possível ataque aéreo, chamado de Plano B. Essa portaria isentava ou obrigava
as escolas a possuírem abrigos antiaéreos além de outras necessidades.71
Em telegrama do Serviço de Defesa Civil, no final de novembro de 1944, este órgão
esclarece que necessita do relatório de atividades da Diretoria de Defesa Civil do Estado do
Piauí do ano de 1944. No relatório, deveria conter o estado atual do pessoal da Diretoria
Regional; a situação atual da organização e montagem dos serviços de prevenção e socorros;
dos cursos da Defesa Civil que funcionaram e os resultados; da situação técnica e psicológica
da população. Por último, queria a descrição da situação até 31 de dezembro das atividades
concernentes à instalação de sirenes, postos de prevenção e socorro, dos números de abrigos
prontos e os que estavam em construção, da proteção dos estabelecimentos escolares e
industriais, da aplicação dos cartazes e manuais remetidos, dos recursos orçamentários e
outras atividades importantes.72
Por outro lado, não se sabe até que ponto estas medidas preventivas de ataques aéreos
foram tomadas. Pôde-se notar que, em 1943, o jornal Diário Oficial divulgou,
incansavelmente, os decretos relacionados ao serviço, como também algumas ações tomadas
pelas autoridades responsáveis. No entanto, em 1944, as notas dos jornais sobre o serviço
aparecem de forma escassa, dando a impressão de que nesse momento o serviço não é mais
prioridade no governo estadual.
71
PIAUÍ. Serviço de Defesa Civil. Diretoria Nacional. Diário Oficial, Teresina, 23 nov. 1944, p. 11.
72
Ibid., 30 nov. 1944, p.16.
73
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência: suas atividades no setor do Piauí. Diário Oficial, Teresina, 3 jul.
1943, p.1-2.
74
SIMILI, Ivana Guilherme. A construção de uma personagem: a trajetória da primeira-dama Darcy Vargas
(1930-1945). Trabalho apresentado no Seminário Internacional Fazendo Gênero 7: gêneros e preconceitos
realizado na Universidade Federal de Santa Catarina em 28 a 30 de agosto de 2006. p. 2-3.
33
pela esposa do presidente da República, sendo também criadas filiais em muitas cidades
brasileiras, todas administradas pelas primeiras-damas.75
A Comissão Estadual da Legião Brasileira de Assistência foi criada em 11 de
setembro de 1942, no Estado do Piauí. A Presidência da Comissão foi assumida por Maria do
Carmo Melo, mulher do interventor. De acordo com relatório dessa Comissão, apresentado a
presidente da Comissão Central, Darci Sarmanho Vargas, todas as classes estavam presentes
nessa reunião, organizada no Palácio do Governo, onde se procedeu a eleição para as
diretorias e as diversas comissões.76 Essa instituição, criada para auxiliar as famílias dos
soldados convocados para a guerra, assumiu, além desta, outras atribuições.
Seu “surgimento foi marcado pelo estabelecimento de uma parceria entre o
empresariado, o Estado e o voluntariado feminino civil [...]”.77 No Estado do Piauí, Darcy
Vargas solicitou à Associação Comercial que assumisse com a Legião, os compromissos
assistenciais do Estado, tomando parte nas deliberações.
Em 18 de setembro de 1943, é instalada solenemente no Estado, no Teatro 4 de
Setembro, a Comissão Estadual da LBA, onde vários discursos foram feitos, entre eles, o do
presidente da Associação Comercial do Estado, Dr. Cícero da Silva Ferraz, que lançou um
questionamento naquele instante: – “De que nos servirá a fortuna particular, se o Tesouro da
Pátria, que é a nossa liberdade, for aguilhotinada?”78 Convém lembrar que o Teatro 4 de
Setembro tornou-se, nesse período, um espaço privilegiado para as solenidades e
comemorações organizadas pelo governo.
De acordo com Maria do Carmo Melo, a primeira realização prática da instituição foi
O Posto de Costura Darcy Vargas, homenagem à fundadora da Legião. Estes postos foram
criados em todo o País, com a pretensão de servir o soldado brasileiro, fazendo roupas que
pudessem ser utilizadas no front. No Piauí, nesses locais, também eram produzidas roupas
para menores reconhecidamente pobres. Entre as peças estavam pijamas, lençóis e roupinhas
para crianças.
O Posto de Costuras Darci Vargas funcionou primeiramente no Salão Nobre da Escola
Normal Oficial e, posteriormente, foi transferido para os altos da loja Rianil, situada à Praça
Rio Branco.79 Destaque-se que lá eram oferecidos cursos gratuitos para que senhoras e
75
SIMILI, Ivana Guilherme. Educação e moda na Segunda Guerra Mundial: as propagandas das campanhas da
Legião Brasileira de Assistência. Estudos Ibéricos, PUCRS, v. XXXIII, n. 1, p. 161, jun. 2007.
76
PIAUÍ. Relatório da Legião Brasileira de Assistência – Comissão Estadual do Piauí, Teresina, dez. 1944.
77
SIMILI, op. cit., 2007, p. 161.
78
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência: suas atividades no setor do Piauí. Diário Oficial, Teresina, 3 jul.
1943, p. 1-2.
79
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 7 jun. 1943, p. 4.
34
80
SIMILI, op. cit., 2006, p. 5.
81
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 1 maio 1943, capa final.
82
Ibid., p. 5.
35
relacionados à defesa nacional. Esses órgãos sobreviviam, sobretudo, de doações, sendo que,
no Piauí, a Sociedade Jovem Síria fez doações para o serviço daquele órgão no Estado. Para o
seu funcionamento, o órgão recebeu arsenal cirúrgico que havia sido autorizado pelo
interventor; foram adquiridos dois chassis novos de caminhões, para serem transformados em
ambulância; foram adquiridos medicamentos para serviço de cirurgia de urgência. Alguns
desses equipamentos custaram a chegar à Capital, inclusive o arsenal cirúrgico, em razão da
dificuldade de transporte, tendo em vista que o material era fornecido pelos grandes centros
daquele período. “Provida de meios materiais e dispondo dentro em breve de uma turma de
voluntários socorristas, achar-se-á a Cruz Vermelha, no Piauí, apta a prestar serviços ao
Exército, como reserva de seu serviço de saúde”.83
Para tornar-se uma Socorrista, era necessário passar por um processo de seleção. Em
novembro de 1943, aconteceram novos exames para o curso de socorristas. Os exames foram
realizados na sala da Associação Piauiense de Medicina, no Hospital Getúlio Vargas.84 Dessa
forma, as mulheres iam ocupando os espaços que lhes eram reservados; ou seja, amparar,
cuidar, socorrer os necessitados desse momento de guerra. Entretanto, ressalte-se que isso
também possibilitou a saída da mulher do espaço privado, mesmo assumindo funções vistas, à
época, como pertencentes ao universo feminino.
Sobre a propaganda que foi utilizada não somente no estado de guerra, mas também
durante todo o Estado Novo, apesar de muito importante na divulgação das mensagens
políticas e um dos pilares de sustentação do poder, não pôde ser tomada como veículo capaz
de controlar as consciências como um todo. De acordo com Maria Helena Capelato:
[...] As teses que insistem na onipotência da propaganda política não levam em conta
o fato de que ela só reforça tendências já existentes na sociedade e que a eficácia de
sua atuação depende da capacidade de captar e explorar anseios e interesses
predominantes num dado momento.85
Dessa forma, pode-se questionar até que ponto a mobilização de guerra atingiu a
sociedade piauiense? De que modo se deu a participação de voluntárias nos serviços da
instituição? A Legião Brasileira de Assistência agiu como é relatado no discurso oficial ou
sua ação foi limitada a pequenas campanhas e ações que pouco alteraram o cotidiano dos
piauienses e dos familiares dos convocados? As configurações históricas da sociedade
piauiense nesse momento permitiam uma participação efetiva da população na mobilização
propagandeada pelo discurso oficial?
83
PIAUÍ. Curso de Samaritanas Socorristas. Diário Oficial, Teresina, 28 maio 1943, p. 3.
84
PIAUÍ. Cruz Vermelha Brasileira. Filial do Piauí. Diário Oficial, Teresina, 11 nov. 1943, p. 2.
85
CAPELATO, op. cit., 1999, p. 177-178.
36
86
SOUSA, Renato Silva e; VILARINHO, Marinês Silva e Sousa; SOUSA, Maria de Lourdes da Silva e Sousa.
Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 12 jan. 2008. RODRIGUES, Maria de Jesus.
Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 16 dez. 2007. CARVALHO, Claudísio Torres de.
Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 10 fev. 2007. PRIMO, Francisco de Sousa.
Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 30 out. 2007.
87
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 3 jun. 1943, p. 1.
88
Ibid., 7 jun. 1943, p. 1.
37
89
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 7 jun. 1943, p. 2.
90
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência: suas atividades no setor do Piauí. Diário Oficial, Teresina, 3 jul.
1943, p. 1-2.
91
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 6 abr. 1943, p. 7.
38
92
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p. 69.
93
Ibid., 1960, p. 75-76.
39
Nesse trecho do sermão, são oferecidas pistas de que a Igreja no Estado colaborava
com os ideais estado-novistas, legitimando o discurso de Nação, Pátria e dever, algo bastante
utilizado no estado de guerra.
A LBA no Piauí funcionava no 1º andar do edifício Rianil, espaço alugado, e seu
horário de funcionamento era de 08:00h às 11:00h, de segunda a sábado, e das 14:00h às
17:00 de segunda à sexta. Devido à necessidade de mensageiros, essa instituição lança nota no
jornal, pedindo que os jovens, principalmente a estudantada, compareçam à instituição para
assumir uma boa oportunidade de servir à Pátria, que era ser um mensageiro voluntário.95 Em
razão da necessidade de se distribuir numerosas correspondências que chegavam das regiões
militares, enviadas pelos soldados convocados, a LBA no Piauí enfatiza o atendimento da
população aos chamamentos de voluntários mensageiros: “Atenderam ao apelo dezenas de
jovens estudantes e operários, que estão prestando cooperação valiosíssima na distribuição da
referida correspondência”.96
Essas correspondências, distribuídas pela LBA, através de mensageiros, foram
desaparecendo no decorrer do tempo, pelo menos aquelas guardadas pelos ex-combatentes
que foram entrevistados para essa pesquisa. Os cupins, o tempo, as lembranças ruins nelas
contidas foram os motivos encontrados para a inexistência das cartas nos dias atuais.
Segundo o Diário Oficial, a Legião Brasileira de Assistência assumia o seu lugar de
benemerência contínua e vigilante. O Jornal deixa claro o importante papel desempenhado por
essa instituição, dando a entender que toda a sociedade estava informada e/ou pudesse ser
beneficiada por seus serviços, não tendo apenas como objetivo o amparo das famílias dos
“bravos” combatentes:
Essa grande instituição de caráter permanente, com um vasto raio de ação moldado
nos melhores princípios de humanidade, encontrou a mais afetuosa acolhida e o
mais decidido apoio em todas as camadas sociais, que desde já vêm recebendo, aqui
e ali, eficiente amparo e solícita assistência. 97
A LBA foi a primeira instituição pública, na área de assistência social, cuja criação
pode ser interpretada como uma estratégia do governo Vargas, para a sua legitimação, através
do assistencialismo que iria extrapolar seu objetivo inicial, que era prover os mobilizados para
94
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 10 maio 1943, p. 1.
95
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 19 jun. 1943, p. capa final.
96
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência: suas atividades no setor do Piauí. Diário Oficial, Teresina, 3 jul.
1943, p. 1-2.
97
Ibid., 1943, p. 1-2.
40
No Natal do ano seguinte, em 1944, a cerimônia se repetiu. No entanto, foi dada maior
ênfase ao soldado combatente e suas famílias, como a doação de agasalhos para os soldados
que lutavam na Europa e presentes para seus familiares, aqui no Piauí. Mas outros grupos
foram agraciados, com presentes para os soldados do 25° B.C, Força Policial e Guarda Civil;
roupas e calçados para os 550 velhinhos matriculados na Caixa Beneficente dos Mendigos de
Teresina, distribuição de roupas às crianças matriculadas na Casa da Criança em número de
700, distribuição de mimos aos 45 internos na Escola Profissional “Leônidas Melo”, e ainda
presentes para os pequenos pobres da cidade. Em relação a estes, foram distribuídos cartões
que deveriam ser trocados no Estádio Municipal Lindolfo Monteiro, no Campo de Marte.104
102
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência: suas atividades no setor do Piauí. Diário Oficial, Teresina, 3 jul.
1943, p. 1-2.
103
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência. As comemorações da natividade. Diário Oficial, Teresina, 23 dez.
1943, p. 1.
104
PIAUÍ. Natal das Forças Armadas e dos Pobres. Diário Oficial, Teresina, 5 dez. 1944, p. 1.
42
[...] por espontânea deliberação dos beneficiados, com o apoio de seus superiores,
foi afinal destinado às famílias dos soldados enviados à Força Expedicionária
Brasileira, gesto de grande elegância moral que, como era natural, despertou a
admiração das autoridades e dos representantes da benemérita LBA. Esse mimo está
representado por um cheque de 24 mil cruzeiros.105
105
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência. Natal das Forças Armadas e dos Pobres. Diário Oficial, Teresina,
26 dez. 1944, p. 8.
106
Id. ibid.
107
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência. Campanha do Livro para o Combatente. Diário Oficial, Teresina,
31 ago. 1943, p. 8.
108
SIMILI, op. cit., 2007, p. 166.
109
SIMILI, op. cit., 2007, p. 168.
110
Ibid., 2007, p. 161.
43
Getúlio Vargas, em manifesto à Nação, instituiu o mês de junho de 1943 como o mês
nacional da borracha, solicitando ao povo brasileiro a doação de artefatos de borracha velha,
como também o empenho na produção, pois, naquele momento, esse produto se tornou muito
importante para a mobilização de guerra, em razão de a borracha ser um material de maior
desgaste no conflito em andamento.111 O governo conclamava ao povo que extraísse borracha
onde pudessem, porque:
As armas aliadas precisam de mais borracha, dessa borracha que existe, não só no
extenso vale amazônico, mas em Mato Grosso, nesse rumo a Oeste, e em vários
pontos do território nacional, tanto nas seringueiras como nas maniçobas e
mangabeiras [...].112
[...] uma ocasião sem par de contribuir para a batalha da produção, rumo aos
maniçobais, para a extração da borracha piauiense, tão necessária à prossecução da
guerra e ao êxito dos que aderiram à declaração de princípios da Carta do
Atlântico.113
111
CYTRYNOWICZ, op. cit., 2000, p. 224.
112
PIAUÍ. Mês nacional da borracha. Manifesto ao povo brasileiro sobre o mês nacional da borracha. Diário
Oficial, Teresina, 1 jun. 1943, p. 1.
113
PIAUÍ. Borracha para a vitória. Diário Oficial, Teresina, 3 jun. 1943, p. 1.
114
PIAUÍ. Borracha Piauiense. Diário Oficial, Teresina, 16 jun. 1943, p. 1.
44
115
QUEIROZ, Teresinha. A importância da borracha de maniçoba na economia do Piauí – 1900-1920.
Teresina: FUNDAPI, 2006a. p. 33-34. Para esta autora, à época, o Brasil era um dos principais fornecedores do
produto, sendo que, devido à conjuntura favorável, mantinha um nível elevado do preço no mercado
internacional. No entanto, quando os asiáticos se inseriram como competidores na exportação de uma borracha
de melhor qualidade, quantidade e menores preços, a borracha brasileira perdeu cotação no mercado. Dessa
forma, a produção da borracha de maniçoba, a partir de 1911, caiu drasticamente passando a ser um produto
insignificante no comércio regional (QUEIROZ, op. cit., 2006a. p. 33-34). No período áureo da produção de
borracha de maniçoba, início do século XX, o Estado do Piauí foi considerado um dos maiores produtores, sendo
que a “população foi incentivada a extrair o látex, alargar as áreas de exploração e também realizar o cultivo da
Manihot [...]” (QUEIROZ, Teresinha. Economia piauiense: da pecuária ao extrativismo. Teresina: EDUFPI,
2006b. p. 33). Com a exportação desse produto, a economia do Estado passava pela expectativa de superação de
uma crise provocada “pela queda nos preços do gado e pela ocorrência de secas” (QUEIROZ, op. cit., 2006b. p.
37). Com a mobilização de guerra e a campanha voltada para a produção da borracha em todo o território
brasileiro: “A exploração da borracha de maniçoba no Nordeste [...] volta a ser exercida em maior escala [...],
quando os japoneses controlam as áreas de produção do Sudeste asiático. Os Estados Unidos da América, em
busca de produtores substitutos, incrementaram a atividade no Brasil, através do Rubber Development
Corporation [...]” (QUEIROZ, op. cit., 2006a. p. 34).
116
PIAUÍ. A Legião Brasileira de Assistência e a Campanha da Borracha. Diário Oficial, Teresina, 3 jul. 1943,
p. 16.
117
PIAUÍ. Campanha da Borracha Usada. Diário Oficial, Teresina, 12 jul. 1943, p. 8.
45
Aos escolares cabe a maior contribuição pedida pela campanha, e aos seus
progenitores, além da cooperação pessoal, a obrigação de incentivá-los no trabalho
da procura e coleta da borracha em desuso. Nesta capital as portas do prédio da
Associação Comercial se acham abertas para receber todas as ofertas do material em
apreço, que se representa em pneumáticos, câmaras de ar, sacos para água, tubos
etc., muitos dos quais foram atirados aos monturos e deles devem ser imediatamente
retirados para novo emprego, ou seja, no da defesa da civilização. 118
De acordo com o que ficou estabelecida em reunião da LBA do Estado, que orientava
a campanha, a coordenação da mobilização escolar ficaria a cargo de uma autoridade superior
ou pelo próprio diretor do Departamento de Ensino. Assim, cada “escola pública ou
particular, sob a responsabilidade de suas professoras, constituirá, entre nós, um núcleo de
propaganda e coleta de borracha usada, devendo o material coletado pelos alunos ser
depositado nas escolas, de onde será enviado ao depósito central, nesta capital”. 119
Nessa campanha, pedia-se todo o engajamento da população. Outro local em que se
poderiam entregar as doações era a sede da Associação Comercial; a importância relativa aos
donativos era “adicionada ao Fundo Especial destinado à compra de aviões para a Força
Aérea Brasileira”.120 A campanha local enfatizava o caráter patriótico que se deveria impor à
sociedade piauiense.
Segundo o discurso oficial, a intensificação da campanha no mês nacional da borracha
usada, mês de julho, contou com a colaboração popular espontânea de todas as camadas
sociais em todo o Estado, representando o patriotismo que lhe estava presente. “Teresina,
assim como as demais cidades piauienses, continuará a dar exemplo de civismo e
determinação de servir, de modo prático, à causa em que nos achamos empenhados”.121
As reuniões da LBA eram divulgadas pelo Diário Oficial, e nelas eram discutidas as
ações que deveriam ser desempenhadas por aquele órgão em relação à Campanha da Borracha
Usada. Em 20 de julho de 1943, aconteceram duas reuniões: na primeira, com a participação
somente dos componentes da Diretoria, ficou resolvido que seriam criados um Lactário e um
curso prático de corte e costura; este inicialmente seria destinado às famílias dos servidores
das forças armadas. Na reunião seguinte, que contou com a participação do diretor de Ensino,
diretor do Colégio Estadual, diretor do Liceu Industrial, diretor do Ginásio “São Francisco de
Sales”, diretor do Ginásio “Demóstenes Avelino”, diretor do Ginásio “Leão XIII” e Academia
do Comércio do Piauí. Enfim, a Diretoria de todos os grupos escolares e escolas isoladas da
capital tratou sobre a campanha da borracha usada, através da mobilização escolar.
118
PIAUÍ. Campanha da Borracha Usada. Diário Oficial, Teresina, 17 jul. 1943, p. 1.
119
Ibid., 12 jul. 1943, p. 8.
120
Id. ibid.
121
PIAUÍ. Mês Nacional da Borracha Usada. Diário Oficial, Teresina, 19 jul. 1943, p. 3.
46
A Escola Industrial de Teresina foi a que mais arrecadou borracha velha, e juntamente
com outras Comissões foram recebidas no Karnak, para a audiência com o interventor e
recebimento de prêmios. Os prêmios foram distribuídos por Maria do Carmo Melo, presidente
da Comissão Estadual da LBA, no Piauí, e mulher do governador. O Ginásio Leão XIII ficou
com o segundo lugar, sendo que os ingressos para o Cine São Luiz foram distribuídos entre
seus educandos. Então foi divulgada a quantidade de borracha arrecadada, por todos os
122
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência. Reunião de 20/7/43. Diário Oficial, Teresina, 23 jul. 1943, p. 7.
123
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência. Campanha da Borracha Usada. Diário Oficial, Teresina, 3 ago.
1943, p. 1-2.
47
[...] eram difundidos nas escolas com o objetivo de formar a consciência do pequeno
cidadão. Nas representações do Estado Novo, a ênfase no novo era constante: o
novo regime prometia criar o homem novo, a sociedade nova e o país novo. O
contraste entre o antes e o depois era marcante: o antes era representado pela
negatividade total e o depois (Estado Novo) era a expressão do bem e do bom [...].125
124
CAPELATO, op. cit., 2007, p. 125.
125
Ibid., p. 123.
126
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p. 74.
127
Até junho de 1943 o serviço central do SEMTA era sediado na cidade de São Luiz.
128
Regulamento do SEMTA, maio de 1943.
48
[...] uma nacional e outra local. Na dimensão nacional, a batalha pela borracha se
encaixava no programa de ocupação e colonização dos “espaços vazios” e nos
esforços de guerra do Brasil. Na esfera local, a emigração de nordestinos para a
Amazônia era uma questão que contava com uma longa tradição e alguns debates.
Um dos destinos mais procurados pelos nordestinos nas conjunturas de seca, e não
apenas nestas, era o Norte, especialmente os Estados do Pará e do Amazonas. A
propaganda para recrutar trabalhadores explorou alguns elementos do imaginário,
dos desejos e das emoções, por meio de símbolos e de um discurso direto e
apelativo.132
Assinale-se que Teresina, décadas anteriores, no final do século XIX e início do século
XX, já havia passado pela experiência de habitantes temporários, migrantes, que tinham como
129
SECRETO, Maria Verônica. Soldados da borracha: trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo
Vargas. São Paulo: Perseu Abramo, 2007. p. 71.
130
DISTRITO FEDERAL. Relatório Confidencial de Observações feitas no Norte junto ao SEMTA, Rio de
Janeiro, 8 abr. 1943, p. 5.
131
PIAUÍ. Relatório do Serviço de Alimentação do Pouso de Teresina, Teresina, 2 ago. 1943, p. 1.
132
SECRETO, op. cit., 2007, p. 73.
49
[...] É de se notar que o feijão distribuído era de péssima qualidade, preto, torrado de
modo a não cozinhar de maneira alguma, sendo diariamente rejeitado pelo
trabalhador que preferia jejuar a comê-lo. A carne de charque, também muito mal
preparada, apenas escaldada, era dada juntamente com o arroz e igualmente
rejeitada. Estavam os trabalhadores revoltados com a comida e a ponto de fazerem
uma greve no Pouso.134
133
ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoino. Na trama urbana, personagens, experiências e imagens (Teresina, 1877-
1910). In: EUGÊNIO, João Kennedy (Org.). Histórias de vário feitio e circunstância. Teresina: Instituto Dom
Barreto, 2001. p. 237.
134
PIAUÍ. Relatório do Serviço de Alimentação do Pouso de Teresina, Teresina, jul. 1943, p. 1.
50
135
PIAUÍ. Relatório do Serviço de Alimentação do Pouso de Teresina, Teresina, jul. 1943, p. 2.
136
Órgão que foi criado com o objetivo de sanear a Amazônia e a Companhia Vale do Rio Doce, locais
produtores de borracha e minério de ferro, matérias-primas estratégicas no esforço de guerra. In: SECRETO, op.
cit., 2007, p. 58. No entanto, é bom lembrar que o SESP também prestou serviço dentro dos Pousos, campos de
51
Foram encontradas grandes quantidades de charque, mais de 4.000 mil kg, em estado
de deterioração. No que se refere às condições higiênicas dos pousos, o de Teresina foi
considerado bom, levando-se em consideração as condições do de São Luis. Tornava-se
difícil o asseio individual, em razão da falta de locais apropriados para banhos ou da
dificuldade de obtenção de água. Havia problemas no asseio do vestuário; no entanto, é
ressaltado que o corte de cabelo e a barba desses trabalhadores eram feitos com regularidade.
Diante dos problemas encontrados, foram apontadas algumas soluções urgentes, como,
por exemplo: melhorar os banheiros para os trabalhadores e construir novas fossas, como
também um novo poço, para abastecer o pouso, em razão de o caminhão da Prefeitura, que
fazia esse serviço, ter um funcionamento bastante irregular. O Pouso de Teresina se abastecia
com a água do rio Parnaíba que era transportada pelo carro-tanque da Prefeitura. Dessa forma,
havia a necessidade de filtrar e clorar essa água para posteriormente consumi-la; isso sem
falar na falta de transporte que fazia com que uma turma de trabalhadores sempre estivesse
nessa atividade, carregando a água para o abastecimento do pouso em latas de querosene.
Em relação às dependências do SESP, no Pouso, os relatores vêem a necessidade da
construção de uma cozinha e instalações sanitárias na Enfermaria, além de banheiro e latrina
para os médicos e enfermeiras. Outra necessidade apontada nesse relatório foi a instalação de
um amplificador no Pouso, devido ao grande número de trabalhadores, impossibilitando a
designação das atribuições diárias para os vários grupos de trabalhadores, como também o
horário de refeições, do descanso e do lazer.
Nessa avaliação, não foram demonstradas as preocupações observadas no relatório
anterior, produzido pela nutricionista e por um médico. Dizia-se que o cardápio era
obedecido, tendo modificações quando o mercado local não oferecia o produto, levando-se
em consideração a preferência do trabalhador.
Na passagem das primeiras turmas pela cidade de Teresina, foram constatadas
arruaças e desordens, que foram reprimidas pelas autoridades locais, tensão que se tornava
constante. Em ambiente interno ao Pouso, a indisciplina também era uma prática diária, sendo
reprimidas de forma violenta pela administração do Pouso. A guarda interna era organizada
com o pessoal retirado das turmas sob a chefia de um funcionário do SEMTA, o que acabava
ocasionando certa autonomia por parte desses trabalhadores e os diferenciando dos demais.
concentração de trabalhadores, inclusive em Teresina. Seus funcionários, médicos e enfermeiros, tinham como
função cuidar da saúde do trabalhador enquanto estes esperavam seu encaminhamento para a Amazônia.
137
CEARÀ. Relatório geral da viagem Fortaleza-Sobral-Tianguá-Teresina-S. Luiz, efetuada no período de 24
de junho a 11 de julho de 1943, pelos doutores Fausto Pereira Guimarães e Jayme Lins de Almeida, do
Departamento de mobilização, Fortaleza, 27 jul. 1943, p. 2.
52
Os conflitos não só existiam entre trabalhadores e administração do Pouso, mas também entre
os próprios funcionários responsáveis por seu funcionamento:
Nesse serviço, parecem ter acontecido alguns conflitos entre o pessoal do SEMTA e
do SESP, no que concerne às suas atribuições, sendo apontada, por parte dos supervisores, a
necessidade de um regulamento. A razão principal do conflito era a falta de nitidez desses
órgãos em relação aos seus deveres.
Convém destacar que o SEMTA parece ter sido um órgão mal visto pelas autoridades
locais, como também pela população da cidade, tendo como uma das razões a falta de
pagamentos e créditos no comércio local, provocado pela insuficiência de recursos
repassados. De acordo ainda com os relatores, o conceito geral dos pousos avaliados variava
muito com as condições locais, com o comportamento de determinadas turmas, com crédito
na praça, com a questão da assistência às famílias, com a contrapropaganda, “que é bem mais
intensa do que parece”.139 Para eles, em geral, o conceito do SEMTA não era tão bom e
achavam “que uma propaganda melhor orientada e com maior cunho de realismo talvez
exercesse uma ação benéfica, nesse sentido”.140
Sob este aspecto, os trabalhadores recrutados passavam por um processo de seleção
que podia resultar em trabalhadores aprovados, trabalhadores recuperáveis, os recusados
temporariamente e os inaptos. Após a seleção, esses homens eram encaminhados para os
pousos. Os trabalhadores recuperáveis podiam ser tratados no próprio pouso pelos médicos e
enfermeiras do SEMTA. Entre as cidades do Piauí que os trabalhadores foram inspecionados
pelos médicos do SEMTA, entre o mês de março e maio de 1943, estavam:
O Setor de Parnaíba – (abril/maio) 897 trabalhadores;
União – (março) – 135;
Campo Maior – 4;
Teresina – (abril/maio) 340;
138
CEARÀ. Relatório geral da viagem Fortaleza-Sobral-Tianguá-Teresina-S. Luiz, efetuada no período de 24
de junho a 11 de julho de 1943, pelos doutores Fausto Pereira Guimarães e Jayme Lins de Almeida, do
Departamento de Mobilização, Fortaleza, 27 jul. 1943, p. 9.
139
Ibid., p. 10.
140
Id. ibid.
53
141
CEARÁ. Serviço de Seleção Médica, 1943. Dr. José Rodrigues da Silva. Chefe do Departamento de
Assistência médica. Fortaleza, 27 jul. 1943, p. 9.
142
CEARÁ. Relatório geral da viagem Fortaleza-Sobral-Tianguá-Teresina-S. Luiz, efetuada no período de 24
de junho a 11 de julho de 1943, pelos doutores Fausto Pereira Guimarães e Jayme Lins de Almeida, do
Departamento de mobilização. Fortaleza, 27 jul. 1943, p. 12.
143
SECRETO, op. cit., 2007. p. 77.
54
Ressalte-se que o diretor da Estrada de Ferro não poderia se preocupar somente com o
trânsito dos trabalhadores, quando a estrada de ferro estava em funcionamento.144 Os
trabalhadores só podiam ser encaminhados a São Luis, para o embarque em transporte
marítimo, quando os outros trabalhadores que se encontravam em São Luiz tivessem partido.
Convém enfatizar que os homens saíam de São Luis para Belém em transporte marítimo.
Levas de trabalhadores também eram encaminhadas em carros do próprio órgão; o que
ocorreu em 06 de fevereiro de 1943, quando oito carros lotados de trabalhadores saíram de
Teresina rumo à Fortaleza.145
Em relação aos transportes que levavam os trabalhadores a seu destino, esses não
pareciam ser muito seguros. Em seu relato, o médico do SEMTA, Elidio Ferrão, diz que,
quando estava nas proximidades de Campo Maior, em trânsito para Sobral, encontrou um
caminhão do SEMTA que capotou com os trabalhadores, os quais estavam estendidos no leito
da estrada. O médico medicou os mais graves, sendo que todos os trabalhadores feridos foram
remetidos para Teresina. Não houve nenhuma morte e o referido médico acrescenta:
144
DISTRITO FEDERAL. Relatório Confidencial de Observações feitas no Norte junto ao SEMTA, Rio de
Janeiro, abr. 1943, p. 6.
145
CEARÀ. Relação de combustíveis existentes nos carros ao saírem de Teresina, 6 fev. 1943. Fortaleza, 17
fev. 1943.
146
PIAUÍ. Relatório do Acidente de Campo-Maior, 21 jul. 1945. Elidio Ferrão, médico do SEMTA.
147
CYTRYNOWICZ, op. cit., 2000. p. 220.
55
148
CYTRYNOWICZ, op. cit., 2000, p. 219.
149
DISTRITO FEDERAL. Relatório Confidencial de Observações feitas no Norte junto ao SEMTA, Rio de
Janeiro, abr. 1943, p. 8.
56
150
MOTA, Aricildes de Moraes (Coord.). Entrevista com Antonio de Andrade Poti. In: História oral do
Exército brasileiro na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001. p. 59-67.
151
O exército de Hitler invadiu a Polônia no dia 1º de setembro de 1939. Dois dias depois, 3 de setembro de
1939, França e Inglaterra declaram guerra à Alemanha. Para maior aprofundamento, ver: SILVEIRA, Joaquim
Xavier da Silveira. A FEB por um soldado. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2000. p. 28-29.
152
Agressões a navios brasileiros, em terras estrangeiras, por alemães, vinham ocorrendo desde março de 1941.
Mas o primeiro ataque a navios mercantes brasileiros em águas nacionais deu-se em 15 de agosto de 1943, com
o torpedeamento do Baenpendi, iniciando dessa forma uma série de afundamentos de navios brasileiros em
águas nacionais. Assim, dias depois, em 31 de agosto de 1943, o governo brasileiro decretava estado de
beligerância contra os países do Eixo. In: CASTELO BRANCO, op. cit., 1960. p. 52-61.
153
Em 16 de setembro de 1942, em Decreto n. 10.451, iniciava-se a mobilização geral de todo o território
nacional, inclusive das forças armadas. In: CASTELO BRANCO, op. cit., 1960. p. 62.
57
154
A pesquisa nesses jornais concentrou-se principalmente nos anos de 1943-1945.
155
RESERVISTA. Gazeta, terça-feira, Teresina, 6 abr. 1943, p. 4; RESERVISTA. Gazeta, quarta-feira,
Teresina, 7 jul. 1943, p. 3; RESERVISTA. Gazeta, Domingo, Teresina, 22 ago. 1943, p. 1; RESERVISTA.
Gazeta, quarta-feira, Teresina, 8 dez. 1943, p. 1.
156
BRASILEIRO! Gazeta, quinta-feira, Teresina, 18 maio 1944, p. 1.
157
PIAUÍ. Brasileiro! Teresina, Diário Oficial, 24 abr. 1943, p. 1.
158
Esses editais de chamamento podem ser visualizados cotidianamente nos jornais “Gazeta” e “Diário Oficial”,
que circulavam no Estado do Piauí entre 1943 e 1945. No entanto, por ser o Diário Oficial um órgão do governo
e preocupado de forma mais efetiva com a propaganda da mobilização de guerra, a reprodução desses editais
aparecia neste com maior intensidade.
58
159
PIAUÍ. As comemorações da Independência. Teresina, Diário Oficial, 2 set. 1943; 10ª Região Militar.
Teresina, Diário Oficial, 4 set. 1943, p. 2; As comemorações do dia da Pátria nesta Capital. Diário Oficial,
Teresina, 10 set. 1943, p. 3; O dia da Independência. Teresina, Diário Oficial, 9 set. 1944, p. 1; O dia da
Independência. Teresina, Diário Oficial, 12 set. 1944, p. 1. O Dia da Pátria era um dos mais festejados da
Capital. Sua organização se dava pela Guarnição Federal do Piauí e pelo Departamento de Ensino. Compareciam
ao desfile, formado por soldados e alunos, autoridades civis, militares e religiosas do Estado. Nos discursos
proferidos pelas autoridades, nessa data, a “tradição heróica” do Exército nacional era colocada em relevo
através da rememoração de “heróis” como Caxias, Osório e Dutra.
160
PIAUÍ. Dia da Bandeira. Teresina, Diário Oficial, 18 nov. 1943, p. 1. Dia da Bandeira. Teresina, Diário
Oficial, 20 nov. 1943, p. 1.
161
PIAUÍ. Gabinete do interventor. Teresina, Diário Oficial, 2 set. 1943, p. 1; Parada da juventude. Teresina,
Diário Oficial, 2 set. 1943, p. 8; Parada da juventude. Teresina, Diário Oficial, 4 de set. 1943, p. 1; Sem título.
Teresina, Diário Oficial, 4 nov. 1943, p. 2; O dia da juventude. Teresina, Diário Oficial, 7 set. 1944, p. 2.
162
PIAUÍ. Festividades comemorativas do 5º aniversário do Estado nacional. Teresina, Diário Oficial, 7 out.
1943, p. 3.
163
9 DE ABRIL. Gazeta, terça-feira, 6 abr. 1943, p. 4; SEMANA DO PRESIDENTE. Teresina, Diário Oficial,
11 abr. 1944, p. 1.
164
Refere-se a discutir as festas cívicas e militares, criadas ou reelaboradas no Estado Novo e no estado de
beligerância, no conceito de invenção de tradições de Eric Hobsbawm. Para esse autor, tradição inventada é
entendida como “um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regra tácita ou abertamente aceitas; tais
práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e comportamentos através da repetição, o
que implica automaticamente uma continuidade em relação ao passado”. No entanto, esse historiador lembra
que, sempre que possível, tenta-se dar continuidade ou restabelece-se um passado histórico apropriado. In:
HOBSBAWN, Eric. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 9. Acrescente-se ainda que o
instrumento mais utilizado para reafirmar as tradições de um povo heróico e patriótico no período do Estado
Novo foi o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. No Piauí, o DEIP.
165
PIAUÍ. Dia do soldado. Teresina, Diário Oficial, 23 ago. 1943, p. 8; Dia do soldado. Teresina, Diário
Oficial, 25 ago. 1943, p. 1; Dia do soldado. Teresina, Diário Oficial, 28 ago. 1943, p. 1; B.I n. 196, 25 B.C, 22
ago. 1944, p. 1206; O Dia do soldado em Floriano. Gazeta, Teresina, segunda-feira, 13 set. 1943, p. 3.
166
O DIA DO RESERVISTA, Gazeta, Teresina, quarta-feira, 8 dez. 1943, p. 1.
167
BI n. 119, 25 B.C, de 24 de maio de 1944, p. 605; Aditamento do BI n. 134, 25 B.C, 10 jun. 1944, p. 643-A;
PIAUÍ. Clube dos Diários. Teresina, Diário Oficial, 14 maio 1943, p. 1.
168
TRÊS IMPORTANTES ACONTECIMENTOS. Gazeta, Teresina, domingo, 2 maio 1943, p. 3; PIAUÍ.
Interventor Leônidas Melo. Teresina, Diário Oficial, 7 maio 1943, p. 5; Homenagem da imprensa. Teresina,
Diário Oficial, 4 maio 1944, p. 2; Discurso do Dr. Firmino Paz. Teresina, Diário Oficial, 4 maio 1944, p. 2.
Discurso do interventor. Teresina, Diário Oficial, 4 maio 1944, p. 4.
59
Meus conterrâneos:
Ajudado e estimulado pelo apoio e confiança com que me honra o Chefe Supremo
da Nação, espero prosseguir no meu esforço em prol da nossa terra. É oportuno,
porém, considerar que o ritmo de trabalho construtivo até hoje mantido terá de ser
profundamente modificado, pelas conseqüências da guerra. Agora todas as energias,
do particular como do Estado, deverão ser orientadas no sentido da Defesa Nacional.
Precisamos honrar os compromissos do Brasil, perante nossos aliados e perante a
humanidade civilizada e cristã. Antes de tudo, a Pátria. E eu vos faço um apelo para
que, evocando a glória dos nossos antepassados, honrando a memória dos brasileiros
que o ateísmo de Hitler sepultou na profundeza do oceano, evocando o amor dos
entes que nos são caros, evocando a tranqüilidade e felicidade dos nossos lares, e
sempre meditando sobre o futuro do Brasil, sejamos todos soldados em prontidão,
aguardando somente a voz de comando do Chefe Supremo da Nação. Deus nos
ajudará.171
169
PIAUÍ. Problema urgente e essencial do momento brasileiro. Teresina, Diário Oficial, 10 set. 1943, p. 1.
170
TRÊS IMPORTANTES ACONTECIMENTOS. Gazeta, Teresina, domingo, 2 maio 1943, p. 3.
171
PIAUÍ. Interventor Leônidas Melo, Teresina, Diário Oficial, 7 maio 1943, p. 5.
172
PIAUÍ. Em defesa da Pátria. Teresina, Diário Oficial, 8 abr. 1943, capa final.
60
brasileiras de forma mais efetiva, pronto a atender, a qualquer momento, os chefes das Forças
Armadas da Nação.
No ano seguinte, em 1944, novas comemorações foram realizadas, pela passagem dos
nove anos de governo do interventor, e o evento foi noticiado, como no ano anterior, no
Diário Oficial, na Gazeta, Zodíaco, Voz do Estudante e no Boletim Comercial, noticiário de
Parnaíba. Todos os municípios, de acordo com o divulgado, se mostraram presentes, e a
Rádio Educadora de Parnaíba saudou o chefe de Estado para seus numerosos ouvintes.173
Nessa solenidade, no discurso do interventor, também foi reforçada a necessidade de
cooperação de todos os piauienses no estado de beligerância brasileiro.174
É interessante ressaltar que a idéia de Pátria e Nação brasileira, circulante àquele
momento, foi constituída pela elite intelectual que, desde a Independência, se via como guia
na organização do Estado e na produção de uma identidade para o povo brasileiro. A partir da
década de 1930, essa elite intelectual passou de forma mais intensa a direcionar sua atuação
para o âmbito do Estado, algo que se tornou bastante visível no Estado Novo. Neste período,
as “[...] elites intelectuais, das mais diversas correntes de pensamento, passam a identificar o
Estado como cerne da nacionalidade brasileira”.175 Um povo harmonioso, solidário, que não
foge aos deveres e que honra as tradições de seus antepassados, era a imagem de brasileiro
muito presente na propaganda da mobilização de guerra.
Observa-se que a noção de Pátria, produzida no período da mobilização de guerra,
pelos intelectuais, aproximava-se bastante daquela construída pela Teoria de Auguste Comte.
Para esta, a Pátria era resultado da transmissão do sentimento de calor e força, presentes nas
relações familiares, para o domínio público. Ou seja, a constituição do patriotismo se dava
com a transferência da afeição familiar para todos os homens de um mesmo país.176 Algo
bastante perceptível quando o governo brasileiro e as Forças Armadas conclamavam o povo a
contribuir na vingança aos brasileiros mortos, “nossos irmãos”, por submarinos alemães. Em
relação aos “heróis” do passado, que teriam honrado à Pátria, o Duque de Caxias tornou-se o
mais lembrado nos jornais que circulavam no Piauí, no período da mobilização de guerra,
como também nos documentos encontrados nas unidades militares do 25º BC e 26ª CR.
No período da arregimentação de homens para a FEB, o ministro da Guerra, o general
Dutra, tornava-se um dos heróis brasileiros inventados pelo DIP. No entanto, Dutra era
173
PIAUÍ. Homenagem da imprensa. Teresina, Diário Oficial, 4 maio 1944, p. 2.
174
PIAUÍ. Discurso do interventor. Teresina, Diário Oficial, 4 maio 1944, p. 4.
175
VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. In: FERREIRA, Jorge;
DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.). O Brasil republicano 2: o tempo do nacional-estatismo – do
início da década de 30 ao apogeu do Estado novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 147-148.
176
FEBVRE, Lucien. Honra e pátria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 228.
61
A compra do Bônus de Guerra fazia parte do plano financeiro, criado pelo governo
ditatorial, para a obtenção de recursos direcionados ao custeio gerado pela mobilização de
guerra, inclusive a militar.185 Em Teresina os Bônus de Guerra poderiam ser adquiridos na
Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional do Estado onde estavam à venda.186 Entre a receita
arrecadada pelo Estado, no mês de abril de 1943, já se incluem as obrigações de guerra,
180
PIAUÍ. Problema urgente e essencial do momento brasileiro. Teresina, Diário Oficial, 10 set. 1943, p. 2.
181
PIAUÍ. Diário Oficial. Teresina, 4 nov. 1943, p. 8.
182
Ibid., 6 nov. 1943, p. 3.
183
A CAMPANHA DOS BONUS DE GUERRA NO PIAUÍ. Gazeta, Teresina, 10 set. 1943. p. 1.
184
Ibid., p.1.
185
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p. 75.
186
PIAUÍ. Não vacile na aquisição das obrigações de guerra. Teresina, Diário Oficial, 1 jun. 1943, p. 4.
63
187
PIAUÍ. Departamento da Fazenda. Teresina, Diário Oficial, 5 maio 1943, p. 9.
188
PIAUÍ. Diário Oficial, Teresina, 09 de junho de 1943, p. 1.
189
PIAUÍ. Obrigações de Guerra. Teresina, Diário Oficial, 10 set. 1943, p. 12.
190
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p. 75.
64
regime e as instituições ou contra agente do poder público [...]”,191 se punia com penas de
reclusão de um a seis anos. E advertia as pessoas de boa fé que não propagassem falsos
boatos, porque estariam fazendo o jogo dos inimigos do País, além de estar cometendo crime
previsto em lei.192 Apesar de não se saber que boatos seriam esses, pode-se inferir que estes
contrariavam o projeto de povo harmonioso e cooperativo, tão necessário ao governo
ditatorial naquele momento. E que as configurações históricas brasileiras e piauienses também
permitiam certa liberdade e criatividade dos agentes históricos em pleno regime ditatorial.193
191
PIAUÍ. Chefatura de Polícia. Teresina, Diário Oficial, 16 ago. 1943, p. 8.
192
Id. ibid.
193
Refere-se à maneira de praticar o ofício dos historiadores socioculturais, entre eles Carlo Ginzburg e Roger
Chartier, que apontam para o papel dos indivíduos e grupos na construção das relações sociais, problematizando
as estruturas como organismos reguladores objetivos das práticas sociais. Nessa perspectiva, é dada uma
liberdade maior aos indivíduos e grupos que elaborariam criativamente vivências diante de normas sociais
impostas. Para maior aprofundamento, ver: CHSRTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios e propostas.
In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, p. 97-113, 1944.
194
A partir do que a pesquisadora interpretou das notas que saíam nos jornais piauienses, brevê seria o
certificado dado ao jovem que o investia como piloto.
65
assumiu o Ministério da Aeronáutica foi João Pedro de Salgado Filho, que tinha como
responsabilidade cuidar da aviação militar e fiscalizar a aviação civil. 195
Com o estado de guerra brasileiro, a aviação, tanto civil quanto militar, passa a ganhar
maior atenção do governo ditatorial; a aviação militar, através da modernização de suas forças
referenciadas pelos EUA; e a aviação civil, através da inauguração de aeroclubes e formação
de pilotos em todo o território nacional. No Piauí desse período, foram criados três
aeroclubes, o Aeroclube do Piauí, situado em Teresina e fundado em 19 de abril de 1940;196 o
Aeroclube de Parnaíba, situado na cidade de Parnaíba e inaugurado em 23 de setembro de
1940;197 e o Aeroclube de Pedro II, inaugurado na cidade de mesmo nome, em 28 de agosto
de 1943.198 As notícias que apareciam nos jornais piauienses, sobre os aeroclubes do Estado,
giravam, principalmente, em torno das festas de formatura dos aeropilotos que adquiriam,
naquele momento, os seus brevês.
Vistos como filiais da FAB, caso essa viesse a precisar de pilotos para a defesa
nacional, os aeroclubes de todo o Brasil tiveram que abrir vagas gratuitas para o ingresso de
jovens que tinham a pretensão de se tornar aviadores. Seguindo essa ordem governamental, o
“Aeroclube do Piauí” criou, em abril de 1943, dez vagas gratuitas em seu curso de piloto. Para
concorrer a uma das vagas, o candidato teria que ser brasileiro nato, ser maior de 18 anos e
menor de 25; possuir certificado de Curso Ginasial completo, ser reservista do Exército
nacional, ser aprovado no exame de sanidade física e mental e ser sócio do ACP. Com esses
atributos, o candidato deveria comparecer à sede do Aeroclube, na Praça Pedro II, onde
apresentaria seus documentos e passaria por exame médico. Conforme o secretário do
aeroclube, dar-se-ia “prioridade aos mais capazes fisicamente”.199
As forças de ar tiveram um crescimento relativo no estado de beligerância brasileiro,
devido à criação do Ministério da Aeronáutica, propriamente dito. O papel da FAB era
amplamente ressaltado nos noticiários, dando conta das atividades dessa força no
195
BONALUME NETO, Ricardo. Uma força aérea nasce com a guerra. In: A nossa segunda guerra: os
brasileiros em combate, 1942-1945. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995, p. 87-117. O Departamento de
Aeronáutica Civil que, posteriormente à criação da FEB, foi transformado na Diretoria da Aeronáutica Civil,
tinha como uma das funções, normatizar e supervisionar os aeroclubes situados em todo o território nacional.
In: BRASIL. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica. História Geral da Aeronáutica Brasileira: da
criação do ministério da aeronáutica ao final da segunda guerra mundial. Rio de Janeiro: Vila Rica, 1993. v. 3. p.
159; 291.
196
AEROCLUBE DO PIAUÍ É REFERÊNCIA NO NORDESTE. Disponível em: <www.acessepiauí.com.br>.
Acesso em: 4 jun. 2008, às 11:26h.
197
CIARLINI, Daniel Castelo Branco. A aviação em Parnaíba. In: O piaugüí, ano 1, n. 7, ed. maio 2008.
Parnaíba-PI.
198
FUNDADO EM PEDRO II O AEROCLUBE. Teresina, Gazeta, sexta-feira, 10 set. 1943, p. 3.
199
PIAUÍ. Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário Oficial, 1 maio 1943. p. 5. Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário
Oficial, 3 maio 1943, p. 9.
66
200
VINGANDO O AFUNDAMENTO DE NOSSOS NAVIOS. Gazeta, Domingo, 11 abr. 1943, p. 1.
201
BONALUME NETO, Ricardo. A nossa segunda guerra: os brasileiros em combate, 1942-1945. Rio de
Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. p. 87-117.
202
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p.78-79.
203
PIAUÍ. 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 3 jun. 1943, p. 10.
204
PIAUÍ. Brasileiro! Teresina, Diário Oficial, 14 abr. 1943, p. 3.
67
A Diretoria do Aeroclube avisava, através dos jornais Gazeta e Diário Oficial, para as
pessoas interessadas e suas respectivas famílias que quisessem assistir à solenidade, que
211
De 1911, com a inauguração do Aeroclube do Brasil, a 1940, o Brasil tinha um total de 85 aeroclubes no País.
Ao final do ano de 1945, existiam, no Brasil, 257 aeroclubes, mostrando assim o sucesso da Campanha da
Aviação. Para maior aprofundamento, ver: BRASIL. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, op. cit., p. 321-
322.
212
O AEROCLUBE DO PIAUÍ BREVETARÁ AMANHÃ SUA PRIMEIRA TURMA DE PILOTOS. Gazeta,
Teresina, domingo, 2 maio 1943, p. 3.
213
PIAUÍ. Aeroclube de Parnaíba homenageará o interventor Leônidas Melo. Teresina, Diário Oficial, 1 maio
1943, capa final.
214
PIAUÍ. 1942-1943. Teresina, Diário Oficial, 3 maio 1943, p. 1.
215
O AEROCLUBE DO PIAUÍ BREVETARÁ AMANHÃ SUA PRIMEIRA TURMA DE PILOTOS. Gazeta,
Teresina, domingo, 2 maio 1943, p. 3; Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário Oficial, 1 maio 1943, p. 4.
69
[...] lamento em meu nome e dos meus comandados não comparecermos festa desse
Aeroclube, festa essa muito grata todos nós, pois apresenta expressão trabalho
progresso grêmio aviatório Teresina. No entanto, aproveito oportunidade exprimir
nossa satisfação, esperando que novas turmas seguirão essa, aumentando assim
mocidade Teresina, filiais reserva FAB, prontos defender céus nossa pátria [...].220
216
PIAUÍ. Interventor Leônidas Melo. Teresina, Diário Oficial, 3 maio 1943, p. 9.
217
Ibid., 5 maio 1943, p. 1.
218
PIAUÍ. Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário Oficial, 19 maio 1943, p. 5.
219
Id. ibid.
220
PIAUÍ. Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário Oficial, 19 maio 1943, p. 5.
70
aumentado grandemente número candidatos a pilotos, visando defesa futura nosso querido
Brasil [...]”.221
Outras turmas continuaram a se formar pelo referido Aeroclube, sendo que o
interventor federal chegou a custear as despesas de um dos pilotos brevetados, no ano de
1944, para que este pudesse freqüentar o Curso de Monitores no “Aeroclube do Brasil”,
situado no Rio de Janeiro.222 Este foi o primeiro aeroclube criado no Brasil, em 14 de outubro
de 1911, tendo como presidente honorário Santos-Dumont.223
O incentivo para que os jovens piauienses ingressassem nos aeroclubes e adquirissem
seu brevê era reforçado com matérias que mostravam o papel de alguns aviadores, no cenário
de guerra, agindo como heróis. Alguns desses exemplos vieram de dois brasileiros que
serviam na RAF, e que perderam a vida bombardeando a Alemanha, notícia essa transcrita do
Diário do Norte pelo Diário Oficial. O cronista reivindicava para o Brasil o papel glorioso
desses jovens que morreram em ação e que se tornaram pilotos brasileiros vanguardistas em
luta contra o nazismo. O cronista acrescenta ainda:
Estou seguro de que os dois bravos mortos nos céus germânicos, no fragor da ação,
lançaram o derradeiro pensamento à distante pátria americana. Deus há de recolhê-
los na bênção reservada aos que souberam cumprir os mais árduos deveres da
guerra. É uma alegria ver que foram dignos da confiança neles depositada pelos seus
irmãos de armas e, perecendo, honraram a nação a que pertencem.224
221
PIAUÍ. Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário Oficial, 19 maio 1943, p. 5.
222
AEROCLUBE do Piauí. Gazeta, Teresina, terça-feira, 28 março 1944, p. 1.
223
BRASIL. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, op. cit., 1988, v. 1, p. 375-376.
224
PIAUÍ. Primeira Legião. Teresina, Diário Oficial, 14 maio 1943, p. 1.
225
MAIS UM AVIÃO PARA O AEROCLUBE do Piauí. Gazeta, Teresina, domingo, 22 ago. 1943, p. 1; Mais
um avião para o Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário Oficial, 16 ago. 1943, p. 5.
71
treinos diários. 226 Nos que antecederam à chegada do avião, doado ao Aeroclube do Piauí,
saiu na imprensa a seguinte nota:
226
O AVIÃO FELIX PACHECO. Gazeta, Teresina, quinta-feira, 23 set. 1943, p. 1.
227
PIAUÍ. Aeroclube do Piauí. Teresina, Diário Oficial, 10 set. 1943, p.12.
228
BRASIL. Campanha Nacional de Aviação. Departamento de Aeronáutica Civil. Rio de Janeiro, 15 de
janeiro de 1944. Coleção Salgado Filho. Arquivo Nacional. AP 49, CAIXA 61, Pasta D, doc. 09. Relação de
aeronaves entregues e a entregar.
229
PIAUÍ. Defesa passiva antiaérea. Teresina, Diário Oficial, 21 jun. 1943, capa final.
230
BRASIL. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, op. cit., 1991, v. 3. p. 453.
231
BRASIL. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, op. cit., 1991, v. 3. p. 237.
72
232
BONALUME NETO, op. cit., 1995, p. 87.
233
PIAUÍ. Aeroclube de Parnaíba. Teresina, Diário Oficial, 5 jul. 1943, p. 8.
234
Id. ibid.
235
BRASIL. Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, op. cit., 1991, p. 322.
73
tripulação, da “[...] conhecida e famosa aviadora Heliete”.236 O noticiário ainda informa que,
na chegada da esquadrilha, uma “[...] considerável multidão recepcionou entusiasticamente os
aviadores patrícios, e uma comitiva de senhoritas da sociedade pedrosegundense saudou-os
com pétalas de flores”.237
Alem da festa de recepção da esquadrilha do “Aeroclube do Ceará”, onde houve a
participação do povo pedrosegundense, incluiu-se, na programação da solenidade, um almoço
íntimo para os visitantes e elementos do comércio e sociedade local. No Salão Nobre da
Prefeitura Municipal, também foi realizada sessão solene, sob a presidência do capitão-
aviador Sílvio Fontoura,
236
FUNDADO EM PEDRO II O AEROCLUBE. Teresina, Gazeta, sexta-feira, 10 set. 1943, p. 3.
237
Id. ibid.
238
Id. ibid.
239
Id. ibid.
240
NASCIMENTO, op. cit., 2002, p. 176.
74
Aéreo Nacional, a partir de dezembro 1933, da Condor, e, após suspensão desta, da NAB
(Navegação Aérea Brasileira), imagina-se que havia grande participação popular nessas festas
aviatórias, que se tornam mais presentes no período da mobilização de guerra. Contudo, este
período não foi somente de festas para os aeroclubes do Estado.
Em 25 de outubro de 1943, por telegrama, o prefeito de Parnaíba comunicou ao
presidente do ACP um desastre de avião do Aeroclube daquela cidade, acontecido na
localidade Chaval no Ceará, resultando na morte de um aviador e deixando outro gravemente
ferido. O avião batizado de “Dr. Rangel Pestana”, doado pelo Banco do Brasil, estava sendo
pilotado pelo aviador Edgar dos Reis Andrade que era acompanhado pelo jovem Décio
Lobão. Esses dois aviadores pertenciam à última turma de brevetados do Aeroclube de
Parnaíba.
A reportagem do Jornal O Norte, de Parnaíba-PI, que descrevia o acontecimento, foi
transcrita pelo Diário Oficial de 30 de outubro de 1943, o qual afirmava que as festas da
Semana da Asa, que haviam começado com brilhantismo, terminavam em luto; e esclarecia os
motivos que levaram ao pesaroso desastre:
241
PIAUÍ. Lamentável desastre de aviação. Teresina, Diário Oficial, 30 out. 1943, p. 12.
75
espetáculo aviatório, fazendo vôos rasantes em uma pequena localidade, provocando, em seus
habitantes, sentimentos como medo e/ou admiração.
242
BONALUME NETO, op. cit., 1995, p. 54.
243
Disponível em: <http://www.mar.mil.br/4dn/cppi.html>. Acesso em: 30 jun. 2008, às 22:03h.
244
PIAUÍ. Ministério da Marinha. Teresina, Diário Oficial, 10 abr. 1943, p. 7; Ministério da Marinha. Teresina,
Diário Oficial, 28 maio 1943, p. 5.
245
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p. 78.
246
Ibid., 1960, p. 80.
76
armada. Ao tempo em que saíam esses editais de chamamento, o Diário Oficial tratava de
produzir argumentos para a convocação desses jovens. Uma das explicações utilizadas nessas
produções era a de que, para não deixar àquela “impaciente” mocidade desgostosa, os jovens
reservistas navais iriam juntar-se, “[...] no momento oportuno, aos seus irmãos do Exército, e
das gloriosas forças aéreas”.247
A produção da propaganda, voltada à juventude no período do Estado Novo, era
carregada de interesses civis e militares. O governo ditatorial preocupava-se em socializar a
juventude em termos cívicos, no intuito de construir uma nova identidade nacional. Além dos
jovens, os imigrantes e trabalhadores tornaram-se “[...] os alvos principais das campanhas
‘educadores’ do Estado Novo”.248 Acrescente-se que, no período da mobilização nacional, a
produção do DIP voltou-se com mais intensidade para a construção do civismo nesses grupos
sociais, em razão de que todos eles eram considerados soldados da Pátria.
Além da convocação de reservistas navais para se apresentarem aos serviços da
Marinha, havia no Estado do Piauí, nesse período de mobilização das Forças Armadas, por
parte das autoridades civis, a Campanha Pró Navio Auxiliar. Esta Campanha tinha como
objetivo arrecadar fundos, em todo o Estado, para a compra de um navio de guerra que seria
entregue a Armada. Em meados de abril de 1943 divulgou-se, no Diário Oficial, o telegrama
remetido pelo prefeito de Castelo do Piauí ao prefeito de Teresina, autoridade responsável
pela Campanha, informando-lhe sobre uma possível ajuda daquela Prefeitura, colaboração já
dada, segundo o noticiário, por outras prefeituras do interior do Estado:
TELEGRAMA RECEBIDO
De Castelo (Piauí) – 7 – 4 – 943. Prefeito municipal Teresina – Comunico a V.
Excia. que acabo de elaborar o projeto de decreto-lei abrindo um crédito especial de
dois mil cruzeiros em prol da campanha pró navio auxiliar que será doado à
Armada. Logo que seja aprovado autorizarei o pagamento. Saudações. a) Cardoso de
Sá – prefeito.249
A campanha em prol da compra desse navio de guerra começou pouco tempo depois
de o governo brasileiro haver decretado o estado de beligerância, possivelmente em razão dos
ataques de submarinos alemães aos navios do País, os quais continuavam a rondar o litoral
brasileiro. A defesa do litoral e o reaparelhamento da Armada Brasileira tornaram-se, dessa
forma, uma das maiores preocupações do governo ditatorial no momento de mobilização; e ao
povo, de acordo com o discurso oficial, cabia contribuir para que aqueles objetivos fossem
alcançados a contento. Essa campanha também demonstra a fragilidade da Força Naval
247
PIAUÍ. Em defesa da Pátria. Teresina, Diário Oficial, 3 abr. 1943, capa final.
248
D’ARAÚJO, op. cit., 2000, p. 34.
249
PIAUÍ. Campanha pro navio auxiliar. Teresina, Diário Oficial, 14 abr. 1943, p. 3.
77
Brasileira, quando esta ingressou no estado de guerra. Sob este aspecto, José Murilo de
Carvalho, ao analisar as Forças Armadas no período varguista, afirma que a “[...] a luta do
Exército e da Marinha por maiores efetivos, melhor aparelhamento, mais recursos, vinha de
longa data [...]”,250 realidade que começou a ser alterada na década de 1930, com o aumento
do orçamento para as Forças Armadas, mas que se tornou insuficiente diante de um momento
excepcional, o estado de beligerância brasileiro, que exigiu, em pouco tempo, o que havia de
mais moderno em recursos humanos e material bélico.
Deste modo, em 19 de abril de 1944, junto às homenagens feitas ao presidente, pela
passagem de seu aniversário, foi colocado, de forma destacada, na primeira página do Diário
Oficial, trecho da fala do nataliciante, que destacava a importância da defesa das águas
brasileiras naquele momento:
No mar se acha o perigo que nos ameaça. Não esqueçamos que foi no litoral onde
sofremos a investida brutal dos agressores, afundando, de surpresa, sem que
estivéssemos em guerra, nossos pacíficos navios mercantes em tráfego de
cabotagem. É, pois, do mar que teremos de esperar a primeira arremetida inimiga e
repelir quaisquer tentativas de invasão.251
250
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e política, 1930-1945. In: Forças Armadas e política no
Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 87.
251
PIAUÍ. Presidente Getúlio Vargas. Teresina, Diário Oficial, 19 abr. 1944, p. 2.
252
RODRIGUES, Tony. Participação na 2ª Guerra faz 2 mortos. Teresina, MEIO NORTE, 11 mar. 2001, p. 4.
(Caderno Municípios).
253
PIAUÍ. O estado de guerra. Teresina, Diário Oficial, 25 nov. 1944, p. 6.
78
254
IMPORTANTE ENTREVISTA DO ALMIRANTE INGRAM. Gazeta, Teresina, quarta-feira, 9 fev. 1944, p.
4.
255
Id. ibid.
256
VINGANDO O AFUNDAMENTO DE NOSSOS NAVIOS. Gazeta, domingo, 11 abr. 1943. p. 1.
79
apresentavam. E que o mesmo correspondia aos desejos do “[...] chefe da Nação e aos anseios
não só das Forças Armadas, já agora em ótimas condições de preparo técnico, como da
população em geral, que trabalha e prospera à sombra vigorosa e protetora dessa gloriosa
instituição nacional”.257 Por outro lado, apesar da afirmação feita pelo Diário Oficial, sobre as
ótimas condições das forças de terra brasileira, a situação do Exército, nesse período, ainda
não era das melhores. Às vésperas da mobilização, o Exército compunha-se de pouco efetivo
e a instrução da tropa era baseada em uma doutrina ultrapassada para as condições de uma
guerra moderna, além da grande quantidade de equipamentos “[...] antiquados e em número
insuficiente para atender às novas exigências”. 258
Conforme pode ser visto, O DEIP, através do Diário Oficial, tratava de produzir uma
imagem de que as Forças Armadas Brasileiras se equiparavam rapidamente às forças armadas
dos países que lutavam na Europa. Era lembrada também, na mesma matéria, a visita do
ministro da Guerra ao Piauí e a recepção feita pelo interventor do Estado a este, reforçando o
discurso de união e cooperação do interventor com as autoridades mais representativas do
Exército nacional. Através das matérias locais, percebiam-se, sobretudo, as boas relações de
Leônidas Melo com o comandante da 10ª Região Militar, da qual o Piauí fazia parte, como
também com o comandante da Guarnição Federal que se mostrava presente em quase todas as
solenidades em que se apresentava o governo estadual. Segundo o Diário Oficial, essa
situação propiciava
ao Piauí e ao seu lustre governante, entre as Forças Armadas, renome que se justifica
e se enquadra em um sentido de perfeita brasilidade, de uma maior e melhor unidade
espiritual, de par com um apoio incondicional dispensado ao Exército, ao ministro
que o norteia e aos chefes esclarecidos que o atendem e ouvem.259
257
PIAUÍ. General Eurico Gaspar Dutra. Teresina, Diário Oficial, 18 maio 1943, p. 1. Em agosto de 1943, o
Ministro da Guerra viajou aos EUA com uma delegação militar. Nessa viagem, ficou acertado que o Brasil
enviaria um contingente expedicionário ao continente africano. In: FALCÃO, João. O Brasil e a Segunda
Guerra: testemunho e depoimento de um soldado convocado. Brasília: UnB, 1999. p. 212.
258
CASTELO BRANCO, op. cit., 1960, p.77.
259
PIAUÍ General Eurico Gaspar Dutra. Teresina, Diário Oficial, 18 maio 1943, p. 1; General Gaspar Dutra.
Teresina, Diário Oficial, 18 maio 1944, p. 1.
260
O FIM DA GUERRA NO CONTINENTE NEGRO. Gazeta, Teresina, quinta-feira, 13 maio 1943, p. 1.
80
antes, foi divulgada também, no mesmo jornal, a fotografia de oficiais brasileiros, fazendo
exercício de tiro no quartel general das forças blindadas americanas, demonstrando que a
remessa de um corpo expedicionário ao teatro de guerra era algo irreversível.261
Sendo assim, mesmo com o avanço dos aliados e o enfraquecimento das forças do
Eixo, em outubro de 1943, a decisão de remeter um corpo expedicionário para o campo de
batalha estava tomada. Foi amplamente divulgada nos noticiários locais, a matéria do Correio
da Noite, que discorria sobre a chegada do ministro da Guerra de sua viagem feita aos Estados
Unidos. Segundo essa notícia, o ministro Dutra doava todos os seus esforços no
reaparelhamento das forças de terra; por isso, além de ter sido recepcionado por eminentes
autoridades militares e civis, no Aeroporto Santos Dumont, fora, no mesmo local, ovacionado
pela massa popular.262
Com o estado de beligerância brasileiro, os militares de carreira tornam-se figuras
constantes na imprensa oficial, tendo na pessoa do ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra,
um perfeito exemplar de soldado-cidadão.263 Além de noticiarem as ações dos militares
brasileiros, na preparação e arregimentação de homens, a imprensa também tratava de
propagar o papel dos militares das forças aliadas, que, já há algum tempo, combatiam no
teatro de guerra. O heroísmo e o patriotismo desses homens, ressaltados nesses noticiários,
articulavam-se com a conclamação dos órgãos oficiais para que o povo em geral cumprisse
com o seu dever, enquanto cidadãos, participando da mobilização nacional e de forma
específica da mobilização militar.
Com o prestígio adquirido pelo Exército e sua cooperação com o estado ditatorial, a
presença de autoridades militares renomadas, na capital do Piauí, quando acontecia, tornava-
se notícia de primeira capa nos noticiários, principalmente no Diário Oficial. O comandante
da 10ª Região Militar, general Francisco Gil Castelo Branco, que, por parte de pai, tinha
raízes no Piauí, quando visitava o Estado, para inspecionar as guarnições do 25º BC e da
261
EM EXERCÍCIOS DE TIRO. Teresina, Domingo, Gazeta, 11 abr. 1943, p. 1.
262
A criação da FEB tem como ponto de partida a autorização dada por Getúlio Vargas, no final do mês de
março de 1943, ao General Leitão de Carvalho, para que planejasse junto aos americanos a utilização de tropas
brasileiras nas operações de guerra dos aliados. Mas foi somente em 9 de agosto de 1943, pela Portaria
ministerial n. 47-44, que foi criada a Força Expedicionária Brasileira. In: SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A
FEB por um soldado. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2000, p. 51.
263
Este termo, aqui utilizado, significa o recrutamento de homens nos meios civis, que, por um período
determinado de tempo, presta serviço ao Exército e, ao final deste, volta ao seu status civil, ficando incorporado
posteriormente à respectiva força armada. In: FERRAZ, Francisco César Alves. A guerra que não acabou: a
reintegração social dos veteranos da força expedicionária brasileira (1945-2000). 2003. Tese (Doutorado História
Social) – FFLCH/USP, São Paulo, 2003. p. 78. Mas, além disso, de acordo com o teor em que se produzia a
propaganda de guerra, o soldado-cidadão brasileiro seria aquele que em sua plenitude exercia o amor à Pátria,
diante de quaisquer sacrifícios. Dessa forma, sendo militar, Eurico Gaspar Dutra estaria exercendo em plenitude
a sua cidadania.
81
Força Policial, era recepcionado pelos comandantes dos quartéis, como também pelo
interventor federal e outras autoridades.264
É importante lembrar que o Exército, no início da década de 1930, era uma força
fragmentada e conflituosa, tendo como uma das razões questões políticas partidárias,
presentes dentro da corporação, resultando em conspirações de generais e conflitos,
envolvendo militares dentro dos quartéis. Pode-se citar, como exemplo, a rebelião acontecida
no “[...] 25º Batalhão de Caçadores (BC) de Teresina, sob o comando de cabos e soldados e
alguns sargentos. Os rebelados depuseram o interventor Landri Sales e o substituíram por um
cabo. Foram dominados com o auxílio da Força Pública [...]”.265 Com a chegada de Getúlio
Vargas ao poder, e principalmente com a instalação do Estado Novo, ganhou força o projeto
que eliminava a política partidária dentro da corporação, tendo como destaque as figuras de
Góes Monteiro e Dutra. No estado de guerra, de acordo com as matérias produzidas pelos
jornais locais, o Exército mostrava-se em perfeita sintonia com o governo ditatorial.
Dessa forma, foi com esse novo Exército, tendo à frente figuras como Góes Monteiro
e Dutra, que se iniciou o processo de arregimentação de jovens brasileiros para a guerra. O Sr.
Francisco de Sousa Primo, sorteado, em 1943, para prestar o serviço militar no 25º Batalhão
de Caçadores, e convocado, como reservista, no final de 1944, período em que o governo
divulgava na imprensa a remessa de um corpo expedicionário, para lutar junto aos aliados no
conflito mundial, relembra o seu ingresso no Exército, no momento de mobilização nacional:
264
PIAUÍ. General Francisco Gil Castelo Branco. Teresina, Diário Oficial, 16 abr. 1943, p. 1.
265
CARVALHO, José Murilo de, op. cit., 2005, p. 67. Para maior aprofundamento dessa rebelião acontecida no
25º Batalhão de Caçadores, ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A interventoria de Landri Sales. In: A
Revolução de 1930 no Piauí, 1928-1934. Teresina: FCMC, 1994. p. 83-96.
266
PRIMO, Francisco de Sousa. Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 30 out. 2007.
82
267
Em 1916, foi instalada a 18ª Circunscrição de Recrutamento na cidade de Teresina. No período da
mobilização de guerra, 1942-1945, essa unidade militar já recebia a denominação de 26ª Circunscrição de
Recrutamento. In: CASTELLO BRANCO FILHO, Moysés. O Piauí na história militar do Brasil, 1759-1984.
Teresina: [s.ed.], 1983, p. 37. A partir de 18 de abril de 1966, com o Decreto n. 58.210, a 26ª C.R. passa a ser
denominada de 26ª C.S.M. (Circunscrição do Serviço Militar). Para conhecer, em linhas gerais, o histórico desta
instituição, acessar o site disponível em: <www.26csm.eb.mil.br>.
268
O 44º Batalhão de Caçadores foi criado em 2 de janeiro de 1918, composto por três companhias de infantaria.
Em 2 de janeiro de 1920, recebeu o nome de 25 Batalhão de Caçadores, devido à renovação do Exército, oriundo
da Missão Militar Francesa, passou a ter nesse momento, além de três companhias de infantaria, uma de
metralhadoras. In: CASTELLO BRANCO FILHO, Moysés, op. cit., 1983, p. 37.
269
A inspeção de saúde era algo que acontecia cotidianamente no quartel, tanto para aqueles que podiam
ingressar como recrutas quanto para os reservistas convocados e voluntários, como para praças e oficiais do B.C
de acordo com as regras do Exército. Como exemplo ver: PIAUÍ. B.I n. 122, 25º B.C, de 27 de maio de 1944,
p.610; B.I. n. 138, 25º BC, de 15 de junho de 1944, p. 950, entre outros.
270
BI n. 130, 26ª CR, de 9 de novembro de 1945, p. 403.
83
271
PIAUÍ. 10ª Região Militar. Teresina, Diário Oficial, 5 ago. 1943, p. 5. Ministério da Guerra. Teresina, Diário
Oficial, 31 ago. 1944, p. 5.
271
Como exemplo, ver: PIAUÍ. B.I n. 122, 25 B.C, 4 maio 1944, p. 548.
272
Das doenças encontradas no período de seleção, para a formação da Força Expedicionária Brasileira, a sífilis
foi uma das doenças mais presente entre os convocados. Isso permite imaginar-se que se tratava de uma doença
que podia acometer os praças do 25º BC, quando faziam os exames de saúde para a formação de contingentes
para a FEB. Essa informação sobre as doenças detectadas nos exames de seleção da FEB encontra-se disponível
em: <http://www.cpdoc.fgv.br/projetos/cfa21/arqs/anpocs2006/484.pdf>.
273
PIAUÍ. B.I nº 105, 25 B.C, 8 maio 1944, p. 560.
274
PIAUÍ. B.I n. 115, 25 B.C, 19 maio 1944, p. 594.
275
NASCIMENTO, op. cit., 2002, p. 66.
84
ao Batalhão, e que fornecia cursos tanto aos soldados alfabetizados quanto aos analfabetos.276
Todos os soldados recebiam formação geral de instrução física (ginástica, combate e
baioneta), educação moral e instrução geral, ordem unida, maneabilidade, armamento e
material, tiro, organização do terreno e combate e serviço em campanha. 277 Ainda dentro
dessa formação, os soldados poderiam se encaminhar para determinados grupamentos,
também através de cursos, sendo-lhe exigidas especialidades, tais como: Telemetrista,
Transmissões, Telefonistas, Saúde, Veterinária, Condutores, Sapadores, Observação e
Artífices. Os cursos e exames eram feitos pelo próprio BC, com oficiais do quartel designados
pelo comandante.278
O 25º Batalhão de Caçadores também possuía um Núcleo de Preparação de Oficiais da
Reserva, o NPOR. Para ingressar nesse curso, era necessário que o jovem fosse brasileiro
nato, tivesse idade maior de 17 e menos de 30 anos, apresentasse documento que
comprovasse ter concluído o Ensino Secundário ou atestado de que era aluno de
estabelecimento em curso superior; ter boa conduta, apresentar atestado de vacinação contra a
varíola, apresentar certificado quando reservista e o certificado de alistamento militar.
Candidatos já expulsos de qualquer escola de formação de reservistas não se poderiam
matricular. Por fim, o candidato teria que passar por um exame médico e um exame
intelectual constante de Português, Aritmética e Desenho Linear.279
Convém enfatizar que o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR)280 era
anexado ao Batalhão, e tinha como instrutor um capitão indicado pelo comandante da
Unidade Militar. Esse curso era freqüentado pelos ingressos do Quartel que possuíam o
Ensino Secundário ou equivalente, ou ainda se já tivesse iniciando um curso superior. Para
avaliar os aspirantes a oficiais, se considerava a freqüência no curso como também as notas
das avaliações, que eram feitas no decorrer da preparação.
O Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva terminou o primeiro ano fundamental
de seu curso em dezembro de 1943, com um acampamento realizado nos terrenos do stand de
tiros da Força Policial do Estado. Foi ressaltada, na matéria veiculada, no Diário Oficial, a
necessidade da boa preparação da mocidade para as eventualidades da guerra em curso.
Apesar das dificuldades do curso em relação à escassez de materiais, foi elogiada a
276
PIAUÍ. BI n. 190, 25 B.C, 15 ago. 1944, p. 1178.
277
Id. ibid.
278
PIAUÍ. B.I n. 81, 25 B.C, 9 abr. 1945, p .358-361.
279
PIAUÍ. Ministério da Guerra. Teresina, Diário Oficial, 3 jun. 1943, p. 10. Ministério da Guerra. Teresina,
Diário Oficial, Teresina, Diário oficial, 4 jan. 1944, p. 11.
280
Nesse período, existiam os NPOR e os CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), este último só
oferecido no Rio de Janeiro. Para maiores informações do NPOR do 25º Batalhão de Caçadores, ver: PIAUÍ. BI
n. 103, 25 B.C, 5 maio 1944, p. 550.
85
capacidade dos oficiais que ministravam as aulas, ao aliarem o conhecimento técnico com a
realidade prática. O acampamento que teve duração de quatro dias, de 20 a 23 de dezembro.
Não se pode aqui afirmar em que condições se davam esses cursos, mas imagina-se
que havia uma série de limitações em relação a material, local de treinamento e instrução,
como em outros quartéis do País. Em depoimentos publicados, logo após o término da
Segunda Guerra, ex-combatentes brasileiros da 2ª Guerra, oficiais da reserva, fizeram um
balanço coletivo da formação da oficialidade da reserva no País:
Imagina-se, pelos indícios dos comentários anteriores, sobre a condição dos CPOR’s e
NPOR’S, que a formação dos praças, dentro dos quartéis, possivelmente também se dava de
forma muito precária. Reafirmando esses indícios, Francisco César Ferraz, afirma que “[...] a
força terrestre brasileira, em 1942, refletia fielmente as carências de toda ordem de sua
sociedade [...].283 Era composta por equipamentos antigos e obsoletos, a doutrina de formação
do soldado era incompatível com as exigências modernas, além da precariedade de higiene,
saúde e alimentação.
Esses homens que prestavam o serviço do Exército e recebiam uma instrução
deficitária, no período de beligerância brasileiro, se tornavam fortes candidatos a ingressar no
contingente expedicionário, pelo grande número de reprovações, nos exames de saúde dos
militares da ativa e dos reservistas convocados. Em relação às instruções de ordem prática,
recebidas pelos soldados convocados, no Quartel do 25º BC, no período da mobilização de
guerra, o Sr. Francisco de Sousa Primo, na composição de suas memórias, recorda sua
experiência:
281
PIAUÍ. NPOR. Teresina, Diário Oficial, 28 dez. 1943, p. 4.
282
MORAES, Berta et al. Depoimentos de oficiais da reserva sobre a FEB. São Paulo: Instituto Progresso,
1947.
283
FERRAZ, op. cit., 2005, p. 44.
86
[...] instrução de toda natureza corria por dentro da cidade e, naquele acelerado, [...]
umas marchas muito pesadas, acampamento de quinze dias. No mês de abril de
1944, o inverno foi muito bom, passamos 15 dias lá para as bandas da granja centro,
que hoje tudo é cidade; nesse tempo, era mato. Aqui no Jóquei, passamos 15 dias
andando nos matos, fazendo treinamento, instrução de guerra. Acho que era até pior
do que lá na guerra, chovendo, e a gente acampado dentro dos matos [...]. Os
soldados carregando a mochila, a casa de morada, nas costas, naquela mochila que ia
coberta de lona. E a gente montava, abria assim um jirau, e ficávamos ali deitados
naquelas caminhas, forradas com palha de pau mesmo, e embaixo a água correndo
[...] nesse período de 15 dias, e as muriçocas e os mosquitos em cima [...].284
284
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
285
THOMSON, op. cit., n. 4, jun. 2001, p. 86-87.
286
A figura de Caxias passou a ser cultuada oficialmente em 1923. Em 1925, o dia de nascimento de Caxias
passou a ser comemorado oficialmente como o Dia do Soldado. A institucionalização do culto a Caxias, como o
soldado ideal da história militar brasileira, surge no momento em que as revoltas internas e as clivagens políticas
faziam parte do cotidiano da corporação, iniciando por parte de uma elite militar um processo de investimento
simbólico que enfatizava, através da figura de Caxias, o modelo de legalidade e disciplina. Nas décadas de 1930
e 1940, também é acrescentado às comemorações o discurso de que o Duque, enquanto militar, foi o maior
lutador pela unidade e integridade da Pátria. Esta simbologia estará muito presente na produção propagandística
do Estado sobre a mobilização de guerra. Para maior aprofundamento sobre o nascimento do culto a Caxias no
Exército Brasileiro, ver: Entre Caxias e Osório: a criação do culto ao patrono do Exército. In: CASTRO, Celso.
A invenção do Exército brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p.13-28.
87
aos recrutas na solenidade acontecida, em 1943, na Praça Pedro II, lembrava-lhes dos
juramentos que deveriam ser cumpridos durante aquele ano de serviço militar obrigatório:
Meus jovens camaradas! Chegou para vós o vosso maior dia – Dia de gala, dia de
festa, dia em que, ante a nossa Bandeira, símbolo de fé, símbolo sacrossanto de
nossa Pátria, prestastes o mais sério e o mais solene dos juramentos. O mais sério e o
mais solene, porque firmastes com a Pátria um pacto de honra, em que vos
comprometestes a defendê-la até com sacrifício da própria vida; a vos dedicar com
afinco, com ardor e com vontade ao seu serviço, de modo a colaborar no seu
progresso e no seu desenvolvimento; a obedecer aos vossos superiores e
hierárquicos que, mais experientes e mais velhos, saberão vos conduzir sempre na
trilha do bem, do dever e da disciplina consciente, em que cada indivíduo sabe o que
quer e o que está fazendo.287
287
PIAUÍ. BI n. 135, 25 B.C, 29 jun. 1944, p. 1000.
288
PIAUÍ. B.I n. 148, 25 B.C, 27 jun. 1944, p. 988-989.
289
McCANN, Frank D. A nação armada: ensaios sobre a história do exército brasileiro. Recife: Guararapes,
1982. p. 16; 40.
290
CARVALHO, op. cit., 2005, p. 22.
88
uma forma de salvação do País, o qual se encontrava, segundo ele, em estado lastimável. Para
o poeta:
[...] ‘o serviço militar generalizado’ era o triunfo completo da democracia; o
nivelamento das classes; a escola da ordem, da disciplina, da coesão; o laboratório
da dignidade própria e do patriotismo. Era a instrução primária obrigatória; a
educação cívica obrigatória; o asseio obrigatório; a higiene obrigatória; a
regeneração muscular e psíquica obrigatória [...].291
291
McCANN, op. cit., 1982, p. 39.
292
Em 28 de julho de 1943, foi lançado edital de convocação de sorteados pela Junta de Alistamento Militar de
Teresina, com 333 nomes de alistados que deveriam prestar ao Exército o serviço militar obrigatório, todos da
classe de 1922. Os cidadãos listados haviam sido sorteados em 06 de setembro de 1942, na 26ª CR, e deveriam
se apresentar no posto de concentração do 25º BC no período de 1 a 31 de outubro de 1943, para os sorteados de
1ª chamada (222 jovens); e de 1 a 30 de novembro de 1943 para os de 2ª chamada (111 jovens). No final de
agosto, saiu edital notificando que todos os sorteados da classe de 1921 do município de Teresina, convocados
em 1ª chamada, ao todo mais de cem jovens, entre eles o ex-combatente Pedro Constâncio,292 deveriam
comparecer para serem incorporados ao 25º BC. Em 03 de janeiro de 1944, a Junta de Alistamento Militar de
Teresina baixou novo edital, convocando mais sorteados da classe de 1922, listando um total de mais de 100
homens. Estes deveriam se apresentar à sede da 26ª CR a fim de serem encaminhados ao 25º BC. Os que não se
apresentassem ficariam sujeitos às penalidades estabelecidas nos regulamentos militares e no código penal do
Exército. 292 Os que se diziam incapacitados fisicamente para o serviço do Exército deveriam também
comparecer à Junta de Revisão e Sorteio para serem inspecionados de saúde292. No final de maio de 1944, a
Junta de Alistamento Militar de Teresina apresentou uma lista de 400 sorteados convocados para incorporação
no Exército nacional. Os mesmos deveriam se apresentar, sem prorrogação de prazo, no período de 1 a 31 de
outubro do ano em curso. A mesma lista saiu novamente no mês de outubro, reforçando o chamamento,
89
O ex-combatente Claudísio Torres, que morava em Teresina, soube por carta que
havia sido sorteado para o serviço do Exército.293 Já o ex-combatente Francisco de Sousa
Primo, que vivia no interior do Estado, foi informado que devia prestar o serviço do Exército
pela Junta Militar da cidade de Piripiri, tendo que vir a Teresina para a sua apresentação:
[...] quando fui sorteado, metido num terno de brim branco, parecendo gente,
cheguei a Teresina. Daqui até lá, era feito uma raspagem [...] uma carroçal, que
Deus me perdoe, o barro cobria em cima. Quando chegamos, fomos para [...] CSM.
Era lá que a gente se apresentava primeiro, parecendo porcos dentro de um barreiro.
Em seguida, veio o comboio de recrutas daqui de Piripiri. Era muita gente, todos
sujos que fazia pena [...].294
Através das memórias do ex-combatente, que se tornaria recruta no 25º BC, em 1943,
podem ser constatadas as dificuldades pelas quais os jovens do interior do Estado teriam que
passar, até se apresentarem na Circunscrição de Recrutamento, devido, nesse caso, à falta de
transporte, como também à própria condição das estradas à época. Nesse período, Leônidas
Melo dava conta de que Teresina estava ligada, pelas rodovias, a todos os municípios do
Estado.295 No entanto, a narrativa do ex-combatente aponta para as condições precárias das
estradas piauienses no período de mobilização.
O Serviço do Exército, no período da participação do Brasil na Segunda Guerra, era
considerado pelo discurso oficial, entre eles, o do Diário Oficial, como referência de
cidadania que deveria ser incorporada à sociedade como um todo. A disciplina, a ordem, o
patriotismo, características indispensáveis de um bom soldado, deveriam ser ampliados para o
maior número de sujeitos sociais. Mas, para os cidadãos listados nos editais, que haviam sido
sorteados para o serviço militar obrigatório, naquele período de beligerância, o cumprimento
do dever se tornava muitas vezes o seu encaminhamento para o campo de batalha.
Terminado o prazo de um ano vivenciado no Quartel, adquirindo formação militar, o
jovem se transformava em reservista, podendo ser posteriormente convocado pelo Exército
em caso de necessidade de preenchimento de claros nos contingentes. Um exemplo desses
casos foi o do Sr. Francisco de Sousa Primo, ex-combatente, que prestou o serviço do
demonstrando, por parte da guarnição federal do Estado, uma preocupação em fazer com que um número maior
de jovens se apresentasse para o cumprimento de seu dever de cidadão Ver: PIAUÍ. Junta de Alistamento Militar
de Teresina. Teresina, Diário Oficial, 31 jul. 1943, p. 5-6; PIAUÍ. Ministério da Guerra. Teresina, Diário
Oficial, 28 ago. 1943, p. 3; PIAUÍ. 10ª Região Militar. Teresina, Diário Oficial, 31 ago. 1943, p. 4; PIAUÍ.
Junta de Alistamento Militar de Teresina. Teresina, Diário Oficial, 6 jan. 1944, p. 7; PIAUÍ. 26ª Circunscrição
de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 17 maio 1944, p. 9; PIAUÍ. Ministério da Guerra. Teresina, Diário
Oficial, 26 out. 1944, p. 5-6.
293
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
294
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
295
Para uma visão panorâmica dos meios de transportes no Piauí no período do Estado Novo, ver:
NASCIMENTO, op. cit., 2002, p.175-208.
90
296
NASCIMENTO, op. cit., 2002, p.175-208.
297
Teve-se como referência a discussão de memória de Alistair Thomson, presente no texto, Memórias de
Anzac: colocando em prática a teoria da memória popular na Austrália. In: História Oral, n. 4, p. 86-87, jun.
2001.
298
PIAUÍ. 10ª Região Militar. Teresina, Diário Oficial, 15 abr. 1943, p. 1.
91
responsável pela divulgação desse dia e dos locais de apresentação dos mesmos, era composta
por Artur Passos, diretor do DEIP; e B. Lemos, diretor da Gazeta.299
Assim como eram publicados, no Diário Oficial, os editais de chamamento com a lista
de nomes de sorteados que deveriam comparecer à Circunscrição de Recrutamento, para
depois serem incorporados ao Exército, igualmente acontecia com os chamamentos de
cidadãos reservistas. Estes deveriam comparecer à Junta de Revisão e Sorteio na 26ª CR, e
depois ao 25º Batalhão de Caçadores. Os editais encaminhados aos jovens reservistas do
Estado apareciam quase que diariamente no Diário Oficial.300 Os primeiros reservistas
convocados na mobilização de guerra, e que retornaram aos quartéis, foram os da classe de
1919 e 1921, jovens que tinham entre 21 e 23 anos de idade.301
Muitos reservistas não compareciam ao chamado do Exército, e alguns não eram
encontrados nos endereços informados à 26ª CR. Os reservistas que não informavam a
mudança de suas residências podiam sofrer multas e prisões por deserção.302 O desertor era
tido como o avesso do soldado ideal, em razão de fugir aos seus deveres de patriota, assim
como macular a “memória gloriosa do Exército brasileiro”. A lista dos reservistas que não
compareciam aos chamados era afixada na porta principal da Junta, e divulgados no Diário
Oficial e nas amplificadoras da cidade.303 Faz-se interessante lembrar que, no período da
mobilização de guerra, funcionavam em Teresina a Rádio Propaganda Sonora Rianil, também
299
O DIA DO RESERVISTA. Gazeta, Teresina, sábado, 11 dez. 1943, p. 4; PIAUÍ. O dia do reservista.
Teresina, Diário Oficial, 7 dez. 1943, p. 2.
300
No final de abril de 1943, saiu uma lista com o nome de 97 reservistas de 1ª e 2ª categorias, que se deveriam
apresentar à 26ª C. R. para serem incorporados ao 25º BC. Quando os reservistas não compareciam à Junta de
Revisão e Sorteio seus nomes eram divulgados no Diário Oficial para que se encaminhassem à 26ª CR para o
pagamento de multa. Muitos desses reservistas não compareciam quando eram convocados e isso se dava, muitas
vezes, porque estes não avisavam quando mudavam de residência, e a carta de convocação não chegava às suas
mãos. Em razão disso, a Circunscrição divulgava o nome dos convocados em jornal e pedia seu comparecimento
com urgência. Em pedido de comparecimento datado de 14 de maio de 1943, foi divulgado o nome de 72
reservistas que não haviam sido encontrados e que se deveriam apresentar à sede da CR. Em 25 de junho de
1943, a 26ª CR lançou edital de chamada de reservistas, todos de 1ª categoria, que não haviam comparecido, em
editais anteriores, à sede da Circunscrição. Estes reservistas também não haviam sido encontrados em suas
residências no ato da convocação que tinha acontecido em abril de 1943. Deixava-se claro nesse documento que,
caso os mesmos não comparecessem no prazo estipulado, 8 dias, seriam considerados desertores. Na lista em
anexo, além dos nomes dos reservistas, saía conjuntamente o nome dos respectivos pais. Ver: PIAUÍ. 26ª
Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 9 jun. 1943, p. 7; 26ª Circunscrição de Recrutamento.
Teresina, Diário Oficial, 16 jun. 1943, p. 5; Ministério da Guerra. Teresina, Diário Oficial, 3 jul. 1943, p. 10;
Ministério da Guerra. Teresina, Diário Oficial, 3 jul. 1943, p. 16; 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina,
Diário Oficial, 27 abr. 1943, p. 2; 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 5 jul. 1943, p.
8; 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 21 maio 1943, p. 7; Ministério da Guerra.
Teresina, Diário Oficial, 26 jun. 1943, p. 2.
301
FALCÃO, op. cit., 1999, p. 187.
302
As multas adquiridas através de mudança de residência eram relatadas nos B.I’s da 26ª CR quase que
diariamente. Como exemplo, ver PIAUÍ. BI n. 88, 26ª CR, 31 jul. 1945, p. 247.
303
PIAUÍ. Junta de Alistamento Militar de Teresina. Teresina, Diário Oficial, 22 jan. 1944, p. 3.
92
Eis aí, Mocidade do meu País! Quanto de mais auspicioso, de mais significativo
para esta grande Nação, tão jovem como forte, do que esse ato de alta visão cívico-
militar, de lançar a oportunidade para que cada cidadão receba, nesta hora grave que
atravessamos, por suas próprias mãos, a quota de responsabilidade que lhe cabe
perante a consciência nacional!306
A tradição militar brasileira, com seus grandes acontecimentos e heróis, criados pelos
próprios órgãos oficiais, era rememorada. Dos tempos coloniais aos primeiros anos da
República nomes e fatos se tornaram referências representativas do que foi “a ação gloriosa
dos antepassados” diante das necessidades da Pátria. Desse passado de glórias era lembrado o
rechacimento feito à pirataria estrangeira, à grandeza de Tiradentes, à epopéia dos
bandeirantes, como também ao papel do Marechal de Ferro na Guerra do Paraguai.
304
Para maior aprofundamento sobre o papel das amplificadoras em Teresina, na década de 1940, ver: SOLON,
Daniel Vasconcelos. Novos sons se espalham por Teresina: os altos falantes e o processo de modernização das
cidades. In: NASCIMENTO, Francisco Alcides do; SANTIAGO JR, F. C. Fernandes. Encruzilhadas da
história: rádio e memória. Recife: Bagaço, 2006. p. 167-196.
305
PIAUÍ. 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 28 dez. 1943, p. 8-9; 26ª Circunscrição
de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 27 maio 1944, p. 10.
306
O VOLUNTARIADO NO EXÉRCITO. Gazeta, domingo, 25 jul. 1943, p. 2.
93
307
O VOLUNTARIADO NO EXÉRCITO. Gazeta, domingo, 25 jul. 1943, p. 2; BRASIL. O voluntariado no
Exército. Diário Oficial, Teresina, 19 jul. 1943, p. 3.
308
PIAUÍ. Voluntariado – expressão de patriotismo. Teresina, Diário Oficial, 5 jul. 1943, p. 8; FALCÃO, op.
cit., 1999, p. 214.
94
Nesse período, para participar da seleção do voluntariado, o candidato tinha que ser
brasileiro nato, de mais de 21 anos e menos de 26 anos, ter boa conduta, possuir aptidão física
para o serviço ativo, ser solteiro ou viúvo sem filhos, ter no mínimo instrução primária
completa.309
No início de 1944, foi lançado outro edital pelo Ministério da Guerra, informando da
abertura de voluntariado. Neste edital, já se percebem algumas alterações nos critérios da
seleção de voluntários, relacionados à idade e à escolaridade, apontando para as dificuldades
que se apresentavam nesse momento, na seleção de homens que deveriam ser incorporados à
FEB. Nos novos critérios de seleção de jovens, para ingressarem como voluntários nas fileiras
do Exército, estavam os de ser brasileiro nato, ter boa conduta, revelar aptidão física para o
serviço do Exército, ter entre 18 e 30 anos, e ser solteiro ou viúvo sem filhos.310
Em conclamação aos possíveis jovens voluntários piauienses, apareciam nos
noticiários chamamentos tais como: “Brasileiro! Comparece ao voluntariado; fardado, na
posição de sentido, olhar sereno, sobre as dobras auriverdes; o Hino Nacional inflamará tuas
virtudes militares, tornando-te um verdadeiro cidadão, digno do solo ubérrimo de tua
Pátria!”.311 Ou ainda: “Brasileiro! Procura as fileiras: envergarás com orgulho a farda do
Exército nacional. O 25º BC está recebendo voluntários”.312 Ou esse: “Brasileiro! Se não
tiveste a ventura de ser soldado, vai agora apresentar-te voluntariamente às fileiras –
empunharás com garbo o teu fuzil e a Nação inteira se orgulhará de ti!”. 313
A formação e organização de um corpo expedicionário, no mês de julho de 1943,
mostravam-se consolidadas, sendo que a mobilização militar que acontecia em todo o
território brasileiro, com a convocação de reservistas e a abertura do voluntariado, fazia com
que os selecionados se tornassem fortes candidatos a expedicionários que lutariam em front
externo. A produção de uma propaganda oficial, encaminhada a esses jovens cidadãos do sexo
masculino, foi um instrumento vastamente utilizado nos jornais locais, sendo que, através
desse meio de comunicação, o jovem piauiense era cotidianamente evocado para o
cumprimento de seu dever que era a defesa da Pátria.
Alguns desses homens, que atendiam ao chamamento oficial, tornavam-se, pela
propaganda, exemplos a serem seguidos; como foi o caso do piauiense Joaquim Ferreira da
309
PIAUÍ. 10ª REGIÃO MILITAR. Teresina, Diário Oficial, 7 jul. 1943, p. 8.
310
MINISTÉRIO DA GUERRA. Gazeta. Teresina, quarta-feira, 9 fev. 1944, p. 4.
311
PIAUÍ. Brasileiro! Teresina, Diário Oficial, 10 jul. 1943, p. 2; Brasileiro! Teresina, Diário oficial, 7 out.
1943, p. 4.
312
PIAUÍ. Brasileiro! Teresina, Diário Oficial, 10 jul. 1943, p. 3.
313
PIAUÍ. Brasileiro! Teresina, Diário Oficial, 10 jul. 1943, p. 5; Brasileiro! Teresina, Diário Oficial, 10 set.
1943, p. 3.
95
Silva, funcionário público e sargento da reserva, que se ofereceu como voluntário para as
fileiras do Exército, através de telegrama enviado ao ministro da Guerra e que foi divulgado
pelo Diário Oficial:
Não tendo sido convocada minha classe, ofereço meus serviços voluntariamente ao
grande presidente Vargas por intermédio de V. Excia., no momento da organização
do Batalhão Expedicionário, para a defesa incondicional da pátria brasileira,
brutalmente agredida pela horda dos corsários do Eixo.314
314
PIAUÍ. A vez do voluntariado. Teresina, Diário Oficial, 10 jul. 1943, p. 5.
315
Ibid., p. 12.
316
PIAUÍ. És moço? Teresina, Diário Oficial, 17 jul. 1943, p. 12.
317
NEVES, Luis Felipe da Silva. A Força Expedicionária Brasileira: uma perspectiva histórica. 1992.
Dissertação (Mestrado em História) – IFCS da Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992. p. 80-81.
96
PRECE À BANDEIRA
318
O afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães, resultando em dezenas de mortes, também é
dado, na historiografia que discute a participação do Brasil na Segunda Guerra, como motivo para que muitos
homens se apresentassem nos quartéis como voluntários. Os afundamentos causaram “comoção em todo o País,
obra de apenas um submarino nazista, o U-507. Em poucos dias, o U-507 afundou cinco navios e um pequeno
veleiro”. In: BONALUME NETO, op. cit., 1995, p. 43.
319
FERRAZ, op. cit., 2003, p. 60.
97
Teresina, 15/11/1943,
Do Infeliz sentenciado
EDISON AUGUSTO DE CARVALHO320
Pode-se inferir, com base nesta prece, feita por um presidiário do Estado, que, ao
tempo em que a propaganda consumida pela população poderia ter um efeito desejado pelos
órgãos oficiais, convertendo até criminosos que se sentiam afetados pelos deveres patrióticos,
ela pode também apontar para outros usos, como, por exemplo: – Será que o “infeliz
sentenciado” consumiu a mobilização de jovens, da forma como foi pensada e produzida pelo
governo ditatorial ou reelaborou-a como uma possibilidade real de livrar-se dos muros da
prisão e, quem sabe, adquirir sua liberdade após o dever cumprido? No entanto, convém
esclarecer, dos mais de 25.000 soldados que compuseram a Força Expedicionária Brasileira,
apenas pouco mais de mil se ofereceram como voluntários321.
Além dos exemplos de jovens que se ofereciam para lutar em defesa da Pátria, os
noticiários apresentavam constantes editais da 26ª CR, convocando jovens reservistas que não
haviam comparecido aos chamados dos órgãos oficiais. Por conseguinte, no final do mês de
julho de 1943, começaram a sair as primeiras listas com os nomes daqueles que não
atenderam aos chamados dos editais de convocação, sendo considerados, desta forma,
desertores do Exército. No edital de 28 de julho de 1943, assinado pelo comandante do 25º
BC, major Adovaldo Figueiredo de Souza, foram listados 44 desertores.322
Em relação aos possíveis desertores, algumas justificativas foram pontuadas no Diário
Oficial, para que os jovens reservistas piauienses não tivessem se apresentado quando da sua
convocação. A matéria, ao discutir o que poderia ter acontecido com os não-apresentandos,
afirmava que se negava a acreditar que foi a falta de espírito patriótico e de cumprimento dos
deveres de seus conterrâneos, já que estes sempre deram provas de devotamento cívico e
respeito às leis. O que estaria acontecendo, então, para que esses jovens não respondessem ao
chamado da Nação? Questionava o editorial que tentava encontrar uma resposta:
O que lhes está acontecendo deve, talvez, ser explicado por motivos outros. Embora
ninguém se possa exculpar de falta ou crime alegando a ignorância da lei ou dos atos
oficiais regularmente públicos, ocorre, porventura, a circunstância de que, pela
deficiência dos nossos órgãos de publicidade, não lhes tenha ainda chegado ao
320
PRECE À BANDEIRA. Gazeta, Teresina, sexta-feira, 19 nov. 1943, p. 2.
321
Informação obtida através da entrevista do historiador militar Denisson de Oliveira, professor de História da
UFPR. Disponível em: <http://www.aprendebrasil.com.br/entrevistas/entrevista0124.asp>. Acesso em: 7 abr.
2008.
322
PIAUÍ. Ministério da Guerra. Teresina, Diário Oficial, 3 ago. 1943, p. 6.
98
Essas explicações, segundo o Jornal, podiam ser pertinentes ao caso, dirimindo a falta
grave dos incursos. Entretanto, apesar de atenuar a gravidade da situação, que teria sido
“criada involuntariamente”, foi chamada a atenção para as conseqüências advindas da
deserção. Esta era prevista em lei como crime, e “[...] em todos os códigos de educação
cívica, apontada como atitude desprimorosa e condenável [...]”.324 De acordo ainda com o
cronista, essas intervenções e conselhos seriam bem interpretados pelos jovens a tempo de
evitar-lhes dissabores em razão de que as autoridades responsáveis pelo serviço militar teriam
como dever aplicar a lei e os regulamentos.325
Dessa forma, percebe-se que, mesmo com uma legislação que obrigava o soldado a
cumprir seu dever de cidadão, que poderia implicar em fortes danos à convivência social para
aquele que não a cumprisse, e à utilização dos meios disponíveis na produção de uma
mobilização militar, que colocava esta como imprescindível à defesa da Pátria, as
configurações históricas presentes no período da mobilização de guerra permitiam variadas
vivências, muitas vezes contraditórias ao modelo de sociedade e soldado idealizado pelo
Estado ditatorial.
323
PIAUÍ. Reservistas convocados e desertores. Teresina, Diário Oficial, 3 ago. 1943, p. 12.
324
Id. ibid.
325
Id. ibid.
99
4.1 Aí eu vim para minha terra, quando, em poucos dias, fui chamado para
ir à guerra
326
A designação de Mascarenhas de Moraes como organizador e instrutor da 1ª Divisão de Infantaria
Expedicionária foi efetivada antes dessa viagem, em 7 de agosto de 1943, mas somente em 28 de dezembro de
1943, após a viagem, foi publicada uma portaria, dando-lhe o comando único de todas as unidades que lutariam
ao lado dos aliados. In: SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEB por um soldado. Rio de Janeiro: Expressão e
Cultura, 2000. p. 57.
327
PIAUÍ. Afirmando de modo positivo a influência da America Latina. Teresina, Diário Oficial, 16 de
dezembro de 1943, p. 12.
328
Id. ibid.
329
PIAUÍ. Chega a Argel o general Mascarenhas de Morais. Teresina, Diário Oficial, 18 dez. 1943, p. 1.
330
O transporte da FEB para a Itália deu-se em cinco escalões. O primeiro escalão foi composto por 5.075
homens; o segundo e terceiro, que saíram juntos do Brasil, totalizavam 10.375 homens; o quarto escalão
formava-se de 4.691 homens; e o 5º escalão de 5.082 homens. Os homens do contingente regular piauiense
partiram do Rio de Janeiro no 5º escalão, dia 8 de fevereiro de 1945, e chegaram à Itália no dia 22 do mesmo
mês. Este juntamente com o 4º Escalão formavam o Depósito de Pessoal da Força Expedicionária. O Depósito
de Pessoal era responsável pelo recompletamento das baixas ocorridas em combate. Boa parte das produções que
têm como temática a FEB vem com as informações sobre os seus cinco escalões, entre elas: CASTELLO
BRANCO, Manoel Thomaz. O Brasil na II guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960. p. 164-165;
SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A feb por um soldado. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2000, p.61-68;
MORAES, J. B. Mascarenhas de. A feb pelo seu comandante. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2005. p.
100
parte da FEB, entre eles, Antonio de Andrade Poty e Claudísio Torres de Carvalho, que, no
período da mobilização de guerra, prestavam serviço ao Exército na guarnição federal situada
em Teresina.331
Com a exigência de um contingente regular de soldados, a contribuição do 25º BC,
diferentemente do que vinha acontecendo, teria que ser mais vultosa. Nesse sentido,
telegramas foram trocados entre o comandante da 10ª Região Militar e o chefe do Estado do
Piauí, na intenção de que o contingente regular piauiense fosse formado a contento. O assunto
principal desses telegramas era o orgulho que causaria à Região Militar ter seus soldados,
colaborando de forma efetiva, na defesa da Pátria, constituindo parte da Força Expedicionária
Brasileira; como também ter, por parte da Interventoria, o total apoio na arregimentação de
soldados do estado.332
Dessa forma, o Diário Oficial, um dos instrumentos de propaganda utilizado pela
Interventoria, como também pela guarnição federal do Estado, tratava de produzir o que se
esperava da mocidade do Estado, nesse momento de apelo da Pátria. Dizia-se que a mocidade
conterrânea não fugiria ao cumprimento de seu dever patriótico, e teria, naquela oportunidade,
o ensejo “[...] de patentear, mais uma vez, as altas e tradicionais virtudes militares de nossa
terra e de nossa gente, sua firmeza de ânimo, sua capacidade de resistência na defesa da
soberania nacional”.333 O editorial acrescentava ainda:
Nenhum filho deste Estado, nenhum piauiense filiado às Forças Armadas da nação
deixará, por certo, de ocorrer, pressuroso, à sede de sua unidade para receber o
mandato magnífico de defensor da dignidade pátria, no desempenho do qual
cumprirá, não importa se com sacrifício, juramento solene e sagrado prestado sob o
pavilhão auriverde e no ardor de mais nobre dos sentimentos, o sentimento
patriótico.334
41-59. FERRAZ, Francisco César. Os brasileiros e a segunda guerra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005;
NEVES, Luís Felipe da Silva. A força expedicionária brasileira: 1944-1945. In: COGGIOLA, Osvaldo (Org.).
Segunda guerra mundial: um balanço histórico. São Paulo: Xamã, 1995. p. 295-318.
331
B.I., nº 149, 25 BC, 28 jun. 1944, p. 998; B.I nº 153, 25 B.C, de 3 jul. 1944, p.1011. Antonio de Andrade Poti
partiu no 3º escalão para a Itália; e Claudísio Torres de Carvalho no 4º escalão. In: História oral do Exército na
Segunda Guerra Mundial. Tomo 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001. p. 59-67; CARVALHO,
Claudísio Torres de. Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 10 fev. 2007.
332
PIAUÍ. Força Expedicionária Brasileira. A contribuição da 10ª Região Militar. Teresina, Diário Oficial, 5
dez. 1944, p. 1.
333
Id. ibid.
334
Id. ibid.
101
O retrato não podia ser mais fiel. Quem o lê tem, diante de si, nítida, a imagem do
vaqueiro piauiense: Hércules-Quasímodo reflete no aspecto a fealdade típica dos
fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a
translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida,
num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A
pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que
encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido,
cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando,
mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente,
num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros
das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar
um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo – cai
é o termo – de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio
instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés,
sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra
rememorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das
modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.
Nada é mais surpreendente que vê-la desaparecer de improviso. Naquela
organização combalida, operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o
aparecimento de qualquer incidente, exigindo-lhes o desencadear das energias
adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas
linhas na estrutura e no gesto; a cabeça firma-se-lhe, alta sobre os ombros possantes,
aclarada pelo olhar desassombrado e forte; corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga
nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura
vulgar de tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um
titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade
extraordinárias.336
335
GALVÃO, Walnice Nogueira. Os sertões. In: MOTA, Lourenço Dantas (Org.). Introdução ao Brasil 1: um
banquete no trópico. São Paulo: Senac, 2001. p. 152-170.
336
CASTELO BRANCO, Renato. O Piauí: a terra, o homem, o meio. São Paulo: Quatro Artes, 1970. p. 59-60.
De acordo com a nota preliminar feita pelo autor nessa 2ª edição, essa obra teve em sua primeira edição o título
“A civilização do Couro”. É interessante também lembrar que a primeira edição foi publicada pelo DEIP.
102
com essas matérias, o piauiense não fugiria de seu dever de cidadão e patriota; e
compareceriam às unidades militares quando fossem solicitados. Vê-se então que se trata de
uma “tradição” inventada sobre o sertanejo, na virada do século XIX para o XX, que será
reavivada, no Estado, no momento de mobilização nacional.
No entanto, apesar de essa produção oficial reforçar a inquebrantável fortaleza do
nordestino e do piauiense, ela será problematizada pelos próprios índices de reprovação nos
exames de saúde dos selecionados para a composição da Força Expedicionária Brasileira.337
Pode-se dizer que houve elevado número de brasileiros selecionados e considerados
incapazes, por apresentarem dentadura insuficiente, cerca de 70% na Amazônia; incapacidade
física, de 8 a 10% na Amazônia e no Nordeste; doenças sexualmente transmissíveis;
parasitoses e outras moléstias. 338
Acrescente-se que, quando houve necessidade do contingente regular, todos os
soldados do quartel do 25º Batalhão de Caçadores, de acordo com as memórias do Sr. João
Paulino Torres,339 passaram pelo exame de saúde; muitos não foram considerados capazes,
dentro dos moldes exigidos do soldado, para que este fosse incorporado à Força
Expedicionária, realidade constatada nos quartéis de todo o País. Sendo assim, os homens que
cumpriam o Serviço Militar, naquele momento, os recrutas, tornavam-se fortes candidatos a
ingressarem no contingente expedicionário pelo grande número de reprovações, nos exames
de saúde dos militares da ativa, como também dos reservistas convocados.
A nova missão dos reservistas convocados, no período da mobilização de guerra, era a
de preencher os claros que começavam a aparecer nos quartéis, como também, para os
encaminhados ao Depósito de Pessoal da FEB, de defender a Pátria do inimigo alemão.340
Nesse período, em que o Brasil decidiu remeter um Corpo Expedicionário para lutar na Itália,
o Exército brasileiro, se comparado a outras forças que participavam do conflito, era bastante
obsoleto. O modelo de doutrina e treinamento utilizado nos quartéis era herança ainda da
Missão Militar Francesa, contratada pelo Exército em 1920. Sob este aspecto, impôs-se, nessa
337
Para maiores informações sobre a seleção de homens para a FEB, ver: PIASON, José Alfio. Alguns erros
fundamentais observados na FEB. In: MORAIS, Berta et al. Depoimentos de oficiais da reserva sobre a FEB.
São Paulo: Ipê, 1949.p.69-102.
338
MOURA, Aureliano. A luta antes da guerra. In: Nossa história. O Brasil foi à guerra. Ano 2, n. 15, p.16-20,
jan. 2005.
339
TORRES, João Paulino. Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 29 set. 2007. Devido
ao estado de saúde do narrador, grande parte da entrevista ficou inaudível, resultando em falas fragmentadas,
fragmentos de memória que também foram se compondo no processo de produção do próprio capítulo.
340
Constantemente apareciam, nos Diários Oficiais do ano de 1943, matérias intituladas “Defesa da Pátria”, que
incitavam os cidadãos à defesa da soberania nacional, como também à valorização das tradições do Exército e à
aversão ao inimigo, nacionalidades do Eixo. Como exemplo, ver: Em defesa da Pátria. Teresina, Diário Oficial,
n. 49, 6 abr. 1943, p. 11.
103
formação, uma nova visão de defesa nacional, fazendo parte desta a mobilização de recursos
humanos, técnicos e econômicos. Possibilitou ainda maior centralização e coesão da
organização militar, assim como maior controle interno, reduzindo a possibilidade de quebras
de hierarquia;341 contudo, essa formação era considerada, dentro das novas exigências da
guerra, ultrapassada.
Diante dessas dificuldades e necessitando de soldados, o comandante da 10ª Região
Militar, no início de dezembro de 1944, anulou os licenciamentos das praças que haviam sido
licenciadas entre os dias 26 de outubro e 16 de dezembro do ano em curso, e inicia-se o
processo de divulgação da formação de um contingente do Estado do Piauí. O Diário Oficial
informava que a notícia de que a 10ª Região Militar forneceria o primeiro contingente regular
para a FEB estava sendo fartamente divulgada pelas autoridades militares e civis, através da
imprensa e do rádio, ressaltando:
341
CARVALHO, J. M., op. cit., 2005, p. 28-29.
342
PIAUÍ. 10ª Região Militar. 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 7 dez. 1944, p. 1;
Ibid., 9 dez. p. 1.
343
Na propaganda do voluntariado, deixava-se claro que os reservistas que não haviam sido chamados a
comparecer à 26ª CR podiam cumprir com o seu dever de cidadão apresentando-se como voluntários à sede da
Circunscrição.
344
PIAUÍ. 10ª Região Militar. 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 7 dez. 1944, p. 1.
345
FERRAZ, op. cit., 2005, p.49.
104
A 26ª CR, logo que recebeu a ordem da anulação dos licenciamentos, tratou de
divulgá-la através do Diário Oficial, informando também às juntas militares do interior do
Estado. Por conseguinte, os praças sediados na capital, que tiveram suas licenças anuladas,
deveriam apresentar-se, até o dia 9 de dezembro de 1944, à sede da Circunscrição; os
reservistas do interior do estado, deveriam se apresentar aos respectivos prefeitos de seus
municípios.347 O ex-combatente Francisco de Sousa Primo foi um desses homens que teve seu
licenciamento anulado. Nascido em 21 de janeiro de 1921, no povoado São José, à época,
município de Piracuruca, ingressou no Exército para cumprir com o serviço militar
obrigatório, em 1943, concluindo sua obrigação em outubro de 1944. No entanto, pouco
tempo depois, recebeu a notícia da anulação de seu licenciamento, devendo apresentar-se
imediatamente à sede da Circunscrição em Teresina. Sobre essa experiência, ele rememora:
[...] tive uma baixa [...] que não vigorou em outubro de 1944; Aí eu vim para minha
terra, quando, em poucos dias, fui chamado para ir à guerra. E me apresentei em
Teresina, mas fui incorporar em Fortaleza, porque, quando chegamos em Teresina,
[...] o contingente já tava formado [...]. Partiram de ônibus, de trem até São Luís.
Chegando a São Luís foi que pegaram um navio velho; foram se juntar todos em
Fortaleza lá no quartel general. Nós fomos aqui pelo Autotransporte, como era
conhecido neste tempo, num caminhão velho; chegamos lá, incorporamos lá no
quartel general. E dali a pouco o navio chegou e reformou tudo, pegamos o navio
paro o Rio de Janeiro.348
346
PIAUÍ. 10ª Região Militar. 26ª Circunscrição de Recrutamento. Teresina, Diário Oficial, 7 dez. 1944, p. 1.
347
Ibid., 9 dez. 1944, p. 1.
348
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
349
Aqui se refere às discussões de Michel Pollack sobre Memória. O autor, em seus estudos, problematiza aquela
visão maniqueísta de uma memória do Estado, a oficial, a opressora, e a memória da sociedade ou dos grupos, a
dominada. Apesar de o autor utilizar os termos citados, faz uma releitura destes, nos quais a memória opressora
105
em detrimento de outras; pode-se citar, por exemplo, a que deu visibilidade à saída do
contingente regular, que desfilou pelas principais ruas da cidade, em 20 de dezembro de 1944,
encaminhando-se em fila, sob o olhar atento da população, até a Estação do Trem.
Essa constatação surge quando se observa a visibilidade concedida pelo Diário Oficial
ao contingente regular piauiense, através de suas matérias, em relação à saída dos soldados de
Teresina, como também às informações cedidas pelo último presidente da Associação dos Ex-
Combatentes da FEB – Secção Piauí – Senhor Luís Cardoso Ferreira, o qual forneceu o
Boletim Interno do Centro de Recompletamento de Pessoal (CRP), Rio de Janeiro nº 21,
datado de 03 de janeiro de 1945. No citado Boletim, consta que mais de 100 homens saídos
do 25º BC teriam sido incluídos naquele Centro. Essa data é correspondente à chegada do
contingente regular à cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, os registros dos soldados que saíram
de Teresina, em data anterior e posterior à saída do contingente regular, provocam a subtração
de experiências que também permitem a constituição de outras memórias da participação de
soldados do 25º BC no estado de beligerância brasileiro.
A memória da saída do contingente regular prevaleceu sobre todas as outras partidas
de praças e oficiais piauienses, que, naquele momento, já haviam sido incorporados à FEB.
Convém destacar que alguns piauienses, que prestavam o serviço do Exército no 25º BC e em
outras unidades militares do País, já haviam sido convocados para o Depósito de Pessoal da
FEB, meses antes da saída daquele contingente regular. É importante lembrar também que
outros praças partiram do Piauí rumo aos combates, mesmo depois da partida do trem que
levou o maior contingente de soldados do Estado para o campo de batalha, caso vivenciado
pelo narrador ex-combatente.350
Entre os piauienses que já combatiam em campos italianos, anteriormente à remessa
do contingente do Estado do Piauí, e que não serviam na unidade militar do Piauí, estavam o
pode estar dentro da própria sociedade civil, ou dentro de um determinado grupo que tenha instrumentos fortes
de legitimação. Quando o autor utiliza o conceito de memórias subterrâneas, ele se remete também às memórias
marginalizadas que podem estar presentes, por exemplo, dentro de pequenos grupos, entre eles, associações de
ex-combatentes que enquadrariam uma determinada memória sobre todos os componentes daquele grupo social.
Para melhor entendimento sobre os posicionamentos de Pollak sobre a memória, ver: POLLACK, Michael.
Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
350
É importante ressaltar que as informações são contraditórias em relação ao número de soldados que saiu do
25º BC rumo à guerra. O boletim interno da CRP do Rio de Janeiro informa da incorporação de 124 homens;
José Camillo Filho lista o nome de 129 homens que saíram do Estado, incluindo soldados que foram
incorporados à FEB antes da remessa do contingente regular; João Paulino Torres, em sua entrevista, afirma que
somente 26 homens foram para a Itália. Informações obtidas através do Boletim Interno nº 21 da CRP, de
03/01/1945; do livro de José Camilo Filho: O Piauí na segunda guerra. Teresina, Cadernos Piauienses, n. 4,
1972; da entrevista de João Paulino Torres concedida a mim em 29/09/2007 como também do Dicionário de
Cláudio Bastos, que informa que 80 praças do Piauí guarneceram as fronteiras do País, no período da
mobilização, e que 75 piauienses foram para os campos de batalha na Itália; já Mascarenhas de Moraes em sua
obra: A FEB pelo seu comandante. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2005, p. 313, informa da
contribuição de 87 piauienses na formação da FEB.
106
Ainda não sei quando se dará a partida, mas estou certo de que não tardará muito.
Então, sentirei grande satisfação. Quero dar a minha parcela na luta de extermínio à
barbárie nazi-nipo-fascista escravizadora. Tenho fé em Deus que vingarei os meus
irmãos roubados à vida, bárbara e covardemente, assim me determine o meu
Governo, tal como o fez, dois anos são passados, o nosso povo. E tenho esperanças
que voltarei para colher os louros desta gloriosa tarefa. 352
As cartas, com forte teor patriótico, pelo menos nos trechos recortados, eram
publicadas no momento em que se arregimentavam homens para a composição do contingente
piauiense. Produzia-se, através desses recortes, a imagem do soldado piauiense cumpridor de
seu dever, àquele que aos apelos da Pátria, não foge à luta, atendendo-a prontamente, coisa
que, de acordo com a produção oficial, deveria ser feita por todos os cidadãos que eram
chamados a comparecer para serem integralizados à Força Expedicionária Brasileira. O outro
irmão combatente, Kilson Carvalho, em sua carta, também reafirma o orgulho de ser
brasileiro e de poder lutar pela democracia. Segundo ele, “[...] ser brasileiro é ser democrata, é
ser amigo da liberdade, é aquele que é livre, vive sobranceiro, cônscio de si e de seus
deveres”.353 E acrescenta:
Cada dia que se passa mais me aproxima da hora em que irei pôr-me ao lado dos
meus compatriotas. E estou satisfeitíssimo porque seguirei com meu irmão – o
Cecil. O Altíssimo olhará por nós e por todos os que lutam pela liberdade e nos
defenderá contra aqueles que se dizem ‘raça superior’. E assim olhados por Ele,
lutaremos com denodo, atravessaremos todas as barreiras e venceremos, custe o que
custar.354
351
Este concluiu o preparatório em 1937, patenteada a carreira militar, matriculou-se na Escola Militar do Rio
em 1940. Ao término do curso, saiu como aspirante a oficial do Exército em março de 1944. Neste mesmo
período, foi logo classificado no Regimento General Sampaio da FEB, sendo promovido a 2º tenente, em julho
de 1944, quando seguiu para a Itália. In: PIAUÍ. Os dois irmãos lutam na Itália. Teresina, Diário Oficial, 7 dez.
1944, p. 1.
352
PIAUÍ. Os dois irmãos lutam na Itália. Teresina, Diário Oficial, 7 dez. 1944, p. 1.
353
PIAUÍ. Os dois irmãos lutam na Itália. Teresina, Diário Oficial, 7 dez. 1944, p. 1.
354
Id. ibid.
107
das cartas desses dois irmãos da elite teresinense, o contingente piauiense, como também o
próprio contingente formado pelos outros dois Estados submetidos a 10ª Região Militar,
Maranhão e Ceará, parece ter passado por algumas dificuldades no processo de sua formação.
Em 12 de dezembro de 1944, o capitão chefe da 26ª Circunscrição de Recrutamento, Jair
Moreira, declarou, em nota ao Diário Oficial, a resolução do comandante da 10ª RM,
autorizada pelo ministro da Guerra, de aceitar reservistas de 1ª categoria que quisessem se
apresentar como voluntários para o preenchimento de claros do contingente que aquela
Região estava organizando com destino à Força Expedicionária Brasileira.
Com essa declaração, observa-se um tipo de deficiência que irá fazer parte das tropas
que formariam a FEB. O reservista de 1ª categoria era aquele que, ao prestar o serviço do
Exército, atingira um grau de instrução que lhe permitia exercer uma determinada
especialidade. O Exército brasileiro, às vésperas da guerra, via o soldado como aquele que
sabia dar tiros, formação insuficiente para uma força de terra, dentro das exigências
estabelecidas por uma guerra moderna. Havia, nesse sentido, um número limitado de
especialistas na reserva do Exército que pudessem preencher as necessidades da tropa em
formação para a FEB. Observe-se que José Alfio Piason, ex-combatente da FEB, pouco
tempo depois da experiência febiana na Itália, discorreu sobre a deficiência de especialistas
em seus quadros:
[...] muito pouco ou nada se fez no nosso Exército, até essa última guerra, no sentido
de ‘fabricá-los’, ou o que é muito pior, de aproveitar em funções especializadas
aqueles exercendo funções análogas em sua vida civil; no caso da infantaria,
convocaram-se ‘tantos homens’ e a conseqüência foi que na tropa enorme trabalho
se despendia na formação de eletricistas, mecânicos, motoristas, telefonista etc.
[...].355
Esses reservistas deveriam contar com mais de 18 anos e com menos de 30 anos, e
satisfazer as condições de aptidão física exigida para as praças da FEB.356 Pode ser observado
que a decisão de anular os licenciamentos dos praças não foi suficiente para obter o número
necessário de homens que deveriam ser encaminhados à FEB partindo daquela Região
Militar. Observa-se também que os critérios de seleção para o ingresso do soldado na Força
Expedicionária sofreram alterações, posto que, nesse chamamento de voluntários, não aparece
a exigência da escolaridade mínima, inicialmente necessária, para tornar-se um
expedicionário.
O soldado incorporado à Força Expedicionária, pelo menos nos primeiros meses de
seleção, deveria ter no mínimo cinco anos de escolaridade, medir também no mínimo 1,60m
355
MORAES, Berta, op. cit., 1949, p. 73.
356
PIAUÍ. Ministério da Guerra. Teresina, Diário Oficial, 14 dez. 1944, p. 1.
108
de altura, como também ter peso igual ou maior que 60 quilos. 357 “[...] Muitos foram os
reprovados por insuficiência física, doenças crônicas ou analfabetismo [...]”.358 Apesar de
terem sido formuladas essas exigências no processo de seleção dos soldados combatentes,
alguns dos critérios de aptidão, com o tempo, foram sendo desconsiderados, em razão da
limitação do caráter de seleção médica, como também das deficiências de saúde,
educacionais, e nutricionais existentes na maioria dos brasileiros de então.359
Apesar de serem divulgadas constantemente as mais variadas “classes sociais” na
composição da FEB e especificamente na formação do contingente piauiense, exemplificado
através dos irmãos Carvalho, o maior número desses homens convocados era de gente
simples, que lutava cotidianamente por sua sobrevivência. João Paulino Torres, único
sargento do contingente regular piauiense, que saiu no final de dezembro de Teresina,
relembra a condição social dos soldados da tropa do 25º BC, que foram selecionados para o
contingente da 10ª RM que comporia a FEB: “[...] os daqui eram homens muito pobres [...] e
de pouco estudo, [...] eu fui professor na tropa deles [...].360” O próprio narrador ex-
combatente ingressou no serviço do Exército, como voluntário, em 1941, pois, segundo ele,
havia terminado os estudos no colégio Diocesano, onde era bolsista, e necessitava de um
trabalho. Nasceu em 02 de agosto de 1924, no Estado do Maranhão, e veio para Teresina, em
1931, aos 7 anos de idade para estudar.
Em relação à condição de vida desses homens que estavam sendo convocados para
irem à guerra, cita-se também o caso do ex-combatente Francisco de Sousa Primo, que, ao
recordar sua vivência antes do ingresso no quartel, aponta para aquilo que poderia ser a
experiência dos muitos jovens do Piauí, que foram convocados para a formação do
contingente febiano:
Em primeiro lugar eu não tive direito de estudar porque minha família, meu lar, tudo
era de gente muito simples [...] as dificuldades também muito grandes [..] nessa
época não tinha médico, não tinha professor, não tinha carro, não tinha nada. Eu me
criei no interior, trabalhando de roça.361
O modo de vida simples dos convocados não se restringia somente àqueles que
habitavam o universo rural como era o caso deste ex-combatente. Alguns, mesmo vivendo sob
os “ares modernos da Capital”, 362 podiam ser vistos trabalhando de sol a sol em busca de sua
357
FERRAZ, op. cit., 2003, p. 81.
358
Ibid., p. 82.
359
Sobre o assunto, ver: NEVES, L. F. op. cit., 1992, p.74-99.
360
TORRES, João Paulino, op. cit., 29 set. 2007 (Entrevista).
361
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
362
No período do Estado Novo, a cidade de Teresina passou por um processo de modernização. No entanto, o
discurso em torno da capital do Piauí, enquanto cidade moderna, já é encontrado em décadas anteriores,
109
sobrevivência, como era o caso do Senhor Pedro Constâncio, ex-combatente, que foi à guerra
naquele contingente regular organizado pelo 25º Batalhão de Caçadores. Dona Maria de
Jesus, sua mulher, recorda a função exercida pelo marido antes de sua convocação: “[...] ele
trabalhava de... Ele era carroceiro nesse tempo [...]”.363
Assim como o contingente piauiense, grande parte dos soldados da FEB era de
trabalhadores rurais e urbanos, que possuíam baixa escolaridade. Muitas vezes não tinham
uma compreensão mínima das razões que levaram ao desencadeamento do conflito mundial,
como também das próprias razões que fizeram com que o País remetesse soldados para
combaterem em outro continente.364
No mesmo período que saíam as notícias sobre a remessa do contingente do 25º BC
para a FEB e divulgava-se a presença de ilustres conterrâneos no corpo expedicionário,
também era anunciada a coragem de Maria Hilda de Melo, mulher piauiense, que seguiria
para a Itália na função de enfermeira. De acordo com a reportagem de Artur Eduardo
Benevides, dos Diários e Rádios Associados do Ceará, transcrita pelo Diário Oficial, era a
primeira enfermeira que ia da 10ª Região Militar para a frente de batalha. Noticiava-se que ela
havia deixado o emprego para oferecer seus serviços à Pátria, e que teria se expressado da
seguinte forma, quando recebeu a notícia de sua convocação: “Se eu morrer, outras seguirão
em meu lugar”.365 A matéria informava ainda que Maria Hilda de Melo havia passeado com a
farda da Força Expedicionária Brasileira pela ruas de Fortaleza, demonstrando, segundo o
jornalista, o grande papel da mulher naquele momento.
O Diário Oficial divulgou o telegrama vindo do Rio de Janeiro da recém-enfermeira
convocada, encaminhado a seu pai, José Policarpo Ferreira: “RIO, 26/12/44 – às 19,30 horas
– Fui convocada hoje e promovida enfermeira honras segundo tenente bondade senhor
ministro recompensa meus sacrifícios patrióticos. Abençoai-me. a) Hilda”.366 Maria Hilda,
dessa forma, fez parte das 67 enfermeiras que seguiram com a FEB para a Itália, tornando-se
todas: “[...] as primeiras mulheres a ingressar no serviço ativo das forças armadas”.367
Dias antes da convocação da enfermeira piauiense para a FEB, anunciava-se que o
contingente do 25º BC, que faria parte da FEB, estava pronto, aguardando somente a ordem
remetendo mesmo à própria fundação da cidade. Para maior aprofundamento sobre o processo de modernização
da cidade, ver: NASCIMENTO, op. cit., 2002.
363
Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 16 dez. 2007.
364
FERRAZ, op. cit., 2005, p. 48-49.
365
PIAUÍ. Maria Hilda de Melo. Teresina, Diário Oficial, 19 dez. 1944, p. 2.
366
PIAUÍ. Maria Hilda de Melo. Incoporada À FEB com honras de 2º tenente. Teresina, Diário Oficial, 26 dez.
1944, p. 8.
367
Para um maior aprofundamento sobre as enfermeiras da FEB, ver: CYTRYNOWICZ, op. cit., 2000, p. 99-
119.
110
368
PIAUÍ. Força Expedicionária Brasileira. O contingente piauiense. Teresina, Diário Oficial, 14 dez. 1944, p.
8.
369
Id. ibid.
370
PIAUÍ. Como falou o presidente da República No Banquete que lhe ofereceu o Exército. Teresina, Diário
Oficial, 16 nov. 1944, p. 3.
371
Em 1874, foi aprovada a 1ª lei do serviço militar obrigatório no Brasil, sendo que sua regulamentação só
passa a ocorrer em 1908. Mas foi “apenas em 1916 [...] que foi efetivamente organizado o sorteio militar, no
bojo de uma campanha liderada pelo poeta Olavo Bilac [...]”. In: FERRAZ, op. cit., 2003, p. 78-79.
111
4.2 Ainda hoje sinto uma coisa ruim quando escuto o barulho de um trem
372
PIAUÍ. Força Expedicionária Brasileira. O contingente piauiense. Teresina, Diário Oficial, 19 dez. 1944, p.
1.
373
Id. ibid.
374
Id. ibid.
375
PIAUÍ. Força Expedicionária Brasileira. O embarque, ontem do contingente piauiense. Teresina, Diário
Oficial, 21 dez. 1944, p. 1.
112
376
PIAUÍ. Força Expedicionária Brasileira. O embarque, ontem do contingente piauiense. Teresina, Diário
Oficial, 21 dez. 1944, p. 1.
377
Id. ibid.
378
RODRIGUES, Maria de Jesus. Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 16 dez. 2007.
379
(apud AMADO; FERREIRA 2005). In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e
abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005. p. xv. (Apresentação).
113
Percebe-se que a partida dos futuros combatentes foi narrada singularmente por
sujeitos que experienciaram o fato acontecido, a partir de lugares sociais distintos: a mulher
de um convocado, um militar do 25º BC, e um civil, que, à época, havia sido convocado para
a guerra. Memórias de sujeitos que presentificaram um passado,384 sendo este representado a
partir de diferentes sentidos construídos, no presente, daquela experiência vivenciada em
Teresina, em 20 de dezembro de 1944, quando um contingente regular de soldados do 25º BC
partia rumo à guerra.
Esse contingente, lembrado, em sua partida, por diferentes perspectivas, viajou de
trem até São Luís, depois, em um navio cargueiro, seguiu até Fortaleza, onde estava sendo
formado o contingente da 10ª Região Militar, exigência do ministro da Guerra. Outros
homens, entre eles aquele combatente narrador, ainda não haviam feito os exames médicos –
380
ALBERTI, Verena. Dramas da vida: direito e narrativa na entrevista de Evandro Lins e Silva. In: Ouvir
contar: textos em história oral: Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 92-93.
381
Perspectiva construtivista de memória presente tanto no trabalho de Michel Pollak quanto no de Alistair
Thomson, autores utilizados como referência na produção dessa pesquisa. Para maior contato com a discussão
desses autores, ver: POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989; THOMSON, Alistair. Memórias de Anzac: colocando em prática a teoria da memória
popular na Austrália. In: História Oral, n. 4, jun. 2001. p. 85-101.
382
TORRES, João Paulino, op. cit., 29 set. 2007 (Entrevista).
383
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
384
Henry Rousso afirma que, no sentido básico do termo, a memória é a presença do passado. In: ROUSSO,
Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e
abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005. p. 94.
114
e, em razão disso, não puderam seguir de trem com o contingente – indo para Fortaleza, dias
depois, de caminhão: “[...] nós fomos aqui pelo Autotransporte, como era conhecido neste
tempo, num caminhão velho, e chegamos lá, incorporamos lá no quartel-general e, dali a
pouco, o navio chegou e reformou tudo. Pegamos o navio para o Rio de Janeiro”.385
As transferências de praças e oficiais eram habituais nas unidades do Exército. Elas se
davam entre subunidades do próprio BC, entre unidades do próprio Estado ou ainda entre
unidades de Estados diferentes.386 A necessidade de serviço em outras guarnições do Exército
era o argumento utilizado por essa instituição, para o deslocamento constante de soldados
entre as unidades;387 conforme dito anteriormente, fato muito freqüente quando da
transferência de aquartelados para o depósito de pessoal da FEB no Rio de Janeiro.
Os transportes utilizados nos deslocamentos de soldados, tendo como referência o
Quartel de Teresina, poderiam ser o aéreo, o ferroviário e o rodoviário. A estrada de ferro São
Luís – Teresina servia de transporte para os militares que eram deslocados para o 24º BC em
São Luiz do Maranhão.388 A ida para o 23º BC, em Fortaleza, poderia ser feita com transporte
do próprio exército, o caminhão da Secção Autotransporte da 10ª RM,389 ou ainda pelo
caminhão de horário da Agência João Cândido.390 O transporte aéreo era utilizado em casos
extraordinários, como, por exemplo, a transferência urgente de oficiais para a composição da
FEB ou o deslocamento de autoridade do exército com patente superior.391
A chegada do contingente piauiense, que saiu da capital de trem até São Luiz, no Rio
de Janeiro, foi notícia de primeira página do Diário Oficial; o texto dizia que, após próspera e
feliz viagem, o contingente do 25º BC havia chegado ao Rio disposto e satisfeito. Enfatizava-
se também que, nesse grupo de soldados piauienses, estavam incluídos rapazes de todas as
camadas sociais, discurso muito presente quando se falava da origem social dos soldados que
compunham o contingente febiano. De acordo ainda com o correspondente especial do Diário
Oficial, no Rio de Janeiro, o contingente do Estado foi classificado na 10ª Companhia da
FEB. O Diário Oficial, nessa mesma matéria, encaminhava, ao comandante da Guarnição
Federal e aos parentes e amigos dos expedicionários, felicitações pelo encerramento a
contento da primeira etapa da missão patriótica que foi atribuída àquele grupo de rapazes. Eis
385
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
386
Essas transferências podem ser visualizadas no setor “Alteração de Pessoal” existente nos boletins.
387
BRASIL. B.I nº 138, 25 B.C, 15 jun. 1944, p. 951. Neste boletim, são registradas as transferências dos
oficiais, Antonio de Andrade Poti e Artur Teixeira de Carvalho.
388
BRASIL. B.I nº 187, 25 BC, 11 ago. 1944, p. 1161.
389
BRASIL. B.I nº 161, 25 BC, 12 jul. 1944, 1042.
390
BRASIL. B.I nº 187, 25 BC, 11 ago. 1944, p. 1161.
391
Sobre os transportes disponíveis, nesse momento, em Teresina, ver o tópico: “Encurtando distâncias:
modernização dos meios de transportes”, presente em: NASCIMENTO, op. cit., 2002, p.175-199.
115
392
PIAUÍ. Chega ao Rio o contingente do 25.º B. C. Teresina, Diário Oficial, 4 jan. 1945, p. 8.
393
Percebe-se, nesse telegrama, outra representação produzida do homem piauiense, imposta aos selecionados do
25º BC para a FEB. A representação de piauiense apontada no telegrama parece ser resultado da fusão daquela
identidade do homem piauiense construída por Renato Castelo Branco através de Os Sertões de Euclides da
Cunha, o vaqueiro como o típico sertanejo, que, apesar da aparente fragilidade física, era um forte, com a
identidade de brasileiro por excelência, forjada por Capistrano de Abreu. Este na obra Capítulos de História
Colonial via no sertanejo o brasileiro em essência, resultado de uma nova personalidade adquirida pelo
colonizador, ao adentrar o sertão, tornando-se um homem novo, o brasileiro. Nesse sentido, de acordo com o
produzido oficialmente, por ser o piauiense um sertanejo destemido, ele podia ser considerado como o
verdadeiro representante da Pátria. Para melhor entendimento, ver: CASTELO BRANCO, Renato. O Piauí: a
terra, o homem, o meio. São Paulo: Quatro Artes, 1970; GALVÃO, Walnice Nogueira. Os sertões. In: MOTA,
Lourenço Dantas (Org.). Introdução ao Brasil 1: um banquete no trópico. São Paulo: Senac, 2001. p. 152-170;
REIS, José Carlos. Anos 1900: Capistrano de Abreu – o surgimento de um povo novo: o brasileiro. In: As
identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 85-114.
394
PIAUÍ. Legião Brasileira de Assistência. Teresina, Diário Oficial, 30 jan. 1945, p. 8.
116
395
No início de janeiro, ainda eram reproduzidos pela 26ª CR chamamentos da 10ª RM para a apresentação de
voluntários que deveriam ser encaminhados à FEB. Ver: PIAUÍ. Ministério da Guerra. Teresina, Diário Oficial,
2 jan. 1945, p. 5.
396
PIAUÍ. Newton Wilson Cardoso. Teresina, Diário Oficial, 3 mar. 1945, p.16.
397
Inicialmente, quando da organização da FEB, pensou-se na composição de três divisões de Infantaria
Expedicionária (DIE). ”Todavia, dois dias depois do embarque do 1º escalão, sustou-se a organização destas
últimas [2ª e 3ª], já em andamento, destruindo as aspirações dos que ainda acreditavam em sua participação na
campanha”. Para maior aprofundamento ver: CASTELLO BRANCO, Manoel Thomaz. O Brasil na Segunda
Guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960. p. 127.
117
398
Essas informações foram obtidas em conversas informais da pesquisadora com esse pracinha, entre os anos de
2000/2008, já que o mesmo não forneceu entrevista, tendo como justificativa não querer rememorar aqueles
“momentos de terror” que lhe provocavam forte emoção.
399
Boletim Interno é um documento feito diariamente pela unidade militar que informa sobre os principais
acontecimentos do dia naquela unidade. A pesquisadora debruçou-se, principalmente nesta pesquisa, sobre os
boletins internos de 1944, haja vista que os boletins internos do primeiro semestre de 1945 encontravam-se em
péssimo estado de conservação, sendo que muitos deles estavam destruídos pelos cupins.
400
O afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães, que resultou em dezenas de mortes, também é
dado, na historiografia que discute a participação do Brasil na Segunda Guerra, como motivo para que muitos
homens se apresentassem nos quartéis como voluntários. Os afundamentos causaram “comoção em todo o País,
obra de apenas um submarino nazista, o U-507. Em poucos dias, o U-507 afundou cinco navios e um pequeno
veleiro”. In: BONALUME NETO, Ricardo. A nossa segunda guerra: os brasileiros em combate, 1942-1945.
Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. p. 43.
401
FERRAZ, op. cit., 2003, p. 60.
118
aponta para outras experiências, vivenciadas no período de mobilização militar, que se afasta
daquele soldado piauiense idealizado, que não fugia à luta diante de quaisquer que fossem os
sacrifícios. Ao rememorar a véspera de sua saída para Fortaleza, onde seria incorporado ao
contingente piauiense que já se encontrava naquela cidade, o narrador informa que, ao saber
que a viagem se daria no dia seguinte, tratou imediatamente de avisar a outro convocado, seu
conterrâneo, que seguiria juntamente com ele para a 10ª Região Militar e, posteriormente,
para o Rio de Janeiro:
[...] tinha ficado outro colega meu [...] que morava na mesma casa que eu estava, [...]
por coincidência ele era casado e tinha uma meninazinha assim de uns cinco anos, e
a mulher dele foi com a gente no carro com o prefeito e a mulher; pegou um
transporte foi pra lá depois e chegou à boca da noite [...]. Quando de amanhã bem
cedo a gente ia viajar. A mulher dele chegou e arranchou-se ali de madrugadinha
com escurinho. Saiu pra ir buscar uma água num poço que tinha assim perto, que lá
nesse tempo tudo era fraco, Teresina ô meu Deus [...]. Quando ela foi chegando, fui
chegando com o recado [...], quando aquela mulher soube dessa arrumação, chegou
quase primeiro [...], ela e a criança e partiram no rumo do Joaquim Guedes, o
tenente-coronel comandante, e se agarraram com aquele homem, ela e a menina, e
chorando e se maldizendo, pedindo por amor de Deus de joelho. E eu fiquei para
não viver, me lembrando da minha, que tava em casa com uma criancinha também, e
de muitas coisas, com pena dela lá. E o alarde dela foi tão grande que o coronel
puxou o lencinho do bolso, eu olhando... e saiu por ali assim, e foi pra sala de
comando. Quando voltou, falou pra companhia: seu [...] fulano de tal dos anzóis foi
julgado incapaz para a guerra, não pode ir. E eu dentro de mim: isso foi por causa do
clamor da mulher, doeu tanto que ele inventou essa fita.402
402
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
403
FERRAZ, op. cit., 2005, p. 48.
119
capital federal. Dessa forma, esse narrador aponta para outras práticas de fuga ao imposto
pelo governo ditatorial no período de mobilização militar:
[...] Muitos, porque tínhamos lá [...] muitos que não queriam ir, pegavam o leite
condensado e colocavam no membro [...], nós tínhamos uma inspeção só de doença
venérea. [...] O cabra chegava, que tem uma borrachinha de aplicar em criança [...],
antigamente tinha. Você botava o leite condensado ali, e chegava detrás da porta e
injetava no membro, quando o médico puxava... Hemorragia! Muitos não foram por
isso, mas quando foram descobertos, foi gente pra cadeia como o diabo, expulsos do
Exército [...].404
404
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
405
Essas informações foram obtidas em conversas informais da pesquisadora com esse pracinha, entre os anos de
2000/2008, já que o mesmo não forneceu entrevista tendo como justificativa a de que não querer rememorar
aqueles “momentos de terror” que lhe provocavam forte emoção.
406
TORRES, João Paulino, op. cit., 29 set. 2007 (Entrevista).
407
Lucien Febvre, ao discutir as várias noções do termo honra, afirma que, em seu aspecto social, a honra seria
um sentimento social que facilita o cumprimento dos deveres com a sociedade civil e a submissão dos interesses
particulares ao interesse comum. Em relação à honra militar, estaria presente, entre outros aspectos, o espírito de
sacrifício e a coragem diante da morte. Ver: FEBVRE, Lucien. Honra e Pátria. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998, p. 212-215.
120
[...] Os pracinhas do Estado do Piauí foram treinados para a Guerra pelo coronel
Octávio Miranda, que era capitão do Exército [...]. Todo o treinamento foi feito no
Quartel [...]. Mas nem todos os combatentes piauienses da FEB tiveram o suposto
privilégio de ir ao front [...].408
O treinamento foi o mesmo que se teve; por exemplo, se você era da infantaria ia pra
infantaria, fuzilzim [...] metralhadora ponto trinta. Não! Não tinha ponto trinta, era
408
Livro escrito à mão, por Raimundo B. Pinheiro, contém histórias sobre o autor, como também experiências
passadas pelos pracinhas piauienses, na Segunda Guerra Mundial. Timon, 2000, p. 81. 191p.
409
Esse senhor escreveu à mão, em vários cadernos, sobre algumas experiências vivenciadas pelos combatentes
do Piauí, quando mobilizados para a guerra. Ele se apresenta nesses escritos, nas unidades militares do Estado e
nas comemorações militares como um ex-combatente da FEB pelo Ceará. No entanto, diz-se que ele não chegou
a se tornar um febiano (nesses escritos, em alguns trechos, percebe-se essa contradição de informações), ficando
traumatizado por não ter participado como combatente da FEB. É interessante notar que o mesmo foi combatente
da Intentona Comunista acontecida em 1935. Quando veio do Ceará, tornou-se um assíduo freqüentador da
Associação [nota da pesquisadora feita a partir do acesso aos escritos e ao próprio narrador]. Para essa pesquisa,
levou-se em consideração o seguinte escrito à mão: PINHEIRO, Raimundo B. Experiências de guerras e
outras histórias. Teresina, 2000, p. 81. Para um aprofundamento sobre a relação entre a vivência e as memórias
de um ser humano, associando real e simbólico, memória e imaginação, ver: AMADO, Janaína. O grande
mentiroso. Nossa História, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, v. 1m n. 2, p. 28-33, dez. 2003.
410
Para saber mais sobre os 5 escalões da FEB, ver: SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEB por um soldado.
Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2000. p. 61-68.
121
madsen. Ponto trinta eu tive lá na Itália [...]. No Rio treinava mesmo, todo dia [...].
Tinha o treinamento com educação física e o treinamento com bala mesmo.411
[...] Mas só visto a pobreza da capital, do País de modo geral, no Rio de Janeiro que
era a capital federal [...] a comida para a gente comer lá no Quartel era feijão preto
com água e sal e uma farinha velha [...]. Eu, Quirino, Paulo Brandão o Pedro
Santana, a gente passava o dia na instrução, aquela comida era só pra judiar, mas eu
comia porque eu queria voltar, se eu não me alimentasse morria. Quando era de
tardezinha, fora de forma, a gente ia bater no Engenho de Dentro, já conhecia tudo
lá, e comia do bom e do melhor, tomava refrigerante e voltava. [...]. Muito
treinamento; primeiro fizemos os exames de saúde, tudo com médico americano e
depois disso era a instrução, aqueles açudes velhos de lá, aquele ônibus velho,
aquelas coisas, a gente friviava tudo, aqueles açudes velhos nós conhecemos
acampamos, fazendo instrução. Até quando chegou o dia de ir pra guerra [...]. Eu
recebi um telegrama que o meu sogro mandou dizendo que minha mulher estava
passando muito mal... Quem me entregou foi o sargento Mota. Meu nome de guerra
era Sousa. Ele disse: Sousa, e agora? E eu disse: E agora sargento? Ele respondeu: É
só você pensar no que vai acontecer, daqui a pouquinho nós vamos embarcar pra
guerra. E acabou-se a conversa [...]. De modo que chegou aquele telegrama e
acabou-se a conversa. Quando teve quatro bandas de música, uma ali, outra ali, e
nós aqui no meio, o contingente feito, aquela filona, hora daquela despedida; aquela
banda de música, os corneteiros tocando aquele negócio, só Deus sabe como é que
ficava o coração da gente [...].414
411
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
412
Prepara-se o Corpo Expedicionário do Exército Brasileiro. Teresina, Gazeta, 17 fev. 1944, p. 1.
413
A artilharia e as forças aéreas anglo-americanas fazem silenciar a fortaleza improvisada por Hitler na velha
abadia. Teresina, Gazeta, 17 fev. 1944, p. 1.
414
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
122
4.3 Muito ruim! Ave Maria! [...] Além do medo da guerra, tinha também o frio...
Muito ruim! Ave Maria! [...] Além do medo da guerra, tinha também o frio que eu
não conhecia; vinte e dois graus abaixo de zero, ah meu amigo... O que acabava com
o brasileiro era isso, era o frio. Também eu aqui do Norte, Nordeste, um calor
danado... O pessoal do Sul era todo acostumado com frio, mas nós aqui de Teresina,
Ceará...416
415
Para saber mais sobre os 5 escalões da FEB, ver: SILVEIRA, op. cit., 2000, p. 61-68.
416
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
123
sua função de padioleiro. Essa especialidade, exercida por esse ex-combatente na guerra, foi
adquirida ainda em Teresina, e, segundo o narrador, eram os médicos do Hospital Getúlio
Vargas quem ensinavam aos futuros pracinhas os primeiros-socorros que deveriam ser dados
aos feridos em combate. Em suas memórias, o ex-combatente recorda que juntamente com ele
foram encaminhados para o Depósito de Pessoal da FEB mais quatro padioleiros,417 estes não
conseguiram passar por todos os critérios de seleção:
417
No Boletim Interno nº 153, 25 B.C, 3 jul. 1944, p.1011, ficou registrado que cinco soldados haviam sido
transferidos para o depósito de pessoal da FEB, no Rio de Janeiro. Incluíam-se, nesse grupo, os soldados
Napoleão Pires de Araújo Lima e José Deodato, ambos da saúde; e também os soldados Dionísio Pereira da
Silva, João Luiz de Oliveira e Claudísio Torres de Carvalho, entrevistado pela pesquisadora; todos eram
padioleiros.
418
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
419
FERRAZ, op. cit., 2003, p. 92.
124
Quanto aos soldados, foram convocados por um curto prazo como cidadãos para
cumprirem o seu dever com a Pátria, retornando depois às atividades civis. Tende
sobre eles, além da superioridade hierárquica, maior cultura, maior capacidade e
competência profissional. Enfim, maior compreensão. Há em cada oficial um
educador. Educador, não só pelo ensino que ministra aos subordinados, como pelo
exemplo de suas virtudes, competência e valor. Uma vez que ides conduzir estes
soldados para a guerra, brasileiros também, que convosco irão correr os mesmos
riscos, é preciso que eles vejam em cada um de vós, sem prejuízo do respeito, da
disciplina, um amigo que se interessa pela sorte, pelos seus sofrimentos, pelo seu
conforto, pela sua vida.420
Nesse momento, foi muito enfatizada a idéia do cidadão-soldado, algo que pode ser
percebido nesse trecho do discurso do presidente, como também nos avisos do Exército,
encaminhados aos jovens que prestariam o serviço militar ou retornariam ao Quartel como
reservistas. Estes homens, denominados de cidadãos-soldados, seriam aqueles recrutados nos
meios civis, e que, por um período determinado, prestariam seu serviço militar, sendo que, no
final deste, voltariam ao seu status civil, ficando incorporados à reserva da respectiva força
armada.421
No entanto, vale lembrar que os próprios órgãos oficiais davam conta do não
comparecimento de muitos convocados à guarnição federal, fazendo com que o Exército
passasse a considerá-los desertores.422 Outro ponto que deve ser ressaltado era a variedade de
contravenções registradas nos boletins internos, em 1943-1944, do 25º BC, problematizando o
soldado-cidadão idealizado pelo Exército, que deveria, ao adentrar o quartel, submeter-se a
todas as normas do batalhão em benefício da Pátria. 423 Levando-se em consideração as falas
dos ex-combatentes entrevistados, percebe-se que, na composição de suas memórias,
relacionadas às suas convocações para a FEB, constituiu-se uma versão – parecida com a
imposta oficialmente; ou seja, a de que, indo à guerra, estavam cumprindo seu dever de
cidadãos – acrescida, em alguns momentos, de vestígios que possibilitam enxergar o
cumprimento desse dever, não em razão somente do ardor patriótico, algo que foi vastamente
420
PIAUÍ. Breve demonstrareis a vossa eficiência ante os exércitos inimigos. Teresina, Diário Oficial, 25 maio
1944, p. 1.
421
FERRAZ, op. cit., 2003. p. 78.
422
Discussão presente na Parte 3 desta dissertação.
423
As transgressões eram julgadas, tendo como referência o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), e
podiam ser consideradas leves, médias ou graves. Nos boletins desse período, esses desvios eram registrados na
parte do Boletim denominado “Justiça e Disciplina”, onde era descrito cada caso de indisciplina e avaliado o
grau da mesma, para se concluir sobre que pena devia ser dada ao infrator. Os casos de transgressões eram
bastante variados, sendo que os mais freqüentes eram os que tratavam das fugas, dos passeios pelas ruas da
cidade em horários inapropriados, as faltas às instruções e ao serviço, como também a presença do soldado em
lugar “incompatível com o decoro militar”. Para entender melhor sobre o RDE, ver: BRASIL. Ministério da
Guerra. Regulamento disciplinar do Exército nº 4. Rio de Janeiro: Imprensa Militar, 1942. Arquivo do
Exército.
125
[...] Não esqueço e nem poderei esquecer jamais o entusiasmo, a chama cívica que
ardia na exaltação e nas vozes do nosso povo quando pedia a guerra ao agressor.
Chegou o momento de transformarmos em atos os sentimentos de repulsa e
424
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
425
LIMA FILHO, Sebastião André Alves de. Aprendendo o patriotismo: memória dos pracinhas da Força
Expedicionária Brasileira. 2000. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Departamento de Ciências Sociais e
Filosofia da UFC, Fortaleza, 2000.
426
ULTIMATUM À RUMÂNIA E À HUNGRIA. Teresina, Gazeta, 31 mar. 1944, p. 1.
427
A FORÇA EXPEDICIONÁRIA. Teresina, Gazeta, 31 mar. 1944, p. 1.
126
433
PIAUÍ. A primeira força sul-americana no teatro da guerra. Teresina, Diário Oficial, 20 jul. 1944, p. 1.
434
Entrevista com o Tenente-Coronel Antonio de Andrade Poty. In: História oral do Exército na Segunda
Guerra Mundial. Tomo 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001. p. 59-67.
435
B.I. nº 149, 25 B.C, 28 jun. 1944, p. 998. Em relação às transferências de militares para o Depósito de Pessoal
da FEB, nota-se que o procedimento e o argumento utilizado no registro desses deslocamentos não sofrem
nenhum tipo de alteração, se for comparado a outras transferências que tinham, por exemplo, o destino para
outras guarnições. Ou seja, o argumento utilizado para a transferência de soldados com destino à FEB era a
necessidade de serviço ou de sua especialidade naquela unidade. No entanto, levando-se em consideração o
depoimento dos convocados, percebe-se – se não o medo em relação à convocação para a guerra – a apreensão
diante do desconhecido, da incerteza em relação ao que estaria por vir. Para maior esclarecimento sobre a
natureza dessas transferências, ver a parte do BI no 25º BC intitulada Alteração de Pessoal, do ano de 1944.
436
B.I nº 160 , 25 B.C, 11 jun. 1944, p.1036.
437
Entrevista com o Tenente-Coronel Antonio de Andrade Poty, op. cit., 2001, p. 59-67, Tomo 2.
128
[...] A travessia transcorreu normalmente, sob escolta aeronaval. Esta escolta era
constituída de um contratorpedeiro americano e três destróieres brasileiros que,
constantemente, simulavam e faziam exercícios de ataque. Além disso, havia
exercícios conosco, até para o abandono do navio. [...] A viagem durou 14 dias
[...].438
[...] aqueles dezoito dias que viajamos do Rio de Janeiro para a Itália, o alto-falante
todo dia, quando era uma hora da tarde o alto-falante pegando as notícias todas e
contando como é que estava a situação lá na guerra. Mas o pior de tudo isso era uma
instrução de abandonar o navio, caso ele fosse torpedeado, o navio que a gente ia.
Eram 5 mil soldados e a tripulação do navio era quase uma cidade, e aí com os 10
dias de viagem não posso garantir [...]. Apareceu um submarino querendo torpedear
o navio. O navio vai acompanhado do zepelin redondo [...], das barquinhas, de
salva-vidas, aquelas coisas. [...] Todo dia naquela hora saía o aviso de como era a
maneira de abandonar o navio se fosse torpedeado, [...]. Quando apareceu esse
negócio, [...] o submarino estava parado no meio da água até quando eles
combateram o submarino, assediaram ele para a gente poder viajar para a frente
[...].441
Percebe-se que o medo de ataques de submarinos inimigos foi talvez a memória mais
marcante para todos os entrevistados em relação à viagem do Rio de Janeiro a Nápoles. A
travessia, que levava de 15 a 18 dias para chegar ao seu destino, foi carregada de experiências
que já inseriam aqueles homens no clima de guerra vivenciado, devido, por exemplo, às
simulações de abandono do navio, caso este fosse atacado por submarinos inimigos, como
também no acompanhamento das notícias recentes do conflito, que iam sendo geradas pelos
alto-falantes. No entanto, de acordo com aquele narrador, o clima não era só de medo, mesmo
existindo as lamentações diárias por parte de muitos soldados: “[...] alguns era só lamentando,
438
Entrevista com o Tenente-Coronel Antonio de Andrade Poty, op. cit., 2001, p. 59-67, Tomo 2.
439
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
440
Id. ibid.
441
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
129
mas tinha uma vitrola boa, tinham uns discos bons, mas pode crer [...], quando dava, a gente
jogava baralho, para entreter”.442
Devido às limitações da frota da Marinha Mercante Brasileira, o transporte dos cinco
escalões da FEB do Rio de Janeiro para a Itália foi feito por navios norte-americanos.443
Cleantho Homem de Siqueira, ex-combatente potiguar, descreve as dimensões e o cotidiano
do Navio General Meigs, que levou o 3º escalão para a Itália; navio em que se encontrava
Antonio de Andrade Poty, dando-nos também uma noção da organização e cotidiano dos
navios que levaram os outros escalões. De acordo com o ex-combatente potiguar, o General
Meigs era um navio poderosamente armado contra possíveis ataques de submarinos alemães;
no seu interior cabiam mais de 6.000 homens, todos acomodados em pequenos
compartimentos, equipados com camas de lonas superpostas, que iam do solo até o teto; a
maior área do navio era destinada ao refeitório; contava com salão de recepção, com piano, e
sala de projeção cinematográfica; outras atividades recreativas, como jogos diversos, shows
entre outros, eram realizadas no convés. Todos os tripulantes do navio usavam um macacão
com coletes salva-vidas; a alimentação era servida duas vezes por dia; diariamente havia
simulações de abandono do navio em horários não programados. No período da viagem, os
soldados se reuniram em pequenos grupos, procurando “[...] passar o tempo, utilizando todos
os meios possíveis e imagináveis de distrações [....]”.444 É bom lembrar que existiam, na
proteção dos navios, americanos que levavam os escalões da FEB, destróieres de escolta, e
aviões integrados ao sistema de segurança do comboio.
De acordo com Luís Felipe da Silva Neves, a FEB, operacionalmente, viveu três
momentos distintos, a partir da estréia em combate, em setembro de 1944. Em um primeiro
momento, ainda incompleta, a FEB obteve várias vitórias no vale do rio Serchio;445
terminando esta fase com uma derrota em Casteonuovo di Garfagnana, de 30 para 31 de
outubro; de novembro de 1944 a fevereiro de 1945, deu-se a parte considerada como a mais
dura da Campanha. Nela, em uma posição defensiva dos alemães, Monte Castelo foi atacada
quatro vezes pelos febianos, tendo resultados frustrantes e um grande número de mortes.
442
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
443
CASTELO BRANCO, Manoel Thomaz. O Brasil da II grande guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1960. p. 159-160.
444
SIQUEIRA, Cleantho Homem de. Guerreiros potiguares: o Rio Grande do Norte na Segunda Guerra
Mundial. Natal: EDUFRN, 2001. p.137-139.
445
Essa primeira fase de vitórias da FEB em campos de guerra italianos foi muito divulgada no Diário Oficial.
Tem-se como exemplo uma notícia, no final setembro de 1944, da contribuição da Força Expedicionária
Brasileira na vitória sobre a Linha Gótica, posições alemãs que haviam sido destroçadas pelo quinto Exército na
Itália, comandado pelo general Clark. Segundo a notícia, a contribuição da FEB, nessa vitória, foi amplamente
divulgada na imprensa norte-americana. Ver: PIAUÍ. Forças Expedicionárias Brasileiras. Teresina, Diário
Oficial, 30 set. 1944, p. 1.
130
[...] eu fui ser o primeiro esclarecedor porque estava forte, porque eu me alimentava
bem e também sempre procurei me conformar com o que não é bom. [...] Ficamos
por ali [o narrador e seu amigo Fabrício que era segundo esclarecedor], e o Hélio de
Faria chegou, entrou lá no meio dos mortos, pegou uma pistolona e botou direitinho
e disse: olha Sousa que arma bonita, boa da gente levar pro Brasil, a boca dela
estava direitinho no meu rumo. Eu disse: vira a boca desse negócio pra lá, que isso
dispara sem agente querer. Foi virando e ela disparando, [...] o Fabrício estava
ombro a ombro comigo e pegou em cima do peito esquerdo dele [...], ele morreu no
mesmo instantinho [...] aí eu tirei depressinha o capote dele, que era tudo de capote
por causa do gelo; capote é um vestuário que se coloca em cima da roupa, então
estava o buraco da bala. Ele só deu uma palavra: eu não quero que persigam o Hélio
Faria, porque ele não fez porque quisesse [...]. O Tenente Machado, que era o
segundo comandante da companhia vinha chegando e se passou para aquele cabo,
jurou fazer e acontecer. O Hélio Faria afrouxou as armas e saiu assim como quem ia
ficando doido, querendo correr. Eu disse: seu tenente sabe de uma coisa, desculpa eu
lhe dizer, mas o senhor tá errado, porque, ali atrás nós perdemos um bocado de
soldado, o pessoal tá muito pouco, e o senhor tá vendo o jeito dos combates, e este
cabo tem muito tempo de guerra, e é muito valente e tem prestado muito serviço,
tem cumprido os deveres dele direitinho. E [...] agora quem vai assumir essa
esquadra? E ele vai ficar doido, você jurando perseguir, que vai fazer e acontecer,
mandar fuzilar. E ele [o tenente]: sabe que é isso mesmo! E o que eu faço? Eu digo.
É mandar chamar e prometer cara a cara que não vai perseguir; que foi casual e [...]
que ele continue a obrigação dele, que, se um dia precisar, o senhor fala em
benefício dele; aí ele se encoraja. E quem é que eu mando? [pergunta do tenente]. Aí
eu disse: sou eu que quero ir. Aí corri, cheguei lá, contei a história a ele, disse que o
tenente tinha mandado chamar, e trouxe pelo braço; e a conversa do tenente foi
muito boa e ele pegou as armas e caiu na luta! [...].448
446
NEVES, Luís Felipe da. A Força Expedicionária Brasileira: 1944-1945. In: Segunda Guerra Mundial: um
balanço histórico. São Paulo: Xamã, 1995. p. 309-310.
447
De acordo com o narrador, o 1º esclarecedor é a isca, em razão de que ele se torna responsável por reconhecer
o terreno, que pode estar coberto de inimigos, para que os soldados da companhia possam avançar.
448
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
131
pequeno contingente, se comparado com os efetivos de outras nações que participaram dos
combates; mas isso não invalida uma situação extremante intensa e no limite do suportável
vivenciado pelas tropas em combate.449 Em concordância com o autor, percebe-se que, além
do clima e do relevo, e do cheiro de pólvora constante, as várias experiências vivenciadas
pelos combatentes febianos, como se pode inferir pela narrativa do Senhor Francisco de Sousa
Primo, deixaram marcas traumáticas que, muitas vezes, são escondidas pelos próprios
combatentes, por não quererem, através de suas memórias vivenciarem novamente o
acontecido.
4.4 [...] nós vamos embora para Brasil, foi um corre-corre danado...
No dia 02 de maio de 1945, aconteceu a rendição das forças alemãs na Itália; por sua
vez, as tropas brasileiras ficaram durante mais algum tempo em território italiano. A 1ª DIE
ficou operando como tropa de ocupação de 3 de maio a 20 de junho de 1945, tendo como
missão temporária ocupar Alessandria e Piacenza – Norte da Itália – devendo capturar
qualquer força inimiga ainda existente naquela região.450 O regresso dos expedicionários ao
Brasil se deu em momentos distintos, sendo que o 1º escalão saiu de Nápoles no dia 6 de julho
de 1945, e o último escalão chegou ao porto do Rio em 3 de outubro de 1945.451
No Piauí, em 08 de maio de 1945, em notícia de primeira página do Diário Oficial,
anunciava-se o fim da guerra e o pronunciamento da paz.452 No dia anterior, aconteceu, na
capital, desfile do povo em comemoração ao fim do conflito mundial. De acordo com o
noticiado, não obstante o mau tempo, a “passeata cívica” aconteceu com muito entusiasmo; os
“[...] manifestantes, empunhando bandeiras das Nações Unidas, retinham em seio ondulantes
figuras de todas as camadas sociais [...] da capital [...]”.453 É relatado ainda que a passeata
encaminhou-se para a casa do governo, sendo que esta se tornou pequena “[...] para conter o
embate de maré alta que por ali subiu em um rugido cívico que nem os elementos tiveram
força de reprimir e conter”.454 Sob as bandeiras dos países aliados, falaram autoridades locais
e o interventor do Estado, que “[...] proferiu entusiástica oração de impressionante cunho
patriótico, sendo delirantemente aplaudidos”.455
449
MAXIMIANI, César Campiani. Neve, fogo e montanhas. In: Nova história militar brasileira. Rio de
Janeiro: FGV, 2004. p. 343-364.
450
SILVEIRA, op. cit., 2000, p. 199-200.
451
CASTELO BRANCO, Manoel Thomaz, op. cit., 1960, p. 495-497.
452
PIAUÍ. Pronuncia-se a paz, afinal. Teresina, Diário Oficial, 8 maio 1945, p. 1.
453
PIAUÍ. Passeata cívica. Teresina, Diário Oficial, 8 maio 1945, p. 8.
454
Id. ibid.
455
Id. ibid.
132
456
PIAUÍ. Missa em Ação de Graças. Teresina, Diário Oficial, 12 maio 1945, p. 8.
457
PIAUÍ. Missa em ação de graças pelo término da guerra européia. Teresina, Diário Oficial, 15 maio 1945, p.
1.
458
Ibid., p. 6.
459
PIAUÍ. Missa em ação de graças pelo término da guerra européia. Teresina, Diário Oficial, 15 maio 1945, p.
1.
133
[...] Foi um corre-corre danado, um caminhão estava parado na frente, e fui um dos
que saiu primeiro [...]. Corri, subi no caminhão [...] todo mundo se imprensando [...]
aí eu olhei assim e vi uns soldados com os cacetetes batendo e dizendo: desce! Eu
460
Ver os boletins internos da 26ª CR, do segundo semestre de 1944 e do primeiro semestre de 1945.
461
PIAUÍ. Festa cívica. Teresina, Diário Oficial, 19 maio 1945, p.16.
462
TORRES, João Paulino, op. cit., 29 set. 2007 (Entrevista).
134
quis tomar, mas eu tive que descer mesmo. Então pensei: ai meu Deus, o que há de
ser, é uma miséria mesmo, estou desgraçado [...] a hora que eu tenho de ir embora
pra casa acontece uma dessas, não posso ir pra casa. Aí veio um rapaz pra dizer que
o pessoal que ficou outro caminhão vinha buscar, e acalmou a gente. Eu pensava: é
uma desgraça, nunca mais vou para o Brasil. Correu um boato lá de que a gente ia
combater no Japão [...].
463
CARVALHO, Claudísio Torres de, op. cit., 10 fev. 2007 (Entrevista).
464
PRIMO, op. cit., 30 out. 2007 (Entrevista).
465
POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989.
466
PIAUÍ. Tenente Cecil e Sargento Kilson de Carvalho. Teresina, Diário Oficial, 12 jul. 1945, p. 6.
135
ITÁLIA, 13. Orisvaldo Bugija Brito, redação do Diário Oficial – Teresina (Piauí).
Nós, abaixo assinados, expedicionários gloriosos desse heróico e próspero Piauí, por
seu intermédio, enviamos efusivas congratulações ao valoroso povo piauiense,
notadamente à juventude, pelo término da mais horrorosa hecatombe de todos os
tempos. Transbordam de satisfação os corações de todos amantes da Liberdade e da
Justiça, da Democracia e do Direito, pelo brilhante feito das armas das nações
aliadas, dentre as quais destacamos o nosso querido e invicto Brasil. Nosso
contingente desempenhou papel de alta importância, com honra, bravura,
inteligência, audácia, destemor e espírito de sacrifício contra a opressão e tirania,
confirmando, assim, a fibra do soldado piauiense nas cruentas pelejas pela
Independência, redivivas na Batalha do Jenipapo, desferida a 13 de março de 1823,
em Campo Maior, contra a preservação das armas portuguesas.
Todos bons. Breve regresso, Saudações cordiais. a) João Bugija Brito.467
467
Força Expedicionária Brasileira. Patriótica mensagem ao Piauí. Teresina, Diário Oficial, 15 maio 1945, p. 7.
468
Entre as produções da historiografia piauiense que tratam sobre as lutas da Independência no Piauí e a Batalha
do Jenipapo, ver: NEVES, Abdias. A guerra do Fidié. Teresina: FUNDAPI, 2006; CHAVES, Monsenhor
Joaquim. O Piauí nas lutas da independência do Brasil. Teresina: Alínea, 2005; BRANDÃO, Wilson de
Andrade. História da independência no Piauí. Teresina: FUNDAPI, 2006.
136
[...] Tenho grato prazer em comunicar que executei em violino, [...] quando se
realizava brilhante conferência musical por magnífica orquestra florentina,
evocativas e notáveis composições de músicos brasileiros. [...] À conferência
compareceram todos os piauienses que integram o Batalhão a que pertenço e grande
número de soldados dos exércitos aliados, aqui. Elevei bem alto a música brasileira,
executando peças de Carlos Gomes, Barroso Neto, Alberto Nepomuceno, Francisco
Braga, João Bugyja, Padre José Maurício e outros.469
469
PIAUÍ. Força Expedicionária Brasileira. Um soldado piauiense, em Florença, ao violino, evoca artistas
brasileiros. Teresina, Diário Oficial, 31 maio 1945, p. 7.
470
PIAUÍ. Duas mil e cinqüenta e duas baixas sofreram as forças brasileiras. Teresina, Diário Oficial, 19 maio
1945, p.16.
471
PIAUÍ. Almoço de confraternização pela vitória. Teresina, Diário Oficial, 19 maio 1945, p.16.
472
PIAUÍ. O Brasil pode reivindicar para si uma parte digna na vitória das nações unidas. Teresina, Diário
Oficial, 15 maio 1945, p. 1.
473
CASTELO BRANCO, Manoel Thomaz, op. cit., 1960, p. 539.
137
Devido às queixas que começaram a acontecer pouco tempo depois da chegada dos
expedicionários da guerra, entre elas, falta de emprego, dificuldade em adquirir pensão do
Estado, para aqueles que ficaram incapacitados durante os combates, dificuldades de convívio
social, devido às experiências traumatizantes que haviam passado no front, foi criada a
primeira Associação de Ex-combatentes do Brasil, em 1º de outubro de 1945; outras foram
criadas no decorrer do tempo, nas capitais e em algumas cidades de todo o território
nacional.474 Não se sabe ao certo, mas pode-se supor, com base na documentação, e nos
relatos dos pracinhas do 25º BC, que a Associação dos Ex-combatentes do Estado, foi criada
entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980.
De acordo com os entrevistados, a Associação nunca teve sede própria, mas sim uma
trajetória de dependência da boa vontade de autoridades públicas, para que lhe arranjassem
um lugar adequado onde pudessem se reunir. Nos dias atuais, a Associação dos Ex-
combatentes não mais está em funcionamento, devido, em alguns aspectos, à ausência dos
sócios, por motivos de saúde e morte; e também pela própria distância, haja vista que muitos
combatentes viviam em outras cidades piauienses; fato que provocou o desinteresse gradual
em freqüentar aquele espaço, como também uma diminuição da contribuição de seus sócios.
Na segunda metade da década de 1980, o jornal O Dia noticiava a recepção, em
audiência ao presidente da Associação dos Ex-combatentes no Estado, Lucas Gonzaga da
Silva, pelo então governador Alberto Silva. O presidente da Associação foi acompanhado
pelos também ex-combatentes Pedro Ferreira Lima e Vicente Bezerra Lima, que, juntos,
reivindicavam bens materiais para a sede da Associação. À época, a Associação localizava-se
na Secretaria do Trabalho e Ação Social, e tinham segundo o noticiado, 66 membros efetivos,
piauienses, que haviam composto a Força Expedicionária Brasileira. Entre os bens materiais
solicitados pelos ex-combatentes, estavam mesas, máquinas de escrever, telefone, que,
segundo eles, eram necessários às atividades desenvolvidas pela Associação. Saíram da
474
FERRAZ, Francisco César Alves. Os veteranos da FEB e a sociedade brasileira. In: CASTRO, Celso;
IZECKSOHN, Vítor; KRAAY, Hendrik. Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 376-
386.
138
audiência com a promessa do governador de que seriam atendidos, e que, no início do ano
seguinte, voltassem para uma nova conversa e entendimentos.475
O dia da Tomada de Monte Castelo, 21 de fevereiro, tornou-se uma data
comemorativa para o Exército, e para as Associações de Ex-combatentes de todo o Brasil. No
Piauí, o 25º BC, além da leitura da ordem do dia, que rememora o “feito heróico” da FEB,
convidava ex-combatentes e familiares para presenciar o momento festejado no Quartel. A
Batalha de Monte Castelo foi constituída na memória da FEB como o maior feito dos
soldados brasileiros no teatro de guerra italiano, tornando-se assim um dos principais eventos
cívico-militares do País.476 Essa batalha cristalizada pela memória oficial impossibilitou, por
exemplo, que outras experiências, tão marcantes quanto, fossem comemoradas, excluindo boa
parte das experiências vivenciadas por muitos combatentes, entre eles, o contingente regular
do 25º BC, que só chegou à Itália no final de fevereiro de 1945.
Em fevereiro de 1992, a matéria do jornal O Dia tratava da Tomada de Monte Castelo,
quando os pracinhas, cerca de dezenove homens, se encaminharam ao Quartel do 25º
Batalhão de Caçadores, para cumprimentar o comandante daquela corporação. A data, desde a
formação da Associação, também era comemorada anualmente pelos pracinhas piauienses.
Posteriormente, foram à sede do dito jornal cumprimentar o coronel Otávio Miranda, que, à
época da guerra, foi o instrutor do batalhão que faria parte da FEB, preparando-o para a
guerra. Ainda na visita à sede do jornal O Dia, Luís Cardoso, que, nesse período, era o
presidente da Associação dos Ex-combatentes – secção Piauí, rememorou o dia da saída do
contingente piauiense, dizendo que estavam “[...] todos imbuídos dos propósitos de bravura e
amor à Pátria [...], e que, segundo o jornal, a lembrança emocionou a todos os pracinhas
presentes.”477
A comemoração do Dia 7 de Setembro na cidade de Teresina também se tornou um
momento em que os combatentes eram lembrados. Estes, juntamente com as tropas do
exército, desfilavam pela Avenida Frei Serafim, em um pequeno grupo, provocando, algumas
vezes, a admiração nas pessoas que assistiam à solenidade, por não saberem de quem se
tratavam, como poder ser visto na narrativa de Jacob José Pereira, um dos 62 homens que
guarneceu o litoral fluminense no período de guerra: “[...] Em um desfile comemorativo ao
475
EX-PRACINHAS FAZEM REIVINDICAÇÕES AO GOVERNADOR. Teresina, O Dia, 12 dez. 1987.
476
EX-COMBATENTES COMEMORAM A VITÓRIA. Teresina, O Dia, 22 fev. 1992 (Caderno 2).
477
Id. ibid. Essa batalha é anualmente comemorada nos quartéis de todo o País, inclusive do 25º BC, que
convida, nesse dia, os pracinhas do Estado a participarem da comemoração. Ver: PIAUÍ. Ordem do dia do
Exército Brasileiro, 21 fev. 2007, Arquivo do 25º BC.
139
Dia 7 de Setembro, um grupo de estudantes achou que o distintivo da FEB era algo como
tropas de combate à febre amarela [...]”.478
A experiência de Raimundo Francisco de Sousa, ex-combatente, parece ter sido
distinta dessa narrativa anterior. Natural de Teresina, viveu boa parte de sua vida em
Amarante; era lembrado constantemente pelas escolas da cidade, de acordo com as narrativas
de seus familiares. Em determinada comemoração do Dia 7 de setembro, naquele município,
de acordo com familiares, recebeu homenagem especial fazendo com que sentisse forte
emoção, por rememorar, através do desfile, suas experiências de combate. Além disso, de vez
em quando, apareciam em sua casa estudantes em busca de informações sobre a guerra, para
trabalhos escolares. Sendo assim, de acordo com os familiares, a cidade reconhecia o Senhor
Raimundo Francisco como um ex-combatente da FEB, não tendo o mesmo nenhum
ressentimento no que diz respeito ao reconhecimento que lhe era encaminhado, pela
população em geral como pelo poder público.479
Pode-se afirmar que, no Estado do Piauí, o 25º BC foi a instituição que mais valorizou
a participação desses homens nos combates italianos. Podiam sempre ser vistos nas
comemorações militares e nas festas produzidas no Quartel, além da construção do único
monumento existente sobre os convocados da FEB no Piauí.480 Contudo, a presença dos ex-
combatentes foi desaparecendo, no decorrer do tempo, devido a falecimentos, doenças e
distância; esta última por serem alguns combatentes originários do interior do Estado. Em
narrativa do Senhor Raimundo B. Pinheiro, produzida em 2005, sobre a presença de ex-
combatentes do Estado, na parada do Dia 7 de Setembro, podem ser constatadas essas
ausências:
Há uns 20 anos passados na parada militar de 7 de Setembro, na Frei Serafim,
formava-se um pelotão de pracinhas da FEB no Piauí. Em 2001 apresenta-se ao
coronel José Mira, comandante do 25º BC, 11 pracinhas contando comigo. O
comandante achando poucos pracinhas nos ordenou subir num carro do 25º BC e
partir para a parada militar. Em 2002 compareceram 6 pracinhas. Em 2004
478
Apud RODRIGUES, Tony. Participação na 2ª guerra faz 2 mortos. Meio Norte, Domingo, 11 mar. 2001, p. 4
(Caderno Municípios).
479
Conversa da pesquisadora com Marinês Silva e Sousa Vilarinho e Renato Silva e Sousa, filhos de Raimundo
Francisco de Sousa, e Maria de Lourdes da Silva e Sousa, mulher desse ex-combatente, acontecida em Amarante
em 12 jan. 2008.
480
João Baptista de Matos fez, em 1960, um balanço sobre a quantidade de monumentos, em homenagem aos
pracinhas, existentes no Brasil. De acordo com esse balanço, à época, existiam monumentos construídos nos
Estados da Bahia, Alagoas, Espírito Santo, Estado do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, São Paulo, Paraná,
Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Para uma descrição detalhada desses monumentos, ver: MATTOS, João
Batista. Os monumentos nacionais: a força expedicionária em bronze. Rio de Janeiro: Imprensa do Exército,
1960. (Arquivo do Exército).
140
481
PINHEIRO, Raimundo. Histórias da 1ª e 2ª guerra mundial. Timon, set. 2005. p. 71-72. (Manuscrito).
482
Pierre Nora, ao discutir a memória, diz que esta não mais existe. Para ele, o que há são lugares de memória.
Esses lugares, tanto materiais quanto imateriais, seriam a forma de cristalizar uma memória que já se desgastou
no decorrer do tempo. Nesse sentido, os lugares de memória seriam menos pontos de referência em relação à
memória de uma sociedade ou grupo; e, mais, uma forma vazia de constituição de uma memória que não existe.
Dessa forma, os lugares de memória seriam a prova concreta de que a memória não mais existe, sendo
substituída pela História. Para maior aprofundamento sobre essa discussão, ver: NORA, Pierre. Entre memória e
história: a problemática dos lugares. In: Projeto História, São Paulo, p. 7-28, 1993.
483
RODRIGUES, Tony, op. cit., 11 mar. 2001, p. 4 (Caderno Municípios).
484
O 25º BC tem como pretensão construir um pequeno museu, que possa guardar a memória dos pracinhas
piauienses. Informação obtida por meio do Relações Públicas daquela Instituição.
485
MORAIS, Valdene Mendes de. Entrevista concedida à Clarice Helena Santiago Lira. Teresina, 24 jun. 2007.
141
países de maiores contingentes, que mandaram seus soldados para a Segunda Guerra, no
Brasil não foi grande o impacto do retorno dos soldados, provavelmente por sua distribuição
nas várias regiões do País. Ainda sobre a forma como a memória social da guerra é composta
em variados contextos, Francisco César Ferraz, esclarece:
Outro ponto que deve ser citado, para tentar-se compreender o apagamento de uma
memória mais abrangente em relação à FEB, foi sua rápida desmobilização, ainda na Itália,
como também a proibição aos febianos do uso de seus uniformes ao chegarem no Brasil. O
desinteresse da população pela história da FEB, logo após o término das comemorações da
vitória e da chegada dos combatentes, pode ser um fator contribuinte no esquecimento dessa
experiência. Sobre essas questões, Luís Felipe da Silva Neves acrescenta: “[...] Alguns
chegaram ao absurdo de duvidar que aqueles homens, os quais, por conta da boa alimentação,
voltaram em melhores condições físicas do que quando partiram, tinham de fato se batido
contra o melhor exército do mundo”.487
486
FERRAZ, op. cit., 2003, p. 60.
487
NEVES, Felipe da Silva. E a cobra fumou! In: Nossa história, n. 15, p. 25, jan. 2005.
142
5 CONCLUSÃO
Eric Hobsbawm, em seu Era dos Extremos, afirmou que seria quase desnecessário
demonstrar que a Segunda Guerra Mundial foi global, tendo em vista que praticamente todos
os Estados independentes do mundo se envolveram, querendo ou não, apesar de as repúblicas
da América Latina só terem participado de forma mais nominal.
Contudo, pôde-se observar, ao longo desta pesquisa, que o envolvimento do Brasil na
Segunda Guerra não se deu somente de forma nominal, conforme ocorreu em boa parte dos
países da América Latina, mas sim de forma efetiva, tanto internamente, através da
mobilização da população para o esforço de guerra, como no próprio teatro italiano de
operações, com a remessa de expedicionários brasileiros para a guerra.
A mobilização para o esforço de guerra deu-se em todo o território brasileiro,
divulgado através de uma propaganda de guerra, que solicitava a participação de todo o povo
para a defesa da Pátria. Conforme o discurso oficial propagado, esta havia sido maculada por
submarinos do Eixo; deste modo, o Piauí, Estado distante dos grandes centros do País,
naquele momento, entrou no esforço de guerra.
Esse esforço foi operacionalizado, no Estado do Piauí, por meio da criação de
instituições como, por exemplo, a Diretoria Regional de Defesa Passiva Antiaérea, a
Comissão Estadual da Legião Brasileira e de um Pouso do SEMTA na cidade de Teresina. As
mencionadas instituições tinham como objetivo mobilizar a população em vários sentidos: na
defesa de ataques antiaéreos, no amparo às famílias dos soldados selecionados para a FEB,
como também na mobilização de homens para a produção de borracha, que, àquele período,
se tornou produto imprescindível na produção de equipamentos bélicos.
Não obstante a propaganda de guerra voltar-se enfaticamente para a necessidade da
cooperação de toda a população no esforço de guerra, apelando para o patriotismo e tradições
do povo piauiense, pôde-se ver que a ação dessas instituições não alcançou, na maioria das
vezes, o objetivo esperado, sendo reelaborado pelas próprias condições de existência do
Estado naquele período. Desta forma, essas instituições tiveram um campo limitado de ação,
e, por vezes, entravam em contradição com a própria função que lhes havia sido atribuída
quando de sua criação. No que se refere a essa afirmação, ressalte-se o pouco interesse da
população em participar dos exercícios de defesa passiva antiaérea, da assistência dada pela
LBA a grupos que não pertenciam às famílias dos convocados, como também a insatisfação
143
por parte de autoridades locais com a indisciplina mostrada pelos “soldados da borracha”,
que, antes de serem encaminhados para a Amazônia, conviviam há algum tempo na Capital.
Outro tipo de mobilização mais específica, acontecida no Estado, foi a militar. Esta
tinha como obrigação arregimentar o maior número de homens capazes, física e
psicologicamente, de defender o território nacional e lutar junto aos aliados nos campos de
guerra italianos. Observe-se que essa mobilização, no Estado, era reforçada pelos
chamamentos com forte teor patriótico, como também por campanhas e comemorações que
enfatizavam a necessidade da apresentação dos jovens piauienses nas unidades militares, para
que fossem incorporados às fileiras das forças armadas, para que pudessem cumprir seu dever
de soldado-cidadão.
Por sua vez, aeroclubes do Estado começaram a formar um número maior de pilotos, a
Capitania dos Portos do Estado iniciou o processo de arregimentação de homens para a defesa
da costa brasileira. A 26ª CR e o 25º BC iniciaram um processo de chamadas de grande
número de sorteados e reservistas, como também a solicitação de apresentação de voluntários.
Deste modo, constituiu-se, nos meios oficiais, uma imagem de soldado piauiense, que
também foi incorporada pelos ex-combatentes do Estado.
Contudo, através das memórias e dos próprios documentos oficiais desses homens,
foram encontrados vestígios que problematizaram o modelo ideal, apresentando-se assim
outras possibilidades de soldado piauiense, à época. Pode-se citar, como exemplo, o próprio
número de homens que não comparecia aos chamados, e o pouco número de voluntários
noticiados pelo Diário Oficial.
Apesar de a mobilização militar ter se iniciado logo após o Decreto do estado de
beligerância, com o intuito de remeter soldados para a defesa do litoral, percebeu-se que a
mobilização de soldados para a FEB ocorreu principalmente, no Estado, principalmente em
1944. Essa arregimentação de soldados para a FEB se deu primeiramente com poucas
remessas individuais de soldados do 25º BC para o Depósito de Pessoal da FEB, situado no
Rio de Janeiro; e, posteriormente, com a formação e remessa de contingente regular, com uma
quantidade mais vultosa de soldados que seriam encaminhados à Itália.
Para falar da trajetória desses homens, desde sua saída de Teresina até seu retorno,
trabalhou-se, para a construção do presente texto, principalmente com a memória dos ex-
combatentes e suas famílias, pois, ao tempo em que se conjugavam com uma memória
imposta oficialmente, também mostraram variadas possibilidades do acontecido.
Por conseguinte, conclui-se que houve uma mobilização de guerra no Estado do Piauí,
mas que esta se configurou de acordo com as condições de existência do Piauí, no período em
144
estudo. Enfatize-se que, nessa mobilização, houve participação restrita de alguns grupos
sociais, contradizendo a idéia de cooperação de todas as camadas sociais, no esforço de
guerra, amplamente divulgada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda. Destaque-se
ainda que a guerra no Estado era divulgada, sobretudo, nas notícias de jornais, não afetando
diretamente o cotidiano de grande parte da população. Infere-se, deste modo, que a guerra foi
vivenciada, com mais intensidade, por aqueles mais diretamente atingidos por ela; em outras
palavras, pelos ex-combatentes do Estado e suas famílias.
Por fim e, em razão disso, afirma-se, aqui, que não se pode dizer que existe uma
memória social do período de guerra no Piauí; a memória que ainda resiste – em pequenos
fragmentos guardados por pequenos grupos – é a da participação de homens do Estado na
maior guerra do século XX. E, ainda assim, acredita-se que tal memória está em via de
desaparecer, da mesma forma que cotidianamente desaparecem os ex-combatentes.
145
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