As Linguagens Religiosas: Origem, Estrutura e Dinâmicas.: Paulo Augusto de Souza Nogueira PPG-CR - Univ. Metodista de SP
As Linguagens Religiosas: Origem, Estrutura e Dinâmicas.: Paulo Augusto de Souza Nogueira PPG-CR - Univ. Metodista de SP
As Linguagens Religiosas: Origem, Estrutura e Dinâmicas.: Paulo Augusto de Souza Nogueira PPG-CR - Univ. Metodista de SP
A religião tem uma relação tensa com o universo da linguagem. Não é incomum os
sujeitos religiosos afirmarem que suas experiências religiosas são incomunicáveis. E de
fato, fenômenos como o êxtase religioso são acompanhados de afirmações sobre os
limites da linguagem na sua apreensão. Se por um lado, a experiência religiosa tal como
vivenciada pelo homem religioso não se vê devidamente traduzida pela linguagem, por
outro lado, ela é representada pelo mesmo sujeito por meio de imagens, diálogos e
sussurros internos, gestos e palavras, mesmo que em línguas indecifráveis. Mesmo se
tratando de uma experiência vivida na mais absoluta solidão, uma experiência
representada interiormente, religião é representada em algum tipo de linguagem.
Podemos desta forma repropor o problema ao afirmar que religião e linguagem são
temas que se pertencem de forma intrínseca, ainda que nem sempre a linguagem
quotidiana tenha as categorias mais adequadas para sua expressão. O fato é que religião
é praticada na sociedade de forma expressiva. Os deuses falam, falam os fiéis, debatem
as comunidades, seus líderes pregam, profetizam, todos cantam, louvam, pronunciam
juramentos e confissões. E quando estão em conflito uns com os outros por causa dos
bens simbólicos os membros de uma comunidade pronunciam argumentos e
condenações. E como observamos acima, quando o homem religioso está só, ele
conversa com sua divindade, a ouve e interpreta sua mensagem. Podemos dizer sem
exageros que o homem religioso é um tagarela. É quase impossível fazê-lo calar. E nos
momentos em que não faz uso da palavra ele pratica gestos simbolicamente
organizados, move seu corpo de forma a dizer algo. Desta forma, os deuses dançam, os
sacerdotes levantam as mãos para abençoar, para manipular altares e instrumentos
sacrificadores. A sofisticação da linguagem no mundo religioso é tão grande que na
história se constituíram escrituras das religiões. Grupos de escribas e sacerdotes,
1
“O mito está no topo da pirâmide cognitiva em uma sociedade deste tipo. Ele não
apenas regula o comportamento e emoldura o conhecimento, mas também delimita a
percepção da realidade e canaliza as formas de pensamento dos seus aderentes. [...] O
mito é o produto inevitável da habilidade narrativa e a suprema força organizadora da
sociedade do paleolítico superior”.13
A cultura mítica favoreceu a integração do conhecimento. Ela deu a unidade que faltava
ao pensamento episódico e à cultura mimética. O mito fornece um modelo no qual todo
o conhecimento de uma sociedade pode ser narrado. Seu passado é reconstruído de
forma coerente e eventos isolados podem ser colocados em relação uns com os outros.
Por fim temos a terceira transição, do armazenamento simbólico externo até a cultura
teórica, que marca a transição na qual nossa sociedade ainda se encontra. Se as
transições anteriores aconteceram na constituição biológica da espécie humana, a
terceira é motivada por fatores tecnológicos, no caso, o armazenamento externo de
memória. Na opinião de Donald esta terceira transição pode ser testemunhada por meio
da invenção de símbolos visuais, que se iniciaram com arte e sinais gráficos até os
sistemas gráficos da escrita, pelo surgimento de uma cultura literata, e por fim por meio
de pensamento abstrato. Este estágio deve ter promovido sofisticação na forma de
armazenamento coletivo de informação na sociedade e um uso mais efetivo de recursos
cerebrais, como no caso do uso de memória externa que requer “módulos” literários.
Este acesso à memória externa faz com que a cultura se expanda por um espaço
virtualmente ilimitado, que seus produtos simbólicos sejam cada vez mais refinados e
sofisticados, promovendo a interação entre processos semânticos e visuais. Este
processo de incremento de memória virtual permite que se desenvolva uma ainda maior
plasticidade cerebral e uma utilização mais eficiente da memória humana por meio desta
memória externa. Ocorre, portanto um processo duplo e interativo: aumento ilimitado
de memória externa e refinamento dos produtos simbólicos. O número de
representações disponíveis para a cultura humana neste processo torna-se infinita.
13
Origins of the Modern Mind, p.258.
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que integra mente e corpo (como operador mimético na comunicação), além de integrar
o sistema fonético, lexical e sintático. E, por fim, integra os aspectos internos com os
externos da cognição e da comunicação. É importante ressaltar que o desenvolvimento
em três etapas, conforme proposto por Donald, não implica em substituição das aptidões
e formas de expressão de uma etapa por outra, mas propõe uma superposição
hierárquica dos três níveis. Todos nós somos articuladores de expressão mimética,
mítica e abstrata.
12
em grupos religiosos e na sociedade, mas em analisar complexos simbólicos
estruturados de modelização religiosa do mundo, dotados de potencial ilimitado de
recepção e recriação nas sociedades humanas.
REFERÊNCIAS:
BELLAH, Robert N. Religion in Human Evolution. From the Paleolithic to the Axial
Age. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2011.
BOYD, Brian. On the Origin of Stories: Evolution, Cognition and Fiction. Cambridge:
The Belknap Press of Harvard University Press, 2009.
BURLING, Robbins. The Talking Ape. How Language Evolved. Oxford: Oxford
University Press. 2007.
BYSTRINA, Ivan. Semiotik der Kultur: Zeichen, Texte, Codes. Tübingen: Stauffenburg,
1989.
DEACON, Terrence W. The Symbolic Species. The Co-evolution of Language and the
Brain. New York: Norton, 1997.
DEACON, Terrence W & CASHMAN, Tyrone. The Role of Symbolic Capacity in the
Origins of Religion, in Journal for the Study of Religion, Nature and Culture 3.4 (2009)
pp.490-517.
DONALD, Merlin. Origins of the Modern Mind. Three Stages in the Evolution of
Culture and Cognition. Cambridge: Harvard University Press, 1991.
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LEWIS-WILLIAMS, David. The Mind in the Cave. Consciousness and the Origins of
Art. London: Thames & Hudson, 2002.
MORGAN, David. The Sacred Gaze. Religious Visual Culture in Theory and Practice.
Berkeley: University of California Press, 2005.
TURNER, Mark. The Literary Mind. The Origins of Thought and Language. Oxford:
Oxford University Press, 1996.
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