123 509 1 PB PDF
123 509 1 PB PDF
123 509 1 PB PDF
Resumo
Nosso propósito neste artigo é analisar a formação da geopolítica brasileira por meio
de alguns momentos da história, da cultura e o papel que tiveram na passagem do
século XIX para o XX na conformação brasileira. Tradicionalmente, os estudos de
geopolítica no Brasil levam em consideração aspectos de poder e sua relação com o
espaço territorial. Vale dizer, o espaço como manobra para o poder estatal. Por isso, a
caracterização do continentalismo, do poder naval e de outros vetores clássicos que
obedecendo a condições intelectuais nacionais foram debatidos e integrados ao
campo cultural e político do Brasil. Assim, nosso objetivo é analisar a geopolítica
brasileira a partir de itens como a história, a diplomacia, a cultura e a sociologia como
complementares aos vetores tradicionais.
Palavras-Chave: Teoria Geopolítica; História Diplomática; Exército Brasileiro.
Resumen
Nuestro propósito en este artículo es analizar la formación de la geopolítica brasileña a
traves de algunos momentos de la história, de la cultura y el papel que tuvieron en el
pasaje del siglo XIX al siglo XX en la conformación brasileña. Tradicionalmente, los
estudios de geopolítica en Brasil llevan en consideración aspectos de poder y su
relación con el espacio territorial. Eso es, el espacio como maniobra para el poder
estatal. Por eso, la caracterización del continentalismo, del poder naval y de otras
líneas clássicas que obedeciendo a las condiciones intelectuales nacionales fueran
debatidos y integrados a la área cultural y política de Brasil. Así, nuestro objetivo es
analizar la geopolítica brasileña desde los ítems como la história, la diplomacia, la
cultura y la sociología como complementares a las líneas tradicionales.
Palabras Clave: Teoria Geopolítica; História Diplomática; Ejército Brasileño.
Introdução
O que é geopolítica, quem são seus maiores expoentes no Brasil? Quais
suas bases teóricas? Como esse ramo de saber passou a existir no Brasil e
quais as implicações conceituais a ele ligados? A geopolítica é atividade
estritamente ligada ao poder militar ou ela também se liga a outras áreas de
importância política? Haveria relação entre geopolítica cultura e história? Essas
são questões que tencionamos comentar neste artigo.
1
Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo. E-mail:
alexandrehage@hotmail.com
Por tradição acadêmica, este texto tem por objetivo analisar o significado de
geopolítica, seu eixo teórico aglutinador, e seu papel na história recente do Brasil. Disso
não se extrai nenhuma originalidade ou novidade, uma vez que muitos são os estudos
brasileiros de geopolítica e seu emprego no país. Autores de referência exata no estudo
da matéria são encontrados em Oliveiros Ferreira, Shiguenoli Miyamoto, Leonel Itaussu
Mello, Wanderley Messias da Costa, Manuel Correia de Almeida e outros que pecamos
pelo esquecimento.
Ao dizer “por tradição” não fazemos disso uma obrigação, visto que cada
interpretação do que vem a ser geopolítica, bem como sua aplicabilidade, pode trazer
alguma contribuição, por menor que seja. Deixar ao menos um traço nessa família é o
que esperamos. Rendemos homenagem aos mestres de um determinado saber,
seguindo-lhes os passos e procurando, com a necessária modéstia, dar nosso toque
pessoal. Por isso, não posso me furtar de procurar explicar o que é geopolítica e sua
história no Brasil.
O que esperamos então deste texto? Nosso intuito é fazer leitura “heterodoxa”, da
geopolítica, por mais imprecisa e ousada que essa intenção possa demonstrar. O que nos
impulsiona não é reproduzir, e para pior, já que não vai trazer nada de novo, o caminho
tomado pelos antigos professores. Nossos mestres nos ensinam pensar a geopolítica
fazendo conexão entre os pioneiros brasileiros, Mário Travassos, Golbery do Couto e
Silva, Carlos Meira Mattos e outros com os clássicos europeus e norte-americanos que os
influenciaram, citam-se Fredrich Ratzel, Halford Mackinder, Rudolf Kjellen e Nicholas
Spykman.
O que tencionamos fazer não é deixar de reconhecer a influência e o emprego dos
clássicos e pioneiros brasileiros que, para o bem e para o mal, fizeram história. É que
gostaríamos de pensar a possível relação geopolítica com outros campos, a cultura, a
criação das ideias, a economia política e com a tradição política de ver a geopolítica como
algo natural, informal e pré-acadêmica que habitou os trabalhos de portugueses e
brasileiros na procura de manter suas conquistas, evitar perdas e consolidar fronteiras do
Estado nacional.
segurança em sua concepção mais ampla (MELLO, 1999, p. 74). A geopolítica trabalha
com a hipótese de que o poder é algo regular tanto no cotidiano doméstico da vida estatal
- a organização espacial interna -, quanto na política internacional, ajudando na formação
de fins justificáveis para os blocos de poder. 2
O pensamento geopolítico é uma atividade que setores políticos brasileiros fazem
há muito tempo, mesmo que inconscientemente, e ainda que sem método regular de
organização intelectual. Para não demorarmos no longo período colonial do país, de mais
de 300 anos, podemos dizer que em momentos cruciais houve o desenvolvimento de um
raciocínio geopolítico por parte dos portugueses e, depois de 1808, pelos luso-brasileiros.
Isto porque a vinda da família real portuguesa, fazendo do Rio de Janeiro a capital do
império ultramarino no lugar de Lisboa, equipou a primeira de burocracias específicas,
como o Ministério da Justiça. Os princípios políticos aplicados pelo príncipe Dom João VI
reforçaram na colônia a capacidade de valorizar o espaço territorial e a luta por ele.
Mas ao nos prendermos ao conceito de geopolítica sob a ótica da moderna
atividade acadêmica, essa digressão histórica perde o propósito. Afinal, os primeiros
cursos superiores só foram fundados no Brasil no século XIX. As faculdades de medicina
da Bahia e do Rio de Janeiro são de 1808. As academias de direito de São Paulo e
Olinda, depois Recife, tiveram fundação em 1827. 3
Assim, a geopolítica considerada mais como arte do que atividade científica, já
podia ser encontrada nos tratados de limite que os portugueses negociavam com a
Espanha na área mais delicada para ambas as casas reais: a Bacia do Rio da Prata. Mas
como arte a geopolítica tem pouquíssima ligação com pressupostos científicos, com leis
impessoais, regulares e governadas pela natureza, da mesma forma que o grupo de
ciências físicas. Sob o prisma do positivismo, a geopolítica não teria lugar como ciência,
uma vez que sua atividade se baseia na sensibilidade do político e do diplomata. 4
2
Não usamos geografia política e geopolítica como sinônimos. A geografia política é a cena ambiental,
munida de riquezas, obstáculos e na qual as sociedades constroem seu cotidiano, o trabalho, o comércio e
a cultura. A geopolítica seria a utilização dessa geografia/espaço para a maximização de poder conforme as
condições. Por sua vez, o uso do poder não se reduz, necessariamente, aos conflitos e embates por
espaço, ao expansionismo, conforme prega o lugar-comum da geopolítica. Sobre esse debate ver COSTA.
2008.
3
Ainda que seja desnecessário explicar é pertinente informar que na atualidade as duas escolas de
medicina fazem parte da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Já as
faculdades de direito são partes da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Pernambuco.
4
Não só seria estranha para o pensamento de Augusto Comte, mas também para aquilo se chama
positivismo lógico em filosofia da ciência, cujo papel mais representativo é de Karl Popper. No argumento do
professor austríaco, ciência é a atividade que permite refutação e corroboração. Ações científicas são
postas a testes e devem ser reprodutíveis pelos pares. Caso as atividades passem pelos testes, permitindo
Isso não quer dizer que a geopolítica não seja uma atividade racional, que não
apresente metodologia. Afinal, qual papel não tem sido representado pela geopolítica a
não ser o de instrumento da razão de Estado, onde desvela-se a inteligência do ente
político relacionada ao espaço (HASLAM, 2006, p. 267). Como conselheira do príncipe,
esse saber tem servido para orientar o poder e para tirar partido da geografia, das
condições ambientais, sobre as quais se conforma a unidade nacional. É isto que
veremos através do pensamento geopolítico luso-brasileiro.
progressão ou regressão, os pressupostos passam a ser vistos como ciência. Ao contrário disso, o que não
pode ser testado, é arte. No campo das artes estão a filosofia e as ciências humanas, o que vale para a
geografia (POPPER, 1974, p. 263).
5
Sabemos que estudos sobre o caráter nacional português merecem espaço especial, o que não comporta
estas linhas. Porém, José Honório Rodrigues e Ricardo Seitenfus opinam que as características
contemporizadoras daquele povo resultam do caráter nacional, expressão que ajuda a compreender o modo
de ser do português, bem como a forma com a qual ele enfrenta grandes desafios, procurando desgastar o
adversário por meio de recursos que fogem à força militar, como o gosto pela história, geografia e direito
internacional (RODRIGUES e SEITENFUS, 1995, p. 46).
A questão devia ser procurada em algo mais delicado, como o empenho que
Portugal teve para se sobressair às grandes crises internacionais e ao pesado jogo das
grandes potências.8 Expressando malícia diplomática, poder de contemporização e
sofisticados conhecimentos de geografia e história, Lisboa passou a ser raposa entre
leões, usando uma imagem política de Pareto para se dirigir à habilidade em meio à pura
força (PARETO apud RODRIGUES, 1984, p. 129).
Embora possamos ter demorado na descrição das qualidades políticas
portuguesas, o intuito desse trecho foi demonstrar que em grande parte o Brasil é
herdeiro desse capital. Com efeito, Dom João VI ao retornar a Lisboa em 1821, não levou
com ele o germe daquilo que é a chancelaria brasileira, a Biblioteca Nacional nem o
Arquivo. Estas instituições ficaram para compor o patrimônio político e diplomático do
país.
E não ficaram apenas as instituições em tijolo e concreto, ficou também o espírito
de oportunidade que muniu a diplomacia brasileira com meios para sobressair às grandes
potências e aos conflitos de demarcação de fronteiras que tanto trabalho exigiu de Rio
Branco e sua equipe.
A desenvoltura da geopolítica conta como poder militar, com aquilo que a
modernidade acadêmica chama de Hard Power, mas também envolve planejamento,
como a inteligência que habita o equilíbrio português na corda bamba da política
internacional e a consolidação brasileira na demarcação de fronteiras e no esforço de
industrialização.
Oliveiros Ferreira (2001) acredita que o diplomata e o militar comungam ao menos
em um item, na dependência que um tem do outro. Não há projeção política do Estado
mundo afora sem o amparo das forças armadas e do quantum de poder. Em aspectos
tradicionais, o militar é o amparo do diplomata, com o qual afiança a palavra empenhada
em tratados:
8
Kenneth Maxwell (2006) descreve a desenvoltura da diplomacia portuguesa para escapar das pressões
em relação à descolonização. Um ponto alto daquele jogo de cintura foi a diplomacia de Antonio de Oliveira
Salazar que, não ignorando a fraqueza de Portugal perante os gigantes da Guerra Fria, procurava manter
neutralidade. Salazar valorizava as bases lusitanas dos Açores para a Aliança Atlântica, querendo em troca
o silêncio das grandes potências sobre a questão africana nas Nações Unidas.
saber até que ponto o diplomata irá conduzir sua ação, em que linhas, a fim
de que ele, militar, possa avaliar qual partido de ação deverá adotar (...).
(FERREIRA, 2001, p. 145).
A geopolítica do Brasil
A geopolítica empregada no Brasil teve aspectos primários ou pré-acadêmicos na
medida em que a locomoção de diplomatas e militares levava em consideração o entorno
geográfico brasileiro e a importância de determinadas posições estratégicas com as quais
o país podia almejar vantagens. Assim foi, por exemplo, quando no Segundo Império o
Rio de Janeiro somava importância fundamental ao trânsito do Brasil na Bacia do Prata,
limitando a ascensão da Argentina e garantindo a independência do Uruguai
(DORATIOTO, 2002)
Por isso, também a Guerra do Paraguai (1865-1870) não pode ser interpretada sob
moldes românticos e com apelo moral do fraco contra o forte. Ela aconteceu em virtude
de três vontades nacionais de criar preeminência sobre a Bacia do Prata, por
conseguinte, no Cone Sul: Argentina, Brasil e Paraguai não guerrearam por princípios,
mas por poder. A função do Brasil foi procurar manter o status quo, o da Argentina foi
reconstruir geopoliticamente aquilo que fora o Vice-Reinado do Prata, concentrado em
Buenos Aires (DORATIOTO, 2002, p. 39), e o Paraguai de Solano Lopez procurou correr
por fora, como free-rider, tencionando ganhar prestígio e influenciar os negócios políticos
do Cone Sul como um país “bismarkiano” que tinha como ponta-de-lança seu animado
exército. O que estava em jogo era a balança do poder regional disputada pelos três
Estados. Em suma, a Guerra do Paraguai foi análoga a outros conflitos europeus da
mesma época.
A realidade geográfica sul-americana impulsionava o Brasil a tomar medidas de
afastamento e atração com o subcontinente. Repulsa ao verificar que para o império as
repúblicas sul-americanas eram caóticas e pouco podiam oferecer. Éramos diferentes e
para melhor. Já a aproximação se dá com a pregação de que o Brasil é uma nação sul-
americana e porisso tem de desenvolver políticas que superem o isolacionismo e construa
alguma amizade.
Assim, a geopolítica brasileira guarda três peculiaridades. Primeiro, trata-se de
manifestação que beira à experiência deixada pelos portugueses. Esse legado foi comum
ao Itamaraty e ao Exército, e teve como ponto de sustentação a cartografia, a
historiografia, o direito internacional e a geografia. A peculiaridade brasileira é que o ponto
de amparo não estava exclusivamente nas forças armadas, mas no concurso entre elas e
o patrimônio político-diplomático (RODRIGUES e SEITENFUS, 1995, p. 28).
A segunda é que a geopolítica nacional é industrializante. A saber, nos primeiros
anos da década do século XX, seus estudiosos acreditavam que o Brasil tinha de se
industrializar nos níveis mais adiantados, como na indústria pesada e de bens de capital.
O país deveria ter condições de fabricar aço e de dominar seus recursos naturais para
fins produtivos. Poderíamos dizer que os estudiosos de geopolítica brasileira procuravam
uma economia de progresso, de desenvolvimento, mesmo que esse conceito seja tão
fluido para ser atribuído a teóricos, estudiosos e políticos da Primeira República (1889-
1930).9
A terceira peculiaridade é que o desenvolvimento conceitual da geopolítica não se
deu na universidade e nos centros de ensino superior. A preocupação para estudar e
fazer da geopolítica um instrumento de ação se deu, à primeira vista, nos quadros do
Exército brasileiro. Nossa hipótese para essa peculiaridade é que historicamente somente
o Exército e Igreja Católica eram instituições, de fato, nacionais, encontradas em todo o
território a partir de 1889; para a primeira, já que a história da segunda se confunde a do
Brasil colonial.
Essas eram instituições nacionais em virtude de serem encontradas em todo o
Brasil. Mais do que isso, tanto o Exército brasileiro quanto a Igreja expressavam algum
propósito universalista. O papel da Igreja era a evangelização onde houvesse gente, por
meio de doutrina religiosa relativamente homogênea e educadora, que dava destaque à
Companhia de Jesus. Códigos, condutas e liturgia deviam ser os mesmos em todos os
lugares.
Não tendo história tão larga quanto da Igreja no Brasil, o Exército passou a ser uma
instituição realmente nacional a partir do fim da Guerra do Paraguai. Muitos efeitos
concorreram para isso, como a busca de consciência profissional, o sentimento do dever
cumprido e a valorização profissional, que inclusive provocou uma crise junto ao Império
9
É necessário notar que o desenvolvimentismo tem a ver com economia industrializada e sociedade
urbanizada. Para o estudioso do ISEB, desenvolvida era a economia que escapava dos limites e atrasos
materiais da agricultura. É nas cidades industrializadas que o cidadão tem maiores possibilidades de
ascender a uma vida de realizações (RAMOS, 1958, p. 28). Neste aspecto há dois comentários. Primeiro, a
premissa de Guerreiro Ramos não pode ser separada do grande debate que ganhou espaço nas décadas
de 1940 e 1950 sobre a preeminência tecnológica e econômica da economia industrializada sobre a
agrícola. Sobre isso é pertinente resgatarmos o célebre debate entre Roberto Simonsen e Eduardo Gudin,
em 1951, sob os auspícios da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Segundo, a nova interpretação sobre
o desenvolvimentismo, que vai além da contabilidade “dura” e valoriza outros itens como qualidade da
educação e saúde públicas tem seu início nos anos 1990, como a importância de se usar o Índice de
Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Sobre essa questão ver BRESSER-PEREIRA, 2003.
10
Vale lembrar que o Mato Grosso da época de Rondon não havia sido divido. Em 1976, no governo de
Ernesto Geisel, o estado foi divido em duas partes, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Rondônia é nome
que em 1956 o governo Juscelino Kubitschek deu ao território federal do Guaporé, que ganhou condição de
estado da Federação somente em 1982.
11
Lembremos-nos de Mahan e Haushofer, o primeiro como defensor do poder naval contra o
continentalismo de Mackinder e o segundo procurando adaptar à Alemanha nazista o trabalho do geógrafo
britânico (MELLO, 1999; COSTA, 2008).
12
Existe pequena controvérsia sobre a primeira universidade brasileira. Há quem acredite ser a atual
Universidade Federal do Paraná a primeira a ser fundada em 1912. Outros acreditam que o titulo cabe à
Universidade Federal do Rio de Janeiro (antiga universidade do Brasil) de 1920. E existem grupos que
preferem a Universidade de São Paulo, 1934. Independente da escolha de datas, o que fica patente é que a
real atividade universitária no Brasil é recente, mesmo fazendo comparações com as homólogas latino-
americanas, como a de Córdoba, 1613, e Buenos Aires, de 1821. Um panorama sobre o assunto é
encontrado no clássico de AZEVEDO, 1963.
13
Figura central desse assunto é Euclides da Cunha. Aluno inquieto da Academia Militar do Realengo, atual
Agulhas Negras, expressava descontentamento com aquilo que seria a apatia do II Império em face do
progresso. No princípio, sua leitura da Guerra de Canudos (1896-1897) centrava-se na falta de avanço
espiritual e material no sertão da Bahia. O progresso seria feito pelo movimento do 15 de Novembro, a ação
dos militares para por o Brasil no lugar que lhe é devido na família da civilização. É interessante averiguar,
para esse fim, a composição do currículo da Academia do Realengo e a relação das disciplinas ensinadas a
Euclides (GALVÃO, 1984, pp. 7-34).
Considerações finais
Cumpre dizer que um ensaio sobre geopolítica brasileira não se limita apenas a
retratar a importância do território e do espaço na articulação do poder político do Estado.
Entendemos que trabalhar com o assunto proposto é também tocar questões de
economia, de história e de política exterior. Aliás, pensar assim não deve ser novidade,
uma vez que vários livros da história política do Brasil, por exemplo, demonstram essa
pluralidade de temas, conceitos e metodologias.
Desta forma, não seria incongruente citar autores que, independente da vinculação
ideológica, trilharam esse caminho. Por exemplo, falar de Mário Travassos não é apenas
se prender à sua concepção de geopolítica da Bacia do Prata e a disputa entre Argentina
e Brasil pela área. Mais do que isso, o ensaio do autor de Projeção Continental do Brasil é
algo que procura demonstrar a importância de problemas econômicos e sociológicos que
ainda persistiam em sua época, como a desnutrição e o subemprego. Por sua vez, ler
Nelson Werneck Sodré (1968) não é apenas manifestação de uma vontade de saber
história militar brasileira, é perceber que a história militar não é divorciada da diplomacia e
da economia.
O motivo para isso é que a geopolítica, de modo geral, não é um departamento
independente e autossustentável das ciências sociais. A geopolítica é produto da
combinação geografia/ciência política, com o propósito de auxiliar aqueles que pensam o
papel do espaço na arregimentação de poder. Papel este que, regularmente, é exercido
pelo Estado por meio de militares, diplomatas e agregados, mas que pode sofrer
modificações conforme a correlação de forças políticas dentro da própria unidade
política14 (LACOSTE, 1989, p. 29).
Referências
AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira: Introdução ao Estudo da Cultura no Brasil. Brasília:
Edunb, 1963.
14
Na obra de Raymond Aron (1986) o termo unidade política aparece como substantivo de Estado quando
se trata da idade contemporânea. Mas para o autor de Guerra e Paz entre as Nações as unidades políticas
são territórios organizados politicamente, possuidores de cultura peculiar, valores afins e governados por
um poder hierárquico. Neste conceito cabem as cidades-estados da Grécia Antiga e da Itália renascentista,
bem como outros modelos de poder.
COSTA, João Cruz. Contribuição à História das Idéias no Brasil: O Desenvolvimento da Filosofia
no Brasil e a Evolução Histórica Nacional. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.
COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica. São Paulo: Edusp, 2008.
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
GALVÃO, Walnice Nogueira (Org.). Euclides da Cunha: História. In Grandes Cientistas Sociais.
São Paulo: Ática, 1984.
LACOSTE, Yves. A Geografia - Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra. São Paulo:
Ática, 1989.
MELLO, Leonel Itaussu. Quem tem Medo da Geopolítica? São Paulo: Hucitec, 1999.
MORAES FILHO, Evaristo (Org.). Comte: Sociologia. Grandes Cientistas Sociais. São Paulo:
Ática, 1978.
POPPER, Karl. A Lógica da Investigação Científica. In Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1974.
PRADO JUNIOR, Caio Prado. Evolução Política do Brasil e Outros Estudos. São Paulo:
Brasiliense, 1957.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 1996.
RODRIGUES, José Albertino (Org.). Pareto: Sociologia. Grandes Cientistas Sociais. São Paulo:
Ática, 1984.
RODRIGUES, José Honório; SEITENFUS, Ricardo. Uma História Diplomática do Brasil: 1531 a
1946. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
SCHWRCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no
Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SODRÉ, Nelson Werneck. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.